Você está na página 1de 1340

Gastroenterologia

Essencial

RenatoDani
Professor Aposentado do Departamento de Clfnica Médica da FMUFMG.
Membro Honorário da Academia Nacional de Medicina.
Titular da Academia Mineira de Medicina.

Coautora:

Maria do Carmo Friche Passos


Professora Adjunta Doutora do Departamento de Clínica Médica da
Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-Doutorado em Gastroenterologia pela
Harvard Medicai School (EUA). Belo Horizonte, MG.

Quarta edição

~
GUANABARA
KOOGAN
Os autores deste livro e a EDITORA GUANABARA KOOGAN LTDA. empenharam seus melhores esforços
para assegurar que as informações e os procedimentos apresentados no texto estejam em acordo com
os padrões aceitos à época da publicação, e todos os dados foram atualizados pelos autores até a data
da entrega dos originais à editora. Entretanto, tendo em conta a evolução das ciências da saúde, as
mudanças regulamentares governamentais e o constante fluxo de novas informações sobre terapêutica
medicamentosa e reações adversas a fármacos, recomendamos enfaticamente que os leitores consultem
sempre outras fontes fidedignas, de modo a se certificarem de que as informações contidas neste
livro estão corretas e de que não houve alterações nas dosagens recomendadas ou na legislação
regulamentadora.

Os autores e a editora se empenharam para citar adequadamente e dar o devido crédito a todos os
detentores de direitos autorais de qualquer material utilizado neste livro, dispondo-se a possíveis acertos
posteriores caso, inadvertida e involuntariamente, a identificação de algum deles tenha sido omitida.

Direitos exclusivos para a lingua portuguesa


Copyright C! 20 li by
EDITORA GUANABARA KOOGAN LTDA.

Uma editora integrante do GEN 1Grupo Editorial Nacional

Travessa do Ouvidor, 11
Rio de Janeiro - RJ - CEP 20040-040
Tels.: (21) 3543-0770/( ll) 5080-0770 I Fax: (21) 3543-0896
www.grupogen.com.br I editorial.saude@grupogen.com.br

Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte,
em quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição
pela Internet ou outros), sem permissão, por escrito, da EDITORA GUANABARA KOOGAN LTDA.

Editoração eletrônica: Edel


Projeto gráfico: Editora Guanabara Koogan

CI P-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE


SI.NDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Dl84g
4.ed.

Dani, Renato
Gastroenterologia essencial I Renato Dani, Maria do Carmo Friche Passos. - 4. ed. - [Reimpr.]. -
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018.

Inclui índice

ISBN 978-85-277-1834-9

I. Gastroenterologia. 2. Aparelho digestivo - Doenças. I. Passos, Maria do Carmo Friche.


11. Título.

11-1941. CDD: 616.33


CDU:616.3
Colaboradores

AcUvio de Oliveira e Silva Am&ico de Olivdra Sllvi rio


Professor Livre-Docente do ~ento de Gastrotnterologia da Fa- Mestre em Medicina. Professor substituto da disciplina de Gastroentero-
culdade de Medicina da USP. Diretor Oínico do Centro Terapêutico E&- logia da Universidade Federal de Goiânia. Chefe do Serviço de Gastro-
ptdalizado em Fígado (CETEF!) do Hospital da Bene6clblc!a Portuguesa enterologia e Endoscopia Digestiva Alta do Hospital Geral de Goiânia.
de São Paulo. São Paulo, SP. Goiânia,GO.

Adi rson Omar Mourão Cintra Damião Ana Beatriz de Vuconoelos


Professor Assistente Doutor do Departamento de Gastroenterologia da Membro da Clínica Céu Aberto, do Ambulatório de Estimulantes do Gru-
Faculdade de Medicina da USP. São Paulo, SP. po Interdisciplinar de Estudos Álcool e Drogas, do Instituto de Psiquiatria
do Hospital das Clfnicas da Faculdade de Medicina da USP. Psicóloga do
Adllton Toledo Ornellas CETEFI do Hospital dallenefici~ncia Portuguesa de São Paulo. Psicóloga
Professor Adjunto de Gastroenterologia do Departamento de Clínica Mé• do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo. São Paulo, SP.
dica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de juiz de Fora,
MG. Ana Flávia PaS$01 Ra.mos
Gastroenterologjsta. Midica Assistente da Cl!nica de Gastroenterologia
Adriana Athayde Lima Stebling da Santa Casa de Belo Horizonte e da Fundação Hospitalar do Estado de
Gastroenterologista titulada pela FBG. Endoscopista titulada pela SOBED. Minas Gerais.. Mestranda em Gastroenterologia pela Faculdade de Medi-
Membro do corpo clinico do Hospital Biocor. Belo Horizonte, MG. cina da UFMG, llelo Horizonte, MG.
Adriana Pom Micbe Hirschfeld Ana Karla Gaburrl
Pediatra titulada pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Midica Assistente Mestre em Gastroenterologla pela Escola Paulista de Medicina (UNIFESP).
do Grupo de transplante hepático do Hospital A. C. Camargo, São Paulo, Professora Assistente de Gastroenterologia da Universidade Metropolita·
e do Hospital Sírio-Uban!s, São Paulo, SP. na de Santos. Santos, SP.
Adriano Ml:tlara Gonzalez
Andri Gustavo Santos Pereira
Professor de Gastroenterologia Cirúrgica do Hospital São Paulo da Univer-
Médico do Centro Tera~ulico Especializado em Fígado (CETEFI) do
sidade Federal de São Paulo. Research Fellowship in Uver a.nd GI Trans- Hospital da Beneficiencia Portuguesa de São Paulo, SP.
plant, Department ofSurgery ofthe University of Miami, Florida. Médico
do Centro Terapiutico E&pecializado em Flgado (CETEFI) do Hospital da Andei Luh Tavares Pinto
Bene6ci~ncia Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP. Professor Associado da disciplina de Gastroenterologia da Universidade
Federal de juiz de Fora, MG. Mestre em Gastroenterologia pela Univer-
Aido Flb lo MeireUes de Souza sidade Federal de São Paulo, SP. Juiz de Fora, MG.
Mestre em Gastroenterologia pelo Instituto BrasUelro de E&tudos e Pesqui-
sas em Gastroenterologia OBEPEGE). São Paulo, SP. Professor Adjunto de Andréa de Faria Mendes
Gastroenterologia do Departamento de CHnica Midica da Faculdade de Médica da 18' Enfermaria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de ja-
Medicina da Universidade Federal de juiz de Fora, MG. Chefe do Serviço neiro. Professora Auxlliar de Ensino da Universidade Gama FUho, Rio
de Gastroenterologia e Coordenador do Centro de Refer~ncia em Hepatites de Janeiro, Rj.
do Hospital Universitário da Universidade Federal de juiz de Fora, MG.
Andreia Maria Camargos Rocha
Ahmed Abu-Shanab Professora Associada, Departamento de Propedêutica Complementar,
Research Fellow, Allmentary Pharmabiotic Centre, Unlversity CoUege Faculdade de Medicina da UFMG. Doutora em Gastroe.nterologia pela
of Cork. Ireland. UFMG,llelo Horizonte, MG.
Alexandre Rodrigues Ferreira Angelo Alves de Mattos
Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da UFMG. Doutor em Professor Titular da Disciplina de Gastroenterologia da Universidade Fe-
Medicina. Gastroenterologista Pediátrico do Setor de Gastroenterologia deral de Ciências da Saúde de Pono Alegre (UFCSPA) e do Curso de Pós-
Pediâtrica do Hospital das Clinicas da UFMG. Endoscopista pediátrico do Graduação em Hepatologla da UFCSPA. Presidente da Sociedade Brasi-
Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Oínic:as da UFMG. leira de Hepatologia. Presidente da Associação Latino-Americana para o
Belo Horizonte, MG. E&tudo do Fígado, Pono Alegre, RS.

Aloisio Sales da Cunha Angelo Paulo Ferrari Junior


Professor Emérito do Departamento de Clínica Médica da UFMG. Belo Professor Adjunto e Chefe do Setor de Endoscopia da Universidade Fe-
Horizonte, MG. deral de São Paulo. São Paulo, SP.
VI Colaboradores

Angelo Zambam de Mattos Aparelho Digestivo {ICAD) do Hospital da Beneliciência Portuguesa de


Membro do Serviço de Gastroenterologia Clínica e Cirúrgica da Irmandade São Paulo. São Paulo, SP.
da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Mestrando do Curso de
Pós-Graduação em Hepatologia da UFCSPA, Porto Alegre, RS. Daniella Cavalcanti
Pós-Graduada em Gastroenterologia pela PUC do Rio de janeiro. Mé·
Arnaldo Berna! Filho dica Residente de Cllnica Médica da Santa Casa de Misericórdia do Rio
Médico do Centro Terapêutico Especializado em Fígado (CETEFI) do de Janeiro, RJ.
Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, SP.
Daniella Ribeiro Einstoss Korman
Arnaldo José Pontello Neves Gastroenterologista. Capitã Médica e Endoscopista da Polícia Militar de
Gastroenterologista do Hospital Israel Pinheiro, do Instituto de Previdên· Minas Gerais. Belo Horizonte, MG.
cia dos Servidores do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG.
Dario Ravazzi Arnbrizzi
Augusto Paulino Nettot Chefe do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco·Maxilo·Facial da
Chefe da !3• Enfermaria da Santa Casa do Rio de Janeiro. Professor Ti· FAMECA, Catanduva, SP. Mestre em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pelo
tular e Chefe do Departamento de Cirurgia da Escola de Medicina Souza Hospital Heliópolis de São Paulo, SP.
Marques, Rio de Janeiro. Membro Titular da Academia Nacional de Me·
dicina, Rio de Janeiro. David Corrêa Alves de Lima
Diretor da Clinica BIOGASTRO - Núcleo de Gastroenterologia e Video ·
Briane André Vertuan Ferreira endoscopia Digestiva. Membro da SFED (Sociedade Francesa de Endos-
Médica do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Pau· copia Digestiva). Membro da ASGE (American Society ofGastrointestinal
lo,SP. Endoscopy), Belo Horizonte, MG.

Bruno Squárcio Fernandes Sanches Dorina Barbieri


Mestre em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da UFMG. Livre-Docente em Pediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade
Membro do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Biocor. Belo Ho· de São Paulo. Ex-Chefeda Unidade de Gastroenterologia do Instituto da
rizonte, MG. Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP. Professora do Curso de Pós·
Graduação do Departamento de Pediatria da FMUSP, São Paulo, SP.
Carlos Augusto Gomes
Professor Adjunto Doutor responsável pela Disciplina de Cirurgia do Sis· Dulciene Maria de Magalhães Queiroz
tema Digestório da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Professora Titular do Departamento de Propedêutica Complementar,
juiz de Fora (UFJF). Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões Faculdade de Medicina da UFMG. Doutora em Microbiologia pela Uni·
{CBC). Membro Titular da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e versidade Federal do Rio de Janeiro. Belo Horizonte, MG.
Enteral (SBNPE), Juiz de Fora, MG.
Eamonn M. M. Quigley
Carlos Henrique Diniz de Miranda Professor do Medicine and Human Physiology, Alimentary Pharmabiotic
Professor Auxiliar do Departamento de Clinica Médica da Faculdade de Centre, Department ofMedicine, Cork Urúversity Hospital, Cork, Irlanda.
Ciências Médicas de Minas Gerais. Assistente Efetivo do Serviço de Gas· Ex-Presidente do World Gastroenterology Organization. Ex-Presidente
troenterologia da Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG. do American College of Gastroenterology. Cork, Irlanda.
Carlos Sandoval Gonçalves Edivaldo Fraga Moreira
Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da UFES. Chefe do Servi· Chefe da Cllnica Endoscópica do Hospital Fellcio Rocho. Belo Horizon·
ço de Gastroenterologia do Hospital Universitário Cassiano Antônio de te,MG.
Moraes do Centro Biomédico da Universidade Federal do Espírito San·
to. Vitória, ES. Eduardo Botelho de Carvalhot
Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica da FMUFMG.
Celso Marques Raposo Júnior
Belo Horizonte, MG.
Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Pau·
lo,SP. Eduardo Figueiredo Benedetti
Celso Mirra de Paula e Silva Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Pau·
Gastroenterologista. Membro do American College o f Gastroenterology. lo. São Paulo, SP.
Ex-Presidente da Sociedade de Gastroenterologia e Nutrição de Minas
Eduardo Nacur Silva
Gerais. Belo Horizonte, MG.
Mestre em Cirurgia. Cirurgião geral da Santa Casa de Belo Horizonte.
Claudemiro Quireze Junior Membro do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Belo Horizonte, MG.
Doutor em Medicina pelo Departamento de Cirurgia da Universidade
Federal de São Paulo. Assistente Doutor do Departamento de Gastroen· Eliza Maria de Brito
terologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás. Mestre em Gastroenterologia. Professora Assistente da Faculdade de Ciên·
Goiãnia, GO. cias Médicas da UNIFENAS, em Belo Horizonte. Membro do Grupo de
Esôfago, Estômago e Duodeno do Instituto Alfa de Gastroenterologia,
Cristiane Maria Fre.itas Ribeiro Hospital das Clínicas, UFMG, Belo Horizonte, MG.
Médica Patologista do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Pau·
lo. Médica Assistente do Departamento de Anatomia Patológica da Santa Elmar José Moreira Lima
Casa de Misericórdia de São Paulo. São Paulo, SP. Gastroenterologista em Belo Horizonte, MG.

Dan Linetzky Waitzberg Elson Vida! Martins Junior


Professor Associado da Disciplina de Cirurgia Experimental da Facul· Mestre em Gastroenterologia pela Escola Paulista de Medicina (UNIFESP).
dade de Medicina da Universidade de São Paulo. Livre-Docente, Mestre Professor Assistente da Disciplina de Cllnica Médica da Faculdade de
e Doutor em Cirurgia pela FMUSP. Diretor do Instituto de Cirurgia do Ciências Médicas de Santos, SP.
Colaboradorrs VIl
Eponina Maria de Oliveira Lemme Gifone AguiM Rocha
Professora As-iada do Departamento de Clinica M~ica da Faculdade Professor Associado, Departamento de Propedêutica Complementar, Fa-
de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Olefe da Uni- culdade de Medicina/UFMG. Doutor em Microbiologia pela UFRJ, Belo
dade de Esôfago e do Ambulatório de Doenças do Esôfago, Serviço de Horizonte, MG.
Gastroenterologia do Hospital Oementino Fraga Filho, UFRJ - Rio de
Janeiro,~- Gilberto Perón Júnior
Médico Assistente do CETEFI do Hospital da Beneficiencta Portuguesa
Evand.r o de Oliveira Souza de São Paulo. São Paulo, SP.
Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Pau-
lo,SP. Gilda Porta
Professora Livre-Docente do Departamento de Pediatria da FMUSP. Mé·
F'bio Heleno de Lima Pace dica Hepatologlslll Pedlátrica do Instituto da Criança do Hospital das OI-
Mestre e Doutor em Gastroenterologia pela &cola Paulista de Medicina Dicas da FMUSP. Médica do Grupo de Transplante Hepático do Hospital
da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Professor Adjunto de A. C. Camargo e do Hospital S!rio-Libanês, São Paulo, SP.
Gastroenterologia do Departamento de Cllnica M~ica da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG. Glaciomar Machado
Professor Titular de Gastroenterologia da Faculdade & Medicina da Uni-
F'bio Rosa Morau versidade Federal do Rio de Janeiro. Ph.D. pela Universidade de Bristo~
M~ico do CETEFI do Hospital da Bendicilncia Portuguesa de São Pau-
Inglaterra. Membro Titular da Academia Nacional de Medicina (cadeira
lo, SP.
18). Presidente da Organi~o Mundial de Endoscopia Digestiva - OMED
Fausto E. Lima Pereira (I 998-2002). Presidente Honorário da Organização Mundial de Endosco-
Professor Titular de Patologia da Universidade Federal do Esp!rito Santo, pia Digestiva - OMED (2005). Rio de Janeiro, Rj.
Núcleo de Doenças Infecciosas (NDI) da UFES, Vitória, ES.
Graziella Mattar Vieira de Alvarenga
Fauze Maluf Filho Membro Titular da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
Mestre em Medicina pelo Departamento de Gastroenterologia da Facul- Endocrinologista do Hospital Socor. Belo Horizonte, MG.
dade de Medicina da Universidade de São Paulo. Médico Assistente do
Serviço de Endoscopia Gastrointestinal do Hospital das Clinicas da USP. Guilherme Santiago Mendes
Endoscopista do CETEFI do Hospital da Benefici!ncia Portuguesa de São Hepatologista e Gastroenterologista. Preceptor da Residência de Gastro-
Paulo. Chefe do Serviço de Endoscopia do Instituto do Ctncer do Estado enterologia do Hospital Governador Israel Pinheiro do Instituto de Previ-
de São Paulo, SP. dência dos Servidores do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG.

Felipe de Souza Atan Guilherme Taramell dos Santos Cecil.io


M~ico do CETEFI do Hospital da Benefici!ncia Portuguesa de São Pau- Médico do CETEFI do Hospital da Beneliciência Portuguesa de São Pau-
lo, SP. lo,SP.

Fernando Augu.sto Vasconcellos Santos Gustavo Miranda Martins


Mestre em Cirurgia pela Faculdade de Medicina da UF MG. Titular da Assistente da Clínica Gastroenterológica da Santa Casa de Misericórdia
Sociedade Brasileira de Cancerologia e do Colégio Brasileiro de Cirurgia de Belo Horixonte. Ex-Estagiário do Serviço de Hepatogastroenterologia
Digestiva. Cirurgião do Hospital Governador Israel Pinheiro {IPSEMG) do Hospital Sainte Margucrite, Marselha, França (Serviço do Prof. José
e do Instituto Alfa do HC da UFMG - Belo Horizonte, MG. Sahel). Belo Horizonte, MG.
F"vla Costa Cardoso Heitor Rosa
Médica do CETEFI do Hospital da Benefici!ncia Portuguesa de São Pau- Doutor em Medicina. Professor Titular da Disciplina de Gastroenteroiogia
lo,SP. da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás. Chefe do Ser-
viço de Gastroenterologia e Hepatologia do Hospital das Qlnicas da UFG.
F"vlo Antonio Quilici
Ex-Diretor da Faculdade de Medicina da UFGO. Goiânia, GO.
Professor Titular de Gastroenterologia e Cirurgia Digestiva da Faculdade
de Medicina do CCV da PUC-Campinas. Mestre em Medicina e Doutor Henrique Eloy 8. C&ma.ra
em Cirurgia pela Unicamp. Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de En- Membro do Serviço de Cirurgia da Santa Casa de Misericórdia de Belo
doscopia Digestiva. Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Coloprocto- Horizonte. Cirurgião em Belo Horizonte, MG.
logia. Ex-Presidente da Associação Brasileira para o Estudo da S!ndrome
do Intestino Irritável, Campinas, SP. Hilton Muniz Leio Filho
Médico Radiologista Especializado em Imagens do Abdome e Pelve. Se-
Francisco César Nassar Tribulato
tor de Radiologia do Hospital do Coração, Parte de Medicina Interna.
Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Pau- São Paulo, SP.
lo,SP.
Isaura Ramos Assumpçio
Francisco Leóncio Dau.i
Mestre ern Pediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São
Médico do CETEFI do Hospital da Benefici!ncia Portuguesa de São Pau-
Paulo. Assistente da Unidade de Gastroenterologia do Instituto da Crian-
lo,SP.
ça do Hospital das Cllnicas da FMUSP, Médica Assistente da Unidade de
Frederico Passos Marinho Gastroenterologia do Instituto da Criança do Hospital das Oln!cas da
Gastroenterologista titulado pela Federação Brasileira de Gastroentero- FMUSP. São Paulo, SP.
logla. Mestrando em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da
UFMG. Belo Horizonte, MG. Jaime Natan Eisig
Doutor em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da Universi-
Geru5a Marlmo de Almeida dade de São Paulo. Chefe do Grupo de Estômago do Serviço de Gastro-
Médica do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Pau- enterologia CUnica do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da
lo,SP. Universidade de São Paulo, SP.
VIII Colaboradores

Jander Toleclo Ferreira Jullana Becattini Guerra


Membro do Grupo de Esôfago e Estômago e do Grupo de Figado, Vias Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Bacteriologia da FM UFMG.
Bilians, Plncreas e Baço do Instituto Alfa de Gasttoenterologia do Hos- Professora da Universidade de ltaúna, MG. Belo Horizonte, MG.
pital das Clinicas da UFMG. Cirurgião do instituto de Previdtncia dos
Juliano Machado de Oh'veira
Servidores do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG. Mestre em Gastroenterologia pela Universidade de São Paulo (USP), São
Jean Rodrigo Ta farei Paulo, SP. Professor Assistente de Gastroenterologia do Departamento de
Gastroenterologista titulado pela FBG. Endoscopista titulado pela Clínica Médica da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG.
SOBED. Doutor em Ciências Médicas pela Escola Paulista de Medicina, Julio Maria Fonseca ChebU
da UFSP. Curitiba, PR. Doutor em Gastroenterologia pela UNIFESP. Professor Associado e Di ·
Joffre Marcondes de Rnende retor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora,
Professor Emérito da Universidade Federal de Goilnia. Goiânia, GO. MG. Pesquisador do CNPq. Juiz de Fora, MG.
Katia Valéria Bastos Dias Barbosa
Joffre Rtunde FUho
Mestre e Doutora em Gastroenterologia pela Universidade Federal de
ProfeNOr Assistente Doutor do Serviço de Gastroenterologla e Hepato·
Minas Gerais, MG. Mêdica do Serviço de Gastroenterologia do Hospital
logia do Hospital das Qinicas da Universidade Federal de Goils. Mestre
Unlversitârio da Universidade Federal de Jutt de Fora, MG. Professora
em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina de Ribeirio Preto (Uni·
Assistente de Gastroenterologla do Departamento de Clínica MMica da
venidade de São Paulo). Goiinia, GO.
Universidade Federal de Juiz de Fora, MG.
Jorge MaruJo PadUia Manuro
Laura Cotta Omellas H alfdd
Mestre em Gamoenterologia pelo Hospital dos Servidores Públicos do
Doutora em Gastroenterologla pela Escola Paulista de Medicina
Estado de São Paulo. MMico Assistente do CETEFI, do Hospital da Be- (UNlFESP).
neficiência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP.
Leonardo Reuter Motta Gama
José Alves de Freitas Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Pau·
Doutor em Gastroenterologia pela Escola Paulista de Medicina, São Paulo. lo, SP.
Professor Titular de CUnica Médica I da Faculdade de Medicina de Catao·
duva e Diretor da Faculdade de Medicina de Catanduva. Catanduva, SP. Liano Sia Moreira
Chefe do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Socor. Membro
José Celso Ardengh dos Serviços de Endoscopia Digestiva dos Hospitais Mate r ~i e Gover·
Médico Assistente do Setor de Endoscopia e Ecoeodoscopia do Hospital nador Israel Pinheiro (IPSEMG). Gastroenterologista titulado pela FBG.
Israelita Albert Einstein. Médico Voluntârio do Setor de Endoscopia Di· Endoscopista titulado pela SOBED. Belo Horizonte, MG.
gestiva da Disciplina de Gastroenterologia da Escola Paulista de Medicina
(UNlFESP). São Paulo, SP. Lillana Andrade CbebU
Gastroenterologista pelo Hospital Universitário da Faculdade de Medicina
José Oayrdl de Uma Andrade da Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais. Mestre em Ciências
Professor da Faculdade de Medicina de Barbauna, MG. Preceptor da Resi· da Saúde pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de
dência de Cl!nica MMica no Hospital Regional de Barbacena (FHEMIG). Fora. Doutoranda do Programa de Pôs-Graduação em Saúde, Núcleo de
Ex-Estagiário no Serviço de Hepatogastroentcrologia do Prof. Jose Sahel Pesquisa em Gastroenterologia. Faculdade de Medicina da Universidade
no H6pital de la Conceptlon, em Marselha, França. Barbacena, MG. Federal de Juiz de Fora, MG.
José de Laurentys Medeiros Lincoln Eduardo VIIIela Vieira de Castro Ferreira
Professor Titular de Semiologia da Faculdade de Ciências Médicas de Doutor em Gastroenterologia pela Escola Paulista de Medicina - Uni·
&lo Horizonte. Chefe da Clínica Gastroenterológlca da Santa Casa de versidade Federal de São Paulo, SP. Médico do Serviço de Gastroentero·
Belo Horizonte. Titular da Academia Mineira de Medicina. Belo Hori· logia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora,
zonte,MG. MG.
José de Laurenly$ Medeiros Junior Lisandra Carolina M . Quilld
Gastroenterologista e Eodoscopísta do Hospital da Policia MUitar de Belo Cirurgiã do Aparelho Digestivo e Endoscopista. Cirurgiã do Hospital da
Horizonte, MG. PUC. Campinas, SP.
José Galvio Al•-e• Lorete Maria da SUva Kotu
Chefe da 18• Enfermaria do Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia Doutora em Gastroenterologia Cl!nica pela Escola Paulista de Medicina da
do Rio de Janeiro. Professor Titular de Clínica Médica da Universidade Universidade Federal de São Paulo. Titulada como Especialista em Gas-
Gama Filho e da Faculdade de Medicina da Fundação Técnico-Educacional troenterologia, Gastroenterologia Pediátrica e Clínica Médica. Professora
Souza Marques. Professor de pós-graduação em Gastroentcrologia da Pon· Adjunta Aposentada da Disciplina de Gastroenterologia do Hospital das
tificla Universidade Católica do Rio de Janeiro. Membro Titular da Acade· Qinícas da Universidade Federal do Paraná. Professora Adjunta do Cu r·
mia Nacional de Medicina. Presidente da Federação Brasileira de Castro· so de Medicina do Setor de Ciências Biológicas e da Saúde da Pontiflcia
enterologia. Doutorem Medicina pela Faculdade de Medicina da UFMG. Universidade Católica (PUC) do Paraná. Professora do Curso de Espe·
Rio de Janeiro, RJ. ciali2ação em Adolescência da PUC-Paraná. Chefe do Serviço de Castro·
enterologia do Hospital Universitário Cajuru da PUC·Paraná. Membro
José Mauro Messias Franco Internacional do American College o f Gastroenterology. Curitiba, PR.
Chefe do Serviço de Gastroenterologla do Hospital Governador Israel
Pinheiro (IPSEMG). Sócio-Titular da FBG e da SGNMG. Belo Hori· Lucas Cagnin
z.onte,MG. Médico do CETEFI do Hospital da Benefid~ncia Portuguesa de São Pau·
lo, SP.
José Sahel
Professor de Gastroenterologia e de Hepatologia da Universidade do Me· Lucas Souto Nadf
diterrâneo (Aix-Marseille li). Marselha. Chefe do Serviço de Gastroente· Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Pau-
rologia do H6pital de la Conception, Marselha, França. lo, SP.
Colaboradores IX
Ludana Dias Mordzsohn Marcelo Henrique de OUvri.ra
Professora Adjunta Doutora do Departamento de CUnica Médica da Fa- Especialista em Gastroenterologia pelo Serviço de Gastroenterologla do
culdade de Medicina da UFMG. Membro do Grupo de Proped&ltica do Hospital Governador Israel Pinheiro (IPSEMG, Belo Horizonte). Barba-
Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Olnlcas da UFMG. cena,MG.
Belo Horizonte. MG.
Márcio Guimaries Moreira Dias
Lucia.na Dl.nlr. Silva Gastroenterologista e Endoscopista. Patos de Minas, MG.
Professora Associada, Departamento de Ofnica Médica, Faculdade de
Medicina da UFMG. Coordenadora de Projetos de Pesquisa e Extensão Marcos Vinicius Perlnl
do Ambulatório de Hepatites Virais do instituto Alfa de Gastroenterologia Assistente Doutor do Serviço de Cirurgia de Fígado e Hipertensão Portal.
do Hospital das Clinicas da UFMG,Ilelo Horizonte, MG. Hospital das Cl!nicas, FMUSP. São Paulo, SP.
Luciano Cézar Ribeiro Magalhães
Maria Clara Fre.itas Coelho
Gastroenterolog!sta e Endosropista. Professor Assistente da Faculdade
Assistente Voluntária da VI Enfermaria de Mulheres da Santa Casa de
Federal de Medicina de Montes Oaros. MG.
Belo Horizonte, MG.
Luis Femando Dutra Di.n.iz
Gastroenterologista e Endoscopista Titulado. Sete Lagoas, MG. Maria da Penha Zago Gomes
Professora Adjunta de Cllnica MMica do CentrO Biomédico da Univer-
Lui1 Augusto Carneiro D'Albuquerque sidade Federal do Esplrito Santo. Vitória, ES.
Profe$$0r Titular dn Departamento de Gastroenterologia, Disciplina de
Transplante de Fígado, da Faculdade de Medicina da Universidade de Maria de Lourd<$ de Abreu Ferrari
São Paulo. Diretor Cirúrgico do CETEFI, Hospital da lleneficiência Por- Professora Adjunta Doutora do Departamento de Clinica Médica da Fa-
tuguesa de São Paulo, SP. culdade de Medicina da UFMG. Membro do Grupo de Coloproctologia e
Intestino Delgado e Coordenadora do Ambulatório de Intestino Delgado
Lub; Cláudio Miranda da Rocha
Endoscopista Assistente do Hospital Ma ter Dei e do I Iospital da Policia do Instituto Alfa de Gastroenterología, Belo Horizonte, MG.
Militar de Minas Gerais. Especialista em Endoscopia do Aparelho Diges-
Maria do Carmo Friche Passos
tivo titulado pela SOBED. Curso de Especialização em Endoscopia Di-
Professora Adjunta Doutora do Departamento de Olnlca Médica da Uni-
gestiva em Lyon, França. Mestre em Gastroenterologia pela Faculdade de
versidade Federal de Minas Gerais. Pós-Doutorado em Gastroenterologia
Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG.
pela Harvard Medicai School (EUA). Belo Horizonte. MG.
L..U de Souu e Sil.a Júnior
Professor da Universidade de Ciência da Saúde de Alagoas. Médico do Maria Eliubeth Calore Neiva
Hospital Univer$itário da Universidade Federal de Alagoas. Maceió, AL Médica do CETEFI do Hospital da Benefiàência Portuguesa de São Pau-
lo,SP.
Lu11Gonuga VuCoelho
Professor Titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Maria Ermellnda CamUo
Medicina da UFMG. Subchefe do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Professora Auxiliar e Diretora do Centro de Nutrição e Metabolismo da
Hospital das Clínicas da UFMG, Belo Horizonte, MG. Faculdade de Medicina de Lisboa. Lisboa, Portugal
Luiz Roberto Kotze Maria Juliana Louggio Cavalcanti
Médico Patologista, titulado pela Sociedade Brasileira de Patologia (SBP). Médica do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Pau-
Médico colaborador do Grupo de Pesquisa em Doenças do Sistema Diges-
lo,SP.
tório da PUC-PR. Patologista do Laboratório CITOPAR. Curitiba, PR.
Lub Ronaldo Alberti Ma.r ua Fonseca Magalhilu
Endoscopista e diretor-técnico da Clínica Biogasrro de Belo Horizonte. Professora AU1iliar do Departamento de Cllnica Médica da Faculdade de
Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da UFMG. Mestre e Dou- Ciênàas Médicas de Minas Gerais. Assistente Efetiva do Serviço de Gas-
tor em Cirurgia pela UFMG. Membro Titular da Federação Brasileira de troenterologia da Santa Casa de Belo Horizonte, MG.
Gastroenterologia e da SGNMG. Membro Adjunto do Colégio Brasileiro
de Cirurgiões. Membro da SOBED. Belo Horizonte, MG. Marta Carvalho Galvio
Médica do staffda 18• Enfermaria da Santa Casa de Misericórdia do Rio
Maba da Silva Costa de Janeiro. Chefe do Serviço de Radiologia do Hospital São Zacarias do
Médica do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Pau- Hospital Geral da Santa Casa do Rio de Janeiro. Professora Assistente de
lo,SP. Radiologia da Faculdade de Medicina da Fundação Técnico-Educacional
Souza Marques e da Universidade Gama Filho. Mestre em Radiologia pela
Maraci Rodrigues Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ.
Doutora em Pediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo. Assistente do Departamento de Gasrroenterologia do Instituto Mauro Bafutto
Central do Hospital das Oínícas da fMUSP. Ex-Estagiária do Departa- Mestre em Gastroenterologla pela UnJvemdade Federal de São Paulo.
mento de Pediatria- Divisão de Ga.stroentcrologia e Nutrição da UCLA, Professor Convidado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
Los Angeles, Califomia. São Paulo, SP. de Goiás, Goilnia. Diretor Clinico e Pesquisador do Instituto Goiano de
Marcet. Mendes Auumpçio Ga.stroenterologia. Goilnla. GO.
Médica do CETEFI do Hospital da llenefià~ncia Portuguesa de São Pau-
MounibTada
lo,SP.
Membro do Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas em Gastroen-
Marcelo Augusto Fontenelle Ribeiro Júnior terologia (IBEPEGE) e do lmtituto de Gastroenterologia de São Paulo
Doutor em Medicina pela Universidade Federal de Slo Paulo. São Pau- (IGESP). Chefe da Unidade de Gastroenterologia do Hospital do Cora-
lo,SP. ção. São Paulo, SP.
X Colaboradores

Naisa Oliveira Alvim Mattedi Priscila Lopes


Médica do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Pau- Médica do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Pau-
lo,SP. lo,SP.

Natália Cordeiro Rafael Hygino Rodrigues Cremonin


Médica Residente de Clinica Médica da Santa Casa de Misericórdia do Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Pau-
Rio de janeiro, R). lo,SP.
Patrícia Barbosa Ferrari Raul Carlos Wahle
Pediatra Titulada pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Pediatra da Tria- Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Pau-
gem Neonatal do Estado do Paraná, Fundação Ecumênica da Proteção ao lo,SP.
Excepcional. Curitiba, PR
Renato Dani
Patrícia Lofêgo Gon~alves
Médica do Serviço de Gastroenterologia, Centro Biomédico, Universidade Professor aposentado do Departamento de Cínica Médica da FMUFMG.
Federal do Espirito Santo (UFES). Vitória, ES. Ex-Chefe do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Israel Pinheiro,
do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais.
Paula Amorirn Novais Titular da Academia de Medicina de Minas Gerais. Membro Honorário
Mestre em Gastroenterologia pela UFRJ. Médica do Serviço de Gastroen- da Academia Nacional de Medicina. Ex-Presidente da Federação Brasi-
terologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, UFRJ. Rio leira de Gastroenterologia e da Sociedade Brasileira de Hepatologia. Belo
de janeiro, R). Horizonte, MG.
Paula Hugueney Cruz Renato Ferrari Letrinta
Médica do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Pau- Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Pau-
lo,SP. lo,SP.

Paulo Cesar Andriguetto Renato Mitsunori Nisíhara


Mestre em Cirurgia. Coordenador Geral da Residência do Hospital Nos- Ph.D. Professor Titular da disciplina de Microbiologia e Imunologia
sa Senhora das Graças de Curitiba. Preceptor de Residência em Cirurgia Médica do Departamento de Medicina da Universidade Positivo. Pro-
do Aparelho Digestivo do Hospital das Clínicas da UFPR. Cirurgião As- fessor Responsável pela disciplina de Microbiologia e Imunologia Mé-
sistente Estrangeiro da Faculdade de Medicina de Montpellier, França. dica do Departamento de Medicina da Faculdade Evangélica do Paraná
Curitiba, PR. (FEPAR). Membro do Grupo Docente Estruturante do Curso de Medicina da
FEPAR. Pesquisador do Grupo de Pesquisa do Laboratório de !muno-
Paulo Fernando Souto Bittencourt patologia da Universidade Federal do Paraná e Responsável Técnico do
Doutor em Pediatria pela Faculdade de Medicina da UFMG. Endoscopis-
Laboratório de lmunopatologia da UFPR Consultor do Setor de Imu-
ta Pediãtrico do Instituto Alfa (HC da FMUFMG) e do Hospital Fellcio
nologia do Citolab, Laboratório de Citologia Clínica e Histopatologia.
Rocho. Belo Horizonte, MG.
Curitiba, PR.
Paulo Gustavo Kotze
Renato Rocha Passos
Médico Coloproctologista. Membro Titular da Sociedade Brasileira de
Chefe de Cínica da 13' Enfermaria do Hospital Geral da Santa Casa de
Coloproctologia. Médico do Serviço de Coloproctologia da Aliança Sai\de
Misericórdia do Rio de janeiro. Professor Auxiliar da Universidade Gama
do Hospital Universitário Cajuru (PUCPR). Mestre em Ciências da Saúde
Filho. Professor Auxiliar da Faculdade de Medicina da Fundação Técnico-
pelo Setor de Ciências Biológicas da Pontiflcia Universidade Católica do
Educacional Souza Marques. Rio de Janeiro, R).
Paraná. Curitiba, PR.
Paulo Herman Ricardo Cesar Rocha Moreira
Professor Associado do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP. Cirurgião Vascular e Endovascular. Diplomado pelo American Board
Chefe do Serviço de Cirurgia de Fígado e Hipertensão Portal do Hospital of Surgery. Mestre e Doutor em Cirurgia pela Universidade Federal do
das Clinicas da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP. Paraná. Chefe do Serviço de Cirurgia Vascular do Hospital Universitário
Cajuru da PUC do Paraná, em Curitiba. Membro Titular e Ex-Mestre
Paulo Roberto Savassi Rocha do Capítulo do Paraná do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Presidente
Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medici- da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular, Regional do
na da Universidade Federal de Minas Gerais. Chefe do Instituto Alfa de Paraná. Curitiba, PR
Gastroenterologia do Hospital das Clinicas da UFMG. Belo Horizonte,
MG. Ricardo Guilherme Viebig
Mestre em Gastroenterologia pelo IBEPEGE, São Paulo. Membro Titular
Paulo Villar do Valle do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva. Editor Consultivo da Revista
Chefe do Setor de Imagens da Casa de Saúde São José. Rio de janeiro, Arquivos de Gastroenterologia. São Paulo, SP.
R).
Ricardo P. B. Ferreira
Pedro Duarte Gaburri Gastroenterologista pelo Serviço de Gastroenterologia Clínica do Hospi-
Professor Adjunto de Gastroenterologia do Departamento de Clínica Mé- tal das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
dica da Universidede Federal de juiz de Fora, MG. Titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia. Professor de Gas-
troenterologia da Universidade do Estado do Amazonas e do Centro Uni-
Penélope Lacrísio dos Reis Menta versitário Nilton Lins.
Mestranda do Programa de Saúde do Adulto da Faculdade de Medicina
da UFMG. Nutricionista do Ambulatório de Hepatites Virais do Insti- Roberto Franceschelli Neto
tuto Alfa de Gastroenterologia (Hospital das Clinicas da UFMG). Belo Médico do CETEFI do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Pau-
Horizonte, MG. lo,SP.
Colaboradores XI
Roberto Pimentel Dias Clínica e Disciplina de Estágio Obrigatório Profissionalizante do Centro
Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de de Farmácia da UFPR.
Medicina da UFMG. Chefe do Serviço de Clínica Médica do Hospital Go· Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas
vernador Israel Pinheiro (IPSEMG). Belo Horizonte, MG. da UFPR. Curitiba, PR.

Roberto Santoro MeireDes Taiane Costa Marinho


Médico Gastroenterologista em Belo Horizonte, MG. Médica do CETEFI do Hospital da Beneliciência Portuguesa de São Pau·
lo,SP.
Rodrigo de Oliveira Peixoto
Professor Assistente da Disciplina de Cirurgia do Sistema Digestório da Thiago Beduschi, MO
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Fellow do Programa de Transplantes, Departamento de Cirurgia, Indiana
Mestre em Cirurgia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mem· University Health and Clarian Transplant lnstitute, lndianapolis, USA.
bro Titular da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral Vânia Luiza Cochlar Pereira
(SBNPE). Professora Assistente do Departamento de Clínica Médica da Faculdade
Rodrigo M. Quera de Medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, R). Mestre em
Gastroenterologista, Clinica Las Condes, Santiago do Chile. Honorary Gastroenterologia pela UFRJ. Rio de Janeiro, R).
Lecturer, Department o f Gastroenterology, University o f Chile Hospitais Verônica Desirée Samudio Cardozo
and Clinics, Santiago, Chile. Médica do Centro Terapêutico Especializado em Fígado (CETEFI) do
Rodrigo Macedo Rosa Hospital da Beneliciência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP.
Membro Titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia e Sociedade Victor B. Koehne
Brasileira de Endoscopia Digestiva. Coordenador da Residência MMica Gastroenterologista e Endoscopista. Mestre em Gastroenterologia pela
e Estágios em Endoscopia Digestiva do Instituto Alfa de Gastroentero· Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG.
Iogia - Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
Belo Horizonte, MG. Vitor Antonino Mendes de Sá
Chefe do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Evangélico de Belo
Rodrigo Vianna, MO Horizonte. Gastroenterologista e Endoscopista. Belo Horizonte, MG.
Diretor do Programa de Transplante Intestinal e Multivisceral, Professor
Associado do Departamento de Cirurgia. Indiana University Health and Vitor Arantes
Clarian Transplant lnstitute, lndianápolis, USA. Membro de Serviço de Endoscopia Digestiva do Instituto Alfa de Gastro·
enterologia (Hospital das Clínicas da UFMG). Especialização em Colan·
Rogério Luiz Coutinho Lopes giopancreatografia Endoscópica Retrógrada e Terapêutica Endoscópica
Professor Assistente do Departamento de Cllnica Médica da Faculdade na Universidade Autônoma de Barcelona. Research Fellow em Ultras·
de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG. som Endoscópico, University ofTexas Medicai Branch, Galveston, EUA.
Mestre em Gastroenerologia pela Faculdade Medicina da UFMG. Belo
Rogério Luiz Pinheiro Horizonte, MG.
Professor Assistente do Departamento de Cllnica Médica da Faculdade
de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG. Walton Albuquerque
Coordenador Médico do Serviço de Endoscopia Digestiva do Instituto Alfa
Sandra Beatriz Marion Valarini de Gastroenterologia (do Hospital das Clínicas da UFMG) e do Hospital da
Médica Gastroenterologista e Endoscopista Titulada. Mestre em Medici· Policia Militar de Minas Gerais. Endoscopista Assistente do Hospital Felício
na de Urgência pela PUCPR. Professora de Medicina da PUCPR. Curi· Rocho. Membro Titular da SOBED e do CBC. Especialização em Endosco·
tiba,PR. pia em Lyon, França. Doutor em Gastroenterologia pela FMUFMG.
Shirley Ramos da Rosa Utlyama Washington Luiz dos Santos Vieirat
Ph.D. Professora Associada do Departamento de Patologia Médica da Doutor em Gastroenterologia. Assistente da Clínica Gastroenterológica
Universidade Federal do Paraná. Professora da Disciplina de Imunologia da Santa Casa de Misericórdia, Belo Horizonte, MG.
Dedicatória

Dedico este livro a Lucia Soares de Albuquerque, verdadeira irmã mais vellia, amiga em todos
os momentos, falecida dias antes de seu centenário, e a Célio Diniz Nogueira, grande mestre
de cirurgia, grande amigo.

R. Dani

Para meus mestres da vida, diletos pais, Abelardo e Mariinha.

Para meus mestres de iniciação na ciência e na arte de Hipócrates, nos exemplos luminosos de
José de Laurentys Medeiros e Luiz de Paula Castro, bússolas orientadoras que me conduziram
ao saber sábio e de prática aprendizagem com um Vaz Coellio.

Com especial reconhecimento ao professor Renato Dani, pelo generoso convite que me abre
as portas deste livro de referência para toda a gastroenterologia brasileira, por ele magistral-
mente concebido.

Maria do Carmo Friche Passos


Meus filhos e netinhos
Há muitos anos um árabe, homem importante entre os seus, palácios subterr4neos, tampouco aqueles que os precederam.
dirigiu a um arqueólogo inglês, de nome Austen Henry Layard, Então, eis que aparece um franco, de um país afastado muitos
as palavras de espanto e respeito que verão adiante. O que mo- dias de viagem, vai ele diretamente ao lugar, pega um bastão e
tivou toda a emoção e admiração do xeique foram as descober- traça uma linha para cá, uma linha para lá. Aqui, diz, está o
tas trazidas à luz do dia pelo arqueólogo. Esse inglês, nascido palácio, e acolá está o portão. E mostra-nos o que, durante toda
de famllia modesta e mais tarde nomeado Sir, desenterrou das a nossa vida, esteve sob os nossos pés, sem que nada soubésse-
areias do deserto maravilhas de um passado remoto, testemu- mos. Maravilhoso! Maravilhoso! Aprendeste isso pelos livros,
nhas palpitantes do esplendor da perdida civilização assíria. Ele por artes mágicas, ou pelos vossos profetas? Di-lo, 6 Bei! Diz-me
é um bom exemplo de como um homem de poucos recursos o segredo da sabedoria!•
materiais, mas determinado, transforma sonhos em realidade.
Layard continuou o trabalho do francês Paul-~mU Botta, pio- Assim discursou o aturdido xeique Abd-AI-Rahrnan. Eu
neiro no campo da arqueologia mesopotâmica, com quem se também queria saber esse segredo e meu coração se aquece ao
encontra.ra e cujas conversas muito o influenciaram. O francês imaginar que - quem sabe? -vocês o descubram. ~possível
era, também, um médico como o trisavô, o bisavô, o avô e a que o caminho para lá chegar inclua ter um espírito aberto e
avó de vocês, meus netos, o que não deixa de gerar um certo desarmado, inteligência, curiosidade, observação critica e sim-
ar de empatia... Botta constitui outro belo exemplo de como plicidade. Simplicidade de espírito para reconhecer que pouco
nada interfere entre um homem e seu sonho, se o espírito é se sabe e que sempre devemos buscar aprender mais; humildade
forte. Agora, fechem os olhos, imaginem-se sobre uma duna para perceber que a verdadeira sabedoria é mais que erudição,
no deserto do lraque e ouçam o árabe: mas que, ao mesmo tempo, permita sentir cada alvorada como
um reinício e cada dia como outro momento para se procurar
•Meu pai e o pai de meu pai, antes de mim, abriram aqui as
suas tendas... Há dou séculos que os verdadeiros crentes- Alá o que toda a vida esteve sob os nossos pés.
seja louvado, s6 eles possuem a verdadeira sabedoria! - se es-
tabeleceram neste país, e nenhum deles jamais ouviu falar em Com o amor do Rerwto
Apresentação

O Brasil é um país suficientemente importante em Gastro- soube utilizar os meios de que dispunha, analisando prospec-
enterologia para ter, em 11ngua portuguesa, um bom tratado de tivarnente um material patológico enorme, em comum com o
doenças do aparelho digestivo, como, de fato, existe. Um destes seu amigo Célio Nogueira. Exploraram a anatomia patológica,
foi editado por Renato Dani e Luiz de Paula Castro, e conta com a epidemiologia, a clínica, a cirurgia, enfim, a patologia pan-
várias edições. A presente obra, Gastroenterologia Essencial, é creática brasileira sob múltiplos aspectos, bem como seu papel
mais compacta que o livro anterior, uma atualização crítica, nosológico. Fizeram isso tão bem que permitiram conhecer as
motivada pelos mais recentes progressos em Gastroenterologia. doenças do pâncreas melhor do que em diversos outros países
Penso que Renato Dani é, realmente, a pessoa apropriada para mais equipados. Após sua iniciação, Renato Dani não se deixou
redigi-lo. Eu o conheço há mais de 40 anos. Foi um dos primei- repousar. Ele compreendeu que métodos sofisticados de pes-
ros colaboradores do meu Serviço de Gastroenterologia Clínica quisa, como a biologia molecular, não tornam inútil a pesquisa
e do Grupo de Pesquisas em Patologia Digestiva de Marselha, clínica, como muitos imaginam. De fato, não é raro observar
setor este muito orientado para o pâncreas. Rapidamente, me que trabalhos complexos e bem elaborados não se aplicam a
dei conta das qualidades que fazem dele um pesquisador inter- nenhum problema preciso. Multiplicando as conferências no
nacionalmente conhecido: é detentor de uma inteligência viva, Brasil e em numerosos países da América e da Europa, ele pode
bastante cético para rejeitar, sem dar maior atenção, o inútil e ser considerado, sem favor, um dos responsáveis pela vitalidade
da pesquisa em Gastroenterologia no Brasil. Ninguém duvide
o falso, ainda que revestidos de uma roupagem que impressio-
que este livro, que traz uma visão precisa sobre múltiplos as-
na, assim como tem a capacidade de identificar o relevante- e
pectos da patologia do aparelho digestivo, se compare aos bons
apreendê-lo. Juntos, em meu laboratório, estudamos os efeitos
similares publicados na literatura internacional.
da refeição simulada sobre a secreção pancreática do homem,
o que tinha sido descrito apenas no cão, por Pavlov (fase cefá- Henri Sarles
lica da secreção pancreática). Voltando a Belo Horizonte, ele Marselha.
Prefácio à Quarta Edição

Esta quarta edição de Gastroenterologia Essencial apresenta diagnóstico. Um exemplo edificante desses fatos é o livro de Za-
algumas diferenças se comparada com a anterior. A primeira e chary Cope (1881-1974), Early diagnosis ofthe acute abdomen,
mais importante novidade é a inclusão da professora Maria do publicado a primeira vez em 1921, com inúmeras edições. Foi
Carmo Friche Passos como autora associada. A doutora Maria atualizado apenas em seus comentários sobre exames comple-
do Carmo é Professora Doutora da Faculdade de Medicina da mentares modernos, por William Silen, professor de Cirurgia
UFMG. S um nome bastante conhecido da Gastroenterologia da Harvard School of Medicine. Este livro é uma obra-prima
nacional, sobretudo entre aqueles que se interessam pelas do- de Medicina Clínica e continua tão atual e útil quanto o era em
enças funcionais do aparelho digestivo. A sua inclusão certa- 1921, justamente por privilegiar a clfnica. A última edição, a
mente valoriza o nosso livro e é muito bem-vinda. vigésima, é de 2000.
O texto foi todo revisto para ficar conforme as normas do Dois colegas faleceram durante os trabalhos de preparação
mais recente Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. A Edi- do livro, e lamentamos profundamente essas mortes e a falta
tora Guanabara Koogan, por sua vez. utilizou um programa de que farão: o Professor Doutor Washington Luiz dos Santos
computador que padroniza os termos mais usados em Medi- Vieira, falecido por ocasião da 3' edição, e o Professor Doutor
cina, para uniformizar a grafia dessas palavras nos livros que Augusto Pauüno Netto, durante a feitura da quarta edição. Am-
edita Particularmente, estranhamos algumas poucas palavras, bos foram muito importantes em edições passadas e estão incluí-
mas todas foram pesquisa das pela Editora e se encontram jus- dos nesta Manifestamos aqui a nossa saudade e respeito.
tificadas no vernáculo.
Finalmente, queremos, mais uma vez, agradecer aos co-
Do ponto de vista científico, o livro foi revisado integralmen- laboradores, nacionais e estrangeiros, pelo esplêndido tra-
te. Dois capltulos foram excluídos, por não serem mais rele- balho ao escrever os seus capltulos. Agradecemos, também,
vantes para a Gastroenterologia clfnica ou por tratarem de um aos leitores, e estamos abertos para suas sugestões e criticas.
teste propedêutico já rotineiro; outros tiveram a colaboração de Não poderíamos deixar de agradecer à diretoria do GEN
novos autores ou, ainda, foram incluídos por versarem sobre J Grupo Editorial Nacional - do qual faz parte a Guanaba-
conhecimentos recentes, como o caso do 113, Transplante de ra Koogan -, na pessoa de seu diretor-presidente, Sr. Mauro
Intestino e Multivisceral. Os capítulos que seguem essas normas Koogan Lorch, que sempre nos prestigiou e tratou com distin-
são: 23, 25, 34, 35, 50, 76, 92, 105 e 113. O livro é fartamente ção. Agradecemos também ao pe.ssoal técnico da área da saú-
documentado com figuras em preto e branco e, em relação às de: Sérgio Pinto, Robson Domingues, Aluisio Affonso, Juliana
edições anteriores, conta com mais ilustrações coloridas. Que- Affonso, Maria Fernanda Dionysio e Beatriz Carneiro, dentre
remos insistir no fato de que, apesar dos avanços dos testes outros que trabalharam no livro. A todos que nos apoiaram e
diagnósticos, o exame clínico é fundamental. Devemos ouvir incentivaram, o nosso muito obrigado.
os doentes, interrogá-los e proceder ao exame fisico cuidadoso.
Muitas vezes, o doente, ao contar a sua história, nos entrega o Os autores.
Prefácio à Terceira Edição

Esta terceira edição da Gastroenterologia Essencial pretende Em 2004 faleceu o professor Uberato João Affonso Di Dio.
seguir a mesma orientação das edições precedentes: compac- Foi uma grande perda para o ensino e a pesquisa, tanto no Bra-
ta, informativa e atualizada. A boa acolhida das duas edições sil, quanto na América do Norte. Fui seu monitor de Anatomia
ante.riores justifica a atual e constitui, para o autor e colabora- Humana na Faculdade de Medicina da UFMG e quero dar-lhe
dores, motivo de muita satisfação. Algumas mudanças foram o meu adeus nestas páginas.
introduzidas visando atender leitores e tratar de matéria que Ao Sr. Mauro Koogan Lorch, diretor da Guanabara Koogan,
foi menos ventilada na segunda edição. O livro aumentou um um verdadeiro gentleman, minha gratidão por sua confiança
pouco, agora tem 112 capítulos. Como sempre, os colaborado- e muitas gentilezas.
res fizeram um belo serviço, sobretudo se considerarmos que é
muito mais difícil escrever compactamente do que sem limites. Ao Sr. Sérgio Alves Pinto, o meu muito obrigado por seus
Aproveito, portanto, para agradecer a todos que escreveram cuidados e dedicação para fazer o melhor posslvel editorial-
para as três edições e dizer-lhes da minha admiração e gratidão. mente.
Sou particularmente rec<~nhecido aos amigos Adávio de Oli- Finalmente, expresso minha esperança de que o livro con-
veira e Silva. Luiz Gonzaga Vaz C<lelho, Lorete Maria da Silva tinue a ser útil a médicos e estudantes que se interessam pela
Kotze. Mounib Tacla e à Mturma" de Juiz de Fora. O entusiasmo Gastroenterologia.
deles contagia e impulsiona. Não posso deixar de mencionar
os meus residentes, que, através dos anos, constituiram motivo RenatoDani
de orgulho e um estímulo continuado. Verão de 2006.
Prefácio à Primeira Edição

Este livro foi encomendado pelo Sr. Mauro Koogan Lorch, a minha formação profissional ao Prof. Sarles, a cuja escola
da Editora Guanabara Koogan. Ele desejava uma obra que fosse tenho a honra de pertencer, e, também, aos Professores Luigi
compacta, atualizada, de leitura amena, e que servisse a estu- Bogliolo e, especialmente, João Galizzi; deste, fui assistente por
dantes, clínicos e especialistas. Na realidade, ele estava pro- muitos anos, e não conheço quem lhe seja superior em decência,
pondo uma tarefa bastante dificil e, por isso, a minha primeira retidão e respeito a seus semelhantes; aquele introduziu-me na
resposta foi um assustado não. No Natal de 1996, o Sr. Mauro pesquisa experimental e ensinou-me a ser crítico.
renovou o convite e, com seus argumentos envolventes e sim-
Durante a impressão do livro, perdemos Eduardo Botelho
páticos, acabou por obter a temerosa aquiescência deste escri-
de Carvalho, colaborador em nossos livros médicos e colega na
ba. Antes do sim definitivo, porém, procurei ouvir colegas que
Faculdade de Medicina da UFMG. Faleceu prematuramente,
poderiam me auxil.iar a cumprir aquele contrato tão específico.
aos 44 anos, em plena efervescência de uma carreira em franca
Assim, expliquei ao Adávio de Oliveira e Silva de que se tratava,
ascensão. Realmente, lamentamos muito. Devo assinalar a pa-
e perguntei-lhe o que achava. A resposta foi o que o Adávio é:
ciência do Sr. Sérgio Alves, ocasionalmente necessária, durante
uma explosão de dinâmico otimismo e entusiasmo. Com essa
positiva injeção de ânimo, convidei, em seguida, colaborado- a gestação da obra; é sua a responsabilidade por todo o trabalho
res reconhecidamente respeitados por seus conhecimentos e gráfico envolvido na feitura deste livro. Ao agradecer à Gua-
experiência, e entreguei a eles, e a seus grupos, algumas partes nabara Koogan a confiança em mim depositada, pergunto-me
do livro. Ao Pedro Gaburri, Aécio Meirelles e Adil.ton Orne- se o Sr. Mauro aceitou o trabalho terminado como aquilo que
las, encomendei a primeira seção do livro; ao Máráo Tolenti- imaginara, pois muito compacto o livro não ficou, afinal são
no, confiei doenças do esôfago; ao Luiz Gonzaga Vaz Coelho, 100 capítulos... Reconheço, ademais, que alguns destes acaba-
o bloco do estômago; à Lorete Kotze, a patologia do intestino ram mais longos do que eu desejava, mas achei que estavam
delgado; ao Adávio, o figado; ao Mounib Tada, as alterações do tão informativos que não deveria podá-los. Sobretudo, tenho
intestino grosso; e, a outros colegas, capítulos isolados. Creio a esperança de que os colegas encontrem em suas páginas res-
que os leitores concordarão em que todos os colaboradores, postas para as indagações do dia a dia, e até mesmo algumas
nacionais e internacionais, se saíram muito bem, como era de informações que serão parte rotineira da formidável medicina
se esperar, e agradeço a cada um o seu esforço e competênáa. que se prenuncia para o século XXI.
O meu amigo, Professor Henri Sarles, de Marselha, escreveu a Lembro que, apesar de muito cuidado com as informações
"Apresentação". Fiz questão de convidá-lo porque tenho por relacionadas à terapêutica, esse é um território muito movediço,
ele o maior respeito e afeição. O Prof. Sarles é líder de uma e alterações podem aparecer a qualquer momento.
prestigiosa escola de Gastroenterologia, com discípulos atu-
antes por todo o mundo, muitos aqui no Brasil.. A sua cultura Gostaria de terminar esse prefácio citando o padre Antonio
é algo de notável, não só médica, mas humanJstica, o que faz Vieira (Lisboa, 6/2/1608- Salvador, Bahia, 18/7/1697), ao es-
dele um homem à altura das melhores tradições da escola fran- crever sobre a arte de semear, num franco anunciar de Guima-
cesa. ~um homem que é quelqu'un et quelque chose. O atual rães Rosa: Nas outras artes, tudo é arte: na música tudo seJaz por
comandante dessa Escola de Marselha é o Prof.]osé Sahel, de compasso, na arquitetura, tudo se Jaz por regra, na aritmética
renome internacional, que também colabora neste livro, e que tudo se faz por conta, na geometria tudo se Jaz por medida. O
mantém a tradição de nossa escola. Os leitores notarão que o semear não é assim. 2 uma arte sem arte: caia onde cair.
Pro f. Sarles usou, a meu respeito, palavras fraternas, exageradas,
tais como um amigo se refere a outro, mas que, não obstante, RenatoDani
me deixaram emoáonado e grato. Reconheço que muito devo Belo Horizonte, verão de 1998.
Sumário

PARn I Generalidades, 1 13 Corpos Estranhos, Perfurações, Hérnias


1 Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa, 3 Diafragmáticas, Síndrome de Boerhaave, Lesões
Laura Carta Orne/las Halfeld, Julio no Machado de Oliveira Causada s por Comprimidos e Síndrome de
e Adilton Toledo Orne/las Mallory-Weiss, 127
David Corréa Alves de Lima, Silos de Castro Carvalho,
2 Sangramento Gastrintestinal Crônico, 17 Rodrigo Macedo Rosa e Luiz Ronaldo Alberti
Pedro Duarte Gaburri, Ana Karla Gaburrl, Adilton Toledo
Ornelias e Meio Flávio Meirelles de Souza 14 Acalasla e Megaesôfago, 140
Eponina Maria de Oliveira Lemme, Paula Amorlm Novais
3 Diarreia Aguda e Crônica, 26
e Vdnia Lulza Cochlar Pereira
Juliono Machado de Oliveira, Laura Corta Orne/las Halfeld
e Adilton Toledo Orne/las 15 Tumores do Esôfago, 152
4 Halitose, Eructação e Soluço, 40 José Mauro Messias Franco, Fernando Augusto
Vasconcellos Santos e Marcelo Henrique de Oliveira
Adilton Toledo Orne/las, Juliono Machado de Oliveira e
Laura Corta Orne/las Halfeld
PARTE 111 Estômago e Duodeno, 161
5 Alterações Motoras do Aparelho Digestivo, 46
Ricardo Guilherme Viebig 16 Anomalias Congênitas, 163
Mariso Fonseca Magalhães eMaria do Carmo
6 Aparelho Digestivo e AIDS, 59 Friche Passos
Luis Fernando Dutra Diniz e Renato Dan/
17 Dlspepsia Funcional, 165
7 Parasitoses Intestinais, 75
Ana Flávia Passos Ramos e Maria do Carmo Frlche Passos
Pedro Duarte Gaburri, Aécio Flávio Me/relles de Souza,
Ana Karla Gaburri e Elson Vida/ Martins Junior 18 Gastrite, 172
8 Estomatites, 85 Luiz Gonzaga Voz Coelho e Maria Gora Freitas Coelho
José Alves de Freitas e Dario Ravazzi Ambrizzi
19 úlcera Péptica Gastroduodenal, 182
Ricardo P. B. Ferreira e Jaime Natan Eisig
PARTE 11 Esôfago, 97
9 Anomalias Congênitas, 99 20 Úlcera Péptica Helicobader pylori- negativa, 194
Renato Dani e Daniel/a Ribeiro Einstoss Korman Bruno Squárclo Fernandes Sanches, Graziella Mattar
Vieira de Alvarenga e Renato Dani
1O Doença por Refluxo Gastresofágico, 102
Ellza Maria de Brito e Luciano Dias Moretzsohn 21 Diverticulos, Vólvulo, Dilatação Aguda,
11 Membranas, Anéis e Diverticulos do Corpos Estranhos (Bezoares), Ruptura Gástrica
Esôfago, 113 eCrohn, 201
Vitor Antonino Mendes de Sá Carlos Henrique Diniz de Miranda e Maria do Carmo
Friche Passos
12 Comprometimento do Esôfago por Infecções,
Radiação e Agentes Químicos, 118 22 Infecções Crônicas: Tuberculose, Sífilis, Micoses
Paulo Fernando Souto Birtencourt, Edivaldo Fraga e Herpes, 206
Moreira e Walton Albuquerque Luciano Dias Moretzsohn eMaria do Carmo Friche Passos
XXVI Sumdrlo

23 Polipose Gástrica, 21 O 37 Tumor Estromal Gastrintestinal, 417


Celso Mirro de Paula eSilva Mounlb Toe/a

24 Tumores do Estômago, 215


Luiz Gonzaga Voz Coelho, Washington Luiz dos Santos PARTE V Intestino Grosso, 421
Vieira' e Rogério Luiz Pinheiro 38 Colite Microscópica, Colite Pseudomembranosa
e Colite Radiógena, 423
25 Doenças Eosinofnlcas do Aparelho Digestivo, 227
Mounib Taclo e Renato Donl
Mauro Bofutto eJoffre Rezende Filho
39 Constipação Intestinal e Fecaloma, 429
26 Outras Doenças do Duodeno, 238
José Alves de Freitas e Mounib Toe/a
Luciano Dinlz Silva e Penélope Lacrfsio dos Reis Menta
40 Síndrome do Intestino Irritável, 442
PARTE IV Intestino Delgado, 247 Maria do Carmo Friche Passos
27 Anomalias Congênitas de Intestino Delgado e
41 Doença Diverticular do Cólon, 449
Grosso, 249
José Alves de Freitas e Mounib Taclo
Dor/no Borblerl, Maraci Rodrigues e lsaura Ramos
Assumpção
42 Apendicite Aguda e Outras Doenças do
28 Sindrome de Má Absorção Intestinal, 266 Apêndice, 456
Lorete Mar/a da Silva Kotze, Luiz Roberto Kotze e Renato Mounlb Toe/a
Mltsunorl Nlsihara
43 Retocolite Ulcerativa, 460
29 Fibrose Cfstica, Intolerância a Dlssacarfdios José Alves de Freitas, Adérson Omar Mourão Cintra
e Outros Distúrbios na Digestão de Damião e Mounib Toe/a
Nutrientes, 278
Patrfcia Barbosa Ferrori, Sandra Beatriz Marion Valarini, 44 Tuberculose Intestinal, 476
Jean Rodrlgo Taforel e Lorete Maria da Silva Kotze Mounib Toe/a

30 Doença Celfaca e Outros Distúrbios na Absorção 45 Megacólon, 478


de Nutrientes, 294 José Alves de Freitas, Mounlb Toe/a e Renato Doni
Lorete Maria da Silva Kotze e Shirley Ramos da Rosa
Utiyama 46 Tumores Benignos Colorretals, 483
Mounib Toe/a
31 Doença lmunoproliferativa do Intestino
Delgado, Doença de Whipple e Outros 47 Tumores Malignos Colorretais, 490
Distúrbios no Transporte de Nutrientes, 331 Mounib Toe/a e Amoldo José Ponte/lo Neves
Maria de Lourdes de Abreu Ferrar/, Aloisio Sales da Cunha
e Lore te Maria da Silva Kotze 48 Obstrução Intestinal, 502
Renato Rocha Passos, Augusto Paulino Netto' e
32 Doença de Crohn, 347 Paulo Vil/ar do Valle
Lorete Maria da Silva Kotze, Paulo Gustavo Kotze e Luiz
Roberto Kotze 49 Pseudo-obstrução Intestinal, 514
Victor B. Koehne
33 Síndrome do Intestino Curto, 381
Paulo Cesar Andr/guetto
PARTE VI Anus e Reto, 521
34 Insuficiência Vascular Mesentérlca, 391 50 Doenças Anorretals, 523
Ricardo Cesor Rocha Moreira
Flávio Antonio Qui/lei e L/sandra Carolina Quilici
35 Supercresclmento Bacteriano no Intestino
Delgado, 402 PARTE VIl Fígado, 573
Ahmed Abu·Shanab, Rodrigo M. Quero e Eamonn M. M.
Quigley (Tradução: Lorete Maria da Silva Kotze)
51 Conduta Diagnóstica em Pacientes com Doença
Hepatobiliar, 575
36 Tumores do Intest ino Delgado, 406 Adávio de Oliveira e Silva, Ver6nica Desirée Samudio
Lorete Maria da Silva Kotze. Luiz Roberto Kotze e Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Raul Cor/os Wahle.
Paulo Gustavo Kotze Taiane Costa Marinho e Leonardo Reuter Motta Gamo
Sumário XXVII

52 A Icterícia como 5fndrome: 59 Ascite Hepatogênica, 673


Não Colestática e Colestática, 585 Adávlo de Oliveira e Silva, Evandro de Oliveira Souza,
Adávio de Oliveira e Silva, Ver6n/ca Desirée Samudio Ver6nica Desirée Samudio Cardozo, Briane André
Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Leonardo Vertuan Ferreira, Leonardo Reuter Motta Gama, Celso
Reuter Motta Gama, Celso Marques Raposo Júnior, Marques Raposo Júnior, Naisa Oliveira A/vim Mattedi,
Cristiane Maria de Freitas Ribeiro, Naisa Oliveira Lucas Cagnin, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Paula
A/vim Mattedi, Lucas Cagnln, Fábio Rosa Moraes, Hugueney Cruz, Francisco Le6nc/o Dazzi, Raul Carlos Wahle
Raul Carlos Wahle 60 Síndrome Hepatorrenal e Sfndrome
Hepatopulmonar, 684
53 Hepatite Aguda Vira I, 592
Heitor Rosa e América de Oliveira Silvério
Adávio de Oliveira e Silva, Ver6nica Desirée Samudio
Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Leonardo Reuter 61 Peritonite Bacteriana Espo ntânea, 692
Motta Gama, Celso Marques Raposo Júnior, Nafsa Oliveira Angelo Alves de Mattos e Angelo Zombam de Mattos
A/vim Mattedi, Lucas Cagnin, Gerusa Náximo de Almeida,
62 Hemorragia Digestiva Alta no Cirrótico, 698
Flávia Costa Cardoso, Raul Carlos Wahle
Adávio de Oliveira e Silva, Verõnica Desirée Samudio
54 Hepatite Vira I Crônica, 600 Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Raul Carlos Wahle,
Taiane Costa Marinho, Renato Ferrar/ Letr/nta, Arnaldo
Adávio de Oliveira e Silva, Ver6n/ca Desirée Samudio
Berna/ Filho, Paula Huheney Cruz, Brlane André Vertuan
Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Leonardo Reuter
Ferreira, Fauze Malu f Filho
Motta Gama, Celso Marques Raposo Júnior, Cristiane
Maria de Freitas Ribeiro, Naisa Oliveira A/vim Mattedi, 63 Cirrose Biliar Primária e Sfndromes de
Lucas Cagnin, Maria E/lzabeth Colore Neiva, Gerusa Superposição, 710
Máximo de Almeida, Raul Carlos Wahle Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudlo
Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Talane Costa
55 Hepatite Crônica Não Vira I, 620 Marinho, Celso Marques Raposo Júnior, Nafsa Oliveira
Luiz de Souza e Silva Júnior, Verõnlca Desirée Samudlo A/vim Mattedi, Paula Hugueney Cruz, Lucas Souto Nacif,
Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Raul Carfos André Gustavo Santos Pereira, Raul Carlos Wahle
Wahle, Taiane Costa Marinho, Leonardo Reuter Motta
Gama, Celso Marques Raposo Júnior, Naisa Oliveira 64 Colangite Esclerosante Primária, 719
A/vim Mattedi, Lucas Gognin, Rafael Hygino Rodrigues Adávio de Oliveira e Silva, Ver6nica Desirée Samudio
Cremonin, Paula Hugueney Cruz, Maiza da Silva Costa, Cardozo, Taiane Costa Marinho, Nafsa Oliveira A/vim
Adávio de Oliveira eSilva Mattedi, Rafaef Hygino Rodrigues Cremonin, Paula
Hugueney Cruz, Guilherme Tarameli dos S. Cecfllo, Raul
56 Hepatite Aguda Fulminante, 631 Carlos Wah/e, Cristiane Maria de Freitas Ribeiro
Adávio de Oliveira e Silva, Ver6nica Desirée Samudio 65 Hemocromatose Hereditária, 728
Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Rafael Hygino Adávio de Oliveira e Silva, Luiz de Souza e Silva Júnior,
Rodrigues Cremonin, Paula HugueneyCruz:, Taiane Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira
Costa Marinho, Maria Jullana Louggio Cavalcanti, Maria Souza, Taiane Costa Marinho, Leonardo Reuter Motta
Elizabeth Colore Neíva, Arnafdo Berna/ Filho, Raul Carlos Gama, Celso Marques Raposo Júnior, Nafsa Oliveira
Wahle A/vim Mattedi, Lucas Cagnin, Rafael Hygino Rodrigues
Cremonin, Hilton Muniz Ledo Filho e Raul Carlos Wahle
57 Cirrose Hepática, 643
Adávio de Oliveira e Silva, Ver6nlca Desirée Samudio 66 Doença de Wilson, 736
Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Taiane Costa Adávio de Oliveira e Silva, Verõnlca Desirée Samudio
Marinho, Leonardo Reuter Motta Gama, Lucas Cagnin, Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Celso Marques
Raposo Júnior, Nafsa Oliveira A/vim Mattedi, Lucas
Rafael Hyglno Rodrigues Cremonin, Paula Hugueney Cruz,
Cagnin, Rafael Hygino Rodrigues Cremonln, Taiane Costa
Guilherme Tarame/1 das S. Cecf/la, Maria Juliona Louggio
Marinho, Leonardo Reuter Motta Gama, Arnafdo Berna/
Cavalcanti, Francisco César Nossa r Tribufato, Raul Carlos
Filho, Ana Beatriz de Vasconcelos, Raul Carfas Wahle
Wah/e
67 Doença Hepática Alcoólica, 740
58 Encefalopatla Hepática, 664 Adávlo de Oliveira e Silva, Ver6n/ca Desirée Samudio
Adáv/a de Oliveira e Silva, Raul Cartas Wahle, Ver6nlca Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Ana Beatriz de
Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Vasconcefos, Lucas Cagnin, Rafael Hygino Rodrigues
Maria Ermelinda Comi/o, Ana Beatriz de Vasconcelos, Cremonin, Felipe de Souza Atan, Celso Marques Raposo
Marcelo Mendes Assumpçõo, Francisco César Nossar Júnior, Nafsa Oliveira A/vim Maltedl, Paula Hugueney
Trlbulato, Talane Costa Marinho, Dan L Waitzberg Cruz, Raul Carlos Wahfe
XXVIII Sumdrlo

68 Doença Vascular do Figado, 749 80 Colecistites, 908


Aécio FirMo Meirelles de Souza, Kdtia Valéria Bastos Dias Renato Dani e Henrique E/oy 8. Cdmara
Barbosa, Fdbio Helena de Lima Pace e Lincoln Eduardo
Vi/leia Vieira de Castro Ferreira 81 Sindrome Pós-colecistectomia, 913
Eduardo Nacur Silva e Renato Dan/
69 Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica, 762
Guilherme Santiago Mendes 82 Disfunção do Esffncter de Oddl, 917
José Galvão Alves, José Celso Ardengh, Angelo Paulo
70 Figado e Gravidez, 767 Fenari Junior e Marta Carvalho Galvdo
José de Laurenrys Medeiros eJosé de Laurenrys
Medeiros Junior 83 Colecistoses, Coleperitõnio, Peritonite Biliar,
Hemobilia, Bilemia e Parasitos Biliares, 927
71 Fígado e Drogas, 775 Paulo Roberto Savassi Rocha e Rogério Luiz Coutinho
Aécio FieMo Meirelles de Souza, Kdtia Valéria Bastos Lopes
Dias Barbosa, Fdbio Helena de Lima Pace eJuliono
Machado de Oliveira 84 Tumores de Veslcula, Vias Biliares e Ampola
de Vater, 939
72 Doença Cistlca Hepatoblllar, 800 Renato Dani eJosé Dayrell de Lima Andrade
Marcos Vinicius Per/n/ e Paulo Herman

73 Abscesso Plogênlco do Figado, 806 PARTE IX Pâncreas, 965


Addvio de Oliveira e Silva, Ver6n/ca Desirée Samudio 85 Anomalias do Desenvolvimento, 967
Cardozo, Evandro de Oliveira Souza, Leonardo Reuter Julio Maria Fonseca Cheb/1, Llfiana Andrade Chebll,
Motta Gama, Rafael Hyglno Rodrigues Cremonin, Paula André Luiz Tavares Pinto
Hugueney Cruz, Roberto Francesche/11 Neto, Renato
Ferreira Letrinta, Lucas Souto Nacif. Raul Carlos Wahle 86 Deficiências Enzimáticas Isoladas
e Hilton Muniz Ledo Filho Congênitas, 974
74 Tumores Benignos do Figado, 809 RenatoDani
Addvio de Oliveira e Silva, Raul Carlos Wahle, Ver6nica 87 Classificação das Pancreatites, 976
Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Ollveira Souza, RenatoDani
Lucas Cagnin, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Paula
Hugueney Cruz, Priscila Lopes, Cristiane Maria de Freitas 88 Pancreatite Aguda, 980
Ribeiro e Hilton Muniz Ledo Filho RenatoDani
75 Tumores Malignos do Figado, 822 89 Complicações da Pancreatite Aguda, 996
Carlos Sandoval Gonçalves, Maria da Penha Zago Gomes, José Galvão-Aives e Marta Carvalho Galvdo
Patrkia Lofégo Gonçalves e Fausto E. L Pereira
90 Nutrição e Pancreatite Aguda, 1007
76 Doenças do Figado na Infância, 853
Julio Maria Fonseca Cheb/1, L/liana Andrade Chebli,
Gilda Porta e Adriana Porta Miche Hirschfeld Carlos Augusto Gomes, Rodrigo de Oliveira Peixoto
77 Transplante de Figado, 865 91 Pancreatite Crônica, 1013
Addvio de Oliveira e Silva, Ver6nica Deslrée Samudio Renato Dani e Eduardo Nacur Silva
Cardozo, Jorge Marcelo Pad/1/a Mancero, Francisco
Le6ncio Dazzi, Adriano Mlziara Gonzalez, Marcelo 92 Pancreatite Autoimune, 1024
Augusto Fontenelle Ribeiro Júnior, Evandro de Oliveira José GalvãoA/ves, Natdlia Cordeiro, Daniel/a Cavalcanti
Souza, Cristiane Maria de Freitas Ribeiro, Arnaldo e Marta Carvalho Galvdo
Berna/ Filho, Renato Ferrar/ Letr/nta, Luiz A. Carneiro
D'Aibuquerque 93 Cistos Pancreáticos, 1029
RenatoDani
PARTE VIII Vias Biliares, 893 94 Tratamento Endoscópico das Doenças
78 Anomalias Congênitas, 895 Pancreáticas, 1042
RenatoDanl José Sahel e Gustavo Miranda Martins

79 Litfase Biliar, 898 95 Tumores do Pâncreas Exócrino, 1052


Renato Dan/ e Henrique Eloy B. Cdmara Lia no Sia Moreira e Renato Da n/
Sum6rio XXIX

96 Tumores Neuroendócrinos do Pâncreas, 1068 105 Pancreatite Crônica Paraduodenal


José Galvão Alves, Augusto Paufino Netto (in memoriam}, (Groove pancreatitis), 1166
Marta Carvalho Galvão, Andréa de Faria Mendes, RenatoDani
Daniel/a Cavalcanti e Natália Cordeiro
106 Farmacoterapia, Aparelho Digestivo e o
Paciente Geriátrico, 1168
PARTE X Miscelânea, 1077 Márcio Guimarães Moreira Dios, Renato Dani e
E/marJosé Moreira Lima
97 Alergia Alimentar, 1079
Renato Dani e Eduardo Botelho de Carvalho 107 Imunidade, Inflamação e o Aparelho
{in memoriamJ Digestivo, 1179
Roberto Pimentel Dias
98 Fístu las Digestivas, 1086
Renato Dani e Eduardo Botelho de Carvalho 108 Terapêutica da Dor Abdominal, 1200
(in memoriam) Renato Dani e Roberto Santoro Meirelles

99 Abscessos lntra-abdominais, 1097 109 Dor Torácica não Cardíaca (de Origem
Renato Dani e Bruno Squárcio Fernandes Sanches Indeterminada), 1205
Joffre Rezende Filho eJoffre Marcondes de Rezende
100 Tumores Carcinoides do Trato
Gastrintestinal, 1111 11 0 Flora Gastrintestinallndígena, 1211
Luciano Cézar Ribeiro Magalhães, Renato Dani, Dulciene Maria de Magalhães Queiroz, Luciano Diniz
Márcio Guimarães Moreira Dias Sílva, Andreia Maria Camargos Rocha e Gifone Aguiar
Rocha
101 Esquistossomose Mansônica, 1124
Guilherme Santiago Mendes 111 Diagnóstico e Tratamento das Complicações em
Endoscopia Digestiva, 1216
102 Doenças do Peritônio, 1130
Walton Albuquerque, Luiz Cláudio Miranda da Rocha,
José de Laurentys Medeiros e Maria do Carmo Vitor Arantes e Alexandre Rodrigues Ferreira
Friche Passos
112 Abdome Agudo, 1244
103 Obesidade, 1138
Frederico Passos Marinho e Adriana Athayde Lima Stehling
José Dayre/1 de Lima Andrade e Renato Dani
113 Transplante de Intestino e Multivisceral, 1258
104 Terapêutica Endoscópica em Patologia
Rodrigo Vianna e Thiago Beduschi
Biliar, 1151
Glaciomar Machado lndice Alfabético, 1263
PARTE I
Generalidades
1Alta
Hemorragia Digestiva Aguda
e Baixa
Laura Cotta Orne/las Halfeld, Juliano Machado de Oliveira e
Adilton Toledo Orne/las

• INTRODUÇÃO • MANIFESTAÇÕES CLfNICAS


A hemorragia digestiva (HD) é uma das causas mais fre- A HD aguda manifesta-se através de hematêmese (vômitos
quentes de hospitalização de urgência. A sua incidência tem se de sangue vivo ou em "borra de café"), de melena (fezes negras,
mantido estável nas últimas décadas, pois, apesar da melhora tipo alcatrão, malcheirosas), de hematoquezia (eliminação pelo
na abordagem propedêutica e na terapêutica, principalmente reto de sangue vermelho vivo, ou de cor vinhosa, ou de coá-
da úlcera péptica gastroduodenal, que é a causa mais impor- gulos recentemente formados).
tante, a população tem envelhecido e aumentado a incidência A hemorragia digestiva aguda alta (HDAA) é definida
de comorbidades que predispõem a HD. como aquela que se instala em consequência de lesões locali-
O quadro clinico da HD pode corresponder a várias situa- zadas proximais ao ligamento de Treitz, manifestando-se, na
ções diferentes. A razão de tal diversidade é que o sangramen- maioria das vezes, através de hematêmese e/ou de melena. A
to pode decorrer de múltiplas lesões e de vários segmentos do hemorragia digestiva aguda baixa (HDAB) é causada por le-
trato gastrintestinal. O sangramento também pode ser maciço sões situadas distalmente ao ligamento de Treitz e identificada,
ou leve, evidente ou oculto. A HD manifesta -se clinicamente de mais frequentemente, através de hematoquezia.
uma ou mais das seguintes formas: alta (proveniente do trato A primeira etapa na conduta do paciente com HD é a ava-
gastrintestinal superior), baixa (proveniente do trato gastrintes- liação da gravidade do sangramento, conforme o Quadro 1.1.
tinal inferior), oculta (desconhecida pelo paciente), ou obscura Levando-se em consideração o volume das perdas sanguíneas, a
(proveniente de local desconhecido no trato gastrintestinal). HD pode ser caracterizada como maciça, moderada ou discreta.
HD aguda é aquela de aparecimento recente (arbitrariamente Maciça, quando há perdas muito elevadas, com repercussões
definido como menos de 3 dias de duração), podendo levar à hemodinâmicas importantes e apresentando pressão arterial
instabilidade dos sinais vitais, anemia e/ou necessidade de trans- sistólica com o paciente em posição supina abaixo de 90 mmHg,
fusão sanguínea. HD crônica consiste em sangramento por um frequência cardíaca acima de 100 bpm e perdas sanguíneas aci-
período de vários dias, frequentemente com perda de sangue ma de 2.000 ml ou mais de 40% da volemia. Moderada, quando
lenta ou intermitente. Pode se manifestar com sangue oculto ou se exterioriza por hematêmese, melena ou hematoquezia, mas
visível nas fezes, anemia, sem repercussão hemodinâmica. Este com repercussões hemodinâmicas discretas, pressão arterial
capítulo refere-se apenas à HD aguda, tanto alta quanto baixa. sistólica acima de 90 mmHg, frequência cardiaca abaixo de
HD alta é aproximadamente cinco vezes mais frequente que 100 bpm e perdas sanguíneas abaixo de 1.500 ml ou entre 20
HD baixa. A HD é mais comum em homens, idosos e porta- e 40% da volemia. Caracteriza-se como discreta quando não
dores de doenças crônicas. Pode apresentar uma evolução au- tem repercussão hemodinâmica, as perdas sanguíneas são in-
tolimitada em cerca de 80% dos casos, o que não diminui sua feriores a 1.000 ml ou de, no máximo, 20% da volemia. São
importância, pois algumas vezes evolui mal e leva ao óbito. Em ainda incluídos nesse grupo os sangramentos gastrintestinais
vista disso, é preciso ficar alerta para os critérios preditivos de crônicos inaparentes, com sangue oculto nas fezes e/ou anemia
um prognóstico desfavorável ou de risco de ressangrarnento, ferropriva (ver Capítulo 2).
a fim de serem tomadas medidas corretas e em tempo hábil,
visando à preservação do equilíbrio hemodinâmico e da vida.
Embora a conduta dos pacientes com HD tenha apresentado • REANIMAÇÃO
inúmeros avanços nas últimas décadas, os seguintes princípios
clínicos se mantêm constantes: avaliação imediata e estabiliza- Dependendo da intensidade do sangramento, serão instituí-
ção hemodinâmica do paciente; determinação da fonte do san- das medidas mais ou menos enérgicas para reanimação dos pa-
gramento; parada do sangramento ativo; tratamento da doença cientes. A conduta nos pacientes hemodinamicamente instáveis
de base; e prevenção de sangramento recorrente. é a seguinte: colocação de dois cateteres intravenosos calibrosos

3
4 Capftulo 1 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa

------------------------T------------------------
Quadro1.1 Avaliação da gravidade da hemorragia digestiva aguda

Hemorragia dige1tiva PA sl1tólica (p01ição 111pina) FC Perda 1anguinea % vole mia perdido

Discreta >90mmHg < 100bpm < 1.000mt <20%


Moderada >90mmHg < 100 bpm < l.SOOmt 20%-40%
Maciça <90mmHg > 100 bpm > 2.000mt >40%

PA =Pressão arterial; FC = Frequênc.ia cardíaca.

imediatamente e infusão rápida de solução cristaloide com o A aparência do sangramento é útil no esclarecimento de sua
objetivo de restaurar e manter os sinais vitais normais. Além origem, mas pode induzir a erros. Quando o sangue é vermelho
disso, está indicada suplementação de oxigênio, monitoramen- vivo e reveste as fezes, sugere origem reta! (hemorroidas e fis-
to dos sinais vitais e do débito urinário. Pacientes com hema- suras, principalmente). Melena indica que o paciente sangrou
têmese significativa e contínua ou aqueles que podem não ser no mínimo 50 a 100 mi de sangue há pelo menos 14 h e rela-
capazes de proteger a via respiratória por alguma ra.zão e estão ciona-se mais à HDAA, embora mesmo lesões do cólon direi-
sob risco de aspiração devem ser considerados para intubação to, com trânsito lento, possam apresentar melena. A presença
endotraqueal. Os pacientes hemodinarnicamente instáveis de hematoquezia é mais comum nas lesões do cólon, do reto
e/ou portadores de comorbidades graves necessitam de trans- e do canal anal, e menos frequente em hemorragias profusas
ferência para unidade de terapia intensiva. do delgado ou proximais ao ligamento de Treitz, com trânsito
A transfusão de glóbulos vermelhos está geralmente indicada acelerado. Em uma série de 80 pacientes com hematoquezia de
em todos os pacientes com sinais vitais instáveis, sangramento vulto, 74% tinham lesões no cólon, 11% eram casos de HDAA,
contínuo ou sintomas de baixa oxigenação tecidual. O objeti- 9% com lesões provavelmente originárias do intestino delgado e
vo deve ser a manutenção do hematócrito acima de 30% em 6% sem origem identificada. A hematêmese é mais sugestiva de
pacientes idosos ou portadores de enfermidades nos quais as HDAA, mas a peristalse reversa pode produzi-la em lesões da
perdas sanguíneas impliquem risco maior, como as coronario- parte alta do intestino delgado, distais ao ligamento de Treitz.
patias, ou acima de 20 a 25% nos pacientes jovens e saudáveis. V ôrnito com sangue vivo geralmente indica sangramento gas-
Nos pacientes com hipertensão portal, o hematócrito não deve trintestinal alto significativo, mesmo em pequena quantidade.
Pacientes com vômito em borra de café habitualmente não es-
subir acima de 27 a 28%, para não elevar a pressão venosa por-
tão com sangramento ativo, mas é provável que tenham san-
tal. Pode-se utilizar plasma fresco congelado ou concentrado
grado recentemente.
de plaquetas, ou ambos, nos casos de coagulopatias e que re-
Falsas HD podem ocorrer em vômitos de estase, fezes aver-
querem transfusão de mais de 1O unidades de glóbulos verme-
melhadas pela ingestão de beterraba, fezes negras pelo uso de sais
lhos. Hematócritos seriados devem complementar a avaliação
de ferro ou de bismuto, alimentos contendo sangue animal, san-
clínica dos pacientes. Quando as transfusões sanguíneas não
gramento originário na cavidade oral, epistaxe ou hemoptise.
forem mais necessárias, deve ser feita suplementação de ferro
O exame flsico visa a estimar o volume perdido, através da
após avaliação diagnóstica.
repercussão hemodinârnica, verificando-se a frequência do pul-
so e a pressão arterial com o paciente deitado, assentado e em
posição ortostática, se possível. Atenta-se para a cor das muco-
• ANAMNESE EEXAME FfSICO sas visíveis e a presença ou não de sudorese. Propicia também
meios para identificar sinais de hipertensão portal, insuficiência
Embora cerca de 80% das HD cessem espontaneamente, a hepática, malformações vasculares, vasculites e coagulopatias.
abordagem diagnóstica necessita ser dinâmica e associada a A detecção de dor à palpação abdominal,linfadenopatia, massa
cuidados terapêuticos, com o objetivo de preservar o equilíbrio abdominal e esplenomegalia também são importantes no diag-
hemodinâmico e a vida. nóstico. Ruidos intestinais exacerbados sugerem HDAA. O to-
A magnitude do sangramento nem sempre está relaciona- que reta) deve ser realizado de rotina durante o exame físico em
da com a etiologia, estando ligada principalmente à idade do todo caso suspeito de HDAB, pois permite identificar patologias
paciente, ao uso prévio de medicamentos capazes de lesar a anorretais e, com isso, evitar que exames mais complexos sejam
mucosa ou de alterar o estado da coagulação do sangue, ou, realizados. O exame físico pode fornecer importantes informa-
ainda, à presença de enfermidades preexistentes. ções sobre a localização do sangramento, enquanto a história
Inicialmente, deve-se fazer uma anamnese bem orientada, clínica é mais útil na determinação da etiologia.
no sentido de confirmar a existência do sangramento e o uso dos Lavagem com sonda nasogástrica tem sido utilizada com
medicamentos citados anteriormente. Outros aspectos referem- a finalidade de diferenciar HDAA de HDAB, no entanto não
se à história de hemorragia anterior ou existência de sintomas esclarece a etiologia do sangramento, nem é confiável para de-
ou condições que possam produzir lesões capazes de sangrar. terminar a atividade da hemorragia. Quando positiva, pode ser
Arguir sobre cirurgias prévias, radioterapia, etilismo, uso de decorrente de trauma pela sonda e, quando negativa, mesmo
tóxicos e procedência de áreas onde prevaleçam certas doen- com um aspirado aparentemente colorido por bile, não exclui
ças, como a esquistossomose mansônica. Sinais e sintomas que HDAA. Portanto, o seu uso tem sido desestimulado e não afeta
podem auxiliar na determinação de hipóteses diagnósticas são: a evolução do paciente. A única exceção seria na presença de
dor abdominal, náuseas, vômitos, mudança do hábito intestinal, hematoquezia em paciente com instabilidade hemodinârnica
anorexia e perda de peso. e possibilidade de HDAA.
Capftu/o 1 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa 5

• EXAMES LABORATORIAIS T- - - -
Quadro 1.2 Causas de hemorragia digestiva aguda alta
Os exames laboratoriais nos fornecem dados sobre o grau
do sangramento, a sua possível origem e orientam a terapêu- Frequentes
tica. Devem incluir o hemograma e a contagem de plaquetas. úkera gástrica
O hematócrito solicitado logo após o inicio da hemorragia ge- úkera duodenal
Lesão aguda da mucosa gastroduodenal
ralmente não reflete a perda sanguínea, pois o seu valor vai se Varizes esofáglcas
reduzindo à medida que o fluido extravascular penetra no es- Lesão de Mallory-Welss
paço vascular para restabelecer o volume, e tal processo não se Menos f requentes
completa antes de 24 a 72 h. O hematócrito seriado pode indicar Erosões gástrlcas/gastropatia
sangramento persistente ou recorrente. Podem ser úteís tam- Esofagite
Lesões de Cameron
bém as dosagens séricas de ureia, creatinina, proteínas totais e Lesão de Dleulafoy
frações, aminotransferases, bilirrubinas, eletrólitos, gasometria Telangiectaslas
e o estudo da coagulação. Gastropatia hlpertensiva portal
Ectasia vascular antral gástrica (estômago em melancia)
Varizes gástricas
Neoplasias
• DIAGNÓSTICO úkera esofágica
Ouodenite erosiva
Como a anamnese e o exame fisico são importantes, mas não Fístula aortoent~rka
Hemobilia
esclarecem a etiologia do sangramento, são geralmente necessá-
Hemosuccus poncrNticus
rios exames complementares. Os principais exames dispon1veis Doença de Crohn
para diagnóstico de HD são: endoscopia, exames radiológicos
com contraste baritado, cintigrafia e arteriografia. Alguns exa-
mes também se enquadram na categoria de procedimentos te-
rapêuticos, como endoscopia e arteriografia.
• Gastropatia hemorrágica eerosiva
Consiste em hemorragia subepitelial e erosões, geralmente
restritas à mucosa, onde não existem vasos sanguíneos calibro-
• TRATAMENTO sos e, portanto, não causam sangramento volumoso. São inclui-
Os objetivos principais do tratamento na HD são a parada das neste grupo as lesões de estresse observadas em pacientes
do sangramento e a prevenção do ressangramento. As formas críticos, como ocorre na insuficiência respiratória aguda, na
de terapia disponlveis para atingir tais objetivos são: farmaco- insuficiência renal aguda, nos queimados com mais de 3596
lógica, endoscópica, angiográfica e cirúrgica. A conduta varia de área corporal atingida, nos processos expansivos cerebrais,
de acordo com a etiologia, as condições gerais do paciente, a nas septicemias, nos pós. operatórios de grandes cirurgias, bem
gravidade do sangramento e está em constante evolução com como as lesões que se desenvolvem associadas ao uso de áci-
o desenvolvimento de novas técnicas. do acetilsalicllico, etano) e AINH. A HD é a mais importante
e maís temida complicação da gastropatia, com maior morta-
lidade em pacientes hospitalizados do que naqueles casos ad-
• HEMORRAGIA DIGESTIVA AGUDA ALTA mitidos primariamente por sangramento digestivo, pois surge
como um agravante da doença básica que determinou a hospi-
talização, embora, também, em cerca de 80% dos casos, cesse
• Etiologia espontaneamente.
As causas de HDAA estão relacionadas no Quadro 1.2. As
doenças têm frequência variável conforme a região estudada e • Lesão de Mallory-Weiss
o tipo de amostragem utilizado. Varizes esofagogástricas e gas- ~diagnosticada em aproximadamente 5 a 15% dos pacientes
tropatia hipertensiva serão consideradas no Capitulo 62. com HDAA e está frequentemente relacionada com esforços de
vômitos ou tosse, caracterizando-se por uma laceração longitu-
• Olcera péptica gastroduodenal dinal ou eüptica localizada na região da junção esofagogástrica,
~a causa mais frequente de HDAA (cerca de 50% dos ca- podendo comprometer a mucosa gástrica e/ou esofágica (Fi-
sos). Os fatores mais importantes que predispõem a úlcera pép- guras 1.1 e 1.2). A hemorragia surge quando a lesão atinge um
tica e sangramento são: acidez gástrica, Helicobacter pylori e plexo venoso ou arterial. Tem pior prognóstico quando ocorre
uso de AINH. Embora tenha havido redução tanto de hospi- em pacientes com hipertensão portal. Na maioria das vezes, a
talização quanto de mortalidade por doença ulcerosa péptica lesão cicatriza em 24 a 48 h.
na década de 1990, a mortalidade por HD causada pela doen-
ça tem se mantido estável, provavelmente devido ao balanço • Ffstula aortoentérica
entre aumento do uso de AINH e redução na prevalência do ~de ocorrência rara, mas tem mortalidade elevada. Localiza-
Helicobacter pylori combinada a aumento do uso de redutores se com mais frequência no duodeno distai ou jejuno, podendo
da acidez. A incidência de sangramento por úlcera duodenal é estar além do alcance do endoscópio convencional. Resulta de
aproximadamente o dobro daquela por úlcera gástrica. O res- comunicação direta entre a aorta e o trato digestivo, provocada
sangramento é mais intenso nas úlceras de maior diâmetro e por aneurisma, aortite sifilitica ou tuberculosa, pós-enxerto aór-
mais profundas, nos portadores de coagulopatias, quando há tico (de aparecimento precoce ou tardio - entre 4 e IOsemanas,
coexistência de outras enfermidades e, principalmente, quando até 14 anos), úlcera penetrante, invasão tumoral, traumatismo
se desenvolve durante uma hospitalização. abdominal e radioterapia. Causa HD maciça, que leva ao óbito
6 Capftulo 1 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa

Figura 1.1 Lesão de Mallory-Weiss. (Esta figura encontra-se reprodu- Figura 1.3 Lesão de Dieulafoy com sangramento em jato. localizada
zida em cores no Encarte.) na pequena curvatura do corpo gástrico. (Esta figura encontra-se re-
produzida em cores no Encarte.)

melancia" deriva do fato de apresentar pontos avermelhados,


formando faixas, que partem do piloro para o antro, lembrando
as listras de uma melancia. As listras vermelhas representam
vasos mucosos ectasiados e saculares. Os pontos avermelhados
também podem ter distribuição mais difusa e comprometer
o estômago proximal, sendo usado o termo ectasia vascular
gástrica difusa neste caso. Pode ser idiopática, mas associa-se
com cirrose e esclerose sistêmica, entre outras doenças. O perfil
mais comum do portador de ectasia vascular antral é de mulher
com mais de 70 anos, com anemia por deficiência de ferro, que
apresenta sangramento crônico (Capítulo 2).

• Tumores gastrintestinais
Os tumores de esôfago, estômago e intestino delgado pro-
ximal respondem por cerca de 5% dos casos de HDAA, geral-
mente representando, no caso dos malignos, seu estágio final,
Figura 1.2 Lesão de Mallory-Weiss em paciente com hematêmese
causada inicialmente por lesão de Dieulafoy. (Esta figura encontra-se quando o tumor reduz seu suprimento sanguíneo e há ulceração
reproduzida em cores no Encarte.) da mucosa (Figura 1.4).

quando não diagnosticada e tratada a tempo. Pode ser diagnos-


ticada por tomografia computadorizada ou arteriografia.

• Lesão de Dieulafoy
Ocorre quando uma artéria submucosa anormal calibrosa
fica exposta na superfície mucosa e depois se rompe, sem for-
mação de úlcera no local. Localiza-se, em geral, na parte alta
da pequena curvatura do estômago, próximo à junção esofago-
gástrica, embora ocorra em outras áreas do trato digestivo. Sua
etiologia é desconhecida, mas pode ser atribuída à isquemia da
superfície mucosa. A HD é frequentemente maciça e recorren-
te. A lesão pode ser de dificil identificação, exceto quando está
sangrando ativamente ou apresenta estigmas de sangramento
recente (Figura 1.3).

• Ertasia vasc:ular gástrica


~ uma causa rara de HD, que pode ser confundida com a
gastropatia hipertensiva, pois ambas podem ocorrer em cirró- Figura 1 .4 Linfoma gástrico com sangramento ativo. (Esta figura en-
ticos. O termo ectasia vascular gástrica antral ou • estômago em contra-se reproduZida em cores no Encarte.)
Capftulo 1 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa 7
• Hemobilia zado nas primeiras 24 h da admissão (endoscopia precoce).
~uma hemorragia que tem origem no trato hepatobiliar. A EDA tem como objetivos confirmar o diagnóstico, definir
Deve ser lembrada em pacientes com HDAA com história a etiologia, orientar a terapêutica, fornecer prognóstico ares-
recente de traumatismo do parênquima hepático ou do tra- peito da persistência ou da possibilidade de ressangramento,
to biliar, biopsia percutânea ou transjugular, colangiografia além de permitir a realização de procedimentos hemostáticos,
percutãnea trans-hepática, colecistectomia, biopsia biliar en- que comprovadamente melhoram o prognóstico do paciente.
doscópica, além de colelitíase ou colecistite, tumor hepático Para a úlcera péptica gastroduodenal, a EDA fornece informa-
ou de dueto biliar, aneurisma de artéria hepática e abscesso ções valiosas sobre o risco de ressangramento ao identificar
hepático. Pode-se suspeitar de hemobilia através de duode- úlceras próximas da pequena curvatura alta do corpo gástrico
noscopia, quando se observa o sangue saindo através da papila e da parede posteroinferior do bulbo duodenal, que podem
duodenal, sendo o diagnóstico confirmado através de colangio- atingir artérias mais calibrosas, provocando HD volumosas.
grafia retrógrada endoscópica, cintigrafia utilizando hemácias Identifica estigmas endoscópicos de ressangramento, que estão
marcadas com tecnécio99, ou arteriografia seletiva da artéria associados a taxas altas de recorrência se não tratada a lesão,
hepática (Figura 1.5). ocorrendo frequentemente nas primeiras 72 h: (1) sangramento
ativo (90% de recorrência) (Figura 1.6); (2) vaso visível (50%
• Hemosuccus pancreatkus de recorrência) (Figura 1.7); (3) coágulo aderido (25 a 30% de
~o sangramento através do dueto pancreático, mais fre- recorrência). Tais achados implicam terapêutica endoscópica,
quentemente causado por pancreatite crônica, pseudocisto maiores cuidados clínicos e permanência dos pacientes sob
ou tumor do pâncreas. A hemorragia ocorre quando um vaso vigilância hospitalar. Entretanto, quando no exame endoscó-
sanguíneo é envolvido, formando uma comunicação entre o pico se encontra coágulo plano ou úlcera com base limpa, são
vaso e o dueto pancreático. Pode surgir também em conse- remotas as chances de ressangramento.
quência de terapêutica endoscópica, visando ao pâncreas e ao A EDA somente deve ser realizada quando se tiver condições
dueto pancreático, ou de drenagem de pseudocisto. Deve-se de oferecer segurança e eficácia do procedimento. Os pacien-
suspeitar de hemosuccus pancreaticus quando existem sinto- tes devem estar hemod.i namicamente estáveis. Aqueles com
mas sugestivos das doenças citadas, sendo confirmado através sangramento maciço ou rebaixamento do nível de consciência
de tomografia computadorizada, pancreatografia retrógrada devem ser submetidos a intubação traqueal antes do exame.
endoscópica, arteriografia ou exploração cirúrgica Caso os pacientes apresentem sangramento ativo ou sangue
que prejudica a visualização endoscópica, o estômago deve ser
lavado com sonda orogástrica calibrosa. A administração de
• Diagnóstico de HDAA eritromicina 30 a 90 min antes da EDA, na dose intravenosa
Os seguintes exames complementares podem ser utilizados de 250 mg em bolus ou 3 mglkg durante 30 min, comprova-
para auxiliar no diagnóstico etiológico da HDAA. damente melhora a visualização endoscópica por estimular a
motilidade gástrica e promover o esvaziamento do conteúdo
• Radiografias de tórax e de abdome simples do estômago. A disponibilidade de endoscópio terapêutico fa-
Devem ser feitas em casos suspeitos de perfuração visceral
concomitante, obstrução intestinal ou aspiração pulmonar.

• Endoscopia digestiva alta (EOA)


~o exame mais importante quando se suspeita de HDAA,
com grande sensibilidade e especificidade, devendo ser reali-

Figu ra 1.5 Arteriografia seletiva em caso de hemobilia secundária a Figura 1.6 Úlcera gástrica com sangramento ativo. (Cortesia do Dr.
ferimento por arma de fogo: pseudoaneurisma em ramo secundário Lincoln E.V.V.C. Ferreira.) (Esta figura encontra· se reproduzida em cores
da artéria hepática, tratado por embolizaçào. no Encarte.)
8 Capftulo 1 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa

tante, internados em UTI. Os pacientes sem risco imediato de


recorrência da HD (não apresentaram hemorragia de vulto e a
úlcera tem coágulo plano ou base limpa) podem ser alimenta-
dos precocemente e não necessitam permanecer hospitalizados,
pois é remota a chance de ressangramento.

• Medidas específicas
• Úlcera péptica gastroduodenal
• Terapêutico endoscópico
:B considerada como o método mais efetivo para controle
da HD por úlcera. Está indicada para os casos em que os sinais
endoscópicos são preditivos de recorrência do sangramento ou
de mau prognóstico (sangramento ativo, vaso visível e coágulo
aderido), com significativa melhora da evolução dos pacientes,
incluindo redução de ressangramento, transfusão sanguínea,
necessidade de cirurgia, tempo de hospitalização, custo e mor-
Figura 1.7 úlcera gástrica com vaso visível. (Esta figura encontra-se talidade. A hemostasia pode ser feita através de métodos tér-
reproduzida em cores no Encarte.) micos (laser, heater probe, eletrocoagulação mono ou bipolar,
coagulação com plasma de argônio), mecânicos (colocação de
clipes metálicos, ligadura elástica, endoloops) e de injeção de
substâncias através de um cateter ao redor do ponto de san-
cilita bastante o procedimento. Antes de iniciar a endoscopia, gramento e diretamente nele. As substâncias mais usadas para
devem ser preparados os materiais necessários para realização injeção são o álcool absoluto, que desidrata e provoca reação
de hemostasia. inflamatória imediata, e a solução de epinefrina 1:10.000, vi-
sando à vasoconstrição e à formação de coágulo. São usados
• Arteriografia seletiva também solução salina, água, dextrose, cola de fibrina, trombi-
Este exame só é conclusivo quando o sangramento é supe- na, cianoacrilato, além de agentes esclerosantes (etanolamina,
rior a 0,5 ml /min, sendo realizado através de um cateter in- morruato de sódio, polidocanol). Estudos que compararam as
troduzido na artéria femoral, que alcança seletivamente a ar- diversas modalidades de hemostasia endoscópica em pacientes
téria gástrica esquerda. Permite ainda atuar terapeuticamente com lesões ulcerosas de alto risco geralmente demonstraram
através da administração de substâncias vasoconstritoras ou que sua eficácia foi semelhante. Entretanto, a terapia de inje-
da embolização vascular. ção e os métodos térmicos (eletrocoagulação bipolar e heater
probe) são mais utilizados na prática por serem mais fáceis de
• Cintig rafia aplicar, e os endoscopistas apresentarem maior experiência com
Indicada nos casos de HD não elucidadas através das me- eles. Publicações demonstraram que a combinação da injeção
didas anteriores, principalmente na HDAB e no sangramento de epinefrina com termocoagulação ou com métodos mecâni-
gastrintestinal crônico, podendo detectar perdas sanguíneas cos, como terapêutica inicial, foi mais efetiva em conseguir a
tão baixas quanto 0,1 ml/min. São feitos mapeamentos abdo- hemostasia e prevenir o ressangramento do que a utilização só
minais após a administração intravenosa geralmente de hemá- da epinefrina. Outra publicação, na qual1.169 pacientes com
cias marcadas com tecnécio99• As pesquisas devem ser feitas 1 HDAA foram tratados endoscopicamente, mostrou 8,7% de
e 4 h após a injeção, bem como 24 h depois, sendo de grande recorrência do sangramento, dos quais 48 pacientes foram sub-
utilidade nos sangramentos intermitentes. A desvantagem do metidos ao retratamento endoscópico combinado, como pro-
método é sua acurácia, muito variável, pois o sangue extrava- posto anteriormente, e 44 encaminhados para cirurgia. Embora
sado movimenta tanto no sentido peristáltico quanto no an- tenham ocorrido dois casos de perfuração visceral atribuída
tiperistáltico, podendo induzir a erros de localização, além de à termocoagulação, as complicações foram menores entre os
não identificar a etiologia. Entretanto, como tem grande sensi- que repetiram a terapêutica endoscópica do que entre os en-
bilidade, poderia ser usado previamente à arteriografia, porque caminhados para cirurgia. As complicações mais frequentes
pacientes com cintigrafia negativa provavelmente também não da terapêutica endoscópica são a reativação do sangramento
terão êxito com a arteriografia, que exige maior perda sanguí- e a perfuração visceral. Todos os pacientes com úlcera péptica
nea por minuto. devem ser investigados para a presença do Helicobacter pylori.
No entanto, durante o episódio de sangrarnento ativo, o teste
• Exames radiológicos com contraste baritado da urease tem sensibilidade reduzida. Os pacientes com teste
Estes exames só têm indicação diante de falha dos outros positivo devem ser tratados para erradicar a bactéria, pois está
meios diagnósticos para elucidar a origem da HD, principal- comprovado que a erradicação do Helicobacter pylori previne
mente pela sua impossibilidade de demonstrar o sangramen- a recorrência da úlcera péptica e da HD.
to ativo.
• Antagonistas dos reaptores H1 e b/oqueodores do
bomba protônico
• Tratamento Estudos experimentais indicam que o pH ácido retarda a
Os portadores de HDAA maciça ou moderada, os que apre- coagulação sanguínea e aumenta a dissolução do coágulo por
sentam estigmas preditivos de ressangramento, devem ser hos- enzimas proteolíticas, como a pepsina. A elevação do pH intra-
pitalizados, e aqueles com repercussão hemodinâmica impor- gástrico pode facilitar a agregação plaquetária. No entanto, o
Capftulo I I Hemorragia Digestivo Aguda Alta e Baix a 9

efeito dos antagonistas dos receptores H2 nas úlceras sangrantes cirúrgica deve levar em conta as condições locais de endosco-
tem sido desapontador, provavelmente por não promoverem pia, cirurgia e terapia intensiva.
inibição ácida máxima, sendo o seu uso em tais casos desa-
conselhado. Os bloqueadores de bomba protônica propiciam • Gastropatia hemorrágica e erosiva
maior redução da acidez intragástrica que os antagonistas dos A profilaxia da gastropatia e da HD é preocupação não só
receptores H, e mostraram-se como os únicos agentes farma- de gastrenterologistas como de todo profissional médico. A
cológicos com evidência suficiente de eficácia na prevenção de profilaxia para as lesões de estresse pode ser feita em pacientes
ressangramento por úlcera em pacientes de alto risco, o que os de alto risco através da tentativa de elevar o pH intragástri-
torna preferenciais na escolha terapêutica. Como grande par- co acima de 4, com a utilização de antiácidos, inibidores dos
te dos pacientes também é submetida a tratamento endoscó- receptores H2, bloqueadores da bomba protônica, embora a
pico, o efeito dos bloqueadores de bomba protônica deve ser prescrição destes últimos seja relacionada com o risco de pneu-
considerado como somatório ao da terapêutica endoscópica. monia. Em face disso e de um melhor conhecimento da fisio-
Pode ser administrado omeprazol ou pantoprazol em bolus de patologia da doença, voltada principalmente para alterações
80 mg. ambos seguidos preferencialmente de infusão contí- no metabolismo oxidativo da mucosa, as medidas profiláticas
nua de 8 mglh durante 72 h, após a hernostasia endoscópica. têm se dirigido mais no sentido de manter uma ventilação pul-
Depois de cessarem os vômitos e feita a realimentação, pode monar adequada e estabilização hemodinãmica dos pacientes
ser administrado, por via oral, o omeprazol, de 40 mg, a cada com risco previsivel. Pode-se usar também o sucralfato (4 a
24 h. Ele pode ser substituído por lansoprazol, pantoprazol, ra- 6 g/24 h), por sua ação citoprotetora, com menor incidência
beprazol ou esomeprazoL Entretanto, ainda não se esclareceu de pneumonia nosocomiaL Entretanto, as lesões associadas ao
qual o agente farmacológico, a via de administração, a dose ou uso de etano!, ácido acetilsalicílico e AINH têm sua prevenção
a duração do tratamento mais eficaz. Após o controle do san- dificultada, principalmente quando se leva em consideração a
gramento, o tratamento clínico deverá ser orientado conforme relação custo/beneficio para manter, por períodos prolongados,
descrito no Capítulo 19. os inibidores dos receptores H,, os bloqueadores da bomba de
prótons ou o sucralfato. Os AINH com ação inibidora seletiva
• Somatostatina eoctreotídio da ciclo-oxigenase-2 também estão associados a HD por úlcera,
Atuam reduzindo a pressão venosa portal e o fluxo arterial mas em menor proporção que os demais AlNH. No entanto,
para o estômago e o duodeno, enquanto preservam o fluxo ar- o seu uso foi reduzido devido à possibilidade de aumento do
terial renal. Metanálise que incluiu 1.829 pacientes com HDAA risco de doenças cardiovasculares.
não varicosa concluiu que tais medicamentos reduzem o risco O tratamento cUnico das HD por gastropatia inclui o uso dos
de sangramento contínuo e a necessidade de cirurgia, e que eles inibidores dos receptores H ou dos bloqueadores da bomba
2
são mais eficazes em sangramento por úlcera péptica do que de prótons, conforme descrito anteriormente para as úlceras
por outras causas. Podem ser considerados nos casos de HD pépticas gastroduodenais. A somatostatina e o octreotldio po-
de vulto antes da endoscopia e nos casos de fracasso do trata-
dem ser prescritos com as mesmas restrições, indicações e doses
mento endoscópico ou na sua impossibilidade, ou ainda diante
citadas em relação à ulcera péptica gastroduodenal.
da impossibilidade cirúrgica. A somatostatina é administrada
Durante o exame endoscópico, pouco se pode fazer para
por via intravenosa, na dose de 50 a 250 11g em bolus, seguida
tratamento das lesões sangrantes, exceto quando um pequeno
de 3,5~tg/kg/h, em solução salina, até 48 a 72 h após cessada a
hemorragia. O octreotídio tem vida média mais longa, menor número de erosões isoladas são a causa do sangramento. Nos
custo e maior resistência à degradação enzimática. Pode ser casos rebeldes, pode ser tentada a farmacoterapia angiográfi-
administrado por via intravenosa, inicialmente em bolus de ca, através do cateterismo seletivo da artéria gástrica esquerda,
100 llS. seguido de 25 ~tg/h IV. A via subcutânea, com admi- e a administração de vasopressina diluída em soro glicosado,
nistrações a cada 8 h, pode ser uma alternativa. na dose inicial de 0,2 m(/min nas primeiras 24 h, seguida de
0,1 ml/min nas 36 h seguintes. Esse procedimento pode desen-
• Tratamentoangiográfico cadear algumas complicações, como: retenção hldrica, hipona-
Embora seja raramente indicado em pacientes com úlcera tremia, hipertensão transitória, bradicardia, arritmias, edema
sangrante, pode ser útil naqueles que apresentam hemorragia agudo pulmonar e isquemia miocárdica.
intensa, persistente, em que a terapia endoscópica não é bem- Nos casos de HD persistente ou recorrente, a cirurgia deve
sucedida ou não está disponível, e a cirurgia é muito arriscada. ser indicada, desde que viável. A vagotomia seletiva, com pi-
Pode ser realizada aplicação intra-arterial de vasopressina ou loroplastia e sutura das lesões sangrantes, é uma das cirurgias
oclusão seletiva da artéria sangrante com agente embolizante. mais adequadas. Nos casos de HD incontrolável, a gastrecto-
Complicações do tratamento angiográfico são: isquemia, infar- mia total pode ser o último recurso eficaz em mãos experientes.
to, perfuração e abscesso em órgãos-alvo ou não. No entanto, o tratamento cirúrgico está associado à elevada
mortalidade.
• Cirurgia
Está indicada quando o sangramento não responde ao tra- • Ectasia vascular antral (estômago em melancia)
tamento habitual. A decisão precisa ser individualizada, mas Nos casos raros de hemorragia maciça, a terapêutica endos-
a cirurgia deve ser prontamente indicada quando sua protela- cópica permite debelá-la e, na falha desta, a antrectomia é a op-
ção represente risco de vida para o paciente. Recomenda-se ao ção definitiva. Coagulação com plasma de argônio, aplicado em
menos uma tentativa de retratamento endoscópico antes de várias sessões, reduz o risco de ressangramento e a necessidade
indicar cirurgia no caso de ressangramento após terapia inicial, de transfusões sanguíneas.
utilizando as mesmas técnicas ou métodos diferentes. Durante
a cirurgia, pode ser realizada apenas sutura da lesão sangrante • Lesãode Mallory-Weiss
ou procedimento mais invasivo para redução da acidez. com Na grande maioria dos casos (80 a 90%), a HD cessa espon-
o objetivo de prevenir recorrência. A decisão por intervenção taneamente, mas alguns são controlados com a terapia endos-
1O Capftulo 7 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa

cópica, além da terapêutica sintomática para vOmitas ou tosse T ---


e o uso de drogas que visam a elevar o pH intragástrico. Quadro 1.3 Vari~veis de mau prognóstico em padentes
com hemorragia digestiva aguda alta
• Frstula aortoentérica
A fistula aortoentérica apresenta mortalidade elevada, e o Idade avan~da
único tratamento definitivo é a cirurgia. Maior número de comorbldades
Sangramento por varizes
• lesão de Dieulafoy Choque ou hipotensAo na admissão
A terapia endoscópica é eficaz para hemostasia na maioria Sangue vivo nos vômi tos ou nas fezes
dos casos. Tem sido proposta a terapêutica combinada, usando Maior número de unidades de sangue transfundidas
métodos de injeção, térmicos e/ou mecânicos, como medida Sangramento ativo no momento da endoscopia
eficaz para controlar o sangramento e prevenir a sua recorrência Sangramento por úlcera > 2 em
em mais de 95% dos casos (Figura 1.8). A ecoendoscopia tem Sangramento em jato ou vaso vislvel à endoscopia
Sangramento em padente previamente hospitalizado
sido usada para identificar a lesão ou conferir o resultado da
Necessidade de cirurgia de emergênda
terapêutica endoscópica. Os casos de sangrarnento persistente Coagulopatia intensa
podem exigir procedimento terapêutico por radiologia inter-
vencionista ou cirurgia.

• Tumores gastrintestinais
Os malignos, quando se apresentam com HDAA, têm geral- • Prognóstico
mente prognóstico sombrio. A terapia endoscópica para coibir
o sangramento (principalmente através de métodos térmicos e A mortalidade por HDAA tem se mantido estável nas últi-
de injeção) tem caráter temporário, pois geralmente eles vol- mas décadas em aproximadamente 7 a 10%, embora tenha ha-
tam a sangrar. Algumas lesões polipoides sangrantes podem vido melhora nos cuidados de terapia intensiva e na conduta
ser tratadas com polipectomia. Toda lesão de aspecto maligno terapêutica. A justificativa para tal fato seria o envelhecimento
deve ser biopsiada. A ressecção cirúrgica da lesão é opção de da população e a maior proporção de comorbidades em pacien-
tratamento, mesmo que frequentemente paliativo em termo de tes com HDAA. Pacientes com HDAA raramente morrem pelo
cura da neoplasia. Arteriografia, radioterapia e quimioterapia sangramento propriamente dito, mas devido à descompensação
constituem outras opções de caráter paliativo. de outras enfermidades.
Vários estudos tentaram definir fatores preditivos da evolu-
• Hemobilia ção dos pacientes com HDAA e estabelecer escores prognós-
O tratamento deve ser dirigido para a causa da hemorragia, ticos. Tais fatores prognósticos se aplicam principalmente a
podendo ser realizado através de ressecção do segmento atin- sangramento por úlceras pépticas, que correspondem à maioria
gido ou de embolização arterial. das causas de HDAA. As variáveis dos diversos estudos são se-
melhantes e facilmente reconhecidas pelo médico na admissão
• Hemosu«Uspanueatkus dos pacientes (ver Quadro 1.3).
A HD, neste caso, pode ser tratada através de embolização
arterial, mas, se o processo persiste, pode-se tentar a ligadura
do vaso sangrante, a ressecção de um pseudocisto ou até a pan- • HEMORRAGIA DIGESTIVA AGUDA BAIXA
creatoduodenectomia em casos de hemorragia maciça.
• Etiologia
A Hemorragia Digestiva Aguda Baixa (HDAB) corresponde
a aproximadamente 24% dos casos de HD, predomina no sexo
masculino e a sua incidência aumenta com a idade, notada-
mente naqueles pacientes com mais de 60 anos, sendo causada
principalmente por doença diverticular dos cólons, angiodis-
plasias e co li te isquêmica. Entretanto, na criança, o divertículo
de Meckel é a causa mais comum.
As principais causas de HDAB são relacionadas no Qua-
dro 1.4.

• Lesões vasculares
São causas importantes de HDAB a isquemia mesentérica
e a colite isquêmica. A isquemia visceral secundária a exerci-
cios fisicos prolongados é uma causa rara de HDAB em atletas.
Vasculites causadas por periarterite nodosa, granulomatose de
Wegener e artrite reumatoide podem causar sangrarnentos di-
gestivos em consequénáa de ulcerações e processo necrótico,
algumas vezes precipitados pela terapêutica com imunossupres-
sores, que causa trombocitopenia. Ffstulas aortocolOnicas são
Figura 1.8 Lesão de Dieulafoy d a Figura 13 após hemostasia endos- mais raras que as já citadas para o duodeno, mas aneurismas
cópica com clipes metálicos e aplicação de coagulador de plasma de aórticos ou aortoilfacos, bem como aqueles resultantes de en-
argônio. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) xerto aórtico, podem causar HDAB de vulto e fatais.
Capitulo 7 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa 11
---T deira participação é passível de dúvidas quando levamos em
Quadro 1.4 Prinópais causas de hemorragia digestiva aguda baixa consideração a propedêutica empregada. Embora os divertí-
culos sejam preva!entes no cólon esquerdo, em um levanta-
LeSÕfl vasculares mento no qual o meio diagnóstico usado foi a arteriografia a
lsquemia mesentérica
Colite lsquêmica hemorragia localizou-se em 6096 dos casos no cólon direito, e
Vasculltes no mesmo percentual no cólon esquerdo, quando foi usada a
Flstula arteriovenosa colonoscopia. Essas observações permitem também inferir que
Anglodlsplasias as maiores hemorragias se instalam no cólon direito, pois ne-
Tumores vasculares
Telanglectaslas heredi!Arias
cessitam ultrapassar 0,5 m(/min para serem demonstradas por
Malformações arteriovenosas arteriografia. Quanto ao mecanismo pelo qual os divertículos
Tumores sangram, estudos histológicos mostram que provavelmente
Benignos seja devido a ulcerações ou erosões no óstio ou na cúpula dos
Adenomas divertículos. atingindo ramos intramurais da artéria marginal
Fibromas que irriga o cólon, dando-se menos importância às inflama-
Leiomiomas
Hamartomas ções e divertículites. O uso prévio de AINH pode desencadear
Malignos o sangramento de divertículos. No intestino delgado, raramen-
Adenocarcinomas te causam HD.
Cardnoides O diagnóstico de HD por doença divertícular é frequen-
Llnfossarcomas
Lelomiossarcomas temente de exclusão, pois em poucos pacientes se identifica
Doenças Inflamatórias • inf• cciosas
hemorragia ativa ou estigmas de sangramento recente no di-
Retocolite ulcerativa vertículo (Figura 1.9). Do mesmo modo que são utilizados na
Doença de Crohn úlcera péptica gastroduodenal, também nas úlceras d iverticu -
Enterocolite actlnica lares examinadas por colonoscopia podem ser descritos estig-
Enterocolite bacteriana
mas indicativos de prognóstico. Em um estudo, a presença de
Divertlculos
Do Intestino delgado
coágulo aderido com hemorragia ativa ou de vaso visível não
Do cólon sangrante em associação com úlcera diverticular é forte indi-
DeMeckel cador de hemorragia importante. Esses achados foram relacio-
lesões anorretais nados mais frequentemente com maior número de episódios
Hemorroidas de HD (3,5 episódios em média), com hemog!obinemia mais
Assuras baixa, exigindo maior número de unidades de hemotransfusão,
Prolapsos
e, ainda, terapêutica invasiva, quando comparados às úlceras
Outra.s causas
Lesões trauomticas
diverticulares sem esses estigmas. Tais achados permitem con-
Lesões latrogênicas cluir que pacientes portadores de divertículos com úlceras de
Oiscraslas sangulneas base limpa que sangraram têm baixo risco de ressangramento,
prevendo-se assim urna alta hospitalar mais breve. A HD por
doença diverticular habitualmen te cessa espontaneamente e
não apresenta recorrência na maioria dos p acientes. O risco de
• Tumores ressangramento parece aumentar com o decorrer do tempo e
Os pólipos e os tumores malignos são causas pouco frequen- ser proporcional à intensidade do sangramento inicial.
tes de HDAB, sendo mais relacionados com sangramentos gas- Os divertículos de Meckel, que constituem a maior causa
trintestinais crônicos. Todavia, podem ser responsáveis por até de HDAB em crianças e adultos jovens. não têm a mesma im-
aproximadamente 1796 dos casos de HDAB. Infelizmente, tais
casos são geralmente relacionados com formas avançadas da
doença. As remoções endoscópicas dos pólipos também podem
causar HD imediatamente e até 3 semanas depois, correspon-
dendo a cerca de 2 a 696 dos casos de HDAB. A maioria dos
casos de hemorragia pós-polipectomia pode ser acompanhada
com tratamento conservador, algumas vezes necessitando de
tratamento endoscópico.

• Doenças Inflamatórias e infe<ciosas


Diversas doenças inflamatórias podem ser causa de HDAB,
como: colites por irradiação, doença de Crohn e retocolite ulce-
rativa. Entre as colites infecciosas, algumas raramente causam
HDAB, como a febre tifoide, a colite pseudomembranosa, a co-
li te por citomegalovirus e a tuberculose intestinal. A colite por
irradiação pode causar HD entre 9 e 15 meses após a radiotera-
pia, mas já foram descritos casos mais tardios, entre 3 e 4 anos;
afeta mais frequentemente o reto, após radioterapia pélvica.

• Doença diverticular
A doença diverticular dos cólons constitui a causa mais fre- Figura 1.9 Divertfculo coiOníco com coágulo aderido. (Esta figura
quente de HDAB (cerca de 4096 dos casos), mas a sua verda- encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
12 Capitulo 1 I Hemo"agia Digestiva Aguda Alta e Baixa

portância após os 30 anos. Consistem em anomalia congênita


que ocorre entre 1 e 3% da população e está localizada entre 20
e 80 em da junção ileocecal. A HD é provocada pela presença
de mucosa gástrica heterotópica, encontrada em cerca de 50%
dos casos, que secreta o ácido clorídrico e ulcera a mucosa no
próprio divertículo ou em áreas ileais adjacentes. O diagnósti-
co geralmente é feito por cintigrafia, e a conduta terapêutica é
cirúrgica, com ressecção do divertículo.

• Angiodisplasias
São vasos ectasiados, vistos na mucosa ou submucosa do
trato gastrintestinal, com incidência no cólon entre 1 e 2%, à
colonoscopia ou à necropsia, predominando no cólon direito
e em idosos (Figura 1.10). Estudos histológicos têm mostrado
que há um fino revestimento mucoso ou presença de ulcera-
ções como possíveis explicações para a HD. São responsáveis
por aproximadamente 11% dos casos de HDAB. Têm sido des-
critas em associação com insuficiência renal crônica, doença
arterioesclerótica cardiovascular, doença de von Willebrand,
doença pulmonar obstrutiva crônica e cirrose hepática. Quando
se suspeita da existência de angiodisplasia, deve-se evitar o uso
de opioides como sedativos para a colonoscopia, porque eles
reduzem o fluxo sanguíneo mucoso, mascarando sua detecção.
Grande avanço no diagnóstico dessa doença foi obtido com a Figura 1.11 Angiodisplasia de cólon ascendente demonstrada pela
introdução da cápsula endoscópica, conforme foi demonstra- cápsula endoscópica. Paciente de 82 anos, que, no espaço de I ano,
teve quatro episódios de hemorragia digestiva.Colonoscopias descre-
do na Figura l.ll. veram apenas alguns divertículos de cólon esquerdo, sem sangramen-
to. O exame pela cápsula endoscópica mostrou, além da lesão descrita,
• Lesõesanorretais outra menor no jejuno. (Cortesia do Dr. Roberto Santoro - Serviço de
Embora nem sempre sejam relacionadas entre as causas de Gastrenterologia do Hospital Governador Israel Pinheiro Filho). (Esta
HDAB, as hemorroidas têm sido responsabilizadas por 5 e 10% figura encontra-se reproduZida em cores no Encarte.)
dos casos de HDAB por alguns autores e apresentam-se de
modo intermitente ou maciço, sendo o sangramento observa-
do mais frequentemente durante a defecação. Como a doen-
ça hemorroidária tem prevalência considerável na população, anos, estudos bem dirigidos comprovaram que podem produ-
outras causas de sangramento devem ser excluidas antes de zir diversos tipos de colites (eosinofílica, pseudomembranosa e
responsabilizá-la pela HDAB. colagenosa), bem como exacerbação de doenças preexistentes,
como colite ulcerativa e doença de Crohn, além de estenoses e
• Medicamentos anti-inflamatórios não hormonais (AINH) úlceras de delgado e de cólon, podendo resultar em HD agudas
Sabe-se, desde a década de 1930, que os AINH são capazes ou sangramentos crônicos. A ação lesiva dos AINH sobre a mu-
de lesar a mucosa gastroduodenal. Entretanto, só nos últimos cosa do trato digestivo tem mecanismo incerto, mas a hipótese
central seria através de alterações na síntese das prostaglandi-
nas, acreditando-se ainda em uma ação pré-sistêmica ou tópica,
alterando a integridade da mucosa. A introdução no mercado
de AINH de desintegração entérica permitiria poupar a porção
proximal do trato digestivo de sua ação pré-sistêmica, trans-
ferindo para o intestino delgado e cólon essas ações deletérias.
Algumas publicações descreveram a recuperação de resíduos
de uma formulação com indometacina de liberação lenta em
áreas de perfuração do íleo e do cólon, bem como fragmentos
de um comprimido de diclofenaco em áreas de ulceração e es-
tenose do cólon.

• Síndrome da imunodefidência adquirida (AIDS)


A etiologia da HDAB em portadores de AIDS é diferente da
observada nos pacientes em geral. Alguns relatos descreveram
que os portadores dessa afecção têm como causa, em cerca de
23% dos casos, hemorroidas e fissuras anais, associadas fre-
quentemente a trombocitopenia, e, em mais de 70% dos casos,
ocorrem lesões retais, principalmente colite por citomegalovi-
Figura 1.1o Angiodisplasia de cólon direito com sangramento ativo. rus. Foram descritos, ainda, colite bacteriana, histoplasmose
(Cortesia do Dr. Lincoln E.V.V.C. Ferreira.) (Esta figura encontra-se repro· colônica e sarcoma de Kaposi do cólon. Entretanto, é incomum
duzida em cores no Encarte.) que o óbito se relacione com HDAB.
Capftulo 1 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa 13

• Diagnóstico da HDAB T
Quadro 1.5 Critérios de príoridades no diagnóstico de certeza da
A real incidência de H OAB é dificil de ser determinada pela
hemorragia aguda do cólon- avaliação pré-cirúrgica
falta de padronização dos métodos de investigação. Além disso,
algumas estatísticas não incluem os sangramentos orificiais. A
Nível I: d i;ognóstíco definit ivo
confirmação de que uma determinada lesão seria responsável
A: lesão sangrando ativamente localizada por endoscopia ou
pelo sangramento muitas vezes é motivo de dúvida, tanto assim
aneriografia.
que existe uma tendência em separar os achados em "origem
8: estigma de sangrarnento recente ldentifiado por endoscopia
provada" e "origem potencial". Em muitos casos, a localização
(vaso visiwl não sangrante, coágulo aderido).
da HD relaciona-se a uma evidência circunstancial, como, por
C: cintigrafia com hemácias marcadas positiva e confirmada por IA ou 18.
exemplo, quando se encontra uma determinada lesão como
fonte potencial de sangramento em um paciente com hemato- Nível li: d iagnósti co presuntivo/ evld.ncla circunst;oncial
quezia. Entretanto, a correlação etiológica pode ser falsa, com A: sangue vi110 localizado em segmento eólico que possui fonte potencial
mais de uma causa como provável origem do sangramento. para sangramento.
Portanto, há necessidade de padronização dos métodos de pes- 8: cintigrafia positiva dirigida ao cólon e colonoscopia que most ra fonte
quisa, principalmente se levarmos em conta que um determi- potencial para sangramento na área descrita pela cintigrafia.
nado caso cllnico pode exigir solução cirúrgica, que precisa ser C: hematoquezia confirmada e colonoscopla que demonstra uma fonte
corretamente indicada. Assim, foi proposto um esquema para a potencial de sangramento no cólon, complementada com endoscopia
ordenação diagnóstica da HDAB, descrita no Quadro 1.5. d igestiva alta negativa.

Destaque-se, ainda, que a sua apresentação clínica é variá- N iv.llll: d ia gnóstico equivocado
vel, o que dificulta a comparação entre as diversas publicações A: •hematoquezla• ou sangue eliminado pelo reto (sem especificação de
a respeito da HDAB. Formas maciças, que exigem cirurgia de co r) e colonoscopia que demonstra uma ou mais fontes potenciais de
urgência ou rapidez para restabelecer o equilíbrio hemodinâ- sangramento.
mico e salvar a vida, são pouco frequentes, predominando as
Adaptado de Zuckerman, GR & Prakash. C. Acute lower Intestinal bfeedlng. Part 11:
apresentações leves a moderadas. Não há padronização para a Etlology. therapy, and outcomes. Gasrrolnte$1. Endosc. 1999; 49:228-38.
abordagem diagnóstica dos pacientes com HDAB. O Quadro 1.6

- T
Quadro1.6 Abordagem de um paciente com hemorragia digestiva aguda baixa

PA CIEN TE COM HEMATOQUEZIAAGU DA GRAV E

Diagnôsti co
d if i cultado
pelo vulto do
s ang ramento

Arterio grafia
(p recedid a
ou n ão de
cintigrafia)

Est udar o Avalia ra


intestino p ossibilid ade
delgad o cirúrgica

Adopl;odo de Zuccoro. G. Monogomtnt of the adu~ potient with acvtelowe< gastroôntestinol bleeding. Am.J. Gastroot~tfJOI. 1998; 91:1202-8.
14 Capitulo 1 I Hemo"agia Digestiva Aguda Alta e Baixa

apresenta um algoritmo com a abordagem de um paciente com após a estabilização hemodinâmica do paciente, assegurando,
hemorragia digestiva aguda baixa. assim, boa tolerância ao preparo e à sedação para o exame. O
Os seguintes exames complementares são os mais utilizados tempo entre a admissão dos pacientes e a realização da colo·
para definição etiológica da HDAB: retossigmoidoscopia, colo· noscopia varia, nos diversos estudos, entre 12 a 48 h. Estudos
noscopia, arteriografia seletiva, cintigrafia, cápsula endoscópica mostraram que a colonoscopia precoce está associada a menor
de intestino delgado, enteroscopia e outros. tempo de hospitalização.
As vantagens da colonoscopia de urgência incluem a maior
• Retossigmoidoscopia probabilidade de detectar lesão sangrando ativamente ou es-
Pode ser indicada, de início, em todo caso de HDAB, per· tigma de sangramento recente e a possibilidade de a lesão ser
mitindo excluir doenças do cólon distai e anorretais. Além de passível de tratamento endoscópico. Portanto, a colonoscopia
oferecer chance de encontrar a lesão sangrante (Figura 1.12), de urgência tem sido recomendada como procedimento diag-
a retossigmoidoscopia flexível pode identificar indícios de san· nóstico de escolha na maioria dos pacientes com HDAB, de-
grarnento recente (sangue vivo no reto ou sigmoide). Entre· vido a alta acurácia diagnóstica, baixo índice de complicações
tanto, a sua utilização após a introdução da colonoscopia de e potencial terapêutico. O momento mais indicado para a sua
urgência tomou-se questionável, pois a presença de lesão dis· realização, no entanto, ainda não foi determinado.
tal não exclui outras lesões colônicas sangrantes. A realização A capacidade de identificação do local responsável pelo san·
da anuscopia deve ser estimulada por ser um exame de baixo gramento durante colonoscopia apresenta ampla variação nas
custo e ideal para detectar lesões anorretais. publicações sobre o tema (acurácia diagnóstica entre 48 e 90%).
Isso ocorre principalmente devido à falta de padronização dos
• Colonoscopia critérios na definição dos achados endoscópicos, sendo sugerida
Mesmo diante da reconhecida importância da EDA no diag- uma ordenação destes, conforme descrito no Quadro 1.7.
nóstico e na terapêutica da HDAA, a colonoscopia só foi utiliza· Quando a suspeita se volta para o intestino delgado, a colo·
da para a HDAB nos últimos anos. A colonoscopia de urgência noscopia permite estudar as porções distais do íleo ou visibilízar
foi relatada, pela primeira vez, nos anos setenta, mas não foi o sangue saindo através da válvula ileocecal. Para as porções
aceita de imediato como procedimento de eleição para HDAB, proximais, pode ser tentada a enteroscopia.
sendo realizada, em geral, quando o sangramento havia cessado
e o enema opaco ou a arteriografia era negativa. A relutância • Arteriografia seletiva
inicial ao seu uso, em virtude do risco potencial de complica- Pode ser proposta nos casos de sangramentos de intestino
ções, foi aos poucos sendo superada. A partir da década de 1980, delgado ou de cólon, embora a colonoscopia seja o método
passou a ser indicada precocemente nos casos de HDAB, como mais seguro e eficaz para a definição de uma HD produzida
recurso propedêutico e terapêutico, desde que o preparo do có- por lesão do íleo distai e cólon. Tem a vantagem de não depen-
lon VO tornou-se eficaz e seguro. Entretanto, ainda costuma ser der de preparo para o cólon e poder ser usada como medida
indicada em pacientes que sangram, sem preparo prévio, com terapêutica, visando a estancar o sangramento. Contudo, pode
o objetivo de localizar sangramento ativo em um determinado causar complicações sérias, como: trombose arterial, reações ao
segmento eólico, ou, então, fazendo apenas o preparo através contraste e insuficiência renal aguda. Deve-se começar o estudo
de enema. Contudo, o preparo anterógrado permite melhor pela artéria mesentérica superior, porque as principais causas de
visualização da superf!cie mucosa, favorece a identificação da sangramento estão localizadas nessa área (doença diverticular
etiologia sem reativar o sangramento e aumenta a segurança e angiodisplasia) e, se for negativo, passa-se, então, para o ter-
do procedimento por reduzir o risco de perfuração. Tal prepa· ritório da artér ia mesentérica inferior e tronco celíaco. Como
ro é bem tolerado e seguro, mas pode desencadear insuficiên- a maioria das HDAB cessa espontaneamente, a arteriografia
cia cardíaca e desequilíbrio hidreletrolítico em pacientes com deveria ser reservada para casos em que a colonoscopia não foi
comorbidades. Portanto, a colonoscopia só deve ser realizada possível e para aqueles em que há sangramentos persistentes
ou recorrentes, cuja etiologia não foi identificada, e nos quais a
localização da lesão e a terapia efetiva podem salvar a vida.

• Cintigrafia
Deve ser lembrada com o mesmo destaque e as mesmas res-
trições feitas anteriormente em relação à HDAA. As vantagens

T-
Quadro 1.7 úitérios para diagnóstico colonoscópico do local sangrante
1. local com sangramento ativo
2. Va.so visível n~o sangrante
3. Coágulo aderido
4. Sangue vivo localizado num segmento colônico
S. Divertículo ulcerado com sangue vivo nas imediações
6. Ausência de sangue vivo no íleo terminal, mas encontrado no cólon

Adoptodo de Zuckermon, GR & Prakash. C. Acute lower intestino I bleeding. Port 1: Clinicai
Figura 1.12 Retite actínica com sangramento ativo. (Esta figura en· presentation and diagnosis. Gostrointest. Endosc.. 1998; 48:60~ 17.
contra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Capitulo 7 I Hemorragia Digestiva Aguda Alta e Baixa 15

da cintigrafia são: boa sensibilidade, segurança, o fato de não da, introduz.ido em 1994, que permite a localização de pólipos
ser invasiva, sem risco de reação a contraste e de baixo custo. e tumores colorretais, mas com as mesmas limitações para a
As suas desvantagens são: falta de capacidade terapêutica e dú- localização do ponto sangrante. A angiografia por tomogra-
vidas sobre sua acurácia. Cirurgia não deve ser indicada com fia computadorizada pode ser útil na identificação de ectasia
base apenas na cintigrafia. vascular colônica.
Esse método é de grande importância nos pacientes mais
jovens, quando há suspeita de divertfculo de Meckel, com re-
lato de sensibilidade e especificidade, respectivamente, de 85 • Tratamento
e95%. A terapêutica clfnica da HDAB deve seguir os mesmos cri-
térios citados anteriormente para a HDAA, sendo mandatória
• Cápsula endoscópica de intestino delgado a hospitalização para hemorragias moderadas e maciças. Na
O recente desenvolvimento da cápsula endoscópica permitiu maioria das vezes, a HDAB cessa espontaneamente, mas os pa-
a visualização não invasiva do intestino delgado. São obtidas cientes com sangramento continuo ou recorrente necessitam de
duas imagens por segundo por aproximadamente 8 h, que é o intervenção que debele a hemorragia. As opções terapêuticas
tempo de duração da bateria. As imagens são transmitidas. sem são mais limitadas que na HDAA.
fio, de uma cápsula descartável deglutida pelo paciente para um
gravador de dados, fixado à sua cintura e, depois, essas imagens
são transferidas para um computador e analisadas pelo endos- • Medidas específicas
copista. A principal indicação da cápsula endoscópica é HD • Terapêutica endoscópica
de origem obscura (não detectada por EDA ou colonoscopia),
Deve-se lançar mão de exame endoscópico, por profissional
oculta ou não. Em diversos estudos, a cápsula endoscópica se
experiente, logo após a admissão e estabilização hemodinãmica
mostrou mais sensível que outros exames não invasivos do in-
do paciente. São encontradas alterações durante colonoscopia
testino delgado, incluindo exames radiológicos contrastados,
de urgência, com maior frequência, do que em procedimento
tomografia computadorizada e enteroscopia. A acurácia da cáp-
eletivo. Cerca de 10 a 15% dos pacientes submetidos a colo-
sula endoscópica para detectar lesões no intestino delgado é de
noscopia de urgência por HDAB recebem algum tratamento
aproximadamente 70%. Atualmente, deve ser considerada a
endoscópico.
primeira escolha para investigação de sangramento de origem
A hemostasia pode ser realízada com eficácia, usando-se
obscura, como o caso ilustrado na Figura 1.11.
métodos de injeção, ténnicos (laser, heater probe, eletrocoa-
• Enteroscopia gulação mono ou bipolar, coagulação com plasma de argônio)
e/ou mecânicos (clipes metálicos, ligadura elástica). O trata-
Até o inlcio deste século, dispunha-se apenas da enterosco-
pia denominada push enteroscopia, que consiste na introdução mento endoscópico deve ser realízado com cautela no cólon
por via anterógrada de um endoscópio, que pode ser o colonos- direito, que apresenta a parede mais fina, com o objetivo de
cópia pediátrico ou o enteroscópio convencional, permitindo evitar perfuração colônica.
atingir apenas o jejuno proximal, raramente o jejuno médio.
Novas tecnologias permitiram o desenvolvimento de métodos
• Terapia angioteráplca
específicos para procedimentos endoscópicos diagnósticos e Nos casos de insucesso do tratamento endoscópico, pode ser
terapêuticos no intestino delgado. Tais procedimentos são rea- realizada arteriografia com objetivo de interromper o sangra-
lízados com endoscópios especialízados disponíveis em poucos menta. Injeção intra-arterial de vasoconstritores (vasopressi-
serviços de endoscopia no momento e incluem: enteroscopia na) era considerada o tratamento angiográfico de escolha para
de duplo balão, enteroscopia de balão único e enteroscopia es- HDAB, principalmente por doença diverticular e angiodispla-
piral. São técnicas diferentes, mas baseadas no manejo de um sia. Todavia, complicações maiores com vasopressina ocorrem
overtube sobre endoscópio longo, com sanfonamento das alças em 9 a 21% dos pacientes, e o índice de hemorragia recorrente
intestinais sobre o aparelho. Pennite visualização de todo o in- após infusão de vasopressina pode ser de até 50%. Atualmente,
testino delgado em até aproximadamente 86% dos pacientes, a embolização arterial superseletiva com diversos agentes subs-
com baixa incidência de complicações. Pode ser utilízada a via tituiu a vasopressina intra-arterial para tratamento da HDAB.
anterógrada e/ou retrógrada. No entanto, são procedimentos Pode haver controle do sangramento em 44 a 91% dos casos,
demorados e cansativos, realízados com anestesia. A conduta com menor incidência de complicações maiores comparada à
mais preconizada é a realízação inicial de cápsula endoscópica vasopressina. A recorrência do sangramento com embolização
para localização da lesão sangrante, seguida de enteroscopia superseletiva varia de 7 a 33%.
para seu tratamento.
• Cirurgia
• Outros m~todos de imagem A cirurgia pode ser necessária para tratamento de HDAB
Os exames contrastados de intestino delgado ou do cólon continua ou reGorrente e tem sido realizada em 15 a 25% dos
têm menor destaque na HDAB, pois não permitem identificar pacientes. A cirurgia de urgência, visando a conter a hemorra-
com segurança o local sangrante e podem interferir no desem- gia e preservar a vida, deve ser precedida de criteriosa pesquisa
penho de outros exames. como a colonoscopia. No entanto, no sentido de localizar o ponto sangrante. Quando a ressecção
podem ser indicados quando a HD cessa e não se sabe a causa. segmentar é feita às cegas, ou baseada apenas em cintigrafia, está
Para o intestino delgado, além do trdnsito intestinal, pode ser sujeita a recorr~ncia do quadro hemorrágico e tem morbidade
feita uma enter6clise, que é um exame com duplo contraste, e mortalidade aumentadas. Entretanto, quando a arteriografia
consistindo na passagem de uma sonda nasogástrica e injeção ou a colonoscopia têm êxito na identificação do local lesado, a
de contraste baritado associado a metilcelulose. Merece desta- ressecção segmentar produz melhores resultados. Em um es-
que para o estudo do cólon, além do enema opaco, a colonos- tudo de casos submetidos previamente à arteriografia seletiva,
copia virtual, estudo do cólon por tomografia computadoriza- após 1 ano da cirurgia a incidência de ressangramento foi de
16 Capitulo 1 I Hemorragia Digesti vo Agudo Alto e Baixo

1496 naqueles que foram guiados pela arteriografia e de 4296 de localizar com precisão o ponto sangrante. No insucesso da
quando a ressecção foi realizada após arteriografia negativa. colonoscopia e da terapia endoscópica, deve ser tentada a lo-
Portanto, nos casos de emergência, quando se faz uma !aparo- calização da área hemorrágica por cintigrafia e/ou arteriografia
temia exploradora, é desejável que o ato cirúrgico seja guiado seletiva. Caso haja localização do ponto de sangramento, pode
por um exame endoscópico intraoperatório. ser tentado tratamento angiográfico. A cirurgia de emergência
Geralmente, a cirurgia é recomendada nos seguintes casos: deve ser reservada para os sangramentos incontroláveis. Entre-
(1) pacientes que necessitam de mais de quatro unidades de tanto, quando não se tem êxito nos procedimentos anteriores
concentrado de glóbulos vermelhos dentro de 24 h; (2) pa- para localizar o ponto lesado, haverá maior segurança se for
cientes com HD persistente e que exigem mais de dez unidades feito um exame endoscópico durante o ato operatório.
de hemotransfusão durante o surto de sangramento; (3) por-
tadores de hemorragias recorrentes; (4) portadores de doen-
ça diverticular que voltam a sangrar após um episódio inicial, • Prognóstico
com perdas entre 20 e 4096 da volemia. Como esses critérios As variáveis cllnicas que predizem a intensidade da HDAB
são relativamente arbitrários, a decisão cirúrgica nos casos de são semelhantes às descritas para a HDAA (Quadro 1.3). No
sangramentos maciços deve ser guiada também por outras va- entanto, a HDAB difere da HDAA quanto à gravidade de sua
riáveis, como a concomitãncia de outras enfermidades e a si- apresentação. Em um levantamento entre os membros do Co-
tuação cllnica de cada paáente. légio Americano de Gastroenterologia, demonstrou-se que a
As intervenções cirúrgicas mais indicadas são: (I) ressecção HDAB apresenta-se menos frequentemente com choque que
segmentar de emergência para uma fonte conhecida de sangra- a HDAA (19 e 3596, respectivamente), exigindo menos hemo-
mente persistente; (2) ressecção segmentar eletiva para uma transfusão (36 e 6496, respectivamente). A mortalidade varia
fonte conhecida de sangramento, como adenocarcínoma do de 2 a 496.
cólon, ou para sangramento recorrente de uma lesão identifi-
cada, como divertículo do cólon; (3) colectomia subtotal, com
anastomose ileorretal, para fonte desconhecida de sangramento. • LEITURA RECOMENDADA
As ressecções segmentares para fontes desconhecidas devem ser
evitadas porque são acompanhadas de risco de ressangramento, Adler, DG, Lelghton,JA, Davila, RE <1 a/. ASGE guldellne: The role of endos-
com maior morbidade e mortalidade. copy in acute non·varic:eal upper-GI hemorrbage. Gostrointest &dose,
2004; 60:497·504.
Appleyard, M. Glukhovslty, A, Swain, P. Wlttlless·capsule diagnostic: endoteopy
• Cuidados espeáficos for recurrent sma11 bo,..,l bl~nding. N. Engl. J. Mbl. 2001; 344:232-3.
Arnon. IDR & Lo. SI<. lhe Clinicai Utility of Wideless Capsuk Endo$copy.
• Anglodisplasias. Aquelas que sangram necessitam de Digestive Diutues and S d - 2004; 4~.893·901.
tratamento endoscópico imediato. O melhor tratamento para Davila. RE, Rajan, E, Adler, [)(; <1 aL .ASGE Guiddinc: lhe role of mdoocopy In
the paticnt with lo,..,r·GI bk<:ding. Gastrointtst Endosc, 2005; 62:656-60.
pacientes com HDAB e angiodisplasia é o endoscópico. Os se-
Iensen, G & Macbicado, GA. Diagnosis and treatment of severe hematoche·
guintes métodos são eficazes e seguros: eletrocoagulação, te- ua: lhe role of urgent oolonoscopy after purge. ~nterowgy, 1988;
rapia de injeção, heater probe, laser e coagulação com plasma 95:1569·74.
de argônio. Contudo, a terapêutica endoscópica para hemos- Johnson, CO & Ahlquist, DA. Computed tomography colonography (virtual a>·
tasia é sujeita a ressangramento, principalmente quando são lonoscopy): a new melhnd for colorcctal screening. Gut, 1999; 44:301·5.
Jutabha, R. Approach to the adult patient wilh lower gastrointestlnal bleedlng.
lesões múltiplas, exigindo mais de uma sessão de hemostasia. In: SUvka, A. UpToOate, Inc., Waltham, MA; 2009.
A complicação mais temida com o tratamento endoscópico é a Jutabha, R & jensen, DM. Treat.ment ofbleeding peptic ulars. Em: Feldman,
perfuração colônica, principalmente no cólon direito, que tem M. UpToDate, Inc., 'A'altham, MA; 2009.
a parede mais fina. Para as angiodisplasias múltiplas de cólon Lau, JYw. Sung, JJY, Lam, YH <1 al. Endoscopic retreatmenl compare<! with
e/ou delgado, tem sido proposta a tera~utica hormonal com surgery in patienu wilh recurrent ble<dlng after initial endoscopk: conuol
ofbleeding ulars. N Engl I Mtd, 1999; 340:751·6.
a associação estrógeno-progesterona (1 mg de noretinodrel e
Rocckey, DC Gastroln!atinal Bl..ding. Em: Feldman, M, Friedman, LS, Brandt,
0,005 mg de mestranoVdia), com relatos de resultados profi- LJ, Sleisenger, MH (eds.). Guttointtstinal and lli-er Oiseue. Philaddphla:
láticos favoráveis, ou, ainda, o octreotídio, utilizado com êxito Saunden Elsevler; 2006. p. 255·300.
no controle e prevenção de sangramento de angiodisplasia do Rossini. FP. Arrigonl. A, Pennazlo, M. Octreotide in lhe tmotment ofbleedlng
intestino delgado, na dose de 100 ).1g2 vezes/dia SC. A arterio- due to angiodysplas!a of lhe smaU intestine. Am f G-n<erol, 1993;
88:1424-7.
grafia deve ser considerada em casos de sangramento contínuo Schafer, ME & Lo SK. Navigating beyond tbeligament ofTreil%: an introduction
ou recorrente, com insucesso da endoscopia para seu contro- to learning enteroscopy. Gastrointest Endosc, 2010; 71:1029·32.
le. Tal procedimento permite identificar as lesões sangrantes Walla~ JL. Non&teroldal antllnRammatory drugs and g3$troenteropathy: lhe
e tratá-las. Na refratariedade das medidas anteriores, deve-se Second hundred years. Gnstroenterology, 1997; 112:1000-16.
considerar a indicação cirúrgica. Zuecaro. G. Managcment ofthe adult patjent with acute lowe.r gastrolntestJna.l
bl~ding. Am J Gastrottoterol, 1998; 93: 1202·8.
• Doença divert icular dos cólons. A tera~utica endoscó- Zucke.r man, GR & Prakash, C. Acutelower Intestinal bleedlng. Part 1: Clinlaol
pica, visando à hemostasia através de métodos térmicos, mecâ- presentatlon and dlagnosls. Gastroint<st EndM<. 1998; 48:606·17.
nicos ou injeção de epínefrina. tem sido descrita com sucesso, Zuckerman, GR & Prakash, C Acute lower intestinal bleeding. Part U: EUology,
mas usada em pequeno número de casos, em face da dificuldade lherapy, and outcomes. Gastrolnt«t Endosc, 1999; 4~.228·38.
2 Gastrintestinal
Sangra menta
Crônico
Pedro Duarte Gaburri, Ana Karla Gaburri, Adilton To fedo Orne/las e
Aécio Flóvio Meirelles de Souza

Nos últimos anos, alguns avanços têm ocorrido no reconhe- desafio nessas circunstâncias é a identificação da sede e do tipo
cimento desta forma de hemorragia digestiva, embora ela se da lesão responsável pelo sangramento, para que se possa adotar
constitua quase sempre em um grande desafio para os gastro- o tratamento mais apropriado, seja clínico ou cirúrgico.
enterologistas. Sua manifestação pode se dar de forma evidente
ou imperceptfvel, podendo sua origem se localizar em qualquer
segmento do tubo digestivo, não identificada após as avaliações
• Etiologia
propedêuticas iniciais. Denomina-se hemorragia gastrintestinal No Quadro 2.1, estão enumeradas as causas mais frequentes
obscura quando se trata de sangramento evidente para o médico de sangramento intestinal crônico e que, embora predominem
ou o paciente, e hemorragia gastrintestinal oculúJ para os ca- no intestino delgado, podem se localizar em outros segmentos
sos manifestados por anemia crônica ferro priva sem evidência do trato gastrintestinal
macroscópica do sangramento, o qual ~ consequente à perda As eaasias vasculares ou angiodisplasias têm a sua frequência
digestiva prolongada com pesquisa de sangue oculto positiva aumentada com a idade, sobretudo após os 50 anos. São mais
nas fezes. Fazem-se necessárias perdas gastrintestinais acima de comuns no cólon direito e podem ocasionar hemorragias co-
100 a 150 m(/24 h para que se modifique a coloração das fezes, piosas (Figura 2.1 ).
motivo pelo qual o sangramento pode se dar por longos perío- Os tumores ocorrem em idade mais precoce, predominan-
dos sem que seja notado, levando à anemia crônica como sua do entre os 30 e 50 anos, e incluem os liomiomas, leiomios-
única manifestação. Em termos gerais, a causa mais frequente
de anemia ferropriva no sexo masculino é a perda sanguínea
gastrintestinal, enquanto nas mulheres, no mundo ocidental,
as perdas ginecológicas, quando excessivas, superam as diges- T
tivas em frequência_ Algumas pistas clinicas podem indicar a Quadro 2.1 Causas de hemonagia gastrintestinal crônica
possibilidade diagnóstica de associação de condições e enfer-
de origem obsrura
midades, como: idade acima de 50 anos e neoplasias malignas;
insuficiência renal crônica e angiodisplasias/ectasias vasculares;
Intestino dtigado
diarreia crônica e doença celiaca; além de AIDS e sarcoma de
Kaposi ou colite por citomegalovírus. Ectasias vasculares Ectasias vasculares
Tumores Lesão de Dieulafoy
Hemobilia Varizes gástricas
• HEMORRAGIA GASTRINTESTINAL fístula aortoentérica Ectasia vascular gástrica antral
Hemosuccus pancreaOcus Hemangioma
CRONICA OBSCURA Divertículos duodenojejunals
Manifesta-se por perda sanguínea reconhecível pelo pacien- Divertículo de Meckel
te ou equipe médica, porém sem que a causa seja identificada Ukerações medicamentosas ou
pelos processos propedêuticos, sobretudo endoscópicos, do infecciosas
trato digestivo superior e do cólon, havendo hoje maior cons- Varizes duodenais
cientização dos gastroenterologistas de que se toma indispen- Sarcoma de Kaposi
sável a investigação apurada do intestino delgado nesses casos. Doença de Crohn
Não raramente, os episódios de sangramento se repetem, sem Vasculites
que haja identificação da etiologia. As manifestações clinicas
ModificadodeRockey,OC.Chronlc Gamlntestlnal l!leedlng.Em:Grendelt JH. Mc<NIId.
dependerão da intensidade das perdas, mas não fogem às tra- KR. Friedman. SC. Currtnt 0/ognosi< ond Treotment in Ga<troenterology, 1996.
dicionalmente conhecidas e abordadas no Capítulo I. O maior
17
18 Capitulo 2 I Sangramento Gastrintestinal Crônico

Figura 2.1 Angiodisplasia do ceco. (Cortesia do Dr. Lincoln E.V.V.C. Fig ura 2.2 Lesões deCameron. (Cortesia do Dr. Uncoln E.V.V.C. Ferreira.)
Ferreira.) (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)

sarcomas, adenocarcinomas, linfomas, tumores carcinoides e pertensão portal. Seu colabamento logo após o sangramento
hamartomas. Dor abdominal, emagrecimento e semioclusões pode dificultar o reconhecimento endoscópico.
intestinais podem acompanhar ou preceder as hemorragias de A gastropatia portal hipertensiva é encontrada em doentes
causas tumorais, em geral mais abundantes nos liomiomas e com hipertensão portal, podendo sua importãncia ser subesti-
liomiossarcomas. Asfístulas aortoentéricas ocorrem em porta- mada em presença de volumosos cordões varicosos gastreso-
dores de aneurisma, ou com enxerto aórtico, em geral infectado fágicos. A escleroterapia ou ligadura elástica das varizes pode
por Staphylococcus aureus, que determina processo inflama- agravar a gastropatia e aumentar o risco de sangramento (Fi-
tório adjacente à parede duodenal e ruptura, com hemorra- gura 2.2). As mesmas lesões vistas comumente no estômago
gia copiosa, para dentro do lúmen intestinal. A úlcera pépti- podem ocorrer também ao longo do intestino delgado como
ca penetrante, os tumores e traumas abdominais são causas enteropatia portal hipertensiva.
mais raras. As hemorragias em pessoas com menos de 25 anos A ectasia vascular gástrica antral (est6mago em melancia) é
têm no divertículo de Meckel sua principal causa. Ulcerações uma condição rara, idiopática, associada a sangramento agu-
na mucosa ileal adjacente ao divertículo com mucosa gástri- do ou com perda de sangue prolongada e não perceptível nas
ca ectópica constituem a razão mais comum de sangramento fezes. Em alguns casos, se associa à cirrose hepática e hiperten-
gastrintestinal crônico na infãncia. A hemobilia se acompanha são portal, possível razão da ocorrência dos vasos dilatados e
de icterlcia e dor no hipocôndrio direito, e ocorre em conse- tortuosos que se localizam no antro e convergem para o piloro
quência de trauma acidental, ou provocado, ou, ainda, cirúrgi- (Figura 2.2).
co das vias biliares, biopsia hepática, litíase biliar, tumores, le-
sões vasculares, distúrbios de coagulação, dentre outras causas.
Sua ocorrência deve ser considerada em doentes com icterícia,
• Diagnóstico
hematêmese e/ou melena e ausência de lesões do estômago e A identificação da causa da hemorragia requer a associa-
duodeno. Hemosuccus pancreaticus decorre de sangramento ção de dados clínicos, laboratoriais e o emprego de métodos
no dueto pancreático principal, resultante, na maior parte dos propedêuticos invasivos. A anamnese e o exame fisico cons-
casos, de ruptura de uma artéria no interior de um pseudocisto. tituem os primeiros passos no diagnóstico, em busca da sede
~ devido, na maioria dos casos, a pancreatites, pseudo cisto ou do sangramento. A ocorrência de melena sugere uma lesão nas
tumores pancreáticos. Na presença dessas condições, a ocor- partes mais altas do tubo digestivo, enquanto a hematoquezia
rência da hemorragia deve despertar a suspeita clínica, sendo quase sempre se relaciona a lesões no cólon distai e reto. No
sua demonstração concreta realizada através de arteriografia, entanto, a intensidade da perda sanguínea pode modificares-
por meio da qual também se pode realizar a embolização te- sas apresentações, gerando hematoquezia, a partir de lesões
rapêutica do vaso sangrante. A constatação endoscópica da altas com hemorragias copiosas, e melena, em sangramentos
saída de sangue pela papila pode caracterizar a ocorrência de lentos e prolongados do cólon direito. Esplenomegalia pode
hemosuccus pancreaticus ou hemobilia. sugerir hipertensão portal ou hemopatia. A sequência de in-
A lesão de Dieulafoy corresponde à existência de um vaso vestigações deve seguir uma ordem determinada pelos resul-
submucoso dilatado que se rompe para a luz gastrintestinal, tados que forem sendo obtidos sucessivamente. Uma lavagem
ocasionando hemorragias copiosas. Cerca de 1 a 5% das hemor- gástrica pode ser útil ao demonstrar a presença de sangue no
ragias gastrintestinais altas teriam essa etiologia, estando a lesão estômago.
quase sempre localizada a 6 em do esfincter esofágico inferior, Os próximos passos são a endoscopia digestiva alta, a retos-
ao longo da pequena curvatura gástrica. Sua ocorrência pode sigmoidoscopia flexível ou a colonoscopia. Se estas não forem
se dar também em outros segmentos do tubo digestivo. esclarecedoras e o sangramento continuar ativo, pode-se usar
99
As varizes gástricas e duodenais são causas comuns de he- o teste com hemácias marcadas com tecnécio , e que permite
morragias digestivas copiosas, quase sempre secundárias à hi· identificar sangramentos acima de 0,1 ml por minuto. Em ai-
Capitulo 2 I Sangramento Gastrintestinal Cr6nico 19

Figura 2.4 Arteriografia mesentérica revelando várias fases da identifi·


cação de tumor hipervascularizado, responsável por sangramento ativo
Figura 2.3 Radiografia contiastada de estômago e duodeno mostran- para o lúmen intestinal: tumor estremai no jejuno proximal. (Cortesia
do estenose irregular na 3' porção duodenal por adenocarcionoma do Dr. Renato Dani.)
de duodeno.

guns casos, os exames radiológicos demonstram a existência de minuto e ainda permitir o uso de procedimentos terapêuticos
tumores em locais não acessíveis à endoscopia alta convencio- durante sua realização. A Figura 2.4 evidencia uma arterio -
nal. A Figura 2.3 constitui um exemplo dessa situação. grafia com demonstração de sangramento ativo, em pacien-
Caso o sangramento tenha cessado após os exames já cita- te com um tumor estremai do jeuno proximal e hemorragia
dos, pode-se recor rer a recursos endoscópicos mais sofistica- crônica de repetição.
dos, com a utilização de aparelhos capazes de atingir o jejuno A impossibilidade de se detectar a causa, após o emprego
e o ileo: a enteroscopia. Exame contrastado convencional do dos recursos anteriormente citados, constitui indicação para
intestino delgado ou a enter6clise, em que se usa contraste laparotomia exploradora, com enter oscopia peroperatória,
diluído e instilado por sonda nasogástrica, poderão ser em- visto que, na maior parte dos casos, a lesão responsável pelo
pregados, mas sua eficiência é inferior aos procedimentos en- sangramento se localiza no intestino delgado. Nas situações
doscópicos. A enter6clise, a enteroscopia e mais recentemente de emergência, a laparotomia constitui -se em recurso extre-
a videoendoscopia por cápsula são os principais recursos pro- mo. Importante destacar que esta atitude deve ser empregada
pedêuticos para a investigação do intestino delgado. Parece após se esgotarem todas as buscas do diagnóstico exato, ex-
bem estabelecido que a cápsula endoscópica está se tornando ceto se uma lesão única for identificada previamente, já que a
o método de escolha na avaliação de pacientes com sangra- hemorragia pode ser causada por lesões múltiplas, gerando o
mente gastrintestinal obscuro ou oculto, após a realização de risco de se repetir o sangramento mesmo após a intervenção.
endoscopia digestiva alta e colonoscopia não elucidativas. A A cirurgia é capaz de identificar cerca de 70% das causas de
enteroscopia é capaz de identificar a fonte exata do sangramen- hemorragia, em tais circunstâncias. A Figura 2.5 corresponde
to obscuro em 32 a 38% dos casos, enquanto a cápsula endos- a uma lesão encontrada em paciente do sexo feminino, com
cópica o faz em 66 a 69%. Esta última tem seu uso indicado, repetidos episódios de melena, gerando anemia acentuada, com
não só nas hemorragias digestivas de origem desconhecida, 12 meses de evolução, durante os quais repetidas endoscopias
mas também nas anemias crônicas de causa não identificada gastroduodenais foram realizadas sem localizar a sede da he-
e nas doenças inflamatórias intestinais. Nestas últimas, vale morragia. Uma colonoscopia demonstrou que o sangramen-
realçar a ocorrência de sangramento gastrintestinal intenso, às to provinha de lesão localizada acima da válvula ileocecal, e a
vezes com choque hipovolêmico, na doença de C rohn de loca- arteriografia mesentérica, demonstrada na Figura 2.4, sugeriu
lização jejunal. Devem ser lembradas, ainda, as arteriografias, tratar-se de extensa lesão tumoral. A laparotomia, foi identifi-
a tomografia computadorizada e a cintigrafia com hemácias cado um tumor localizado 15 em abaixo da junção duodeno-
marcadas com radioisótopos, como recursos complementa- jejunal, que, ao exame histológico, mostrou tratar-se de um
res para a investigação diagnóstica. A arteriografia é capaz de tumor estremai ulcerado do jejuno. A Figura 2.6 correspon-
reconhecer sangramentos em volume acima de 0,5 mt por de a uma angiodisplasia no jejuno proximal identificada por
20 Capitulo 2 I Sangramento Gastrintestinal Crônico

exame com cápsula endoscópica. O sangramento gastrintes- numerosas, se estendendo ao longo do intestino delgado. Em
tinal obscuro pode se fazer de forma insidiosa, em grau leve mulher com mais de 70 anos e episódios de melena volumosa
a moderado, ou abundante, sem que sua sede de origem seja e repetitiva, levando a anemia grave, encontramos incontáveis
identificada em exames endoscópicos do esôfago, estômago e ectasias, como visto na Figura 2.13. Muita atenção a esses pa-
duodeno e da colonoscopia, restando a enteroscopia e o exa- cientes deve ser dada, em relação ao uso de anti-inflamatórios
me com cápsula endoscópica para exame do intestino delgado
como recursos diagnósticos. Como se sabe, 5% das lesões que
ocasionam sangramento gastrintestinal acham -se localizadas
no delgado. Estudo comparativo entre os dois métodos eviden-
ciou que a cápsula endoscópica tem a vantagem de inspecionar
todo o intestino delgado, enquanto a enteroscopia permite,
além do diagnóstico, intervenções terapêuticas, fazendo com
que ambos os procedimentos sejam valiosos. A enteroscopia
muitas vezes encontra dificuldades técnicas em ultrapassar as
várias flexuras do delgado. Quando realizada no peroperató-
rio, o cirurgião pode auxiliar a condução do aparelho através
do intestino, facilitando sua progressão. Outros dois casos de
abundante melena de repetição ilustram a importância da vi-
deocápsula endosc6pica, tendo sido ambos esclarecidos pelo
seu emprego: foram reconhecidas lesões compatíveis com a
doença de Crohn jejunoileal em ambos os casos. As imagens
dessas lesões são mostradas nas Figuras 2.7, 2.8 e 2.9, onde se
vê, na primeira, secreção sanguinolenta fluindo pelo jejuno de
um homem de 21 anos, cujo exame foi realizado na vigência
do sangramento; na segunda, erosões lineares recobertas por
coágulos, enquanto lesão aftoide linear não sangrante é vista na
Figura 2.9, ambas do mesmo paciente. Na Figura 2.10, podem-
se ver, após 6 meses de uso de irnunomodulador, em exame
de controle, lesões aftoides superficiais no jejuno. Outro caso
semelhante ocorreu em uma mulher de 32 anos com melena
recorrente e anemia intensa, cujo exame com cápsula endos-
Figura 2.6 Angiodisplasia no jejuno proximal identificada com a cáp-
cópica mostrou diversas lesões aftoides, com aspecto também sula endoscópica. (Cortesia do Dr. Renato Dani.) (Esta figura encontra-se
compatível com doença de Crohn jejunoileal, como se vê nas reproduzida em cores no Encarte.)
Figuras 2.11 e 2.12.
Vale destacar que hemorragias copiosas são pouco frequen-
tes na doença de Crohn, mas esta en fermidade tem grande
tendência a hemorragias abundantes quando acomete o je-
juno com lesões ulcerosas múltiplas e profundas. Em pacien-
tes idosos, as angiodisplasias e ectasias vasculares podem ser

Figura 2.5 Lesão tumoral do jejuno proximal responsável por hemor- Figura 2.7 Sangramento ativo identificado por exame com cápsu-
ragia crônica evidente, correspondente a tumor estromal do intestino la endoscópica em paciente com doença de Crohn, hemorragia di-
delgado - mesmo caso da Rgura 2.4. (Cortesia dos Drs. Renato Dani gestiva copiosa e choque hipovolêmico. (Cortesia do Dr. Frederico
e Rodrigo Romualdo.) (Esta figura encontra-se reprod uzida em cores Batista de Oliveira.) (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no
no Encarte.) Encarte.)
Capitulo 2 I Sangramento Gastrintestinal Cr6nico 21

01 :37 :11 .., 26 Jul 07


RMQ . :C' ;!'f:·-. . ~
. 4 .!'1r, , •
. ... ••. <
' ..J:• ~_... .,.
•• ' ·~ ;jp'
) , •.,..,...

~~.~
-.. .
~-·.
":' .~~
. ......'.
: :~ -- ., ·,.. . .
.

•"· \ .. ' ~"~·-


'
. .
- ~. ..., ~· . . :s- •
• • r 'f' .

-·<·'J ,..• •, ~ oÁ,.


·~· ._

~J• ''~"': : ~'\.1~
~fi:i,.f
·':r· ....
J • ..
(...
. ~· . ... " .....
\.'\_.-.: - • ,

.....
""'.. . ·- • "! :i

P1IICan!""S8
Figura 2.8 Extensa úlcera recoberta por coágulo no jejuno do mesmo Figura 2.1 OErosão superfidal no jejuno do mesmo paciente da Fig ura
paciente da Figura 2.7. (Cortesia do Dr. Frederico Batista de Oliveira.) 2.7 após6 meses de azatioprina, sem outros sangrarnentos. (Cortesia
(Esta figura encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ do Dr. Frederico Batista de Oliveira.) (Esta figura encontra-se reprodu·
zida em cores no Encarte.)

a cápsula endoscópica deva ser o primeiro recurso a ser usa-


do na investigação do jejuno e íleo, a enteroscopia com duplo
balão é capaz de evidenciar algumas lesões não identificadas
ao exame com a cápsula. Portanto, os dois exames podem ser
complementares, com vantagens e desvantagens para ambos,
como visto no Quadro 2.4. Outro fato relevante foi a criação
de uma cápsula que se dissolve espontaneamente após cerca de
40 h (Cápsula M2A Patency), não criando o risco de obstrução
intestinal permanente, nos casos de ser retida em segmentos
com estenose.

• Tratamento
As medidas de tratamento da hemorragia digestiva alta e
baixa estão enumeradas no Capítulo 1 e também se aplicam
ao sangramento gastrintestinal crônico. Algumas causas do
sangramento gastrintestinal crônico aparente e recorrente são,
porém, mais difíceis de contornar. Exemplo disso são as ectasias
vasculares, por sua multiplicidade e extensão. O emprego de
terapêuticas com fórmulas hormonais e do ácido arninocaproi-
co apresenta resultados discrepantes em estudos distintos, por
Figura 2.9 Erosão linear do jejuno no mesmo paciente da Figura 2.7. vezes desapontadores. Recente experiência com o emprego da
Não estava sangrando neste momento. (Cortesia do Dr. Frederico Ba- associação de estrogênio e progesterona (1 mg de noretinodrel
tista de Oliveira.) (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no
Encarte.) e 0,005 mg de mestranol, 2 vezes/dia) demonstrou excelente
resultado na prevenção de novos episódios de sangramento
em doentes de ambos os sexos, com ectasias vasculares ou com
hemorragias de origem obscura, respeitadas as contraindica-
não hormonais e ácido acetilsalicílico, responsáveis por eleva- ções para o uso destes hormônios. A somatostatina e o octreo-
do percentual de hemorragias digestivas, com maior risco nos tídio podem ser alternativas válidas em hemorragias por ecta-
idosos. Pelos fatos anteriormente descritos, pode-se deduzir a sias vasculares. O octreotfdio de liberação prolongada pode ser
grande importância do exame com cápsula endoscópica para aplicado em injeções mensais. A gastropatia hipertensiva portal
investigar lesões do intestino delgado. Porém, estudo reali- tem seu risco de sangramento reduzido com o uso de medidas
zado na China, incluindo 218 pacientes dos quais 116 com que diminuem a hipertensão portal, como betabloqueadores
sangramento gastrintestinal obscuro, demonstrou que, embora ou shunts portossistêmicos, cirúrgicos ou transjugulares. A ta-
22 Capitulo 2 I Sangramento Gastrintestinal Crônico

Figuras 2.11 e 2.12 Várias erosões jejunais identificadas por exame com cápsula endoscópica em paciente com repetidos episódios de melena
e anemia grave, portadora de doença de Crohn e assintomática há 3 anos; houve recuperação das taxas hemáticas com uso de azatioprina.
(Cortesia do Dr. Frederico Batista de Oliveira.) (Estas figuras encontram·se reproduzidas em cores no Encarte.)

• HEMORRAGIA GASTRINTESTINAL
CRONICA OCULTA
• Anemia ferropriva
O sangramento gastrintestinal crônico oculto é habitual-
mente identificado quando a pesquisa de sangue oculto nas
fezes se faz positiva ou na ocorrência de anemia crônica fer-
ropriva. Algumas lesões do tubo digestivo podem sofrer perda
crônica de sangue, ocasionando uma anemia por carência de
ferro, com baixos níveis de ferro sérico e ferritina constituin-
do sua manifestação clíníca mais proeminente, e obrigando ao
diagnóstico diferencial com outras entidades, que também se
manifestam da mesma forma. A anemia resultará de perda de
ferro superior à capacidade do intestino delgado em absorvê-lo
e aparecerá quando seus estoques normais no organismo forem
esgotados. Pacientes com anemia moderada não apresentam
queixas, mas, em casos mais intensos, adinamia, fadiga fácil,
dispneia de esforço, palidez e taquicardia, especialmente em
pacientes idosos, junto a sintomas de má irrigação de órgãos
vitais, até mesmo com infarto miocárdico e isquemia cerebral,
podem ocorrer. Em alguns pacientes, a taxa de ferro diminuída
Figura 2 .13 Incontáveis ectasias vasculares jejunoileais identifiCadas pode ser detectada antes do aparecimento da anemia, levando à
em exame com cápsula endoscópica em paciente idosa, com repeti- identificação das lesões gastrintestinais mais precocemente. A
dos episódios de melena e anemia grave secundária. (Cortesia do Dr. Organização Mundial de Saúde define a anemia por deficiência
Frederico Batista de Oliveira.) (Esta fogura encontra-se reproduzida em de ferro como a condição em que a hemoglobina se encontra
cores no Encarte.) abaixo de 13 gldl para homens e 12 glde para mulheres que
ainda menstruam.

lidomida tem sido aconselhada nestas circunstâncias, mas, no • Etiologia


Brasil, a droga só é aprovada pelas autoridades sanitárias para Anemia ferropriva, em homens e em mulheres pós-meno-
o tratamento da hanseníase. pausa, tem quase sempre sua origem em perda gastrintestinal
Quando as lesões são acessíveis ao alcance dos aparelhos crônica. Qualquer lesão do tubo digestivo pode ocasionar esse
existentes, o tratamento endoscópico pode ser uma das alter- tipo de sangramento. Nos países ocidentais, sua principal cau-
nativas mais eficazes. sa é a úlcera gástrica ou duodenal. As varizes esofagogástricas,
Capitulo 2 I Sangramento Gastrintestinal Cr6nica 23

quando sangram, o fazem de forma exuberante, exceto nos seu uso mais frequente. Nos últimos anos, a enteroscopia com
pacientes submetidos a esderoterapia ou ligadura elástica, nos enteroscópio de duplo balão vem tendo sua utilidade mais bem
quais se pode encontrar um teste positivo para sangue oculto. reconhecida. Este processo vem sendo mais comumente em-
Outras causas incluem esofagite intensa, gastrite erosiva, cdncer pregado e tendo seu valor cada vez mais reconhecido em vários
gástrico e ectasias vasculares. Se o sangramento for pequeno, países. Se, mesmo assim, esses exames forem negativos, deve-se
nas lesões altas, a reabsorção do ferro pode impedir o apare- reavaliar o diagnóstico do tipo da anemia, e, caso os mesmos
cimento da anemia. achados laboratoriais se mantiverem, outros testes diagnósti-
A ausência de lesões que justifiquem o sangramento após cos devem ser realizados, como a cintigrafia para pesquisa de
uma endoscopia digestiva alta e uma colonoscopia indica que divertículo de Meckel, a tomografia computadorizada e a ar-
a causa deve se localizar no intestino delgado. Angiodisplasias teriografia seletiva.
e tumores são as causas mais comuns de sangramento crônico
originado nesse segmento intestinal, mas a doença celíaca, a • Tratamento
gastrenterite eosinoj{lica, a doença de Whipple, a endometrio- O tratamento da anemia consiste na reposição de ferro, sen-
se e divertículos também podem ser sua causa. Uma elevação do o sulfato ferroso, por seu baixo custo e boa tolerância, uma
isolada das transaminases, sem outros indicadores de doença escolha apropriada. A reticulocitose, em resposta à medicação,
hepática, ou uma anemia ferropriva podem ser as únicas ma- ocorrerá em 1 a 2 semanas. Um tratamento específico deverá
nifestações de doença celíaca. O achado de anticorpo antien- ser dirigido para a causa do sangramento e irá variar de acordo
dornisial ou antitransglutaminase tissular positivo reforça a com o seu tipo e localização. A cirurgia poderá ser necessária
indicação para biopsia do intestino delgado, em face da sua em condições como tumores, e as ectasias vasculares não aces-
elevada especificidade nessa enfermidade. Os tumores benignos síveis aos endoscópios.
e malignos do jejuno e do íleo são outras causas que devem ser
consideradas. úlceras do intestino delgado, causadas pelo uso de
anti-inflamatórios não hormonais, endometriose e divertículos,
• Sangramento fecal oculto
também devem ser considerados como possíveis causas. No Alguns casos de sangramento gastrintestinal oculto são de-
Brasil, a ancilostomlase é uma causa relativamente frequente, tectados pela presença de sangue oculto nas fezes. Perdas en-
sobretudo na zona rural. tre 0,5 e 1,5 ml /dia podem se originar em diversas lesões do
No cólon, sobretudo no direito, o carcinoma, os pólipos, as trato gastrintestinal. Podem ocorrer ou não queixas digestivas
ulcerações e ectasias vasculares são outras possíveis etiologias. associadas, mas, em geral, seu achado é constatado quando se
Entretanto, embora o carcinoma do c6lon seja uma das cau- investigam anemias de causa obscura, doentes com queixas
sas mais frequentes desse tipo de sangramento, é importante digestivas variadas, ou mudança de coloração das fezes, mal
registrar que, em cerca de 40% dos casos, a lesão responsável definidas. V ale frisar que o aspecto das fezes, com caracterís-
se situa no trato gastrintestinal alto, acima da junção duode- ticas típicas de melena, só ocorre quando mais de 150 me de
nojejunal. Doenças inflamatórias intestinais e doenças intesti- sangue são derramados dentro do estômago.
nais isquémicas devem também ser consideradas. Em 20% dos
casos, há atrofia gástrica com acloridria, sugerindo que uma • Etiologia
má absorção de ferro possa existir. Em doentes com varizes V árias são as situações em que os testes para pesquisa de
esofagogástricas ou com divertlculos no cólon, um exame de sangue oculto nas fezes podem ser positivos, estando as prin-
sangue oculto positivo deve fazer suspeitar de que outra doen- cipais enumeradas no Quadro 2.2. As causas mais comuns in-
ça possa ser a causa do sangramento, uma vez que, em ambas cluem as neoplasias e os processos ulcerativos do trato diges-
as circunstâncias, a hemorragia, quando ocorre, é geralmente tivo superior.
copiosa e o sangramento não é oculto. Vale notar que a faixa Além dessas, existem várias condições que podem gerar re-
etária em que é mais comum a doença diverticular do cólon sultados falso-positivos, como uso de medicamentos, inges-
coincide com a do carcinoma, sendo este a causa mais comum ta de carnes vermelhas, frutas e vegetais, especialmente crus,
de sangramento oculto. como mostrado no Quadro 2.3. A perda de hemoglobina deve
estar acima de 10 mg/g de fezes/dia. O uso de anticoagulantes
• Diagnóstico pode raramente ocasionar exames positivos, por perda de san-
Na ausência de sintomas específicos, sobretudo em pacientes gue pela mucosa, consequente à hipocoagulabilidade, mas, na
idosos, a investigação deve começar pelo estudo do cólon, por grande maioria dos pacientes que usam tais medicamentos,
meio de colonoscopia preferencialmente, ou enema baritado o teste positivo para sangue oculto indica a ocorrência de le-
complementado por retossigmoidoscopia flexível. Se lesões não sões preexistentes no tubo digestivo. Os carcinomas de cólon
forem reconhecidas com esses procedimentos, a pesquisa deve e os pólipos são os principais responsáveis por testes de san-
se dirigir para o trato superior. Os sintomas digestivos podem gue oculto positivo, mas qualquer enfermidade que atinja a
ajudar a orientar o encaminhamento propedêutico quanto à mucosa gastrintestinal pode ser causa do sangramento. Uma
opção inicial para a colonoscopia ou a endoscopia digestiva alta, vez constatado o exame positivo, é necessária uma investigação
realizando-se esta última caso a primeira tenha sido normal. diagnóstica rigorosa em busca da etiologia.
:B aconselhável repeti -las, se forem ambas negativas. Se não
se conseguir ainda identificar uma causa, deve-se investigar • Diagnóstico
o intestino delgado através de enteróclise e/ou enteroscopia e Os testes da hemoporfirina, do guáiaco e imunoqulmicos po-
da videoendoscopia por cápsula endoscópica. Como já citado dem ser empregados para a pesquisa de sangue oculto nas fezes.
para os casos de sangramento gastrintestinal obscuro, esta úl- Sua utilidade na identificação precoce de neoplasias ulceradas
tima ganhou grande aceitação, constituindo-se no mais prático do tubo digestivo deve ser considerada. Na detecção de lesões
procedimento endoscópico para estudo do intestino delgado, altas, podem não se.r tão eficazes como para as lesões do cólon,
embora ainda seu custo elevado para a nossa população e a pois, em casos de sangramento mais discreto do tubo digesti-
suspeita de obstrução intestinal sejam barreiras que impedem vo superior, a reabsorção dos produtos da digestão sanguinea
24 Capitulo 2 I Sangramento Gastrintestinal Crônico

T- T-
Quadro 2.2 Causas de perda desangue oculto pelas fezes Quadro 2.3 Causas de sangueoculto nas fezes, falso-positivo
para fonte intestinal
Esôfago/estômago Esofagite
Gastrite erosiva Perdas extraintestina is
Gastropatia hipertensiva Epi staxe
Úlcera péptica Sangramento gengiva I
Tumores malignos Faringite
Pólipos Hemoptlse
Lesões de Cameron
Medicações causando irritação gástrica
Doença celiaca
Ácid o acetilsalicílico
Doença de Whipple
Anti-inflamatórios não esteroides
Intestino delgado Doença de Crohn Vitamina C
Tumores malignos e benignos
Atividade exógena da peroxidase
Pólipos
Consumo de carne vermelha (hemoglobina não humana)
Ancilostomíase
Estrongiloídiase Consumo de frutas (figos, grapefruit, melões)
Tuberculose Vegetais crus (couve-flor, b rócolis, abóboras, pepino, repolho)
Colite ulceratlva Adaptado de Rockey, OC. Primarycare:occult gastrintestinal bleeding.N. EngLJ. Med.,
Colite isquêmica 1999; 341;38-46.

Cólon Tumores malignos


Pólipos
Úlcera cecal ídíopátíca
Amebiase no intestino delgado pode levar a resultados negativos. Aqui
Fígado/ vias biliares/ pincreas Hemobilía também, o resultado positivo deve encaminhar à busca da etio-
Hemosuccus pancreaticus logia inicialmente no cólon, por serem os testes de pesquisa de
Ulcerações sangue oculto mais apropriados às perdas intestinais baixas. A
sigmoidoscopia flexivel, a colonoscopia ou o enema baritado po·
Qualquer localização no tubo Hemangiomas
digesti vo dem ser empregados, embora a colonoscopia permita, além de
Ectasías vasculares
visualização mais acurada, sobretudo de lesões menores, tam-
Angiodísplasias
bém a realização de biopsias e, às vezes, a extirpação endoscópi·
Extraintestinais Epistaxe cada lesão. Se a investigação do cólon for negativa, deve-se pro-
Hemoptise ceder à endoscopia digestiva alta, que será capaz de identificar
a causa em 75% dos casos, nessas circunstâncias. Caso exames
Adaptado de Rockey, DC. Primary care: occult gastrinte-stinal bleeding. N. EngL.J. Med,
1999; 341:38-46. hematológicos demonstrem uma anemia ferropriva, deve-se
proceder como já demonstrado para essa condição.

-----------------------------T ------------------------------
Quadro 2.4 Vantagens edesvantagens dos métodos diagnósticos

Método Vantagens Desvantagens

Ra ios)(, int.st ino delgado ou enteróclise Mínimo desconforto e risco Não identi ficam todas as lesões
Enteróclise-tubo desconfortável
Cintilografia com hemácias marcadas com Te" Boa para sangramento intenso l nespedfica, falsa localização e não localização de
alguns casos
Não identifica a causa
Cintilografia para divertículo de Meckel Boa em pacientes jovens para achar o Apenas específica para divertículo de Meckel
divert ículo
Angiografia Boa para s.angramento intenso lnvasiva, risco de infarto intestinal com
Permite intervenção se a sede é localizad a embolização
M enor chance de achar a causa que com a
endoscopia
Risco de reação ao contraste endovenoso
Enteroscopia Visualização direta e é possível intervenção lnvasiva, risco endoscópico, desconfortável.• não
terapêutica visualiza parte do jejuno e neo
Cápsula endoscópica Permite visualização da maior parte d o Nenhuma intervenção é possível
intestino del gado Interp retação das imagens pelo médico demanda
Não ínvasiva longo tempo

Adaptado de Mitchell SH, Schaefer DC, Dubagunta S. A NewView of Occult and Obsrure Gastrointestinal Bleeding. Am. Fam. Physidan, 2004; 69:875·81 .
Copfru/o 2 I Songromento Gostrintesrinol Cr6nlco 25

• Tratamento 1an. OR. Amo«, P, Simon, KL The Oinical Ulility o f Wu-eless Capsule Endos-
copy. Dig. OU. S<L, 2004; 893:901.
A causa e a localização da sede do sangrarnento é que vão Kepczylc. T & Kadalüa, SC. Prospective evalwotion of pstrintMinaltrut in
determinar o tipo de terapêutica a ser empregado, obedecendo- paticnu with iron-ddideney anernio. Dig. OU. S<i, 1995; 40:1283- 9.
se aos mesmos critérios para as condições com anemia ferro- Lau, WY, Yuen. WK, Chu, KW tt ai. Obscure bleeding in lhe pstrintesti-
priva já citados aqui. O tratamento endoscópico, permitindo naltrKt originating in the small intestine. Surg. Gyn«t>L ObsteL, 1992;
174:119-24..
a ressecção de pólipos, além do aspecto terapêutico, reveste-se Mclntyre, AS & Long, RG. Prospective survey of investigations in outpatlents
de um grande papel profilático, sobretudo quando se conside- referred witb iron deficlency anaemia. Gut, 1993; 34:1102-7.
ram as neoplasias do intestino grosso. Nos casos em que não se Mitebcll, SH, Sebaefer, DC, Dubagunta, S. A New View ofOecult and Obscure
consegue identificar a sede da lesão, após o emprego de todos Gastrintest.lnal Bleedlng. Am. Fam. Physician, 2004; 69:875-81.
Mujica, VR & Barkin, )S. Occuh gastrintestinal bleeding: general overview and
os recursos diagnósticos disponíveis, o tratamento se restringe approaeb. GtUtrolnt<st. Endosc. Clin. North Am., 1996; 6:833-45.
à reposição de ferro para a correção das taxas hematológicas. Rex, OI<, Lappas, JC, Magllnte, DO <I ai. Enterodysis in lhe evaluatlon of sus-
peeted smaU Intestinal bleeding. Gastroenterology, 1989; 97:58-60.
Rockey, DC. Chronic gastrintestinal bleeding. Em: Grendell, JH, McQuaid,
KR, Friedman, SC. Currtnt Diagnosis and Trem,..,.t in Gastroenterology.
• LEITURA RECOMENDADA Stanford, Appleton and Lange, 1996.
Rockey, DC. Prirnary cace: occult gastrintestinal bleeding. N. EngL J. Med.,
Barkln, JS & Ross, BS. Medicai tb=py for chronlc pstrlntesdnal bi...Ung of 1999; 341 :38-'46.
obsc:we oclgln. Am. ]. Gdstroenurol., 1988; 93:1250-4. Rockey, DC & Ccllo, JP. Evaluation ofthe gasrrintestinal tnct In patienu with
8ashlr, RM & AI-Kawas, FH. Rue causes of occult small inttstinal bleeding. lron-ddicleney anemia. N. EngL ]. Mui, 1993; 329:1691 -5.
Gastn>lntcsL EndDsc. Clin.. N. Am.,l996; 6:709. RoWns, ES, Pleus, O, Hlcks, ME <t ai. Angiography ls usefulln detec:ting lhe
Cavo, 0, Wolff, R. Mitty R tt ai. Validation and initial management of vídeo souree of chronlc gastrintestinal bleeding of obsc:ure orlgln. A./.R. Am. /.
capsule endoscopy findings performed for obscure pstrintestinal bleeding. RoentgtnoL, 1991; 156:385-8.
GastrolntesL Endosc., 2003; 57:AB 165. R6sch, T. Capsule Endoscopy. Endoseopy, 2003; 35:816-21.
Olckey, W, Kenny, 80, McMWan, SA et ai. Gastrlc as well as duodenal biop- Vocller, GR, Buneb, G, Britt, LG. Use oftecbnetium-labeled red blood ceU scin-
sles may be useful in the inv~tigatlon of lron deficlency anaernla. Sc.and. tlgraphy In the deteetlon and management of gastrintestlnal hemorrhage.
/. Gast,.,.nterol., 1997; 32:469 -72. Surgery, 1991; 110:799·804.
3 Diarreia Aguda e Crônica
Juliano Machado de Oliveira, Laura Cotta Orne/las Halfeld e
Adilton Toledo Orne/las

10 ede líquidos por dia (ingesta, secreções de saliva, gástrica,


• INTRODUÇÃO biliar, pancreática e intestinal), absorve cerca de 6 l no jejuno
Muitos pacientes apresentam queixas relativas ao hábito in- e 2,51. no üeo. O cólon recebe do delgado em torno de 1,5 e, e
testinal. Alguns desses referem frequência evacuatória acima apenas 100 me são eliminados nas fezes. A capacidade absor-
da média e outros, abaU:o. Portanto, é importante defutir o que tiva total do cólon é de 4 a 5 l/24 h e, quando essa quantidade
é hábito intestinal normal, ou melhor, saudável. A evacuação é ultrapassada, surge a diarreia.
de fezes consistentes 1 a 3 vezes/rua ou até a cada 2 a 3 dias é O principal mecanismo pelo qual a água é absorvida e secre-
considerada normal. Em algumas situações, os pacientes po- tada se faz segundo o gradiente osmótico criado pelo transpor-
dem alternar o ritmo intestinal, mantendo-se nos parâmetros te ativo do sódio. O sódio é absorvido associado ao cloro ou a
normais da frequência evacuatória, porém com desconforto. alguns nutrientes. A absorção de Na' /CI pelas vilosidades leva
Nesses casos, deve-se avaliar adequadamente o paciente. a água passivamente através da mucosa. Isso se dá pela menor
Diarreia consiste em alteração do hábito intestinal por ru- concentração de sóruo no interior do enterócito em relação à
minuição de consistência das fezes e aumento da frequência e luz intestinal. Essa via é inibida pelo cAMP e GMPc, que so-
do volume das evacuações. Apesar de a quantificação do peso frem estimulação da adenilcidase e guanilciclase do enterócito.
fecal diário ser a forma mais precisa para se definir diarreia, Essas enzimas podem ser ativadas pelas toxinas bacterianas. A
esta medida é pouco prática e restrita ao academicismo ne- absorção acoplada de Na' com glicose, galactose e aminoácidos
cessário às pesquisas. Habitualmente, o peso médio diário das é ativa e não sofre influência dos agentes infecciosos, por isso
fezes é de 100 glrua. é utilizado pa.ra restaurar as perdas nas diarreias infecciosas.
Alterações intestinais são caracterizadas por variações na A secreção entérica depende da secreção ativa de Cl-, que se
consistência e pela presença de produtos patológicos nas fezes. acompanha da eliminação de Na' e HP para o lúmen intesti-
Estes são definidos pela presença de muco, pus, sangue, resíduos nal pelas células das criptas. Assim, a água acompanha o mo-
alimentares ou fezes brilhantes e/ou flutuantes (esteatorreia). vimento do Na•, e a absorção se faz pelas células do ápice das
Os três primeiros estão frequentemente associados a diarreias vilosidades intestinais, enquanto a secreção é realizada pelas
de origem inflamatória, enquanto os dois últimos, às slndromes células das criptas. Diversos agentes estimulam a secreção ou
disabsortivas, conforme descrito adiante neste capítulo. inibem a absorção, como as prostaglandinas, o pepúdio vaso-
A investigação das características clinicas da diarreia au- ativo intestinal (VIP) e o pepúdio calrnodulina, enquanto as
xilia na compreensão da fisiopatologia envolvida no processo encefalinas atuam no sentido de estimular a absorção de água
e até mesmo das etiologias mais prováveis. Em muitos casos, e eletrólitos. No cólon, há vários mecanismos de transporte de
terapêutica sintomática e específica pode ser introduzida com sódio, através dos quais ocorre a absorção de água. A absorção
esses dados iniciais. Sempre que possível, no entanto, deve- e a secreção acontecem concomitantemente com predomínio
se definir a etíologia para se conduzir a terapêutica de forma do conteúdo absorvido. A diminuição da absorção ou aumento
mais dirigida. da secreção ou a alteração de ambas produzem diarreia.
Muitos microrganismos alteram o equiUbrio de absorção e
secreção no intestino delgado e são capazes de provocar ruar-
• FISIOLOGIA EFISIOPATOLOGIA reia. Alguns produzem enterotoxinas que ativam o mecanismo
secretor e outros, por alterarem as vilosidades, prejurucam a
O intestino tem a função de secretar substâncias que auxi- absorção. No üeo rustal e cólon, a ruarreia é causada princi-
liam no processo digestivo e de absorver Uquidos, eletrólitos e palmente por invasão e destruição do epitélio, que resulta em
nutrientes. Fisiologicamente, a absorção de nutrientes e Uqui- ulceração, infiltração da submucosa com eliminação de soro
dos excede a secreção, e o intestino delgado é predominante e sangue. Além russo, podem estimular resposta inflamatória
nessa atividade. O intestino delgado recebe, aproximadamente, local, que resulta na produção de vários secretagogos, como as
26
Capltulo 3 I DiarreiaAguda eCr6nlca 27
prostaglandinas e interleucinas, e contribuem para a perda de y
líquidos para o lúmen intestinal. Quadro3.1 Diagnóstico diferenóal de diarreia alta (delgado)
A fisiopatologia da diarreia envolve cinco mecanismos bá- e baixa (cólon)
sicos, sendo possfvel a concomitância de mais de um deles no
desencadeamento de determinado tipo de diarreia: Aspecto Dflpdo Cólons
a. Diarreia Secretora: resulta da hipersecreção de água e ele- Volume Grande Pequeno
trólitos pelo enterócito, como ocorre pela ação das ente-
NO de evacuações Pequeno Grande
rotoxinas bacterianas. Pode também resultar da produção
Muco e pus Ausentes Podem ocorrer
excessiva de hormônios e outros secretagogos, como no
gastrinoma (gastrina), na síndrome carcinoide (seroto- Dor abdominal Hemiabdome dir. Hemlabdome esq.
mesogástrio hipogástrlo
nina, prostaglandinas, calcitonina), na cólera pancreática
Náuseas Mais frequentes Mais raras
(VIPomas), no adenoma viloso, na insuficiência adrenal
e no hipoparatireoidismo.
b. Diarreia Osmótica: o processo da digestão determina fi-
siologicamente a transformação do conteúdo intestinal
em material isosmótico. Distúrbios da digestão presen- de sua origem. Denomina-se diarreia alta a originada no intes-
tes nas deficiências de dissacaridases, que mantêm um tino delgado e baixa a relacionada com o intestino grosso. A
conteúdo hiperosmolar, determinam a passagem de lí- importância dessa classificação está na diferenciação de causas
quidos parietais para o lúmen intestinal e, consequente- mais frequentes em cada local, dirigindo melhor conduta médi-
mente, diarreia. O mesmo pode acontecer pela ingestão ca investigativa e terapêutica iniciais. A maioria das etiologias
de agentes osmoticamente ativos como a lactulose, o ma- que causam problemas ao trato gastrintestinal alto desencadeia
nitol, o sorbitol e os sais de magnésio. diarreia de padrão secretor. Por outro lado, as diarreias baixas
c. Diarreia Motora: resulta de alteraçõe.s motoras com trân- costumam apresentar padrão inflamatório. O Quadro 3.1 traz
sito intestinal acelerado, como ocorre nas enterocolopa- as principais características desses dois tipos de diarreia.
tias funcionais ou doenças metabólicas e endócrinas. Sur-
ge, também, por redução da área absortiva consequente
de ressecções intestinais ou de fistulas enteroentéricas. • DIARREIA AGUDA
d. Diarreia Exsudativa/Injlamat6ria: decorre de enfermi-
dades causadas por lesões da mucosa resultantes de pro- A diarreia aguda geralmente manifesta-se como quadro de
cessos inflamatórios ou infiltrativos, que podem levar a instalação súbita em resposta a estímulos variáveis, sendo os
perdas de sangue, muco e pus, com aumento do volume principais associados a agentes infecciosos com evolu.ção au-
e da fluidez das fezes. ~ encontrada nas doenças infla- tolimitada.
matórias intestinais, neoplasias, shigelose, colite pseu- A prevalência mundial dessa afecção é de 3 a 5 bilhões de
domembranosa,linfangiectasia intestinal. casos/ano, associada a 5 a lO milhões de mortes/ano. Os da-
e. Diarreia Disabsortiva: resulta de deficiências digestivas dos oficiais do Brasil (www.datasus.gov.br) revelam que 5 em
e lesões parietais do intestino delgado que impedem a cada 1.000 mortes no país em 2007 foram causadas por diar-
correta digestão ou absorção. Este processo pode causar reia aguda infecciosa. Trinta por cento dessas mortes ocorre-
dlarreia com esteatorreia e resíduos alimentares. ram em menores de 14 anos e 50%, em maiores de 60 anos. A
prevalência real da enfermidade é dificil de ser definida devido
à subnotificação.
• CLASSIFICAÇÃO O organismo saudável possui mecanismos de defesa que
permitem resistir aos agentes lesivos e que incluem: (I) o suco
Existem várias formas de se classificarem as di arreias. A de- gástrico, que é letal a muitos organismos pelo baixo pH; (2) a
finição que apresenta maior relevância clínica é a que distingue motilidade intestinal, que dificulta a aderência dos microrga-
tipos de diarreia de acordo com seu tempo de evolução. Assim, nismos à parede do intestino; (3) os sistemas linfático e imune,
define-se como agudtl a diarreia que tem duração máxima de que promovem a defesa celular e humoral contra os agentes
30 dias, habitualmente ficando restrita a 2 semanas. A dlarreia nocivos. A falha desses mecanismos e/ou a alta agressividade
é considerada crônica quando tem duração superior a 1 mês. do estímulo agressor do intestino causam a diarreia.
Essa distinção auxilia na conduta médica desde a avaliação de
etiologias mais frequentes até as necessidades de terapêuticas
empíricas iniciais.
• Etiologia
As diarreias agudas devem ser consideradas como urgência Como o processo é autolimitado, a definição etiológica nem
médica devido aos riscos inerentes especialmente relacionados sempre altera a conduta médica na diarreia aguda. Entretanto,
com a desidratação habitual nesses casos. A principal etiologia é em casos mais graves ou em situações especiais, medidas espe-
a infecciosa. Contudo, são processos autolimitados, na maioria cificas podem ser necessárias.
das vezes, e a conduta primordial é a manutenção da homeos- Como citado anteriormente, o mecanismo de geração da
tase com o equilíbrio hidrdetrolítico. diarreia aguda na maioria das vezes está associado à agressão
As diarreias crônicas apresentam condições etiopatogênicas por microrganismo. Porém, outras causas como sobrecarga de
muito mais complexas, porém raramente necessitam de abor- solutos hiperosmolares por abusos alimentares ou fármacos
dagem emergencial. Com isso, a necessidade de tratamento (diarreia osmótica) e estfmulos de peristalse exacerbados como
empírico inicial é reduzida e o médico tem condições de con- os induzidos por estresse emocional nas sindromes funcionais
duzir investigação adequada. (diarreia motora) também podem acarretar quadros agudos.
Outra forma também muito utilizada na prática clínica de Os agentes infecciosos mais comumente envolvidos nos qua-
classificar diarreia é em relação ao local do trato gastrintestinal dros de diarreia aguda são expostos no Quadro 3.2. Nas popu-
28 Capitulo 3 I Diarreio Aguda e Crónica

T- Essa distinção é de grande valia, pois favorece o diagnóstico


Quadro 3.2 Causas mais frequentes de diarreiaaguda infecdosa diferencial e ajuda na conduta terapêutica.

ViraI Bacterlana Protozoária


• História clínica
Rotavfrus Shigella Giardia
Na história do paciente, devem-se investigar o local e as
Norovirus Salmonella Entamoeba histolytico condições em que a diarreia foi adquirida. Deve-se investigar
Calidvfrus Campylobacrer Cryptosporidium a ingestão recente de água, frutas ou verduras potencialmente
Astrovfrus Escherichia co/i contaminadas, alimentos suspeitos, viagens recentes, presença
Coronavfrus Yersinia de pessoas próximas também acometidas, uso recente de anti-
Herpes simples Clastridium difflcile bióticos e outros fármacos, história sexual, banho em locais
Citomegalovlrus Clastridium perfringens públicos e contatos com animais. Na avaliação da origem da
Staphylococcus aureus diarreia, há que se considerar o período de incubação no caso de
Bocillus cereus infecções intestinais que podem levar de horas a 2 semanas.
Vibrio A apresentação clínica da diarreia aguda é bastante seme-
Chlomydio lhante, independente do agente causador. Entretanto, algumas
Treponema pollidum diferenças podem ocorrer de acordo com a fisiopatogênese en-
Neisserio gonorrhoeoe volvida.
A diarreia inflamatória apresenta espectro clínico mais gra-
Adaptado de Pork, SI &Giannella, RA.Approach to the adult patient withacute diarrhea. ve e exige tratamento mais criterioso. ! causada por bactérias
GostroenterologyCiinia ofNorth Americo, t 993; 22-A83·97.
invasivas, parasitos e bactérias produtoras de citotoxinas que
afetam preferentemente o íleo e o cólon. Promove ruptura do
revestimento mucoso e perda de soro, hemácias e leucócitos
!ações mais pobres, predomina a etiologia bacteriana e, nas de para o lúmen. Manifesta-se por diarreia, em geral de peque-
melhor nível social, prevalece a viral no volume, com muco, pus ou sangue, febre, dor abdominal
Os mecanismos fisiopatológicos das diarreias infecciosas predominante no quadrante inferior esquerdo, tenesmo, dor
são o secretório ou o inflamatório. Alguns microrganismos retal. Algumas vezes, apresenta, no inicio da evolução, diarreia
estão mais associados ao estímulo secretório e outros, ao infla- aquosa, que só mais tarde se converte em típica diarreia infla-
matório. No Quadro 3.3, os agentes agressores estão divididos matória, quando os microrganismos ou suas toxinas lesam a
de acordo com o tipo de lesão e suas diferenças laboratoriais. mucosa colônica.

T-
Quadro 3.3 Diarreia aguda- características e tratamentoespecífico

Laboratório- diagnóstico específico


Tipo de dlarrela Principais agentes (quando indicado) Tratamento específico (quando Indicado)

Shigello leucócitos fecais; Coprocultura Ciprofloxacíno 500 mg 12/12 h/5 d


TMP-SMZ• 160/800 mg 12112 h/5 d
Salmonefla não tifoide leucócitos fecais; Coprocultura Ciprofloxacino 500 mg 12/12 h/3 a 1O d
TMP·SMZ• 160/800 mg 12/12 h/3 a 1O d
Entomoeba histolytico EPF" ; ELISA para f. hystolitico Metronidazol 500 mg 8/8 h/7 a10d
Secnidazol ou Tinidazol 2 g/dia/3 d
Inflamatória Escherichio co/i leucócitos fecais; Coprocultura Ciprofloxacino 500 mg 12/12 h/5 d
(cólon) (E IEC e EHEC)... TMP·SMZ• 160/800 mg 12/12 h/5 d
Campylobacter leucócitos fecais; Coprocultura Eritromicina 250 mg 12/12 h/5 d
Ciprofloxacino 500 mg 12112 h/5 d
Yersinia leucócitos fecais; Coprocultura Tetraciclina 500 mg 6/6 h/5 d
Ciprofloxacino 500 mg 12/12 h/5 d
Clostridium difflcile leucocitose; leucócitos fecais; Toxinas (ELISA) Metronidazol 250 a 400 mg 8/8 h/1 Oa 14 d
Vancomicina 125 mg 6/6 h/1 O a 14 d
Vírus ELISA para rotavírus

Não inflamatória Intoxicação alimentar


(delgado) Giardia EPF••; ELISA para Giardia Metronidazol 250 mg 8/8 h/5 d
Nitazoxanide 500 mg12/12 h/3d
Escherichio co/i Coprocultura Oprofloxacino 500 mg 12112 h/5 d
(EPEC, EAEC e ETEC)•••• TMP-SMZ• 160/800 mg 12112 h/5 d

*TMP·SMZ = Tfimetoptima + Sulfametoxazol.


••EPF =Exame parasjtológico das fezes.
•••EIEC e EHEC = Escherichiocoli enteroinvasiva e Eschedchl'o coli êntero-hemonágica .
....EPEC. EAEC e ETEC = Escherichiacoli enteropatogênica. Escherichio co/i enteroagregativa e Escherichiacoli enterotoxigênica.
Capitulo 3 I Diarreia Aguda e Cr6nlca 29
A diarreia niio inflamatória é, em geral, moderada, mas pode alguns casos de diarreia inflamatória, a pesquisa pode ser ne-
provocar grandes perdas de volume. ~ causada habitualmente gativa no início do quadro.
por vírus ou por bactérias produtoras de enterotoxinas e afeta
preferentemente o intestino delgado. Os microrganismos ade- • Coprocultura
rem ao epitélio intestinal sem destnú -lo, determinando diarreia A realização da coprocultura deve ser reservada para casos
secretora, com fezes aquosas, de grande volume e sem sangue; suspeítos de diarreia infecciosa por bactérias invasivas, na pre-
pode estar associada a náuseas e vômitos. As cólicas, quando pre- sença de sangue oculto e leucócitos fecais ou para os casos de
sentes, são discretas, precedendo as exonerações intestinais. interesse epidemiológico. Quando a coprocultura é solicitada,
Na avaliação clínica, além de definir o padrão da diarreia o laboratório deve ser informado sobre o agente etiológico sus-
aguda, devem-se também avaliar possíveis complicações, es- peito, a fim de adequar o meio de cultura. Alguns parasitos in-
pecialmente a desidratação. Relato de boca seca e sede, diurese testinais devem ser lembrados e pesquisados, embora, algumas
concentrada, oligúria, associados a achados ao exame ffsico de vezes, possam ter evolução típica de diarreia crônica.
pele e mucosas desidratadas e hipotensão postura! com taqui-
cardia, demonstram desidratação e sua gravidade. Sinais de • Pesquisa de toxinaseantfgenos de pat6genas
toxernia indicam quadro mais grave e necessidade de maior Pesquisa de toxinas no diagnóstico de algumas bactérias
cuidado clinico. Desta forma, presença de febre alta, taquip- pode ser mais útil do que a tentativa de sua cultura. O principal
neia, vasodilatação periférica com hipotensão e pulsos rápidos exemplo são as cepas patogênicas do Clostridium difficile que
e finos são sinais de alerta. produzem as toxinas A e B. Essas toxinas podem ser identifi-
O exame flsico do abdome normalmente exibe dor leve di- cadas nas fezes por teste por ELISA que comprova a presença
fusa à palpação, com possibilidade de descompressão brusca de infecção pelo microrganismo.
levemente dolorosa em situações de maior distensão de alças e Na infecção vira! pelo rotavírus, a pesquisa de antígenos
dor mais intensa. Os ruídos hidroaéreos estão frequentemente virais nas fezes por ELISA é a melhor forma de confirmar pre-
aumentados. Dor localizada, sinais de irritação perítoneal in- sença do microrganismo. Giardia e Cryptosporidium também
tensa, massas ou visceromegalias, distensão abdominal impor- podem ser identificados pelo mesmo método.
tante e ausência de ruídos são achados que devem direcionar O uso da PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) é outra
para avaliação cuidadosa pela possibilidade de outras afecções metodologia para pesquisa de antígenos nas fezes para diagnós-
abdominais. tico de inúmeros microrganismos. Entretanto, sua aplicabili-
dade clinica ainda é muito restrita pela pouca disponibilidade
da tecnologia e pelo seu alto custo.
• Diagnóstico
Na maioria dos casos, a avaliação clinica é suficiente para • Exames de imagem
definição diagnóstica e para determinar a gravidade do quadro. Radiografia simples do abdome, nos casos mais graves, é
O estado imunológico do hospedeiro também é importante na útil para avaliar complicações como üeo paralítico e megacó-
conduta diagnóstica e terapêutica. Exemplos disso são: deficiên- lon tóxico.
cia de IgA e giardlase, acloridria e salmonelose, transplantados
e infecção por citomegalovírus, AIDS e criptosporidíase, idosos • Endoscopia
residentes em asilo e infecção pelo C/ostridium difficile, imu- A retossigmoidoscopia flexível deve ser feita nos pacientes
nodeprimidos e candidíase intestinal. com clínica de proctite (tenesmo, dor reta!) e, também, se há
suspeita de colite pseudomembranosa. Nesses casos, a biopsia
• Exames laboratoriais é importante para excluir doença inflamatória intestinaL
• Hemogroma
Em pacientes que evoluem com formas mais graves da diar- • Tratamento
reia aguda, podem-se encontrar anemia e hemoconcentração.
A imunidade do hospedeiro, na maioria das vezes, é capaz de
Nas diarreias por virus, llnfocitose pode estar presente. Leuco- eliminar infecção gastrintestinal, sem necessidade de terapêu-
citose com neutrofilia e desvio à esquerda é frequente nas infec- tica específica. Assim, o objetivo terapêutico está relacionado
ções bacterianas mais invasivas com diarreia inflamatória.
com a reposição das perdas hidreletrolíticas.
• Função renal ee/etró/ítos
• Reidrata~ão
A desidratação causa hipovolemia que altera a perfusão re- Na maioria dos casos, a reidratação oral é suficiente. A so-
nal, fazendo com que haja elevação da creatinlna e, principal- lução deve conter gllcose, para favorecer a absorção do sódio.
mente, da ureia em depleções volêmicas mais importantes. Essa Quando as perdas forem mais importantes, a reposição deve ser
complicação da diarreia deve ser prontamente diagnosticada feita com soluções contendo eletrólitos (Na•, K+, HCO, e Cl )
principalmente em pacientes idosos. O distúrbio eletrolítico em concentrações aproximadas daquelas perdidas na diarreia.
tem relação com perdas entéricas e deve ser corrigido quando Para tal, os produtos existentes no comércio são satisfatórios.
presente. As soluções isotônicas, usadas para repor a transpiração de atle-
tas, podem ser utilizadas, sobretudo em pacientes sem sinais de
• Estudo das fezes desidratação, como prevenção. Para os pacientes hipovolêmi-
• LtucDdtosfecais cos, deve-se fazer hidratação venosa com soluções isotônicas
~ o teste mais utilizado na avaliação de diarreia aguda e contendo glicose e eletrólitos.
identifica processos inflamatórios mais intensos. Entretanto, a
simples presença dos polimorfonucleares nas fezes não carac- • Dieta
teriza diarreia infecciosa, pois estes são encontrados também O paciente deve ser orientado para continuar alimentando-
em outras afecções do intestino grosso. Do mesmo modo, em se durante o episódio de diarreia. Aqueles que têm náuseas
30 Capftulo 3 I Diarreia Aguda e Cr6n/ca

e vômitos devem dar preferência aos Uquidos em pequenas podem prolongar a eliminação de fezes com bactérias pato-
quantidades de cada vez, para garantir a reposição das perdas. gênicas e contaminar o meio ambiente. Além disso, expõe
Os alimentos visam à reposição calórica, compensando assim os pacientes aos efeitos adversos dos antibióticos e promove
o estado catabólico prod112ido pela diarreia, e, ao contrário do o desenvolvimento de resistência bacteriana com seleção de
que se acreditava, não agravam o quadro diarreico, nem pioram bactérias como o Clostridium difficile. Seu uso deve obedecer
a sua evolução. Alguns alimentos devem ser evitados tempora- a regras bem definidas, seja para reduzir o tempo de excre-
riamente por causa de seus efeitos sobre a dinâmica intestinal, ção de determinados tipos de bactérias, como a Shigella, seja
como, por exemplo, aqueles que contêm cafelna, capazes de para eliminar as infecções persistentes ou o estado de portador,
inibir a fosfodiesterase e, assim, elevar os nfveis intracelulares como na giardlase, ameblase, cólera, ou, ainda, para apressar
de cAMP. O mesmo ocorre com alimentos que contêm lactose, a recuperação na diarreia dos viajantes. O uso emplrico, por
já que pode haver deficiência transitória de lactase. Alimentos exemplo, do sulfametoxazol-trimetoprima (TMP-SMZ) ou de
com maior teor de gordura e as frituras também podem ter sua quinolona, pode ser efetuado em pacientes com quadros cllni-
absorção reduzida e agravar a diarreia. cos importantes de disenteria e possível bacteriemia, até que
se obtenha o resultado da coprocultura. A escolha do produto
• Agentes antidiarreicos a ser administrado obedece aos parâmetros indicados no Qua-
Em alguns casos, é recomendável reduzir o número das eva- dro 3.3. No caso das diarreias agudas causadas por protozoá-
cuações, especialmente nas diarreias infecciosas, notadamente rios, o tratamento deve ser orientado como descrito no capitulo
naquelas não inflamatórias. sobre parasitoses intestinais.
Os adsorventes caulim e pectina, embora aumentem a con-
sistência das fezes, têm pequeno efeito sobre o seu volume.
As fibras solúveis medicinais como o Psyllium (uma medida • Situações específicas de diarreia aguda
até 3 vezes/dia) e absorventes de água como a policarbofila de
cálcio ( 1 a 2 comprimidos até 4 vezes/dia) também podem ser
• Intoxicação alimentar
usados para reter água e aumentar a consistência das fezes, di- A intoxicação alimentar resulta da ingestão de alimentos
minuindo os episódios diarreicos. Porém, também têm efeito contaminados por bactérias, fungos, vírus, parasitos ou subs-
limitado nesses casos. tâncias qulmicas, tendo como destaque o envolvimento de uma
O subsalicilato de bismuto tem efeito variado, é bactericida coletividade que fez uso do mesmo alimento. A intoxicação sur-
e antissecretor por bloquear o efeito das enterotoxinas, além de ge, principalmente, em decorrência de substâncias químicas ou
estimular a reabsorção intestinal de sódio e água. Devido a seu de toxinas pré-formadas por agentes infecciosos.
baixo custo, eficácia e segurança, representa boa opção para o Para o diagnóstico, deve-se prestar atenção no intervalo re-
tratamento sintomático da diarreia aguda infecciosa. Adminis- lativamente curto entre a ingestão do alimento suspeito e o
trado para adultos na dose de 30 mt, ou 2 comprimidos de 30 inicio dos sintomas: quando for inferior a 6 h, a suspeita é da
em 30 min até completar 8 doses, costuma ser eficaz em muitos intoxicação pela toxina pré-formada por Staphylococcus au-
casos de diarreia não inflamatória. reus e Bacillus cereus; se, entre 8 e 14 h, sugere intoxicação por
Os derivados sintéticos do ópio (loperamida e difenoxilato) Clostridium perfringens; mas se, inferior a I h, deve-se pensar
inibem a motilidade intestinal, aumentam o tempo de contato em intoxicação por uma substância qulmica. Entre as causas
para a absorção de água e eletrólitos, e com isso diminuem o nú- infecciosas, merecem destaque as citadas a seguir.
mero das evacuações intestinais e as cólicas. Esses medicamen-
tos devem ser evitados nos casos de disenterias e nos pacientes • Intoxicação porStaphylococcus aureus
com febre alta e toxemia, pois poderiam agravar a evolução Resulta de alimentos submetidos à cocção inadequada ou
da doença e precipitar o aparecimento de megacólon tóxico. mal refrigerados, que constituem fonte ideal para a proliferação
Além disso, podem facilitar o desenvolvimento da slndrome de agentes infecciosos e de rápida produção de toxinas. Os pa-
hemoUtico-urêmica nos pacientes infectados com a Escherichia cientes apresentam náuseas, vômitos intensos, cólicas e di arreia
co/i êntero-hemorrágica. A dose inicial da loperamida é de 4 e, aquosa. Podem evoluir para desidratação aguda e choque hipo-
posteriormente, 2 mg após cada evacuação diarreica, não de- volêmico. Em geral, a diarreia é autolimitada e cessa dentro de
vendo ultrapassar 16 mgldia e, no máximo, administrada por algumas horas. O tratamento inclui reposição hidreletroUtica
2 a 3 dias. O difenoxilato deve ser usado na dose de 4 mg na VOe sintomáticos, mas casos graves exigem hidratação IV.
primeira tomada e depois 2 mg até 4 vezes/dia e por até 2 dias.
Os pacientes devem ser alertados de que essas drogas masca- • Intoxicação porClostridium botufinum
ram as perdas hídricas e de que eles devem fazer reposição de A toxina produzida por essa bactéria causa o botulismo e
Uquidos adequada durante a terapêutica. resulta da ingestão de enlatados, peixes crus, mel, entre outros
O racecadotril é agente antissecretor que funciona através que contenham toxina pré-formada, esporos ou a própria bac-
da inibição da encefalinase, enzima responsável pela inativação téria. Por isso, deve-se ter cuidados especiais no manuseio dos
do neurotransmissor encefalina. Essa ação seletiva protege as alimentos e em sua industrialização. Embora possa ser destruí-
encefalinas endógenas, que são fisiologicamente ativas, e reduz da por fervura durante lO min, a toxina botulínica é a mais
a hipersecreção de água e eletrólitos causada pelas toxinas bac- potente toxina alimentar.
terianas. Por isso, é recomendado associado às soluções reidra- A cl!nica depende da quantidade de toxina ingerida e da
tantes orais, principalmente em crianças. A dose habitual para resistência do hospedeiro. Assim, os sintomas podem ser dis-
adultos é de 100 mg, 3 vezes/dia durante 2 a 3 dias. cretos ou intensos e levar ao óbito em poucas horas. O periodo
de incubação varia de 12 a 72 h após a ingestão do alimento
• Terapêutica antimiaobiana contaminado. Cursa com náuseas, vômitos e diarreia, que se
Como a maioria das diarreias infecciosas tem evolução au- associam com repercussões neurológicas e se assemelham ao
tolimitada, o uso de antibióticos deve ser restrito a condições efeito do curare. Essas repercussões iniciam com alterações da
especificas. O emprego rotineiro deve ser evitado porque eles visão (visão turva, diplopia, arreflexia pupilar), seguindo-se de
Capi tulo 3 I Diorre/o Agudo e Cr6nico 31
sensação de fraqueza, tonturas, vertigens e complicações na me- do quadro diarreico até 4 a 8 dias, mas há relatos de detecção
cânica respiratória. A recuperação, quando ocorre, se faz. em por até 25 a 30 dias.
geral, após 1 semana. O prognóstico depende da recuperação A infecção víral tem normalmente evolução autolirnitada
muscular, mas a mortalidade é alta. e deve ser tratada com medidas para o alivio dos sintomas e
O diagnóstico diferencial deve ser feito, principalmente, com terapêutica de suporte, como reidratação oral ou intravenosa,
miastenia gravis e síndrome de Guillain-Barré. O tratamento de acordo com a repercussão do quadro clínico.
especifico é com antitoxina e medidas de suporte; o paciente No Brasil, a partir de março de 2006, a vacina contra rota-
pode necessitar de respiração assistida. vírus foi incluída no calendário vacina! da criança. Utiliza-se a
vacina monovalente feita do vírus atenuado de sorotipo mais
• Intoxicação por Clostridium perfringtns frequente [sorotipo G 1P(8)]. Ela apresenta ação cruzada contra
Esta bactéria produz enterotoxina que causa diarreia aguda outros sorotipos e tem eficácia global contra gastrenterite pelo
e autolimitada. Tem origem em diversos tipos de alimentos rotavírus de 85%. A vacina é administrada por via oral em duas
contaminados, em especial carnes de aves e de gado. Diferen- doses aos 2 e 4 meses de vida. Com essa medida, espera-se re-
temente da intoxicação por Staphylococcus aureus, essa intoxi- dução das di arreias agudas da criança, responsáveis por grande
cação predomina no inverno, mas o quadro clínico e cuidados percentual da mortalidade infantil no Brasil.
terapêuticos são semelhantes.
• Diarreiados viajantes
• Oiarreiapelorotavírus ~definida como diarreia infecciosa aguda que acomete in-
O rotavírus foi o primeiro agente identificado como impor- divíduos que viajam de área industrializada e com boas con-
tante causa de gastrenterite vira!, principalmente em crianças dições de higiene para outra com piores condições sanitárias.
entre 6 meses e 2 anos de idade, mas os adultos também po- Ela é destaque nos viajantes internacionais que se dirigem de
dem ser atingidos. ~ o agente vira! mais comum como causa países com elevado padrão de infraestrutura sanitária para algu-
de gastrenterite endêmica. mas regiões da América Latina, África e Ásia. No Brasil, com a
Biopsias obtidas após a inoculação do vírus para induzir grande desigualdade social entre as regiões, esse tipo de diarreia
gastrenterite mostraram encurtamento de vilosidades da mu- também pode acometer viajantes de áreas mais industrializadas
cosa do duodeno e do jejuno, nas quais havia grande infiltra- para aquelas mais empobrecidas.
ção da lâmina própria de células mononucleares. A microsco- Inicia-se em geral de modo abrupto, com 4 a 6 evacuações
pia eletrônica e a irnunofluorescência evidenciam numerosas por dia, associadas a cólicas e náuseas. Habitualmente, é auto-
partículas de rotavirus no citoplasma das células epiteliais da limitada, mas pode ser progressiva, evoluindo para disenteria
mucosa atingida. O estômago e o cólon têm acometimento não e, até mesmo, para a diarreia crônica.
significativo. Pode ser causada por bactérias em cerca de 80% dos casos, e
As crianças infectadas pelo rotavírus reagem de modo va- a Escherichia co li enterotoxigênica é a principal causa na Amé-
riado, desde portadores assintomáticos até formas graves com rica Latina. Além desta, são relacionadas também Salmonella,
desidratação e evolução para o óbito. A febre, geralmente baixa, Shigella, Campylobacter jejuni, Aeromonas, Plesiomonas, Vibrio
e os vômitos precedem a diarreia. A febre pode persistir por parahaemolyticus, os vírus Norovirus e Rotavirus, os protozoá-
até 1 a 2 dias, e os vômitos, em geral, não ultrapassam o 3• dia. rios Entamoeba histolytica, Giardia lamblia e Cryptosporidium,
A diarreia é aquosa, profusa, de cor amarelada a esverdeada e Microsporidium e Cyclospora cayetanensis.
raramente contém muco. O número de evacuações pode ser de A prevenção é a principal arma contra a di arreia dos viajan-
8 ou mais por dia. A duração média da gastrenterite é de 8 dias, tes e relaciona-se aos cuidados com água utilizada para higiene
mas pode haver crises mais prolongadas. Sintomas respiratórios pessoal, como o simples ato de escovar os dentes, devendo-se
estão presentes em torno da metade dos casos. A recuperação usá-la fervida ou com soluções cloradas ou iodadas, além de
é integral, mas têm sido descritas diarreias prolongadas e com evitar legumes e frutas cruas. A quimioprofilaxia (com antibió-
outros distúrbios, como intolerância à Jacto se e a carboidratos. ticos ou subsalicilato de bismuto), embora eficaz, não deve ser
A doença aguda é associada à diminuição dos níveis das enzi- rotineira, por causa de seu custo, efeitos adversos, resistência
mas da borda em escova da mucosa, como maltase, sacarase e bacteriana, e pela falsa sensação de segurança que induz a abrir
lactase, com consequente má absorção e presença de substân- mão de cuidados básicos.
cias redutoras nas fezes. O tratamento deve seguir os mesmos parâmetros já cita-
Os adultos adoecem mais frequentemente quando estão em dos, reservando-se a prescrição de antibióticos para os casos
contato com crianças infectadas. O rotavirus pode ser agente graves e com diarreia prolongada. O uso empírico, guiado por
causal da diarreia dos viajantes. Os sintomas são similares, mas parâmetros demonstrados no Quadro 3.3, pode ser indicado
os vômitos tendem a ser menos intensos. Os irnunodeprirnidos, para pessoas que têm compromissos inadiáveis, como atletas
como os transplantados de medula, podem apresentar formas e conferencistas.
graves e mais prolongadas ou evoluir para o óbito. Entretanto,
o rotavírus não é causa comum de diarreia grave nos porta- • Oiarreiapela Escherichia coli
dores do HIV. A Escherichia co li (E. co li) é uma das bactérias que integram
A gastrenterite pelo rotavírus pode causar complicações a flora bacteriana do intestino, mas, quando alguma cepa sofre
como enterocolite necrotisante, invaginação intestinal, atresia alterações genéticas, pode tomar-se patogênica. O trato gastrin-
das vias biliares, complicações neurológicas como convulsões testinal e as vias urinárias são seus alvos preferidos. As cepas de
e encefalopatia. E. co li reconhecidamente associadas à diarreia aguda são: E. coli
O rotavírus pode ser isolado por coprocultura, mas esta tem enterotoxigênica (ETEC), E. coli enteropatogênica (EPEC), E.
a desvantagem de ser muito laboriosa. Outros testes para pes- coli êntero-hemorrágica (EHEC), E. co li enteroinvasiva (ElE C)
quisa de antígenos virais têm sido usados como PCR e ELISA. e E. coli enteroagregativa (EAEC).
Este último é o mais difundido por ser um meio rápido e de O diagnóstico da infecção pela E. co li é presuntivo pela apre-
baixo custo. O rotavfrus é detectado nas fezes desde o início sentação cllnica. Os testes específicos para sua detecção são a
32 Capitulo 3 I Diarreio Aguda e Crónica

coprocultura ou pesquisa de antígenos ou toxinas nas fezes, com recuperação do paciente. Porém, cerca de 10% das crian-
normalmente por técnica de PCR. Contudo, tal avaliação com- ças com menos de 10 anos de idade desenvolvem a síndrome
plementar habitualmente é pouco disponível e cara, ficando hemolítico-urêmica. Em pacientes idosos, costuma estar asso-
restrita a situações específicas e à pesquisa científica. ciada à terapêutica quimioterápica.
O tratamento de uma forma geral visa a estabilização clínica As dificuldades para a identificação da EHEC retardam
com reposição hidreletrolítica e uso de sintomáticos. Em casos o seu diagnóstico e os estudos epidemiológicos. A EHEC
mais intensos, antibioticoterapia pode ser necessária. Os anti- 0157:H7 pode fermentar, não rotineiramente, o sorbitol, ao
bióticos de escolha estão relacionados no Quadro 3.3. contrário da maioria das E. co/i. Usando-se o ágar Mac Conkey
sem o sorbitol, identificam-se cepas EHEC não fermentadoras
• E. co/i enterotoxigênica (ETEC) de sorbitol, mas as cepas não 0157 não são detectadas. A pes-
Produz duas classes principais de toxinas: a toxina termo- quisa da toxina Shiga é o método gold standard para a EHEC,
lábil (TL) e a toxina termoestável (ST). A TL é semelhante em mas não revela se grupo é 0157 ou não 0157. O bioteste em
estrutura e mecanismo de ação àquela produzida pelo Vi brio cultura de tecido pode demonstrar o rápido efeito citopático
cholerae, estimulando a adenilciclase, que leva ao aumento da produzido pela toxina, mas os laboratórios não têm esse recur-
cAMP intracelular. A ST estimula a guanilciclase que eleva a so de rotina. O teste do anticorpo monoclonal detecta tanto a
concentração intracelular de GMPc. Em ambos os casos, há au- citotoxina Stxl como a Stx2 em amostras de alimentos, de fezes
mento na secreção de água e eletrólitos e inibição da absorção e em coprocultura. Essas citotoxinas podem ser identificadas
destes com desencadeamento de diarreia aquosa. Os sintomas pelos testes de DNA ou PCR
surgem após curto período de incubação, com presença de náu- Ainda é controverso se o tratamento da EHEC diminui ou
seas, vômitos e diarreia aquosa. O quadro pode durar cerca de aumenta o risco da síndrome hemolítico-urêmica. Existem evi-
24 h ou estender-se para 4 a 5 dias. Como é uma diarreia auto- dências de que os antibióticos induzem maior liberação de to-
limitada, a terapêutica baseia-se na reidratação oral. Na maio- xinas Shiga ao eliminar as bactérias, aumentando com isso a
ria das vezes, não se faz nem a identificação da bactéria nem a chance da complicação. Algumas pesquisas, como as de Wong
administração de terapêutica antirnicrobiana. e/ ai., constataram que, em crianças abaixo de 1Oanos, há maior
incidência de s!ndrome hemol!tico-urêmica nas tratadas com
• E. co/i enteropatogênica (EPEC) antibiótico em relação ao grupo controle. Mas outros autores,
As bactérias aderem e destroem as microvilosidade.s, redu- como Proulx et ai., não correlacionaram o uso de antibióticos
zindo, assim, a área absortiva. Está associada a casos esporádi- com o desenvolvimento da sindrome. Existe, entretanto, con-
cos de diarreia principalmente de recém-nascidos, mas pode senso de que a terapêutica com antibióticos não seria benéfica,
também atingir adultos. As crianças podem apresentar quadros podendo ser até prejudicial. Por isso, a terapêutica de suporte
clínicos graves, com vômitos e desidratação. Quando a diar- é a mais indicada e seria a primeira escolha.
reia é persistente, pode levar à desnutrição. Além da terapêuti-
ca sintomática e da reidratação, os antirnicrobianos indicados • E. co/i enteroinvasiva (EIEC)
são as quinolonas: norfloxacino (400 mg), ou ciprofloxacino A EIEC tem como característica a habilidade de invadir as
(500 mg), ou ofloxacino (400 mg) - todos duas vezes/dia du- células do epitélio intestinal, multiplicar dentro delas e atin-
rante 3 a 5 dias. gir as adjacentes, produzindo pequenas ulcerações. A diarreia
por ElEC parece ser pouco frequente ou subdiagnosticada. O
• E. co/i êntero-hemorrágica (EHEC) quadro clínico é semelhante ao da shigelose. Pode apresentar
Esta bactéria foi identificada nos anos 1980 nas fezes de pa- apenas diarreia aquosa, mas pode evoluir com quadro febril,
cientes que ingeriram hambúrgueres em uma cadeia de fast fezes sanguinolentas, cólicas e tenesmo.
food. Posteriormente, um estudo relacionou-a com a sindrome O tratamento antibiótico deve ser feito com quinolonas de
hemolítico-urêmica, que apresenta a tríade: anemia microan- forma semelhante ao descrito para EPEC ou com sulfameto-
giopática, insuficiência renal e trombocitopenia. xazol-trimetoprima (TMP-SMZ).
A maioria dos estudos relaciona a EHEC com disenteria e
síndrome hemolítico-urêmica, identificando-a com o sorotipo • E. co/i enteroagregativa (EAEC)
0157:H7. Estudos retrospectivos com R co/i estocadas sugerem Entre as bactérias capazes de causar diarreia, a EAEC é a que
que essa infecção é uma doença emergente, pois não tinha sido foi descrita mais recentemente. Esse grupo de bactérias foi re-
descrita antes dos anos 1980. Existem surtos esporádicos em conhecido no final dos anos oitenta, quando amostras de E. coli
todo o mundo, mas com aparente concentração no Oeste do oriundas de diarreias que ocorreram em países em desenvolvi-
Canadá e nordeste dos EUA. Coloniza o gado, que é a fonte mento foram examinadas em cultura de tecido. Sua presença foi
principal de transmissão e, por isso, está ligada com a ingestão mais evidente em casos de diarreia persistente, em casos espo-
de hambúrguer. Pode também contaminar verduras e sucos rádicos como em surtos diarreicos, do que em fezes de pessoas
não pasteurizados, além de alimentos contaminados com fe- sem diarreia. Sua presença também foi comprovada em porta-
zes de animais. Pequena quantidade de bactérias pode causar dores de HIV que apresentavam diarreia persistente.
doença. Como não existe modelo animal para essa infecção, não está
As citotoxinas Shiga Stxl e Stx2 são determinantes da in- muito claro o seu mecanismo patogênico. Sabe-se, entretanto,
fecção, mas não há necessidade de ambas estarem presentes no que ela produz inflamação intestinal e induz a liberação de in-
organismo para causar a doença. A maioria das cepas de EHEC terleucina-8 pelas células do epitélio intestinal. Uma citotoxi-
também produz uma êntero-hemolisina, embora não esteja na em cepas de EAEC já foi identificada em cultura de tecidos.
evidente a relação entre esse fator e o quadro clínico. A diarreia é desencadeada pelas bactérias ao se agregarem ao
Cursa com diarreia com sangue em cerca de 90% dos casos. epitélio intestinal.
Entretanto, pode iniciar com quadro mais brando e tornar-se A tendência é a tentativa de erradicá-la com ciprofloxacino
hemorrágica durante a evolução clínica. Tem período de in- (500 mg, duas vezes ao dia), tanto em imunocompetentes, como
cubação de 3 a 5 dias. Os sintomas declinam entre 5 e 1O dias, em portadores de HIV, uma vez que estudos compara tivos mos-
Capi tulo 3 I Diorre/o Agudo e Cr6nico 33
traram que houve redução significativa no tempo de duração nalidlxico 55 mglkg!dia dividido em quatro doses. Todas essas
da diarreia naqueles que receberam antibioticoterapia. opções devem ser administradas por 5 dias.

• Diorreio infeccioso invosivo • Diarreia por Solmonel/o


Pela potencial gravidade dessas condições clínicas, serão des- A Salmonella é um bacilo gram-negativo que coloniza ou
critos seus principais agentes: Shigel/a e Salmonella. Também infecta diversos animais, inclusive o ser humano. A infecção
podem causar di arreia invasiva E. co/i enteroinvasiva (discutida pela Sa/monel/a pode causar: gastrenterite; febre entérica (fe-
anteriormente), Campylobacter e Yersinia. bre tifoide e paratifoide); bacteriernia e infecção endovascular;
infecção focal como a osteornielite; estado de portador crônico
• Diarreia pela Shigello assintomático.
A shigelose é a causa mais comum de diarreia bacteriana Com base nos avanços científicos que demonstraram altos
em todo o mundo. Essa bactéria é resistente à ação do ácido níveis de similaridade de DNA, todas as espécies de Salmonella
clorídrico; por isso, mesmo em pequeno número, passa pelo de importância clínica passaram a ser classificadas como uma
estômago e tem acesso ao intestino delgado onde se multipli- única, a Salmonel/a choleraesuis. Assim, os organismos como S.
ca e chega ao cólon onde exerce sua ação patogênica. Assim, typhi, S. choleraesuis e S. enteritidis, que anteriormente repre-
não necessita de sua replicação, nos alimentos contaminados sentavam espécies diferentes, baseando-se na estrutura antigê-
ou na água, para tomar-se infecciosa. A transmissão ocorre nica, nas características bioquímicas e nos tipos de hospedeiros,
por propagação de pessoa a pessoa, bem como através de ali- são agora sorotipos individuais de uma mesma espécie.
mentos e água. As salmonelas são facilmente reconhecidas em laboratórios
A Shigella é causadora da disenteria clássica, que consiste em de bacteriologia clínica. Elas crescem tanto em condições aeró-
febre, cólicas, diarreia com muco e sangue. Vômitos são pouco bicas como anaeróbicas. Elas são oxidase-negativas e, virtual-
frequentes. O período de incubação é de 1 a 7 dias. O quadro mente, todas são lactose-negativas. Muitos laboratórios iden-
clinico característico inicia com febre, anorexia, mal-estar e tificam a Salmonella pela combinação de antígenos e reações
diarreia aquosa e, posteriormente, fezes com muco e sangue e bioquímicas. Colônias suspeitas são aglutinadas usando-se an-
tenesmo. O número de evacuações intestinais varia de 8 a 10 por tissoro dirigido contra os antígenos O e H (flagelar), que permi-
dia, mas pode ser mais frequente e em volume pequeno. Há tem a identificação do sorogrupo. Somente a S. typhi, a S. para-
perda pouco expressiva de líquidos, o que é característica das typhi C e algumas cepas como S. dublin e S. citrobacter freundii
infecções do cólon. O vulto da infecção varia com o sorotipo possuem antígeno capsular polissacáride Vi, o qual pode ser
da bactéria causadora. A S. sonnei causa distúrbios modera- rapidamente identificado por estudos de aglutinação.
dos, que podem ser limitados à diarreia aquosa. S. dysenteriae
ou S. flexneri causam geralmente sintomas disentéricos. Tam- • Salmonelose tifoide (Solmonello typhi eSolmonelloporotyphi)
bém o estado de saúde do hospedeiro interfere na repercussão A epidemiologia dos dois sorotipos é muito diferente. A S.
da infecção, que tende a ser autolirnitada naqueles com bom typhi é rara nos países desenvolvidos, sendo adquirida em ou-
estado geraL Todavia, a shigelose pode desenvolver complica- tras áreas e em geral é identificada em viajantes. A S. paratyphi
ções diversas, no próprio intestino ou sistêmicas, sendo mais ocorre de modo crescente, mesmo nos países desenvolvidos,
frequentes nas infecções por S. dysenteriae. desde a 2• Guerra Mundial. Outros sorotipos também estão as-
O quadro disentérico clássico pode ser chave para a suspei- sociados à febre tifoide, como S. paratyphi B, S. paratyphi C e
ta diagnóstica da shigelose, mas ele pode ocorrer na doença S. typhimurium. Têm alta especificidade para humanos, trans-
inflamatória intestinal e em outras diarreias infecciosas como mitidos após contato com indivíduos agudamente infectados
naquelas causadas por Salmonella, Campylobacter, Yersinia, ou portadores assintomáticos ou, ainda, de alimentos ou água
EIEC ou por Clostridium difficile. Os leucócitos fecais estão contaminados por fezes. A febre tifo ide persiste como problema
presentes em mais de 70% dos casos. A coprocultura deve ser de saúde global, prindpalmente no Sudeste Asiático, na In dia,
feita em amostras de fezes colocadas no meio de cultura ime- na África e na América do Sul. Por isso, é necessária implemen-
diatamente. Obtém-se melhor resultado com a parte mucoide tação de medidas preventivas, como cuidados na manipulação
das fezes. Outras técnicas mais sensíveis podem ser utilizadas de alimentos, tratamento do lixo e da água.
comoaPCR. A vacinação contra a S. typhi é indicada apenas a grupos de
Estudos comparativos mostraram que, apesar de ser em ge- risco elevado devido à exposição profissional ou viagem para
ral infecção autolimitada, a antibioticoterapia reduz o tempo áreas de alta prevalência.
de doença, com alivio mais rápido dos sintomas e do risco de A Salmonella tem sua transmissão relacionada com reserva-
disseminação interpessoal. Aqueles padentes não tratados po- tórios animais e produtos agrícolas, especialmente ovos e aves.
dem abrigar a bactéria por até 6 semanas, mesmo mantendo-se Pode passar através dos ovários das aves aos ovos intactos. As-
assintomáticos. sim, ovos com aparência normal podem transmitir a doença.
A indicação terapêutica com antibióticos deve ser guiada Os produtos industrializados, nos quais são utilizados muitos
pela apresentação clínica e pela presença de comorbidades que ovos em mistura, representam risco potencial de disseminar a
tornem o paciente mais vulnerável para infecção grave. Deve ser doença a milhares de pessoas. Outros produtos, como carne,
feita de modo empírico nos pacientes com suspeita de shigelose leite, aveia e suco de laranja não pasteurizado, também podem
que se apresentam toxerniados, nos idosos, nos portadores de transmitir a doença.
HIV, nos trabalhadores de clinicas e de hospitais e nos casos As febres tifo ide e paratifoide, também conhecidas como fe-
de bacteriemia. bres entéricas, constituem doenças sistêmicas graves com febre
A escolha do esquema terapêutico pode ser feita conforme persistente e sintomas abdominais. O quadro clinico se mani-
indicado no Quadro 3.3. Em crianças, a escolha é de TMP/SMX festa entre 5 e 21 dias após a contaminação. O período de incu-
10/50 mglkgldia divididos em duas doses diárias por 5 dias. bação é dependente do status imunológico do hospedeiro, de
Outras opções são a ceftriaxona 50 a 75 mglkgldia, ou a fura- sua idade e acidez gástrica. Os sintomas são inespecíficos, como
zolidona 5 a 8 mglkgldia dividida em quatros doses, ou o ácido dor abdominal, febre e calafrios, além de sintomas sistêmicos.
34 Capitulo 3 I Diarreio Aguda e Crónica

Por isso, muitas hipóteses diagnósticas podem ser levantadas, cloranfenicol, que é agente bacteriostático, há relatos de 10 a
devendo-se excluir, por exemplo, malária e leishmaniose. 25% de recaídas. Entretanto, com os novos antibióticos, a in-
A apresentação clássica da febre tifoide consiste em: cidência é bem menor, entre 1 e 6%. A escolha do antimicro-
biano deve levar em consideração a sensibilidade bacteriana,
1) Primeira semana: febre alta e bacteriemia.
como as cefalosporinas de terceira geração, com uso por perío-
2) Segunda semana: dor abdominal, rash cutâneo (manchas
avermelhadas) no tórax e no abdome. do mais longo.
Portador crônico é definido pela excreção de bactérias nas fe-
3) Terceira semana: hepatoesplenomegalia, hemorragia di-
zes por mais de 12 meses após infecção aguda. Ocorre mais nos
gestiva e perfuração intestinal. Essa última é resultante de
casos de S. typhi do que nos de não typhi e é maís comum em
hiperplasia linfoide das placas de Peyer na região ileocecal
portadores de colelitlase ou de outras anormalidades do trato
e pode causar bacteriemia e peritonite.
biliar. O portador crônico não desenvolve doença sintomática,
A bradicardia, ou seja, a clássica dissociação pulso-tempera- sugerindo que haja equilibrio imunológico. A colonização in-
tura, embora não permita firmar o diagnóstico, deve ser sem- testinal permite que haja excreção de bactérias nas fezes, com
pre lembrada. potencial risco comunitário, principalmente se esse portador
A febre tifoide pode evoluir para choque séptico, alterações manipula alimentos. Por isso, deve ser tratado com objetivo de
nos níveis de consciência, psicose aguda, mielite e rigidez. Pode erradicar a bactéria. No passado, usavam-se esquemas com altas
também complicar com pneumonia, convulsões febris, tosse, doses de ampicilina (4 a 6 gldia) combinados com colecistecto-
artralgias e mialgias. mia, mas nem sempre o êxito era obtido. Assim, prefere-se uma
A mortalidade era em torno de 15% na era pré-antibióticos, quinolona, como o ciprofloxacino 500 mg 2 vezes/dia durante
mas, atualmente, reduziu para menos de 1,5% dos casos. 4 semanas. A colecistectomia deve ser indicada posteriormente
O diagnóstico deve ser confirmado através do isolamento se o paciente tem colelitíase.
da bactéria sempre que haja suspeita clínica. A hemocultura é Os casos de perfuração intestinal ocorrem, em geral, em tor-
positiva entre 40 e 80% dos casos, sendo maior na primeira se- no da terceira semana de febre. O quadro clínico consiste em
mana, com queda progressiva até a terceira semana de doença. dor abdominal, distensão, peritonite e bacteriemia por agentes
A coprocultura é rápida e simples, com máxima positividade aeróbicos e anaeróbicos. A indicação terapêutica nesses casos
em torno da terceira semana de doença. Tem grande utilidade é a ressecção do segmento afetado com cobertura antibiótica
no controle dos portadores crônicos de Salmone/la. A mielo- para a peritonite.
cultura pode atingir 98% de positividade e deve ser lembrada
quando a hemocultura for negativa A reação de Widal, desde a • Salmonelose não tifo ide
sua descrição em 1896, continua a ser útil, mas pode ser positiva A Salmonella é uma das principais causas de gastrenterite
em pacientes com passado de infecção e ser influenciada por transmitidas através de alimentos. As principais fontes são ovos
vacinação prévia. Novas tecnologias, como o teste ELISA, têm e carnes. As aves são os carreadores mais frequentes dessas bac-
importância, mas falham não atingindo os níveis de sensibili- térias, mas o ser humano também pode ser portador assinto-
dade e especificidade desejados. O hemograma revela anemia mático e responsável por transmissão interpessoal.
e leucopenia e, às vezes, até leucocitose. Este subgrupo de salmonelas é causador de diarreia indis-
O desenvolvimento e rápida disseminação de cepas resisten- tinta das demais causas de diarreia infecciosa invasiva. Agride
tes aos antibióticos cloranfenicol, ampicilina e TMP/SMZ, que preferencialmente mucosa ileal e também cólon. Na maioria
eram considerados de escolha para a erradicação da Salmonella dos casos, o quadro é autolimitado, com febre habitualmente
typhi, têm sido observados em várias partes do mundo. Tal nos 3 primeiros dias e diarreia por até 10 dias. O espectro de
constatação foi feita em viajantes procedentes de diversas re- apresentação pode variar de assintomático a diarreia associa-
giões para países do primeiro mundo. Em face disso, passou-se da a dor abdominal e vômitos com possibilidade de toxemia e
a preferir as quinolonas e cefalosporinas de terceira geração. As infecção extraintestinal. Quando evolui com bacteriemia, pode
quinolonas são bactericidas e concentram-se intracelularmente causar arterite, endocardite, meningite, artrite e osteomielite.
e na bile, conseguindo rápida remissão dos sintomas. Todavia, O tratamento é ditado pela gravidade clínica e pelas comor-
já têm sido descritos casos de resistência ao ciprofloxacino, e, bidades, sendo, na maioria dos casos, desnecessária a antibio-
por isso, alguns estudos foram dirigidos à azitromicina, que ticoterapia.
também se concentra nos tecidos e nas células.
A opção de esquema terapêutico é habitualmente de uma • Oiamia pelo Clostridium diffidle
única droga, mas a escolha e a duração do tratamento é ainda O Clostridium difficile é uma bactéria gram-positiva, anae-
motivo de pesquisa e dependem de diversos fatores como a róbia, considerada a principal responsável pela enterocolite
idade dos pacientes e a gravidade dos sintomas. Os esquemas pseudomembranosa. Foi descrita pela primeira vez em 1935 por
maís seguros para adultos são: (1) Ciprofloxacino 500 mg VO Hall e O'Toole, quando estudavam a flora intestinal de recém-
ou 400 mg IV, 2 vezes/dia, durante 7 a 10 dias; (2) Ceftriaxo- nascidos saudáveis. Recebeu esse nome por causa da dificuldade
na 1 g 2 vezes/dia, IV, durante 7 a 14 dias; (3) Azitromicina de isolá-lo e cultivá-lo. Foi encontrado em metade dos casos
1.000 mg inicialmente, seguidos de 500 mg VO, dose única estudados, sugerindo tratar-se de comensal inofensivo e não
diária, durante 7 a 14 dias; (4) Cloranfenicol 500 mg VOou patogênico. A enterocolite pseudomembranosa foi descrita em
IV, 3 vezes/dia, durante 14 dias. 1893 por Finney, cirurgião do Hospital Johns Hopkins, nane-
Diante do risco de recalda, após o tratamento os pacientes cropsia de uma mulher jovem submetida a gastrectomia, sem
devem ser monitorados por até 4 semanas, sendo aconselhável relacioná-la ao Clostridium difficile. Em 1977, Larson e cola-
a realização de coprocultura de controle. boradores descobriram uma citotoxina nas fezes de pacientes
O uso de corticosteroides deve ser reservado apenas para tra- portadores de colite associada ao uso de antibióticos, e, pouco
tamento inicial de casos graves da febre tifoide com toxemia depois, Bartlett e colaboradores correlacionaram essa toxina
A recaída é ocorrência previsível, mesmo em indivíduos com com o C. difficile. Os casos de colite pseudomembranosa au-
a imunidade preservada. Quando o tratamento é feito com o mentaram no final da década de 1960 e início da de 1970, com
Capitulo 3 I Diorre/o Agudo e Cr6nico 35
a introdução da lincomicina e da clindamicina. O C. difficile diagnóstica. Radiografia simples de abdome pode demonstrar a
tem tendência a colonizar o intestino humano quando a flora presença de dilatações colônicas nos casos de megacólon tóxico,
normal é alterada, principalmente por terapia antibiótica. Ele e a tomografia computadorizada do abdome pode evidenciar
é capaz de sobreviver por longos períodos no ambiente hos- espessamento do cólon.
pitalar, facilitado pela forma de esporos resistentes ao calor. Como a diarreia pelo C. difficile está vinculada a outra con-
Portadores assintomáticos são comuns entre os idosos, que dição mórbida, a terapêutica visa, inicialmente, à manutenção
são, por isso, reserva potencial. do estado geral do paciente, reposição hidreletrolltica, bem
O C. difficile é responsável por 50 a 70% das diarreias no- como à retirada do antibiótico ao qual foi associado o apareci-
socomiais associadas ao uso de antibióticos e que ocorrem até mento da doença. Deve-se evitar uso de drogas antidiarreicas,
6 semanas após sua administração. Podem ocorrer sem uso como loperarnida ou defenoxilato, pelo risco de prolongar ou
prévio de antimicrobianos. Os antibióticos mais frequente- aumentar a gravidade do quadro e pela possibilidade de me-
mente associados à colite por C. difficile estão relacionados no gacólon tóxico.
Quadro 3.4. O tratamento antimicrobiano é importante na eliminação
A colite pelo C. difficile é doença mediada por toxinas. A to- da infecção. As drogas de escolha são o metronidazol VO ou
xina A (enterotoxina) é o principal fator patogênico, enquanto a intravenosa (apresenta excreção entérica) ou a vancornicina ex-
toxina B (citotoxina) tem pequeno ou nenhum efeito deletério. clusivamente VO, conforme descrito no Quadro 3.3. Em cerca
A toxina A é capaz de lesar o epitélio por reação inflamatória, de 10 a 20% dos casos, pode haver recaídas com necessidade
a qual envolve exsudação de material proteico com neutrófilos de outro esquema terapêutico. Assim, alguns autores propõem
e monócitos e formação de pseudomembranas. Estudos histo- prolongar a terapêutica ou associar drogas como a rifampici-
lógicos mostram que as pseudomembranas são formadas de na 600 mg, 3 vezes/dia. A colestiramina 4 g, 3 ou 4 vezes/dia, e
material necrótico, muco e células inflamatórias que cobrem a lactobacilos 1 a 2 g, 4 vezes/dia, podem ter papel adjuvante em
superflcie epitelial em área ulcerada. casos de diflcil controle.
O quadro clinico varia de portadores assintomáticos, formas Nos pacientes com evolução progressiva associada a com-
discretas e autolimitadas até formas fulminantes. A apresenta- plicações como infarto e perfuração intestinais, há indicação
ção caracterlstica é de di arreia aquosa, com 10 a 12 evacuações/ para cirurgia.
dia, por vezes com raias de sangue. Fezes francamente hemor-
rágicas ocorrem raramente. Pode haver distensão abdominal
com descompressão dolorosa. Os casos graves podem evoluir • DIARREIA CRONICA
para megacólon tóxico, perfuração e alta mortalidade. Distúr-
bios eletrolíticos contribuem para a morbidade. As ulcerações Enquanto a diarreia aguda está relacionada principalmente
extensas resultam em perdas de protelnas com hipoalburnine- aos agentes infecciosos e, por isso, predomina entre as popu-
mia, principalmente quando o quadro se prolonga. São des- lações mais pobres, a crônica ocorre com expressiva frequên-
critas outras complicações, como derrame pleural, ascite e a cia mesmo nos países industrializados. Nos EUA, estima-se
slndrome hemolitico-urêmica. que a prevalência de diarreia crônica seja de 5% da população
Pode haver leucocitose que, algumas vezes, atinge cifras ele- adulta.
vadas. Em cerca de 50% dos casos, são detectados leucócitos Existem inúmeras causas de diarreia crônica, ligadas ora
fecais. A coprocultura anaeróbia exige prazo de 3 a 5 dias, é dis- ao intestino delgado, ora ao cólon, criando dificuldades na
pendiosa e inespecífica, pois a colonização assintomática pode sua identificação e terapêutica. Por isso, é necessário ter bom
ocorrer em pacientes hospitalizados. O teste ELISA, baseado conhecimento de suas diversas etiologias, abreviando o sofri-
em anticorpos especificas mono e policlonais para toxinas pu- mento dos pacientes e reduzindo custos com propedêutica e
rificadas A e B, tem boa sensibilidade, exige só 4 h e é menos terapêutica.
dispendioso. O exame endoscópico (sigmoidoscopia flexível ou
colonoscopia) tem sua limitação pelo desconforto que causa aos
pacientes, mas é de grande valia, pois permite visualizar a área
• Etiologia
que habitualmente é mais atingida (reto e as partes distais do As principais causas de diarreia crônica são síndrome do
cólon), com evidência de mucosa friável, edemaciada, eritema- intestino irritável (SII), doença inflamatória intestinal (DII),
tosa, e as pseudomembranas, que são placas branco-amareladas, slndrome de má absorção e infecção crônica. Esta última, mais
além de propiciar a coleta de biopsias da área atingida. Em por- relevante em regiões de condições sanitárias inadequadas, com
tadores de colite crônica (doença inflamatória intestinal, colite possibilidade de infecções bacterianas, por protozoários ou hei-
linfocítica ou colite microscópica) infectados pelo C. difficile, a mintas.
pseudomembrana pode estar ausente, dificultando a definição Portadores de imunodeficiências apresentam frequentemen-
te diarreia associada a infecções oportunistas crônicas.
O câncer colorretal pode apresentar-se com di arreia crônica,
habitualmente com sinais de perda de sangue.
---------------T--------------- O uso de medicamentos também deve ser investigado. Al-
Quadro 3.4 Antimicrobianos associados à colite por Oostridium diffidle gumas drogas têm efeito sec.retório direto no intestino delgado
e no cólon, principalmente a fenolftalelna e os derivados antra-
Fn!qufncia Antibiótico quinônicos como o sene. O uso excessivo de dissacarldios não
absorvíveis, como o sorbitol, em dietas com restrição de açúcar
Comum Ampicilina, amoxicilina$clindamicina, cefalosporina
pode causar diarreia osmótica à semelhança de laxativos, como
Ocasional Penicilina, eritromicina, trimetoprima-sulfametoxazol,
o manitol e o sulfato de magnésio.
quinolonas
Tumores neuroendócrinos produtores de neurotransmis-
Rara Tetraciclina, metronidazol, vancomicina,
sores com ação secretagoga, como o VIP (peptídio vasoativo
aminoglicosídios
intestinal) nos VIPomas e a serotonina na slndrome carcinoi-
36 Capitulo 3 I Diarreio Aguda e Crónica

de, estão associados à diarreia crônica e intensa. Apesar de Alguns fatores de risco para doenças específicas podem ser
constituírem enfermidades mais raras, devem ser lembrados encontrados na história. O médico deve pesquisar: viagens a
nessas situações. áreas endêmicas para parasitoses; sintomas precipitados ou
A maioria dessas condições será descrita separadamente em agravados por uso de determinado alimento, como a lactose
capítulos deste livro. Neste capítulo, tais enfermidades serão (intolerância à lactose) ou o glúten (doença celíaca); comor-
abordadas apenas em linhas gerais. bidades como o diabetes de longa data e hipertiroidismo que
podem cursar com diarreia; história familiar de doença infla-
matória intestinal (DII) ou doença celíaca que apresentam risco
• História clínica de herança genética; exposição a fatores de risco para contami-
A definição diagnóstica exclusivamente pelo quadro clínico nação pelo HIV; uso de álcool em doses potencialmente lesivas
é mais difícil na diarreia crônica devido a suas possíveis etio- ao pâncreas; abuso de produtos dietéticos com sacarídios não
logias de grande complexidade. Entretanto, a avaliação clínica absorvíveis; história medicamentosa.
acurada pode direcionar a investigação complementar, mini- Ao exame fisico, podemos encontrar sinais extraintestinais
m izando custos e exposição do paciente. de determ inadas doenças. Na DII, além de massas inflamató-
A caracterização da diarreia como alta (intestino delgado) rias abdominais, podem ocorrer lesões perianais, lesões cutâ-
ou baixa (cólon), conforme discriminada no Quadro 3.1, é uma neas, aftas orais, olho vermelho e artropatias. Nas síndromes
das formas de classificar e guiar a sequência de propedêutica de má absorção e no câncer de cólon, devemos procurar sinais
complementar. de desnutrição, como edema e anemia.
Na qualificação da diarreia, devemos ter atenção para por-
tadores de incontinência anal. Esses indivíduos apresentam
o que denominamos pseudodiar reia. Existe aumento na fre-
• Diagnóstico
quência das evacuações por incapacidade de conter as fezes na A orientação do diagnóstico necessita seguir parâmetros clí-
ampola reta!. Nesta condição, não há aumento da quantidade nicos objetivos, em função da complexidade da propedêutica
de água nas fezes nem de seu volume global; portanto, não há específica. Quando necessária, a solicitação de exames com-
diarreia. plementares deve guiar-se inicialmente pelas características
Ausência de perda ponderai e de sinais de desnutrição, pre- do quadro diarreico, se diarreia alta ou baixa, conforme Fi-
sença de sintomas predominantemente diurnos, alternância gura 3.1.
do hábito intestinal com períodos de constipação intestinal, Devem-se avaliar as alterações de caráter funcional na SII.
além de crise de dor associada à distensão abdominal e aliviada Em casos de dúvida, exames gerais que demonstrem ausência
pela evacuação são sugestivas de síndrome do intestino irritável de acomet imento sistêmico como hemograma completo sem
(SI!). O início dos sintomas, habitualmente, ocorre em perío- anemia, leucocitose ou plaquetose e provas de atividade infla-
dos de instabilidade emocional e predomina em adultos jovens. matória (p. ex., proteína C reativa e VHS) normais reforçam o
Nestas condições, deve-se evitar investigação invasiva. diagnóstico de diarreia funcional.

I Diarreia crônica

I Sindrome do
intestino irritável
t
l Diarreia alta

I
J l Oiarreia baixa

I
J

l Gordura fecal
J
Triagem:
Hemograma completo
Hemácias e leucócitos fecais
Provas de atividade inflamatória

<{}>
Síndrome de malabsorção
Doença inflamatória intestinal
- Infecção prolongada
Câncer de cólon
= Doenças infecciosas
HIV
Drogas

Figura 3.1 Roteiro diagnóstico de diarreia crônica.


Capitulo 3 I Diorre/o Agudo e Cr6nico 37
• Exames laboratoriais • Estudodas fezes
Exames laboratoriais gerais são muito úteis na avaliação ini- A coleta de fezes para análise encontra frequente resistência
cial da diarreia crônica, especialmente para avaliar presença de por parte dos pacientes. Muitos consideram desagradável o ato
atividade inflamatória e/ou comprometimento nutricional. de manipular as fezes para a amostra e alguns se sentem enver-
gonhados ao imaginar a possibilidade do diagnóstico de parasi-
• Hemograma tose intestinal. Por isso, muitos médicos deixam de solicitar essa
Todas as séries hematológicas podem fornecer informações avaliação. Entretanto, a análise das fezes pode traduzir vários
valiosas na pesquisa de di arreia crônica. Na série vermelha, problemas do TGI e é valiosa ferramenta diagnóstica.
presença de anemia pode estar relacionada com disabsorção ou
com perdas. Em enfermidades que promovem perda sanguínea, • Pesquisa de agentes infecciosos
encontraremos sinais de deficiência de ferro com microcitose A maioria das parasitoses intestinais é assintomática nos
e hipocromia. Nas sfndromes de má absorção, o local do trato adultos. A Entamoeba hysto/itica e a Giardia lamb/ia são os
gastrintestinal (TGI) acometido determina a deficiência de nu- agentes infecciosos mais frequentes como causadores de diar-
trientes específicos. Assim, doenças que acometem o delgado reia crônica. O exame parasitológico das fezes tem baixa sen-
proximal causam dificuldade de absorção de ferro e ácido fólico sibilidade para estas infecções. A coleta de múltiplas amostras
com formação de hemácias disfórmicas (poiquilocitose) com e a análise rápida ao microscópio aumentam a sensibilidade,
micro e macrocitose concomitantes. Doenças que lesam o Oeo mas esta não ultrapassa 60%. A pesquisa de antígenos de Giar-
ou que causam insuficiência pancreática dificultam a absorção dia por ELISA tem sensibilidade de até 90% com grande valor
de vitamina B12 com consequente macrocitose. nos casos suspeitos.
Alterações da série branca sugerem diarreia de origem in- Em imunocomprometidos, especialmente em HIV positivos,
flamatória. Quando há predomínio de eosinofilia, parasitose Cryptosporidium e lsospora belli devem ser lembrados para que
intestinal é o diagnóstico mais provável. Porém, devemos con- se façam métodos específicos para sua detecção.
siderar a possibilidade de síndrome eosinofílica acometendo o
TGI com diarreia crônica, especialmente quando há histórico • Sangue oculto
relevante de atopia. A expressiva frequência de exames falso-positivos e falso-
A plaquetose é marcador inespedfico de processo inflama- negativos coloca em dúvida sua segurança no sentido de in-
tório crônico e pode ser encontrada em portadores de DI I. dicar a presença de lesão orgânica como causa da diarreia.
Entretanto, os achados conjuntos de sangue oculto e de leu-
• Provasdeatividade inflamatória cócitos fecais reforçam o diagnóstico de diarreia inflamató-
Proteína C reativa (PCR), velocidade de hemossedimenta- ria. Além das colites, neoplasias malignas também devem ser
ção (VHS) e a-1 glicoproteína ácida são bons marcadores de consideradas.
atividade inflamatória. Apesar de inespecificos, no contexto de Com o desenvolvimento da imunocromatografia de cap-
diarreia crônica são importantes preditores de DII. tura a pesquisa de sangue oculto tomou-se mais sensível e
específica. Essa técnica possibilita a detecção de sangue em
• Perfil nutricionaVmetabólico níveis tão baixos quanto 6 1-1g de hemoglobinalg de fezes em
A albumina é nutriente nobre e de meia-vida longa. Sua apenas 5 min. Nesta reação imunológica, não há possibili-
deficiência está associada a condições com perda nutricional dade de falso-positivos por fatores da dieta ou reação com
significativa. O perfil lipídico também se altera na desnutri- hemoglobinas de outras espécies que ocorre para os testes
ção e na disabsorção. Em diarreias mais intensas, alterações utilizando guáiaco.
hidreletrolíticas e disfunção renal são frequentes e devem ser
pesquisadas. • leueó<itos
O método-padrão para sua pesquisa nas fezes (coloração pelo
• Marcadores específicos Wright e microscopia) tem sua acurácia dependente da expe-
O anticorpo antiendomfsio IgA e o antitransglutaminase riência do examinador. A pesquisa de leucócitos fecais é con-
tecidual IgA têm alta sensibilidade e especificidade para o diag- siderada positiva quando há três ou mais polimorfonucleares
nóstico de doença celíaca. O antitransglutaminase, apesar de por campo. A lactoferrina fecal é marcador para os leucócitos
discretamente superior ao antiendomísio, é menos disponível fecais, é altamente sensível e específica para as diarreias agu-
e mais caro. O antiendomfsio tem especificidade e sensibilida- das infecciosas e para a enterocolite pseudomembranosa por
de em torno de 95% e é útil na triagem de suspeitos de doença C. difficile, mas para as diarreias crônicas sua utilidade não está
celíaca antes da realização de endoscopia para biopsia de del- bem definida.
gado proximal.
Anticorpo anti-Saccharomyces cerevisiae (ASCA) e anti- • Gordura
corpo anticitoplasma de neutrófilo perinuclear (pANCA) po- A análise qualitativa se baseia na pesquisa microscópica de
dem auxiliar no diagnóstico diferencial de retoco lite ulcerativa gordura corada pelo Sudan III. Uma alternativa é o método
(RCUI) e doença de Crohn. Entretanto, não devem ser usados semiquantitativo, o esteatócrito, usado principalmente em pe-
na avaliação diagnóstica inicial dessas doenças devido à bai- diatria, com resultados que se correlacionam melhor com o
xa especificidade e sensibilidade. O ASCA tem sensibilidade método quantitativo de Van de Kamer.
de 40 a 76% para doença de Crohn e o pANCA, de 60 a 65% Na análise quantitativa, o paciente deve receber orientação e
para RCUI. recursos técnicos que permitam a coleta das fezes em segurança
Os hormônios tireoideanos (T3, T4 e T4livre) e o tireoes- e sem contaminação por urina. Deve ingerir de 70 a 100 g de
timulante (TSH) nos casos de suspeita de diarreia secundária gordura por dia durante o período de coleta das fezes, de 2 a
ao hipertiroidismo definem o diagnóstico. 3 dias. A excreção normal corresponde a cerca de 9% da gor-
38 Capftulo 3 I Diarreia Aguda e Cr6n/ca

dura ingerida, ficando em torno de 7 gldia. Valores superiores fezes diarreicas. Em algumas etiologias, a mucosa está normal à
a esse são considerados anormais e significam esteatorreia. En- macroscopia, e a biopsia é essencial para o diagnóstico, como na
tretanto, valores entre 7 e 14 gldia de gordura fecal têm baixa colite colágena e colite linfocftica. Colites infecciosas também
especificidade para diagnosticar defeito primário de digestão podem ter o diagnóstico confirmado pela colonoscopia, como
ou absorção. Valores acima de 14 gldia são mais específicos colite pseudomembranosa pelo C. difficile, colite amebiana e
para comprovar má absorção. tuberculose intestinal.
• Eletrólitoseosmolaridade • Cápsula endosc6pica
As concentrações de eletrólitos são medidas nas fezes após ~ferramenta de grande valia na investigação de doenças de
sua homogeneização (por meio manual ou mecânico) e centri- grande parte do delgado, inacessível aos métodos endoscópi-
fugação da amostra para obter um sobrenadante para a análise. cos habituais. A visualização da mucosa pode definir diagnós-
Casos de diarreia não esclarecidos podem necessitar da averi- tico de enterites em geral. Como desvantagem em relação aos
guação do gap osmótico do fluido fecal, que analisa a partici- demais métodos endoscópicos, a impossibilidade de coleta de
pação de substância osmoticamente ativa nas fezes, servindo material para análise restringe sua acurácia em determinadas
para estimar a contribuição que os eletrólitos e outros elementos situações.
ttm na retenção de água no lúmen intestinal. Na diarreia se-
cretora, os eletrólitos não absorvidos são os responsáveis e, na • Enteroscopia com duplo balão
osmótica, são os outros elementos osmoticamente ativos, como A utilização da enteroscopia com duplo balão (EDB) per-
os ca.rboidratos. A osmolaridade teórica no intestino delgado mite o alcance das porções mais distais do intestino delgado
distai é estimada em 290 mOsm/t, porque é equilibrada com a de forma mais simples e e.ficaz. A boa flexibilidade do endos·
do plasma. O gap osmótico é maior(> 125 mOsm/l ) na diar- cópio é mantida mesmo após a sua inserção, já que o corpo
reia osmótica e menor (< 50 mOsm!l) na secretora. Em diar- deste está fixado pelo overtube. Assim sendo, qualquer ponto
reias mistas (osmóticas e secretoras) ou em casos de discreta do intestino delgado pode ser fixado, possibilitando a intro-
má absorção de carboidratos, o gap osmótico fica entre 50 e dução e retirada do endoscópio, ao mesmo tempo em que
125 mOsmll. A estocagem das fezes pode elevar a osmolarida- propicia o exame detalhado da mucosa, realização de biópsias
de por causa da ação das bactérias fecais sobre os carboidratos e procedimentos tera~uticos, facilitados pelos comandos de
durante esse período. operação em quatro direções. Yamamoto et ai. relataram sua
experiência com a EDB através de 178 enteroscopias, 89 por
• pH fetal via anterógrada e 89 por via retrógrada, realizadas em 123 pa-
Sua pesquisa é indicada diante de suspeita de diarre.ia cau- cientes. O endoscópio com duplo balão foi inserido pelas vias
sada por má absorção de carboidratos, como nos casos relacio- oral e anal, conseguindo-se atingir cerca da metade ou 6696
nados com o uso de sorbitol ou lactulose. Nestas condições, o de todo o intestino delgado. A combinação de ambas as vias
pH é baixo (< 6). Nas diarreias envolvendo perdas de aminoá- permite o exame de todo o intestino delgado, sendo relatado
cidos e de ácidos graxos associados a carboidratos, o pH fica sucesso de 86% na tentativa de enteroscopia total. Esse resul-
elevado (entre 6,0 e 7,5). tado é comparável com 79% de sucesso, recentemente obti-
do pela cápsula endoscópica. Dessa forma, a enteroscopia é
• Teste para pesquisa de carboidratos fecais método seguro, que possibilita diagnóstico preciso, coleta de
Embora testes para o teor de carboidratos não sejam feitos biópsias e abordagem terapêutica, além do estadiamento de
rotineiramente para fezes. testes qualitativos podem ser usados lesões através da endossonografia. Os índices de complicações
para identificar carboidratos mal absorvidos. Contudo, exames são baixos e aceitáveis
que originalmente foram usados para medi-los na urina não
estão padronizados para as fezes. O dinitest é positivo para • Imagem
glicose, galactose, maltose, frutose e lactose, mas negativo com • Trânsito de intestino delgado
sacarose, sorbitol, lactulose e manitol. ~o principal exame complementar para estudo do intestino
delgado devido a seu baixo custo, fácil execução e com seguran-
• Endoscopia ça para o paciente. Apresenta alta sensibilidade para avaliação
• Endoscopiadigestiva alta de desordens do jejuno e Oeo.
Nos quadros dfnicos compatlveis com diarreia alta, a en-
doscopia digestiva alta pode auxiliar no diagnóstico através da • Tomografia computadorizada
visualização da mucosa do intestino delgado proximal ou de sua A tomografia com contraste oral também aux.ilia na avalia-
análise por biopsia. Entre essas etiologias, estão doença celiaca, ção do trânsito pelo intestino delgado. Tem bom desempenho
parasitoses, doença de Whipple, entre outras. especialmente para lesões tumorais dessa área.~ menos sensível
do que o trânsito intestinal para lesões de mucosas.
• Colonoscopia O avanço dos tomógrafos com maior número de detecto-
Exame de grande importância no diagnóstico de diarreias res de imagem e da ressonância magnética tem possibilitado o
crônicas baixas. Além do cólon, o exame se completa com ava- aprimoramento na avaliação intestinal com enterografia e CO ·
liação adicional do Oeo distai, região também associada adiar- lonoscopia virtual. A enterografia tem como vantagem a ava-
reias inflamatórias baixas. Por ser procedimento mais invasivo, liação das alças em três dimensões, sem sobreposição. A colo-
deve ser realizado após triagem dfnica e laboratorial adequada noscopia virtual apresenta boa sensibilidade para lesões acima
que indique forte suspeita de acometimento ileocolônico. A de 1 em, mas tem a desvantagem em relação à colonoscopia de
avaliação endoscópica da mucosa é característica nas Dll e em não permitir biopsia, com necessidade de preparo de cólon tão
outras colites, assim como nas neoplasias, também associadas a rigoroso quanto para o exame endoscópico.
Capitulo 3 I O/arreia Aguda e Cr6nlca 39

• TRATAMENTO • LEITURA RECOMENDADA


Quando a causa é bem definida, o controle clinico dependerá Cbak, A & Banwell, )G. Travei..-'& diarrhea. Gasr,.,.,nttrol. Clin. North Am.,
do êxito da terapêutica específica instituída ou da exclusão de 1993; 22:549·61.
Chanlabos, P & LaMont, J. Oostridlum dJJ!kUe eolitis and diurhc:a. Gastro-
agentes causadores da di arreia. Para os pacientes que estão em enterol. Clin. Nonh Am., 1993; 22:623-37.
investigação diagnóstica, deve-se prescrever inicialmente dieta Cheney. CP & Wong, RKH. Aeute1nfect10UI Olarrbu. Mcd. Clin. Nonh Am.,
pobre em resíduos, restrição de leite e derivados, utili.z.ando-se 1993; 77:1169·95.
medicamentos sintomáticos para a diarreia. Odvaux. M & Gay. G. Novd appUcation& ofb.llloon <ndosoopy. Gostrointest.
Os agentes antimotilidade, derivados do ópio, também Endosc. C/in. N. Am., 2009; /9:509-18.
Dr<yfu$, G, H&ut<rn<. X. Schnelder, S. Rampa!, P. Prise <n charg< diasnostique
atuam sobre receptores específicos na membrana celular, ini- des dlarrhtes chroniques. Gast""'"terol. Oln. Blol., 1999: 23:75-83.
bindo a atividade da adenilciclase, diminuindo a concentração Farthing. MJG. Chroni< diurhoca: o\IJ"ttnt oonupts on mechanism anel ma-
intracelular de cAMP, tendo assim atividade antissecretora e ~enL Eur. f. Gastroenterol. Htp•tol., 1996; 8:157·67.
inibidora da motilidade intestinal. Embora os derivados sinté- Fin<, KO & Schiller, LR. AGA te<hni<al tevlew on lhe evaluatlon and manag<-
ticos do ópio (loperarnida e difenoxilato) sejam mais utiliza- m<nt of chronl<: dlarrhea. Gastrwnttralt>gy, 1999; 1/6: 1464· 86.
Gunur, F, Bohm, H, Russmann, H ti ai. Molt<ulu det«tion ofsorbitG-ferm<n·
dos, a morfina e a codeína, por terem ação central e periférica, Ung Esch<rid!la coll OI S71n patlents wtth hemolytl<·ureml< •yndrome. f.
são mais potentes e mais eficazes em diarreias persistentes de Oin. Miaobio/.,1992; 39:1807- 10.
aidéticos. Hohz, LR, Neil, MA, Tarr, Pl. Acu<e Bloody Olarrhea: A Medioo Emergmçy
Os alfaz-adrenorreceptores estão presentes no intestino e for Patients of Ali Ag<s. Gastroenterok>gy, 2009; 136:1887-98.
medeiam os efeitos pró-absortivos e antimotilidade das cate- Lysy, J, lsraeli. E. Goldin, E. Th< prevalenoe of chronl< dlarrh.. among diaheti<
patients. Am. f. GastroemeroL, 1999; 94:2165·70.
colaminas. A clonidina, agonista alfaz-adrenérgico, tem ati- Park. SI & GianneUa, RA. Approach to the adult patlent with acute diarrhea.
vidade antidiarreica, sendo utilizada com sucesso na diarreia Gastroenterol. Clin. North Am., 1993; 22:483-97.
dos diabéticos, embora apresente restrições por causa de seu Pawlowski, SW, Alcantara, CA, Guerrant, WR. Olagnosis and Trcatment of
efeito hipotensor. Acute or Persistent Diarrhea. Gastroenterology, 2009; 136:1874-86.
A somatostatina e o octreotfdio têm ação diversificada no Proulx, F, Thrgeon, JP. Delage, G el a/. Randomlzed, oontroll<d triaJ of an-
tibioti< therapy for Escherichla coli 0157:H7 enteritis./. Pediatr., 1992;
tubo digestivo. Inibem a motilidade e a secreção gástrica e 121:299-303.
pancreática com favorecimento da absorção de água e eletró- Read, NW, Krejs, GJ, Read, MG et ai. Chronlc diarrhea of unknown origin.
litos. O octreotldio é poderoso inibidor da liberação de gastri- Gastroenterology, 1980; 78:264·11.
na, VIP e 5-HT. Por isso, é usado no tratamento da diarreia da Wong, CS, Jelacic, S, Habeeb, RL et a/. Thc rlsk ofthe hemolytl<· ur<mle syn·
síndrome carcinoide, da síndrome de Zollinger-Ellison e nos dromeafter antibiotle tteaanent ofEscherlchla ooU OIS7:H71nfeotlono. N.
Engt. f. Pediatr., 2000; 342:1930·6.
aidéticos. O octreotfdio é usado, também, na diarreia dos dia- Yamamoto, H, Kita, H, Sunada, K t1 ol. GU.nlc:al outoomes of doubleballoon
béticos, diarreia aquosa idiopática e naquela que ocorre durante mdosoopy for th< diasnosis and treatment ofsmall·lntestinal disea.ses. Clin.
o tratamento com drogas antineoplásicas. Gastroenterol. Hepotol., 2004; 2:1010-6.
4 Halitose, Eructação e Soluço
Adílton Toledo Orne/las, Juliano Machado de Oliveira e
Laura Cotta Orne/las Halfeld

estudo asiático, realizado em portadores de dispepsia funcio-


• HALITOSE nal e halitose, comprovou que a erradicação da bactéria fez
As alterações do hálito são manifestações frequentes, cons- desaparecer a queixa de halitose por um período prolongado
trangedoras, que podem ser indicadoras de alguma doença ain- de acompanhamento. Embora o tema suscite novas investiga-
ções, o tratamento de erradicação desse microrganismo deve
da não diagnosticada. Podem ser consideradas como objetivas,
ser considerado nos casos de halitose, quando outras etiologias
quando constatadas por alguém da intimidade do paciente ou
por um médico, ou subjetivas (pseudo-halitose ou halitofobia), foram descartadas.
Em estudo multidisciplinar realizado em Louvain (Bélgica)
quando os próprios pacientes procuram ajuda por se sentirem
com 2.000 pacientes, foram identificadas as seguintes causas
portadores de halitose que, todavia, não pode ser comprovada para halitose: em 7696 dos casos, foi encontrada uma doença
por um exame méd.ico. da cavidade oral; entre elas, língua saburrosa (4396), gengivite
(3,896), periodontite {7,496) e xerostomia (2,596). A incidencia
• Etiologia de pseudo-halitose foi de 1696; casos de amigdalites, rinites,
sinusites e obstrução nasal, de 1,9%. A etiologia não foi iden-
A halitose pode ocorrer ao despertar, de modo transitório, tificada em 0,896 dos casos. Portanto, na maioria das vezes, a
sem que tenha significado patológico. halitose teve origem oral, resultando provavelmente da degra-
A grande maioria dos casos decorre de doenças locorregio- dação de substratos orgânicos por bactérias anaeróbicas, pro-
nais situadas na cavidade oral (higiene oral inadequada, cáries duzindo compostos sulfurados.
dentárias, língua saburrosa, proliferação da placa bacteriana, Determinadas doenças têm hálitos característicos e exig.iam,
tártaro dentário, doenças periodontais), na cavidade nasal, seios no passado, um grande tirocínio clínico para identificá-las, pela
paranasais, amígdalas e faringe (amigdalites, faringites, sinu- limitação dos recursos propedêuticos de então. Três são os mais
sites, rinites) ou mesmo nos pulmões (abscessos pulmonares, importantes: (1) hálito cetônico, que ocorre em casos de ceto-
bronquiectasias). O tabagismo atua por si só ou agravando con- acidose diabética ou jejum prolongado, quando há produção
dições preexistentes. Pode também decorrer de enfermidades de corpos cetônicos, que são eliminados pela urina (cetonúria)
digestivas, como nas lesões obstrutivas do esôfago, estômago, e pela respiração, causando um odor que lembra frutas enve-
intestino delgado ou cólon. lhecidas; (2) hálito urêmico, que ocorre na insuficiência renal,
A redução do fluxo salivar (xerostomia) também pode al- conferindo um odor amoníaca!; e (3) hálito hepático lfoetor
terar o hálito e pode ocorrer pelo uso de medicamentos (an- hepaticus), que ocorre em portadores de doença hepática grave
ticolinérgicos, antidepressivos, betabloqueadores), em lon- e resulta da eliminação de metilmercaptana e de outros com-
gas falas e na síndrome de Sjõgren. A halitose pode resultar postos voláteis sulfurados, conferindo um odor de peixe, de rato
da eliminação de substâncias aromáticas no ar expirado em ou comparável a um cadáver recentemente aberto.
consequencia do metabolismo de etano!, gorduras, proteínas
e carboidratos.
Alguns pesquisadores têm investigado a participação da • Diagnóstico
bactéria Helícobacter pylori (H. pylori) na etiologia da halito- Além de uma história clínica criteriosa para identificar a
se, tanto por sua localização oral como gástrica. Um estudo possível causa da halitose, o exame fisico deve ser voltado para
chinês comprovou que a presença dessa bactéria no estôma- a cavidade oral, que é sede das principais etiologias. Tais cuida-
go era significativamente maior em portadores de halitose do dos são ainda mais necessários diante de um caso de pseudo-
que em indivíduos sadios. Uma pesquisa realizada em pacien- halitose, a fim de se evitar a realização de exames complemen-
tes sem lesão gástrica investigada por endoscopia digestiva e tares dispendiosos.
sem queixas dispépticas, mas portadores de H. pylori, mostrou A halitose pode ser medida por critérios subjetivos, cha-
significativa melhora da halitose após a sua erradicação. Um mados organolépticos, que são dependentes da capacidade ol-

40
Capftulo 4 I Halitose, Eructação e Soluço 41

fatória do examinador, ou através de equipamentos capazes gástrico é a deglutição. Já foi demonstrado que, a cada ingestão
de medir a concentração dos compostos sulfurados (sulfeto de 10 ml de líquido, chegam também ao estômago 17 me de
de hidrogênio, metilmercaptana e dimetilsulfeto) do hálito, ar. Estudos realizados por Tomlim et al. em indivíduos sadios
como o halímetro (Halimeter®). Esse aparelho tem a capacida- mostraram que a ingestão diária de nitrogênio é em torno de
de de medir a concentração dos compostos sulfurados voláteis 2.000 me, mas a sua eliminação através dos flatos foi de aproxi-
do hálito, que são ionizados quando entram em contato com madamente 250 ml/dia. Como ele é pouco absorvível, pode-se
o equipamento e são medidos em concentração de partes por concluir que a maior parte é eliminada através da eructação.
bilhão (ppb), considerando-se normal quando a concentração Assim, como o nitrogênio é o principal gás existente no estô-
está abaixo de 150 ppb. Outros recursos têm sido propostos mago, só sendo eliminado pelo reto em pequena proporção,
para medir os compostos sulfurados voláteis, como um sensor fica demonstrado que, em condições fisiológicas, a passagem
colorimétrico ou através de cromatografia. do ar deglutido para o intestino é pequena.
Os gases intraluminais produzidos no trato gastrintestinal
são o dióxido de carbono, o hidrogênio e o metano. O dió-
• Tratamento xido de carbono predomina na porção superior do intestino
O tratamento tem seu êxito ligado à identificação da causa delgado, resultando da interação do ácido clorídrico e dos áci-
e de sua possível remoção, como nas halitoses provadas por dos graxos (derivados da digestão de triglicerídios pela lipase
medicamentos ou infecções. Tendo em vista o predomínio pancreática) com o bicarbonato. O hidrogênio é resultante do
de afecções da cavidade oral, cuidados de higiene oral são metabolismo bacteriano, no cólon, de substratos fermentáveis,
indispensáveis. Por outro lado, torna-se mais dificil quando como carboidratos e proteínas. Por apresentar-se com grande
a etiologia da halitose não é reconhecida. A pseudo-halitose pressão parcial, difunde-se para o sangue, sendo eliminado pelo
associada frequentemente com alterações emocionais pode ar expirado. Em estudos experimentais em ratos de laborató-
necessitar do auxílio de medicamentos e de profissionais es- rio esterilizados e recém-natos, demonstrou-se que eles não
pecializados. produzem hidrogênio, que surge, entretanto, algumas horas
após sua contaminação por bactérias. O metano também apre-
senta uma única fonte, o metabolismo de bactérias anaeróbi-
• ERUCTAÇÃO cas, cujas colônias estão presentes em pessoas de determinado
traço familiar, sendo encontrado somente em um terço dos
~a eliminação fisiológica do conteúdo gasoso excessivo do adultos. Todavia, em condições patológicas, o ar existente no
estômago através da cavidade oral, às vezes feita de maneira estômago pode chegar ao cólon, como ficou demonstrado em
ruidosa estudo feito por Levitt et ai. em um paciente portador de fla-
tulência acentuada, no qual foram medidas as concentrações
dos diversos componentes dos flatos eliminados. Observou-se,
• Aspectos fisiológicos dos gases gastrintestinais então, que a concentração de nitrogênio era muito superior
Os gases gastrintestinais podem ter três origens: ar deglutido, àquela esperada, equiparada às concentrações intragástricas, e
produção intraluminal e difusão entre o lúmen e o sangue. que os gases intraluminais (dióxido de carbono, hidrogênio e
Cerca de 99% dos gases presentes no trato gastrintestinal metano) tinham concentração abaixo de 17%. Esse estudo de-
são compostos de nitrogênio, oxigênio, dióxido de carbono, monstra que, antes de se propor um tratamento clínico para
hidrogênio e metano, sendo todos sem odor. A distribuição e um paciente com flatulência, seria importante saber se os gases
a concentração desses gases estão representadas no Quadro 4.1. eliminados são formados no próprio intestino ou se resultam
Outros gases e substâncias também estão presentes em menor do ar deglutido.
quantidade, como aqueles odoríferos, provavelmente respon- A difusão de gases entre o lúmen e o sangue é determi-
sáveis pelo odor desagradável dos flatos, que são: amônia, gás nada pela diferença parcial de pressão. O sangue que irriga
sulf!drico e metilmercaptana. Eles são resultantes do metabo- o cólon tem gradiente de pressão parcial muito baixa de hi-
lismo de alguns alimentos. drogênio e metano. Sendo assim, eles passam do lúmen para
O ar deglutido contém os dois principais gases existentes na o sangue, ocorrendo o contrário com o dióxido de carbono e
atmosfera, ou seja, o nitrogênio e o oxigênio, não encontrados o oxigênio.
no estômago de indivíduos que não podem deglutir, como na
acalasia grave, comprovando, assim, que a única fonte de ar
• Fisiopatologia
O gás eliminado através da eructação contém, aproximada-
mente, 80% de nitrogênio e 20% de oxigênio.
---------------· ---------------
Composição dos gases gastrintestinais
Quadro 4.1
Estudos radiológicos e, mais recentemente, de impedancio-
metria e pHmetria esofágicas permitiram identificar a existên-
cia de duas condições distintas: (1) a eructação supragástrica,
G~s Estamago (%) Intestino(%) Flatos (%) quando o ar deglutido ou originário da faringe atinge o esôfago
para, logo a seguir, ser eliminado pela boca, não tendo, portan-
Nitrogênio 79 23-80 11-32 to, origem no estômago; (2) a aerofagia, quando há deglutição
Oxigênio 17 0,1-2,3 0-11 excessiva de ar, que se acumula no estômago, e para ser elimi-
Dióxido de carbono 4 5,1-29 3-54 nado pela boca provoca um relaxamento do esfíncter esofágico
Hidrogênio 0,06-47 0-69 inferior antes da eructação, criando uma cavidade gastresofá-
Metano 0-26 0-56 gica comum. Não há evidência de relaxamento do esfincter
esofágico inferior na eructação supragástrica.
Adaptado de Berk, JE. Gas. Em: Haubrlch, WS, Schaffner, F. Berl<, JE. Bockus
Gastroentero/ogy, 5th ed, Philadelphia, W.B. Saunders, 1995. Monitoramentos feitos através de impedanciometria e
pHmetria esofágicas durante 24 h demonstraram que as
42 Capitulo 4 I Holitose, Eructoção e Soluço

eructações supragástricas ocorrem em maior número e que prolongado. As manifestações de soluço quando se estendem
sofrem de um ded!nio no período noturno, enquanto aquelas por mais de 48 h são consideradas como persistentes e, se ul-
originadas do estômago (aerofagia) ocorrem em menor núme- trapassam 1 mês, são chamadas de intratáveis.
ro que as supragástricas e mantiveram um equilíbrio tanto no
período diurno como no noturno. Assim, pode-se concluir que
no primeiro caso as eructações resultam de vfcios adquiridos,
• Etiologia
estando relacionadas com distúrbios comportamentais. O soluço incide igualmente em ambos os sexos e em qual-
quer idade. Nas crianças, a causa raramente é encontrada. As
causas orgânicas predominam no sexo masculino. Cerca de
• Manifestações clínicas 20% têm origem psicogênica, mas em muitos casos a etiologia
A eructação ocasional, durante ou após uma refeição, resul- permanece idiopática.
taria da eliminação de gases da bolha gástrica, sendo conside- As principais causas de soluço agudo ou benigno estão
rada um evento normal relatadas no Quadro 4.2 e as de soluço persistente, no Qua-
Toda eructação é precedida de deglutição de ar, mas os pa- dro4.3.
cientes nem sempre percebem essa relação. Os pacientes com
aerofagia engolem ar em grande quantidade, com grande fre-
quência e t~m excessiva quantidade de gás intestinal, que pode
• Fisiopatologia
ser constatada em uma radiografia simples de abdome. A dis- Suspeitava-se, no passado, que o soluço fosse resultante de
tensão abdominal é a principal manifestação clinica, enquanto um movimento respiratório reflexo, produzindo uma inspi-
a eructação ocorre em menor grau. ração entrecortada, mas estudos de eletrofisiologia têm refu-
Quando a eructação se torna mais frequente e associada a tado essa ideia. A sua produção estaria relacionada com um
desconforto, pode estar relacionada com transtornos funcio- arco reflexo, proposto inicialmente por Bailey em 1943, com a
nais ou com alguma doença, como a úlcera péptica, o reflu- participação de uma via aferente composta dos nervos frêni-
xo gastresofágico e neoplasias, exigindo, nesses casos, exames co, vago e da cadeia simpática correspondente aos segmentos
complementares mais objetivos. torácicos T6-T12; de um centro do soluço, sem uma localiza-
Algumas condições clinicas favorecem a deglutição de ar e ção específica entre C3 e CS; de uma contxllo central entre
a consequente eructação. ~o que acontece em pacientes com as vias aferentes e eferentes, constituída pela interação entre
distúrbios emocionais, como já foi descrito na sfndrome Gilles o centro respiratório, o núcleo do nervo frênico, a formação
de la Tourette, bem como nos portadores de falhas dentárias, reticular e o hipotálamo; de uma via eferente, formada prin-
secreção nasal e nos fumantes. cipalmente pelo nervo fr~nico, além das inervações da glote e
dos músculos acessórios da respiração (Figura 4.1). Assim, o
soluço resultaria de estímulos aferentes, ou de origem central.
• Tratamento Tendo em vista a longa trajetória dos nervos e centro envol-
Uma vez exclulda a presença de enfermidades orgânicas res- vidos nesse arco refluxo, o potencial de desencadeamento por
ponsáveis pela eructação, a primeira medida consiste em corri- processos patológicos é muito diversificado, por isso inúmeras
gir hábitos viciosos da alimentação relacionados com mastiga- doenças podem ser envolvidas na etiologia do soluço. O nervo
ção, consistência dos alimentos (os líquidos favorecem maior vago, em particular, pode ser ativado em várias áreas anatômi-
ingestão de ar), restringir certos alimentos como feijão, len- cas, como: vísceras torácicas e abdominais, cabeça e pescoço.
tilha, carnes vermelhas, verduras e legumes crus. Restrições Estudos radioscópicos têm demonstrado que o soluço envolve
também devem ser feitas a fumo, gomas de mascar, balas e mais frequentemente uma contração unilateral do diafragma
bebidas gasosas. e predomina à esquerda. Contração bilateral também ocorre,
Como a eructação frequente tem uma relação estreita com mas o comprometimento unilateral predomina.
a ansiedade e a tensão emocional, pode haver a necessidade do
au.xflio de profissionais das áreas de fonoaudiologia e de psico-
terapia, além da prescrição de um psicoterápico.
A dimeticona, que atuaria no sentido de favorecer a coales- T
cência das bolhas gasosas e facilitar a sua eliminação, pode ser Quadro 4.2 Causas de soluço agudo ou benigno
prescrita, embora seja de eficácia duvidosa.
Os antiácidos, os antagonistas dos receptores H2 ou bloquea- Distensão gástrica
dores de bomba protônica, visando a reduzir a quantidade de Aerofagia
ácido clorldrico que chega ao duodeno e assim diminuir a pro- Alimentação excessiva
dução de dióxido de carbono, podem ser úteis. Entretanto, os Alimentaç3o rápida
antiácidos não devem ser compostos de carbonato. Bebida alcoólica
Bebida carbonatada
Insuflação gástrica durante endoscopia
• SOLUÇO Mudança brusca no ambiente ou na temperatura gastrintestinal
Banho frio
O soluço é um fenômeno neurorrespiratório resultante da
Bebidas quentes ou frias
contração involuntária dos músculos inspiratórios, associada
ao fechamento simultâneo da glote com a produção de um ruí- Distúrbios emocionais súbitos
do característico. Cigarro
~ uma manifestação clinica simples e benigna, quando tran- Ad.lptaclo de Rousseau. P. Hlccups South Med. J. 1995; 88:175-!11 .
sitório, mas torna-se um problema angustiante e sério, quando

Capftulo 4 I H alitose, Eructação e Soluço 43
mais sério, causando sensação de fadiga, desidratação, altera-
Quadro 4.3 Causas de soluço persistente ção do sono, prejuízo da alimentação, depressão e, até mesmo,
a morte em casos extremos. Frequentemente, o soluço surge
Psicogênicas como uma intercorrência de um quadro neurológico ou de
Estresse/ excitação uma neoplasia maligna.
Crise conversiva
Anorexia nervosa • Diagnóstico
Distúrbios de personalidade
Diante da diversidade de doenças capazes de desencadear o
Orgânicas
soluço, uma história cuidadosa deve ser seguida de exame clí-
Sistema nervoso central
nico detalhado, com especial atenção para cabeça, estruturas
Neoplasla do pescoço, coração, pulmões e abdome. O conduto auditivo
Shunr ventriculoperitoneal externo deve ser examinado para excluir inflamações, corpos
Esclerose múltipla estranhos, pelos aberrantes irritando a membrana do tímpano
Hidrocefalia e cerume impactado.
Malformação arteriovenosa Exame radioscópico do diafragma deve ser realizado nos
Acidente vascular cerebral quadros de soluço persistente, quando a etiologia não está de-
Traumatismo cranioencefálico finida. Quando há envolvimento unilateral do diafragma, o
Sistema nervoso periférico {Irritação do nervo frênico ou do vago) diagnóstico deve ser voltado para as áreas do mesmo lado do
Hérn ia hlata i - esofagite
nervo frênico afetado, mas, se for bilateral, sugere origem afe-
rente ou central. Exames laboratoriais podem ser realizados
Pericardite
para pesquisar, por exemplo, uma origem metabólica (hipo-
Implantação anômala de eletrodo de marca-passo
calcernia, hipopotassemia ou insuficiência renal). Os exames
Infarto agudo do miocárdio endoscópicos e de imagem (radiografia de tórax, de abdome,
Tumor ou cisto de pescoço tomografia computadorizada, PET/Cf, ressonância magnética)
Unfadenopatia de mediastino são voltados para uma suspeita orgânica.
Estimulação da membrana timpânica
Infecções brõnquicas, pulmonares ou pl eurais
Tumor de esôfago
• Tratamento
Gastrite ou úlcera péptica A terapêutica ideal é aquela dirigida para a sua etiologia;
Câncer gástrico entretanto, nem sempre é possível remover a causa ou iden -
Pancreatite
tificá-la, tornando-se assim necessárias medidas visando ao
próprio soluço.
Colecistopatias
Muitos tratamentos não farmacológicos são empíricos, sem
Pós-operatório do tórax ou do abdome
embasamento científico, mas, com frequência, eficazes. Con-
Metabólicas - farmacológicas - infecciosas sistem no estimulo da nasofaringe, visando a interromper a
An est esia geral transmissão aferente vagai, e incluem: tração da língua, eleva-
Corticosteroides por via endovenosa ção da úvula com uma colher, estimulação da faringe com uma
Barbitúricos - diazepfnicos mecha de algodão ou cateter, gargarejo com água, tomar água
Metildopa gelada, ingerir açúcar granulado. Contrariamente, pode-se fazer
Sepse a estimulação vagai, como manobra de Valsalva, massagem da
Estado gripa I carótida, pressão supraorbital, irritação mecânica da membra-
Herpes zoster na do tímpano e toque reta!. Outros métodos que se propõem
Malá ria
a interromper a transmissão do nervo frênico têm sido eficazes,
fazendo cessar o episódio de soluço, e consistem em dar leves
Tubercu lose
pancadas rítmicas sobre a 5.• vértebra cervical, ou aplicar gelo
Uremia
na superfície cutânea referente ao território do nervo frênico,
Hipocalcemia - hiponatrem ia - hiperglicem ia estimulação elétrica, bloqueio com injeção de lidocaína.
ldiopáticas Embora não exista uma associação evidente entre o soluço
Adaptado de Rousseau, P. Hiccups South Med. J., 1995; 88:175-81. e o aparelho respiratório, muitos tratamentos envolvem a in-
terrupção da respiração normal, incluindo espirros, tosse, ap-
oeia voluntária, hiperventilação, dor ou medo súbitos, uso de
pressão aérea positiva contínua e respirar dentro de um saco de
papel (aumenta a Pco,, produzindo acidose respiratória).
Outras medidas têm sido propostas para tratar o soluço,
• Manifestações clínicas como a hipnose e a acupuntura. Esta última foi empregada em
Quando agudo e transitório, o soluço é uma manifestação pacientes portadores de neoplasia maligna, obtendo-se resul-
clínica simples, como ocorre no período pós-prandial ou após tados estatisticamente significantes.
a ingestão de bebidas alcoólicas, tem evolução autolimitada ou
cede com medidas simples, como apneia voluntária, ingestão
de água ou pela manobra de Valsalva. Algumas vezes, mesmo
• Terapêutica medicamentosa
quando tem instalação aguda, pode causar grande desconforto, Quando o soluço tem evolução prolongada e não respon-
exigindo medidas terapêuticas mais enérgicas e imediatas. En- de às medidas supracitadas, diversos medicamentos podem
tretanto, quando é prolongado, torna-se um problema clinico ser prescritos como a clorpromazina, a única droga licenciada
44 Capitulo 4 I Holitose, Eructoção e Soluço

CENTROS SUPERIORES
CENTRO RESPIRATÓRIO

FORMAÇÃO RETICUlAR MEDULAR

NÚCLEO DO NERVO FR~NICO

HIPOTÁLAMO

CENTRO DO SOLUÇO
C3 a CS

CADEIA SIMPÁTICA
T6aTI2

MEDULA ESPINAL
TORÁCICA

MÚSCULOS
RESPIRATÓRIOS
ACESSÓRIOS

Adaptado de Wikox. SK. Garry. A. Johnson. MJ. J. Poin Symprom Monoge, 2009; J:46().S.

Figura 4.1 Arco reflexo do soluço.

para o tratamento de soluço nos EUA. Diversas refer~ncias são • Anestésicos: lidoca!na, cloridrato de cetamina.
feitas ao baclofeno, um derivado do GABA, usado em neurolo- • Anticonvulsivantes: fenito!na, ácido valproico, carba-
gia como um potente miorrelaxante de ação medular e central, mazepina, gabapentina.
como sendo a droga de escolha. Sua ação é relacionada com • Sedativos: midazolam.
uma hiperpolarização dos terminais aferentes e inibição de re- • Antidepressivos: amitriptilina, sertralina.
flexos em nlvel medular. Esse fármaco deve ser prescrito nos • Psicoestimulantes: cloridrato de metilfenidato (ritalina).
casos de soluço persistente, quando a causa não foi encontrada, • Antagonistas do canal de cálcio: nifedipino, nimodipino.
ou mesmo quando uma doença esofagogástrica não responde • Antiparldnsoniano: amantadina.
ao tratamento específico. A dosagem deve ser iniciada com 5
a lO mg. elevando-se a dose se necessário, de modo progressi-
vo, at~ 25 mg. 2 a 4 vezes/dia_ Os efeitos adversos, relaciona-
• Tratamento cirúrgico
dos principalmente com doses mais elevadas, incluem náuseas, Quando o envolvimento é unilateral, comprovado previa-
tonturas, sonolênóa, ataria e fadiga. O baclofeno não deve ser mente por radioscopia, e o soluço não cessa com as med.idas
interrompido de modo súbito, sendo recomendada uma redu- terapêuticas disponíveis, o bloqueio do nervo frênico com
ção gradual. A gabapentina tem sido usada principalmente em lidoca!na a 1%, guiada por ultrassonografia na área do nervo
casos de neoplasia maligna e naqueles associados a lesões do frênico, mostrou-se eficaz e com melhora precoce e duradoura
sistema nervoso central. Poderia ser a droga de escolha nesses em casos de pacientes portadores de neoplasia maligna e com
casos, pela boa tolerabilidade, efeito modulador sobre a dor, soluço intratável. Em casos rebeldes, considera-se ressecção
discretos efeitos adversos e quase sem interação medicamen- do nervo frênico do lado afetado. Esse procedimento deve ser
tosa. A dose inicial é de 300 mg, 3 vezes/dia. precedido de estudo da função respiratória, porque a paralisia
Como o soluço tem causas variadas, cada uma delas desen- do diafragma pode ter grande repercussão sobre a respiração,
cadeando seu aparecimento por agir em pontos diversos do e de uma paralisia temporária do nervo frênico, através de blo-
seu arco reflexo, muitas outras drogas têm sido relacionadas queio, para comprovar a sua eficácia no controle do soluço. Só
com o seu tratamento. assim a intervenção cirúrgica deve ser realizada.
A seguir, são citados os principais fármacos indicados para Intervenções não mutiladoras sobre o nervo vago têm sido
o tratamento do soluço: propostas, como uma descompressão microvasa1lar, ou uma
• Redução da distensão gástrica: cloridrato de metoclo- técnica minimamente invasiva que foi obtida pela implantação
pramida de um estirnulador do nervo vago, que é um procedimento
• Ação supressiva sobre o centro do soluço/arco reflexo: controlado pelo próprio paciente, sendo ativado quando ne-
cloridrato de clorpromazina, baclofeno, haloperidol. cessário.
Capitulo 4 I Holitose, Eructaçõo e Soluço 45
Marinclla, MA. Dlagnosll and managcment ofhiccups in the patient w!th ad-
• LEITURA RECOMENDADA vanc:ed O....... /. SupporL Ont:o/., 2009; 7:122-JO.
Payne, BR. Tid, RL. Payne, MS, Flsch, B. Vagus ncrve stimulation for chronlc
Alagirisamy, 1\, Hardas, SS. )ayanunan, S. No'-.1 colorilmlric sensor for oral lnrraetable hiccups: Case report./. Nt'IITOSW8·• 2005; 102:935-7.
malodour. Ano/. China. &1<1 2010; 661:97- 102.
Quirynen, M, Dadamio, ~ Van den Vdde, S et o/. Cbaractcristics of2000 patients
Berk, I E. Gu. Em: Haubrich, WS. SchaJrn<r, F, Berk. JE. Bodcus Gastroontcol·
who vlsited a hall1osis clinic. }. Oin. Pmodontol., 2009; 36:970-5.
ogy, 5th ed., Pbiladelphia, W.B. Saund~ 1995.
Gucland, C, Similowski, T, Bizec, JL et al. Baclofen thcrapy for chronic biccup. Se.rin, E. Gumurdulu. Y, Kayasclcuk, F et ai. Halltosis in paticnts wlth Htllco-
Eur. Rnp./., 1995; &235-6. bacter pylorl-positive non-ulcer dyspepsia: an indication for eradlcation
Hemmink, GJ, Bredenoord, AJ, Weusten, BL et ai. Supragastric belching in therapy1 Eur.J. lnttrn. Mtd., 2003; 14:45-8.
pallents with rcflux syrnptoms. Am.f. Gastro•nterol., 2009; 104:1992-7. Strickland, SA & Berlln, JD. Hiccups: Underappreciated and Underrecognius.
Hemmink, GJ, Weusten BL. Bredenoord, AI et ai. Aerophagla: excessive air j. Support. Oncol., 2009; 7:128-29.
swallowing demonstrated byesophageal impedance monltoring. Clin. Gas- Tomlim, ), Low!s, C. Reed, NW lnvestigation of normal Oatus prodution In
troent•rol. Hepato/., 2009: 7:1127-9. healty volun1ees. Gut, 1991; 32:665-9.
Lcvln, MO, Furne, J, Acolus, MR, Suarez. FI. Evaluatlon of an extremcly flatu· Walker, P, Watanabc, S. Bruera, E. Badofen, a treatment for chronlc: hlecup. j.
lent pa!lcnt. Am./. Gastroen~rol.. 1998; 93:2276-31. Pain Symptom Managt, 1998; 16:125·32.
Lcwis, )H. Hiccups: Reasonsand 1\emedies. Em: Lcw!J, JH. A pbannacologicap- Wllcox. SK. Garry, A, Johnson, MJ. Novd Use of Amantadine: To Trut Hle-
proach 10 pstrointcstinal disorders. Baltimore, WliiJanu & Willcins, 1994. eups, }. PQ/n Symptom ManGgt, 2009; 3:460-5.
s Alterações Motoras do
Aparelho Digestivo
Ricardo Guilherme Viebig

O termo motilidade digestiva foi criado com a ideia de que o mento e cruzamento das informações. Com o advento do mi-
fluxo de alimentos pelo lúmen gastrintestinal dependeria da croprocessador e da miniaturização das sondas manométricas
força exercida pela musculatllra sobre o conteúdo, impulsio- ou dispositivos de mensuração, como o de pH, de temperatura,
nando-o mais rápida ou mais lentamente. Embora o conceito de atividade elétrica etc., passamos a quantificar melhor e a ob-
explique o efeito final, os fenômenos motores do tubo digestivo servar por tempo mais prolongado. Outros métodos foram se
são complexos e dependem do local do trato que está sendo par- somando a esses, tais como a cintigrafia, a ultrassonografia e a
ticularizado, pois enquanto em llffi ponto a contração significa ressonância magnética, tornando a compreensão dos eventos
propulsão ou movimento, em outro pode acarretar parada ou na motilidade digestiva mais clara e propiciando conhecimen-
obstáculo ao flllXo. tos que avançam a passos largos.
Desde os estudos pioneiros de Cannon, no início do século, Os patologistas, bioqulmicos e fisiologistas, de uma maneira
utilizando-se da radioscopia, foram definindo-se padrões de geral, contribulram para o conhecimento da importância da
comportamento normal de várias seções do tubo digestivo. O fisiologia celular não só da mucosa, mas também dos plexos
esôfago apresentava contrações dependentes da introdução de nervosos intestinais e de sua interação com o sistema nervoso
alimentos na sua lllZ. ao contrário do estômago e intestino del- centraL Identificaram-se hormônios, peptidios, neurotransmis-
gado, que se contraíam ou relaxavam independentemente de sores, que interagem e contribuem para o controle da atividade
seu conteúdo. muscular, secretória e absortiva do tubo digestivo.
A observação continua, sob diferentes situações de alimen- O reconhecimento dessa atividade interligada entre o siste-
tação, mostrou que o conteúdo do lúmen intestinal poderia ma nervoso entérico, a musculatura do tubo digestivo e a enor-
influenciar a força e a frequência desses movimentos. Além me superficie de contato com o meio externo, a mucosa, fez
disso, foram assinaladas situações em que o trato intestinal, da motilidade digestiva um termo pouco abrangente, que vem
influenciado por alterações patológicas próprias ou sistêmi- sendo substituído pela denominação neurogastrenterologia, a
cas, mudava o seu comportamento, pela alteração das forças qual procura englobar todos esses conceitos.
responsáveis pelo movimento. Pelo exposto, pode-se depreender quão complexo é o en-
Portanto, abria-se diante dos observadores uma gama tão tendimento da atividade motora do aparelho digestivo. A ex-
ampla de possibilidades que sua curiosidade e imaginação fi- posição e a discussão de qualquer tema sobre essa área sempre
cavam extremamente excitadas. Mas alguns empecilhos cria- envolverão conhecimentos atualizados sobre bioquímica, bio-
vam obstáculos para a resposta a esses fatos, pois a radiologia, logia celular, neurotransmissores etc. Neste capitulo, introdu -
método indireto e qualitativo, não permitia a observação por ziremos essas discussões na medida em que forem necessárias
período prolongado, além de ser deletéria à saúde. Um grande para tornar a leitura prática e objetiva.
impulso foi dado quando da introdução do estudo manomé-
trico e da eletromiografia em ensaios de laboratório. Naquele
momento, mesmo de maneira indireta, passou a ser possível • ANATOMIA NEUROMUSCULAR
ao pesquisador quantificar a força e a frequência das contra-
ções da musculatura lisa do tubo digestivo, seja pela alteração DO APARELHO DIGESTIVO
da pressão exercida no dispositivo medidor, colocado no lú-
men intestinal, seja pela mensuração dos potenciais de ação que O tubo digestivo se dispõe ao longo do tórax e abdome,
desencadeiam a contração muscular. A manometria permitia estreitando-se ou alargando-se conforme a sua função.~ com-
observações por perlodo prolongado e sob diferentes situações posto basicamente de duas camadas musculares lisas, sendo
de estímulo ou inibição. a interna circular e a externa longitudinal. Em sua superficie
Ainda assim, esses métodos eram limitados não só pela difi- externa (lúmen, em contato com o meio externo), é recoberto
culdade de posicionar o dispositivo longe das extremidades do por um epitélio, que também varia em sua composição, de-
trato intestinal, como também pela capacidade de armazena- pendendo da função que exerce em local especifico, e em sua

46
Capftulo 5 I Alterações Motoras do Aparelho Digestivo 47
superfície interna, exceto no esôfago e reto, é envolvido por células de Cajal, o verdadeiro reservatório regulador deste neu-
uma serosa. Em determinados pontos desse trajeto, geralmente rotransmissor. Os recentes conhecimentos adquiridos sobre a
separando-os por função, encontraremos formações especiais ação da serotonina e a produção de medicamentos agonistas e
dos músculos, os esfincteres, que funcionam como válvulas de antagonistas estão trazendo um novo horizonte para o controle
acesso para a progressão do conteúdo. Esses esfíncteres, como de doenças conhecidas como distúrbios funcionais.
veremos, são controlados por influência neuro-hormonal, às Inúmeros peptídios, produzidos em vários pontos do apa-
vezes pelo sistema nervoso central (SNC) por via simpática ou relho digestivo, têm sido identificados e descritos exercendo
parassimpática, ou por controle próprio do sistema nervoso en- variadas funções, destacando-se entre eles glucagon, colecis-
térico (SNE), ou, ainda, por ambos. Nas extremidades superior tocinina (CCK), secretina, bombesina, neurotensina, gastrina,
e inferior, a participação da musculatura estriada é fundamen- peptídio intestinal vasoativo (VIP), peptíd io inibidor gástrico
tal para a sua função. (GIP), dentre tantos outros.
Por muitos anos, acreditou-se que os movimentos intestinais
fossem influenciados apenas pela ação do SNC, principalmente
pela ação do nervo vago, com suas fibras adrenérgicas e coli- • M~TODOS DE ESTUDO DA
nérgicas, aferentes e eferentes. Por sua intervenção, ocorreriam
movimentos pró- e contra fluxo. Pela observação de modelos MOTILIDADE DIGESTIVA
desnervados, deduziu-se e reconheceu-se que grande parte des-
ses movimentos estaria fora desse controle, desenvolvendo-se O estudo dos movimentos intestinais pode ser realizado por
o conceito do SNE, composto pela imensa rede neural existente meio de métodos especializados para determinados órgãos ou
nas camadas musculares e submucosa do tubo digestivo, em doenças. A seguir, descreveremos esses métodos, suas indica-
conjunto com os plexos ganglionares de Meissner e Auerbach ções e limitações.
e dos gânglios mesentéricos paravertebrais. Estas duas últimas
redes formam um sistema tão complexo quanto o SNC, tendo • Radiologia
seus próprios mediadores e com capacidade de gerar impulsos
elétricos fásicos, determinando padrões de comportamento ~o mais conhecido e mais antigo método utilizado. Em-
(Figura 5.1). A presença destes é fundamental para a peris- bora qualitativo e indireto, é, em geral, o primeiro a ser usado
talse. Sua deficiência ou ausência deter mina síndromes im- quando da análise de qualquer local do trato digestivo. Abran-
portantes, como na doença de Chagas ou na aganglionose de gendo desde a radiografia simples do abdome até os métodos
Hirschsprung. modernos de videofluoroscopia para deglutição ou defecação,
Seus mediadores principais são a acetilcolina e a epinefri- a radiologia pode orientar o clínico, apontando que alteração
na. Algumas ações que não eram explicadas pela sua ação, e está ocorrendo. Para o estudo morfológico, desde o esôfago até
que foram denominadas influência não adrenérgica não coli- o cólon, é o mais completo. A alteração da forma, ou até das
nérgica (NANC), hoje têm o óxido nítrico identificado como características contráteis do órgão, pode ser correlacionada com
neurotransmissor. A ação deste último tem sido considerada a patologia suspeita. Como exemplo, podemos citar a identi-
fundamental para a função dos esfíncteres, por exemplo. Mais ficação de ondas contráteis enérgicas no esôfago (esôfago em
recente, a identificação da serotonina ou 5-HT, e sua importân- quebra-nozes) ou dilatações extremas de sigmoide, como na
cia na motilidade jejunal e colônica fecharam o elo que faltava doença de Chagas. Como instrumento de avaliação funcional,
para entender melhor o mecanismo da regulação da contrati- exemplificamos o estudo do trânsito intestinal, seja pela coluna
lidade da musculatura lisa e a real finalidade da presença das de bário ou por pérolas baritadas. A evolução do método, alia-

musculatura circular

musculatura longitudinal
INTRINS ECO SNE EXTRINSECO

Figura s.1 Secção transversa do intestino mostrando a arquitetura do sistema nervoso entérico. complexos intrínsecos e extrínsecos e suas
interconexões.
48 Capftulo S I Alterações Motoras do Aparelho Digestivo

da à possibilidade de gravar as imagens em equipamentos de tridimensionais. Alguns estudos já acenam sobre minúcias do
alta definição (cinerradiografia ou videofluoroscopia), permite comportamento motor esofágico na acalasia e na sindrome do
agora a melhor compreensão de fenômenos rápidos e comple- refluxo gastresofágico.
xos como a deglutição e a evacuação. O videodeglutograma é a
arma propedêutica mais importante para o diagnóstico preciso
das causas de disfagia. O tratamento fonoaudiológico utilizado • Monitoramento prolongado
para a recuperação desta função é orientado e controlado por do pH intraesofágico
esta técnica. A cinedefecografia, a exemplo do videodeglutogra·
ma, pode demonstrar alterações da função evacuatória, seja de Essencial para a avaliação da doença do refluxo, a pHmetria
ordem anatômica ou funcional, como, por exemplo, retocele e esofágica tem sua aplicação ampliada pelo reconhecimento de
anismo, respectivamente. que essa sindrome tão comum na espécie humana manifesta-
se muitas vezes por sintomas atípicos, como nas otites e pneu-
monias de repetição, asma brônquica, dor precordial de ori-
• Manometria gem não coronariana e outras que serão discutidas no capitulo
A manometria consiste em medir as pressões exercidas pela pertinente.
contração de um órgão tubular sobre o sensor, que transmite O sistema medidor é semelhante a um sistema do tipo Hol-
sua intensidade a um aparelho registrador. Com a evolução da ter para eletrocardiografia. O senso r de pH é colocado por via
tecnologia, hoje podemos mensurar vários pontos simultane- nasogástrica a 5 em do esfincter inferior do esôfago e lá perma-
amente por períodos prolongados. Basicamente, os sistemas nece "lendo• as alterações do pH por 24 h ou mais, permitin-
convencionais dividem-se em estacionários e ambulatoriais. do que o paciente exerça suas funções habituais e se alimente
Os primeiros nos permitem analisar períodos curtos de tem- normalmente, dando a ideia do que realmente ocorre em ter-
po, utilizando sondas multifenestradas e perfundidas por água, mos de refluxo ácido, podendo-se correlacionar os sintomas
que servem de coluna de transmissão para a pressão exercida, do paciente anotando-os em um diário (Figura 5.2). ~ posslvel
semelhante a uma coluna de mercúrio em um esfigmomanô- colocar mais de um sensor, permitindo, por exemplo, anotar
metro. O sistema ambulatorial é composto por sistemas de es- refluxos para a orofaringe ou esôfago alto. Um sistema seme-
tado sólido, que são sensores eletrônicos que não necessitam lhante foi desenvolvido para o estudo do refluxo biliar para o
de perfusão; a pressão exercida sobre uma membrana é "lida• estômago e esôfago, utilizando-se um sensor ótico que mede
pelo sensor, e o sinal eletrônico é enviado a um gravador ou a o comprimento de onda relativo à bilirrubina (BILITEC). Po-
um computador. demos utilizar os dois métodos concomitantes para a avalia-
Até há algum tempo, somente o esôfago e a região anorretal ção do refluxo misto, uma vez que recentes estudos mostram
eram estudados por meio desse método, dai sua gama de apli- que a ação deletéria do refluxo alcalino é potencializada pela
cações práticas ser mais conhecida. Porém, esse quadro tende presença do ácido.
a mudar, pois a região antroduodenal, o intestino delgado e o Atualmente, tem-se à disposição a pHmetria sem fio. O sen-
cólon também têm sido alvos de pesquisas, e os primeiros pa- sor, em forma de cápsula, é aplicado ao terço inferior do esôfago
drões de normalidade e de determinadas patologias passam a por meio de fixação por grampo. Envia a um receptor portátil,
ser reconhecidos; em breve teremos indicações precisas para o por radiotelemetria, alterações do pH intraesofágico da mesma
diagnóstico e para avaliar a eficácia de um tratamento. forma que a pHmetria habitual. De uso único, desprende-se em
A manometria de intestino delgado e de cólon tem crescido torno do quinto dia após sua aplicação, sendo perdido com as
de importância nos centros de pesquisa, e não tardaremos a ter fezes. Dá maior liberdade ao paciente, pois o aparelho receptor
aplicações práticas para o seu uso. O reconhecimento de pa- pode ficar até a uma distãncia de 3 m, permitindo menos in-
drões como do complexo motor migrante (CMM), de atividade terferência estética ou desconforto faríngeo, que são as queixas
pós-prandial do intestino delgado ou do movimento de massa mais comuns dos pacientes submetidos à pHmetria convencio-
do cólon são alguns exemplos de momentos fisiológicos que até nal. Suas principais limitações. por enquanto: está validado so-
há pouco tempo eram dificeis de mensurar. A manometria de mente para adultos, tem um custo 10 vezes superior ao método
intestino delgado avança na direção de explicar os fenômenos tradicional, sua aplicação é mais trabalhosa, há possibilidade
motores da slndrome do intestino irritável, dando ideia de que da perda da cápsula antes do término do exame e exige vasta
ocorrem momentos de incoordenação por provável alteração experiência do médico, pois não é isento de risco.
do SNE e com participação do SNC.
As limitações desse método dependem de sua disponibili- • Cintigrafia
dade aqui no Brasil, mas o número de centros que contam com
tal equipamento vem crescendo de maneira geométrica, pois os A cintigrafia na avaliação funcional do aparelho digestivo
custos vêm diminuindo. A necessidade de realizar uma mano- é de extrema importância, pois podemos utilizar um alimento
metria esofágica antes de uma cirurgia de refluxo para avaliar marcado e observar o seu trajeto pelo tubo digestivo. Podemos
a função do órgão, ou de pesquisar a capacidade contrátil de estudar também, por exemplo, a excreção pelo sistema biliar,
um complexo esfincteriano anorretal ao se avaliar um caso de identificando discinesias da vesícula biliar. Esta técnica tem se
incontinência, são exemplos práticos de patologias comuns ao mostrado extremamente útil na determinação de transtornos
dia a dia de um gastrenterologista. do esvaziamento gástrico. Sua aplicação, no entanto, é de alto
Um aprimoramento desse método vem sendo lentamente custo e poucos centros dispõem dessa tecnologia no Brasil.
incorporado ao arsenal propedêutico: trata-se da manometria
de alta resolução. Em vez de apenas oito sensores, utilizam-se
32 a 64, ampliando-se a sensibilidade do método, assim como
• Eletromiografia
sua representação gráfica, uma vez que as ferramentas de cál- Com aplicação prática limitada e pouco acessível, tem in-
culos gráficos permitem a representação dos fenômenos mo- dicação precisa para disfunções do sistema muscular estriado,
tores (contrações e relaxamentos) por meio de cores e figuras principalmente nas disfunções da deglutição e da defecação.
Capftulo 5 I Alterações Motoras do Aparelho Digestivo 49
.....................................................................: .:.: . ···!
p p pp pp pp .
pH Channel 1 : nH
10
9 ......................................................................................................... ..

~ ~~;:;~
::·:· : :.:f~~ 4?·:~ . :.
4 .......................... ~p::::: :: .
·.
:·: :·:.-.::::~·~~i-±.~; :~i:·:::::F.?.
...
« ....... .................................. .................
3 . . . . .. . . . . . ... ... ... . ....... . . .. .... ..... . ....... . ............... .
2 . .... .. ..... ...... . ... .. ......... .. ............. .. ......... .. .......... ..
1 ................ .
o
pH Channel 2 : pH
g .............. ..
7
6 ... .. .. .... :rf.-<1.JI.Yitl~ ..... .
5
<1. . ·:. . ~i ~~·.:·:::·.::·.::·:1. . . ::·.·::: ............
3
2 .........V:...............................
l.
o~~~~-L~~~~~-L~~~~~~-L~~~~uw~~~~

l. 2:00 l. 2:20 l. 2: 40 l. 3: 00

Figura 5.2 Intervalo de 1 h de exame de pHmetria de dois canais, mostrando refluxos ácidos e sintomas assinalados pelo paciente (p 5 pirose)
pelas barras transversais.

ções desse método são as possíveis variações da posição gástrica


• Ultrassonografia e de influências elétricas de órgãos musculares próximos. No
Tem encontrado o seu lugar na avaliação funcional do esva- entanto, tem sido interessante acompanhar a evolução do mé-
ziamento gástrico, da vesícula e na visualização da arquitetura todo, que, além de simples e confortável, pode explicar o com-
muscular dos esfincteres anais. Como é limitada pela presença portamento de s!ndromes como a da dispepsia não ulcerosa e
do ar, o desenvolvimento de contrastes específicos poderá acres- da gastroparesia diabética, dentre outras.
centar detalhes morfofuncionais de outras áreas. Para exem-
plificar, divulgaram-se recentemente estudos sobre o esfincter
inferior do esôfago e sobre o refluxo duodenogástrico com a • lmpedanciometria intraluminal
aplicação do efeito Doppler na região do piloro. O princípio da impedanciometria esofágica baseia-se nas
alterações da condutividade elétrica diante do conteúdo do
• Detecção química do trânsito intestinal bolo esofágico. Quanto maior o número de íons no conteúdo,
maior é a condutividade elétrica. Ao longo de um cateter, são
Utilizando-se uma substãncia que sabemos não ser digerida colocados vários sensores, que, distanciados entre si, tradu-
pelos sucos digestivos, a lactulose, por exemplo, e que sofra ação zem as alterações da condutividade elétrica, dando a direção
digestiva da flora intestinal, liberando metabólitos, no caso hi- que o bolo intraluminal percorre. Daí depreende-se que tanto
drogênio, e por sua mensuração no ar expirado antes e depois
refluxos como fluxos podem ser registrados, inclusive durante
da ingesta, em intervalos determinados, podemos obter uma
um longo período, à semelhança do que se realiza com a
curva de tempo de chegada ao intestino grosso e o tempo para
pHmetria. Mais ainda, podem-se acoplar os dois métodos si-
sua metabolização. Por meio de comparação com indivíduos
multaneamente, validando a presença do refluxo e o valor de
normais, podemos depreender se há alterações da composição
da flora intestinal ou da velocidade de trãnsito. Esse método, seu pH. O método parece promissor, permitindo também que
pouco disponível em nosso meio, é utilizado principalmente em seja simultãneo à manometria. Pode contemplar, de certa for-
pesquisas. Dispositivos portáveis e com preços mais acessíveis ma, toda a investigação do refluxo gastresofágico, indepen-
dente de suas características físicas, não necessitando de dietas
estão sendo disponibilizados nos últimos anos e serão extre-
mamente úteis para o diagnóstico de intolerâncias específicas, especiais. As limitações do método são, por enquanto, o custo.
como, por exemplo, lactose e frutose, estudo do tempo de trân- Pesquisas mais exaustivas são necessárias, pois a maioria das
sito intestinal e determinação da presença de supercrescimento possibilidades diagnósticas já é atendida por outros métodos já
bacteriano do intestino delgado. descritos e as indicações parecem limitar-se à suspeita de reflu-
xo não ácido. Trabalhos recentemente publicados na literatura
sobre o uso da pH impedanciometria vem ampliando nossos
• Eletrogastrografia conhecimentos sobre a doença do refluxo gastresofágico e suas
O estômago tem uma atividade mioelétrica intensa e uma variáveis. Fala-se com mais liberdade sobre a ação deletéria do
posição razoavelmente fixa no abdome. ~ possível, por meio refluxo não ácido, que é facilmente identificado por este méto-
de sensores colocados na parede abdominal externa, mensurar do, e também acerca da presença do refluxo não tão ácido (pH
a atividade elétrica do órgão. São reconhecidos padrões típicos menor que 6) que igualmente pode ter ação patológica sobre
como taquigastria, bradigastria, incoordenação etc. As limita- a mucosa esofágica.
50 Capitulo 5 I Alterações M otoras do Aparelho Digestivo

fagia. A manometria tem dificuldades para estabelecer o defeito


• ALTERAÇÕES FUNCIONAIS mais comum, que é a estase ou aspiração laringeal. O ideal é
DO APARELHO DIGESTIVO utilizar-se da videofluoroscopia para a avaliação das possíveis
alterações. A manometria pode avaliar a função do esfíncter
O fluxo pelo sistema digestivo pode sofrer influência de superior do esôfago (ESE) e, principalmente, a coordenação
afecções sistêrnicas ou de doenças específicas de determinado faringoesofágica.
órgão ou de parte dele. Portanto, discorreremos sobre essas O ESE deve relaxar-se imediatamente antes da entrada do
situações, individualizando cada órgão específico do tubo di- alimento e, após sua passagem, deve contrair-se vigorosamente,
gestivo, detendo-nos, à medida do necessário, em algum con- permanecendo fechado até a próxima deglutição. A ausência
ceito fisiopatológico. desse relaxamento, ou sua ocorrência em tempo igual ao da
contração, leva ao impedimento da deglutição. Tal fenômeno
pode ser mais bem observado pela videofluoroscopia conhecida
• DEGLUTIÇÃO também por videodeglutograma.

A maioria dos compêndios de gastrenterologia abre suas


páginas descrevendo o aparelho digestivo como se este se ini- • ESÕFAGO
ciasse no esôfago. Ora, o processo alimentar na verdade come-
ça com a mastigação, salivação e deglutição. Com frequência, Orgão tubular, de cavidade virtual, composto por duas ca-
vemos pacientes portadores de disfunções digestivas que são madas musculares lisas completas, sofre a influência impor-
dependentes de uma boa função mastigatória, como naqueles tante, na sua porção superior, dos músculos estriados, que
portadores de prótese ou lesões neurológicas centrais. Sabemos o auxiliam no processo da deglutição, formando o esfíncter
que o processo da digestão começa com o olfato e a visão dos superior do esôfago. Sua função de permitir a passagem do
alimentos (fase cefálica), a seguir o paladar, estimulando a sali- alimento está integrada aos movimentos da laringe e faringe,
vação, as secreções gástrica, biliar e pancreática Uma eficiente impedindo o acesso do conteúdo alimentar para a árvore res-
mastigação prepara o bolo alimentar, misturando- o à saliva e piratória. Da mesma forma, impede a ingestão de ar durante
colocando-o em contato com a amilase salivar. a inspiração.
Essa área tem sido objeto de atuação e integração de vá- Tal controle é feito exclusivamente por fibras vagais exci-
rios especialistas, como otorrinolaringologistas, neurologistas, tatórias, sujeitas ao centro da deglutição da medula. Uma vez
fonoaudiólogos. Têm sido trocadas experiências produtivas desencadeada a deglutição, há uma ativação sequencial das uní-
que, com certeza, produzirão frutos nesta década. Identíficar dades motoras intrínsecas em direção craniocaudal, no processo
uma disfagia orofaríngea pode evitar pneumonias por aspira- conhecido como peristalse esofágica primária
ção, a desnutrição, entre outras situações. Assim, as afecções motoras do esôfago podem ser dependen-
A avaliação da deglutição depende da compreensão da com- tes de situações que afetem a contração ou o relaxamento da
plexa sequência de eventos controlados pelo sistema nervoso musculatura estriada ou lisa e encontram-se descritas no Qua-
central basicamente. Após a mastigação, o bolo alimentar é dro 5.1. Por vezes., ambos os sistemas musculares podem estar
impulsionado pela língua, ocorrendo a introdução do bolo ali- envolvidos, como nas neuropatias e doenças do colágeno.
mentar na oro faringe. Simultaneamente, há aumento da pressão Podemos também classificar os distúrbios motores do esô-
da língua sobre o palato mole, fechando a rinofaringe, e, pela fago de acordo com sua origem, sendo primários, se exclusivos,
elevação da laringe, fecha-se a glote, ocorrendo a abertura do ou secundários, se decorrentes de doença sistêmica.
esfíncter superior do esôfago, permitindo assim a passagem do .,. Primários. Acalasia; espasmo esofágico difuso; esôfago
alimento para o esôfago. Ao nível do SNC, quando o centro de em quebra-nozes; hipotonia e hipertonia do esfíncter inferior;
controle da deglutição é envolvido, ao nível da ponte e medula distúrbios motores inespecíficos.
ou do núcleo motor dos nervos craniais, há uma total inabi- 11> Secund ários. Doença de Chagas; doenças neurológicas ou
lidade para iniciar uma deglutição. Nos acidentes vasculares musculares (Parkinson, rniastenia, acidente vascular cerebral);
unilaterais, poderíamos presumir que, uma vez sendo a iner- colagenoses (esclerose sistêmica progressiva); endocrinopa-
vação bilateral, não ocorreriam díficuldades para o controle da tias (diabetes, hipotireoidismo ); pseudo-obstrução intestin al
deglutição. Porém, em cerca de 50% dos casos, pode haver dis- crônica.

-----------------------T----------------------
Quadro5.1 Afecções esof~gicas dependentes dacontratilídade

Relaxamento Contração

Excessivo lnad~uado Excessiva lnad~uada

ESE Septo cricofarfngeo


(Diverticu lo de Zencker)
CORPO Espasmo difuso Desordens espásticas Acalasia
Acalasia vigorosa Esclerodermia
ElE DRGE Acalasia Acalasia DRGE
Desordens espásticas Esclerodermia

DRGE: dO<!nça por reftuxo gastresof~ico; ESE: esfincter superior do esôfago; ElE: esffncter inferior do esôfago.
Capftulo 5 I Alterações Motoras do Aparelho Digestivo 51

ligado somente à pressão exercida pela plastia gástrica em torno


• Diagnóstico do esôfago, ou de seu comprimento, mas sim à diminuição da
O diagnóstico dos distúrbios motores do esôfago baseia-se capacidade de distensão do fundo gástrico.
no quadro clínico e pode ser confirmado por exames já mencio- O refluxo crônico pode acarretar processo inflamatório ao
nados (raios X, manometria, cintigrafia, videofluoroscopia). nível do esôfago distai, e, com frequência, observamos alte-
As principais manifestações clínicas são disfagia, dor toráci- rações da peristalse decorrentes desse processo. Atualmente,
ca retroesternal e pirose. A dificuldade em efetuar a deglutição pode-se afirmar que os distúrbios da contratilidade do corpo
fornece indicies de que doenças sistêmicas, notadamente neu- esofágico, tanto para a hipermotilidade (esôfago em quebra-no-
rológicas, podem estar ativas, sendo por vezes a sua primeira zes) como para a hipomotilidade, associam-se com frequência
manifestação. Uma vez estabelecido que não existe dificuldade à doença do refluxo. Tais efeitos podem provocar dor torácica
para a passagem do alimento, pode-se inferir que há impedi- e disfagia.
mento do transporte do alimento até o estômago. Com o advento da técnica videolaparoscópica para a corre-
No corpo esofágico, detectamos desde aperistalse até ondas ção da doença do refluxo, a cirurgia tem sido mais indicada, e
de contração com grande amplitude e duração. O ElE deve per- cresce com isso a indicação da manometria pré-operatória, que
manecer em seu estado de repouso, isto é, contraído, impedindo pode evidenciar a ocorrência de doença sistêmica ou de aca-
a passagem do conteúdo gástrico para o seu interior. Uma vez lasia, que tornaria a operação desastrosa, com evidente piora
iniciada a deglutição, deve-se relaxar por alguns segundos até a dos sintomas esofágicos.
passagem do alimento, fechando-se em seguida com o retorno A utilização de técnicas mais modernas, usando-se catete-
de seu tônus de repouso. res de estado sólido, permite a observação prolongada do pe-
Em um exame mano métrico habitual, observamos pelo me- ristaltismo esofágico, conseguindo-se diagnosticar alterações
nos três pontos simultâneos, distanciados entre si no mínimo inconstantes da motilidade esofágica e correlacionando-se es-
5 em. Em indivíduos normais, podemos observar uma onda ses distúrbios à dor precordial atípica, opressão, sensação de
peristáltica que percorre o esôfago em uma velocidade entre globus etc.
3 e 5 em por segundo. A duração da onda é curta, 1 a 1,5 s, e
sua amplitude média na região central do esôfago atinge, em • Aco/osio
média, 70 mmHg. A onda peristáltica atinge o ElE cerca de 5 se- A acalasia primária ou idiopática em pouco difere da que
gundos após a deglutição. Essas medições podem variar depen- ocorre na doença de Chagas, à exceção de que, na segunda,
dendo do material deglutido e da frequência das deglutições. conhecemos o agente etiológico. Há destruição dos neurônios
Por meio da observação desses três momentos, o observador do plexo mioentérico esofágico, e, quando encontramos algum,
pode concluir qual a alteração de peristalse e inferir o possível geralmente está cercado por células inflamatórias mononu-
diagnóstico etiológico. No Quadro 5.2, enumeramos as prin- cleares.
cipais afecções e seus achados manométricos. Essa desnervação acarreta dois fenômenos principais: au-
sência ou pouco relaxamento do ElE, e falta de peristalse ao
• Relaxamento transitório de ElE nível do corpo.
Embora seja de indicação di agnóstica relativa para a doença Suas manifestações clínicas principais são disfagia, regurgi-
do refluxo, a manometria tomou-se importante quando da de- tação, perda de peso e desconforto retroestemaL
cisão cirúrgica para a correção da hérnia de hiato e da esofagite Mais urna vez, o estudo radiológico deve ser o primeiro exa-
de refluxo. Sendo basicamente uma alteração da competência me a ser pedido para confirmação diagnóstica, observando-se
do EIE, intuitivamente se poderia esperar urna pressão baixa geralmente o afilamento da porção final do esôfago e a dilatação
do esfincter como característica dessa afecção. No entanto, isso do corpo, que pode ser mais intensa, dependendo do tempo de
não é necessário, e, na maioria dos casos, não é necessária uma existência da doença.
correlação direta entre a pressão do esfincter e a ocorrência do O tratamento da acalasia depende do grau de dilatação em
refluxo. Isso acontece principalmente em decorrência do au- que o esôfago se encontra. Em estágios mais iniciais, pode-se
mento de duração e frequência dos relaxamentos transitórios realizar a dilatação com balões pneumáticos, ou, mais mo-
que ocorrem de maneira fisiológica, sobretudo após a alimen- dernamente, embora tema controverso, com a injeção de to-
tação, pelo estímulo provocado pela distensão do fundo gástri- xina botullnica ao nivel do ElE. Ambos os tratamentos são
co. O mecanismo pelo qual a valvuloplastia funciona não está paliativos, mas de certa forma permitem que o paciente vol-
te a alimentar-se. Não há melhora do comportamento motor
do corpo esofágico, e a descida do alimento é decorrente da
---------------T--------------- ação da gravidade. Em pacientes idosos ou extremamente des-
nutridos, permitem que eles recuperem o estado nutricional
Quadro 5.2 Arnados manométricos da.sprincipais para posterior cirurgia. Em casos mais avançados, somente a
afecções motoras do esôfago cirurgia corrige o problema, propondo-se a esofagoplastia de
Heller para casos iniciais e a esofagectomia com interposição
Acaia si a - Relaxamento i ncompleto ou ausente do ElE. Aperistalse do
de cólon, ou anastomose gastresofágica alta, no megaesôfago
corpo (contrações si multâneas, efeito de cavidade única).
avançado.
Espasmo Esofágico Difuso - 20% ou mais de contrações simultâneas.
Relaxamento completo ou incompleto do E.IE.
• Espasmo esofágico difuso
Esôfago em Quebra-Nozes - Ondas peristálticas com amplitude média A dor torácica, semelhante àquela da angina de peito, é en-
maior q ue 180 mmHg. ElE hipertônico (pressão de repouso 45 mmHg).
contrada em diversas alterações de motilidade do esôfago. Mui-
Distúrbio Motor lnespttdfico - Quando não o enquadramos dentro das tas denominações são utilizadas para descrever a manifestação
anormalidades descritas. (In coordenação, às vezes ondas simultâneas clínica: espasmo difuso, esôfago em quebra-nozes, hipertensão
ou peristalse incompleta, ondas de duração aumentada, relaxamento
incompleto isolado.)
do ElE, distúrbio motor não específico, entre muitas outras.
Por vezes, encontramos a alteração motora aos raios X e não há
52 Capitulo 5 I Alterações M otoras do Aparelho Digestivo

manifestação clínica, e vice-versa. O achado manométrico por dos com drogas específicas. Usamos frequentemente a nitro-
vezes também não corresponde à manifestação clínica, mas os glicerina (0,4 mg sublingual), o dinitrato de isossorbida (10 a
achados mais comuns são: contrações simultâneas pós-deglu- 30 mg, 2 vezes/dia), a hidralazina (25 a 50 mg, 4 vezes/dia),
tição; contrações repetitivas; contrações espontâneas; ondas de o nifedipino (10 a 30 mg, 4 vezes/dia), o diltiaz.em (90 mg, 4 ve-
longa duração e alta amplitude; esfíncter inferior hipertenso; zes/dia) e medicamentos antidepressivos e antidistônicos, com
relaxamento incompleto do ElE. dose ajustada a cada paciente.
Na verdade, o mais importante é o seu reconhecimento, pois Alguns achados típicos manométricos estão demonstrados
com frequência vemos pacientes sendo tratados como corona- nas Figuras 5.3 a 5.5.
rianos quando, na realidade, estão tendo manifestações clínicas
de dismotilidade esofágica. Os quadros clínicos de ambas as
doenças se parecem, uma vez que, se em geral são desencadea- • ESTOMAGO EDUODENO
dos pelo exercício físico, podem irradiar para a região cervical,
cotovelo e antebraço esquerdo e melhoram com nitroglicerina O estômago recebe a alimentação e a estoca; transforma ali-
sublingual. Para complicar, o inverso também é comum, exis- mentos em partículas; mistura seu conteúdo com saliva, pepsina
tindo concomitância das duas doenças, que afetam o mesmo e ácido clorídrico; tem a qualidade de discriminar sólidos, líqui-
biotipo de pacientes e a mesma faixa etária. dos, gorduras e proteínas no seu conteúdo; tem a propriedade
Uma vez presumido o diagnóstico e afastada a causa car- de selecionar o qui mo e permitir sua passagem para o duodeno
diológica, deve-se primeiro realizar a radiografia contrastada em uma proporção adequada para a digestão.
do esôfago. Com frequência, poderemos observar a alteração Do ponto de vista funcional, podemos dividir o estômago em
motora. Se não resultar positiva, ou para melhor caracterizar a duas partes: proximal, constituída pelo fundo e terço superior
dismotilidade, o exame de escolha é a manometria, ambulato- do corpo gástrico, e distai, formada pelo terço dista! do corpo
rial ou prolongada, sendo esta última mais adequada quando e antro. Ao se iniciar a deglutição, o estômago se relaxa via re-
os sintomas são atípicos e com sinais manométricos ambula- flexo vaga!, para acomodar o conteúdo que chega. À medida
toriais negativos. que o estômago vai se preenchendo, mais relaxamento ocorre
Os testes provocativos, como o de Bemstein, do cloreto de para acomodação e adaptação à pressão intra-abdominal. Ao
edrofônio e outros, têm valor relativo, pois nem sempre há final da ingesta, inicia-se o processo de contração dessa região,
correlação ou reprodutibilidade. enviando o alimento para o estômago dista!, que inicia movi-
O tratamento das alterações da contratilidade esofágica tem mentos propulsivos fásicos, em média três por minuto. Nessa
sido frustrante no que diz. respeito à uniformidade de resulta- região, o alimento é misturado e reduzido a partículas menores.

..
J. ""
••
...,
50

2 ..""'
00
o
.......,
3
.. ••
52 ·

4
.. ...,
••

..
s ...zo
o

..
6
••~·
..
7
••••

...••
8

••
Figura 5.3 Manometria esofágica normal de oito canais. O canal 1 corresponde ao controle de deglutição, e o canaiS, ao de respiração. O
canal2 está posicionado ao nível do ESE, e os restantes (3, 4, S. 6 e 7) ao nível do corpo, distanciados por 5 em. Notar a onda peristáltica pós-
deglutição que se propaga ao longo do esôfago.
Capftulo 5 I Alterações Motoras do Aparelho Digestivo 53
'49w<2>

..
3 orl
,..
00

...
50

••
••
10

.. .,•,.•
4

••
""
••
••
10

5
* .••.
,.
801

,
·- 12 .

••
••
ID

• .. ... -----------------
.....,.,
6
.. ·-.1;0 .

.
••
,••
••
-56

••
ID


Figura 5.4 Manometria de esôfago de quatro canais em paciente chagásico com megaesófago. Sensores distanciados 5 em. Notar as ondas
simultâneas (efeito de câmara única).

..
J. '""'
••
•••• deglutição ·

2 ..
""'
••
.. '"''"••
3

.. ..,...
4
SOl

.. ..••
5

6
* ••
••
.
D

..
7 ,
••
8 100
•• ------.--- ..
Rgura 5.5 Manometria em paciente com doença do refluxo. Notar ondas de grande amplitude e duração, caracterizando esôfago em quebra-nozes.
54 Capftulo S I Alterações Motoras do Aparelho Digestivo

O piloro se abre, permitindo a passagem dessas partículas, e, T ---


dependendo do seu conteúdo químico e de sua osmolaridade, Quadro SJ Prindpais causas de dismotilidade gastrojejunal
existe perviedade para quantidades maiores, adaptando-se o
duodeno para efetuar o seu papel no processo digestivo, como Doenças que afetam o controle neurológico da motilidade
o ponto de encontro entre o alimento, o suco gástrico e as se- Infecções virais: rotavlrus, adenovírus, citomegalovírus e herpes simples
creções, biliar e pancreática. Diabetes
Amiloidose
Esse processo que acabamos de descrever é influenciado por Neurofibromatose
neuro-hormônios tais como a gastrina e a colecistocinina. A Neuropatia paraneoph\sica
ação do marca-passo gástrico (localizado no fundo gástrico), Pseudo·obstruç!o Intestinal crOnica idiopática
que envia potenciais de ação ao longo do estômago, fazendo a Distrofia miotOnlca
Doença de Parklnson
musculatura lisa se contrair e relaxar fisicamente, também inte- Transecç!o traumática da corda espinal
rage e sofre influências neuro-hormonais. A atividade duodenal
Doenças relacionadas com a ingestão
depende, então, da presença do qui mo e dos esúmulos elétricos Anorexia nervosa e m6 nutriç!o
gerados pelo SNE (sistema nervoso entérico). Bulimia
Como vimos nessa rápida descrição da fisiologia motora Obesidade
gastroduodenal, podemos assimilar a complexidade dos fenô- Doenças relacionadas com o tecido conjuntivo
menos nesses órgãos e os vários locais de anormalidades que Esclerose sistêmlca progressiva
podem ocorrer para a sua disfunção. Poli e dermatomlosite
Os métodos utilizados para a avaliação da motilidade gas- Oispepsias acompanhadas ou náo de doença ulcerosa péptka
troduodenal incluem desde a tradicional radiografia contras-
tada até a eletrogastrografia, passando pela manometria e pela
cintigrafia.
A radiografia contrastada traz informações qualitativas e
indiretas sobre a função gástrica. !?. o método utilizado com • DISTÚRBIOS MOTORESDO TRATO BILIAR
maior frequência por sua facilidade de execução e disponibi- A regulação do fluxo da bile para o duodeno envolve a in -
lidade. Do ponto de vista acadêmico, a cintigrafia é o método teração da motilidade da vesícula biliar, do dueto biliar e do
de escolha para avaliar uma disfunção do esvaziamento gástri-
esfíncter de Oddi Essas funções são controladas por via ner-
co. Pode-se estudá-lo com alimentos marcados, avaliando-se o
vosa intrínseca e extrínseca, por ação de peptídios reguladores.
comportamento gástri.co em diferentes situações. A manome-
Inúmeros hormônios liberados durante as fases interdigestivas
tria antroduodenal e a eletrogastrografia são métodos que se
pré- e pós-prandial interagem com esse sistema.
encontram em desenvolvimento e, no futuro, provavelmente
terão sua indicação e interpretação mais precisas. Podemos estudar a função desse sistema por meio da ra-
diologia, da ultrassonografia, da cintigrafia e da manometria
Os sintomas da disfunção motora do estômago são frequen-
do esfíncter de Oddi.
temente inespedficos e dificeisde interpretar. Por vezes, pacien-
tes portadores de distúrbios motores são isentos de sintomas. Durante o jejum, a bile é armazenada na vesícula biliar e
O esvaziamento gástrico acelerado ou retardado pode resultar concentrada pela absorção de água. Por vezes, a vesícula ejeta
seu conteúdo, mesmo em fases de jejum, principalmente para
do aumento ou decréscimo do tônus do fundo gástrico, ou
por alteração da contratilidade da região antropilórica ou de não ocorrer hipersaturação. O esfíncter de Oddi apresenta ati-
sua incoordenação. A sensação de plenitude gástrica, ou em- vidade muscular própria, independente de outros mecanis-
pachamento, é frequente, sem encontrarmos distúrbio motor mos, ora facilitando a salda da bile, ora mantendo-se fechado,
mensurável por esses métodos, conferindo a ide ia de estar ocor- obstruindo o refluxo de conteúdos duodenais para os duetos
rendo alteração na percepção, e não contrações diminuídas ou biliar e pancreático.
dilatação gástrica. A inervação vagai parece ter importância principalmente
As anomalias motoras gastroduodenais podem resultar de no tônus da vesícula biliar. A contração do colecisto com o
processos que atinjam a inervação extrínseca ou intrínseca, consequente esvaziamento se faz sobretudo por influência da
ou de doenças que afetem a musculatura lisa, ou de interação colecistocinina produzida pelo duodeno e intestino delgado.
de drogas, ou de radioterapia, e até de alimentação inade- Ao mesmo tempo, a colecistocinina promove o relaxamento
quada. da musculatura do esfíncter de Oddi, facilitando o escoamen-
As principais entidades relacionadas com os distúrbios mo- to da bile.
tores gastroduodenais encontram-se listadas no Quadro 5.3. Entre os indivíduos normais e os portadores de colecisto-
O tratamento desses distúrbios, principalmente os que re- patia calculosa, existem inúmeros estágios intermediários, que
tardam o esvaziamento gástrico, sofreu grande impulso com o vão desde o simples retardo no esvaziamento vesicular, com
advento das drogas procinéticas, tais como a bromoprida e a sintomas dispépticos, passando para fases dolorosas pós-pran -
domperidona. A cisaprida, droga de efeito procinético superior diais, evoluindo para a formação de microcristais de coleste-
às demais, foi retirada de mercado por ação agônica com ou- rol e, ao final, por agrupamento dos cristais, com formação
tros medicamentos, potencializando o efeito de alongamento de cálculos.
do segmento S-T, com possibilidades de parada cardíaca. Os Usando técnicas principalmente cintigráficas e manométri-
derivados da eritromicina, por ora chamados de motilldios, cas, podemos confirmar tais estágios na evolução da doença.
ainda estão em investigação, porém agem no mesmo local da Vale lembrar que, em algumas situações especiais, o compo-
cisaprida. Antagonistas seletivos da serotonina (5- HT4) vêm nente de absorção está prejudicado, ou então há um excesso
sendo pesquisados quanto a possíveis efeitos procinéticos no de oferta de substâncias que se depositam com facilidade na
sistema digestório alto. Outra droga, usada sobretudo na Itália, vesícula. Como exemplo da primeira, podemos citar o uso da
é a levossulpirida, que age como antagonista do receptor 0 1 e ciclosporina e, do segundo caso, as anemias hemolíticas que
agonista do receptor 5-HT4 (5-HT: 5-hidroxitriptamina). favorecem a precipitação de sais de bilirrubina.
Capitulo S I Alterações Motoras do Aparelha Digestivo 55
O uso de medicamentos colecinéticos e procinéticos pode duodeno
ser útil, devendo-se ter em mente que serão usados por toda a
vida do paciente, pois a disfunção motora não regride. "'t'nt bd
Com o advento da videolaparoscopia cirúrgica, que pouco fase 11 fase 111 fase I
agride e permite rápido retorno à vida normal, não há motivos
para protelar o tratamento cirúrgico.
jejuno SOmmHg

• ALTERAÇÕES FUNCIONAIS ~L Ll ~ ~ • 1 @çrtt~-t~ I h

DO INTESTINO DELGADO
10 mln
O mais longo e, talvez, o mais especializado setor do sis- jej uno
tema digestivo, o intestino delgado, tem sido alvo de exaus-
tivos estudos nos últimos 15 anos. Os novos conhecimentos ...... J.l l iI !t ,\
adquiridos por meio da neurofisiologia, da bioqubnica celular
e dos neuro-hormônios aumentaram a nossa compreensão Figura 5.6 Manometria prolongada de duodeno e jejuno demons-
dos fenômenos fisiológicos e das alterações encontradas nas trando as três fases do complexo motor migra me. Sensores dístan·
doenças intrínsecas e extrínsecas que afetam a função moto- ciados 10 em.
ra do órgão.
O intestino delgado é formado por três camadas principais:
a serosa, em contato com a cavidade peritoneal; a muscular,
A explanação anterior, que resume fatos muito comple-
constitufda por uma camada longitudinal externa e circular
interna; e a mucosa Entre as camadas musculares, distribui- xos, cujos mediadores, estimuladores e inibidores vêm sendo
reconhecidos, torna-se importante à medida que, hoje, pode-
se uma rede neural formada pelos plexos de Meissner e suas
mos reconhecer estados patológicos por meio da mensuração
terminações. Outra rede dispõe-se na região submucosa, for-
mando o plexo de Auerbach. Ambas se interligam e, por sua dos padrões interdigestivos pela manometria. Também, po-
vez, fazem conexão com os gânglios paravertebrais, que inte- demos verificar a atuação de drogas procinéticas, que facili-
gram os diferentes niveis do tubo digestivo, como também se tam a condução do CMM, ou de drogas inibidoras, como a
ligam à coluna vertebral e ao SNC. Esse complexo, chamado de loperamida, que retardam essa atividade, promovendo um
sistema nervoso entérico (SNE), é um órgão independente da trànsito lento. Alguns padrões patológicos estão bem defi-
clássica ação do SNC por via vagai para algumas ações, princi- nidos e exemplificados nas Figuras 5.7 e 5.8. Na slndrome
palmente as motoras. Pode também sofrer influência dos niveis do intestino irritável, foram reconhecidos padrões de ondas
mais altos do SNC e vice-versa, alterando comportamentos de irregulares (clusters) intermitentes, de longa duração, dife-
absorção e secreção. rentes da fase III, ocorrendo inclusive durante o sono, que
A rede de neurônios do SNE é altamente especializada, já não estão presentes em todos os portadores da slndrome do
tendo sido evidenciadas ações claras de mecanorreceptores, que intestino irritável, mas que fornecem indlcios de que a alte-
respondem ao conteúdo, fazendo a musculatura Usa contrair-se ração, nessa slndrome, ocorre ao nlvel do SNE, com provável
ou relaxar-se, e de quirniorreceptores, que, por sua ação, alte- influência do SNC.
ram os padrões de movimentos intestinais. As alterações funcionais do intestino delgado podem ser
O reconhecimento de padrões interdigestivos pela eletro- subdivididas de maneira prática em alguns grupos, que enu-
miografia e pela manometria pode caracterizar a existência do meramos com suas possíveis causas no Quadro 5.4.
complexo motor rnigrante (CMM), composto de três fases prin-
cipais de atividade elétrica, que correspondem a padrões de
contrações. Esta se inicia no duodeno e transmite-se ao longo jejuno
de todo o intestino delgado.
Essas três fases consecutivas são caracterizadas por:
• Fase 1: pouca ou nenhuma contratilidade (fase de quies-
cência);
• Fase li: constituída por contrações irregulares e inter-
I
refeição
10 min

mitentes;
• Fase 111: contrações frequentes e de maior amplitude, I
"* ·..Jt
que percorrem todo o intestino delgado, em uma fre-
quência maior no intestino proximal, e que diminuem
quanto mais próximas estiverem do Oeo terminal (Fi-
jejuno SOmmHg
gura 5.6) .
Esse ciclo basal é interrompido pela presença do alimento no
tubo digestivo, que então passa a ter uma atividade semelhante
à da fase li, mais observada em indivíduos normais durante o
Figura 5.7 Manometrías prolongadas de duodeno ejejuno rnostran·
dia, ao passo que a fase I é a observada durante o sono. A me- do a resposta pós-prandíal em indivíduo normal (parte superior do
dida que a digestão se processa, o complexo motor migrante gráfico) e comparando a um portador de esderodermia (ínscríçOes
vai se estabelecendo. inferiores).
56 Capitulo 5 I Alterações Motoras do Aparelho Digestivo

duodeno
• ALTERAÇOES FUNCIONAIS
"'I I I .l
&.LuJLJJL.u.~ ~~
II DO INTESTINO GROSSO

jejuno
SOmmHg I Nos cólons, as camadas musculares se organizam de ma-
neira diferente, conferindo a eles um aspecto caracterlstico. As
fibras musculares lisas longitudinais se dispõem em apenas três
feixes, que medem entre 6 e lO mrn de largura, as tênias. Uma
delas localiza-se ao longo da inserção mesenterial. Ao final do
cólon sigmoide, as tênias se tornam menos aparente.s e se alar-
10 mln gam, fundindo-se ao nJvel do reto e formando novamente uma
jejuno
camada muscular continua e delgada. Essa disposição confere

~~d4~~~~~J,Wwk4M~~ I o aspecto sacular aos cólons, que têm um diâmetro largo em


comparação com o delgado.
Os movimentos dos cólons ainda não estão totalmente com-
Figura 5.8 Manometria prolongacúl de duodeno ejejuno em paóente preendidos. Essa dificuldade se deve a dois fatores principais: a
portador de pseudo-obstrução int~tinal crónica. Sensores distancia- ausência de modelo animal experimental semelhante ao homem
dos 10 em Notar ondas de grande amplitude e desorganizadas. e a apresentação de atividade irregular. As técnicas de inves-
tigação até há pouco tempo eram indiretas, como os raios X,
ou rudimentares, que permitiam pouco tempo de observação, e
de dificil reprodutibilidade. A evolução da manometria prolon-
O fator mais importante da manipulação de uma alteração gada e de técnicas videofluroscópicas permitiu melhorar nossa
da motilidade do intestino delgado é, a nosso ver, o reconheci- acuidade e correlacionar achados morfológicos e de compor-
mento exato de sua causa, pois obviamente a ação terapêutica tamento normal com os estados patológicos.
tende a ter sucesso. Na sua grande maioria, as manifestações são O arranjo do SNE e a relação com os gãnglios mesentéricos
transitórias, porém em algumas doenças nos deparamos com são semelhantes aos do intestino delgado, e a influência do SNC
quadros dramáticos, em que a ação medicamentosa é pouco via vaga! é diminuJda. Para que a função final do aparelho di-
eficaz e os transtornos de nutrição são muito graves e contri- gestivo se realize, ou seja, a defecação, é necessária a atuação de
buem mais ainda para agravar o quadro. Para alguns pacientes, um sistema muscular complexo, composto pelo assoalho pélvi-
somente o transplante constitui-se em urna esperança, com um co e seus músculos estriados principais: os elevadores do ânus
grau de sucesso ainda muito baixo. (pubococcJgeos, isquiococdgeos e coccígeo), o puborretal e o
Alguns desses aspectos serão abordados nos capítulos espe- esfincter externo do ânus. A camada muscular lisa circular do
cificas sobre intestino delgado. reto sofre um engrossarnento na porção final próxima à borda
anal (esflncter interno) e também participa de maneira impor-

1- lleo porolltlco
Pós-operatório
---··
Quadro 5.4 Causas de alterações funcionais do intestino delgado
tante no ato da defecação, como veremos adiante.
A atividade dos cólons pode ser resumida em três fases prin-
cipais:
a) contrações segmentares localizadas, que dividem o lúmen
e o seu conteúdo, formando haustras e promovendo a
mistura do quimo;
Peritonite b) contrações propulsivas, precedidas pelo desaparecimento
C61iCll renal ou biliar do padrão baustral, movendo o conteúdo energicamente
Pancreatite
Hipoxia
a distâncias maiores, também chamadas de movimentos
HemO<ragia retroperitoneal de massa;
lnfano do miocárdio c) antiperistalse, que consiste na principal atividade do có-
Pneumonia basal lon proximal.
Trauma generalizado
Distúrbios metabólicos (hipofosfatemia, hipocalcemla, anemia aguda, A atividade dos cólons é mJnima durante o sono e aumenta
desidratação) com o despertar. Torna-se mais intensa após as refeições, prin-
Drogas (ação parassimpaticolitica)
Porfirla e envenenamento por metais pesados cipalmente no almoço e no jantar.
Uma vez que o bolo fecal chega em quantidade suficiente
11 - Pseudo-obstrução Intestinal crônica (causas mais frequentes)
ao sigrnoide, ele é expelido para o reto. Nesse momento, ocor-
Mlopatlas vlscerals
Doenças do colágeno rem dois fenômenos principais: por distensão do reto, os ple-
Distrofia muscular xos mioentéricos enviam impulsos ao esfíncter interno, que se
Doençaslnfiltratlvas (amíloidose) relaxa (reflexo anorretal inibidor) para facilitar a expulsão do
Neuropadas 1/Íscerals (primárias ou familiares) conteúdo; ao mesmo tempo, a informação é levada à coluna
Neuropatias não familiares: acalasia, Hírschsprung. Chagas
Neuropatias generalizadas: Parlónson, diabete$, p6s-vlrals vertebral pelos gânglios mesentéricos, em arco reflexo, e o SNC
Ação de drogas: opiáceos e colinétgicos; agentes citotóxicos; é informado da necessidade de defecar, podendo o individuo
antidepressivos contrair ou relaxar o assoalho pélvico para impedir ou facilitar
Disfunções metabólicas: hipenireoidismo. hipoparatireoldismo, a saída do conteúdo retal.
uremla, porfiria
As alterações funcionais mais comuns da motilidade do in-
Pseudo-obstrução paraneoplãsica
Lesão por radiação testino grosso são a constipação intestinal e a incontinência. O
trãnsito acelerado, ou a diarreia, geralmente está correlaciona-
111 - Slndrome do intHtino irritável
do com situações de infecção ou infestação intestinal, ou com
Capftulo 5 I Alterações Motoras do Aparelho Digestivo 57

doenças inflamatórias que alteram os mecanismos de absorção A manometria anorretal tem se mostrado útil na análise de
e secreção, aliados ou não a uma perda da segmentação, e serão obstipação e incontinência. Por meio dela, podemos reconhecer
discutidas em capítulos específicos. várias alterações das pressões de repouso dos esfíncteres e das
A dificuldade para estabelecer o diagnóstico da constipa- forças de contração e relaxamento destes. Também importante
ção intestinal começa pela interpretação dos sintomas. O que é o reconhecimento do reflexo anorretal inibidor. As alterações
é hábito intestinal normal? Por vezes, os pacientes referem ter mais comuns detectadas pela manometria são:
intestinos presos, mas evacuam diariamente, com dificuldade.
Outros não têm queixas de desconforto ou dor, mas evacuam a) obstipação na infância: diferenciação entre doença de
a cada 3 ou 4 dias. Hirschsprung e megacólon psicogênico ou megarreto
De maneira prática, poderíamos definir a constipação intesti· (presença ou não do reflexo anorretal inibidor) (Figura
nal como a dificuldade para exonerar as fezes, geralmente acom- 5.9);
panhada de dor, sensação de flatulência, com presença de fezes b) hipertonia esfincteriana de repouso (associada ou não a
endurecidas, e que tem esses sintomas aliviados pela defecação. fissura anal ou com proctalgia);
Até há algum tempo, a ideia de constipação intestinal estava c) anismo: diferente da hipertonia esfincteriana, pois a pres-
ligada à hipotonia ou à falta de contratilidade do cólon. Hoje são de repouso é normal e, quando da força de expulsão,
sabemos que constipação intestinal é um nome genérico, que há uma contração do assoalho pélvico, em vez do relaxa-
envolve va.riedades de alteração da atividade motora intrínse- mento;
ca do cólon, às vezes dependentes de fatores sócio-higiênico- d) alterações da percepção: neuropatias, lesão espinal, co-
dietéticos, mas que, em grande parte, ocorrem por distúrbios lagenoses etc.;
no complexo esfincteriano responsável pela evacuação. e) incontinência: neuropatias, lesões pós-parto ou pós-
Usando marcadores, podemos distinguir três grupos: cirurgia orificial.
a) os marcadores demoram para atravessar todo o cólon A constipação intestinal é um tema que será abordado em
(trânsito lento); capítulo específico, mas vale salientar que, com o uso de técni-
b) os marcadores atravessam o cólon em tempo normal, cas radiológicas empregando marcadores, ou da videodefeco-
mas irnpactam-se no retossigmoide; grafia, aliado às informações da manometria, estamos cada vez
c) o trânsito pelo cólon está normal, mas há dificuldade para mais perto de elucidar suas causas e, portanto, mais próximos
sua expulsão. de sua resolução.

3 •o
15
* 10
5

4
..
•o
* 15
10
5

5 •o
* 10
5

6 •o
* IS
10

7
* ..
00

10

o . .. ... .. ............... . . .... .. .. ............... .. . . .... .. .................._ .......... _........................................................................... ..

Paga ZO < Z6> Cot-tp r ·e ss= 2 C: 2 0:15 : 46 T: 2 .e a

Figura 5.9 Manometria anorretal de seis canais radiais posicionados ao nível de esfíncter interno. Notar a queda de pressão simultânea, ime-
diatamente após insuflação de balão de látex no reto (reflexo anorretal inibidor).
58 Capfrulo s I Alteraç6es M otoras d o Aparelho Digestivo

interessados encontrarão mais respostas e maiores detalhes que


• S[NDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL n ão fizeram parte deste texto, por serem muito extensos.
A nosso ver, é a doença mais complexa em que a função
motora do aparelho digestivo está alterada. Será discutida em
outro capítulo, mas não poderíamos deixar de citá-la e tecer • LEITURA RECOMENDADA
alguns breves comentários. Brito, EM. Qual o quadro cllnico dos distWbios hipucontriteis do esôfago! Em:
As recentes pesquisas demonstram que essa síndrome, po- Paula Castro, L, Savusi·Rocba, PR.. CUnha Melo, 1R.. Coou, MMB. T6picos
lissintomática, pode manifestar desde simples sensações como em Gast7ocllm>/qgia 10. Rio de Janein>, Medsl, 2000.
flatulência, constipação intestinal, dor abdominal, até quadros Castcll. DO. 1M EwpJu.gus. Boston, Uttle Brown & Co., 1995.
Cbampion, MC & OrT, WC. EvoMngConaprs in G<utroilllestinal MDrility. Ox-
complexos que envolvem sintomas esofágicos, gástricos e in- ford, Blad<wcll Sciencc, 1996.
testinais. Há evidências de distúrbios neurológicos centrais e Chiai, HJ & Camillcri, M. Motility disorden of lhe 01omach & smaU intestine.
do SNE, sendo claramente estabelecida a importância da sero- E= Friedman, SL, McQu&id, KR. Grmdell, JH. Curnnl Diagnosis tmd
tonina liberada pelas células de Cajal. Sua produção, transpor- TrMtm<nl in Gastroo~tcoh>gy, 2nd ed., Ncw York. Lange Medicai Booksl
te e captação influenciam diretamente a motilidade jejunal e M<Graw- Hi1l, 2003.
Drossman, DA. 1M Functional Gastrointestinal Disordm. Boston, Little-Brown
colônica. A partir dos critérios de Roma, em 1989, os pesqui- &Co., 1994.
sadores, partindo de definições consensuais mais claras dessa Fisher, RS & Krevsky, B (ed.). Motor Disordm of tht Gastrointtstitull Tract:
síndrome, vêm aos poucos encontrando dados para confirmar What~ New& What to Do (AGA publication). New York. Academy Profes-
tais hipóteses. Há evidências claras da influência da serotonina sionallnformation Setvices, Inc., 1993.
na sensibilidade visceral. Kahrilas, PJ. Esophageal motor di.s orden In terms of high·resolution esopba-
geal pressure topography: what has changedl Am. /. Gastrotntcrol., 2010;
105:981-7
Kahrilas, PJ & Sifrim, D. High ·resolution manometry and impedance-pH/
• CONCLUSAO manometry: valuable tool in clinicai and lnvesllgational esophagology. Gas·
troenterology, 2008; 135:756-69.
Kumar, D & Wingatc, D. An Illustmttd Gulde to Gastrolnttstlnal Motillty. Lon-
Nos próximos anos, com certeza, muitos dos conceitos ex- don, Churchiii-Uvingstone, i994.
plan ados neste capítulo sofrerão modificações. A neurogas- Regadas, SM, Regadas, FSP, Rodrigues, LV tt ai. Importance ofthe tridimensional
trenterologia vem se tornando não uma especialidade, mas sim ultrasound in the anorcctal cvaluation. Arq. Gastrot11ttrol, 2005; 42:226-32.
um movimento mundial em que vários centros têm dado sua Sinn, A. Motility Disorders oftk Gastrointtstinal Tract. New York, Raven Press,
contribuição para o maior conhecimento da fisiologia e fisiopa- 1992.
Smout, AJPM & Akkermans, LMA. Fisiologia y Patologia dela Motllidad Gas-
tologia do sistema digestivo. Os termos citados neste capítulo, trointestina/. Wrighuon Biomedlcal PubllJhing Ltd., 1992.
para alguns novos e estranhos, farão parte do colóquio corri- Stanghcllini, V, De Ponti, F, De Giorglo, R et aL New developments in lhe treat·
queiro entre os gastrenterologistas. Na leitura recomendada, os ment of functional dyspepsia. Dn<g~ 2003; 63:869-92.
6 Aparelho Digestivo e AIDS
Luis Fernando Dutra Diniz e Renato Dani

A epidemia do HIV/AIDS trouxe grandes desafios para a me- HIV, revela a importância do aparelho digestivo na fisiopato-
dicina moderna. Embora se encontre em estabilização no Bra- logia da condição que conhecemos como AIDS. Além disso,
sil, ainda apresenta números crescentes, principalmente entre muitas vezes o trato gastrintestinal pode ser a própria porta de
as mulheres. Dados epidemiológicos do Ministério da Saúde entrada para o HIV.
(DATASUS) mostram que de 1980 a junho de 2007 foram noti- Atualmente, com os novos recursos terapêuticos, observa-se
ficados 474.273 casos de AIDS no país. Nesta série histórica, fo- maior sobrevi da dos pacientes com AIDS. A esse dado, associa-
ram identificados 314.294 casos de AIDS em homens e 159.979 se também maior incidência de infecções oportunfsticas e de
em mulheres. Ao longo do tempo, a razão entre os sexos vem neoplasias acometendo todo o trato digestivo. Sintomatologia
diminuindo de forma progressiva. Em 1985, havia 15 casos da gastrintestinal é referida por 30 a 90% dos pacientes com AIDS,
doença em homens para 1 caso em mulher. Hoje, a relação é de e populações infectadas de países em desenvolvimento apre-
1,5 para 1. Em 2006, considerando dados preUminares, foram sentam os maiores lndices. Trabalhos recentes mostram que,
notificados 32.628 novos casos de AIDS, com uma incidência apesar da terapêutica antirretroviral de alta atividade, que per-
de 17,5 casos/100.000 habitantes. mite elevar a contagem de células CD4 e reduzir a carga vira!,
Em média, o indivíduo infectado pelo HIV leva de 8 a 10 anos até 10% dos pacientes podem apresentar doenças oportunlsti-
para desenvolver a slndrome e só então ela é notificada como cas do trato digestivo.
um novo caso. Podemos perceber que isso abre uma grande !i preciso estar alerta para o fato de que, na AIDS. os novos
janela de transmissibilidade, caso a política oficial de controle patógenos, em locais comuns, e os velhos patógenos, em locais
e prevenção da doença não se traduza em medidas eficazes. f incomuns, são a regra e não a exceção. A abordagem diagnósti-
estimado em cerca de 800.000 o número de portadores do HIV ca deve ser completa e persistente, ressaltando a etiologia múl-
no Brasil até dezembro de 2008, e a transmissão vertical, ou ma- tipla como achado frequente na AIDS. Podemos estar sendo
temo-infantil, é a principal via de infecção do HIV em crianças, omissos ao rotular uma diarreia como enteropatia pelo HIV.
Sendo responsável, no Brasil, por mais de 8~ dos casos em !i aconselhável repetir e diversificar testes propedêuticos na
menores de 13 anos. Graças ao programa do Governo Federal tentativa de estabelecer um diagnóstico mais preciso. A visão
de prevenção, diagnóstico e tratamento da AlOS (vide www. global do paciente nos permite suspeitar de que náusea, vô-
aids.gov.br), a situação não se deteriora com rapide:t no Brasil, mito e anorexia podem ser provocados por doenças do siste-
como em outros países, especialmente do continente africano. ma nervoso central, como linfoma, toxoplasmose e meningite
l! preciso manter um alto nível de vigilância e de esforços nas criptocócica. A terapêutica dos pacientes com AIDS também
ações preventivas de saúde pública, pois nota-se uma tendência se reveste de aspectos especiais, como a não resposta ao trata-
de "migração" da doença para municlpios menores, no interior mento padrão (o que obriga a utilização de esquemas alterna-
do pais, onde a estrutura do SUS, na maioria das vezes, mostra- tivos que, raramente, possuem eficácia científica comprovada),
se insuficiente para garantir a eficácia do programa. as recaídas frequentes e a necessidade do uso continuado de
Em relação à Gastrenterologia, sabemos que o tubo digestivo medicamentos.
e suas glândulas anexas apresentam papel relevante na epide- Para o diagnóstico da cond.ição de portador do HIV e mes-
miologia, fisiopatologia e tratamento da AIDS. mo da AIDS. hoje dispomos de:
O trato digestivo possui imensa superficie de troca Uma
única camada epitelial separa o mundo exterior hostil do nosso • Testes de detecção de anticorpos: ELISA (teste imuno-
meio interior. Essa camada recebe a vigilância do tecido línfoi- enúrnático), Western blot, imunofluorescência indireta
de encontrado no intestino, que, quando considerado coleti- (conjugada com fluorocromo), radioimunoprecipitação
vamente, representa o maior órgão linfoide do corpo humano, e testes rápidos para estudos de campo baseados em aglu-
com caracterlsticas pecuUares de secreção de IgA e uma inte- tinação em látex e hemaglutinação;
ração diferenciada entre os linfócitos da mucosa. A falência do • Teste de deteCfãO de antfgeno vira!: pesquisa do antígeno
sistema imunológico, promovida pela evolução da infecção pelo p24 através da técnica ELISA;
59
60 Capitulo 6 I Aparelho Digestivo e AIDS

Técnicas de cultura vira/: cultura de células mononu- T-----


deares de sangue periférico, cultura quantitativa de cé- Quadro 6.1lesões orais associadas ao HIV
lulas e cultura quantitativa de plasma;
• Testes de amplificaçiio do genoma do virus: análise quan- Neoplasias Sarcoma de Kaposi
titativa direta da carga viral através de técnicas baseadas Linfoma não Hodgkin
na amplificação de ácidos nuclekos, tais como a reação
de polimerase em cadeia (PCR) quantitativa, amplifica- Fungos Candidlase
ção de DNA em cadeia ramificada (branched-chain DNA Histoplasmose
ou bDNA) e amplificação sequencial de ácidos nucleicos Crlptococose
(nuc/eic acid sequence-based amplification ou NASBA); Aspergilose
• Contagem de células CD4+ em sangue periférico: tem Geotricose
implicações prognósticas na evolução da infecção pelo
HIV, pois a medida de imunocompetência celular é a Vírus Herpes simplex
mais útil no acompanhamento de pacientes infectados Herpes·zosrer
pelo HIV. E!»tein-Barr (leucoplasia pilosa)
Os medicamentos aprovados pelo Food and Drug Adminis- Citomegalovírus
tration (FDA- EUA), até dezembro de 2009, para tratamento Papllomavírus
do HIV se dividem em 6 grupos de acordo com o seu meca-
nismo de ação, apesar de serem comuns as formulações com- Bactérías Gengivite
binadas com associação de antirretrovirais: Estomatite

1. Nucleos(dios inibidores da transcriptase reverso: abacavir, Estomatite necrotizante


lamivudina, zidovudina, didanosina, entricitabina, teno- Mycobacrerlum ruberculosls
fovir, estavudina e zalcitabina; Mycobocrerium ovium inrracellulare
2. Não nucleos(dios inibidores da transcriptase reverso: de-
lavirdina, efavirenz, nevirapina e etravirina; Autoimune/idiopática úlceras aftoides recorrentes
3. lnibidores de protease: amprenavir, tipranavir, atazanavir, Pürpura trombocito~nica
fosamprenavir, indinavir, lopinavir, ritonavir, nelfinavir, Doença da glândula salivar
saquinavir e darunavir; Pigmentação anormal
4. lnibidores de jusQo: enfurtivida;
5. Inibidores de entrada co-receptor antagonista CCRS: rna-
raviroque (Selzent:ry3);
6. lnibidor de transferência da HN integrase: raltegravir • Sarcoma de Kaposi (SK)
(Isentress*).
Pode surgir como a primeira manifestação da AIDS. ~ fre-
Para se combater o HN, é necessário utilizar pelo menos quente entre homossexuais masculinos, mas raro entre mulhe-
dois medicamentos de classes diferentes. A maioria dos in- res e crianças. Na presença de uma lesão oral, sempre suspei-
divíduos em tratamento toma três ou quatro medicamentos tamos do acometimento visceral.
antirretrovirais. Porém, muitos medicamentos não podem ser Recentemente, material genético de papilomavlrus foi isola-
utilizados de forma simultânea, pois interagem entre si, poten- do de células dessas lesões. sendo levantada a hipótese de uma
cializando os efeitos tóxicos ou inibindo a sua ação. relação etiológica. A localização oral mais frequente do SK é o
Considerando o movediço terreno da patologia na AIDS. palato, mas as lesões também podem ser encontradas na Ungua,
para fins didáticos abordaremos as doenças do aparelho digesti- gengiva, glândulas salivares e linfonodos mandibulares e cervi-
vo relacionadas com essa condição em segmentos topogrificos, cais. Apresentam-se como lesões violáceas ou azuladas, planas
a saber: cavidade oral, esôfago, estômago, intestinos delgado e ou elevadas, nodulares ou extensas, com um anel de mucosa
grosso, árvore biliar, fígado, pâncreas e peritônio. pálida circunjacente, podendo ser dolorosas quando ulceradas
ou com infecção secundária. O diagnóstico diferencial deve
ser feito com hemangioma, granuloma piogênico, equimose e
• CAVIDADE ORAL lesões malignas. A bíopsia fornece o diagnóstico definitivo. Le-
sões pequenas podem responder à terapêutica local, como a ex-
Apesar de mais de 40 tipos de lesões orais terem sido descri- cisão cirúrgica, ou ao laser e ao uso intralesional de vimblastina.
tos como associados à infecção pelo HIV, apenas as lesões lista- Agentes esclerosantes também são úteis. Lesões mais extensas
das no Quadro 6.1 apresentam clara associação com a doença (Figura 6.1) requerem tratamento quirnioterápico sistêmico e
provocada pelo vírus da imunodeficiência humana. radioterapia que, em muitos casos. pode provocar uma muco-
Em estudo descritivo publicado, 92 pacientes vitimados pela site. Os agentes citostáticos com maior eficácia no sarcoma de
AIDS passaram por uma avaliação histológica da língua que Kaposi são as antraciclinas lipossõmicas. O tratamento com a
revelou alterações em 75% dos casos: leucoplasia pilosa (42), doxorrubicina lipossômica peguilada na dose de 20 mg/m 2 de
candidfase (31 ), glossite crônica in especifica (29),lesões conco- superfície corporal durante todas as 2 a 3 semanas conduz à
mitantes (28), ulceração crônica inespecffica (17), pigmentação remissão parcial em cerca 8096 dos doentes tratados. O trata-
melanótica (13), Herpes simple.x (lO), cistos linfoepiteliais (2), mento com daunorrubicina lipossõmica 40 mglm2 de superfície
criptococose (2), micobacteriose, histoplasmose, citomegalo- corporal de 2 a 2 semanas mostra taxas de remissão ligeiramente
virus e linfoma não Hodgkin (I cada). Isso mostra que a lín- mais baixas. O paclitaxel também é um tratamento muito eficaz
gua é um local importante de ocorrência de infecções e lesões no sarcoma de KaposL A dose recomendada é 100 mglm 2 de
concorrentes nos quadros avançados de AIDS. superfície corporal, ev, administrado quinzenalmente em 3 a
Capitulo 6 I Aparelho Digestivo e AIDS 61

calis e Candida parapsilosis. Também pode aparecer no quadro


de infecção aguda pelo HIV. A candidíase, como outras lesões
orais, é um indicador clínico de progressão da imunodeficiên-
cia. A associação entre doença oral e esofágica é frequentemente
encontrada, embora não necessariamente. Na cavidade oral, a
candidíase tem três formas clinicas principais de apresentação,
como exposto a seguir.
Enantematosa =>Ocorre principalmente no palato e dorso
da língua, podendo ser assintomática. :B raramente diag-
nosticada em função do seu aspecto pouco evocador.
Pseudomembranosa => :B a forma clássica de apresentação,
com placas brancacentas de tamanho variado, confluen-
tes ou não, e que, ao serem removidas, exibem uma mu-
cosa enantematosa e friável. O paciente geralmente refere
disfagia e ardor.
Queilite angular=> Notável pela formação de erosões e fis-
suras nos ângulos da boca, também associadas a dor e
dificuldade de mastigação.
O diagnóstico de candidíase pode ser feito pelo aspecto clí-
nico; entretanto, alguns recursos (p. ex., hidróxido de potássio)
ajudam o patologista na identificação das hifas de Candida em
biopsias e raspados das lesões. A cultura pode ser útil na deter-
minação da espécie do fungo presente e de sua sensibilidade
farmacológica.
A terapêutica envolve a utilização de antifúngicos tópicos,
como a nistatina (em óvulos de dissolução lenta}, micostatina
e clotrimazol. Em casos mais graves, medicamentos sistêmicos,
como o cetoconazol (200 a 400 mg/dia durante 2 a 3 semanas),
lluconazol (150 mg/semana por 4 semanas) e o itraconazol, po-
dem ser utilizados. Não há consenso quanto à eficácia e valor
Figura 6.1 Paciente de 56 anos, caso avançado de AIDS, com exten-
da profilaxia antifúngica a longo prazo na AIDS.
so acometimento cutâneo por sarcoma de Kaposi. Apesar de a pele
estar muito tomada, as vísceras não evidenciaram Kaposi. (Esta figura
encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) • Outras lesões fúngicas orais
Alguns relatórios descrevem lesões orais na histoplasmose,
criptococose, aspergilose e geotricose. Apesar de constitulrem
4 h. Obtêm-se com este tratamento remissões parciais em 60% infecções sistêmicas, a presença de uma lesão oral pode facilitar
dos doentes tratados. O paclitaxel é mielotóxico e quase sempre o diagnóstico, permitindo instituir a terapêutica específica.
provoca alopecia, por vezes logo após a primeira administra-
ção. Os doentes devem ser avisados da ocorrência deste tipo • Herpes símp/ex
de efeito adverso. O paclitaxel atua provocando a disrupção As lesões típicas são as úlceras recorrentes intraorais e o
da reorganização estrutural dos microtúbulos intracelulares. herpes labial. São úlceras extensas e de evolução mais arrastada
Este efeito provoca a paragem da mitose e consequente morte do que em pacientes imunocompetentes. O Herpes simplex 1
celular programada (apoptose). O paclitaxel pode também ser (HSV -1) é o predominante, embora o Herpes simplex 2 (HSV -2)
utilizado com eficácia nos doentes com progressão tumoral sob tenha sido ocasionalmente descrito. O aciclovir (200 mg TID)
terapêutica com antraciclinas. As recidivas após tratamento tem sido usado para encurtar o tempo de evolução do herpes la-
(com antraciclinas ou paclitaxel) podem ser tratadas com doses bial e aliviar os sintomas de úlceras intraorais. Já o HSV-2 mos-
baixas de etoposido oral. tra uma resistência progressiva ao aciclovir, e devemos, nesses
casos, utilizar o foscarnet (40 mglkg, 8/8 h, por 21 dias) como
opção terapêutica.
• linfoma não Hodgkin
A maioria é constituída de células B, e alguns apresentam • Herpes-zóster
EBV-DNA positivo. Esses linfomas podem ser encontrados, Lesões orofaciais do herpes-zóster manifestam-se como rea-
em qualquer ponto da cavidade oral, como tumores, nódulos tivação de focos virais latentes. São indicadores claros da falên-
ou úlceras de aspecto e tamanho variados. O diagnóstico é feito cia da imunidade celular no decurso da AIDS. Aparecem como
através do estudo histopatológico. Os linfomas na AIDS têm vesículas e ulcerações dolorosas no trajeto de distribuição de
comportamento agressivo, e a terapêutica baseia-se na quimio- ramos do trigêmeo. O tratamento com aciclovir em altas doses
terapia sistêmica. {2 a 4 g IV/dia) pode tratar ou prevenir lesões oculares. Neu-
ralgia pós-herpética é uma dolorosa complicação.
• Candidíase • Citomegalovírus (CMV)
:B a infecção oportunística de maior prevalência na AIDS. As :B um dos agentes mais frequentemente encontrados em pa-
espécies mais encontradas são Candida albicans, Candida tropi- cientes com AIDS. Úlceras orais que lembram grandes úlceras
62 Cap itulo 6 I Aparelho Digestivo e AIDS

aftoides são características da disseminação sistêmica do CMV. nessas infecções, podendo encontrar -se, também, fungos
Essas úlceras podem ser coinfectadas pelo HSV -1. Nos casos e espiroquetas.
mais graves, o CMV pode provocar necrose gengiva!. A tera-
O tratamento das infecções orais bacterianas envolve a hi-
pêutica é realizada com o uso parenteral do ganciclovir (0,5 mgl giene local com antissépticos e o desbridamento do tecido ne-
kg!dia, fracionado de 12/12 h, 14 a 28 dias), sendo o foscarnet
crótico, incluindo os sequestros ósseos, raspagem e curetagem
(40 mgfkg, 8/8 h, por 21 dias) uma segunda opção.
das áreas afetadas, seguido de irrigação com soluções orais à
base de clorexidine. Os antibióticos mais empregados são a
• Leucoplasia pilosa (LP) cündamicina e o metronidazol.
! associada ao vírus Epstein-Barr (EBV), embora não receba
as suas influências oncogênicas. O papilomavírus também tem • Úlceras aftoides recorrentes
sido implicado na sua gênese. A apresentação clássica corres- Não se conhece a etiologia. Na AIDS, cursam com aumento
ponde a uma placa brancacenta, de aspecto piloso, na superfí- da prevalência e gravidade das lesões. São úlceras grandes, de
cie lateral da lingua, mas pode aparecer em qualquer ponto da 1 a 2 em, dolorosas, únicas ou múltiplas. Persistem por sema-
mucosa orofaríngea. O aspecto "piloso" da lesão é atribuído a nas e até meses, interferindo com a mastigação e a deglutição.
uma exacerbação da estrutura normal da mucosa da face lateral Lesões sincrõnicas podem existir em outros pontos do trato
da língua. A progressão para AIDS é significativamente mais gastrintestinal. O diagnóstico diferencial inclui linfoma, carci-
frequente em paciente HIV -positivo com LP do que em pacien- noma de células escamosas, CMV, tuberculose, criptococose e
te HIV-positivo sem LP. O exame clinico fornece um diagnós- outros. Essas úlceras geralmente respondem a uma combinação
tico presuntivo, mas apenas a histopatologia, com particular de esteroides tópicos e antibióticos com espectro para gram-
atenção às características citológicas nucleares e à presença do negativos. Atualmente, tem sido tentado o uso da talidomida
EBV, permite o diagnóstico definitivo. O tratamento da LP é nesses casos, mas os resultados são ainda preliminares.
indicado nos casos em que o paciente refere desconforto, ou
por motivos estéticas. A superinfecção fúngica responde ao • Doença da glândula salivar
tratamento tópico com nistatina, e o aciclovir (200 mg TID) Tanto a queixa de xerostomia quanto o aumento das paró-
pode ser usado na tentativa de reduzir as lesões. O ganciclovir tidas podem ser observados nos pacientes com AIDS. As glân-
é uma segunda opção terapêutica. dulas apresentam um edema bilateral, difuso, compressível e
não flutuante. Xeroftalmia e outras características da síndrome
• Papilomavírus de Sjôgren estão presentes em alguns casos, porém diferenças
Em associação à infecção pelo HIV, o papilomavírus hu- sorológicas e irnuno-histoquímicas significativas separam a
mano (tipos 7, 13 e 32) pode provocar lesões orais e labiais de doença da glândula salivar relacionada com o H IV da sfndrome
característica verrucosa ou similares à hiperplasia epitelial fo- de Sjõgren. Como nenhum agente infeccioso foi identificado
cal. Quando sintomáticas, essas lesões podem ser tratadas com até o momento, o tratamento consiste no alívio dos sintomas
ácido retinoico em gel ou excisadas cirurgicamente, porém a e prevenção das cáries, utilizando substitutos da saliva, cont ro-
recorrência é frequente. lando a ingesta de açúcares e com aplicações de fluoreto.

• Lesões bacterianas • Púrpura trombocitopênica autoimune


A resposta imunológica celular deprimida favorece tam- Quando se manifesta na forma de lesões orais, como peque-
bém as infecções bacterianas, como aquelas por enterobacté- nas manchas purpúricas ou grandes equimoses, vem sempre
rias, micobactérias e outros germes encapsulados. Entretanto, acompanhada de sangramento gengiva! espontâneo, às vezes
as formas mais comuns de infecção oral bacteriana na AIDS vultoso. O tratamento é sistêmico e requer a utilização de cor-
estão associadas às variantes da doença periodontal relaciona- ticoides.
das com o HIV: gengivite, gengivite necrosante, periodontite
grave e estomatite necrosante. • Pigmentação anormal
Independentemente da forma, todas elas apresentam curso O uso de zidovudina e cetoconazol é responsável pelo apa-
evolutivo rápido para doença destrutiva, com resposta insatis- recimento de pigmentações acastanhadas na mucosa oral dos
fatória à terapêutica convencional. ! necessário o acompanha- pacientes com AIDS. Outras vezes não encontramos um fator
mento odontológico especializado nesses casos. causal, a não ser a própria infecção pelo HIV, para explicar o
aparecimento de máculas melanóticas orais. Já foi sugerida uma
Gengivite => Originariamente denominada gengivite do provável insuficiência adrenocortical associada ao HIV como
HIV, apresenta-se como uma faixa estreita de enante- fator desencadeante dessas pigmentações anormais.
ma ao longo da margem gengiva! de um ou mais grupos
dentários. Pode aparecer sem a concomitância das placas
de tártaro. O sangramento espontâneo é frequente, so- • ESOFAGO
bretudo ao despertar. A forma mais grave é a gengivite
ulcerativa necrosante, que cursa com inflamação margi- Pelo menos 1/3 dos pacientes com AIDS apresenta algum
nal, odor fétido e febre. tipo de doença esofágica. A importância do diagnóstico e tera-
Periodontite do HIV=> Diferencia-se da periodontite con- pêutica eficaz dessas afecções reside no fato de que, mesmo com
vencional pela rápida e simultânea perda de mucosa e o apetite preservado, a sintomatologia esofágica pode impedir
tecido ósseo, promovendo a mobilidade dentária e con- a ingesta adequada de alimentos, levando a quadros graves de
sequente perda de vários dentes. Ulcerações e necrose desidratação e desnutrição. O sintoma mais frequentemente
podem sobrepor-se ao processo, inclusive com seques- referido é a odinofagia e, depois, a disfagia. A concomitância
tro de tecido ósseo alveolar, configurando a chamada es- de sintomas aparece nos quadros mais graves. O soluço, que
tomatite necrosante. A flora gram-negativa predomina nem sempre é valorizado, pode representar uma manifestação
Capitulo 6 I Aparelho Digestivo e AIDS 63

de esofagite. O Quadro 6.2 resume as principais etiologias da As úlceras aftoides ou idiopáticas ainda são motivo de con-
doença esofágica na AIDS. trovérsia_ Muitas vezes, a biopsia de uma úlcera esofágica reve-
A Candida albicans é o mais frequente agente etiológico la simplesmente a própria úlcera_ Alguns autores referem-se a
identificado no esôfago (Prancha 6.1A), chegando a 70% dos elas como úlceras primárias, e outros defendem a hipótese de
casos. Geralmente, associa-se à candidíase orofaríngea, mas não agentes virais ainda não identificados.
necessariamente. Os outros agentes fúngicos aparecem como A doença do refluxo gastresofágico na AIDS geralmente é
relatos isolados de casos. secundária ao processo de cicatrização de úlceras esofágicas
Dentre os patógenos virais, o citomegalovírus é encontrado que levam à distorção da anatomia da junção esofagogástrica,
em 10 a 40% das biopsias endoscópicas. A apresentação clíni- facilitando o refluxo.
ca é diversificada: esofagite difusa, úlceras únicas ou múltiplas Esofagite erosada e úlceras esofágicas são descritas com o
predominando na região da junção esofagogástrica e até úlce- uso de vários medicamentos. A zidovudina é reconhecida como
ras gigantes ocupando toda a extensão esofágica. Em função do um agente agressor da mucosa esofágica. A reação pode ser
tropismo vascular do CMV, as biopsias endoscópicas devem idiossincrásica, com a lesão assumindo graus variados de gra-
ser retiradas do centro da ulceração. vidade.
O Herpes simplex produz vesículas e úlceras de tamanhos
variados, com bordas elevadas (em vulcão) e fundo necrótico.
A biopsia da margem da lesão pode identificar esse agente.
• Diagnóstico
Bactérias e micobactérias são ocasionalmente identificadas Inicialmente, colhe-se uma história clínica completa. As
no esôfago. O Mycobacterium tuberculosis infecta esse órgão a queixas de odinofagia e/ou disfagia relacionam-se com líqui-
partir da erosão de linfonodos mediastinais para o esôfago e nas dos e sólidos. O uso de medicamentos e os fatores de risco as-
fistulas traqueoesofágicas e broncoesofágicas. O Mycobacterium sociados ao HIV são pesquisados na entrevista clínica. O exame
avi um in trace/ui/are, por disseminação hematogênica, exerce fisico revela, com frequência, candidlase da orofaringe. Se este
sua patogenicidade diretamente sobre a mucosa esofágica. for o caso, preconiza-se o tratamento sistêmico da infecção. Ha-
Agentes menos frequentes no esôfago, como Actinomyces, vendo resolução dos sintomas, mantém-se o acompanhamento
Pneumocystis carinii e Cryptosporidium parvum, são descritos cllnico, sem a necessidade de outras provas diagnósticas. Caso
como superinfecção de úlceras esofágicas. contrário, a endoscopia digestiva alta é o passo propedêutico
O sarcoma de Kaposi também se desenvolve no esôfago seguinte. Além da macroscopia, o estudo endoscópico permite
e, por ser submucoso, é geralmente assintomático. Os sinto- a realização de biopsias para os estudos histológico e microbio-
mas só aparecem nas complicações, como obstrução, ulce- lógico, indispensáveis no diagnóstico definitivo das alterações.
ração e sangramento. Linfomas primários e secundários são Esofagografia contrastada é falha em até 50% dos casos, e, se
relatados no esôfago, e a associação com úlceras por CMV é forem detectadas úlceras esofágicas, estas devem ser biopsiadas
frequente. sob visão endoscópica. Dessa forma, excetuando-se os casos de
estenose e distúrbios de motilidade, o exame radiológico con-
trastado torna-se dispensável.
Vários testes diagnósticos são realizados na investigação
---------------T--------------- de úlceras esofágicas em pacientes com o HIV. As colorações
Quadro 6.2 Etiologia da doença esofáglca na AIOS histológicas usadas de rotina são a hematoxilina-eosina (H.E.),
Giemsa (fungos) e Fite (micobactérias). Técnicas citológicas
Fungos Candidasp. (esfregaço - Papanicolaou) são úteis no diagnóstico do Herpes
Hisroplasma capsularum simplex, Citomegalovlrus e Candida sp. O estudo é comple-
Torulopsis glabrara mentado pelos métodos imunológicos (hibridização in situ,
amplificação do DNA e PCR) e cultura de tecidos.
Pneumocystis cariníi

Vfrus Citomegalovl rus


• Tratamento
Epstein·Barr
Papovavírus
A candidlase esofágica é tratada com medicação sistêmica:
cetoconazol, fluconazol e itraconazol são boas opções VO. Os
Herpessimplex 1 e 2
casos graves e resistentes exigem a anfotericina-B ou o fluco-
HIV nazol lV. A vantagem do baixo custo do cetoconazol esbarra
Bactérias Mycobacrerium ruberculosis
em problemas relevantes, como a crescente resistência de al-
gumas cepas de Candida, a hepatotoxicidade e a absorção ina-
Mycobacrerium avium-inrracellulare
dequada em função da hipocloridria encontrada nos pacientes
Actinomyces com AIDS. A infecção pelo CMV responde ao tratamento com
Esofagíte nodulosa (angíomatose bacílar) ganciclovir (5 mg/kg/dia IV de 14 a 28 dias) em 80% dos casos,
similar ao tratamento da retinite pelo CMV. O foscamet é uti-
Protozoários Cryprosporidium
lizado nos casos resistentes ao gancidovir. O principal efeito
Leishmania colateral do gancidovir é a neutropenia dose-dependente, so-
Neoplasias Sarcoma de Kaposi bretudo quando associado à zidovudina. Felizmente, esse efeito
pode ser revertido com os fatores estirnuladores de colônias de
línfoma de Hodgkin
granulócitos, embora encarecendo ainda mais o tratamento.
Outras Doença do refluxo gastroesofágico O foscarnet, por sua vez, provoca distúrbios de função renal.
Erosões medicamentosas Hoje, a grande discussão gira em torno da necessidade ou não
lesão aftoíde ídiopáti ca
de um esquema de manutenção e de qual o melhor esquema a
ser utilizado. Muitas variáveis ainda serão analisadas antes de
G
Prancha 6.1 Aspectos de acometimento do aparelho digestivo por AIDS. A, Candidíase esofágica (gentilmente cedida pelos Drs. João Batista
Campos e ltiberê Pessoa da Costa, Belo Horizonte- MG); B, Unfoma gástrico (Drs. João Batista Campos e ltiberê Pessoa da Costa); C, Colangite
esclerosante relacionada com a AIDS (cortesia do Dr.Josep Maria Bordas, Barcelona- Espanha); D, Colestase provocada por obstrução da papila
duodenal: linfoma não Hodgkin (Dr. Josep Maria Bordas, Barcelona- Espanha); E, Pequena lesão brancacenta na superfície do lobo hepático
esquerdo: histoplasmose; F, Aspecto laparoscópico do fígado em paciente com micobacteriose atípica; G, Tuberculose hepática (Fite l.OOOx);
H, Microgranulomas hepáticos de etiologia indeterminada (H.E. 40x). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Capitulo 6 I Aparelh o Digestivo e AIDS 65

se decidir pela manutenção do tratamento. O desenvolvimen- adequadas e fornecer subsídios de macroscopia que auxiliem o
to de medicamentos administrados por via oral contra o CMV patologista no diagnóstico definitivo. ~relativamente frequente
poderá ajudar na opção de uma terapêutica prolongada. a apresentação ulcerada dos linfomas gástricos (Prancha 6.1B),
A esofagite herpética tem o aciclovir (400 a 800 mg TID, por até como "kissing ulcers", formando o chamado estômago em
14 dias) como tratamento de escolha. Nos casos de resistência, ampulheta, o que pode ser confundido com doença péptica. Já
pode-se lançar mão do foscarnet (60 a 90 mg/kg BID, 14 dias). o sarcorna de Kaposi, por ser uma lesão submucosa, pode não
Úlceras aftoides ou idiopáticas são de tratamento diflcil e po- ser diagnosticado pela biopsia endoscópica convencional.
lêmico. Tem sido tentado o esquema prednisona (40 mgldia Estudos microbiológicos e de histopatologia (com técnicas
durante 28 dias, chegando a 10 mgldia, 14 dias) ou a talidomida imuno-histoquímicas e de biologia molecular) complementam
{200 mgldia durante 28 dias). O uso de antiácidos e sucralfato as ferramentas diagnósticas.
pode ser útil. Uma resposta favorável ao tratamento anti-HIV A terapêutica contra agentes infecciosos e neoplasias no es-
também é acompanhada de melhora dessas lesões. tômago obedece aos mesmos princípios descritos para o esô-
Infecções bacterianas esofágicas respondem aos antibióticos fago.
de amplo espectro. O Mycobacterium tuberculosis é sensível ao
esquema clássico com isoniazida, rifampicina e pirazinamida.
Já o Mycobacterium avium intracel/ulare {MAl) pode ser tra- • INTESTINOS DELGADO EGROSSO
tado com a associação de etambutol (1,2 gldia), clofazimina
(100 mgldia) e rifampicina (lO mglkgldia). Resultados satis- A diarreia é manifestação frequente para muitos pacientes
fatórios também são obtidos com a claritromicina {500 a 1.000 com AIDS. Nos países em desenvolvimento, mais de 90% dos
mgldia) no lugar da rifampicina. Drogas como ciprofloxacino pacientes vão apresentar quadros diarreicos em algum mo -
(500 a 750 mg BID) e azitromicina (500 a 1.000 mgldia) apre- mento da sua evolução clínica. A diarreia é um sinal de má
sentam resultados promissores contra o MAl, quando associa- absorção, e vários mecanismos fisiopatológicos podem atuar
das ao etambutol e à clofazimina. O tratamento geralmente é na AIDS: diminuição da área de superfície mucosa, disfunção
longo, variando de 2 a 8 semanas. Profilaxia primária com ri- ileal, enteropatia exsudativa, mediadores inflamatórios, altera-
fabutina 300 mgl dia é indicada para os pacientes com CD4 em ção de motilidade, secreção de endotoxinas e efeito citopático
torno de 100/mm' . do HIV sobre os enterócitos.
A"esofagite nodulosa" é uma entidade descrita, recentemen- Em caso de persistência, a diarreia levará à desnutrição gra-
te, como o equivalente esofágico da angiomatose bacilar, o que ve e, possivelmente, ao óbito. O maior desafio é identificar os
pode ser confirmado pela histologia dessas lesões. Há excelente agentes etiológicos da diarreia na AIDS, possibilitando um tra-
resposta ao uso da eritromicina (500 mg QID), como ocorre na tamento dirigido. A real influência do HIV sobre os enterócitos,
angiomatose bacilar convencional. na gênese da diarreia, também merece maior discussão. Com
O sarcoma de Kaposi e os linfomas esofágicos são tratados uma propedêutica adequada, conseguimos isolar um agente
com esquemas de quimioterapia sistêmica, com resposta se- específico em 50 a 85% dos casos, dentre os quais cerca de 80%
melhante à de outros locais de manifestação dessas doenças. apresentam resposta à terapêutica com os medicamentos dis-
A sobrevida média, após o diagnóstico de linfoma no esôfago, poníveis atualmente.
é de6meses. A abordagem ao paciente HIV-positivo com diarreia é simi-
lar à conduta básica que se aplica à população em geral. História
clínica completa (medicamentos, dieta, fatores de risco) e um
• ESTOMAGO exame físico minucioso são imprescindíveis. A frequência das
evacuações e o volume das fezes podem nos ajudar a localizar a
O estômago pode ser acometido por quase todos os pr o- origem da diarreia como sendo o intestino delgado ou o grosso.
cessos que ocorrem no esôfago. Os microrganismos encontra- Fezes em grande volume, com evacuações menos frequentes e
dos no esôfago também são detectados no estômago, porém a episódios noturnos, sugerem o intestino delgado como local da
Candida, que é ácido-sensível, não representa um problema afecção. Ao contrário, fezes em menor volume, às vezes com
significativo. Existe, também, urna sobreposição de alterações sangue, evacuações frequentes, tenesmo, dor e distensão abdo-
do estômago com o intestino delgado. A hipocloridria, descrita minal apontam o cólon como sede do processo.
nos pacientes com AIDS, interfere na absorção de vários me- De início, realiza-se o exame de fezes, que compreende pes-
dicamentos ácido-solúveis, corno o cetoconazol. quisa de bactérias, fungos, protozoários, helmintíases (inclusive
O Helicobacter pylori, que exerce importante papel na fisio- por técnicas de biologia molecular para a identificação de mate-
patogenia da úlcera péptica e em tumores gástricos, não pa- rial genético especifico), leucócitos fecais, toxina do Clostridium
rece ter uma incidência aumentada nos pacientes com AIDS. difficile e coprocultura. Se houver febre associada à diarreia, o
Os critérios para erradicação desse agente são idênticos aos da estudo é complementado com hemograma, hernocultura, urina
população em geral. de rotina e radiografia de tórax.
Em função da hipocloridria, os pacientes com AIDS que Se a análise do material fecal for negativa, a investigação en-
necessitem de tratamento para um quadro de úlcera péptica doscópica com biopsias é o próximo passo. De acordo com o
teriam melhor resposta com o uso de protetores de mucosa, apurado na história clínica, se o paciente apresenta um quadro
como o sucra!fato, do que com o uso de inibidores de bomba clássico de diarreia do delgado, deverá ser submetido, primeiro,
e de receptores H2. Também os antiácidos que contêm mag- a urna endoscopia digestiva alta com múltiplas biopsias duode-
nésio estariam contraindicados devido à elevada incidência de nais. Aspirados e citologia esfoliativa também são empregados.
diarreia nesse grupo. As melhores opções são antiácidos à base No caso de uma história sugestiva de colite, a colonoscopia é o
de alumínio ou bismuto. método de escolha. Alguns estudos mostraram que a retossig-
O estudo endoscópico na AIDS é de primordial impor tância, moidoscopia flexível deixa de diagnosticar até 33% dos casos
e o endoscopista deve ter experiência com esses pacientes, possi- de colite por citomegalovírus; entretanto, novas avaliações vol-
bilitando o reconhecimento precoce das lesões, realizar biopsias taram a defender a retossigmoidoscopia flexível como a abor-
66 Capftulo 6 I Aparelho Digestivo e AIDS

dagem mais racional e econômica para esses casos. Durante a


colonoscopia ou retossigmoidoscopia, mesmo se a mucosa tiver
• Estrongiloidíase
um aspecto normal, múltiplas biopsias aleatórias são colhidas Embora endêmica no Brasil, não é tão frequente quanto seria
na tentativa de isolar um agente especifico. Os mais frequen- esperado em pacientes com AIDS. A dor abdominal é do tipo
temente encontrados são: citomegalovírus, Criptosporidium, cólica ou queimação epigástrica, sendo confundida com doença
Mícrosporidium e micobactérias. Na dúvida quanto à origem cloridropéptica. Outras manifestações incluem náuseas, vOmi-
da di arreia, prefere-se começar a investigação com a endoscopia to, diarreia (podendo evoluir com má absorção) e eosinofilia
digestiva alta, deixando a colonoscopia ou retossigmoidoscopia significativa. Nos casos de invasão pulmonar, durante o ciclo
flexível como exame seguinte, se necessário. da doença, caracteriza-se a síndrome de Lõffler com sintomas
Pode ser frustrante para o médico e para o paciente chegar respiratórios. O exame de fezes (Baermann-Moraes) permite
ao final desse ciclo diagnóstico sem conseguir determinar a a identificação do parasito. O tratamento é com tiabendazol
causa da diarreia. Essa é a realidade dificil da AIDS e que não VO 30 a 50 mglkg no 1.0 dia, seguido de 500 mgldia durante 3
deve ser vista como uma falha. A terapêutica sintomática com semanas. A segunda opção é o albendazol400 mgldia durante
loperamida, difenoxilato, elixir paregórico e, recentemente, o 7 dias, repetindo-se o esquema após 15 dias.
rac:ecadotril é útil na diminuição do número de evacuações e
do volume hidreletrolítico expoliado. O octreotfdio subcutâneo • Citomegalovírus (CMV)
pode ser eficiente em casos graves e refratários. Dietas especiais,
sem lactose e com pouca gordura, são instituídas para recupe- ~ o principal agente responsável pelas colites, chegando a
ração nutricional do paciente, sendo necessária a nutrição pa- 67% dos casos. Também pode causar úlceras duodenais, ente-
renteral nos casos mais graves. rites e perfurações ileais. Na doença colônica, a apresentação
Caso a diarreia persista por mais 4 semanas, um novo ciclo varia desde o aspecto normal da mucosa, passando por microul-
diagnóstico é iniciado com exames de fezes e estudo endoscó- ceraçôes "em botão", até a forma mais grave, com ulcerações
pico. A repetição do ciclo aumenta sensivelmente as chances profundas e confluentes. A diarreia vem acompanhada de febre
de isolamento do agente causal, o que é vantajoso para o pa- baixa (até 3s•q e dor abdominal. Descompressão abdominal
ciente, pois permite um tratamento específico, com resultados dolorosa pode ser encontrada na colite por CMV. A biopsia co-
mais alentadores. lonosc:ópica, mesmo em mucosa aparentemente normal, pode
O Quadro 6.3 mostra as principais etiologias da diarreia em fornecer o diagnóstico. Casos extremos de infecção co!Onica
pacientes HIV-positivos. pelo CMV podem se apresentar como formas pseudotumorais
Fatores sazonais, geográficos e de risco influenciam na pre- com diagnóstico de certeza apenas através do anatomopatoló-
valê.ncia de cada agente. Os linfomas de delgado estão, frequen- gico. O tratamento é feito por via parenteral com ganciclovir
temente, associados à icterícia obstrutiva por acometimento da 5 mglkg/BID por 14 a 21 dias, sendo o foscarnet, 90 mglkgl
região periampular. Já o sarcoma de Kaposi responde, princi- TIO por 14 a 21 dias, a 2.' opção. A recorrência acontece em até
palmente, pelos casos de doença orificial (proctites). A into- 9 semanas, devendo-se, no retratamento, utilizar uma dose de
lerância à lactose, em fases mais avançadas da AIDS, é uma manutenção (metade da dose inicial) por mais 21 dias.
importante condição a ser lembrada, podendo ser decorrente
do efeito citopático do próprio HIV sobre a mucosa intestinaL • Adenovírus
O diagnóstico diferencial com pancreatopatias é essencial em
pacientes com precedente de alcoolismo. Tem sido descrito como causa de diarreia em padentes adul-
tos imunossuprimidos e em crianças normais. A biopsia co-
Iônica exibe achados hístopatológicos diferentes daqueles da
colite por CMV. Até o momento, o suporte clínico é a única
- - -T opção terapêutica.
Quadro 6J causas de diarreia em paàentes com AIDS
• Herpes simplex
lnt•stino d•lgaclo Intestino grosso Outras
Causa importante de proctites na AIDS, levando a diarreia,
Strongylokks Citomegalovirus Pancreatite hematoquezia, tenesmo e dolorosas úlceras perianais. Essas
Cryptosporidium Cryprosporidium lntoler3nda àlactose ulcerações são simila.res àquelas induzidas pelo CMV, porém
M/crosporldium MAJ• Drogas a biopsia permite o diagnóstico diferenciaL Nos casos de cons-
/sosporo bel/i Ml'• Unfomas tipação intestinal e manifestações neurológicas, o Herpes sím-
Shlgel/a Clostridium difflcile Sarcoma de Kaposi plex é o principal agente suspeito. O tratamento é realizado
Salmonella Histoplasma com aciclovir 200 a 800 mgldia VOou com foscarnet 40 mgl
Compylobocrer Campylobocrer kg!IV/TID por 21 dias.
Giard/o Iomb/ia Adenovírus
Entamoeba Cyclospora • Cryptosporidium
Cycknporo Herpes simplex
Promove uma diarreia liquida com perda de 1 a 20 t por
HIV (n Pneumocysôs dia, dor abdominal, anorexia, flatulência, náuseas, vômito, fe-
Gicrd/o lambl;o bre, mialgia e eosinofilia. ~comum a queixa de dor abdominal
Enromoebo e diarreia logo após a alimentação. Pode ocorrer esteatorreia,
HIV In má absorção da o-xilose e vitamina B12• O exame de fezes revela
oocistos, muco, sangue e leucócitos. Não raramente se associa
•MycobocttricJm avium.Jn troc~JAJIOJY.
••Mycobocttrium tu~uiOJiJ. à doença da árvore biliar. Recentemente, o tratamento com pa-
romomicina 500 a 750 mg VO, de 6/6 h, por 14 a 28 dias, tem
Capitulo 6 I Aparelh o Digestivo e AIDS 67

alcançado resultados favoráveis. Em fase de experimentação, com o ciclo vital do parasito. Os casos graves cursam com dor
estão a azitromicina e a atovaquona. O octreotídio, embora abdominal, sangramento intestinal, má absorção de vitaminas
não atue sobre o agente, melhora parcialmente a diarreia (50 a e proteínas, podendo chegar à desnutrição. A retocolite é fre-
500 mcg SCffiD/por 48 h). quente na amebíase. Os locais extraintestinais que podem es-
tar acometidos pela Entamoeba são fígado, pleura, pericárdio
e cérebro. A giardíase pode ser detectada tanto no intestino
• Microsporidium delgado quanto no grosso, em pacientes com AIDS. No trata-
Parasito intracelular obrigatório, tem sido reconhecido mais mento da giardíase, utiliza-se o metronidazol250 mg VO, de
frequentemente como agente causal de diarreia em pacientes 8/8 h, por 7 dias. Já a amebíase responde ao metronidazol na
com AIDS. As duas espécies associadas à doença entérica são dosagem de 750 mg VO, de 8/8 h, por 10 dias. O tratamento
a Enterocytozca bieneusi e a Septata intestinalis. Esta última deve ser repetido após 2 semanas para ambos os agentes. O
espécie infecta os macrófagos da lâmina própria e sofre disse- secnidazol apresenta-se como uma opção mais atual, 1,0 gldia
minação por via portal até os rins, sendo os seus esporos en- (dose única), repetindo-se após 1 semana.
contrados na urina. A maior eficácia diagnóstica é obtida com
a microscopia eletrônica de amostras do delgado. O albendazol,
400 mg/VO/BID por 28 dias, reduz a diarreia e promove ganho • MICOBACTERIOSES
de peso em alguns pacientes.
A tuberculose intestinal é principalmente ileocecal e pode
ocorrer em qualquer fase da AIDS, geralmente por reativação
• lsosporíase de focos endógenos. Ao exame clínico, pode-se palpar uma
As fezes são líquidas, ocorrendo esteatorreia e eosinofilia em massa na região do ceco, e o paciente refere perda de peso
cerca de 15% dos casos. O exame de fezes identifica os oocis- e sangramento reta!. Linfonodos mesentéricos são descritos
tos. Há boa resposta ao uso de sulfametoxazcl-trimetoprima ao exame ultrassonográfico. O diagnóstico é feito pelo acha-
(SMX-TMP) na dose de75 a 100 mglkgldiade SMX, QID, por do do bacilo nas fezes ou através de biopsia colonoscópica da
10 dias, seguido por 3 semanas da mesma dosagem BID. As re- lesão intestinal. O tratamento é o clássico preconizado para a
cidivas são frequentes e demandam manutenção com 800 mg doença respiratória (isoniazida, rifampicina, pirazinamida),
de SMX e 160 mg de TMP diariamente. Deve ser associado o observando-se relatos de resistência e hepatotoxicidade aos
ácido follnico, 5 a 10 mg VO/MID. medicamentos empregados. As micobactérias atípicas predo-
minam em fases mais avançadas da AIDS (CD4 :5 50/mmJ).
São encontradas no sangue, medula óssea, ffgado, linfonodos,
• Cyclospora spp. pulmão e trato gastrintestinal. Há febre persistente, sudorese
A Cyclospora spp. é um protozoário responsável por muitos noturna, anemia, leucopenia, elevação de fosfatase alcalina,
casos de diarreia crônica em pacientes com AIDS. Seus oocis- emagrecimento, diarreia e sinais de má absorção. O diagnóstico
tos podem ser detectados em amostras frescas de fezes. Em pode ser feito através de hemocultura, biopsia de medula óssea,
geral, os pacientes predispostos têm contagem de células CD4 de linfonodos ou de lesões viscerais (principalmente no fíga-
< 100 céls./mm 3 • A espécie C. cayetanensis é causa importante do). Embora não exista um tratamento ideal, o esquema mais
de diarreia crônica na Argentina. Os derivados imidazólicos difundido envolve: etambutol (1 ,2 gldia), clofazimina (100 mgl
(metronidazol250 mg VO/TID- 10 dias e secnidazol 1 g VO/ dia), rifampicina (10 mg!kgldia), ciprofloxacino (500 a 750 mg
MID - 3 dias) podem ser usados no tratamento. BID). Pode ser associado à amicacina 500 mg BID. A rifabu-
tina, 300 mgldia, é eficaz na profilaxia primária de pacientes
com CD4 < 100/mmJ.
• Shigella e Campylobader
Na shigelose, a diarreia é de pequeno volume, sanguinolenta,
com muco, cólicas, tenesmo e febre alta na metade dos casos.
Precedendo o quadro diarreico pelo Campylobacter, podem
ocorrer febre, mialgia, astenia, 18 a 24 h antes dos sintomas in- A enteropatia pelo HIV deve ser considerada como possi-
testinais. Antidiarreicos que diminuem o peristaltismo devem bilidade diagnóstica nos casos de diarreia crônica, de grande
ser usados com cuidado, pois há risco de invasão da mucosa volume e sem outra etiologia identificável, após repetição exaus-
e dilatação tóxica do cólon. O tratamento com quinolonas é tiva dos testes diagnósticos. ~ altamente provável que algum
eficaz para os dois agentes. Ciprofloxacino, 500 mg VO/BID patógeno seja identificado se os testes forem repetidos ou con-
por 10 dias. tinuados, o que favorece o paciente na medida em que permite
uma terapêutica específica. O HIV exerce um papel relevante
na gênese da diarreia crônica da AIDS; entretanto, novos agen-
• Salmonella tes serão certamente descritos com a evolução dos estudos. Na
Apresenta-se com febre, dor abdominal, cólicas e diarreia. enteropatia pelo HIV, a histopatologia demonstra alterações
Em alguns pacientes HIV -positivos, pode ocorrer bacteriemia inespecíficas, como atrofia parcial ou total das vilosidades, hi-
por Salmonella sp., mesmo antes de preencherem critérios clí- perplasia de criptas e aumento dos linfócitos intraepiteliais. O
nicos para o diagnóstico de AIDS. O tratamento é feito com teste da o -xilose, alterado nesses pacientes, torna a nutrição
ampicilina, sulfametoxazcl-trimetoprima ou ciprofloxacino. enteral ineficaz, requerendo o suporte parenteral para correção
dos déficits porventura existentes. O aconselhamento dietético
é importante, devendo -se adotar uma dieta com baixos teores
• Giardíase e amebíase de lactose e gordura. Antidiarreicos (loperamida, codeina) são
Existe predominância de cólicas, flatulência e diarreia cícli- eficazes no controle da diarreia, e o octreotídio SC é reserva-
ca, ou seja, com períodos de melhora espontânea relacionados do para os casos refratários. A zidovudina pode ser eficaz em
68 Capftulo 6 I Aparelho Digest ivo e AIDS

doses elevadas (1,2 g/dia), embora seus efeitos colaterais sejam ciá-la da colangite esclerosante primária, como a presença
limitantes dessa opção. de délms no interior dos duetos e a lesão preferencial da
árvore esquerda;
3. Associação de estenose papila r e colangile esclerosante:
• Clostridium difficile compartilha aspectos das duas primeiras formas e cor-
A ação de drogas antibióticas e quimioterápicas pode levar a responde à maioria dos casos;
um desequilíbrio da flora intestinal, favorecendo o crescimen- 4. Estenoses longas coledocianas: são estenoses extra-hepáti-
to de algumas cepas bacterianas, notadamente o Clostridium cas, variando de 1a 2 em de extensão. A fisiopatología des-
difficile, que é um germe anaeróbio de alto poder invasivo e sas estenoses ainda não está completamente elucidada.
produtor de toxinas responsáveis pela formação de pseudo- A colangíopancreatografia endoscópica retrógrada (CPER)
membranas, caracterizando a chamada enterocolite pseudo- mostra anormalidades em at~ 8096 dos casos, além de permi-
membranosa. Acomete, com frequência, o reto, o cólon es-
tir a obtenção de materi.al para estudo hístopatológico, sendo
querdo e, mais raramente, o intestino delgado. O diagnóstico considerada padrão-ouro para a investigação de pacientes com
é confirmado pela associação dos resultados fornecidos por suspeita de doença do trato biliar relacionada com a AIDS. Um
biopsia, coprocultura, teste de aglutinação do látex e atividade
método interessante que pode preceder a CPER, e com isso de-
citotóxica. A vancomicina (250 a 500 mg QID VO, por 7 a 14 terminar os pacientes que vão requerer uma propedêutica mais
dias) é o tratamento de escolha. Mesmo com o tratamento, a invasiva ou uma colocação de prótese biliar, é a colecintigrafia
mortalidade atinge índices de IOa 30%. com Tc-99 DISIDA. Esse método é particularmente útil nos
pacientes com estado clínico precário e permite um diagnóstico
presuntivo com elevado grau de certeza. Os padrões principais
• ÁRVORE BILIAR da colecintigrafia são:
O acometimento da árvore biliar, incluindo a vesícula, ocor- 1. Dilatação do dueto com estenose e retenção focal ou di-
re em fases mais avançadas da AIDS, geralmente com a conta- fusa do marcador pelo parênquima;
gem de linfócitos CD4 < 100/mm3. Vários casos de colecistite 2. Dilatação difusa da árvore biliar com retenção do mar-
acalculosa e de colangiopatias são hoje atribuídos ao citomega- cador pelo parênquíma hepático;
lovírus, ao Cryptosporidíum (Pitlik, 1983), e aos Mycobacterium 3. Retenção parenquímatosa do marcador sem anormali-
avíum e Microsporidium. A vesícula biliar pode atuar como dades ductais.
reservatório desses agentes, perpetuando, assim, a patologia A colecintigrafia também pode ser utilizada para monitorar
biliar, que se manifesta tanto na forma de agressão imunoló- quantitativamente a resposta à intervenção terapêutica através
gica quanto na citopatogenicidade direta do microrganismo. da depuração do marcador.
Episódios de colecistite acalculosa também são descritos após No que tange à terapêutica, cabe ressaltar a importância
enterites por Salmone/la e Campylobacter. Linfomas da região da esfincterotomia endoscópica para alívio da sintomatologia
periampular (Prancha 6.1D) respondem por muitos casos de ãlgíca referida no quadrante superior direito. Obviamente, a
obstrução biliar em pacientes com AIDS. O próprio HN exerce seleção de pacientes para esse procedimento deverá ser crite-
seu efeito citopático sobre o epitélio ductal biliar, podendo gerar riosa, respeitando-se uma relação risco - beneficio favorável
uma inflamação crônica de caráter destrutivo, assumindo carac- ~interessante notar que não há modificação do perfil bioqui-
terísticas de doença co! estática. Também tem sido sugerido que mico hepático após a esfincterotornia, permaneoendo os valores
pacientes com HLA tipo DRw52a podem desenvolver um ata- elevados de fosfatase alcalina.
que imunológico ao epitélio biliar em resposta a um patógeno. A colecistectomia é o tratamento de escolha para os casos
Enfim, vários são os mecanismos fisiopatogênicos postulados de colecistite (mesmo acalculosa), em função da capacidade de
para explicar a colangíopatia relacionada com a AIDS. ·reservatório" de agentes oportunistas da vesícula biliar.
Dor no quadrante superior direito, febre (até 38,5°C) e ele- Outras medidas que podem ser empregadas são a dilatação
vação significativa da fosfatase alcalina, embora inespedficas, biliar com balão, colocação de endopróteses, quimioterapia
são as principais manifestações clínicas. A icterícia aparece em para os linfomas e a utilização de ácido ursodesoxicólico. O
cerca de 20% dos casos, e as transaminases podem estar discre- tratamento específico para agentes oportunistas é dificultado
tamente aumentadas. O exame ultrassonográfico mostra uma pela inoperância do sistema imunológico, já bastante expres-
vesícula de paredes espessadas, dilatada ou de aspecto normal.
siva nessa fase da doença.
A colecistite acalculosa deve ser considerada em todos os por-
tadores de AIDS que se queixam de dor do tipo biliar, sediada
no hipocôndrio direito, ou que apresentem um abdome agudo,
sob pena de se deixar o paciente evoluir para gangrena do co- • F[GADO
lecisto, perfuração e morte. A árvore biliar mostra-se alterada Alterações bioquúnícas hepáticas são muito frequentes na
em mais de 50% dos casos de colecistite acalculosa e, em me- AIDS, quase sempre assintomáticas. O grande aporte sanguíneo
nor proporção, quando da ausência de patologia vesicular. O e a presença de células do sistema reticuloendotelial conferem
espectro da chamada "colangíopatia relacionada com o HIV" ao figado o status de "janela privilegiada" na detecção de mor-
divide-se em 4 formas principais: bidades sistêmicas da AIDS. O figado é um local potencial pa.ra
1. Estenose papilar: definida como um diâmetro de dueto remoção de células circulantes infectadas pelo HIV, replicação
biliar comum de ± 8 mm, com ma.rcada retenção de con- vira! (utilizando as células de Kuplfer, endotélío sinusoidal e
traste (> 30 min); hepatócito), coinfecção com outros vírus hepatotrópicos, in-
2. Calangite esclerosante (Prancha 6.1 C): caracterizada por fecções oportunlsticas e neoplasias.
dilatações e estenoses focais dos duetos intra- e extra-he- O Quadro 6.4 resume as principais afecções hepáticas na
páticos. Outros elementos radiográficos podem diferen- AIDS.
-· -·
Capitulo 6 I Aparelho Digestivo e AIDS 69

Quadro 6.4 Etiologia da doença hepática em pacientes comAIDS Quadro 6.5 HIV e vírus hepatotrópicos

Vfrus HIV HIVxVírusA Não há evidência de interação no rurso dinico dessas


Hepatites A. B, C. O, E, G infecções

Citomegalovírus HIVxVírusB Aumento da replicação do vírus B


Herpes simplex Aumento do risco de cronificação da hepatite por
Herpes-zoster vírus 8
Adenovírus Redução do dano hepático nos portadores crônicos
Epstein-Barr Resposta reduzida ao alfa-ínterferon
Resposta reduzida à vacinação
Fungos Cryptococcus neoformons
Histoplasma copsulotum Reativação do vírus 8, mesmo n a ausência do HbeAg

Condida albicons HIVxVírusC Aumento da virem ia na hepatite crônica


Coccidioides immitis Maior fibrose hepiltica
Pneumocystis carinli Aumento da transmissão vertical do vírus C

Bactérias Mycoóacterium tuberculosis Evolução mais rápida para a cirrose(?)

Mycobocterium avium-intracellulare HIVxVírusO Pior evolução da coínfecção (vírus B +O)


Mycobocrerium xenopi Perda do efeito inibitório do vírus delta sobre a
Mycoóacterium konsosil replicação do vírus B
Rochalimaea quinrana
HIVxVírusE Aumento do risco de insuficiência hepiltica fulminante
Protozoários Toxop/osmo gondii em grávidas

Lelshmonio HIVxVírusG Interação similar à descrita para o vlrus C

Neoplasias Sarcoma de Kaposi


Linfoma de Hodgkin
Unfoma não Hodgkin

Outras Hepatite granulomatosa • Citomegalovírus (CMV)


Hepatotoxiddade por drogas ~ frequentemente encontrado em biopsia hepática de pa-
ciente com AIDS. Pode infectar o parênquíma hepático e tam-
bém a árvore biliar, mas sempre como parte de uma doença
sistêrnica. A hepatite pelo CMV é, em geral, assintomática, em-
bora a histologia seja compatível com um quadro agudo, evi-
denciando degeneração hepatocitária, necrose e regeneração.
Exerce seu efeito citopático principalmente sobre as células Podem estar associados infiltrados neutrofílicos, linfocíticos e
de Kupffer e endotélio sinusoidal, que expressam o receptor granulomas. Algumas inclusões nucleares possuem um halo
CD4 em sua superfície. Essas células atuam como reservatório e claro circunjacente, dando às células o aspecto clássico de "olho
local de replicação do HIV. Também os hepatócitos, embora em de coruja". A presença do CMV pode ser confirmada pores-
menor escala, podem servir de albergue para o HIV, como pro- tudos irnuno-histoquímicos, hibridização in situou cultura. O
vam estudos imuno-histoquímicos e de hibridização in situ. tratamento é feito com ganciclovir (5 mg/kg/IV/BID, por 14 a
21 dias) ou foscarnet (90 mglkg/IV/TID, por 14 a 21 dias).

• HEPATITES A, 8, C, O, E, G
• Herpes simplex
A história natural das hepatites crônicas virais é alterada Também atuando de forma sistêrnica, produz lesões na cáp-
pela coinfecção com o HIV. Os índices de fibrose hepática e as sula e no parênquíma hepático. São lesões amareladas, com
manifestações clínicas da doença hepática desenvolvem-se mais focos hemorrágicos, podendo atingir até alguns centímetros.
rapidamente. Um tratamento seguro e virologicamente ativo da O diagnóstico é feito com irnuno-histoquímica ou cultura. Aci-
coinfecção vírus B/HIV pode ser alcançado através de terapias clovir, 200 a 800 mg VO, 5 vezes/dia, por 14 a 21 dias, é uma
antirretrovirais contendo larnivudina e/ou tenofovir. Em rela-
boa opção terapêutica, embora a medicação parenteral seja ne-
ção à coinfecção vírus C/HIV, alguns autores têm descrito um
processo acelerado de fibrose hepática quando da existência de cessária em muítos casos.
hepatopatia crônica ativa pelo vírus C. Entretanto, na maioria
dos casos, a terapêutica antirretroviral representa a mais bené- • Adenovírus
fica intervenção inicial. A terapêutica específica contra o vírus
C deveria ser reservada para aqueles pacientes que atingissem Geralmente é achado de necropsia, estando associado a ne-
a supressão do HIV -RNA e uma restauração da atividade imu- crose hepatocitária extensa e hemorragias. Tem maior impor-
nológica, ou seja, linfócitos CD4+ > 350 céls./mm3 • tância na população pediátrica. A microscopia eletrônica e téc-
O Quadro 6.5 sintetiza as interações entre HN e vírus he- nicas de irnuno-histoquímica são utilizadas para o diagnóstico.
patotrópicos. Não existe tratamento específico até o momento.
70 Capitulo 6 I Aparelho Digestivo e AIDS

• Epstein-Barr • Micobacteriose
Tem sido associado a hepatite crônica ativa em crianças com ~a infecção mais comumente diagnosticada por biopsia he-
AIDS. Pode induzir o aparecimento de doenças linfoprolifera- pática em pacientes com AIDS. A reativação de focos latentes do
tivas. Detecção imuno-histoquímica e hibridização in situ são Mycobacterium tuberculosis ocorre em fases precoces da doen-
úteis no diagnóstico. O tratamento é dirigido para as compli- ça, e o aumento de linfonodos do hilo hepático pode provocar
cações. obstrução biliar. Já as mico bactérias atípicas {Prancha 6.1 F)
acometem o fígado em fases tardias de imunodepressão (CD4
$; 100/mm3). O paciente encontra-se febril, emagrecido, com
• Cryptococcus neoformans, Histoplasma sudorese noturna, hepatomegalia, elevação de fosfatase alcalina
capsulatum (Prancha 6.1E), Candida albicans e, às vezes, discreta elevação de transaminases.
Em se tratando do Mycobacterium tuberculosis (Prancha
e Coccidioides immitis 6.1G), a biopsia hepática revela granulomas bem formados
São, ocasionalmente, descritos como agente.s de doença he- e, geralmente, com poucos bacilos. Granulomas pequenos e
pática. A resposta inflamatória é do tipo granulomatosa, com malformados são sugestivos de infecção pelo Mycobacterium
granulomas malformados e com poucas células. Conquanto os avium. Não se observa necrose caseosa nesses granulomas. Es-
microrganismos possam ser vistos na coloração por hematoxi- tudos comprovam que a histologia é mais sensível do que a cul-
lina-eosina, outras colorações especiais são importantes (p. ex., tura em detectar micobactérias no tecido hepático; entretanto,
PAS com diástase e Grocott). O uso de zidovudina e gancidovir a cultura pode ser positiva mesmo na ausência de granulomas
pode levar a uma neutropenia grave e favorecer o aparecimento e bacilos à histologia, o que torna a sua execução indispensá-
de abscessos por Aspergillus sp. veL Pacientes febris, com biopsia de medula óssea negativa,
Como são doenças sistêmicas, o diagnóstico pode ser feito a revelam, ao exame histológico do figa do, micobactérias em até
partir de secreções pulmonares, líquido cerebroespinal, exames 33% dos casos.
sorológicos e aspirado de medula óssea. Entretanto, a biopsia O tratamento do Mycobacterium tuberculosis no figado obe-
hepática é necessária em muitos casos e, de preferência, sob dece aos princípios da doença pulmonar (isoniazida, rifampi-
visão laparoscópica. O fluconazol (200 a 400 mg!VO/dia) e a cina e pirazinamida, podendo ser associado o etambutol ou a
anfotericina B (0,5 a 1 mg/kg/IV/dia) são boas opções terapêu- estreptomicina). Os esquemas para tratamento do Mycobacte-
ticas. Fatores estimuladores de colônias de granulócitos devem rium avi um são prolongados e têm posologia empírica (clari-
ser considerados nos casos de neutropenia grave. tromicina, etambutol e clofazimina, podendo ser associada a
ciprofloxacino). A febre pode levar semanas para desaparecer,
mesmo após início do tratamento.
• Pneumocystis carinii
Patógeno eucarionte, foi inicialmente descrito como sendo
um protozoário; entretanto, as últimas revisões o classificam • Peliose hepática
como fungo. Isso se deve, entre outras características, à simi- Nos pacientes com AIDS, geralmente é secundária à disse-
laridade do material genético (inclusive DNA mitocondrial) minação sistêmica do agente da angiomatose bacilar (um bacilo
desse agente com os basidiomicetos. Sua identificação como gram-negativo denominado Rocha/imaea quintana). Entretan-
causa de doença extrapulmonar é cada vez mais frequente. O to, nem todos os casos de peliose hepática podem ser atribuídos
envolvimento hepático ocorre, em muitos casos, associado à a esse agente, e pacientes HIV-negativos também desenvolvem
nebulização profilática com pentamidina, que induziria a dis- peliose hepática. Histologicamente, a doença é caracterizada por
seminação do Pneumocystis. A histologia da doença no fígado múltiplos cistos pequenos, 1 a 2 mm de diâmetro, preenchidos
é similar à do pulmão, com um exsudato eosinofilico, fraca por sangue, associados a um estroma fibromixoide, contendo
atividade inflamatória e aglomerados de microrganismos. Não poucas células inflamatórias, capilares e "ninhos" de material
existem alterações bioquímicas sugestivas da infecção, sendo a granuloso, que podem corresponder aos bacilos (semelhantes
biopsia responsável pelo diagnóstico da doença hepática. O tra- às riquétsias). Alguns autores sugerem uma provável associação
tamento é realizado com sulfametoxazol-trimetoprima (15 mgl do agente com a doença da arranhadura do gato, embora novos
kg!TID por 21 dias VO ou IV). estudos microbiológicos sejam necessários para estabelecer o
real papel da Rochalimaea quintana na peliose hepática. Eri-
tromicina é o tratamento de escolha, e a regressão espontânea
• Toxoplasmose das lesões hepáticas também já foi descrita.
Apresenta caráter sistêmico, sendo a forma cerebral mais
grave do que a hepática. Pode ser achado ocasional de biopsia.
O uso de pirimetamina (50 a 100 mg!VO/dia) e sulfadiazina
• Sarcoma de Kaposi (SK)
(1 a 1,5 gNO/QID) é útil na doença hepática. ~ a neoplasia hepática mais frequentemente encontrada em
necropsias de pacientes com AIDS. As lesões viscerais são, em
geral, assintomáticas e acompanham cerca de 30% dos casos de
• Leishmaniose SK cutâneo (Figura 6.1). Fígado, intestinos e pulmões podem ser
A leishmaniose víscera! é relativamente frequente em pa- o local primário da doença. De uma malignidade rara e indolente
cientes com AIDS. Febre, queda do estado geral e esplenome- em pacientes imunocompetentes, o SK assume um comporta-
galia são características da maioria dos casos. Também lesões mento agressivo nos pacientes com AIDS. O exame laparoscó-
gástricas têm sido descritas com relativa frequência, como acha- pico permite a biopsia hepática dirigida de lesões violáceas ou
do endoscópico. O aspirado de medula óssea permite a iden- acastanhadas, subcapsulares, cuja histologia revela nódulos he-
tificação das leishmânias. A resposta ao tratamento com anti- morrágicos afetando, inclusive, os tratos portais. A quimioterapia
moniais pentavalentes e pentamidina é precária. sistêmica tem melhor resultado em fases precoces da doença.
Capitulo 6 I Aparelho Dige5tivo e AIDS 71

podendo ser recalculado durante a internação. O tratamento


• Linfomas da pancreatite aguda é principalmente suportivo e consiste no
O linfoma não Hodgkin é o predominante, sendo de alto emprego de analgésicos, reposição hidreletrolítica, suporte nu-
grau e de cBulas B. O envolvimento extranodal e a doença difu- tricional e, eventualmente, antibióticos e antivirais. Os pacien-
sa são a regra no paciente com AIDS. Alguns casos de acometi- tes devem ser monitorados para detecção dos sinais de falência
mento primário do f!gado são relatados. A doença de Hodgkin, de múltiplos órgãos, como hipotensão, síndrome de angústia
embora menos frequente, também é descrita no f!gado, apre- respiratória, coagulopatia, insuficiência renal e sangrarnento
sentando comportamento agressivo tanto do ponto de vista gastrintestinal. Também as complicações locais (pseudocisto
histológico quanto clínico. Os e.squemas clássicos de quimio- pancreático, abscesso e necrose) serão objeto de vigilância cons-
terapia são utilizados e produzem resultados piores do que na tante. As principais etiologias da pancreatite aguda relacionadas
população soronegativa para o HIV. com a AIDS estão listadas no Quadro 6.6.

• Drogas e hepatotoxicidade • Esteatorreia


Vários agentes farmacológicos utilizados pelos pacientes !:. definida como a excreção maior que 6 gldia para uma
com AIDS são hepatotóxicos. Cerca de 10% desses pacientes dieta de 100 gldia de lipídios. No contexto da AIDS, é neces-
apresentarão algum tipo de complicação hepática secundária ao sária uma pesquisa exaustiva, em material fecal e biopsias de
uso de medicamentos. Os principais achados da doença hepá- mucosa intestinal, de agentes como Cryptosporidium, Myco-
tica induzida por drogas são: esteatose, colestase, granulomas, bacterium avium, citomegalovírus e Microsporidium. Os dados
fibrose, sobrecarga de ferro transfusão-dependente, necrose he- clínicos sugestivos de insuficiência pancreática incluem dolori-
patocelular e insuficiência hepática fulminante. As drogas que mento e distensão abdominal, diabetes, alcoolismo e calcifica-
merecem maior vigilância são zidovudina, didanosina, isonia- ções pancreáticas. Se a esteatorreia for de origem pancreática,
zida, cetoconazol, sulfametoxazol-trimetoprima, pentamidina, a histologia do intestino delgado e a prova da o-xilose serão
difenil-hidantoína e rifampicina. normais; caso contrário, tornar-se-á difícil determinar o meca-
A entidade "hepatite granulomatosa" (quando nenhum nismo preponderante da má absorção. Em fases avançadas da
agente potencial é identificado) ainda é alvo de calorosas dis- AIDS, a insuficiência pancreática pode originar-se da síntese
cussões. Uma resposta granulomatosa ao próprio HIV já foi enzimática diminufda, secundária à desnutrição.
postulada como responsável pelo desencadeamento do quadro
(Prancha 6.1 H).
• Icterícia obstrutiva
Nas causas relacionadas com a AIDS, destacam-se: colangi-
• PANCREAS te esclerosa.nte secundária e compressão biliar por sarcoma de
Kaposi e linfomas, envolvendo linfonodos periportais, duetos
Estudos de necropsias revelam lesões pancreáticas em cerca biliares e cabeça do pâncreas. A colangite esclerosante, nesses
de 10% dos pacientes com AIDS. Alcoolismo e uso de drogas casos, está associada à infecção por citomegalovirus, Cryptos-
injetáveis foram os principais fatores de risco nessa população. poridium, Mycobacterium avi um ou Microsporidium.
A doença pancreática desenvolve-se a partir de infecções, neo-
plasias, medicamentos e outras condições relacionadas com a • Intolerância à glicose
AIDS. O diagnóstico diferencial dessas manifestações inclui as
seguintes entidades. Pode ser secundária à toxicidade da pentamidina. O acome-
timento pancreático maciço pelo sarcoma de Kaposi, embora
raro, também interfere no metabolismo da glicose. O próprio
• Hiperamilasemia e panaeatite aguda HIV já foi responsabilizado por uma disfunção de cBulas beta,
A hiperamilasemia sem pancreatite é achado relativamente das ilhotas de Langerhans, levando a um quadro de diabetes
frequente na AIDS e pode ser secundária à insu.fici~ncia renal dependente de insulina. Há estudos de engenharia genética em
(nefropatia associada a AIDS), macroamilasemia (imunocom- andamento, visando à identificação de material genético do
plexos circulantes) e hiperamilasemia salivar (doença da paróti- HIV nos cromossomas das células beta do pâncreas.
da). A pancreatite aguda é mais comum entre os pacientes inter-
nados, em estado grave e sob ação farmacológica constante.
O quadro agudo é caracterizado por dor em faixa no an-
dar superior do abdome, náuseas, vômito, elevação de amilase T- - - -
(não obrigatória) e, mais tardiamente, da lipase. A tomografia Quadro 6.6 Principais etiologias da pancreatite
computadorizada pode evidenciar o edema pancreático e a he- aguda relacionadas à AIDS
terogeneidade do tecido peripancreático. As características ul-
trassonográficas da pancreatite aguda nos pacientes com AIDS lnfe<:ções Cilomegalovírus Drogas: Oidanosina
são similares àquelas dos pacientes não infectados pelo HIV. Tt»<<pposmo gondii Pentamidina
Entretanto, em pacientes com AIDS, o figado e os rins podem Ctyproaxcus MOformons Sulfametoxazol·
ser mais ecogênicos, tornando o pâncreas relativamente hipo- Trimetoprima
Condido olblcons
ecog~nico, o que acarreta o diagnóstico errôneo de pancreatite Octreotldio
HIV(?)
em alguns pacientes. O reconhecimento precoce de um episó-
dio grave de pancreatite aguda demanda cuidados intensivos,
sendo o APACHE li utilizado com frequência para esse fim, ----------------
Neoplasias Sarcoma de Kaposi e linfomas
72 Capitulo 6 I Aparelho Digestivo e AIDS

• Massa pancreática agudos, e não crônicos. Já as infecções oportunisticas são fre-


quentes nos pacientes com alterações pancreatográficas do tipo
Em função da localização retroperitoneal do pâncreas, torna- crônicas. O Cryptosporidium, por colonização ascendente atra-
se rara a detecção precoce de tumorações pancreáticas. Aliás, vés da papila, pode afetar os duetos biliares e pancreáticos. Ou-
essas tumorações podem nascer de uma lesão pancreática in- tros agentes, como Candida, citomegalovírus eM ícrosporidíum,
trínseca, ser uma extensão direta de uma víscera adjacente, uma também são potencialmente lesivos aos duetos pancreáticos,
metástase ou um linfonodo peripancreático. Em se tratando de promovendo a fibrose pancreática. Com base em achados pan-
AIDS, todas as possibilidades devem ser consideradas. creatográficos, alguns autores têm sugerido a denominação
O estudo radiológico de uma massa pancreática é feito atra- "pancreatite esclerosante relacionada com a AIDs•, embora
vés da apreciação indireta dos seus efeitos sobre o intestino novos estudos sejam necessários para melhor compreensão da
adjacente. Uma ulceração duodenal pode representar exten- fisiopatologia do processo.
são direta do processo, a estenose luminal uma compressão
extrínseca e o alargamento do arco duodenal traduz o cres-
cimento de uma massa em topografia de cabeça de pâncreas. • Toxicidade pancreática induzida por drogas
A ultrassonografia auxilia na distinção entre massas císticas e Pentamídina ::) Usada no tratamento das infecções por
sólidas, e a tomografia computadorizada identifica adenopatia Pneumocystis carinii, é altamente lipofilica e acumula-se
peripancreática e invasão de vasos adjacentes. Uma história clí- no pâncreas. Causa lesão da cé.lula acinar pancreática as-
nica de alcoolismo, dor abdominal e pancreatite sugere uma co- sociada a mecanismos imunológicos. Tanto a terapêutica
leção pancreática aguda ou um pseudocisto como responsáveis sistêrnica quanto o uso de aerossóis podem desencadear
pela · massa• pancreática. A triade perda de peso, hiporexia e a pancreatite aguda. Geralmente, o quadro se instala en-
icterícia progressiva indica um processo neoplásico que, no caso tre o 6.• e o 21.• dia após início do uso. A pentamidina é
de pacientes jovens com AIDS, pode ser um linfoma ou o sar- excretada pelos rins, e a insuficiência renal pode agravar
coma de Kaposi. As infecções pancreáticas associam-se a febre, a sua toxicidade. A hiper ou a hipoglicernia precede o
sudorese noturna e leucocitose (que pode estar ausente). Geral- quadro de pancreatite, que apresenta os sinais e sintomas
mente, produzem massas heterogêneas e até dsticas. A erosão clássicos. O tratamento consiste em suspensão da penta-
de linfonodos retroperitoneais para o parênquima pancreático midi.na, analgésicos e hidratação parenteral. A resolução
é uma forma importante de disseminação do Mycobacterium do quadro leva cerca de 2 semanas. O metabolismo da
tuberculosis. O diagnóstico é tentado, inicialmente, em locais glicose deve ser acompanhado de perto nos pacientes em
periféricos, medula óssea e fígado. A biopsia pancreática diri- uso de pentamidina, visto que a hipoglicemia pode ter
gida por ultrassom deve ser realizada com absoluta segurança consequências catastróficas para esses pacientes.
em relação aos parâmetros de coagulação e condição clinica Sulfametoxazol-trimetoprima ::) A pancreatite desenvolve-
do paciente. Os estudos histopatológico e microbiológico do se em torno do 7.• dia de tratamento, assumindo a forma
espécime colhido são de fundamental importância. edematosa na maioria dos casos. A interrupção do me-
dicamento promove o alfvio dos sintomas em 3 dias. Pa-
cientes com algum grau de insuficiência renal encerram
• Abscesso pancreático pior prognóstico e têm risco de hipoglicemia grave.
O diagnóstico diferencial de uma massa pancreática dstica Dídanosina::) Cerca de 2% dos pacientes em uso desse me-
envolve: coleção aguda, pseudocisto, necrose tu moral e abscesso dicamento irão desenvolver pancreatite. Geralmente, é
pancreático. Este último cursa com febre, episódios de sudo- associada à zidovudina no tratamento espedfico anti-
rese e calafrio, fadiga e perda de peso. O paciente com AIDS HN. Pode desencadear hiperarnilasernia assintomática, e
pode não desenvolver leucocitose na presença de um abscesso. a pancreatiteocorre entre a 6.• e a 24.• semana após início
A tomografia computadorizada é o exame de primeira escolha do tratamento. São episódios graves de pancreatite, com
para estudo de um abscesso pancreático. Infecções por mico- evolução para óbito em I0% dos casos. A didanosina deve
bactérias e Aspergillus respondem por vários casos na AIDS, ser descontinuada já na detecção da hiperamilasetnia, po-
sendo a disseminação sistêrnica uma constante. dendo demorar até 2 semanas para resolução do quadro
Os abscessos pancreáticos na AIDS devem ser aspirados clínico. Os principais fatores de risco para desenvolvi-
sob controle ultrassonográfico e, quando necessário, realizar mento de toxicidade pancreática são episódios prévios
drenagem externa com antibioticoterapia de amplo espectro de pancreatite, altas doses de medicamentos, baixa con-
de cobertura. tagem de linfócitos CD4 e estado geral debilitado.
Octreotfdío ::) Análogo da soma tostatina, tem sido usado
para tratamento de diarreias graves e refratárias em pa-
• Pancreatite crônica cientes com AIDS. Relatos apontam como de 48 h o inter-
Pouco se sabe a respeito da pancreatite crônica relacionada valo médio entre o uso da medicação e o estabelecimento
com a AIDS. Os pacientes com quadro de insuficiência pancreá· da pancreatite. Embora não haja consenso, acredita-se
tica e malabsorção, quando submetidos à colangiopancreato- que o octreotídio iniba a secreção ductal pancreática, di-
grafia endoscópica retrógrada (CPER), apresentam alterações minuindo o fluxo e levando à obstrução subsequente. A
pancreatográficas em metade dos casos. Essas alterações são suspensão da droga e a hidratação parenteral generosa
compatíveis com formas crônicas de pancreatite e estão inti- são os principais pontos do tratamento.
mamente relacionadas com a coexistência de colangite esde-
rosante secundária. Os achados de necropsia revelam fibrose
pancreática e estenoses do dueto pancreático principal.
• Peritônio
A etiologia da pancreatite crônica relacionada com a AIDS A doença peritoneal nos pacientes com AIDS representa, em
é bastante discutida. Estudos recentes mostram que o padrão geral, uma extensão da doença gastrintestinal. A diferenciação
de toxicidade pancreática induzido por drogas leva a quadros entre doenças de natureza cirúrgica e aquelas que demandam
Capitulo 6 I Aparelho Digestivo e AIDS 73
tratamento clinico é bastante complexa na AIDS. A imunossu- como a cirrose, a insuficiência cardfaca e a hipoalbuminemia.
pressão favorece as apresentações atípicas das infecções opor- A biopsia laparoscópica, ou com guia radiológico, do omen-
tunísticas, dificultando o diagnóstico. Os principais quadros to ou peritõnio, pode ser diagnóstica em pacientes com AIDS
peritoneais na AIDS são dicutidos nos tópicos a seguir. que desenvolvem ascite exsudativa e cujo exame do liquido
mostrou-se inconclusivo.
• Abscesso peritoneal
A clínica compreende febre, sudorese, fadiga, sensibilidade
• Peritonite
abdominal localizada, às vezes uma massa palpável e leucocitose Febre, taquicardia, taquipneia, hipotensão, descompressão
com neutrofilia. Em se tratando de pacientes com AIDS, a febre abdominal dolorosa, distensão e defesa abdominal são sinais e
e a leucocitose podem estar ausentes. Métodos de imagem (ul- sintomas que podem ser encontrados em pacientes com perito-
trassom, tomografia computadorizada e ressonância magnética nite. Os ruídos hidroaéreos diminuídos ou ausentes represen-
nuclear) podem mostrar uma massa heterogênea, com níveis tam paralisia e/ou distensão importante de alças e até isquemia
hidroaéreos, deslocamentos viscerais e linfadenopatia. Os prin- da parede intestinal. Nos pacientes com AIDS, a resposta infla-
cipais agentes etiológicos são micobactérias, citomegalovírus, matória à irritação peritoneal é, geralmente, atípica, atenuada
Aspergillus, Histoplasma capsulatum, Candida, Encepha/itozo- e tardia. A concomitância de infecções oportunísticas extra-
on cuniculi e Nocardia brasiliensis. Para isolamento do agente, abdominais pode modificar a apresentação clinica de uma pe-
recomenda-se a aspiração percutânea guiada por ultrassom. ritonite. Os principais agentes etiológicos relacionados com a
O tratamento baseia-se no principio do esvaziamento da(s) peritonite crônica na AIDS estão listados no Quadro 6.7.
loja(s), embora a disseminação seja frequente e a terapêutica Os sinais radiológicos que chamam a atenção para doença
antimicrobiana, indispensável. abdominal importante são o pneumoperitônio, a imagem da
"impressão digital" na parede das alças, a perda das haustrações
colônicas e a presença de ar na parede intestinal e sistema por-
• Massa peritoneal ta. Os achados compatíveis com obstrução intestinal incluem
As principais causas de massa peritoneal na AIDS são vis- dilatação proximal, múltiplos níveis hidroaéreos e ausência de
ceromegalias, linfadenopatias, neoplasias (sarcoma de Kaposi ar na ampola reta!. A perfuração intestinal (com contamina-
e linfomas), hemorragias encistadas, pseudocisto pancreático e ção por gram-negativos e anaeróbios) e a peritonite piogênica
abscessos. A propedêutica é iniciada com métodos de imagem requerem laparotomia após estabilização hemodinâmica do
para esclarecimento da natureza e provável etiologia da "mas- paciente. Mesmo com o atendimento adequado, esses casos
sa". O diagnóstico definitivo é firmado pela histologia e análise exibem elevadas taxas de mortalidade.
microbiológica do material colhido diretamente da lesão. Nos pacientes com AIDS, ocorre pouca mobilização de leu-
cócitos para o fluido ascítico, inclusive nos quadros agudos de
peritonite. Nos casos crônicos, como na tuberculose, os linfó-
• linfadenopatia peritoneal citos predominam e o liquido ascltico deve ser cultivado para
~geralmente associada a febre, emagrecimento e fadiga. As micobactérias e fungos. Também é relatada a ocorrência de pe-
principais causas na AIDS são as micobacterioses e os linfomas; ritonite bacteriana espontânea (PBE) em pacientes com AIDS,
entretanto, fungos e vírus também devem ser pesquisados. A sem perfuração intestinal e com pequenos volumes de liquido
tomografia computadorizada é excelente exame para avaliação ascítico. Os fatores de risco para PBE são a baixa concentração
da linfadenopatia abdominal. Caso não exista um linfonodo pe- de proteina no liquido ascítico, a imunodepressão e a debilidade
riférico acometido, nem infiltração da medula óssea ou mesmo do quadro clinico. A infecção é, geralmente, monomicrobiana e
lesões hepáticas, pode-se tentar uma biopsia direta de linfonodo os principais agentes são Escherichia co/i, Klebsiella e Streptococ-
abdominal guiada por tomografia computadorizada, ou lapa- cus. Na AIDS em particular, existe um risco aumentado de PBE
roscopia. A linfangiografia é raramente útil no diagnóstico. por Salmonel/a. O tratamento é clinico, com antibioticoterapia
sistêmica (cefotaxima, ceftriaxona ou ciprofloxacino ).
O diagnóstico diferencial de um paciente com AIDS com
• Ascite suspeita de peritonite deve ser feito, principalmente, com pan-
As principais causas de ascite relacionadas com a AIDS são creatite, pseudo-obstrução colônica, megacólon tóxico e absces-
hipoalbuminemia (desnutrição), linfomas, nefropatia pelo HN so peritoneal. As causas mais prevalentes de laparotomia de ur-
(com sindrome nefrótica) e infecções oportunlsticas indutoras gência em pacientes com AIDS são expostas no Quadro 6.8.
de peritonites crônicas exsudativas. Por último, salientamos o comportamento agressivo das
Os sinais e sintomas da ascite vão depender do volume de neoplasias gastrintestinais na AIDS, com rápida disseminação
liquido acumulado, variando desde quantidades só detectadas na cavidade abdominal. Cerca de 95% desses tumores são lin-
com métodos de imagem até volumes maiores, que requerem fomas não Hodgkin e sarcoma de Kaposi, sendo o carcinoma
paracentese de alivio. Em todos os casos, o liquido ascítico é
colhido para exame bioquímico, citológico e microbiológico
(indispensável em pacientes febris).
Por convenção, o liquido ascítico é classificado como exsu- ------------------T------------------
dato quando contém mais de 3 gldl de proteina, e como tran- Quadro 6.7 Causas de peritonite crônica relacionadas à AIDS
sudato quando contém menos de 3 gldl. Outras características
do exsudato são a alta concentração de lactato-desidrogenase e Mycobacteríum tubercu/osís Aspergilus fumigorus
um baixo gradiente soro-ascite de albumina. Como exemplos Mycobacterium ovlum-ínrrocel/ulore Condido o/bicons
de condições clínicas que podem gerar uma ascite do tipo exsu- Encepholltozoon cunicu/í Pneumocystis corinii
dato, citamos: neoplasias, doenças granulomatosas, pancreatite,
Toxop/asmo gondii Cryptococcus neoformans
rnixedema e vasculites. Já o transudato aparece em situações
74 Cap itulo 6 I Aparelho Digestivo e AIDS

T- Cochn, PT et aJ. lhe AIDS Knowlcdgc Base: A Textbook on HIV Duease from
the University ofCalifornia. San Francisco and San Francisco General Hos·
Quadro 6.8 Causasgastrintestinaisde laparotomia de urgêncianaAIDS pita!, 1999.
Coopcr, CL. Expert Rev. Antf.lnJec. Ther., 2005; 3:81-9.
Apendicite Citomegalovfrus Dani, R. Diniz, LFD, MeircUcs, RS, Rodrigues, JJV. Andrade, MC. Castro, LPP,
Colecistite Citomegalovfrus Toppa, NH. Laparoscopic, histologic and microbiologic findings in HJV-
infectcd paticnts. G.E.D.,I998; 17:5·11.
Cryptosporidium Dassapoulos, T & Ehrcnprcis. ED. Acute pancreatitis in human immunodefi·
Obstrução intestinal Micobacterioses ciency virus-infected patients: a rcview. Am. ]. Med., 1999; 107:78·84.
Citomegalovírus Idemyor V. HIV ClinicaJ Tria/s., 2005; 6:43·9.
Kotler, OP. lhe gastrintestinal and hepatobiliary systems in HIV infeclion.
Strongylo/des stercoralis Em: Wormser, GP. A Clinicai Guide to AIDS and HIV, I " cd., PhUadelphia,
Linfomas Lippincott-Raven, 1996.
Kotler, DP. EvaluaJion and MaruJgtmtnt ofDia"hea in tht AIDS Patitnt. AGA-
Sarcoma de Kaposi postgraduate Coursc SyUabus. Washington DC. May 10 a 11, 1997.
lsquemia intestinal Kulkarnj, S, Kairon, R, Sane, S el ai. Opponunistie parasitie infeetions in HIV/
AIDS patie.nts presenting with diarrhoea by lhe levei ofimmunesuppression.
Perfuração Intestinal Unfomas
lndian ]. Med. Reuarch., July 2009; 130:63·6.
Sarcoma de Kaposi Lew, EA, Dieteric.h, DT, Potes. MA, Sc.holes, fY. Ga.strintestinal emergencies in
Citomegalovírus rhe parlenl with AIDS. Criticai Care Clin.lcs, 1995; 11 :531-60.
Manfred.i, R & Calza, L. HIV infection and the pancreas: risk factors and poten-
Campylobacter fetus [ial ma.nagernent guidelines. lntern. STD 6- AIDS, 2008; 19: 99·105.
Nocardia brasiliensis Merigan, TC. Bartlett, JG, Bolognesi, D. Textbook of AIDS Mtdicine, 2• ed.,
Nova York, Williams & Wilkins, 1999.
Mycobacterium tubercu/osis Monkemuller, KE et ai. HIV and chronic vira! hepatitis. Dig. Dis. Sei., 2005;
Cryptococcus neoformans 50:230-4.
Osinusi, A, Kleiner, O, \Vood, B, Polls, M, Masur, H, Kottllil, S. Rapid develo-
Candida albicans
pment of advanced liver fibrosis after acquisition of hepatitis C infection
during primary HIV infection. AIDS Patient Care And Stds., June 2009;
23:403-6.
Poles, MA, Dieterich, DT, Schwarz., ED, Weinshel, EH, Lew, EA, Scholes, JV.
Liver biopsy findings in 501 patients infectcd wilh human immunodefi.
anal responsável por 2% dos casos. Essas neoplasias surgem em ciency virus (HIV}./. Acq .lmm. Defic. Syndromes Human Retroviro/.,1996;
pacientes jovens (como são a maioria dos enfermos com AIDS), 11:110-1.
Sande, MA & Volberding, PA The Medicai Management ofAIDS, 2"" cd., Phi·
em localizações atípicas e apresentam alto grau de malignida- ladelpbia, W.B. Saunders, 1995.
de clínica e histológica. O diagnóstico, com frequência, é feito Simon, D & Brandt, LJ. Biliary infections in lhe immunocompromised patient.
em fase de disseminação peritoneal; por isso, devemos utilizar Em: Wolfe, MM. Therapy of Digestive Duorders, I" ed. W.B. Saunders, Phi-
métodos de estadiamento sensíveis, sobretudo o laparoscópico, ladelpbia, 2000.
Talens, A, Montoya, E, CubeUs, ML, Garcia Novales, J, Martín02 Sanjuin, V.
para o exame preciso da serosa parietal. Hernandéz, E, Pedro. F, Donderis, P, Celma, J. Pancreatitis aguda y sindrome
de inmunodeficiencia adquirida. Rev. Esp. Enf. Digest., 1996; 88:155·9.
Vila, VT Jr, HeUman, S, Rosemberg, S, Curran, J, Essex, M, Fauci, A. AIDS
- Etiol<>gy, Diagnosis, Treat.mnt and Prevention, 4" ed., Philadelphia, Li·
• LEITURA RECOMENDADA ppincott-Ravcn, 1997.
Vuitton, DA, Chossegros, P. Bresson-Hadn~ S, Delfraissy, )F, Kirn, A, Mar·
Barthet, M, Chauvcau, E, Bonnct, E, Petit, N, Bcrnard, JP, Gastaut, JA, Sahcl, J. ccUin, P, Pol, S ct Saint-Paul. Foic, voics blliaircs ct infection par !e virus de
Pancreatic ductal changes in HIV·infected patients. Gastrointe.st. Endosc.• l'immunodéficience humaine. Gastroenterol. Clin. BioL, 1996; 20:281·93.
1997; 45:59-63. Werneck·Silva, A & Prado, I. Gastroduodenal opportunistic infections and
CcUo, JP. Human immunodcficicncy virus and associatcd blliary tract dlscase. dyspepsia in HIV-infected patients in lhe era ofHighly ActiveAntiretroviral
Sem. Liver Du., 1992; 12:213·8. lherapy. J. Gastroenterol. HepawL; 2009; 24:135-9.
7 Parasitoses Intestinais
Pedro Duarte Gaburri, Aécio Flávio Meirelles de Souza,
Ana Karla Gaburri e Elson Vida/ Martins Junior

• INTRODUÇÃO • HELMINTfASES
Fatores comportamentais, geográficos, socioeconômicos, • Ascaridíase
culturais e imunológicos são de grande relevância na ocorrên-
cia de doenças causadas por parasitos intestinais. Abordare- O Ascaris lumbricoides é o parasito que acomete mais fre-
mos neste capitulo as doenças mais frequentemente encon- quentemente a população brasileira, e sua penetração no orga-
tradas nos serviços de atendimento médico causadas por tais nismo se faz VO, através de ovos embrionados expulsos com as
agentes. No Brasil, este grupo de doenças tem sua importância fezes, os quais contaminam a água e os alimentos. Sua transmis-
muito bem representada pelo Ascaris lumbricoides, que, em são se realiza pela via fecal-oral, e a prevalência se faz mais ele-
algumas regiões, é encontrado em mais de 70% da população, vada em áreas com condições higiênicas e sanitárias precárias,
sobretudo nas crianças. Dentre os helmintos, alguns determi- o que favorece a infecção humana por outros patógenos, que
nam graves lesões, por vezes letais. Quanto aos protozoários, a seguem a mesma via e podem ocasionar parasitismo múltiplo.
ameblase e a giardfase se destacam, embora, nos últimos anos, Tendo ciclo pulmonar, a passagem pela corrente sanguínea e
a criptosporidlase tenha ganhado ~nfase em face da sua elevada pelo pulmão pode levar a alterações respiratórias e sistêmicas.
incidência em doentes com AIDS. A grande migração urbana Entretanto, a ação patogênica principal é mec4nica, em virtude
ocorrida em nosso pais, em alguns estados, tem promovido urna de seu tamanho e, não raro, da exist~ncia de centenas de parasi-
mudança na frequ~ncia das diversas parasitoses, antes muito tos no lúmen intestinal. A presença do parasito, seja no intesti-
prevalentes nas tonas rurais. Não se veem mais hoje em dia, nos no delgado, seu habitat natural, seja em localizações ectópicas,
hospitais, enfermarias com vários pacientes com anemia crôni- como as vias biliares, o canal pancreático ou as vias respiratórias
ca grave, com níveis de hemoglobina abaixo de 5 g%, como era superiores, assume grande significado, pelas obstruções resul-
comum se encontrar em meados do século passado. A esquis- tantes. A ação espoliadora é significativa, se considerarmos que
tossomose, será abordada no Capitulo 101. suas vítimas são, muitas vezes, pessoas acometidas de desnu-
trição. A necessidade de maturação dos ovos no meio externo
não permite a transmissão direta entre as pessoas.
• ETIOLOGIA O quadro clinico da doença vai depender da carga parasitária
e da localização dos vermes. Um pequeno número de parasitos
São vários os organismos que podem parasitar o aparelho pode não produzir sintomas, mas casos de infestações maci-
digestivo do homem; todavia, estudaremos aqui apenas as doen- ças, com centenas de vermes adultos localizando-se no intes-
ças causadas por helmintos e protozoários, que serão avalia- tino delgado, ocasionam cólicas intestinais, náuseas, vômito e
das em seus aspectos básicos para favorecer seu tratamento e distensão abdominal. Novelos de vermes adultos podem gerar
prevenção. obstrução intestinal. A tendência migratória do Ascaris lumbri-
coides favorece a entrada nas vias biliar e pancreática, causando
icterícia obstrutiva com colangite, ou pancreatite aguda. Formas
• PATOGENIA - QUADRO ClfNICO mais jovens que ascendem aos canais biliares intra-hepáticos
-DIAGNÓSTICO podem provocar abscessos no fígado. Não raramente, os ver-
mes adultos ascendem às partes mais altas do tubo digestivo
Para uma fácil compreensão da ação patogênica dos para- e podem ser expulsos pela boca ou pelo nariz. As crianças são
sitos e das manifestações clinicas das parasitoses intestinais, mais propensas a desenvolver quadros mais sintomáticos, em
destacaremos de forma sucinta alguns aspectos referentes à sua face não só do maior número de parasitos, como também do
biologia. Dessa maneira, poderemos entender melhor o quadro menor diâmetro de suas alças intestinais. A migração pulmonar
clinico e o diagnóstico dessas parasitoses. do parasito, durante seu ciclo, pode originar quadros respira-
75
76 Capfrulo 7 I Paras/toses Intest inais

Figura 7.1 Intensa destruição da mucosa jejunal, com infiltrado infla·


matório, em caso de hiperinfecção por estrongiloidfase. (Esta figura
encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ

tórios com tosse produtiva, escarros hemoptoicos e infiltrados


transitórios, estes identificados em exames radiológicos. Qua-
dros alérgicos. como a asma, têm sido considerados resultado
de hipersensibilidade a substâncias tóxicas produzidas pelo pa-
rasito, mas as convulsões, no passado a ele atribuídas. hoje não
são mais relacionadas com a ascaridíase. Figura 7.3 Mesmo caso da Figura 7.2, após tratamento com tiaben·
O diagnóstico da parasitose se faz pelo achado dos vermes dazol.
adultos nas fezes, de sua expulsão pelas vias respiratórias su-
periores e cavidade oral ou através do exame parasito lógico de
fezes (EPF), que faz o reconhecimento de sua presença no orga- de urna a duas centenas de milhares de ovos por dia facilita o
nismo pelo achado de ovos do parasito. O método empregado diagnóstico. Mais raramente, em exames radiológicos, o ver-
será um dos processos de enriquecimento, como o Hoffmann· me adulto pode ser reconhecido no intestino delgado ou nas
Pons-Janer ou o M1F centrifugado. A postura, por cada fêmea, vias biliares. Em quadros de obstrução intestinal, um aspecto
tipo •miolo de pão• na topografia das alças do delgado sugere
a possibilidade da etiologia da obstrução.

• Andlostomíase
Esta doença. predominante na zona rural, é causada pelo
Ancy/ostoma duodena/is ou Necator americanus, ambos pa-

Figura 7.2 Aspecto radiológico de alça jejunal, em caso de


estrongiloidíase grave, com intensa modificação no padrão da mu· Figura 7 A Exemplar adulto de Trichuris trichiuro, identificado na mu·
cosa. cosa do ceco durante colonoscopia.
Capftulo 7 I Parasitoses Intestinais 77
rasitos intestinais, com localização preferencial no duodeno e a expulsão dos vermes estão na dependência da atividade de
e que, através de dentes ou placas existentes na sua cápsula mastócitos na mucosa entérica. A doença atinge cifras variáveis
bucal, mordem a mucosa, sugam o sangue do hospedeiro, do em diversos países, sendo as crianças e as classes mais pobres as
qual se alimentam, e, ao longo do tempo, sobretudo em infes- mais atingidas. Crianças em idade escolar podem estar acome-
tações intensas, ocasionam uma anemia ferropriva Penetram tidas em taxas acima de 60% em algumas áreas do Brasil. Fato
no organismo através da pele, sob a forma de larvas filarioides de grande significado é a possibilidade de autoinfecção interna
infestantes. Por terem ciclo pulmonar, também determinam ou externa, pela formação e penetração de larvas infestantes no
lesões respiratórias, e sua ocorrência está diretamente ligada interior do próprio intestino ou da pele da região perianal. Essa
ao hábito de andar descalço e ao contato direto da pele com a ocorrência permite o agravamento e a perpetuação da infec-
terra. A doença predomina em países tropicais, com precárias ção humana, sobretudo em doentes imunodeprimidos. Estes
condições higiênico-sanitárias, baixos níveis de educação e de se encontram particularmente em risco de desenvolver a grave
condição econômica. A migração populacional para as cidades, forma de hiperinfecção por Strongyloides stercoralis. As lesões
nas últimas décadas, fez reduzir a frequência de formas mais intestinais variam desde enterites edematosas, com microul-
graves da doença. As lesões iniciais da infestação vão ocorrer cerações e hemorragias, espessamento da parede e atrofia da
na pele, onde petéquias e prurido decorrem da penetração das mucosa, até enterites ulceradas avançadas, com rigidez. edema
larvas. Estas, ao transitarem pelos pulmões, produzem ruptura e fibrose da parede, atrofia da mucosa e úlceras, com ilhotas de
alveolar e hemorragias. No intestino, os vermes adultos produ- mucosa edemaciada de permeio, imitando, ao exame radioló-
zem lesões aftoides na mucosa, sobretudo duodenal, fruto da gico, as alterações observadas na doença de Crohn.
agressão pela mordida, a fim de sugarem o sangue. Estima-se O quadro clínico é dominado especialmente pelas manifes-
que cada verme possa se alimentar de 0,01 a 0,2 me de sangue tações digestivas. As lesões cutâneas em geral não são notadas.
por dia. Dependendo do número de parasitos, do padrão ali- No pulmão podem ocorrer in1iltrados fugazes que se acom-
mentar e do tempo de parasitismo, a espoliação prolongada panham de eosinofilia no escarro e no sangue (sfndrome de
determinará anemia ferropriva grave. LO.ffler). A eosinofilia sanguínea é marcante em quase todas as
O quadro clínico caracteriza-se por manifestações cutáneas, parasitoses intestinais; porém, nessa doença, atinge cifras mais
como urticária e petéquias, às quais se seguem sintomas respira- significativas que nas demais. Formas leves de infecção podem
tórios, como tosse, escarros sangu.íneos e in1iltrados pulmonares ser assintomáticas, mas as queixas digestivas variam desde a
resultantes da migração Jarvária. Essas alterações são raramente diarreia crônica sem particularidades até formas clássicas de má
percebidas, exceto nas infestações maciças. As manifestações absorção com esteatorreia e emagrecimento acentuado.
digestivas são representadas sobretudo por epigastralgia inca- Doentes com infestação maciça e déficit imunológico apre-
racterística e sangue oculto nas fezes. Os exames endoscópicos sentam disseminação parasitária, com quadros graves de üeo
permitem a identificação da duodenite, resultante de mordidas paralítico, lesões pulmonares, hepáticas e do sistema nervoso
sucessivas na mucosa, visto que o parasito muda frequente- central. O óbito pode ocorrer nessas ocasiões. Grande atenção
mente o local de sua fixação. A maior representação clínica da deve ser dispensada aos doentes que necessitam de corticoste-
doença, no entanto, é a anemia, com palidez cutânea e muco- roides em doses elevadas, bem como de irnunodepressores e
sa de grau variável, fadiga fácil, edema de membros inferiores quimioterápicos, e que se enquadram nas condições predispo-
e insuficiência cardíaca congestiva nas formas mais graves. A nentes aqui já descritas, sobretudo porque esses medicamentos
geofagia é comum nesses casos. facilitam a instalação da grave hiperinfecção pelo parasito. Nos
O diagnóstico é realizado através do EPF, pelo achado de últimos anos, diversos casos de infestação maciça vêm sendo
ovos ou larvas nas fezes, e a associação de dados epidemioló- descritos nas mais variadas formas de transplantes de órgãos,
gicos e a anemia ferropriva são indicadores que podem levar tendo no uso de imunossupressores um dos motivos predispo-
à suspeita clínica. nentes mais importantes. Aqueles que se acham em fase pré-
transplante devem ser exaustivamente investigados quanto à
possível existência de estrongiloidíase e tratados previamente
• Estrongiloidíase se infectados.
Seu agente etiológico é o Strongyloides stercoralis, cuja fê- O diagnóstico da doença é realizado pelo encontro de lar-
mea partenogenética parasita o intestino delgado do homem, vas rabditoides do parasito no EPF, sendo raro o encontro de
especialmente o duodeno e o jejuno, produzindo ovos que logo ovos. O método empregado deve ser o de Baermann-Moraes
dão origem a larvas rabditoides, vistas nas fezes. Em infecções centrifugado, ou o de Rugai, ambos específicos para pesquisa
graves, o verme pode ser encontrado do estômago até o reto. de larvas. Deve-se insistir nessa pesquisa, recolhendo-se três a
Não há machos parasitos, e o helminto penetra no organismo cinco amostras de fezes quando a suspeita clínica é forte. A bile
sob a forma de larvas 1ilarioides infestantes encontradas no aspirada por sonda, ou durante exame endoscópico e subme-
solo, onde também há machos e fêmeas de vida livre. Estes tida ao exame microscópico, pode mostrar a presença de lar-
últimos não parasitam o homem, mas mantêm um ciclo no vas, o mesmo ocorrendo com o escarro. A biopsia de delgado
solo, dando origem a formas larvárias infestantes. As lesões, revela o grau das lesões e inflamação da mucosa, com ou sem
que podem ocorrer na pele e nos pulmões, assemelham-se às a presença do parasito nos fragmentos. Testes imunológicos
descritas para os ancilostom!deos, mas as mais significativas (ELISA, imunofluorescência indireta e radioimunoabsorção)
vão ocorrer no intestino delgado do homem, onde há destrui- são métodos indiretos que podem ser utilizados nas situações
ção da mucosa, com desintegração do epitélio absortivo. Em em que a pesquisa nas fezes for negativa e a necessidade de
condições de deficiência imunológica, o verme pode invadir a confirmação for imperativa.
corrente sanguínea e disseminar-se para outros órgãos, pro- Os remédios usados no tratamento da estrongiloidíase são
duzindo formas letais. Raça branca, sexo masculino, cirurgias tiabendazol, cambendazol, albendazol e ivermectina (Ver Qua-
gástricas, doenças hematológicas malignas, uso de corticoste- dro 7.1). A hiperinfecção por S. stercolaris apresenta elevada
roides, ascaridíase, esquistossomose e cirrose hepática são con- mortalidade, mesmo com tratamento adequado; recomenda-
dições que favorecem a sua ocorrência no homem. A instalação se tratá-la com tiabendazol, 10 mglkgldia, oralmente, por 10
78 Capitulo 7 I Porositoses Intestinais

a 30 dias, ou, alternativamente, 25 mg/kg VO de 12/12 h, dose O quadro clínico é frequentemente destituído de sintomas,
máxima diária de 3 g, por 7 a 21 dias. principalmente em adultos, mas podem ocorrer dores abdomi-
nais, inapetência e, raramente, anemia. O prolapso reta! pode
denunciar infestações maciças, quando os vermes adultos são
• Oxiuríase facilmente identificados na mucosa.
Enterobius vermicularisou Oxyurus vermicularis, seu agente O diagnóstico é feito pelo encontro dos ovos ao EPF, sen-
etiológico, é um helminto que se localiza na região ileoceco-cóli- do possível o achado do parasito preso à mucosa em exames
ca, de onde fêmeas fecundadas e repletas de ovos se desprendem endoscópicos.
e descem até o canal anal. Aí, por meio de seus lábios, tentam
prender-se à mucosa, determinando incômodo prurido, queixa
mais comum das pessoas parasitadas. As fêmeas não fazem pos-
• Teníases
tura, mas rompem-se nas margens do ânus, liberando os ovos f doença causada pela presença, no intestino humano, da
nessa região. A infecção humana se faz pela ingestão dos ovos, Taenia solium ou da Taenia saginata, conhecidas popularmente
que podem chegar à cavidade oral por diversos mecanismos. como solitárias. Esses dois helmintos, de corpo em forma de
Frequentemente, são transportados pelos próprios dedos das fita, localizam-se no intestino delgado do homem e podem ter
pessoas infectadas até à boca, devido ao hábito de se coçarem. vários metros de comprimento. Ambos necessitam de hospe-
Os ovos ingeridos liberam larvas no intestino delgado, as quais deiros intermediários- o porco e o boi, respectivamente. Esses
evoluirão para vermes adultos sem passar pelo pulmão. A dis- animais desenvolvem larvas tipo cisticerco em seus tecidos, e
seminação também se dá pela poeira, já que os ovos são leves e o homem, ao ingerir a sua carne crua ou malcozida, fica con-
podem ser veiculados pelo ar ao serem agitadas as roupas ínti- taminado com as larvas, que vão evoluir para os vermes adul-
mas e de cama dos doentes. Objetos pessoais e brinquedos fa- tos no intestino. O corpo do parasito é constituído de vários
cilitam sua transmissão, especialmente entre os que lidam mais segmentos - os prog!otes - com grau de maturidade variável,
de perto com as crianças, como familiares e professores. Escolas a partir da cabeça ou escólex. Este mede 1 mm de diâmetro, e
e creches constituem um ambiente propício à disseminação. os proglotes, de 1 a 2 em, com aspecto de talharim ou sementes
A grande produção de ovos pelas fêmeas e o fato de serem as de abóbora. Os últimos integrantes do corpo são os prog!otes
crianças as que mais se contaminam são fatores que favorecem grávidas, repletos de ovos já embrionados. O porco e o boi vão
a sua transmissibilidade, bem como dificultam a erradicação. se contaminar ao ingerirem proglotes, ou ovos, que libe.r arão
Por serem os ovos liberados nas margens do ânus, já embrio- os embriões em seus intestinos, os quais, após transitarem pela
nados e infectantes, a transmissão assume aspectos peculiares corrente sanguínea, ficarão alojados nos músculos dos animais.
em comparação aos demais helmintos. A migração das fêmeas Os prog!otes ou ovos que contaminam os animais são encon-
para a vagina pode gerar sintomas ginecológicos. trados no solo e advêm da deposição de fezes humanas no ex-
O quadro clínico é dominado pelo prurido anal, sobretu- terior. Os vermes adultos são hermafroditas e não fazem pos-
do noturno, que faz os doentes, especialmente as crianças, se tura de ovos, não sendo comum o achado destes últimos nas
tornarem irritadiços e incomodados durante o sono. Dores fezes. Entretanto, os prog!otes se desprendem e são expulsos
abdominais são raramente obse.rvadas. passivamente com as fezes, no caso da Taeniasolium, ou ativa-
O diagnóstico é possível pelo achado dos vermes adultos mente, no da Taenia saginata, fora do período das evacuações,
nas pregas anais ou sua identificação nas fezes. A presença de sendo encontrados, às vezes, nas roupas íntimas ou de cama,
ovos ao EPF não é comum, visto não haver postura de ovos. saindo através do ânus por movimentos próprios. A ingestão
Pode-se utilizar o método de Graham, que consiste no uso de pelo homem de ovos ou proglotes de Toenia solium ocasiona-
uma fita adesiva montada em um tubo de ensaio, e que é exami- rá a formação de larvas cisticerco no seu organismo, fato não
nada ao microscópio após ser posta em contato com as pregas verificado com a Taenia saginata. São parasitos mais comuns
anais. Os ovos a ela se aderem e podem ser identificados. São em adultos que em crianças.
também achados ao se examinarem raspados das unhas das O quadro clínico da teníase consiste, na maioria das vezes,
crianças com oxiuríase. em cólicas intestinais ou epigastralgia, mas formas assintomá-
ticas são comuns, com o achado de prog!otes nas fezes sendo
a única manifestação. Quando ocorre cisticercose humana, os
• Tricocefalíase sintomas vão depender da localização das larvas, sendo as for-
f resultante do parasitismo humano pelo Trichocephalus mas neurológicas as mais frequentes, manifestadas por convul-
trichiuris, parasito que tem o corpo filiforme em sua porção sões ou hipertensão endocraniana.
cefálica, permitindo a sua introdução na mucosa intestinal, de O diagnóstico da parasitose é habitualmente realizado pela
onde extrai os nutrientes, incluindo o próprio sangue do hos- identificação dos prog!otes eliminados pelo ânus um a um, ou
pedeiro. O homem é contaminado pela VO, através de água e agrupados em forma de fita. Mais raramente, são encontrados
alimentos contendo ovos embrionados; estes, uma vez no in- ovos nas fezes ao exame microscópico, quando há ruptura dos
testino delgado, liberam larvas que evoluem para formas adul- proglotes dentro do lúmen intestinal. Métodos imunológicos,
tas sem ciclo pulmonar. O verme localiza-se ao nível da região como a fixação do complemento (reação de Weinberg), podem
ileocecal, onde a fêmea faz a postura de ovos, que são elimina- ser empregados no diagnóstico da cisticercose.
dos ao exterior com as fezes. Assim como outros helmintos, os O tratamento pode ser realizado com praziquantel, ou com
ovos necessitam de maturação no meio exterior, razão por que niclosam ida; esta não deve ser prescrita para grávidas. Em áreas
só se tornam infectantes dias após a eliminação. Frequente é endêmicas para neurocisticercose, a dose recomendada de pra-
a localização na ampola reta! em infestações graves, causando ziquantel é de 5 a 10 mglkg. Nesta dosagem, o risco de ativar
edema e microulcerações. Embora seja um parasito hemató- as lesões é pequeno. Entretanto, para tratar a cisticercose, a
fago, a espoliação sanguínea raramente chega a gerar anemia dose sugerida pela maioria dos autores é de 50 mg/kg/dia, di-
importante. vidida em três tomadas, por 15 dias, associada a corticoide,
Capftulo 7 I Parasitoses Intestinais 79
para diminuir a reação inflamatória decorrente da morte dos desse protozoário. Duas espécies adicionais do gênero Enta-
cisticercos. moeba foram reconhecidas em humanos, que são morfologi-
A niclosamida é prescrita em dose de 2 g VO para adultos camente indistinguíveis da E. h.. A mais recente nomenclatura
e crianças maiores de 8 anos. fndice de cura entre 80 e 90% recomendada é muito importante para a aplicação prática do
dos casos. cuidado dos pacientes. Embora 10% da população mundial seja
considerada infectada pela E. h., sabe-se hoje que a maioria o
é pela Entamoeba dispar (E. d.), que não é patogênica. Estu-
• Himenolepíases dos mais recentes usando metodologias capazes de distinguir
Os helmintos Hymenolepis nana e Hymenolepis diminuta as duas espécies geneticamente têm demonstrado que a E. d. é
são os causadores da parasitose. São vermes pequenos, de cor- 10 vezes mais prevalente que a E. h. em regiões endêmicas, em
po achatado, que vivem no íleo e jejuno do homem e de ratos. pessoas assintomáticas. Não há meios de distingui-las morfo-
O primeiro é mais comum, mede de 3 a 5 em e é adquirido logicamente, sendo recomendado por alguns estudiosos que
quando se ingerem ovos embrionados ou insetos, especialmente os resultados dos exames parasitológicos baseados apenas na
pulgas e coleópteros, contendo larvas chamadas cisticercoides. morfologia sejam rotulados como E. hystolitica/E. dispor.
O segundo chega a 30 a 60 em, é parasito habitual do rato e só A terceira espécie, a Entamoeba moshkovskii, tida a princípio
raramente contamina o homem através da ingestão de pulgas e como de vida livre, tem sido encontrada no intestino humano,
coleópteros contaminados com larvas. A sua presença é muito sugerindo que ela possa causar doença intestinal, embora pou-
frequente em crianças, sobretudo de creches e orfanatos, onde co se conheça de sua patogenia e epidemiologia no momento.
a contaminação do meio se torna propícia e medidas higiêni- As observações anteriormente descritas podem sugerir que se
cas não são adotadas. evite o desnecessário tratamento de pessoas assintomáticas,
O quadro clinico é modesto em suas manifestações. A grande sendo recomendável observar-se o consenso preconizado pela
maioria é assintomática ou apresenta sintomas inespedficos, OMS. Já a E. h. é a forma patogênica, responsável pela colite
como irritabilidade, agitação e dores abdominais. A expulsão amebiana e por outras manifestações extraintestinais, sendo a
espontânea dos vermes adultos pode ocorrer, provocada por gravidade das lesões influenciadas pela virulência das cepas de
intensa ação imunogênica dos parasitos. determinadas regiões e pelo comportamento imunológico do
O diagnóstico é realizado pelo achado dos ovos nas fezes hospedeiro. Mais de 90% das infecções por E. h. permanecem
pelos métodos habituais de EPF. assintomáticas, e a invasão da mucosa intestinal pode ocorrer
O tratamento é realizado com praziquantel (dose única de dias ou anos após a contaminação.
25 mglkg) As formas móveis da E. h., os trofozoítos, contendo ou não
hemácias no citoplasma, reproduzem-se e dão origem a formas
de resistência, os cistos, que, eliminados com as fezes, sobre-
• Difilobotríase vivem fora do intestino, permitindo a transmissão da E. h. por
Causada pela infecção intestinal pelo Diphyllobothrium !a- contaminação da água e alimentos consumidos pelo homem.
tum, um platelminto comum em países do Mediterrâneo, teve Encontrada em 10% da população mundial, é responsável por
em 2005 o primeiro caso registrado no Brasil, em razão do 40 a 11 O mil mortes anuais, só sendo superada pela malária
crescente hábito de uso de peixes crus na alimentação em nosso como protozoário causador de infecções fatais. Vale realçar
país. Este cestódio absorve muita vitamina B12 no lúmen intes- que as estimativas sobre a prevalência da infecção pela E. h. se
tinal, o que gera em alguns anemia megaloblástica. O parasito baseiam em resultados de exames de fezes, que são incapazes de
tem nos peixes (salmão e trutas principalmente) seu hospedeiro diferenciar a E. h. de formas não patogênicas, morfologicamen-
intermediário, na carne dos quais uma forma imatura do Di- te indistinguíveis como a E. dispor e a E. moshkovskii, que não
phyllobothrium !atum, chamada espargano ou plerocercoide, são patogênicas. Sua patogenicidade variável é hoje atribuída
se desenvolve e, ao ser ingerida junto à carne crua de peixes, a cepas diferentes existentes em diversos países. Assim, formas
se desenvolve no intestino humano, dando origem ao parasito graves da doença são comuns em países asiáticos, africanos e da
adulto. Embora a grande maioria das pessoas infectadas seja América Latina, especialmente o México. No Brasil, não con-
assintomática, cerca de 40% manifestam anemia por carência tamos com dados reais de sua incidência nas diversas regiões,
de vitamina B,,. De 2004 a 2005, 52 casos foram descritos no mas seu comportamento parece bem distante da gravidade ve-
estado de São Paulo. A profilaxia limita-se ao uso de carnes de rificada em outros países como o México. As lesões intestinais
peixes bem cozidas. O tratamento é feito com praziquantel. mais características são as úlceras, com mucosa sadia de per-
meio, mais comuns no ceco, cólon ascendente, reto e sigmoide,
ocorrendo em menor número nos outros segmentos. No fíga-
• PROTOZOOSES do, pode produzir inflamação difusa com necrose multifocal,
a hepatite amebiana, ou necrose coalescente acentuada, com
secreção achocolatada em seu interior, o abscesso hepático. Este
• Amebíase é mais comum no lobo direito, onde se localiza em 90% dos
Definida pela Organização Mundial de Saúde como a infec- casos, e é quase sempre único. No pulmão e no cérebro, podem
ção pela Entamoeba histolytica (E. h.) independentemente de se formar também abscessos, com características semelhantes.
sintomatologia, é um protozoário que habita o intestino grosso Não se conhece ainda com precisão o mecanismo pelo qual a
do homem, de onde pode ganhar a corrente sanguínea e che- E. h. produz a lise celular. Enzimas proteoliticas e toxinas, ci-
gar ao fígado, aos pulmões e ao cérebro, ocasionando lesões tólise por contato direto e coparticipação da flora bacteriana
extraintestinais graves. Sua presença no organismo humano intestinal são alguns dos fatores cogitados.
pode se dar sem ocorrência de lesões, havendo, assim, casos O quadro clínico varia de acordo com a localização do
de amebíase-doença e de amebíase-infecção. Sua prevalência e protozoário, podendo-se, didaticamente, separar as formas
patogenicidade variam em diferentes regiões. Recentes avanços intestinais das extraintestinais. Os infectados apresentam-se
na tecnologia molecular revolucionaram nossa compreensão assintomáticos, ou com manifestações intestinais moderadas
80 Capitulo 7 I Parosltos~s Intestinais

na grande maioria. Já as formas extraintestinais são menos co- Outras drogas poderão ser ocasionalmente usadas, como
muns, especialmente em nosso meio. Alguns se mantêm assin- amebicidas tissulares (deidroemetina e emetina), amebicida.s de
tomáticos por toda a vida, mas contribuem para a disseminação ação intraluminar (furoato de diloxanida, iodoquino~ patomo-
da doença. Outros desenvolvem surtos intermitentes de diarreia micina), ou drogas que agem tanto no lúmen intestina~ quanto
ou disenteria, com períodos sem sintomas entre as crises. Não na parede intestinal (tinidazol, metronidazol). O abscesso ame-
se conhece ainda a explicação para esse tipo de comportamento biano dtJ figado é estudado no Capítulo 99.
tão variado. Casos há em que a doença chega a formas graves,
assemelhando-se à retocolite ulcerativa inespeclfica, com úl- • Giardíase
ceras em todo o intestino grosso, podendo levar, inclusive, a
quadro de megacólon tóxico, hemorragias e perfuração. Uma J:. a infecção humana pela Giardia lamblia, um protozoá-
forma rara é a pseudotumora~ denominada ameboma e que rio flagelado, encontrado na forma de trofozoltas e cistos. Os
determina quadros de obstrução intestinal devido à reação hi- trofozoítas fixam-se à mucosa do intestino delgado, habitat
perplásica na submucosa. A hepatite amebiana é caracterizada natural do parasito, através de discos suctoriais existentes em
por hepatomegalia dolorosa e adinamia, sendo descrita com sua superfície, e, quando em grande número, atapetam a mu-
frequência em países africanos. O abscesso hepático apresenta- cosa entérica, impedindo que os processos absortivos se rea-
se com toxemia, febre tipo supurativa, hepatomegalia dolo- lizem em sua plenitude. Os cistos são as formas de resistên-
rosa e abaulamento doloroso dos espaços intercostais. Sinto- cia capazes de viver fora do organismo humano e contaminar
mas gerais, como calafrio, suores, náuseas e inapetência, são água e alimentos, por meio dos quais chegam ao intestino e
comuns. Seu tamanho pode variar de poucos centímetros ao iniciam a formação de trofozoltas. Além de criar uma barrei-
de uma cabeça de feto. O risco de perfuração para a cavidade ra entre o lúmen e a superfície dos enterócitos, em alguns pa-
peritoneal é maior naqueles com diâmetro acima de 5 em ou cientes esse protozoário ocasiona alterações inflamatórias na
nos localizados no lobo esquerdo do figado. Coinfecção bac- mucosa, agravando mais ainda a disabsorção. Sua presença é
teriana também pode ocorrer. A perfuração para a cavidade frequente em doentes com deficiência de IgA secretora, como
pleural direíta pode facilitar a chegada da E. h. ao pulmão e a nas disgamaglobulinemias com hiperplasia nodular linfoide
formação de empiemas. Os abscessos cerebrais têm manifes- do intestino delgado.
tações neurológicas características. Hemorragias, perfurações, O quadro clínico é variável. Na grande maioria dos casos
estenoses e obstruções intestinais são consideradas complica- assintomáticos, manifesta-se por diarreia de duração variável;
ções. A imunidade contra a infecção pela E. h. é associada à em outros, acompanhada ou não de queixas in específicas, como
produção pela mucosa de uma lgA contra o carboidrato Gall náuseas, vômitos e dor abdominal. As manifestações clínicas
GalNAc lectina. Esta observação tem estimulado a busca de mais exuberantes ocorrem nas crianças, cuja superfície absor-
uma vacina contra a E. h cuja eficácia em animais tem se mos- tiva é menor que nos adultos, chegando a causar síndromes de
má absorção clássica. A infecção assintomática ~observada em
trado animadora.
todas as idades. O diagnóstico é feito pelo achado de cistos e
O diagnóstico da amebíase pode ser feito pelo achado de
trofozoltas nas fezes. Mais raramente, em fragmentos de biopsia
cistos ou de trofozoltas nas fezes, estes últimos vistos apenas
do intestino delgado, os trofozoítas podem ser vistos aderidos
em fezes purgadas. Em fezes diarreicas, os trofozoítas podem
à mucosa. Métodos de concentração (Faust, MJF centrifugado)
ser identificados em exame direto de fezes frescas, desde que
podem ser úteis no achado de cistos nas fezes moldadas, mas
colhidas e examinadas de imediato. Em outras circunstâncias,
os trofozoítas só são bem visualizados em fezes purgadas, cora-
utilizam-se métodos d~ enriquecimento (Faust ou MIF centrifu-
das pela hematoxilina férrica. Métodos imunológicos têm sido
gado), ou exame de fezes purgadas artificialmente, colhidas em
investigados, mas ainda não superam o achado direto do para-
conservador de Schaudin e coradas pela hematoxilina férrica. O sito como recurso diagnóstico. A ocorrência de giardfase em
achado dos trofozoítas na secreção dos abscessos não é comum. doentes com doença celíaca pode criar dificuldades ao diagnós-
Em tais circunstâncias, recorremos a testes sorológicos, como a tico desta última, sendo, em casos suspeitos dessa associação,
hemaglutinação indireta, cujos títulos de positividade para an- recomendável a pesquisa de anticorpos antitransglutarninase,
ticorpos da classe IgG se encontram acima de 1:128. Esta última de grande valor no reconhecimento dos celíacos.
reação pode ser útil também nas formas intestinais invasivas. Tratamento com tinidazol (dose única de 2 g) ou com me-
Por sua alta sensibilidade, o método de ELISA tem sido consi- tronidazol (250 mg!kg TIO, durante 5 dias). O álcool deve ser
derado o mais recomendado na atualidade. A diferenciação da interditado com ambas as drogas, pois a associação pode pro-
E. h. da E. d. e das demais amebas não patogênicas se faz por vocar efeito antabuse. Ambas podem causar gosto metálico e
meio de testes de reação em cadeia da polimerase (PCR). A in- sintomas gastrintestinais ligeiros.
corporação de novas tecnologias para o diagnóstico laboratorial
das tres espécies será de grande valia na melhor compreensão
de sua patogenicidade e epidemiologia. • Balantidíase
A forma assintomática, não invasiva, deve ser tratada com O Balantidium coli, seu agente causal, é um parasito comum
amebicidas intraluminais- etofamida, teclosan. A etofamida é no porco e que afeta principalmente os trabalhadores de pocil-
prescrita para adultos na dose de 200 mg, TID VO, por 5 dias, gas ou matadouros que lidam diretamente com as vísceras do
ou 500 mg BID, por 3 dias. O teclosan é receitado em dose de animal. J:. o maior protozoário parasito do intestino humano
I,5 g, de uma só vez, ou em três doses de 500 mg de 8/8 h. e localiza-se na mucosa do cólon, onde pode ocasionar lesões
Para a forma invasiva, o tratamento para adultos é feito com semelhantes às da amebíase intestinal. Os trofozoítas multipli-
o metronidazol, ou, alternativamente, com o tinidazol. A dose cam-se e formam cist.os, que são eliminados com as fezes e vão
do primeiro é de 750 mg VO, ou de 500 mg a 750 mg IV de contaminar água e alimentos. O parasito pode, no homem, viver
8/8 h; as duas duram 5 a 10 dias. Como para os demais nitroi- sem produz.ir lesões, mas, por mecanismos enzimáticos, pode
midazólicos, o álcool não deve ser ingerido simultaneamente agredir a mucosa, levando à formação de úlceras de dimensões
com estes medicamentos. variáveis, contendo material purulento, onde os trofozoítas são
Capftulo 7 I Paras/toses Intestinais 81

encontrados ao exame direto em microscopia óptica. Sua agres-


são à mucosa parece depender de uma lesão prévia causada por
• TRATAMENTO
outros agentes, tais como bactérias ou virus. Nas últimas décadas, o tratamento das parasitoses intestinais
O quadro clinico varia desde formas assintomáticas até sur- experimentou grande avanço com o surgimento de antiparasi-
tos de diarreia intermitente ou de disenteria semelhante à ame- tários polivalentes, de boa tolerância e de significativa eficiên-
biana. cia, simplificando a terapêutica. Ao mesmo tempo, a eficácia de
O diagnóstico baseia-se no achado dos trofoz.oítas e cistos substâncias de grande ação no tratamento das protozooses foi
em exame direto das fezes frescas ou de material colhido dire- confirmada, tornando mais fácil para o clínico a abordagem da
tamente das úlceras por retossigmoidoscopia. maioria das parasitoses. Também foi mais bem demonstrada a
importãncia do sistema imunológico, não só na instalação como
• lsosporíase na expulsão dos parasitos intestinais, deixando compreender a
razão de casos resistentes ao tratamento. A elevada prevalência
A lsospora bel/i é um protozoário parasito intracelular dos dessas doenças está relacionada com problemas de saneamento
enterócitos e que se reproduz na mucosa intestinal, gerando básico e educação sanitária, razão por que não basta apenas usar
a formação de oocistos, eliminados ao exterior com as fezes. medicamentos, mas também incrementar medidas profiláticas
Sua frequência não é significativa, e estudos recentes têm de- para evitar as reinfecções. As formas de contaminação humana
monstrado seu papel patogênico relacionado com algum grau e as vias de penetração dos parasitos devem orientar medidas
de imunodepressão. A infecção humana ocorre através da in- preventivas especificas e já bem conhecidas. Quanto aos medi-
gesta de água e alimentos contaminados com oocistos. Adquire camentos disponíveis, alguns se destacam, sendo mais empre-
maior importância em doentes com AIDS. gados por sua melhor tolerância e comodidade posológica. Os
O quadro clinico da doença é caracterizado por diarreia crô- Quadros 7.1 e 7.2 apontam os principais recursos terapêuticos
nica e perda de peso, embora um grande número de pessoas se atualmente disponíveis. Outras alternativas estão sendo propos-
apresente sem sintomas, ou com diarreia leve e autolimitada. tas em algumas parasitoses, como o albendazol, 400 mgldia du-
O diagnóstico é realizado pelo encontro de oocistos nas rante 5 dias, para o tratamento da giardlase, e a paromomicina,
fezes, favorecido pelo uso de métodos de enriquecimento. O 500 mg 3 ou 4 vezes/dia, para a criptosporidíase. A ivermectina
protozoário pode ser, também, encontrado em biopsias je-
demonstrou valiosa ação terapêutica na estrongiloidlase, equi-
junais.
valente à do tiabendazol, na dose de 200 1-1g/kg de pe.so/dia, em
dose única, por 2 dias consecutivos, com menor índice de efei-
• Criptosporidíase tos colaterais. Resultados significativos foram também obtidos
com essa nova droga na ascaridlase, oxiurfase e tricocefalíase.
O Cryptosporidium constitui-se em um gênero que agrupa A forma grave de hiperinfecção por Strongyloides stercoralis
vários protozoários descritos ao longo das últimas décadas, merece menção terapêutica especial. O tratamento é feito com
incluldo entre os cocddeos e parasitos de diversas espécies ani- o tiabendaz.ol, em doses de 50 mglkg de peso/dia, e deve ser
mais. O Cryptosporidium parvum é a única espécie descrita prolongado por 7 a 14 dias. Nunca se devem usar corticoides,
como parasito do intestino delgado do homem. Sua infecção nem outras drogas imunossupressoras, nesses doentes, por au-
também se faz por via fecal-oral graças à ingestão de oocistos. mentarem muito a possibilidade de txito letaL
A autoinfecção tem sido descrita como meio de manutenção da Em relação à amebíase, existem amebicidas tissulares e ou-
infecção em doentes aidéticos. Infiltrado inflamatório e atrofia tros de ação intraluminal. No primeiro grupo, se incluem os
das vilosidades ocasionam, sobretudo em imunodeficiente.s, nitroimidazólicos como o metronidaz.ol, o tinidazol e o seco-
dificuldades de absorção de gorduras e dissacarídios. Meca-
nidaz.oL Embora o metronidaz.ol tenha também ação intralu-
nismos imunológicos interferem na patogenia da doença A
minal sobre os cistos em 5096 dos casos em que é empregado,
redução dos linfócitos auxiliares na mucosa parece envolvida
recomenda-se o uso de outra droga como o iodoquinol, a pa-
com a cronicidade observada em imunodeficientes, já que a
infecção em imunocompetentes é, em geral, autolimitada. A romomicina, a etofamida, o teclozam ou o furoato de diloxa-
nide, que possuem ação intraluminal e são capazes de atuar
diarreia seria resultante não só das lesões estruturais da mu-
cosa, mas também da produção de toxinas ativadoras da ade- sobre as formas císticas, eliminando assim a disseminação do
nilciclase do enterócito. protozoário. Esta última conduta é desnecessária em regiões de
O quadro clinico, em imunocompetentes, caracteriza-se por alta endemicidade, onde é frequente a reinfecção precoce após
diarreia aquosa, em geral sem grandes repercussões gerais e com o tratamento apropriado.
duração de poucas horas a 2 semanas; mas casos mais graves Mais recentemente, passamos a contar com o uso da nitazo-
podem ocorrer, manifestando febre, vômitos, desidratação e xanida, um antiparasitário de amplo espectro de ação sobre os
disabsorção. Alguns pacientes cursam com infecção assintomá- nematelmintos e platelmintos, assim como sobre os protoz.oa-
tica. Nos imunodeficientes, a diarreia é variável em intensidade, rios, inclusive o Cryptosporidium spp. Trata-se de um derivado
apresentando desde quadros insidiosos até quadros dramáticos, do nitrothiaz.ol (2-Acetyloxil-N-(5-nitro-2 thiazolil) benzami-
com diarreia profusa e êxito letal. Esses quadros mais graves da, cuja estrutura qulmica é relacionada ao metronidazol, e que
costumam ocorrer em estágios finais da AI OS e, às vezes, acom- atua inibindo uma enzima essencial ao metabolismo energético
panham-se de colestase, por invasão das vias biliares. dos parasitas. A dose para adultos é de 500 mg a cada 12 horas
O diagnóstico baseia-se no achado do protozoário nas fezes, por 3 dias. Para crianças de 12 a 47 meses, se recomendam I00
utilizando coloração especifica em métodos de pesquisa de an- mgacada 12horas,enquanto,paraasde4 a 11 anos, 200mgno
ticorpos por ELISA. A microscopia óptica permite identificar o mesmo intervalo entre as doses, em ambas as circunstãncias por
parasito em fragmentos de biopsia do intestino delgado, onde 3 dias consecutivos. Os seus efeitos adversos são pouco comuns
são facilmente reconhedveis na superficie dos enterócitos. e representados por cefaleia, náusea e desconforto abdominal.
00
~

...,l;'
:.-
c:
Õ'
"
.....
~
-----------------------------------------------T--------------~-------------------------------
a
Quadro 7.1 Medicações e doses empregadas nas helmintíases a~·~
Mebend.lzol AJbend.lzol na bend.lzol Cambend.lzol Pamoato de pirvínio Praziquantel Tetramisole lvermectina Nitazoxanid.l*
:>

Asca ridlase 100 mg 2 vezes/dia 1O mg/kg peso, 80 mg/crianças 500 mg cada 12 h ~·


durante 3 dias em dose única 160 mg/adultos por 3 dias ~·
à noite em dose única
Ancilostomíase 100 mg 2 vezes/dia 500 mg cada 12h
durante 3 dias por 3dias

Estrongiloidíase 1O mg/kg peso, 50 mg/kg pesa/dia 5 mg/kg. em dose 1Omg. em dose 200 119/kg peso, 500 mg cada 12 h
em dose única - 3 dias única à noite única à noite, em dose por 3dias
à noite, 3 dias consecutivos; por 3 dias única, ou por
consecutivos repetir no 5° e consecutivos 2 dias
no 15° dias

Oxiuríase 100 mg 2 vezes/dia 10 mg/kg em dose 500 mg cada 12 h


durante 3 dias única em jej um por 3 dias
Tricocefalíase 100 mg 2 vezes/dia 1O mg/kg peso, 5 mg/kg. em dose
durante 3 dias em dose única única à noite
à noite
Teníases 100 mg 2 vezes/dia 25 mg/kg/peso, 500 mg cada 12 h
durante 6 dias em dose única por 3 dias
Hi menolepíases 100 mg 2 vezes/dia 25 mg/kg/peso, 500 mg cada 12 h
durante 6 dias em dose única; por 3 dias
repetir no 1O' dia

Difilobotríase 5 a 10 mg/kg peso


- dose única
•observarno texto a dose para crianças.
-------------------------------------------T-------------------------------------------
Quadro 7.2 Medicações e doses empregadas nas protozooses

Metronldazol Seconldazol Oor.urtamlda Furazolldona Tetracldlna Plrfmetamlna SMZ +TMP fsplramlclna Albendazol Nltazo- lda* Clprofloxaclno
Ameblase 250a 750 mg- 1,5 g/dia durante 300 mg/dia 500 mgcada
3 vezes/dia - 5 a 3 dias durante 12 h por
10dias crianças: 30 mg/kg/ 5dias 3dias
dia durante 3 dias

Glard lase adultos: 5 a 7 mg/kg/dia 400mg/dia 500 mgcada


500 mg/dia/10 dias durante 7 dias 5 dias 12h por3
crianças: dias
250 mg/dia/10 dias

Balantidíase 400 mg 3 vezes/dia 5 a 7 mg/kg/ dia aduttos:


por 10dias durante 7 dias 1 g/dia/10 dias
crianças:
400 mg/dia/
10dias

lsosporlase adukos: 75 mg/dia 2 comp/dia 500mg


500 mg/dia/10 dias +4gde por 10 dias 2 vezes/dia
crianças: sulfadiazina/ durante 7 dias
250 mg/dia/10 dias dia durante
21 dias

Criptosporidíase 1 g/3 vezes 400 mg 2 500 mgcada {;I


'I)
ao dia vezes/dia
durante? a
12 h por
~
3dias õ
14dias ....
.....
SMZ + TMP e SUfame•oxuot + Trimetoprima.
•observar no texto a dose para aianças. ~
ã

~
:;
.
1i
§·
~-
00
w
84 Capftulo 7 I Parasitoses Intestinais

Nenhuma anormalidade hematológica significativa foi até hoje Genta RM. Global prevalence o( strongyloidiasis; aitical review with epide·
observada. Em estudo realliado em 613 crianças HN-negativas, miologic insights into IM prevention of disseminated diseue. Rev Infoc
Dis, 1989; 11:755·67.
os efeitos adversos registrados foram dor abdominal em 7,896, Gonçalves PN D!agn6stlco e tratamento das parasítoses intestinais. Em: Gal·
diarreia em 2,196, vômitos em 1,196 e cefaleia em 1,196. Yio AI & Danl, R. Ttraplutlalmo Gastnttterologl4. Rio de Janeiro, Editora
Guanabara Koogan, 2005.
Haque, R. Huston CO, Hughes, M et aJ. Amebia.si.s. N Engl } M.d, 2003,
• LEITURA RECOMENDADA 348:1565·73.
Castro, LP, Cunha, AS, Reunde, )M. Protozocses Humanas. São Paulo, Fun- Liu, LX & WeUer, PF. Drug therapy: antiparasitic drugs. N Engl/ Mtd, 1996;
daç.to BYK, 1994. 334:1178-84.
Cunha, AS. Panultosulntestlnais. Em: Danl, R & Castro, LP. Gastrenr.rologla Naquira, C, )imenez, G, Guerra, )G el ai. Jvermecti n for human strongyl -
Clfnlca, 3.• ed.J Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan, 1993. oidiasis and other Intestinal helrninths. Am } Trop Med Hyg, 1989;
Faria, )AS. Preval~ncla de holmlntos em escolares de 7a 15 anos na ddade de 40:304-9.
Salvador. R.v Soe Brasil Med Trop, 1972; 6:261 -4. Neves, DP. Parmftologla Humana, 8.• ed., São Paulo, Atheneu., 1991.
Farthing. M). Treotment options for the eradiCltion o( intestinal proto:r.oa. Nat. Parashar, A, Ravindra, A. Drug Therapy- Nita:r.oxanide. Indian Ptdiatrir.s,
Clln Proct Gastromtm>l H'f"'tt>l, 2006; 3:436-45. Review. 2005; 42:1161·5.
Gann, PH, Neva, FA, Gam, AA A randomiud trial of sing)e and two-dose Pessoa, SB & V.anna Martins, A. Parasito/ogia Mhlia., 9.• ed., Rio de Janeiro,
ivmnectln vemu thiabenda:r.ole ror treatment ofstrongyloidlasls.} InfDis, Editora Guanabara Koogan S.A., 1974.
1994; 169:1076-9. Prin. BS, Oarlc, CG. AmebiasU. MDyo Clm Proc, 2008; 83: 1154-9. Revlew.
8 Estomatites
José Alves de Freitas e Dario Ravazzi Ambrizzi

Por definição, estomatite é qualquer processo inflamatório


da mucosa bucal, independentemente de sua localização, in-
cluindo mucosas labial e jugal, gengivas, língua e palato. Seu
correto diagnóstico muitas vezes é dificultado pela semelhança
entre os variados tipos de lesões.
De maneira didática, podemos classificar as estomatites, de
acordo com suas etiologias, em:
1. Doenças periodontais
2. Doenças fúngicas
3. Doenças virais
4. Manifestações de doenças imunológicas, dermatológicas
e alérgicas
5. Manifestações de outras doenças sistêmicas

• DOENÇAS PERIODONTAIS: GENGIVITE Figura 8.1 Aspecto característico da gengivite provocada pelo acúmu-
lo de placa bacteriana (cortesia: Profl Dr< Elaine M. S. Massucato - Ser-
EPERIODONTITE viço de Medicina Bucal da Faculdade de Odontologia de Ataraquara
- UNESP). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
• Gengivite
O termo gengivite é bastante genérico e refere-se à inflama- tam de tratamento cirúrgico para a diminuição dos contornos
ção limitada aos tecidos moles que circundam os dentes, na gengivais a fim de possibilitar correta higienização.
maioria dos casos associada à falta de higiene bucal adequada, Alguns processos inflamatórios gengivais merecem apre-
levando ao acúmulo de placa bacteriana e cálculo. sentação e discussão à parte, pela singularidade de suas mani-
O processo inflamatório gengiva! pode ser localizado em festações, e serão agora apresentados.
pequena área ou generalizado. Os sinais clínicos da gengivite
são a mudança da coloração rosa-coral para a vermelha, per-
da do pontilhado característico, sangramento fácil, edema e
• Gengivite ulcerativa necrosante aguda (GUNA}
hiperplasia (Figura 8.1) (quando se observa aumento gengiva! A GUNA é um quadro infeccioso bastante diferenciado das
pelo edema crônico e fibrose, o quadro é denominado gengivite afecções gengivais de origem bacteriana e está relacionado com
crônica hiperplásica). a colonização periodontal por bactérias espiroquetas (Trepo-
O tratamento consiste na eliminação de causas conhecidas nema vincentíi e outras), fusobactérias (Fusobacterium spp.) e
que gerem suscetibilidade ao quadro inflamatório, como me- bacteroides (Prevotel/a intermedia). O principal fator etiológi-
lhora da higiene bucal, remoção mecânica da placa bacteriana, co da GUNA está relacionado com elevados níveis de estresse
ou cálculo, por meio de tratamento periodontal básico (raspa- emocional e debilidade imunológica, haja vista sua alta inci-
gem e polimento dental, e técnicas de escovação dental). Solu- dência em populações submetidas a sobrecargas emocionais
ções enxaguatórias bucais e dentifr!cios à base de clorexidina continuas, como militares (o distúrbio era comumente obser-
0,12% (Periogard"'; Noplak"', solução com 250 m f) podem ser vado nas trincheiras dos campos de batalha da I e li Guerras,
indicados como meios auxiliares no controle da placa bacteria- sendo apelidado de "boca de trincheira"). Acredita-se que os
na. Os casos de gengivite hiperplásica frequentemente necessi- hormônios corticoides liberados com o estresse alterem as pro-

85
86 Capftulo 8 I Estomatites

porções de linfóátos T4fl'8 e possam causar a diminuição na


quimiotax:ia dos neutrófilos e na resposta fagocitária. Supõe-
se, também, que haja isquemia gengiva! localizada produzida
pela liberação de catecolaminas relacionadas com o estresse,
predispondo o tecido gengiva! à GUNA.
A GUNA pode ocorrer em qualquer idade, porém é vista
com maior frequência em jovens e adultos de meia-idade, em
boas condições de saúde aparentes. Geralmente, se desenvol-
ve de forma abrupta, embora alguns pacientes relatem sinais
prodrOmicos constituídos de prurido ou queimação gengival,
mas a maioria dos casos começa com dor gengiva! aguda e
sangramento, por vezes espontâneo. Suas lesões são caracte-
rísticas, havendo necrose da superficie gengiva!, semelhante a
uma pseudomembrana branco-acinzentada ou a camadas de
resíduos, recobrindo um leito ulcerado e sangrante, resultando
em defeito dos tecidos moles semelhante à formação de crate-
ras, classicamente descrito como •papilas socavadas" (Figura Fig ura 8.3 Hiperplasia gengiva! medicamentosa em paciente com
8.2). Outros sinais e sintomas comumente relacionados com uso crônico de Hidantal• (cortesia: Prol' Dr' Elaine M. S. Massucato -
a GUNA são linfadenopatia cervical, salivação excessiva, mau Serviço de Med1ána Bucal da Faculdade de Odontologia de Araraquara
hálito, mal-estar e febre. - UNESP). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ
As áreas afetadas devem ser debridadas para a remoção de
restos necróticos, por raspagem e curetagem periodontal ou
instrumentação ultrassônica, associadas a orientações rigoro-
sas de higiene bucal. Bochechos à base de clorexidina 0,12% ou bém está associada a uma higiene bucal deficiente, tornando-
peróxido de hidrogênio (água oxigenada 10 volumes) diluído se inflamada, de coloração vermelho-escura, com superficie
podem ser indicados como meios auxiliares no controle da friável, de sangramento fácil e, ocasionalmente, ulcerada (Fi-
placa bacteriana. Antibioticoterapia sistêmica durante 7 dias, gura 8.3).
através de penicilina ou derivados, geralmente se faz necessá- A descontinuidade da medicação frequentemente resulta
ria, podendo-se fazer associações com metronidazol (Fiagyl*, em interrupção e, quase sempre, regressão do processo infla-
comprimidos de 400 mg administrados por via oral de 8/8 h), matório. Nos casos em que não há possibilidade de mudança
nos casos mais graves, por sua ação contra espiroquetas e bac- na medicação, são preconizados o controle da placa bacteriana
teroides. por meio de tratamento periodontal básico, a manutenção da
higiene bucal e árurgia (gengivectomia) no intuito de remover
o excesso do tecido hipe.rplásico.
• Hiperplasia gengiva! medicamentosa
Uma série de medicamentos pode induzir a formação de • Gengivite descamativa
hiperplasia gengiva! benigna, e o grau de aumento gengival
está relacionado com a suscetibilidade do paciente e ao nível de Trata-se de um processo inflamatório vesiculoerosivo crO·
higiene bucal. Dentre as drogas mais comumente envolvidas, nico envolvendo a gengiva, que se destaca espontaneamente ao
estão: a fenitolna, a ciclosporina e bloqueadores dos canais de menor toque. Do ponto de vista etiológico, parece associado a
cálcio, notadamente a nifedipina. A gengiva hiperplásica tam- doenças dermatológicas e autoimunes, como o Uquen plano,
pênfigo,lúpus eriternatoso sistêmico, entre outras. As lesões se
restringem às áreas gengivais, sem acometimento a outras áreas
mucosas da cavidade bucal As áreas afetadas inicialmente se
apresentam eritematosas e com a perda do pontilhado caracte-
rístico, progredindo para formações bolhosas contendo fluido
claro ou sanguinolento, descamação espontânea ou zonas de
erosão. As áreas ulceradas e erodidas trazem dor significativa.
O diagnóstico é feito com base na história clínica, no aspecto
das lesões e na biopsia com exame histopatológico de rotina e
imunofluorescéncia.
Antes da terapêutica definitiva, são necessários o controle
da placa bacteriana por meio de tratamento periodontal bási-
co e a manutenção de excelente higiene bucal A prescrição de
doxiciclina monoidratada (doxiciclina, vibrarnicina, ciclisan,
drágeas ou comprimidos de 100 mg administrados por via oral
a cada 12 h) pode reduzir o grau de inflamação da mucosa, an-
tes do emprego de terapia imunossupressora. Muitos pacientes
respondem bem ao uso de corticosteroides tópicos. e aqueles
Flgun18.2 Aspecto característico da GUNA. observar área de necrose cujas condições se mostram resistentes à corticoterapia fre-
e invers3o papilar entre os incisivos centrais superiores (cortesia: Prol' quentemente respondem à dapsona (Dapsona• comprimidos
Dr' Ela in e M. S. Massucato - Serviço de Medicina Bucal da Faculdade de 50 mg administrados por via oral I ou 2 vezes/dia) ou sul-
de Odontologia de Araraquara - UNESP). (Esta figura encontra-se re- fapiridina (Azulfin• ; sulfassalazina, comprimidos de 500 mg
produzida em cores no Encarte.) V0de6/6h).
Copltulo8 I Estomatites 87

• Periodontite e a hlstoplasmose, merecedoras de destaque neste capitulo. Da


mesma forma, das infecções virais com acometimento bucal,
A periodontite é um processo inflamatório que acomete as as relacionadas com o herpesvfrus humano (HHV) são mais
estruturas de suporte dos dentes (ligamento periodontal, osso frequentes e características.
alveolar e cemento), cuja evolução pode levar à destruição do
osso alveolar, com subsequente mobilidade ou, mesmo, perda • Candidose
do dente (Figura 8.4). Dos mais de 300 tipos de bactérias da
flora bucal, apenas alguns se relacionam à periodontite do adul- A candidose ou candidiase é a infecção fúngica bucal mais
to, predominantemente Actinomices actinomycetemcomitans, comum no homem, podendo se apresentar sob formas clini-
Porphyromonas gingivalis e Prevotel/a intermedia. cas bastante variadas, dificultando muitas vezes seu diagnósti-
Para a maioria das periodontites, a gengivite está presente e co. De fato, vários membros do gênero Candida, notadamente
precede o desenvolvimento das lesões periodontais, caracteri- Omdida albicans, são constituintes da flora bucal, e cerca de
zadas pela reabsorção óssea e formação de bolsa periodontal e 5096 das pessoas possuem o microrganismo e não apresentam
perda da aderência entre a gengiva marginal e os dentes, ocasio- evidências clinicas da doença. A presença ciinica de infecção
nalmente se observando a formação de abscessos periodontais, depende de três fatores gerais: (1) estado imunológico do in-
mau hálito e sensação de gosto ruim na boca, dor latejante e divíduo; (2) meio ambiente da mucosa bucal; e (3) resistência
sensibilidade local exacerbada. da C. albicans.
A periodontite, no paciente HIV-positivo, pode apresentar- Apesar de ser considerada, na maioria das vez.es, uma in-
se bastante agressiva e de rápida progressão. fecção oportunista, afetando indivíduos debilitados por outras
O prognóstico da periodontite correlaciona-se diretamente doenças, a candidose bucal pode afetar indivíduos saudáveis,
com o desejo do paciente de manter a saúde bucal. Esta pode de acordo com a interação entre o microrganismo e o meio bu-
ser mantida com tratamento periodontal apropriado e um pro- cal, podendo se apresentar sob formas clinicas variadas, sendo
grama de higiene bucal rigoroso, além de supervisão profis- descritas as mais frequentes a seguir.
sional rotineira a cada 6 meses, ou 3 meses para os casos mais
graves. • Candidose pseudomembranosa
Devido à sua natureza crônica, antibióticos geralmente não :e a forma mais conhecida de infecção por Candida, o "sa-
são usados, exceto naqueles pacientes que não respondem à te- pinho», caracterizada pela presença de placas brancas aderen-
rapia convencional. Quando necessários, penicilinas, tetracicli- tes à mucosa íntegra ou eritematosa (Figura 8.5), podendo ser
nas (Tetrex•, comprimidos de 500 mg VO de 6/6 h) ou metroni- removidas por raspagem ou fricção.
dazol (Flagyl• ) são os medicamentos de escolha. A utilização de Os sintomas são relativamente leves, constituidos de sen-
anti-inflamatórios não esteroides pode auxiliar na diminuição sação de queimação bucal e relatos de gosto desagradável na
da progressão da perda óssea. Bochechas à base de clorexidina boca e mau hálito.
0,1296 ou peróxido de hidrogênio diluido podem ser indicados
como meios auxiliares no controle da placa bacteriana. • Candídose eritematosa
Diferindo da forma pseudomembranosa, a candidose erite-
matosa não apresenta a formação de placas brancas, podendo se
apresentar sob formas bastante variadas. A candidose atr6fica
• LESÕES BUCAIS DECORRENTES DE INFECÇÕES aguda geralmente acomete pacientes com histórico de antibio-
FÚNGICAS EVIRAIS ticoterapia de amplo espectro por médio e longo prazos, carac-
terizando-se pela presença de máculas eritematosas distribuidas
inúmeras doenças fúngicas podem acometer a cavidade oral, pela mucosa bucal e orofaringe, além de perda difusa das papilas
sendo as mais comuns: a candidose, a paracoccidioidomicose filiformes da superflcie dorsal da Hngua, resultando em uma

Figura 8.4Quadro avançado de periodontite, com retração gengiva!, Figura 8.5 Candidose pseudo membranosa em rebordo alveolar des-
mobilidade dental e presença de grandes quantidades de cálculo e dentado (cortesia: Prof• Dr• Elaine M. S. Massucato- Serviço de Medici-
placa bacteriana. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no na Bucal da Faculdade de Odontologia de Araraquara - UNESP). (Esta
EncarteJ figura encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ
88 Capitulo 8 I Estomat/tes

língua avermelhada, com aspecto liso (careca). O sintoma mais geralmente em pacientes imunossuprimidos, poderá ser neces-
geralmente relatado é a sensação de queimação local. sária a utilização de anfotericina B (Fungizon8 , frasco-ampola
O envolvimento da comissura labial pela doença é chama- com 50 mg; Amphocil• , frasco-ampola com 50 e SOO mg), via
do de queilite angular (Figura 8.6), caracterizada por eritema, venosa, por infusão lenta (2 a 6 h). A dose de ataque da anfo-
fissuração e descarnação na região da prega mucocutãnea, po- tericina não deve ultrapassar 0,25 mglkgldia, e a de manuten-
dendo se estender para a epiderme adjacente. Embora seja vista ção, 0,4 a 0,6 mglkgldia. A dose total de 30 mglkg poderá ser
como componente de candidoses multifocais, essa forma mui- administrada em 6 a 10 semanas. A isotretinolna em aplicações
tas vezes se apresenta sozinha, caracteristicamente em pacientes tópicas a 0,18% tem sido recentemente utilizada para as cepas
idosos com sulcos acentuados no canto da boca, favorecendo de Candida resistentes aos antüüngicos convencionais.
o acúmulo de saliva, retendo umidade e acarretando infecções
por leveduras. Estudos microbiológicos indicam associações
entre Candida a/bicans e Staphylococcus aureus em aproxima- • Paracocddioidomicose
damente 60% dos casos. (blastomicose sul-americana)
• Candidose mucoc:utânea A paracoccidioidomicose é uma infecção fúngica profunda
A candidose mucocutânea pertence a um grupo relativa- causada pela inalação de esporos do Paracoccidioides brasilien-
mente raro de desordens imunológicas, e a gravidade da infec- sis, cuja zona endêmica se restringe à América do Sul. Trata-se
ção por Candida está relacionada com a gravidade do defeito de uma infecção granulomatosa crônica pulmonar com disse-
imunológico. Apesar de a maioria dos casos ser esporádica, minações linfáticas e hematogênicas para outros órgãos, comu-
encontrou-se um padrão de herança autossômica recessiva em mente afetando a mucosa oral e a oro faringe. Observa-se uma
algumas famllias. O problema imunológico evidencia-se na predisposição distinta para o acometimento em pacientes do
infância, com o surgimento de infecções por Candida no leito gênero masculino em uma relação de 25:1, diferença essa rela-
ungueal, na pele, boca e outras superficies mucosas. As lesões cionada com os hormônios femininos, uma vez que o betaes-
bucais aparecem na forma de placas espessas que dificilmente tradiol inibe a transformação das hifas do fungo para a forma
se destacam com raspagem. patogênica de leveduras.
O diagnóstico de candidose é eminentemente clinico, em- A paracoccidioidomicose é, em geral, classificada nas for-
bora a citologia esfoliativa e cultura fúngica possam ser empre- mas mucocutãnea, visceral, linfática e mista, cuja lesão comum
gadas como meios auxiliares. às várias formas é um granuloma ulcerativo. As lesões bucais
O tratamento é feito associando-se medicação antifúngica caracterizam-se por áreas eritematosas e ulceradas de superffcie
apropriada e métodos de higiene bucal no intuito de remover moriforme, sangrantes à manipulação, acometendo comumen-
mecanicamente, através de escovação dental, da llngua e da mu- te a mucosa alveolar, gengivas e palato (Figura 8.7), podendo
cosa bucal, as colônias de Candida. Os portadores de próteses acarretar perda óssea e mobilidade dentária. As lesões são dolo-
dentárias totais ou removíveis devem ser orientados quanto ridas, causando dificuldades para a mastigação e deglutição.
às necessidades diárias de sua higienização. Vários medica- O diagnóstico baseia-se no aspecto das lesões e na observa-
mentos antifúngicos podem ser empregados no tratamento da ção microscópica do Paracoccidioides brasilien.sis no tecido e
candidose oral. Os mais usados são: a nistatina (Nistatina8 , sus- exsudatos da lesão. Pode ser solicitada cultura para a identifi-
pensão oral; Albistin• , suspensão oral; Candistatin8 , suspensão cação do fungo, embora este cresça lentamente.
oral, I 00.000 Ullmt ), em uso tópico, e os derivados imidazóli- O tratamento proposto é prolongado, não existindo um con-
cos (Cetoconazol*, comprimidos de 200 mg, ou Nizoral*, idem; senso de qual seria sua duração ideal. A suspensão precoce causa
Itraconazol• , cápsulas de 100 mg, e Sporano~. idem; Triconal altos Indices de reativação da doença, e isso tem feito com que
Fungoral*, comprimidos de 200 mg), VO. Nas formas graves, o tratamento seja demorado (em média, de 6 meses a 2 anos).
Atualmente, sugere-se que o tratamento seja dividido em duas
fases: (i) ataque - que visa ao controle dos sinais cllnicos; (ü)
manutenção - que visa a reduzir as chances de recidiva da doen-
ça Podem ser utilizados os derivados sulfamfdicos, derivados
azólicos e, nas formas graves, a anfotericina B.
Os derivados sulfamldicos são usados, com sucesso, desde a
década de 1940. Atualmente, a forma mais amplamente utiliza-
da é a associação de sulfametoxazol- trimetoprima (Bactrim*,
Infectrim«>, comprimidos com 80 mg de trimetopríma e 400 mg
de sulfametoxazol), que apresenta boa tolerância e poucos efei-
tos colaterais (urticária, náuseas, vômitos, leucopenia, anemia
megaloblástica). Estudos demonstram que a eficácia dessa com-
binação supera os 80%, e que o insucesso está relacionado com
a não adesão ao tratamento.
A anfotericina Bé usada nas formas graves da doença desde a
década de 1950. Geralmente, é utilizada no inicio do tratamento
e, posteriormente, é substituída pela associação sulfametoxazol-
trimetoprima, embora nem todos os autores concordem com
esse esquema~ a droga de escolha nos casos de resistência clí-
Figura 8.6 Candidose atrófica na forma de queilite angular na co- nica às outras drogas utilizadas. Apresenta eficácia comprovada,
missura labial (cortesia: ProP Dr' Elaine M. S. Massucato- Serviço de embora sejam frequentes as reações adversas: náuseas, vômitos,
Medicina Bucal da Faculdade de Odontologia de Araraquara - UNESP). febre, tremor, nefrotoxicidade, hipopotassemia, alterações ele-
(Esta figura encontra~ reproduzida em cores no EncarteJ trocardiográficas, anemia, disfunção hepática.
Capftulo 8 I Estomatites 89

Figura 8.8 Úlcera palatina em portador de histoplasmose (cortesia:


Prof> DrO Elai ne M. S. Massucato - Serviço de Medicina Bucal da Facul-
Figura 8.7 Aspecto moriforme e ulcerativo de lesões acometendo o dade de Odontologia de Araraquara - UNESP). (Esta figura encontra-se
palato em portador de paracoccidioidomicose. (Esta figura encontra- reproduZida em cores no Encarte.)
se reproduzida em cores no Encarte.)

O tratamento com cetoconazol foi iniciado em 1978 com para células de origem ectodérmica, as infecções tendem a ser
excelentes resultados, com taxa de cura em 90% dos casos, mas latentes, reaparecendo periodicamente. Dentre as manifesta-
com efeitos colaterais (ginecomastia, diminuição da libido) que ções clínicas oriundas dessas infecções, todas podem apresen-
restringem seu uso. O itraconazol vem sendo usado com ex- tar lesões bucais vesiculares, com posterior transformação para
celentes resultados, iguais ou superiores aos do cetoconazol, e úlcera; mas discutiremos apenas a GEHA, devido à sua alta
com menos efeitos colaterais, sendo considerado por diversos incidência e singularidade.
autores a droga de escolha, embora estudos mais longos sejam A gengivoestomatite herpética aguda (GEHA) é o padrão
necessários para avaliar a incidência de recidiva com seu uso. mais comum de infecção herpética primária sintomática, e mais
de 90% resultam da infecção pelo HHV-1. A maioria dos ca-
sos é observada em crianças entre 6 meses e 5 anos de idade,
• Histoplasmose sendo de início abrupto, gerando desconforto intenso, prostra-
A histoplasmose é uma infecção fúngica provocada pela ina- ção e irritabilidade. As lesões bucais inicialmente são vesículas
lação de esporos do Histoplasma capsulatum, presente em am- puntiformes que se rompem com facilidade, formando úlceras
bientes úmidos contendo excrementos de pássaros e morcegos inicialmente pequenas recobertas por pseudomembrana amare-
no solo. Em indivíduos imunocompetentes, a maioria dos casos lada e circundadas por halo eritematoso. As úlceras adjacentes
é assintomática ou produz sintomas leves. A doença pode se tendem à coalescência, formando grandes úlceras rasas e irre-
manifestar nas formas aguda, crônica e disseminada. gulares, podendo acometer toda a mucosa bucal e labial, ün-
A maioria das lesões bucais da histoplasmose ocorrem na gua, palato, gengivas (Figura 8.9) e orofaringe. Quadros febris
forma disseminada da doença. As áreas mais afetadas são a e linfadenopatia cervical anterior geralmente são observados.
üngua, o palato e a mucosa jugal (das bochechas). Em geral, a Os casos brandos geralmente se resolvem entre 5 e 7 dias, e os
lesão apresenta-se como uma úlcera solitária de margens firmes mais graves podem persistir até por 2 semanas.
e elevadas (Figura 8.8), bastante dolorosa, de várias semanas As infecções recorrentes podem ocorrer tanto na região da
de duração, podendo ser confundida, em aspecto clínico, com inoculação primária como em áreas adjacentes supridas pelo
o carcinoma epidermoide. mesmo gânglio envolvido, e, para as infecções bucais, o local
O diagnóstico é feito, em geral, pelo quadro clínico e cultura mais afetado para recorrência é a junção mucocutânea do lá-
para a identificação do fungo, ou pela identificação histológica bio, caracterizando o herpes labial (Figura 8.1 O). Quando a re-
do fungo através de biopsia incisional. corrência se dá na mucosa bucal, o quadro é bastante similar
O tratamento de escolha é a anfotericina B endovenosa; no ao da primeira infecção, embora a infecção dessa vez seja mais
entanto, apesar da terapia, é observado um índice de mortali- branda e abranja menor área. Geralmente, o paciente nota si-
dade entre 7 e 23%. nais prodrômicos da recorrência na área que será afetada, como
prurido, dor, ardência ou eritema local.
O diagnóstico é baseado no aspecto típico das lesões, e o tra-
• Gengivoestomatite herpética aguda (GEHA) tamento é, na maioria das veze.s, sintomático devido ao curso
Os herpesvírus são um grupo DNA vírus que engloba os do definido da doença. Para o controle da dor, podem ser utili-
tipo herpes simples (HHV- 1 e HHV-2), varicela-zoster (VZV zados anti-inflamatórios não esteroides sistêmicos, aplicações
ou HHV-3), Epstein-Barr (EBV ou HHV-4), citomegalovírus tópicas de lidocaina (Xylocaina®, Lidocaina®, Xylestesin gelou
(CMV ou HHV -5), além de outros dois vírus descobertos recen- spray). O acidovir (Zovi~; Aciclovif®; Aciveral®; Antivirax",
temente, o HHV-6 e o HHV-7. O ser humano é o reservatório comprimidos de 200 e 400 mg) oral pode atenuar a sintomato-
natural desses vírus, que apresentam a capacidade de habitar logia e diminuir o ciclo da doença, se utilizado precocemente
por toda a vida o hospedeiro infectado. Com uma afinidade na fase prodrômica.
90 Capitulo 8 I Estomatites

Figura 8.9 Quadro de GEHAem paciente pediátrico. (Esta figura en- Figura 8.1 1 Áreas ulceradas em mucosa jugal em paciente portador
contra-se reproduzida em cores no Encarte.) de pênfigo vulgar (cortesia: Prof• Dr• Elaine M. S. Massucato-Serviço de
Medicina Bucal da Faculdade de Odontologia de Araraquara- UNESP).
(Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)

o envolvimento intrabucal em determinada fase da doença. A


idade média ao diagnóstico gira em torno dos 40 aos 60 anos,
não havendo predileção por sexo.
As lesões bucais apresentam-se, inicialmente, sob a forma de
bolhas e vesículas, fase esta dificilmente observada pelo clínico,
devido à facilidade do rompimento, evoluindo para erosões e
ulcerações rotas superficiais (Figura 8.11) que acometem pa-
lato, gengivas, mucosa labial, bochechas e soalho lingual. As
lesões geram dor e desconforto constantes, tendendo a aco-
meter maiores áreas superficiais caso o paciente permaneça
sem tratamento.
O diagnóstico é feito pelo aspecto das lesões associado à
biopsia para análise histopatológica e imunofluorescência di-
reta e indireta. Quanto mais precoce for o diagnóstico, mais
fácil será o tratamento.
O tratamento consiste em corticoterapia à base de predni-
Fig ura 8.1 o Herpes labial recorrente nafase vesicular inicial. (Esta figura sona (Corticorten41 , Meticorten41; prednisona; Predicorten41, em
encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) comprimidos de 5, 20 e 50 mg). Algumas vezes, é necessário
associar imunossupressores, geralmente à base de azatioprina
(Imuran*, comprimidos de 50 mg) 50 a 150 mgldia. A doença
raramente sofre uma resolução completa, embora períodos de
• LESÕES BUCAIS ASSOCIADAS remissões e exacerbações sejam comuns.
ADOENÇAS IMUNOLÓGICAS,
• Penfigoide cicatricial
DERMATOLÓGICAS EALÉRGICAS O penfigoide cicatricial é uma doença autoimune mucocutâ-
Muitas lesões bucais estão associadas a processos patológi- nea bolhosa, na qual anticorpos são dirigidos contra a membra-
cos sistêmicos, dermatológicos ou imunológicos, sendo muitas na basal. O termo "penfigoide" é utilizado devido ao aspecto
delas assintomáticas. Discutiremos aquelas que apresentam clínico das lesões, semelhantes ao pênfigo, embora suas caracte-
sintomatologia dolorosa. rísticas microscópicas sejam bastante distintas e sua incidência
seja duas vezes mais comum.
O acometimento normalmente se dá em adultos idosos, por
• Pênfigo volta dos 60 anos, em urna frequência de duas mulheres afeta-
A condição conhecida como pênfigo representa quatro va- das para cada homem. Observam-se lesões orais na maioria dos
riantes de etiologia autoimune: vulgar, vegetante, eritematoso pacientes, com um aspecto inicial de bolhas ou vesículas comu-
e foliáceo, mas apenas os dois primeiros afetam a mucosa bu- mente vistas, ao contrário das lesões iniciais do pênfigo vulgar,
cal. Como a variante vegetante é rara, discutiremos o pênfigo que dificilmente são detectadas. Após o rompimento das bolhas,
vulgar. observam-se grandes superficies ulceradas difusas por toda a
As manifestações iniciais do pênfigo vulgar acometem pri- mucosa bucal (Figura 8.12), que podem persistir por semanas
meiramente a mucosa bucal em mais de 50% dos casos, em- ou mesmo meses, quando não tratadas, sendo normalmente
bora a quase totalidade dos portadores da doença apresentem doloridas e causadoras de sérias dificuldades funcionais.
Capftulo8 I Estomatites 91

Figura 8.12 Lesão de penfigoide cicatricial em gengiva marginal (cor· Figura 8.13 Lesões ulceradas em região anterior da língua em porta-
tesia: Prof' Dr• Elaine M. S. Massucato - Serviço de Medicina Bucal dor de eritema multiforme (cortesia: ProP Dr' Ela in eM. S. Massucato -
da Faculdade de Odontologia de Ara raqua ra - UNESP). (Esta figura Serviço de Medicina Bucal da Faculdade de Odontologia de Araraquara
encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) - UNESP). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)

O diagnóstico é feito através da biopsia do tecido perile- Uma forma mais grave e disseminada do eritema multiforme
sional, sendo o material submetido a exame histopatológico e é a síndrome de Stevens-Johnson, na qual ocorre a dissemina-
imunofluorescência ção das lesões para a pele, mucosas bucal e genital e conjuntiva
O tratamento é feito com corticoterapia sistêrnica associada ocular, e está geralmente associada a medicamentos.
a agentes imunossupressores, como a ciclofosfamida (Genuxal~, O exame h istopatológico revela padrões característicos,
drágeas com 50 mg; frasco-ampola de 10 ml com 200 mg mas não patognomônicos. Estudos de imunofluorescência
e frasco-ampola de 50 ml com 1.000 mg), nas formas graves. direta e indireta também não são específicos para o eritema
Uma terapia sistêmica alternativa, que produz menos efeitos multiforme, sendo úteis apenas para descartar outras doen-
colaterais, é a utilização da dapsona. As lesões bucais e de outras ças vesiculobolhosas. Sendo assim, o diagnóstico baseia-se
superficies devem receber corticoterapia tópica potente vár ias nos achados clínicos e na exclusão de outras doenças vesi-
vezes ao dia, até ser alcançado o controle. Aplicações em dias culobolhosas.
alternados podem prevenir exacerbações da doença Todos os Na maioria dos casos, a doença é autolirnitada, durando
pacientes diagnosticados como portadores de penfigoide cica- entre 2 e 6 semanas, embora 20% apresentem episódios r e-
tricial devem ser encaminhados para controle oftalmológico, a correntes com frequência. O regime terapêutico de escolha é a
fim de prevenir e tratar as possíveis lesões oculares, em regra, corticoterapia sistêrnica, especialmente nos estágios iniciais da
incapacitantes. doença. As lesões bucais podem receber corticoterapia tópica,
ou mesmo agentes anestésicos tópicos para a diminuição do
desconforto funcional.
• Eritema multiforme
O eritema multiforme é uma doença bolhosa e ulcerativa
mucocutânea de provável origem autoimune. Observa-se que,
• líquen plano
em cerca de metade dos casos, pode ser identificada uma expo- O líquen plano é uma doença mucocutânea crônica rela-
sição recente, de média ou longa duração, a medicamentos, ou tivamente comum, incidindo com maior frequência sobre a
história de infecções precedentes, embora, muitas vezes, seja m ucosa bucal (cerca de 70% dos casos) do que sobre a pele
impossível detectar um fator desencadeante. (35%). Parece haver uma associação entre estados de estresse
A manifestação geralmente ocorre em pacientes jovens, psicológico e ansiedade e o desenvolvimento dessa doença, mas
entre 20 e 30 anos, com maior predisposição para o gênero essa relação ainda é bastante controversa.
masculino, em uma proporção de 3:1, e inicia-se com sinais A manifestação tende a ocorrer em adultos a partir dos
e sintomas comuns à gripe, aproximadamente 1 semana an- 40 anos de idade, em uma predisposição de 3:2 para o gênero
tes do aparecimento das lesões. As lesões de pele e da mucosa feminino, e pode apresentar-se clinicamente sob a forma de
bucal surgem rapidamente, causando dor e desconforto grave, duas variáveis, o reticular e o erosivo. O líquen plano reticular
dificultando até mesmo a ingestão de líquidos, não sendo inco- é a variante mais comum, sendo geralmente assintomático e
muns episódios de desidratação associados à presença de lesões envolvendo a mucosa bucal posterior bilateralmente, sob a for-
bucais. Inicialmente, essas lesões são manchas eritematosas ma de linhas brancas entrelaçadas, tipicamente não estáticas,
cuja superfície epitelial sofre necrose, evoluindo para úlceras e aumentando e diminuindo por semanas ou mesmo meses. O
erosões de contornos irregulares, acometendo vastas superfí- líquen plano erosivo, embora menos comum, apresenta sinto-
cies. Observa-se distribuição difusa das lesões, com predileção matologia dolorosa, ocasionada por áreas atróficas e eritema-
para mucosas labial e jugal, língua (Figura 8.13), palato mole e tosas, com ulcerações centrais em vários graus, sendo as bordas
soalho bucal, sendo as gengivas e o palato duro normalmente das áreas atróficas cercadas por finas estrias radiantes.
poupados. As lesões bucais são frequentemente acompanhadas O diagnóstico do líquen plano reticular é feito com base
de linfadenopatia cervical. nos achados clinicos, sendo sinais patognomônicos as estrias
92 Capitulo 8 I Estomatites

brancas entrelaçadas presentes na mucosa jugal. O lfquen plano 8.15), mucosa das bochechas e gengivas, e podem apresentar
erosivo frequentemente necessita de biopsia para o descarte de aspectos similares aos das lesões de líquen plano ou mesmo
outras possíveis doenças vesiculobolhosas (Figura 8.14). granulomatosas, com graus variados de ulceração, eritema e
A corticoterapia tópica geralmente é suficiente para o con- hiperqueratose superficial. Sintomatologia dolorosa e descon-
trole das lesões. forto estão associados à presença das ulcerações.
O lúpus eritematoso cutâneo crônico (LECC) é uma va-
riável que apresenta nenhum ou pouquíssimos sinais de aco-
• lúpus eritematoso metimento sistêmico, estando restrito à pele e às mucosas,
O lúpus eritematoso sistêrnico (LES) é uma doença grave que principalmente na cabeça e no pescoço, além de apresentar
afeta vários sistemas (regiões mucocutâneas, pulmões, rins, co- prognóstico consideravelmente melhor quando comparado
ração, figado), muito dificil de diagnosticar em seus estágios ini- ao LES. As lesões bucais observadas mostram os mesmos pa-
ciais, sendo frequentemente confundida com viroses. Há uma drões da forma sistêmica. A variante cutânea subaguda apre-
prevalência para o acometimento no sexo feminino de 8:1, com senta manifestações clinicas intermediárias entre as do LES e
idade média de 30 anos. Em 40 a 50% dos pacientes, observa- as do LECC.
se um exantema característico, nas regiões matar e nasal, que Além das características clínicas, uma série de exames pode
piora com a exposição solar. As lesões bucais acometem entre ser útil para a realização do diagnóstico, como a imunofluores-
10 e 40% dos pacientes, normalmente afetando o palato (Figura cência direta de tecido lesional e de tecido normal, bem como
testes imunológicos para pesquisa de anticorpos antinucleares,
anticorpos dirigidos contra o filamento duplo de DNA e anti-
corpos antiproteína Sm.
Para os pacientes que apresentam LES, as lesões bucais geral-
mente responderão à corticoterapia sistêmica. Podem também
ser utilizados outros agen tes imunossupressores (azatiopri-
na; ciclofosfamida) e medicamentos antimaláricos (Cloroqui-
na<&, Mefloquina<&, comprimidos com 250 mg). Para as lesões
do LECC, a corticoterapia tópica pode ser efetiva, restando a
corticoterapia sistêmica e os antimaláricos para os casos re-
sistentes.

• Estomatite aftosa recorrente


A estomatite aftosa recorrente, conhecida popularmente
como afta, apresenta alta prevalência na população geral, va-
riando entre 10 e 66% para os grupos estudados. O desenvol-
vimento da estomatite aftosa tem base imunológica, podendo
ser induzido por uma série de fatores etiológicos: predisposição
genética, processos alérgicos, alterações hormonais, alterações
nutricionais, anormalidades hematológicas, processos infec-
Figura 8.14lesãode líquen plano reticular em mucosa jugal (cortesia:
Prof> Dr• Elaine M. S. Massucato - Serviço de Medicina Bucal da Facul- ciosos, trauma e estresse. Quando em combinação de vários
dade de Odontologia de Araraquara- UNESP). (Esta figura encontra-se fatores, agrupam -se três categorias:
reproduzida em cores no Encarte.) o imunodesregulação primária;
o aumento na exposição ant igênica;
o redução ou falha da barreira fisica epitelial (mucosa).
Clinicamente, existem três variações da estomatite aftosa:
menor, maior e herpetiforme, discutidas a seguir.
11> ESTOMATITEAFTOSAMENOR. ~a mais comum, representan-
do 80% das aftas; apresenta menor duração e menor quanti -
dade de recorrências quando comparada às outras variantes.
Inicia-se geralmente na infância ou adolescência, com recor -
rências altamente variáveis, desde uma em anos até mais de
dois episódios por mês. As lesões apresentam -se como úlceras
recobertas por pseudomembrana branco-amarelada, que pode
ser removível, e são circundadas por halo eritemat oso. As le-
sões podem medir entre 3 e 10 mm de diâmetro, estando pre-
sentes geralmente em número de uma a cinco, desaparecendo
entre 7 e 14 dias, sem deixar cicatriz. As úlceras se originam,
quase exclusivamente, sobre mucosa não ceratinizada, mais
frequentemente em mucosas jugal e labial, superficie ventral
da língua, soalho bucal e palato mole. O quadro doloroso re-
Figura 8.15 lesões ulceradas no palato duro de portador deLES (cor- ferido geralmente não é compatível com o tamanho da lesão
tesia: Prof> Dr' Elaine M. S. Massucato - Serviço de Medicina Bucal (Figur a 8.16).
da Faculdade de Odontologia de Araraquara - UNESP). (Esta figura 11> ESTOMATITEAFTOSA MAIOR. Representa 10% das aftas, ten-
encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) dendo a ocorrer após a puberdade e durante a vida adulta. O
Copftulo 8 I Estomotitrs 93

• Síndrome de Behçet
A síndrome de Behçet possui etiologia autoimune, parece
ser devida a uma imunodesregulação primária ou secundária a
um ou mais gatilhos, correlacionados com antfgenos ambientais
para bactérias, virus, produtos químicos e metais pesados.
Seu acometimento, dependendo das regiões de maior envol-
vimento, tem sido descrito em quatro formas: ocular, mucocutâ-
nea, artrítica e neurológica. O envolvimento da mucosa bucal
é comum aos quatro tipos, sendo a primeira manifestação em
25 a 75% dos casos. As lesões são similares às da estomatite af-
tosa, apresentando a mesma d uração e frequência, com a par-
ticularidade de ocorrerem sempre no mesmo ponto durante o
curso da doença. Os portadores da síndrome de Behçet apre-
sentam seis ou mais ulcerações, em geral em áreas pouco fre-
quentes para a ocorrincia rotineira de estomatite aftosa, como o
palato duro, palato mole e orofaringe, com tamanhos variáveis,
de bordas elevadas, recobertas por pseudomembrana branco-
Figura 8.16 úlcera de estomatite aftosa menor em rebordo gengival.
(Esta figura encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ amarelada e rodeadas por grande área eritematosa.
Nenhum achado laboratorial é patognomõnico da doença.
Os critérios especificos para o diagnóstico são a ocorrência de,
pelo menos, três episódios de ulcerações bucais recor rentes
número de lesões varia de 1 a 10, podendo acometer toda a associadas a duas das seguintes manifestações: ( 1) ulceração
superfície bucal, com predileção para a mucosa labial, palato genital recorrente; (2) lesões oculares observadas por oftalmo-
mole e região amigdaliana. As úlceras apresentam as mesmas logista; e (3) lesões cutâneas tlpicas ou teste de patergia positivo
manifestações clínicas encontradas na variante menor, mas 24 a 48 h após a injeção.
são mais profundas e maiores, medindo entre 10 e 30 mm de A sindrome de Behçet apresenta curso altamente variável,
diâmetro, levando entre 2 e 6 semanas para desaparecerem, sendo típico o padrão de recidivas e remissão. As recidivas das
podendo deixar cicatriz. lesões tendem a diminuir de frequência após o quinto ano. O
I> ESTOMATITE AFTOSA HERPETIFORME. Representa 10% das prognóstico é bom na ausência de doença do SNC ou com-
aftas, com in1cio típico na vida adulta e predominância pelo plicações vasculares. A corticoterapia sistêrnica destina-se aos
sexo feminino. As úlceras são pequenas, medindo entre 1 e casos mais graves, e as lesões bucais podem receber o mesmo
tratamento dado à estomatite aftosa recorrente. Aplicações lo-
3 mm de diâmetro, ocorrendo em grande número e chegando
cais com laser de 002 têm sido sugeridas no intuito de acelerar
até 100 lesões. As úlceras desaparecem entre 7 e 1O dias, mas
o período para a cicatrização das lesões bucais.
as recorrências tendem a ser bastante frequentes. Como suas
caracterfsticas clinicas lembram a gengivoestomatite herpéti-
ca (GEHA), o termo "herpetiforme" é utilizado, embora possa • Estomatites alérgicas pela administração
causar certa confusão. de medicamentos ou por contato
O diagnóstico é feito pelas características clínicas e pela
exclusão de quadros ulcerativos semelhantes aos da estoma- A reação alérgica da mucosa bucal à administração de medi-
tite aftosa. Suas características histopatológicas não são espe- camentos sistêmicos é denominada estomatite medicamento-
cificas. sa, podendo-se observar uma série de padrões e manifestações
Os objetivos primários do tratamento da estomatite afto- clínicas relacionados:
sa recorrente são o controle da dor, redução da duração das • estomatite anafilática;
úlceras e restauração das funções orais normais. Os objetivos • reações liquenoides;
secundários incluem a redução na frequência e gravidade das • reações semelhantes às de eritema multiforme., lúpus ou
recorrências, além da manutenção dos perfodos de remissão. pênfigo;
Medicamentos tópicos podem atingir os objetivos primários, • lesões vesiculoulcerativas inespecíficas.
mas não são capazes de diminuir a gravidade e o número de
Mais de 150 medicamentos já foram relacionados com o
recorrências. Muitos medicamentos tópicos têm sido utilizados, surgimento de reações alérgicas da mucosa bucal, provocando
com destaque para os corticoides tópicos, como bochechos à desde eritemas localizados, passando por lesões ulcerativas, até
base de dexametasona 0,01% (Dexametasona• , Dexacort4>, mesmo reações de anafilaxia. Tais reações costumam manifes-
Dexadermi!• creme) e triancinolona (Omcilom A• ) sobre as tar-se logo no inlcio da terapia medicamentosa, embora não seja
lesões. Medicação sistêmica pode ser utilizada quando a terapia raro o desenvolvimento tardio dos sinais e sintomas.
tópica não for efetiva. O levamisol (Ascaridil• , comprimidos As reações por contato direto com a mucosa costumam ser
de 80 e I 50 mg), a colchicina e a clofazimina aparentemente mais incomuns quando comparadas às de lesões cutâneas, devi-
diminuem os períodos de duração das aftas e as recorrências. do ao menor perfodo de contato, à ação diluidora e removedora
Estudos recentes sugerem que a administração de ácido as- da saliva e à dispersão e absorção rápida de antígenos.
córbico (vitamina C) também tende a reduzir o período de O tratamento consiste na suspensão imediata do medica-
duração das aftas e sua gravidade. A corticoterapia sistêmica mento envolvido. As lesões podem ser tratadas com corticote-
deve se.r reservada para os casos graves (prednisolona 5 mg rapia tópica, deixando a corticoterapia sistêmica para os casos
em dose diária). mais graves.
94 Capitulo 8 I Estomotites

As manifestações bucais incluem queilite angular, glossite


• LESOES BUCAIS ASSOCIADAS ADOENÇAS atrófica (Figura 8.17) e atrofia difusa ou generalizada da mucosa
SISTEMICAS bucal, com relatos frequentes de ardência bucal e glossodinia.
Tais achados tam~m ocorrem na presença de candidose, su-
gerindo que a deficiência de ferro predisponha a infecção por
• Deficiências vitamínicas Candidasp.
As deficiências vitamínicas ocorrem em decorrência de má Uma condição um tanto rara relacionada com a anemia fer-
nutrição, podendo também acometer pacientes com má ab- ropriva é a slndrome de Plummer-Vinson, que ocorre em asso-
sorção ou aqueles em dietas para emagrecimento e alcoólatras. ciação com glossite e disfagia decorrente da formação de anéis
Certas deficiências vitamínicas podem apresentar manifesta- esofágícos, gerando desconforto intenso para a deglutição.
ções bucais evidentes, embora altamente inespedficas, resul- O tratamento para a maioria dos casos se faz com a adequa-
tantes de alterações metabólicas das mucosas, notadamente as ção da dieta alimentar, ou por terapia de reposição com sulfato
das vitaminas riboflavina (BJ. niacina (BJ, piridoxina (BJ. ferroso. Nos casos de má absorção, pode ser administrado ferro
cobalamina (B,,), folato, vitaminas C e K: parenteral periodicamente.
• Deficiências de vitaminas do complexo B e folato: po-
dem causar surgimento de queilite angular, glossite eri- • Diabetes melito
tematosa e atrófica (com depapilação - "língua careca•,
As manifestações bucais do diabetes estão diretamente rela-
de aspecto liso e brilhante), eritema e edema difusos da donadas com a microangiopatia causada pela doença, resultan-
mucosa bucal, resultando em ardência bucal e glossodi-
do na oclusão de pequenos vasos sanguíneos com consequente
nia, e predispor ao aparecimento de surtos de estomatite
doença vascular periférica. A isquemia resultante predispõe opa-
aftosa recorrente. ciente à infecção, além do prejuízo na função dos neutrófilos.
• Deficiências de vitamina C: escorbuto. Geralmente, acar-
A presença do diabetes não está relacionada com nenhum
reta hiperplasia gengiva) generalizada, com sangramento
padrão específico de lesão bucal. Observa-se mais frequente-
espontâneo, ulcerações ao nível gengiva!, periodontite, mente o acometimento por doenças periodontais, principal-
mobilidade dental e, eventualmente, hemorragia pete-
mente periodontite, que apresenta progressão bastante rápida,
quial e equimoses submucosas. além de uma suscetibilidade aumentada à candidose bucal (Fi-
• Deficiência de vitamina K: seja pela má absorção, seja pela gura 8.18). Tais processos infecciosos também podem apresen-
inibição de sua atividade por meio de anticoagulantes,
tar relação com os quadros de xerostomia relatados por 30%
sua deficiência gera quadro de coagulopatia relaciona-
dos diabéticos. Tem-se também observado maior incidência
da com a síntese de protrombina e de outros fatores de de estomatite aftosa recorrente em pacientes diabéticos não
coagulação, cuja manifestação bucal mais comum é o
controlados.
sangramento gengiva! espontâneo. O tratamento consiste em controle adequado do diabetes.
O tratamento se faz com a adequação da dieta alimentar, Uma dieta pobre em açúcares é interessante para o controle da
ou por terapia de reposição vitamlnica, para casos mais graves flora bucal. A manutenção de higiene oral rigorosa, supervisio-
ou de má absorção. nada periodicamente por profissional, ainda é a melhor forma
de prevenção e tratamento das doenças periodontais.
• Anemia ferropriva
~a causa mais comum de anemia em todo o mundo, poden-
• Doença de Crohn
do ocorrer basicamente sob quatro condições: perda excessiva A doença de Crohn é uma condição inflamatória de pro-
de sangue, demanda aumentada para as hemácias, dieta pobre vável origem imunológica que pode acometer qualquer loca-
em ferro e má absorção do ferro ingerido. lização do trato gastrintestinal, mas principalmente a porção

Figura 8.17 Paciente portadora de anemia ferropriva apresentando Fi gura 8.18 Candidose atrófica crônica em palato duro em paciente
área de glossite atrófiCa assintomática. (Esta figura encontra-se repro- diabético (cortesia: ProP Dr Juliana Rico Peres). (Esta f.gura encontra-
duzida em cores no Encarte.) se reproduzida em cores no Encarte.)
Capftulo 8 I Estomatltes 95

Têm-se utilizado com sucesso bocheches colutórios com


peróxido de hidrogênio diluído para a cura das lesões. O trata-
mento sintomático pode ser feito com lídocaína tópica. Algu-
mas vezes, a estomatite também pode desaparecer em poucos
dias após a hemodiálise, com a diminuição dos níveis séricos
de ureia.

• LEITURA RECOMENDADA
Ayangco. L & Rogen. RS. Oral manifestatioru of uy~Mma muhiform. Dmnato/
Clin, 2003; 21:195-205.
Barascb, A. Gordon, S.~. RY tt aL Ntcrotiz.ing stomatitis: report of3 Pseu-
domolllS atruginosa-potjti,.. patimu. Oral Surg Oral Mtd Oral Pothol Oral
Rluliol ~ 2003; 96:136-<10.
Birek, C HtrptSVirus-induttd di..,.S<S: orai manlftstatlons and currc:nt trc:il-
m<nt optlon<./ OdifDtnt Jl.ssoc, 2000; 28:911 -21 .
or
de Abreut MA, Hlrata, CH, Pimentel, DR. Wecloc. LL. Treatment ~current
aphthous stomatitiJ with dofaúmint. Oral Surg Oral Med Oral Patho/ Oral
Figura 8.19 úlceras palatinas em fase de cicatrização em paciente Rluliol Endod, 2009; 108:714-21.
que recebe tratamento para doença de Crohn. (Esta figura encontra- Dcllinger, TM & Uvingston, HM. Orai candidluls. Jlnn Pharmacother, 2003;
se reproduzida em cores no EncarteJ 37: I 529-48.
Demetriades, N, Hanford, H, Laskarides, C. Centrai manlfestatlons ofBehçet's
syndrome and the suc.cess o(C02·1astr as treatmtnt for orallesions: a rc:view
ofthe literature and case prcscntation. 1 Meus Dent So,, 2009i 58:24-7.
distai do intestino delgado e o cólon proximal. As lesões bu- EbtrSOle, )L & Capptll, O. Acult-phase rtactants in lnfectioru and inflammatory
cais são significativas, podendo preceder as lesões gastrintes- diseases. Periodontol, 2000; 23:19-49.
Ferrcin, OG, Cardoso, SV, Borges, AS tt a/. Oral hlstoplumoslsin BrazU. Oral
tinais em até 30% dos casos, sendo paralelas às outras lesões
Surg Oral Med Oral Pathol Oral RAdlol Endod, 2002; 93:654-9.
do trato digestório, podendo-se observar eritema e edema Hamuryudan, V, Mat, C, Salp, S tt ai. Thalldomid< in thetreatmtnt oftht mu-
de lábios e mucosa jugal, ulcerações mucosas, formação de cocutantous lesioru o( tht Bthçet's syndromt. A randomi:ud, double-blind,
granulomas em dobras e irregularidades dos tecidos bucais e placebo-controUed trial Ann Intern Med,1998; 128:4-13-50.
gengivas (Figura 8.19), e queilite angular análoga às fissuras Hartnett, AC & Shlloah. ). The treatment o( acutt n<CrOtWng ulctratlve glngl-
anais observadas no envolvimento do reto e ânus. Alguns pa· vitiJ. Quint""""" Int, 1991 ; 42:439-48.
Ma.rtlnu-Bmtyto. Y, Lóptt-Jorntt, P, Vdandrino- Nicolás. A, )orntt-Garda,
cientes podem apresentar um quadro conhecido como pioes- V. Ih< o( antifungalagtnts for orai candldlasls: rc:su.lu of a national survty.
tomatite vegetante, caracterizado pela presença de pústulas lntf Dtnt Hyt, 2010; 8:47-52.
amareladas, ligeiramente elevadas, distribuídas pela mucosa Mutasim, DF. Autoimmunt buUous dtrmatosts in th< ddtrly: an update on
eritematosa. pathopbysiology, diagnoois and managcmtnL Drugs Jlg!ng 20 I O; 27: 1- 19.
O diagnóstico é baseado em biopsia e exame histopatológico Neville, BW, Damm, DO, Alltn CM, Bouquot, )E. Patologia Oral< Maxilofada.l.
do material obtido da mucosa bucal ou de outras áreas do trato 1.• cd., Rio de Janeiro, Guanabara Koogan. 1998.
Paláttrat, A, Mansourian, A, Momm-Htravi, F et ai. Comparison o( cokhi-
gastrintestinal. Uma biopsia negativa não descarta a possibili- cint versus prc:dniso.loot In rc:cutre.nt aphtho111 stomatitls: A double-blind
dade da doença de Crohn, pois a intensidade da reação infla- randomiud cUnial trial Clln lnwst Med. 2010; lJ:E189-95.
matória varia bastante entre os pacientes, dependendo também Pit<;s, JR & SpoUdorio, OMP. Ava.llaçio cUnica e mlc:roblológlca dt padtntes
da época em que foi colhida e da localização anatômica. portadores de diabetes mdlitus do tipo 2. Ttst dt Mc:stndo, Faculdadt de
A terapêutica consiste em tratar a doença de base, isto é, Odontologia de Araraquara/UNESP, 2004.
tratar a doença em sua localização primária. Sc:ardina, GA, Ruggj<ri,A,Messina, P. Chronic hyperplasticcandidosis: a pUot
study oftht tfficac:y of0.189!> isotrc:tinoin. / Oml Sd, 2009; 51:407-10.
Schuster, GS. Doenças virais < fúngicas com manifestações bucais. Em: To-
• Estomatite urêmica pu.lan, RG & Go.ldberg, MH. Jnfccçóts Orais e Maxllofaclals, 3.• ed., Slo
Pau.lo, Editora Santos, 1997.
A estomatite urêmica é uma condição relativamente rara, ob- Scully, C & Challacombt. S). Ptmphigus vulgaris: update on etiopathog<n<·
servada em cerca de 2% dos pacientes portadores de insuficiên- sis, oral maniftstations. and managtment. CriI Rtv Oral Biol Mtd, 2002;
13:397-408.
cia renal aguda ou crônica. A causa das lesões bucais ainda gera
Solomon, LW; Aguirrc:, A, Ntidm, M ti a/. 0\ronlc ulctratlv< stomatitis: clini-
controvérsias, mas acredita-se que a enzima urease, produzida cai, histopathologic, and lmmunopathologlc lindlngs. Oral Surg Oral Med
por bactérias do meio bucal, degrada a ureia que é secretada Oral Patho/ Oral Radiol Endod, 2003; 96:718-26.
em excesso na saliva desses pacientes, produzindo amônia livre, SpoUdorio, LC, Merz.el, ), Villalba, H t1 ai. Morphometrlc evaluatlon of glngl-
causadora das lesões na mucosa. val ovcrgrowth and regrcssion caused by clclosporln In rats./ Periodontal
De início geralmente súbito, as lesões se apresentam sob Res, 2001; 36:384-9.
a forma de crostas ou placas branco-amareladas recobrindo Sposto, MR, Navarro, CM, Onofrt, MA et •I. Ulcerações af\osas rccorrentts:
Diagnóotico clinico, tratamento local< slst~mlco. RGO, 1995; 43:77.
principalmente a mucosa das bochechas, a língua e o soalho Tyldesley, WR. Atlas Colorido dt Mtdicina Bucal, 2.• td., Slo Paulo, Artes
bucal. Pode-se detectar odor de amônia ou urina no hálito do Médicu, 1995.
paciente. As queixas são de dor e ardência bucal, com subse- Yasui, K, Kurata, T. Yashito, M et t~.l. lhe effect o( ascorbace on mlnor rtcu.r~nt
quentes dificuldades mastigatórias e de deglutição. aphthous stomatitis. Acta PatdiaiT, 2010; gg,442-5.
PARTE li
Esôfago
9 Anomalias Congênitas
Renato Dani e Daniel/a Ribeiro Einstoss Korman

As anomalias congênitas do esôfago são relativamente comuns atresia com dupla fístula, proximal e distai (Gross tipo De Vogt
(1:3000 -1:4500 nascidos vivos) e ocorrem devido a defeitos ge- 3C); S) FTE sem atresia (Gross tipo E) - (Figura 9.1). Cerca de
néticos ou problemas na maturação fetal. Podem configurar 50% das crianças com essas anormalidades apresentam outras
lesões graves, passíveis de levar o paciente à morte, ou doenças malformações congênitas associadas, principalmente cardíacas
toleráveis, de tratamento simples. Neste capítulo, abordaremos (35% dos pacientes), geniturinárias (24% dos pacientes), intes-
algumas dessas alterações congênitas. Os anéis e membranas tinais e anorretais (24% dos casos) e esqueléticas (13%).
são tratados no Capítulo 11, e a acalasia, no Capítulo 14. A presença de poli-hidrâmnio materno e prematuridade
são frequentemente assinaladas. Os sintomas e sua gravidade
dependem do tipo de malformação. A atresia isolada mani-
• ATRESIA EFfSTULAS TRAQUEOESOFÁGICAS festa-se nas primeiras horas de vida do neonato por salivação
abundante, regurgitação do leite ingerido, resultando em obs-
Estas são as anomalias congênitas mais frequentemente no- trução respiratória e pneumonia aspirativa. As fistulas que se
tadas no esôfago. As atresias são decorrentes da falta de reca- comunicam com a árvore traqueobrônquica manifestam-se
nalização do tubo digestivo proximal embrionário, e as fístu- por cianose, tosse, pneumonia recorrente, esta última causa-
las traqueoesofágicas (FTE) resultam da incompleta separação da por material ingerido ou por refluxo de secreção gástrica.
do brotamento pulmonar do intestino anterior primitivo. As Os portadores de fístula em H podem evoluir até a adolescên-
atresias são observadas em 1:3.000 a 1:4.500 nascidos vivos. A cia ou à idade adulta sem o diagnóstico correto e, geralmente,
atresia isolada corresponde a apenas 6% dos casos, enquanto apresentam problemas respiratórios crônicos, como uma asma
94% dos portadores dessas anomalias associam uma FTE. Das resistente ao tratamento e pneumonias re.c orrentes.
fístulas, 90% correspondem à atresia, fístula do esôfago distai O diagnóstico é suspeitado pela história e confirmado por
(mais frequente) e 4%, à FTE sem atresia (fístula em H). diferentes métodos propedêuticos, adaptados a cada situação.
Há cinco tipos fundamentais de atresia esofágica e FTE, Radiografias simples de tórax poderão evidenciar um abdome
e duas classificações são normalmente adotadas (de Gross e sem gás (atresia isolada) ou distendido, dependendo da varie-
Vogt): 1) atresia sem fistula (Gross tipo A e Vogt tipo 2); 2) dade da malformação. A fistula poderá ser identificada pela
atresia e FTE do esôfago prox:imal (Gross tipo B e Vogt 3A}; introdução de ar ou contraste por um cateter posicionado no
3) atresia e FTE do esôfago distai (Gros.s tipo C e Vogt 3B); 4) esôfago, ou, ainda, pela impossibilidade de fazer progredir uma

a b c

Figura 9.1 Tipos de atresia do esôfago e fístulas congênitas traqueoesofágicas. a, atresia do esôfago isolada; b, atresia e fístula traqueoesofágica
distai; c. fistula sem atresia; d. atresia e dupla fistula, proximal e distai; e, atresia e fistula proximal. (Modificada de Lewin, KJ er ai. 1992J

99
100 Capftulo 9 I Anomalias Congénitas

sonda colocada no esôfago. Mais raramente, em casos de fistula Essas estruturas podem ou não gerar sintomas. A maioria
em H utilizam -se ingestão de azul de metileno e broncoscopia dos pacientes sintomáticos está no primeiro ano de vida, mas
para situar a comunicação esofagotraqueal. Métodos recentes há casos iniciados na idade adulta. Os sintomas são decorren-
de diagnóstico por imagem são a ressonância magnética e a tes de compressão sobre os órgãos vizinhos, manifestando-se
endoscopia, que é usada no pré-operatório para localizar a es- como tosse, dispneia, taquipneia, disfagia, regurgitação, dor
tenose ou a fistula proximal. Em geral, a endoscopia é realizada torácica e arritrnias cardiacas. Complicações podem acontecer,
no peroperatório, podendo modificar a abordagem cirúrgica. sobretudo porque a mucosa que reveste as estruturas compro-
O diagnóstico de atresia sem FTE também pode ser suspeitado metidas é, na maioria das vezes, do tipo gástrico e secretante,
no pré-natal, mediante urna ultrassonografia evidenciando um sujeita à ulceração, hemorragia e, mesmo, perfuração em brôn-
feto com estômago sem líquido amniótico. quios ou em esôfago.
O tratamento é cirúrgico, às vezes apresentando muita difi- O diagnóstico é feito preferencialmente por ecoendoscopia,
culdade, podendo incluir a interposição de uma alça de cólon. O ressonância magnética ou tomografia computadorizada. Radio-
prognóstico é bom. As complicações mais frequentes incluem grafias simples de tórax evidenciam massa no mediastino médio
recorrência da fistula, estenose e deiscência da anastomose. A ou posterior. Sinais indiretos são percebidos ao estudo radio-
endoscopia digestiva alta é usada para avaliar e tratar algumas lógico baritado do esôfago, mas este não é o melhor método
destas complicações. A ocorrência de doença do refluxo gas- diagnóstico. Entretanto, há necessidade do estudo anatomopa-
tresofágico é comum nos pacientes no pós-operatório tardio e tológico do cisto ressecado para se excluir urna neoplasia.
relaciona-se com anormalidades intrínsecas da função esofá- O tratamento é cirúrgico e, em crianças com sintomas de-
gica, associadas a um distúrbio do esvaziamento gástrico (mais correntes de compressão traqueobrônquica, deve ser realizado
frequentes nestes pacientes). Em cerca de 6 a 45% dos casos, há sem demora, pois a procrastinação pode resultar em morte.
indicação de urna cirurgia antirrefluxo.

• DIVERTrCULO CONGENITO
• ESTENOSE CONGENITA
~muito raro. Anatomicamente, a estrutura contém mucosa
Esta anomalia é rara, surgindo em 1:25.000 nascimentos. e todas as camadas musculares. Manifesta-se por disfagia ou por
Localiza-se mais frequentemente nos terços médio e inferior episódios de infecção pulmonar. O diagnóstico é radiológico.
do esôfago, com urna extensão variável de 2 a 5 em. Sua etiolo- O tratamento é cirúrgico.
gia parece estar relacionada com uma separação incompleta do
brotamento pulmonar do intestino anterior primitivo, gerando
a formação de remanescentes cartilaginosos traqueobrônqui- • DISFAGIA LUSÓRIA
cos (coristomas) dentro da parede esofágica, ou com um dano
ao plexo mioentérico e perda do sistema neural nitrenérgico Esta alteração é provocada pela compressão do esôfago por
de relaxamento muscular. As estenoses cerradas manifestam- artéria anômala, mais frequentemente por urna artéria subclá-
se como disfagia no 1.0 ou 2.0 ano de vida, mas pacientes com via direita aberrante. Ela emerge da aorta descendente, cru-
sintomas leves podem ter o diagnóstico realizado só na vida zando obliquamente o mediastino posterior, da esquerda para
adulta, sendo confundido com o de uma estenose adquirida. a direita, entre o esôfago e a coluna vertebral. Gera então urna
Outros sintomas são a regurgitação e a impactação de alimentos compressão no esôfago cervicotorácico.
sólidos. O diagnóstico é realizado principalmente por exame Outros vasos podem causar disfagia por compressão sobre o
radiológico. A endoscopia permite a realização de biopsias, esôfago: artéria vertebral anômala, arco aórtico duplo, arco aór-
importantes no diagnóstico diferencial com neoplasias e es- tico direito coexistindo com um ligamento arterioso esquerdo
tenose péptica. A manometria pode constatar distúrbios da e artéria pulmonar esquerda aberrante. O sintoma é a disfagia.
motilidade na região estenótica, especialmente aperistalse. A As compressões por anomalias vasculares, entretanto, são, na
ecoendoscopia tem se mostrado importante na avaliação da maioria das vezes, assintomáticas.
etiologia da estenose, visto que é capaz de identificar o teci- O diagnóstico é realizado por exame radiológico baritado do
do traqueobrônquico remanescente, contraindicando assim a esôfago (demonstra urna compressão na parede posterior do
realização da dilatação por via endoscópica, devido ao risco de esôfago, ao nível da quarta vértebra torácica), por ecoendosco-
perfuração por ruptura da cartilagem. O tratamento varia da pia, por ressonância nuclear magnética, por tomografia compu-
dilatação do segmento acometido, sob controle endoscópico, tadorizada e por arteriografia. A endoscopia digestiva evidencia
à necessidade de ressecção. uma compressão pulsátil na parede posterior do esôfago.
O tratamento, mais comumente, restringe-se a modificações
da dieta, recomendando-se alimentos pastosos, oferecidos em
• DUPLICAÇÃO DO ESOFAGO pequenos volumes. Ocasionalmente, se há sintomas disfágicos
graves, indica-se a cirurgia.
Esta malformação ocorre em cerca de 1:8.000 nascimentos.
Apresenta-se sob a forma mais comum de um cisto (80% dos
casos descritos) situado no mediastino posterior, entre o esô- • TECIDO HETEROTÓPICO
fago e a coluna vertebral; 60% dos casos relatados localizaram-
se no terço distai do esôfago, 23% no terço proximal e 17% no O tecido heterotópico mais frequentemente encontrado no
terço médio. São geralmente únicos, revestidos por epitélio e esôfago é o gástrico, e é um achado relativamente comum. Na
cheios de líquido. Em 20% dos casos referidos, a anomalia era maioria das vezes, localiza-se no terço proximal do esôfago, logo
tubul.ar. As duplicações tubulares podem se comunicar com a abaixo do esfincter esofágico superior. A biopsia endoscópica
luz do esôfago por urna de suas extremidades, ou por ambas, mostra células do tipo gástrico, fúndico ou antral, incluindo
mas a variedade dstica não se comunica com a luz esofágica. células parietais, que conservam a propriedade secretora. Por
Capitulo 9 I Anomalias Conglnltas 1O1
isso, pode haver úlcera péptica sobre o tecido heterotópico, Hajivusiliou, CA, Davls, CF, Young. DG. Fiberoptic localization o( tbe uppcr
incluindo a presença de Helicobacter pylori. Em geral, não há poueb in esophagealatrdla./. PedÚIIT. s"'i.. 1997; 32:678·9.
Klin, B, Tauber, Z. Peer, A, Brolde. E. Vinograd. I, Bus, A. DysphasJalusorla
sintomas, se não há complicações. in ebUdn:n. Eur./. Vasc:. .End<muc. S"'i·• 1996; 11:504-6.
Não se recomenda tratamento para os pacientes assinto- Koves~ & Rubin, S. Long term compllcatlons of congenital esophagcalatresla
máticos. Se existe úlcera, seguem-se os princípios terapêuticos ancl/or tracheocaophageal tistula. a. ..,, 2004, 126:91 5-25.
aconselhados para a úlcera péptica, incluindo o tratamento do Lewin, K}, RiddeU. RH, Wtinstein, WM. Gastrintestinalpathology and lts din/CQ/
H. pylori. Ocasionalmente, pode assentar-se carcinoma sobre impllcatlons. Nova York. Igaku·Shoin, 1992.
Long, JD & Orlando, RC. Anatomy and developmental and acquired anomalles
o tecido heterotópico, o que exige ressecção.
of tbe esophagus. Em: Feldman, M, Scharschmidt and Slelsenger, M. Skl-
sengtr & Fordtrans Gastrinttstlnal and Líver Distasts, 7th ed., Philadelphla,
W.B. Saunders Co., 2002.
• LEITURA RECOMENDADA Mazziotli, MV & Temberg, JL. Continuous communícating e.sophageal and
gastric dupllcatlon.j. Ptdlatr. Surg., 1997; 32:775-8.
Allmendlnger, N, Hallisey, MJ, Markowitz, SK, Hlght, O, Welss, R, MeGowan, Mion, F, Larnbert, R, Partensky, C, Cherkaoui, M, Berger, F. Hlgh-grade d)'$·
G. B.Uoon dilatlon of esopbagcal strictun:s In ebUdn:n.J. PtdiaJric S~Di·· plasía in an adenoma of tbe uppe.r esophagus devdoping on heteroiOpic
1996; 31:334-6. garuic mucosa. Endosa>py, 1996; 28:633-5.
Bergme.lj<r, Jli, Tibbod. D, Haubroek, FW. Nisse.n fundopllcatlon In tbe ma- Newman, B& Bender, TM. Esophagealatresiaftracheoesophagcal tistuJa and U ·
nagement of pstroesopbagcal ffllwc oeeurring after repalr of esapbagcal sodated congenltal esophageal stenosis. PtdÚitT. Radlol., 1997; 27:530·4.
atn:siL /. Pediatr. s"'8·· 2000; 35:573-6. Sbarma, AK. Sheltbawat, NS, Agrawal, LD ti al. Esophageal atresia and tn-
Bhutanl, MS, Hoffman, BJ, Reed, C. Endo5onognphk dlagnos!J of an esopha- cbeoesophageal tistub: a rcview ol25 years' ape.rience. Pedlatr. Surt.lnt,
geal duplleatlon cyst. Endosa>py, 1996; 28:396-7. 2000; 16:478·82.
De Luca L, Bergman JGHM, Tytgat GNJ, Fod<ens P. EUS imaging of tbe Siebens, AA. Mechanisms ofgastrlc cfutention in esophagealatresía witb distai
arte ria luso ria : ease series and review. Gastrintutlnal Endoscopy, 2000; traebeoesophageal tistula. Dysphagia,l996; 11:90-2.
52:670-3. Snyder, CL. Bickler, SW, Ganes, G K, Ramachandran, V, Asebaaf~ K'oV. Esopha·
Del Vai, A, Talens, A, BeUoeb, V, Hemández, E. D)'1phagla lusorla caused by an geal duplicatlon cyst wlth eaophageal web and tracheoesophageal f11tula.j.
acc:essory aberrant rlght subclavlan artery. Dlagnostlc contrlbution ofMR Pediatr. Surg., 1996; 31:68.• 9.
anglography (letter). Rev. Esp. Enferm. Dlg., 1997; 89:336-7. Yang, MC, Duh, YC, Lal, HS, Chen, WJ, Chen, CC, Hung, WT. Allmentary
Frced, K & Low, VH. The aberrant subcbvlan artery. A.j.R., 1997; 168:481· 4. tract dupllcatlons. /. Formos. Mtd. Assoe., 1996; 95:406-9.
10 Gastresofágico
Doença por Refluxo

Eliza Maria de Brito e Luciana Dias Moretzsohn

• INTRODUÇÃO AlleraçAo da depuração


-~giCO
O refluxo gastresofágico (RGE) é, por definição, o desloca-
mento, sem esforço, do conteúdo gástrico do estômago para o
esôfago. Ocorre em todas as pessoas várias vezes ao dia e, des-
de que não haja sintomas ou sinais de lesão mucosa, pode ser
considerado um processo fisiológico.
A doença do refluxo gastresofágico (DRGE) foi definida ob-
jetivamente, no consenso internacional realizado em Montreal
(2006), como •condição na qual o refluxo do conteúdo gcfstrico
cau.sa sintomas que afetam o bem-estar do paciente e/ou com-
plícações•.
Atualmente, a DRGE é considerada um problema de saúde
pública em razão de sua elevada prevalência, evolução crôni- EsvazlameoiO gasllleo
ca, recorrências frequentes e comprometimento da qualidade retardado
de vida. A prevalência estimada da DRGE baseia-se apenas na
presença de sintomas clássicos. Existe uma quantidade cres- Figura 1o.1 Causas do aumento da exposição do epitélio esofágico
cente de informação sobre manifestações extraesofágicas da ao conteúdo gástrico.
DRGE. com evidências de que a DRGE pode ser mais comum
do que estimado atualmente. Dados epidemiológicos baseados
na presença de pirose como indicador da DRGE revelam que
15 a 44% dos adultos norte-americanos têm este sintoma pelo • Barreira antirrefluxo
menos uma vez por mês, e 14 a 17,8%,diariamente. No Brasil,
foi realizado um estudo populacional que avaliou a frequência A barreira antirrefluxo, principal proteção contra o RGE, ~
de pirose, entrevistando quase 14.000 pessoas em 22 cidades, composta por: esfincter interno (ou esfincter inferior do esô-
que conclui que 12% da população urbana tem a DRGE. fago- ElE- propriamente dito) e esfincter externo (formado
A DRGE afeta todos os grupos etários, mas os idosos pro- pela porção crural do diafragma). O ElE mantém-se fechado em
curam tratamento mais frequentemente. O impacto negativo repouso e relaxa com a deglutição e com a distensão gástrica.
da DRGE na qualidade de vida é significativo, maior do que O relaxamento não relacionado com a deglutição é chamado
em pacientes com diabetes melito e hipertensão arterial, com relaxamento transitório do ElE (RTEIE), sendo considerado o
rápida melhora após resposta favorável ao tratamento. principal mecanismo fisiopatológico associado à DRGE. res-
ponsável por 63 a 74% dos episódios de RGE. Em pacientes
com formas grave.s de DRGE, a pressão de repouso do ElE está
• FISIOPATOLOGIA diminuída. Muitas substâncias afetam a pressão do ElE: a co-
lecistocinina (CCK) é responsável pela diminuição da pressão
A etiologia da DRGE é multifatorial. Tanto os sintomas de ElE observada após a ingestão de gorduras; outros neuro-
quanto as lesões teciduais resultam do contato da mucosa com transmissores estão envolvidos, entre os quais se destacam o
o conteúdo gástrico refluxado, decorrentes de falha em uma ou óxido nítrico (ON) e o peptfdio intestinal vasoativo (VIP). O
mais das seguintes defesas do esôfago: barreira antirrefluxo, comprimento total e o comprimento abdominal do ElE são
mecanismos de depuração intraluminal e resistência intrínseca outros parâmetros usados para avaliar a função do ElE, e que
do epitéUo (Figura 10.1). são valorizados quando estão diminuídos. A presença de hérnia
102
Copftulo 1O I Do ença por Refluxo Gostresofdgico 103

hiatal contribui para o funcionamento inadequado da barreira do conteúdo refluxado é uma das possíveis explicações para
antirrefluxo através da dissociação entre o esfincter externo e o os diferentes graus de esofagite observadas em pacientes com
interno e do refluxo sobreposto (fluxo retrógrado do conteú- a mesma quantidade de refluxo ácido demonstrado por exa-
do refluxado preso no saco herniário para a porção tubular do mes pHmétricos.
esôfago). O mecanismo responsável pelas manifestações extraesofá-
A distensão gástrica, principalmente após as refeições, con- gicas da DRGE, como tosse e broncospasmo, nem sempre é a
tribui para o refluxo gastresofágico. O retardo do esvaziamento aspiração com lesão da mucosa de vias respiratórias por con-
gástrico, o aumento da pressão intragástrica (ambos presentes tato direto. Pode ser via reflexo vaga! por acidificação da mu-
quando há obstrução ou semiobstrução antropilórica) e a alte- cosa esofágica dista!. No caso de granulomas de cordas vocais
ração da secreção gástrica (como a hipersecreção da síndrome e estenose subglótica, é necessário, provavelmente, o contato
de Zollinger-Ellison) são fatores que podem estar presentes, direto com a mucosa das vias respiratórias.
mas são pouco frequentes.

• Mecanismos de depuração intraluminal • SINTOMATOLOGIA


A depuração (ou "dareamento") do material refluxado pre-
sente na luz do esôfago decorre de uma combinação de meca-
• Sintomas típicos
nismos mecânicos (retirando a maior quantidade do volume Os sintomas clássicos da DRGE são pirose (sensação de
refluído, at ravés do peristaltismo e da gravidade) e químicos queimação retroesternal, ascendente em direção ao pescoço) e
(neutralização do conteúdo residual pela saliva ou pela muco- regurgitação (retorno de conteúdo gástrico, ácido ou amargo,
sa). A alteração do peristaltismo pode ser primária (no caso até a faringe), de fácil reconhecimento. Os pacientes podem
dos distúrbios motores do esôfago, como na motilidade eso- relatar alívio dos sintomas com uso de medicamentos antiá-
fágica ineficaz) ou secundária (nas doenças do tecido conjun- cidos. Estes sintomas são mais frequentes após as refeições ou
tivo, como esclerodermia, síndrome CREST ou doença mista quando o paciente está em decúbito supino ou em decúbito
do tecido conjuntivo). A diminuição do fluxo salivar pode ser lateral direito.
secundária à síndrome de Sjõgren ou ao uso de diversos medi-
camentos. A depuração do ácido pela saliva não é instantânea
e, sob ótimas circunstâncias, requer 3 a 5 min para restaurar o
• Sintomas atípicos
pH após um único episódio de refluxo. Cada 7 m l de saliva é A causa mais comum da dor torácica de origem esofágica é
capaz de neutralizar I ml de HCl 0,1 N. Episódios de refluxo a DRGE, que pode ser indistinguível da dor de origem cardía-
ocorridos durante a noite, na posição supina, são duradouros e ca O estimulo de químiorreceptores da mucosa esofágica pelo
têm grande chance de causar lesão mucosa devido à diminuição refluxato desencadeia essa dor, visto que a inervação do esôfago
do fluxo de saliva, que ocorre normalmente à noite, associada e do miocárdio é a mesma.
à falta de ação da gravidade.
• Sintomas extraesofágicos
• Resistência intrínseca do epitélio Manifestações extraesofágicas pulmonares (tosse crônica,
A resistência intrínseca da mucosa é constituída pelos se- asma, bronquite, fibrose pulmonar, aspiração recorrente, den-
guintes mecanismos de defesa, normalmente presentes no epi- tre outras), otorrinolaringológicas (rouquidão,globus, roncos,
télio esofágico: pigarro, alterações das cordas vocais, laringite crônica, sinusi-
te e erosões dentárias) estão associadas à DRGE, mas não são
• defesa pré-epitelial (composta por muco, bicarbonat o e
especificas. A maioria dos pacientes com sinais e/ou sintomas
água no lúmen do esôfago, formando uma barreira f!sico-
extraesofágicos não apresenta sintomas típicos concomitan-
química, que é pouco desenvolvida no esôfago, quando
tes. Na realidade, a DRGE pode ser apenas uma das diversas
comparada à mucosa gástrica e duodenal);
causas destes sintomas. Portanto, nos pacientes com sintomas
• defesa epitelial (junções intercelulares firmes, característi-
extraesofágicos, é necessária a confirmação da existência de
cas do epitélio estratificado pavimentoso, o que dificulta a
DRGE, através de exames complementares ou de resposta ao
retrodifusão de íons, e substâncias tamponadoras inters-
tratamento com antissecretores potente.s, para concluir que a
ticiais, como proteínas, fosfato e bicarbonato};
causa é a DRGE.
• defesa pós-epitelial (suprimento sanguíneo, responsável
tanto pelo aporte de oxigênio e nutrientes quanto pela
remoção de metabólitos). O defeito mais comum dare- • Sintomas de alarme
sistência epitelial é o aumento da permeabilidade para-
As manifestações de alarme, que sugerem formas mais agres-
celular. A esofagite ocorre quando os fatores de defesa
sivas ou complicações da doença, são: odinofagia, disfagia, san -
são sobrepujados pelos fatores agressivos.
gramento, anemia e emagrecimento.
Outro constituinte do material refluxado, que tem sido cor-
relacionado com maior agressividade para a mucosa do esôfa-
go, é o conteúdo duodenal (bile e secreções pancreáticas), que • APRESENTAÇÃO ClfNICA
atinge o estômago, através do piloro e, subsequentemente, che-
ga ao esôfago. O refluxo duodeno- gastresofágico é um fenô- Os portadores de DRGE não constituem uma população
meno fisiológico, de composição variada, que lesa a mucosa homogênea. As diferentes respostas ao refluxo gastresofágico
esofágica pela ação das enzimas proteolíticas, potencializando ainda são pouco entendidas. Os determinantes imunológicos
a lesão provocada pelo ácido. A variabilidade da composição da resposta inflamatória do epitélio esofágico ao refluxo gas-
104 Capftulo 7O I Doença por Refluxo Gastresofdglco

tresofágico foram estudados por Fitzgerald tt ai., que encon- • Estenose péptica
traram uma diversidade da resposta inflamatória e do padrão
de citocinas. Apesar das controvérsias existentes na üteratura A incidência de estenose péptica caiu muito após a introdu-
atual, estes grupos representariam subpopulações com dife- ção dos IBP. Não existem fatores que possam predizer sobre a
rentes respostas ao mesmo fator comum, ou seja, exposição tendência evolutiva para estenose esofágica, pois a gravidade
do epitéüo esofágico ao refluxo ácido, mais estudado do que o da DRGE não se associa com essa tendência.
refluxo não ácido. A DRGE é responsável por 70% das estenoses esofágicas.
Outras causas incluem ingestão de cáusticos, sequela de radio-
• Sintomas típicos com endoscopia digestiva terapia ou esclerose de varizes, epidermóüse bolhosa, doença
de Crohn, tumores, sífilis, tuberculose e citomegalovlrus, den-
alta (EDA) normal tre outras.
Estudos realizados junto à comunidade indicam que apro- O sintoma mais frequente de apresentação da estenose pép-
ximadamente 60% dos pacientes com DRGE têm endoscopia tica é a disfagia esofágica. Cerca de 30% dos pacientes não refe-
normal. A maior parte dos pacientes com sintomas de refluxo rem sintomas prévios de pirose e regurgitação ácida.
não apresenta evidências de esofagite ou de suas compücações Na propedêutica desses pacientes, utilizamos habitualmente
à endoscopia, mas manifestam sintomas com a mesma inten- o estudo radiológico e a endoscopia digestiva. A radiologi.a do
sidade e o mesmo impacto na qualidade de vida do que os que esôfago tem alta sensibilidade na detecção das estenoses eso-
têm esofagite. fágicas, muitas vezes não visualizadas pela endoscopia. A en-
De acordo com o resultado da pHmetria, os portadores de doscopia digestiva é um exame imprescindível, pois, além de
DRGE com endoscopia normal podem ser subdivididos em dois visualizar a estenose, permite a coleta de biopsias para estudo
grupos: doença do refluxo não erosiva e pirose funcional. histopatológico (Figura 10.2).
• Doença do refluxo não erosiva
Trata-se de condição na qual o paciente apresenta sintomas • Esôfago de Barrett
típicos da DRGE e o exame endoscópico não evidencia altera- O esôfago de Barrett é uma condição em que um epitélio
ções da mucosa esofágica. Baseados na resposta terapêutica com colunar assoc.iado à metaplasia intestinal substitui o epitéüo
mP e pHmetria esofágica prolongada, esses pacientes podem escamoso normal que recobre o esôfago distai. Trata-se, na
ser classificados em: grande maioria das vezes, de uma sequela da DRGE de longa
• pacientes com exposição ácida anormal (que têm respos- evolução. O exame histopatológico do epitéüo de Barrett ge.ral-
ta terapêutica semelhante à dos pacientes com esofagite mente evidencia uma forma incompleta de metaplasia intesti-
endoscópica); nal. A grande preocupação causada pelo esôfago de Barrett é
• pacientes com exposição ácida normal e com correlação a predisposição de suas células sofrerem alterações genéticas
positiva entre sintomas e episódios de refluxo (estimado associadas ao adenocarcinoma.
pelo lndice de sintomas, que é positivo) e resposta ao uso Essa doença é diagnosticada principalmente em homens
de inibidores da bomba de prótons (IBP). brancos, na sexta década de vida, sendo pouco frequente em
mulheres, negros e asiáticos. Sua real prevalência é desconhe-
• Pirosefundonal cida, mas dados americanos sugerem que ela está presente, em
Segundo os critérios conhecidos como Roma lll. é a pirose sua forma clássica, em 6 a 12% dos pacientes submetidos à en-
com todos os parâmetros pHmétricos normais e ausência de doscopia digestiva devido a sintomas de DRGE.
resposta ao uso de inibidores da bomba de prótons. Segundo
Martinez el aL, corresponde a menos de 10% dos portadores
de pirose avaüados por gastrenterologistas.
A sobreposição entre os distúrbios gastrintestinais funcio-
nais é amplamente aceita como uma realidade clínica. Existe
sobreposição entre a pirose funcional e a dispepsia funcional,
que poderia ser expücada pela íntima relação fisiológica e fi-
siopatológica entre o ElE e a porção superior do estômago. A
distensão do fundo gástrico é o mecanismo primário de indução
dos RTElE. Alterações semelhantes da motilidade, como, por
exemplo, esva:úamento gástrico retardado, têm sido descritas
na DRGE e na dispepsia funcional. A alteração da acomodação
do fundo gástrico é reconhecida como uma importante carac-
terística da dispepsia funcional.

• Esofagite erosiva
O grupo mais facilmente identificável e com alterações fi-
siopatológicas mais claras é o dos portadores de esofagite ero-
siva. A visualização endoscópica de erosões esofágicas sela o
diagnóstico de DRGE. Apesar disso, ainda cabem diagnósticos
diferenciais, como lesão esofágica índuzida por comprimido e Figura 10. 2 Aspecto endoscópico da estenose péptica do esôfago.
esofagite eosinofilica, dentre outros. (Esta figura encon tra·se reproduzida em cores no Encarte.)
Capitulo 10 I Doença por Refluxo Gastresofdglco 1 OS
• ADRGE empacientes mm esôfago de Barrett padrão de citoqueratinas na diferenciação da metaplasia intes-
Pacientes com a forma clássica do esôfago de Barrett pa- tinal de cárdia e do epitélio de Barrett. A cromoscopia ~ uma
recem apresentar anormalidades fisiológicas que contribuem técnica que consiste na utilização de corantes sobre a mucosa
para a gravidade da DRGE. do esôfago, com o objetivo de facilitar a visualização do epi-
A função motora esofágica está frequentemente comprome- télio displásico ou metaplásico. São utilizados vários corantes,
tida nesses indivfduos, traduzindo-se por baixa amplitude das como o azul de metileno, que cora a metaplasia intestinal de
ondas peristálticas associada a uma maior frequência de con- azul; o lugol, que cora o epitélio esofágico de marrom; o azul de
trações anormais. Essas anormalidades comprometem o clarea- toluidina, que facilita a visualização do epitélio. Outro recurso
mento esofágico do material refluído, aumentando o tempo utilizado é a magnificação endoscópica de imagem, que per-
de contato do refluxato com epitélio esofágico. mite a visualização da superflcie vilosa do epitélio metaplásico
Em mais de 90% dos pacientes, observam-se alterações do intestinal (Figura 10.4). Entretanto, estudos que avaliaram a
esfincter esofágico inferior, como hipotonia e pequeno compri- cromoendoscopia e magnificação não observaram a obtenção
mento intra-abd.ominal, além de uma alta incidência de hérnia de informações adicionais com o emprego dessa técnica, o que
hiatal. Esses fatores favorecem o refluxo gastresofágico, inclu- não justifica sua utilização rotineira.
sive durante o período noturno.
Estudos utilizando pHmetria esofágica prolongada mos-
tram que, em portadores de esôfago de Barrett, o refluxo ácido
gastresofágico é mais intenso e duradouro que em portadores
de DRGE não complicada. Além disso, o re.fluxo de secreções
duodenais (bile e suco pancreático) parece desempenhar um
importante papel na patogênese do esôfago de Barrett.

• Quadro clinico
Uma história dlnica detalhada dos portadores de esôfago de
Barrett geralmente identifica sintomas de longa duração que
incluem pirose, regurgitação e disfagia esofágica. Existe também
uma maior associação do esôfago de Barrett com outras com-
plicações da DRGE, como estenose, ulcerações e sangramen-
tos. Entretanto, quando ocorre o desenvolvimento da doença,
a maioria desses pacientes apresenta uma grande melhora dos
seus sintomas, tomando-se mesmo oligossintomáticos. Essa
melhora~ explicada pela maior resistência do epitélio de Bar-
rett à agressão ácida.

• Diagnóstico
Atualmente, propõe-se a seguinte classificação para o epi-
télio colunar de Barrett:
Figura 10.3 Aspecto endoscóplco do esôfago de Barrett. (Esta flgura
o Segmento longo do esôfago de Barrett (metaplasia in- encontra·se reproduzida em cores no Encarte.)
testinal ;?; 3 em).
o Segmento curto do esôfago de Barrett (metaplasia intes-
tinal < 3 em).
o Tecido cárdico com metaplasia intestinal
Essa classificação é importante., pois, até o momento, o risco
de degeneração maligna somente está bem estabelecido no seg-
mento longo do esôfago de Barrett. A presença de metaplasia
intestinal em tecido cárdico não se relaciona à DRGE e sim à
infecção pelo Helicobacter pylori e, dessa forma, não se associa
patogeneticamente com o adenocarcinoma de esôfago.
O diagnóstico do esôfago de Barrett baseia-se no aspecto
endoscópico do epitélio colunar recobrindo o esôfago (Figura
10.3) e no exame histopatológico desse epitélio, que evidencia
a presença de metaplasia intestinal incompleta. Esse diagnós-
tico é fácil quando se trata de segmento longo de epitélio colu-
nar que se inicia no estômago e se estende até o e.sôfago médio
ou proximal. Entretanto, em segmentos curtos de esôfago de
Barrett, nem sempre é fácil esse diagnóstico, pois, às vezes, é
dificil determinar onde se situa a junção esofagogástrica (JEG).
O epitélio colunar normal pode ser identificado em esôfago dis-
tai de indivfduos sadios, além da possibilidade de existência de
metaplasia intestinal na cárdia.
Na tentativa de aprimorar o diagnóstico do esôfago de Bar- Figura lOA Aspectoda magníficaçãoendoscópíca comácidoacético
rett curto, várias técnicas têm sido utilizadas, como a cromo- no esôfago de Barre!!. (Esta ftgura encontra-se reproduzida em cores
endoscopia e magnificação endoscópica, além da avaliação do no Encarte.)
106 Capftulo 7O I Doença por Refluxo Gastresofdgico

Citoqueratinas são proteínas estruturais encontradas no ci- da DRGE, que é uma doença multifatorial. Outros fatores além
toplasma de células epiteliais. Estudos envolvendo citoquerati- da exposição ácida vão determinar a presença ou ausência de
nas sugerem que a metaplasia intestinal do epitélio de Barrett é sintomas e de lesões epiteliais, como sensibilidade e resistência
precursora de células escamosas que não existem no estômago. da mucosa, e presença de outras substâncias no refluxado além
Sendo assim, o padrão de citoqueratinas 7/20 (CK7!20) estaria do ácido, conforme citado na fisiopatologia. Além do mais, os
presente na metaplasia intestinal do esôfago de Barrett, mas não sintomas da DRGE podem variar de um momento para o outro,
na metaplasia intestinal gástrica, o que facilitaria a confirmação o que toma uma única avaliação de exposição ácida passível de
do diagnóstico do segmento curto de Barrett. subestimar o refluxo ácido gastresofágico.
A correlação entre o sintoma e o refluxo ácido é útil por
determinar quando os sintomas referidos pelo paciente foram
• PROPED~UTICA provocados pelo refluxo ácido (Figura 10.5). Essa correlação
é obtida através de manipulações estatísticas, que avaliam a
relação temporal entre episódios de refluxo e sintomas. Uma
• Exame dínico das correlações mais utilizadas é o índice de sintomas, definido
A identificação dos sintomas cardinais da DRGE (pirose e pelo número de refluxos associados a sintoma dividido pelo
regurgitação) permite um diagnóstico presuntivo da DRGE sem número total de sintomas e expresso em porcentagem. Esse
a necessidade da realização de outros exames complementares. método apresenta limitações, pois não considera o número to-
Estudo de Klauser et a/., comparando a presença desses sinto- tal de episódios de refluxo. Um método mais recente, e talvez
mas e achados de pHmetria esofágica prolongada, observou que o melhor disponível, considera a probabilidade de associaçáo
a sensibilidade dos sintomas pirose e regurgitação é de, respec- de sintomas e utiliza o método exato de Fisher para analisar
tivamente, 38 e 6%, e a especificidade de 89 e 95%. Dessa forma, quatro possíveis associações temporais entre sintoma e refluxo:
em um paciente com queixas de pirose e/ou regurgitação ácida, refluxo e sintoma, refluxo sem sintoma, sintoma sem refluxo,
é segura a instituição de tratamento clínico empírico. e ausência de sintoma e de refluxo.
Outra aplicação muito importante da pHrnetria é no moni-
• pHmetria esofágica prolongada toramento de pH intragástrico. Apesar de existirem diversos
métodos para estudo do pH intragástrico, o monitoramento
O advento de monitoramento prolongado do pH intrae- prolongado do pH parece ser o mais confiável e utilizado. Uma
sofágico contribuiu muito para a compreensão da DRGE. O importante indicação desse estudo é na avaliação de drogas
exame é realizado ambulatorialmente, utilizando equipamen- inibidoras da secreção ácida. Nesses casos, é possível avaliar a
tos portáteis, sensores miniaturizados de pH e análise de dados magnitude do bloqueio da secreção ácida, bem como o início
computadorizados. A pHrnetria prolongada permite o diag- e a duração da ação de determinada droga.
nóstico da DRGE por demonstrar a presença de refluxo ácido
gastresofágico anormal.
A pHmetria não é considerada o padrão-ouro no diagnóstico
• lmpedância/pHmetria
da DRGE, pois é um método que apresenta várias limitações. Trata-se de técnica que permite a identificação do refluxo
Cerca de 25% dos pacientes sabidamente portadores de eso- gastresofágico independente de seu pH e de seu estado (Figura
fagite apresentam um estudo de pHmétrico normal. Existem 10.6). Sendo assim, possibilita a avaliação qualitativa do tipo
controvérsias quanto à reprodutibilidade da pHmetria prolon- de refluxo (ácido ou fracamente ácido), seu alcance proxirnal,
gada. Alguns estudos sugerem uma reprodutibilidade de 85%, sua composição (líquido, gasoso ou misto), bem como do tem-
enquanto outros mostram registros de diferentes quantidades po de depuração (ou clareamento) esofágico. A principal in-
de refluxo ácido ao utilizarem simultaneamente dois catete- dicação da impedânda/pHrnetria é na avaliação de pacientes
res de monitoramento. Essas limitações são previsíveis, pois a com sintomas típicos ou extraesofágicos atribuídos à DRGE,
pHmetria prolongada mede apenas um aspecto fisiopatológico que não responderam de forma completa ao tratamento com

. . . .
.~.
q '
1-1
ca .., ...""''
1... w
1 ••u
J.4 H

I~ .,., ~libr·

,_,
J.O
I~
o l.h•t'illr>

- . "5
o.o
:I
li·'· •.' . 1,.,, •., - ) ...
I;
.
I: ..
.-..,.. ... o
to :;..=.c.

.I.... , ~ .... '"'


'J ,·
'
.. .. .... ,\ r ~~;-~. ~n ~ A .....
~--'

I 'I
• .0
.-.:; ' ' '" :1 ·I
'
.•. o
I' I
) .O
[I
.:.:;
I II
11 1' 1
I I
I

.I
1 . ••
1.0
o. ~

Figura 10.5 Estudo de pHmetria prolongada evidenciando um episódio de refluxo ácido anormal do tipo supino ($),e índice de sintomas
positivo entre os episódios de pirose (H) e os episódios de refluxo ácido.
Copftulo 1O I Doença por Refluxo Gostresofdgico 107

- .. - ~;rr --
r I

:'""' .,.....

./'v·'- ..!

~ ,... -

Figura 10.6 Registro de episódio de refluxo minimamente ácido. que alcança o esôfago proximal, coincidindo com queixa de regurgitação
do paciente através de impedância/pHmetria esofágica. O registro de pH é feito pelo canal distai.

inibidores de bomba protônica. Nesses casos, é possível iden- na própria, estimulando quimiorreceptores e fibras nervosas
tificar a associação dos sintomas com refluxo fracamente ácido desmielinizadas.
ou ácido residual. Como a impedância/pHmetria fornece todas A realização de biopsias esofágicas é importante para o diag-
as informações obtidas pela pHmetria, a tendência é que esse nóstico diferencial com a esofagite eosinofilica.
método substitua o exame convencional. A lesão mais precocemente detectada na DRGE é a dilatação
dos espaços intercelulares à microscopia eletrônica e cujo va-
lor máximo médio comparado a controles foi estatisticamente
• Endoscopia digestiva alta significativo. Entretanto, o aumento do espaço intercelular foi
A endoscopia digestiva alta é o exame de escolha para ava- também descrito em controles assintomáticos, o que diminui a
liação das alterações da mucosa esofágica secundárias à DRGE, especificidade desse método. A medida dos espaços intercelu-
permitindo, além de sua visualização direta, a coleta de frag- lares demanda um tempo demorado para sua execução, o que
mentos esofágicos através de biopsias. As principais indicações impede a sua aplicabilidade na prática clínica atual.
de realização de endoscopia digestiva em pacientes com sus-
peita de DRGE são:
• Estudos radiológicos
• Excluir outras doenças ou complicações da DRGE, prin-
A cintigrafia e o esofagograma com bário são métodos radio-
cipalmente em pacientes com sintomas de alarme, como
lógicos habitualmente utilizados na avaliação da DRGE e suas
disfagia, emagrecimento, hemorragia digestiva.
complicações. Os estudos baritados são úteis em pacientes com
• Pesquisar a presença do esôfago de Barrett em pacientes
disfagia, visto que apresentam boa sensibilidade na detecção de
com sintomas de longa duração.
hérnias hiatais, estenoses e anéis esofágicos. O diagnóstico de
• Avaliar a gravidade da esofagite.
esofagite, de um modo geral, s6 é evidente radiologicamente em
• Orientar o tratamento e fornecer informações sobre a
casos mais graves. Entretanto, pHmetria é um método muito
tendência de cronicidade do processo.
mais sensível que a radiologia no diagnóstico da DRGE.
De um modo geral, as classificações endoscópicas das eso- A cintigrafia para estudo da DRGE utiliza alimento marca-
fagites não contemplam as alterações mínimas da mucosa do com tecnécio99 • Trata-se de método de baixa sensibilidade
esofágica, quais sejam friabilidade, edema e hiperemia. Essa quando comparado com a pHmetria prolongada. Entretanto,
abordagem, apesar de aumentar a sensibilidade do exame no como permite avaliar o refluxo gastresofágico do material iso-
diagnóstico da esofagite, apresenta baixa especificidade. topicamente marcado, independente de sua acidez, pode ser
A resposta histológica da mucosa esofágica ao refluxo gas- útil em estudo de pacientes gastrectomizados, portadores de
tresofágico crônico mostra principalmente mudanças reacio- anemia perniciosa, ou em vigência de tratamento com drogas
nais (alongamento das papilas na lâmina própria e hiperplasia inibidoras da secreção ácida gástrica.
da camada de células basais) e alterações inflamatórias (pre-
sença de neutrófilos e eosinófilos intraepiteliais). Podem existir
também células com abundante citoplasma pálido, chamadas
• Testes provocativos
células "em balão", provavelmente devido ao aumento da per- O teste de Bernstein-Baker objetiva comprovar que o sin-
meabilidade. Segundo Ismail-Beigi, que descreveu pioneira- toma do paciente decorre do refluxo ácido gastresofágico. Esse
mente o alongamento das papilas e a hiperplasia de células teste utiliza a infusão de ácido clorídrico a 0,1 N na luz esofá-
basais, estas alterações evidenciam descamação acelerada do gica, na tentativa de reproduzir o sintoma típico do paciente,
epitélio. A proximidade das papilas à superfície epitelial po- e a infusão de solução salina como placebo. Considera-se o
deria explicar a pirose pelo contato do refluxado com a lâmi- teste positivo naquele paciente que apresentou sintomas típi-
108 Capftulo 7O I Doença por Refluxo Gastresofdgico

cos apenas durante a infusão de ácido clorídrico. Esse teste é ácida observada à pHmetria quando comparado com o café
considerado de alta especificidade ao atribuir a origem do sin- tradicional.
toma ao refluxo ácido. Deve ser reservado para situações em A queixa de pirose após ingestão de bebida alcoólica é fre-
que não se dispõe de pHmetria prolongada, ou para pacientes quente em pacientes com DRGE. Embora não totalmente es-
que apresentam sintomas infrequentes, e que não ocorreram clarecidos, os mecanismos responsáveis seriam o efeito direto
durante o monitoramento esofágico do pH. do álcool sobre a mucosa, redução da pressão do ElE e prolon-
gamento da exposição ácida noturna, sugerindo efeito deletério
• Manometria esofágica nas defesas contra o refluxo patológico.
A obesidade é considerada, hoje, fator de risco para DRGE,
A manometr ia esofágica apresenta uma indicação limita- principalmente a gordura intra-abdominal medida pela cir-
da na avaliação inicial da DRGE e não deve ser realizada para cunferência abdominal. A perda de peso deve ser estimulada
diagnóstico dessa doença. Esse exame pode ser útil na ava- nos pacientes obesos, sendo comumente observada melhora
liação da gravidade da DRGE, podendo prever sua gravidade subjetiva dos sintomas.
ao demonstrar um ElE defectivo ou disfunção peristáltica. A O tabagismo tem influência negativa na DRGE devido a:
melhor indicação da manometria na DRGE é na avaliação de diminuição da pressão do ElE, diminuição do volume e da se-
diagnósticos diferenciais de afecções que podem provocar sin- creção de bicarbonato salivar, e aumento do risco de desenvol-
tomas semelhantes aos da DRGE. como regurgitação e disfagia, vimento de adenocarcinoma do esôfago distai e cárdia.
frequentemente observadas em portadores de escleroderrnia A elevação da cabeceira da cama é questionável, pois a maio-
e acalasia. ria dos pacientes apresenta episódios de refluxo durante o dia,
e esta medida beneficiaria apenas um reduzido grupo de pa-
• Bilite~ cientes com sintomas noturnos que tem, por exemplo, intensa
regurgitação.
O refluxo duodenogastresofágico tem sido associado à pa- Existem evidências de que o decúbito lateral esquerdo deve
togênese de formas esofágicas mais graves da DRGE, como ser recomendado para pacientes com DRGE pela observação de
esôfago de Barrett e estenose péptica. O Bilitec<ll' foi criado vi-
redução do ácido no esôfago, uma vez que o volume alcançado
sando à detecção dessas substâncias que possuem um alto pH
pelo suco gástrico não chega a atingir a JEG.
e, portanto, não são detectadas pela pHmetria prolongada. Esse
sistema percebe a presença de bilirrubina através de espectro-
fotometria. Apresenta limitações, como sua incapacidade de • Tratamento medicamentoso
diferenciar substâncias com coloração semelhante à da bilir- • lnibidores da bomba de prótons
rubina, exigência de dieta liquida (pouco fisiológica) durante
A terapia com antissecretores potentes é capaz de aliviar
o exame, e é pouco utilizado em nosso meio.
os sintomas mais rapidamente e cicatrizar as lesões na maior
parte dos pacientes. Doses padronizadas dos inibidores da
bomba de prótons (IBP) (omeprazol, 20 mg; lansoprazol,
• TRATAMENTO 30 mg; pantoprazol, 40 mg; rabeprazol, 20 mg; e esomepra-
zol, 40 mg) são capazes de tratar a esofagite e aliviar sinto-
• Medidas higienodietéticas mas em 80 a 90% dos casos em 8 semanas. A resposta inicial
A importância das modificações no estilo de vida e dos fa- ao uso dos IBP é fator preditivo do sucesso do tratamento a
tores dietéticos foi muito enfatizada no passado. Atualmente, longo prazo. Estes medicamentos devem ser sempre tomados
considera-se que é recomendável educar os pacientes a respeito antes das refeições.
dos fatores que podem precipitar episódios de refluxo, mas o A adoção inicial da terapia mais potente, seguida de redução
emprego isolado destas recomendações não é suficiente para da dose suficiente para obter controle sintomático ( "step-down "),
controlar de modo eficaz seus sintomas. A adesão da grande parece ser a melhor opção em termos de resolutividade e de
maioria dos pacientes a estas medidas é geralmente limitada custos, estratégia recomendada pelo Consenso de Genval.
devido ao comprometimento da qualidade de vida. Os IBP são eficazes e seguros quando usados na terapia de
Refeições pouco volumosas, com alto conteúdo de proteí- manutenção, que deve ser individualizada de acordo com a
nas e baixo conteúdo de gorduras, podem evitar a distensão gravidade e resposta ao tratamento.
gástrica e contribuir para manter a pressão do ElE. A ingestão Se o paciente apresenta sintomas pouco frequentes, o uso do
de alimentos nas três horas precedentes ao horário de dei- medicamento pode ser feito de acordo com demanda própria.
tar contribuiria para reduzir a frequência dos episódios pós- Porém, nos pacientes com esofagite grave (classificação de Los
prandiais de refluxo, especialmente na posição de decúbito. Angeles C e D), deve-se iniciar com a dose-padrão e mantê-la.
Foi demonstrado que, imediatamente após a ingestão de cho- Caso os sintomas ou as lesões endoscópicas persistam, acrescen-
colate, a pressão do ElE diminui. O suco de laranja teria efeito ta-se uma segunda dose à noite. Estes pacientes frequentemente
irritativo direto na mucosa esofágica independente do pH, o desenvolvem complicações da doença. O controle dos sintomas
que poderia ser explicado pela elevada osmolaridade dos sucos atípicos é mais dificil do que o controle da pirose, necessitando
concentrados, também presente em comidas apimentadas que frequentemente do uso de dose dupla de IBP.
geralmente são preparadas com muito sal. A hiperosmolari- São considerados pacientes refratários aqueles que necessi-
dade dos alimentos pode também ser responsável pela pirose, tam usar IBP mais que 2 vezes/dia, sem controle dos sintomas
comparativamente mais frequente em pacientes com teste de associados ao refluxo e/ou com alterações mucosas significati-
Bernstein positivo (esôfago sensível ao ácido) do que naque- vas após 12 semanas ou mais de tratamento.
les com teste negativo (p < 0,0 l ). Em relação ao café, existem A recorrência dos sintomas após interrupção do IBP não é
estudos conflitantes na literatura quanto ao seu efeito sobre considerada refratariedade, pois a DRGE é condição crônica
o ElE, mas o café descafeinado diminui em 85% a exposição ou recidivante.
Copftulo 1O I Do ença por Refluxo Gostresofdgico 109

As principais preocupações sobre as consequ2ncias da ini- DRGE, são necessárias doses múltiplas. Além disso, observa-se
bição da secreção gástrica incluem: declínio da inibição da secreção ácida quando usada por mais
que duas semanas, fenômeno conhecido como taquifilaxia ou
• Hipergastrinemia, reversível com a interrupção do trata-
tolerância, que limita a eficácia terapêutica.
mento e não relacionada com desenvolvimento de car-
Dentre os AH 2, cimetidina e ranitidina foram os mais estu-
cinoides ou displasia.
dados no tratamento da DRGE, com boa resposta após 8 sema-
• Progressão da gastrite do corpo gástrico induzida pela
nas de tratamento em aproximadamente 50 a 66% dos pacien-
infecção pelo H. pylori. Nos pacientes que necessitam
tes. Os melhores resultados foram obtidos em pacientes com
de uso continuado de IBP, é recomendável a pesquisa
esofagite leve a moderada, tratados com doses elevadas.
e erradicação do microrganismo. Quanto à controversa
A ranitidina foi menos eficaz em manter a remissão na
relação entre DRGE e H. pylori, se aceita atualmente que
DRGE (45%) do que o omeprazol em diferentes doses (62 a
a erradicação do microrganismo não exacerba a DRGE
72%) em pacientes com esofagite erosiva ou ulcerada. A dose
e que, na maioria dos indivíduos, a erradicação não está
diária de 10 mg de omeprazol parece ser superior à dose-
associada ao desenvolvimento de DRGE.
padrão de ranitidina (150 mg 2 vezes/dia). A eficácia limitada
• Possível interferência na absorção de nutrientes, devi-
dos AHz pode ser explicada pelo efeito insuficiente na inibição
do à hipocloridria resultante do uso prolongado de IBP.
ácida após refeições. No entanto, os AH2 têm eficácia compro-
Existem controvérsias na literatura sobre a necessidade
vada na inibição da secreção noturna.
de dosar periodicamente os níveis séricos de ferro e de
vitamina B12, de acordo com poucos estudos publicados a • Procinéticos
respeito, sendo todos com pequeno número de pacientes.
As alterações fisiopatológicas responsáveis pela DRGE pode-
Com relação à absorção do cálcio, existem alguns estu-
riam ser corrigidas por drogas que aumentassem a pressão do
dos observacionais que sugerem um possível aumento
ElE, melhorassem o peristaltismo do esôfago e o esvaziamento
do risco de fraturas ósseas em usuários crôn icos de IBP.
gástrico. Os medicamentos procinéticos atualmente disponí-
Atualmente, vários aspectos desta possível relação não
veis no mercado não corrigem estas alterações, e são eficientes
estão resolvidos, devendo-se aguardar a realização de no-
apenas quando usados em pacientes com sintomas dispépticos
vos estudos, para o esclarecimento adequado.
associados.
A terapia antiácida com IBP é capaz de diminuir drastica- A metoclopramida não é considerada boa escolha no trata-
mente o refluxo duodeno-gastresofágico, o que pode ser expli- mento da DRGE, pois atua no sistema nervoso central, causan-
cado pela diminuição do ácido e do volume da secreção gástrica. do efeitos colaterais como sonolência, irritabilidade, tremores
A proteção da mucosa esofágica ocorre também pela eliminação e discinesia.
do sinergismo negativo entre o ácido, a pepsina e a bile. A domperidona, antagonista da dopamina apenas em nível
É recomendável, no entanto, usar a menor dose do IBP para periférico, é útil, mas observa-se hiperprolactinemia em 10 a
obtenção do efeito terapêutico desejável. 15% dos seus usuários crônicos.
Os objetivos do tratamento do esôfago de Barrett incluem, Outro eficaz procinético, a cisaprida, foi retirado do comér-
idealmente, o controle dos sintomas da DRGE, a cicatrização cio por induzir arritmias cardíacas principalmente quando as-
de lesões associadas e a prevenção da progressão para neopla- sociada a outras drogas.
sia do epitélio metaplásico e/ou displásico.
Estudos recentes corroboram o conceito de que a exposi- • Novas drogas
ção ácida persistente no esôfago de Barrett associa-se com a Algumas drogas de diferentes perfis farmacológicos têm sido
precipitação de todos os estágios de progressão molecular do testadas, apresentando resultados iniciais limitados. Resulta-
desenvolvimento do adenocar cinoma. O r efluxo ácido crô - dos promissores têm sido obtidos com o baclofeno, agonista
nico pode predispor ao câncer por lesar as células epiteliais dos receptores B do ácido gama-aminobutírico (GABA). Seu
metaplásicas, aumentando sua proliferação e diminuindo sua uso em pacientes com DRGE mostrou redução do número de
diferenciação. Sendo assim, a tendência atual é que seja feito episódios de refluxo e o percentual de tempo de exposição áci-
um controle rigoroso do refluxo gastresofágico em portado- da após uma única dose de 40 mg. Seu mecanismo parece ser
res de esôfago de Barrett, através de uma abordagem clínica a supressão dos RTEIE. Como seus efeitos colaterais são fre-
ou cirúrgica. quentes, impedindo provavelmente o uso rotineiro, o baclofeno
O tratamento clínico do esôfago de Barrett consiste na uti- tem sido considerado um protótipo para o desenvolvimento de
lização de inibidores de bomba protônica em doses definidas novas drogas anti-RTEIE.
por monitoramento por pH esofagogástrico, visando a abolir
a secreção ácida gástrica e, dessa forma, a impedir o refluxo
gastresofágico. Vale salientar que essas drogas também contro-
• Tratamento cirúrgico
lam o refluxo biliar provavelmente por diminuírem o conteú- O tratamento cirúrgico da DRGE consiste no reposiciona-
do do refluxato. O uso de drogas anti-inflamat órias parece ter mento do esôfago na cavidade abdominal associado à hiatoplas-
um papel profilático no desenvolvimento do adenocarcinoma tia e fundoplicatura. Após a realização da primeira fundoplica-
esofágico, e sua utilização rotineira em portadores de esôfago tura (Nissen) por via laparoscópica, em 1991, por Dallemagne
de Barrett tem sido defendida por alguns autores. et a/., observou-se uma tendência crescente na indicação da
cirurgia, considerada alternativa segura e eficaz no tratamento
• Antagonistas H2 de portadores de DRGE.
Os antagonistas dos receptores H 2 (AH2) - cimetidina, ra- As indicações da cirurgia antirrefluxo variam. As diretrizes
nitidina, famotidina, nizatidina - são drogas seguras e bem do American College ofGastroenterology (2005) colocam a ci-
toleradas, mas têm curta duração de ação (entre 4 e 8 h, con- rurgia como uma opção para o tratamento de manutenção para
forme o regime empregado) e resultam em inibição incompleta os pacientes com DRGE bem documentada, enquanto o Con-
da secreção ácida. Consequentemente, para o tratamento da senso de Genval considera o tratamento cirúrgico apropriado
11 O Capftulo 7O I Doença por Refluxo Gastresofdgico

em todos os pacientes que, devidamente informados, optem completa com tratamento medicamentoso. Os sintomas tlpi-
pela cirurgia. Ambos enfatizam a importância da escolha do cos re.s pondem mais provavelmente após a cirurgia do que os
cirurgião bem treinado. sintomas atípicos extraesofágicos.
O tratamento cirúrgico no esôfago de Barrett não compli- Atualmente, existem alguns estudos observacionais, mas não
cado consiste na fundoplicatura, atualmente realizada por via estudos controlados, comparando o tratamento clínico com o
videolaparoscópica. A realização de uma pHmetria pós-opera- tratamento cirúrgico no controle dos sintomas extraesofágicos
tória seria ideal para se confirmar a ausência de refluxo ácido da DRGE. A resposta favorável ao tratamento cirúrgico foi ob-
no esôfago. servada apenas em pacientes rigorosamente selecionados, por-
A falta de resposta ao tratamento clinico não é atualmente tadores de tosse crônica e de asma, associadas à DRGE.
considerada como indicação de tratamento cirúrgico, pois a Outra vantagem do tratamento cirúrgico é o controle do
falha terapêutica pode ser devida à incorreção do diagnóstico. refluxo não ácido (componente biliar e pancreático) e seu con-
Neste caso, deve-se sempre reconsiderar o diagnóstico e rea- troverso impacto nas alterações metaplásicas e displásicas do
valiar a terapia. epitélio esofágico.
Conforme o Il Consenso Brasileiro da Doença do Refluxo Sintomas pós-operatórios como disfagia, incapacidade de
Gastroesofágico, realizado em 2003, o tratamento cirúrgico da eructar, plenitude pós-prandial, síndrome do ar preso (gas blo-
DRGE não complicada deve ser considerado quando: houver at) e flatulência ocorrem em Oa 40% dos casos e devem ser in-
razões que impossibilitem a continuidade do tratamento clínico formados previamente ao candidato à cirurgia.
(de ordem pessoal, econômica ou intolerância) e nos casos em
que for exigido tratamento continuo de manutenção com IBP,
especialmente naqueles com menos de 40 anos de idade, que
• Tratamento endoscópico
optem pelo tratamento cirúrgico. Está recomendado também Novos e variados procedimentos endoscópicos para trata-
nas formas complicadas da DRGE (i. e., estenose e/ou úlcera) mento da DRGE estão sendo investigados e todos têm como
e quando houver adenocarcinoma. objetivo aumentar a barreira antirrefluxo. Apesar de algumas
Existem estudos comparativos da eficácia do tratamento destas técnicas terem sido aprovadas pelo órgão regulatório
clinico com o tratamento cirúrgico. Um estudo prospectivo e americano FDA (Food and Drug Administration), elas conti-
randomizado avaliou a satisfação dos pacientes portadores de nuam sendo investigadas: radiofrequência (Stretta), sutura en-
DRGE que se submeteram ao tratamento clínico ou cirúrgico. doscópica, implantação de micro esferas. O procedimento com
O seguimento foi, em média, de 10,6 anos para o tratamento Stretta cria uma lesão que, ao cicatrizar, resulta em estenose. A
medicamentoso e de 9, I anos para o cirúrgico. A grande maio- sutura endoscópica cria uma plicatura endoluminal no esôfago
ria dos pacientes operados (62%) estava usando algum tipo de distai. Várias questões ainda não resolvidas sobre estes proce-
medicamento antirrefluxo (IBP, AH 2 ou procinéticos) regular- dimentos incluem eficácia, durabilidade e segurança a longo
mente, apesar de estarem satisfeitos com o tratamento inicial prazo. Aguardam-se estudos controlados e randornizados para
(Figura 10.7). Os autores concluíram que pacientes que se sub- determinação das suas indicações nos portadores de DRGE.
metem à cirurgia antirrefluxo não podem ter a expectativa de
não usar novamente medicamentos antissecretores. • Estenose esofágic.a
As conclusões de um estudo prospectivo randomizado e O tratamento de estenose péptica do esôfago consiste no
multicêntrico europeu, comparando o tratamento clínico com controle da DRGE e nas dilatações esofágicas. Apesar de a dila-
o cirúrgico, foram publicadas após 3 anos de seguimento por tação esofágica ser a base do tratamento da estenose péptica do
Lundell et ai. (2008). Ambos os tratamentos atingiram o mes- esôfago, o uso de antissecretores tem mudado o curso natural
mo grau de satisfação dos pacientes e foram considerados al- dessa afecção. Na verdade, esses medicamentos diminuem o
tamente eficazes, seguros e bem tolerados. Como o seguimen- edema da mucosa, aumentando o diâmetro da luz do esôfago,
to destes pacientes continua, aguardam-se novas publicações além de evitar a persistência da agressão ácida sobre o órgão.
dos autores. Esses efeitos determinam uma melhora do quadro esofágico a
A seleção apropriada e a avaliação pré-operatória dos pa- longo prazo. Os inibidores da bomba protônica em altas doses
cientes são de fundamental importância. Os fatores preditivos são as drogas de escolha para o tratamento desses pacientes,
de boa resposta, encontrados em um estudo com 100 pacientes, oferecendo resultados muito superiores àqueles obtidos com o
foram idade inferior a 50 anos, sintomas típicos com resolução uso de antagonistas dos receptores H 2• A cirurgia antirrefluxo

92 96
100

80
60 !:! Tratamento
medicamentoso (n = 166)
40
O Tratamento cirúrg1co
20 inicial (n • 82)

o
Uso de medicação Satisfação com o
antirrefluxo tratamento

Figura 10.7 Tratamento cirúrgico e medicamentoso da DRGE: seguimento a longo pra2o. Adaptado de Spechler.
Copfru/o 1O I Doença por Refluxo Gostresofdgico 111

(fundoplicatura) é também uma boa opção para evitar o reflu- Barbuti, RC & Moraes-Filho, JPP. Domça do rdluxo gastrot$0ftpco. Em: Cas-
tro, LP & Coelho. LGV. GastrwntorologiL Rio do Jan<iro, Mtdsi: 2004,
xo gastresofágico, diminuindo a probabilidade de recidiva da
p. 631-40.
estenose ~ptica do esôfago. Behar, J & Sh<ahan, CS. Hlstologic abnormalities in reflux esophaptis. Atdt
O principal tratamento da estenose esofágica é a dilatação da Patho~ 1975:387-91.
área estenosada. Com esse objetivo, podem-se utilizar três tipos Calabrese. C, Fabbri, A. Bortolotti, M et aL Dilated int<reellular spac<s u a
de sistemas de dilatação esofágica: os dilatadores de borracha markcr of oesophag<:al damage: comparatiw results in gastro-oesophageal
r<llux disust with or without bilt rdltu. Aliment Pharmaeol Thtr, 2003;
preenchidos por mercúrio (dilatadores de Hurst e Maloney), os
18:525-32.
termoplásticos (polivinil) representados principalmente pelos Cang<. L, Johnsson, E, Rhydolm, H el aL Baclofen-mediatod gastro-oesophageal
dilatadores de Savary-Gilliard e Bard, e aqueles com balão hi- acid reOux control in paUtnts with ostablished reOux diseaso.Aiim<nl Phar-
drostático e/ou pneumáticos. Complicações das dilatações eso- macol7her, 2002; 16:869-73.
fágicas incluem perfuração, hemorragia (raramente de grande Canto, Ml, S<trakian, S, Willis, J t t al. Methylene blue-directed biopsles Im-
prove d<ttction ofintestinal metaplasia and dysplasia in Barreu's esophagus.
monta) e bacteriemia transitória, que infrequentemente pode
Gostrolntut Endosc, 2000; 51:56(}.8.
determinar quadro de meningite, endocardite ou abscesso ce- Canto, Ml, Yoshida, T, Gossner, L Chromoscopy of intestinal metaplasla In
rebral. Cerca de 50% dos pacientes submetidos a dilatação de- Barrett's esophagus. End<>seopy, 2002; 34:330·6.
vido a este nose péptica do esôfago apresentarão recorrência do Oou.se, R.E, Richter, JE, Heading. RC tt aL Functional esophageal dlsorden.
quadro. O número de recorrências apresentadas pelo paciente Gut, 1999; 45:U3I-6.
tem um valor preditivo quanto a novas recorrências futuras. Coelho, LGV & Castro, LPC.Infec:çio por HeliaJbaàer pylqrl. Em: Castro, LPC
& Coelho, LGV (eds.). Rio de Janeiro: Medsi Editora M.!dka e Ciend6c:a.
Sendo assim, um paciente que apresentou duas recorrências 2004:75-113.
da estenose esofágica necessitando de dilatação tem 94% de Dallemagne, B, W~rts, JM, Hehaes, C tt aL Laparoscopic Nissen fundoplic:ation:
possibilidade de recidivar o quadro. Outros fatores preditivos preUminary report. Surg LtJparosc Endosc, 1991; 1:138-43.
da necessidade de dilatações repetidas são a perda de peso e a De Yault, KR & Castcll, DO. Updated guldelines for lhe diagnosis and treatment
of gast.roesophaseaJ reflwc dlseast. Aml Gostro<ntnol, 2005; 100:190-200.
ausência da sensação de pirose.
Oent, J, Brun, J, Fcndr!ck, AM et al. An evldence-based appraisa.l o( renux dis-
ease management - thc Genva.L workshop report. Gut, 1999; 44:51 -516.
• Esôfago de Ba rrett EI-Serag. HB, Graham, DY, Satia, JA el ai. Obesity ls an Independent Risk
Estão sendo propostos tratamentos endoscópicos que consis- Factor for GllRD Symptorru and Erosive Es<lpbagitis. Am f Gast,...,nterol,
tem na ablação do epitélio metaplásico e displásico do esôfago 2005; IOO:IZ43·50.
de Barren, permitindo a regeneração do epitélio tipo escamoso Fitzgerald, RC, Onwuegbus~ BA, Baja-Elliott, M tt aL Diversity in the oesoph•·
geal pbonotypic responst to gutro-oesop~ rdlux: immunological de-
do esôfago. Com esse intuito, são utilizadas energias térmicas, terminanu. Gut, 2002; 50:451-9.
como coagulação multipolar ou coagulação com argon plas- Halletbad<. B, Unge. P, Carling. L et ai. Omoprazole or ranitldineln 1ong-term
ma, ou fotoquímicas, como terapia fotodinlmica. Existe muita treatment ofrdlux eaophagitis. Gostroentcology, 1994; 107:1305·11.
controvérsia quanto ao uso dessa modalidade terapêutica, pois, Hatlebaclc, JG, Bentad, A, CarUng. Ler aL Lansopruole "'nus omoprazole in
além dos riscos de estenose e perfuração do esôfago, é possível short·tum treatment of rdlux oesophagitis. Samd I Ga.stroemnol, 1993;
28:2Z4-8.
a persistência de focos de metaplasia embaixo da mucosa re- Hatlebakk, JG, Katz, PO, Castell, DO. Medicai Thmpy: managemont of lhe
epitelizada do esôfago, que poderiam, eventualmente, evoluir refnctory patient. Gost,...,nterol Clin North Am, 1999; 28:847-60.
para neoplasia e que não mais estariam acessíveis à visualização Helm, JF, Dodds, WJ, Hogan, WJ ct ai. Acid neutralizing capacity of human
endoscópica. Além disso, alguns estudos mostram um aumento saliva. Gostrocnterology, 1982; 83:69-74.
do risco de degeneração do epitélio tratado com essas técnicas. lsmall-Beigi, F, Horton, PF, Pope, CE. Histological consequenoes of gastroe·
sophageal reflux in man. Gatro<toterology, 1970; 58:163-71.
Até o momento, não está indicado o uso de terapias ablativas Jessurun, ), Yardley, )11, Glardello, PM et ai. Intracytoplasrnic plasma proteins
no esôfago de Barren fora de protocolos de pesquisa. in distended esophagealsquamous cells (balloon cells). Mod Pathol, 1988:
1:175-81.
• Viglldnàa endosc6pica Jones, R & Bytztr, P. Revlew article: acid suppression in the manasement of
Como, até o momento, nenhum estudo confirmou que qual- gasuo-oesophagul rdlux di$US< - an appraisal of treatment options in
primary cace. Aliment PloamttU:ol 7her, 2001; 15:765·72.
quer tratamento antirrefluxo, seja cliníco ou cirúrgico, possa K.ahrilas, PJ, Doclds, WJ, Hogan, WJ et ai. Peristaltic dysfunctioo in peptic
diminuir o risco de câncer no esôfago de Barren, preconiza-se esophagitis. Gastroenterology, 1986; 91:897-904.
a vigilância endoscópica para diagnóstico precoce de um even- KabriJas, PJ, Sbabea~, N1 Vaezi, MV. American Gastroenterological Assodation
tual tumor no epitélio metaplásico. Atualmente, recomenda-se Instituto tecbrucal review on the maruagement of gastroaophagcal reflux
a realização de endoscopia digestiva em portadores de esôfago di.seuc. Gastroenurology, 2008; 135:1392-413.
Katz, LC. Just, R, CaSlell, DO. Body position affects r<cumbent poSlprandial
de Barren a cada 2 ou 3 anos. Caso seja detectada displasia de
rdlux. I Clin Gostro<!Jttero/, 1994; 18:230-3.
baixo grau, esse intervalo deve ser reduzido a 6 meses. Caso Kal2ka, DA & Castell, DO. Constrvathoe therapy (phase I) for gastroesopha-
haja regressão dessa displasia após 1 ano, deve-se manter a geal r<llux disease (lifestyle modifications). Em: Castell, DO & Richter,
vigilância endoscópica a cada ano. Nos casos de displasia de JE (eds.).The esophagus. Philadelphia: Lippincott Williams & Wllklns,
alto grau, muitos autores recomendam a esofagectomia. Ou- 1999:437-45.
tros acreditam que esses pacientes possam ser acompanhados Kawamura, O, AJ!am, M, Rlttmann, Teta/. Physical an pH propertles of gas-
troesophageal refluxate: a 24 hour sirnultaneous ambulatory impedance and
com endoscopia a cada 3 meses, optando-se pela ressecção ci- pH monitoring study. Am I GaJtroenterol, 2004; 99:1000-10.
rúrgica apenas quando se estabelecer o diagnóstico de tumor Klauser, AG, Scbindlbeck, NE, Muller-Lissner, SA. Symptons in gastro-oesop-
invasivo. Um terceiro grupo advoga a ideia de ressecção endos- bageal reOux di.seue. l.tJncet, 1990; 335:205-8.
cópica do epitélio com displasia, através de técnicas ablativas Und, T, Havelund, T, Lundell, L <1 aL On demand therapy with omepru<>ie for
the long-term manasement o( pa~ts -..ith heartbum without 0<$0phagítis
ou mucosectomia.
- a placebo-controUed randomiud triallllimmt Pharmacol7her, 1999;
13:907-1014.
Uoyd, DA & Borda, IT. Food-lndueed hearthurn: etrect of osmolality. Gostro-
• LEITURA RECOMENDADA tntnology, 1981; 80:740-1.
Locke, GR UI, Talley, NJ, Fett, SL el ai. Prevalence and clinicai spectrurn of
A Gallup Organlz.atlon National S"""y: Heartburn Aocross Amerlcan. Princ- gastroesophageal r<Oux: a population-based study in Olmsted County, Mi-
eton, NJ: Gallup Organization, 1998. nessou.. Gostro<nt<rology,1997; 111:1448-56.
112 Capftulo 7O I Doença por Refluxo Gastresofdgico

Lundell, L. Attwood, S, Ell, C et a/. Comparing laparoscopic antireflux surgery Speehler, S). Barreu's esophagus. Em: Orlando, R. Gastroesophageal Reflwc Di-
with esomeprazole in the management o{ patie.nts wit.h chronic GERO: a se.ase. New York: Marcel Dekker 2000, p. 219-58.
3·year interim analysis ofthe LOTUS trial. Gut, 2008; 57:1207·13. Spechler, SJ. Epidemiology and naturallústory of gastro·oesophageal reflux
Martinez, SD, Malagon, IB, Garewal, HSetaL Non.erosiv• rdlwc &ease (NERO)- disease. Digestion, 1992; 51:24·9.
add rcllux and symptom pauerns. Alimblt Phamuu:ci'Ther, 2003; 17:537-45. Spechler, SJ, Lee, E, Ahnem, O et aL Long·term outcome of medicai and surgical
Meining, A & Classen, M. The role of diet and lifestyle measure.s in the patho- therapies for gastroesophageal reflux d;s..ase: follow-up of a randomized
genesis and treatment of gastroesophageal reflwc disease. Am f Gastroen- controUed triaL !AMA. 2001; 285:2331-8.
terol, 2000; 95:2692·1. Tallcy, NJ, Lauritsen, K, 1\mturi-Hihnalas, H et ai. Esomeprazolc 20 mg main·
Minai, RK & Balaban, OH. The esophagogastric junction. N Engf J Med, 1997; tains symptom control in cndoscopy-ncgativc gastroesophageal reflux dis·
336:924-32. ease: a controlled trial of •on demand" therapy for six months. Alime.nt
Mittal, RK, Holloway, RH, Penagini, R et a/. Transient lower esophageal sphinc- Pharmacol Ther, 2001; 15:347-54.
ter rela:x:ation. Gastroenterology, 1995; 109:601-10.
Tobey, NA, Carson, JL. Alkiek, RA et al. Dilated intercellular spaces: a mor-
Mittal, RK, Lange, RC, McCaUum, RW. Identification and mechanism ofdelayed
phological feature of acid reflux-damaged human esophageal epitheUum.
esophageal acld clearance in subjeets wlth hlatal hernia. Gastroenterology, GastroenteroWg;y, 1996; 11 :1200-5.
1987; 92:130·5.
Vaezi, MF & Richter, JE. Duodenogastroesophageal rellux and methods to
Moraes. Filho, JPP, Cecconello, l, Gama-Rodrigues, J et a L and BrazUJan Con-
monitor nonacidic reflux. Am 1 Med, 2001; li 1:160S·168S.
sensus Group. Brazilian Consensus on Gastroesophageal Reflux Disease:
VakiL N, van Zanten, SV. Kahrilas, P et ai. The Montreal definition and classifica-
proposals for assessment, classlficatlon and managernent. Am I Ga.stroen-
tion of gastroesophageal reflux disease: a global evidence·based consensus.
terol, 2002; 97:241·8.
Pehl, C, PfeiJfer, A, Wendl, B e/ a/. The effect of decalfeination of coffee on Am/Gastroenterol, 2006; 101:1900·20.
gastroesophageal reflux in pat1ents with reflux disease. Aliment Pharmarol Van Herwaarden, MA, Katzka, DA, Smout, AJPM et a/. Effect of different recum-
Ther,1997; 11:483-6. bent positions on postprandial gastroesophageal reflux in normal subjects.
Price, SF, Smithsau, KW, Castell, DO. Food sensitivity in reflux esophagitis. Am 1 Gastroenterol, 2000; 95:2731·6.
GastroenteroWg;y, 1978; 75:240·3. Watson, RGP, Tham, TCK, Johnston, BT et ai. Double blind cross·ovcr place-
Revicki, DA, Wood, M, Maton, PN et a/. The impact of gastroesophageal reflux bo controllcd study of omeprazolc in the t.rcatmcnt of paticnts with rcflu.x
disease on health·related quality oflife. Am I Med, 1998; 104:252-8. symptoms and physiologicallevels of acid reflux -the "sensitive esophagus~
Schulz, H, Michlke, S, Antos, O et al. Ablation o f Barrett~ epithelium by endo· Gut, 1997; 40:587-90.
scopic argon plasma coagulation in combination with high ...dose omepra· Wiklund, I. Quality ofllfe In patients with ganroesophage.al retlux disease. Am
zole. Gastrointest Endosc, 2000; 51:659-63. J Gastroenterol, 2001; 96:S46-S53.
So, )BY, Zeitels, SM, Rattner, DW. Outcomes of atypical symptoms attributed Zhang. Q, Lehmann, A, Rlgda, R e/ a/. Control oftransient lower oesophageal
to gastroesophageal reflux treated by laparoscopic fundoplication. Surgery, sphincter relaxations and reflux by the GABA (B) agonist baclofen in pa·
1998; 124:28·32. tients with gastro·ocsophageal rcflux discase. Gut, 2002; 50:19·24.
11 Membranas, Anéis e
Divertículos do Esôfago
Vitor Antonino Mendes de Sá

O esôfago é um órgão tubular cuja extensão varia de 18 a


26 em em média, constituído por quatro camadas: muc.osa,
• MEMBRANAS ESOFAGICAS
submucosa, muscular própria e adventlcia. Não possui uma As membranas do esôfago cervical são delgadas estruturas
camada serosa. Inicia-se proximalmente a partir de uma es- mucosas geralmente excêntricas que surgem a partir da parede
trutura funcionalmente denominada esftncter esofágico supe- anterior e se prolongam lateralmente. Costumam estar associa-
rior, que, anatomicamente, corresponde às fibras musculares das à anemia ferropriva, quando então se caracteriza a slndrome
estriadas esqueléticas dos músculos constritor inferior e cri- de Plurnmer-Vinson, ou a outras condições, como a doença do
cofaríngeo. A constituição muscular de sua porção proximal refluxo gastresofágico, a síndrome de Sjõgren, pênfigos, epider-
é parcialmente composta por fibras e.stríadas, progressiva- mólise bolhosa e tireoidopatias. Frequentemente, são assinto-
mente substituídas por fibras lisas. No terço distai, dentro domáticas, podendo, entretanto, provocar disfagia intermitente
hiato diafragmático, há um espessamento da musculatura lisa para sólidos ou írnpactação de bolo alimentar.
circular interna, que constitui o chamado esftncter esofágico O diagnóstico, tanto em indivíduos disfágicos quanto nos
inferior, habitualmente coincidente com a transição mucosa assintomáticos, habitualmente advém de urna endoscopia di-
escamocolunar. gestiva alta ou de um esofagograma. O tratamento, quando
necessário, envolve ruptura ou dilatações das membranas.
Pela sua peculiaridade, deve ser mencionada a síndrome de
Plummer-Vinson, também denominada síndrome de Paterson-
• MEMBRANAS EANÉIS Brown Kelly. 11 uma entidade rara descrita inicialmente por
O conceito atualmente vigente diferencia os termos mem- Plummer, em 1912, que acomete preferencialmente mulheres
branas e anéis esofágicos. na faixa etária entre 30 e 70 anos.l1 caracterizada pela presen-
Denomina-se membrana toda estrutura que cause estreita- ça de anemia ferropriva, disfagia e uma ou mais membranas
mento luminal do órgão, formada exclusivamente por mucosa esofágicas cervicais. Pode ainda cursar com queilite, glossite,
escamosa, tanto na superficie superior quanto na inferior, sem coilonfquia e, mais raramente, baqueteamento digital e tortuo-
componente muscular associado. Raramente, são concêntri- sidade esofágica.
Sua patogênese não foi esclarecida, mas acredita-se que a
cas, surgindo habitualmente da parede esofágica anterior, de
sideropenia em um indivíduo geneticamente predisposto te-
forma assimétrica. nha envolvimento, além de possíveis cofatores autoírnunes,
O termo anel vem sendo usado para denominar as estruturas infecciosos ou ambientais. Entretanto, deve ser ressaltado que
semelhantes às membranas que, entretanto, são concentrica- as membranas esofágicas cervicais nem sempre estão associa-
mente regulares e se localizam na junção mucosa escamocolu- das à ferropenia, fato este relatado em várias séries clínicas. O
nar da transição esofagogástrica. Portanto, apresentam mucosa desenvolvimento da disfagia, e não das membranas, parece ter
escamosa na superfície superior e epitélio colunar na superfi- forte correlação com a ferropenia, com comprometimento da
cíe inferior. Usa-se o termo anel também para identificar duas deglutição e da motilidade esofágica, alterações que são rever-
outras estruturas, que são os anéis funcionais, frequentemente tidas com a reposição de ferro.
descritos em exames radiológicos contrastados, e o anel mus- A incidência dessa síndrome, que já foi bastante elevada
cular do esôfago, raramente encontrado. nos países nórdicos, está em franco declínio, possivelmente
O diagnóstico dessas estruturas habitualmente é feito em pela maior oferta nutricional e suplementar de ferro. Não há
pacientes com queixas relacionadas com disfagia ou regur- consenso sobre uma possível relação da síndrome de Plummer-
gitação, ou como achados incidentais observados durante a Vinson com o surgimento de câncer de esôfago, inicialmente
realização de exames endoscópicos ou radiológicos contras- relatada na Suécia na década de 1960. Estudos posteriores não
tados. confirmaram tal associação.
113
114 Capftulo 7 7 I Membranas, Anéis e 0/vertfcu/as do EsMago

O tratamento envolve suplementação de ferro até a correção


da anemia e dos estoques desse elemento. Alguns casos reque-
rem intervenções endoscópicas, que variam de simples ruptura
de delgadas membranas com o próprio endoscópio, até repeti-
das sessões de dilatação com velas ou dilatadores.
As membranas do esôfago médio são bem mais incomuns
que as membranas de localização cervical. Geralmente, estão
associadas a doenças subjacentes, como a doença do enxerto
versus hospedeiro, que pode ocorrer em indivíduos transplan-
tados de medula óssea, mas também em pessoas absolutamente
hlgidas.
A presença de múltiplas membranas esofágicas pode cons-
tituir urna slndrome congênita que acomete preferencialmente
indivíduos do sexo masculino. Há urna longa história de disfa-
gia e é frequente a necessidade de dilatações terapêuticas.

• ANEL DE SCHATZKI (ANEL DO Figura 11.1 Endoscopia digestiva alta mostrando anel de Schatzki.
(Esta figura encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ
ESOFAGO DISTAL)
O anel de Schatzki é uma estrutura que anatomicamente de-
limita a junção escamocolunar, sendo observado em até cerca com ambas. Frequentemente, são necessárias novas sessões
de 6 a 14% de pacientes submetidos a um esofagograma. de tratamento.
:e constituído exclusivamente por mucosa e submucosa,
com centro preenchido por tecido conjuntivo e células infla-
matórias.
Sua etiologia é controversa, podendo estar relacionada com
• ANÉIS MUSCULARES
a presença de doença do retluxo gastresofágico (DRGE), origi- São bastante raros, estando a maioria absoluta localizada
nar-se congenitamente ou, até mesmo, estar ligada à esofagite poucos centlmetros acima da junção escamocolunar. Carac-
eosinofllica. terizam-se por uma constrição anular espessada a partir da
O anel de Schatzki não parece prevenir contra uma maior camada muscular circular do esôfago, estando recobertos por
exposição ácida na DRGE, conforme demonstrado em um es- mucosa esofágica normal.
tudo recente. Todavia, o epitélio metaplásico de Barrett é me-
Podem provocar disfagia para sólidos, e mesmo para llqui-
nos frequente em pacientes com anel de Schatzki, o que susci-
dos, crônica e de caráter intermitente.
ta algumas questões sobre sua verdadeira fisiopatologia e sua
relação com a presença de ácido na luz esofágica. O esofagograma revela uma estrutura contrátil anular de es-
pessura e lúmen variáveis. A endoscopia mostra estreitamento
Em geral, é assintomático, mas, quando o diâmetro Jurni-
nal se torna menor que 13 mrn, podem surgir disfagia para luminal focal, mas é menos apropriada para mensurar sua es-
sólidos ou impactações alimentares. Caracterlstica marcante pessura. Nos poucos casos estudados por manometria, obser-
da disfagia relacionada com o anel de Schatzki é seu caráter varam-se múltiplos picos de contrações esofágicas peristálticas
intermitente, diferente da causada por estenoses péptica ou ne- de grande amplitude e longa duração.
oplásica; entretanto, o anel de Schatzki é a causa mais comum As formas de tratamento propostas incluem dilatações com
de disfagia intermitente para alimentos sólidos. Essa disfagia dilatadores rígidos, secção endoscópica através de corrente elé-
aparece particularmente quando o indivíduo come rapidamen- trica, ou cirurgia aberta. Outra opção terapêutica a ser consi-
te e mastiga mal. derada é a injeção local de toxina botulinica. O uso de agentes
O padrão-ouro para diagnóstico do anel de Schatzki con- anticolinérgicos também pode ser útil em pacientes com reei-
tinua sendo o exame radiológico contrastado, utilizando con- diva sintomática, ou naqueles considerados maus candidatos
traste mais espesso. Apresenta-se como anel regular, concên- aos tratamentos invasivos.
trico e estreito (até 2 mm de espessura). Durante a endoscopia
digestiva alta, pode também ser bem identificado (Figura 11.1),
necessitando apenas de adequada distensão gasosa do esôfago • ANÉIS FUNCIONAIS (ANÉIS AE8)
distai. Quando se acompanha de hérnia hiatal, sua identifica-
ção é mais fácil. São anéis fisiológicos, observados rotineiramente em exa-
Pacientes assintomáticos não necessitam de tratamento. Me- mes radiológicos contrastados e, ocasionalmente, em exames
didas simples, como orientações sobre a necessidade de masti- endoscópicos.
gação adequada e deglutição de pequenos volumes de alimentos O ane.l A de Wolf marca o início do esfincter esofágico in-
sólidos, muitas vezes são suficientes para o controle de pacien- ferior (ElE), delimitando superiormente a ampola epifrênica
tes sintomáticos. vista à radiologia. Tal ampola corresponde à região do ElE e é
Os casos sintomáticos refratários às medidas conservadoras delimitada inferiormente pelo chamado anel Bde Wolf, na jun-
podem ser tratados com dilatações por velas de Savary-Gilliard ção escamocolunar (linha Z). A presença de uma hérnia hiatal
ou Maloney, além de ruptura do anel em quatro quadrantes facilita a visibilização do anel B, já que nessa situação a linha
usando pinças de biopsia. A recorrência dos sintomas após Z se encontra superiormente ao pinçamento diafragmático, e
essas duas técnicas é comum e ocorre em taxas semelhantes isso permite a distensão gasosa, realçando-o.
Capitulo 11 I Membranas, Anéis e Divertfculos do Es6fago 11 5

endoscópio, o que pode levar a perfurações inadvertidas. Deve


• DIVERTrCULOS ESOFAGICOS ser ressaltado que a presença do divertículo de Zenker não é
Conceitualmente, divertículos esofágicos são protrusões uma contraindicação ao exame endoscópico. De fato, uma das
de uma ou mais camadas da parede do órgão, para fora de opções terapêuticas disponíveis envolve o uso da endoscopia,
sua luz. como será citado adiante. O que se procura é acentuar os cui-
Os divertículos podem ser classificados quanto a localização, dados para evitar lesões advindas de uma tentativa forçada de
etiologia (congênitos ou adquiridos), fisiopatologia (pulsão ou progredir o endoscópio fora da luz do esôfago, dentro da bolsa
tração) e anatomopatologia (verdadeiros ou falsos). A fim de diverticular.
evitar termos em demasia, optamos por citá-los como mais vêm Estudos manométricos não são considerados essenciais ao
sendo referenciados, usando a localização anatômica. diagnóstico ou ao planejamento terapêutico. Quando reali-
zados, podem demonstrar pressões basais normais ou baixas no
EES, mas um tônus aumentado, com relaxamento incompleto,
• Divertículo de Zenker durante a deglutição.
O divertlculo de Zenker, também chamado de faringoeso- As principais complicações relacionadas com a presença de
fágico ou hipofaríngeo, é o tipo mais frequentemente obser- um divertículo de Zenker são desnutrição, pneumonia por as-
vado, respondendo por cerca de 70% dos casos de divertlculos piração, abscesso pulmonar, bronquiectasias, perfuração inad-
esofágicos. São notados em cerca de 196 dos esofagogramas vertida durante procedimento invasivo (sondagens, endoscopia
contrastados. Trata-se de uma protrusão extraluminal de parte digestiva alta, ecocardiograma transesofágico ), hemorragias,
da mucosa hipofaringea na junção do músculo cricofaringeo, ulcerações e câncer na mucosa diverticular.
com fibras transversais, e do músculo constritor inferior da fa- Divertlculos assintomáticos ou oligossintomáticos não de-
ringe. Essa região onde ocorre a herniação é conhecida como mandam tratamento especifico. Aconselha-se ao paciente por-
triângulo de Killian e considerada um ponto bastante fraco do tador de tal condição mastigação exaustiva, evitar grandes volu-
tubo digestivo. mes de alimentos sólidos em uma mesma deglutição e ingestão
A fisiopatologia do divertículo é bastante complexa e, ainda de líquidos concomitante às refeições sólidas.
hoje, motivo de frequentes discussões. A teoria mais aceita na A persistência ou o agravamento de sintomas geralmente
atualidade é a de que um incompleto relaxamento do esfincter indica a necessidade de intervenção cirúrgica. As opções tera-
esofágico superior (EES) durante a deglutição leva ao aumen- pêuticas para os divertículos de Zenker sintomáticos envolvem
to da pressão do bolo alimentar contra a frágil área de Killian, quatro técnicas abertas, que são a ressecção transcervical (di-
ocasionando a hemiação mucosa nesse ponto. verticulotomia), com ou sem cricomiotomia, a miotomia cri-
Não está claro se há relação entre o aparecimento do diver- cofarlngea isolada e a suspensão diverticular (diverticulopexia)
tículo de Zenker e a DRGE. Há uma hipótese, não comprova- associada à miotomia cricofarlngea. O procedimento terapêu-
da, de que o refluxo levaria ao encurtamento longitudinal do tico por via endoscópica envolve a técnica de miotomia crico-
esôfago, favorecendo a herniação mucosa. faríngea (diverticulostomia), que pode ser feita por eletrocau-
A prevalência estimada na população geral é de cerca de tério, alça diatérmica, grampeador ou laser. Um recente estudo
0,196. Predominam em indivíduos do sexo masculino em uma comparando os procedimentos abertos e a técnica endoscópica
razão de 2:1 e em pacientes com idade superior a 60 anos. permitiu a conclusão de que a diverticulostomia é segura, rá-
Os pequenos divertículos faringoesofágicos podem ser total- pida e eficaz para a maioria dos pacientes com divertículos de
mente assintomáticos e só são identificados em exames comple- Zenker de médio tamanho, entre 2 e 5 em. Já as técnicas abertas
mentares solicitados em função de sintomas não relacionados oferecem melhores resultados a longo prazo e devem ser reco-
com a sua presença. As manifestações clinicas iniciais associa- mendadas para os pacientes mais jovens, saudáveis e naqueles
das ao divertículo de Zenker são a disfagia e a regurgitação de com divertículos pequenos ou muito grandes. Outro estudo
alimentos não digeridos. Podem também ser observados sialor- mais amplo, comparando todas as técnicas citadas, conclui que
reia e desconforto na garganta ou pescoço. Com o aumento do as técnicas abertas oferecem melhor alivio sintomático, em es-
volume diverticular, podem advir tumefação cervical, halitose, pecial aos pacientes com pequenos divertículos. As principais
mau gosto na boca, modificações da voz, dor torácica retroes- complicações do tratamento por endoscopia são a hemorragia,
ternal, perda de peso devído à ingestão alimentar insuficiente, a perfuração e a fistulização, enquanto nas cirurgias abertas po-
e manifestações pulmonares relacionadas com a aspiração de dem ocorrer mediastinite, lesão do nervo laríngeo recorrente
resíduos alimentares (tosse, dispneia e sibilãncia). com paralisia de pregas vocais e fístulas.
O padrão-ouro no diagnóstico do divertlculo de Zenker con-
tinua sendo a radiografia contrastada do esôfago com bário em
duas diluições, sendo uma mais espessa, para melhor identi-
• Divertículos medioesofágicos
ficação de divertículos menores, e outra, menos concentrada, São considerados o subtipo de divertículo esofágico mais
para divertículos maiores. Podem ser necessários diferentes raro, respondendo por cerca de 1O% dos casos.
posicionamentos do paciente durante o exame, além de even- Podem estar relacionados com transtornos da motilidade
tuais manobras específicas para retirada de alimentos retidos esofágica ou com a presença de processos inflamatórios e ci-
em seu interior e sua melhor visibilização. Formações sacula- catriciais do mediastino.
res, ovaladas, pendulares e outras são geralmente encontradas, A maioria dos casos é assintomática. Entretanto, podem cau-
além de nfveis hidroaéreos. sar disfagia, regurgitação e dor torácica.
A endoscopia digestiva alta não deve ser rotineiramente in- O exame radiológico mostra o divertículo geralmente na
dicada como método diagnóstico na suspeita de divertículo de altura da bifurcação traqueal, predominando no lado direito,
Zenker. Pequenos divertículos podem não ser identificados de- com boca larga. A manometria esofágica pode mostrar diversos
vido às pequenas dimensões do orificio de entrada, e grandes padrões de dismotilidade e sempre deve ser realizada antes de
divertlculos habitualmente são a via preferencial de descida do qualquer decisão terapêutica.
116 Capftulo 11 I Membranas, Anéis e Divertfculos do EsMago

O tratamento atualmente preconizado é a diverticulectomia sintomas podem estar relacionados também com os distúrbios
por videotoracoscopia direita isolada, caso não haja distúrbios motores concomitantes. Complicações envolvem perfurações,
motores concomitantes. Associa-se à diverticulectomia a mio- abscesso e hemorragia.
temia extramucosa longitudinal nos casos que se acompanham São identificados em exames radiológicos contrastados do
de dismotilidade. esôfago, sendo solitários na maioria dos casos. Têm largura
média de 4,4 em e profundidade média de 3,7 em. Parece ha-
ver correlação dos sintomas com o enchimento preferencial do
• Divertículos epifrênicos divertículo e com seu tamanho.
Divertículos epifrênicos são raros, respondendo por cerca de O tratamento só está indicado quando há sintomatologia
20% de todos os divertículos esofágicos. Localizam -se no terço importante ou na presença de complicações. Classicamente,
distai, em geral próximo ao diafragma, e predominam no lado é realizada a diverticulectomia associada à esofagomiotomia e
direito do órgão (Figuras 11.2 e 11.3). Estão comumente asso- um procedimento antirrefluxo, geralmente uma fundoplicatura
ciados a distúrbios motores do esôfago, como acalasia, elevadas parcial. O acesso pode ser transtorácico, por via aberta ou to-
pressões em repouso no esfíncter esofágico inferior, esôfago em racoscópica, ou laparoscópico. Devido à relativa infrequência
quebra-nozes e dismotilidade inespecífica. dessa condição, não há estudos comparativos entre as técnicas
As manifestações clinicas atribuídas aos divert!culos epifrê- propostas, mas a cirurgia por laparoscopia é relatada como a
nicos são disfagia, regurgitação e sintomas respiratórios. Tais técnica de escolha atualmente.

Figura 11.2 Divertículo epifrênico único em endosco-


pia digestiva alta (A) e dois divertículos epifrênicos em
esofagograma (B). (Esta figura encontra-se reproduzida
A B em cores no Encarte.)

Figura 11.3 Pseudodiverticulose intramural do esô-


fago, identificada em endoscopia digestiva alta (A) e
pelo esofagograma (B) (cortesia: Dr. Luiz Fernando
Abraão Reis, Belo Horizonte). (Esta figura encontra-se
A B reproduzida em cores no Encarte.)
Capftulo 11 I Mem branas, Anéis e Divertfculos do Es6fago 117
Fasaoo. NC. Uvino, MS, Rubesln, SE et aL Epiplmnic divetticulum: cUnical
• PSEUDODIVERTICULOSE INTRAMURAL and radiognphlc findlnp In 27 patients. Dysphagia, 2003; 18:9· 1S.
Fraiji, E. Bloomston, M, Carey, L et aL Laparoscopi.c management of symp-
DO ESOFAGO tomalic achalasla assodated with epiphrenic diverticulum. Surr Endosc,
2003; 17:1600-3.
Os pseudodivertículos intramurais do esôfago são glândulas Gordon, AR. Uvino, MS. Redfem, RO et aL Cervicaleoopbageal webs: assoda·
submucosas dilatadas, cuja abertura se faz na luz desse órgão. tion with gasttO<:oophagul relhlX. Abdom lmaging, 2001; 26:574-7.
Gutschow, CA. Hamoir, M, Rombaux. P et aL Management of pbaryngoe·
Ocorrem mais frequentemente a partir da sexta década de vida, sopbageal (Zenker's) diverticulum: wbich teclmique? Ann Thorac Surr.
predominando em indivíduos do sexo masculino. 2002; 74:1682-3.
Foram relatados relativamente poucos casos na literatura Hahne, M, Schllling. O, Arnold, JC et ai. Esophageal intramural pscudodlver·
médica, entretanto sua frequência parece ser bem maior do ticulosis: review of symptoms lncluding upper gastrointestinal bleeding.
1 Clin Gast,...nterol, 2001; 33:378-82.
que originalmente suspeitado. Hirano, I, GUUam,J, Goyal, RK. Clinicai and manometric features ofthelower
Os pseudodivertículos intramurais do esôfago comumente esophageal muscular rlng. Am J Gastroemerol, 2000; 95:43-9.
estão associados a estenoses e anéis esofágicos, doença do re- Hoffman, RM & jaiTe, PE. Plummer-Vmson syndtome - a case report and
fluxo gastresofágico, ingestão cáustica, alcoolismo, esofagite Uterature revlew. Atdt Intem Med, 1995; I55:2008-11.
Ibrahim, A, Colo, RA, Qures~ WA et aL Scbat:zlti's ring; 10 cut or brealt an
por Candida e por herpesvírus, diabetes melito, dismotilidade unresolved problem. Dlg Dls Sei, 2004; 49'.379-$3.
esofágica e carcinoma de células escamosas do esôfago. Jeyarajah, R & Haifor, W. D!verticula of the hypopbarynx, esophagus. stom-
Sua identificação geralmente ocorre no curso de uma inves- ach, ~junum, and Ueum. Em: Feldman, M, Friedman, I.S, Sle!sengc.r, MH.
tigação clínica de disfagia, pirose ou odinofagia. Tais sintomas Sl~nger & Fordrran~ Gastrointtstinal and Liver Dlse.aJe: Paúwphyriology.
Dlagno<l., Ma1111gement, 7"' ed., Philadelphia, Saunders, 2002.
habitualmente não podem ser atribui dos à pseudodiverticulose, Klaus, A. Hinder, RA, Swaln, J et a/. Management of epiphrenic dive:rticu!L
sendo creditados às condições mórbidas associadas. 1 Gastrolntesr Surr. 2003; 7:906-11.
Apresentam-se ao esofagograma como múltiplas pequenas Long, ) & Orlando, R. Anatomy, hislOlogy, embryology, and developmental
bolsas contrastadas, de colo estreito, medindo entre I e 3 mm, anomalies of the esophagus. Em: Feldman, M, Friedman, LS, Sleisenger,
MH. Sleisenger & Fordtran~. Gastrointestinal and Li ver Diseas.: Pathophysl-
localizadas na parede do órgão. Na endoscopia digestiva alta, é ology. Dlagnosls, Managtment, 7'' ed., Philadelph1a, Saunders, 2002.
possível a identificação de pequenas aberturas parietais na luz Mahajan, SK, Warshauer, DM, Bozymski, EM. Esophageal intramural pseudo-
esofágica. O acometimento pode ser segmentar ou difuso. A dlverticulosls: Endoscoplc and radiologlc oorrelation. Gastrolntest Endosc,
tomografia computadorizada e a ultrassonografia endoscópica 1993; 39:565.
podem mostrar espessamento da parede esofágica. Maleld, O & Cameron, AJ. Plummer-V'mson syndtome assodated with chronic
blood loss anemia and large diaphragmatk hemia. Am I G.utrotnttrol,
As complicações atribuídas aos pseudodiverticulos intra- 2002; 97:190-3.
murais do esôfago são bastante raras e podem incluir perfura· Maun<, S. Carbon dloxlde /aur dlvertlc:ulostorny: a new treatment Cor Zenker
ção, infecção, fistula esofagobrônqufca e hemorragia digestiva. diverticulwn. Am I Med, 2003; l i5:1725-45.
Não existe terapêutica específica, mas pode haver regressão Mittt,MC.Kattka. DA. Brensingor, CM<tal. Schauki ringand Bamusesopha-
gus: do th<y occur togethor? Dlg Dls Sei, 2004; 49:n0-3.
do quadro com o tratamento de condições associadas, como Nehra, O, Lord, RV, OeMeester, TR er aL Physiologic basis for the trc:atrnent of
doença do refluxo gastresofágico, câncer de esôfago e esteno· epiphrenic diverticulum. Ann. Surr.• 2002; 235:346· 54.
ses esofágicas. Nurko, S, Teitelbaum, JE, Husain, K et aL Assodation of Schatr.ki ring with
eosinopbiUc esophagitls in childten. I Ptdíatr Gastrotnterol Nutr, 2004:
38:436-41.
Sasaki, CT, Ross, DA, Hundai, J. Association between Zenker diverticulum and
• LEITURA RECOMENDADA gastroesophageal reflux disease: development of a worklng hypothesis. Am
I Med. 2003; li5:169S-71S.
Beckerhinn, P. Kriwanek. S, Pramhas, Meta/. Video-assisted resection of pulsa- Sheiki, SH & Shaw-Still'cl, TA. The gastrointestinal manifestatiom of SJOgren's
tlve mldeoophagus diverticula. Surg Endosc, 2001; 15:720-2. syndtome. Am I G.utrotntero~ 1995; 90:9-14.
C«condlo, I, Felix, VN, Zilbemein, B et a/. Membrana esofagiana cervical Trentini, EA, Tolentlno, MM, Falfer, JG. Membranas, anéis e divertlc:uloo. Em:
e slndrome de Plummer-Vmson: apresen~o de casuiJtlca e revisão de Dani. R. Gastrotntero/ogia Esunclal, 2.• ed., Rio de Janeiro, Guanabara
Uterarura. Ver Hosp Clln Fac Mtd S Paulo, 1994: 49:148-51. Koogan. 200 I.
Chodprasldh~ P & Mlnoch.a. A. Eff<rtiveness of sln~ dilatlon with Maloney \'Tmten, GR. Maydonovitch, CL, Wong. RI<. Schauki's rlngs do not protect
dilator versw endoscopic rupture of Schaukis ring using biopsy forceps. againsl add reOux and may decrease esopbageal add clearance. Dig Dls
Dlg Dls Sei, 2000; 45-.281-4. Sei, 2003; 48:299-302.
Dado, G, Bresadola, V, Terosu G et aL Oi,uticuJumofthe midthondcesopba- Zaninotto. G, Narne, S, Cootantini. M er aL Tailored approodl to Zenker's di·
gw: pathogenesls and surgical treatmc.nt. Surr Endosc, 2002; 16<871. verticula. Surr Endose, 2003; 17:129-33.
12 Comprometimento do Esôfago
por Infecções, Radiação e
Agentes Químicos
Paulo Fernando Souto Bittencourt, Edivaldo Fraga Moreira e
Walton Albuquerque

O desenvolvimento de lesões da mucosa do esôfago depende da exame radiológico deve ser realizado quando houver contrain-
resistência desta aos agentes agressores e do poder de agressão dicação ao exame endoscópico. Nos pacientes com síndrome da
destes agentes, que podem ser intrínsecos, como a secreção gás- imunodeficiência adquirida (AIDS), as opiniões são divergentes
trica, ou extrínsecos, como produtos corrosivos, medicamentos, quanto à indicação da endoscopia para o diagnóstico da EC.
agentes infecciosos e radiação ionizante. A concomitância de Alguns autores sugerem que, se o paciente apresenta sintomas
esofagite de refluxo com as induzidas por produtos químicos, típicos e candidfase oral, estes deveriam ser tratados, e a en-
ou mesmo por agentes infecciosos, pode ser um fator de con- doscopia indicada apenas em casos especiais. Outros estudos,
fusão no estabelecimento do diagnóstico preciso. A esofagite todavia, mostraram que, diante dessas alterações clínicas, o
de refluxo é a causa mais comum de inflamação do esôfago e médico ainda não estaria autorizado a iniciar o tratamento, e
será discutida em capítulo específico. a endoscopia seria obrigatória, não só para confirmar o diag-
Abordaremos as esofagites de causas infecciosas e as provo- nóstico, mas também para excluir outras lesões concomitantes
cadas por agentes químicos e pela radiação. (Prancha 12.1 A). A endoscopia digestiva alta (EDA) em pa-
cientes com infecção fúngica no esôfago mostra a presença de
placas brancacentas ou amareladas, aderidas à mucosa, sendo
• INFECÇÕES DO ESÕFAGO esses os locais indicados para a coleta de material através de
biopsias ou escovado para citologia, histologia e cultura. Dentre
as classificações para avaliar o grau de infecção pela Candida,
• Esofagite por fungos segundo os aspectos endoscópicos, destacam-se a de Kodsi et ai.
e a de Wilcox. Esta última é descrita como segue:
• Esofagite porCandida {EQ
O esôfago é o órgão mais frequentemente infectado pela • Grau I: placas esparsas, comprometendo menos de 50%
Candida, do mesmo modo que a Candida é o agente infeccioso da mucosa esofãgica.
mais comum neste órgão. Existem alguns grupos de pacien- • Grau ll: placas esparsas comprometendo mais de 50%
tes que apresentam predisposição ao desenvolvimento de EC, da luz esofãgica.
como os portadores de diabetes, de doenças malignas, de doen- • Grau III: placas confluentes, reversíveis à insuflação, que
ças crônicas debilitantes, de obstrução do esôfago, os pacientes cobrem circunferencialmente pelo menos 50% da mu-
em uso de terapia antimicrobiana ou corticoterapia por perío- cosa.
dos prolongados e, em especial, os pacientes comprometidos • Grau IV: placas circunferenciais, com estenose, não re-
imunologicamente. Na patogênese da EC. estão envolvidos três versíveis à insuflação.
fatores, que são: alteração do sistema imunológico, da motili- Os fragmentos obtidos por biopsias ou escovados devem ser
dade esofágica e do metabolismo de carboidrato. inicialmente fixados em formo! e corados por hematoxilina-
A disfagia e a odinofagia são os sintomas mais frequentes em eosina (HE), para anãlise de rotina. Outras colorações especí-
pacientes com EC. Quando esses sintomas são intensos e por ficas tais como Ziel-Neelsen, além de estudo imuno-histoquf-
período prolongado, podem levar à desnutrição. Cabe ressal- mico, com pesquisa de antígenos para a micobacteriose e vírus,
tar que nos pacientes que apresentam EC não se pode excluir podem ser realizadas também. No diagnóstico da Candida, des-
a possibilidade de associação com outros agentes. Também, a tacamos outras colorações específicas, como corantes pela prata,
ausência de candidíase oral não exclui a presença da doença ácido periódico de Schilf (PAS) e o Gram. As culturas em meio
esofágica. Em relação ao diagnóstico etiológico, os exames ra- de Sabouraud têm demonstrado uma sensibilidade de até 80%,
diológicos têm valor limitado, ficando reservados para avaliação mas deve ser ressaltado que o método não diferencia a Can-
da motilidade, manifestada por diminuição do peristaltismo, dida como agente comensal ou infeccioso. No entanto, apesar
irritabilidade ou espasmos, exclusão de obstrução mecânica, de inúmeros recursos, o diagnóstico histológico para Candida
diagnóstico da presença de ffstulas ou perfuração. Também o gira entre 50 e 64%. Esta baixa positividade pode ser explicada,

118
Capitulo 12 I Comprometimento do Es6fago por lnfecç6es, Radiação e Agentes Qufmlcos 119

pois, nas infecções leves, com baixo grau de invasão, o fungo go. Essas úlceras, quando mais profundas, podem unir-se na
pode ser eliminado durante o processamento das biopsias, ou submucosa e, com a cicatrização após o tratamento, ocasionar
o número de fragmentos coletados é insuficiente, e mesmo por estenose. Outras alterações endoscópicas, em menor frequência,
erro na coleta. A EDA, com a coleta de material usando acessó- são as áreas de hiperemia da mucosa ou erosões com bordas
rio próprio para escovado, e semeando diretamente na solução geográficas serpiginosas e elevadas. Deve-se lembrar ainda que
de hidróxido de potássio a 10%, é considerada, por alguns au- a coexistência de outros agentes infecciosos pode alterar seu
tores, como método diagnóstico de escolha. Nlveis séricos de formato clássico de apresentação, destacando-se as infecções
aglutinina acima de 1:160 são considerados confirmatórios para por Candida albicans e Herpes simples. O diagnóstico através
esofagite por Candida, mas raramente são positivos. Os sinto- da biopsia endoscópica é essencial. O CMV infecta fibroblastos
mas geralmente desaparecem com o tratamento, mas a melhora e células endoteliais, que estão localizados na base das úlceras
cUnica não significa necessariamente o desaparecimento total esofágicas e não no epitélio escamoso. Assim, as biopsias devem
das lesões na mucosa. Alguns autores indicam a EDA como ser realizadas na base e margens das úlceras. O escovado cito-
controle de tratamento, embora não seja essencial em todos os lógico também pode evidenciar inclusões citoplasmáticas em
pacientes. A droga de escolha para o tratamento é a nistatina, fibroblastos ou endotélio. A cultura do vfrus em material de es-
200.000 unidades em intervalos de 2 a 4 h, por período de 7 covado ou biopsias tem uma sensibilidade de aproximadamen-
a 14 dias. Com este esquema terapêutico, conseguem-se altos te 67%, maior do que a do estudo histológico, que é próxima
lndices de cura, com poucos efeitos colaterais. Em pacientes de 35%. O tratamento da ECMV é realizado com ganciclovir,
imunodeprimidos, ou resistentes à nistatina, pode-se lançar 5 mglkg 2 vezes/dia, durante 14 a 21 dias, e, depois, com dose
mão de outros antifúngicos mais potentes, como cetoconazol, de manutenção de 6 mglkgldia, durante 5 a 7 semanas.
que é menos tóxico do que o miconazol, e a anfotericina B. A
dose do cetoconazol é de 200 a 400 mg VO, I vez/dia, por 14 a • Esofagite por herpes simples (EHS)
21 dias. Outro medicamento que tem demonstrado melhores Em 1940, Johnson foi o primeiro a descrever a esofagite cau-
resultados, principalmente em pacientes imunodeprimidos, é sada pelo herpes-vfrus. Na maioria das vezes, a infecção pelo HS
o fluconazol, administrado nas doses de 100 a 200 mg IV ou ocorre em pacientes imunodeprimidos, mas pode acometer in-
VO no primeiro dia, em seguida 100 mg VO por um período dividuas saudáveis. Alguns estudos de necropsias revelaram que
de, no mini mo, três e, no máximo, 8 semanas. Na candidíase o herpes-vfrus simples tipo I (HSV -1) foi encontrado em 0,4%
com sintomas sistêmicos, ou na forma disseminada, ameaçando dos individuas, mas, se fossem portadores de alguma doença
a vida, indica-se a anfotericina B IV, com ou sem fiucitosina maligna, esta incidência aumentaria para 4%. A infecção eso-
VO. Nessa situação, o acometimento esofágico é parte de uma fágica pode ocorrer devido à contaminação da oroíaringe pelo
agressão maior. vfrus ou pela reativação do vfrus já existente no individuo. Os
principais sintomas provocados pela EHS são disfagia, odinofa-
• Esofagitepor outros fungos gia e dor retroestemal, podendo ainda ocorrer febre, náuseas e
Pode-se encontrar, principalmente em pacientes irnunode- vômito. A associação de lesão na cavidade oral pode se dar em
primidos, especialmente com AIDS, a colonização do esôfago até 29% dos pacientes e, mais raramente, podem ser encontra-
por outros fungos além da Candida. Estes podem ser o Toru- das lesões na pele. Alterações esofágicas encontradas em estudo
lopsis glabrata, que se manifesta com a presença de úlceras no radiológico com bário não são específicas, podendo mostrar
esôfago, o Aspergillus sp. que apresenta manifestações clinicas nodulações difusas e pequenas úlceras. A EDA com biopsias é o
e achados endoscópicos semelhantes aos da Candida, e, mais método de escolha para o diagnóstico da EHS (Prancha 12.1 B).
raramente, a mucormicose, a Exophiala jeanse/mei e o Histo- O acometimento do esôfago pode ser segmentar ou difuso. A
plasma capsu/atum. apresentação clássica é a presença de pequenas lesões purpúreas
ou vesiculares, que evoluem para pequenas úlceras superficiais
com fundo enantematoso e halo de hiperernia, e que não aco-
• Esofagite por vírus metem a muscular da mucosa. Também são descritas úlceras
em forma de vulcão, devido ao processo inflamatório marginal.
• Esofagitepor Cytomegalwirus (ECMV) Algumas vezes, as úlceras podem ser confluentes, ocupando
A prevalmcia da infecção pelo Cytomegalcvirus (CMV) na toda a circunferência do esôfago. Complicações como ffstula
população adulta é alta. Esta infecção pode tomar-se sintomá- esofagotraqueal e sangramento acentuado são situações raras.
tica em qualquer momento da vida, principalmente em perío- A atividade da infecção é mais bem demonstrada através da
dos quando ocorre alteração da resposta imune do individuo. O histologia, cujas biopsias devem ser realizadas na borda das
CMV é um dos agentes infecciosos mais comuns que acometem úlceras, pois o epitélio adjacente a elas geralmente está intacto.
pacientes imunodeprirnidos, como transplantados, aqueles em Evidencia-se processo inflamatório agudo ou crônico, fibrina e
uso de quimioterápico ou corticosteroides, mas a maior preva- material necrótico. Em algumas situações, identifica-se invasão
lência se apresenta nos portadores de AIDS. Na patogênese da teci dual por herpes e monllia. A confirmação da infecção vira!
lesão pelo CMV, destaca-se o processo inflamatório, a necrose se dá através da cultura e pela presença das inclusões tipo A de
e lesões do endotélio vascular, ocasionando alterações isquê- Cowdry, além de técnicas imuno-histoqulmicas. A sorologia
micas. Disfagia e odinofagia são os sintomas ma.is frequentes, confirma a infecção aguda. O tratamento pode ser conservador
podendo estar presentes em até 5996 dos casos. Os pacientes em pacientes imunocompetentes, mas nos imunodeprirnidos
podem ainda apresentar vômito, dor abdominal, febre, perda pode ser necessário o uso de drogas antivirais, como o aciclo-
de peso, diarreia e, menos frequentemente, a hemorragia di- vir, 15 mglkgldia, durante 14 a 21 dias, IV. Por via oral, a dose
gestiva alta (HDA) em até 15%. Raramente, a HDA pode ser de deverá ser de 200 a 400 mg, 5 vezes/dia, durante 14 a 21 dias.
grande vulto. A principal forma de apresentação endoscópica da
infecção pelo CMV no esôfago corresponde a lesões ulceradas. • Esofagite pelo vrru.sda imunodefidênda humana (HIV)
Estas podem ser de tamanhos variados, únicas ou múltiplas, Algumas lesões da mucosa esofágica têm sido relacionadas
ocupando preferencialmente o terço médio e distai do esõfa- com o vfrus da irnunodeficiência humana. Merece destaque uma
120 Capftulo 12 I Comprometimento do Esófago por Infecções, Radiação e Agentes Qufmicos

enfermidade febril, aguda, semelhante à mononucleose, que incidência e importância em relação aos outros agentes infec-
ocorre aproximadamente 2 semanas após a exposição ao vírus. ciosos que causam esofagite. Não apresentam grande prevalên-
Os pacientes apresentam sintomas digestivos com náuseas, vô- cia em paciente com AIDS, mas podem ser mais frequentes em
mito e diarreia. Podem, ainda, ter febre, mialgia e rush cutâneo pacientes com doenças hematológicas malignas e diabetes. Os
rnaculopapular. Quando presentes disfagia e odinofagia, o exa- principais sintomas são disfagia e odinofagia, que podem estar
me endoscópico pode evidenciar alterações específicas da eso- acompanhadas de febre. São definidas histopatologicamente
fagite desencadeada por esse vírus. A EDA revela a presença de como a invasão bacteriana específica da mucosa ou de cama-
úlceras profundas, únicas ou múltiplas, pequenas ou grandes, das mais profundas da parede esofágica, na ausência de outros
bem delimitadas, e encontradas mais frequentemente no terço agentes. A EB é descrita com maior frequência em pacientes
médio do órgão. O aspecto das úlceras é semelhante ao do CMV. imunodeprimidos cursando com neutropenia acentuada. Os
As biopsias realizadas na base das úlceras revelam a presença de agentes infecciosos mais frequentemente encontrados são os
HIV RNA em linfócitos e células mononucleares. Outros acha- gram-positivos, como o Streptococcus viridan.s, Staphylococcus
dos à esofagosoopia em pacientes com AIDS são as denominadas aureus, Staphylococcus epidermidis e Bacillus sp. O estrepto-
úlceras idiopáticas, que apresentam o aspecto aftoide, com tama- coco beta-hemolítico do grupo A pode acometer submucosa
nhos variados, bordas bem definidas, sem enantema ou edema, e muscular própria, levando à esofagite esfoliativa. Não existe
geralmente múltiplas, e ocupam preferencialmente o terço mé- uma apresentação endoscópica clássica. Podem ser observadas
dio do esôfago. Vários métodos foram utilizados na tentativa de placas de exsudato, pseudomembrana, eritema, erosões san-
identíficação do agente etiológico específico nessas lesões, sem, grantes, ou, mesmo, conservar a aparência normal da mucosa.
contudo, alcançar esse objetivo. As úlceras esofágicas causadas O tratamento deverá ser individualizado, mas, na maioria das
pelo HIV podem apresentar cura espontânea ou melhora dos vezes, poder-se-á usar ampicilina-sulbactam (1,5 a 3,0 g IV de
sintomas com o uso de sucralfato e corticoterapia. 8 em 8 h) , ou amoxicilina-ácido clavulânico (0,5 a 1,0 g IV de
8 em 8 h), ou ticarcilina-ácido clavulânico (3,1 g IV de 4 em 4
• Esofagite pelo vírus Epstein-Barr (EEBV) ou de 6 em 6 h).
O EBV é um vírus da família Herpes viridae e pode infectar
certos tipos de linfócitos B e células epiteliais, estando relacio-
nado com a leucodisplasia pilosa oral e alguns linfomas, princi-
• Esofagite por protozoários
palmente em pacientes com AIDS. A EDA revela a presença de O achado de esofagite por protozoários é raro, observando-
úlceras profundas, localizadas principalmente no terço médio se publicações de casos isolados na literatura. Em pacientes
do esôfago e de formato linear. A histopatologia revela hiper- com infecção disseminada pelo Pneumocystis carinii, obser-
plasia epitelial e paraqueratose. Pacientes com EEBV apresen- varam-se como alterações endoscópicas do esôfago áreas de
tam, como sintomas clínicos principais, disfagia, odinofagia, exsudato sobre ulcerações superficiais. A infecção do esôfago
dor torácica e emagrecimento. O tratamento é conservador, pelo Cryptosporidium sp, Leishmania sp e por Trypanosoma
com o desaparecimento das lesões espontaneamente. cruzi foi descrita em pacientes com AIDS e com alterações en-
doscópicas inespecíficas.
• Esofagite por micobactérias
A incidência da infecção por Mycobacterium tuberculosis
• Acometimento do esôfago por radiação
vem aumentando nos últimos anos principalmente após a exa- O esôfago sofre frequentemente ação da irradiação durante
cerbação da AIDS. O esôfago é raramente acometido, e este tratamento radioterápico de neoplasia do pulmão, de tumores
envolvimento se faz por contiguidade com os linfonodos me- do mediastino, de tumores torácicos e de cabeça e pescoço. A
diastinais. Por isso, o local de maior acometimento do órgão incidência é menor durante o tratamento radioterápico para
é a porção média, ao nível da carina. Clinicamente, a esofagite metástases de carcinoma de mama e de testículo, de linfomas
tuberculosa (ET) pode manifestar-se com sintomas de disfagia, e de carcinoma primário de células escamosas. O mecanismo
odinofagia, febre persistente, perda de peso, dor torácica, san- de ação da radiação para o tratamento das neoplasias consiste
gramento ou tosse, esta última consequente à formação de fístu- no dano direto ao DNA das células neoplásicas, ou indireto,
la esofagotraqueal, levando a pneumonias de repetição. Poucos através da produção de radicais livres, resultando na morte ce-
casos têm sido descritos em que o esôfago é o foco primário. A lular. A dosagem e a frequência de exposição irão determinar a
apresentação endoscópica da ET pode ser variada, como uma sintomatologia aguda de esofagite, estando estes valores entre
ulceração irregular, ou com ulcerações múltiplas de coloração 2.500 e 6.000 rd. A esofagite actinica (EA) é muito frequente,
acinzentada, com fundo contendo material necrótico. Outra podendo chegar a 100% nos pacientes que receberam 6.000 rd
forma de apresentação é como lesão hipertrófica ou granular ou para tratamento de carcinoma broncogênico. Os sintomas da
como massa subepitelial. A forma ulcerativa é a mais comum, EA aguda são disfagia, odinofagia e dor torácica espontânea.
e todas as formas podem simular lesão neoplásica. Nas formas O início da sintomatologia é após a segunda semana de trata-
mais avançadas, podem ser observadas compressões extrínsecas mento, apresentando melhora com a interrupção da irradia-
e a presença de fistulas esofagotraqueais. As biopsias, realizadas ção. O estudo contrastado do esôfago é considerado normal na
nas bordas das úlceras, revelam granuloma caseoso e a presença maioria das vezes, notando-se apenas alterações na motilida-
do bacilo álcool-ácido-resistente. O tratamento é realizado com de esofágica. A apresentação endoscópica consiste em edema,
tuberculostáticos, e a resposta em pacientes com AIDS é baixa, hiperernia e friabilidade da mucosa, presença de erosões, ou
sendo a doença potencialmente fatal neste grupo. mesmo ulcerações, cobertas por exsudato (Prancha 12.1 C).
A longo prazo, podem ser encontradas alterações vasculares
da mucosa do esôfago. Não são encontradas alterações histo-
• Esofagite bacteriana (EB) lógicas específicas na EA, e as biopsias revelam apenas sinais
As EB são causadas por um número grande de bactérias e inflamatórios agudos e crônicos. A destruição da barreira epi-
raramente são suspeitadas. Por isso, não se sabe qual sua real telial predispõe à infecção oportunista, sendo mais frequente
Capftulo 12 I Comprometimento do Esófago por Infecções, Radiação e Agentes Qufmicos 121

a candidíase. Em algumas situações, o aspecto endoscópico aórtico, por exemplo) ou patológicas, em casos de cardiome-
da EA pode ser indistinguível das esofagites infecciosas. Não galia com aumento do átrio esquerdo; na primeira situação, a
se conhece uma maneira de prevenir as lesões esofágicas agu- impactação é proxirnal, em torno de 22 a 24 em da arcada den-
das secundárias à radioterapia. Tem-se tentado, com algum tária superior (AOS), e, na segunda, aos 30 ou 35 em da AOS.
entusiasmo, a amifostina, mas não há nenhuma conclusão. O Desordens da motilidade, como acalasia e espasmo esofágico
tratamento da EA é apenas de suporte, através de orientações difuso, também podem contribuir para essas lesões. Apesar de
dietéticas, e emprego de anestésicos tópicos a analgésicos. O muitos dos pacientes serem assintomáticos, observam-se odi-
sucralfato pode ser utilizado em pacientes com úlcera esofági- nofagia em 74%, dor retroesternal contínua em 72%, disfagia
ca Não há evidências de benefícios com os bloqueadores H2, em 20% ou a combinação desses sintomas. Durante a entrevista,
ou inibidores de bomba de prótons, na prevenção ou melhora é de fundamental importância uma boa anamnese, incluindo
da EA. Tem sido descrito o uso de bloqueadores dos canais de o questionamento acerca de medicamentos em uso e sua for-
cálcio para a diminuição do espasmo esofágico. O tratamento ma de administração. Dentre os exames complementares, o
recomendado para as estenoses de esõfago após radioterapia é exame radiológico contrastado do esôfago tem valor limitado,
a dilatação, levando à melhora da disfagia. Utilizam -se sondas evidenciando estenoses ou ulcerações em localizações atípicas.
de dilatação de Savary-Muller, que são guiadas por um fio me- O exame de eleição, e que permite diagnóstico e documentação
tálico, passado sob controle endoscópico, e posicionando sua dos achados, é o endoscópico. Os achados macroscópicos são
extremidade distai no estômago. Nos casos de tumores primá- variados: áreas focais de edema e enantema, erosões recobertas
rios, quando não ocorre resposta às dilatações, pode-se avaliar por fibrina e até ulcerações em paredes opostas do tipo kissing.
a possibilidade de colocação de endopróteses. A complicação Raramente, são encontrados segmentos estenosados ou obstru-
mais temida das dilatações são as perfurações, que, de acordo ção inflamatória por agressão crônica. Nestes casos, é imperati-
com estudos da literatura, estão entre 0,9 e 16%. Por isso, o cui- vo estabelecer-se o diagnóstico diferencial com lesões neoplási-
dado deve ser maior, evitando-se forçar uma sonda de maior cas por meio de biopsias e estudo histopatológico. São também
calibre. A radioscopia pode ser de grande auxílio na colocação complicações raras a hemorragia e a perfuração. O tratamento
dessas sondas. Existe ainda relato de benefício com o uso de consiste na interrupção do uso da medicação e/ou na alteração
corticosteroide intralesional após as dilatações, para os casos do modo de sua administração, usando formulações líquidas,
refratários, mas faltam estudos controlados e com maior casuís- diluindo o conteúdo de cápsulas ou triturando comprimidos,
tica para confirmação de sua eficácia. aconselhando um bom volume de água ao tomar comprimidos
e similares. A supressão ácida é útil como adjuvante. Sobretudo
em pacientes acamados, deve-se ter o cuidado de administrar
• Esofagite por agentes químicos a medicação com maior volume de líquido e nunca com o do-
ente completamente deitado. Caso se caracterize uma estenose,
• Esofagite medicamentosa poderá estar indicada dilatação endoscópica.
Um grande número de drogas tem sido descritas como cau-
sadoras de lesões esofágicas, apesar de as publicações provavel-
mente subestimarem estes números. Embora as lesões possam • Esofagite por cáusticos (EC)
ocorrer por efeito sistêmico da medicação, o contato direto da As lesões esofágicas causadas pela ingestão de agentes cáus-
substância com a mucosa esofágica é o principal fator de agres- ticos de forma acidental ou como tentativa de autoexterrnínio
são. Cápsulas e comprimidos de determinadas drogas levam à vêm ocorrendo há mais de 200 anos. A incidência diminuiu
lesão da mucosa esofágica ao se dissolverem e permanecerem principalmente nos países desenvolvidos pelas medidas de se-
em contato com a mucosa por período prolongado. Dentre as gurança adotadas pelos governos por meio de fiscalização da
drogas descritas, estão os antimicrobianos, doxicidina, tetraci- forma de comercialização desses produtos, sua concentração e
clina e clindamicina. Outras comumente apontadas são ácido uso de embalagens com tampas de segurança, sendo estas me-
acetilsalicilico, cloreto de potássio, sulfato ferroso, ácido ascór- didas fundamentais para o grupo etário infantil. O primeiro
bico, quinidina e vários agentes anti-inflamatórios esteroides e país a se preocupar com esses acidentes foram os EUA, em
não esteroides (AINE). O alendronato de sódio (Prancha 12.1 1927, tendo o governo adotado uma lei federal para os produ-
0), usado no tratamento e prevenção de doenças metabóli- tos cáusticos. Esta foi idealizada por Chevalier Jackson, consi-
cas ósseas, tem indubitável associação com lesões esofágicas derado um dos pais da endoscopia. Atualmente, nos pa.!ses em
(erosões e úlceras nos terços médio e inferior e estenoses), po- desenvolvimento, apesar de não termos uma estatística oficial,
dendo causar lesões gástricas semelhantes àquelas provocadas estes acidentes ainda são frequentes. Tem-se observado que a
por AINE. As doenças esofágicas têm maior prevalência na cada dia eles estão mais graves devido ao aumento da concen-
população idosa e se manifestam por sintomas variados, como tração de ácidos ou álcalis nos produtos de limpeza doméstica,
dor torácica, disfagia e queimação retroesternal. Em função da na tentativa das indústrias em mostrar que seu produto é mais
maior utilização de medicamentos nessa faixa etária, a exacer- eficiente. Em alguns países, ainda se cultiva o hábito da produ-
bação de queixas esofágicas preexistentes poderá estar associada ção artesanal de sabão domiciliar, com a utilização de soda
à esofagite induzida por drogas. O fato, muitas vezes notado, cáustica (NaOH) para saponificar gorduras animais. Após a
de a medicação ser administrada com pequena quantidade de produção do sabão, o corrosivo é armazenado de forma inade-
líquido e a posição de decúbito dorsal assumida pelo paciente quada, na maioria das vezes em recipientes de refrigerantes,
logo após a ingestão relacionam-se com a indução das lesões. que ficam ao alcance das crianças, que o ingerem acidental-
Correlacionam-se também à maior chance de lesões caracte- mente. Estes fatos levam as vítimas a tratamentos que duram
rísticas individuais do medicamento, como o grande tamanho anos, com dilatações de estenoses de esõfago periodicamente,
de alguns, o formato arredondado e plano de outros, a baixa tirando adultos do mercado de trabalho, crianças das escolas,
densidade e a rápida solubilidade e, sem dúvida, suas proprie- além do elevado custo de tratamento para as empresas privadas
dades quúnicas. Aspectos anatômicos do esõfago devem ser de seguro saúde e para o sistema público de saúde, principal-
ressaltados, como as compressões esofágicas fisiológicas (arco mente (Prancha 12.1 E). Tem-se discutido muito sobre a pato-
122 Capftulo 12 I Comp rometimento do Esófago por Infecções, Radiação e Agentes Qufmicos

gênese das lesões provocadas pelos cáusticos. Podem-se dividir ocorr e com os produtos alcalinos. Os tecidos conectivos da
os produtos que levam a maior dano em dois grandes grupos: sub mucosa degeneram e são infiltrados por linfócitos; as fibras
os ácidos fortes e as bases fortes. Os ácidos provocam necrose musculares são acometidas de formas variadas., necrosando
por coagulação, e as bases, necrose por liquefação. A necrose por quando ocorre o acometimento de toda a parede. Entre o se-
liquefação acomete a parede do órgão de um lado ao outro, gundo e o quarto dia, há regressão da neoformação vascular e
sendo profunda e extensa. A necrose por coagulação leva à for- da migração de fibroblastos. Entre o quarto e o sétimo dia,
mação de uma camada coagulada, que, de certa forma, age ocorre a conclusão da escara necrótica, com regressão do pro-
como proteção da área lesada, limitando a extensão da lesão. cesso de cicatrização precoce ou granulação. Os riscos de per-
Mesmo assim, pode acometer toda a parede do órgão. Existem furação são maiores nesse período. Até o final da segunda se-
algumas variáveis que dificultam uma avaliação prognóstica, mana, as áreas acometidas são cobertas por tecido de
baseada apenas nos dados clínicos. Entre elas, estão a quanti- granulação e inicia-se a fase de cicatrização. O processo de re-
dade do produto ingerido, a sua forma de apresentação, líqui- epitelização ocorre no decorrer das próximas 4 semanas, e a
da ou sólida, a sua concentração, o tempo de contato do cor- deposição de colágeno pelos fibroblastos é responsável pela
rosivo com a mucosa do trato gastrintestinal, a presença de cicatrização. O processo de retração cicatricial continua por
alimentos no estômago após a ingestão, medidas tomadas após meses e, frequentemente, resulta em estenose. Estes podem
o acidente, como estimulo de vômito, e o acometimento das variar de discreta sintomatologia, com apenas dor na cavidade
vias respiratórias pelo corrosivo através de sua aspiração. Os oral, até quadros de toxemia generalizada com sinais de perfu-
acidentes provocados pela forma de apresentação sólida acar- ração visceral. O quadro clínico da esofagite causada por estes
retam um maior número de lesões em orofaringe e supraglote. agentes pode ser dividido em três etapas distintas. A primeira
Pela limitação natural à ingestão de grandes quantidades, de- etapa, ou fase aguda, vai desde a ingestão do produto até o de-
sencadeiam lesões de menor gravidade. Por outro lado, as for- saparecimento dos sintomas inflamatórios. Caracteriza-se pela
mas liquidas, por não apresentarem odor ou sabor, proporcio- presença de lesões na cavidade oral, como edema e hiperemia
nam ingestão de um maior volume, resultando em lesões com de mucosa, presença de ulcerações com exsudato purulento,
maior gravidade. Essas substâncias ainda podem causar lesões que se traduzem em dor local, disfagia, salivação abundante e
mais extensas e em toda a circunferência do esôfago, pelo seu halitose. A hemorragia digestiva alta, manifestada sob forma
total contato com a superfície luminal do órgão. O estômago é de hematêmese, geralmente é de leve intensidade, mas, em cer-
acometido em apenas 20% de todas as ingestões de substâncias tas ocasiões, pode ser maciça pela penetração das úlceras em
alcalinas. A concentração dos produtos cáusticos é importante vasos esofágicos ou gástricos mais calibrosos, ou ainda pelo
fator de prognóstico e gravidade da lesão. No Brasil, os produ- estabelecimento de uma fístula aortoesofágica. Quando a quei-
tos são comercializados na concentração de 20 a 40%. Estudos madura atinge a glote, podem-se observar sintomas respirató-
mostraram que uma breve exposição, de 10 segundos, de NaOH rios, como respiração ruidosa, e, em caso de aspiração, a evo-
dilu.í da a 3,8% pode lesar a mucosa e a submucosa. A concen- lução para broncopneumonia. Em casos de queimaduras
tração deste produto a 10% pode lesar as camadas musculares acentuadas do esôfago, pode estar presente a dor retroesternal.
do esôfago. Lesões transmurais ocorrem em poucos segundos Nos casos mais graves, podem ser observadas alterações sistê-
de exposição a NaOH a 22,5%. O estímulo do vômito após a micas como febre, desidratação, taquicardia, taquipneia, hipo-
ingestão do corrosivo é fator importante de agravamento da tensão e choque séptico. Uma segunda fase, descrita por alguns
lesão esofágica. Pacientes e familiares adotam essa medida na autores como de cura aparente, inicia-se após o desprendimen-
tentativa de que, expulsando o produto do organismo, atenu- to do tecido necrótico, permitindo ao paciente a ingestão de
ariam a lesão. Com o vômito, o agente cáustico entra novamen- líquidos e alimentos pastosos. Neste período, a dor desaparece,
te em contato com a mucosa esofágica, provocando nova ex- e esta fase é compreendida entre 4 e 8 semanas. Nela, muitos
posição do órgão ao agente agressor, aumentando o tempo de pacientes, e mesmo alguns médicos, consideram que o pacien-
exposição e, consequentemente, maior queimadura. As solu- te está curado. A terceira e última etapa consiste na formação
ções ácidas, como o ácido muriático, utilizadas para limpeza da estenose cicatricial. A disfagia volta a aparecer, torna-se pro-
de superfícies metálicas são responsáveis por um número me- gressiva, acompanhada de regurgitações e emagrecimento. To-
nor de acidentes. Esta menor prevalência pode estar relaciona- das as vítimas de acidentes cáusticos, que apresentem qualquer
da com o menor número de produtos de limpeza com essas sinal ou sintoma de lesão, devem ser submetidas à endoscopia
substâncias, em relação às bases, e com o gosto desagradável e digestiva alta. Alguns autores defendem a não realização do
odor acentuado desses compostos. Os ácidos são mais frequen- exame em pacientes assintomáticos e sem evidência de lesão
temente associados a lesões gástricas, pois o esôfago apresenta superficial em orofaringe. ~ importante lembrar que em 20%
fatores de proteção, como a necrose por coagulação e a habili- dos pacientes sem lesão de orofaringe pode estar presente a
dade do epitélio escamoso estratificado em resistir aos ácidos. lesão de esôfago, e que há uma pobre correlação entre a sinto-
Outros agentes disponíveis no comércio podem ser potencial- matologia e as queimaduras parciais, que podem resultar em
mente perigosos. Entre eles, estão alvejantes domésticos, pinhas estenose, sendo este um legítimo argumento para a realização
alcalinas tipo "botão" que contêm hidróxido de sódio ou po- de endoscopia em todos os casos. Outros autores alegam que,
tássio em concentrações que variam de 26 a 45%, limpadores se estes pacientes residem em países em desenvolvimento onde
e desinfetantes que contêm feno!, agentes cosméticos usados não existe controle de segurança na comercialização destes pro-
para alisar cabelos, amônia e detergentes iônicos. Dentro da dutos, a endoscopia deve ser sempre realizada. O exame endos-
fisiopatologia das lesões provocadas pelos cáusticos, alguns as- cópico é o método propedêutico indicado na fase aguda da
pectos evolutivos devem ser de conhecimento dos profissionais esofagite química, por fornecer as características das lesões e
que atenderão esses pacientes. A ação do cáustico no trato di- permitir definição de grupos de risco para necrose e estenose.
gestivo ocorre nos dois primeiros dias após a ingestão. Uma A endoscopia não deve ser realizada muito precocemente, an-
intensa reação inflamatória provocando eritema e edema das tes de 12 h do acidente, pois pode-se subestimar a alteração
camadas superficiais, evoluindo com trombose vascular, infil- devido à ação de o corrosivo persistir por mais tempo, deven-
tração bacteriana, morte celular e saponificação gordurosa, do ser realizada entre 24 e 48 h depois da ingestão do produto.
Capftulo 12 I Comprometimento do Esófago por Infecções, Radiação e Agentes Qufmicos 123

Até há alguns anos, a endoscopia realizada na fase aguda era do uso de agentes pró-cinéticos, inibidores da secreção ácida
temida devido aos riscos de perfuração visceral. Com o desen- do estômago nem do sucralfato, que são empregados em mui-
volvimento dos equipamentos, o uso de drogas anestésicas e tos serviços com a justificativa de melhorar a sintomatologia
técnicas endoscópicas mais sofisticadas, o procedimento é con- do paciente. Algumas complicações podem ocorrer nos pr i-
siderado muito seguro. Apesar de alguns autores contraindi- meiros dias após o acidente, dentre elas o acometimento das
carem a endoscopia após 48 h do acidente, pelo risco maior de vias respiratórias, provocando obstrução à passagem de ar,
perfuração, a maioria concorda que a definição do exame en- quando localizadas na laringe, e a ocorrência de pneumonia
dosc6pico levará a maior benefício. Os estudos realizados por bacteriana nos casos de aspiração. Uma das complicações mais
Zargar et a/. (1989) permitiram relacionar os graus de lesões à temidas é a lesão completa do órgão com ou sem perfuração,
possibilidade de evolução com estenose e/ou perfuração do que necessita de intervenção cirúrgica agressiva. A perfuração
esôfago. Segundo o autor, grau Oseria o exame normal; grau 1, do esôfago pode ocorrer a qualquer tempo durante as primei-
edema e hiperemia de mucosa; grau 2A, ulcerações superficiais, ras 2 semanas do acidente, podendo ser abordada de forma
erosões, friabilidade, bolhas, exsudato e hemorragia; grau 2B conservadora em algumas situações, mas na maioria requer
seria o grau 2A acrescido de ulcerações pouco profundas ou tratamento cirúrgico e o emprego de nutrição parenteral. O
circunferenciais, e grau 3, múltiplas ulcerações profundas e tratamento na fase tardia consiste em dilatações das estenoses,
extensas áreas de necrose. Foi observado em pacientes com correções cirúrgicas e, mais recentemente, tem-se descrito a
queimaduras de graus O, 1 e 2A, que não progrediam para es- colocação de endopróteses autoexpansivas e removíveis (Pran-
tenose. Já os pacientes com graus de queimadura 2B e 3 apre- cha 12.1 F e G). As dilatações endoscópicas estão indicadas em
sentaram alta probabilidade de evolução para estenose ou per- casos de disfagia, assim como na situação em que a dificuldade
furação do órgão, principalmente quando ocorriam lacerações do trânsito alimentar através do esôfago ocasiona broncoaspi-
profundas de coloração enegrecida, que correlacionaram com ração, principalmente no período noturno. A repetição dos
necrose transmural e possibilidade de perfuração iminente ou procedimentos de dilatação deve ser baseada na avaliação mé-
presente. Alguns estudos recentes têm demonstrado maior acu- dica, na satisfação do paciente com sua deglutição, em seu es-
rácia na avaliação das lesões agudas através da ecoendoscopia. tado nutricional e, em crianças, de acordo com a ingestão de
Este procedimento tem se mostrado eficaz na definição da pro- tipos de alimentos preconizados para cada faixa etária. Cada
fundidade das lesões, sendo capaz de prever com maior sensi- estenose apresenta características próprias, necessitando de
bilidade uma possível evolução para estenose, mas é um exame estudo cuidadoso antes do início do tratamento. Deve-se ava-
de custo elevado e pouco disponível no nosso meio. Na fase liar a história clínica do paciente, seu estado nutricional e o
tardia, o aspecto endoscópico não segue uma classificação ri- estudo radiológico contrastado. Este último torna-se extrema-
gorosa, porém deve obedecer a uma orientação clássica de aná- mente importante nas estenoses por cáusticos, pois elas podem
lise do calibre, trajeto e distensibilidade das paredes do órgão, acometer mais de um segmento do esôfago, informação esta
além das características do anel estenótico, extensão, diâmetro, importante no cuidado durante a passagem do fio que guiará
consistência e lesões associadas. A abordagem terapêutica pode as sondas de dilatação. Todos os pacientes a serem submetidos
ser específica para a fase aguda da esofagite cáustica e para a à dilatação devem ser sedados de forma habitual, tomando-se
fase tardia, em que a dilatação das estenoses esofágicas com o cuidado para que a sedação não seja muito profunda, a fim
auxílio da endoscopia é o procedimento mais utilizado. Na re- de permitir a comunicação entre o endoscopista e o paciente,
fratariedade às dilatações, a correção cirúrgica é indicada. Jun- no sentido de avaliação da dor desencadeada pelo procedimen-
to com as medidas iniciais, deve-se obter o maior número de to. Nas cr ianças, as dilatações, na grande maioria das vezes, são
informações a respeito da substância e da quantidade in gerida. realizadas sob anestesia geral. Os dilatadores mais empregados
Exames complementares devem ser solicitados somente nas atualmente são os termoplásticos de Savary-Gilliard e similares.
formas graves, em que ocor rem distúrbios hidreletrolíticos, São de material plástico especial semirrígido de polivinil, do-
acidobásicos e infecciosos. Radiografias de tórax e abdome de- tado de um canal coaxial por onde passa o fio-guia de aço. Este
vem ser solicitadas na suspeita de perfuração víscera!, e estudo sistema é composto de dilatadores com pontas atiladas e diâ-
contrastado não deve ser realizado na fase inicial. As condutas metro externo que varia de 15 a 60 Fr. Por serem radiopacos,
imediatas, como em outras emergências, baseiam-se em asse- esses dlatadores podem ser empregados com auxílio da radios-
gurar e manter vias respiratórias pérvias, os sinais vitais, cor- copia, especialmente nas estenoses complexas, que também
reção de distúrbios hidreletrolíticos e atenuação da dor. Devem- apresentam dificuldades na passagem do fio-guia a se.r posicio-
se lavar com água fria a face e a boca para a retirada de qualquer nado no estômago. Dilatadores metálicos foram empregados
partícula de cáustico residual. A lavagem gástrica e o uso de durante muitos anos; entre eles, destacam-se os de Eder Pues-
produtos neutralizantes devem ser desincentivados devido ao tow, que são compostos de ogivas metálicas de diâmetros que
risco de complicações como vômito, aspiração e a provocação variam de 21 a 53 Fr. Elas são interpostas em uma haste metá-
de reação com liberação de calor, podendo danificar tecidos lica com uma ponta flexível de mola. Seu funcionamento é se-
subjacentes. O uso de corticoterapia sistêmica nessa fase é con- melhante aos dilatadores de Savary-Gilliard, guiados por um
troverso, embora alguns autores o indiquem, principalmente fio metálico. Em algumas situações especiais, como em esteno-
quando existe o acometimento das vias respiratórias. O uso de ses muito rígidas e naquelas em que se deseja progredir o diâ-
antibioticoterapia é reservado para os casos em que esteja con- metro da dilatação mais lentamente, os dilatadores de Eder
firmada infecção bacteriana secundária. A passagem de sonda Puestow ainda são empregados. Os dilatadores de Tucker tam-
gástrica também é controversa. Alguns autores acham obriga- bém são reservados para situações especiais. São dilatadores de
tório esse procedimento nos casos graves, com grau 2B ou 3 de borracha que apresentam as duas extremidades atiladas com
Zargar, com o objetivo imediato de impedir a distensão gástri- um fio de seda fixado nestas. Reservado também para as este-
ca, além de possibilitar a realimentação precoce, principalmen- noses multissegmentares em que existe dificuldade na passagem
te em crianças. O uso da sonda para a prevenção de estenose do fio-guia. Outra vantagem desses dilatadores é que eles po-
já foi muito discutido, mas nenhum estudo comprovou a sua dem ser passados de forma anterógrada ou retrógrada. A des-
eficácia. Não existem estudos controlados mostrando beneficio vantagem é que se necessita de gastrostomia, por onde passa o
124 Capftulo 12 I Comprometimento do Esófago por Infecções, Radiação e Agentes Qufmicos

A B

c o

G
Prancha 12.1 Lesões do esôfago causadas por infecção, radiação e substãncias químicas. (Estas figuras encontram-se reproduzidas em cores
no Encarte.)
A. Esofagite por monOia.
B. Esofagite herpética.
c. Esofagite actínica.
O. Esofagite por alendronato.
E. Queimadura por cáustico.
F. Prótese esofágica.
G. Criança de 7 anos de idade, portadora de estenose cáustica do esôfago, sem melhora após 3 anos de tratamento por dilatação. Colo-
cou-se esta prótese, que foi mantida por 4 meses. Ainda sob observação. porém não mais necessitando de dilatação.
Capftufo 12 I Comprometimento do Es6fago por Infecções, Radlaçdo e Agentes Qufm/cos 125

fio de seda que será fixado aos dilatadores para a sua condução. Weíss, síndrome de Boerhaave e outras afecçô<s raras. Em: Castro, lP &
Coelho, LGV. Gastrenterologia. Medsl Editora Mldica e Cientl6ca Ltda.,
Dilatadores tipo balão, pneumáticos ou hidrostáticos, foram
Rio de Janeiro, 2004.
desenvolvidos com base no princípio da aplicação exclusiva da Andrm, L & Theander, G. Roentgenograpltic ap~arances of esopltageal monili-
força radial, visando a mesma eficiência e segurança obtidas asis. Acta Radlol, 1956; 46:571-4.
pelos citados anteriormente. Os balões são confeccionados de Arora, AS & Murray, JA.Iat.rogen1c esophagltis. Curr Gasrrotntcol Füp, 2000;
material derivado do poliuretano, apresentando boa distensi- 2-.224-9.
Baher, PH & Mc.Donald, GB. Elophageallnfeetlon: risk factors, ptaentaúon,
bilidade e resistência. Estão disponlveis em vários diâmetros e
diagnosis and treatment. GastJWt~kn>logy, 1994; 106:509-32.
comprimentos, e são acoplados a manômetros que quantificam Bauer, OC, Blaclc, O, Ensured, K <1 ai. Up~r gastrlntestlnal trac:t safety protile
a pressão desejada. Eles são introduzidos pelo canal de trabalho of almdronate: the fncture íntuvention trial Arch Intentai Med, 2000;
dos endosc:ópios, sendo posslvel a visualização direta pelo en- 160:517-25.
doscopista durante o procedimento. Não existem estudos de- Bhutani, MS. Usman, N, Sbenuy, V a al. Endosc:opic ultrasound miniprobe-
guided stuoid lnjc:ctlon for treatment of rd'ractory eoophageal stric:tur<s.
monstrando maior segurança e eficácia desses dilatadores. Deve
Endosa>py. 1997; 29:757-9.
ainda ser salientado o elevado custo desses balões no nosso Broto, J, A.ru:nsio, M, V~met, JMG. Rtsults o( a new technlque l.n the treat-
meio, e a sua utilização, praticamente única, lembrando que as ment of severe esophageal stenosis in chUdren: poUflex stenu. I Ptdlatr
estenoses cáusticas necessitam de inúmeras dilatações. Alguns Gasrrotttrerol Nutr, 2003; 37:203-6.
estudos demonstraram o beneficio do uso de corticosteroide Eras, P, Goldsteín, MJ, Sherlock, P. Candida Wectlon of the gastrintestinal traCL
intralesional após as dilatações. Sua ação estaria na inibição da Medicine, 1972; 51:367-79.
Ertekín, C, Alimoglu, O, Akyildlz, H t1 ai. The resulu of caustlc ingestlon.
slnte.se de colágeno. Especialmente nas estenoses cáusticas, ne- Hepatogastroenterology, 2004; 51: 1397-400.
cessita-se de estudos controlados e com maior número de casos Galvào-Aives, J & Braga, OC. Esofagite infecciosa. Em: Galvio-Aives, I & Oani,
para avaliarmos sua real eficácia. Estudos mais recentes utili- R. Tera~utica em Gastrenterologia. Guanabara Koogan, Rio de janeiro,
zaram a ecoendoscopia com miniprobe para direcionar o local 2005.
da injeção. Outra alternativa de tratamento das estenoses cáus- Graham, OY & Malaty, HM. Alendronate gastríc ulcers. Aliment Pharmacol
7Mr,1999; 13:515-9.
ticas de esôfago seriam as endopróteses. Estudo recente de- Griga, T, Duchna, Hw, Orth, Mera/. Tuberculous lnvolvement ofthe oesopha-
monstrou resultados encorajadores com a colocação de próte- gus with oesophagobroncheal fistula. Dfg Lfver Dfs, 2002; 34:528-31.
ses autoe.xpansivas e removíveis em crianças. Das 1O crianças Gwnasekaran, TS & Namachlvayan, N. Olfficult esophagcal striclUres: Role of
que participaram daquele estudo, cinco delas tiveram a reso- endoscopic appUcatlon of toplcal Mltomyc:ln. Gastrlntestlnal Endoscopy,
lução da estenose em um perlodo de acompanhamento de 4 a 2005; 61 AB 307.
Hamza, AF, Abdelhay, S, Sherif, H <1 ai. Cau.stlc esophageal strictures in chil-
19 meses. Em três pacientes, foram recolocadas as próteses, e dren: 30 years cxpcrience. I Ped Surg, 2003; 38:828-33.
dois estavam em observação após elas serem retiradas. O tem- Hirota, S, Tsujino. K, Hi.shikawa, Y <1 ai. EndOKOpic f111dings of radlatlon
po de permanência das próteses variou de 20 a 133 dias, com esophagitis in concurrent chemoradlotherapy for lntrathoracic malignan-
boa tolerãncia por todas as crianças. Outros estudos, contudo, cies.R.Idioth<r Oncol. 2001; 58:273-S.
não conseguiram demonstrar estes resultados. Estudos com- Huang, YC. Ni, YH, Lai, HS, Chang, MH. Corrosivo esophagltis in children.
Pediatr Surg lnl, 2004; ».207· 1O.
plementares, e com maior tempo de seguimento, poderão de- ltoh, T, Takahashi, T, KllSUa, K <1 al. Herp« simples esophagitls from 1307
finir melhor esta nova modalidade terapêutica. Alguns relatos autopsyeases. Gastromtcol H<ptúol, 2003; 18:1407-1 t.
de casos têm sido publicados com o uso tópico da mitomicina Jaspersen, O. Drug-induud oesophagul dlsorders: pathogenuis, incidmce,
após a dilatação. Este medicamento impediria a proliferação prevention and management. Drug Saf, 2000; 22:237-49.
da formação cicatricial diminuindo a frequência da reestenose. Kamijo. Y, Kodo, I, Kokuto, M ti oL Mlnlprobe ultrasonosraphy for dettrminíng
prognosis in corroslve esophasitis. Am I Gasrrotntcol, 2004; 9-.851-4.
Quando todas as alternativas endoscópicas de tratamento das
Kantrowin, PA, Fleischli, DJ, Butkr, WT. Sucoessful treatment of c:hronic
estenoses de esôfago falharam, cabe o tratamento cirúrgico. Em esophageal monillasis with a vücus su.spenslon of nystatl.n. Gasrrotntnol-
épocas passadas, muitos autores consideravam que a melhor ogy. 1969; 57:424-30.
forma de tratamento inicial desses casos era a cirurgia. Atual- KikendaU, JW: Pill esophagitls. 1 Clln Gasrrotntcol, 1999; 28:298-305.
mente, considera-se que se deve fazer o maior esforço para Kodsi, BE, Wtdcremesin8ht. C. Kozlnn, PJ et al. Candlds esophagitls: A pros-
pectt've srudyof27 eues. Gasrrotntcology, 1976; 71:715-9.
obter a reparação do esôfago através das dilatações. Mas alguns
Konda, K. Kumek, K. Yoshikawa, I tt ai. Cytomegalovirus esophagitls with
autores consideram que, se o paciente necessita de dilatações masslve up~r-G1 hemorrbage. Gasrrolnresr Elldou:, 2004; 59:741-3.
em intervalos menores que 21 dias após 3 meses de tratamen- Kotanidou, A, Adrianakis, I, Mavroummatis, A ti ai. Mediastlnal mass with
to, deveria ser candidato a esofagocoloplastia. Outros conside- dysphagia in an elderly patlent.ln/ealon, 2003; 31:178-80.
ram que este tempo seria acima de 1 ano. Aproximadamente Laine, L, Oretler, RH, Conteas, CN a al. Fluconazol compill"ed with cetoconazol
for lhe treatment ofCandida esophagilis in AIOS. A randomized trlal. Ann
15% de todos os pacientes tratados irão apresentar estenose
lnU:rn Med, 1992; 117:655-60.
refratária a todos os tipos de terapia. Além disso, deve-se ana- Mosímann, F, Cuenoud, PF, Steinhauslin, F, Wauters JP. Herpes simples eso-
lisar à parte o grupo de pacientes pediátricos, pois o resultado phagit.is after renal transplantatlon. Thlnspl, 1994; 7:79-82.
cirúrgico a longo prazo das crianças difere daquele dos pacien- Mulhal, BP, Nelson, B, Rogers, L. Wong, RK. Herpetlc esophaglt.is and lntrac-
tes adultos. Cuidados tardios devem ser lembrados para os pa- table hiccups (singultus) in an lmmunocom~tent patlent. Gastrolntest
cientes que em algum perlodo da vida apresentaram queima- Endosc, 2003; 57:796-7.
Ouatu-Lascar, R & Triadafilopoulos, G. Oesophageal mucosal dlseases In the
dura do esôfago por corrosivos. Após 20 anos do acidente, os elderly. Drugs Aging,1998; 2:161 -76.
pacientes devem submeter-se a EDA com cromoscopia com Pazin, Gj. Herpes simples c10phagitis after t.rlgemlnal nerve surgcry. Gasrro-
lugol e estudo citológico e anatomopatológico de biopsias da enterology,1978; 74:741-3.
área fibrótica, objetivando a detecção precoce de câncer nesse Pennuio, M, Arrigoni, A, Spadn, M ti ai. Endoscopy to deteet oral and oe-
grupo de risco. sopbageal candidiasis in acquired immune de6c:lmcy syndrome.!raJ I Gas-
rrotnterol, 1992; 24:324-7.
Porro, GB, Parente, F, Cernuschi, M. lhe diagnosls of esophageal candidiasis in
pacienu with acqulred trnmune de6clency syndrome: ls endOKOpy always
• LEITURA RECOMENDADA n~1 Am 1 Gastroontm>/, 1989; 84:143-6.
Ramanathan, J, Rammolni, M, Baran Jr, J Khatlb, R. Her~s simples vlrus eso-
Albuquerque, W & Pooclndll, CS. Outns afecções do esôfago: corpo <Stra· phagitis in the tmmuoocompetent host an overvlew. Am I G4Srrottttcol,
nbo. doençu slstbnlcas, mediammtos, hematomas, síndrome de Mallory- 2000; 95:2171-6.
126 Capftulo 12 I Comprometimento do Esófago por Infecções, Radiação e Agentes Qufmicos

Rongkavilit, C. El-Baba, MF, Pouli.k, ), Asmar, BI. Herpes simples virus type Wilcox, CM, Rodgcrs, W. Lazcnby, A. Prospectivo comparison ofbrush cytol-
1 esophagitis in an immunocompetent adolescent Dig Dis Sei, 2004; ogy, vira! culturc, and histology for lhe diagnosis of ulcerative csophagitis
49:774-7. in AIDS. Clin Castroenterol Hepawl, 2004; 2:564-7.
Sakai, P, lshioka, S, Filho, FM. Tratado de Endoseopia Digestiva Diagnóstica e WUcox, CM & Schwartz. DA. Endoscopic cbaracteriz.ation ofidiopalhic esopha-
Terapêutica, volume I, Esôfago. Editora Alheneu, São Paulo, 2000. geal ulccration associatcd with human immunodeficicncy virus infection.
Sheft, 0), Shrago, G. Esophageal moniliasis. The spectrum of lhe disease. I Clin Gastroenterol, 1993; 16:251-6.
/AMA,I970; 213:1859-62. Wilcox, CM, Straub, RF, Scbwartz, DA. Prospecth·e endoscopic cbaracteriz.ation of
Silva, MGD & Milward, G. Endoscopia Pediátrica. Editora Guanabara Koogan, cytomegalovirus esophagitis in AIDS. GastrointetJ. Endosc., 1994; 40:481-4.
Rio de Janeiro, 2004. Zarnbrano, M, Sakai, P, lshioka, 5 et a/. Afecdones esofágicas em pacientes com
Sivak Jr MV, Gastroenterologlc Endoscopy, 2.• editlon, W.B. Saunders, Phila- SIDA. Castroenterol LAtlnoam, 1993; 4:28-36.
delphia, 1999. Zambrano, M, Sakai, P, Ishioka, S et ai. Associação de carcinoma de esôfago e
SoU, AH & McCarlhy, D. NSAID-related gastrintestinal complications. Clin esofagite herpética em paciente infectado pelo vírus da imunodeficiéncia
Cornerstone, 1999; 1:42-56. humana. CED 1994; 13:79-80.
Underwood, JA, Williams, JW, Keate, RF. Clinieal finding and risk factors for Zaidl, AS & Cervia, )S. Díagnosis and management of infectious esophagitis
Candida esophagitis in outpaticnts. Dls Esophagus, 2003; 16:66-9. associated wilh human immunodeficiency virus infection. f Int Assoe Physi-
WUcox, CM. A technique to examine lhe underlying mucosa in patients cians AIDS Care (Chie lU), 2002; 1:53-62.
wilh AIDS and severe Candida esopbagitis. Gastrointest Endosc, 1995; Zargar, SA, Kochhar, R. Nagi, B et a/. lngestion of corrosive acids. Gastroen-
42:360-3. terology, 1989; 97:702-7.
13 Corpos Estranhos, Perfurações,
Hérnias Diafragmáticas, Síndrome
de Boerhaave, Lesões Causadas
por Comprimidos e Síndrome
de Mallory-Weiss
David Corrêa Alves de Lima, Si/as de Castro Carvalho, Rodrigo Macedo Rosa
e Luiz Ronaldo Alberti

• CORPOS ESTRANHOS NO ESOFAGO • Diagnóstico econduta


A ingestão de corpos estranhos (CE) e a impactação alimen- A história clfnica e a sintomatologia são de fundamental
tar no esôfago são muito comuns na prática clínica. importância para se estabelecer a conduta. Em alguns casos,
O esôfago, por sua estrutura tubular e localização anatô- podem-se dispensar exames sofisticados para se traçar uma
conduta adequada quando se tem uma anamnese detalhada.
mica, é alvo constante de passagem de elementos estranhos
O médico assistente certamente deverá lidar com um grau de
ao tubo digestório, que não os alimentos. A impactação é
ansiedade muito grande, por parte do paciente e de seus fa-
rara em face da grande incidência de ingestão. Cerca de 80 96
miliares. A postura a ser tomada deverá ser de tranquilidade,
dos CE ingeridos passam pelo tubo digestório liVTemente sem
sempre discutindo e explicando as condutas. Na maioria das
causar danos. Entretanto, lO a 2096 deles necessitarão de in- vezes, o paciente informa o tipo de CE ingerido e o tempo de
tervenções endoscópicas e procedimentos cirúrgicos serão sua ingestão. Em algumas situações, o médico não pode contar
realizados em menos de I 96 dos casos. Pessoas de todas as com esses dados. ê o caso dos pacientes psiquiátricos, das crian-
idades ingerem acidentalmente CE, mas crianças, idosos. alco- ças, dos pacientes com doenças neurológicas e os alcoolistas.
olistas, pacientes com distúrbios neurológicos e psiquiátricos Importante investigar história pregressa de afecções esofágicas,
apresentam maior incidência de acidentes. Apesar da grande de disfagia e de ingestão anterior de CE.
incidência dessa afecção, a mortalidade em decorrência de A sintomatologia é bastante caracterlstica, sendo que disfa-
CE é muito baixa. gia parcial ou total, odinofagia, sialorreia, vômitos e dor retroes-
temal são os sintomas mais comuns. A disfagia total associada à
• Consideraçõesanatômicas sialorreia é elemento importante para se indicar exame endos-
cópico nas próximas horas, às vezes podendo ser realizado fora
O esôfago é um órgão musculoso e tubular, dividido topo- dos horários-padrão de trabalho, até mesmo na madrugada. O
graficamente em três porções: cervical, torácica e abdominaL exame fisico é pobre na maioria dos pacientes. Na presença de
Apresenta três constrições anatômicas e duas dilatações. complicações, como a perfuração, podem-se identificar crepi-
A primeira constrição localizada no segmento cervical, a cer- tações na região cervical.
ca de 15 em da arcada dentária superior, deve-se à compressão Exame radiográfico localiza a maioria dos CE radiopacos,
pela cartilagem cricoide. ~geralmente nesse segmento que se além de permitir acompanhar sua progressão até a sua elimi-
alojam a maioria dos CEde natureza pontiaguda, como ossos nação e identificar sinais de perfuração nos casos de objetos
de galinha, espinhas de peixe; e CE de tamanhos despropor- pontiagudos (Figura 13.1). A radiografia em perfil confirma a
cionais, como grandes moedas e peças dentárias. ~ também localização esofágica. Exames contrastados não devem ser rea-
nessa localização onde há maior incidência de complicações, lizados em pacientes com disfagia total associada à sialorreia
como perfuração, mediastinite e compressão das vias respira- em virtude do risco de aspiração e irnpactação no esôfago, difi-
tórias superiores. cultando a abordagem endoscópica. Em alguns casos, a tomo-
A segunda constrição, localizada no segmento torácico, a grafia computadorizada pode ser útil para identificar o local
cerca de 22 em da arcada dentária superior, resulta da compres- exato da irnpactação.
são feita pela bifurcação da traqueia e pelo arco da aorta. Na vigência de ingestão de CE, o médico deverá decidir
A terceira e última compressão anatômica é feita pelo dia- se deve ou não intervir, qual o momento adequado para essa
fragma e pelas estruturas musculares da cárdia e se localiza a abordagem e de que maneira. Esse manejo é influenciado pela
cerca de 40 em da arcada dentária superior. Neste segmento, idade e condição clínica do paciente, tamanho e forma do CE,
os tipos de CE mais comuns são os bolos de alimentos e os localização anatômica, e recursos disponíveis para o endosco-
rombudos de grande tamanho, que não progridem esponta- pista. O momento para a abordagem depende principalmente
neamente para o estômago. da avaliação do risco de aspiração e perfuração.
127
128 Capftulo 13 I Corpos Estranhos, Perfurações, Hérnias Diafragmdticas, Sfndrome de Boerhaave, Lesões Causadas ...

Figura 13.1 Corpo estranho pontiagudo (agulha) no antro gástrico. Figura 13.3 Corpos estranhos rombudos. (Cortesia do Professor Oul-
(Arq uivo dos autores.) mar Garcia de Carvalho.)

A endoscopia é o método ideal tanto para se estabelecer o 12 h (Figura 13.3). Conduta conservadora deve ser realizada
diagnóstico, quanto para a proposta terapêutica. Salvo em si- naqueles objetos que alcançam o estômago. A maioria deles
tuações de emergência, deve-se respeitar o período mínimo de será eliminada em 4 a 6 dias, ainda que alguns estejam presentes
6 h de jejum para se realizar o exame. O risco de aspiração du- por até 4 semanas. Enquanto se espera a passagem espontãnea,
rante o procedimento é grande, portanto o auxílio de um anes- os pacientes são orientados a continuar com dieta normal, e,
tesiologista faz-se necessário em algumas situações. Anestesia na ausência de sintomas, radiografias semanais são suficientes
geral com intubação orotraqueal pode ser necessária nos casos para o acompanhamento. Objetos que não migram do estôma-
demorados e com risco aumentado de aspiração. Existem aces- go após 4 semanas ou que permanecem na mesma localização
sórios que podem auxiliar o endoscopista na retirada dos CE. devem ser retirados endoscopicamente. Sintomas como febre,
A experiência e o bom-senso do endoscopista são duas grandes vômitos ou dor abdominal são indicações para cirurgia.
armas para o sucesso da terapêutica (Figura 13.2).
O conhecimento da natureza do CE é importante para se • Objetos cortantes e pontiagudos
estabelecer a conduta. Podemos dividir os CE em seis grupos,
Neste grupo, os mais comuns são os ossos de galinha, es-
descritos a seguir.
pinhas de peixe, próteses dentárias, pedaços de vidro, agulhas
• Objetos longos e pregos. São os responsáveis pela maior incidência de com-
plicações, podendo chegar a 35%. A endoscopia deve ser rea-
Objetos maiores que 6 a 10 em terão dificuldade em passar
lizada nas primeiras 6 h. A laringoscopia poderá ser utilizada
pelo duodeno e deverão ser retirados. O uso do overtube facilita
quando os CE estão localizados acima do músculo cricofarín-
a retirada após a apreensão desses objetos.
geo (Figura 13.4).
• Objetos rombudos
Moedas, esferas e outros objetos semelhantes são os mais • Bolo de alimentos
comuns, e a população pediátrica é a que apresenta maior inci- A impactação de alimentos é uma complicação esperada
dência de acidentes. Quando não progridem espontaneamente quando se tem alteração do calibre do esôfago por estenoses
nas primeiras horas para o estômago e ficam impactados no ou acalasia. Não se trata de uma emergência, e a endoscopia
esôfago, devem ser retirados pela endoscopia nas primeiras poderá ser realizada dentro das primeiras 24 h após o evento, a

Figura 13.2 Acessórios mais utilizados na retirada de corpos estranhos.


Capftulo 13 I Corpos Estranhos, P~rfuraçóes, H~rnios Diafragmdtlcas, Sfndrom~ d~ Bo~rhaave, Lesões Causadas... 129

• Pac:otes de narcóticos
A utilização do tubo digestório para o transporte de drogas
ilícitas tem sido constatado nos dias atuais. A pessoa ingere
propositalmente pacotes ou cápsulas contendo drogas em seu
interior, com o intuito de serem eliminados posteriormente. O
tempo gasto entre a ingestão até a sua eliminação é o suficien-
te para a pessoa passar por postos de fiscalização. Devido ao
grande risco de ruptura destes pacotes e liberação de grandes
quantidades de drogas, o tratamento endoscópico não é reco-
mendado, devendo-se optar pelo tratamento cirúrgico.

• PERFURAÇOES
As perfurações esofágicas são classificadas em dois grupos. O
primeiro deles inclui as perfurações espontâneas, descritas mais
adiante neste capitulo, e também conhecidas como sindrome
de Boerhaave. O outro grupo engloba as perfurações traumá-
ticas, as iatrogênicas e as relacionadas com doenças esofágicas.
Dentre as doenças que levam à perfuração, destacam-se: neopla-
sias esofágicas avançadas, linfoma de esôfago, úlcera de Barrett,
carcinoma broncogênico, leiornioma, aneurismas dissecantes e
ruptura de anel esofágico inferior. As infecções do esôfago tam-
bém podem causar perfuração, ocorrendo mais comumente em
pacientes imunodeprimidos, tendo como agentes etiológicos:
citomegalovírus, herpes simples e monilíase.
Com relação aos corpos estranhos, são encontrados objetos
e alimentos pontiagudos como ossos e espinhas, fragmentos de
vidro ou objetos metálicos. Nestes casos, a perfuração pode ser
Flgun~ 13.4 Corpos estranhos pontiagudos. (Cortesia do Professor imediata ou tardia. O corpo estranho leva a processo inflama-
Dvlmar Garcia de Carvalho.) tório reacional com infecção, necrose, perfuração ou migração
através da parede. Este tipo de perfuração é menos frequente
do que as iatrogênicas. Com o advento da endoscopia flexível,
essas perfurações se tomaram raras, especialmente quando da
menos que esteja associada à queixa de disfagia total e a grande realização de endoscopia diagnóstica, variando sua incidência
desconforto. O diagnóstico de estenose esofágica muitas vezes de 0,0003 a O,Ql96.
é feito depois do primeiro episódio de impactação alimentar. Alguns procedimentos endoscópicos predispõem à perfura-
O bolo alimentar pode ser retirado com o uso de acessórios ou ção, destacando-se a retirada de corpos estranhos e a dilatação
introduz.ido suavemente para o estômago em algumas situações. de estenoses, tanto para lesões benignas quanto para malignas.
Enzimas proteoliticas, como a papaína, não devem ser usadas Durante a ressecção de tumores por meio de mucosectomias,
por estarem associadas a hipematremia, erosão e perfuração pode ocorrer perfuração, tendo em vista a parede ser mais fina
esofágica. Deve-se lembrar da utilização do ov"tube com a fi- e não ter camada serosa. Outras terapêuticas endoscópicas, tais
nalidade de se preservarem as vias respiratórias e a hipofaringe, como escleroterapias, uso de sondas de calor, e mesmo tera~u­
quando da retirada do bolo alimentar ou quando da retirada tica com lasu ou radiofrequência, podem levar à perfuração.
de múltiplos CE por endoscopia. O uso de ov~be em procedimentos endoscópicos tam-
bém está acompanhado de maior risco de perfuração devido
• Baterias ao traumatismo pela extremidade do tubo, levando à laceração
A ingestão de pequenas baterias é considerada uma emer- da mucosa. Entretanto, não se observam complicações rela-
gência, e a endoscopia deverá ser realizada nas primeiras horas, cionadas com realização da via anterógrada de enteroscopia
não se respeitando o prazo de 6 h do jejum, sendo as crianças as de mono e duplo balão. ~ também citada perfuração causada
principais vitimas. Por serem pequenas e esféricas, à semelhança pelo uso do balão de Sengstaken-Blakemore, durante intubação
de comprimidos, passam rapidamente pelo esôfago. Causam orotraqueal e passagem de cateter nasogástrico. A perfuração
dois tipos de lesões: o primeiro por queimadura elétrica atra- durante passagem de sondas ocorre mais comumente quando
vés do contato direto com a mucosa esofágica e o segundo por existem divertículos esofágicos. A introdução do endoscópio
liberação de substâncias químicas (li tio, mercúrio, zinco e ou- em diverticulo de Zenker, durante a passagem do aparelho com
tros) após corrosão pelo suco gástrico. Baterias que alcançam objetivo diagnóstico, ou na terapêutica desta condição, está as-
o estômago não precisam ser retiradas, a menos que os pacien- sociada a índices expressivos de perfuração. A perfuração ao
tes apresentem sinais e sintomas de complicações ou que elas nivel do esôfago cervical, quando tratada em tempo hábil, tem
permaneçam na cavidade gástrica por mais de 48 h. Em cerca bom prognóstico.
de 8596 dos casos, as baterias são eliminadas em 72 h. Uso de As perfurações iatrogênicas são responsáveis por cerca de
eméticos, catárticos ou inibidores de bomba protônica não se 5596 das perfurações esofágicas. Em uma longa série de pacien-
mostrou eficaz. tes submetidos à esofagoscopia, a incidência de perfuração foi
130 Capftulo 13 I Corpos Estranhos, Perfurações, Hérnias Diafragmdticas, Sfndrome de Boerhaave, Lesões Causadas ...

de 1,7% (17 casos em 1.011 procedimentos). Desses 17 casos, já com sintomatologia e repercussão sistêmica, não há dúvidas
foram encontrados tumores em oito e acalasia em quatro. Os quanto à indicação precoce do tratamento cirúrgico.
cinco casos seguintes tinham estreitamento, estenoses ou anas- As medidas conservadoras incluem jejum absoluto, repo-
tomoses esofágicas. O índice de complicações aceitáveis na di- sição hidreletrolítica, nutrição parenteral, antibioticoterapia
latação pneumática para acalasia varia de 2 a 6%. e monitoramento clínico, laboratorial e radiográfico. Se o diag-
A mortalidade por perfuração por instrumental é mais baixa nóstico é feito em fase tardia, sem sinais de infecção e com
do que nas outras causas, variando de 15 a 20%. A perfuração estabilidade clínica, medidas conservadoras podem ser ado-
em decorrência de uma endoscopia diagnóstica sem lesões pre- tadas.
existentes é evento extremamente raro. Na maior parte dos ca- O tratamento cirúrgico deve ser realizado prontamente se
sos de perfuração há doenças associadas sendo mais comuns a houver sinais de infecção e mediastinite. A cirurgia varia desde
partir da quinta década de vida e frequentemente relacionadas o desbridamento de estruturas não viáveis, drenagem, esofagos-
com estenoses e obstruções por neoplasias. tomia, até ressecções mais agressivas, incluindo esofagectomia.
A reconstrução pode não ser imediata, dependendo da gravi-
dade do caso. O prognóstico se relaciona com o diagnóstico
• Apresentação clínica precoce e o tratamento efetivo nas fases iniciais.
Assim como na slndrome de Boerhaave, o quadro clínico
na perfuração esofágica não espontânea varia de acordo com
a localização e extensão da lesão. A dor, na maioria dos casos, • HÉRNIAS DIAFRAGMÁTICAS
é o principal sintoma, localizando-se na região retroesternal
ou região epigástrica e podendo irradiar-se para o dorso. Pode O diafragma é um órgão de constituição musculotendinosa
ocorrer dispneia também, e o diagnóstico muitas vezes é fei- que, no adulto, separa as cavidades torácica e abdominal. Deriva
to em fases tardias. As perfurações intratorácicas apresentam de quatro estruturas embriológicas: ventralmente, o septo trans-
maior risco de morte que as perfurações cervicais, e o tratamen- verso; lateralmente, a membrana pleuroperitoneal e os múscu-
to cirúrgico relaciona-se à melhora da sobrevida. los da parede do corpo; e mediodorsalmente, o mesoesôfago.
A radiografia de tórax demonstra enfisema subcutâneo, A sua parte periférica é composta de musculatura estriada com
pneumotórax e pneumomediastino. Os estudos contrastados fixação ao e.s terno, arcos costais e coluna vertebral, enquanto
do esôfago podem ser realizados inicialmente com contrastes a sua parte central compõe-se basicamente de tecidos aponeu-
hidrossolúveis e, se esses estudos forem negativos, o bário pode róticos. Apresenta oriflcios naturais, através dos quais passam
ser usado com os devidos cuidados. O estudo baritado negativo estruturas entre as cavidades torácica e abdominal, como a veia
não exclui a perfuração. cava inferior, aorta, nervos simpáticos e esôfago.
A tomografia computadorizada cervical e torácica permite Define-se hérnia como a passagem, parcial ou total, de uma
o diagnóstico, além de oferecer informações do mediastino e estrutura anatõmica, através de orif!cio patológico ou tornado
tórax. patológico, de sua localização normal para outra anormal. Hér-
O exame fisico é inespedfico, porém enfisema subcutâneo nias diafragmáticas podem ocorrer através do hiato esofágico,
pode estar presente e palpável no pescoço e no tórax, e os si- outras aberturas congênitas como os forames de Bochdalek
nais normalmente surgem dentro da primeira hora após a le- ou Morgagni, ou aberturas pós-traumáticas. As hérnias hiatais
são. A conhecida tríade de Mackller, que consiste em vômitos, por deslizamento compreendem a grande maioria das hérnias
dor torácica e enfisema subcutâneo, nem sempre está presente. diafragmáticas.
Os pacientes frequentemente apresentam-se com taquicardia
e taquipneia. • Hérnias hiatais
Dependendo da extensão e tempo da apresentação das per -
furações, os pacientes podem apresentar febre. Atraso diag- • Hérnia hiatal por deslizamento
nóstico pode levar a quadros de septicemia e choque. Derra- A hérnia hiatal por deslizamento ou tipo I é definida pela
me pleural é frequente e mais comum à esquerda, e a punção migração cranial do esôfago abdominal e do segmento proxi-
torácica poderá mostrar resíduos e sucos digestivos, definindo mal do estômago para o mediastino posterior, através do hiato
o diagnóstico. O diagnóstico diferencial inclui várias doenças, esofágico, ou seja, quando a junção esofagogástrica, ou parte
sendo úlcera perfurada, aneurisma dissecante da aorta, infarto do estômago, localiza-se acima do diafragma, portanto em po-
agudo do miocárdio, pancreatite aguda e pneumotórax espon- sição intratorácica. Apresenta etiologia desconhecida, porém
tâneo as mais comuns. observa-se aumento da incidência com o envelhecimento. Nor-
Quando a perfuração ocorre no esôfago cervical, o enfisema malmente, o ligamento frenoesofágico ancora a junção esofa-
subcutâneo é um sinal precoce, podendo estar associado à disfa- gogástrica ao nível do diafragma, e as hérnias hiatais podem
gia. A radiografia de tórax sempre deve ser realizada, e estudos estar associadas a um processo de deterioração desse ligamen-
contrastados eventualmente podem ajudar no diagnóstico. to relacionado com o envelhecimento, às persistentes pressões
positivas intra-abdominais e à tração exercida pelo esôfago no
estômago, durante as manobras normais de deglutição. Hérnias
• Tratamento hiatais são encontradas em cerca de 10% da população adul-
Na perfuração iatrogênica, ocorrida na endoscopia diagnós- ta e cerca de 90 a 95% desse total corresponde às hérnias por
tica, pode-se optar pelo tratamento conservador nos casos de deslizamento, cabendo o restante às hérnias paraesofágicas e
lesões pequenas e diagnóstico precoce, sobretudo em perfura- m istas, descritas posteriormente.
ções cervicais. Quando as perfurações ocorrem no terço médio A grande maioria dos pacientes com hérnias hiatais por des-
e distai, a conduta vai depender da extensão da perfuração, do lizamento de pequeno tamanho é assintomática. Quando da
diagnóstico precoce e da sintomatologia. Nas lesões pronta- presença de sintomas, destaca-se a associação com a doença do
mente diagnosticadas em pacientes estáveis, pode-se optar por refluxo gastresofágico (DRGE), manifestada frequentemente
conduta conservadora. No entanto, nos casos de lesões extensas por azia e queimação retroesternal, associadas ou não à pre-
Cap itulo 13 I Corpos Est ranhos, Perfurações, Hérnias Diofrogmdt lcos, Slndrome de Boerhoove, Les6es Causados... 131

sença de esofagite. Disfagia, desconforto torácico e no andar


superior do abdome e sintomas otorrinolaringológicos tam-
bém são observados. Lesões mucosas observadas nas porções
proximais da curvatura menor do estômago, ao nível do pinça-
menta diafragmático, são encontradas em até 5% dos pacientes
com hérnia de hiato por deslizamento, principalmente grandes
hérnias, e recebem o nome de úlceras ou erosões de Cameron,
possivelmente associadas a sangramento agudo ou crônico.
O diagnóstico das hérnias hiatais por deslizamento baseia-se
na definição do deslocamento da junção esofagogástrica para o
tórax, evidenciado pela sua localização pelo menos 2 em acima
do pinçamento diafragmático. O deslocamento entre 2 e 3 em
caracteriza as hérnias de pequeno tamanho; entre 3 e 5 em, as
hérnias de médio tamanho; e superiores a 5 em, as hérnias de
grande tamanho. A esofagogastroduodenoscopia é atualmen-
te o método diagnóstico mais utilizado e permite diagnóstico
acurado na grande maioria dos casos (Figura 13.5). Estudos
radiográficos do esôfago e estômago e a tomografia computa- Figura 13.5 Hérnia hla tal por deslizamento de tamanho médio e eso-
dorizada constituem métodos alternativos de diagnóstico (Fi- fagite erosiva de intensidade moderada. Grau Cde Los Angeles- visão
gura 13.6). endoscópíca. (Arquivo dos autores.) (Esta figura encontra-se reprodu·
Hérnias hiatais por deslizamento de pequeno tamanho em zida em cores no Encarte.)
pacientes assintomáticos ou oligossintomáticas são de trata-
mento clinico através de medidas comportamentais e, em al-
guns casos, com terapia supressora de ácido, geralmente através
de inibidores de bomba de prótons (IBP). Nos pacientes com vés do hiato anormalmente alargado, lateralmente ao esôfago,
doença do refluxo complicada, dificuldade de controle clinico em direção ao mediastino posterior, permanecendo a junção
do refluxo e nos pacientes jovens dependentes de altas doses de esofagogástrica ao nível do pinçamento diafragmático. Inci-
IBP, pode-se indicar tratamento cirúrgico, que pode ser reali- de em faixa etária mais elevada e geralmente não se associa a
zado por via aberta ou laparoscópica. Complicações cirúrgicas DRGE. No caso de associação com hérnia hiatal por desliza-
incluem perfuração gástrica e esofágica, pneumotórax e lace- mento, recebe a denominação hérnia diafragmática mista.
ração hepática, e complicações tardias compreendem disfagia Quando na sua forma isolada, pode ser completamente as-
ou recidiva do refluxo gastresofágico por desabamento ou mi- sintomática, embora pela frequente associação com hérnia hia-
gração torácica da fundoplicatura. tal por deslizamento, observe-se DRGE em até 50% dos pa-
cientes. Sintomas como disfagia, dor epigástrica ou torácica e
• Hérnia por rolamento ou paraesofágica (tipo 11) e mista (tipo 111) desconforto pós-prandial não são raros. A anemia é um achado
A hérnia paraesofágica ou por rolamento caracteriza-se pela frequente e aparentemente está relacionada com as erosões e
migração do estômago, principalmente do fundo gástrico, atra- friabilidade da mucosa gástrica herniada e com as erosões eso-

Figura 13.6 Estudo tomográfico de volumosa hérnia hiatal por deslizamento- janela de medias tino e pui!No. O estômago est~ posicionado
na metade inferior do mediastino posterior, em situação retrocardíaca, com orientação atípica e parcialmeme preenchido por contraste oral.
(Cortesia do Or. Renato Macedo Rosa.)
132 Capftulo 13 I Corpos Estranhos, Perfurações, Hérnias Diafragmdticas, Sfndrome de Boerhaave, Lesões Causadas ...

fágicas secundárias a D RGE. Manifestações obstrutivas podem óxido nítrico {ON) como vasodilatador pulmonar seletivo e
estar presentes nos casos de grandes hérnias e mesmo de parte oxigenação extracorpórea por membrana (ECMO) foram in-
ou de todo o estômago para o tórax. Pode ainda ocorrer o vólvu- corporados ao tratamento de RN portadores de HDC. Parale-
lo gástrico, exigindo tratamento cirúrgico emergencial. Estudo lamente, a possibilidade de diagnóstico ultrassonográfico pré-
radiográfico do trato digestório alto é método diagnóstico pela natal e as tentativas de intervenção intraútero abriram novas
observação de nível hidroaéreo no espaço retro gástrico. A eso- perspectivas de sucesso. Apesar de relatos iniciais apontando
fagogastroduodenoscopia auxilia na confirmação diagnóstica, redução na mortalidade, algumas análises retrospectivas não
permite a avaliação da extensão da anormalidade e a definição confirmaram um impacto significativo na sobrevida global. O
de complicações, como esofagite, úlceras e vólvulo. binômio hipoplasia-hipertensão pulmonar permanece como
O tratamento cirúrgico das hérnias paraesofágicas ou mis- principal fator de mortalidade.
tas tem sido sugerido tanto nos pacientes sintomáticos, quanto As complicações da HDC são obstrução intestinal, insuficiên-
nos assintomáticos, no sentido da prevenção de possíveis com- cia cardiorrespiratória e isquemia intestinal. O tratamento ci-
plicações, como encarceramento, vólvulo, perfuração, obstru- rúrgico está indicado na confirmação do diagnóstico, mesmo
ção e hemorragia. Vários cirurgiões rotineiramente associam quando ocasional. A via de acesso recomendada para hernior-
a fundoplicatura, mesmo nas hérnias paraesofágicas isoladas, rafia diafragmática é a abdominal, pois permite, também, a
visando à prevenção do refluxo gastresofágico no pós-operató- correção da má rotação intestinal associada. O emprego da vi-
rio e à fixação do estômago ao abdome. Pode ser realizado por deocirurgia para o reparo da HDC é factível e tem como vanta-
acesso cirúrgico torácico ou abdominal, por técnicas abertas gens diminuição da dor pós-operatória, alta hospitalar precoce
ou laparoscópicas. e melhor estética da ferida operatória. A colocação de dreno
torácico ipsilateral é controversa; alguns autores mostram que
essa conduta não resulta em aumento da expansibilidade do
• Hérnias diafragmáticas congênitas pulmão hipoplásico.
As hérnias diafragmáticas congênitas representam uma das
malformações congênitas mais comuns, com incidência de 8%. • Hérnia de Bochdalek
O prognóstico se associa ao grau de hipoplasia pulmonar e não Frequentemente, as hérnias de Bochdalek são diagnostica-
ao tamanho do defeito no diafragma. Cerca de 80% dos casos das em recém-nascidos e raramente em adultos. Em recém-
se localizam à esquerda. O conteúdo herniário varia de acordo nascidos, manifestam-se por sintomas respiratórios agudos e
com o lado do defeito. Nos casos de defeitos à direita, intes- ausculta respiratória negativa no hemitórax acometido. Nos
tino delgado, parte do intestino grosso, estômago, baço e até casos de herniação por períodos prolongados, durante o de-
mesmo lobo esquerdo do fígado são os órgãos herniados mais senvolvimento fetal, pode ocorrer grave hipoplasia do pulmão
frequentes. Quando o acometimento se dá à direita, observa-se ipsilateral e graus variáveis do pulmão contralateral. Hiperten-
pr incipalmente herniação do intestino delgado e lobo direito são pulmonar é um achado comum. Pacientes adultos podem
do fígado. apresentar-se completamente assintomáticos, embora grande
Resultam da ausência ou defeitos na fusão das estruturas parcela relate desconforto abdominal inespedfico, vômitos e
que formam o diafragma. Quando ocorre falha na fusão da constipação intestinal. Dores torácicas e sintomas respiratórios
membrana pleuroperitoneal esquerda com o septo transverso, e cardiológicos são incomuns. Possível complicação grave é o
forma-se um defeito posterolateral esquerdo, sem presença de encarceramento intestinal, determinando dor abdominal in-
saco herniário, e, no caso de fusão completa, porém com falha tensa e sintomas obstrutivos. O diagnóstico pré-natal pode ser
da muscularização, forma-se um saco herniário verdadeiro, e realizado através de exame ultrasssonográfico pela visualização
esse defeito recebe o nome de forame de Bochdalek. A hernia- do estômago ou alças intestinais no tórax do feto. A suspeita
ção de estruturas abdominais através desse forame caracteriza em adultos pode ser aferida em radiografias comuns de tórax
a hérnia diafragmática de Bochdalek ou hérnia posterolateral, em visão lateral, urna vez que essas hérnias são de localização
que se localiza geralmente à esquerda e corresponde a cerca de posterior, e a confirmação diagnóstica é realizada por estudo
85% das hérnias diafragmáticas congênitas. No caso de falha na radiológico contrastado e tomografia computadorizada {Fi-
fusão entre as junções esternocostais e o diafragma, origina-se gura 13.7).
um forame que se localiza na região retrocostoxifoide, e estru- A prioridade no tratamento de recém-nascidos com hérnia
turas que se projetam através desse forame originam hérnias de Bochdalek é o suporte ventilatório inicial para estabilização
com saco herniário verdadeiro, chamadas de hérnias diafrag- clínica e posterior tratamento cirúrgico da lesão diafragmática,
máticas de Morgagni, paraesternais ou retroesternais, de loca- classicamente realizada por via aberta, com relatos na literatura
lização geralmente à direita. de tratamento por via laparoscópica. As hérnias de Bochdalek
A etiologia das hérnias diafragrnáticas congênitas é desco- correspondem a cerca de 2 a 3% das hérnias diafragrnáticas
nhecida. Atualmente, postula-se que seja multifatorial e rela- tratadas cirurgicamente.
cionada com fatores hereditários com relatos de rara associa-
ção familiar e com síndromes de malformações, como descrito • Hérnia de Morgagni
previamente. Entre as hérnias diafragmáticas congênitas, as hérnias de
O aspecto mais importante da fisiopatologia da hérnia dia- Morgagni correspondem a uma minoria, entre 5 e 11% do to-
fragmática congênita é a hipoplasia pulmonar, responsável por tal. Em 90% dos casos, localizam-se à direita, 8% são bilaterais
um quadro grave de hipertensão pulmonar. e apenas 2% ocorrem à esquerda, recebendo o nome de hérnia
O tratamento de recém-nascidos (RN) com hérnia diafrag- de Morgagni-Larrey. Quase sempre são diagnosticadas na fase
mática congênita (HOC) continua sendo um desafio para cirur- adulta e, na infáncia, frequentemente associam-se com hérnias
giões pediátricos e neonatologistas. Mais recentemente, avanços de Bochdalek. Pode se manifestar logo após o nascimento, atra-
na terapia da hipertensão pulmonar primária {HPP) do recém- vés de insuficiência respiratória aguda por hipoplasia pulmo-
nascido, tais como ventilação suave com hipercapnia permis- nar ou encarceramento víscera!. O saco herniário pode conter
siva, ventilação por oscilação de alta frequência (VAF), uso de omento, cólon, intestino delgado, estômago ou figado. A maio-
Capftu/o 13 I Corpos Estranhos, Perfurações, Hérnias Diafragmdticas, Sfndrome de Boerhaave, Lesões Causadas... 133

tipico é de uma opacidade bem definida, localizada geralmen-


te no ângulo cardiofrênico direito. Métodos propedêuticos
adicionais compreendem estudos radiográficos contrastados,
ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância
magnética (Figura 13.8). A ultrassonografia vem se mostran-
do método muito eficaz, tanto na determinação do defeito
diafragmático, quanto no estudo do conteúdo herniado com
possibilidade inclusive de diagnóstico intraútero. O estudo
tomográfico avalia e define o defeito no diafragma, permite o
estudo do conteúdo herniado e é de importância significativa
no diagnóstico diferencial com outras afecções, como pneu-
monias e tumores diafragmáticos. Apresenta a limitação de ser
um exame de imagens estáticas e, na ausência de herniação no
momento do exame, pode não diagnosticar esse tipo de hér-
nia. A laparoscopia mostra-se técnica segura de diagnóstico
definitivo em casos duvidosos e permite abordagem terapêu -
tica em um só tempo.
Em recém-nascidos, propõe-se o tratamento cirúrgico logo
após a estabilização hemodinârnica e respiratória. Na presença
de complicações, o tratamento cirúrgico emergencial também
é imperativo. Indica-se o tratamento cirúrgico eletivo nos de-
mais casos, mesmo nos pacientes assintomáticos, em função
do risco iminente de complicações gastrintestinais como má
rotação, vólvulo e encarceramento. A abordagem cirúrgica pode
Figura 13.7 Reconstrução parassagital de cortes tomográficos axiais ser realizada através de acesso torácico ou abdominal e por
em paciente com hérnia diafragmática posterior, à esquerda - hérnia técnicas de cirurgia aberta, toracoscopia e/ou laparoscopia. O
de Bochdalek. (Cortesia do Dr. Renato Macedo Rosa.) tratamento laparoscópico está indicado em crianças e adultos
com hérnias de apresentação tardia, assintomáticos ou oligos-
sintomáticos, e não nos casos de apresentação neonatal.

ria dos pacientes são assintomáticos ou apresentam apenas sin-


tomas inespecíficos, como desconforto torácico, tosse, dispepsia • Hérnias traumáticas
ou dispneia, o que justifica o diagnóstico geralmente tardio. As hérnias diafragmáticas traumáticas ocorrem em função
Sintomas agudos podem ocorrer na presença de encarceramen- de grande variedade de traumatismos abdominais, tanto fecha-
to com sinais de obstrução ou isquemia de estômago, omento dos como penetrantes. Aparentemente, grandes variações da
ou intestino. Radiografia simples do tórax, particularmente pressão intra-abdominal podem ocasionar lesões no diafragma
na incidência de perfil pela localização anterior desse tipo de que permitiriam a transposição de estruturas abdominais para
hérnia, compreende o exame diagnóstico inicial, e o aspecto o tórax, originando as hérnias traumáticas. Os traumas fecha-

Figura 13.8 Volumosa hérnia diafragmática direita de Morgagni, associada a hérnia de parede abdominal em região posterolateral ipsilateral
(reconstrução coronal e parassagital). Evidencia-se a vantagem do aparelho de TC multi-s/ice na obtenção de reconstruções multiplanares.
(Cortesia do Dr. Renato Macedo Rosa.)
134 Capftulo 73 I Corpos Estranhos, Perfuraç~s, H~rnlas Diafragmdt/cas, Sfndrome de Boerhaave, Lesões Causadas ..•

dos correspondem à maioria das situações que originam essas


hérnias, urna vez que as lesões associadas geralmente levam a
aumento da pressão intra-abdominal de forma mais intensa
que as provenientes de traumas penetrantes. Entretanto, vale
ressaltar a importância das pequenas hérnias, que, em função
do colo de diâmetro reduzido, expressam maior risco de en-
carceramento. Localizam-se geralmente no lado esquerdo do
diafragma, em função de local embriologicamente mais fraco
nessa topografia, e pelo efeito protetor anatômico do fígado à
direita. Lesões diafragmáticas podem não resultar em hernia-
ção imediata e em alguns casos, com o passar do tempo, em
função das pressões negativas intratorácicas, ocorre aumento
das lesões e progressiva passagem do conteúdo abdominal para
o tórax. A incidência das hérnias traumáticas é incerta, porém
lesões diafragrnáticas são detectadas em até 596 dos pacientes
vitimas de politrauma.
Em pacientes politraumatizados, uma lesão diafragmática
pode passar despercebida em função de lesões emergenciais
de outros órgãos. Sintomas respiratórios e/ou abdominais ini-
ciados dias ou semanas após um trauma podem sugerir lesões Figura 13.1 ORuptura traumática do diafragma por acidente automo-
diafragmáticas. Há relatos de hérnias diafragmáticas origina- bilístico. Corte tomográfico demonstra uma solução de continuidade
das de traumatismos ocorridos com tempo superior a 1Oanos. no diafragma direito (seta) com herniação da gordura omental (f) e
A sintomatologia é variada e corresponde a náuseas, dispneia, do cólon (C). (Cortesia do Dr. Renato Macedo Rosa.)
empachamento pós-prandial, dor retroesternal, vômitos e sin-
tomas obstrutivos com encarceramento de visceras intra-ab-
dominais. A sintomatologia pode ser aguda e dramática, exi-
gindo intervenção cirúrgica imediata. O diagnóstico pode ser Lesões crônicas podem associar-se a múltiplas aderências, e a
sugerido através de exame f!sico minucioso, com elevação do técnica mais indicada seria por acesso torácico ou pela com-
diafragma e ausculta de ruídos hidroaéreos no tórax, e confir- binação de abordagem abdominal e toracoscopia. Tratamento
mação através de estudos radiográficos simples do tórax e con- cirúrgico laparoscópico também apresenta excelente opção
trastados do abdome, ecografia e tomografia computadorizada terapêutica.
(Figuras 13.9 e 13.10).
Indica-se sempre o tratamento cirúrgico, que deve ser rea-
lizado o mais precocemente possível no sentido da prevenção • S[NDROME DE BOERHAAVE
de complicações. Lesões diafragmáticas agudas podem serre-
paradas por acesso abdominal durante laparotomia explora- Esta slndrome foi primeiramente descrita por Hermam Bo-
dora ou através do tórax, principalmente para lesões à direita. erhaave, em 1724, médico que descreveu caso de ruptura eso-
fágica que matou o Grande Almirante da Holanda 18 h depois
de vômitos autoinduzidos. Tendo em vista que a slndrome de
Boerhaave pode estar associada a vômitos, nem sempre ela
ocorre na forma espontânea. Esta síndrome consiste na per-
furação transmural do esôfago, o que a distingue da slndrome
de Mallory-Weiss. Esta última também se associa a vômitos,
porém as lacerações do esôfago são restritas à mucosa e sub-
mucosa. A síndrome de Boerhaave deve ser diferenciada da
perfuração iatrogênica, que ocorre em 85 a 9096 dos casos de
ruptura esofágica.
O diagnóstico pode ser dificultado pelo fato de que nem sem-
pre os sintomas clássicos estão presentes, retardando a institui-
ção de medidas adequadas. Aproximadamente, 3396 dos casos
têm manifestações clinicas atípicas. O pronto reconhecimento
dessa condição potencialmente letal é vital para assegurar o tra-
tamento apropriado. Deve-se considerar que as complicações
graves, tipo mediastinite, septicemia e choque, frequentemente
surgem no curso mais avançado da doença, levando à confusão
no quadro clinico e dificultando o diagnóstico. A mortalidade
desta afecção é estimada em cerca de 35%, representando a
perfuração do trato gastrintestinal com maior Ietalidade. Para
se obter melhora na evolução e prognóstico, é fundamental
diagnóstico precoce e abordagem cirúrgica dentro das primei-
Figura 13.9 Estudo radiológico contrastado (REED) evidenciando ras 12 h depois da perfuração. Os lndices de mortalidade são
hérnia traumática no diafragma esquerdo: o estômago está posicio- superiores a 5096 para intervenções mais tardias (após 24 h),
nado quase completamente dentro do tórax. (Cortesia do Dr. Renato podendo chegar a 9096 quando a abordagem cirúrgica acontece
Macedo Rosa J depois de 48 h da ruptura esofágica.
Cap itulo 13 I Corpos Estranhos, Perfurações, Hérnias Diofragmdt lcas, Slndrome de Boerh aove, Lesões Causados... 135

• Fisiopatologia T
Quadro 13.1 Diagnóstico diferencial na slndrome de Boerhaave
A ruptura esofágica na sindrome Boerbaave é considerada
como consequência de um súbito aumento na pressão intralu- Aneurisma d issecante da aona
minal do esôfago produzida durante esforços de vômitos. Estes Hérnías d iafragmátkas adquiridas
provocam uma incoordenação neuromuscular, levando à falên- Sindrome de Mallory·Weiss
cia do músculo cricofaringeo. A slndrome comumente está as- lnfano agudo do miocárdio
sociada a excessos alimentares e/ou ingestão abusiva de álcool Pangasuite aguda
O local mais comum de ocorrer a laceração na sindrome de Doença ulcerosa péptka
Boerhaave é a parede posterolateral esquerda no terço inferior Pneumotórax
do esôfago, 2 a 3 em proximalmente à junção esofagogástrica.
Hematoma inuamural espont!neo do M6fago
Apresenta origem barogenica devido ao aumento súbito da
pressão intraluminal contra um músculo cricofaringeo fecha-
do, e a perfuração tipicamente ocorre no ponto mais frágil do
esôfago, em geral no esôfago inferior à esquerda, abaixo do
diafragma em adultos. Alcoolismo e excessos alimentares são Dentre os achados usuais, podem-se encontrar cianose peri-
fatores de risco primários, e ambos podem levar à hiperêmese, férica, rouquidão (envolvimento do nervo laringeo recorrente),
a qual é o maior componente na apresentação clássica. desvio da traqueia e mediastino, e obstrução venosa cervical.
O pneumomediastino é um achado muito importante, poden-
• Epidemiologia do estar presente em 2096 dos pacientes e causar sons de es-
talido durante a ausculta torácica. Esses estalidos são ouvidos
Esta slndrome é de incidência relativamente rara. Em uma coincidentemente com os batimentos cardlacos, podendo ser
revisão realizada em 1980 por Kish, são citados 300 casos na confundidos com fricção do pericárdio. Nos estágios avança-
literatura mundial. Em 1986, Bladergroen e Postlethwait des- dos da doença, podem ocorrer sinais de infecção e septicemia,
creveram 127 casos. Destes,ll4 foram diagnosticados em vida, incluindo febre e instabilidade hemodinâmica, com progres-
enquanto os outros em necropsias. Quanto ao sexo, é mais siva deterioração do quadro clinico. Várias doenças podem
comum em homens que em mulheres, variando de 2:1 a 5:1. estar relacionadas com a dificuldade diagnóstica diferencial, e
Quanto à idade, ocorre mais frequentemente em pacientes na as principais estão relacionadas no Quadro 13.1.
faixa etária de 50 a 70 anos, e a maioria dos relatos descritos
é relacionada com homens na faixa etária média dos 60 anos.
Existem casos descritos em crianças e neonatos, bem como em • Exames complementares
pessoas acima de 90 anos. • Testeslaboratoriais
Os indices de mortalidade são altos, estando a sobrevida re- Os achados laboratoriais são inespedficos, podendo-se ob-
lacionada com o diagnóstico precoce seguido de intervenção
servar leuoocitose com desvio à esquerda. A albumina sé.ri-
cirúrgica imediata. A mortalidade global é em tomo de 3596 e,
ca é normal., enquanto as frações de globulina estão normais ou
quando os pacientes se submetem à cirurgia dentro das 24 h
após a laceração, as chances de sobrevida são de 70 a 7596. Há ligeiramente elevadas. Muitos pacientes apresentam derrame
casos descritos de sobrevida sem cirurgia, porém são relatos pleural, e a toracocentese pode ajudar no diagnóstico. Frequen-
isolados, e esta conduta não é preconizada. temente, são encontradas partlculas alimentares e suco gástrico
no liquido pleural. O pH desse liquido pode ser menor do que 6,
e o conteúdo de amilase pode estar elevado. Células escamosas
• Apresentação clínica da saliva são encontradas com frequência.
A apresentação clinica clássica consiste em episódios de es-
forços de vômitos, tipicamente em homens na idade adulta, • Radiografia de tórax
após uso abusivo de álcool e excessos alimentares. Esta situação A radiografia de tórax é útil no diagnóstico, já que 9096 dos
é acompanhada de inJcio súbito de dor torácica na parte inferior pacientes revelam alterações após a perfuração. O achado mais
do tórax e abdome superior, irradiando para as C{)stas e ombro comum é o derrame pleural unilateral, comumente à esquerda,
esquerdo. A deglutição frequentemente agrava os sintomas. A fato relacionado com o local mais comum de perfuração, descri-
hematêmese habitualmente não é vista na ruptura esofágica, to anteriormente. Outros achados podem incluir pneumotórax,
o que ajuda a distingui-la da slndrome de Mallory-Weiss. A hidrotórax, pneumomediastino e enfisema subcutâneo. Cerca
deglutição pode desencadear tosse, devido à comunicação do de I 0% das radiografias de tórax são normais.
esôfago com a cavidade pleural. Pode ocorrer dispneia devido
ao derrame pleural associado à dor pleurltica. • Esofagograma
A tríade de Mackler define a apresentação clássica, consis- Este exame ajuda a confirmar o diagnóstico e tipicamente
tindo em vômitos, dor torácica baixa e enfisema subcutâneo. demonstra extravasamento de contraste para a cavidade pleural.
Os achados de alterações pleurais são comuns. Se ocorre enfi- O estudo radiológico contrastado do esôfago também demons-
sema subcutâneo, este é particularmente útil para confirmação tra a extensão da perfuração e sua localização, o que pode ser
diagnóstica, sendo visto em cerca de 28 a 6696 dos pacientes na de ajuda na decisão da abordagem cirúrgica, por via torácica
apresentação inicial, ocorrendo mais frequentemente nas fases ou via abdominal.
tardias. Outros sintomas clássicos foram descritos por Ander- Inicialmente, um contraste aquoso solúvel, como a gastro-
son e Barrett, incluindo taquipneia e rigidez abdominal. Podem grafina, deve ser utilizado. O uso de bário nesses casos pode se
também surgir taquicardia, febre e bipotensão, à medida que a associar à mediastinite grave, não sendo recomendado. Se o
doença progride, porém são achados inespedficos. estudo radiográfico contrastado inicial é negativo e permanece
136 Capftulo 73 I Corpos Estranhos, Perfurações, Hérnias Dlafragmdticas, Sfndrome de Boerhaave, Lesões Causadas ...

uma forte suspeita, a mudança de decúbito lateral esquerdo e toracotomia à esquerda é a abordagem de preferência, embo-
direito pode ser útil. ra a laparotomia possa ser necessária quando a laceração se
estende até o esôfago distai. Várias técnicas são empregadas,
• Tomografia mmputadorizada inclusive com a sutura de omento para ajudar no fechamen-
Pode ser útil nos pacientes gravemente enfermos que não to primário. A vitalidade do tecido circunvizinho é um fator
toleram o esofagograma. A tomografia computadorizada per- importante durante a seleção do procedimento cirúrgico. Para
mite localizar coleções llquidas para drenagem cirúrgica. A vi- os pacientes com diagnóstico além de 24 h, a sutura primária
sibilização de estruturas adjacentes é possível, permitindo o pode não ser possível. Após 24 h, a ferida encontra-se com
diagnóstico diferencial com as afecções descritas no Quadro edema e áreas de necrose e friabilidade. Várias alternativas à
13.1. A desvantagem da tomografia é não precisar a localização sutura primária estão disponíveis. incluindo a esofagostomia
da perfuração. com desvio do trãnsito esofágico, no intuito de favorecer a ci-
catrização por segunda intenção. O uso de tubos em T tem sido
• Endoscopia digestiva descrito, levando à formação de ffstula, controlada com uma
A endoscopia não é útil no diagnóstico, podendo inclusive drenagem dirigida de secreções esofágicas. As complicações
acarretar riscos adicionais, levando ao aumento da extensão da tardias da cirurgia podem incluir empiema, com necessidade
perfuração inicial. A insuflação forçada de ar para o mediastino de drenagem ou decorticação, e fistulas esofagotraqueais ou
e cavidade pleural pode agravar o quadro clínico. A endoscopia esofagobrônquicas.
pode eventualmente ser útil nos casos de suspeita não compro- Novas técnicas envolvem próteses metálicas autoexpansivas,
vada de ingestão de corpos estranhos, permitindo, neste caso, consideradas alternativas aceitáveis somente quando as opções
possibilidade de terapêutica. cirúrgicas clássicas estão contraindicadas. O uso de próteses em
doenças sem malignidade é altamente controverso, devido aos
• Complicações riscos associados a sua remoção. Sendo assim, o uso de próte-
se na sln drome de Boerhaave é recomendado para os casos de
A ruptura esofágica pode leva.r ao desenvolvimento de sep- diagnósticos tardios, com falha no tratamento conservador.
ticemia, pneumomediastino, mediastinite, der rame pleural vo- Recentemente, têm sido divulgadas as prótese.s biodegradáveis
lumoso, empiema, ou enfisema subcutâneo. Se a ruptura esten- com perspectivas promissoras, uma vez que não requerem re-
de-se diretamente até a pleura, a ocorrência de pneumotórax moção. A colocação de próteses a longo prazo na slndrome de
é esperada. Logo após a ruptura, ocorre a entrada de ar para Boerhaave não foi adequadamente avaliada.
o mediastino, podendo espalhar-se por estruturas adjacentes,
levando a abscesso mediastinal. Outras complicações incluem
síndrome do desconforto respiratório do adulto, pneumotórax
e hidrotórax. • LESÃO ESOFAGICA POR COMPRIMIDO
A utilização do tubo digestório como via de administração
• Tratamento de medicamentos sob a forma de chás, poções e infusões data
do terceiro milênio a.C. As primeiras publicações associando
A abordagem ideal na sindrome de Boerhaave envolve a o uso de medicações à lesão esofágica surgem a partir de 1970,
associação de ambos os tratamentos conservador e cirúrgico.
por Pembertom. Vários relatos são publicados a partirdes-
As medidas a serem tomadas incluem: acesso venoso de gros-
ta data, mas o número certamente subestima esta associação.
so calibre com reposição hidreletrolltica, combate ao choque,
inúmeras são as drogas hoje reconhecidas como causadoras
administração de antibióticos de amplo espectro e intervenção
de lesões na mucosa esofágica. Existe uma preocupação, por
cirúrgica precoce. Estes são os pilares do tratamento.
parte dos laboratórios. em desenvolver comprimidos com re-
A decisão entre um tratamento conservador e um tratamen-
vestimento externo, que propiciem a liberação do princípio
to mais agressivo com cirurgia depende dos vários fatores; entre
ativo em outro ambiente que não o esôfago e que "deslizem~
eles, cabendo citar:
com facilidade sobre a mucosa. Estudos demonstram que um
a) tempo de apresentação dos sintomas até o diagnóstico; comprimido ingerido com certa quantidade de líquido, por uma
b) localização e extensão da perfuração; pessoa sem lesões esofágicas, leva no mínimo cerca de 5 min
c) doenças esofágicas associadas; para atingir o estômago.
d) condições cllnicas gerais do paciente. O utro ponto importante é o uso indiscriminado de certas
Q uando se faz a opção pelo tratamento conservador, sem medicações sem orientação médica, que comprovadamen te
cirurgia, as medidas consistem em: infusão de líquidos IV, anti- causam lesões no esôfago e que têm seu uso estimulado em co-
bióticos de amplo espectro, aspiração por cateter nasogástrico merciais de televisão, a exemplo do ácido acetilsalicllico.
continua, drenagem adequada através de toracotomia e suporte O mecanismo de ação para o aparecimento de lesões no esô-
nutricional, incluindo nutrição parenteral. Recentemente, tem fago após o uso de medicações depende de fatores relacionados
se preconizado nutrição enteral através de sondas de jejunos- com o comprimido e o paciente. Os fatores relacionados com
tomia. o comprimido são: natureza química da droga, tempo de con-
Com relação à cirurgia, foi descrito inicialmente por Bar- tato com a mucosa esofágica e grau de solubilidade. Os fatores
rett, em 1947, um caso tratado com sucesso. Antes desse re- relacionados com o paciente são aqueles ligados ao clearance
lato, os casos de sindrome de Boerhaave eram considerados esofágico. O clearance certamente está alterado na presença
virtualmente letais com 100% de mortalidade. A maioria dos de certas afecções do esôfago, como na acalasia, nas estenoses,
médicos advoga a intervenção cirúrgica se o diagnóstico é rea- nos tumores, na esclerodermia e em outras. Fatores compor-
lizado dentro das primeiras 24 h após a perfuração. A sutura tamentais interferem no clearance esofágico, como o hábito de
imediata do local de ruptura e drenagem do mediastino e ca- ingerir comprimidos com pouco ou nenhum llquido ou em
vidade pleural possibilitam melhores indices de sobrevida. A posição de decúbito.
Capftulo 13 I Corpos Estranhos, Perfuraçóes, H~rnios Diafragmdtlcas, Sfndrome de Boerhaave, Lesões Causadas... 137

• Diagnóstico de hipertensão portal são mais predisponentes ao sangramento


depois de uma laceração esofágica do que aqueles que apresen-
A queixa clássica é a dor retroestemal súbita, ou em crescen- tam a pressão portal normal. Estudos relatam a predominãncia
te, após o uso recente de alguma medicação. Outros sintomas desta afecção no sexo masculino, sendo cerca de 2 a 4 por 1 e
comuns são: odinofagia (74%), disfagia (20%) e aqueles rela- mais comum entre 40 e 50 anos de idade, podendo ter amplas
cionados com as complicações. Na história pregressa, deve-se variações.
pesquisar a presença de doenças do esôfago, como acalasia, A presença de hérnia hiatal como fator predisponente é en-
estenoses; doenças sistêmicas, como as reumatológicas, doen- contrada em 35 a 100% dos pacientes com síndrome Mallory-
ça de Chagas, esclerodermia, osteoporose; e, principalmente, Weiss. Durante os esforços de vômitos, o aumento da pressão
o uso recente de comprimidos. transmural é maior dentro da hérnia do que no restante does-
Mais de 50 tipos de comprimidos estão relacionados com tômago, e essa localização é a que predispõe à ocorrência da la-
a lesão esofágica. Os mais comuns são: antibióticos como do- ceração. Fatores precípitantes incluem náuseas, vômitos, tosse,
xicilina, clindamicina, tetraciclina, ciprotloxacino e lincomi- distensão, soluços e traumas abdominais durante reanimação
cina: anti-inflamatórios esteroides e não esteroides; cloreto de cardiopulmonar. As lesões iatrogênicas são raras, consideran-
potássio; alendronato de sódio; e sulfato ferroso. do-se a frequência com que os pacientes apresentam esforços
A endoscopia é o método de escolha para se estabelecer o de vômitos durante a endoscopia. A prevalência é relatada en-
diagnóstico. A suspeita clínica, associada a achados endoscó- tre 0,7 e 0,49%. Em poucos casos, o fator precipitante aparente
picos de lesões em áreas focais de enantema e edema; erosões pode não ser identificado.
recobertas por fibrina; •ulcerações em beijo"; friabilidade da
mucosa, com áreas de sangramento recente, caracterizam essa • Fisiopatologia
associação.
A síndrome de Mallory-Weiss ocorre como resultado de um
rápido aumento do gradiente de pressão transmural ao longo da
• Complicações junção esofagogástrica. Na distensão aguda ou falta de disten-
A incidência de complicações é rara se comparada ao uso sibilidade do esôfago inferíor, produz-se uma laceração linear
exagerado de medicações pela população em geral. A compli- nessa região. Cerca de 1096 de todas as lesões surgem no esô-
cação mais comum é a hemorragia, que pode se manifestar fago. A maioria se localiza à direita na junção esofagogástrica
de forma volumosa com repercussão hemo dinâmica e choque ou no estômago, ligeiramente abaixo da junção. Os pacientes
hipovolêmico ou em pequeno volume e autolimitada, passan- frequentemente apresentam vômitos com sangue avermelhado
do despercebida. As estenoses e as perfurações são ainda mais ou de cor escura. O sangramento pode ser conside.rável.
raras. Com o aumento rápido da pressão intragástrica devido a
fator precipitante, tais como náuseas ou vômitos, o gradiente
de pressão transmural aumenta dramaticamente ao longo da
• Tratamento hérnia hiatal, a qual está em contato com a zona de baixa pres-
Quando as lesões não estão associadas a complicações, o são torácica. Dentro da hérnia, a laceração mais comumente
tratamento se baseia na suspensão do uso da medicação ou envolve a curvatura menor da cárdia que é relativamente fixa,
na troca da via de administração. Podem ser utilizados inibi- comparando-se com o restante do estômago.
dores da bomba de prótons e analgésicos para o alivio da dor Outro mecanismo potencial para síndrome de Mallory-
retroesternal. O sucralfato é uma droga interessante no alivio Weiss é o prolapso violento, ou intussuscepção do estômago
da dor. superior para o esófago, que pode ocorrer mesmo durante os
esforços de vômitos durante uma endoscopia.
As orientações comportamentais, como ingerir um volume
de liquido de no mlnimo 200 m l juntamente com os compri-
midos e ingeri-los em ortostatismo, respeitando o prazo de • Prognóstico
30 min para o decúbito, devem ser sempre lembradas, quando A síndrome de Mallory-Weiss responde por I a I5% dos
se prescreverem drogas potencialmente lesivas ao esôfago.
casos de hemorragia digestiva alta. O sangramento cessa espon-
taneamente em 80 a 90% dos pacientes. Com o tratamento con-
servador, a maioria das lesões cicatriza-se dentro de 24 h. Assim,
• S[NDROME DE MALLORY-WEISS a síndrome de MaUory-Weiss pode não ser vista à endoscopia
quando esta é realizada tardiamente. O grau de perda sanguí-
A síndrome de Mallory-Weiss é caracterizada por sangra- nea varia, e estudos iniciais demonstraram que a proporção de
menta gastrintestinal de origem arterial, secundário a lesões pacientes que necessitavam de transfusão sanguínea oscilava
longitudinais da mucosa gástrica e da cárdia, ao nível da jun- entre 40 e 70%. Atualmente, estes índices são significativamen-
ção esofagogástrica, representando 5% dos casos de hemor- te mais baixos. Instabilidade hemodinâmica e choque podem
ragia digestiva alta. A descrição original foi feita por Mallory ocorrer em cerca de 10% dos pacientes. A mortalidade média é
e Weiss, em 1929, e incluía pacientes com náuseas e vômitos de 8,6%, com tendência à queda, devido à melhora dos recursos
persistentes relacionados com o uso abusivo de bebidas alco- de terapia intensiva, diagnóstico e terapêutica.
ólicas. No entanto, a síndrome de Mallory-Weiss pode ocorrer
após qualquer evento que leve ao aumento súbito da pressão
intragástrica, ou prolapso gástrico para o esôfago. Episódios • Apresentação clínica
iniciais de soluços intensos, vômitos, náuseas e esforços de A apresentação clássica consiste em episódio de hematêmese
vômitos são relatados em cerca da metade dos pacientes nos relacionada com náuseas e vômitos, embora essa apresentação
quais essa síndrome é diagnosticada. Os pacientes portadores possa não ser tão comum como se pensava. Graham e Schwartz
138 Capftulo 73 I Corpos Estranhos, Perfuraç~s, H~rnlas Diafragmdtkas, Sfndrome de Boerhaave, Lesões Causadas ..•

encontraram uma história típica em apenas 3096 dos pacien-


tes. Em estudo realizado por Harries e DiPalma, a bematêmese
• Tratamento
ocorreu no primeiro vômito em cerca de 5096 dos pacientes. Os pacientes devem receber reposição hidreletrolitica e, se
Ela está presente em cerca de 8596 dos casos, e menos comu- necessário, transfusão sanguínea. Na maior parte dos casos, o
mente ocorrem sintomas de melena, hematoquezia, síncope sangramento cessa espontaneamente. Quando o sangrarnen-
e dor abdominal. O consumo excessivo de álcool é relatado to não cessa, os pacientes são tratados por meio de injeção de
em 40 a 7596 dos pacientes e o uso de ácido acetilsalidlico, em solução de epinefrina ou cauterização do vaso sangrante com
mais de 3096. sondas de calor. Se estes tratamentos não tiverem sucesso, a
Quanto ao exame físico, não existem sinais espedficos na cirurgia poderá ser eventualmente indicada.
síndrome de Mallory-Weiss. Os achados f!sicos estão relacio-
nados com os diferentes graus de perda sanguínea, podendo • Cuidados dfnícos
ocorrer taquicardia, hipotensão, alterações ortostáticas e até As medidas iniciais consistem em manobras de reanimação
choque hipovolêmico, quando em maior intensidade. apropriadas, realização de endoscopia e triagem dos pacientes
para tratamento intensivo, internação ou acompanhamento em
regime ambulatorial. Esta triagem depende da intensidade do
• Exames complementares sangrarnento, comorbidades e risco de ressangramento, bem
• Exames laboratoriais como da presença de complicações. A maioria dos pacientes
Os níveis de hemoglobina e hematócrito devem ser deter- para de sangrar espontaneamente. O suporte com medidas con-
minados para avaliar a intensidade do sangramento inicial e servadoras, tais como transfusão de sangue, supressão de ácido
monitorar os pacientes. Provas de coagulação devem ser sem- e uso de antieméticos, é suficiente na maioria dos pacientes.
pre realizadas nos pacientes que apresentem coagulopatias e Cerca de 3596 dos pacientes requerem uma nova intervenção
hepatopatias crônicas. terapêutica, geralmente endoscópica. A necessidade de inter-
venção cirúrgica está reservada para casos refratários ao trata-
• Métodos de Imagem mento endoscópico e arteriografia intervencionista.
Os estudos radiográficos contrastados com bário ou con-
traste iodado devem ser evitados por não serem úteis no diag- • Abordagemendoscópica
nóstico e prejudicarem a terapêutica endoscópica. Eletrocar- A terapêutica endoscópica depende da experiência do en-
diograma e enzimas cardíacas, quando indicados, devem ser doscopista e, em particular, da familiarização com a técnica a
realizados para afastar possibilidade de isquemia miocárdica, ser empregada, com os equipamentos e acessórios disponíveis.
especialmente em pacientes com anemia importante, instabi- Os pacientes com sangrarnento ativo, principalmente sangra-
lidade hemodinâmica, doença cardiovascular, dor torácica e mente arterial contínuo, devem ser tratados. Na parada do san-
idade avançada. gramento e nos casos com estigma de sangramento recente,
comumente não há necessidade de tratamento, a não ser que
• Endoscopia ocorra episódio de ressangramento da lesão ou coagulopatias
A endoscopia está indicada no início dos sintomas, sendo o associadas. Sendo assim, quando o endoscopista encontra le-
procedimento de escolha tanto para o diagnóstico como para sões planas com base limpa ou clara e pigmentos de hematina,
a terapêutica. A endoscopia pode prontamente identificar san- não há necessidade de qualquer intervenção endoscópica, em
gramento ativo, coágulo aderido, bem como identificação das função de risco mínimo de ressangramento.
lesões. As lacerações na maioria dos casos têm 2 a 3 em de ex- A injeção de epinefrina dilulda reduz ou interrompe o san-
tensão (podendo variar de 0,5 a 4 em) e poucos millmetros de gramento através do mecanismo de vasoconstrição e tampo-
profundidade. Em mais de 8096 dos pacientes, uma única lesão namento. Esta técnica pode ser empregada como tratamento
é observada à endoscopia. O local mais comum de ocorrência é definitivo ou associando-se com terapia térmica. O uso de es-
logo abaixo da junção esofagogástrica, na curvatura menor do derosantes, tais como álcool ou polidocanol, tem sido descrito,
estômago, entre 2 e 6 horas na visão endoscópica, com o pa- mas recomendam-se alternativas mais seguras, já que a injeção
ciente na posição de decúbito lateral esquerdo. A slndrome de de esclerosantes pode levar a danos teciduais, com riscos de
Mallory-Weiss é, em geral, associada a outras lesões de mucosa. aumento da área de necrose e pe.rfuração.
Em cerca de 3596 dos pacientes, existe uma outra causa com Tem sido descrito também o uso do plasma de argônio
lesões potencialmente sangrantes, como, por exemplo: úlcera (APC) no tratamento do sangramento ativo. Outra técnica seria
péptica, gastrite erosiva ou varizes esofágicas. a ligadura elástica, eficaz no controle imediato da hemorragia.
Em estudo randomizado de 34 pacientes, com sangramento ati·
vo na síndrome de Mallory-Weiss, não foi evidenciada qualquer
• Complicações diferença na eficácia ou segurança da ligadura elástica versus
A maioria dos pacientes para de sangrar espontaneamente, e injeção de epinefrina. A ligadura elástica pode ser particular-
as lesões da síndrome de Mallory-Weiss tendem a cicatrizar-se mente útil no sangramento de Mallory-Weiss com hipertensão
rapidamente dentro de um período de 48 a 72 h. As complica- associada a varizes esofagogástricas, nas quais a terapêutica
ções, como isquemia miocárdica ou infarto, choque hipovolê- térmica não é recomendada.
mico e morte, são relatadas e estão associadas a sangramentos O uso de hemoclipes também é efetivo nesta afecção, e as
graves e comorbidades importantes. Felizmente, essas compli- margens da lesão podem ser aproximadas com a colocação de
cações s!o raras na atualidade, graças às medidas e aos cuida- sucessivos clipes a partir da sua parte distai em direção à par-
dos citados anteriormente. O agravamento do sangramento ou te proximal. Alternativa possível é a colocação de um único
perfuração pode acontecer como complicação durante a tera- clipe diretamente no ponto sangrante. A colocação de hemo-
pêutica endoscópica. Isquemia e infarto de órgãos podem ser clipe pode ser dificultada pela posição tangencial no local da
complicações da angiografia terapêutica. erosão.
Capftu/o 13 I Corpos Estranhos, Perfurações, Hérnias Diafragmdticas, Sfndrome de Boerhaave, Lesões Causadas... 139

Embora existam estudos com uso de tamponamento com Chung.IK, Kim, EJ, Hwang, KY et a/. Evaluation of endosoopic hemostasis in
upper gastrointestinal bleeding related to Mallory·Weiss syndrome. En·
balão, essa técnica deve ser evitada, pois leva a esforços que
doscopy, 2002; 34:474·9.
predispõem o paciente a mais lacerações, podendo aumentar Davis, SS Jr. Currcnt controvcrsies in paracsophageal hernia rcpair. Surg Cün
o tamanho das lesões existentes. North Am, 2008; 88:959·78.
O tratamento com uso de infusão seletiva de vasopressina, De Buys Roessingh, AS & Oinh·Xuan, AT. Congenitlll diaphragmatichemia: cur·
rent status and review ofthe titeraturc. Eur I Pediatr, 2009; 168:393·406.
ou embolização da artéria gástrica esquerda, pode ser aplica-
De Scltipper JP, Pull ter Gunne, AF, Oostvogcl, HJ, van Laarhoven, CJ. Spnnta·
do em pacientes nos quais falhou a terapêutica endoscópica, neous rupture ofthe oesophagus: Boerhaave's syndrome in 2008. Literature
ou naqueles com risco muito elevado de complicações endos- review and treatmcnt algorithm. Dig Surg, 2009; 26:1·6.
cópicas. Elhalaby, EA & Abo Sikeena, MH. Oelayed presentation ofoongenital diaphrag·
matie hernia. Pediatric Surg b•t, 2002; /8:480· 5.
Fernández, JM, Gordillo, LA. Auona, MAC et a/. Hernia diafragmática de
• Dieta Morgagni de presentaeión tardía. Na Pediatr (Bare.), 2005; 62:81-4.
O jejum absoluto é indicado tanto pela instabilidade clíni- Fisher, RG, Schawartz, JT, Graham, OY. Angiotherapy with Mallory·Weiss tear.
ca quanto pela eventual necessidade de repetidas intervenções AJR Am I Rantget~ol, 198 Apr; 134(4):679·84.
endoscópicas a curto praw. Se não houver náuseas ou vômi- Guo, SB, Gong, AX, Leng, J et a/. Application of endoscopic hemoclips for
nonvariceal bleeding in the upper gastrointestinal tract. World I Gastro·
tos e o paciente apresentar estabilidade cllnica, pode-se iniciar entero~ 2009, 15:4322·6.
dieta líquida restrita e, havendo boa tolerãncia, progredir gra- Harris, JM, Oi Palma, JA. Clinicai significance of Mallory·Wei$5 tears. Am I
dualmente até a dieta regular, em 48 h. A supressão ácida com Gastroenterol, 1993 Dee; 88(12):2056·8.
inibidor de bomba protônica e protetor de mucosa normal- Huang, SP. Wang. HP, ~. YC ~~ai. Endoscopic hemoclip placement and epi-
nephrine injection for Mallory-Weiss syndrome with actlve bleeding. Gat-
mente é prescrita pelo período de 1 a 2 semanas para acelerar
trointest Endosc. 2002; 55:842-6.
a cicatrização das lesões, embora, teoricamente, este benefício Kish, GF, Katske, FA. A case of recurrent Boerhaave's syndrome. WV Med 1.
não tenha sido comprovado. O uso de antieméticos é útil para 1980 Feb; 76(2):27-30.
controlar náuseas e vômitos, fatores precipitantes para a sín- Lansdale, N, Alam, S, Lnsty, PD, Jesudason, EC. Neonatal Endosurgical Conge·
nital D iaphragmatic Hernia Repair: A Systematic Review and Meta-Anal-
drome de Mallory-Weiss.
ysis. Ann Surg, 2010; 252:20·6.
Lawrence, DR.., Oh ri, SI<, Moxon, RE et ai. Primary esophageaJ repair for Boer-
• Cuidados adicionais aos paàentes internados haave's syndrome. Ann Thorac Surg, 1999; 67:818·20.
Uma abordagem conservadora, com observação hospitalar Lecleire, S, Antonietti, M, Ducrotté, P. Mallory-Weiss syndrome: diagnosis and
por período de 24 h , pode ser instituída desde que não exis- treatment. Presse Med, 2010; 39:640-4.
Lima, M, Lauro, V. Domini, M et a/. Laparoscopy Surgery of Diaphragmatic
tam fatores de risco para ressangramento (p. ex., hipertensão
Diseases in Childten; Our experience with Five Cases. Eur f Pediarr Surg.
portal, coagulapatia) e o sangramento não seja grave (p. ex., 2001; 11:377·81.
hematoquezia, instabilidade hemodinãrnica). Pacientes que Llach, J, Eli2alde, )1, Guevara, MC era/. Endosoopic injeetlon therapy in bleed.
apresentam sangramento ativo, fatores de risco para ressangra- ing Mallory· Weiss syndrome: a randomiud controlled trilll. Gastrointest
Endosc, 2001; 54:679-81.
mento e aqueles com estigmas à endoscopia (vaso visível sem
Mosca, S. Manes, G, Martino, R et a/. Endoscopic management o f foreign bodies
sangramento, protuberâncias pigmentadas ou coágulo aderido) in the upper gastrointestinal tract: report on a series of 414 adult patients.
devem ser observados por 48 h . Endoscopy, 2001; 33:692·6.
O monitoramento dos sinais vitais, bem como dosagens de Nawaz, A, Matta, H,Jacobsz, A et al. Congenital MorgagniS hernia in infants
and children. Int Surg, 2000; 85:158·62.
hemoglobina e hematócrito permitem o acompanhamento e
Onat, S, Ulku, R, Cigdem, KM et a/. Factors aJfecting the outcome ofsurgically
identificação de ressangramento. As coagulopatias, quando pre- treated non iatrogenic traumatic cervical esophageaJ perforation: 28 years
sentes, devem ser tratadas para se manter o suporte hemodi- experience ata single center.} Cardiothorac Surg, 2010; 31:46·51.
nâmico, com infusão de llquidos e hemoderivados. A transfu- Park, CH. Min, SW, Sohn, YH et ai. A prospective, randomized trial ofendo·
scopic band ligation vs. epinephrine injection for actively bleeding Mallory·
são sanguínea pode ser necessária para níveis de hemoglobina
Weisssyndrome. Gastrointest Endosc, 2004; 60:22·7.
abaixo de 6 gldl em pacientes estáveis ou acima de 7 gldl em Pemberton, J. Oesophageal obstruction and ulceration caused by oral potassium
pacientes com comorbidades ou que serão submetidos a pro- therapy. Br Heartl, 1970 Mar; 32(2):267·8.
cedimentos cirúrgicos ou anestesia para endoscopia terapêu- Ponsky, JA, Lukish, JP, Nobuhana, K et a!. Laparosoopy is usefull in the diag·
tica. A recorrência desta afecção é rara, e os pacientes devem nosis and managemcnt offoramen of Morgagni Hernia in Children. Surg
Laparosc Endosc Percuú> Tech, 2002; 12:375·7.
ser aconselhados a evitar os fatores de riscos que precipitam a Schmidt, SC. Strauch, S. Rõsch, T et ai. Management of esophageal perforations.
síndrome de Mallory-Weiss, como excesso de bebida alcoólica Surg Endosc, 2010, PMID: 20428896 (in press).
e tosse intensa e persistente. Sepesi, B, Raymond, OP, Peters. JH. Esophageal perforation: surgical, endo·
scopic and medica! management strategies. Curr Opin Gastroenterol, 2010;
26:379·83.
Shimoda, R, lwakiri, R, Sakata, H et a/. Endoscopic hemostasis with metallic
• LEITURA RECOMENDADA hcmoclips for iatrogenic Mallory-Wciss tear causcd by cndoscopic exami-
nation. Dig Endosc, 2009; 21:20-23.
Bharucha, AE, Gostout, Cj, Balm, RK. Clinicai and endoscopic risk factors in Trown, S, Lanc, C.E, Dalton, ML Jr. Surviving Bocrhaave's syndromc without
the Mallory· Weiss syndrome. Am I Gastroenterol, 1997; 92:805·8. thoracotomy. Chest, 1994; 106:297·9.
Bladergroen, MR, Lowe, JE, Postlethwait, RW. Oiagnosis and recommended er a/. Endoscopic hemoclipping for upper
Yamaguch~ Y, Yamato, T, Katsurni, N
management of esophageal perforation and rupture. Ann Thorac Surg, 1986 GI bleeding dueto Mallory·Weiss syndrome. Gastrointest Endosc, 2001;
Sep; 42(31):235·9. 53:427·30.
Bohn, O. Congenital Diaphragmatic Hernia. Am I Respir Crit Care Med, 2002; Yen, HH & Chen, YY. Oiagnosing Mallory·Weiss in the ED. Am I Emerg Med,
166:911·5. 2009; 27:1010.
14 Acalasia e Megaesôfago
Eponina Maria de Oliveira Lemme, Paula Amorim Novais e
Vânia Luiza Cochlar Pereira

• INTRODUÇÃO -----------------~-----------------
Quadro 14.1 Distúrbios motores prim~rios do esôfago
O esôfago é sede de alterações funcionais que produzem
sintomas, conhecidos como distúrbios motores do esiJfago 1. ACALASIA
(DME). 2. ESPASMO ESOFÁGICO OI FUSO
Os DME podem ser divididos topograficamente em dois 3. ESOFAGO HIPERCONTRÁTIL
grandes grupos, os distúrbios da musculatura estriada, quando - Esôfago em quebra·nozes
- EEI hipertenso
são consequentes a alterações da faringe e/ou esf!ncter esofágico
4. ESOFAGO HIPOCONTRÁTIL
superior, e os distúrbios da musculatura lisa, quando o acome-
- Motilidade esofágica ineficaz
timento se situa no corpo esofágico e/ou no esfíncter esofági- - EEI hipotenso
co inferior (BEl). Tanto os distúrbios de musculatura estriada
como os da musculatura lisa podem ser primários, quando a
alteração motora esofágica é a própria manifestação da doença,
e secundários, se a doença de base é sistêmica e o comprometi-
~-
mento esofágico é apenas urna de suas manifestações. Quadro 14.2 Distúrbios motores secundários do esôfago
Nos Quadros 14.1 e 14.2, estão relacionados os DME primá-
rios e secundários. A acalasia (AC) e o megaesôfago, denomi- 1. DOENÇA DE CHAGAS
nação habitualmente empregada para a forma da doença con-
2. COLAGENOSES
sequente à doença de Chagas, são, respectivamente, distúrbios - Esclerose sistêmica progressiva
motores primários e secundários. - Dermatomiosite
- Lúpus eritematoso sistêmico
- Síndrome de Sj õgren
3. DIABETES MELITO
• CONCEITO DE ACALASIA EMEGAESOFAGO
4. HIPER EHIPOTIREOIDISMO
Estas afecções são conhecidas na literatura por um grande
número de expressões. No início do século, Sir Cooper Perry
cunhou o termo acalasia para ausência de relaxamento (a = au-
sência, e calasia =relaxamento), que foi então introduzido na presente, como nas fases iniciais da doença. Neste capítulo,
terminologia médica. Na literatura inglesa e em vários países empregaremos os termos AC idiopática e AC chagásica, para
do mundo, este termo tem sido o mais usado, embora expresse designar as duas formas da doença. Como se verá adiante, as
somente uma das anormalidades encontradas na doença, que duas entidades apresentam semelhanças clínicas e funcionais,
é a falta de relaxamento do EEI à deglutição. Muito mais tar- embora pequenas diferenças neste último particular.
de, foi então verificado que na AC havia também ausência de
peristaltismo no corpo do esôfago, sendo então o mais com-
pleto distúrbio motor de musculatura lisa. Pode ser idíopática, • HISTÓRICO
encontrada nos países europeus e na América do Norte, e de
natureza chagásica, predominante nos países onde a doença Há mais de 300 anos, SirThornas Willis descreveu o quadro
de Chagas é endêmica, entre os quais o Brasil. A maioria dos clínico da AC pela primeira vez, referindo-se também ao trata-
autores nacionais usa o termo megaesôfago como sinônimo mento por ele instituído, o qual visava a empurrar o alimento
de AC de origem chagásica, embora esta seja expressão da al- retido no esôfago para o estômago. Empregou, na ocasião, um
teração anatômica, que é a dilatação do órgão, nem sempre osso de baleia, que foi posteriormente utilizado pelo próprio pa-

140
Capitulo 14 I Acolosio e M egoesófogo 141

ciente durante longo período. A seguir, vários autores tentaram (Rezende, 2004). Há um predomínio do sexo masculino sobre
elucidar o mecanismo da AC, e seu histórico se confunde com o feminino, sendo encontrada em todas as faixas etárias, com
sua fisiopatologia. Foram descritas teorias como "espasmo na maior predominância entre os 20 e 40 anos. Tanto no Chi-
porção inferior do esôfago", "diminuição da contratilidade eso- le como na Argentina, o megacólon parece ocorrer com mais
fágica" e, tempos depois, a "falta de relaxamento da cárdia", com frequência do que o megaesôfago.
possível anormalidade da ação reflexa responsável pela abertura Portanto, no Brasil, como um todo, há um franco predo-
da cárdia às deglutições. Já no século XX, foi demonstrado o mínio da acalasia chagásica, devido à endemicidade da doen-
substrato anatomopatológico da AC, a degeneração do plexo ça, e as áreas mais acometidas estão nos estados de Goiás, São
de Auerbach, e inúmeras outras pesquisas se seguiram. Paulo, Bahia e Minas Gerais. ~pouco conhecida a prevalência
No Brasil, a descoberta da tripanossomíase americana se deu da acalasia idiopática, porém estudos com grandes séries reali-
em 1909 pelo sanitarista Carlos Chagas, mas somente em 1916 zados no Rio de Janeiro (Lemme et ai., 1985; Pereira & Lemme,
é divulgada a ideia de que a disfagia conhecida como "mal de 1995; Novais & Lemme, 2010) mostram franco predomínio da
engasgo" estaria relacionada com a infecção pelo Trypanosoma acalasia idiopática sobre a chagásica naquela cidade (aproxima-
cruzi. Nos anos que se seguiram, foram descritas lesões no ple- damente 3 para 1), uma vez que o município não é área reco-
xo mientérico não só no esôfago, mas em todo o tubo digestivo nhecidamente infestada pelo vetor, e os portadores desta última
de portadores de megaesôfago de origem chagásica. A teoria são provenientes de áreas endêmicas.
da etiologia chagásica foi reforçada pelo achado da reação de Por motivos didáticos, abordaremos AC idiopática e cha-
fixação do complemento positiva para doença de Chagas em gásica no mesmo tópico.
mais de 90% dos pacientes portadores de megaesôfago. Opa-
rasito é transmitido ao homem por um inseto hematófago, o
Triatoma infestans, conhecido popularmente pelos nomes de • ETIOPATOGENIA
"barbeiro", "chupão", "procotó" e outros. Além da transmissão
pelo inseto, a infecção pelo T. cruzi é transmitida também por
via sanguínea, de mãe para filho (transmissão vertical) e nos
• Acalasia idiopática
transplantes de órgãos e tecidos. Como o nome indica, a AC idiopática não tem etiologia co-
A relação definitiva entre megaesôfago/megacólon e a doen- nhecida, e vários fatores são apontados em sua etiopatogenia.
ça de Chagas foi feita por Koeberle e Nador (1955), na Escola Alguns casos familares têm sido descritos, mas, devido à
de Medicina de Ribeirão Preto, e enfatizada posteriormente em raridade, não suportam a hipótese de que a herança genética
inúmeras publicações. seja um fator determinante. Estudos em gêmeos sugerem que
a possibilidade de herança autossômica recessiva, influenciada
por fatores ambientais, poderia predispor à doença.
• EPIDEMIOLOGIA, INCID~NCIA EPREVAL~NCIA Aventou-se também a teoria infecciosa, na qual um vírus
neurotrópico poderia provocar as lesões histopatológicas vis-
A AC idiopática é relativamente incomum, sendo respon- tas na acalasia, e foram sugeridas associações com os virus do
sável por 8 a 14% das causas de disfagia nos países em que não sarampo, varicela-zóster e pólio.
existe doença de Chagas. Estudos na Europa e nos EUA esti- Das evidências a favor de um fator infeccioso como agente
mam uma incidência de um caso novo/ano por 100 mil habi- desencadeante da AC idiopática, a mais importante é o fato
tantes, com prevalência de cerca de 10 casos por 100 mil ha- bem estabelecido de que a AC de natureza chagásica (causada
bitantes. pelo Tryponossoma cruzi) tem fisiopatologia muito semelhante
A distribuição quanto ao sexo masculino ou feminino é pra- à da forma idiopática.
ticamente igual, podendo ser encontrada em qualquer idade, Em poucos casos, é descrita associação com doenças neuro-
porém é diagnosticada principalmente entre 30 e 60 anos. Um lógicas, como Parkinson e ataxia cerebelar. Exposição a toxinas,
estudo retrospectivo conduzido no Hospital Universitário Cle- entre elas, o gás de guerra (iperite), também foi aventada como
mentino Fraga Filho - UFRJ (Pereira, 1994) demonstrou que, possível causa, sem qualquer comprovação.
entre 1978 e 1994, havia 248 pacientes com diagnóstico de AC, Mais recentemente, vem ganhando importância a teoria
idades entre 16 e 80 anos, maior concentração na 5• década imunológica, devido à presença de infiltrado de linfócitos T
(média de idade de 43 anos). Houve franco predomínio do sexo entre as células mioentéricas e a frequente associação entre a
feminino tanto na AC chagásica como na idiopática, embora AC idiopática e o antígeno de histocompatibilidade da classe
trabalhos estrangeiros não demonstrem predominância entre 11, DQw1, o que conferiria ao grupo de pacientes estudados
os sexos e na forma chagásica predomine o sexo masculino. um risco relativo de 3,6 a 4,2 para o diagnóstico de AC (Wong
Nos países onde a doença de Chagas é endêmica (Brasil, Ar- et al., 1989). Há também relatos de associação da presença de
gentina, Chile, Bolívia, Venezuela, principalmente), observa-se antígenos de histocompatibilidade, com maior prevalência de
elevado número de pessoas acometidas pela doença, cerca de 16 anticorpos antiplexo mientérico (Ruiz de Leon et ai., 2002),
a 18 milhões, segundo dados da Organização Mundial de Saúde dando suporte para uma causa autoimune, porém essas afirma-
de 1993. Entretanto, relatos brasileiros indicam que a doença tivas precisam ser analisadas com cuidado, uma vez que nem
está em descenso em nosso pais, relacionado possivelmente à todos os pacientes com AC apresentam identificação desses
erradiação dos vetores por meio de campanhas, desmatamento antígenos.
e urbanização em áreas endêmicas.
O comprometimento do aparelho digestivo na doença de
Chagas ocorre com frequência variável conforme a região geo-
• AC chagásica
gráfica, o que tem sido atribuldo à diferença nas cepas de Trypa- Coube a Koeberle, em inúmeros trabalhos realizados prin-
nosoma cruzi. A prevalência da esofagopatia em nosso país, cipalmente na década de 1950, demonstrar a correlação ana-
avaliada em metanálise de mais de 3.000 pacientes portadores tomopatológica entre a doença de Chagas e o megaesôfago,
da doença, é em média de 8,8%, com 3% da forma ectásica identificando a forma de leishmânia (amastigota) do r. cruzi
142 Capitulo 14 I AcolosioeMegoes6fogo

na musculatura do esôfago de pacientes com esta alteração,


provenientes de áreas endêmicas de doença de Chagas. A des-
• DIAGNÓSTICO
nervação que se segue ocorre em vários níveis e de maneira O diagnóstico da AC é suspeitado pela história c!Inica e
irregular ao longo do tubo digestivo, com redução do número pelo estudo radiológico do esôfago (esofagografia}, porém a
de células nervosas do plexo mioentérico, que repercute na comprovação é feita pela esofagomanometria, considerada o
fisiologia motora de vários segmentos. No entanto, sua con- padrão-ouro para esta finalidade. A EDA é fundamental para
sequência é maior no esôfago e cólon, em função da fisiologia excluir a possibilidade de lesão orgânica.
destes órgãos. A associação de megacólon ou cardiopatia cha-
gásica com megaesôfago é frequente.
São duas as teorias que tentam explicar o fenômeno da des- • Quadro clínico
truição dos plexos mioentéricos pela atuação dos parasitos: A doença é crônica, de longa duração, havendo pacientes
1) a neurot6xica, em que substâncias neuro!Iticas liberadas com queixas de até 50 anos. O tempo médio de sintomas antes
da forma amastigota do T. cruzi destruiriam o neurônio. Esta do diagnóstico é em torno de 3 a 5 anos.
destruição ocorreria na fase aguda da doença, e suas conse- A queixa mais comum é a disfagia, apresentada por 100%
quências surgiriam meses ou anos após; 2) a autoimune, dos pacientes em algum momento da evolução da doença. A
em que haveria liberação de antígenos a partir da forma amasti- disfagia na AC é inicialmente intermitente e depois lentamente
gota, que se depositariam nas células neuronais, sensibilizando- progressiva, tanto para Líquidos quanto para sólidos, podendo
as. A partir daí, se desenvolveria a resposta imunológica com li- apresentar-se como disfagia paradoxal, isto é apenas para H-
beração de autoanticorpos contra as células sensibilizadas, com quidos. ~ percebida principalmente em terço distai da região
sua consequente destruição. Já foram encontrados anticorpos retrosternal, porém alguns pacientes a referem ao nlvel da fúr-
antineurônio e antimiocárdio no soro de pacientes e de animais cula esternal, quando se diferencia da disfagia orofarlngea,
de experimentação, portadores de doença de Chagas. por ocorrer após o ato da deglutição e não ser acompanhada
de engasgos (disfagia alta referida). Entretanto, por vezes, du -
rante o ato de ingerir grande quantidade de líquidos, estes po-
• FISIOPATOLOGIA dem retornar "até pelo nariz", gerando engasgo e desconforto.
Muitos executam manobras para tentar alívio da disfagia, tais
O substrato fisiopatológico da AC, seja chagásica ou idiopá- como elevação dos braços e rotação da cabeça.~ notória a in-
tica, é a desnervação esofágica, caracterizada pela destruição do fluência de fatores psíquicos na disfagia, que é agravada por
plexo mioentérico do esôfago, havendo evidências também de ansiedade ou emoções.
degeneração de fibras aferentes vagais e do núcleo dorsal mo- As regurgitações ocorrem com frequência (8096}, no inicio
tor do vago. No EEI, o relaxamento é ausente ou incompleto (a de material semelhante a clara de ovo, que corresponde à esta-
definição do termo acalasia), com perda dos neurônios inibitó- se salivar. A medida que a doença avança, o paciente regurgita
rios do plexo mioentérico que contém os neurotransmissores alimentos, até horas após a ingestão, principalmente à noite,
óxido n(trico (ON) e peptldio intestinal vasoativo. Além disso, provocando tosse, engasgos, sensação de sufocação, o que des-
um complexo mecanismo envolvendo a coordenação entre o perta o paciente. Outros referem acordar com o travesseiro
sistema nervoso, musculatura lisa, células intersticiais de Cajal manchado de líquidos ou secreção contendo restos alimenta-
e neuromediadores é perdido. res, e alguns evoluem com pneumonias de repetição devido à
Em geral, observa-se aumento da pressão basal do EEI, pois broncoaspiração.
a via excitatória colinérgica está preservada e os mecanismos A perda de peso é referida por 70 a 8096 dos pacientes. Pode
inibidores estão ausentes. ser importante em jovens na fase inicial da doença enquan-
Embora estas alterações da motilidade sejam encontradas to, em outros, aponta estágios mais avançados. Entretanto, a
tanto na AC idiopática como na chagásica, estudos revelam que maior parte dos pacientes consegue conservar o estado geral,
existem certas diferenças quanto à expressão da degeneração desenvolvendo adaptação da dieta à disfagia. Ante pacientes de
do plexo mioentérico em uma e outra entidade. Enquanto, na idade mais avançada e com rápido emagrecimento, impõe-se
AC idiopática, a desnervação parece ser predominantemen- o diagnóstico diferencial com o câncer de esôfago e de fundo
te pré-ganglionar com hipersensibilidade do EEI à gastrina e gástrico, invadindo o órgão em sua porção distai. Pacientes
aumento da pressão basal do EEI, na AC chagásica há hipos- com AC de longa duração também apresentam risco aumenta-
sensibilidade a este hormônio com pressão do EE! menor do do de desenvolvimento de carcinoma epidermoide de esôfago,
que na AC idiopática, sugerindo anormalidades tanto nas vias atribuído à estase alimentar e esofagite crônica, com incidência
inibitórias como nas excitatórias. em 2 a 4% dos casos.
Da mesma forma, a anormalidade decorrente da desner- Nas fases iniciais da doença, pode haver dor torácica (I O
vação intrínseca que se estabelece ao longo do esôfago pode a 60%) que se confunde com a dor anginosa, devido a sua lo-
ser demonstrada pela observação de hipersensíbilidade da calização, frequentemente retrosternal irradiada para a man-
musculatura esofágica à ação de substâncias como a metacoli- dJbula. Esta dor, em geral, surge espontaneamente e melho-
na e o betanecol, nas duas formas de AC. ra com ingestão de líquidos (principalmente gelados) e com
No corpo do esôfago, ocorre perda da peristalse, traduzida eructação, podendo preceder por meses ou anos o surgimento
por ausência de contrações ou contrações simultâneas. Esta da disfagia.
aperistalse também não é muito bem compreendida e alguns Alguns se queixam de pirose (27-4896), que é, muitas vezes,
a relacionam com a perda do gradiente de latência ao longo do relatada no início da doença e também precedendo a disfagia,
corpo esofágico, processo também mediado pelo óxido nltrico. o que confunde e retarda o diagnóstico. ~ um fenômeno de
Com o passar do tempo, o esôfago vai se dilatando, surgindo dificil interpretação na AC não tratada, uma vez que a doença
então o megaes6fago, alteração anatômica consequente ao dis- teoricamente não favoreceria o refluxo pela ausência ou difi-
túrbio funcional. culdade de relaxamento do EEI, embora a associação já tenha
Copftulo 14 I Aca/aslae Megaes6fago 143

sido descrita em alguns pacientes. Na maior parte dos casos, é e


detecção da infecção pelo r. cruzi. ainda o método mais
atribufda à estase e fermentação alimentar no interior do esôfa- divulgado e amplamente utilizado. Tem elevada sensibi-
go, tornando o resfduo ácido (rico em ácido láctico) em contato lidade (90%) e, como desvantagem, a reação cruzada com
com a mucosa esofágica. as leishmanioses, hansenfase, lues, malária e doenças do
Tosse noturna é apresentada por cerca de 20% dos pacien- colágeno, gerando falso-positivos.
tes, e a queixa, que, por veus, leva à procura do médico, não • Reação de imunofluoresdncia indireta - Tem sido con-
raramente é acompanhada de infecção respiratória. siderada a mais senslvel das provas sorológicas para doen-
Sialorreia em grande quantidade é um sintoma menos co- ça de Chagas, com sensibilidade de até 100%. Utilizam-
mum, surgindo durante a alimentação, acompanhando a dis- se reagentes padronizados assegurando uniformidade e
fagia ou a dor torácica. Nos pacientes com doença de Chagas, positivação mais precoce, quando comparada com outros
observou-se que a sialorreia acompanha-se de hipertrofia das exames. Além disso, é de fácil execução.
glândulas salivares, especialmente das parótidas. Isso se deve • Reação de hemaglutinação indireta - Tem grande sen-
ao fato de que as glândulas, por estarem desnervadas, apresen- sibilidade e especificidade, comparável às anteriores, com
tam hipertrofia e hiperatividade funcional ao reflexo esôfago- simplicidade de execução. Os resultados falso-positivos
salivar de Roger, exacerbado pela estase alimentar e irritação podem ser contornados empregando-se diluição inicial
constante da mucosa esofágica. de 1:100.
Soluços ou singultos podem ser observados na fase inicial da • Ensaio imunoenzimático (ELISA)- Além de pouco dis-
esofagopatia, durante o ato da alimentação, acompanhando a pendioso, é de execução simples, podendo se.r automati-
disfagia. Menos comumente, os soluços têm duração prolonga- zado para grande número de amostras.
da, em crises de dias ou semanas, e desaparecem ou se atenuam • e
Xenodiagnóstico - a pesquisa do parasito no conteúdo
com o tratamento da disfagia. intestinal e nas fezes dos vetores, algumas semanas após
Muitos pacientes referem constipação intestinal, atribuída alimentá-los com sangue dos indivíduos possivelmente
à alimentação inadequada, pobre em fibras devido a disfagia e infectados.
ajuste das consistências alimentares à sua intensidade. Entre- Os testes sorológicos mais empregados habitualmente são
tanto, na AC chagásica, a constipação intestinal acentuada pode a reação de fixação de complemento de Machado e Guerreiro
ser devida à associação com megacólon. e a imunofluorescência indireta. Pacientes com história epide-
Sintomas decorrentes de distúrbios do ritmo cardíaco e de miológica positiva devem ser submetidos a mais de um teste,
evolução para insuficiência cardíaca, quando referidos pelos em caso do primeiro negativo. Pelo menos três exames devem
pacientes de origem chagásica, devem sugerir associação com ser solicitados, em caso desta eventualidade.
a cardiopatia.
Não há diferenças no quadro clínico de pacientes com AC
chagásica e idiopática. Isso foi demonstrado em um estudo de • Avaliação esofágica
232 pacientes (Pereira & Lemrne, 1995) com diagnóstico etio- • Esofagografia
lógico definido, sendo 154 (66%) portadores de AC idiopática O estudo radiológico~ de fundamental importância no diag-
e 78 (44%) de AC chagásica. A constipação intestinal foi mais
nóstico da AC. sendo os achados de alta especificidade, quan-
frequente nos chagásicos, devido à associação de 27% de me- do correlacionados com o estudo manométrico. Os achados
gacólon. A média de idade foi significativamente maior na AC sugestivos da AC são retardo do meio de contraste, ausência
chagásica do que na idiopática (47 e 39 anos, respectivamente) de peristalse do órgão com ou sem contrações terciárias, JEG
e também o tempo de doença (5 e 3 anos, respectivamente).
afilada conferindo o aspecto descrito como •rabo de rato• ou
O exame fisico em pacientes com AC é pobre, evidenciando- "bico de pássaro•, e os diferentes graus de dilatação esofágica
se emagrecimento e sinais de desnutrição em alguns. A hiper- (Figura 14.1 ).
trofia das parótidas pode gerar aumento do diâmetro da face, Existem classificações de megaesOfago que são empregadas
bem característico, mas incomum nos pacientes com AC cha- para definir o grau de avanço da doença por meio da mensu-
gásica. A associação com megacólon pode apresentar-se como ração do diâmetro distai do esôfago, auxiliando na opção tera-
fecal oma palpável no quadrante inferior esquerdo do abdome,
pêutica e avaliação prognóstica. As mais empregadas entre nós
e anormalidades cardiológicas podem ser observadas quando são a de Ferreira-Santos (1961) e a de Rezende (1982) (Qua-
existe cardiopatia associada. dros 14.3 e 14.4). A maioria dos pacientes se apresenta com
megaesõfago não avançado (graus I e 11), tanto na AC chagásica
como na idiopática. Os graus Ili e IV são estágios avançados
• M~TODOS COMPLEMENTARES da doença. Algumas vezes, o diagnóstico da AC não é claro nas
fases iniciais, e a sua confirmação requer exame manométrico.
• Definição de etiologia Entretanto, é incomum que paciente com AC apresente estudo
radiológico inteiramente normal.
O inquérito epidemiológico deve preceder a avaliação la-
boratorial. Indivíduos naturais ou residentes em áreas sabida- • Endoscopia digestiva alta (EDA)
mente endêmicas e/ou casa de pau a pique são considerados O papel mais importante da endoscopia digestiva é na ex-
possivelmente portadores da forma chagásica. A etiologia da clusão de alteração orgânica como causa da disfagia e eventu-
AC deve ser confirmada pelo emprego das reações sorológicas, almente o diagnóstico de complicações da AC. Muitas vezes,
pois a sua negatividade aponta para o diagnóstico da forma se inicia a avaliação de disfagia pelo método endoscópico e, em
idiopática. As várias reações empregadas para o diagnóstico caso de normalidade, o paciente deve ser submetido a esofago-
da doença de Chagas são as seguintes: manometria ou estudo radiológico.
• Reação de fixação de complemento ou reação de Ma- Na AC, a mucosa em geral é normal (exceto quando existe
chado Guerreiro - Foi o primeiro teste utilizado para a esofagite por estase alimentar ou complicações como associação
144 Capitulo 14 I AcolosioeMegoes6fogo

Fig ura 14.1 Esofagograf.as com megaesõfagos graus Ia W(dassifoca~ de Ferreira-Santos, 1961).

- -T A mudança no padrão da disfagia, que se torna rapidamente


Quadro 14.3 Oassificação radiológica de Ferreira-Santos (1961) progressiva e com grande perda de peso, deve levar à suspeita do
desenvolvimento de carcinoma epidermoide de esôfago como
M~ts6fago complicação da esofagite de estase secundária à AC, sendo a
EDA fundamental para a confirmação diagnóstica.
Grau I Diâmetro do esôfago distai < 4 em + l ncoordenaçâo
motora e retençâo do meio de contraste Monillase esofágica pode estar presente, resultante da asso-
Diâmetro do esôfago distai entre 4 e 7 em
ciação de baixa imunidade (causada pela desnutrição) e estase
Grau li
com esofagite, além de perda das defesas da mucosa.
Graulll Diâmetro do esôfago di stai > 7 em. Sem t0<1uosidade
Grau rv Diâmetro do esôfago distai > 7 em + tO<tuosidade e • Esofagomanometria (EM)
grande retenção do meio de contraste
A esofagomanometria (EM) é método padrão-ouro para o
diagnóstico da AC. Além de confirmar o diagnóstico (em ge-
ral, sugerido pela EDA e/ou esofagografia), é realizada com o
---·.-
Quadro 14.4 Classificação de Rezende (1982)
objetivo de avaliar o relaxamento e a pressão do esflncter eso-
fágico inferior (PEEI) pré- e pós-tratamento, além de orientar
o local de posicionamento do cateter da pHmetria prolongada,
em casos nos quais este exame for utilizado.
M~ts6fago Achados
Grau I Diâmetro do esôfago nO<mal. com trânsito lento e
coluna retida de meio de contraste de nfvel plano
Grau li ~uena/moderada dilatação, retenção evidente da
coluna barítada e contrações terciárias
Graulll Grande dilatação do órgão, grande retenção do meio
de contraSte. hipotonia ou atonia
Grau rv Grande dilatação com tortuosidade
(dollcomegaesôfago)

com carcinoma epidermoide esofágico). A junção esofagogás-


trica (JEG) encontra-se geralmente fechada, com luz virtual e
pode oferecer alguma dificuldade na progressão do aparelho.
O achado de líquidos ou resíduos alimentares no interior do
esôfago, apesar do jejum adequado, é comum e sugere o diag-
nóstico (Figura 14.2). Nos estágios mais avançados, encontra-
se dilatação e/ou tortuosidade esofágica.
Dificuldade excessiva na progressão pela JEG deve fazer sus-
peitar da possibilidade de infiltração tumorallocal (pseudoa-
calasia), sendo importante o exame minucioso do fundo gás-
trico para exclusão de massa tu moral. Em casos suspeitos, não Figura 14.2 Endoscopia digestiva alta evidenciando dilataça<> e es-
esclarecidos pela EDA, a ultrassonografia endoscópica pode tase alimentar em esôfago. (Esta figura encontra·se reproduzida em
identificar mais precocemente a infiltração tu moral. cores no Encarte,)
Capitulo 14 I Acolosio e Megoesófogo 145

Como a AC é doença de musculatura lisa, os achados ma- po controle e portadores de doença de Chagas em um estudo
nométricos ocorrem nos dois terços distais do órgão. Os mais (Dantas et oi., 2000). Com emprego de cateter com transdu-
importantes são: falta de relaxamento ou relaxamento incom- tor em estado sólido, foi demonstrada pressão do esfíncter
pleto do EEI e aperistalse do corpo esofágico (Figura 14.3). superior semelhante em ambas as acalasias, porém menor do
Relaxamentos ausentes ocorrem quando não existe que- que no grupo controle, na acalasia chagásica (Abrahão-Junior
da da PEEI após a deglutição. Relaxamentos incompletos são et al., 2001).
identificados quando a PEEI cai em relação à PEEI basal, mas
a pressão residual não atinge valor menor que 8 mrnHg. Por • pHmetria esofágica prolongada (pHm)
vezes, os relaxamentos são completos, porém de curta duração A pHm não é um exame habitualmente solicitado para pa-
(tempo de relaxamento< 6 s). cientes com AC virgens de tratamento. Entretanto, ela pode ser
A média da PEEI tende a ser maior em pacientes com AC, empregada para o diagnóstico diferencial de algumas manifes-
quando comparada a grupos controles assintomáticos. A hi- tações clínicas encontradas na doença e que exijam diagnóstico
pertensão do EEI é encontrada em cerca de 40 a 60% dos pa- diferencial, por exemplo, com a sensação de refluxo retrostemal
cientes portadores da doença. A forma chagásica geralmente e a queixa de pirose. Como referido, a pirose pode ser observa-
apresenta PEEI menor do que a de pacientes com AC idio- da em 27 a 48% dos pacientes com o diagnóstico de AC. Nos
pática. pacientes com AC sem tratamento prévio, essa queixa pode
Em relação ao corpo esofágico, a perda da peristalse pode ser justificada, na maioria dos casos, pela presença de estase e
ser registrada como ausência de contrações ou contrações si- fermentação alimentar, levando a alterações características na
multãneas, em geral de baixa amplitude(< 30 mmHg), algu- pHm. Entretanto, alguns pacientes exibem pHm com padrão
mas vezes de caráter repetido. Mais raramente, as contrações de refluxo gastresofágico (RGE) verdadeiro, não relacionado
simultãneas atingem amplitude mais elevada do que as habi- com a estase de alimentos, havendo relato de prevalência em
tualmente registradas, sendo esta entidade denominada AC até 20% dos casos (Shoenut et ai., 1997), o que pareceria inicial-
vigorosa. mente um paradoxo, visto que na AC o EEI é frequentemente
Estudos comparativos entre AC idiopática e AC chagásica hipertenso e com falhas no seu relaxamento, o que dificultaria
demonstram que a amplitude e duração das contrações são se- sua ocorrência.
melhantes em ambas as etiologias (Abrahão-Junior et ai., 2001; Por outro lado, o RGE é uma das complicações mais fre-
Dantas et ai., 2001). quentes, tanto do tratamento cirúrgico quanto do tratamento
Q uanto ao esfíncter superior, há referência à pr essão de por dilatação pneumática, com incidência variável de aproxi-
repouso com valores semelhantes na acalasia idiopática, gru- madamente 13% e 4 a 8% dos casos, respectivamente. O estudo

Figura 14.3 Esofagomanometria de paciente com acalasia. No canal distai (PS), o EEI com relaxamentos incompletos. Nos quatro canais pro-
ximais (Pl -P4), aperistalse do corpo esofágico (distância entre os canais 5 em). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
146 Capftulo 14 I Acalasiae Megaesófago

pHmétrico permite avaliar a incidência dessa complicação, as- • AVANÇOS NA INVESTIGAÇÃO/ PESQUISAS
sim como analisar alterações gráficas que sugerem permanência
de acúmulo de resíduos alimentares esofágicos nos pacientes • Manometria de alta resolução (MAR)
não adequadamente tratados.
Em pacientes com AC, a análise gráfica da pHm pode dife- Trata-se de um método de alta tecnologia que emprega inú-
renciar o RGE verdadeiro da queda do pH esofágico devido à meros sensores de pressão (até 36), posicionados muito pró-
estase alimentar. No RGE verdadeiro, a queda do pH para ní- ximos um do outro, de tal forma que o registro das pressões
veis de refluxo ácido (em geral, pH 1 a 2) acontece de maneira intralurninares se torna um contínuo espacial ao longo de todo
abrupta com retorno lento ao pH normal do esôfago (em tor- o esôfago. O desenvolvimento de sofisticados algoritmos de
no de 6,5), enquanto, na presença de fermentação alimentar plotagem permitiu exibir dados manométricos como imagens
no interior da luz esofágica (Figura 14.4), essa queda é lenta, topográficas coloridas com o objetivo de evitar a superposição
acontece geralmente no período noturno e o pH não atinge de inúmeras linhas de traçado, facilitando a análise.
valores abaixo de 3,0 (Crookes et ai., 1997). Na AC, a MAR permitiu categorizar os pacientes em três
A pHmetria, na maioria dos pacientes com AC não tratada, subtipos: 1) Tipo I AC com m ínima pressurização (acalasia
demonstra refluxo fisiológico mínimo ou ausência completa clássica); 2) Tipo li AC com compressão esofágica; 3) Tipo III
de episódios de refluxo, a que chamamos de pHmetria negati- AC com espasmo. Quando foram comparadas variáveis clinicas
va. Recentemente, foi conduzido um estudo prospectivo (No- e manométricas nos três subtipos, observou-se que a do tipo li
vais & Lemme, 2010) em que foram analisadas pHmetrias de AC responde melhor a qualquer tipo de tratamento (BoTox,
94 pacientes com acalasia não tratada. Demonstrou-se que 82% DPC ou cirurgia) e a do tipo III é a que responde pior, enquan-
apresentavam pHm negativa, 14% exibiam pHm com padrão de to, na do tipo li, os resultados são intermediários em relação
fermentação e em 4% evidenciou-se padrão de RGE verdadeiro. aos anteriores. Isso sugere que a MAR representa um avanço
Cerca de metade dos pacientes apresentava queixa de pirose, na avaliação de pacientes com AC, uma vez que sua estratifi-
mas este sintoma não se correlacionou com qualquer um dos cação em subtipos permite predizer a eficácia do tratamento
padrões de pHm. Analisaram-se também os padrões de pHm (Pandolfino et a/., 2008).
pós-tratamento, em 85 dos pacientes randomizados para dois
grupos de intervenção terapêutica, dilatação pneumática da • Ultrassonografia intraluminal
cárdia e esofagomiotomia laparoscópica a Heller com fundo-
plicatura. Foi observado que RGE verdadeiro foi mais comum
de alta frequência (USIAF)
no grupo de pacientes submetidos à dilatação do que à cirur- A ultrassonografia de alta frequência é um método que per-
gia (31 x 4%) e houve correlação deste padrão de pHm com a mite avaliação de espessura da parede esofágica, podendo ser
presença de hipotensão do EEI (PEEI < 10 mmHg). A pirose acoplada ao registro manométrico simultâneo. Nos diferentes
não foi um bom preditor da incidência de RGE ou fermenta- distúrbios motores esofágicos de definição conhecida, tem sido
ção alimentar esofágica, uma vez que não se correlacionou com encontrado espessamento da musculatura esofágica, registrado
qualquer padrão pHmétrico. tanto na camada circular como na longitudinal. Este espessa-
Com base nesta e em outras observações, é sugerida a reali- mento na acalasia é maior do que o observado nos demais dis-
zação de pHmetria prolongada pelo menos no período pós-pro- túrbios motores (Mittal, 2003). Um estudo empregando USIAF
cedimento, com o objetivo de diagnóstico do RGE verdadeiro em pacientes com AC idiopática, AC chagásica, esofagopatia
antes de manifestações clinicas mais exuberantes ou surgimento chagásica e controles assintomáticos demonstrou que nos três
deesofagite. Enfatiza-se esta recomendação principalmente na- grupos de pacientes existe espe.ssamento da camada muscular,
queles em que aPEEI à manometria pós-procedimento situar- registrada no corpo esofágico dista!. Este espessamento é
se abaixo de 10 mmHg. maior na AC idiopática do que na AC chagásica e o de ambas

10.0 •



'



o



o


'
.
.......................................................................................................................................... ..........



o

--------r--------r--------r--------r--------r--- ----r--------r-------- r--------r -- ----- ·r-----------


o • • • • • • • • •

sp
31J -·--· .. -~· .. _,_ .. ~ .... ---·~ ·--·- .. -~· .. -·- .. ~-- .... -·~ ·---- -- -~-·- .. _,_ ~·- .... -.~ ·- ·---· ·~- .. - ... ---- -
71J
'
______ ,' ____
. . '' '
-------------------------------------------
' '
_,.----
'
: : : : :-r,..~v

.... -·i·------·i-·-·--·-i·-.. ·-- ·- .. --·-:----


~ 61J
~
• 5/J
.;.-•••••••~
I
' .
•••~•••••••• ~••••
•••••
'
"" .. " "
. ·-
""'"'"""!,..,.,." ••
~ : : : : :
ã4.0 t---t---~---w~-t . --~r--1·~~·~~~ · ~~ · ---1·--ti~
3P -·-·- .. -··-·-·---·-· -----· ---·-·-•- .. ---· -- ·------··------.. •·-.... -·•·-·---·-·---- --- -----
2/l ------- _; - -- - -- -- t--------~- ------ -t-------- ~-- -----_; -------..;-------- t-------_;--------~ --- - -__i-----
1n
,., .: .: .: .: .: .:
_,_ .... _: ... _ .... : •••• ___ ,: •• _ .... _:_ .. -.- .. :._ .... _.: ·---- ••• :- .... --· :.- .... -.: .. ·--·· _:_,_.
' ' ' .: _,_L
;;
____
: : : :
13:31:01 1 5.:31:54 17:3247 19:33:41 21:34:34 13:3 ·13 01 :36:21 03:37:15 05:38:03 07:39:02 0!1:39:SS 11:40:49
T.....,..

Figura 14.4 Gráfico pHmétrico de paciente com acalasia apresentando sinais de fermentação alimentar- queda do pHabaixo de4,de maneira
prolongada, atingindo 3 no período supino (em azul). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Capitulo 14 I AcolosioeMegoesófogo 147

é maior do que o encontrado em pacientes com a esofagopatia Metanálise publicada em 2009 (Campos et ol.) revisou os
chagásica (Abrahão et al., 2010). Esta técnica tem se mostrado resultados de 315 pacientes submetidos à injeção de toxina bo-
bastante promissora em pesquisa, com amplas possibilidades tulínica, demonstrando que o índice de sucesso foi de 40,6% em
potenciais de aplicação na prática clinica. um seguimento médio de 12 meses. Ainda não existem estudos
randomizados a longo prazo avaliando os possíveis riscos de
injeções repetidas de toxina botulinica no esôfago.
• TRATAMENTO Sugere-se que os melhores candidatos à BoTox sejam:
1. idosos com comorbidades e pacientes com alto risco cirúr-
Os objetivos de qualquer forma de tratamento na AC são: 1. gico, uma vez que o procedimento é praticamente isento de
aliviar os sintomas; 2. melhorar ou aliviar o esvaziamento eso- riscos; 2. falha no tratamento cirúrgico; 3. falência na resposta
fágico; 3. prevenir o desenvolvimento de megaesôfago e suas a múltiplas dilatações em pacientes com risco cirúrgico alto; 4.
complicações. Não há evidências de que a etiologia idiopática dilatação pneumática com perfuração; S. associação com di-
ou chagásica tenha influência nas respostas às diferentes for- vertículo epifrênico.
mas de tratamento empregadas (Herbella et al., 2004). Todas as Vários estudos tentaram estabelecer preditores de resposta
opções terapêuticas, com exceção da esofagectomia, objetivam para a toxina botulinica. Os dados suportam a hipótese de que
diminuir a pressão no esfincter esofágico inferior (PEEI) para idade maior que 50 anos, sexo feminino e presença de AC vi-
desobstruir o trânsito alimentar, facilitando o esvaziamento do gorosa poderiam apresentar melhor resposta a esta modalidade
esôfago. As diferentes modalidades de tratamento são empre- terapêutica. Um interessante benefício da injeção de Botox é
gadas para ambas as formas da doença. que também pode ser usada como preditor de resposta a novas
intervenções, por exemplo, em pacientes que não responderam
bem à cirurgia, avaliando se os sintomas persistentes são de-
• MEDICAMENTOS correntes da hipertonia do EEI ou de tortuosidade decorrente
do megaesôfago (Pehlivanov & Pasricha, 2006).
Na AC chagásica, o emprego da BoTox oferece melhores
• Nitratos eantagonistas dos canais de cálcio respostas do que as observadas com emprego de placebo a curto
São os medicamentos mais comumente empregados no tra- prazo. Houve 58% de respondedores (Brant et al., 2003), com
tamento clinico e devem ser administrados em todos os pa- resultados similares aos da AC idiopática.
cientes que tolerarem o seu uso, uma vez que podem ser em- Não há consenso entre cirugiões em relação à dificuldade
pregados como ponte para um tratamento mais duradouro e na realização de miotomia nos pacientes que receberam in-
eficaz, aliviando os sintomas em uma parcela significativa dos jeção prévia de toxina botulínica, alguns referindo que sim,
pacientes. Seu mecanismo de ação é fundamentado na dimi- enquanto outros não encontraram dificuldades na técnica ci-
nuição da PEEI. rúrgica ou piores resultados em pacientes submetidos ao uso
Os nitratos (dinitrato de isossorbida 5 a 10 mgldia) aumen- prévio do BoTox.
tam a concentração de óxido nítrico nas células musculares Logo, a injeção de toxina botulinica é mais bem indicada em
lisas, resultando em relaxamento. Administrados por via su- pacientes idosos e com alto risco cirúrgico que não puderem
blingual, os nitratos reduzem aPEEI dentro de 15 mine seu ser submetidos à DPC ou cirurgia.
efeitos persistem por até 90 min. Os antagonistas do canal de
cálcio, como, por ex.emplo, o nifedipino (10 a 30 mgldia), tam-
bém inibem a musculatura lisa e agem 30 min após sua admi-
• Dilatação pneumática da cárdia (DPC)
nistração via sublingual, na redução da PEEI. A DPC é o tratamento conservador definitivo mais frequen-
As duas medicações têm efeito variável, melhorando os sin- temente empregado para o tratamento da AC. Tem como obje-
tomas em 49 a 90% dos pacientes. Entretanto, seus efeitos cola- tivo romper as fibras musculares do EEI, reduzindo sua pressão
terais, como cefaleia, tonturas e edema de membros inferiores, e a obstrução funcional do esôfago. A consequência é a melhora
muitas vezes limitam seu uso, havendo também taquifilaxia ao do esvaziamento esofágico e da disfagia.
longo prazo. Os dilatadores mais antigos, tais como Brown-McHardy,
Hurst-Tucker, Ridder-Moeller, Mosher e Sippy, foram objeto
de metanálise, considerando-se trabalhos prospectivos e retros-
• Toxina botulínica pectivos, em acalasia idiopática (Kadakia et al., 2001). Em cinco
A toxina botulínica (BoTox), potente inibidor da acetilco- estudos prospectivos, com 235 pacientes e tempo de seguimento
lina, de ação excitatória no tônus do EEI, tem sido usada em médio de 2,7 anos, respostas boas ou excelentes foram observa-
injeções locais por via endoscópica, com redução dos sintomas das em 85% desses pacientes. Em 15 estudos retrospectivos, in-
do paciente, da pressão do EEI e do diâmetro esofágico. A téc- cluindo total de 2.183 pacientes, bons resultados foram encon-
nica consiste em 20 a 25 U injetados em cada um dos quatro trados em 71%, ao tempo médio de 5 anos. O balão do dilatador
quadrantes da região do esfincter inferior. de Witzel é de poliuretano e posicionado na JEG com auxilio
Muitos ensaios clinicos têm demonstrado os beneficios, a do endoscópio, sem necessidade de radioscopia. Seis estudos
curto prazo, da injeção dessa toxina nas camadas musculares (quatro prospectivos e dois retrospectivos, incluindo total de
da JEG. Infelizmente, seu efeito é limitado pelo tempo de ação 266 pacientes) avaliaram os resultados com seu uso, e respostas
com o índice de recorrência maior que 50% em alguns meses. excelentes/boas foram encontradas em 66% dos pacientes com
A ação da medicação dura em média cerca de 6 meses. seguimento médio de 11 anos (Kadakia et ol., 2001).
Boa resposta sintomática em 6 meses foi observada em 55% Atualmente, os dilatadores mais utilizados são os balões do
de 147 pacientes de vários centros submetidos a única dose de tipo Rigiflex (Boston Scientific®, Boston, MA, EUA) feitos de
BoTox (Hoogerwert & Pasricha, 2001), porém resposta sus- polietileno com marcador radiopaco. Disponíveis em diferen-
tentada em 2 anos ocorreu em apenas 24% dos 87 pacientes tes calibre.s, 30, 35 e 40 mm (Figura 14.5), são introduzidos no
acompanhados. esôfago, através de um fio-guia metálico flexível, posicionados
148 Capftulo 14 I AcalasiaeMegaesófago

na JEG e inflados com ar até que ocorra a dilatação do EEI A fluoroscopia é usada em muitos serviços para guiar o po-
(Figura 14.6). A mais importante vantagem do Rigiflex é a sua sicionamento do balão, mas não é indispensável, uma vez que
baixa complacência (o diâmetro máximo com a insuflação é a visão direta pela EDA também permite avaliar a localização
previsível), e a tentativa de exceder a este diâmetro resulta em adequada. A técnica de insuflação é variável conforme a ex-
ruptura do balão. periência de cada Serviço, em geral utilizando-se pressão de
10 libras por polegada quadrada (psi) em um total de 60 s. A
decisão de escolha do calibre do balão e número de balões in-
flados a cada sessão também varia.
O índice de sucesso da DPC é de 70 a 95%, porém há con-
trovérsias em relação à manutenção de resultados nos primei-
ros 5 anos.
Uma excelente metanálise publicada recentemente (Campos
et ai., 2009) incluiu 1.065 pacientes submetidos à DPC. Foi de-
monstrado que a taxa de sucesso foi de 85% no primeiro mês,
mas reduzia-se para 68% no 12° mês e para 58% após 36 meses.
Concluiu também que o alívio dos sintomas esteve relacionado
com o tamanho e tempo de insuflação do balão.
Certos fatores podem predizer melhor resposta às dilatações;
são eles: idade avançada, doença de longa duração, sexo femi-
nino e queda da PEEI para metade do valor pré-procedimento
ou para< 10 mmHg (Katsinelos et ai. , 2005). A presença de
PEEI pré-procedimento > 30 a 50 mmHg, calibre esofágico
maior que 3 em na esofagografia, sexo masculino e presença
de sintomas pulmonares parecem ser preditores de resposta
Figura 14.5 Foto de balões pneumáticos Rigiflex. insatisfatória à DPC (Pehlivanov & Pasricha, 2006).

Figura 14.6 Fotos da sequência de dilatação pneumática da cárdia. Passagem do fio-guia (A). Insuflação do balão pneumático (B). Laceração
da JEG (C). Visão endoscópica pós-dilatação (O). (Esta figura encontra-se reproduZida em cores no Encarte.)
Capitulo 14 I Acalasia e Megaesófoga 149

No Brasil, o emprego da dilatação forçada da cárdia em pa- do esôfago distai (6 a 8 em) e da cárdia (2 a 3 em), em geral
cientes com AC chagásica é referido em trabalhos mais anti- acompanhada de procedimento antirrefluxo (fundoplicatura
gos, uma vez que, nos maiores centros de referência para o - Fp). 'B grande a experiência brasileira com cirurgia no mega-
tratamento desta entidade, predomina o tratamento cirúrgico. esôfago chagásico. Pinotti et ai. (1974), com técnica própria e
Com dilatação hidrostática, foram encontrados bons resulta- cardiomiotomia associada à esofagofundogastropexia, acompa-
dos imediatos em 78,4% de 342 pacientes chagásicos (Raia & nharam 223 pacientes com megaesôfago chagásico não avança-
Pinotti, 1983). Rezende (1979) obteve bons resultados com a do, por período entre 6 meses e 12 anos, e relataram resultados
DPC em 45% de 103 pacientes acompanhados por período de excelentes ou bons em 95% dos casos.
1 a 5 anos, 28% foram submetidos a outras DPC e 15% foram Outra grande experiência brasileira é a de Barbosa et ai.
operados por insucesso da DPC. Melhores resultados foram (1981), que utilizaram procedimento mais complexo, como a
obtidos por Esper et ai. ( 1988), com melhora clínica em 80% de cirurgia de Thal-Hatafuku, com bons resultados no megaesô-
280 pacientes acompanhados por um período médio de 7 anos, fago chagásico.
e apenas 10% necessitaram de nova dilatação. Até alguns anos atrás, o procedimento era feito por via ab-
Na experiência do Hospital Universitário Clementino Fraga dominal ou torácica; porém, atualmente, a via de escolha é a
Filho, da UFRJ, no Rio de janeiro, centro de referência para pa- laparoscópica, e um dos procedimentos mais empregados é a
cientes com AC, consta a avaliação dos resultados com a DPC miotomia de Heller com fundoplicatura de Dor (Figuras 14.7
em três estudos, dois retrospectivos e um prospectivo. No pri- e 14.8).
meiro, 132 pacientes foram submetidos a 175 DPC, com balões Na metanálise já referida (Campos et ai., 2009), foram
de Mosher e WitzeL Destes, 85 tiveram a resposta clínica avalia- incluldos 3.086 pacientes submetidos à miotomia laparoscó-
da por período entre 1 e 15 anos. Em análise estratificada a cada pica. Houve bons resultados em 89% do total deles, em um
5 anos, demonstrou-se a deterioração da resposta à DPC com seguimento médio de 35 meses. Analisando separadamente os
o passar do tempo, porém os resultados foram excelentes ou pacientes que receberam Fp e aqueles em que o procedimento
bons em 46% dos pacientes em período médio de 3 anos. Não antirrefluxo não foi realizado, observou-se melhora em 90,3 e
houve diferenças entre os resultados obtidos nas AC chagásica 89,9%, respectivamente. Os autores concluíram que a cirurgia
ou idiopática (Pereira & Lemme, 1995). No segundo estudo, foi o tratamento mais eficaz, quando comparada aos outros
empregou-se o balão Rigiflexem 85 pacientes/125 DPC e obser- métodos terapêuticos.
vou-se que, em até 1 ano, 80% apresentavam bons resultados, As complicações da esofagomiotomia com fundoplicatura
caindo para 60% entre 1 e 5 anos (Vargas, 2001). Estes achados são raras, mas podem ocorrer, entre elas, perfuração esofágica,
com o balão Rigiflex foram confirmados em estudo prospecti-
vo de 45 pacientes com AC graus 1 a 3, ou seja, bons resulta-
dos precoces (73% ), com queda da taxa de resposta ao final do
segundo ano para 54% (Borges, 2010). 'B importante assinalar
que nestes estudos predominaram fortemente pacientes com
acalasia idiopática, uma vez que, como referido, o município
do Rio de Janeiro não é área de doença de Chagas.
O número de dilatações a que cada paciente pode ser subme-
tido é objeto de controvérsia. Há quem realize 2 ou 3 dilatações
em sessões diferentes ou 1 a 3 em cada sessão, podendo ser re-
petido o procedimento uma vez ou no máximo duas vezes.
A DPC é um método seguro com morbidade e mortalida-
de baixas. Uma das vantagens da DPC é a possibilidade de ser
utilizada antes ou depois de outros procedimentos, sem pre-
judicar a resposta deles. B
As principais complicações no ato do procedimento são per-
furação do esôfago e sangramento na região da dilatação, o que Figura 14-7 Desenho esquemático mostrando a visão laparoscópica
pode ocorrer em cerca de 1,3% dos casos. São raras e incluem da área da esofagomiotomia de Heller. 2 em no estômago e 6 em no
hematoma intramural, divertículos da cárdia, dor torácica pro- esôfago (A). Miotomia realizada (8).
longada pós-procedimento e febre.
O RGE verdadeiro após a DPC tem sido registrado na litera-
tura como um todo em tomo de 4 a 8% dos pacientes. Entretan-
to, a maioria dos estudos não faz referência precisa à maneira de
diagnóstico, se pela presença de esofagite, de sintomas, e poucos
empregaram a pHmetria. Quando se emprega este exame, o re-
fluxo anormal pode ser encontrado em até 30% dos pacientes
(Shoenut et ai., 1997; Novais & Lemme, 2010).

• TRATAMENTO CIRÚRGICO
O tratamento cirúrgico da AC pode ser feito por meio de
técnicas conservadoras (esofagomiotomias) ou cirurgias mais
invasivas (esofagoplastias e esofagectomias).
A cirurgia conservadora mais empregada é a esofagomioto- Figura 14.8 Desenho esquemático mostrando o aspecto final da fun-
mia de Heller, que consiste na secção das camadas musculares doplicatura de Dor.
150 Capitulo 14 I A colosia e Megoes6fogo

mediastinite,gas!bloat syndrome (dificuldade de eructação, ge- Portanto, a escolha entre a dilatação pneumática da cárdia e
ralme.nte associada à Fp apertada, frequentemente autolimita- a esofagomiotomia de Heller ainda gera controvérsias, uma vez
da) e RGE. A presença de RGE após a cirurgia tem incidência que ambas apresentam vantagens e desvantagens. Os estudos
variável, podendo ocorrer em cerca de 6 a 1396 dos casos, atin- realizados para elucidar a questão são, em sua maioria, muito
gindo até 3696quando não há Fp (Vela et ai., 2006). Portanto, a heterogêneos quanto à metodologia empregada, e as taxas de
associação de Fp à miotomia tem se mostrado importante fator sucesso relatadas são bastante variáveis. O melhor método cer-
para a diminuição desta complicação no pós-operatório. tamente é aquele com o qual o Serviço tem mais experiencia,
Em relação à técnica de Fp, sabe-se que a mais utilizada é a e acredita-se que a conduta deva ser individualizada, baseada
Pp parcial, uma vez que a total está associada à presença de dis- nas caracterlsticas e vontade do paciente.
fagia no pós-operatório, podendo ser anterior ou posterior. A miotomia, em centros especializados, parece ser o trata-
As ressecções esoíágicas (esofagectomias) ou esofagoplastias mento de escolha em pacientes jovens e com bom risco cirúr-
(Thal-Hatafuku e Serra Doria) são, habitualmente, indicadas em gico. A DPC está bem indicada, principalmente, em pacientes
alguns casos de falha do tratamento cirúrgico inicial (em geral, idosos, com alto risco cirúrgico ou que não querem ser sub-
resolvidos com nova miotomia) e, raramente, como primeiro metidos a procedimentos mais invasivos. podendo ser o pro-
tratamento do megaesõfago muito avançado. cedimento inicial eficaz em centros economicamente menos
desenvolvidos, por~m sua realização também exige treinamen-
to especializado.
• DILATAR OU OPERAR?
Os estudos mais antigos, comparativos entre a cirurgia con- • LEITURA RECOMENDADA
servadora aberta e a OPC, demonstram que os resultados do
tratamento cirúrgico são melhores e, em geral, mais duradouros Abir, F, Modlin, I, Kidd, M, Bell, Jt Surgicaltreatment of achalasia: current
do que os obtidos com a dilatação, em estudos retrospectivos, status and oontroversles. Dlg. Surgery, 2004; 21:165·76,
de grande série de pacientes (85% de bons resultados com a ci- Abrahão, LJ, Bhargava, V, Lemme, EMO et ai. Chagas di..ase esophageal In·
volvementcvaluated by high frequency intraluminal ultrasound. AGA abs-
rurgia x 6596 com a DPC, Okike et ai., 1979) como de número tracu, DDW, 2010, p. S 342-3.
menor de pacientes (6596 de bons resultados com a cirurgia de Abrahão-Junior, LJ, Lemmc, EMO, Domingues, GR t:t ai. Manomctric study
Thal-Hatafuku X 4596 com a DPC, Pereira, 1994). Estudo pros- of esophageal body in ldlophatic achalasia and Chagas' diMase relatcd
pectivo (Csendes et aL, 1991) também demonstra melhores re- achala.sla. Em: Plnottl HW, Cccontllo, I, Fe1ix, VN, Oliveira, MA. Rccent
sultados com a miotomia do que com a DPC (95 x 6596). Advances in Ol.scues of thc E.sophagus. Bolonha, I!Mia; Mooduzzl, lOO I,
p. 227-2J3.
Campos et aL (2009), em sua metanálise, analisaram Abrabão-junior, LJ, ~e, EMO, Oomingues, GR <1 al. Upptr esophagnl
3.086 pacientes com AC operados por cirurgia laparoscópi- spbincter and pharyngtal function in idiopbalic and Chagas' diseaK rdatcd
ca e 1.065 manejados com DPC. Conclu!ram que a cirurgia achaJa.sia. Em: Plnottl, HW, Ceconello, I, Felix, VN, Oliveira, MA. R«tt>t
(combinada com o procedimento antirrefluxo) foi o tratamen- Advances in Oiseascs ofthe Esophagus. Bolonha, Itália: Monduu.l, 2001,
to mais eficaz. A taxa de sucesso aos 12 meses foi de 8996 para p.23S-240.
Anderson, SH, Yadegarfac, G, Arastud. MH <1 ai. The relationship ~tween
cirurgia e 6896 para DPC, mantendo-se estável para o grupo gastro oesophagcal reflux symptoms and achalasia. éur I GaJtro<Httrol He-
operado após 3 anos e com queda para 5696 nos submetidos patolol, 2006; 18:369·74.
à DPC. A necessidade de tratamento adicional nos pacientes Andreollo, NA, Lopes, LR. Brandalise, NA <1 al. AC idiopálica do esOfago:
submetidos à DPC foi de 25%. A incidência de RGE foi menor an:Ulse de 25 casos. GBD, 1996: 15:151-55.
nos pacientes que tiveram Pp associada à miotomia (8,8% com Barbosa, H, Barichello, AW, Viana, AL et ai. MegaesOfago chagtsico. Trawnento
ptla cardloplastla a Thal Rno. Co/. Bras. ar., 1981; 8:16-29.
Pp e 31,596 sem Pp). Bassotti, G & Anncse, V. Revlcw anlcle: pharmacological optionsln achalula.
Alguns trabalhos mostram resultados diferentes. Estudo na- Alilmnt Pharmacol'Titu, 1999; 13:1391·6.
cional, prospectivo e randornizado avaliou os resultados ob- Bhutani, MS. Gastroinlestinal uses of botulinum toxin. Am I Gastrotn1trol,
tidos em 40 casos de megaesõfago não avançado submetidos 1997; 92:429-33.
à dilatação forçada ou à cirurgia laparoscópica, em perlodo Borga. A. Eswdo compvatlvo da raposta clJnica e de fatora prognOsticoo na
dila13Çâo pnaunltica da cánlia e na t$0(agomiotomia de Heller com fundo-
de 3 anos. Os dois métodos se mostraram igualmente eficazes
plicatun por vlalaparoocóplca em pacientes com acalasiL Rio de Janclro,
(Feli.x et aL, 1998). 2010,91 p. Di>Knaçlo (Mestrado). Faculdade de Medicina, UniVttllda<le
Outro estudo relatou que, depois de 6 meses, ambos os mé- Federal do Rio de janeiro.
todos (DPC e miotomia Laparoscópica) ofereceram bons resul- Brant, C, Moraes· Filho, JPP, Siqueira, E ti ai. lntrasphincteric botulinum toxin
tados em 90% dos pacientes, reduzindo-se para 44% (O PC) e injection in the tnatment of chagasic achalasia. Dis Esophagus, 2003;
57% (miotomia) após 6 anos, sem diferença significativa entre 16:33-8.
Campos, G, Vittlngbof, E, Charlotte, RC. Endoscopic and Surglcal Treatmcnu
eles (Vela et aL, 2006). for Achalasla. A Systemallc Review and Meta-Analysis. Ann Surg, 2009;
Recentemente, no Serviço de Gastrenterologia do Hospital 24!>.45·57.
Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ, foi realizado Carter, R & Srewer, LA. Achalasia and esophageal carcinoma. Studles in
ensaio clinico de 5 anos de duração, em que 92 pacientes com early diagnosis for lmproved surgical management. Am I Su'Jr, 1975; 13:
AC (sem tratamento prévio) foram randomizados para cada um 114-20.
Chagas, C. '!CipanOIS<>mlase americana (forma aguda da moléslla). Mtm lnst
dos grupos de tratamento (DPC x miotomia de Heller laparos- Oswaldo Cna, 1916; 8:37-60.
cópica com Fp). Respostas satisfatórias foram semelhantes nos Ccookcs. OS. Corklll, S, De Mec:Jtcr, TR. C...ttoaopbageal reflux in achalula.
dois procedimentos (HFp 8496, DPC 7396 p < 0.05) na avaliação When is ,g(ux really reflux? Dig DisSci,l997; 42:13$4-61.
precoce (3 meses). Os dois métodos apresentaram queda na Csendes, A, Bragheto, I, BurdUes, P tt ai. Comparison offorttful dilatation and
resposta de forma semelhante no perlodo de 2 anos. A taxa de t$0plugomyotomy In patlenu with achalasia of w t$0phagus. Htpatog<U-
tramttrolog;y, 1991;38:501-S.
refluxo dete.rminada à pHmetria foi significativamente maior O=tas, RO. Upper esopbageal sphincter pressure in patients with O.agas' dls-
na DPC do que na cirurgia, demonstrando, possivelmente, a ease and prlmary achalut.. Braz J Mtd Bio/ Research, 2000; J3:545·5 I.
importincia da FP no procedimento (Borges, Tese de Mestra- Dantas, RO, Godoy, RA,, Oliveira. RB et al. Cholinergic inervation ofthe lower
do, 2010, UFRJ). sphincter in Chagas' dlsease. Braz/ Med Biol Res, 1987; 20:527-32.
Capitulo 14 I Acolosio e Megoesófogo 151
Dantas, RO, Godoy, RA, Oliveira, R8 et ai. Lower esophageal sphincter pressure Novais, P & Lemme, EMO. Clinicai trial: 24-hour pH monitoring patterns and
in Chagas'diseasc. Dig Du &i, 1990; 35:508-12. clinical responsc after achalasia tteatment with pneumatiç dllation or lap·
Dantas, RO, Neifi, HS, Deghaide, NHS et ai. Esophageal motility ofpatients with aroscopic hellcr myotomy. Alimenl Plwrmaco/1her (in press), 2010.
Chagas' diseasc and idiophatic achalasia. Dig Du &i, 2001; 46:1200-6. Okike, N, Payne, WS, Neufeld, DM tt ai. Esophagomyotomy versus forceful
Devaney, EJ, Iammettoni, MO, Orringer, MB et ai. Esophagectomy for acha- dilation for achalasia o f the esophagus: results in 899 patients. Ann 1horae
lasia: patient selection and clinicai uperience. Ann 1horac Sur.g, 2001; Sur.g,1979; 28:119-25.
72:854-8. Ott, DJ, Richter, JE, Chen, YM et ai. Esophageal radiology and manometry: cor-
Domene, CE. Santos, MA, Onari P et ai. Laparoscopic treatment of megae- relation in 172 pa~ients with dysphagia. Am I RtJdlol, 1987:149:307-ll.
sophagus: Results of cardiomyectomy with fundoplication. Arq Bras Cír Pandolfino, JE, Kwatek, MA, Nealis, T et ai. Achalasia: a new clinically rel-
Dig, 1997:12:34-8. evant classilication by high-resolution manometry. Gastroenterology, 2008;
Domingues, GRS & Lemme, EMO. Diagnóstico diferencial dos distúrbios 135:1526-33.
motores do esôfago pelas características da disfagia. Arq Gastroenterol, Park, W & Vaez.i, MF. Etlology and pathogenesis of achalasla: the cunent un·
2001; 38:14-8. derstanding. Am f Gastroenterol, 2005; 100:1404- 13.
Esper, FE. Mineiro, V, Santos, EP et aL Dilatação da cárdia no tratamento da PauJa ..Costa, MD, Rezende. JM. Pressão basal do esflncter inferior do esôfago
disfagia de pacientes com megaesOfago chagásico. Arq. Gastrotnttrol., 1988; no megaesófagochagásioo. Rev Ass Med Bras, 1978; 24:269-72.
25:69-74. PehHvanov, N & Pasricha. PJ. Achalasia: botox. dilatation or laparoscoplc sur·
Felix, VN, Cecconello, I, Zilberstein, B et aL Achalasia: a prospectivo study gery. Neurogastroenterol Moti~ 2006; 18:799-804.
comparing the results of dilatation and myotomy. Hepatogastrotnterology, Pereira, VLC. Análise de 248 pacientes do Hospital Universitário Clcmentino
1998; 45:97-108. Fraga Filho- aspectos cllnioos c terapêuticos- Rio deJaneiro,l994. 165 p.
Ferreira-Santos, R. Aperistalsis of the esophagus and colon (megaesophagus Dissertação (Mestrado}. Faculdade de Medicina, Universidade Federal do
and megacolon) etiologically related to Chagas disease. Am l Dig Dis, 1961; Rio de Janeiro.
6:700-26. Pereira, VLC & Lemme, EMO. Aspectos dlnicos e epidemiológicos da AC
Gonlachanvit, S, Fisher, RS, Parkman, HPE. Diagnostic modalities for achalasia. em pacientes do HUCFF-UFRJ. Gastroenterol Endosc Dig (GED), 1995;
Gastroínt Endosc Cliníc.s North Amerlca . 2001; 11:293-9. 14:S30-42.
Hatlebakk, JG & Odegard, S. Endoscopic ultrasound: a new look at achalasla? Pinott~ HW. Tratamento do megaesOfago pelo processo de dilatação forçada
Eur I GastrO<!nterol Htpatol, 1998; 10:543-5. da cárdia. Arq Gastroenterol, 1974; 11:45-7.
Herbella, FAM, Aquino, JLB, Stefani-Nakano, ELA et ai. Treatment of achalasia: Ptnottl, HW, CeconeUo, I. Zilberstein. B. MegaesOfago. Em: Pinoui. HW. 'fra.
lessonslearned with Chagas disease. Du ofEsophagus, 2008; 21:461-7. tado de clínica cirúrgica do aparelho digestivo. São Paulo: Atheneu, 1994,
Herbella, FAM, Oliveira, DRF, Del Grande, JC. Are idiophatic and chagasic
p. 316-45.
achalasia two dlfferent dlseases? Dig Dis Sei, 2004; 49:353-60. Pinotti, HW. Rodrigues, JJG, Ellenbogen, G et ai. Nova técnica no tratamento
Holloway, RH, Dodds, WJ, Helms, JF.Integrity of cholinergic innervation ofthe cirúrgico do megaesôfago. Esofagocardiomiotomia associada com esofa-
lower esophageal sphineter in achalasia. Gastroenterology, 1986; 90:924-9. gofundogastropexia Rev Goiana Med, 1971; 20:1-13.
Hoogerwerf, WA & Pasricha, PJ. Pharmaoologlc therapy in treating achalasia.
Raia, AA & Pinotti, HW: Dilatação forçada da drdia pelo balão hidrostático.
Gastrolnt Endose Clinics North Amerlca, 200 I; 11:311-23.
Em: Raia, AA. Manifestações digestivas da moléstia de Chagas. São Paulo:
Kadakia, SC & Wong, RKH. Pneurnatic balloon dilation for esophageal achala-
Sarvier, 1983, p. 129-370.
sia. Gastroinl Endosc Cllnics Norrh Amerlca, 2001; 11:325-45.
Rcynolds, JC & Parkman, HP. Achalasia. Gastroenterol Clin North Am, 1989;
Kahrilas, PJ & Sifrirn, D. High resolution manometry and impedance-pH/
18:223-55.
rnanometry: valuable tools in clinicai and investigational esophagology.
Rezende, JM. Cllnica: manifestações digestivas. Em: Brener, Z, Andrade, Z.
Gastroentero/ogy, 2008; 135:756-69.
Karamanolis, G, Sgouros. S, Karatzias, G et ai. Long-terrn outcome of pneu- Trypanoscma cruzi e Doença de Chagas. Rio de Janeiro: Guanabara Koo·
gan, 1979.
matic dilation in the treatment of achalasia. Am J Gastroenterol, 2005;
100:270-4. Rezende, JM. Classificação radiológica do megaes6fago. Rev Goiana Med, 1982;
Katsinelos, P, Kountouras, J, Paroutoglou, G et al. Long·term results of pneu· 28:187-91.
matic dilation for achalasia: A 15 years Experience. World f Gastroenterol, Rezende, JM. Forma digestiva da doença de Chagas. Em: Paula Castro, LP &
2005; 11 :5701-5. Coelho. LG. Gastroenterologia. Editora Medsi, 1.• edição, Rio de Janeiro,
Katz.ka, D & Castell, DO. Use of botulinum toxin a,s a diagnostic/the.rapeutic voll, 2004, p. 325-92.
trial to help clarify an indication for definitivo therapy in patients with Ruiz de Leon, A, Mendoza, j, Sevilla-Mantilla.• C et ai. Myenteric antiplexus
achalasia. Am.1. Gasrroenterol., 1999; 94:637-42. antibodies and class 11 HLA in achalasia. Dig Du Sa, 2002; 47:15-9.
Koeberle, F. Chagas' disease and Chagas' syndromes: the pathology of America Schechter. R, Biccas. B, Lemme. EM et al. Acalasia vigorosa e acalasia clássica -
trypanosomiasis. Adv Parasiwl, 1968; 6:63-73. um estudo comparativo. Gastroetoterol Et~elosc Dig (GED), 2007; 26:36-40.
Koeberle, F. Megaesophagus. Gastroenterology, 1958; 34:460-6. Shoenut, JP. Duerksen, D, Yalfe, CS. A prospective assessment of ga.stroesophageal
Koebcrlc, F & Nador, E. Etiologia e patogenia do mcgaesôfago no Brasil Rev reflux before and after treatment o f achalasia patients: pneumatic dilation ver-
Paul Med, 1955; 47:643-61. sus transthoradc lirniled myotomy. Am I Gastrotnterol, 1997; 92:1109- 12.
Lake, JM & Wong, RI<. Revicw articlc: thc management of achalasia - a com- Spcchler, S & CaStell, DO. Classification of esophageal motility abnormalities.
parison of different treatment modalities. Aliment Pharmacol, 2006; 24: Gut, 2001; 49:145-51.
909-18. Spcchler, S, Souza, RF, Rosenberg, SI et a/. Heartburn in patients with achalasia.
Lemme. EMO, Domingues, GR, Pereira, VLC et ai. Lower esophageal sphincter Gur, 1995; 37:305-8.
pressurc in idiopathic achalasia and Chagas' discase-relatcd achalasia. Dis Vaezi, ME & Richter. JE. Diagnosis and management of achalasia. Am f Gas-
Esophagus, 2001; 14:232-4. troenterol, 1999; 94:3406-12.
Lemme, EMO, Vargas, SSM, Andrade, SRV et ai. Acalásia da cárdia. Estudo Vargas, C. Dilatação pneumática da cárdia. Em: Endoscopia Digestiva - SOBED.
retrospectivo de 107 pacientes. At> Curandi, 1985; 18:24-38. Editora Medsi, Rio de janeiro, 2001, p. 211-24.
Mittal, Rl<, Kassab, G, Puckell, JL et aL Hypertrophy ofthe muscularis propria Vela, M1\ Richter, )E, I<handwala, F. lhe long-term efficaey of pneumatic dilata-
of the lower esophageal sphincter and body of the esophagus in patients tion and Heller myotomy for the treatmcnt of achalasia. Clin Gastroentercl
with primary motility disorders ofthe esophagus. Am JGastrocnttrol, 2003; Hepatol, 2006; 1:580-7.
98:1705-12. Verne, GN, Sallusito, JE. Eaker, EY. Anti-myenteric neuronal antibodies in pa-
Moraes- Filho, JPP, Kohatsu, OS, Bettarello, A. Pressão basal do esflncter inferior tients with achalasia: a prospectivo study. Dig Dis Sa, 1997; 42:307-18.
do esôfago na doença de Chagas: megaesOfago e forma indeterminada. Rev Wong, Rl<, Maydonovitch, CL, Metz, SJ et al. Signilicant DQWI association in
A.ss 1\tfed Bras, 1986; 32:51-S. achalasia. Dlg DU Sei, 1989; 34:349-52.
15 Tumores do Esôfago
José Mauro Messias Franco, Fernando Augusto Vasconcellos Santos
e Marcelo Henrique de Oliveira

O esôfago é um órgão tubular que cumpre a função de conduzir talmente em um exame radiológico ou endoscopia. Podem estar
o bolo alimentar da boca, passando pela faringe, ao estômago. associados a vago desconforto retroesternal. Os leiomiomas são
Qualquer formação tumoral em seu trajeto tem o potencial de os tumores esofágicos benignos mais comuns.
prejudicar a alimentação do paciente, podendo se manifestar
por desconforto, dor, engasgo, ou mesmo não causar sinto -
mas, sendo encontrada fortuitamente em exames com outro • TUMORES EPITELIAIS BENIGNOS
propósito.
Os tumores do esôfago podem ser benignos, mas, quando • Papilomas de células escamosas
ocorrem, são, na maioria das vezes, malignos, e originam-se
São raros e representam cerca de 3% dos tumores benignos
principalmente da mucosa de suas diversas camadas. Uma vez
do esôfago. Em geral, são achados casualmente durante exames
feito o diagnóstico de uma tumoração esofágica, impõe-se o endoscópicos, sendo, na maioria das veres, pequenos, brancos
esclarecimento de sua origem para uma conduta adequada. O ou rosados e sésseis. A biopsia da mucosa ou a polipectomia
Quadro 15.1 mostra a classificação dos tumores de esôfago. são procedimentos seguros. Não têm tendência a recorrer. Na
maioria das veres, é lesão única localizada no terço distai do
órgão. A sua transformação maligna é muito rara.
• TUMORES BENIGNOS DO ESOFAGO Histologicamente são descritos como projeções digitiformes
da lâmina própria, recobertas por epitélio escamoso hiperplá-
O achado de tumor benigno no esôfago é bastante incomum. sico. Tem-se avaliado a associação do papiloma vírus com o
Caracteristicamente, são assintomáticos e descobertos inciden- papiloma de células escamosas.

---------------T---------------
Quadro 15.1 Classificação dos tumores doesôfago

Tumorts epiteliais Tumores não epl~llals


Malignos Malignos
Tumores de células escamosas Linfomas
Adenocarcinoma do esôfago Sarcomas
Adenocarcinoma da junção gastroesofi\gica Tumores metasti\ticos
Carcinoma verrucoso
Carcinossarcoma
Tumor de pequenas células Benignos
Melanoma Leiomioma
Benignos Tumor de célula granular
Papiloma escamoso Tumor fibrovascular
Adenoma Hemangioma
Pólipo inflamatório fibroso Hamartoma
Lipoma Figura 15.1 Papiloma esofagiano. Fonte: Dr. David Correa Lima. (Esta
figura encontra-se reproduZida em cores no Encarte.)

152
Capitulo 15 I Tumoresdo Es6fago 153

• Adenomas tamento mais eficaz, com mortalidade operatória de O a 1,396,


e alivio de sintomas em 89 a 9496 dos pacientes após 5 anos de
Pólipos adenomatosos verdadeiros brotando em segmen- cirurgia. Quando o tumor apresenta tamanho superior a 8 em,
tos do esôfago de Barret são raros. Os adenomas do esôfago na suspeita de malignização, e naqueles de crescimento anu-
são benignos, mas considerados displásicos, com potenóal de lar, está indicada a esofagectornia com esofagogastroplastia ou
malignização similar ao dos adenomas em outros segmentos esofagocoloplastia como método de reconstrução do trânsito
do tubo digestivo. Podem ser sésseis ou pedunculados. A poli- alimentar.
pectomia é considerada curativa. Opções por laparoscopia e toracoscopia podem ser tomadas
com menor trauma. Métodos paliativos para pacientes sem con-
• Pólipos inflamatórios dições cirúrgicas incluem ablação termal por laser ou necrose
de tecidos com a injeção de álcool.
Os pólipos inflamatórios são as lesões benignas que mais fre-
quentemente acometem o esôfago. Parece haver relação causal
com o refluxo crônico. Ocorrem no terço distai ou na junção • Tumor de células granulosas
gastresof.igica. A ressecção endoscópica permite o seu diagnós- Os tumores de células granulosas são neoplasias submuco-
tico histológico e a cura sas, provavelmente originados de células neurais. Ocorrem, em
geral, no terço inferior do esôfago. Endoscopicamente, t.ém base
• Cistos esofágicos larga, com superficie mucosa normal, são rosados e de consis-
tência borrachosa. A ecoendoscopia, eles são hipo ou isoecoicos
O esôfago pode também apresentar lesões congênitas, pro-
vavelmente decorrentes do sequestro de células embrionárias e alojam-se na camada submucosa
As opções terapêuticas são observação, polipectomia e cirur-
durante o crescimento do mesoderma que separa o trato diges-
gia. As pequenas lesões são acompanhadas conservadoramente;
tivo superior do trato respiratório inferior.
tumores com mais de 4 em e com crescimento importante são
considerados sob risco de malignização, e a excisão cirúrgica
está indicada.
• TUMORES BENIGNOS NÃO EPITELIAIS
• leiomioma • TUMORES MALIGNOS DO ESOFAGO
O leiomioma é o tumor benigno não epitelial do esôfago mais
comum. Em geral, é único e, em sua maioria, ocorre no terço • Incidência
distai. Os pacientes geralmente são assintomáticos, mas podem
queixar disfagia e desconforto retroesternal; o relato de hemor- Os tumores do esôfago historicamente apresentavam pre-
ragia é pouco comum. valência relativamente baixa, mas, atualmente, a incidência é
Os leiomiomas provêm de células de músculo liso e, menos crescente. Em 2000, não se mencionava o cãncer de esôfago
frequentemente, da museu/a ris mucosae. Nos últimos anos, es- entre as 17 primeiras neoplasias determinantes de óbito, mas,
tes tumores de origem mesenquimal estão sendo agrupados sob na estimativa do Instituto Nacional do Câncer (INCA) para
a sigla GIST (Gastrointestinal Stromal Tumors). O risco de sua 2003, já estava em oitavo lugar quanto à mortalidade e ocu-
transformação maligna ainda é desconhecido. pava o terceiro lugar entre os tumores do aparelho digestivo.
Ao exame radiológico têm aparência de um defeito de en- Estima-se taxa anual de mortalidade de 7 a 8 mü óbitos para
chimento liso com margens deprimidas sem irregularidade de os próximos 4 anos.
mucosa. Aendoscopia, a mucosa em geral está intacta e a tu- Estamos assistindo a importantes mudanças no comporta-
moração tem forma arredondada que ocupa a luz do órgão. A mento do cãncer de esôfago. Em mais de 9096 das vezes, esse
palpação com a pinça de biopsia, tem-se a sensação de massa cãncer é carcinoma de células escamosas ou adenocarónoma:
firme, mas maleável estamos frente a um grande aumento de incidência do adeno-
A biopsia, com coloração por HE, revela tecido de epitélio carcinoma no mundo ocidental, enquanto no Oriente permane-
esof.igico, não sendo diagnóstica. O ultrassom endoscópico é a ce o predom1nio do carcinoma de células escamosas. A Figura
ferramenta com maior acurácia para o diagnóstico. Os leiornio- 15.2 mostra um estudo europeu evidenciando estes fatos.
mas tipicamente advêm da quarta camada (muscular própria) e Uma estatística do INCA, publicada em 2007, revela que,
têm os limites bem definidos; menos comumente, originam-se de 93 pacientes operados com cãncer de esôfago entre 1997
da muscularis mucosae. e 2005, 47 apresentavam adenocarcinoma, 44 carcinoma de
A conduta a ser tomada depende da repercussão clínica e células escamosas e apenas dois pacientes tinham tumores de
da presença e intensidade dos sintomas, uma vez que há riscos outra origem.
na ressecção de lesões. As pequenas lesões com características
de leiomiomas podem ser observadas do ponto de vista clínico
e endoscópico. Quando se constata crescimento da turno ração • Aspectos patológicos
ou há suspeita de transformação maligna, deve-se proceder à No esôfago, podem aparecer vários tipos de tumores malig-
ressecção cirúrgica. Para tumores originados na muscular da nos: melanomas, leiomiossarcomas, carónoides, linfomas. En-
mucosa, de crescimento endoluminal, a ressecção endoscó- tretanto, em mais de 9096 das vezes, o tipo histológico encontra-
pica é a mais apropriada, utüizando-se alça de polipectornia. do é o adenocarcinoma e o carcinoma de células escamosas.
Há relato de tratamento de lesões grandes, com tamanho su- O primeiro, em mais de 3/4 dos casos, localiza-se no terço
perior a 4 em. distai do órgão; o segundo é mais comum nos terços médio e
Nos tumores originados da muscular própria do órgão, ori- distai, especialmente nos locais onde há compressão esof.igica
gem mais frequente destas le.sões. a enucleação cirúrgica com extrínseca pela aorta e pela carina. A ocorrência no terço pro-
reaproximação da musculatura através de toracotomia é o tra- xirnal é menos frequente.
154 Capftulo 15 I Tumores do Es6fago

Incidência de adenocarcinoma na Alemanha

1987-1991 1992-1996 1997-2000 2001-2003


Tempo em anos

Figura 15.2 Aumento da incidência do adenocarcinoma na Alemanha. (Modificado de Siewert JRet ai., Esophagus, 2004.)

• Fatores etiológicos (a concomitância destes parece ter um efeito de sinergismo) e


a idade avançada. A ocorrência prévia de tumor de cabeça e
Os tumores malignos do esôfago, em nosso meio, são, em pescoço e a radioterapia para tumores de tórax e mediastino,
geral, diagnosticados tardiamente, quando a doença já se en- também, são considerados fatores predisponentes.
contra em estágio avançado e com pouca chance de tratamento Outros determinantes de irritação crônica estão provavel·
curativo. Embora não se consigam identificar fatores de risco mente ligados à gênese destes tumores, como a acalasia, os di·
em grande número de pacientes acometidos pela doença, o verticulos, o consumo de bebidas muito quentes e passado de
conhecimento de possíveis riscos pode permitir medidas com ingestão de cáusticos. A pobreza está claramente ligada ao au·
o intuito de diagnóstico precoce. mento de risco da doença.
O Quadro 15.2 relaciona e compara os fatores que podem Os fatores ambientais e nutricionais têm sido estudados, pois
estar relacionados com os dois principais tipos histológicos de existe grande variação da doença em regiões distintas. Tem-se
câncer de esôfago. avaliado a contaminação das águas, quer por óleo ou petróleo,
teores de substáncias possivelmente nocivas em mananciais
• Fatores etiológicos no carcinoma espinocelular hídricos, uso de pesticidas e defensivos agrícolas. Também as
Os principais fatores de risco para o carcinoma espinocelu- diferenças de dieta, com ou sem o uso de alimentos frescos, e
lar do esôfago são o tabagismo, o consumo exagerado de álcool as maneiras de conservação têm chamado a atenção.
A tilose palmar, condição clínica expressa pelo excesso de
queratina nas mãos e nos pés, é uma condição genética rara liga·
da ao aumento de risco do carcinoma de células escamosas.
---------------T---------------- • Fatores etiológicos no adenocardnoma
Quadro 15.2 Fatores de risco para ocancerde esôfago
A ocorrência de refluxo gastresofágico crônico, obesidade
Cardnoma de a!lulas e idade avançada são fatores reconhecidos como capazes de
Fator de risco aumentar o risco de adenocarcinoma no esôfago.
Escamosas Adenocardnoma O refluxo gastresofágico está associado ao aparecimento de
esôfago de Barrett. Outros marcadores de doença do refluxo
Tabagismo +++ ++ gastresofágico, tais como hérnia de hiato, úlcera esofágica, uso
Alcoolismo +++ frequente de medicação antissecretora podem ser considerados
Esôfago de Barrett ++++ fatores de risco, mas não são fatores independentes.
Sintomas de refluxo semanais +++ Também devemos considerar o efeito de drogas que provo·
Obesidade ++ cam o relaxamento do esfincter esofágico inferior, tais como
Pobreza ++ medicamentos anticolinérgicos, aminofilina, betabloqueadores,
Acalasia +++ como predisponentes à sequência ~ DRGE ~ metaplasia ~
l esão cáustica no esôfago ++++
displasia ~ carcinoma esofágico.
Tem-se estudado muito a relação inversa do Helicabacter
n lose palmar ++++
pylori com o tumor de esôfago. A medida que a prevalência
Sindrome de Plummer.Vinson ++++
desta bactéria e do câncer do estômago diminui, a da doença
Câncer de cabeça e pescoço prévios ++++
do refluxo gastresofágico e do câncer da junção gastresofágica
Câncer de mama tratado por radioterapia +++ +++ e do terço inferior esôfago aumenta.
Uso frequente de bebidas muito quentes + Tytgat et ai. fazem uma discussão dos prováveis fatores liga·
Uso de medicamentos relaxantes do EEI :1: dos a este aumento de incidência do adenocarcinoma de esôfa.
Modificado de Enzinger, PC & Mayer, RJ N. Engi.J. Med., 2003. go no mundo ocidental. O padrão de aumento parece sinalizar
contra fatores hereditários, e nenhuma influência genética é
Capitulo 15 I Tumores do Esófago 155

descrita na etiologia destes tumores. Fatores de risco adquiridos


estariam mais facilmente correlacionados com esta elevação, ---------------~---------------
Quadro 15.3 Estadiamento tu moral segundo oAJCC
e o aumento da doença do refluxo é uma probabilidade mais
aceitável. Um amplo estudo, com controle de casos, mostrou Tumor (T)
uma associação positiva entre uso prévio de medicamentos que TX: Tumor não acessfvel
relaxam o esfincter esofágico inferior e elevação do número TO: Sem evidências do tumor primário
de casos do adenocarcinoma de esôfago. Esta hipótese perma- Tis: Carcinoma in situ
nece especulativa e não explica a desproporção de ocorrência Tl:Tumor invade lâmina própria (Tia) ou submucosa (Tl b)
entre os sexos. T2: Tumor invade muscular própria
Outra especulação que se faz é sobre a obesidade, uma vez T3: Tumor invade adventícia
que esta também eleva o risco de DRGE. A observação de que T4: Tumor invade estruturas adjacentes
está ocorrendo um aumento médio do índice de massa corpo- Linf onodos regi o nais (N)
ral no mundo ocidental reforça esta teoria, mas a velocidade NX: linfonodos não podem ser acessados
desse aumento e a disparidade entre os dois sexos são incon- NO: Ausência de metástase em linfonodos regionais
sistentes. Recentemente, postulou-se que a obesidade central e N 1: Metást ase em l infonodos regionais
o consequente aumento da pressão intra-abdominal, causados Metásta ... (M)
pela postura sedentária e o uso de cintos apertados, seriam um
MX: Metástase a distância não pode ser acessada
fator de aumento de refluxo gastresofágico. MO: Ausência de metástase a distância
Mudanças no hábito de fumar também foram estudadas,
M 1: Metástase a distância
mas este hábito está mais ligado à ocorrência do tumor de cé-
Tumores do esôfago torácico distai
lulas escamosas. Além do mais, temos assistido ao declínio do
M l a: Metástase em linfonodos de tronco celfaco
tabagismo entre os homens, mas é neste grupo em que se nota
M 1b: Outras metástases a d istância
aumento da incidência do adenocarcinoma esofágico.
Tumores de esôfago torácico médio
A diminuição da prevalência da infecção pelo Helicobacter
M l a: Não aplicável
pylori, que tem sido descrita em vários grupos populacionais,
M 1b: Linfonodos não regionais ou outras metástases a d istância
poderia estar contribuindo para este fato, mas o predomínio
Tumores do esôfago torácico superior
do adenocarcinoma no sexo masculino não encontra também M l a: Metástase em línfonodos cervicais
uma explicação adequada sob esta ótica.
M 1b: Outras metástases a d istância
Estádio

• APRESENTAÇÃO nrNICA EPROGNOSTICO TlNOMO


T2NOMO
A disfagia é o principal sintoma (75 a 90%), seguido por odi- liA T3NOMO
nofagia. ~ também comum o relato de hiporexia e perda pon- T1N1MO
derai. Esta é considerada fator de prognóstico sombrio quando IIB T2N1MO
ultrapassa 10% da massa corporal. A odinofagia pode sinalizar T3N 1MO
ulceração do tumor. Dor torácica e dor irradiada para as costas, 111 T1N2MO
em geral, estão associadas à invasão de estruturas nervosas no T2N2MO
rnediastino, sendo sinônimo de mau prognóstico. IV T4, qualquer N, MO
O aparecimento de sintomas em geral ocorre quando há QualquerT, q ualquer N, Ml
obstrução de 2/3 da luz esofágica. Nestes casos, acometimento Adaptado do Americtln Jolflt Committee on Conur.
esofágico transrnural e metástase linfonodal é a regra, e o trata-
mento curativo é realizado de forma excepcional. A incidência
de metástase linfática é de aproximadamente 25% quando existe
invasão da camada subrnucosa do órgão.
Perda de peso, estado clinico deteriorado, acometimento O estadiamento clínico, que considera a extensão da doença
tumoral transmural e formação de ffstula esofagobrônquica, antes do tratamento, é baseado em história clínica, exame físico,
por sua vez. são determinantes de mau prognóstico. com especial atenção aos gânglios supraclaviculares e cervicais,
biopsia, exames laboratoriais, endoscopia e métodos de imagem
corno o ultrassom endoscópico, tomografia computadorizada
• DIAGNOSTICO EESTADIAMENTO e tomografia por emissão de pósitrons.
O esofagograma, apesar de muito útil na determinação topo-
O American foint Committee on Cancer (AJCC) estabeleceu gráfica da lesão, detecta alterações na fase avançada da afecção.
um sistema de estadiamento dos tumores do esôfago baseado Tipicamente, mostra falha de enchimento e/ou estenose da luz
na descrição da lesão turnoral, dos linfonodos locorregionais, esofágica, desvio do eixo esofágico e flstula esofagobrônquica
e das metástases a distância. O Quadro 15.3 ilustra esta clas- quando presente.
sificação. Tomografias computadorizadas tanto do tórax como do ab-
Para o estágio T, considera-se somente a profundidade da dome superior estão indicadas para avaliar a lesão e suas rela-
penetração da lesão não se levando em consideração exten- ções com estruturas adjacentes, tais como aorta, brônquios e
são do tumor, porcentagem da circunferência envolvida ou linfonodos mediastinais, além de possíveis rnetástases pulmo-
obstrução da luz do órgão. Diferentemente de outros tumores nares e hepáticas. O uso da tomografia pode prever a resseca-
gastrintestinais, o acometimento linfonodal além daqueles pe- bilidade do tumor em 65 a 88% das vezes; ela pode prever o
ritumorais (Nl) é considerado doença metastática e não aco- estágio T em 70% das vezes e o N em 50 a 70%. Na avaliação
metimento linfonodal. dos linfonodos celíacos e na resposta à quimioterapia e radio-
156 Capftulo 15 I Tumores do Es6fago

Figura 15 .5 Ecoendoscopia - linfonodo periesofágico. Fonte: Dr. Vitor


Arantes e Dr. Rodrigo Cesar de Carvalho.

ser biopsiada. Pacientes com câncer no terço superior e médio,


especialmente os que apresentam rouquidão ou hemoptoicos,
devem ser avaliados por broncoscopia para determinar se há
envolvimento do nervo laringeo recorrente ou fistula traqueo-
brônquica.
O ultrassom endoscópico tem lugar de destaque na avaliação
Figul'i!l 15.3 Esofagograma de tumor de células escamosas avançado.
dos estágios Te N. Ele identifica precisamente a profundidade
de acometimento tumoral da parede esofágica em 80 a 90%
dos pacientes e a extensão do envolvimento dos linfonodos
em 70 a 80% das vezes. A acurácia na detecção de metástases
nos linfonodos pode ser aumentada com o uso da biopsia de
aspiração com agulha, chegando a mais de 90% em certos cen-
tros especializados.
A tomografia por emissão de pósitrons (Pet-scan) é método
promissor para localizar linfonodos metastáticos, determinar
a extensão tumoral e detectar metástases pulmonares. Além
de ainda ser um exame de custo elevado, a proximidade en-
tre a lesão e os linfonodos regionais dificulta a identificação
adequada da extensão tumoral e do acometimento linfonodal.
Desta forma, o Pet-scan não é considerado método rotineiro
no estadiamento do tumor esofágico.
A sobrevi da média dos pacientes em 5 anos pós-diagnóstico
é ainda pequena, mas mostrou aumento de 4 para 14% desde
os anos setenta até nossos dias. Depois de ressecção cirúrgica
completa da lesão, a sobrevida em 5 anos é superior a 95% em
Figura 15.4 Adenocarcinoma do esôfago. Fonte: Dr. Vitor Arantes e tumores no estágio O, de 50 a 80% nos pacientes em estágio I,
Dr. Rodrigo Cesar de Carvalho. (Esta figura encontra-se reproduzida 30-40% para estágio li-A, 10-30% para estágio II-B e 10-15%
em cores no Encarte.) para estágio Ill. Pacientes em estágio IV tratados com quimio-
terapia paliativa têm sobrevida média menor que 1 ano.
A análise multivariada mostra que, além da avaliação prog-
nóstica dos estágios, baseada em TNM, também são indicado-
terapia neoadjuvante, a acurácia do estudo tomográfico con- res independentes de mau prognóstico: a) presença de disfagia;
vencional é pequena. b) perda de mais de 10% da massa corporal; c) tumores muito
A endoscopia digestiva alta permite a coleta de material para grandes; d) idade avançada; e) micrometástases linfonodais.
estudo histopatológico e informações da localização da lesão
quanto à distância dos dentes incisivos e também da junção
esofagogástrica, da extensão tu moral e padrão macroscópico • TRATAMENTO
de crescimento, infiltrativo, vegetante, ulcerado ou associação
dos mesmos. A presença de esôfago de Barrett é importante
dado a ser observado. O uso de solução de lugol pode ajudar
• Tumores de origem epitelial
na identificação de lesões suspeitas, já que cora seletivamente Pacientes com tumores epiteliais, mais especificamente os
a mucosa normal e deixa a mucosa anormal identificada para carcinomas de células escamosas (CCE) e os adenocarcinomas,
Capitulo 15 I TumoresdoEs6fago 157

em geral estão na 5• e 61 décadas de vida, são frequentemente Estudos comparativos e recente metanállse concluíram que
tabagistas, alcoolistas e apresentam outras comorbidades, que não há diferença significativa entre as técnicas no que diz respei-
os colocam, a princípio, em situação de risco cirúrgico eleva- to à radicalidade da ressecção tumoral e obtenção de margens
do. O diagnóstico é frequentemente tardio e em cerca de 5096 microscópica livres de tumor, à morbimortalidade cirúrgica e
dos casos existem metástases à avaliação inicial. Apesar disso, sobrevida a longo prazo. A opção sobre qual a via de acesso a
a sobrevida a longo praro melhorou nas últimas décadas, pas- ser utilizada fica a cargo da preferência do cirurgião e experi-
sando de 4% em 1970 para 1496 atualmente. ência do serviço.
O tratamento cirúrgico é, até o momento, o único que pode Com o recente avanço da cirurgia minimamente invasiva,
proporcionar a cura. Neste caso, o estadiamento tumoral (Qua- alguns autores propõem a toracoscopia e a laparoscopia, com-
dro 15.3), a ressecção cirúrgica sem tumor microscópico resi- binadas ou não, como alternativas à cirurgia convencional, na
dual (ressecção RO), a presença ou ausência de metástases tentativa de reduzir as complicações decorrentes das incisões
linfonodais, a localização tumoral e a experiência da equipe cirúrgicas, especialmente as complicações respiratórias. Po-
cirúrgica são considerados fatores prognósticos importantes. rém, até o momento, e apesar de a radicalidade cirúrgica ser
semelhante, não há nenhum estudo que comprove o beneficio
com a utilização dessas vias de acesso, e estudos prospectivos
• Tumor inicial (TisNOMO/Tl NOMO) e comparativos são necessários para definição de seu papel no
Nota-se avanço considerável da endoscopia no tratamento tratamento do câncer de esôfago.
dos tumores do trato digestivo como um todo, mas especial- Outro ponto de controvérsia é se a linfadenectomia deve ser
mente no esôfago e estômago. Os tumores restritos à mucosa realizada ou não, e qual a extensão dela. O câncer esofágico dis-
do órgão devem, quando possível, ser tratados por via endos- semina -se precocemente por via linfática e espera-se incidência
cópica. A incidência de complicações graves é baixa, bem como de metástase linfonodal em aproximadamente 25% dos casos
sua mortalidade. na presença de acometimento tumoral da submucosa.
No planejamento do tratamento endoscópico dos tumo- O acometimento linfonodal é considerado fator indepen-
res esofágicos, é fundamental a utilização da ecoendoscopia. dente de mau prognóstico e, quando presente, a sobrevida em
Desta forma, é possível determinar precisamente a extensão 5 anos é baixa e, em muitas ocasiões, denota estadiamento tu -
do tumor em profundidade na parede do esôfago e o risco de moral avançado e comprometimento sistêmico.
metástase linfática Não há na literatura estudos prospectivos e comparativos
A ressecção endoscópica, mucosectomia, está indicada nos entre as técnicas de linfadenectomia no câncer esofágico, e a
tumores que acometem a mucosa e naqueles que invadem a
camada superficial da submucosa. Nestas situações, a incidên-
cia de metástase Unfonodal é muito baixa e os índices de cura
são superiores a 95%.
Apesar de promissor, o tratamento endoscópico possui al-
gumas limitações como necessidade de realização de endosso-
nografia esofágica em todos os casos, disponibilidade de en-
doscopista experiente com as cirurgias endoscópicas, rigor no
preparo da peça ressecada e patologista experimentado para a
análise da peça adquirida com a ressecção endoscópica.
Na impossibilidade de ressecção endoscópica dos tumores
intramucosos, naqueles com acometimento das camadas pro-
fundas da submucosa e na suspeita de metástase linfonodal
periesofágica, o tratamento de escolha é a esofagectomia. Este
tratamento apresenta morbidez elevada e mortalidade que pode
chegar a 20%. Atualmente, se aceita a realização da esofagec-
tomia somente em serviços de alto volume, com o mínimo de
20 esofagectomias ao ano. Assim, espera-se mortalidade ope-
ratória em tomo de 2%.
Na programação da esofagectomia, é fundamental o estadia-
mento tu moral pré-operatório, porém mais importante ainda
é a utilização de critérios clínicos rigorosos para a seleção dos
pacientes. Frequentemente, os pacientes estão desnutridos, são
alcoolistas e tabagistas, idosos, estão em tratamento de outras
afecções, tais como diabetes e coronariopatias, portanto não são
bons candidatos ao tratamento cirúrgico. Permanece discutível
qual a melhor via de acesso cirúrgico para o tratamento dos tu-
mores esofágicos, se transtorácica ou transiatal. Na primeira,
realizada por meio de toracotomia direita, é possível melhor
identificação das estruturas mediastinais, dissecção por visão
direta da lesão, ressecção tumoral em monobloco e Unfadenec-
tomia intratorácica alargada. Na ressecção transiatal, a linfade-
nectomia intratorácica, especialmente das cadeias linfonodais
mais craniais, é limitada e a dissecção dos tumores de esôfago Figura 15.6 CCE de esôfago distai. (Esta figura encontra-se reproduzida
médio não é, na maioria das vezes, realizada por visão direta. em cores no Encarte.)
158 Capitulo 1S I Tumores do Es(Jfogo

sobrevida a longo prazo semelhante nos dois grupos. A RxT e


QT isoladas ou em combinação são mal toleradas quando uti-
lizadas no pós-operatório e não parecem oferecer beneficios
aos pacientes, mesmo quando a margem cirúrgica encontra-se
comprometida por tumor.

• Tumor avançado
(T2N1 MO/T3N1 MO/T4N1 MO!TXNXM 1)
Nesta fase, a cura é excepcional e a recidiva tumoral no me-
diastino posterior ocorre em até 50% dos pacientes no prazo
de aproximadamente 2 anos. O tratamento cirúrgico acarreta
elevada morbidade pós-operatória e o paciente tem sua qua-
lidade de vida extremamente comprometida. A indicação do
tratamento cirúrgico com a mera finalidade de controle da dis·
fagia parece insuficiente para justificar o sofrimento do pós-
operatório.
A associação da radioterapia e quimioterapia, sem a reali-
zação de cirurgia. é capaz de controlar a doença locorregional-
mente, devolver a capacidade de ingestão de alimentos à custa
de morbidade e mortalidade aceitáveis.
A endoscopia assume papel importante como tratamento
paliativo do tumor esofágico, já que é capaz de aliviar a disfagia
e tratar fistulas esofagobrônquicas, eventualmente presentes,
especialmente em pacientes com tumor de esôfago torácico.
Para a disfagia. são muitas as técnicas endoscópicas descritas,
algumas desobstruem o esôfago por meio do deslocamento e
tunelização tumoral, outras utilizam técnicas de ablação do tu·
mor. A dilatação direta da estenose tumoral utilizando cateteres
dilatadores de poli vinil (Savary-Guillard) ou balões endoscópi-
cos foi muito utilizada, com a vantagem de ser barata, relativa-
mente segura. mas com o incoveniente de reestenose precoce
da luz esofágica e da necessidade de repetidas dilatações.
Intubação com prótese esofágica é método atrativo para o
Figura 15.7 Esofagectomia nansiatal: peça cirúrgica. (Esta figura en· alivio da disfagia e fistula esofagotraqueal, por meio da com-
contra-se reproduzida em cores no EncarteJ pressão tumoral em direção à parede do esôfago por ação me-
cânica direta. Inicialmente, utilizavam-se próteses endoscópi-
cas rígidas, porém estas são dificeis de serem posicionadas e
apresentam alto indice de deslocamento e perfuração do ór-
maioria deles baseia-se na experiência de um único serviço e, gão. Atualmente, existem próteses metálicas autoexpansivas,
mesmo assim, são incluídos pacientes em estágios tumorais e de manuseio mais fácil, que permitem melhor posicionamento
tipos histológicos diferentes. na luz esofágica, com grande força radial e melhor fixação ao
Aparentemente, para os tumores esofágicos distais, de modo esôfago, com consequente redução do risco de deslocamento.
especial, nos casos de adenocarcinoma, a linfadenectomia em Talvez, o maior inconveniente resida no fato de poder ocorrer
dois campos. mediastino inferior e tronco cdfaco, é recomenda- crescimento tumoral para dentro da prótese (5 a 20%), levando
da. A realização de linfadenectomia junto ao nervo laringeo re- à necessidade de novas intervenções para a sua desobstrução,
corrente e a linfadenectomia cervical bilateral aumentam a mor· além de seu elevado custo. O alivio da disfagia é imediato e a
bidade operatória sem, a princípio, aumentar a sobrevi da. incidência de complicações é pequena. Também, podem ser
A terapia neoadjuvante é atrativa, uma vez que é capaz de utilizadas no tratamento das fistulas esofagobrônquicas. Seu
promover redução do tamanho tumoral e no número de Un- emprego em pacientes com tumor em esôfago cervical não é
fonodos acometidos, aumentando a incidência de ressecções recomendado pelo desconforto torácico provocado por sua
completas (ressecção RO). Em metanálise recentemente publi- presença, e, naqueles com prótese posicionada próximo à jun-
cada, avaliando radioterapia (RxT) isolada no pré-operatório, ção esofagogástrica, o uso de bloqueador da bomba de prótons
não se observou nenhum ganho de sobrevida a longo prazo. é recomendado.
Fenômeno semelhante acontece quando se utiliza quimiotera- A fotoablação endoscópica a laser (Nd:Y AG = neodymium-
pia (QT) isolada no pré-operatório. yttrium-aluminum-garnet laser) produz vaporização e necrose
O tratamento combinado, utilizando-se RxT e QT neoad- por coagulação do tumor, sem necessidade de contato direto
juvante, inicialmente difundido por Walsh e cols., foi testado com a lesão. Há alivio da disfagia em 70 a 85% dos pacientes
em dois estudos prospectivos. O estudo americano, que preten- após 3 a 6 sessões. por período de 3 a 6 semanas. Tumores de
dia avaliar 620 pacientes, foi precocemente interrompido após terço médio, vegetantes e que promovem estenose de até 5 em
inscrição de 75 pacientes, devido à toxicidade do tratamento, de extensão são os que apresentam melhor resposta. A sua uti-
e, no segundo estudo, proveniente da Austrália, não se obser- lização é dificultada pelo alto custo para aquisição e manuten-
vou nenhum beneficio a favor do tratamento combinado, com ção do equipamento.
Capitulo 75 I TumoresdoEs6fago 159

A terapia fotodinãmica utiliza substância citotóxica para as Barbier, PA, Luder, PJ, Schupftr, C <1 ai. Quality oflife and patterns of "'currence
foUowing transhiatal esophagectomy for cancer: re&ults of a prospective
células turnorais, ativada por meio da luz de laser posicionada follow-up in 50 patient>. World f Su1J, 1988; 12:270·6.
em proximidade com o tumor. Tem como vantagem a possibi- Blauby, JM, Farndon, IR. Donovan, I Ltia/. A Prospective Longitudinal Study
lidade de tratamento de grande extensão tumoral, com relativa Examining the QualityofUfo ofPatitnts with üophageal Carcinoma. Can-
segurança e baixa incid!ncia de perfuração esofágica. Pacientes ca, 2000; '*1781-7.
submetidos a este tratamento podem apresentar sensibilidade Bosset, JF, Lorcho~ F, Mantion, C. Neoadjuvant treatment of early stage
squamousceU carcinoma. oo-aoflh• EM>plw.gus, 2002; 15:117-20.
cutânea à luz. Como ocorre com o Nd:Y AG laser, o custo do De Palma. GO, Di Matt<e>, E, Romano, G <1 oi. Pwtlc prothesis _,., expand-
método dificulta sua utilização em nosso meio. able motalstents for palliation ofinoperable esopbageal thorac:ic carânoma:
Opção mais econômica e que pode ser utilizada em grande a controlled prospectivo study. Castroinuu btdtnc, 1996; 43:478-82.
número de serviços de endoscopia é a injeção de substâncias Ellis, FH. Standard resectlon for cancer olthusopbagus and cardia. Sanr Oncol
que agem por necrose diretamente no tumor, como, por exem- Clin N Jtm, 1999; 8:279·94.
Enzinger, PC & Maytr, RJ. Medicai progre<s: esopbageal canctr. N Engf f M.d,
plo, o álcool absoluto e os quimioterápicos. Ocorre necrose 2003; 23:ZZ41·52.
tumoral por ação citotóxica direta e coagulação por edema, Frenken, M. Best palliation in eoophagcal cancer: surgcry, stentlng. ndiatlon,
vasoconstrição e trombose dos vasos. O maior obstáculo à or wbat? Diseases ofIM EM>plw.gou, 200 I; 14: 120-3.
aceitação do método é a incapacidade de controlar o grau de Ginsberg. GG & Fleischer, O. Esophage&l Th.morS. Em: Fddman, M et DI. Gas-
troentestinal and Uver Discasc:, PhUadelphia, Saunden 2002.
extensão de necrose tumoral e a possibilidade de perfuração Goldmine. M, Maddern, G, Lc Price, E cl ai. Ocsophagcctomy by a tnnshi>tal
esofágica. approach or thoracotomy: a prospectivo randomlzcd trlal Br f SuiJ. 1993;
A braquiterapia, por meio do posicionamento de bastões 80:367-70.
radioativos em contato direto com o tumor, promove necrose Hagen, JA, DcMcester, SR, Pctcrs, JH et ai. Curatlve resectlon for csopbageal
tumoral duradoura, com baixa incidência de efeitos colaterais adenocarcinoma. Analysis of I 00 en bloc esophagectomies. Ann Su1J. 200 I;
234:520-31.
sistêmicos. Recentemente, em estudo aleatório, comparando Homs, MYV; Steyberg, EW, Eijkenboom, WMH, Tilanus, HW ti ai. Slngle
braquiterapia e stent endoscópico para paliação da disfagia, dose brachythcrapy vmus mctalstcnt placcmcnt for the palllation of dys-
os autores perceberam menor incidência de complicações re- phagia from oesophageal cancer: multicentre randoml!ted trlal. Lanctt,
lacionadas com o procedimento, alívio mais prolongado da 2004; 364:1497-504.
Knyri.m, K, Wagner, HJ, Beth, N et ai. A controlled trlal of an expansiblc meral
disfagia e melhor qualidade de vida nos pacientes tratados stont for paUlatlon of csophageal obstructlon duc to lnopcrablc canccr. N
com braquiterapia. O alivio da disfagia foi mais rápido no Englf Med, l993; 329:1302-7.
grupo tratado com stent endoscópico, devendo este procedi- Koshy, M, Esiashvilli. A, Landry, JC el ai. Comblned modality management
mento ser reservado para aqueles pacientes com expectativa approaches. Tht Oncologlsl, 2004; 9:1 47-59.
de vida mais curta. Koshy, M, Eslashvilli, N, Landry, JC et ai. Multi pie management modalltles ln
esophageal cancer: epidcmiology, presentation and prog"'sslon, work-up,
Infelizmente, em algumas situações o alivio da disfagia não and surglcalapproaches. The Oncologlst, 2004; 9:137-46.
é posslvel, tal como ocorre em pacientes com lesões extensas, ue. LS, Singbal, S, Brinster, CJ et oi. Cutrent management of c.sophagcalleio-
com desvio patológico do eixo esofágico e estenose completa e myoma. Jtm Coll Surg, 2004; 198:136-46.
intransponfve.l da luz do órgão. Nesses casos, está indicada gas- Linbares. E. Marques. A, Sanlou, L. C4ncer do EoóCago. Em: Galvio-Aivea. J
trostomia ou jejunostomia cirúrgica para que o paciente possa & Dani, R. Terapàlllca em Gastrocnterologlo. Rio de janeiro, Guanabara
Koogan. 2005.
receber suporte nutricional e também medicamentos, de modo Lyn. CY, Oleng. YL. Huang. WH <1 oJ. Pri.mary MaUgnant Melanoma of lhe
especia.l analgésicos, sempre que necessário. Oesophagus presenting with massivo melena anel hypovolernic shock. ANZ
I Swg, 2002; 72:62-4.
Moreira. LS, Coelho, RCL. Sadala, R., oJ. The ...., of ethanollnjection under
• Carcinoma de pequenas células endo>eopic control to paUlate dypbagla causecl by esopbagogutric cancer.
~.1994;26:311-14.
Trata-se de lesão maligna agressiva, de pior prognóstico em Moreira, LS & Dani, R. ~atment of granular ceU tumor of the esophagus
relação ao CCE, rara no esôfago, e, por isso, não existe consenso by endoscop;c lnjectlon of dehydnted alcohol. Jtm I Gastrot11tero/, 1992,
na literatura quanto à melhor abordagem terapêutica. 87:659:61.
A presença de linfonodos metastáticos determina sobrevida Munro, AJ. Oesopbageal cancer: a view over overviews. Lancei, 2004;
364:566~8.
curta. Em tumores ressecáveis, a esofagectomia com linfadenec- Noguchi, T, Takeno, S, Kato, T el al. Small ceU carcinoma of the e.sopbagus:
tomia parece ser o tratamento de primeira escolha, e a associa- clinioopathologi<:al and immunohistochemlcal analisis of six cases. Di•=es
ção com Rxt e/ou QT parece não trazer beneficios. ofEsophagou, 2003; 16:252-8.
Oel.schlager, BK & PeUegrin~ C. A role of Japaroscopy and thoracoscopy in
the treaunent of esopbagcaladcnocarclnoma. Diseases of Esophagus, 200 I;
• Melanoma 14:91·4.
Pinto. CE. Dias, JÁ, Sal,llAM et a/. Tratamento clrllrglco do cllncc:r de esôfago.
Trata-se de doença extremamente rara, comprometendo Rev Bras de Canurologla, 2007; 53:125·30.
mais frequentemente pacientes idosos. Na maioria das vezes, Poncc, RI & Kimmcy, MB. Endoscopic thet~~py of esophagcal canccr. Surg Clin
o diagnóstico é tardio, já sendo observada a presença de metãs- North Am,l997; 77: 1198-216.
tases para o ffgado (31 %), mediastino (29%) e pulmão (18%). Siewert, JR, von Rahden, BHA, Stoin, HJ. Current S!Jilus of esophageal cancet-
West versus East: thc European point ofvlew. Esophagou, 2001; 1:147-59.
A grande maioria dos estudos baseia-se em relatos de casos e, Silva, W, Magalhães. LCR, Reis, LFA tlal. Carcinoma de pequenas dlulas do
nestes, o tratamento cirúrgico é o mais utilizado. A sobrevida esôfago com apr<S<Ontaçlo mllltlpla: relato de ca.so e revisto da literatura.
média com o tratamento cirúrgico é de 4,25% em 5 anos e 0% GBD, 1999; 18:113-16.
com outras modalidades terapêuticas. Spechler, SJ. Barrett's esophagus and esophageal adenocarclnoma: pathogenesis,
diagnosls, and therapy. Med C/ln N Am, 2002; 86:1423-45.
Tytgat. GNJ, Bartding. H, Bernards, R <1 ai. Cancer o( the esophagus and gastric
cardia: recent advanccs. Distasu ofthc Esophagus, 2004: 17: I 0-26.
• LEITURA RECOMENDADA Wayman. J,lrving. M, RusseU, N <1 oJ.Intnluminal nodiothen.py and Nd:YAG
l4ser photoablatlon for primary malignant melanoma of the esopbagus.
Armott, SJ, Duncan, W, Clgmoux, M. Preopnatlve ndiotherapy in esopbageal G:urroirtl Endosc, 2004; 59:927:29.
carcinoma: a mtta-analysls using individual patient data.lnl} RJJdiat Oncol Wu, Z, Ma. JY, Yang, 11 <1 oJ. Pr!mary small ceU catdnoma ofesopbagus: report
Biol Plrp. 1998; 41:579-U. of9 cases and review ofliteran=. Wor/Jf Gastroe~trrn>l. 2004; 10:J680..2.
PARTE 111
Estômago e Duodeno
16 Anomalias Congênitas
Marisa Fonseca Magalhães e Maria do Carmo Friche Passos

O estômago se desenvolve durante a quarta semana de vida porção terminal do esôfago, e os pacientes apresentam, logo
embrionária, a partir do intestino primitivo. Nessa época, se após o nascimento, quadro de vômitos, anemia e desnutrição.
apresenta como uma porção dilatada, de forma fusiforme. Nas A microgastria tem sido descrita em associação com asplenia,
semanas seguintes, ocorre a rotação sobre seu eixo longitudinal, cardiopatias e má rotação intestinal, entre outras. O tratamento
em 90°. Esse movimento determina o posicionamento anterior inicial consiste em pequenas e frequentes refeições e alimenta-
da borda direita, formando a parede anterior do estômago; a ção parenteral. Em sua maioria, os pacientes morrem em sema-
borda esquerda origina a parede posterior do órgão. A antiga nas ou meses. Quando o paciente sobrevive, tem sido tentada
parede posterior, agora borda esquerda, apresenta um cresci- a confecção cirúrgica de uma bolsa jejunal funcionando como
mento maior que a borda direita, o que resulta na forma assi- reservatório do bolo alimentar.
métrica do estômago, com a diferenciação das duas curvaturas,
pequena à esquerda e grande à direita. O movimento de rotação
explica, ainda, por que a parede anterior é inervada pelo vago • ATRESIAS
esquerdo e a posterior, pelo vago direito.
Como o estômago, também o duodeno cresce rapidamente, As atresias são decorrentes da não recanalização do lúmen
formando um arco, que se projeta ventralmente, e, através de gástrico em determinada porção. Sua ocorrência é rara, sendo
rotação para a esquerda, vai se localizar no retroperitônio. O descritos menos de 50 casos. A área de atresia localiza-se no an-
lúmen do duodeno permanece obliterado até a quinta ou sexta tro ou no piloro. Duas são as teorias que explicam a persistente
semana, devido à proliferação rápida do epitélio. A vacuoliza- obliteração do lúmen tubular: a falha da recanali.zação por não
ção, com degeneração de algumas células, acarretará a recana- vacuolização e a não involução da hiperplasia da mucosa.
lização do duodeno nas semanas seguintes. Polidrâmnio materno e vômitos não biliosos desde o nas-
O endoderma embrionário dá origem aos epitélios gástrico cimento, associados à não eliminação de mecônio, são chaves
e duodenal, e do mesoderma derivam o tecido conjuntivo e as para o diagnóstico. A radiologia mostra distensão gasosa do
camadas muscular e serosa. As alterações do desenvolvimento estômago e opacidade no restante do abdome. O tratamento
embrionário do estômago darão origem às malformações gás- consiste na ressecção gástrica da porção atrésica. Crianças nas
tricas, que, de maneira geral, são raras, sendo a mais frequente quais foi tentada apenas a ressecção da faixa membranosa, que
delas a estenose hipertrófica do piloro. Casos de agenesia gástri- causava oclusão da luz do órgão, necessitaram de nova inter-
ca só foram relatados em anencéfalos. É objetivo deste capitulo venção cirúrgica em decorrência de obstrução gástrica.
rever as malformações gastroduodenais do tipo microgastria,
atresias ou estenoses parciais, duplicações, divertículos e defei-
tos de parede muscular. • ESTENOSE HIPERTRÓFICA DO PILORO
É a mais comum das malformações gástricas, ocorrendo em
• MICROGASTRIA cerca de 2 para cada 1.000 nascidos vivos. Em consequência
de hipertrofia e edema da musculatura do piloro, desenvol-
É uma malformação rara, tendo sido descritos, até o mo- ve-se uma síndrome de obstrução ao esvaziamento gástrico,
mento, menos de 30 casos, com adequada documentação. Em que é responsável pela maioria das cirurgias realizadas duran-
apenas um caso, o diagnóstico não foi feito na inff!ncia. É resul- te as seis primeiras semanas de vida. A etiologia da estenose é
tado da não rotação gástrica, o que determina a interrupção do desconhecida, sendo postuladas algumas teorias como hiper-
desenvolvimento, sem a diferenciação das duas curvaturas. O trofia muscular primária, alterações na maturação das células
estômago permanece com seu eixo longo na região média, no ganglionares e resposta às concentrações elevadas de gastr ina
plano sagital, e não há diferenciação em fundo, corpo e antro. circulante; mais recentemente, a ausência de síntese do óxido
A função de reservatório é mantida pela dilatação que se dá na nítrico no tecido pilórico tem sido considerada um dos fatores

163
164 Capftulo 76 I Anomalias Conglnltas

responsáveis pelo piloroespasmo. Sua incid!ncia é maior em


membros de uma mesma família, sendo tr!s a quatro vezes • DIVERT[CULOS
mais frequente em homens que em mulheres e, na metade dos
O estômago é o segmento do aparelho digestivo com me~ or
casos, acomete o primogênito.
ocorrência de divertículos. Quando presentes, em sua mato-
Os portadores de estenose hipertrófica do piloro em geral
ria (7596) estão localizados na região gastresofágica, a cerca de
permanecem assintomáticos até a terceira semana de vida, quan-
2 em da pequena curvatura. São assintomáticos, exceto quando
do então desenvolvem quadro de vômito de intensidade cres-
cente, ocorrendo após a maior parte das refeições, muitas vezes associados a complicações, dai seu diagnóstico ser quase sem-
em jato. A criança deixa de ganhar peso, toma-se constipada pre casual. Constitui achado fortuito em exame radiológico
e com distensão abdominal. Ao exame flsico, é possível palpar ou endoscópico, realizado por outra indicação. O tratamento
uma massa na região epigástrica (sinal da oliva), especialmente cirúrgico só estará indicado nas complicações.
com a criança relaxada e com o estômago vazio. Ondas peristál-
ticas gástricas podem também ser visíveis. A radiografia simples
do abdome permite o diagnóstico da obstrução, por demonstrar • DEFEITOS NA PAREDE MUSCULAR
uma grande quantidade de ar na cavidade gástrica e pouco ou
nenhum ar no intestino. Radiografias contrastadas podem trazer Os defeitos decorrentes do desenvolvimento da parede gás-
mais dados para o diagnóstico, permitindo evidenciar um canal trica também são raros, mas com consequências graves. Foram
pilórico longo e estreito (sinal do cordão), sugerindo a presença já descritos cerca de 30 casos de perfuração gástrica em recém-
de um duplo canal. Em mãos experientes, a ultrassonografia é nascidos. Em sua maioria, ocorrem na grande curvatura, o que
capaz de confirmar o diagnóstico na maioria dos casos. se explica pelo crescimento acelerado dessa região, e, com fre-
No tratamento dessas crianças. adquire importância a repo- quência, estão relacionados com a prematuridade.
sição hídrica adequada, assim como a correção dos distúrbios
eletrollticos e nutricionais antes da intervenção cirúrgica. A
correção cirúrgica é realizada através da piloromiotomia ex- • LEITURA RECOMENDADA
tramucosa, com excelente prognóstico.
Alberti, FIJ. Endoscoplc appearance of adult gastric duplication cyst. Am f
Gast,.,.,tm>~ 1994; 89:1919-20.
Coopet, S, Abrams, RS, Carbaugb, RA. Pyloric duplications: rev!ew and case
• DUPLICAÇÃO GÁSTRICA OU DUODENAL study. Am Surr,1995; 61:1092-t.
Cunha·Melo, JR, Cutro, LP, Lanna, JCBD a ai. Anatoutia do estômago e ano-
As duplicações gástricas representam menos de 496 das du- malias do dosenYOivlmento. Em: Oani, R & Cutro, LP. Gastroent<tOlosJa
CIJnica. Rio de janeiro, Editora Guanabara Koogan. 1993.
plicações do trato digestivo, com cerca de 100 casos descritos Eam-'00<1, GL. Stomach: anatomy and structural anomalies. Em: Yamada, T,
na literatura, em que foram identificadas mucosa, submucosa Alpers. OH, Owyang, C. Powell. DW, Silverstein, FE (ecl$.). Textbook of
e muscular. A duplicação ocorre na região do antro, na grande Gasuoenterology. PhUadelphla, J.B. Uppincon C<>mpany, 1995.
curvatura, podendo estar presente também na região do piloro ou Eisenberg, MM, Fondacaro, PF, Dunn, OH. Applied anatomy and anomalies of
próximo à cabeça do pâncreas, na região duodenal. Essas áreas de the stomach. Em: Berk, JE, Haubrich, WS, Kalser, MH, Roth, ji.A, Schaffner,
duplicação em sua maioria não mantêm comunicação com a por- F (eds.). Gastro<ntcrology. Philadelphia, W.B. Saundcrs Company, 1995.
Hoehner, JL, IGrnura, K, Soper, RT. Congenital microgastrla.f Pedlatr Sur,
ção principal do estômago, permanecendo como uma formação 1994;29:1590.
clstica fechada. Setenta por cento das duplicações produzem sin- z
llce, el al. PyJoric atn::sla: 1S·year revicw from a single in.stitutlon. I Ptdialr
tomas, consequentes, muitas vezes, à compressão local e surgin- Surg, 2003; 38: I 581 ·4.
do precocemente na infância. Podem manifestar-se como m~ Quinn, O & Shannon, LF. Conacnital anomalies of the gastrointestinaltraet.
abdominal, dor epigástrica, sangramento oculto ou hemorragm Part I. Neonai41·N<tw, 1995; 14:63-6.
Reymunde, A & Leon, R. C<>ngenltal mlcrogastria in an adult. Am I Gastrotn-
manifesta, quando ocorre ulceração. Há relato de perfuração em tero~ 1991;89:1095-6.
abdome livre. O tratamento é cirúrgico e consiste em ressecção Tanaka, K, Tsuchida, Y, Hashlmune, K d aL Microgasttia - case repott and
e/ou marsupialização, ou em drenagem por Yde Roux. rev!ew ofthe Uterature. Eur f Pediatr SUIJ, 1993; 3:290-2.
17 Dispepsia Funcional
Ana Flávia Passos Ramos e Maria do Carmo Friche Passos

2 . tfundamental a pruençn de um ou mais dos seguintes


• INTRODUÇÃO sintomas: a) empachamento pós-prandial; b) saciedade
A Dispepsia Funcional (DF) é definida pela presença de dor precoce; c) dor epigástrica; d) queimação epigástrica.
e/ou desconforto, persistente ou recorrente, localizada na re- 3. t fundamental a austnc:ia de lesões estruturais (incluin-
gião central e superior do abdome (epigástrio), na ausência do a realização de endoscopia digestiva alta) que possam
justificar os sintomas.
de anormalidades estruturais ou irregularidades metabólicas e
bioquímicas que justifiquem a sintomatologia. Para uma melhor orientação propedêutica e terapêutica, os
Tem sido relatado que cerca de 20 a 40% da população geral pacientes portadores de DF devem ser classificados de acordo
apresenta alguma queixa dispéptica (as cifras mais altas corres- com o sintoma principal em duas s!ndromes: 1) Sfndrome do
pondem a estudos que inclulram também o sintoma de pirose). Desconforto P6s-prandial (predomina sintoma de empacha-
Entretanto, somente cerca de 30% desses individues procuram mento pós-prandial e/ou saciedade precoce, que ocorre várias
assistência médica: a dispepsia constitui a causa de 3 a 5% das ve.zes por semana, nos últimos 3 meses e/ou; 2) Sfndrome da
consultas ambulatoriais de clínica geral, em um centro de aten- Dor Epigástric:a (predomina dor ou queimação localizada no
ção primária, e de 20 a 40% das consultas em gastrenterologia. epigástrio, moderada a intensa, intermitente e que ocorre, no
Os sintomas dispépticos podem surgir em qualquer idade e são mínimo, 1 vez/semana, nos últimos 3 meses). Critérios especí-
ficos para a classificação desses pacientes também foram esta-
mais prevalentes no sexo feminino. A intensidade da dor e/ou
belecidos pelo Comitê Roma I11, como descrito a seguir.
do desconforto e a ansiedade (incluindo o medo de doenças
mais graves) se constituem nos principais motivos de procura
ao cllnico e gastrenterologista.
Essa sindrome se constitui em um problema sanitário e so-
• CLASSIFICAÇÃO DA DISPEPSIA FUNCIONAL
cioeconômico de grande relevância, não apenas por sua alta • 1. Síndrome do desconforto pós-prandial
prevalência, como também por seu caráter crônico e ausência
de tratamento satisfatório. Além disso, apesar de sua evolu- (sintomasdesencadeadospelasrefeições)
ção benigna, pode afetar de forma significativa a qualidade de • É fundamental a presença de pelo menos um dos crité-
vida dos pacientes, refletindo em suas relações pessoais, sociais rios seguintes:
e laborais, ocasionando alterações psicológicas, do sono e da o Empachamento pós-prandial, que acontece necessa-
atividade sexual. riamente após refeições habituais, ocorrendo várias
Um comitê internacional de especialistas estabeleceu, nos vezes por semana, nos últimos 3 meses.
últimos anos, critérios específicos para o diagnóstico e classi- o Saciedade precoce, que impossibilita o término nor-
ficação da DF (Consenso Roma I, 11 e III), trazendo grandes mal das refeições, ocorrendo várias vezes por semana,
avanços no entendimento da síndrome, porém alguns aspectos nos últimos 3 meses.
ainda não foram elucidados, especialmente no que se refere à Outros sintomas que., se presentes, reforçam o diagnóstico:
etiopatogenia e terapêutica específica. distensão do abdome superior, náuseas pós-prandiais ou eruc-
tação; a Sindrome da Dor Epigástrica pode coexistir.
• CRIT~RIOS DIAGNÓSTICOS PARA DISPEPSIA • 2. Síndrome da dor epigástrica
FUNCIONAL (CONSENSO ROMA 111) (sintomasdedor ou queimaçãoepigástrica)
1. Queixas dispépHcas durante os úiHmos 3 meses e que se • tfundamental a presença de todos os critérios seguintes:
iniciaram, no mfnimo, 6 meses antes. dor ou queimação loc:alizada no epigdstrio, pelo menos
165
166 Capftulo 77 I Dlspepsla Funcional

moderada, e que ocorre, no m(nimo, 1 vez/semana, nos


últimos 3 meses; dor intermitente; dor não generalizada ou
• SECREÇÃO GÁSTRICA DE ÁCIDO
localizada em outras regiões do abdome ou t6rax; dor não Tem sido demonstrada a inexistência de relação causal pri-
aliviada pela defecação ou eliminação de f/atos. As carade- mária entre a secreção gástrica de ácido e a DF. Tanto a secre-
risticas da dor não preenchem critérios para o diagn6stico ção basal de ácido quanto a secreção máxima de ácido pelo
dos distúrbios funcionais da ves(cula biliar ou esfínder de estômago são normais nos dispépticos, quando comparados
Oddi. Outros sintomas que, se presentes, reforçam o diag- com indivfduos assintomáticos, não havendo evidências de que
n6stico: a dor pode ter características de queimação, mas haja um subgrupo de hipersecretores. Vários estudos, no en-
sem irradiação retroesterna~ a dor é comumente induzida
tanto, sugerem que alguns dispépticos funcionais possam ter
ou aliviada pela ingestão de alimentos, podendo, porém,
uma sensibilidade exagerada a infusões intragástricas de ácido,
ocorrer em jejum; a s(ndromt do desconforto p6s-prandia/
enquanto, em outros, a injeção de pentagastrina se associa à
pode coexistir.
maior frequência de episódios dolorosos. Além disso, ensaios
Esses novos critérios objetivam padronizar a linguagem terapêuticos controlados sugerem que alguns pacientes melho-
cientlfica sobre a DF tanto no que se refere à aplicabilidade ram com antiácidos e/ou antissecretores.
clínica, ao se basear em sintomas bem definidos, como em re-
lação à pesquisa cientlfica.
• MOTILIDADE GASTRODUODENAL
• FISIOPATOLOGIA Existem inúmeras evidências de que a motilidade gastrin-
testinal é anormal em uma grande parcela de pacientes com
A fisiopatologia da DF permanece desconhecida e, da mes- DF. Malagelada e StangheUini encontraram distúrbios de mo-
ma forma que em outros distúrbios funcionais, uma série de tilidade em 72% dos pacientes dispépticos estudados, e mais da
anormalidades fisiológicas e psicológicas tem sido identificada, metade destes pacientes apresentavam dismotilidade gástrica
embora sua real importância seja controversa. Vários fatores isolada; em aproximadamente 40%, observaram-se alterações
etiológicos são considerados como hipersecreção ácida, altera- gástricas e intestinais associadas.
ções da motilidade gastroduodenal, da sensibilidade víscera!, A contribuição de anormalidades motoras na geração de
da acomodação gástrica, fatores psicossociais, além de gastrite sintomas, no entanto, não é completamente estabelecida. Dis-
associada ao Helicobacter pylori. Importante salientar que, em túrbio motor (tipicamente retardo) do esvaziamento gástrico
alguns pacientes, vários desses fatores etiopatogênicos podem de sólidos é a alteração motora mais estudada na dispepsia.
estar presentes e, atualmente, acredita-se que uma combina- Para responsabilizar as alterações motoras pela sintomatologia
ção de fatores fisiológicos e psicossociais seja responsável pelo dispéptica, seria necessária, no entanto, a observação temporal
quadro dlnico. Tabagismo, etilismo e uso de anti-inflamatórios direta, ou seja, a ocorrência simultânea do distúrbio motor e do
não esteroides (AINEs) não são conside.rados fatores de risco sintoma, o que raramente é observado. Além disso, é também
de DF. Contudo, os pacientes portadores de DF apresentam
discutível o fato de a dismotilidade ser constante e os sintomas
maior probabilidade de desenvolver sintomas quando trata-
dos com AINEs. intermitentes. A importância clínica desses achados é, dessa
forma, muito controvertida, e a presença de sintomas sugesti-
Alguns novos mecanismos fisiopatológicos têm sido pro-
vos de dispepsia tipo dismotilidade não indica, com segurança,
postos, como dispepsia pós-infecciosa (sintomas surgem após
episódio de gastrenterite, particularmente depois de surtos de que esses pacientes tenham dismotilidade gastroduodenal e que
salmonelose), presença de inflamação crônica no duodeno (in- possam beneficiar-se com drogas procinéticas.
filtração eosinofilica) e fatores genéticos. O gene GN beta-3 tem
sido associado com frequência à DF e este é um caminho pro-
missor para o entendimento da sindrome. • ATIVIDADE MIOEL~TRICA
A seguir, faremos breves considerações acerca dos principais
fatores etiopatogênicos propostos. A atividade mioelétrica da musculatura lisa do estômago
constitui a base da atividade motora gástrica. O eletrogastro-
grama (EGG), é um método não invasivo e que reflete o ritmo
mioelétrico do estômago. O EGG normal é caracterizado por
• DIETA variações do potencial elétrico a uma frequência de três ciclos
Muitos pacientes com DF relatam que determinados alimen- por minuto (2,4 a 3,6 cpm). As disritmias gástricas represen-
tos, especialmente os gordurosos, as frutas cítricas, os condi- tadas por bradigastria, taquigastria ou associação dos dois rit-
mentos, o café e o álcool, promovem o aparecimento de seus mos (braditaqui) têm sido descritas em um pequeno grupo de
sintomas, porém existem poucas evidências de que esses ali- pacientes portadores de dispepsia funcional. Alguns estudos
mentos possam sempre originar os sintomas dispépticos. Um sugerem que essas anormalidades mioelétricas possam preceder
estudo envolvendo 12 pacientes cuja sintomatologia dispép- o início do desconforto epigástrico e das náuseas.
tica era diretamente relacionada com a ingestão de alimentos
gordurosos foi incapaz de reproduzir sintomas semelhantes ao
serem oferecidos os mesmos alimentos, mas de forma disfar- • HIPERALGESIA VISCERAL EALODINIA
çada e não identificada-
Nos casos mais refratários, é importante avaliar a possibili- Nos últimos anos, inúmeros pesquisadores, usando técni-
dade de intolerância à lactose e ao glúteo (doença celíaca ou cas modernas e sofisticadas, demonstraram anormalidades da
apenas hipersensibilidade ao glúteo), especialmente em pacien- sensação visceral em pacientes com distúrbios gastrintestinais
tes com sintomatologia agravada pela alimentação. funcionais, resultando em inapropriada resposta à dor.
Capitulo 17 I Dispepsia Funcional 167

De fato, muitos pacientes com DF parecem possuir um li- motoras e de percepção visceral (hiperalgesia) desses dois gru-
miar reduzido para a dor ou respondem aos estimulos doloro- pos de dispépticos foi incapaz de detectar diferenças entre eles,
sos com maior intensidade ou duração {hiperalgesia); outras concluindo que as alterações inflamatórias induzidas pelo mi-
vezes, a dor ou o desconforto é produzido por estlmulos que crorganismo não são responsáveis pela hiperalgesia observada
normalmente não induzem tais sintomas (alodinia). em pacientes dispépticos.
Vários pesquisadores demonstraram que parcela de pacien- Os distúrbios de motilidade estão presentes em até metade
tes com DF apresentam uma sensação de desconforto e dor dos pacientes dispépticos, sendo questionada a possibilidade
quando se insufla um balão dentro do estômago e essa hiper- de essas alterações se seguirem a uma infecção bacteriana. En-
sensibUidade se exacerba durante a infusão de lipídios intraduo- tretanto, trabalhos atuais contrariam essa hipótese ao demons-
denais. Esses dados sugerem a possibilidade de uma percepção trarem menor prevalência da infecção pelo H. pylori em dis-
visceral anormal capaz de induzir respostas exageradas nesses pépticos funcionais tipo desconforto pós-prandial.
pacientes, diante de diversos estimulos. Alguns estudos recentes Poucos estudos demonstraram um real benefício com a utili-
sugerem que o SNC processa anormalmente a informação em zação de antibióticos para a erradicação do H. py/ori, e a maioria
pacientes com distúrbios gastrintestinais funcionais. dos pacientes permanece sintomática após esse tipo de trata-
Esses achados também são observados em pacientes com ou- mento. Entretanto, estudos de metanálise, recentemente rea-
tros distúrbios funcionais, como, por exemplo, na slndrome do lizados, demonstram que a erradicação da bactéria resulta em
intestino irritável, na qual tem sido demonstrado um limiar re- um ganho terapêutico que varia de 4 a 14%, sendo superior ao
duzido à dor quando se insufia um balão intrarretal. As bases placebo, e o tratamento anti-H. pylori é uma opção terapêuti-
das anormalidades da sensação visceral não são bem conhecidas ca para os dispépticos funcionais. Baseando-se nesses dados,
e não parecem estar relacionadas com distúrbios da motilidade os especialistas do Consenso Roma lli recomendam que o H.
gastrintestinal. Estudos iniciais sugerem que essas alterações pylori seja pesquisado e, se presente, erradicado nesse grupo de
se restringem à função visceral aferente, e a sensação de dor pacientes. Da mesma forma, o último consenso europeu sobre
somática está preservada. H. pylori (Maastricht 111) faz recomendação semelhante com
Nos últimos anos, diversas drogas capazes de atuar nos me- a justificativa de que o tratamento anti-H. pylori beneficia um
canismos das sensações viscerais, reduzindo a hipersensibili- subgrupo de pacientes dispépticos, com a vantagem de reduzir,
dade do sistema digestivo e, consequentemente, melhorando a longo prazo, o risco de evolução para úlcera péptica, atrofia
a sintomatologia dispéptica, vêm sendo testadas, o que gera e câncer gástrico.
grande expectativa para o aprimoramento da terapêutica dos
pacientes com distúrbios funcionais.
• ACOMODAÇÃO
• GASTRITE CRONICA EHEL/COBACTER PYLORI O esvaziamento gástrico é regulado basicamente por dois
compartimentos do estômago, distintos fisiologicamente. O
O papel da infecção pelo H. pylori em pacientes com DF estômago proximal acomoda os alimentos e regula a transfe-
permanece controvertido, mas os resultados de metanálises rência para o estômago distai. Este, por sua vez, tritura e mis-
recentes sugerem um pequeno beneficio com a erradicação da tura o conteúdo intragástrico, além de participar na regulação
bactéria em pacientes infeccionados. da salda dos nutrientes para o duodeno.
Embora o microrganismo seja encontrado em cerca de 50% Muitos estudiosos têm tentado determinar se uma alteração
dos pacientes portadores de dispepsia funcional, tal prevalência da acomodação gástrica, ou seja, a má distribuição dos alimen-
não é significativamente superior àquela observada em grupos- tos no estômago proxirnal, poderia levar ao aparecimento de
controles adequadamente pareados. Alguns estudos demons- sintomas dispépticos. Alguns estudos demonstraram que as
tram que esta infecção é mais prevalente entre os dispépticos tipo alterações da acomodação gástrica são frequentes nos dispép-
úlcera do que entre aqueles com dispepsia tipo dismotilidade ou ticos funcionais.
in específica, sugerindo a possibilidade de que existam mecanis- Em um recente estudo proveniente da Bélgica, foi demons-
mos fisiológicos distintos e que o H. pylori possa ter importância trado que alterações do relaxamento do estômago proxirnal
na patogenia de subgrupos de dispépticos funcionais. estavam presentes em até 4096 dos pacientes dispépticos. Foi
Evidências irrefutáveis responsabilizam hoje esse microrga- ainda observada uma nítida relação com o sintoma de saciedade
nismo como o principal agente causal da gastrite crônica antral precoce, mas não com hipersensibilidade gástrica à distensão.
e mesmo da pangastrite. A erradicação do H. pylori acompanha-
se quase sempre de normalização histológica da mucosa gástri-
ca, mas o efeito sobre a sintomatologia dispéptica é, no mínimo,
muito controvertido. Há, entre os leigos, e também entre os
• EROSOES PR~-PILÓRICAS
médicos, uma tendência antiga de relacionar gastrite crônica EDUODENITE CRONICA
com dispepsia, continuando o debate de se a gastrite é ou não
importante causa de sintomas digestivos altos. Sabemos, entre- As erosões pré-pilóricas que podem ser observadas na en-
tanto, que a correta definição clínica, endoscópica e histológica doscopia de pacientes com dispepsia crônica têm a sua etiopa-
de gastrite não se correlaciona com sintomatologia dispéptica. togenia muito controvertida. Essas alterações podem ser en-
A dispepsia funcional é uma entidade clínica, sem marcador contradas em indivíduos normais e em pacientes em uso de
biológico conhecido, e a gastrite crônica é uma entidade h isto- anti-inflamatórios não esteroides.
lógica que evolui, em geral, sem produzir sintomas. ~contraditória, também, a possibilidade de a duodenite le-
Até o momento, os estudos têm sido incapazes de estabe- var a sintomas dispépticos. O número de pessoas com duode-
lecer algum padrão sintomatológico distinto entre os pacien- nite, isoladamente, é pequeno (menos de 20%), associando-se,
tes dispépticos infectados e não infectados pelo H. pylori. Um na maioria das vezes, à inflamação crônica do antro gástrico.
estudo comparando o comportamento clinico, as alterações No nosso meio, associa-se às parasitoses intestinais, causa co-
168 Capftulo 77 I Dispepsia Funcional

mum de sintomas dispépticos entre nós. Na forma erosiva, é Muito frequente também é o relato de sintomas compatíveis
considerada como variante da doença doridropéptica. com a sindrome do intestino irritável em pacientes dispépticos
funcionais. Cerca de 30% dos pacientes com diagnóstico de DF
relatam concomitantemente dor na região inferior do abdome,
• FATORES PSICOSSOCIAIS distensão e alteração do hábito intestinal.

Os fatores psicológicos também são considerados relevantes


nesses pacientes. Diagnósticos psiquiátricos, especialmente an- • AVALIAÇÃO CL[NICA EPROPEDEUTICA
siedade e depressão, são comuns em pacientes com DF.
O estresse agudo pode alterar a função gastrintestinal, indu- O diagnóstico é fundamentalmente clinico, baseando-se nos
zindo sintomas até mesmo em indivíduos normais. Os estudos critérios de Roma Ill descritos anteriormente. Vários estudos
clássicos de Wolff e Wolff, realizados em um único paciente, recentes demonstram que não é necessário realizar urna exten-
demonstraram dois padrões de alterações funcionais do estô- sa bateria de exames para o diagnóstico de DF, sobretudo em
mago associadas a fatores emocionais: (I) hiperfunção gástrica pacientes com sintomas típicos e que não apresentam sinais
com aumento da secreção gástrica, da motilidade e da vascula- de alarme. Bessencial realizar história clinica e exame fisico
rização, coincidindo com períodos de sentimentos de hostili- minuciosos, pois a anamnese bem conduzida servirá como um
dade e ressentimento; (2) hipofunção gástrica com redução da guia ao clinico para inclusão ou exclusão do diagnóstico, sele-
secreção gástrica, da motilidade e do fluxo sangu1neo durante ção dos pacientes que deverão ser investigados e a escolha da
sentimentos de medo, frustração e depressão. Outros estudos terapêutica mais adequada a ser prescrita.
subsequentes confirmaram esses achados, porém é questionável A propedêutica complementar deve ser realizada, portanto,
se tais mecanismos explicam a sintomatologia crônica observa- de maneira individualizada e, em alguns casos, está indicado
da em dispépticos. Além disso, Camilleri et a/. demonstraram um teste terapêutico antes de se iniciar a investigação diag·
também que pacientes portadores de dispepsia funcional, com nóstica. O conhecimento dos critérios de Roma III associada a
ou sem hipomotilidade antral, apresentam respostas autonô- urna atitude positiva de considerar o diagnóstico precocemen-
mica e humoral normais em situações de estresse. te (diagnóstico de inclusão) pode levar o médico a conduzir o
Alguns estudos revelam alta incidência de neuroses, ansie- atendimento do paciente de uma maneira mais custo eficiente
dade, depressão e tensão emocional entre os dispépticos funcio- do ponto de vista de procedimentos diagnósticos. Vários fatores
nais quando comparados com voluntários assintomáticos, mas devem ser considerados como a idade do paciente, a presença
as diferenças absolutas foram pouco significativas, sugerindo dos sinais de alarme, a facilidade de acesso à investigação, os
que tais fatores eram de limitada relevância cl1nica. riscos e beneficios do tratamento farmacológico e as conse-
Evid~ncias sugerem também que esses pacientes acham-se
quências econômicas desta decisão.
mais descontentes com o trabalho, com a qualidade de habita· O Comitê Roma III sugere que a abordagem dos pacientes
ção e com a situação financeira do que os controles. dispépticos seja sepa.rada em dois grupos: aqueles com dispepsia
Atualmente, vários autores levantam a curiosa possibilidade não investigada e aqueles com diagnóstico sugestivo de DF.
de que a ocorrência de eventos estressantes de vida, precedendo
os sintomas, como, por exemplo, a separação dos pais, a perda • Dispepsia não investigada
de familiares ou o abuso sexual na infância, é mais prevalente
A literatura atual tem sugerido alguns critérios para a ava-
entre os dispépticos, porém os resultados não têm mostrado
liação dos pacientes com dispepsia e que ainda não realizaram
diferenças significativas quando comparados com os de gru-
propedêutica:
pos-controles adequadamente pareados quanto a sexo, idade
e situação socioeconômica. 1. Avaliação da presença/ausência dos sintomas de alarme
Os fatores psicossociais e de personalidade parecem estar as- (emagrecimento, vômitos recorrentes, disfagia progressi-
sociados a um contingente expressivo de dispépticos funcionais, va, presença de sangramento, icterícia). A presença desses
porém deve ser ressaltada a necessidade de estudos muito bem sintomas implica imediata investigação para exclusão de
elaborados, objetivando uma melhor quantificação do estresse, doenças orgânicas.
tanto agudo como crônico, e das inter-relações entre função 2. Exclusão do uso de ácido acetilsalicílico e outros anti-
gastrintestinal, sistema nervoso autônomo, limiar de dor e es- inflamatórios não esteroides.
tresse nessa fascinante e difícil área da Gastrenterologia. 3. Na presença concomitante de sintomas típicos de refluxo,
o diagnóstico provisório deve ser de DRGE. Recomenda-
se, nesses casos, iniciar empiricamente o tratamento com
• SOBREPOSIÇÃO DA DF COM ADRGE ECOM inibidores da bomba de prótons. Se os sintomas persisti·
rem, apesar da adequada supressão ácida, o diagnóstico
AS[NDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL de DRGE será pouco provável.
4. Em pacientes jovens, sem sinais e sintomas de alarme,
A dor epigástrica e o desconforto pós-prandial, que carac- exames não invasivos para pesquisa do H. pylori (teste
terizam a DF, são queixas muito comuns. O Comité Roma III respiratório, anúgeno fecal ou sorologia) podem ser rea-
recomenda que na presença concomitante de pirose e de ou- lizados e, nos casos positivos, deve-se iniciar o tratamen-
tros sintomas típicos do refluxo, mesmo com endoscopia di- to com antibióticos para erradicação do microrganismo.
gestiva normal, o diagnóstico de DRGE deve ser considerado. Essa estratégia - de.nominada testar e tratar - é muito
Por outro lado, a simples presença de pirose não deve excluir utilizada nos países de menor prevalência da bactéria e
o diagnóstico de DF, especialmente naqueles casos em que os tem sido recomendada uma vez que o tratamento do H.
sintomas dispépticos persistem a despeito de uma adequada pylori poderia curar os casos de dispepsia relacionados
supressão ácida. com a úlcera péptica e também como prevenção de fu.
Capitulo 17 I Dispepsia Funcional 169

turas doenças gastroduodenais. ~ preciso ressaltar que Uma boa relação médico-paciente continua sendo funda-
apenas parcela dos pacientes portadores de DF se benefi- mental. ~necessário que os pacientes sejam esclarecidos de que
ciará com a erradicação do microrganismo, ou seja, pou- seus sintomas são decorrentes de distúrbios funcionais e não
cos pacientes apresentarão melhora clinica significativa caracterizam nenhuma doença grave ou risco de vida, assegu-
após esse tratamento. rando-lhes que o problema será tratado de forma interessada
S. A endoscopia digestiva é recomendada para pacientes e racional.
que apresentam sinais de alarme e para aqueles com ida- Muitos pacientes obtêm melhora com simples mudanças em
de superior a 40 anos, especialmente naqueles com início seu estilo de vida e adoção de hábitos salutares em seu cotidia-
recente dos sintomas. O limite de idade para recomen- no como a dieta mais saudável, atividade ffsica regular e exer-
dar endoscopia varia de acordo com a epidemiologia do cidos de relaxamento. Devemos sempre recomendar hábitos
câncer gástrico em cada região. dietéticos saudáveis (comer devagar, mais vezes/dia, menor
quantidade), evitando-se alimentos gordurosos, condimenta·
~importante ressaltar que, no nosso meio, devemos sem- dos, ácidos, café, cigarro e álcool em excesso. O empachamen-
pre solicitar exames parasitológicos de fezes com o objetivo de to pós-prandial em geral melhora com a retirada de alimentos
excluir parasitoses intestinais, especialmente estrongiloidíase gordurosos da dieta, enquanto a saciedade precoce pode ser
e giard!ase, causa frequente de sintomas dispépticos entre nós. aliviada com o fracionamento das refeições.
~preciso realizar exames seriados (no mínimo trb amostras), A utilização de medicamentos está indicada para as fases
solicitando ao laboratório os métodos mais apropriados para sintomáticas, cuja duração é variável, esperando-se pelos perio-
o diagnóstico desses dois parasitos, entre os quais aqueles de dos de melhora clínica em que deverão ser suspensos. O tra-
concentração de larvas como o Baermann modificado por Mo- tamento medicamentoso preconizado visa a aliviar o sintoma
raes e suas variações (para o diagnóstico de estrongiloidlase) e predominante.
o exame direto das fezes ou o método de flutuação em sulfato Os fatores emocionais devem ser abordados em todos os
de zinco (para o diagnóstico de giardíase). grupos de pacientes, através de uma conversa franca e aberta,
tentando também esclarecer ao paciente a provável associa-
ção de seus sintomas com distúrbios emocionais. Muitas vezes,
• Pacientes com diagnóstico de está indicada a psicoterapia, ou outras técnicas que objetivem
dispepsia funcional a redução do estresse, sendo observada excelente resposta em
alguns subgrupos de pacientes.
O Consenso Roma III não definiu nenhuma estratégia in-
vestigatória de rotina para pacientes com diagnóstico de DF
(s!ndrome do desconforto pós-prandial e/ou slndrome da dor
epigástrica). A realização da endoscopia digestiva alta duran- • TERAPEUTICA ATUAL
te um período sintomático e, preferencialmente, sem terapia
O tratamento medicamentoso disponível visa principalmen-
antissecretora é fundamental para o diagnóstico. As biopsias te a aliviar o sintoma predominante, e a estratégia terapêutica
devem ser realizadas rotineiramente durante o procedimento vai depender basicamente da natureza e intensidade da sinto-
endoscópico, visando também a detectar o H. pylori. A erradi- matologia, do grau do comprometimento funcional e dos fa-
cação do microrganismo tem sido recomendada nos casos po- tores psicossociais envolvidos.
sitivos, como discutiremos a seguir. Inúmeros estudos demonstraram que a melhora clínica, du-
A ultrassonografia não é indicada de rotina, devendo ser rante e após o tratamento medicamentoso tradicional, ocorre
realizada quando houver suspeita de doença pancreática ou em menos de 60% dos dispépticos, e em geral não se observa
de via biliar. Testes de esvaziamento gástrico (cintigrafia, teste resposta uniforme a essa terapêutica. Sabemos que a DF é uma
respiratório com ácido octanoico ou ultrassom) também não síndrome heterogênea e é frequente o relato concomitante de
são em geral recomendados porque os resultados raramente pirose ou sintomas gastrintestinais baixos, o que dificulta ainda
alteram a conduta clínica. mais a real interpretação dos resultados terapêuticos.
Estudos recentes demonstraram que menos de 30'l6 dos pa- Deve-se lembrar que a resposta ao placebo é, em geral, mui·
cientes dispépticos apresentam retardo do esvaziamento gástri- to alta. Estudos controlados e duplo-cegos demonstram que o
co, quando se consideram exclusivamente pacientes com dis- placebo é capaz de promover melhora dos sintomas em um
pepsia funcional tipo síndrome do desconforto pós-prandiaL grande número de pacientes (25 a 60%), indicando que a tera-
Da mesma forma, o eletrogastrograma e o barostato gástrico pêutica com drogas nem sempre é necessária.
têm sido de utilidade prática discutível na avaliação propedêu- Para o tratamento clássico da DF, podem ser utilizados di-
tica desses pacientes. Deve-se afastar também a possibilidade versos medicamentos, destacando-se, entre eles, antiácidos,
de doença celfaca e de intolerância à lactose nos casos em que drogas antissecretoras, procinéticos, antibióticos para erradi-
houver suspeita clínica. Importante avaliar a presença de co- cação do H. pylori, ansiolíticos e antidepressivos, como mostra
fatores psicológicos, ambientais e dietéticos e o uso de medi- o Quadro 17.1.
camentos que possam ocasionar ou agravar a sintomatologia O Comitê Roma IIl sugere que os inibidores da secreção
dispéptica. ácida (bloqueadores H1 ou inibidores da bomba de prótons)
sejam a primeira escolha para os pacientes com DF e predo-
mínio de dor epigástrica, e os procinéticos (metoclopramida,
• TRATAMENTO domperidona, bromoprida) para aqueles com desconforto pós-
prandial.
A maneira mais apropriada de tratar o paciente é através de Os antissecretores são drogas seguras e se constituem em
uma abordagem ampla e global, tentando identificar fatores medicação de primeira linha para os pacientes com sindrome
desencadeantes ou agravantes da sintomatologia, inerentes a da dor epigástrica. Tanto os bloqueadores H 2 como os inibi·
cada paciente. dores da bomba de prótons são amplamente prescritos e reco-
170 Capftulo 17 I Dispepsia Funcional

T- na inibição da captação de serotonina dos neurotransmissores


Quadro 17.1 Tratamento farmacológico na dispepsia funáonal {fluoxetina, paroxetina, sertralina e citalopram). Esses medica-
mentos têm sido utilizados por apresentarem ação analgésica
Tratamento de 2•1inha central, sendo capazes de bloquear a transmissão da dor do
Tratamento de 1' 11nha
(eficácia ainda incerta) trato digestivo para o cérebro. Em recente estudo, a venlafexi-
na, no entanto, não se mostrou mais efetiva do que o placebo
l nibidores da bomba de p rótons Tratamento anti-H. pylori
nesses pacientes.
Bloqueadores H2 Antidepressivos
Em metanálise recentemente publicada, demonstramos que
Procinéticos (em geral associados Agonistas dos recepto res 5-HT4
aos antissecrerores)
a eficácia e segurança dos antidepressivos são semelhantes às
Psicoterap ia
dos procinéticos e antissecretores no alívio dos sintomas dis-
Acu p untu ra
pépticos. Recomenda-se iniciar com doses mais baixas do que
Novos fármacos promissores as convencionalmente utilizadas e, caso ocorra melhora clínica,
o tratamento deve ser mantido por 4 a 12 meses.
Antagonistas dos receptores da coledstocinina
A insatisfação com a limitada resposta às terapias conven-
Agonistas opioídes cionais utilizadas para o tratamento da DF tem estimulado,
Motilinomiméticos
nos últimos anos, pacientes e médicos a buscarem terapias não
Novos agon istas 5-HT4
convencionais que possam ser mais eficazes do que aquelas tra-
Agonistas dos receptores 5-HTl
dicionalmente utilizadas. O tratamento psicológico (hipnose,
Antagonistas dos receptores 5-HT3
psicoterapia e terapia cognitiva comportamental) e/ou as te-
Análogos d a somatostat ina
rapias alternativas (ervas chinesas, japonesas e indianas, acu-
puntura e probióticos) devem ser considerados para pacientes
com sintomas mais graves, para os que não respondem ao trata-
mento farmacológico e para aqueles com doenças psiquiátricas
mendados como terapêutica de primeira Unha. Recente me- associadas. A escola de Manchester, na Inglaterra, tem relatado
tanálise sugere que os inibidores da bomba de prótons devem resultados animadores com hipnose no tratamento da D F.
ser os escolhidos, pois se mostram mais eficazes no alívio da ~ necessário ressaltar que a maioria dos estudos realizados
dor ou queimação epigástrica. Devem ser utilizados na dose empregando esse tipo de intervenção terapêutica não foi ran-
padrão, 1 vez/dia. Tem sido demonstrado que a prescrição de domizada, controlada com placebo e, nem tampouco, apresenta
doses mais elevadas não melhora a resposta terapêutica nos desenho metodológico adequado, o que dificulta qualquer con-
pacientes com DF. clusão sobre a possível eficácia desse tratamento na dispepsia
Os procinéticos se mostram superiores ao placebo em vários funcionaL O gastrenterologista deve, no entanto, sempre in-
ensaios clínicos, estando indicados em especial para os pacien- centivar a prática de atividades ou técnicas que envolvam rela-
tes portadores da síndrome do desconforto pós-prandial. Esses xamento fisico e mental, como ginástica, ioga ou caminhadas,
medicamentos (metocloprarnida, domperidona, bromoprida, respeitando obviamente as preferências de cada paciente.
cisaprida, neostigmína, ondasetron e tegaserode, além dos mo-
tilíneos derivados da eritromicina) são potencialmente capazes
de melhorar vários parâmetros da motilidade gastroduodenal • TERAPIASFUTURAS
ao aumentar o tônus gástrico, a motilidade antral e, sobretu-
do, a coordenação antroduodenal, além de alguns deles serem Os novos conhecimentos fisiopatológicos têm propiciado o
capazes também de relaxar o fundo gástrico. direcionamento das pesquisas na busca de novos fármacos ca-
A melhora dos síntomas com o emprego dessas drogas tem pazes de atuar sobre a motilidade do TGI (exercendo um efeito
sido de 20 até 45 pontos percentuais maiores que na do place- procinético) e/ou sobre a hipersensibilidade visceral (reduzindo
bo, e os procinéticos devem ser indicados, de maneira especial, o limiar de sensibilidade), resultando teoricamente em melhora
para pacientes com sintomas de empachamento pós-prandial global dos sintomas. ~ nítida, entretanto, a lacuna ainda exis-
Entretanto, Moayyedi et ai., em um estudo de metanálise, ob- tente entre a pesquisa básica e a prática médica constatada pela
servaram inúmeras falhas metodológicas ao avaliar 19 ensaios escassez de novos fármacos liberados para comercialização.
clínicos que utilizaram procinéticos na DF, o que dificulta con- Atualmente, as principais drogas em investigação são os no-
clusões sobre a real eficácia dessas drogas no alivio dos sinto- vos procinéticos, agentes serotoninérgicos, receptores opioides
mas dispépticos. e analgésicos viscerais. Dentre os procinéticos, estudos promis-
Observações recentes sugerem que, em um seleto grupo de sores empregando mosaprida ou tegaserode demonstraram
pacientes com queixa de saciedade precoce, os medicamentos normalização do esvaziamento gástrico nos pacientes com DF.
que relaxam o fundo gástrico como os agonistas da 5-hidro- Metanálise publicada recentemente sugere que a mosaprida é
xitriptamina {sumatriptana e buspir ona) podem ser pr es- superior à cisaprida no tratamento da DF. Outras drogas como
critos. o itopride e a levosulpirida mostraram eficácia similar à de
A decisão de erradicar o H. pylori em pacientes dispépticos procinéticos tradicionais em pacientes com dispepsia tipo dis-
funcionais deve sempre levar em consideração o custo/benefi- motilidade. A fedotozina, droga que atua nos receptores káppa
cio dessa opção terapêutica. Em se optando pela erradicação, opioides, foi testada em um estudo multicêntrico preliminar e
o esquema terapêutico mais utilizado continua sendo IBP na se mostrou superior ao placebo no alívio dos sintomas dispép-
dose-padrão, claritrornicina {500 mg) e amoxicilina (1 g) antes ticos. Outro agonista káppa opioide, a asimadolína, demons-
do café da manhã e antes do jantar, durante 7 dias. trou ser eficaz em reduzir a plenitude pós-prandial e a sacie-
Resultados bastante promissores têm sido obtidos com o dade precoce em voluntários saudáveis, mas estes achados não
emprego de antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, desipra- foram reproduzidos em pacientes com DF após 8 semanas de
mina e irnipramina) e daqueles que atuam predominantemente acompanhamento.
Capitulo 17 I Dispepsia Funcional 171

Uma excelente revisão sobre novos procinéticos foi publica- oisms, dinieal preKntotion, and martagement. Ant I Gastroenttrol, 2006;
101:5644-53.
da recentemente e trouxe grande otimismo quanto à disponi- Furura T & Ockhicr JC fleU<Ob«ter pylbri and non-malignant clisc:ues. HtU·
bilização de novas drogas capazes de atuar tanto na motilidade <Ob«tu, 2009; J4 Suppl. 1:29-35.
digestiva como no relaxamento do fundo gástrico. Entre essas Gwce, KA, Teng. L, Wong. RI< <I al. The response of Asian ~tients wlth func·
drogas, a acotiamida, os derivados da motilina e da grelina têm tional dyspepslato eradlcatlon of Heli<Ob«.t u py1bri infoction. Eur I Gas·
troenurol He(Xltol, 2009; 21:417·24.
se mostrado eficazes em ensaios iniciais e poderão se constituir, Hiyama, T, Yoshihara, M,Mauuo, K el al. Mcta-analysis oflhcefTectsofprokl·
em breve, uma nova classe de procinéticos. nctic agcnu in patlents wlth functional dysp<p<ia. I Gastroenurollft(Xltol,
Novos medicamentos serotoninérgicos também estão sen- 2007; 22:304-10.
do testados. O alosetron demonstrou ser superior ao placebo Hiyama, T, Yoshihara, M, Matsuo, K et ai. Treatmcnt of functional dysp<psla
(54% vs. 43%) no alívio dos sintomas em mulheres portadoras wilh sc:rotonln agonlsts: a meta-analysis of randomizcd controlled trlals. I
Gaslroenterol Hepalo~ 2007; 22:1566-70.
de DF. Jac:kson, JL. O'Malley, PG, Tomklns, G elal. Treatment offunctional gutroln·
Outras promissoras drogas são as que atuam nos receptores testinal disorders wllh a.nlldepressant medications: a mcta-analysls. Am I
do sistema nervoso aferente como os antagonistas purinocep- Med, 2000; 10&65· 72.
tores e antagonistas dos receptores N-metii-D-aspartato (dex- J<eohane, J & Quigley, EM. Functional dyspepsia and oooerosive reOux disc:a.se
dinka1 intera<lions and th<ir impllcations. Med Gen ,IMJ, 2007; .9-.31.
trometorfan, cetarnina e memantina) potencialmente capazes Malagdada, JR. Stanghdlinl, V. Manometric evaluation offunctional upper gut
de reduzir a dor víscera! em resposta à distensão em animais symptons. Gastroenlerology, 1985; 88:1223-31.
de experimentação. Receptores capazes de modular a mucosa Malferlheiner, P, Megraud, F. O'Morain, C ti aL Cu.rrent conc:epts in lhe mana-
gastroduodenal e a função do músculo liso, como a capsaicina, gement of Hdicobaaer pylorl infe<lion: lhe Maatricht fi Consensus Repon.
Gut, 2001; S6:n2-81.
que é um potente agonista, apresentam grande potencial tera- Miwa, H, Nagahara, A, Tominago. K ti a/. Eflicacy of lhe S· HTIA agonut
pêutico. Outras substâncias estão sendo avaliadas em vários tandospirone citrate In improving symptoms of patients with funcUo-
centros de investigação como os receptores do canal de sódio, os nal dyspepsia: a randomlud controlled Iria!. Ant J Gastroenlerol, 2009;
antagonistas da colecistocinina Ooxiglumide, dexloxiglumide), 104:2779-87.
Moayyedi, P, Soo, S, Oeek.s, I et a/. Eradication of Helicobacltr pylori for non·
os antagonistas NKl e NK3 e os receptores da somatostatina ulcer dysp<psla. Co<hro>Oe Data base Syst Rev, 2006; 9:C0002096.
(estudos iniciais demonstram que o octreotldio é capaz de re- Moayyedi,l\ Soo, S, Oeelu, J et ai. Pharmacological interve.ntions for non-ulcer
duzir a sensação de plenitude gástrica em voluntários sadios). dyspepsla. O>chran• Database Syst Rev, 2006; 4:C0001960.
Também estão em desenvolvimento drogas capazes de preve- Mó~müller, K & Malferthelner, P. Orug treatment of functlonal dysp<p•la.
World 1 Gastroenlerol, 2006; 12:2694-700.
nir a sensibilização central, como os antagonistas do receptor 1 Passos, MCF, Ouro, O, Fregn~ F. CNS or classic drugs for lhe treatment of paln
PGA-2 (EP-1). Estudo duplo-cego. randomizado e controlado in functlonal dysp<psla? A s~ematic review and mera-analysls of lhe llle-
demonstrou significativa superioridade do citrato de tandospi· rature. Pain Physldan, 2008; I 1,S97-609.
rona (agonista 5-HTIA) sobre o placebo no alívio dos sintomas Qin, F, Huang. X, Ren, P. Chinese herbal medicine rnodilied xiaoyao san for
functional dyspepsia: meta-analysis of randomi.ud cont.rolled trbls. I Gas-
em pacientes dispépticos funcionais.
troenterol H<fXtlol, 2009; 24:1320-5.
Em recente publicação, Talley discute sobre a emergente QWgley. E."' & Keobane, ~ Oyspepsia. Om Opin Gam-omttrol, 2008; 24:692·7.
necessidade de se investir na pesquisa de novas drogas para o Read, NW; Abitbol, JL, Bardhan, KD et ai. Efficaeyand safetyoflhe peripheral
tratamento dos distúrbios funcionais, sobretudo para pacien- kappa agonist fedotozlne vs. placebo in lhe treatment of functional dys-
tes portadores da SII e da DF. salientando um especial apoio pepsla. Gul,l991; 41:664-8.
Saad, RI & Chey, WO. Revicw artide: current and emerging therapies for func-
da FDA nesse sentido. tlonal dyspepsla.llliment Pharma<ol7her, 2006; 24:475-92.
Como vemos, o arsenal farmacológico para a DF está em Sanger, Gl & Alpers. OH. Oevelopment of d rugs for gastrointestinal motor
constante crescimento e acreditamos que, em breve, inúmeras disorders: translating science to clinicai need. Neurogastroenltrol Motll,
novidades terapêuticas estarão disponíveis, o que proporcio- 2008; 20: 117-84.
nará um controle mais adequado dos sintomas para o enorme Suzukl, H, lnadoml, JM, Hlbl, T. Japanese herbal medicine In functional gu-
trointestlnal disordera. Nturogastroenterol Motil, 2009; 11:688-96.
contingente de dispépticos funcionais. Tack, ). Prokinetic:s and fundlc reLu:ants in upper functional Gl disorders. Curr
Opin Pharmacol, 2008; 8:690-6.
Tack, 1. Bisschops, R, OeMarchi, B. Causes and treatment offunctional dyspep-
sla. Om Gastroenlerolll.ep, 200 I; 3:503-8.
• LEITURA RECOMENDADA Tack, I, Masdee, A, Heacling. R, B<rstad, A ela/. A dose-r&n8ing. placebo-
controlled, pllot trl&l of Aco<tamide in patients wilh functlonal dyspepsla.
Camllleri, M. Functional dyspepsia: mechanisnu of symptom generation and N.urogastroenterol Motll, 2009; 21:272-80.
appropriate management of patients. Gcut,.,.ntm>l CUn North Ant, 2007; Tack, j, Talley, Nj, CamWeri, M ti ai. Functional Gastroduodenal Disorders.
36:649-64. Gasl""'"lerology, 2006; 130:1466-79.
Camlllerl, M & Talley, NJ. Palhophysiology as a basis for understanding symp- Talley, NJ. Green llght from the FOA for new drug development In lrrlta-
tom complexes and therapeutic targets. Nturogastrotnttrol. Molil., 2004; ble bowel syndrome and functional dyspepsia. Ant I Gastroenlerol, 2009;
6(2):35-42. 104:1339-4 1.
Camllleri, M & Zinsmeister, AR Candidate genes and functional dyspepsia. Talley, NJ, Oloung, RS, Camilleri, M elal. Asimadoline, a kappa opiold agonlst,
NeurogaJtrotnterol Motil, 2009; 21:94. and satiation In functional dyspepsia. Alimtnl Pharmacol 11oer, 2008;
De A!tou Varasa, T, Valle Munoz, 1. Perez-Grueso, Ml <I ai. EfTect of Helico- 27:1122-31.
bacler pylori eradicaUoo on patients with functional dyspepsia. Rev Esp Talley, NJ, Vao Zanten, SV, San LR et ai. A dose-ranging, placebo-controlled,
Enferm Dig, 2008; 100:532-9. randomiud trW of aloeetron in patienu wilh fun<lional dyspepsla. Alimtnl
De Smet, 8, Mitsclos, A, Oepoortere,l. Motilin and ghrelin u prokin<tic drug PharmacoiTher, 2001; 15:525-37.
targets. PharmacoiTher, 2009; 123:207-23. rtllisch, K. Compl<mentary and al!ffnalive medicine for functional gastroin-
Oelgodo·ArO$, S, Chia!, H), Cremonini, F t1 aL Effccts of uimadoUne, a k.appa- testinal disorders. Gut, 2006; 55:593-6.
oplold agonisl. on satiation and postprandial symptonu In health. Alimoot Vao Kerkboveo, LA, Lahdj. Rj, Aparido, N <1 aL Elfect o( lhe Antidepresaant
Pharmtw>/11oer, 201»; 18:507. Veolafaxine in Func1>onal Oyspepoc a Randmized, Oouble- Blind, Pt.ac:ebo-
Drossman, DA. The functional gastrointestinal disorders and lhe Rome m Cootrolled Tria1. Clirt. GOJt""'"tm>L Ht(Xlt<>l., 2008; 6:746-52.
proccss. G4srrwntm>lbgy, 2006; 130:13n-90. WoUf, s, WoiJr, MG. Ufe situations, emotions and gastric function; a summary.
EI-Serag. HB & Talley, N}. Systemlc revlew: Tbe prevalence and dinleal eourse Am Proc1 Dig Treat, 1948; 3:1-14.
offunctlonal dyspepsla. Aliment Pharmaco17her, 2004; 19:643-54. Zheng. H , Tian, XP, U, Y el a/. Acupuncture as a treatment for functional
FUer, SN & Rose, S. ls functional dyspep.s.ia of particular concern ln women? dysp<psia: deslgn and methods of a randomized controlled trial. Trials,
A revlew of gender dilferences in epidemiology, pathophyslologlc mecha· 2009; 10:75-82.
18 Gastrite
Luiz Gonzaga Vaz Coelho e Maria Clara Freitas Coelho

dos inflamatórios são tipicamente ausentes ou discretos, mui-


• INTRODUÇÃO tos autores preferem o termo gastropatia, em vez de gastrite,
nestas eventualidades.
Poucos termos em gastrenterologia propiciam maior confu-
são e ambiguidade do que gastrite. Assim, ela possui diferentes
significados para o leigo, o clínico, o endoscopista e para opa- • Gastrite aguda por Helicobacter pylori (H. pylori)
tologista. Enquanto o leigo e, mesmo alguns cllnicos, a utilizam Adquirido por via oral, o microrganismo penetra na camada
como sinônimo de sintomas mal caracterizados, hoje engloba-
de muco e se multiplica em contato íntimo com as células epite-
dos sob a denominação de dispepsia funcional ou não ulcerosa, liais do estômago. O epitélio responde com depleção de mucina,
o endoscopista a emprega para descrever o que seriam apenas esfoliação celular e alterações regenerativas sinciciais. As bacté-
anormalidades macroscópicas como hiperemia ou enantema de rias aí assestadas liberam diferentes agentes quirniotáticos que
mucosa, por exemplo, que pode ser secundária a outras causas penetram através do epitélio lesado e induzem a migração de
que não inflamação da mucosa, como hemorragia subepitelial, polimorfonucleares para a lâmina própria e epitélio. Os produ-
dilatação capilar e depleção de mucina, sem configurar o real tos bacterianos também ativam os mastócitos e, através de sua
sentido do termo, ou seja, a presença de inflamação aguda ou degranulação, há liberação de outros ativadores inflamatórios
crônica da mucosa gástrica. Por outro lado, o exame histológico que aumentam a permeabilidade vascular, a expressão de mo-
de uma mucosa gástrica endoscopicarnente considerada normal léculas de adesão de leucócitos nas células endoteliais e também
pode, muitas vezes, revelar inflamação extensa. contribuem para uma maior migração de leucócitos. O H. pylori
estimula o epitélio gástrico a produzir uma potente citocina, a
interleucina-8, cuja produção é potencializada pelo fator de ne-
• CLASSIFICAÇÃO crose tumoral e pela interleucina-lliberados pelos macrófagos
em resposta à lipopolissacáride bacteriana. Nos poucos casos
• Gastrites agudas de infecçã.o aguda estudados, parece haver igual envolvimen-
to do antro e corpo gástricos. Nesta fase, ocorre pronunciada
Embora raramente observadas em biopsias gástricas de ro- hipocloridria e aus~ncia de secreção de ácido ascórbico para o
tina, as gastrites agudas são classificadas em três grupos: gas- suco gástrico. A secreção ácida retoma ao normal após várias
trite aguda por Helicobacter pylori (H. pylori), gastrite supu- semanas, e a secreção de ácido ascórbico para o suco gástrico
rativa ou flegmonosa aguda e gastrite aguda hemorrágica ou persiste reduzida enquanto durar a gastrite crônica.
gastrite erosiva aguda. Esta última, também denominada por Esta fase aguda é de curta duração. Com exceção de algumas
alguns como lesão aguda da mucosa gastroduodenal (LAMGD), crianças que eliminam espontaneamente a bactéria, a re.sposta
pode ser secundária ao uso de álcool, ácido acetilsalicllico, anti- imune é incapaz de eliminar a infecção e, após 3 a 4 semanas,
inflamatórios, corticosteroides e em situações clinicas como ocorre um gradual aumento de células inflamatórias crônicas.
choque, trauma, cirurgias extensas, queimaduras, septicemia, Como consequência, a gastrite neutrofilica aguda dá lugar a
insuficiência respiratória, hepática ou renal, entre outras. His- uma gastrite ativa crônica.
tologicamente, independentemente da causa (álcool, drogas Embora a primoinfecção por H. pylori passe despercebida
ou eventos estressantes), o quadro acomete todo o estômago, pela maioria dos pacientes, às vezes, após um perlodo de in-
para, a seguir, predominar no antro e duodeno. As altera.ções cubação variável de 3 a 7 dias, alguns individuos desenvolvem
histológicas se localizam apenas em áreas imediatamente ad - um quadro cl1nico caracterizado por dor ou mal estar epigás-
jacentes às lesões e se caracterizam, na z.ona subepitelial, por trico, pirose, náuseas, vômitos, flatulência, sialorreia, halitose,
edema difuso da lâmina própria, congestão capilar e diferentes cefaleia e astenia. Tais casos expressam a ocorrência de gastri-
graus de hemorragia intersticial. Erosões podem ou não estar te aguda à histologia, conforme comprovado em alguns estu-
presentes, já que são rapidamente reparadas. Como os acha- dos. Os sintomas tendem a permanecer por 1 a 2 semanas. As

172
Capftulo 18 I Gastrlte 173

anormalidades macroscópicas são extremamente variáveis à cientes tratados clinicamente evoluindo para o óbito, contra
endoscopia, desde pequeno enantema até erosões, úlceras ou, apenas dois dos 11 tratados cirurgicamente.
mesmo, lesões pseudotumorais. Na maioria dos pacientes, as
alterações concentram-se fundamentalmente no antro, poden-
do, às vezes, comprometer também o corpo gástrico. Embora o
• Gastrite aguda hemorrágica
quadro clinico seja autolimitado, evoluindo sem sintomas, ou As lesões agudas da mucosa gastroduodenal ou úlceras de
com sintomas persistindo por até 2 semanas, na quase totalida- estresse se iniciam nas primeiras horas após grandes traumas
de dos casos a infecção, se não tratada, permanece indefinida- ou doenças sistêmicas graves e acometem as regiões proxímais
mente e se acompanha sempre de quadro histológico de gastrite do estômago. Ocasionalmente, podem também envolver o an-
crônica. O diagnóstico laboratorial da infecção aguda pode ser tro gástrico, duodeno ou esôfago distai. São caracterizadas por
feito através de histologia, testes respiratórios com carbono 13 múltiplas lesões hemorrágicas, puntiforme.s, associadas a altera-
ou 14, cultura e teste da urease. A sorologia também pode ser ções da superficie epitelial e edema. Como complicação clínica,
usada, embora, em pacientes recentemente infectados, possam a gastrite aguda pode exteriorizar-se por hemorragia digestiva
ocorrer resultados falso-negativos. alta. A sua patogenia não é bem conhecida, sendo os mecanis-
mos mais aceitos aqueles relacionados com alterações nos me-
• Tratamento canismos defensivos da mucosa gastroduodenal. Endoscopias
A abordagem terapêutica, quando decidida, é feita da ma- realizadas dentro de 72 h após trauma cranioencefálico ou quei-
neira usual. Embora se acredite que a hipossecreção ácida possa maduras extensas mostram anormalidades agudas da mucosa
facilitar a resposta ao tratamento, há relato da necessidade de gástrica em mais que 7596 dos pacientes, e, na metade dos casos,
vários cursos de tratamento para obtenção da erradicação neste existem evidências endoscópicas de sangramento recente ou em
estágio do acometimento gástrico pelo H. pylori. atividade. Apesar disso, um percentual mínimo de pacientes
apresentará evidências hemodinãmicas consequentes à perda
aguda de sangue. Estudos epidemiológicos estimam que 1,5 a
• Gastrite flegmonosa aguda 8,5% dos pacientes internados em unidades de terapia intensiva
~uma entidade rara, às vezes também presente em pacien- apresentam sangramento gastrintestinal visível, podendo, entre-
tes pediátricos, que se caracteriza por infecção bacteriana da tanto, acometer até 15% daqueles que não recebem tratamento
museu la ris mucosa e submucosa do estômago, com infiltra- profilático adequado. ~hoje aceito que pacientes internados em
ção de células plasmáticas, linfócitos e polimorfonucleares. Na unidades de terapia intensiva e que apresentem alto risco para
maioria dos casos descritos, a inflamação não ultrapassa o cár- o desenvolvimento de lesões agudas da mucosa gastroduodenal
dia e o piloro, sendo a mucosa gástrica relativamente pouco devam receber tratamento profilático. O Quadro 18.1 apresenta
as principais indicações para tratamento profilático sugeridas
acometida. O quadro costuma se instalar como complicação
de doença sistêmica ou septicemia, tendo sido descrita após pela The American Society of Health System Pharmacists.
empiema, meningite e endocardite pneurnocócica, entre outras.
• Tratamento
Quando causada por agentes formadores de gás, é denominada
Estudos clínicos têm demonstrado que os inibidores de
gastrite enfisematosa. Muitas vezes, podem-se observar alguns
bomba de prótons, antagonistas dos receptores H1 e os antiá-
fatores predisponentes, como cirurgia gástrica prévia, hipoclo-
cidos reduzem a frequência de sangramento digestivo visível em
ridria, câncer gástrico, úlcera gástrica e gastrite. Na maioria dos
pacientes internados em crr, quando comparados com grupos
casos descritos até hoje, foram isolados germes gram-positivos,
placebo ou sem nenhuma profilaxia. Embora existam estudos
especialmente Streptococcus spp., embora Pneumococcus spp.,
comparando as diferentes opções terapêuticas, deve-se salientar
Staphylococcus spp., Proteus vulgaris, Escherichia co/i e Clostri-
que eles são ainda considerados limitados, seja pelo tamanho
dium welchii também já tenbam sido identificados. O diagnós- amostrai, seja por deficiências metodológicas.
tico clinico é muitas vezes diffcil. A evolução cllnica é rápida, Um grande estudo duplo-cego e randomizado comparou o
com dor epigástrica, náuseas e vômitos purulentos, constituin-
emprego de omeprazol suspensão (40 mg. duas vezes no primei-
do sintomas comumente observados. Outras vezes, podem-se ro dia, seguidos por 40 mgfdia, nos dias subsequentes, por via
encontrar sinais de irritação peritoneal. A visualização de gás orogástrica ou por sonda nasogástrica) e cimetidina intravenosa
na sub mucosa gástrica na radiografia simples de abdome sugere (300 mg. em bo/us, seguidos por 50 mglh) por até 14 dias em
a possibilidade de germes formadores de gás, tipo Clostridium
welchii. Com frequência, o diagnóstico é feito através de lapa-
rotomia exploradora ou, mesmo, na necropsia. Leucocitose
com desvio para a esquerda é quase sempre descrita, sendo a - T- - - -
amilase normal. O estudo radiológico do estômago revela es- Quadro 18.1 Indicações de tratamento profilático para lesões agudas
pessamento das pregas gástricas com redução da distensibili- de mucosa gastroduodenal em pacientes internados
dade antral. Sendo a mucosa gástrica habitualmente poupada, em unidades de terapia intensiva
a biopsia convencional pode não definir o diagnóstico, sendo
necessário o uso de procedimentos especiais para se obter ma- • Coagulopatia, d~nlda como contagem plaquet~ria inferior
terial da submucosa gástrica. a 50.000/mm'. RNI > 1,5, ou PTT > 2 vezes o controle.
• Ventilaçjo mednla por mais que 48 h.
• Tratamento • Antecedentes de ukeraçlo gastrintestinal ou sangramento no ano
A terapêutica inclui o emprego de antibióticos de amplo anterior.
espectro associado à drenagem cirúrgica ou endoscópica da • Dois ou mais dos seguintes fatores de risco: sepse, admis<ao no cn por
parede gástrica. Outras vezes, se torna necessária a realização mais que uma semana. sangramento digestivo exulto por mais de
de cirurgias de ressecção. Na série de 25 pacientes compilada 6 dias e uso de col11costeroldes (mais que 250 mg de hidrocortlsona
ou equivalente).
por Miller et a/., a mortalidade geral foi de 67%, com os 14 pa-
174 Capftulo 18 I Gastrite

359 pacientes mecanicamente ventilados por mais que 48 h e Schindler, levaram em consideração os aspectos morfológicos
com pelo menos um fator de risco adicional. Pacientes em uso em especial, além de se dirigirem fundamentalmente para o estu-
de omeprazol apresentaram menos sangramento digestivo visí- do das formas crônicas, inequivocamente as mais prevalentes.
vel (19 vs. 32%), embora não houvesse diferenças significantes As contradições existentes entre as diversas classificações das
entre sangramento persistente (3,9 vs. 5,5%), necessidade de gastrites e a imperiosa necessidade de se uniformizar a termino-
hemotransfusão (2,8 vs. 2,8%), pneumonia (11,2 vs. 9,4%) ou logia após a identificação e reconhecimento do H. pylori como o
morte (15,2 vs. 11,6%). principal agente etiológico da gastrite crônica determinaram o
Embora o emprego de IBP (omeprazol e pantoprazol) IV desenvolvimento, em 1990, de uma nova classificação denomi-
promova efetiva redução da acidez gástrica, não existem evi- nada Sistema Sydney para a classificação das gastrites. Em 1994,
dências convincentes que confiram beneficios superiores àque- 4 anos após sua introdução, o Sistema Sydney foi reavaliado,
les obtidos por outras estratégias terapêuticas menos onerosas, sendo mantidos os princípios gerais e a graduação do que foi
como os antagonistas dos receptores H2 IV, na profilaxia das originalmente proposto em 1990, e acrescentada uma escala
lesões agudas da mucosa gastroduodenal. analógica visual com o objetivo de tornar mais homogêneas e
menos subjetivas as graduações das gastrites. A terminologia
da classificação final foi também aperfeiçoada para enfatizar a
• Gastrites crônicas distinção entre gastrite atrófica e não atrófica. Para o adequado
Em decorrência do desconhecimento da etiologia das prin- estudo das gastrites, é recomendada a realização de, pelo menos,
cipais formas de gastrite e pelo fato de as gastrites agudas rara- cinco biopsias, sendo uma da grande e outra da pequena cur-
mente constituírem um problema para o patologista, pois habi- vatura gástrica, a 2 a 3 em do piloro, uma da incisura angular,
tualmente são afecções transitórias e quase nunca biopsiadas, as uma da pequena curvatura a 4 em acima do angulus e outra na
diferentes classificações das gastrites propostas, desde 1947, por grande curvatura a 8 em do cárdia. O Quadro 18.2 mostra a

----------------------------T ----------------------------
Quadro 18.2 Classificação dasgastrites baseada na topografia, morfologia eetiologia, segundo oSistema Sydney atualizado

Tipo de gastrite Fatores etiológicos Sln6nimos empregados


Não atrófica Helicobacter pylori Superficial
Outros fatores? Gastrite antral difusa
Gastrite antral crônica
lntersticial-folicular
Hipersecretora
Tipo B'
Atrófica
Autoimune Autoimunidade Tipo A'
Difusa do corpo
Associada a anemia perniciosa
Atrófica multifocal He/icobacter pylori Tipo B', tipo AB'
Dieta Ambiental
Fatores ambientais? Metaplástica
Formas espec-iais
Qufmica' Irritação qu fmica Reativa
Bile Refluxo
AINES AINES
Outros agentes? Tipo c•
Radiação Lesão radiógena
Linfocítica ldiopática? Varioliforme (à endoscopia)
Mecanismos imunes
Glúteo Associada a doença celíaca
H.pylori?
Droga (ticlopidine)
Granulomatosas não infecciosas Doença de Crohn Granulomas isolados
Sarcoidose
Granulomatose de Wegener e outras vasculites
Corpo estranho
ldiopática
Eosinofílica Sensibilidade alimentar Alérgica
Outras alergias
Outras gastrites infecciosas Bactérias (não H. pylon) Flegmonosa
Vírus Citomegalovírus
Parasitas Anisakíase
Fungos
AINES = anti inflamat6rios não estéroidés.
4

• Nomenclaturas empregando letras do alfabeto, já abandonadas no Sistema Sydney inicial, foram aqui também abandonadas. O emptego do termo
•tipo 8"' denotando tanto gastrites auófic.as como n-ão atróficas é considerado particularmente contundente.
b Muitos investigadores preferem o termo go5tropotio em lugar de ga5trite para descrever lesões resultantes de agressão química.
Capitulo 18 I Gastritr 175

classificação das gastrites crônicas baseadas na topografia, mor- testinal como células caliciformes, células absortivas, células de
fologia e etiologia, segundo o Sistema Sydney atualizado. Paneth e células endócrinas.
A atrofia da mucosa gástrica associada à gastrite crônica
sinaliza para a possibilidade da existência de metaplasia in-
• Gastrite crônica associada ao Helicobader testinal ou toma sua ocorrência mais provável. A associação
pylori (H. pylori) entre metaplasia intestinal e sinais histológicos consplcuos de
atrofia glandular ocorre na maioria dos casos, não oferecendo
O H. pylori é hoje considerado o principal agente etiológico dificuldade diagnóstica. Como já é conhecido, os pacientes que
em mais de 95% das gastrites crônicas. Essa bactéria coloniza apresentam gastrite crônica que afeta, em graus semelhantes,
a mucosa gástrica humana com minima competição por parte tanto o antro quanto o corpo do estômago (pangastrite crôni-
de outros microrganismos e parece estar particularmente adap- ca) costumam evoluir com atrofia glandular do estômago e são
tada a esse ambiente. Embora a presença do H. pylori evoque exatamente os casos em que o câncer gástrico desenvolve-se
resposta imune local e sistêmica, a infecção, uma vez adquirida, com mais frequência. Em relação ao carcinoma gástrico tipo
persiste para sempre, sendo raramente eliminada espontanea- intestinal, o elo principal entre estas lesões precursoras~ admi-
mente. Mais ainda, é sempre acompanhada por gastrite h isto- tido como sendo a metaplasia intestinal. Tendo em vista a alta
lógica, de intensidade variável. frequência de metaplasia intestinal e a relativa baixa frequência
O antro é tipicamente a primeira região a ser acometida, do cânce.r gástrico, alguns autores ressaltam que a atrofia da
podendo às vezes predominar o comprometimento do corpo mucosa gástrica seria tão relevante quanto a metaplasia intes-
ou, mesmo, de todo o órgão (pangastrite). A distribuição do tinal, ou mais, em relação à carcinogênese gástrica.
H. pylori no estômago é importante, pois parece ser um indica- Gastrite atrófica, atrofia gástrica e metaplasia intestinal cons-
dor do padrão de evolução da gastrite. Assim, individuos com tituem sequelas frequentes de gastrite crônica secundária à in-
gastrite predominantemente antral terão secreção gástrica nor- fecção por H. pylori. Um grande estudo multicêntrico japonês
mal ou elevada graças à manutenção de mucosa oxlntica Integra relatou a presença de gastrite atrófica em 89,2% dos individuos
e poderão ter um risco aumentado para úlcera duodenal. Indivi- infectados e em apenas 9,8% naqueles não infectados. Da mes-
duos com gastrite acometendo de forma predominante o corpo ma forma, metaplasia intestinal foi detectada em 43,1% dos in-
do estômago terão secreção ácida reduzida, em consequência da divíduos H. pylori positivos, enquanto somente 6,2% daqueles
destruição progressiva da mucosa oxlntica. Histologicamente, não infectados apresentavam tal anormalidade.
exibem uma mistura de gastrite crônica superficial e alterações
atróficas com tendências a progredir com o passar dos anos • Tratamento
(ou décadas), podendo ocorrer também o desenvolvimento de Como inúmeros individuos portadores de dispepsia funcio-
metaplasia intestinal. Estima-se que a gastrite crônica do corpo nal albergam o H. pylori e, portanto, são também portadores de
gástrico, associada a atrofia acentuada, eleva de três a quatro gastrite crônica, muitos clínicos optam pelo tratamento anti-H.
vezes o risco de carcinoma gástrico, do tipo intestinal. pylori nessa eventualidade. Entretanto, as evidências são contro-
A gastrite crônica do antro associada a H. pylori é habitual- versas no tocante ao beneficio da erradicação do microrganis-
mente uma condição assintomática. Apesar de alguns estudos mo na resolução dos sintomas. ~estimado que seja necessário
tentarem associá-la à dispepsia funcional, a maioria dos estudos realizar o tratamento em 15 pacientes para obtenção de alívio
não encontrou correlação entre sintomas gastrintestinais e a sintomático em um paciente.
extensão ou intensidade da gastrite. Desta forma, o principal ~hoje bem estabelecido que a erradicação do H. pylori pro-
significado clínico da gastrite crônica associada ao H. pylori re- move remissão da gastrite ativa e reduz. enormemente, a inci-
side em sua estreita associação etiológica com a úlcera péptica dência e/ou recorrência da doença ulcerosa.
duodenal e com o carcinoma e linfoma gástrico. No homem, a gastrite crônica ativa reverte ao normal após
A sequência infecçào pelo H. pylori --+ gastrite cr6nica --+ a erradicação do microrganismo. Entretanto, há dúvidas sobre
atrofia glandular-+ metaplasia intestinal constitui um conjunto uma eventual regressão da atrofia gástrica e da metaplasia in-
de alterações associativas muito frequentemente observado na testinal, lesões consideradas como condições pré-neoplãsicas.
espécie humana e desencadeado pela infecção pelo H. pylori ou Alguns estudos sugerem que a regressão possa ocorre.r em pa-
tendo como passo inicial essa infecção. Embora a progressão cientes acompanhados por longos períodos, enquanto outros
da atrofia e da metaplasia, associadas ao H. pylori, possa trazer sugerem que a erradicação da bactéria seja capaz de impedir a
outras consequências fisiopatológicas como a úlcera péptica, progressão das lesôes atróficas e metaplãsicas. Vale lembrar que,
o ponto de maior interesse está localizado, hoje, no desenvol- naqueles pacientes nos quais a bactéria não é erradicada, as le-
vimento do câncer gástrico. Entre elas. a mais importante é o sões progridem ou não se alteram. Os resultados obtidos nestes
adenocarcinoma tipo intestinal que, de acordo com muitos, estudos mostram que, em relação às condições pré-neoplásicas
poderia ser colocado como a etapa final da sequência evoluti- - atrofia e metaplasia intestinal - ,a erradicação do microrga-
va anteriormente descrita, em um número significativo de pa- nismo, embora não tenha promovido a sua regressão, parece ter
cientes. Portanto, atrofia glandular e metaplasia intestinal são sido capaz de impedir sua progressão. Em relação ao resultado
consideradas, hoje, como corresponsáveis pelo câncer gástrico do tratamento da bactéria na prevenção do câncer gástrico, o
do tipo intestinal, havendo controvérsias na literatura acerca estudo mais longo e com maior número de pacientes mostrou
do grau de importãncia de cada uma. que a erradicação do H. pylori é capaz de reduzir a incidência
Metaplasia intestinal no estômago se refere à reposição de câncer gástrico apenas nos individuos sem alterações h isto-
progressiva do epitélio gástrico pelo epitélio tipo intestinal, ou lógicas (atrofia e/ou metaplasia) prévias.
seja, por um epitélio neoformado que apresenta características Concluindo, o real valor da erradicação do H. pylori na pre-
bioquímicas e morfológicas (tanto à microscopia óptica como venção do câncer gástrico ainda carece de novos estudos envol-
à eletrônica) do epitélio intestinal, tanto do delgado como do vendo grande número de pacientes, acompanhados por longos
cólon. Assim sendo, o epitélio metaplásico pode ser constituí- períodos de tempo e com controle cuidadoso das condições
do por diferentes linhagens de células próprias da mucosa in- subjacentes da mucosa gástrica dos pacientes, quando da en-
176 Capftulo 18 I Gastrite

trada, e ao longo do estudo. Importante salientar que, mes- pode ser detectada através da secreção gástrica basal e estimu -
mo reconhecendo estas limitações e dificuldades, o Consenso lada. A medida isolada do pH gástrico em jejum pode mostrar
Pacífico-Asiático para Prevenção do Câncer Gástrico delibe- também uma boa correlação com hipocloridria verdadeira ob-
rou, pela primeira vez, em 2008, que é tempo de tentar intervir servada na gastrite do corpo e fundo. As determinações séricas
na prevenção desse câncer, recomendando a pesquisa e tra- de pepsinogênio, especialmente a relação entre pepsinogênio I
tamento da infecção por H. pylori em toda a população asiá- e li, constituem testes não invasivos promissores para a detec-
tica moradora em regiões de alto risco, definidas como aquelas ção de gastrite atrófica do corpo e antro.
onde a incidência de câncer gástrico na população é superior a
20/100.000 habitantes.
• Tratamento
A gastrite crônica autoimune do corpo é assintomática na
• GASTRITE CRONICA AUTOIMUNE maioria dos pacientes e, desta forma, não requer tratamento.
A presença, entretanto, de anemia perniciosa exige a reposi-
Conhecida também como gastrite tipo A, acomete o corpo ção de vitamina B,1, por via parenteral, na dose de 200 ~g por
e fundo gástricos, raramente atingindo o antro. Caracteriza- mês, durante toda a vida. Tal terapêutica corrige as alterações
se por uma atrofia seletiva, parcial ou completa, das glândulas hematológicas, embora não interfira na histologia da mucosa
gástricas no corpo e fundo do estômago, ocorrendo uma subs- gástrica. A presença de deficiência de ferro obriga a investigação
tituição, parcial ou completa, das células superficiais normais cuidadosa para neoplasias de estômago e cólon antes de mera
por mucosa tipo intestinal (metaplasia intestinal). A mucosa terapêutica de reposição. Diarreias frequentes podem sugerir
antral, por quase não ser acometida nesta entidade, mantém ocorrência de supercrescimento bacteriano.
sua estrutura glandular normal e apresenta células endócrinas Não há ainda consenso sobre como devem ser acompanha-
hiperplásticas. dos, ao longo do tempo, os portadores de gastrite crônica au-
Funcionalmente, a atrofia das glândulas gástricas do cor- toimune do corpo para se evitar sua complicação mais temida
po se associa com hipocloridria (atrofia parcial) ou, em casos - o câncer gástrico. Pacientes com anemia perniciosa parecem
avançados, acloridria, secundária à redução da massa de cé- ter um risco para carcinoma gástrico até três a cinco vezes su-
lulas parietais; paralelamente, há um decréscimo também na periores a indivíduos controles. A decisão por seguimento com
secreção de fator intrínseco, podendo ocasionar a redução da exames endoscópicos irá depender dos achados iniciais e sin-
absorção de vitamina B12 e o aparecimento de manifestações tomas: caso a endoscopia inicial, com biopsias realizadas em
clínicas da anemia perniciosa. A preservação funcional da mu- diferentes áreas do estômago, não observe carcinoma, pólipos
cosa antral resulta em estimulação constante das células G com adenomatosos, tumores carcinoides ou displasia acentuada,
hipergastrinemia. provavelmente não há necessidade de acompanhamento en-
Evidências imunológicas e experimentais sugerem um doscópico, principalmente na ausência de história familiar de
componente autoimune nesta entidade. Assim, a maioria dos câncer gástrico e naqueles procedentes de regiões onde o cân-
pacientes apresenta testes imunológicos positivos, enquanto cer gástrico não é epidêmico. A conduta na presença de dis-
vários evoluem com outras doenças autoimunes, como, por plasia acentuada é também controvertida, com alguns autores
exemplo, as tireoidites autoimunes. Estudos em familias de sugerindo a repetição anual de endoscopias com biopsias. Por
portadores de gastrite atrófica demonstram uma incidência outro lado, um extenso estudo de acompanhamento a longo
aumentada de gastrite em parentes de primeiro grau, sugerin- prazo realizado por investigadores da Clínica Mayo, nos EUA,
do uma base genética, sendo a anemia perniciosa, a expressão não observou risco aumentado para carcinoma gástrico em
final da gastrite crônica auto imune do corpo, hoje considerada portadores de anemia perniciosa. Os tumores carcinoides gás-
como determinada por um gene autossômico único. tricos são encontrados em 2 a 9% dos pacientes com anemia
A gastrite autoimune é assintomática do ponto de vista gas- perniciosa, sendo a maioria deles assintomáticos. Microsco-
trintestinal, advindo sintomas hematológicos e/ou neurológicos picamente, são constituídos de células ECL e, à macroscopia,
na ocorrência de anemia perniciosa. Em decorrência da aclo- apresentam-se habitualmente como lesões polipoides, pequenas
ridria, com a consequente elevação do pH gástrico, tem sido (< 1 em), frequentemente múltiplas, localizadas no corpo gás-
descrita uma maior suscetibilidade desses pacientes a infecções trico. Tumores pequenos e assintomáticos podem ser removi-
entéricas por bactérias, virus e parasitos. dos endoscopicamente; tumores sintomáticos, com frequência
O diagnóstico da gastrite crônica autoimune do corpo é emi- avançados, podem ser removidos cirurgicamente. Alguns au-
nentemente histopatológico. À endoscopia, quando se insufla tores sugerem que a antrectomia isoladamente, ao promover a
ar no estômago, o pregueado mucoso do corpo se desfaz to- retirada das células G e abolir a hipergastrinemia, propiciaria
tal ou parcialmente e observa-se uma mucosa de aspecto liso, a regressão do tumor, estando assim indicada em portadores
brilhante e delgado, com os vasos da submucosa facilmente de carcinoides gástricos múltiplos. Tal conduta obviamente
visualizados. Deve-se proceder à coleta simultânea de material necessita de maiores estudos.
para exame histopatológico do corpo e antro gástricos, para se
ter certeza da localização do processo inflamatório. Os índices
de concordância da histologia com a endoscopia são confli- • GASTRITES QUfMICAS
tantes, embora, nos casos mais avançados, a correlaç,ã o seja
razoavelmente boa. Anticorpos anticélula parietal e antifator Terminologia adotada no lugar de designações encontra-
intrínseco, embora presentes em até 90% dos portadores de das em outras classificações, como gastrites reativas, gastrite
anemia perniciosa, com frequência estão ausentes em porta- de refluxo ou gastrite tipo C. Engloba os achados observados
dores de gastrite atrófica apenas, sem alterações hematológicas. no refluxo biliar, em associação com certas drogas ou sem rela-
A gastrina sérica acha-se comumente elevada, embora possa ção causal evidente, porém com aspectos histológicos comuns,
estar normal ou reduzida em um pequeno número de casos, constando de hiperplasia foveolar, edema, vaso dilatação, fibrose
quando a atrofia atinge também o antro gástrico. A acloridria ocasional e escassez de componente inflamatório.
Capftulo 18 I Gastrlte 177

resultados. O ácido ursodesoxicólico tem sido utilizado com o


• Gastrite química associada ao refluxo biliar objetivo de tomar a bile menos tóxica para a mucosa gástrica,
Refluxo enterogástrico é um fenômeno comum após pro- ao reduzir a proporção de ácido eólico, desoxicólico e litocólico
cedimentos de ressecção gástrica, independentemente do tipo na bile, embora o número de estudos controlados ainda seja
de reconstituição do trãnsito empregada, seja Bilroth I ou li. muito pequeno. Por fim, drogas procinéticas, como metoclo-
Tamb ém tem sido observado após vagotornia troncular com pramida e domperidona, têm sido testadas com resultados va-
piloroplastia e, quando presente, é de mínima monta depois de riáveis, não ficando claro se, quando melhoram os sintomas, o
vagotomia superseletiva. Entre os achados histológicos, a hiper- fazem através da resolução da gastrite ou da redução da estase.
plasia foveolar com alongamento e/ou tortuosidade constitui o Naqueles pacientes portadores de gastrite reativa associada ao
achado histológico mais sugestivo de gastrite reativa associada refluxo biliar que não respondem ao tratamento clínico e que
ao refluxo biliar. Na maioria dos casos sintomáticos, o quadro evoluem com sintomas debilitantes como desnutrição grave e
se desenvolve após cirurgia gástrica para úlcera péptica, com a perda de peso importante, diversos procedimentos cirúrgicos
sintomatologia se iniciando dentro de poucas semanas a vários capazes de impedir o refluxo duodenogástrico devem ser cui-
anos depois do ato cirúrgico. A exata incidência é desconheci- dadosamente considerados.
da, com alguns estudos sugerindo que possa ocorrer em até 9%
dos pacientes operados. Os casos descritos em pacientes sem
cirurgia gástrica anterior estão quase sempre associados à co-
• Gastrite linfocítica
lecistectomia prévia. Clinicamente, o quadro se caracteriza por Denominada como gastrite varioliforme ou gastrite erosiva
dor epigástrica, vômitos biliosos, perda de peso e anemia. A dor crônica pelos endoscopistas em outras classificações, se carac-
não é aliviada por antiácidos ou outros antiulcerosos, se agra- teriza pela presença de múltiplas nod ulações com erosões cen-
vando com os alimentos e, com frequência, se associando com trais e hiperernia circunjacente. As erosões têm, em média, 0,5
eructações pós-prandiais, distensão abdominal e pirose; menos a 1 em de diâmetro e se distribuem em filas no topo de pregas
frequentemente, pode ocorrer anemia secundária à perda oculta geralmente espessadas.
de sangue pelas fezes. A correlação entre refluxo duodenogás- A etiologia é desconhecida, e um mecanismo de hiper-
trico, sintomas e a presença de gastrite é incerta. Embora alguns sensibilidade parece estar envolvido. Alguns autores também
estudos demonstrem que a infusão de suco duodenal autólogo postulam que ela possa representar uma forma particular de
no remanescente gástrico possa reproduzir os sintomas em pa- resposta imunológica a determinados casos de infecção pelo
cientes previamente sintomáticos, a maioria dos pacientes com H. pylori, ou uma manifestação de doença intestinal, tipo celiaca
gastrite e/ou refluxo é, na verdade, assintomática Desta forma, ou espru, em que a infiltração Linfocítica, observada nestas en-
o diagnóstico se baseia na presença de sintomas e na exclusão tidades, pudesse acometer o epitélio gástrico. Sua presença é
de outras afecções como úlcera pós-operatória, obstrução piló- raramente observada. Entre nós, Ribeiro et ai., em Belo Hori-
rica, síndrome de alça eferente, síndrome do intestino irritável, zonte, estudando 800 biopsias gástricas de rotina, encontraram
afecções biliopancreáticas, dentre outras. O estudo da secreção apenas seis casos de gastrite linfocítica A maior parte dos pa-
gástrica normalmente mostra hipo ou acloridria, com mínima cientes é assintomática, alguns podem apresentar sintomatolo-
resposta ao estimulo com pentagastr ina. Em alguns pacientes, gia sugestiva de úlcera péptica e/ou evidências de hemorragia
a determinação de gastrina sérica auxiliará na exclusão de esta- digestiva alta, manifesta ou oculta. O diagnóstico é suspeitado
dos hipergastrinêmicos como a sindrome do antro retido após pelo padrão macroscópico à endoscopia. O exame histológico
ressecção a Billroth li, gastrinoma ou hiperplasia de células G. revela a presença de mais de 30 linfócitos intraepiteliais/100 cé-
O Bilitec 2000, instrumental que inclui eletrodos posicionados lulas epiteliais, enquanto, em estômagos normais, se observam,
no estômago e/ou no esôfago, é capaz de monitorar por 24 h, no máximo, sete linfócitos intraepiteliais/100 células epiteliais
através de propriedades espectro fotoquímicas, a exposição das (Figura 18.1). A história natural é variável, com alguns pacien-
mucosas destes segmentos a material refluído contendo bilirru- tes se tornando assintomáticos em poucas semanas ou perma-
bina Constitui hoje o melhor método diagnóstico para a pre- necendo com queixas dispépticas, continuas ou intermitentes
sença de refluxo alcalino, duodenogástrico ou gast resofágico. por anos.
Finalmente, estudos de esvaziamento do remanescente gástrico,
empregando métodos isotópicos, podem ser necessários para • Tratamento
avaliar distúrbios de motilidade, já que a cirurgia de derivações Bloqueadores dos receptores Hz, cromoglicato de sódio e
em Y de Roux pode não beneficiar, ou mesmo agravar, pacien- corticosteroides são, por vezes, prescritos em casos especiais.
tes com estase apreciável do coto gástrico. Um recente estudo inglês avaliou 11 pacientes com gastrite lin-
focítica e infecção por H. pylori, antes e depois da erradicação
• Trata mento do microrganismo, sugerindo que a erradicação proporciona
Nenhum tratamento clinico tem se mostrado eficaz na abor- uma redução significativa dos linfócitos intraepiteliais e da in-
dagem desta síndrome. A base da terapêutica consiste em re- flamação da mucosa oxíntica, melhorando também a sintoma-
duzir a exposição da mucosa gástrica aos agentes agressivos tologia dispéptica.
presentes no material refluído, seja por inativação ou impedi-
mento de sua entrada no estômago. O emprego de resinas de
trocas iônicas, como a colestiramina ou colestipol, que se liga
• Gastrites granulomatosas não infecciosas
aos sais biliares, pode ser tentado, embora os resultados sejam Constituem cerca de 0,3% de todas as gastrites e se caracteri-
quase sempre insat isfatórios e elas possam provocar constipação zam pela presença de infiltrado granulomatoso. Funcionalmen-
intestinal e excesso de gases. Devem ser empregados também te, o granulo ma representa uma reação inflamatória localizada
com cautela em pacientes submetidos à vagotomia e com esta- em resposta a inúmeros fatores desencadeantes, muitas vezes de
se gástrica, pelo risco de desenvolvimento de bezoares. Outros etiologia não definida. Entre os fatores etiológicos conhecidos,
agentes capazes de se ligar aos sais biliares, como os antiácidos encontram-se os granulomas do tipo corpo estranho em reação
contendo alumínio e o sucralfato, não têm apresentado bons à presença de fio de sutura e talco, granulo mas secundários a in-
178 Capftulo 18 I Gastrite

A
• Tratamento
O tratamento do acometimento gastroduodenal é semelhan-
te àquele empregado nas formas mais distais, com exceção das
formulaçõe.s pH -dependentes da mesalazina e da sulfassalazina.
A presença de sintomas de obstrução da via de salda gástrica
pode requerer dilatação com balão ou, mesmo, cirurgia.

• Sarcoidose
O envolvimento gástrico pela sarcoidose é sempre secundá-
rio à forma sistêmica do processo. Assim, o diagnóstico é rea-
lizado pela presença de granulomas gástricos, frequentemente
múltiplos, associado a evidências de adenomegalias hilares,
doença fibronodular dos pulmões, lesões líticas das falanges,
anergia cutânea ou teste de Kveim positivo. Sarcoidose gástrica
é responsável por I a 21% dos casos de inflamação granuloma-
tosa do estômago. A maior parte dos casos é assintomática, e
as anormalidades endoscópicas mais encontradas incluem no-
dularidade mucosa, alterações polipoides, erosões, ulcerações
e, às vezes, rigidez da parede gástrica simulando linite plástica.
Na ausência de acometimento pulmonar ou mediastinal e de
outras possíveis causas de gastrite granulomatosa, a presença
de hipergamaglobulinemia, hipercalciúria, níveis elevados de
enzima conversora de angiotensina, testes de função pulmonar
com padrão restritivo e captação ativa de gálio à cintigrafia são
indicativos de sarcoidose como principal etiologia da gastrite
granulomatosa.

• Tratamento
Embora não existam ensaios clinicos disponíveis, a corti-
coterapia parece efetiva nas formas gastrintestinais de sarcoi-
dose. Habitualmente, recomenda-se o uso de prednisona, 20 a
Figura 18.1 Detalhe da mucosa gástrica de paciente com gastrite 40 mgldia, com redução progressiva. A duração do tratamento
linfocítica. Em A. obse!V~·se visão panorâmica do epitélio gástrico com
cont~gem elevada de línfócitos intraepiteliais (LIE) (HE, xBO}. Em B,
irá depender da resposta clinica. Metotrexato, clorambucila,
visão em detalhe de epitélío gástrico com contagem elevada de LIE azatioprina, infliximabe e ciclosporina são alternativas para os
(HE, xSOO}. (Gentileza do Prof. Alfredo JA Barbosa, Departamento de casos refratários à prednisona.
Anatomia Patológica da Faculd~de de Medicin~ da UFMG.}(Esta figur~
encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
• Gastrite eosinofnica
Eosinófilos e leucócitos são normalmente encontrados na
mucosa e submucosa do trato digestivo superior. A gastrente-
fecções como tuberculose, sífilis, histoplasmose, esquistossomo- rite eosinofllica é uma afecção rara caracterizada por infiltrado
se etc., além daqueles secundários a neoplasias como linfomas eosinofllico denso na parede do estômago e intestino delgado.
e carcinomas e a doenças idiopáticas como sarcoidose, doença Embora sua etiologia seja desconhecida, fatores alérgicos (50%
de Crohn ou gastrite granulomatosa isolada, entre outras. têm história de atopia anterior, como urticária, asma ou rinite),
alimentares (alguns alimentos podem desencadear sintomas
intestinais) e a presença de parasitos têm sido considerados.
• Doença de Crohn Três formas de apresentação são descritas, considerando a in-
O acometimento gastroduodenal é raro e geralmente acom- tensidade e localização do infiltrado: acometimento predomi-
panha a doença intestinal. Raramente, se constitui na única nante da mucosa, da parede muscular ou da se rosa. Nas formas
manife.stação da doença. Um estudo endoscópico e histológi- de acometimento mucoso predominante, o antro é mais fre-
co de 62 pacientes com doença de Crohn ileocolônica encon- quentemente acometido e, endoscopicamente, as pregas estão
trou gastrite crônica H. pylori negativa em 21 (32%) pacientes espessadas, podendo haver nodosidades, ulcerações ou pólipos
e granuloma em quatro deles. Os granulomas costumam ser gástricos contendo agregados de eosinófilos e linfócitos (Figura
pequenos, escassos e, muitas vezes, não são encontrados. O 18.2). A sintomatologia inclui náuseas, vômitos, diarreia, dor
exame endoscópico pode mostrar úlceras aftosas ou serpigi- abdominal e perda de peso.
nosas, especialmente no antro, e uma mucosa com o aspecto O diagnóstico é estabelecido pela presença de aumento do
clássico de calçamento de rua (cobblestone). Com o progredir número de eosinófilos na parede gástrica, pela infiltração de eo-
da doença. o antro tende a se afunilar, sendo o duodeno contí- sinófilos nas glândulas gástricas na ausência de envolvimento de
guo também afetado, mas a ocorrência de flstulas é raramente outros órgãos e na exclusão de outras causas de eosinofilia.
observada. Essa entidade é, muitas vezes, assintomática, salvo Eosinofilia periférica pode faltar em 20% dos casos.
naquelas situações de obstrução da via de salda do estômago Quando presente, representa 5 a 35% dos leucócitos, com
ou da presença de ulceração gástrica ou duodenal. valores absolutos em torno de 2.000 células/J.!l. Anemia ferro-
Capitulo 18 I Gostrite 179

• Tuberculose
A tuberculose raramente acomete o estômago. Possivelmen-
te, a virtual ausência de folículos linfoides no estômago, o pH
gástrico e a curta permanência de organismos ingeridos no
estômago contribuem para a não frequente associação entre
a forma pulmonar ou intestinal com a gastrite granulomato-
sa tuberculosa. O local mais acometido é o antro gástrico, e o
diagnóstico definitivo irá depender da presença de granulomas
com necrose caseosa ou do bacilo álcool-ácido resistente em
biopsias endoscópicas ou peças cirúrgicas. A demonstração do
bacilo ocorre em menos que 33% dos casos, sendo a etiologia
tuberculosa sugerida, muitas vezes, pela presença da doença
em outros locais. Manifestações atípicas de tuberculose en-
volvendo o trato gastrintestinal têm sido observadas hoje, em
associação com a AIDS.

• Tratamento
Tratamento específico clássico geralmente induz remissão
do processo, sendo a cirurgia indicada apenas em casos de obs-
Flgura18.2 Aspectoendoscópicoda mucosa antral de paciente com
trução gástrica.
gastrlte eosinofilica. (Esta figura encontra·se reproduzida em cores
no Encarte.)
• Sífilis
A gastrite granulomatosa lu ética é rara, sendo observada em
priva, hipoalbuminemia e redução das imunoglobulinas séricas menos de 1% dos pacientes com sífilis. Embora o envolvimento
também são observadas como consequência de perdas pro- gástrico possa ocorrer em muitos pacientes durante a espiro-
teicas através do epitélio lesado. Nos casos de acometimento quetemia da slfilis primária e, ainda na fase secundária precoce,
predominante da parede muscular, o diagnóstico hlstológico os sintomas gástricos ra.r amente são presentes, e não ocorre a
pode ser diflcil, já que a biopsia convencional é muitas vezes formação de granulomas. Doença gástrica significante geral-
normal; assim, é necessária a realização de biopsias envolvendo mente se limita aos casos de sífilis secundária tardia e terciária,
toda a parede gástrica. Ao exame radiológico e/ou endoscópico, em que os achados radiológicos e endoscópicos podem variar
se observam rigidez e estreitamento antral, com mucosa pra- de gastrite superficial a infiltração transmural mimetizando a
ticamente normal. O acometimento predominante da serosa linite plástica, sendo o diagnóstico diferencial com carcinoma
é o mais raro, e a ascite que contém alto teor de eosinófilos e linfoma muitas vezes dificil. Não raramente, alguns pacien-
(12 a 95%) é a principal forma de expressão clínica. Embora tes são mesmo submetidos a gastrectomia. Se o quadro evolui
a presença de alergia seja dificil de documentar, a eliminação com estreitamento fibrótico da parede do estômago, podem-
de determinados alimentos suspeitos pode, às vezes, produzir se encontrar deformidades do tipo "estômago em ampulheta".
resultados duradouros. A consulta com imunoalergologista e Com frequência, as estenoses associadas a terciarismo são mais
a realização de testes cutãoeos podem auxiliar na identificação observadas no antro e se estendem até o duodeno. O diagnós-
de alergênios. tico de acometimento gástrico pode ser feito pelo encontro do
microrganismo em fragmentos de biopsia, pela técnica de imu-
• Tratamento nofluorescência, pela coloração pela prata ou pela pesquisa do
Em algumas situações, a prednisona, em doses iniciais de treponema em campo escuro, e também, é claro, pelos testes
20 a 40 mgldia, com redução progressiva, é capaz de induzir sorológicos para slfilis.
e manter remissões por períodos prolongados. Outras drogas,
como o cromoglicato de sódio, anti-hlstamlnicos e antiespas- • Tratamento
módicos têm sido tentados com resultados precários. Um es- A terapêutica com penicilina produz resultados favoráveis
tudo sugere que o cetotifeno, um bloqueador dos receptores
especialmente nos quadros de secundarismo, sendo incertos no
H 1, pode vir a representar u ma alternativa efetiva aos corti-
terciarismo. A sensibilidade do treponema aos antimicrobia-
costeroides. O tratamento cirúrgico pode ser considerado para
nos permanece inalterada mesmo na população de aidéticos,
as complícações como perfuração, estenose pilórica ou doença
embora tratamentos com maior duração sejam propostos nos
refratária.
casos de slfilís precoce.

• OUTRAS GASTRITES INFECCIOSAS • Citomegalovírus (CMV)


(EXCETO POR H. PYLORI) A infecção gastrintestinal por CMV é incomum em indi-
víduos sem comorbidades e ocorre com maior frequência em
Bactérias distintas do H. pylori, bem como vlrus, parasitos indivíduos imunossuprimidos em decorrência de reativação de
e fungos, podem, embora raramente, infectar o estômago. A infecção latente como consequência da imunossupressão ou
incidência aumentada de AIDS, assim como o progressivo au- decorrente de uma nova infecção provocada por hemotransfu-
mento de pacientes transplantados e em quwioterapia anti- são ou contaminação pelo órgão transplantado. Em pacientes
neoplásica têm contribuído para uma maior prevalência deste aidéticos ou transplantados, frequentemente causa infecções
grupo de gastrites. extraintestinais, como retinites, assim como colites e enterites
180 Capitulo 18 I Gastrite

causadoras de diarreia e ulcerações no ceco, que podem san- albumina marcada por este radioisótopo. O H. pylori tem sido
grar profusamente ou acarretar perfurações. O acometimento observado em alguns casos, e sua erradicação muitas vezes se
hepático está muitas vezes associado a febre e mal-estar geral, acompanha de regressão completa do espessamento das pre-
podendo se acompanhar de hipotensão e colapso circulató- gas. Estudos empregando ecoendoscopia demonstram que o
rio. O acometimento do trato digestivo superior quase sempre espessamento da parede gástrica observado na presença da in-
coincide com infecção sistêmica, podendo estar associado a fecção pelo H. pylori deve-se ao espessamento seletivo das três
sintomas de dismotilidade, especialmente náuseas, distensão camadas internas da parede gástrica (interface mucosa-lúmen,
abdominal, peso epigástrico pós-prandial, vômitos e disfagia. mucosa e submucosa). A não regressão da hiperplasia mucosa
O diagnóstico da infecção por CMV pode ser feito por mé- após a erradicação do H. pylori exige aprofundamento da pro-
todos sorológicos através de evidências de soroconversão re- pedêutica para se afastar a possibilidade de neoplasia maligna.
cente ou pela elevação de quatro ou mais vezes nos títulos de O diagnóstico diferencial incluí síndrome de Zollinger-EUison,
anticorpos; ainda, pela presença de altos títulos de anticorpos
amiloidose gástrica,linfoma, carcinoma infiltrativo e processos
IgM anti-CMV. Naquelas situações com acometimento gástrico,
granulomatosos do estômago.
a endoscopia pode mostrar uma mucosa nodulosa, irregular,
com erosões ou mesmo ulcerações. A biopsia gástrica consti-
• Tratamento
tui o melhor meio diagnóstico para a presença de gastrite por
CMV, pela observação de inclusões virais típicas. As células Como a maioria é assintomática apesar das alterações histo-
infectadas são grandes, com inclusões intranucleares grandes lógicas, nenhum tratamento é indicado, além da manutenção
e inclusões citoplasmáticas pequenas. As inclusões intranu- de dieta de alto valor calórico e proteico. Alguns estudos suge-
cleares são caracteristicamente circundadas por um halo claro rem que drogas como bloqueadores H,, anticolinérgicos, ácido
(inclusão em olho de coruja). tranexãmico e prednisolona podem corrigir as perdas protei-
cas gástricas através de mecanismos não conhecidos. Recente-
• Tratamento mente, foram também relatados casos de remissão espontânea
Estudos preliminares sugerem que o ganciclovir, o foscarnet da doença. Como já mencionado, a erradicação do H. pylori
e, mais recentemente, o valganciclovir possam ser ativos con- pode ser acompanhada de regressão do quadro clínico e nisto-
tra o CMV, embora sejam descritos efeitos indesejáveis, como lógico. Na presença de ulcerações, deve-se proceder ao trata-
leucopenia, trombocitopenia, manifestações neurológicas e al- mento antiulceroso clássico. A cirurgia é raramente indicada,
terações da função hepática. restringindo-se a.os casos de hipoproteinemia não controlável,
sangramentos agudos e crônicos persistentes, obstrução pilórica
• Gastropatia hipertrófica e câncer gástrico associado.
Também conhecida como gastrite crônica hipertrófica, gas-
trite de pregas gigantes, gastropatia hipertrófica hipersecreto-
ra e doença de Ménétrier, constitui uma entidade especifica, • LEITURA RECOMENDADA
de origem obscura caracte.rizada pela trfade de pregas gigan- Britt, WJ. lnfec:tions assoclated with human cytomegaloviru.s. Em: Goldman,
tes no corpo e fundo gástricos, hipoalbuminemia secundária L, Ausiello, D (eds.). Cec:U TeJCtbook of Medicine. PhUadelphla, Saunden,
à gastropatia perdedora de protefnas e quadro histológico de 1993-5, 2004.
hiperplasia foveolar com atrofia glandular, dilatação dstica e Castro, LP, Coelho, LGV. Barbosa, AJA. Acute Helicobacter pylorl infection.
espessamento da mucosa. Embora na doença de Ménétrier clás- Em: Pajares Garcia, JM, Correa, P, P~ Pére2, GI (eds.). Helicobacttr P110ri
infection in gastroduodenaJ lesions. lhe second decade, Barcelona, Prous
sica ocorra hipocloridria, uma variante hipersecretora tem sido Sdence, 137-48,2000.
descrita, o que obriga, nesta circunstância, o diagnóstico dife- De Vries, AC & Kuipert, EJ. Epidemiology of premalignantgaslrlc leslons:
rencial com síndrome de Zollinger-Ellison. A doença é mais impUcatioos for thc dcvdopmcnt of screenlng and surveillance stntegles.
comumente observada em homens, após os 50 anos, e os sin- Hdkohactu 2007; 2:22-31.
tomas são habitualmente vagos e inespecíficos, consistindo em DixoQ. MF, Genta, RM, Yardley, JH, and thc participants in Ih<: IJ'I~atlonal
mal-estar epigástrico, diarreia, perda de peso e edema, podendo Worl<shop on Ih<: Histopathology of Gastritis, Houston 1994. CbssiJicallon
and grading of gulrltis. lhe updated Sydney System. Am I SuJt Pathol.
evoluir com risco aumentado de fenômenos tromboembóli-
1996; 10:1161-81.
cos. O diagnóstico é estabelecido pela presença das pregas gi- Fock. KM, Tallcy, N, Moayyed~ P tt aL Asia-Paáfic oonsensu.s guideUnes on
gantes, tendo em geral l em ou mais de diâmetro transversal, gastric cancer prevention. 1 Gastroenterol HepaU>I, 2008; 23:351-65.
especialmente no fundo e corpo gástricos. São rígidas e, ao Grolsman, CM, George, J, Berman, O et tal. Resolution of prolein looslng hy-
contrário das pregas normais, não se desfazem à insuflação de pertrophlc lymphoeltic gastrltis wlth therapeutic eradication of H. pylorl.
ar à endoscopia nem à compressão durante o exame radiológi- Am I Gastroenterol, 1994; 89:1548-57.
co, que também pode mostrar uma aparência espiculada pela Hayat, M, Atora, OS, Dixon, MF, Clark, B et aL Effec:ts of Hellcobacter py-
lori eradieation on thc natural history oflymphocytic gastriti.s. Cut, 1999;
visualização dos sulcos entre as pregas. Endoscopicamente,
45:495-8.
podem-se ainda observar alterações inflamatórias da mucosa Miller, AI, Smilh, B, Rogers, AI. Phlegmonous gastritis. Gastroenterology, 197S;
como hiperemia, edema, fríabilidade, erosões e, mesmo, ul- 68:231-8.
cerações francas. A hipocloridria está quase sempre presente, Moayyedi, P, Soo. S, D«lcs. J tt aL Systematic review and oxonomic evaluatlon
com a secreção ácida máxima após estimulo com pentagastri- of Htlia>bacter pylori eradication tteatment for non-ulcer dyspepsia. Br
na em tomo de lO mmoVh. A determinação da gastrinemia Mtd I, 2000; 321:659-64.
é útil no diagnóstico diferencial entre doença de Ménétrier e Modlin, IM, L~ K. KJdd, M. Carcinoid tumors of the stomacb. Su~t Ortall,
2002; 12:153-72.
slndrome de Zollinger-Ellison, já que pregas gigantes podem Mottet, C. Juillerat, P, Pitttt, V et aL Upper Gasttointestinal Crohn's Disease.
ser encontradas em ambas as entidades, mas elevados índices Digestion, 2007; 76:136-HO.
de gastrina sérica são encontrados apenas na última. A perda Nixon, MF. Acute Htlitolxuttr P1lorl gutritis. Em: Grahan, DY, Genta, IUv!,
proteica pode levar à hipoalbuminemia e pode ser estimada Dixon, MP (eds.). Gasttitis. Philadelphia: WU!iams & Willtins, 169-75,
pelo teor de 51 Cr nas fezes, após administração intravenosa de 1999.
Capftulo 18 I Gastrlte 181
Rao, YG, Pandc, GK, Sahni, P et ai. Gastroduodenal tuberculosis management Stoltc, M, Batz, C. Bayerdõrfer, E, Eidt, S. Helieobacter pylori eradication in the
gu.idelines. based on a largc cxpericncc and a review of the litcraturc./ Can treatrnent and diferential diagnosis ofgiant folds in the corpus and fundus
Chir, 2004; 47:361-8. ofthc stomach- Z Gastroentero~ 1995; 33:198-201.
Ribeiro, VL. Filho, JS, Barbosa, AJ. Lymphocytic gastritis and Helicobacttr pylorí: Wcinhouse. GL. Stress ulcer prophylaxis in the intensivc care un.it. www.upto·
a BraUlian survey. I Clin Pathol, 1998; 51:83-4. date-com. Disponibilizado on-line em 10/04/2009.
Rothenberg. ME. Eosinophilic gastrointestinal disorders (EGID). I Allergy Clin Wong, BCY, Lam, SK, Wong, WM et al. Helieobacter pywri eradicalion to pre-
Immunol, 2004; llJ:ll-28. veni gastric eancer in a high-risk region ofChina. A randomized controUed
Scllafcr, FW, Larson, DF, Mclton, LJ et al. Risk of dcvclopmcnt of gastric car- trial./AMA, 2004; 291:187-94.
cinoma in patients with pernicious anemia: a population based study in Yardley,JH & Hendrix, TR. Gastritis, duodenitis, and associated ulcerative
Roehcster. Mayo Clin Proe, 1985; 6(),444-8. lesions. Em: Yarnada, T, Alpers, DH, Owyang, C. Powel, DW, Silverstein,
Spirt, MJ & Stanley, S. Update on stress ulcer prophylaxis in critically ill patients. FE (eds.). Textbook ofGastrocnterology. Philadelphia. JB. Lippincott Co.,
Crit Care Nurse, 2006; 26:18-28. 1456-93, 1995.
19 Úlcera Péptica Gastroduodenal
Ricardo P. 8. Ferreira e Jaime Natan Eisig

• INTRODUÇÃO • EPIDEMIOLOGIA
Por mais de um século, a úlcera péptica foi considerada uma A prevalência de úlcera péptica é variável nas diferentes re-
doença de evolução crônica, de etiologia desconhecida, com giões do mundo. As úlceras duodenais predominam em popu-
surtos de recidiva e períodos de acalmia. A identificação e o lações ocidentais, enquanto as úlceras gástricas são mais fre-
isolamento do Helicobacter pylori, há pouco mais de duas dé- quentes na Ásia, em especial no Japão. Apesar da redução na
cadas, representaram significativo avanço na compreensão, no incidência de doença ulcerosa péptica em países ocidentais ao
diagnóstico e no tratamento da doença ulcerosa péptica. Tal longo do século passado, estima-se que cerca de 500.000 novos
descoberta rendeu a Warren e Marshall, em 2005, o Prêmio casos e 4.000.000 recidivas ocorrem a cada ano nos EUA.
Nobel de Medicina como reconhecimento da importância da A úlcera duodenal é a forma predominante de doença ulce-
erradicação do H. pylori na cura da úlcera péptica. rosa péptica, sendo cinco vezes mais frequente do que a úlcera
Atualmente, obtém-se a cura na imensa maioria dos pacien- gástrica, em 95% dos casos localiza-se na primeira porção do
tes, mas novos desafios impõem-se, como qual a proposta ideal duodeno e incide na faixa etária de 30 a 55 anos de idade. A
de erradicação do H. pylori, especialmente devido ao aumento localização mais frequente da úlcera péptica do estômago é na
na taxa de falha terapêutica observada em vários países, à bus- região de antro gástrico (80% na pequena curvatura), no epitélio
ca pela prevenção e recorrência da úlcera péptica em usuários gástrico não secretor de ácido, geralmente próximo à transição
de anti-inflamatórios não esteroides (AINE), bem como aos para o epitélio secretor localizado no corpo do estômago, em in-
avanços no tratamento dos casos não relacionados com AINE divíduos entre 50 e 70 anos de idade. De modo geral, as úlceras
eH.pylori. são mais comuns no sexo masculino (1,5 a 3 vezes).
No Brasil, estima-se que 10% da população têm, tiveram O declínio na prevalência de úlcera péptica observado no
ou terão úlcera. Observa-se, conquanto, que a prevalência da século XX tem sido atribuído à redução das taxas de infecção
doença esteja diminuindo, possivelmente em decorrência dos pelo H. pylori, resultado da melhoria dos padrões de higiene
tratamentos de erradicação do H. pylori e da melhora nas con- e condições sanitárias urbanas. Embora o baixo nível socioe-
dições higienodietéticas da população, fatores que contribuem conômico e suas consequências estejam relacionados com a
para reduzir a contaminação. infecção pelo H. pylori, a baixa incidência de úlcera gastroduo-
denal, em alguns países com elevada prevalência de infecção
pela bactéria, indica a existência de outros fatores associados à
• CONCEITO úlcera péptica, como características intrínsecas de virulência e
toxicidade das cepas do H. pylori.
As úlceras pépticas constituem soluções de continuidade As taxas de doença ulcerosa péptica complicada com he-
da mucosa gastrintestinal secundárias ao efeito corrosivo do morragias ou perfurações, por outro lado, não apresentaram
ácido clorídrico (HCI) e da pepsina, estendendo-se através da reduções significativas nas últimas décadas. O fato é que entre
muscularis mucosae, atingindo a camada submucosa e, mes- populações idosas essas taxas de complicações parecem estar
mo, a museu la ris propria. Lesões maís superficiais são definidas aumentando, com destaque para as úlceras gástricas, provavel-
como erosões, não atingem a camada submucosa e, portanto, mente devido ao uso crescente de AINE.
não deixam cicatrizes. O sangramento é a complicação mais frequente da doença
As úlceras pépticas podem se desenvolver em qualquer por- ulcerosa péptica, ocorrendo em tomo de 15 a 20% dos casos,
ção do trato digestório exposta à secreção cloridropéptica em em sua maioria associados às úlceras duodenais e com taxa de
concentração e duração suficientes, mas o termo • doença ul- mortalidade de 5 a l 0%. A doença ulcerosa péptica representa
cerosa péptica" é geralmente empregado para descrever ulce- a causa mais comum de hemorragia digestiva alta, responsável
rações do estômago, do duodeno ou de ambos. por aproximadamente 50% dos casos.

182
Capitulo 19 I Úlcera Péptico Gostroduodenal 183

As perfurações são complicações ainda mais graves, obser- eventos que culminaria, eventualmente, na úlcera. Sugeriu-se,
vadas em até 596 dos pacientes e responsáveis por dois terços inclusive, que o aforismo de Schwartz "no acid no ulcer" fosse
das mortes por úlcera péptica. Ocorrem mais frequentemente substituído por "no He./icobacter, no ulcer".
na pequena curvatura gástrica e na parede anterior do bulbo
duodenal. As úlceras gástricas perfuradas, com certa frequên-
cia, são bloqueadas pelo lobo hepático esquerdo e as duodenais • Atuação multifatorial do ácido, gastrina,
pelo pâncreas e, raramente, pelo cólon. pepsina e H. pylori
Estreitamento e estenose secundária a edema ou cicatriza-
ção são observados em até 296 dos ulcerosos, comumente rela- Proteínas, íons Ca.., aminoácidos, histamina e acetilcolina
cionados com úlceras do canal pilóríco, mas também podem estimulam a célula C a produzir gastrina. A gastrina atinge o
ocorrer como complicações de úlceras duodenais. receptor na célula parietal por via sanguínea, induzindo-a a
produzir HCI. A queda no pH intraluminal se difunde e ocupa
o receptor da célula D, produtora de somatostatina, que possui
• ETIOLOGIAEFISIOPATOLOGIA ação inibitória (via parácrina) sobre a celular G. Trata-se, por-
tanto, de um eficiente mecanismo de autorregulação.
O fator genético é, provavelmente, muito importante quanto A secreção de ácido de um indivíduo varia na dependência
ao fenótipo secretório de determinada população, não só pela de vários fatores ambientais. A alimentação, o uso de determi-
variação na população de células parietais, mas, também, pelo nados medicamentos, o hábito de fumar, o estado emocional
linúar de sensibilidade das células envolvidas no processo se- influenciam a produção de ácido nas 24 h.
cretório gástrico. A produção de ácido está, em geral, aumentada nos por-
O aforismo do médico croata Karl Schwartz, citado em 191O, tadores de úlcera duodenal e normal ou baixa nos indivíduos
"sem ácido, sem úlcera• ("no acid no ulcer"), foi um marco no com úlcera gástrica. A secreção basal de HCl é 2 a 3 vezes maior
tratamento da úlcera péptica. A teoria cloridropéptica era um nos ulcerosos duodenais, observando-se um intrigante imbri-
consenso, não havendo dúvidas quanto à explicação na gêne- camento dos valores pós-estímulo máximo. No entanto, ape-
se das úlceras. Não se discutia a importância do ácido clorl- nas 20 a 3096 da população de ulcerosos duodenais apresenta,
drico (HCI) e da pepsina na agressão à mucosa, mas por que após estímulo máximo, uma produção de HCI acima do limite
alguns ulcerosos apresentavam produção de ácido normal ou superior do normal. O aumento da secreção ácida pode ser ex-
um pouco abaixo do normal. A úlcera duodenal e a gástri- plicado pelas seguintes observações:
ca eram consideradas, pela maioria dos investigadores, iguais • Aumento da população de células parietais.
do ponto de vista fisiopatológico, ainda que nas primeiras, em • Maior sensibilidade da célula parietal ao estímulo da gas-
geral, se observasse hipersecreção e, nas segundas, norma ou trina.
hipossecreção ácida A importância dos mecanismos de defesa • Menor sensibilidade da célula G aos mecanismos ini-
da mucosa era lembrada, estabelecendo-se que os indivíduos bitórios.
normais apresentavam equillbrio entre os fatores agressivos e
os defensivos, quando essa condição era alterada favoreceria a A histarnina produzida nas células enterocromafin simile
eclosão da úlcera. (ECL = enterocromaphin cell/ike), a gastrina nas células G e a
Sabe-se, atualmente, que a úlcera é uma afecção de origem acetilcolina no nervo vago são os primeiros mensageiros quí-
multi fatorial. Fatores ambientais seguramente desempenham micos que ativam a célula parietal. A ligação destas aos recepto-
papel importante na eclosão da úlcera nos indivíduos geneti- res específicos na membrana da célula parietal ativaria o segun-
camente predispostos e, entre eles, a infecção pelo H. pylori é, do mensageiro (AMP-c!clico ou canais de cálcio), culnúnando
aparentemente, fundamental. Isso explicaria por que a úlcera na produção da ATPase K' ativada no canaliculo secretor, con-
ocorre em indivíduos que secretam ácido em nlveis próximos siderada a via final pa.ra a produção do HCl (Figura 19.1).
dos normais, e por que indivíduos hipersecretores podem não O principal mediador da secreção ácida estimulada por ali-
apresentar úlcera. mentos é a gastrina; portanto, distúrbios da secreção ácida rela-
O H. pylori é uma bactéria espiralada descrita primeiramen- cionados com a hipergastrinemia tendem a se exacerbar com a
te por Warren e Marshall. Em 14 de abril de 1982, a 35' placa ingestão de alimentos. O peptfdio liberador da gastrina (Gastrin
de cultura da bactéria (denominada Campylobacter pyloridis) Re/easing Peptide - GRP), neuropeptfdio presente nos nervos do
demonstrou a presença de colônias transparentes de 1 mm. Em trato gastrintestinal, especialmente no antro gástrico, é liberado
junho de 1984, Marshall e Warren publicavam os resultados do na presença de alimentos no estômago e estimula a secreção de
sucesso da cultura da bactéria, responsável pela mudança radi- gastrina pelas células G. Atualmente, o GRP é o melhor mé-
cal nos conceitos sobre a etiopatogenia da úlcera péptica, por todo disponível para simular a secreção ácida estimulada pela
décadas considerados intocáveis pela elite de investigadores, alimentação. Após infusões intravenosas de GRP, pacientes
gastrenterologistas e fisiologistas. Atualmente, é incontestável H. pylori positivos apresentam nlveis de gastrina e secreção áci-
a atuação do H. pylori na gênese da úlcera péptica, em virtude da 3 vezes maior que os encontrados em voluntários negativos
da inflamação sobre a mucosa e da alteração dos mecanismos submetidos ao mesmo estímulo. Entre os pacientes H. pylori
regulatórios da produção de ácido. Estima-se que cerca de 90 a positivos, os portadores de úlcera péptica produzem até 2 ve-
9596 dos ulcerosos duodenais e de 60 a 7096 dos portadores de zes mais ácido para os mesmos níveis de gastrina. Tais achados
úlceras gástricas encontram-se infectados pela bactéria. podem estar relacionados com a hipergastrinenúa prolongada e
Alguns investigadores acreditam até que o fator ácido não é o o maior número de células parietais, bem como com a redução
mais importante, mas sim a presença da bactéria. A liberação de de mecanismos inibitórios da secreção gástrica, associados ou
citocinas inflamatórias e a resposta imunológica do hospedeiro não a características genéticas do indivíduo.
seriam os moduladores da agressão que determinaria a presença A resposta exagerada da gastrina pode resultar, também, da
e o tipo de doença que o hospedeiro infectado apresentaria. A menor produção de somatostatina, hormônio que inibe a célula
variedade da cepa do H. pylori seria primordial na cascata de G. A razão da diminuição da concentração da somatostatina
184 Capftulo 19 I Úlcera Péptica Gastroduodenal

Nerv~ H
@ @
vago \

Atropina
~:..- <tJ (+)

Célula
parietal
Adenilato
cicia se
, -ATP
(+)

AMPc

~-(:..; • • lnibldores de
bomba protônica

Figura 19.1 Fatores que infl uenciam a secreção ácida pela célula parietal gástrica. A, acetilcolina; H, histamina; G, gastrina; 5, somatostatina;
(+).estímulo; H. inibição/bloqueio.

na mucosa e de seu RNA-mensageiro em ulcerosos infectados gulam o fluxo sanguíneo da mucosa e a capacidade de replica-
não está esclarecida, mas, certamente, deve-se à presença da ção do epitélio. A redução dos níveis de PG resultaria em sério
bactéria, pois se normaliza com a sua erradicação. As citoci- comprometimento dos mecanismos de defesa da mucosa. O
nas localmente produzidas e a elevação do pH consequente à EGF é elemento essencial na reparação da mucosa. O compro-
produção de amônia pela bactéria são mecanismos lembrados metimento de sua produção significa redução na capacidade
como responsáveis pela diminuição da concentração da so - regenerativa da superfície epitelial. Diminuição da concentra-
matostatina. ção do EGF foi observada em pacientes portadores de úlcera
O pepsinogênio, precursor da pepsina, encontra-se eleva- gástrica e duodenal.
do na maioria dos ulcerosos. As frações 1 e 3 do pepsinogênio Em suma, a integridade da mucosa ante um ambiente in·
I, que possuem maior atividade proteolítica, estão presentes traluminal extremamente hostil depende de um mecanismo
em porcentagem maior nos ulcerosos. Os ulcerosos duodenais complexo, no qual os elementos responsáveis pela defesa da
apresentam, portanto, aumento no pepsinogênio total e, ainda mucosa devem estar aptos a exercer proteção eficaz contra os
de maior relevância, é o fato de a atividade proteolítica desta fatores agressivos. A Figura 19.2 resume os fatores agressivos,
enzima ser maior nos ulcerosos. defensivos e de reparação da mucosa.
Além das alterações na produção de HCl e pepsinogênio, Nos pacientes com úlcera duodenal, em geral a inflamação
deve ser lembrada a equação agressão/defesa. A diminuição da está restrita ao antro gástrico e à região do corpo poupada, ou
capacidade de defesa da mucosa é importante, tornando-a mais comprometida por discreta inflamação. Em virtude da infecção
vulnerável aos elementos agressivos. A inflamação da mucosa e e do processo inflamatório antral pela bactéria, a produção de
a diminuição de peptídios envolvidos no estímulo dos elemen- gastrina está aumentada e, como a mucosa do corpo está pre-
tos que mantém a mucosa íntegra favorecem a lesão. servada, observa-se maior produção de ácido, que é ofertado
O H. pylori atuaria em ambos os lados dessa equação, dimi- em maior quantidade ao bulbo. Uma das consequências deste
nuindo a disponibilidade endógena de prostaglandinas (PG) fenômeno é maior frequência de metaplasia gástrica no bulbo
e do fator de crescimento epitelial (EGF = Epithelial Growth duodenal. Os locais onde existe metaplasia gástrica são coloni-
Factor), reduzindo a defesa da mucosa, além de aumentar a zados pelo H. pylori, evoluindo com inflamação, tornando-se
produção dos fatores agressivos por mecanismos descritos an- mais suscetível à agressão pelo fator acidopéptico, cujo resul-
teriormente. As PG são responsáveis por estimular a produção tado final é a úlcera.
de muco e de bicarbonato pelas células epiteliais, influenciam Além do distúrbio na secreção de ácido e alteração da defesa
a hidrofobicidade do muco adjacente à superfície epitelial, re- da mucosa, a própria ação lesiva da bactéria deve ser lembra-
Capftulo 19 I Úlcera Péptica Gastroduodenal 185

AGRESSÃO DEFESA REPARAÇÃO

Ácido Muco
Pepsina Bicarbonato Angiogênese
AINEs/AAS Fluxo sanguíneo Proliferação celular
H.pylori Camada surfactante Reconstituição epitelial
Cigarro Epitélio de revestimento Fatores de crescimento

Figura 19.2 O aumento dos fatores agressivos e a diminuição dos defensivos e de reparação criam condições para a lesão da mucosa.

da como fator importante na etiologia da úlcera. Sabe-se que a presença de úlcera. Estas observações são bastante sugesti-
pacientes ulcerosos estão em geral infectados por cepas cag-A vas de que a simples presença da bactéria não é suficiente para
(cytotoxin-associated gene) positivas que são, também, em ge- provocar a úlcera.
ral, vac-A (vacuolating cytotoxin A) positivas. A proteina cag-A A Figura 19.3 demonstra uma cascata de eventos, unindo
é um marcador de ilha de patogenicidade envolvendo outras a teoria cloridropéptica à infecciosa, uma hipótese bastante
citocinas importantes em determinar a virulência da bactéria. simpática, para explicar a etiologia das úlceras duodenais rela-
Estudos recentes demonstraram um padrão constante, relacio- cionadas com o H. pylori.
nando as cepas cag-A positivas com maior produção de gastei-
na e de ácido pós-estímulo. Outros genes, como das proteínas
de adesão BabA e de membrana OipA, têm, também, elevada
• Com a erradicação do H. pylori, a úlcera deve
frequência nos pacientes com doença ulcerosa, porém com um ser considerada uma doença em extinção?
papel menos relevante na sua patogênese.
Em estudo recente realizado em nosso meio, a comparação
Qual o papel dos AINEIAAS?
entre pacientes ulcerosos e dispépticos não ulcerosos demons- Tem-se observado, com frequência cada vez maior, a cons-
trou que a positividade de proteínas da ilha de patogenicidade tatação de úlceras H. pylori negativas {Figura 19.4). Especula-se
cag (cag- T, cag-M, cag-A) representa importante fator preditivo que o maior número de pacientes submetidos ao tratamento de
no desenvolvimento de úlcera péptica no Brasil. Em países com erradicação aumente a tendência ao surgimento de úlceras re-
elevada prevalência da infecção pelo H. pylori na população ge- lacionadas com o uso de AINE/ AAS ou a situações raras, como
ral, como o Brasil {70 a 80%), esta poderá ser uma ferramenta gastrinoma, doença de Crohn ou resposta secretória exagerada
de grande importância, para indicação de erradicação da bac- aos estímulos fisiológicos.
téria em pacientes dispépticos não ulcerosos. A fisiopatologia da lesão induzida por AINE/ AAS baseia-
se na supressão da síntese de prostaglandinas. O mecanismo
envolvido nessa situação indica a agregação de neutrófilos às
• Aúlcera é uma doença péptica ou infecciosa? células endoteliais da microcirculação gástrica, diminuindo o
Existem vários argumentos que endossam a teoria infeccio- fluxo sanguíneo gástrico efetivo, bem como a redução na pro-
sa, tais como, alterações da regulação da secreção, virulência da dução de muco prostaglandina-dependente e o comprometi-
bactéria e demonstração inquestionável de que a erradicação mento da capacidade de migração epitelial de células adjacentes
da bactéria resulta na normalização da alteração fisiológica e na à área lesada. A circulação da mucosa e a capacidade de defesa
cura da doença da maioria dos ulcerosos. A recidiva nos indiví- celular ficam comprometidas, e a mucosa torna-se vulnerável
duos erradicados ocorre quando há reinfecção, recrudescência à agressão de fatores intraluminares, como ácido clorídrico,
ou o uso de AINE (incluindo-se o AAS). pepsina, sais biliares, H. pylori e medicamentos.
:a importante destacar o papel do HCl na doença ulcerosa, Na década de 1990, a introdução no mercado de inibidores
pois o uso de antissecretores relativamente pouco potentes, seletivos da cido-oxigenase-2 (COX-2) representou um avanço
como a cimetidina, ou mesmo antiácidos, é eficaz em promo- na prevenção de úlceras induzidas por AINE; contudo, sabe-
ver a cicatrização da úlcera. Sabe-se, também, que, felizmente, se hoje que a inibição seletiva da COX-2 não elimina o risco
a imensa maioria dos indivíduos infectados nunca apresentará de desenvolver úlceras gastroduodenais e suas complicações.
úlcera. A ausência de ácido é praticamente incompatível com Pacientes em uso de AINE têm um risco 4 vezes maior de de-
186 Capftulo 19 I Úlcera Péptica Gastroduodenal

senvolver complicações, como sangramentos, quando compa- • presença de comorbidades;


rados a não usuários. • uso de altas doses de AINE;
São consideradas condições de risco em usuários de AINE: • associação com corticoide.s, AAS ou anticoagulantes;
• antecedente de úlcera; • infecção pelo H. pylori.
• idade avançada(> 60 anos); A erradicação da bactéria isoladamente demonstra signiii.·
cativa redução na incidência de úlceras pépticas em usuários
crônicos de AINE/AAS; todavia, em individuas de alto risco,
como naqueles com sangramento prévio, a erradicação não é
··j Helicobacter pylori _.._ Fatores genéticos suficiente para a prevenção de novo sangramento, devendo-se
associar supressão ácida como medida de prevenção.

~
Maior produção de HCI • QUADRO CL[NICO
~
Mais HCI é ofertado ao bulbo
Os sintomas referidos pelos pacientes não permitem dife-
renciar úlcera duodenal (UD) e úlcera gástrica (UG) e, algu-
mas vezes, são muito discretos, atípicos ou ausentes. Quando
presente, a dor é habitualmente pouco intensa, em queimação,
Estabelece-se metap!sia gástrica no bulbo localizada no epigástrio, circunscrita e descrita como "dor de
fome, queimadura ou desconforto na boca do estômagon. A dor
~
Áreas metaplásicas são colonizadas
mantém-se por semanas, de forma rítmica. A ritmicidade é re-
lação íntima da dor com a alimentação: a melhora da dor com a
ingestão de alimentos é relativamente frequente nos portadores
pelo H. pylori de UD (chamada de dor em três tempos: dói-come-passa), ao

~
passo que, em portadores de UG, a ingestão de alimentos às
vezes piora ou desencadeia o sintoma (dor em quatro tempos:
Inflamação das áreas dói-come-passa-dói).
metaplásicas-Menor vitalidade Outra característica da dor da úlcera péptica é a periodicida-
da mucosa de: períodos de acalmia (desaparecimento da dor por meses ou
mesmo anos) intercalados por outros sintomáticos. O fato de o
~
· · ··· ··· · • Aumento de HCI e pepsina
paciente ser despertado pela dor no meio da noite ("clocking")
é sugestivo da presença de úlcera, particularmente duodenal. A
pirose ou azia é comum nos pacientes com UD, em virtude da
~
Digestão de áreas metaplásicas
associação da UD com refluxo gastresofágico. Outros sintomas
dispépticos, como eructação, flatulência, sialorreia, náuseas,
vômitos não são próprios da úlcera péptica, mas podem estar
~ associados. O exame físico nada acrescenta, a não ser nos casos
de complicações, como hemorragia, estenose ou perfuração.
ÚLCERA DUODENAL Muitos pacientes que procuram os hospitais para tratamento
das complicações da doença, como hemorragias ou perfurações,
Figura 19.3 Teoria cloridropéptica +infecciosa. nunca apresentaram sintomatologia prévia. Curiosamente, em

Uso de
AINE/AAS

Infecção
pelo H. py/ori

Úlcera duodenal Úlcera gástrica


Figura 19.4 Condições associadas à doença ulcerosa péptica. Valores proporcionais referentes a estudos em países ocidentais, que podem
variar entre diferentes populações, idades e níveis socioeconõmicos. Eimportante destacar a frequente coexistência das duas principais etio-
logias, infecção pelo H. pylori e uso de AJNE/AAS. SZE, síndrome de Zollinger-EII ison.
Capftufo 19 I Úlcera Péptica Gastroduodenal 187

--- ~ fornece excelentes subsldios para o manejo do paciente. Tem


Quadro 19.1 Etiologia das úlceras gastroduodenais contra si o fato de ser um exame invasivo e de alto custo, mas
é compensado pela sua confiabilidade e pelos excelentes re-
C. usas comuns sultados que proporciona. Ela não só estabelece o diagnóstico
lnfKÇio pelo H. pylori da úlcera, mas também determina a sua natureza e permite a
Uso de anti-lnflamat6rios (AINE) definição da etiologia. A retirada de fragmentos de biopsias
Causas lnf requentes nos bordos das lesões para exame histológico e do antro e/ou
Síndrome de Zollinger-EIIison (gastrinoma)
Mastocltose slstêmica
corpo para a pesquisa do H. pylori influencia decisivamente no
Hiperpatlreoidismo manejo clinico do paciente.
Doenças granulomatosas (doença de Crohn, sarcoldose) As úlceras pépticas podem ser encontradas em qualquer par-
Neoplaslas (carcinoma, linfoma,leiomioma,leiomlossarcoma) te do estômago e duodeno, porém, particularmente nas lesões
Infecções (tuberculose, sífilis, herpes simples, ci tomegalovírus) gástricas, mais de 80% são localizadas na pequena curvatura,
Tecido pancreátko ect6pico
ldiopátlca em antro ou incisura angular. Múltiplas úlceras gástricas são
ge.ralmente associadas ao uso de AINE. Mais de 90% das úlceras
duodenais são localizadas no bulbo, particularmente na parede
anterior e menos comumente na pa.rede posterior, superior e
~ inferior. úlceras localizadas distalmente ao bulbo levantam a
Quadro 19.2 Quadro dínico da doença ulcerosa péptica suspeita de slndrome de Zollinger-Ellison.
Um dos pontos mais importantes na classificação de uma
Não complicada úlcera é a caracterização quanto à sua fase evolutiva. Com base
- Dor epigástrica em queimação no aspecto do nicho ulceroso, Saltita, em 1973, validou uma
Úlcera duodenal classificação em que diferencia a lesão em três fases: A (active)
- Melhora clara com refeições e uso de antiácidos - ativa; H (hea/ing) - em cicatrização; e S (scar) -cicatrizada.
- Hlperfagla e ganho ponderai Cada uma dessas fases subdivide-se em duas outras ( 1 e 2). O
- Despertar noturno pela dor é frequente
- Pode apresentar-se de caráter periódico desenho esquemático, descrito por Saltita, mostra o ciclo evo-
Úlcera gástrica
lutivo de uma úlcera péptica (Figura 19.5 e Quadro 19.3).
- Pequena melhora ou piora com refeições Nas úlceras gástricas, sempre são necessárias múltiplas biop·
- Menos responsiva a antiácidos sias no intuito de distinguir lesões benignas de malignas. Sabe-se
- Anorexla e perda ponderai que, em até 20% dos casos, cânceres gástricos podem mimetizar
- Despertar noturno pela do< pode oce<rer
lesões benignas. Por outro lado, sinais que indiquem maligni·
Complicada (hemorragia. perfuração, obstruç.\o) dade (infiltração, friabilidade, pouca distensibilidade, pregas
- Melena espessadas, com interrupção abrupta, aparência de "mordida•,
- Hematêmese
- Náuseas e vómitos baqueteamento, fusão ou afilamento tipo "pico de montanha"
- Distenslo abdominal e "ponta de lápis•) podem estar ausentes no câncer gástrico
- Sinais de peritonismo precoce ulce.rado. Nesses casos, o segmento do paciente com
- Instabilidade hemodinamica exames endoscópicos associados a biopsias serão necessários
para confirmação diagnóstica.
Quanto à obtenção das biopsias, estas devem ser criteriosas,
coletando na porção interna das margens da lesão, nos quatro
10% dos ulcerosos a hemorragia é a primeira manifestação da quadrantes e em áreas não necróticas. A quantidade de frag-
doença, e, em um terço dos pacientes com úlcera perfurada, o mentos deve ser proporcional ao tamanho da úlcera; porém,
abdome agudo foi o primeiro sintoma da doença. no mioimo, seis espécimes devem ser obtidos.
Na dependência das complicações desenvolvidas, os pacien- No caso de úlceras gástricas, a regra é realizar novo exame
tes com doença ulcerosa péptica complicada podem apresentar- endoscópico após 6 a 8 semanas de tratamento para avaliar a
se com melena, hematêmese, perda de sangue oculto nas fezes, sua cicatrização e coleta.r novas biopsias. Se o estudo histológico
náuseas, vômitos, distensão abdominal, sinais de peritonite ou for negativo para malignidade e houver redução significativa do
instabilidade hemodinâmica (Quadro 19.2). tamanho da úlcera (acima de 50% do tamanho inicial), o pra-
Não há, entretanto, sensibilidade ou especificidade suficiente zo de tratamento com a mesma droga poderá ser prolongado,
na anamnese ou no exame fisico para a confirmação diagnósti- seguindo-se nova avaliação ao final desse prazo. Se a redução
ca da doença ulcerosa péptica. Neoplasia, pancreatite, colecis- não for significativa (menor que 50% do tamanho inicial), outro
tite, doença de Crohn e insuficiência vascula.r mesentérica são tipo de medicamento ou aumento da dose deve ser instituldo
exemplos de doenças que podem apresentar sintomatologia por mais 45 dias, recomendando-se manter o controle endos-
semelhante à da úlcera péptica. Dessa forma, a confirmação cópico periódico até a cicatrização completa da lesão.
diagnóstica deve ser realizada através de exames espedficos, Biopsias não são obtidas rotineiramente de úlceras duode-
discutidos a seguir. nais, já que raramente são malignas. No entanto, quando hou-
ver alterações não habituais (ulcerações com margens irregula-
res, fundo necrótico, bordas infiltradas), deve-se biopsiar com
• DIAGNÓSTICO EEXAMES COMPLEMENTARES o intuito de descarta.r causas não pépticas (infecção, medica-
mentos, neoplasias).
• Endoscopia digestiva alta
A endoscopia digestiva alta continua sendo o exame de elei-
• Exame radiológico contrastado
ção para o diagnóstico das lesões ulcerosas. t um método efi- O exame radiológico contrastado é outro método útil para o
ciente, senslvel, específico, seguro, que, em mãos experientes, diagnóstico da doença ulcerosa; porém, menos preciso e pou-
188 Capitulo 19 I Úfcero Péptico Gostroduodenol

J Convergência
Margens hiperemiadas
- ----
V depregas
.· ~

~ >~~ L''~'"'""'"""
"~.~
L____F_a_se__a_ti_v_a___

~"'\"--
H,

A, H, >(~~
7 ·. . ~
/j ~
::;s:*:~~:::; "-.~~\ ~ !?
S2 S1

fibrina,bordasapique ......... ~
\ . ((// Jj / úlcera rasa

.
-----:. \ '·. -
branca 0~ · ... .\
·' ~ -
---:::::?:(
(tffi
:....----,
. \
~\. ~
\ '-.....
GcatriZ / Cicatriz vermelha

,r--F-a-se__d_e_c_ic_a_t-ri-z-,1

Figura 19.5 Gelo vital das úlceras pépticas (Sakira, 1973). Este ciclo é dividido em três fases: fase 1nicial, denominada ativa (A - oaive); fase
intermedi~ria, com úlcera em cicatrização (H - heoling); fase final, com úlcera cicatrizada (S- scar).

co utilizado, com o advento da endoscopia digestiva (Figu.ra • Outros exames complementares


19.7). Tem como desvantagem o uso de radiação ionizante e a
necessidade da realização de exames endoscópícos e biopsias • Gastrina
das lesões suspeitas para confirmação diagnóstica. Dessa forma, Os pacientes que apresentam quadro clinico atípico, como,
fica indicado apenas em situações em que o exame endoscópico por exemplo, múltiplas úlceras gastroduodenais, úlceras refra-
não está disponível ou quando há indicação cirúrgica. tárias, recorrentes ou localizadas em segunda porção duodenal

---··
e não associadas a H. pylori ou AINE, úlceras recorrentes pós·
operatórias, associação com diarreia ou cálculo renal e história
pessoal ou familiar de tumor de hipófise ou paratireoide, justin-
Quadro 19.3 Oassificação das úlceras pépticas (Sakita, 1973) ca-se a pesquisa de gastrinoma (síndromede Zollinger-Eilison).
O teste mais sensfvel e específico para diagnosticar gastrinoma
FUH DticrlsJo da úlcera é a demonstração de gastrina sérica elevada. A concentração
sérica de gastrina em jejum acima de 1.000 pglml e hiperse-
A, Base recoberta por fibrina espessa, com restos necróticos creção gástrica de ácido têm estabelecido o diagnóstico de gas-
ou depósito de hematina. Bordas bem definidas, a pique, trinoma. ~ importante lembrar que elevações importantes da
escavadas, edemaciadas, com hiperemia; geralmente, não há
convergência de pregas para a lesão. gastrinemia ocorrem, também, em estados hipossecretores ou
A, Base limpa e clara, recoberta por fibrina; bordas bem definidas,
acloridria gástrica, como, por exemplo, na anemia perniciosa.
regulares. sem edema; halo de hiperemia em torno. Pode Pacientes que apresentam quadro clínico compatível e discreta
apresentar convergência de pregas. elevação da gastrina sé rica necessitam realizar os testes provoca-
H1 Superficial; fina camada de fibrina na base; hiperemia; nítida tivos com a finalidade de estabelecer ou excluir o diagnóstico de
convergênda de prega.s. gastrinoma. Destes, o de maior valor é o teste da secretina. Em
H, Semelhante à fase anterior, com camada de fibrina mais tênue indivíduos normais ou com úlcera péptica duodenal, a injeção
no centro da área deprimida. intravenosa de secretina pode provocar discreto aumento na
51 "Cicatriz vermelha•- nítida convergência de pregas em teddo gastrinemia. Ao contrário, paóentes portadores de gastrinoma
deprimido, hiperemiado, sem depósito de fibrina.
apresentam aumentos acentuados na gastrinemia.
s, •cicatriz branca•- área ou linha esbranquiçada recoberta por
Uma vez suspeitado o diagnóstico de gastrinoma, torna-
mucosa; convergência de pregas; ausência de hlperemia.
se obrigatório tentar localizar o tumor, com a finalidade de
Capftulo 19 I Úlcera Péptica Gastroduodenal 189

Figura 19.6 1magens endoscópicas de úlceras pépticas. A, úlcera gástrica, pré·pilórica, plana, de fundo claro, com bordas planas e hiperemia·
das, apresentando convergência de pregas edemaciadas e congestas (atividade). 8, Úlceras duodenais em atividade, localizadas em paredes
opostas de bulbo duodenal (kissing ulcers). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)

Figura 19.7 Estudo radiológico contrastado.


A, Lesão ulcerada gástrica (seta), evidenciada atra-
vés de pequena coleção de ar e bário, na grande
curvatura, com extensão além da parede do estô-
mago. 8, Lesão ulcerada duodenal (seta), rasa, com
pregas radiadas e deformidade de bulbo.

ressecção àrúrgica sempre que possíveL Recomenda-se que a úlcera (uso de AINE, gastrinoma), dispensando a terapêutica
investigação seja realizada em centros de referência com exa- antibiótica. ~ necessário lembrar, porém, que podem ocorrer re-
mes que incluam ultrassonografia endoscópica, cintigrafia dos sultados falso-negativos em pacientes que receberam tratamen-
receptores da somatostatina, tomografia computadorizada, res- to com inibidores da bomba de prótons, bismuto ou antibió-
sonância magnética e arteriografia seletiva. ticos, os quais podem suprimir temporariamente o H. pylori.
Os métodos para diagnóstico do H. pylori podem ser clas-
• Diagnóstico dos fatores etiológicos sificados em invasivos e não invasivos. Suas características e
aplicabilidade clínica estão resumidas no Quadro 19.4.
• Helicobaderpyfori Os métodos invasivos são aqueles que necessitam de endos-
Os testes para diagnosticar infecção pelo H. pylori são im- copia acompanhada de biopsia gástrica. Segundo o li Consenso
portantes em pacientes com doença ulcerosa péptica. Exames Brasileiro sobre o Helicobacter pylori, caso haja opção pela pes·
negativos mudam a estratégia diagnóstica para outras causas de quisa de HP durante a endoscopia digestiva, a coleta de material
190 Capitulo 19 I Úlcera Péptica Gastraduodenal

~---
Quadro 19.4 Diagnóstico de infecção pelo H. pylori

Mttodos dlagn6nkos Senslbllldide Espedfiddide Utilid<Mie Comendrlos


lnv.sivos (endosc6picos)
Histologia 90-95'16 90-95'16 Teste podrd<rouro para di09n6stico NecessArio patologista ex~nte; dados
na rotina hospitalar adicionais sobre atrofia e lnflamaçjo
Cultura >95'16 Podrrlo-ouro alternativo Permite testes de sensibilidade
Urease 90'16 R.1pido, boa relaçAo custo-beneftcio Exige teste adicional para confirmaç.\o da
lnfecçjo
Nio invasivos (nio endosc6picos)
Teste respiratótio com ureia > 95'16 >95'16 Padrão-ouro alternativo Muito útil para controle de erradicação;
marcada pouco dlsponlvel
Pesquisa do antlgeno fecal > 90'16 Ainda pouco ut.ilizado Nao confi~vel para controle de erradicaçjo
5orologia 80-90'16 Mais utilizado em estudos Pouca utilidade na pr~tica clínica
epidemiológicos

para urease deverá ser realizada no corpo e antro gástricos. O doença ulcerosa antes de verificar o seu resultado. Na prática
estudo histológico deve incluir a coleta de cinco fragmentos: clínica, por outro lado, os excelentes resultados divulgados em
dois do antro, dois do corpo e um da incisura angular. trabalhos cientificas bem conduzidos nem sempre são observa-
Os métodos não invasivos, que não necessitam de endos- dos, especialmente nos locais onde a resistência é alta ao metro-
copia, são três: nidazol. Neste caso, é posslvel que 30 a 50% dos pacientes não
Teste sorológico: pode ser realizado em laboratórios de erradiquem o microrganismo e, portanto, um número substan-
cial de pacientes possam se beneficiar do exame de controle de
referência ou através de um teste rápido desenvolvido
para o consultório. Geralmente, a IgG está aumentada em cura e de uma eventual modificação de conduta. Haverá situ-
pessoas contaminadas pelo microrganismo. O achado de ação na qual o paciente questionará se a bactéria foi realmente
IgG elevada não significa infecção ativa, urna vez que os erradicada, já que a confirmação permitirá ao clinico informar
níveis de anticorpos decrescem vagarosamente depois da que a doença ulcerosa não recidivará. Em algumas condições,
erradicação da infecção. Não deve ser utilizado, portanto, a verificação é obrigatória, como, por exemplo, na doença ulce-
nos casos em que haja necessidade de controle imediato rosa péptica, especialmente na forma complicada (hemorragia,
de tratamento, embora uma queda acentuada dos níveis perfuração ou obstrução), na recorrência e na refratariedade.
Após o tratamento com antibióticos, a maior probabilidade
de anticorpos observada 6 a 12 meses após o tratamento
antimicrobiano signifique sucesso na erradicação. de testes com resultados falso-negativos ou equivocados aconte-
Teste respiratório com ureia marcada: quando positivo, ce se esses testes forem realizados antes de 4 semanas após o tér-
mino do tratamento, pois o microrganismo pode estar suprimi-
ao contrário do teste sorológico, sempre significa infec-
do, mas não erradicado. O número de falso-negativos diminui se
ção atual. Pode indicar cura do H. pylori 8 semanas após
a terapia antibiótica, perlodo em que os testes com anti- os exames forem realizados depois de 6 a 8 semanas. No Brasil,
o li Consenso Brasileiro sobre o Helicobacter pylori recomenda
corpos ainda são positivos. Neste teste, o paciente ingere
ureia marcada com carbono 14 (radioativo) ou carbono o controle somente 2 meses após o término da terapia, em todos
13 (não radioativo). Este último, por não ser radioativo, os casos de UG, UD e linfoma MALT de baixo grau.
é seguro, podendo ser utilizado em mulheres grávidas, Ao indicar um teste de controle, deve-se considerar sempre a
crianças e também para transporte de um local para outro sua sensibilidade, segurança e conveniência para o paciente, isto
é, facilidade de realização e adequada relação custo-beneficio.
{análise laboratorial em outra localidade). Se o organis-
mo estiver presente, ele transforma a ureia em amônia O teste respiratório tem sido o mais recomendado para ve-
e dióxido de carbono marcado. Este pode ser detectado rificar a eficácia do tratamento de erradicação do H. pylori após
e quantificado no ar expirado 30 min mais tarde em um o tratamento. Nos casos em que se realiza exame endoscópico
balão de coleta. para controle de cicatrização da úlcera péptica (úlcera gástrica
principalmente), torna-se mandatória a realização de testes ba-
Pesquisa do antlgeno fecal: método que identifica, através
de reação imunoenzimática, antigenos do H . pylori nas seados na retirada de fragmentos de biopsia. Nestas ocasiões,
os resultados falso-negativos podem ser reduzidos através da
fezes dos pacientes.~ bastante conveniente para pesquisa
retirada de múltiplos fragmentos de antro e corpo e com a uti-
da bactéria em população pediátrica.
lização de mais de um teste. A combinação de, ao menos, dois
Os testes não invasivos também podem ser utilizados para testes é recomendável {histologia, teste da urease, cultura).
confirmar a negatividade ao H. pylori ao teste da urease em
pacientes ulcerosos nos quais não foram obtidos fragmentos • Droga.s anti-inflamatórias (AINE)
de biopsia para estudo histológico. Deve-se pesquisar durante a anamnese o uso de drogas anti-
A utilidade de exames para confirmar a erradicação do inflamatórias, particularmente em pacientes idosos nos quais
H. pylori tem sido amplamente discutida. Como a maioria {80 a haja maior consumo devido à elevada prevalência de doenças
9096) dos pacientes tratados é curada pelo tratamento antimi- osteoarticulares. Pacientes cardiopatas devem ser pesquisados,
crobiano, parece sensato esperar uma recidiva sintomática da pois, nesse grupo, é comum a ingestão regular de doses baixas
Capftulo 19 I Úlcera Péptica Gastroduodenal 191

de ácido acetilsallcllico na profilaxia de enfermidades cardio- vamente, que podem ser administradas em dose única matinal
vasculares isquêmicas. ou noturna, embora, com maior frequência, sejam fracionadas
Quando uma úlcera gástrica for refratária ao tratamento em duas tomadas.
instituido e existir suspeita de ingestão de AINE não admiti- As medicações da classe IBP bloqueiam diretamente a ATPase
da pelo paciente, o nível sérico dos salicilatos ou a atividade K• ativada, enzima responsável pela união do H• com o Cl-
da ciclo-oxigenase das plaquetas, se disponível, pode ser so- no canalículo da célula parietal, origem do HCl. Atualmente,
licitado. no Brasil, os medicamentos disponíveis são: omeprazol, lan-
soprazol, pantoprazol, rabeprazol e esomeprazol. Estes medi-
camentos possuem eficácia semelhante, com cicatrização de
• TRATAMENTO 70% após 2 semanas e 92 a 100% depois de 4 semanas de tra-
tamento. A dose de IBP é de 20 mg para o omeprazol e o rabe-
O tratamento da úlcera péptica, seja ela gástrica ou duode- prazol, 30 mg para o lansoprazol e 40 mg para o pantoprazol
nal, tem como objetivos: alfvio dos sintomas, cicatrização das e o esomeprazol. O medicamento é administrado pela manhã,
lesões e prevenção de recidivas e complicações. em jejum; nos poucos pacientes cuja úlcera permanece ativa
Até a descoberta do H. pylori, os dois primeiros objetivos após 4 semanas de tratamento, observa-se cicatrização com o
eram facilmente alcançados; entretanto, ao final de 1 ano, prati- aumento da dose.
camente todas as úlceras recidivavam. Atualmente, sabe-se que Os IBP são muitos seguros; entretanto, a polêmica em torno
não basta cicatrizar a úlcera, mas há necessidade de erradicar a de seu uso prolongado advém do risco teórico de cancerização.
bactéria, a titulo de evitar a recidiva. Em razão de sua potente ação antissecretora, observa-se aumento
Cultivar uma boa relação médico-paciente é fundamental, nos níveis de gastrina plasmática de 2 a 3 vezes a partir das pri-
explicando ao paciente a natureza de sua doença, inclusive do meiras 48 a 96 h, que, em geral, se mantém nesses níveis a des-
ponto de vista emocional. Quanto à alimentação e dieta, nem peito do uso prolongado. A possibilidade teórica de aumento na
o tipo, nem a consistência da dieta afetam a cicatrização da úl- população das células enterocromafins símile (ECL like) e o apa-
cera, mas é conhecido que alguns alimentos aumentam e/ou recimento de carcinoide do estômago têm sido apontados como
estimulam a produção de ácido clorídrico e outros são irritantes contraindicação do uso prolongado deste potente antissecretor.
à mucosa gástrica. É importante recomendar aos pacientes que A supressão ácida com tendência à hipo e acloridria poderia fa-
evitem alguns alimentos e que parem de fumar, pois o fumo vorecer o crescimento de bactérias no estômago e a formação
pode alterar o tempo de cicatrização da úlcera. de compostos nitrosos pela ação das bactérias sobre os radicais
As medicações que promovem a cicatrização da úlcera agem nitratos, oriundos de alimentos consumidos; no entanto, vários
por dois mecanismos: fortalecendo os componentes que man- estudos sobre pacientes acompanhados por vários anos com estes
têm a integridade da mucosa gastroduodenal (pró-secretores) medicamentos, como nos casos de esofagite ou gastrinoma, não
e diminuindo a ação cloridropéptica (antissecretores). mostraram maior risco de tumor carcinoide ou câncer.
Os pró-secretores atuam estimulando os fatores responsá-
veis pela integridade da mucosa, como muco, bicarbonato, fa-
tores surfactantes, além de favorecer a replicação celular e o
• Helicobader pylori e úlcera
fluxo sanguíneo da mucosa. São considerados pró-secretores: As evidências atuais demonstram a importância da erradica-
antiácidos, sucralfato, sais de bismuto coloidal e prostaglandi- ção do H. pylori na prevenção de recidiva ulcerosa, seja ela gás-
nas, mas, na prática, são pouco utilizados. As prostaglandinas trica ou duodenal. Quanto à abordagem terapêutica da úlcera
surgiram na década de 1980 como medicamentos promissores duodenal, embora alguns autores indiquem unicamente a erra-
baseados na ação antissecretora e citoprotetora. O misoprostol dicação da bactéria, independente de tamanho, profundidade
era altamente eficaz na prevenção de lesões agudas de mucosa e número de lesões, acreditamos que tal conduta seja avaliada
provocada por AINE, com eficácia semelhante à do omeprazol. com cautela. Sugerimos que o tratamento da úlcera duodenal
O alto custo, os efeitos colaterais (diarreia e cólicas abdomi- restrito à erradicação da bactéria seja indicado naqueles casos
nais) e o uso indevido como abortivo, por outro lado, invia- em que a lesão não é muito profunda, nem múltipla. Nos casos
bilizaram a utilização e eles foram praticamente abandonados em que a úlcera é profunda, com 1 em ou mais, o bom-senso
na prática clínica. indica a manutenção do IBP por um período de pelo menos 1O
Os antissecretores são os medicamentos de escolha para a a 14 dias, após a conclusão do esquema de erradicação.
cicatrização da úlcera, e dois grupos são atualmente utilizados: Numerosos esquemas de erradicação têm sido propostos,
os bloqueadores do receptor H2 da histamina e os inibidores mas nem todos mostram a mesma eficácia. São considerados
da bomba de prótons (IBP). aceitáveis índices de erradicação acima de 80%. Os esquemas
O primeiro bloqueador H, que nos anos setenta revolu- monoterápicos ou duplos não devem ser utilizados, pois resul-
cionou o tratamento da úlcera péptica foi a cimetidina, dimi- tam em índices de erradicação extremamente baixos. Os esque-
nuindo significativamente a indicação de cirurgias. Posterior- mas tríplices são os mais indicados e os esquemas quádruplos
mente, surgiram no mercado brasileiro ranitidina, famotidina devem ser reservados para situações especiais, como, por exem-
e nizatidina. Esse grupo de medicamentos atua bloqueando o plo, nos casos de falha terapêutica ao esquema tríplice.
receptor H, existente na membrana da célula parietal, dimi- Convém lembrar que alguns esquemas apresentam excelentes
nuindo significativamente a ativação da ATPase K• ativada no níveis de erradicação em países desenvolvidos, mas deixam mui-
canalículo secretor, com redução de aproximadamente 70% da to a desejar em nosso meio. Essa constatação justifica-se devido
secreção ácida estimulada pela refeição. Todos eles apresentam à resistência primária a grupos bactericidas (principalmente imi-
eficácia semelhante de cicatrização, em tomo de 60 a 85%, com dazólicos, como metronidazol e tinidazol, e claritromicina).
4 semanas de tratamento, com resposta adicional de cerca de Atualmente, o esquema considerado de primeira linha as-
10% após extensão do tratamento por mais 4 semanas. As do- socia um inibidor de bomba protônica em dose-padrão+ cla-
ses preconizadas diárias de cimetidina, ranitidina, famotidina ritromicina 500 mg + amoxicilina 1.000 mg ou metronidazol
e nizatidina são de 800 mg, 300 mg, 40 mg e 300 mg, respecti- 500 mg, 2 vezes/dia, por um período núnimo de 7 dias. O tempo
192 Capftulo 19 I Úlcera Péptica Gastroduodenal

de tratamento pode variar de 7 a 14 dias, havendo uma tendên- Todos esses esquemas apresentam o inconveniente de utili-
cia a se dar preferência por 7 dias, já que a redução do tempo de zar um grande número de comprimidos, dificultando a adesão
tratamento não influencia nos índices de erradicação, favorece do paciente ao tratamento, além de efeitos colaterais, como:
a aderência e torna o custo mais acessíveL diarreia, cólicas abdominais, náuseas, vômitos, gosto metálico,
Contudo, devido à prescrição indiscriminada do metrodi- glossite e vaginite, que variam de centro para centro; podem
nazol em nosso meio, deve-se dar preferência ao uso da fu- chegar até 30% de frequência.
razolidona como droga alternativa. O li Consenso Brasileiro Com relação às lesões induzidas por AINE, indubitavel-
sobre o Helicobacter pylori, realizado em junho de 2004, na mente o melhor tratamento é o profilático. Devem-se utili-
cidade de São Paulo, recomenda a associação de IBP + fu- zar, sempre que possível, os AINE com menor potencial de
razolidona + claritromicina ou tetraciclina, como esquemas agressão (COX-2 seletivos) e instituir o tratamento profiláti-
alternativos de primeira linha para erradicação da bactéria co concomitante (IBP) para aqueles pacientes considerados
(Quadro 19.5). de alto risco a fim de evitar complicações. Em pacientes com
alto risco cardiovascular, recomenda-se que o AINE de eleição
seja o naproxeno em associação a um IBP ou ao m isoprostol;
---------------T--------------- todavia, é importante considerar que mesmo esta associação
não é isenta de riscos em pacientes com múltiplos fatores de
Quadro 19.5 Tratamento do H. pylori - 11 Consenso Brasileiro
risco gastrintestinais. Em pacientes de baixo risco cardiovas -
sobre oHelicobacter pylori
cular, AINE não seletivos podem ser utilizados associados a
a) IBP + a moxicilina 1,0 g + claritromicina 500 mg, 2x/dia, 7 d ias um IBP, naqueles com um ou dois fatores de risco para úlce-
b) IBP 1x/dia+ claritromicina 500 mg 2x/dia + furazolidona 200 mg ra gastroduodenal. Na presença de múltiplos fatores de risco
2x/dia, 7 d ias ou antecedente de úlcera complicada, deve-se optar pelo uso
c) IBP 1x/dia+ furazolidona 200 mg 3x/dia + tetraciclina 500 mg 4x/dia, criterioso de inibidores seletivos da COX-2 em associação
7dias
com IBP ou misoprostol e avaliar a relação risco-benefício,
Retratamento (duas tentativas, não se repetindo o esquema inicial):
• Se t ratamento inicial com esquema a) ou b):
caso a caso.
1' opção: IBP +sal de bismuto 240 mg + furazolidona 200 mg + Os AINE são a segunda maior causa de úlcera péptica, e, por-
amoxicilina l,Og (ou doxicicl ina 100 mg), 2x/dia, 10 a 14 dias tanto, a ação sinérgica entre o H. pylori e os AJNE vem sendo
2'opção: IBP 2x/dia + amoxicilina l,Og 2x/dia + levofloxacino500 mg demonstrada para o desenvolvimento de úlcera. Seu apareci-
lx/dia, 10dias; ou IBP + furazolidona 400 mg + levofloxaci no 500 mg
lx/dia, 10dias
mento é raro em não usuários de AINE e H. pylori negativos. As
• Se tratamento inicial com esquema c): recomendações do li Consenso Brasileiro sobre o Helicobacter
1' opção: IBP + amoxicilina 1,0 g + claritromicina 500 mg , 2x/dia, 7 d ias pylori para erradicação da bactéria, em usuários de AINE, estão
2• opção: IBP +sal de bismuto 240 mg + furazolidona 200 mg + resumidas no Quadro 19.6.
amoxicilina 1,0g (ou doxicicl ina 100 mg), 2x/dia, 10 a 14 dias
Recentemente, um consenso entre cardiologistas e gastrente-
Controle de e rradicação (úlcera gástrica ou duodenal, linfoma MALT de rologistas americanos concluiu que a associação de AAS e IBP,
baixo grau):
• No mínimo~ 8 semanas após o término do tratamento em pacientes cardiopatas com elevado risco gastrintestinal, é
• De escolha: teste respiratório com ureia marcada, quando não houver melhor do que o uso de clopidogrel isoladamente na prevenção
indicação para nova endoscopia. Se exame endoscópico: urease e de úlceras complicadas. Todavia, as evidências recentes de que
h istologia o uso concomitante de IBP pode modificar as propriedades an-
• Antissecretores deverão ser suspensos 7 a 10 dias antes do controle de
erradicação tiplaquetárias dessas drogas têm sido motivo de preocupação e
aguardam estudos clínicos prospectivos, embora novos estudos

úlce<a péptiCa do estômago

••
Tratamento por 4-6 semanas •se positivo para H. Pylotl,
instituir tratamento

Endoscopia d igest iva alta


(com biopsla da le~o e pesquisa de H. py/on)

Figura 19.8 Proposta de tratamento da úlcera péptica gástrica.


Capitulo 19 I Úlcera Péptica Gastroduodenal 193

~
Úlcera péptica refratária/recorrente
~ ~
I
Fatores de risco e não
aderência ao tratamento
l Infecção persistente
pelo H. pylori
I Úlcera não relacionada
aoH.pylori

J ~ ~
Tabagismo Avaliar Hipersecreção idiopática
Alcoolismo antibioticorresistência Predisposição genética
Estresse Terapia quádrupla Sindrome de Zollinger-EIIison
AINE, AAS Terapia guiada por cultura Falso-negativo para H. pylori

Figura 19.9 Alg01itmo de investigação diagnóstica na doença ulcerosa péptica refratária ou recorrente.

T
Quadro 19.6 Recomendações para padentes em uso de AINE/AAS- • LEITURA RECOMENDADA
11 Consenso Brasileiro sobre oHelkoboder pylori Bhatt, DL. Scheiman, J, Abraham, NS el ai. ACCF/ACG/AHA 2008 expert
consensus document on reduclng the gastrolntcstinal rlsks of antiplatelet
Pesquisa e tratamento de Infecção pelo H. pylorl: therapy and NSAID u"': a report of thc Amerlcan Collcgc of Cardiology
• Pacientes que lnlclar3o tratamento continuo com AINE não seletivos Foundalion Task Force on Clinicai Expert Consensus Documents./ Am
• Pacientes de risco' já em uso de AINE e/ou AAS, ou que iniciarão Coi/Cardio~ 2008; 52:1502· 17.
tratamento com eles, Independente de tipo, dose, tempo ou indicação Coelho. LGV & Zaterka, S. 11 Con..,nso Brasileiro sobre Htlicobacter pylorl.
para o tratamento Arq Gastroenterol, 2005; 42:128·32.
Cryer, B & Spcchlcr, SJ. Pcptlc ulccr dJ..,...,. Em: Fcldman, M, Fricdman, LS,
Utilização profilátlca de IBP:
Brandt, LJ (eds.). Sleisenger and r-ordtran's Gastrolnteslinaland Li""r Ois·
• Pacientes de risco, independente do status H. pylorl
ease, 8th ed.• Philadclphla: Saunden Elscvlcr 2006; 1089-110.
•Pacientes de ~sco para o desenvolvimento de les6es do trato digestório superior: Eisig.JN, Andre. SB. Silva, FM, Hashimoto, C. Moraes· filho. )P, Laudanna, AA..
hlstó<la p~a de úlcera pfptlca, Idade acima de 60 onos. assoclaçio de AINE com lhe impact ofHelicobacter pylori resistanct on lhe eflicacy of a $hort course
derivados salicnlcos. cortlcoldes ou •nt~ullntH. pantopraz.ole based triple thcr.py. Arq G4stn>tnt<rol, 2003; 40:55·60.
Guzzo, )L. Duncan, M, Bus, BL. Bochlcchlo, GV, Napolitano, LM. Scvc:re and
refractory peplic ulcer disease: lhe diagnostlc dilemma. c- rq>art and
compn:bensive review. Dig Dis Sei, 2005; 50:1999·2008.
Je:nsco, RT & Norton, JA. Endocrlne tumors ofthe pancreas and gastrointcs·
tina! tract. Em: Fddman, M, Friedman, LS, Brandt, L) (ecb.). Slciseogu
retrospectivos já contestem esse risco. A recomendação atual é and Fordtran's Gastrolntestinal and Uver Diseast, 8th ed., PhiWielphia.:
Saunden Elsevier 2006; 625~.
manter a medicação IBP em pacientes de alto risco gastrintes-
Kusters, JG, van Vliet. AHM, Kuipcn, EJ. Pathogcnc.U of fltlWbact<r pylori
tinal em uso de dupla terapia antiplaquetária. infection. Oin Microbiol Rev, 2006; 19:449·90.
A Figura 19.9 apresenta algoritmo que resume o tratamento Lanas, A. &ron, JA, Sandlcr, RS <1 aJ. Peptic ulc:<r and bl<eding events assoei·
da úlcera péptica gástrica. Em consequência à maior incidên· ated with rofecoxib in a l·year colorectaladenoma chemoprevention trial.
GasiTOtlúero/ogy, 2007: 131:490· 7.
cia de úlceras H. pylori e AIN FJASS negativas, a proporção de
Malfcnhclner, P. Chan, Fl<L, Mc:Coll, KEL Pcpllc Ule<r Dise...,. Lnnál, 2009;
pacientes com doença ulcerosa péptica refratária ou recorrente 374:14'19-61.
tem sido crescente. A correta avaliação, identificação e o trata- Malfcrtheiner, P, Megraud, F, O'Moraln, C, &uoll, F, El-O mar, E, Graham, O
mento adequado de fatores associados à refratariedade ou re· ti aJ. Current conccpts in the management o f Helicobacter pylori infection:
the Maastricht ID Consensus Repon. Gut, 2007; 56:772·81.
corrência tomam as taxas de intratabilidade praticamente nulas Marshall, B). Helicobacter pylori. Am f Gastroenterol, 1994; 89:5116-28.
(Figura 19.9). Já as úlceras duodenais, no geral, não necessitam Manhall, BJ. Unidentifitd curved bacllli on gastric epithclium in actlve chronic
de controle endoscópico, recomendando-se apenas o controle gastritis. Lanul, 1983: 1:1273·4.
de erradicação do H. pylori após 4 a 8 semanas do término do Marshall, BJ & Warren, JR. Unidenlified curved bacillí in the Sloma<:h of patients
with gastritis and peptic ulceratlon. Lanccr, 1984: 1:1311-4.
tratamento e tendo como método de escolha o teste respirató· Matar, R. Marques, SB, Monteíto, MS, dos Santos. AP, Iriya, K, Carrilho, FJ. Ht·
rio com ureia marcada. licobacttr pylori cag pathogenlchy lsland genes: clinicai relevance for peptic
O tratamento de complicações pode ser abordado, primei- ulcer disease development In Brazll. 1 Med Mlcroblol, 2007; 56:9· 14.
ramente, através de métodos endoscópicos, como nos san- Ray, WA, Murray, KT, Griffin, MR, Chung. CP, Smalley, WE, Hall, K ti ai. Out·
comes with concurrent use of clopldoarel and proton-pump lnhlbitors: A
gramentos, fazendo a hemostasia endoscópica ou a dilatação cohon study. Ann Inttrn Mtd, 2010; 152:337·45.
nas estenoses. Nos casos de perfuração, a conduta é sempre Yuan, Y, Padol, IT, Hunt, RH. Peptlc ulcer dlseasc today. Nnt Clln Pract Gtu-
cirúrgica. rn,.mrerol fl'fHJiol, 2006; 3:80·9.
2 Úlcera Péptica Helicobacter
py/ori-negativa
Bruno Squárcio Fernandes Sanches, Graziella Mattar Vieira de Alvarenga
e Renato Dani

outras infecções e condições, mas é a prevalência da infecção


• INTRODUÇÃO o fator de maior impacto envolvido. As circunstâncias rela-
cionadas com a aquisição da bactéria, por exemplo, a etnia, as
Há mais de um século, a doença ulcerosa péptica é a princi-
condições socioeconômicas e as condições de vida na infância,
pal causa de morbidade e mortalidade dentre as doenças gás-
também determinam o percentual de úlceras relacionadas ou
tricas. A partir da década de 1980, após a divulgação dos resul-
não à infecção.
tados de Warren e Marshall, a infecção por He/icobacter pylori Imaginemos que o número absoluto das úlceras H. pylori-
(HP) foi reconhecida como o principal fator causal, presente
negativas permaneça constante ao longo do tempo (o que pode
em mais de 95% das úlceras duodenais e em 70% das úlceras não ser verdade devido ao uso crescente dos AlNEs) e que
gástricas. Vários estudos clínicos comprovaram essa associação o número das úlceras HP-positivas decline no mesmo perío-
e a recorr~ncia das úlceras, até então o apanágio da doença - do, refletindo a melhoria das condições de vida da população.
"uma vez ulceroso, sempre ulceroso", com a e.rradicação de Nesse contexto, observaríamos uma redução no número total
H. pylori foi reduzida para menos de 2% ao ano. Na atualidade, de úlceras, mas um incremento na proporção das úlceras HP-
a terapia anti-H. pylori é a principal estratégia terapêutica contra negativas, como ocorre nos dias de hoje (Figura 20.1).
a doença ulcerosa péptica. Na ausência da infecção, anti-infla- Graham elaborou um modelo hipotético para ilustrar a re-
matórios não esteroides (AINEs) e derivados do ácido salicílico lação entre a prevalência das úlceras HP-positivas e negativas.
constituem a segunda causa mais comumente relacionada com Nesse modelo, se a prevalência da infecção cai de 80% para
as úlceras gastroduodenais. Apesar dos conhecimentos acumu- 40% e o número total de úlceras duodenais por outras causas
lados acerca da fisiopatologia das úlceras pépticas, ainda res- permanece estável, por exemplo 250 por 100.000 pessoas, o nú-
tam indagações sem resposta. Recentemente, a epidemiologia mero total de úlceras irá declinar de 1.050 para 650 por 100.000,
da doença começou a mudar dramaticamente. Trabalhos de enquanto a proporção das lesões HP-negativas aumentará de
diferentes regiões do mundo revelam aumento na proporção 24% para 38%. Dessa maneira, uma maior proporção de úlceras
de úlceras H. pylori-negativas. Alguns autores imaginam que H py/ori-negativas seria diagnosticada.
a taxa da infecção relacionada com a úlcera seja menor do a Se a infecção por H. pylori desaparecesse, algumas úlceras,
que foi previamente estimada; outros formulam diferentes hi- ainda assim, ocorreriam, e, apesar do reduzido número abso-
póteses, tais como resultados falso-negativos e uso sub-reptício luto, a proporção de lesões relacionadas com a infecção deveria
de AINFJsalicilato. Entretanto, apesar das divergências, todos ser zero. Muitos trabalhos sugerem que nas próximas décadas
reconhecem a existência de úlceras idiopáticas. será mantida a tendência de redução na prevalência de H. pylori.
Essa mudança epidemiológica pode determinar um impac- Consequentemente, a proporção de úlceras HP-negativas deve
to no diagnóstico e tratamento das úlceras pépticas no futuro. aumentar. Alguns autores especulam que elas se tornem, inclu-
As estratégias terapêuticas podem mudar, já que as úlceras não sive, o tipo predominante.
relacionadas com a infecção por H. pylori não são curadas com Entretanto, o aparente aumento das úlceras HP-negativas
antibióticos, necessitando possivelmente de supressão ácida não pode ser inteiramente explicado pela redução na preva-
continuada. lência da infecção. Sugiyama et a/. demonstraram que o risco
atribuível da infecção na úlcera péptica não foi alterado, mesmo
diante de menor prevalência da infecção. Quando comparados
• PREVALENCIA japoneses nascidos antes e depois de 1950, os autores não en-
contraram diferenças na proporção de úlceras HP-negativas,
A prevalência das úlceras H. pylori-negativas varia consi- apesar de a prevalência da infecção ser de 21% nos mais jovens
deravelmente em diferentes regiões do mundo. Parte dessa di- e de 75% nos mais velhos. Este trabalho sugere que outros fa-
versidade pode ser explicada pelas diferenças de sensibilidade tores, além da prevalência da infecção por H. pylori, devem
dos métodos de diagnóstico da infecção, pelo uso dos AINEs e estar relacionados.
194
Copftulo 20 I Úlcera Péptico Helicobacter pylorí-negotivo 195

Número de úlceras Proporção das úlceras

H. pylori-positivas

....

H. pylori-negativas
· · · · · · · · · · · ·:.·~~~~:~~~~:;~~~
Tempo Tempo

Figura 20.1 Aumento da proporção das úlceras H. pylori-negativas. (Extraído de: Peura, AO. The problem of Helicobocter pylori-negative idiopa-
thic ulcer disease. Best Pradice & Research, Clin. Gastroenterol., 2000; 14:109-17.)

Na década de 1990, a expressiva consistência dos resultados população geral. Portanto, o aparente aumento na frequência
sobre a associação de H. pylori e úlcera péptica, sobretudo as úl- de úlceras H. pylori-negativas não pode ser inteiramente expli-
ceras duodenais, permitiu que alguns estudiosos questionassem cado pela redução na prevalência da infecção.
a necessidade de se comprovar a infecção diante de um exame
endoscópico com o achado de uma úlcera. Entretanto, como
já citado, mais recentemente, registra-se o aumento das úlceras • REVISÕES
não infecciosas. Alguns desses trabalhos utilizam dados retros-
pectivos, portanto passíveis de críticas pelas falhas nos métodos Em recente trabalho de revisão, Gisbert et a/. estudaram a
de diagnóstico da infecção e de exclusão de anti-inflamatórios prevalência da infecção associada à úlcera duodenal em traba-
e outras medicações. Porém, outras fontes de dados coletados lhos publicados de 1998 até 2008. Nessa análise, foram excluídos
em diferentes países apontam nessa mesma direção. os estudos em que todos os pacientes apresentavam doenças
Em dois ensaios clfnicos multicêntricos, o envolvimento de concomitantes (neoplasias malignas, insuficiência renal, cirro-
HP e/ou AINEs não foi comprovado em 20 e 30%, respectiva- se hepática) ou complicações da doença ulcerosa (hemorragia,
mente, dos pacientes com úlcera duodenal. Os autores presu- perfuração e obstrução pilórica), pois suas menores taxas de
mem que esses pacientes sejam portadores de úlcera péptica infecção (média de 70%) poderiam ser explicadas por tais con-
idiopática, já que outras causas de úlcera péptica, como uso de dições. A revisão mencionada contabilizou mais de 16.000 pa-
anti-inflamatórios e estados hipersecretórios, foram excluídas. cientes com úlcera duodenal, encontrando uma taxa média de
Um outro estudo norte-americano que envolveu 2.394 pacien- infecção por H. pylori de 81,2. A p revalência da infecção foi
tes encontrou 27% de úlceras não relacionadas com H. pylori ou maior nos estudos europeus quando comparados aos norte-
AINEs. Apesar do número impressionante de participantes, o americanos (83,9% vs. 72,4%, p < 0,001), e cifras intermediárias
estudo não foi poupado de críticas, especialmente pela suspeita foram encontradas em estudos de outros países americanos,
de que pelo menos 20% dos pacientes tenham usado AINEs, como Brasil, Colômbia e Peru (81,9%). As mais altas taxas de
mesmo com testes negativos para salicilatos. infecção foram encontradas no Japão, com valores médios de
Estudos realizados em outros países mostram resultados 94,3%. Quando analisados somente os estudos publicados entre
semelhantes aos dos norte-americanos quanto ao aumento na 1999 e 2003, a prevalência da infecção foi de 84%, ao passo que,
prevalência das úlceras H. pylorí-negativas. Em 1993, McColl no período 2004-2008, foi de 77%, diferença significativamente
et al. identificaram 12 portadores de úlcera péptica H F-nega- estatística. Tal diferença poderia representar a crescente ten-
tiva dentre 435 pacientes com úlcera duodenal atendidos em dência de aumento das úlceras HP-negativas? Esperamos que
um centro de referência na Escócia. Dos 12 pacientes, qua- futuros estudos respondam a essa pergunta
tro haviam usado AINEs, um possivelmente tinha doença de Apesar das revisões mais recentes, a real prevalência de úl-
Crohn no duodeno e um preenchia critérios para síndrome cera HP-negativa é difícil de ser determinada, sobretudo pelo
de Zollinger-Ellison. Portanto, apenas seis pacientes, em um desenho retrospectivo da maioria dos trabalhos estudados.
universo de mais de 400, foram considerados como portadores
de úlcera idiopática. Na Austrália, uma análise retrospectiva de
125 pacientes com úlcera duodenal encontrou 56 ( 45%) casos • ESTUDOS PROSPECTIVOS
de úlceras HP-negativa. Todavia, os autores reconhecem que
o uso de anti-inflamatórios pode explicar uma grande parcela Os estudos prospectivos têm demonstrado que um núme-
desses casos. ro substancial de ulcerosos infectados por HP desenvolvem
No Japão, onde a prevalência da infecção ainda é alta, as úl- recidiva da úlcera após a erradicação da bactéria. Hirschowitz
ceras HP-negativas também parecem aumentar, mas ainda são et a/. relataram que 45% dos pacientes com úlcera duodenal
muito raras. Em um estudo de 2000, Aoyama et al. relataram H. pylori-positiva não associada a AINEs, submetidos com su-
11 pacientes com úlceras HP-negativas (3,6% de 302 pacientes). cesso à erradicação de HP, tiveram recorrência da úlcera em
Desses, dois eram sabidamente usuários de AlNEs. Revisões re- um período de até 6 meses após o término do tratamento. Uma
centes mostram uma clara mudança na prevalência da infecção metanálise norte-americana demonstrou recorrência de úlce-
no país nos últimos 20 anos, com redução de 73% para 39% na ra duodenal de 20% em 6 meses, a despeito da erradicação de
196 Capitulo 20 I Úlcera Plptlca Hellcobacter pylori-negativa

H. pylori e exclusão de AINEs. Uma possível explicação seria o 2. realizar dois testes: urease ou teste respiratório associados
e.nfraquecimento da mucosa atingida pela úlcera, que, apesar da a pesquisa histológica com pelo menos duas biopsias de
erradicação da bactéria, estaria suscetível a novas lesões. Uma antro e corpo;
outra hipótese é a de que esses pacientes sejam na verdade por- 3. proceder a um terceiro teste, incluindo teste sorológico,
tadores de úlceras idiopáticas coincidentemente infectados por quando os dois exames anteriormente citados forem ne-
HP. Esses resultados reforçam as teorias sobre a participação de gativos.
outros fatores etiológicos além da infecção por H. pylori. Mesmo diante de exames negativos, existem evidências in-
Contudo, esses achados se contrapõem aos encontrados pe-
diretas de que o H. pylori ainda pode estar associado. Alguns
los japoneses. Em um grande estudo muticêntrico realizado no autores procederam ao tratamento empírico contra a infecção,
Japão, que envolveu 4.940 portadores de úlcera acompanhados observando a cicatrização persistente da úlcera após a terapia e
por 48 meses após a erradicação de HP, a taxa de recorrência foi melhora no padrão de gastrite crônica antral. Portanto, a pre-
de apenas 3,0296, ou 1,696 ao ano. Esse índice foi ainda menor sença de gastrite com lesões histológicas sugestivas na ausência
ao se excluir o uso de AINEs, reduzindo para 1,396 ao ano. A da infecção por H. pylori deve suscita.r a hipótese de resultado
recorrência foi significativamente maior entre etilistas, taba- falso-negativo. Além disso, um recente estudo sugeriu que em
gistas e portadores de lesões gástricas. Quanto às úlceras reci- alguns casos de úlcera duodenal a infecção está restrita à mu-
divadas, 83,996 acometiam o mesmo local previamente lesado cosa duodenal, sendo curável com a erradicação da bactéria.
ou áreas adjacentes. Na opinião dos autores, a recorrência das Consequentemente, em pacientes com úlcera duodenal sem
lesões após a erradicação da bactéria é rara, tendendo a ocorrer evidência de H. pylori no estômago, biopsias da mucosa duo-
sobre o mesmo local da úlcera original. denal deveriam ser realizadas.

• ÚLCERAS COMPLICADAS: HEMORRAGIA, • USO DE AINEs ESALICILATOS


ESTENOSE, PERFURAÇÃO
Na ausência da infecção, o uso de anti-inflamatórios e sali-
Alguns trabalhos sugerem que úlceras complicadas são me- cilatos constitui a principal causa de úlcera péptica, podendo
nos associadas à infecção por H. pylori. Contudo, mais recente- ocorrer após administração oral ou sistêmica. As estatísticas
mente, após estudos de revisão sistemática e metanálise, houve mostram que 30 a 7596 das úlceras H. py/ori-negativas são se-
a demonstração de que grande número desses casos devem-se cundárias ao uso de AINEs, porém o uso não reconhecido des-
a anti-inflamatórios e/ou derivados de salicilatos. ou ainda, que sas drogas pode subestimar esses dados. Ervas medicinais chine-
a pesquisa de H. pylori foi comprometida pelo uso anterior de sas e produtos de terapias alternativas podem conter compostos
inibidor de bomba de prótons. anti-inflamatórios, que não são reconhecidos pelos pacientes.
Po: ~ssas razões, alguns autores defendem a dosagem sérica de
salicilatos nos casos de suspeita de uso não reconhecido de áci-
do acetilsalicílico. Na suspeita de uso de AINEs, as dificuldades
• CAUSAS são maiores. pois os exames laboratoriais são complexos, mais
caros e especfficos para cada tipo de anti-inflamatório.
• Resultados falso-negativos Além dos anti-inflamatórios não esteroides e do ácido ace-
As úlceras pépticas, sejam gástricas ou duodenais, podem tilsalicílico, outras drogas apresentam potencial ulcerogênico.
não se associar à infecção por H. pylori por muitas razões. A Embora motivo de controvérsia, os corticoides não são consi-
mais comum é o erro na detecção do microrganismo. Os testes ~erados atualmente como fatores de risco independentes para
que identificam infecção ativa, como histologia, cultura, urease úlcera pépttca. Contudo, podem potencializar o efeito nocivo
e teste respiratório, são negativamente influenciados pelo uso dos AlNEs sobre a mucosa gastroduodenal. Existe ainda o risco
prévio de bismuto, antibióticos e inibidores da secreção ácida, das úlceras provocadas por cloreto de potássio, sais de ferro e
sejam inibidores da bomba protOnica (IBP), sejam antagonistas colchicina, bifosfonatos, crack, cocaína, anfetaminas e medica-
de receptores H2• O teste da urease e a histologia podem ainda ções irnunossupressoras. como o micofenolato. Radioterapia
ser falseados por problemas de amostragem do microrganis- com foco em abdome constitui outra causa rara de úlcera, que
mo no segmento biopsiado. Uso recente de IBP ou altas doses se situa preferencialmente na segunda porção do duodeno.
de antagonistas de receptores H1 permitem a migração proxi- Outras causas menos comuns estão agrupadas no Qua-
mal de H. pylorí, e as biopsias antrais isoladas não conseguem dro 20.1.
detectar a presença da bactéria. Gastrite atrófica e metaplasia Afastada a possibilidade de erro diagnóstico de H. pylori e
podem também se associar a erros de diagnóstico pela reduzida envolvunento de ácido acetilsalidlico ou AfNEs, causas menos
densidade de H. pylori nessas áreas. A úlcera péptica hemor- comuns devem ser pesquisadas, com destaque para os estados
rágica pode produzir até 2596 de resultados falso-negativos no hipersecretórios, como a sfndrome de Zollinger-Ellison (SZE),
teste da urease, pois a presença de sangue no antro compromete responsável por cerca de 196 de úlceras duodenais e até 396
a detecção de mudança no pH do tecido biopsiado. Portanto, das gástricas. A referida sfndrome é marcada pela hiperacide:t
antes da conclusão diagnóstica de úlcera H. py/ori-negativa, gástrica decorrente da produção excessiva de gastrina por um
recomenda-se a realização de dois ou mais testes simultâneos tumor secretante, por isso a sinonúnia de gastrinoma. O mé-
todo mais sensível e específico para o diagnóstico da SZE é a
para aumentar a sensibilidade e o valor preditivo negativo.
Para fins práticos, deve-se: dosagem sérica de gastrina em jejum, considerada normal até
200 pglml . Níveis acima de 1.000 pglml são típicos de gastri-
I. retardar os testes diagnósticos de H. pylori por 4 semanas noma, sugerindo doença metastática quando acima de 1.500 pgl
após o uso de antibióticos, preparações com bismuto, IBP ml . O gastroacidograma pode ser utilizado para diferenciares-
e bloqueadores Hv tados de hiper ou hipocloridria. Uma medida de pH gástrico
Capitulo 20 I Úlcera Péptico Helicobacter pylorí-negotiva 197

---------------T--------------- ---------------T---------------
Quadro 20.1 Causas de úlcera gastroduodenal H. pylori-negativa Quadro20.2 Causas de hipergastrinemia

Causas comuns Normo/Hiperdoridria Hlpodorldria


Erros diagnósticos
Uso de aspirina e AINEs Sfndrome de Zollinger-EIIison Anemia perniciosa
Causas raras Hiperpla.sia de células G do antro Gastrite atrófica
Síndromes hipersecretoras Obstrução ao esvaziamento gastrico Pós-vagotomia
Gastrinoma
Neoplasia gámica
Mastocitose sistêmica
Síndrome carnoide Extraído de: Gatvão--AJves,.J, Netto, AP. Mendes, AF. Tumores Neuroendóc:rinosdo Pâncreas.
Desordens mieloproliferativas Em: Dani, R. Ganroente.rologkJ E$sencial, 2001. Guanabara Koogan, 2.• ed. 808-816.
Policitemia vera
Ressecções extensas de intestino delgado
Hiperplasia de células G do antro
hiperplasia da célula G antral. Descrita na era pré-Helicobacter
Síndrome do antro retido
Obstruções duodenais pylori, a hiperplasia das células G do antro tende a ser atual-
Drogas mente considerada como uma resposta à hipergastrinemia in-
Radioterapia duzida pelo microrganismo e, portanto, seria parte do espectro
Doenças granulomatosas das úlceras HP-positivas. De fato, Kwan e Tytgat mostraram a
Crohn
Sarcoidose
supressão dos níveis elevados de gastrina e a cicatrização das
Sífilis úlceras em pacientes enquadrados nessa sindrome e portado-
Tuberculose res da bactéria quando curados da infecção por HP. Por outro
Infecções lado, embora controversos, estudos recentes descrevem casos
Citomegalovírus de portadores da hiperplasia da célula G sem a infecção por
Vírus Herpes Simples HP. Nesses casos, a patogênese da hipergastrinemia não pôde
H.heilmanni ser explicada. O diagnóstico é feito por imuno-histoqufmica
Neoplasias
Síndromes hipercalcêmicas
que revela a hiperplasia das células G em biopsias do antro. O
lsquemia achado laboratorial é a hipergastrinemia em jejum de níveis
Pancreatite crônica moderadamente elevados. mas com exagerada elevação pós-
ldiopática prandial, o que pode simular a síndrome de Zollinger-Ellison.
Todavia, ao contrário do que ocorre no gastrinoma, o teste da
secretina é negativo.
acima de 3 implica hipocloridria, e o diagnóstico de SZE pode Uma síndrome extremamente rara associada à úlcera péptica
ser excluído. recorrente é a sindrome do antro retido. Desenvolve-se após
Como citado no Quadro 20.2, estados de hipercloridria com antrectomia e gastrojejunostomia a Billroth ll, quando glându-
valores intermediários de gastrina (200 a 1.000 pglmf) podem las antrais distais e pilóricas não são completamente ressecadas.
ocorrer em outras situações. Cerca de 40% dos pacientes com Localizadas próximo à alça aferente, as glândulas retidas são
a SZE apresentam valores intermediários de gastrina, impon- expostas à secreção alcalina de forma continuada e, estimuladas,
do-se a realização de testes provocativos, ou seja, dosagem de promovem a liberação de gastrina. Ocorrem a hipersecreção
gastrina sérica após estímulo. O mais recomendado é a infusão ácida pelas células parietais e a possibilidade de úlceras de difí-
venosa de secretina, considerada positiva quando ocorre ele- cil manejo clinico. No diagnóstico diferencial com gastrinoma,
vação da gastrina de, no núnimo, 120 pglmf sobre os valores o teste da secretina é negativo. A cintigrafi.a com pertecnetato
basais, estabelecendo-se o diagnóstico da sindrome. Outros é positiva, demonstrando persistência da atividade glandular
testes provocativos são descritos. no antro. Os pacientes podem necessitar de nova intervenção
No diagnóstico diferencial da sindrome de Zollinger-Ellison, cirúrgica e, quando possível, conversão da reconstrução para


outra condição marcada por hipercloridria é a hiperfunção ou gastroduodenoanastomose (Billroth I).

Quadro 20.3 Diagnóstico diferencial da hipergastrinemia e hipercloridria

Diagnóstico Fn!qufncla Sinais e sintomas Achados dlnlcos Comenürios

Sfndromede Incomum - Dor abdominal úlcera péptica Teste da secretina positivo


Zollinger-EIIison 1:1.000.000/ano Oiarreia Exames de imagem: 50% positivos
Pirose
Hiperplasia de células G Desconhecida Dor abdominal úlcera péptica Teste da secretina negativo
do antro Hipergastrinemia moderada Maior número de células G
Frequentemente associada a H. pylori
Sfndrome do antro retido Rara Dor abdominal úlcera péptica Teste da secretina negativo
Cintilografia positiva
História de ressecção gástrica
Obstrução pilórica 2 a 5% dos pacientes Vômitos Secundária a cânceres ou Teste da secretina negativo
com úlcera péptica Dor abdominal úlcera péptica
Infecção por H. pylori Comum Assintomática. úlcera péptica Teste da secretina negativo
Dor abdominal Hipergastrinemia discreta

Extrllído de:Jenseo. RT. Zollinger-EIIíson Syndrome. Em: Bennett. JC &Plum, F. Ce<il TextbookofMedidnt, 1996. W. B. Saunders Company, 20.• ed_ 674-6.
198 Capftufo 20 I Úkera Plptico Hellcobacter pylori-negatfva

Ainda pelo mecanismo da hipersecreção, outra causa rara 3. Envolvimento simultâneo de estômago e duodeno.
é a mastocitose sist~mica. Nesse caso, o estímulo secretagogo 4. Presença de fistulas.
provém da histamina. A infiltração de mastócitos em diferen-
tes tecidos e órgãos gera um quadro sistêmico de rash cutâ- O diagnóstico definitivo é feito pela demonstração do bacilo
neo, prurido, dor abdominal, diarreia, além de dispepsia e úl- ã!cool-ácido-~esistente ou de granulomas caseosos em biop-
cera duodenal. A concentração sérica de histamina é elevada stas endoscóptcas. Porém, a positividade das biopsias é baixa,
particularmente na doença ulcerosa. A s!ndrome cardnoid~ de apenas 30%, pois os granulomas concentram-se na cama-
também pode se manifestar com úlcera péptica pela produ- da s_ubmucosa, nã.o estando acessJveis às biopsias superficiais.
ção ectópica de histamina, assim como outras desordens mie- ~~ta~ vezes, o diagnóstico s6 se estabelece após a ressecção
loproliferativas relacionadas com a basofilia, como leucemia CJntrgtca.
basofllica e leucemia mieloide crônica. Na polidtemia vera, os Outras causas infecciosas que não H. pylori podem rara-
níveis circulantes de histamina são considerados baixos para me~!~~ associar a úlceras. A associação com citomegaloviro-
induzirem a formação de úlceras. Provavelmente, o mecanismo se, JnJCJalmente descrita em transplantados, já foi relatada em
é a relativa isquemia da mucosa em decorrência da hipervis- pacientes infectados pe.lo HIV e mesmo em indivíduos imu-
cosidade sanguínea. no.c o_mpetentes. Asúlceras por citomegalovínts são geralmente
A úlcera péptica por hipersecreção ácida é também descri- múl~pl~ e de localização gástrica. O diagnóstico é feito através
ta em pacientes submetidos a extensas ressecções do intestino de. b1ops1as da base da úlcera, pois o vírus se localiza no epi-
delgado, como ocorre, por exemplo, na isquemia intestinal. télio submucoso e vascular. Métodos sorológicos e reação em
Nessas situações, o mecanismo exato é ainda desconhecido. cadeia da polimerase podem ser úteis. O possJvel envolvimento
Acredita-se que decorra da falta de inibição da secreção ácida do herpesvírus simples (HSV) do tipo 1 com as úlceras pépti-
e _li~raçã~ da. gastrina normalmente controladas pelos pept!- cas deve-se ao aumento nos tJtulos de anticorpos anti-HSV-1
dJOS mtestímus. e detecção de DN A e proteínas virais em material colhido da
Alguns casos de úlcera duodenal têm sido relacionados com borda de úlceras tidas como ordinárias. Nesses casos, as úlceras
obstruções duodenais, incluindo membranas congênitas de parecem se concentrar na região pré-pilórica e, em um trabalho
duodeno, estenose hipertrófica de piloro e pâncreas anular. de relato de casos, nenhum paciente com marcador do HSV -1
Nesses casos, a úlcera duodenal pode se apresentar na infància, ~dencia~ infecção sistêmica ou sinais de comprometimento
podendo também incidir em adolescentes e adultos. As lesões lffiunológtco. Raramente, outras de espécies de Helicobacter
s~o ge:almente pós-bulbares e parecem se associar a hipersecre- têm sido associadas à úlcera gastroduodenal. Debongnie et a/.
çao áCJda basal, embora o mecanismo exato seja desconhecido. descreveram uma possível associação entre H. heilmannii e
Doenças da mucosa duodenal constituem um subgrupo que úlcera gástrica em 14 pacientes negativos para a infecção por
cursa com úlceras nos segmentos atingidos. Dentre os represen- H. pylon. Contudo, trata-se de infecção mais rara e de menor
tan~es. desse grupo, encontram-se doença de Crohn, sarcoidose, patogenicidade do que a causada por H. pylori. Embora seja
amilo1dose, gastrenterite eosinofllica e linfoma. recon~eci~me~te implicada na patogênese da úlcera péptica
A maior preocupação diante de uma lesão ulcerada, sobre- em anunaJs, mats estudos são necessários para se estabelecer o
tudo .das ~esôes gástricas, é afastar a possibilidade de neoplasia. significado da infecção por H. heilmannii em homens.
As b10ps1as devem ser obtidas tanto da base quanto da bor- Questiona-se o papel das síndromes hipercalcêmicas no de-
da da úlcera, diminu.i ndo o risco de amostras falso-negativas. senvolvimento das úlceras pépticas. O efeito estimulador do
Nos cas~s de úlce~a~ gástricas aparentemente benignas, faz-se cálcio sobre a liberação da gastrina é bem conhecido, porém a
necessária a repetiçao da endoscopia digestiva 8 a 12 semanas !IDportâncla cl!níca desse efeito ainda é desconhecida. Dentre
após seu diagnóstico para comprovar a cicatrização da lesão e ~ sJndromes, a incidência de úlcera péptica é maior em pa-
confirmar a natureza benigna da úlcera. Além dos adenocar- Cientes com hiperparatireoidismo primário, mas, exceto nos
cinomas gástricos, principal neoplasia maligna do estômago, casos de associação com gastrinoma, configurando a sJndro-
há que se fazer o diagnóstico diferencial de linfoma tumor me da neoplasia endóaina múltipla, não há evidências firmes
carcinoide e sarcomas. ' de n~n.huma relação causal entre úlcera péptica e hiperpara-
Úlceras gástricas sifiliticas devem ser suspeitadas em todo tireotdtsmo.
paciente portador de s{filjs não tratada, com lesões de antro sem Em idosos, especula-se que o reduzido fluxo sangu[neo mu-
:esposta ~ tratamento convencional. A biopsia da lesão revela coso decorrente de alterações próprias da idade seja fator de ris-
mflamaçao granulomatosa, e testes sorológicos treponêmicos e co para úlcera péptica. Em um trabalho finlandês, cerca de 35%
não treponêmicos confirmam o diagnóstico. O exame micros- das úlceras de pacientes geriátricos eram HP-negativas e sem
cópico de campo escuro é geralmente negativo nessa fase da associação com AINEs ou salicilatos ... Os autores especulam
doença (secundária ou terciária). se a redução dos mecanismos de defesa da mucosa pela menor
Tuberculose gástrica ou duodenal pode cursar com úlceras perfusão tecidual torna-a vulnerável ao ataque ácido.
nesses locais. Apesar de raro o acometimento gástrico pela doen- Em pacientes com pancreatite crônica (PC), observa-se uma
ça, espera-se um aumento na incidência dessa apresentaçã.o maior prevalência da úlcera duodenal. Atribulam-se como cau-
pelo aumento na prevalência da infecção em imunossuprirni- sa as alterações na secreção panaeática secundárias à doença,
dos. A porção mais acometida é o antro, que alberga as úlceras com menor liberação de bicarbonato e, portanto, menor efeito
e~ 8?96 dos ~05:_ exceto ~ pacientes aidéticos, nos quais a neutralizador sobre o ácido gástrico. Porém, resultados de es-
pnnc1pal lo_calizaçao é na cardia. Do ponto de vista topográfico tudos refutaram essa hipótese. Ovensen et ai. demonstraram
e endoscóptco, assemelha-se à doença de Crohn. O diagnóstico não haver diferenças significativas na acidez duodenal e jejunal
deve ser considerado em indivíduos com lesões gástricas não entre portadores de pancreatite crônica e indivíduos controles
responsivas a tratamento clinico convencional e que apresen- normais. Em recente estudo realizado em nosso meio, foi de-
tem uma ou mais das seguintes condições: monstrado que o principal fator patogênico envolvido na úlcera
duodenal dos portadores de PC é a infecção por HP. Dos 15
L Tuberculose em outro local.
pacientes com pancreatite crônica alcoólica e úlcera duodenal,
2. PPD fortemente reator.
apenas um (6,796) não tinha a infecção por H. pylori.
Capitulo 20 I Úlcera Péptico Helicobacter pylorí-negotivo 199

Por fim, excluindo-se a participação de HP, o uso de anti- têm postulado que a presença de secreção ácida aumentada no
inflamatórios e/ou ácido acetilsalicilico e as raras condições já bulbo duodenal torna insolúveis os ácidos biliares conjugados
citadas, a úlcera péptica pode ser classificada como idiopática, (pK, entre 4,3 e 5,2), permitindo que o microrganismo sobre-
assunto de crescentes pesquisas e inúmeras dúvidas. No estudo viva no ambiente duodenal.
de McColl et al., seis casos de portadores de úlcera idiopática Todo fator relacionado com a pato gênese da úlcera duodenal
foram encontrados em um grupo de 435 ulcerosos. Comparan- pode ser compreendido pelo efeito que exerce nos termos da
do estudos de fisiologia, constataram que os níveis de gastrina equação da acidez duodenal. Fatores que aumentam a secreção
sérica e secreção máxima de ácido ao gastroacidograma eram ácida, seja direta (em resposta à gastrina ou ao tabagismo), seja
similares aos encontrados nos portadores de úlce.ras HP-posi- indiretamente (perda do feedback negativo da acidificação an-
tivas, sendo superiores aos encontrados em sadios. Contudo, tral sobre a secreção ácida), vão exercer seu efeito no primeiro
os pacientes com lesão idiopática apresentavam esvaziamento termo da equação. Fatores que diminuem a capacidade do duo-
gástrico mais acelerado, sugerindo que a ulceração fosse re- deno em neutralizar a acidez local vão agir no lado duodenal da
sultado de hipersecreção ácida, rápido esvaziamento gástrico equação. Assim, a úlcera duodenal parece ser mais frequente
e exposição ácida aumentada no duodeno. em pacientes infectados por H. pylori e com cirrose ou com
Harris et a/. estudaram a recorrência da úlcera após pelo pancreatite crônica, condições associadas a menor secreção
menos 6 meses da terapia de erradicação de HP. Excluídos os de bile ou de bicarbonato para o duodeno, respectivamente.
AINEs e as outras raras causas, um grupo de sete homens Por outro lado, a inibição da secreção ácida pelo uso de drogas
foi estudado. Os autores encontraram as mesmas alterações antissecretoras, por vagotomia superseletiva, pela cessação do
descritas por McColl et al. Comparados a voluntários sadios, hábito de fumar, ou por qualquer mecanismo que resulte em
H. pylori-negativos, e a portadores de úlcera duodenal HP-posi- elevação do pH duodenal, tenderia a inibir o crescimento de
tivos antes e depois de 6 meses da erradicação, os pacientes com HP, favorecendo a cicatrização da úlcera.
úlcera H .py/ori-negativos e.x ibiam hipersecreção ácida gástrica. A úlcera duodenal pode ser encontrada em vários pontos
A especulação dos autores é a de que o mecanismo dessa hiper- do espectro da secreção ácida. O limite extremo da hipersecre-
secreção seja a hiperplasia das células parietais e que talvez a ção ácida é a síndrome de Zollinger-Ellison, com elevada carga
infecção por HP não seja a causa das úlceras duodenais desses ácida no duodeno de forma permanente. Na gastrite crônica
pacientes. Nesses casos, já que a úlcera não pode ser curada pela infecção por HP, o comprometimento dos mecanismos
com antimicrobianos, discute-se a necessidade de algum tra- de feedback negativo gera hiperacidez gástrica, mas em uma
tamento de manutenção pelo uso de drogas antissecretoras ou intensidade muito menor do que a observada no gastrinoma.
tratamento cirúrgico na prevenção de recorrências. A hiperacidez da úlcera duodenal relacionada com HP esta-
As evidências apontam a provável influência de fatores ge- ria entre essas duas condições. Pacientes com úlcera duodenal
néticos na patogênese da úlcera péptica. Sabe-se, por exemplo, HP-positivos exibem um aumento no número de células pa-
que o grupo sanguíneo O está, por algum mecanismo, associado rietais que não regride após a erradicação do microrganismo,
às úlceras. No estudo de McColl et aL, quatro dos seis pacientes sugerindo que esse aumento celular possa ser geneticamente
{66%) com úlcera idiopática eram do grupo O, enquanto apenas predeterminado e anterior à infecção por HP. Quando a gran-
36% dos controles sadios eram O-positivos. Nenhum dos seis de massa de células parietais associa-se a uma mínima gastrite
pacientes apresentava genes do grupo sanguíneo Al. A maior de corpo gástrico, ocorre hiperacidez superior à observada na
prevalência do grupo sanguíneo O e a menor prevalência do gastrite crônica, mas inferior à da SZE. No extremo final do
grupo A foram igualmente observadas nos portadores de úlcera espectro, contrapondo-se à SZE, encontra-se o paciente com
H. py/ori-positivos em relação aos sadios. Esse provável compo- gastrite de corpo e secreção ácida pouco acima do limiar para
nente genético parece atuar independentemente da influência úlcera duodenal. Nesse caso, a ulceração somente ocorrerá se
genética para a aquisição da infecção por H. pylori. houver acentuado comprometimento da neutralização da carga
ácida no duodeno, por exemplo, pelo tabagismo.
O aumento da carga ácida oferecida ao duodeno induz a
• EQUAÇÃO DA ACIDEZ DUODENAL formação de metaplasia gástrica, mas essa adaptação tecidual
somente se converterá em úlcera se a carga ácida for excessiva,
A equação que determina a carga ácida presente no duodeno como na síndrome de Zollinger-Ellison, superando a capaci-
tem dois lados: a secreção ácida pelo estômago e a capacidade dade de neutralização do duodeno. Ou se houver a infecção
do duodeno em neutralizá-la. Diversos fatores influenciam os por HP, que coloniza e inflama a área metaplásica, podendo
elementos dessa equação, facilitando ou dificultando o desen- culminar com a ulceração.
volvimento das úlceras. O tabagismo, por exemplo, exerce uma No caso das úlceras idiopáticas, os trabalhos de McColl e
forte influência nesse binômio, favorecendo a colonização de Harris sugerem uma hiperacidez semelhante à dos pacientes
H. pylori no bulbo duodenal. Ao estimular a secreção ácida e com úlcera HP-positiva, além do esvaziamento gástrico acelera-
inibir a de bicarbonato pelo pâncreas, pode comprometer a do. Harris et al. defendem que essa hipersecreção seja causada
capacidade do duodeno em neutralizar a carga ácida recebida. pelo aumento idiopático das células parietais.
Porém, após a cura da infecção, a persistência do tabagismo
não mais representa fator de risco para recorrência da úlcera,
na demonstração de que a infecção pelo microrganismo é o • IMPLICAÇÕES ClfNICAS
fator critico para a ocorrência da lesão.
Diversos trabalhos relataram a ação lítica da bile sobre o Os pacientes com úlceras pépticas idiopáticas são candida-
H. pylori, o que teoricamente tornaria o bulbo duodenal um tos a uso crônico de antissecretores. Entretanto, os estudos que
ambiente hostil à bactéria. Contudo, a infecção por HP no antro avaliaram as doses de antagonistas de receptores de H 2 e ini-
gástrico induza hipersecreção gástrica ao bloquear mecanismos bidores de bomba de prótons capazes de prevenir as recorrên-
fisiológicos inibitórios entre as células produtoras de gastrina e cias foram realizados com portadores de úlcera HP-positivos.
as células parietais, resultando no aumento da liberação de gas- Faltam estudos para avaliar as doses de manutenção a serem
trina e, consequentemente, da acidez gástrica. Graham e outros usadas nesses pacientes. Sabe-se que as drogas antissecretoras
200 Capitulo 20 I Úlcera Péptico Helicobacter pylorf-negotlvo

Hitschowitz, 81, Mohnen, J, Shaw, S. Hlgh ....currence rate of duodenal ulcer


são menos eficazes no controle do pH intragástrico de indivi-
despite H. pylori eradlcatlon in a clinicai substt-rapidly recurring pepUc
duas HP-negativos quando comparados aos infectados. Por- uktr. Gastrotnlnofogy, 1994; 106:A94 (abstnct).
tanto, parece razoável manter altas doses de antissecretores Hosking. SW, Yung. MY, Chunt. SC er aL Dilfering p<evalence of Htlicobacttr
indefinidamente, até que os estudos clínicos definam qual a pyWrlin bltechngand nonb ~gulcers. Gastrotnttrnlogy,l992; 102-.ASS
(absttact).
melhor conduta. Jyolheeswaran, S, Shah, AN, Jln, HO et a/. Prevalenee of Helícobacter pylori in
pept.ic ulcer patienu in greater Rochester, NY: Is empirical t.riple therapy
justificd! Am I GtJJtrotnltn>~ 1998; 93:574-8.
Kemppainem, H, Ralha, I, Sourander, L. Clinicai presentation of pepUc uletr
• CONCLUSÕES in lhe elderly. Geronlology, 1997; 43:283·8.
Koop, H, Koop, I, Klein, M er ai. lrradlation-induced duodenal ulcer dlscase
As úlceras H. pylori negativas, não associadas a AINES, con- refractory to ranltidlne: I Jeallng by omeprazole. I Clin Gastroe,.lerol, 1989;
tribuem com apenas algumas das múltiplas questões ainda sem 11:631.
Kwan, CP & Tytgat, GN. Antral G-celí hyperplasla: a vanishin diseasc7 Eur I
respostas na doença ulcerosa péptica. Ainda não está claro se, Ga.stroenlerol Hepatol, 1995; 7:1099.
de fato, ocorre um aumento dessas úlceras ou se, em virtude Laine, L, Estrada, R, TrujUlo, M ti ai. Effeet of proton-pump inhibitor ther-
do controle da infecção, as úlceras por outras etiologias estão apy on diagnostic testing for Hdkobactu pyWri. Mn lntern Mtd, 1998;
129:547-SO.
aumentando. A introdução dos inibidores de COX-2 e a menor Laine. L, Hopkin.s. RJ, Glrardi, LS. Hu lhe impaet of HeliaJbaatr pyl«i lherapy
utilização dos antigos AINEs devem acelerar o reconhecimento on ulcer recurrence In lhe Unltcd SlatM been overstated? Am I Gastrotn-
das úlceras idiopáticas. Espera-se que as pesquisas clínicas con- t<TOI, 1998; 93:1409-15.
Lanas. A, Strrano, P, Bajador. E et aL Evidence o(aspirin use in bolh upper and
sigam desvendar essa entidade e definir o tratamento ideal. lower gastroiniC$linal perfurallon. Gastrotniero/qgy, 1997; 112:683-9.
Lanas, AI, Remaeha, S. Esteva, F <1 a/. Risk factors assodated wilh refractocy
peptie uletn. Gastrotnttrology, 1995; 109:1124-33.
• LEITURA RECOMENDADA Lanza, F, Ciociola, AA, Sykes, D ti aL Ranitidine bismuto citrate plus clarithro·
mycin is effective in eradicating H. pylori, healíng duodenal uletrs. and
Almeida, )R, Almeida, RC, Almeida, TC, Oliveira Filho, JT, Cordeiro, FTM. preventing ulcer relapse. Gaslroenlerology, 1996; IIO:A 172.
Duodenltes. Em: Galvão-Alves, J & Dani, R (cds.). Tem~utlca em GtJJtro- Lee, JM, Breslin, NP, Fallon, C el ai. Rapld urease testslack sensitivity In Htll-
enlerologla. Rio de janeiro: Guanabara Koogan, 2004:159·64. wbacterpylori dlagnosls when peptic ulcers disease presents wíth bletdlng.
Anderson, W, Helman, CA, Hirschowitz, B. Basophilíc leukemla and lhe hyper- Arn I Gasln>enlerol, 2000; 95: 1166-70.
secretlon of gastrlc acld and pepsin. Gaslroenlerology, 1988: 95:195. Logan, RPH, Walke.r, MM, Míslewicx, WJJ t i ai. Changes in the intragastric
Annlbale, S. Marlsnani, M, Auoni, C et a/. Atrophlc body gastrills: Distinct distribution ofHelicobacter pylori during treatment with omeprazole. Gul,
features auoc:iatcd with Htlicobactu pylori infection. Htlicobacltr, 1997; 1995; 36:12·6.
2:57-64. Lohr, JM, Nelson, JA, Okbone, MBA. ls herpes simplex virus lWOC!ated wllh
Annibale, B, Rlndl, G, D'ambra. G et aL Anlrlll gastrin etU hyp<rfunction and ulcer peptlc disease! I Viro/, 1990; 64:2168-74.
Htlicobacltr pylorllnfection. Alim PharnlllQ>/ 1Mr, 1996; 1(}.6(17. Malaty, H, Graham, DY, lsalwon, I <I aL Ate genctic inllueoces on peptlc uJ.
Aoyama. N, Shinoda, Y, Matsushima, Yet aL Htlicobadtr pyforl·ntgative peptic cer dependent or independent of genctic inlluences for Htllcobacta pylorl.
ulcer NSAIDs or $lress! I Gastroenurol, 2000; .:JS (suppl XI/):33·7. lnf"'tion! Arei! lnl<rn M.J, 2000; 160:105·9.
Amar, DO, Gudmundsson, G, Theodors, A et ai. Primary cytom~ovirus ~ BJ & Warren,JR.. Unidtntified cwved bacilli in lhe stoma<h ofpatienu
infectlon and gaslric uletn in normal hoots. Dlg Dls Sd, 1991:36:108-11. wilh g&$lriUs and pepllc ulceration. Lanut, 1984; 1:1311-S.
Arroyo, MT, Glsbctt, JP. Lanas, A et aL The prev.lence of pepUc ulcer not re- McCoU. KE, El-1\ujumi, AM, Chittajallu, RS et al. A study of lhe pathogen-
late<! to Htllcobactu pyWri or non-steroidal anti-inDammatory drug use i.s esis of Helicobacter pylorl negativo chronic duodenal ulccr&tion. Gul, 1993;
neglígible In ooulhern Europe. Helicobacler, 2004; 9:249·54. 34:762-8.
Borody, TJ, George, LI.., Brandi, S el al. Smoking does not contrlbute to duode· Miwa, H, Sakaki, N, Sugano, K t i a/. Recurrent peptic ulcers in patlents foi·
nal uletr relapsc after Hellcobacter pylorl er.odlcation. Am I Gaslro•mterol, lowing successfullfe/icobacttr pylori eradication: a multícenler study of
1992; 87:1390·3. 4940 patients. Htlicobacter, 2004; 9:9-16.
Cherner, JA, jensen, RT, Oubois, A ti ai. Gastrointestlnal dysfunetlon In sys- Morgando, A, GiordanJno, C, Rizzetto, M ti ai. Role of Helicobacter pylori
temle m.,toeytosls. A prospective study. Gastrot11terology, 1988; 95:657. infecllon in peptic ulcer haemorrhage. Minerva Med, 2006; 97:41·50.
Chey, WD, Pey, O, Scheiman, IM el ai. Lansoprazole and ranltldlne affec:t the Nakanome, C, Ishímori, A, Komatsu, K et a/. Oinical significanet of glucagons
aceuraey of the "C-urea breath test by a pH·dcpendent mechani&m. Am I provocation tese in the cllasnosis of hypergaslrinemia. Gastroenlerol IP"·
GtJJtro<ni<TOI, 1997; 92:446-SO. 1981; 16:213-22.
Ciociola, AA, McSorlty, DJ, Turner, K et al. Htlicobacltr pylorl infeetlon rates Netto, AP. Alves, JG, Galvilo, MC ti al. Tumom Neuroend6crinos do l'tncreu.
in duodenal ulcer, 1999; 94:1834-40. Em: Dani, R (eds.). Gastroenmologia llsscndaL Rio de Janeiro: Guanabara
Coelho, LGV. Úlcera ptpUca gastroduocknal. Em: Dan~ R (cd.). Gastrotnlm>- Koogan, 2006:965·72.
Olbe, L, Hamld, A, Dalenbkh,J, Findriks, L. A mechanism by whích HtU·
logfa llsscnclal, 3' cd., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2006:176-82.
cobaaer pylori inftction of lhe antrwn contributeo to lhe development of
CoM, HO & Poynard, T. Corticosteroids md peptie ular. Meta·analysi& of
duodenal ulcer. Gastrotmnofogy, 1996; 110:1386-94.
adveneewnts duringsteroid thcnpy.l lnlern Mtd, 1994;236:619.
<h'mSen. L, Benduen, F, Tage, JV tt al.lntnluminal pH in lhe stomach. duode-
Cutler, AI'. Testlng for Heücobacter pylori in clinicai practlce. Am I M.J, 1996;
num and proxlmal J<junum in normal subje<u and patlents wllh exocrlne
100:3SS-<tiS. panereatlc lnsufficleney. Gastrotntnofogy, 1986; 90:958-62.
Dtbongnle, JC, Donnay, M, Mairesse, jet ai. Ga.stric uletr and Helicobacter Parsonnet, J. lhe incldenee of Helieobacter pylori lnfection. Alim Pharmaco/
heUmanniL Eur I Gastrotni<TOI Hepatol,. 1998; 49:398-402. Ther 1995; 9(suppl. 2):4S·SI.
Dore, MP & Graham, DY. Pathogenesi& of duodenal ulc:u dlscase: lhe rest of Peterson, WL, Cíoclola, AA, Sykes, DL el ai. Ranitidine bismulh cltrate plus
the story. Balllitr< Clinicai Gastrotnlerology, 2000; 14:97·107. darilhromycí.n is effectlve for healing duodenal ulcers, eradicaUon H . pylorl
Forbes, GM, Glaser, ME. Cullen, DJE et aL Duodenal ulcer treated with Helico- and reduci.ng ulcer recurrence. .Alim Pharmacol1her, 1996; 10:251 ·61 .
baeter pylori eradication: sevcn year follow· up. La11cet, 1994; 343:258·60. Peura, AD. The problem of Htlicobacltr pylorl·negative idiopathlc ulcer disease.
Fujlsawa, T, Kumagai, T, Akamatsu, T ti ai. Changes in seroepidemiological Besl Practiu .;. Rescarch Clinicai Ga.slromterology, 2000; 14:I 09·17.
pattern of Nclicobacter pylori and hepatitis A virus over lhelast 20 years in Reinbach, DH, Cruishank, G, McColl, KEL. Acute perforattd duodenal uletr is
Japan. J\rn I GtJJtrotni<TOI, 1999; 94:2094-9. not assodated wlth Nelicobacttr pylorllnfection. Gul, 1993; 34:1344-7.
Graf, J. HerbalantHnflamatory agents for sldn diseasc. Skln Thtr Ltlltr, 2000: Sanches, BSF. Alvarenga, GMY, Dan~ R. Em: Dani, R (cd.). Gastrotnttrologla
5:3-S. llsscnclal, 3' ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006:183-93.
Graham, OY. Large U. clinicai trial reporta higb proportion ofH. pylori ntgative Sinar, DR. Botymski. EM, Blackshear, )L. Effects oforal potassiwn supplemenu
duodenal uletn at Sludy entry a.s wtU a.s a higb teCIItm>et rale aJ\er cure on supper gastrointestlnal mucooa: Multicenter dinical comparison oflhree
of lhe lnfectlon: Ha'-e we aU been wrong! Gastn><nlno/ogy, 1998; 114:A17. formulatlons and plaetbo. Clln 1Mr, 1986;8:157-63.
Graham, DY & Mabty, HM. Alendronate gastric ulcers. AUm Ploannaco/ 1he, Sugiyama, T, Nishi.kawa, K, Alwmtsu, T ti aL Attibutable risk of H . pylori
1999; IJ:51S·9. in pepUc ulcet distasc: Do<s dedining pm-alence of inftction in general
HarriJ, AW, Gwnmen, PA, Phull, PS .r a/. Recurrence of duodenal ulc:u after population explain ínaeaslng frequenty of non-H. pylorl ulcers? Dlg Dls
Hdicobactff pylori eradication is relate<! to high acid outpuL Alim Phar- Sd, 200 I; 46:307·1 O.
macol Ther, 1997; 11:331-4. Vareing. TH & Sawyers, JL. Carcinoids and the earcinoid syndrome. Am I
Henry, A, Batey, RG. Low prevalence of Htlkobadtr pylorl in an Australían Surg, 1983; 145:169.
duodenal uleer population: NSAIDitis or the effect often years of H. pylori Wise, L, Kyriakos. M. MeCown, A, Ballinger, WF. Croluis disease of lhe duodenum:
treatrnent? Au&t N Z I Med, 1998; 28:345. a report and analyslsofeleven new cases. Aml Surg, 1971; 121:184-94.
21 Divertículos, Vólvulo, Dilatação
Aguda, Corpos Estranhos
(Bezoares), Ruptura Gástrica
e Crohn
Carlos Henrique Diniz de Miranda e Maria do Carmo Friche Passos

• DIVERT[CULOS GASTRICOS • Diagnóstico


Os divertículos do estômago são raros e, na maioria das ve- São mais frequentes nas mulheres e, na maioria das vezes,
zes, constituem achados casuais no estudo radiológico do tra- diagnosticados entre a 3.• e a 6.• década de vida e assintomáti-
to digestivo alto. Aparecem de forma isolada, com localização cos. Ocasionalmente, surgem manifestaçôe intermitentes de dor
preferencial justacardíaca (75%) e pré-pilórica (15%). torácica, náuseas, vômito e disfagia após a ingesta alimentar,
piorando com o decúbito e melhorando quando se adota uma
posição que permite o esvaziamento do divertículo.
• Classificação Na maioria das vezes, constitui achado radiológico acidental,
... DIVERT(CULOS VERDADEIROS CONGiNITOS. São constituídos por com imagem sacular característica, lisa e uniforme, mostrando
todas as camadas da parede gástrica e localizam-se, preferen- nivel hidroaéreo.
cialmente, na região justacard!aca. Endoscopicamente, assemelham-se a agulheiros, com bor-
"" DIVERT(CULOS VERDADEIROS ADQUIRIDOS. Não existe ruptura das bem definidas, sem sinais infiltrativos e, às vezes, conten-
das camadas da parede gástrica. São decorrentes de doença do alimento.
orgãnica, sendo subdivididos em. O diagnóstico diferencial se faz com hérnias diafragmáticas,
úlcera crônica perfurada e tumores gástricos.
• Divertfculos de pu/são, consequentes a aumento de pres-
são intragástrica;
• Divertfcu/os de tração, produzidos por aderência da pa- • Complicações
rede gástrica a estruturas externas, devido a processo in-
São pouco frequentes. A mais grave e mais comum é a he-
flamatório.
morragia maciça com hemoperitônio. Perfuração isolada e tor-
.,. FALSOS DIVERTfCULOS. Ocorrem quando há alteração na in- ção com ou sem gangrena podem também ocorrer.
tegridade de urna ou mais camadas da parede gástrica. Podem
ocorrer por pulsão ou tração.
• Tratamento
O tratamento é conservador. Recomenda-se dieta pobre em
• Etiopatogenia gorduras, em pequenas quantidades e com intervalos menores.
Acredita-se que os divertículos verdadeiros congênitos de- Podem -se associar antiácidos, para alivio da pirose, e agentes
corram de fatores relacionados com uma menor resistência da procinéticos para acelerar o esvaziamento do divertículo.
parede gástrica justacardíaca, envolvendo fibras musculares, Nos casos em que não se obtém melhora com o tratamento
com a entrada das ramificações da artéria gástrica e a ausência clínico, ou em vigência de complicações, está indicado o tra-
de peritônio recobrindo essa região, tornando-a mais suscetí- tamento cirúrgico.
vel a aumentos da pressão intragástrica consequentes a entrada
de alimentos, tosse, vômitos, gravidez ou constipação intes-
tinal prolongada. Isso ocorre com maior frequência quando • VOLVULO
há acometimento inflamatório da parede gástrica, como nas
gastrites e úlceras. Trata-se da rotação do estômago em mais de 180°. O primei-
Processos inflamatórios adjacentes, como colecistite e pan- ro caso de vólvulo gástrico foi descrito em 1866. A gravidade
creatite, levam à proliferação fibroblástica, com formação de dos sintomas e a deterioração clínica constituem urgência ci-
aderências, originando assim os divertículos por tração. rúrgica (vólvulo agudo).

201
202 Capftulo 21 I Divertfcu/os, V6/vulo, Dilatação Aguda, Corpos Estranhos (Bezoares), Ruptura Gõstrica e Crohn

gastrostomias endoscópicas percutãneas com fixação por tubos


• Classificação oferecem bons resultados no tratamento do vólvulo recorrente
A classificação mais utilizada é a de von Haberer, modifi- primário.
cada por Singleton, que classifica os vólvulos quanto ao tipo
(organoaxial, onde ocorre um giro em torno de uma linha que
une longitudinalmente a cárdia ao piloro, e mesenteroaxial, • DILATAÇÃO GÁSTRICA AGUDA
onde o giro ocorre em torno de um eixo transversal que pas-
sa em um ponto médio da pequena e da grande curvatura) e O primeiro caso de dilatação gástrica aguda foi descrito por
quanto à extensão (total ou parcial), direção (anterior ou pos- Rokitansky, em 1842. A seguir, inúmeros relatos com diferen-
terior), etiologia (primário ou secundário) e gravidade (agudo tes sinonímias foram publicados, em sua maioria relacionados
ou crônico). com procedimentos cirúrgicos.

• Fisiopatologia • Etiologia
No caso de vólvulo primário, a fisiopatologia está relaciona- Atualmente, aspiração nasogástrica, correção de distúrbios
da com alterações decorrentes de relaxamento ou malforma- hidreletrollticos e acidobásicos e melhores técnicas anestésicas
ção de um ou mais dos ligamentos que sustentam o estômago. fazem com que a dilatação gástrica pós-operatória seja menos
O estômago em cascata, a dilatação gástrica e condições que frequente. Outras etiologias incluem oxigenoterapia por más-
promovem o hiperperistaltismo são fatores que predispõem ao cara ou cateter nasal, intubação orotraqueal, difusão do óxido
relaxamento dos ligamentos. n itroso no tubo digestivo durante a cirurgia, manobras de re-
O vólvulo secundário tem sua origem na herniação gástri- animação cardiorrespiratória, insuflação gástrica na indução
ca consequente a defeito diafragmático, como, por exemplo, a anestésica, traumatismos diversos, peritonites graves e cetoa-
hérnia paraesofágica. cidose diabética, entre outras.

• Diagnóstico • Fisiopatologia
Dor epigástrica ou torácica inferior intensa, acompanhada Relacionada com distúrbio motor do estômago, com com-
de náuseas, esforço de vômito sem eliminação do conteúdo prometimento do marca-passo gástrico, originando um ileo
gástrico e dificuldade para progressão de sonda nasogástrica paralítico segmentar. O estômago se distende, acumulando
são os principais sintomas do vólvulo agudo. Distensão abdo- aí suas secreções, que são continuamente estimuladas pelo
minal, dor à palpação e timpanismo são os principais achados aumento da pressão intragástrica. Há depleção do espaço
ao exame fisico. Com frequência, o quadro de vólvulo agudo extracelular e distúrbios hidreletrolíticos. A compressão da
é complicado por obstrução ou estrangulamento, evoluindo veia cava e da veia porta pelo estômago dilatado pode reduzir
para choque. O vólvulo crônico origina mal-estar e distensão o retorno venoso, com alterações hemodinâmicas, inclusive
no andar superior do abdome, que não cedem com eructações choque.
e, às vezes, estão associados a pirose e palpitações.
A radiologia faz o diagnóstico diferencial do vólvulo agu-
do com outras urgências abdominais. A radiografia simples
• Diagnóstico
mostra víscera cheia de gás, no tórax ou abdome superior, e a Dor abdominal, desconforto epigástrico, náuseas e vômito
contrastada mostra obstrução no ponto de rotação. No vólvulo são os principais sintomas. Distensão epigástrica progressiva e
crônico, a sintomatologia é menos exuberante e quase sempre timpanismo abdominal, desidratação, hipotensão e choque em
intermitente. fases tardias são os principais achados ao exame físico.
A radiografia contrastada durante a ocorrência do quadro A radiografia simples de abdome mostra dilatação gástrica
estabelece o diagnóstico. intensa com nível hidroaéreo. Os raios X contrastados eviden-
ciam dilatação parcial no nível do duodeno proximal. A intro-
dução de sonda gástrica drena grandes volumes de secreção
• Tratamento gástrica.
O vólvulo agudo constitui emergência cirúrgica. O trata- Laboratorialmente, evidencia-se distúrbio hidreletrolítico e
mento envolve redução do vólvulo, gastrectomia parcial, nos acidobásico, com alcalose ou acidose, dependendo da quanti-
casos de necrose, e gastropexia ou gastrostomia para fixar o dade de ácido gástrico e secreções biliares e pancreáticas perdi-
estômago em sua posição anatômica correta. Concomitan- das. O diagnóstico diferencial se faz com peritonite, obstrução
temente, devem-se reparar os fatores predisponentes para intestinal mecânica e doenças vasculares abdominais agudas.
hérnia. O vólvulo secundário requer reparação do diafragma, A ausência de irritação peritoneal, a presença de ruídos intes-
correção de aderências e gastrectomia parcial na presença tinais e de vômitos e os sinais radiológicos permitem, de forma
de carcinoma. A laparotomia é o método mais comum para geral, estabelecer o diagnóstico.
tratamento do vólvulo agudo. Porém, a redução laparoscó -
pica com gastropexia endoscópica percutânea por múltiplos
tubos de gastrostomia pode ser utilizada para tratamento do
• Tratamento
vólvulo organoaxial. Consiste em drenagem gástrica contínua por sonda, uso de
Nos casos de vólvulo crônico, podem-se obter resultados antieméticos, mudança de posição do paciente em intervalos
com medidas dietéticas, como diminuir o volume alimentar e regulares, hidratação e correção de distúrbios hidreletrollticos
evitar ingestão concomitante de líquidos. Várias modalidades e acidobásicos. O tratamento cirúrgico está indicado quando
cirúrgicas podem ser empregadas no tratamento do vólvulo há complicações, como infarto gástrico com gangrena ou ne-
crônico. Desfazer a rotação, durante endoscopia, e múltiplas crose.
A B

Figura 21.1 A, Formação sacular com pedfculo no fundo gástrico (divertículo gástrico). (Gentileza do Prof. João Paulo Matushita -Belo Ho-
rizonte, MG.) B, Visão endosc6pica de divertículo de fundo gástrico. (Gentileza da Dra. Luciana Moretzsohn - Belo Horizonte. MG.) C. V61vulo
gástrico organoaxial sem obstrução. Incidência frontal. (Gentileza do Prof. João Paulo Matushita - Belo Horizonte, MG.) O, V61vulo gástrico
organoaxial sem obstrução. Incidência em perfil. (Gentileza do Prof. João Paulo Matushita- Belo Horizonte. MG.) E, Dilatação gástrica aguda
vista aos raios X de tórax. (Gentileza do Dr. J. Laurentys Medeiros - Belo Horizonte, MG.) F, Aspecto de tricobezoar à gastrotomia. (Gentileza
do Dr. J. Laurentys Medeiros- Belo Horizonte, MG.) (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)

203
204 Capftulo 21 I Divertfcu/os, V6/vulo, Dilatação Aguda, Corpos Estranhos (Bezoares), Ruptura Gõst rica e Crohn

• CORPOS ESTRANHOS (BEZOARES) • RUPTURA GÁSTRICA AGUDA


Os corpos estranhos gástricos podem ser resultantes de in- A ruptura gástrica aguda é rara e constitui um quadro de
gestão acidental ou decorrentes do acúmulo de variadas subs- abdome agudo cirúrgico que requer tratamento imediato, de-
tãncias no estômago, podendo levar à obstrução ou à ruptura vido ao alto índice de mortalidade.
gástrica.
• Classificação
• Classificação A ruptura gástrica aguda pode ser espontânea, não trau-
Os bezoares são classificados, de acordo com seus consti- mática ou traumática.
tuintes, em:
• Fitobezoares: formados por fibras vegetais. • Etiologia
• Tricobezoares: formados por pelos. Espontânea: vômitos, contração forçada do diafragma.
• Trico.fitobezoares: formados por vegetais e pelos. Traumáticas: externas (lesões abdominais fechadas e feridas
• Farmacobezoares: formados por medicamentos como penetrantes) e iatrogênicas (endoscopia, intubação, sonda vesi-
hidróxido de alumínio, nifedipino, contraste radiológi- cal, descompressão), tamponamento (balão esofágico), instru-
co etc. mentação (dilatação e próteses), anestesia (hiperinsuflação com
• Concreções: formadas por materiais do tipo sllica, cimen- gases anestésicos), reanimação cardlaca e respiratória, cirúrgica,
to etc. como fundoplicatura, esplenectomia, embolização terapêutica,
ingestão de corpos estranhos e beroares.
No homem, os mais frequentemente encontrados são os
Excepcionalmente, a ingestão excessiva de bicarbonato de
tricobezoares (55%) e os fitoberoares (40%). Os tricoberoares sódio pode levar à dilatação e ruptura gástrica, pois sua intera-
ocorrem em 90% no sexo feminino, e os pacientes têm menos ção com ácido clorídrico produz dióxido de carbono, que leva
de 30 anos em 80% dos casos, especialmente crianças e adultos à distensão gástrica intensa.
com distúrbios mentais. Outros corpos estranhos podem ser
encontrados no estômago, decorrentes de ingestão acidental,
tais como botões, alfinetes e pequenos ossos de aves ou espi- • Fisiopatologia
nhas de peixes. A contração brusca dos músculos abdominais e do diafrag-
ma determina aumento súbito da pressão intragástrica, em um
sistema de alça fechada, que leva à ruptura, com maior frequên-
• Etiologia cia na posição proximal da pequena curvatura (73%), área de
Entre os fatores que predispõem à formação de bezoares, menor elasticidade e menor número de pregas.
incluem-se as cirurgias gástricas, que levam à diminuição das Tosse, levantamento de peso, crises convulsivas do tipo gran-
secreções de ácido e pepsina, atonia e estenose gástrica; a estase de mal, trabalho de parto e vômitos incoercíveis são fatores que
gástrica, em decorrência de doenças orgânicas, como diabetes predispõem ao aumento da pressão intragástrica.
melito, hipotireoidismo; a tricofagia, a ingestão de medicamen-
tos e os distúrbios da motilidade gástrica.
• Diagnóstico
Antecedentes de vômito ou contrações forçadas da
• Diagnóstico musculatura abdominal e diafragmática, dor abdominal súbi-
Os sintomas são vagos, podendo o indivíduo ser assinto- ta, distensão, peritonismo, enfisema subcutâneo, dificuldade
mático ou apresentar desde sintomas dispépticos leves até respiratória e choque são os componentes clínicos mais im-
sinais de obstrução intestinal ou ruptura gástrica. Ao exa- portantes.
me físico, podem-se detectar macicez e massa epigástrica A radiologia mostra pneumoperitônio, presença de ar abai-
móvel. xo do diafragma e, em uma fase inicial, distensão do estômago.
A radiologia e a ultrassonografia podem colaborar para A paracentese ajuda a estabelecer o diagnóstico, nos casos de
o diagnóstico, porém a endoscopia é que fornece o diagnós- traumatismo externo, antes que os sinais clínicos se tornem
evidentes.
tico definitivo. O diagnóstico diferencial se faz com gastri-
tes, úlcera péptica, câncer gástrico e doenças do trato biliar.
As complicações são anemia, obstrução intestinal e ruptura • Tratamento
gástrica.
Medidas urgentes de terapia intensiva, conforme cada
caso.
• Tratamento Tratamento cirúrgico de urgência, com rafia gástrica, lava-
gem e exploração minuciosa da cavidade abdominal, visando
O tratamento conservador baseia-se em reeducação alimen- a detectar lesões em órgãos adjacentes.
tar, eliminação de vícios alimentares, dissolução de bezoar sus-
cetível a isso, através de enzimas, como a celulase, papaína e
bromelina, uso de mucoliticos como acetilcisteína, agentes pro- • DOENÇA DE CROHN DO ESTOMAGO
cinéticos, lavagem gástrica, fracionamento e reti.r ada endoscó-
pica. Quando as medidas conservadoras falham ou a massa é Doença caracterizada por processo inflamatório granuloma-
muito grande, determinando obstrução, indica-se o tratamento toso crônico, que pode acometer todo o tubo digestivo, com
cirúrgico. incidência maior na região do ileo terminal. O acometimen-
Capitulo 21 I Divertfculos, V6/vulo, Dilatação Aguda, Corpos Estranhos (Sezoares), Ruptura G6strica e Crohn 205
to gástrico é raro. Quando presente, localiza-se preferencial-
mente na região antral e associado a outros segmentos do tubo
• Tratamento
digestivo. Obedece à mesma abordagem terapêutica do acometimento
de outros segmentos do trato digestivo. O tratamento cirúrgi-
co é reservado para os casos de hemorragia maciça, fistulas ou
• Diagnóstico estenoses levando à obstrução.
As manifestações clinicas são variadas, podendo o paciente
ser assintomático, apresentar sintomas dispépticos inespecífi-
cos, ou náuseas e vômito relacionados com a slndrome de es- • LEITURA RECOMENDADA
tenose pUórica. O sangramento gástrico agudo é raro, e, oca-
sionalmente, pode surgir cólica biliar devido a acometimento Bicalho, SA, Al(rtdo, MGL, Alfredo, CL. Divertículos, vólvulo. dUataçio gástrica
aguda, corpos estranhos (bezoares), ínfccções crônicas e outru doenças
inflamatório da papUa de Vater.
raras. Em: Castro, LP & Coelho, LGV. GeutrotnttrOiogia. Rio de Iarteiro.
As alterações laboratoriais podem constituir-se de anemia Ed. Medsl, vol. I, 2004.
macrocitica e hipoproteinemia, dependendo do grau e da ex- Clcarfield, HR. Acute d.Uatatlon, volvulus, and torsion o( the stomach. Em:
tensão da doença, e um gastroaddograma é passlvel de revelar Boclrus: Gasttoenterology. S'" ed., PhUadelphb, W.B. Saunders Company,
hipo ou acloridria. vol. I, 1995.
Os achados radiológicos constam de alterações da motUidade, Oearfidd, HR. Trauma. bnoars, and other (oreign bodies. Em: Boclrus: Gutro·
enterology. 5'" ed., Phlladelphla, WB. Saunders Company, YOI. I, 1995.
como retardo de esvaziamento, atonia ou distensão gástrica, Daocygier, H & Frick, B. Crohn's disease o( the upper gastrointestlnal tract.
e/ou de alterações morfológicas, como estenose, aumento da Endoscopy, 1992: 24:555·8.
rigidez da parede gástrica, achatamento de pregas com nodu- Herrera, AF & Seedor, JW. Oiverticula o( stomach and duodenum. Em: Bodt.us:
lações, pequenas úlceras rasas e, por vezes, formações vario- Gastroc:nttrology. S"' ed., Philadelphia, W.B. Saunders Company, vol. I,
liformes. 1995.
Jeyarajah, R & Har(ord, WV. Abdominal Hernies and Gastric Volvulus. Em:
A endoscopia mostra mucosa nodular, presença de pequenas Sleisenger and Pordtran's Gastrointestinal and Liver Disease. 8' ed., Phlla·
úlceras múltiplas e superficiais, aftoides ou Lineares, estenose delphla, Saunders lllsevler, vol. I, 2006.
antral em 40% dos pacientes. Devem ser realizadas múltiplas Sandler, RS. Miscellaneous dlseases of stomach. Em: Yamada, T. Textbook o(
biopsias devido à possibilidade de haver lesão histológica em Gastroenterology. 2"' ed., PhUadelphia, j.B. Uppincott Company, vol. I,
áreas macroscopicamente normais. Histologicamente, obser- 1995.
Sd!aefer, DC, Nikoomenesh, P, Moere, C. Gastric volvulus: an old dlscase pro-
vam-se ulcerações rasas, reação granulomatosa e granulomas cess with some new IWIJ!S. Th< GeutromtnoJogiJt, 1997; 5:41· 5.
não caseificados. O diagnóstico diferencial se faz com sarcoi- Yardley, JH & Hendrlx, TR. Gastr!Us, duodenitis and associated ulceratM: lc-
dose, tuberculose, actinomicose, histoplasmose, sífilis gástrica, sion.s. Em: Yamada, T. Tatbook of Gasuoenterology. 2"' ed., Philaddphla,
linfoma e carcinoma. J.B. Uppincon Company, vol. I, 1995.
22 Infecções Crônicas: Tuberculose,
Sífilis, Micoses e Herpes
Luciana Dias Moretzsohn e Maria do Carmo Friche Passos

Provavelmente devido à ação esterilizante do suco gástrico, que úlcera ou neoplasia gástricas ou por contiguidade de lesões em
destroi a maioria dos microrganismos deglutidos pelo homem, órgãos vizinhos.
as infecções gástricas são bastante incomuns. Exceção é feita A apresentação clínica da tuberculose gástrica é dividida em
para a infecção causada pelo Helicobacter pylori, que conseguiu três principais grupos: síndrome de obstrução pilórica, hemor-
adaptar-se de forma extraordinária a esse ambiente hostil. Neste ragia digestiva alta e massa simulando neoplasia. Dessa forma,
capítulo, serão abordadas as infecções gástricas causadas por os principais sintomas referidos pelos pacientes são dor ab-
tuberculose, sífilis, fungos e herpes simples. dominal crônica e inespecílica, hematêmese (às vezes maciça),
vômito, perda de peso, febre., além de diarreia ou constipação
intestinal. Clinicamente, a tuberculose gástrica não pode ser
• I. TUBERCULOSEGÁSTRICA diferenciada de uma úlcera péptica ou de uma neoplasia. Sendo
assim, devemos suspeitar dessa etiologia em pacientes jovens
A incidência da tuberculose em países ocidentais diminuiu que não responderam à terapia antiulcerosa, em portadores de
gradativamente até 1985. Entretanto, estudos recentes têm tuberculose em outros órgãos, quando o teste cutâneo de tuber-
demonstrado um aumento do número de casos de tubercu- culina for positivo, na presença de massa palpável em epigástrio,
lose no trato gastrintestinal nos Estados Unidos, provavelmente quando o estudo radiológico evidenciar f!stulas gástricas e en-
como resultado da grande imigração de estrangeiros para aquele volvimento concomitante do duodeno. Em mais de 50% dos
país, do aparecimento da Síndrome de lmunodeficiência Hu- pacientes, é possível evidenciar tuberculose extragástrica.
mana Adquirida (AIDS) e do uso de drogas imunossupr es- Os métodos de imagem e a endoscopia digestiva alta podem
soras. O envolvimento da tuberculose no trato gastrintestinal ser úteis para o diagnóstico. A aparência macroscópica da tu-
acontece mais frequentemente na região ileocecal, seguido por berculose gástrica é dividida em três categorias: tubérculo, úl-
cólon ascendente, jejuno, apêndice, duodeno, estômago, sig- cera e hipertrofia. Em 57 a 95% das vezes, a tuberculose gástrica
moide e reto. Múltiplos segmentos do aparelho digestivo po- apresenta-se como lesões ulcerativas únicas ou múltiplas, irregu-
dem ser acometidos, entretanto o envolvimento do estômago é lares, com base caseosa ou granular. Acometem principalmente
raro, provavelmente devido à inexistência de tecido linfoide na a pequena curvatura do antro, exceto em portadores de AIDS,
mucosa gástrica normal, seu ambiente ácido, seu esvaziamento onde são mais frequentes na cárdia. A perfuração é rara, visto
rápido, além da imunidade local. que essas lesões raramente ultrapassam a camada muscular. O
A frequência da tuberculose gástrica é variável em diferentes encontro de tubérculos é infrequente e, de um modo geral, é
estudos. Em 1930, Good reportou uma incidência de tubercu- parte do espectro da tuberculose miliar em fase final. A principal
lose gástrica de 0,003 a 0,21% em necropsias de rotina, e de 0,3 forma de apresentação de um único tuberculoma é como uma
a 2,3% em necropsia de portadores de tuberculose pulmonar. lesão submucosa gástrica.
Em 1950, Palmer encontrou, em necropsias de rotina, uma O diagnóstico definitivo é estabelecido através de estudo his-
incidência de tuberculose gástrica de 0,16%. A frequência de topatológico de amostras de tecido obtidas através de biopsias
tuberculose gastrintestinal guarda uma relação com a presença endoscópicas ou de peças cirúrgicas, onde se observa inflamação
e gravidade do acometimento pulmonar da doença, podendo granulomatosa com caseificação, necrose tecidual, infiltrado lin-
estar presente em até 25% dos pacientes com formas pulmo- focítico e de células plasmáticas e, ocasionalmente, a presença de
nares graves. O acometimento gástrico da doença é 2 a 3 vezes células gigantes multinucleadas. O encontro de bacilos álcool-
mais comum em homens que em mulheres, atingindo prefe- acidorresistentes somente ocorre em um terço dos casos e, ra-
rencialmente adultos com idade entre 20 e 40 anos. ramente, há crescimento em cultura de lavado gástrico.
A principal via de disseminação da tuberculose para o es- Diagnósticos diferenciais incluem sífilis, infecções micóticas,
tômago é a linfática, através de linfonodos celíacos. Outras vias doença de Crohn, sarcoidose, gastrite por contato com cor-
possíveis incluem a invasão direta da mucosa gástrica por bacilo rosivos, gastrite granulomatosa primária, úlcera e carcinoma
deglutido, disseminação hematogênica, superinfecção de uma gástricos.

206
Copftulo 22 I Infecções Crônicos: Tuberculose, Sffilis, Micoses e Herpes 207

Apesar de muitos autores sugerirem que a melhor aborda- inespecfficos e incluem dor abdominal, náuseas, vômito, perda
gem terapêutica da tuberculose gástrica seja a cirurgia seguida ponderai, hiporexia e sangramento digestivo. Deve-se pensar
por terapia antituberculosa, ainda não existem estudos con- nesse diagnóstico em pacientes com sorologia positiva para sí-
trolados que definam qual a melhor estratégia. O tratamento filis (VDRL - Venereal Disease Research Laboratorye FTA-ABS
clinico com esquemas terapêuticos clássicos parece oferecer - Fluorescent Treponemal Antibody A bsorption) que apresen-
excelentes resultados como em outras formas extrapulmonares tam alterações endoscópicas ou radiológicas principalmente
da doença. Sendo assim, a abordagem cirúrgica seria indicada em antro e que não responderam ao tratamento convencional
apenas em casos especiais como obstrução pilórica, perfuração, para afecções pépticas.
formação de abscessos, hemorragia maciça ou dificuldade no O aspecto endoscópico da sífilis gástrica é variável, poden-
diagnóstico. do apresentar-se como um eritema e edema difusos às vezes
O prognóstico da tuberculose gástrica depende da gravi- com erosões ou ulcerações rasas, em alguns casos como lesões
dade e da extensão da doença, mas geralmente há uma boa profundas, extensas e ulceradas, sugerindo uma neoplasia e,
resposta ao tratamento antimicrobiano associado a suporte ocasionalmente, como uma hipertrofia mucosa que simula um
nutricional. linfoma ou linite plástica (Figura 22.1).
O estudo histopatológico de fragmentos de mucosa gástri-
ca obtidos através de biopsias endoscópicas geralmente mos-
• 11. SfFILIS GÁSTRICA tra alterações in específicas com processo inflamatório crônico,
com grande infiltrado de células plasmáticas estendendo-se até
O acometimento gástrico é raro na sífilis secundária e ter- a submucosa. Pode ocorrer também um processo inflamatório
ciária, ocorrendo em aproximadamente 0,1% dos pacientes in- agudo com grave destruição da mucosa. Vasculite mononu-
fectados. Dessa forma, é necessário um alto grau de suspeição clear envolvendo grandes vasos na submucosa e muscular é
para o diagnóstico desses casos. sugestivo de gastrite sífilitica, e seu encontro deve alertar para
A sífilis gástrica é mais comum em indivíduos jovens, meno- esse diagnóstico.
res de 30 anos, apesar de poder acometer pacientes mais ido- O diagnóstico definitivo é feito através da demonstração do
sos. Os principais sintomas relacionados à sífilis gástrica são Treponema pallidum no tecido gástrico, com utilização de co-

Figura 22.1 Aspectos endoscópico e radiológico de lesão antral observada em paciente portador de sífilis secundária. (Arquivo Prof. J.lau·
rentys Medeiros.) As características endoscópicas são ulcerações, friabilidade e hemorragia da mucosa. Radiologicamente, há perda do padrão
mucoso normal e afunilamento do antro.
208 Capitulo 22 I Infecções Crónicos: Tuberculose, Sffi/ls, Mlcoses e Herpes

!oração com prata, técnicas de campo escuro ou microscopia O diagnóstico é diflcil e geralmente ocorre durante a necrop-
imunofluorescente. sia, quando são identificadas hifas compatíveis com mucormi-
O tratamento da sífilis gástrica baseia-se na utilização de cose no tecido gástrico. A cultura para fungos da parede gástrica
penicilina. Alguns autores preconizam o uso concomitante de pode fornecer um diagnóstico de certeza.
drogas antissecretoras que otimizariam a cicatrização das lesões. O tratamento consiste em suporte metabólico, adminis-
O perlodo médio de cura das lesões gástricas é de aproxima- tração de anfotericina B, além de desbridamento cirúrgico de
damente 1 mês, podendo em alguns casos ocorrer em 10 dias, tecido necrótico.
ou em até vários meses. O processo cicatricial pode deixar uma
deformidade gástrica definitiva.
• 3. Histoplasmose
:B raro o envolvimento gástrico na histoplasmose dissemi-
• 111. MICOSES GÁSTRICAS nada. Após a infecção respiratória inicial, a disseminação da
doença ocorre na minoria dos casos, particularmente em idosos
• 1. Infecção por Candida albicans e pacientes imunodeprimidos. O estudo histológico de úlceras
ou lesões que simulam neoplasia em fundo gástrico e cárdia,
Trata-se de um saprófita que reside habitualmente no trato através do Giemsa, da prata ou técnicas de imunofluorescên-
gastrintestinal, estando presente na cavidade oral de 50% das cia, evidencia granulomas não caseificados e o fun.go de forma
pessoas hlgjdas. A candidíase é comum e ocorre frequente- ovaL O tratamento com anfotericina Bou cetoconaz.ol é geral-
mente em pessoas imunodeficientes, alcoólatras, pacientes em mente eficaz.
uso de antibióticos, corticoides e antineoplásicos. Boca, faringe
e esôfago são as estruturas mais frequentemente acometidas.
De um modo geral, o acometimento gástrico é secundário à • 4. Blastomicose Sul-americana
infiltração de lesões ulceradas benignas ou malignas. Excepcio- Parece ser excepcional a lesão paracoccidioidomicótica no
nalmente, observa-se candidíase primária da mucosa gástrica
estômago. As raras descrições disponíveis sugerem que o aco-
em pacientes imunodeprimidos.
Nos imunocomprometidos, o fungo pode promover apenas metimento gástrico ocorre por contiguidade de doença gra-
uma colonização superficial ou invadir a parede gástrica. A pre- nulomatosa estabelecida em gânglios linfáticos e órgãos vizi-
sença de hifas sugere invasão pela C. o/bicons, pois. nos casos nhos. Clinicamente, apresenta-se como lesões ulceradas ou até
de simples colonização, observam-se apenas esporos. Lesões vegetantes, que simulam neoplasia. A biopsia dessas lesões, de
precoces apresentam-se como pequenas elevações brancacentas um modo geral, mostra apenas processo inflamatório crônico
que tendem a se ulcerar com o progredir da doença. O acometi- com ausência do parasito. O tratamento é dirigjdo à micose
mento vascular resulta em trombose e isquemia, com surgjmen- sistêmica.
to de ulcerações largas e serpigjnosas. O aspecto radiológjco é
de lesões nodulares e úlceras aftoides rasas.
O diagnóstico baseia-se na identificação do fungo através de • IV. HERPES SIMPLES
citologia ou biopsia gástrica. De um modo geral, o tratamento
requer o uso de antifúngicos de ação sistêmica, e o prognóstico Doença disseminada pelo herpes simples pode acometer
depende da doença primária do paciente. tanto o esOfago como o estômago de pacientes imunodeficien-
tes. O acometimento gástrico pelo herpes simples determina,
de um modo geral, sintomatologia discreta e inespedfica. O
• 2. Mucormicose estudo endoscópico pode identificar lesões em diferentes está-
Apesar de haver controvérsias com relação à nomenclatura, gios evolutivos. Inicialmente, observam-se pequenas veslculas
mucormicose é o nome genérico dado a diversas doenças causa- de base eritematosa que evoluem com uma ulceração no ápi-
das por diferentes tipos de fungos saprofiticos da ordem Muco- ce conferindo-lhes o aspecto de um vulcão e, posteriormente,
rales (Absidio, Mucor, Rhizomucor e Rhizopus). O acometi- pode ocorrer a coalesdncia dessas lesões com formação de
mento gastrintestinal é raro na mucormicose invasiva, com ulcerações lineares superficiais. Como a infecção pelo herpes
ocorrência estimada de apenas 7% dos casos. simples ocorre na camada epitelial, as biopsias e escovados en-
A mucormicose gástrica é bastante grave e associa-se a alto doscópicos devem ser realizados na.s bordas das lesões. O estu-
índice de mortalidade, ocorrendo principalmente em regiões do histopatológico evidencia as típicas inclusões eosinofllicas
tropicais. Fatores predisponentes ao desenvolvimento da mu- intranucleares. O tratamento, além da abordagem da doença
cormicose gástrica incluem desnutrição grave, insuficiência de base, consiste na administração de antivir6ticos, principal-
renal, diabetes, imunodeficiência, neoplasias hematológicas, mente o aciclovir.
cirurgia gástrica recente e alcoolismo. Esses fungos são encon-
trados em comida apodrecida como frutas e pães e, provavel-
mente, atingem o trato gastrintestinal através da ingestão desses • LEITURA RECOMENDADA
al1mentos. Esses microrganismos podem crescer em ambientes
anaeróbios e microaerófilos. Athey, PA, Goldstdn, HM, Dodd. GD. Radiologic spectrum of oppottunlstk
Os ugomicetos invadem as paredes dos vasos. nas quais in!ectioos o( the upper guttoln<estinal traCL Am. /. Radio/.., 1977; l29:419-
proliferam determinando trombose e necrose isquêmica. Dessa l4.
Butz. WC. Watts, )C <1 al. Erosírt gastritis as a manifestation o( ICCOndary
forma, há hemorragia, necrose e ulceração gástricas. Em raros
syphdis. Ant. J. OIIL Pathol., 1975; 63:895-900.
casos, existe o desenvolvimento da gastrite enJisematosa devido Chazan, 8 & Altchlson, ). Gastric tuberculosis. Br. Med. /.,1960; .2:1288·90.
à penetração de microrganismos produtores de gás na parede Cherney, C!., Chutuape, A, Fikrig. AK. Fatal inva<ive gastric mucormycosls
gástrica. Pode haver comprometimento contíguo de figado, occurring with cmphyaematoU& gastritis: case report and Uterature rcview.
cólon, esôfago, vesícula biliar e linfonodos. Am. /. Castroent<rol., 1999; 94:252-6.
Copftulo 22 I Infecções Crônicos: Tuberculose, Sffilis, Micoses e Herpes 209
Cooley, R & Childers, J. Acquired syphilis of the stomach. Gastroenttrology, Long, BW, Johnston, )H, Wetzel, W et a/. Gastric syphilis: endoscopic and
1960; 39:201. histological features mimicking lymphoma. Am. f. Gastrotnterol., 1995;
Fishcr, IR & Sanowski, RA. Disseminatcd histoplasmosis producing hypcrtro· 90:1504-7.
phic gastric folds. Am. f. Dig. Dis., 1978; 23:282·5. Misra, RC, Argawal, SK, Prakash, P et al. Gastric tuberculosis. Endcscopy, 1982;
Gaines. W. Steinbach, HL. Lowenhaupt, E. Thberculosis of stomach. Radiology, 14:235-7.
1952; 58:808-19. Mourão, M. Blastomicose Gástrica. Em: Congresso Brasileiro de Gastroentero-
Good, RW. Thberculosis of the stomach: analysis of cases recently reviewed. logia VI. São Paulo, 1954.
Arch. Surg., 1931; 22:415-25. Nelson, RS, Bruni, HC & Goldstein, HM. Primary gastric candidiasis in un-
Howiler, W & Goldberg, HI. Gastroesophageal involvement in herpes simplex. compromised subjects. Ga.strointest. Endosc., 1975; 22:92-4.
Ga.stroenterology, 1976; 70:775-8. Palmcr, E. ThbcrcuJosis of stomach and stomach in tuberculosis: review with
Katu:nstcin, AL & Maksem, J. Candidal inf~tion of gastric ulcers. Histology, particular reference to gross pathology and gastroscopy diagnosis. Am.
inddence and dinical significance. Am. f. Clin. Pathol., 1979; 71:137-41. Rev. 1Uberc., 1950; 61 :116.
Kim, SH, Park, )H, Kang, KH et al. Gastric tuberculosis presenting as a sub- Perez. CA, Sturim, HS et al. Some clinicai and radiographic features o{ gastro-
mucosa} rumor. Gasrrojntest. Endosc., 2005; 61:319-22. in[estinal his[oplasmosis. Radiology, 1966; 86:482-7.
Kuganeswaran, E, Smith, OJ, Quiasin, SG et al. Both massive upper and lower Rao, YG, Pande, GK, Sahní, P et ai. Gastroduodenal tuberculosls management
gastrointestinal hemorrhage secondary to tuberculosis. Am. f. Gastroen· guidelines, based on a large experience: a review of the literature. Can. f.
terol., 1999; 94:270-1. Surg., 2004; 47:364-8.
23 Poli pose Gástrica
Celso Mirra de Paula e Silva

• PÓLIPOS DO ESTOMAGO • Pólipos hiperpláslcos


Os pólipos hiperplásicos representam mais de 8596 dos pó-
lipos gástricos benignos. Em geral, são múltiplos, sésseis ou
• Introdução pedunculados, com tamanho variando entre 5 e 15 mm, aco-
Pólipos gástricos são tumores mucosos ou epiteliais benig- metendo principalmente o antro gástrico, sendo mais comuns
nos, circunscritos, que podem ser sésseis, pedunculados ou se- nos adultos, especialmente na sétima década de vida.
mipedunculados. Estão presentes entre I e 296 da população Habitualmente, são assintomáticos, podendo raramente
geral, sendo mais frequentes acima dos 50 anos, e são represen- se manifestar com dispepsia, dor abdominal ou sangramento
tados principalmente pelos pólipos hiperplásicos e os pólipos gastrintestinal. Podem ser considerados marcadores de mu-
adenomatosos. cosa gástrica anormal, o que pode ocorrer em até 8596 dos
Os pólipos gástricos podem ser classificados, macroscopi- casos.
camente, em quatro subtipos, segundo Yamada. O potencial As várias condições associadas ao aparecimento de pólipos
de malignidade pode ser avaliado pelo subtipo macroscópico gástricos hiperplásicos estão relacionadas no Quadro 23.1.
e tamanho do pólipo (Figura 23.1). Há expressiva associação entre as várias formas de gastrite
e o desenvolvimento de pólipos hiperplásicos. Particularmente
forte, é a associação de pólipos hiperplásicos com formas de
gastrite que evoluem com atrofia e metaplasia intestinal, como
Tamanho ocorre com a gastrite pelo He/icabacter pylari (H. pylari) e a
Classificação
segundo Yamada gastrite atrófica, em especial a gastrite atrólica autoimune. A
Até 19 mm A cima de 20 mm
erradicação do H. pylcri resulta em regressão dos pólipos hi-
perplásicos em até 7096 dos pacientes.
~ Geralmente Geralmente Existem alguns relatos de casos de pacientes que desenvol-
benigno benigno vem pólipos gástricos hiperplásicos após transplantes de ór-
Ligeiramente elevada
gãos sólidos, principalmente de coração ou de figa do. Surgem,
geralmente, depois de I ano da realização do transplante. São
pólipos múltiplos, na maioria das vezes, sésseis e localizados
_fL_ Maligno abaixo Frequentemente
no antro gástrico.
de 50% maligno
Séssil

_()__ Maligno abaixo


de 50%
Frequentemente
maligno
T
Quadro 23.1 Condições associadas a desenvolvimento de pólipos
Subpedunculada gástricos hiperplá.sicos

Jl_
Peduncutada
Geralmente
benigno Mahgno abaixo de
50%
1.
2.
3.
Gastríte crônica pelo H. pylori
Gastropatia quimica ou reativa
Gastríte atrólica autoimune
4. Estômago pós-antrectomla
5. Pós-terapia laser (worermelon)
Figura 23.1 Classíficaç~o e potencial de malignidade dos pólípos gás-
tricos. ModiOcada de Yamada ec a/.

210
6. Pós-transplante de órg3os sólidos
-------
Copftufo 23 I Po/ipose Gdstrlco 211
O tabagismo aumenta a possibilidade do surgimento de pó- do fundo e corpo gástrico, coalescendo e dando um aspecto de
lipos gástricos epiteliais benignos em pacientes com gastrite tapete à superfície mucosa.
atrófica de corpo. Se menores que 5 mm, o diagnóstico deve ser feito através
Quando associados à gastrite autoimune, os pólipos hiper- de biopsia de apenas um pólipo. Acima de 5 mm, todos os pó·
plásicos t.endem a ser múltiplos, acometendo principalmente lipos devem ser biopsiados.
o corpo gástrico. Até 2596 dos pólipos de glândulas fúndicas, associados à
Metaplasia intestinal focal do pólipo pode ocorrer em 1696 polipose adenomatosa familial, e 1% dos pólipos de glându-
dos casos, e displasia em até 4% deles. Em pólipos hiperplásicos las fúndicas esporádicos podem apresentar displasia epitelial
com mais de 2 em de diâmetro, têm sido detectadas mutações foveolar.
do gene p53, aberrações cromossômicas e instabilidade mi- Os do tipo esporádico são, em geral, causados por mutações
crossatélite. Raramente, em 0,696 dos casos, pode-se detectar do gene betacatenina, enquanto aqueles associados à polipose
adenocarcinoma no pólipo hiperplásico e no estômago não adenomatosa familial surgem de inativação mutacional do gene
polipoide circunjacente, o que torna diflcil definir o ponto de APC. A displasia, em pólipos de glândulas fúndicas, pode ser
origem do caránoma. observada quando ocorre em pólipos com mutações do gene
O estudo da mucosa gástrica circunjacente ao pólipo hi- APC. Tal fato justifica a raridade da displasia nos pólipos de
perplásico, que tenha mais de 2 em de diâmetro, pode eviden- glândulas fúndicas esporádicos, já que são ligados a mutações
ciar metaplasia intestinal em 37% das vezes, displasia em 2% do gene betacatenina.
e adenocarcinoma metacrônico ou sincrônico em até 4% dos Contudo, o risco de câncer gástrico na polipose adenoma-
casos. tosa farnilial é da ordem de apenas 0,6%.
Estudo de Muehldorfer et a/., comparando a acurácia diag- H. pylori e pólipos de glândulas fúndicas guardam uma re-
nóstica de biopsia versus polipectomia para pólipos gástricos, lação inversa: a bactéria raramente é identificada em pacientes
observou risco de 3% de adenocarcinoma em pólipos hiper- H. pylori positivos e, por outro lado, a infecção pode levar à
plásicos. regressão dos pólipos de glândulas fúndicas.
Em presença de pólipos hiperplásicos do estômago, com Tem sido observada correlação entre terapia prolongada
mais de 2 em de diâmetro, devem-se obter biopsias da mucosa com inibidores de bomba de prótons e a presença de pólipos
não poliposa no antro e corpo gástrico, devido ao risco de car- de glândulas fúndicas. Nestes casos, os pólipos são múltiplos
cinoma nas áreas adjacentes aos pólipos. e podem desaparecer com a suspensão do uso dos inibidores
da bomba de prótons.
• Pólipos de glandulas fúndicas
Os pólipos de glândulas fúndicas são sésseis, com tamanho • Pólipo inflamatório fibroide
variando de 1 a 5 rnrn de diâmetro. Acometem o corpo ou o O pólipo inflamatório fibroide, também conhecido como
fundo gástrico e têm o aspecto da mucosa que os circunda. Es- tumor de Vanek, é uma lesão que se origina na submucosa do
ses pólipos podem ocorrer de modo esporádico, sobretudo em trato gastrintestinal, principalmente na região antral e pré-piló-
pacientes em uso prolongado de inibidores de bomba protõnica, rica do estômago.~ composto por tecido fibrótico e estruturas
ou em associação com polipose adenomatosa familial. vasculares com estroma que mostram infiltrado inflamatório
Quando esporádicos, são únicos ou ocorrem em pequeno proeminente, destacando-se a presença importante de inúme-
número. Quando em associação com polipose adenomatosa ros eosinófilos.
familial, ocorre às centenas, podendo cobrir toda a superfície Em geral, é um pólipo semipedunculado, único, recoberto
por mucosa de aspecto normal, podendo ser ulcerado. Pode
estar associado à hipocloridria ou acloridria.
Estudos imuno-histoqulmicos desses pólipos afastam a hi-
pótese de natureza neural ou vascular da lesão, indicando, pos·
sivelmente, fases evolutivas de uma reação inflamatória local.
O pólipo inflamatório fibroide não apresenta tendência para
evolução neoplásica.

• Pólipos adenomatosos
Representam cerca de 10% dos pólipos gástricos e são clas-
sificados histologicamente em adenomas tubulares, vilosos e
tubulovilosos. Podem se.r sésseis ou pedunculados. Normal-
mente, são únicos, ou pouco numerosos, e ocorrem mais fre-
quentemente no antro gástrico. O tipo mais comum deles é o
pólipo adenomatoso tubular.
O risco de degeneração maligna é maior nos adenomas vilo·
sos ou tubulovilosos, podendo atingir cerca de 6096 dos casos,
especialmente nos pólipos com diâmetro superior a 2 em.
O adenocarcinoma focal ocorre em 3396 dos casos de ade-
nomas vilosos e tubulovilosos do estômago. Adenocarcinoma
sincrônico, em outra área do estômago, pode ocorrer em até
3096 destes pacientes. ~ muito importante salientar a impor·
Figura 23.2 Pólipos gástricos de glândulas fúndicas. Fonte: Nat. Rev. tância do estudo histológico do pólipo por inteiro, já que o
Gasrroentero/. & Hepotol., 2009. (Esta figura encontra-se reproduzida diagnóstico endoscópico de adenoma não exclui a presença de
em cores no Encarte.) adenocarcinoma focal, na mesma lesão.
212 Capftulo 23 I Polipose Gástrica

Na síndrome de Peu tz-Jeghers, entidade autossômica do-


minante, observam-se múltiplos pólipos hamartomatosos no
estômago, no intestino delgado e no intestino grosso, associados
à pigmentação mucocutânea em lábios, cavidade bucal, língua e
pele. O potencial de malignização destes pólipos hamartomato-
sos é baixo. Contudo, degeneração maligna pode ocorrer em até
30% dos casos em que haja pólipos adenomatosos associados.
Existe aumento da incidência de câncer de mama, de cólon, de
pâncreas, de estômago e de intestino delgado nestes pacientes,
o que exige rigoroso acompanhamento médico.
A polipose adenomatosa familiar é doença hereditária,
autossômica dominante, caracterizada por desenvolvimento
progressivo de centenas a milhares de pólipos adenomatosos
no intestino grosso. Nestes pacientes, é comum a ocorrência
de pólipos gástricos, que podem ser observados em 30 a 50%
dos casos.
Na maioria das vezes, os pólipos gástricos, nessa síndrome,
não são adenomatosos e sim pólipos de glândulas fúndicas.
São sésseis, com tamanho variando de 1 a 5 mm. Aproxima-
damente 5% dos pacientes com polipose adenomatosa fami-
Figura 23.3 Pólipo gástrico adenomatoso. Fonte: Nat. Rev. Gastroen· liar podem, no entanto, apresentar pólipos adenomatosos em
wal. & Hepawl. 2009. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores região do antro gástrico, os quais podem sofrer transforma-
no EncarteJ ção maligna.
A s!ndrome de Cowden, ou s!ndrome hamartomatosa múl-
tipla, é uma doença autossômica dominante caracterizada por
inúmeros pólipos hamartomatosos do estômago, do intesti-
no delgado e do intestino grosso, associados a hamartomas
• PÓLIPOS ASSOCIADOS ASfNDROMES orocutâneos, câncer de mama e de tireoide. Pode haver re-
POUPO IDES gressão importante da polipose gástrica com a erradicação do
H.pylori.
São vár ias as síndromes polipoides nas quais pode haver A s!ndrome de Gardner é uma polipose adenomatosa fa-
acometimento do estômago (Quadro 23.2). miliar autossômica dominante, caracterizada por centenas de
Polipose juvenil gastrintestinal difusa afeta o estômago em pólipos adenomatosos no intestino grosso e múltiplos pólipos
até 13% dos casos. Os pólipos são hamartomatosos, podendo, de glândulas fúndicas no estômago. Difere da polipose ade-
contudo, apresentar focos adenomatosos. O risco de maligni- nomatosa familiar pela presença de osteomas, principalmente
zação chega a superar 15% dos casos. Estes pacientes devem de mandíbula, e tumores de partes moles, como lipomas e fi-
ser seguidos com endoscopia digestiva alta e colonoscopia a brossarcomas.
cada 1 a 2 anos.
A síndrome de Cronkhite-Canada é uma desordem não • Carcinoides
familial que acomete, principalmente, pessoas de meia-idade Os carcinoides representam menos de 2% das lesões polipoi-
ou idosos, e é caracterizada por polipose gastrintestinal, alo- des gástricas e são um tipo de tumor neuroendócrino, derivado
pecia, distrofia das unhas e hiperpigmentação cutânea. Podem de células enterocromafins símile. Podem ser classificados em
ocorrer, também, diarreia crônica e enteropatia perdedora de carcinoides do tipo I, li e III.
proteínas, com má absorção intestinal. O risco de maligniza- Os carcinoides do tipo I representam cerca de 70 a 80% dos
ção dos pólipos nesta síndrome é mínimo. Há relato isolado carcinoides gástricos, sendo, em geral, lesões multicêntricas
de caso mostrando resolução completa da poli pose gástrica, da menores de 2 em. Localizam-se no corpo ou fundo gástrico,
hipoalbuminemia, da anemia e da onicodistrofia após a erra- são associados à gastrite atrófica autoirnune, hipergastrinemia
dicação do H. pylari. e, com frequência, à anemia perniciosa. Afetam mais o sexo
feminino.
Os carcinoides do tipo li estão associados à síndrome de
Zollinger-Ellison e à neoplasia endócrina múltipla tipo I; re-
T presentam de 5 a 8% dos carcinoides gástricos e são também
Quadro 23.2 Síndromes polipoides do trato gastrintestinal associados à hipergastrinemia.
com envolvimento doestômago Os carcinoides do tipo Ili são esporádicos, representam 15
a 20% dos carcinoides do estômago, geralmente únicos, invasi-
1. Poli pose juvenil gastrintestinal difusa vos e tendem a ocorrer na região pré-pilórica. Afetam mais os
2. Sindrome de Cronkhite-Canada homens e não estão associados à hipergastrinemia. Em geral,
3. Sindrome de Peutz-Jeghers ao serem detectados, os carcinoides gástricos do tipo III são
4. Poli pose adenomatosa familiar maiores de 1 em e já apresentam metástases.
S. Sindrome de Cowden A síndrome carcinoide, caracterizada por flushingcutâneo,
diarreia e broncospasmo, ocorre nos casos de carcinoide do
6. Sindrome de Gardner
tipo Ill.
Capftufo 23 I Polipose Gdstrica 213

Pólipos adenomatosos, normalmente em pequeno número,


• MANIFESTAÇOES CLfNICAS devem sempre ser integralmente removidos.
Os pólipos gá.stricos. na maioria das vezes, são assintomá- Alguns serviços recomendam que se faça primeiro a coleta
ticos, sendo detectados incidentalmente em endoscopias reali- de material para estudo histológico e, posteriormente, procede-
zadas para avaliação de sintomas dispépticos inespecí1icos. se à realização da polipectomia, especialmente em casos suspei-
Quando sintomáticos. manifestam-se por meio de hemorra- tos de lesões pré-malignas ou malignas. A justificativa para esta
gia digestiva, anemia e, ocasionalmente, dor abdominal. A dor conduta é que, ao ser removido, o pólipo pode desprender-se,
abdominal seria devida à obstrução pilórica intermitente, por passar pelo piloro e não mais ser recuperado. Em casos de pó-
pólipo grande e com pedicuJo longo. Pode ocorrer dor retroes- lipos gástricos adenomatosos e pólipos de glândulas fúndicas
ternal, assim como disfagia int.ennítente, como consequência não esporádicos, é recomendável a realização de colonoscopia,
do prolapso gastresofágico de pólipo pediculado da região do devido à frequente associação com polipose colônica.
fundo gástrico. Ainda não há posição definida quanto ao acompanhamento
A maioria dos pólipos, quando sangra, o faz através de he- endoscópico na polipose gástrica.
morragia leve, secundária a erosões da mucosa. O sangramento Em se tratando de pólipo gástrico adenomatoso, é recomen-
mais intenso é bem menos frequente e secundário à ulceração dável o acompanhamento, dado seu alto potencial de maligni-
do pólipo ou de tumor submucoso. zação. Quanto ao pólipo hiperplásico, após vários autores terem
O achado de pólipo gástrico associado a episódios de diar- relatado alterações displásicas e focos de adenocarcinoma no
reia,flushingcutâneo, broncospasmo e lesões valvulares do pólipo ou na mucosa adjacente, principalmente pólipos com
coração sugerem o diagnóstico de carcinoide gástrico do tipo mais de 2 em, é também aconselhável o acompanhamento en-
III. doscópico. O primeiro controle endoscópico deve ser feito após
O exame fisico não apresenta sinais que despertem a atenção 1 ano, e os controles subsequentes realizados a intervalos de 2 a
para a presença de pólipos gástricos, a não ser quando associa- 5 anos, dependendo de sinais de alarme e de fatores de risco.
dos a slndromes polipoides. Por outro lado, os pólipos de glândulas fúndicas esporádi-
cos são benignos em praticamente todos os casos e dispensam
o seguimento endoscópico.
• CARACTERfSTICAS ENDOSCÓPICAS A conduta no caso de carcinoides vai depender do seu tipo.
O tipo I raramente apresenta metástase, tem crescimento lento
À endoscopia, os pólipos gástricos são muito parecidos. ~ e é pouco agressivo. Em geral, é feita a excisão endoscópica das
muito importante que seja feita uma descrição pormenorizada, lesões polipoides e seguimento endoscópico anual. No carci-
destacando o número de pólipos, sua localização anatômica no noide do tipo 11, a conduta é a excisão endoscópica ou cirúrgica
estômago, sua forma e tamanho, além do aspecto da mucosa do gastrinoma, com acompanhamento endoscópico anual. A
que os recobre e da mucosa adjacente. abordagem do carcinoide esporádico do tipo ll1 é mais agres-
Pólipos hiperplásicos são geralmente pequenos, entre 5 e siva em função do seu caráter mais invasivo e metastático, es-
15 mm de diâmetro, múltiplos, sésseis ou pedunculados, lo- tando indicada a abordagem cirúrgica, desde excisão da lesão
calizados principalmente no antro gástrico. São frequentes as com margem livre ampla, até a gastrectomia total seguida de
erosões superficiais. quimioterapia.
Pólipos de glândulas fúndicas são numerosos. ocorrem no
corpo e fundo gástricos, são sésseis. apresentam superficie lisa
e diâmetro variando entre I e 5 mm. A mucosa que os reco- • LEITURA RECOMENDADA
bre tem a mesma cor e o mesmo aspecto da mucosa gástrica
normal. Abraham,SC,Singb. VI(, Yardley,)H, Wu, TT. H~rplasticpolypso(thutom·
Pólipos adenomatosos são, em geral, únicos ou em pequeno ach: IS$0Ciatlons with hístologíc pattems o( gutritis and gutric atrophy.
1M Am I Surg Pathol, 2001; 25:500·7.
número, sésseis ou pedunculados. São pólipos maiores. atingin- Amaro, R, Netr. GW, Karnam, US tt aL Acqui~ hyperplutic gastric polyps in
do 2 em ou mais de diâmetro, e ocorrem preferencialmente na soUd organ tran.splant patients. Am I GrutrotnttrOI, 2002; 97:2220-4.
região do antro. Apresentam superficie ligeiramente nodular Cumack, SW, Genta, RM, Graham, OY, Lauw<rs, GY. Management o( gastric
e eritematosa. polips: a pathology-base guide for gastroenterologist.s. Nat Rw GrutroenttrOI
Hepatol, 2009; 6:331-41.
Pólipo inllamatório fibroide é geralmente único, ocorrendo Chen, HN, Lu, CH, Shun, Cf tt a/. Gastrlc outlet obstruction due to giant
no antro gástrico e na região pré-pilórica. ~ semipedunculado, h~rplastic polyp.l Formos Mtd A.uoc, 2005; 104:852·5.
e a mucosa que o recobre tem aspecto norma.!, podendo, con- Choudhry, U, Boyee. HW Jr, Coppola, O. Proton pump inhibitor·associated
tudo, ser ulcerada. gastric polyps: a retrospectivo analysiJ o( thelr frequency and endoscoplc,
histologie, and ult.rastructural characterlstlcs. Am 1 Clin Pathol, 1998;
110:615·21.
Oean, PG, Oavis, PM, Nascimento, AG. Hyperplastlc gasttic polyp causing
• CONDUTA NOS PÓLIPOS GASTRICOS gastric oudet obstructlon. Mayo Clln Proc, 1998; 73:964·7.
Declich, P, Tavani, E, Ferrara, A tt ai. Spo.radlc fundlc gland polyps: clinic·
Os pólipos gástricos devem ser retirados endoscopicamente pathologic features and as.so<:lated dlseases. Pol 1 Pathol, 2005; 56:131·7.
e analisados histologicamente. Quando a quantidade de pólipos Di Giulio, E, Lahner, E, Micheletti, A el ai. Occurrenee and risk factors for
benlgn epíthellal gastrlc polypsln at.rophlc body gastrltls on dlagnosls and
é muito grande, podem ser necessárias várias sessões endoscó- foUow-up. Allm<nl Pharmaa>l Ther, 2005; 21:567·7(.
picas para a remoção de todos eles. Quando o número deles é Dirsclunid, K Platz·Baudin, C, Stolte, M. Why ls lhe h~tplastlc polyp a marker
de tal monta que a remoção de todos não é possível, deve-se for the precancerous condition o( the gastric mucosa? Virthows Ardt, 2006;
proceder à polipectomia dos pólipos maiores e biopsiar o maior 448:80· 4.
número posslvel das lesões menores para estudo histológico. Espejo, RLH & Navurere, SJ. Gutric epltheUal polyps. Rev Gastroenwol hru,
2004; 24:50-74.
Pólipos com diâmetro acima de 2 em, sejam eles sésseis. pe- Freeman, H). Endoscopic excisioo o( a prolap$lng mallgnant polyp which
dunculados ou semipedunculados. devem ser removidos total- caused lnterm~nt gastric outlet obotructlon. World I Gastroentn'ol, 2005;
mente, devido ao alto risco de malignização. 11:5245· 1.
214 Capftulo 23 I Polipose Gástrica

Ginsberg, GG, Al-Kavas, FH, Fleischer, DE et a/. Gastric polyposis: relationship Rodrigues, MAG, Nogueira, AMMF. Tumores benignos do estômago. Em:
of siz.c and histology to canccr risk. Am I Gastroenterol, 1996; 91:714·7. Castro, LP & Coelho, LGV (eds.). Gastroenterologia. Rio de Janeiro: Medsi,
Isomoto, H, Furusu, H, Ohnit11, K et al. Effect of Helicobacter pylori eradication 2004, pp. 891-922.
on gastric hyperplaslic polyposis in Cowden's disease. World I G<Utroen- Santos. G da C, Alves, VAF, Wakamatsu, A, Zucoloto, S. lnfiarnmatory fi-
tero~ 2005; 11:1567-9. broid polyp: an irnmunohistochernical study. Arq Gastroen~ro~ 2004;
Kim, MS, Jung. HK, Jung, HS <t al. A case of Cronkhite-Canada syndrome 41:104-7.
showing resolution with Htlioobacter pylori eradication and omeprazole. Sekine, S, Shimoda, T, Nimura, S et ai. High-grade dysplasia associated with fun-
Korean I Gastroenterol, 2006; 47:59-64. dic gland polyposis in a familial adenomatous polyposis patient, with special
Muehldorfer, SM, Stolte, M, Martus, P et al. Diagnostic accuracy of forceps rcfercnce to APC mutation profiles. Mod Pathol, 2004; 17:1421·6.
biopsy versus poUpectomy for gastric polyps. A prospective multicentre Vieth, M & Stolte, M. Fundic gland polyps are not induced by proton pump
study. Gut, 2002; 50:465-70. inhibitor therapy. Am I Clin Pathol, 2001; 116:716-20.
Offerhaus, GJA, Giardello, FM, Krush, AJ. The risk of upper gastrointesti- Watanabe, N, Seno, H, Nakajima, T et ai. Regression of fundic gland polyps
nal cancer in familial adenomatous polyposis. Gastroenterology, 1992; following acquisition of Helit:cbacter pylcri. Gut, 2002; 51:742-5.
102:1980-3. Yamada, T, lchikawa, H. X-ray diagnosis of elevated lesions of the stomach.
Randall, WB. Gastrlc fundlc gland polyps. Gastroenrerology, 2003; 125:1462-9. Radlology, 1974; 110:79-83.
24 Tumores do Estômago
Luiz Gonzaga Vaz Coelho, Washington Luiz dos Santos Vieirat e
Rogério Luiz Pinheiro

• ADENOCARCINOMA GÁSTRICO Nos EUA, a maioria dos casos de CG originava-se no estô-


mago distai, ou seja, antro e corpo, mas, desde 1976, de acordo
com dados da Surveillance Epidemiology and End Result Pro-
• Epidemiologia gram, tem havido uma redução do número das lesões distais e
Constitui a neoplasia gástrica epitelial mais frequente, res- um concomitante aumento continuo e gradativo da incidência
ponsável por 9596 dos tumores malignos que acometem o es- do adenocarcinoma proximal, ou seja, da junção esofagogás-
tômago humano. Embora a incidência do carcinoma gástrico trica e cárdia. A taxa de crescimento desses tumores excede a
(CG) venha declinando de uma maneira contínua e regular de qualquer outro tipo de câncer, incluindo câncer de pulmão
nas últimas décadas, ele constitui a segunda causa de óbito e melanoma, sugerindo que os cânceres da porção proximal
por câncer no mundo, com registro de mais de 900.000 novos do estômago e o da junção esofagogástrica têm patogênese e
casos ao ano. Em geral, sua magnitude é de duas a três vezes epidemiologia partilhadas e, provavelmente, diferentes do ade-
maior nos países em desenvolvimento e é mais prevalente no nocarcinoma distai.
sexo masculino que no feminino. Sua distribuição na população
mundial não é uniforme, apresentando um padrão variável, e • Fatoresde risco
sua incidência é alta no Japão, China, Chile, Costa Rica, Leste
Europeu, algumas regiões da antiga União Soviética, Améri- O adenocarcinoma gástrico tem etiologia complexa e mul-
ca do Sul e América Central. No Brasil, o Ministério da Saúde tifatorial. Fatores dietéticos e hábitos de vida tradicionalmente
estimou em 21.500 os novos casos de câncer gástrico no Brasil recebem grande ênfase no estudo do adenocarcinoma gástrico.
no ano de 2010, sendo 13.820 em homens e 7.680 em mulheres. O maior consumo de frutas e vegetais permanece como fator
Estes valores correspondem a um risco estimado de 14 casos capaz de reduzir o risco de desenvolvimento de câncer gástrico,
novos a cada 100 mil homens e 8 para cada 100 mil mulheres. embora estudos prospectivos recentes não tenham s.ido capazes
A diminuição na incidência de câncer de estômago tem sido de confirmar esse efeito. Tampouco a suplementação de vita-
observada em vários países, inclusive no Brasil, e pode ser ex- minas na dieta foi capaz de reduzir o risco de câncer gástrico.
plicada por reduções nas taxas de prevalência de fatores de Apesar da enorme quantidade de estudos avaliando o papel do
risco (Quadro 24.1). consumo de álcool e da ingestão de sal e nitratos na dieta na
etiologia do câncer gástrico, não existe consenso estabelecido
no efetivo papel destes fatores no câncer gástrico. O hábito de
- .-
Quadro 24.1 Fatores associados ao desenvolvimento
fumar constitui um fator de risco estabelecido para o adeno-
carcinoma gástrico. Um extenso estudo europeu recente estima
que 17,696 (IC 9596:10,5 a 29,5) dos casos de câncer gástrico são
do adenocarcinomagástrico atribuídos ao tabagismo.
A gastrectomia parcial, geralmente a antrectomia com anas-
H. pylorl
tomose à Billroth U, empregada antigamente no tratamento
Dieta
da úlcera péptica, está associada ao aumento de incidência de
Fumo câncer gástrico. A associação é mais evidente em gastrecto-
Refluxo biliar (Mtõmago operado) mias realizadas para úlcera gástrica e menos convincente para
Gastrite autoimune cirurgias em portadores de úlce.ra duodenal, não sendo essa
Hereditariedade associação observada com os tumores da região cárdica do es-
Hipoclorldrla tômago. Estudos de metanálises sugerem que o risco de desen-
Gastrite, atrofia e metaplasia intestinal volver adenocarcinoma em estômago operado é relativamente
Miscelânea baixo até 15 a 20 anos após a ressecção; a partir desse período,
a possibilidade é de 1,5 a 3 vezes maior do que nos estômagos

21 5
216 Capftulo 24 I Tumores do Estómago

não operados. Na patogênese desse tipo de neoplasia, assume os estômagos exibiam gastrite ativa associada à presença de
importância a gastrite crônica atrófica, que surge devido ao re- H. pylori; na 26• semana, três dos cinco animais exibiam me-
fluxo duodenogástrico, inevitável nas ressecções à Billroth 1!. taplasia intestinal; na 52' semana, foi evidenciada metaplasia
A ação detergente dos sais biliares, rompendo a barreira mu- intestinal em todos os cinco animais e três deles apresentavam
cosa, acelera o aparecimento da gastrite crônica atrófica; esta, também pólipos hiperplásicos, e, na 62' semana, foi observado
com seu baixo poder cloridropéptico favorece a proliferação adenocarcinoma do tipo intestinal em 10 (37%) dos 27 animais
de bactérias, que irão transformar os nitratos alimentares em infectados. Como H. pylori não promove tais índices de ade-
nitritos, criando, ao catalisarem a n itrosação das aminas, con- nocarcinoma gástrico no homem, outros fatores certamente
dições para a sintese de nitrosaminas, substâncias sabidamente devem estar envolvidos.
carcinogênicas. Os mecanismos de carcinogênese gástrica induzidos pela
Associação entre cãncer gástrico, gastrite autoimune e ane- infecção por H. pylori vêm sendo progressivamente aclarados
mia perniciosa é reconhecida há anos. Hsing et al., em uma e parecem relacionados com a capacidade de promover de-
coorte com 4.517 pacientes portadores de anemia perniciosa e sequilíbrio entre proliferação celular e apoptose, liberação de
acompanhados por até 20 anos, observaram um aumento no citocinas pró -inflamatórias, formação de radicais livres, des-
risco de cãncer gástrico de até 3 vezes. regulação da Cox-2, subversão da imunidade e estimulação da
A maior parte dos adenocarcinomas gástricos ocorre espo- angiogênese. Além disso, é sabido o papel da inflamação crô-
radicamente, enquanto 8 a 10% têm um componente familial nica do trato gastrintestinal na proliferação, adesão e transfor-
envolvido. Carcinoma gástrico pode ocasionalmente se desen- mação celulares. No ambiente intragástrico, a proteína CagA
volver em familias com mutações genéticas nos genes p53 (sín- produzida por algumas cepas de H. pylori é hoje considera-
drome de Li-Fraumeni) e BRCA2. É estimado que 1 a 3% dos da como potencial agente oncogênico direto. Esta proteína,
tumores gástricos derivam de mutações no gene codificador produzida pelo gene CagA, é introduzida dentro das células
E-cadherina, proteína de adesão celular, que originam uma epiteliais gástricas através do sistema de secreção tipo IV do
predisposição ao câncer gástrico (câncer gástrico hereditário di- H. pylori (como uma "seringa molecular»). Uma vez injetada
fuso) com penetrãncia de 70%. O cãncer gástrico pode também no interior da célula epitelial, esta proteína é fosforilada pe-
se desenvolver como parte da síndrome do câncer colorretal las quinases da família SRC e ativa a fosfoquinase SHP2, que
hereditário sem poli pose (HNPCC) e de outras síndromes po- atua como oncoproteína humana, e, em conjunto com outras
lipoides gastrintestinais como a polipose adenomatosa familiar quinases, são capazes de subverter a fisiologia celular, gerando
e a síndrome de Peutz-Jeghers. processos pré-neoplásicos como ativação de receptores de fa-
A infecção por Helicobacter pylori (H. pylori) constitui hoje tores de crescimento, proliferação celular aumentada, evasão
o maior fator de risco para o desenvolvimento do adenocar- de apoptose, angiogênese sustentada, dissociação celular e in-
cinoma distai de estômago, e, desde 1994, este microrganis- vasão tecidual, entre outros.
mo é considerado um carcinógeno tipo 1 (definido) para o Também fatores relacionados com o hospedeiro têm sido
desenvolvimento de câncer gástrico no homem. Sua presença estudados no processo de carcinogênese gástrica associada ao
no estômago humano eleva cerca de 6 vezes a incidência desse H. pylori. El-Omar et a/., em trabalho memorável, estudando
tipo de tumor. A prevalência exata da infecção por H. pylori pacientes com câncer gástrico e familiares de portadores de
em pacientes com câncer gástrico não é facilmente estimada, cãncer gástrico, demonstraram que fatores genéticos do hospe-
já que ela pode ter desaparecido espontaneamente com o pro- deiro - polimorfismos dos genes que codificam a interleucina
gredir das lesões pré-neoplásicas, dificultando o seu diagnósti- IL- 1~ - são capazes de aumentar a possibilidade de resposta
co mesmo por métodos sorológicos. Um importante e extenso hipoclorídrica crônica à infecção por H. pylori e o risco de cân-
estudo sueco, ao pesquisar, em portadores de cãncer gástrico, cer gástrico, presumivelmente por alterar os nlveis de IL-1 Pno
a presença do microrganismo não apenas por métodos soro- estômago, sugerindo, assim, por que alguns indivíduos infecta-
lógicos convencionais (ELISA), mas também pela técnica de dos por H. pylori desenvolvem câncer gástrico, enquanto outros
immunoblot CagA, indicador sensível de infecção prévia pelo não o fazem. Sendo esse cãncer uma doença multifatorial, ou-
microrganismo, demonstrou que a associação entre a presença tros fatores estão certamente envolvidos, justificando-se, desse
da bactéria e o cãncer gástrico é semelhante àquela observada modo, por que nem todos os indivíduos com este genótipo irão
entre o hábito de fumar e o câncer de pulmão. Outras evidências desenvolver o câncer no estômago.
epidemiológicas convincentes vêm sendo acumuladas. Um es- Recentemente, estudos experimentais em ratos coloniza-
tudo japonês recente envolveu pacientes (idade média próxima dos por H. felis têm questionado a teoria epitelial para a carci-
de 50 anos) infectados e não infectados por H. pylori, que foram nogênese gástrica. No experimento, a mucosa gástrica infec-
acompanhados por 7,8 anos. Ao término da análise, 2,9% dos tada tomou-se atrófica, sendo colonizada por células-tronco
pacientes infectados desenvolveram cãncer gástrico, o mesmo da medula óssea que se diferenciariam em células intestinais,
não ocorrendo em nenhum dos pacientes não infectados. dando sequência à metaplasia intestinal, displasia e câncer in-
Em 1998, Watanabe et a/., no Japão, desenvolveram um mo- traepitelial.
delo animal de adenocarcinoma gástrico induzido por H. pylori
usando um roedor denominado Mongolian gerbil. Neste es-
tudo, 55 animais foram inoculados com H. pylori humano; 30
• Anatomia patológica
animais não inoculados serviram como controles. Os estôma- Segundo Pelayo Correa, a carcinogênese gástrica constitui
gos de cinco animais inoculados foram examinados nas 6', 26', processo multifatorial que se desenvolve em etapas sucessivas
39' e 52• semanas; os estômagos dos animais não sacrificados ou sequenciais a partir da gastrite crônica induzida pela bacté-
sobreviventes (n = 27) e dos 30 controles foram examinados ria. As lesões evoluiriam progressivamente e culminariam no
na 62' semana. Estômagos do grupo controle, não infectado, adenocarcinoma gástrico do tipo intestinal ou difuso. Naqueles
estavam inalterados ao final do experimento. Por outro lado, os do tipo intestinal, a mucosa assemelha-se, em seu aspecto, ao
estômagos dos animais infectados mostravam alterações pro- intestino delgado, o adenocarcinoma gástrico localiza-se com
gressivas em direção ao adenocarcinoma. Na 6' semana, todos mais frequência no antro, não está associado a grupos sanguf-
Capftulo 24 I Tumores do Est6mago 217

neos definidos, é mais frequente em homens de idade avançada Entre os sintomas dependentes da disseminação metastática,
e predomina em populações de alto risco. Está ainda relacio- destacam -se dores ósseas, sintomas pulmonares, hepáticos e
nado com a pre.sença de gastrite crônica com atrofia, metapla- neurológicos.
sia intestinal e displasia epitelial antecedendo o aparecimento O exame objetivo dos pacientes com CG precoce nada apre-
do câncer. Nos tumores do tipo difuso (menos frequente que senta de anormal; apenas nas formas mais avançadas do tumor,
o tipo intestinal), a localização principal é o fundo gástrico, o constatam-se caquexia, icterlcia, palidez cutânea com pele de
adenocarcinoma gástrico acomete pacientes mais jovens, é li- tonalidade amarelo-pálida. Às vezes, evidencia-se a presença de
geiramente mais frequente em homens e pode estar associado massas palpáveis, dolorosas ou não, no epigástrio, bem como
ao grupo sanguíneo A. Histologicamente, é composto por focos ascite e edema de membros inferiores. Pode ocorrer a disse-
de células malignas com infiltração inflamatória mínima, em
minação por invasão direta através da parede do estômago,
uma quantidade substancial de tecido fibroso, sendo mais fre-
quente em populações de baixo risco para carcinoma gástrico. com adesão ou invasão de estruturas subjacentes, tais como
Nestes casos, a gastrite crônica por H. pylori, sob modulação pâncreas, figado e cólon (Quadro 24.3}. Quando a doença se
de fatores genéticos, progrediria mais diretamente a partir de estende para o cólon transverso, podem surgir vômitos feca-
lesões hiperplásicas e talvez displasia para o adenocarcinoma loides e, às vezes, observam-se alimentos recentemente inge-
difuso. Embora, algumas vezes, a classificação dos adenocarci- ridos nas fezes. A doença também pode se disseminar, através
nomas como difusos ou intestinais não seja possível, esses dois dos linfáticos, para os linfonodos intra- e extra-abdominais,
tipos de tumores parecem representar desordens distintas, com destacando-se, dentre estes, os linfonodos palpáveis na fossa
diferentes fatores epidemiológicos e etiológicos. supraclavicular esquerda (gânglio de Virchow-Troisier), nó-
Macroscopicamente, a classificação morfológica de Bor- dulos ou empastamento do fundo de saco de Douglas ao toque
rmann, divide os adenocarcinomas gástricos em quatro grupos:
Tipo I: polipoide, exofltico, papilar ou vegetante, correspon-
dente às lesões que se projetam para o lúmen gástrico e que, T
variando de tamanho, podem atingir grandes proporções. Quadro 24.2 Sinais esintomas mais frequentesem 18.365 pacientes
Tipo 11: são os cânceres ulcerados que medem mais de 3 em com cancer g~strico
de diâmetro, bem delimitados, sem infiltração do tecido vizi-
nho. Suas bordas são caracteristicamente elevadas, irregulares Sinais/Sintomas Frequfnda (,.)
e mamelonadas. Apresentam fundo de cor acinzentada, com
tecido necrótico mesclado com coágulos de sangue, podendo Perda de peso 61 ,1
apresentar ilhas de mucosa normal. Dor abdominal 51 ,6
Tipo 111: câncer ulcerado e infiltrante, com bordas menos Náuseas 34,3
salientes que no tipo 11 e com disseminação parcialmente di- Anorexia 32,0
fusa. Disfagia 26,1
Tipo IV: é a infiltração neoplásica difusa de um segmento Melena 20,2
da parede gástrica ou de toda essa parede, podendo ocorrer Plenitude gástrica 17,5
ulcerações de profundidade variável. Quando a infiltração se Dor tipo úkera 17, 1
estende por todo o estômago, os limites não são distinguidos
Edema de membros inferiores 5,9
pela palpação, nem tampouco por métodos radiológicos ou
endoscópicos; é a chamada linitis plastica, na qual as paredes Adaptado de Wonebo <t oL Ann. Sutg. 1993; 2 18:58).92.
do estômago tornam-se rlgidas e o órgão toma forma tubular
sugestiva de uma bota de couro para vinho.

• Manifestações clínicas T
Quadro 24.3 Câncer g~strico: locais mais frequentes de metástases
O adenocarcinoma gástrico incide mais sobre homens, em
uma proporção de 2:1 homem/mulher, assim como é mais en- Extensão di11!U.
contrado entre os negros. As manifestações clínicas do adeno- Omento maior e menor
carcinoma gástrico precoce são tipicamente vagas e inespecí- Fígado
ficas, raramente provocando sintomas que possam induzir a Pâncreas
Baço
um diagnóstico precoce da doença, ocasião em que o tumor é Cólon transverso
superficial e potencialmente curável pela cirurgia ou procedi-
mentos endoscópicos. O tumor toma-se sintomático, na grande Linfática
local: perigástrica
maioria dos casos, em uma fase avançada da doença, ou quando Regional: tronco celfaco, hepática comum, gástrica esquerda, esplênlca
já existem metástases. Perda de peso, desconforto abdominal Distância: supradavicular, umbilical, axilar esquerda
insidioso, acompanhado de plenitude pós-prandial e dor epi- Hematog6niao
gástrica tipo úlcera ou incaracterística, de intensidade variá- Hepática
vel, são os sintomas mais comumente referidos pelos pacientes Pulmonar
(Quadro 24.2). Anorexia e náuseas leves são sintomas comuns, óssea
Sistema nervoso central
mas em geral não são representativos da doença. O vômito pode
ocorrer quando o tumor invade o piloro, enquanto a disfàgia Perito Mal
é o principal sintoma associado à lesão do cárdia. Hematême- Disseminada
Pélvica: ovário (tumor de Krukenberg)
se e melena são relatadas em 2096 dos casos. Podem ocorrer, Reto (tumor de Blumer)
ainda, eructações, flatulência e distúrbios do hábito intestinal
218 Capftulo 24 I Tumores do Estómago

reta! (sinal de Blumer), aumento do volume do ovário ao exame Pelayo Correa, constitui o fundamento inicial para os estudos
ginecológico {tumor de Krukenberg). de prevenção do adenocarcinoma gástrico baseado na erradi-
Ocasionalmente, podem ocorrer síndrome paraneoplásica, cação do H. pylori. No homem, a gastrite crônica ativa reverte
anemia hemolltica microangiopática, glomerulopatia membra- ao normal após a erradicação do microrganismo. Entretanto,
nosa, queratose seborreica, acantose nigricans (lesões filiformes há dúvidas sobre uma eventual regressão da atrofia gástrica e
e papulares com pigmentação nas dobras da pele e de membra- da metaplasia intestinal, lesões consideradas como condições
nas mucosas), coagulação intravascular crônica causando trom- pré-neoplásicas. Alguns estudos sugerem que a regressão pos-
bose arterial e venosa e, em raras ocasiões, dermatomiosite. sa ocorrer em pacientes acompanhados por longos períodos,
enquanto outros sugerem que a erradicação da bactéria é ca-
paz de impedir a progressão das lesões atróficas e metaplásicas.
• Diagnóstico Vale lembrar que naqueles pacientes em que a bactéria não é
Nos casos de doença precoce, o diagnóstico é possível apenas erradicada, as lesões progridem ou não se alteram.
quando se realizam programas de rastreamento na população Um ponto fundamental para o estabelecimento de estraté-
assintomática, como é, rotineiramente, feito no Japão e na Co- gias de prevenção do câncer gástrico é a definição exata do pon-
reia, ou, o diagnóstico se faz por acaso durante exame endos- to, dentro da cascata evolutiva da gastrite crônica, a partir do
cópico em pacientes com outras queixas. Nos casos de doença qual não mais se observa regressão das alterações histológicas
avançada, os exames laboratoriais podem demonstrar anemia com a erradicação do microrganismo. Os resultados obtidos
(42% dos casos), presença de sangue oculto nas fezes (40% dos nos diferentes estudos realizados com o objetivo de analisar as
casos), hipoproteinemia {26% dos casos) e anormalidades das alterações histológicas e ocorrência de câncer gástrico após a
provas de função hepática {26% dos casos). A determinação erradicação do H. pylori mostram que, em relação às condições
dos níveis plasmáticos do pepsinogênio A e C em combinação pré-neoplásicas - atrofia e metaplasia intestinal - , a erradicação
com a soro positividade do H. pylori têm sido sugeridas como do microrganismo, embora não tenha promovido a sua regres-
exames promissores para o rastreamento de lesões pré-malignas são, parece ter sido capaz de impedir sua progressão.
do estômago. Em relação ao câncer gástrico, o estudo mais longo e com
Embora o estudo contrastado do estômago possa contribuir maior número de pacientes mostrou que a erradicação do
para o diagnóstico do adenocarcinoma gástrico, a endoscopia H. pylori é capaz de reduzir a sua incidência apenas nos indi-
digestiva alta constitui o procedimento mais empregado por víduos sem alterações histológicas (atrofia e metaplasia) pré-
sua segurança e especificidade. Quando associada a biopsias vias. Mesmo reconhecendo estas limitações e dificuldades, o
múltiplas, com retirada de múltiplos fragmentos (em torno de Consenso Pacífico-Asiático para Prevenção do Câncer Gás-
10 fragmentos) tanto da base como da borda da lesão para es- trico deliberou, pela primeira vez, em 2008, que é tempo de
tudo anatomopatológico, a sensibilidade desse procedimento tentar intervir na prevenção do câncer gástrico, recomendan-
ultrapassa 98%. do a pesquisa e tratamento da infecção por H. pylori em toda
Outros métodos de imagem como a tomografia computa- a população de regiões de alto risco, definidas como aquelas
dorizada do abdome podem delimitar a extensão do tumor onde a incidência de câncer gástrico na população é superior
primário, bem como a presença de metástase para linfonodos a 20/100.000 habitantes.
regionais ou a distãncia. A comparação entre os achados da No Brasil, do ponto de vista prático, dentro de uma estraté-
tomografia com os da laparotomia exploradora indica que a to- gia de prevenção, deve-se considerar a erradicação de H. pylori
mografia pré-operatória frequentemente subestima a extensão em pacientes ou grupos de pacientes com risco aumentado de
da doença, sobretudo se existem metástases radiologicamente câncer gástrico, ou seja, pacientes com história familiar positi-
não detectáveis para linfonodos, figado e omento. O ultrassom va e após gastrectomia subtotal ou remoção de câncer gástrico
endoscópico é capaz de determinar a profundidade e a pene- precoce através de endoscopia ou cirurgia.
tração do tumor na parede gástrica e revelar a presença de me-
tástases para linfonodos regionais, sendo particularmente útil
no estadiamento de tumores precoces. Apesar do entusiasmo
• Tratamento
inicial com os marcadores tumorais sorológicos, eles não têm Geralmente, o tratamento dos tumores do estômago é es-
sido de ajuda no diagnóstico dos tumores precoces. O antígeno sencialmente cirúrgico, mas seu resultado está ligado inexora-
carcinoembriogênico (CEA) não tem papel no diagnóstico do velmente ao estágio da doença, pois, na maior parte das vezes,
câncer gástrico, embora possa ser útil para avaliar a possibili- no momento do diagnóstico, 50% dos tumores são irressecá-
dade de recidiva no seguimento pós-operatório tardio dos pa- veis e apenas 30 a 50% são passíveis de ressecção com intenção
cientes submetidos a gastrectomia. Os níveis de alfafetoproteína curativa. Uma completa ressecção do tumor e dos linfonodos
e CA 19 a 9 usados comumente como marcadores de tumores regionais é a única chance de cura, e, desde que a ressecção da
hepáticos e pancreáticos, respectivamente, se elevam em 30% lesão primária possa oferecer um recurso a mais para melhora
dos casos de adenocarcinoma gástrico, sobretudo nos pacientes paliativa ou sintomática do paciente, a exploração abdominal
com tumores incuráveis, e, portanto, não são úteis na detec- com intenção de cura deve ser tentada, a menos que exista uma
ção precoce ou nos casos de tumores curáveis cirurgicamente. clara evidência de doença disseminada ou que outras contrain-
Outras opções propedêuticas utilizadas no estadiamento do dicações clinicocirúrgicas estejam presentes.
tumor gástrico incluem ultrassom ou ressonância magnética
do abdome, PET-scan e laparoscopia. • Tratamento endoscópico
O princípio básico para a ressecção endoscópica da neoplasia
gástrica superficial é quando a possibilidade de comprometi-
• Prevenção mento linfonodal for mínima ou inexistente. Existem diversas
A sequência carcinogenética de infecção pelo H. pylori -+ técnicas endoscópicas para remoção dessas lesões, mas o dese-
gastrite crônica-+ atrofia glandular-+ metaplasia intestinal-+ jável é que o espécime seja removido em monobloco, com mar-
displasia -+ adenocarcinoma do tipo intestinal, proposta por gens macroscópicas livres e fixado adequadamente para uma
Capitulo 24 I Tumores do Est6mogo 219

avaliação precisa do patologista. Este deverá avaliar a profun- • Tratamento radioterápico


didade de invasão da lesão, o grau de diferenciação do câncer e O CG é relativamente resistente à radioterapia, requeren-
se há invasão linfovascular, permitindo assim predizer o risco do doses de radiação que excedem a tolerância das estrutu-
de metástase para linfonodo. A análise final desses dados per- ras vizinhas, como mucosa intestinal, fígado e medula espinal.
mitirá ao médico assistente definir se o paciente está adequa- Consequentemente, seu emprego habitualmente objetiva pro-
damente tratado por endoscopia ou se ele deverá redirecionar porcionar alivio dos sintomas, e não aumento da taxa de sobre-
para outro tratamento, mais frequentemente uma gastrectomia vivência. O uso de radiação de alta frequência durante a cirurgia
com esvaziamento linfonodal seguida ou não de quimioterapia. começa a ser estudado, mas seu papel nesse tipo de tratamento
Embora não haja consenso sobre o intervalo ideal para o acom- ainda é incerto. Devido à alta incidência de recidiva local e/ou
panhamento de pacientes tratados por ressecção endoscópica, regional do CG, o uso profilático da radioterapia, após a res-
parece racional a reavaliação anual durante dez anos. secção cirúrgica, tem sido tentado, mas estudos controlados
A erradicação profilática do H. pylori após a ressecção en- têm falhado em demonstrar algum benefício na sobrevida dos
doscópica por câncer gástrico precoce deve ser empregada para pacientes que recebem somente radioterapia após a ressecção
prevenir o desenvolvimento de carcinoma gástrico metacrôni- cirúrgica curativa do CG.
co. Estudo randomizado recente demonstra que o risco de de-
senvolvimento de um câncer gástrico subsequente foi reduzido
de 4 por cem indivíduos/ano para 1,4 por cem indivíduos/ano
• Prognóstico
no grupo submetido à erradicação do H. pylori. Um prognóstico favorável do CG depende de um diagnós-
tico precoce, quando a doença é ainda surpreendida em uma
• Tratamentocirúrgico fase inicial de sua evolução, limitada à mucosa ou submucosa;
O CG é doença primariamente regional. Assim sendo, na porém, a identificação desses casos é dificultada pela ausência
ausência de metástase a distância, está indicada a ressecção ou escassez de manifestações clínicas. Entre os dados cllnicos,
cirúrgica que constitui a única forma eficaz de tratamento apenas a duração dos sintomas permite prever a possibilida-
com finalidade curativa. Esta inclui a exérese de tumor com de de ressecabilidade da lesão e a sobrevida pós-operatória. O
margens de segurança proximal e distai, bordas de secção ci- prognóstico do CG é baseado principalmente nos fatores mor-
rúrgica livres de neoplasia e remoção dos linfonodos locor- fológicos do tumor primitivo, como tipo macroscópico, loca-
regionais, independentemente de serem suspeitos ou não de lização no estômago, características histológicas e a presença
acometimento. Inclui, também, a ressecção, em monobloco, ou não de metástases. As formas invasivas correspondentes aos
de estruturas, órgãos ou segmentos de órgãos eventualmente tipos III e IV da classificação de Borrmann têm pior prognósti-
envolvidos por contiguidade, além da remoção de ambos os co do que as formas I e 11, que são formas bem delimitadas. A
omentos, da lâmina anterior do mesocólon transverso e do relação entre a localização do tumor e seu prognóstico é con-
peritônio pré-pancreático. troversa, com alguns investigadores referindo maior sobrevida
A ressecabilidade do CG tem aumentado de forma progres- após 5 anos para os pacientes portadores de tumores localiza-
siva, alcançando, atualmente, índices que atingem até 85% dos dos no antro e corpo gástrico, ao contrário daqueles situados
casos. Quando se restringe a ressecções com finalidade curati- no cárdia. Quanto ao tamanho, os tumores com diâmetro su-
va, estes lndices caem para, em torno, de 70%. No tratamento perior a 2 em apresentam um menor índice de cura. Histolo-
do CG avançado, ou seja, de tumores que já infiltraram e/ou gicamente, a relação entre malignidade e grau de anaplasia ou
ultrapassaram a muscular própria do estômago, esses índices atipias parec-e ser pouco significante em termos de prognóstico
são muito inferiores. do tumor, porém tumores que progressivamente invadem as
Na ausência de asàte ou de doença metastática extensa, mes- camadas mais profundas da parede gástrica, atingindo a sero-
mo em casos considerados cirurgicamente incuráveis, a ressec- sa, têm prognóstico mais desfavorável. O comprometimento
ção gástrica total ou uma gastroenteroanastomose devem ser ganglionar satélite nos tumores do estômago é sinal de mau
consideradas, pois tais procedimentos podem aliviar a obstru- prognóstico, uma vez que a taxa de sobrevivência de 5 anos para
ção, o sangramento e a dor. os pacientes que não apresentaram metástases ganglionares é
Como alternativas ao tratamento cirúrgico, os métodos en- bem maior do que a daqueles que apresentam disseminação da
doscópicos para aliviar a obstrução gástrica podem promover doença para linfonodos.
uma melhora transitória. O implante de próteses plásticas ou
metálicas em pacientes selecionados com tumores da junção
esofagogástrica ou cárdia tem sido associado a um lndice de • LINFOMA GÁSTRICO
sucesso em torno de 85%, para alivio dos sintomas. especial-
mente disfagia. Os linfomas gástricos constituem as neoplasias do estômago
mais frequentes, depois do adenocarcinoma. Este último chega
• Tratamento quimioterápico a atingir 95% dos tumores gástricos, e os linfomas, por sua vez,
A indicação de tratamento quimioterápico adjuvante ao tra- perfazem apenas 3% deles. Enquanto se tem notado uma redu-
tamento cirúrgico para pacientes considerados de alto risco ção da incidência dos adenocarcinomas gástricos, a incidência
para reca.lda tem-se tomado mais consistente, de acordo com dos linfomas tem aumentado.
resultados de estudos recentes. A maioria dos autores sugere Os linfomas gástricos podem ser primários ou secundá-
que, para pacientes de alto risco, um esquema poliquimioterá- rios. Eles são primários quando se originam no estômago, e
pico à base de 5-fluoruracila ou cisplatina seja empregado em esse órgão, com acometimento ou não dos linfonodos regio-
pelo menos quatro ciclos. nais, constitui o único foco da doença. O estômago e o intes-
A quimioterapia primária ou neoadjuvante não tem ainda tino constituem os locais mais frequentes de linfomas primá-
papel estabelecido no tratamento de CG, devendo ser evitada rios, e a maioria se origina no estômago, que, ao contrário do
fora de protocolos de pesquisa. intestino, não possui normalmente tecido linfoide. Os linfo-
220 Copftulo24 I TumoresdoEst6mogo

mas gástricos primários são quase exclusivamente do tipo não mas MALT de baixo grau se transformam em tumores de alto
Hodgkin, e a maior parte é da linhagem de células B (90%). grau, perdem suas principais características histológicas, e, a
Os de célula T também ocorrem, mas são muito mais raros. menos que haja foco residual de doença de baixo grau, toma-
A doença de Hodgkin raramente se origina no estômago. O se dificil saber se são linfomas de célula B de alto grau do tipo
ünfoma é secundário quando invade esse órgão proveniente MALT ou não. Entretanto, há muitas evidências de diferenças
de linfonodos regionais, no curso de sua disseminação. O en- fenotípicas e genéticas entre linfomas de célula B de alto grau
volvimento gástrico é encontrado em necropsias em 50% dos do MALTe os tipos nodais.
pacientes com linfoma nodal disseminado e leucemia ünfo-
cítica. Os linfomas gástricos secundários são mais frequentes
do que os primários. • Etiopatogenia
Os linfomas primários do estômago constituem uma enti- • Tecido línfoíde associado à mucosa- MALT
dade clinicopatológica distinta dos linfomas nodais. Os estudos Ao contrário dos linfonodos periféricos, adaptados a lidar
têm mostrado que as suas características clinicopatológicas são com antígenos que chegam ao gânglio pelos linfáticos aferentes,
mais relacionadas com a estrutura e função do assim chamado o MALT parece ter evoluído para proteger a mucosa que está
tecido linfoide associado à mucosa (MALT) do que às dos linfo- em contato direto com antígenos do meio externo. Ele existe
nodos periféricos. Ao que parece, o tecido linfoide associado à em outros locais, como glândulas salivares, pulmões e tireoide,
mucosa (MALT) surge no estômago em resposta à infecção pela mas é mais bem caracterizado no trato gastrintestinal, onde
bactéria He/icobader pylori. Do MALT, originam-se os linfomas compreende quatro compartimentos linfoides. O primeiro e
também denominados maltomas. Os linfomas MALT podem mais relevante para os linfomas são as placas de Peyer; os outros
ter baixo ou alto grau de malignidade. Acredita-se que os lin- compreendem os linfócitos intraepiteliais, a lãmina própria e
fomas MALT de alto grau de malignidade possam originar-se os linfonodos mesentéricos.
dos de baixo grau, ou mesmo já nascerem assim. Embora não
se possa afirmar, acredita-se que os linfomas de alto grau tam- • Placas de Peyer
bém se originam do MALT. A histologia das placas de Peyer difere da dos linfonodos
Os linfomas tendem a permanecer localizados até tardia- em vários aspectos importantes. Ao contrário dos linfonodos,
mente no curso da evolução e costumam responder favora- as placas de Peyer não são capsuladas e não têm linfáticos afe-
velmente à terapêutica. O prognóstico, de um modo geral, é rentes. O componente de célula B é dominante e consiste em
consideravelmente melhor do que nos tumores nodais de grau um follculo central circundado por urna proeminente zona
histológico semelhante. marginal. Esse follculo é coroado por uma cúpula de epitélio
Teoricamente, à exceção do linfoma de célula T cerebrifor-
que contém células B intraepiteliais; essas células B devem ser
me, qualquer linfoma listado nas classificações correntes de
distinguidas de células T intraepiteliais presentes no resto do
linfoma não Hodgkin (LNH) pode originar-se no trato gas-
epitélio intestinal.
trintestinal. Entretanto, tais casos são exceções, e a maioria dos
linfomas gastrintestinais primários são entidades distintas, não
• Outros componentes
se enquadrando nas classificações correntes de linfomas. A clas- A lâmina própria contém uma população heterogênea de
sificação de linfomas gastrintestinais de Isaacson, a mais ade-
células plasmáticas, linfócitos B e T, macrófagos e células apre-
quada e recente, é mostrada no Quadro 24.4.
Os linfomas de célula B do tipo MALT são os linfomas mais sentadoras de antígenos. A população de linfócitos intraepite-
comuns e podem ser de alto ou de baixo grau. Quando os linfo- liais, pouco conhecida, consiste principalmente em células T
CD31, CD81, além de células T de diferentes imunofenótipos.
Os linfonodos mesentéricos formam a interface entre o MALT
e o sistema imune periférico.
... Embora lembrem linfonodos periféricos, os follculos de cé-
lulas Bsão em geral pequenos e inativos, podendo ter uma zona
Quadro 24.4 Classifi<ação atualizada de lsaacson de
linfoma não-Hodgkin primário gastrintestinal marginal proeminente. A zona paracortical é também pouco
desenvolvida.
- FENÓTIPO O
Linfoma MALT • Propriedades funcionais do MAU
Baixa malignidade Experiências em animais têm fornecido a base para o con-
Alta malignidade com ou sem componente de baixa malignidade
Centroblástlco
ceito de um padrão específico de células precursoras plasmá-
lmunoblástico ticas derivadas do MALT. Antígenos provenientes do lúmen
Grandes células anaplasicas intestinal entram diretamente nas placas de Peyer por um me-
canismo de transporte envolvendo células especializadas "M".
- Unfoma, DI PIO (doença imunoproliferativa do intestino delgado) Após estimulação antigênica, as células B do MALT deixam a
Baixa malignidade
Alta malignidade com ou sem componente de baixa malignidade
mucosa, via linfáticos eferentes, atravessam os linfonodos me-
Unfoma do manto (polipose linfomatosa) sentéricos e entram na circulação via dueto torácico. Essas célu-
Unfoma de Burkin e do tipo Burkin las Bvoltam, então, à mucosa intestinal, onde passam a compor
as células plasmáticas da lâmina própria. Esse comportamento
- FENóTIPO T das células, de retomarem ao local de origem, poderia explicar
Unfoma T associado a uma enteropatia (lTAE)
Outros tipos, sem enteropatia a tendência que apresentam os linfomas MALT de permanece-
rem localizados por longo tempo.
- FORMAS RARAS O MALT não existe normalmente no estômago, o contrário
MAlT: tocido llnfoide associado à mucosa.
ocorrendo nos intestinos, delgado e grosso, onde é encontrado
normalmente.
Capftufo24 I TumoresdoE.st6mago 221
• MALT, infecção pelo h. pylori e linfoma As células tu morais são, caracteristicamente, de tamanho
Até 1988, a hiperplasia linfoide encontrada na mucosa gástri- pequeno a médio, com citoplasma abundante e núcleo com
ca foi designada como linfoma linfofolicular ou pseudolinfoma, contorno irregular, lembrando o das células do centro dos fo-
e a patogênese dessas alterações era meramente especulativa. lículos (centrócitos), pequenas células clivadas. Em decorrência
Entretanto, em 1988, Wyatt e Rathbone foram os primeiros a de tal semelhança, as células do linfoma MALT de baixo grau
descrever a propensão da mucosa gástrica para formar foliculos foram denominadas por Isaacson células do tipo centrócito
linfoides em gastrites onde era detectada a bactéria Helicobacter (centrocyte like cells). Embora a denominação célula do tipo
pylori. Eles sugeriram que essa hiperplasia linfoide fosse secun- centrócito (centrocyte like cell), célula CCL, seja comumente
dária à persistente presença de antígenos do H. pylori. usada para descrever as células do linfoma MALT de baixo grau,
Trabalhos subsequentes vieram confirmar essa associação, suas características citológicas são variáveis e podem lembrar
sugerindo que o desenvolvimento dos follculos linfoides repre- pequenos linfócitos ou mostrar características da, assim cha-
sentava uma resposta imune ao H. pylori. Não está claro, ainda, mada, célula B monocitoide. Pequeno a moderado número de
por que só alguns pacientes infectados manifestam hiperplasia células blásticas maiores estão em geral presentes.
linfoide. Ela aparece em mais de 5496 dos pacientes infectados. Uma característica distintiva das células tumorais é a tendên-
Além da presença do H. pylori, outros fatores podem estar asso- cia para invadir, em aglomerados, o epitélio glandular e as crip-
ciados: cepas, grau e duração da infecção, certos cofatores am- tas e formar lesões linfoepitdiais com degeneração eosinoffiica
bientais e/ou uma particular suscetibilidade do hospedeiro. e desintegração do epitélio glandular. A presença dessas lesões
Em 1991, Wotherspoon et al. notaram que, além da forma- é altamente sugestiva de linfoma MALT de baixo grau.
ção de follculos linfoides no tecido gástrico, alguns desses pa- Grupos de células B intraepiteliais podem estar presentes
cientes apresentavam células B infiltrando o epitélio e formando na gastrite crônica por Helicobader pylori, mas a destruição e
grupos sugestivos de linfoma gástrico. Eles examinaram amos- a eosinofilia de células epiteliais não são características dessa
tras teciduais de 110 pacientes com características de linfoma de condição, e nela não se encontram outras características do
célula B e encontraram o H. pylori presente em 101 pacientes, linfoma.
ou seja, em 92% das amostras. Posteriormente, Parsonnet et a/. A diferenciação da célula CCL em células plasmáticas pode
realizaram um estudo caso-controle com 33 pacientes com lin- ocorrer no linfoma MALT, mas é frequentemente mascarada
foma não Hodgkin (LNH), mostrando, então, que o LNH está por infiltração de células plasmáticas reativas que ocorre carac-
associado à infecção prévia pelo H. pylori, como determinado teristicamente na região subepitelial.
por anticorpo IgG contra H. pylori. Vários trabalhos subse- Mesmo os menores focos de linfoma são acompanhados
quentes mostraram a relação entre a erradicação do H. pylori de um foliculo reativo, sugerindo que a formação do follculo é
e o efeito na extinção do linfoma MALT. uma precondição para o desenvolvimento do linfoma. O lin-
O mecanismo pelo qual a infecção pelo H. pylori leva ao foma por si só também parece induzir a formação de folículo.
desenvolvimento do linfoma MALT não está completamente No linfoma MALT estabelecido, numerosos folículos podem
elucidado. estar presentes.
Assim, está claro que o H. pylori encontra-se associado a A relação entre o infiltrado de células CCL e os fol!culos rea-
linfoma MALT; entretanto, as etapas da progressão da infecção tivos é complexa. Os fol!culos podem ser simplesmente invadi-
para o linfoma não estão estabelecidas. ~possível que a per- dos ou seletivamente colonizados pelo linfoma. No último caso,
sistente estimulação do tecido linfoide por citocinas oriundas o centro do follculo é substituldo por células CCL, que podem
de células T anti-H. pylori poderia levar ao desenvolvimento exibir transformação blástica ou diferenciação em células plas-
de mutação para uma população monoclonal, que, até certo máticas, em geral com preservação da zona do manto.
ponto, é reversível com a remoção do estimulo. No linfoma de alto grau, os linfócitos são maiores e podem
Lesões genéticas em algumas das células poderiam permitir lembrar centroblastos ou, mesmo, imunoblastos. Eles podem
uma proliferação autônoma para ocasionar o surgimento do ser vistos em linfoma MALT de baixo grau, colonizando o cen-
linfoma MALT de alto grau. tro dos follculos reativos. ou em lençóis no meio do in.filtrado.
Há casos em que o componente de baixo grau é apenas resi-
• Patologia dual Nos casos em que não se detecta componente de baixo
grau, pode-se presumir de novo que o linfoma primário é de
• Aspectos macroscópicos alto grau.
O linfoma gástrico, assim como o carcinoma, mais frequen- Devido à mistura de graus, pode ser dif!cil decidir se o lin-
temente envolve o antro, mas pode ocorrer em qualquer parte foma é de baixo ou de alto grau. Há, em geral, concordância
do estômago. em que a presença de grupos confluentes ou lençóis de células
O linfoma de baixo grau, em geral, aparece como uma lesão transformadas fora dos foliculos colonizados permite definir
infiltrativa, às vezes associada a ulcerações e erosões superfi- um linfoma gástrico como de alto grau de malignidade.
ciais. As massas grandes e profundamente infiltrativas não são Em 2008, a Organização Mundial da Saúde reclassificou os
comuns. Os de alto grau são, em geral, tumores volumosos. linfomas, e aqueles que acometem com mais frequência o es-
tômago são denominados linfoma MALTe linfoma difuso de
• Hlstopatol agia grandes células B não especificado (LDGCB).
As características histológicas de linfoma MALT de baixo
grau lembram aquelas das placas de Peyer. O linfoma infiltra a
periferia dos follculos reativos e a área entre eles. envolvendo-os
• Diagnóstico
e espalhando-se difusamente na mucosa circunvizinha. • Apresentação dlnica
Os três principais componentes que integram a histologia O linfoma gástrico de baixo grau pode ocorrer em qualquer
do linfoma gástrico são as células tumorais, as células plasmá- idade, mas é predominante em indivíduos acima de 50 anos,
ticas e os folículos. com um pico de incidência na sétima década. A proporçll.o
222 Copftulo24 I TumoresdoEst6mogo

- - -T caso do linfoma do MALT superficial de baixa malignidade, a


Quadro 24.5 Sistema de estadiamento de Ann Albor, modificado por infiltração parietallimita-se à segunda camada; no caso de lin-
Musshoff, para linfomas pri100rios MALT do trato gastrintestinal foma mais invasivo, este mostra uma infiltração hipoecogênica
ou ecogênica, com áreas hipoecogênicas estendendo-se até a
IE Envolvim~nto localizado de um ou mais sítios gastrint~stinais ~m camada muscular. Esse exame permite avaliar, além da infil.
envolllim~nto gangliooar tração da parede gástrica, o estadiamento ganglionar. Estudos
I E, Unfoma confinado à mucosa e submucosa, chamado llnfoma recentes têm avaliado o papel do USE nos linfomas gástricos.
lnidal Nakamura et o/., estudando 41 pacientes com linfoma MALT
IE, Unfoma estendendo·~ além da submucosa
gástrico, sugerem que a presença ou ausência de invasão da ca-
IIE Envolvimento localizado de um ou mais sitios gastrintestlnals com
envolvimento linfonodal
mada submucosa profunda ao USE constitui o fator mais crítico
li E, Infiltração regional de linfonodos para predizer a eficácia da erradicação do H. pylori no trata-
li E, Infiltração de linfonodos além da área regional mento do linfoma, enquanto Levy et o/., avaliando 48 pacientes
li IE Envolvlm~nto localizado do trato gastrintestinal ~/ou llnfonodos em franceses, sugerem que o principal fator preditivo negativo ao
ambos os lados do diafragma tratamento anti-H. pylori é a presença de linfonodos perigás·
IVE Llnfoma de grande volume localizado no trato gastrlnteitinal com ou tricos ao USE. Entretanto, permanecem ainda indefinidos os
~m lnfiltraçjo de linfooodos a.ssociados e envolvimento difuso ou critérios diagnósticos para diferenciar linfonodos infiamatórios
dls~lnado de órgãos ou tecidos mo gastrinteitlnals
daqueles neoplásicos.

• Tomografia computadorizada (TQ


A TC permite avaliar o envolvimento linfonodal abaixo e
homem:mulher é de 1,5:1. Os sintomas são em geral aqueles acima do diafragma. A precisão da tomografia abdominal para
de uma dispepsia inespecífica, e os achados à endoscopia cos- estadiamento pré-operatório tem sido questionada em função
tumam revelar gastrite in específica com erosões ou ulcerações. de altos índices de falso-negativos. Os linfonodos gástricos re-
Pelo estadiamento, raramente se detecta disseminação extra- gionais são dificeis de avaliar pela TC e, por isso, podem passar
abdominal. Usando o sistema de estadiamento de Ann Arbor, despercebidos. Assim, a TC deverá ser complementada pelo
modíficado por Musshoff (Quadro 24.5), observa-se que a ultrassom endoscópico, sempre que possível
maioria se encontra no estágio IE ou IIE.
Os pacientes que se apresentam com linfoma Bde alto grau • Histopatologia
têm idade média mais alta que os de baixo grau (64 versus O diagnóstico de linfoma gástrico se faz, na maioria das ve-
55 anos). A apresentação clínica é semelhante à do carcinoma zes, em biopsias gástricas, sendo posteriormente confirmado
gástrico, com dor, náuseas, vômitos, perda de peso e anemia. A no estudo de peça cirúrgica de gastrectomia (subtotal ou total),
endoscopia em geral revela uma massa tumoral. Como os linfa- se o paciente for encaminhado à cirurgia. Os fragmentos reti-
mas de baixo grau, a maioria apresenta-se em estágio favorável, rados à endoscopia são imediatamente fixados e enviados ao
IE ou UE. Em I0% dos linfomas gástricos, a manifestação inicial laboratório de anatomia patológica para inclusão em parafina e
pode ser decorrente de perfuração ou hemorragia. obtenção de cortes histológicos para estudo histopatológico de
rotina em coloração pela HE, ou para técnicas imuno-histoqui-
• Exame radiológico micas visando a identificar precisamente os linfócitos B e T.
Embora pouco especificas, as seguintes alterações radioló- Segundo Isaacson, o estudo imuno-histoqulmico é capaz de
gicas são sugestivas de linfoma: definir as lesões linfoepiteliais em casos duvidosos, através de
• hipertrofia difusa de mucosa com e.spessamento irregu- expressão de citoqueratinas e da relação de linfócitos B com o
lar de pregas. epitélio foveolar. E ainda capaz de promover a caracterização fe-
• ulcerações múltiplas. notlpica do linfoma, onde há positividade CD20, CD21 e CD35
• úlcera única com espessamento difuso da mucosa. e negatividade CD5/CDIO, além de determinar a monoclona-
• lesão do tipo massa ou irregularidade da mucosa esten- lidade da lesão pela imunoexpressão diferencial (restrição) das
dendo-se pelo piloro até o duodeno. cadeias leves de imunoglobulinas.
Atualmente, a endoscopia, pela sua maior precisão diag- Os linfomas gástricos são mais frequentemente de alta ma-
nóstica e por oferecer possibilidade de biopsiar todas as lesões lignidade (60%) e não apresentam díficuldades diagnósticas.
encontradas, vem substituindo a radiologia no diagnóstico dos A maior dificuldade é fazer o diagnóstico diferencial entre os
linfomas. linfomas de baixo grau de malignidade com os infiltrados lin-
focitários da lâmina própria de natureza apenas inflamatória.
• Endoscopia digestiva Entretanto, a existência de lesões linfoepiteliais (linfócitos le-
Três tipos de anormalidades endoscópicas podem ser en- sando glândulas), a presença de células do tipo centrócito e a
contrados no LNH gástrico: a forma ulcerada, presente em 3 monoclonalidade de células B são características que distin-
a 50%; a forma de pregas volumosas, polipoides e exoflticas, guem o linfoma MALT do MALT adquirido. O diagnóstico
em 25 a 40%; e a forma infiltrante, em 6 a 25% dos pacientes. histológico de linfoma MALT pode ser auxiliado pelo uso da
No caso particular dos LNH gástricos de baixa malignidade, gradação histológica de Wotherspoon (Quadro 24.6).
em 50'J6 dos casos o aspecto lembra uma úlcera maligna; em A grande maioria dos linfomas gástricos são linfomas B do
outros 50'J6, os sinais são mais discretos, como simples eritema MALT, seja de pequenas células do tipo centrócito, de baixa
ou pregas um pouco espessadas. malignidade, seja de grandes células centroblásticas (mais fre-
quentes) ou imunoblásticas, ambas de alta malignidade, com
• Ultrassom endoscópico (USE) ou sem contingente de pequenas células.
O USE completa o exame endoscópico e pode mostrar a E excepcional encontrar no estômago outros tipos de lin-
profundidade da infiltração linfomatosa na parede gástrica. No fomas.
---·
Copltulo 24 I TumoresdoEst6mogo 223
da de localizado. Outros exames: TC de tórax, abdome e pelve,
QUidro 24.6 Gradação histológica de Wotherspoon para biopsia de medula óssea, hemograma, dosagens de LDH, ele-
odiagnóstico de linfoma MALT troforese de protelnas, beta-2-microglobulina, sorologia para
HN e provas de função hepática e renal
~ra~ristlw hlstol6glw
O linfoma gástrico poderá ser classificado em quatro está-
gios, segundo a classificação de Ann Arbor modíficada por Mus-
Normal Células plasmáticas na I& mina própria. Não shoff (Quadro 24.5). Assim, os linfomas localizados (estágios
há folículo linfoide. IE e llE 1) têm um melhor prognóstico do que os dos estágios
Gastrite crónlca ativa Pequenos grupos de linfócitos na I& mina 1~, IllE e IVE.
própria. Não há folfculo linfolde. Não há Uma vez feita toda essa avaliação, é possível ter o diagnós-
lesão linfoepitelial.
tico do linfoma gástrico, se de baixa ou de alta malignidade,
Gastrite crónlca com Proeminentes folfculos circundados pela
formação de folfculo zona do manto e células plasmáticas.
se localizado ou não, informações essas que irão determinar a
linfoide florido Ausência de lesões linfoepiteliaís. escolha da modalidade terapêutica.
Infiltrado linfolde suspeito Folículos linfoides circundados por
na !.\mina, provavelmente
reativo
pequenos linfócitos que Infiltram
difusamente a la mina própria e,
• Tratamento
ocasionalmente, o epitélio. Os recursos tera~uticos atualmente disponíveis para os lin-
Infiltrado linfolde suspeito Folículos linfoides circundados por linfócitos fomas gástricos são: I) Tratamento visando à erradicação do
na !.\mina, provavelmente (tipo centrócitos) que se infiltram H. pylori; 2) Tratamento locorregional: cirurgia e radioterapia;
linfoma difusamente na limina própria e dentro
do epitélio em pequenos grupos.
3) Tratamento geral: quimioterapia e imunoterapia, cujo tipo
linfoma de célula B de Presença de infiltrado difuso e denso de
é função do grau de malignidade histológica e cujas indicações
baixo grau linfócitos (tipo centrócltos) na lâmina são amplamente baseadas em resultados obtidos no tratamento
própria com lesões linfoepltellais dos LNH ganglionares.
proeminentes.
• Tratamento visando~ erradicação doh.pylori
Adaptodo de Lonctr, 1993; 342:575·7.
Publicações recentes têm mostrado regressão do linfoma
gástrico após a erradicação do H. pylori. Zullo et o/., em revi-
são sistemática recente envolvendo 32 estudos (1.436 pacientes,
96% deles com linfoma MALT em estágio lE) de erradicação
~ necessário pesquisar a presença de H. pylori nas biopsias de H. pylori demonstraram desaparecimento do linfoma em
do antro tanto ao nível da lesão, como também a distância 75% dos pacientes erradicados.
dela. No tratamento da infecção por H. pylori, é sugerido que se
prolongue a duração desse tratamento para 10 a 14 dias com
• Estadiamento dínico objetivo de maximizar a resposta terapêutica. Os esquemas te-
rapêuticos recomendados são os mesmos para as outras indi-
Ao contrário de outros tumores digestivos, os linfomas gás- cações de erradicação da bactéria.
tricos só tardiamente invadem os órgãos vizinhos. No entanto, Como regra, depois de confirmada a erradicação, os pacien-
a extensão linfática é mais frequente e mais precoce; o linfoma tes devem ser acompanhados para reavaliações a cada 3 meses
gradualmente atinge as cadeias ganglionares de drenagem da até 9 a 12 meses. Para o acompanhamento do comportamen-
região. Os linfomas gástricos são bem localizados em 70% dos to histológico do tumor após a erradicação, tem sido sugerida
casos, quando diagnosticados, e permanecem por longo tempo a adoção da classificação histológica do Groupe d'E.tude des
dessa forma, ao contrário da maioria dos LNH ganglionares, Lymphomes de l'Adulte (GELA) (Quadro 24.7). Se não houver
que são disseminados com invasão medular (70 a 80% dos ca- regressão histológica do linfoma neste período, indica-se ou-
sos). De fato, as células imunológicas do tubo digestivo formam tro tratamento complementar (quimiote.rapia, radioterapia ou,
um compartimento distinto com uma recirculação específica: eventualmente, cirurgia).
elas pertencem ao sistema linfoide comum das mucosas. Isso A não resposta à erradicação do H. pylori nos pacientes com
pode explicar a frequência das localizações múltiplas, quer em tumores de baixo grau habitualmente se deve à presença de
um mesmo segmento, quer em segmentos diferentes (I Oa 20% ), um componente de alto grau não identíficado no estudo his-
como também em outros órgãos contendo MALT (pulmão, tológico, ou à existência de determinadas alterações citogené-
região otorrinolaríngea). Todavia, foi demonstrado recente- ticas. Entre elas, as translocações cromossômicas, especialmen-
mente, por estudo do clone de proliferação, que os linfomas te t(ll;18)(q21;q21), condicionariam uma independência das
gástricos do MALT, em um dado momento de sua evolução, células do linfoma ao estimulo antigênico, com a consequente
tinham capacidade de se disseminar a distância, particular- não regressão do linfoma após erradicação do H. pylori. A de-
mente para a medula óssea. terminação da presença destas alterações pode ser realizada
O estadiamento de todo linfoma gástrico deverá comportar em laboratórios de biologia molecular, mesmo em material
uma exploração sistemática do tubo digestivo. Deverão ser fei- parafinado, e tem implicações clínicas de grande significado.
tas endoscopias do esôfago, estômago, duodeno, com biopsias Assim, um paciente com linfoma MALT de baixo grau, depois
múltiplas do estômago. A presença de infecção por H. pylori de comprovado portar a translocação t(11;18)(q21;q21), além
deverá ser efetuada por diferentes métodos, se necessário. O de efetuar a erradicação do H. pylori, poderia ser, de imediato,
ultrassom endoscópico constitui bom método para precisar o encaminhado para outra modalidade terapêutica, considerada
grau de inJiltração da parede gástrica, pois permite suspeitar eficaz e adequada (cirurgia, quimioterapia e/ou radioterapia),
de acometimento ganglionar. Esse exame é notadamente de não tendo de aguardar, como agora, a resposta histológica do
valor no estadiamento pré-terapêutico e no acompanhamento tumor à erradicação da bactéria, resposta essa que pode levar
pós-terapêutico de pacientes com linfoma de baixa maligni- alguns meses para definição.
224 Capftulo 24 I Tumores do Estómago

---------------------------------~---------------------------------
Quadro 24.7 Classificação histológica do Grouped'ttudedes Lymphomes de fAdulte (GELA) para gradação de linfomas da
mucosa gástrica pós-tratamento do H. pylori, com base na presença do infiltrado linfodtáriona mucosa e/ousubmucosa,
presença de lesão linfoepitelial ealterações do estroma

Grau Infiltrado llnfo<itário Lesão llnfoepitel ia I Alterações de estroma

Remissao histológica completa Ausência/escasso número de plasmócitos/linfócitos Ausente Normal e/ou fibrose
na lamina própria
Provável doença residual mfnima Agregados de linfócitos ou foi óculos linfoídes na Ausente Normal e/ ou fibrose
mucosa/submucosa
Doença residual Infiltrado denso, difuso ou nodular estendendo-se Lesao focal ou ausente Focos normais e/ou fibrose
em torno das glandulas na Iam ina própria
Tumor sem alterações Infiltrado denso, difuso ou nodular Presente, •podendo estar Sem modificações
ausente• pós-tratamento

Adaptado de Gut, 2003;52:1656.

~ainda pequena a experiência sobre a evolução, a longo completa, com apenas 14 recidivas posteriores (geralmente,
prazo, dos linfomas MALT gástricos associados à infecção por em órgão contralateral ou locais MALT distantes). Nenhuma
H. pylori. Morgner et al., na Alemanha, descreveram três ca- recidiva foi observada nos casos de linfoma primário de es-
sos, entre 120 pacientes acompanhados por longo tempo, que tômago. Em outro estudo, 17 pacientes com linfoma gástrico
desenvolveram adenocarcinoma gástrico precoce, 4 a 5 anos estágio clínico lE ou IIE, sem infecção por H. pylori ou com
após a erradicação de H. pylori e completa remissão do tumor persistência do tumor após a erradicação da bactéria, foram
inicial. Tais achados reforçam a necessidade de seguimento tratados locorregionalmente apenas com 30 Gy durante 4 se-
clínico e endoscópico destes pacientes mesmo após um trata- manas. No seguimento (mediana de 27 meses), todos perma-
mento bem-sucedido. neciam vivos e livres de doença. Apesar do pequeno número
Embora considerados como tumores independentes da infec- de estudos, tem sido sugerido que a radioterapia locorregional
ção por H. pylori, há relatos de regressão de linfomas de alto grau, com doses baixas representa alternativa a ser empregada em
especialmente em estágio lE após terapêutica anti-H. pylori. Por pacientes com linfoma MALT localizado que não respondem a
isso, a erradicação de H. pylori tem sido preconizada como parte antibióticos e/ou em idosos e/ou com contraindicação a outras
da estratégia terapêutica dos linfomas de alto grau. modalidades terapêuticas.
Para os linfomas de alta malignidade, a necessidade de doses
• Cirurgiae radioterapia mais altas e o risco de sequelas digestivas têm limitado o seu
Historicamente, a cirurgia tem sido o tratamento de escolha emprego, ficando restrito apenas para tratamento de resgate de
para os linfomas gástricos. Mais recentemente, observa-se uma massas abdominais residuais após quimioterapia.
tendência crescente pelo tratamento conservador. Constituem,
ainda, boa opção terapêutica nas seguintes situações: • Quimioterapia (QT}
• dúvida díagnóstica, em que o exame detalhado da peça A QT é hoje um recurso terapêutico essencial para LNH
cirúrgica permite estadiamento preciso, orientando a te- de alta malignidade. Estudos prospectivos randomízados têm
rapêutica oncológica ideal a ser empregada; demonstrado, em seguimento de até 10 anos, que a quimio-
• tumores complicados com obstrução, sangramento ou terapia isoladamente é tão efetiva como a cirurgia seguida de
perfuração; quimioterapia. O esquema terapêutico mais utilizado é o CHOP
• falha terapêutica, com a gastrectomia agindo como te- ( cidofosfamida, oncovin, adriamicina, prednisona) associado
rapêutica de resgate ou para o controle locorregional da ou não a imunoterapia empregando o anticorpo monodonal
doença; anti-CD-20, rituximabe. O tratamento dos linfomas avança-
• linfomas gástricos distais, de baixo grau, IE2, IIE, com dos de alto grau deve ser realizado conforme recomendado
baixo risco operatório e que preferem o procedimento ci- por consensos nacionais ou internacionais, como aquele da
rúrgico à quimioterapia, em associação à radioterapia. National Comprehensive Cancer Network (www.nccn.org), e
A radioterapia tem sido proposta em duas situações: como foge ao escopo deste capítulo.
terapia principal para linfoma localizado e como terapia adju- Para os linfomas de baixa malignidade, são escassos ostra·
vante após ressecção cirúrgica completa ou paliativa. balhos mostrando a validade ou não da QT. A utilização de mo-
A radioterapia pode curar certos LNH ganglionares locali- noquimioterapia com alquilantes orais, como o clorambucila,
zados, mas sua eficácia não foi avaliada de forma prospectiva pode ser considerada para os pacientes que não respondem ao
nos linfomas digestivos. As doses de radioterapia preconizadas tratamento do H. pylori ou para os que apresentem recidiva,
(30 a 35 Gy) nos LNH de baixa malignidade localizados são como alternativa à radioterapia.
feitas em administrações fracionadas para diminuir os riscos
dos efeitos secundários sobre a medula óssea e o trato digesti-
vo. Em um estudo recente, 85 pacientes com linfoma MALT • LEIOMIOSSARCOMAS
de diferentes locais, incluindo 17línfomas MALT gástricos,
foram tratados com radioterapia exclusiva na dose de 30 Gy. Os leiomiossarcomas representam 1 a 3% de todos os tu-
Oitenta e quatro dos 85 pacientes alcançaram resposta clínica mores malignos do estômago. Surgem em qualquer região do
Capitulo 24 I Tum ores do Est6mogo 225
estômago, são bem delimitados, localizados na submucosa, dos tumores gástricos primários, por ter seu tratamento com-
possuem consistência elástica e seu tamanho pode ser difícil pletamente diferente, e raramente o tratamento cirúrgico será
de estimar, urna vez que, tanto endoscópica como radiologi- necessário para controlar um sangramento maciço ou perfura-
camente, a maior porção do tumor pode estender-se da parede ção nas metástases gástricas de outras neoplasias.
do estômago para a cavidade peritoneal. Histologicamente, al-
gumas vezes, é dificil a diferenciação entre leiomiossarcoma e
leiomioma benigno, mas lesões com grande número de mitoses, • LEITURA RECOMENDADA
grau de pleomorfismo aumentado e com tamanho superior a
6 em são quase sempre malignas. Armitage, )0, Mauch, PM, Harris, NL, Bieman, P. Non-Hodgkin's lymphomas.
Os leiomiossarcomas são mais comuns nos homens do que Em: DeVita, VT, He.llman, S, Rosenberg,SA (eds.). Cancer. Pr-indples and
Practice ofOncology. 6 ed., Philadelphia: Lippincott Williams and Wilkins,
nas mulheres, na proporção de 2:1, e são encontrados em to- 2001:256-98.
das as idades, especialmente a partir da sexta década de vida. Berthe, MP, Aleman, BM, Haas, RL, van der Maazen, RW. Role of radiotherapy
A manifestação clínica mais comum é a hemorragia gastrintes- in the treatment of lymphomas of the gastrointestinal tract. Best Prad &
tinal devido à ulceração do tumor, mas sintomas dispépticos, Res Clin Gastroenterol, 2010:24:27-34.
Boland, CR & Scheiman, M). Tumors of the stomach. Em: Yamada, T et ai.
perda de peso, anorexia, dor abdominal, náuseas, vômitos e
Textbook of Gastroenterology, 2nd ed., Phlladelphla, JB lipplncon Com-
febre, devido à abscedação de áreas de necrose do tumor, po- pany, vol. 1, 1995.
dem ocorrer. Ocasionalmente, os leiomiossarcomas perfuram, Coelho, LG & Zaterka, S. li Consenso Brasileiro sobre Helicobacter pylorl. Arq.
provocando hemoperitônio. Radiologicamente, ao estudo bari- Gastroenterol, 2005; 42:128-32.
tado, os leiomiossarcomas aparecem como falhas do enchimen- Ekstrom, AM, Held. M, Hansson, LE et ai. Helicobacter pylorlln gastrlc cancer
establlshed by CagA immunoblot as a marker of past ínfectlon. Gastroen-
to semelhantes às outras neoplasias. A endoscopia com estudo terology, 2001; 121:784-91.
histológico e/ou citológico esclarece a natureza submucosa da El·Omar, EM, Carrington, M, Chow, WH et a/. Interleultin-1 polymorphisms as-
lesão. O tratamento de escolha para os leiomiossarcomas é, sociated with increased risk of gastric cancer. Nature, 2000; 404:398 ..402.
sem dúvida, o cirúrgico e consiste na ressecção completa do Fischbacb, W. Long-term follow-up ofgastric lymphoma after stomach conserv-
tumor e das estruturas acometidas. Tanto a radioterapia como ing treatment. Best Pract & Res Clin Gastroenterol, 2010; 24:71 •7.
Fock, KM, Talley, N, Moayyedi, P et al. Asia·Pacific consensus guidelines on
a quimioterapia têm pouco valor e normalmente são inefica- gastric cancer prevention.l Gastroentero/ Hepato/, 2008; 23:351 ·65.
zes no tratamento desse tipo de tumor, sendo utilizadas como Forman, O & Burley, V). Gastric cancer: global pattern of the disease and an
tratamento paliativo no pós-operatório. O tamanho do tumor overview of envirorunental risk factors. Best Pradice & Research Clinicai
é importante fator prognóstico, pois os pacientes com tumo- Gastroentero/ogy, 2006; 20:633-49.
Gonzalez, CA, Pera, G, Agudo, A et ai. Fruit and vegetable intake and the risk
res de diâmetro menor que 8 em têm uma sobrevida média de
of stomach and oesophagus adenocarcinoma in the European Prospective
83 meses, ao passo que, naqueles com tumores de diâmetro Investigatlon into Cancer and Nutrition (EPIC-EURGAST). Int I Cancer,
maior que 8 em, a sobrevida média é de 15 meses. 2006; 118:2559e-66.
Hellcobacter and Cancer Collaborative Group. Gastric cancer and Hel.icobacter
pylori: a combined analysis of 12 case contrai studies nested within prospe.:-
tive cohorts. Gu4 2001; 49:347-53.
• OUTROS SARCOMAS Houghton. J, Stoicov, C, Nomura, S et al. Gastric cancer originating from bone
marrow-derived cells. Science, 2004; 306:1568-71.
Os sarcomas gástricos não perfazem mais do que 1 a 2% do Hsing, AW, Hansson, LE, McLaughlin, JK el a/. Pcrnicious anemia and subsc-
total de neoplasias malignas do estômago. São constituídos, qucnt cancer. A population-based cohort study. Cancer, 1993; 7:745·50.
IARC Worlting Group.JARC worlting group on thc cvaluation of carcinogcnic
principalmente, pelos linfomas malignos (60%) e leiomiossar-
risks to humans: some industrial chemicals Lyon, 15-22 February 1994.
comas (20%), já descritos neste capítulo. Outros sarcomas in- IARC Monogr Eva/ Carcinog Risks Hum, 1994; 60:1-560.
cluem lipossarcomas, rabdossarcomas, sarcomas neurogênicos, lsaacson, PG. Gastrointestinallymphoma. Hum Patho~ 1994; 25:1020-8.
dentre outros. Apesar de o sarcoma de Kaposi ser um tumor Jsaacson, PG. Primary gastric lymphoma. Br I Biom Sei, 1995; 52:291 -6.
relativamente raro e frequentemente encontrado na pele, sua lsaacson, PG. Re.:ent developments in our understanding of gastric lymphoma.
Am I Surg Pathol, 1996; 20:Sl-S7.
ocorrência em outros sistemas e aparelhos tem aumentado nos Levy, M, Copie-Bergman, C, Traulle, C et a/. Conservative treatrnent of pri-
pacientes portadores da infecção pelo vírus HIV, imunodepri- mary gastric low-grade B-cell lymphoma of mucosa-associated lymphoid
midos ou transplantados, e, no tubo digestivo, o estômago é tissue: predictive factors of response and outcome. Am] Gastroenttrol, 2002;
o órgão mais acometido. Endoscopicamente, apresentam-se 97:292-7.
como lesões múltiplas, avermelhadas, maculopapulares, com liu, H, Ye, H, Doga.n , A et a/. T(11;18) (q2l;q21) is as$0clated with adwnced
mucosa-associated lymphoid tissue lymphoma that express nuclear BCLIO.
bordas penetrantes, polipoides ou ulceradas. Em geral, a biop- Blood, 2001; 98:1182-7.
sia endoscópica da lesão confirma o diagnóstico de sarcoma Markus Raderer, M & de Boer, JP. Role of chemotherapy in gastric MALT lym-
de Kaposi. A quimioterapia é efetiva no tratamento das lesões phoma, diffuse large B-cell lymphoma and other lymphomas. Best Pract 6-
gástricas, com frequente desaparecimento das lesões. Res Clin, Gaslroenterol, 2010; 24:19-26.
Morgner, A, Miehlke, S, Stolte, M et a/. Development of early gastric cancer
4 and 5 years after complete remission of Helicobacter pylori associated
gastric low-grade marginal zone B cell lymphoma of MALT type. Wor/d. I
• NEOPLASIA METASTÁTICA DO EST0MAGO Gassroenterol, 2001; 7:248-53.
Mura~ AM. Carcinoma gástrico: há lugar para o tratamento quimioterápico

Os três tumores primários que mais frequentemente dão adjuvante? Em: Castro, LI\ Savassi-Rocha, PR, Rodrigues, MAG, Murad,
AM (eds.). Tópicos em Gastroenterologia - 12. Rio de janeiro: Medsi,
metástases para o estômago são as neoplasias de mama, os me-
2002:167-73.
lanomas e o câncer de pulmão, seguidos dos hepatomas, semi- Nakamura, ~ Matsumot~ T, Suekane, M et al. Preditive value of endoscopic
nomas, carcinoma de ovário, carcinoma de células escamosas ultrasonography for regression of gastric low grade and hlger grade MALT
do esôfago e neoplasias do trato respiratório superior. As le- lymphomas after eradication ofHelicobacter pylori. Gut, 2001; 48:454-
60.
sões são em geral ulceradas, e suas manifestações clínicas mais
Ono, H. Eatly gastric cancer: diagnosis, pathology, treatment techniques and
comuns são dor epigástrica e sangramento gastrintestinal. A treatment outcome$. Eur I Gastroenterol Hepatol, 2006:18:863-6.
endoscopia com biopsia comumente esclarece a origem do tu- Parsonnet, ), Hansen, S, Rodrigue-L et a/. H. py/ori infection and gastric lym-
mor. A doença metastática do estômago deve ser diferenciada phoma. N Engl I Med,1994; 330:1267-71.
226 Capftulo 24 I Tumores do Estômago

Rodrigues, MAG & Ferro, RAF. Extensão da gastrcctomia c da linfadcnccto- Uemura, N, Okamoto, S, Yarnamoto, Seta/. Helicobacter pylori infcction and
mia no tratamento do carcinoma gástrico: como defini-las! Em: Castro, thc dcvclopment of gastric cancer. N Eng f Med, 2001; 345:784-9.
LP. Savassi-Rocha, PR. Rodrigues, MAG, Murad, AM (eds.). Tópicos em Watanabc, T, Tada, M, Nagai, H, Sasaki, S, Nakao, M. Helicobacrer pylori infcc-
Gastroentcrologia- 12. Rio de Janeiro: Mcdsi, 2002:141-65. tion induces gastric cancer in Mongolian gerbils. Gastroenterology, 1998;
Rodrigues, MAG & Nogueira, AM.\tF. Tumores do estômago. Em: Castro, P J/5:642-8.
& Coelho. LGV: Gastroenterologia. I' ed., Rio de Janeiro, Meds~ vol. I, Wong, BCY, Lam, SI<. Wong. WM et aL Helicobacrer pylori cradication to pre-
2004. veni gastric cancer in a high-risk region ofChina. A randomized controUed
Sackmann, M, Morgncr, A, Rudolph, 8 ela/. Regression of gastric MALT lym- trial. fAMA, 2004; 291:187-94.
phoma after eradication of Helícobacter pylori is predicted by endosono- Wotherspoon, AC. Doglioni, C, Oiss et al. Regression of primary low grade
graphic staging. Gastroentero/ogy, 1997; J 13:1087-90. 8-ccli gastric lymphoma of mucosa associatcd lymphoid tissuc typc aftcr
Sumiyarna, K & Gostout, CJ. Novel Techniques and Instrumcntation for EMR. cradication of Helicobacter pylori.lAncet, 1993; 342:575-7.
ESD, and Full-Thickness Endoscopic Luminal Rescction. Gastrointest En- Wyatt, Jl, Rathbone, 81. Oixon, MF et al. Compylobacttr pylori and development
dosc Clin N Am, 2007; 17:471-85. of duodenal ulccr.!Ancel, 1988; 1:118-9.
Tsang. RW. Gospodarowic:z, MK, Pintilie, Metal. Localized mucosa-associated Zullo, A, Hassa, C. Cristofari, F et ai. EJfects ofHclicobactcr pylori cradication
lymphoid tissue lymphoma treated with radiation therapy has exceUent on early stage gastr-ic mucosa-associated lymphoid tissue lymphoma. Clin.
clinicai outcome. J Cli11 Oncol, 2003; 21:157-64. Gastroenterol Hepatol, 2010; 8:105-10.
25 Doenças Eosinofílicas
do Aparelho Digestivo
Mauro Bafutto e Joffre Rezende Filho

o fator estimulante de colônias de granulócitos e macrófagos


• INTRODUÇÃO (GM-CSF) estimulam a sobrevivência de várias linhagens he-
matopoéticas, incluindo os eosinófilos.
As doenças eosinofilicas do aparelho digestivo se constituem
A IL-5 parece ser o fator que possui propriedades especificas
em um grupo heterogêneo de doenças caracterizadas por sinto-
de regulação dos eosinófilos mais potentes, tais como: promo-
mas gastrintestinais e por aumento da quantidade de eosinófilos
ção da proliferação e maturação de eosinófilos na medula óssea
na mucosa e parede intestinal. e a liberação dessas células na circulação; manutenção da sobre-
Os eosinófilos são potentes células inatas do sistema imune,
vivência de eosinófilos, evitando a sua apoptose.; estimulação da
capazes de exercer diversas funções efetoras. Habitam o trato degranulação e resposta aos sinais quimiotáticos responsáveis
gastrintestinal, onde participam da resposta imunológica a pató- pelo recrutamento dos eosinófilos para os tecidos.
genos lurninais, sobretudo na resposta imune a hdmintos, e con- Estudos em ratos demonstraram que na falta de IL-5 foi ob-
tribuem na manutenção da homeostasia epitelial intestinal. servada menor quantidade de eosinófilos na mucosa gastrintes-
Recentemente, essas células foram reconhecidas como as res- tinal e que, por outro lado, a superexpressão da IL-5 resultou
ponsáveis por funções-chave na pato gênese de inúmeras outras em aumento da quantidade de eosinófilos.
doenças do trato gastrintestinal, incluindo a doença eosinofí- O recrutamento de eosinófilos para a mucosa gastrintesti-
lica gastrintestinal primária, distúrbios funcionais, tais como nal também é extremamente dependente da produção local de
a dispepsia funcional, e, também, em afecções gastrintestinais fatores quimiotáticos, especialmente quimocinas. O eotaxin-1
em pacientes com doença alérgica. (CCL11) é o fator quimiotático mais importante e seletivo dos
Neste capítulo, serão apresentadas as principais funções dos eosinófilos, sendo responsável pelo recrutamento fisiológico de
eosinófilos e sua participação nas doenças eosinofílicas primá- eosinófilos para o trato gastrintestinal em indivíduos saudáveis.
rias e secundárias do aparelho digestivo. Esta quimocina é expressa normalmente como constituinte da
lâmina própria intestinal. Na ausência de eotaxin-1, ou de seu
• Distribuição normal dos eosinófilos receptor em eosinófilos - CCR3, estas células param de migrar
para o trato gastrintestinal.
Os eosinófilos são gerados a partir de células-tronco pluri- Os eosinófilos também expressam a integrina <X 4~7 em sua
potentes da medula óssea, de onde migram para a mucosa atra- superficie celular, que é responsável por dirigir seletivamen-
vés do sangue periférico. O local principal para a migração de te estes leucócitos para a mucosa do trato gastrintestinal, em
eosinófilos é o trato gastrintestinal, onde são encontrados em vez de outros tecidos. A integrina <X 4~7 se liga ao seu ligante
indivíduos saudáveis, como constituintes normais da lâmina específico, MadCAM1 (molécula de adesão celular da muco-
própria no estômago, intestino delgado e cólon. Em indivíduos sa vascular adressina 1), que é preferencialmente expresso no
saudáveis, geralmente os eosinófilos estão ausentes do epitélio endotélio vascular de vênulas da lâmina própria intestinal. Por
escamoso do esôfago. conseguinte, leucócitos circulantes que expressam a integrina
A migração dos eosinófilos para o trato gastrintestinal (TGI) a 4~7 são seletivamente recrutados e destinados à mucosa in-
parece não depender da presença de bactérias comensais, uma testinal. No cólon, o recrutamento de eosinófilos parece ser
vez que tanto o recrutamento como a distribuição de eosinófilos mais dependente da expressão da molécula de adesão ICAM-1
está normal no trato gastrintestinal de mamíferos no período (molécula de adesão intercelular 1), do que de <X 4~7.
pré-natal, antes da colonização microbiana do cólon.
• Funçõesfisiológicas dos eosinófilos
• Recrutamento para oaparelho digestivo Os eosinófilos contribuem de forma importante para o sis-
O recrutamento e a sobrevida dos eosinófilos no TGI são tema imunológico e para a manutenção homeostática da bar-
regulados por citocinas e quimocinas. A interleucina (IL) 3 e reira intestinal contra bactérias luminais. Após a exposição aos
227
228 Capftulo 25 I Doenças Eosinofflicas do Aparelho Digestivo

componentes da parede celular de bactérias gram-negativas, os Os eosinófilos contêm numerosos mediadores inflamatórios
eosinófilos são ativados e promovem a liberação de mediado- e proteínas tóxicas. Eles também secretam citocinas, quirnocinas
res tóxicos, incluindo o DNA mitocondrial, que é um potente e produtos neuroquírnicos. Proteínas granulares derivadas dos
bactericida. Além disso, ao contrário dos eosinófilos no sangue, eosinófilos, principalmente a proteína básica principal (MBP), e
eosinófilos gastrintestinais são altamente suscetíveis à ativação, outros mediadores solúveis, como o fator de célula tronco, indu-
mesmo em mucosa não inflamada, tomando-se prontos para zem a ativação dos mastócitos humanos, o que leva à liberação de
uma resposta imediata às bactérias da luz, em caso de perda da triptase, histamina e prostaglandinas 02. Os eosinófilos também
integridade epitelial. secretam um fator neurotrofílico, o que, além dos seus efeitos
As funções fisiológicas dos eosinófilos também dependem neuronais, também aumenta a sobrevida dos mastócitos.
da sua capacidade de interação coordenada com outras cé- Os eosinófilos se ligam a células neurais em uma forma espe-
lulas do sistema imunológico. Os eosinófilos interagem com cífica de adesão, molécula-dependente, que resulta em mudan-
células T de forma bidirecional. Nos locais de inflamação alér- ças na atividade neurotransmissora e na transcrição de genes
gica da mucosa, linfócitos T CD4+ e T auxiliares (T helper) envolvidos no metabolismo do neurotransmissor.
secretam citocinas ativadoras dos eosinófilos, incluindo IL-5, Estudos em humanos e em animais de laboratório têm iden-
que promovem a sobrevivência local e degranulação dos eo- tificado vários outros mediadores derivados do eixo de eosinó-
sinófilos. filos-mastócitos, com a capacidade de regular a função neuro-
Os eosinófilos são capazes de apresentar antígenos às célu- nal, incluindo o peptídio intestinal vasoativo, a substância P, a
las T, expressando o complexo de histocompatibilidade classe serotonina, a histamina e os leucotrienos.
11 e moléculas coestimulatórias, e de estimular ou modular a Os eosinófilos também podem estar envolvidos na reparação
função das células T. Essas células também interagem direta e do epitélio intestinal. Após danos ou necrose das células epite-
indiretamente com o sistema nervoso entérico, através da sua liais, nota-se potente quimiotaxia de eosinófilos e a secreção
relação com os mastócitos, constituindo-se no denominado de citocinas de reparação tecidual, como fator de crescimento
eixo eosinófilos-mastócitos. transformador~ (TGF-~) e fator de crescimento fibroblástico.

Ativação: estresse, alérgenos e pat6genos


luz intestinal

Ep~élio intestinal

co lgE lgG4 \ ~
,v'
~
O(Q)O
Th2 OO
'-0
~~
ll-5 ~ APC
t
Penneabihdade
epitelial

c:>
c::>
lâmina própria
..
~
_
-
Eo-t-
ax-in
-:IJ
-..
_1

Degranutaçao.
·
Mast6Ct1os
0 MBP SCF NGF Slntese de proteinas
0 ~· eali6nicas. quimioconas.
O ~ fatores de aesamento
~~ mediadores ipldoc:os.
0 0
"- o o
o0 Seroto~na / ~0 0
Histamina O """ ~-(Nervos / c:::.

Fibras musculares c:::.

Sintomas - - - - -: c:=:;~~~~~~~~~~~~:=:==Estimulação
e contraçãoneural
da
musculatura lisa

Figura 25.1 O eixo de eosinófilos-mastócitos. Eosinófilos são ativados por eotaxin-1, que está expresso na lâmina própria. Também são ativa-
dos por alergênios e/ou patógenos do lúmen intestinal ao atravessar a barreira epitelial. Eosinófilos podem atuar como APC para os linfócitos
Th2. Citocinas derivadas linfócitos Th2, incluindo IL-4 e IL-13, estimulam a produção de anticorpos pró-alérgicos da classe lgE. Eosinófilos tam-
bém são ativados por citocinas (incluindo IL-5, secretada pelas célulasTh2), e degranulação subsequente leva ao aumento da permeabilidade
epitelial e ativação de mastócitos através da secreção pelos eosinófilos de MBP. SCF e NGF. Mastócitos também são ativados pela secreção de
IL-4 e IL-13 a partir de células Th2, e por lgE e lgG4 secretada pelas células B. Mastócitos ativados secretam histamina e serotonina (também
um qui mio tático para eosinófilos), que, juntamente com fatores de desgranulação de eosinófilos, levam à estimulação neural e contração do
músculo liso, o que leva a sintomas gastrintestinais como dor abdominal e flatulência. Abreviaturas: APC. células apresentadoras de antígenos;
IL-S, IL-13, MBP. a proteína básica principal; NGF, fator de crescimento neural; SCF, fator de célula-tronco; Th2, células Theiper. Adaptado de Po-
well, N, Walker, MM. Talley, NJ. Nat. Ver. Gasrroencerol. Heparo/., 2010.
Capftulo2S I DoençasEoslnofllicasdoAporelhoD/gestívo 229

• DOENÇAS EOSINOFfliCAS Um estudo realizado pelo grupo de pediatria de um hospital


da Filadélfia encontrou EE em cerca de 1096 das crianças com
DO APARELHO DIGESTIVO DRGE não respondedoras ao tratamento com mP. O grupo de
gastropediatria do Hospital Boston Childrens demonstrou que
As doenças eosinofilicas do aparelho digestivo podem dida- 696 das crianças com esofagite apresentavam EE.
ticamente ser classificadas em: 1) Doença Eosinoffiica Gastrin- Estudo observacional realizado na Suíça durante 16 anos
testinal Primária (DEGP) e 2) Doença Eosinofilica Gastrintes- documentou uma prevalência de 1/4.000 em indivíduos adul-
tinal Secundária (DEGS). tos, enquanto na Austrália foi observada uma prevalência de
l/70.000. Outro estudo epidemiológico realizado na Suécia en-
• Doença eosinoftlica gastrintestinal primária volveu mais de 1.000 pessoas da população em geral, que pre-
encheram um questionário sobre os sintomas gastrintestinais
As doenças eosinofilicas gastrintestinais primárias (DEGP) e, posteriormente, foram submetidas à endoscopia digestiva
são afecções em que a presença de sintomas gastrintestinais alta com biopsia da mucosa. Demonstrou-se que 4,896 dos in-
ocorre associada a aumento do número de eosinófilos na mu- divíduos apresentavam eosinófilos no esôfago, e, em 1,196 de-
cosa, na ausência de outras causas reconhecidas de eosinofilia les, encontraram-se~ 15 eosinófilos por campo. Embora este
tecidual, tais como drogas alérgicas, câncer e infestações para- estudo defina uma preval~ncia significativa de eosinofilia eso-
sitárias. As DEGP incluem esofagite eosinoBlica, gastrite eosi- fágica. é provável que estes dados superestimem a prevalência
noffiica, enterite eosinoBlica e colite eosinofilica. A maioria dos de EE. na medida em que correlacionam somente dados his-
pacientes (8096) são atópicos, e mais de 1596 dos pacientes têm tológicos com sintomas.
um parente de primeiro grau com uma das formas da doença Por outro lado, a conscientização e a experiência com o diag-
nóstico clínico em adultos e em centros pediátricos, juntamente
• Esofagite eosinotmca com um provável aumento real na incidência da doença, são
• Introdução razões bastante plausíveis para explicar o recente crescimento
A esofagite eosinoffiica (EE) é a mais comum e mais estu- do número de diagnósticos de EE na prática diária.
dada das DEGP primárias. Foi descrita pela primeira vez há
cerca 30 anos em um paciente com disfagia e marcada infiltra- • Fisiopatologio
ção esofágica por eosinófilos. Até recentemente, a eosinofilia A estreita correlação com atopia, em combinação com o au-
esofágica foi atribuída, especialmente, à esofagite de refluxo mento de imunoglobulina E (IgE) especifica positiva no soro
ácido, mas, nos últimos 5 anos, a EE (também conhecida como ou em testes cutâneos alergenioalimentares, sugere que há um
esofagite alérgica primária ou esofagite eosinofflica idiopática) processo inflamatório alérgico patológico na EE. A inflamação
tem sido considerada uma importante e prevalente entidade alérgica é caracterizada pela ativação de um subgrupo de c~lu­
clinico-patológica independente, ocorrendo tanto em crianças las T auxiliares (Th), denominadas ce1ulas Th2, que definem os
como em adultos. perfis específicos de citocinas pró-alérgicas, incluindo IL-4,1L-5
Os principais sintomas são disfagia e impactação alimentar, e IL-13, que promovem a formação de anticorpos IgE e recru-
e, em crianças, dor epigástrica e vômitos são também comuns. tamento, maturação e ativação de mastócitos e eosinófilos.
Alguns pacientes podem desenvolver estenose esofágica. O nú- Além de uma abundância de eosinófilos no esôfago, a EE
mero de eosinófilos no esôfago necessários para o diagnóstico também é caracterizada pela infiltração de células T e uma
da EE é discutível e esta definição tem sido dificultada por di- maior expressão de citocinas Th2, incluindo IL-5. A impor-
versos estudos utilizando diferentes critérios histológicos. No tância potencial de IL-5 tem sido destacada em estudos prelimi-
entanto, uma recente reunião de consenso recomendou que nares em que o antagonismo específico do lL-5 com o anticorpo
;<: 15 eosinófilos por campo de alta definição (CAD), na ausên- monoclonal mepolizumabe resultou em redução expressiva no
cia de doença do refluxo gastresofágico (DRGE), são suficientes número de eosinófilos no sangue periférico e no esôfago. Per-
para o diagnóstico. fis de expressão g~nica a partir de biopsias do esôfago também
têm demonstrado que a eotaxin-3 (CCU6) está presente em
• Dtfiniçõo maior quantidade em pacientes com EE, em comparação com
A EE é uma doença na qual os sintomas digestivos altos es- pacientes de controle. Além disso, em um modelo animal de
tão associados a infiltração eosinofllica do epitélio escamoso EE, a ausência do receptor eotaxin-3 (CCR3) nos eosinófilos
ou dos tecidos mais profundos do esôfago, e nem os sintomas impede o acúmulo dessas células no esôfago e protege ratos de
nem a eosinofilia respondem à administração de um inibidor desenvolver a doença.
de bomba de prótons (IBP). Os principais alergênios alimentares relacionados são leite,
soja e ovo. Existem evidências de que alergênios ambientais
• Epidemiologia também podem estar envolvidos.
A EE é uma doença que tem distribuição mundial, compre- A patogênese dos anéis da mucosa associados à esofagite
valência ainda não conhecida, mas que parece ser crescente. E eosinofilica é desconhecida. Especula-se que a liberação de his-
mais comum no sexo masculino, contudo pode acometer pa- tamina, fator quimiotático eosinofilico, ou a liberação do fator
cientes de todas as faixas etárias. de ativação plaquetária pelos mastócitos na parede do esôfago,
Em um estudo populacional realizado entre 2000 e 2003, foi em resposta aos alergênios, podem contribuir para formação
demonstrado que a incidência anual (diagnosticada por pedia- destas estruturas anelares. Tem sido demonstrado que essas
tras) da EE foi aproximadamente de 1/10.000, com uma pre- substãncias promovem liberação e ativação da acetilcolina que,
valência de 4.296 casos por 10.000 crianças no final de 2003. por sua vez, pode provocar a contração das fibras musculares
Observou-se também um padrão familiar típico, levantando na muscularis mucosa, resultando na formação dos anéis.
a possibilidade de uma predisposição genética ou exposição a ~ ANATOMIA PATOLÓGICA. A mucosa esofágica normal é
um fator ambiental comum desconhecido. composta por um epitélio escamoso estratificado que contém
230 Capftulo 25 I Doenças Eoslnofn/cas do Aparelho Digestivo

linfócitos, células dendrfticas e mastócitos, e habitualmente os e disfagia. Nos adultos, o diagnóstico ocorre habitualmente
eosinófilos não estão presentes. entre a 3' e a 4' décadas de vida, sendo a disfagia o sintoma
Inflamação eosinofilica do esôfago pode ser encontrada em mais característico, geralmente intermitente, e frequentemente
uma série de doenças, incluindo a DRG E, gastrenterite eosino- acompanhada por impactação alimentar.
filica, slndrome hipereosinofflica, alergias alimentares, doença Os sintomas podem estar presentes durante muitos anos,
inflamatória intestinal, infecção parasitária e doenças do colá- e sua caracteristica intermitente pode dificultar ou retardar o
geno. Até o momento, nenhum estudo definiu claramente o diagnóstico. Cerca de metade dos pacientes com EE apresentam
limite superior do número de eosinófilos no epitélio de adultos sintomas alérgicos, incluindo eczema, rinite alérgica e bron-
e crianças. Normalmente, esse número é provavelmente infe- cospasmo. Há também estreita correlação com a história de
ríor a cinco por campo, estando limitado ao esôfago distai. Em doenças alérgicas na famUia.
crianças com DRGE, o número de eosinófilos no esôfago pode Tem sido descrita melhora parcial dos sintomas após o blo-
ser significativamente maior, além de que os eosinófilos esofági- queio da secreção de ácido, o que, frequentemente, dificulta a
cos podem se estender até a mucosa do esôfago proximal Neste diferenciação com DRGE, mas, nos casos de EE, mesmo após
sentido, é necessário que a DRGE deva ser excluída como causa o uso de altas doses de IBP, a eosinofilia esofágica persiste.
de eosinofilia esofágica antes de fazer o diagnóstico da EE. Diante de uma biopsia esofágica demonstrando um grande
Nos casos sugestivos de EE, algumas alterações bistológicas número de eosinófilos por campo (mais de 15 ou 20), além da
características têm sido descrítas: DRGE, uma série de outras doenças precisam ser descartadas,
I. Epitélio geralmente contém uma infiltração densa de como doenças inflamatórias intestinais, doenças do colágeno,
mais de 15 ou 20 eosinófilos por campo de alta defini- reação de hipersensibilidade a drogas, infecções parasitárias,
ção (CAD). condições malignas, slndrome hipereosinofilica e doenças au-
2. Os eosinófilos podem ser encontrados frequentemente toimunes.
ao longo da camada superficial do epitélio. Alguns fatores capazes de diferenciar a EE de DRGE já fo-
3. Microabscessos eosinofílicos (>quatro eosinófilos aglo- ram descritos: I) idade jovem; 2) disfagia; 3) alergia alimentar
merados) podem ser vistos em 40 a 50% das seções do documentada; 4) anéis esofágicos; 5) sulcos lineares; 6) placas
tecido afetado. esbranquiçadas ou exsudato; 7) ausência de hérnia hiatal; 8)
Os abscessos se correlacionam com a presença de exsudato eosinófilos aumentados na mucosa; e 9) presença de degranu -
esbranquiçado ou pápulas identificadas, muitas vezes, ao exa- lação destes eosinófilos. O Quadro 25.1 evidencia as principais
me endoscópico. características que diferenciam EE e DRGE.
Esses padrões de eosinofilia estão geralmente associados à
• fxtlmes compltmentares
hiperplasia intensa da camada basal. Estas alterações geralmen-
te persistem, apesar do uso de inibidores da bomba de prótons • EXAMES LABORATORIAIS. A presença de eosinofilia é co-
(IBP). mum, varíando nas diversas séries entre 30 a 100%, assim como
As anormalidades histológicas podem se estender desde o estão aumentados os níveis séricos de IgE em 20 a 60% dos
esôfago proximal até a parte distai. Os tecidos gástricos e duo- pacientes.
denais são normais, sendo esta característica a que diferencia Testes cutâneos para alergia e testes RAST (radioal/ergosor-
esofagite eosinofilica das outras doenças eosínofilicas gastrin- bent) são utilizados para avaliar a sensibilidade aos alergênios
testinais. Esta distinção é importante, tendo em vista que ostra- de trigo, milho, carne, leite, soja, centeio, ovos, frango, aveia e
tamentos para estas outras doenças podem ser muito diferentes. batata. Entretanto, a evidência definitiva de que um alimento
Além disso, estudos sugerem que a patogênese da EE, quando está causando esofagite eosinofilica depende da resolução dos
associada às outras doenças eosinofílicas gastrintestinais, seja sintomas e da normalização da biopsia com uma dieta de elimi-
diferente, possivelmente mediada pela eotaxin, enquanto, na nação, bem como do retorno dos eosinófilos ao esôfago, após
esofagite eosinofílica isolada, como já descrito, esta mediação a reintrodução do alimento.
é feita preferencialmente pela IL-5. • ESOFAGOGRAMA. Vários achados radiológicos são suges-
Não se sabe ainda se a inflamação se estende até os níveis tivos de esofagite eosinofilica, mas nenhum deles é considerado
mais profundos dos tecidos esofágicos, porque geralmente as patognomônico. Pode ser visualizada a presença de anéis, di-
biopsias da mucosa são limitadas em sua profundidade. En- minuição do calibre esofágico, estreitamento da luz e estenose.s
tretanto, alguns pesquisadores sugerem que a extensão da in- nos casos mais graves.
flamação eosinofílica possa alcançar a submucosa e a camada • ENDOSCOPIA. A mucosa pode ser normal ou com caracte-
muscular. Essas observações, se confirmadas, podem dar sus- rísticas inespedficas de inflamação, tais como eritema, edema
tentação à especulação de que os eosinófilos e seus mediadores e friabilidade. Com base nestes resultados, pode-se imaginar
são capazes de induzir alterações motoras no esôfago, resultan- a dificuldade em distinguir a EE da esofagite péptica, o que
do em dismotilidade esofágica, presente em parcela significativa enfatiza a necessidade de obtenção de biopsias do esôfago em
desses pacientes. todos os pacientes suspeitos.
Aspectos endoscópicos, tais como granularidade, perda da
• (araderfsticas dfniCIIS visualização vascular, sulcos lineares verticais e horizontais, pla-
A EE é mais comum em homens, e a relação homem/mu- cas esbranquiçadas, ulcerações, estenoses, muitas vezes proxi-
lher é de 4:1. mais, e formações anelares dando um aspecto de corrugamento
Os sintomas podem varíar com a idade. As crianças peque- ou "esôfago enrugado" ou "traqueização", sugerem francamente
nas geralmente são levadas ao médico para avaliação de retar- o diagnóstico de EE.
do de desenvolvimento e recusa alimentar, enquanto, em fases Embora nenhuma destas caracteristicas seja patognomônica,
posteriores, queixam-se mais de vômitos, regurgitação, dor re- estes dados tomados em conjunto podem representar evidên-
troestemal e epigastralgia. Adolescentes e adultos apresentam- cias de inflamação eosinofilica aguda (granularidade e exsuda-
se, muito frequentemente, com queixa de pirose retroesternal tos) e inflamação eosinofilica crônica (fissuras verticais).
Capftulo 25 I Doenças Eosinofflicas do Aparelho Digestivo 231

---------------------------T---------------------------
Quadro 25.1 Aspectos de diferenciação entre EE eDRGE
Aspectos caracterlstlcos EE DRGE
Clínicos
Prevalência de atop ia Muito al ta Normal (possivel men te)
Prevalência de sensibilização alimentar Muito al ta Normal (possivel men te)
Sexo p revalen te Masculino Nenhum
Dor abdominal e vômitos Comuns Comuns
lmpactaçlio alimentar Comum Incomum
E.xam•s complementares
pHmetria esofagiana Tipicamente normal Anormal
Erosões lineares à EDA Muito comuns Ocasional
Histopatologia
Envolvimento do esôfago p roxi mal Sim Não
Envolvimento do esôfago d istai Sim Sim
Hiperplasia epitelial Muito aumen tada Aumentada
Níveis de eosin ófilos na mucosa > 20/ campo 0.7/campo

Tratamento
IBP Resposta i rregular Resposta adequada
Glicocort icoides Resposta adequada Sem resposta
Eliminação de antigenos alimentares esp ecíficos Por vezes, resposta satisfatória Sem resposta
Dieta elementar Por vezes, resposta satisf atória Resposta inadequada

Adaptado de Oomingues, GRS, Oomingues, AGL. J. Bras. Gasrroenterol. 2006.

Figura 25.2 Aspectos endoscópicos da esofagite eosinofílica. A. Formações anelares no esôfago. 8. Sulcos lineares verticais. C. Placas e exsudato
esbranquiçado. O. Aspecto histológico da infiltração eosinofnica (H & Ex 100). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
232 Capftulo 25 I Doenças Eosinofflicas do Aparelho Digestivo

Biopsias do epitélio esofágico após doses altas de inibição de se identifica um alimento alergênio, este deve ser eliminado
bomba de prótons, dadas durante no mínimo 4 semanas, são da dieta. Se a restrição alimentar não melhorar os sintomas,
necessárias para o diagnóstico. Caracteristicamente, há mais pode-se indicar a ingestão exclusiva de uma fórmula baseada
de 15 ou 20 eosinófilos/CAD. Dada a propensão de esofagite em aminoácidos que tem se mostrado eficaz tanto na melhora
eosinofílica afetar o esôfago proxirnal, as biopsias devem ser dos sintomas como na redução da infiltração eosinofilica. Di-
realizadas em todo o comprimento do esôfago. Além disso, versos autores sugerem que a dieta elementar deva ser usada
um número mínimo de cinco biopsias tem sido sugerido como durante 4 semanas, seguida pela adição de grupos de alimentos
e
forma de reduzir os erros de amostragem. interessante tam- individuais a cada 5 a 7 dias.
bém realizar biopsias da mucosa do estômago e duodeno, que Estão enumeradas adiante as linhas gerais da orientação die-
estão normais na EE, afastando assim a possibilidade de uma tética para os pacientes portadores de EE, e a conduta na rein-
doença eosinofílica mais extensa. trodução dos alimentos é sugerida no Quadro 25.1.
.,.. pHMETRIA ESOFÁGICA. Vários estudos têm demonstrado
1. Remover os alimentos agressores conforme testes alérgicos
que pacientes com esofagite eosinofilica geralmente apresentam
ou história clínica.
monitoramento do pH esofágico normal. Portanto, a presença
a. Opção alternativa: se nenhum alimento for identificado,
de esofagite grave, intratável, que se encontra após o bloqueio
remover os que mais provavelmente apresentarem aler-
de ácido agressivo, na presença de uma pHmetria normal, é
gênios (leite, soja, ovo, trigo, noz).
virtualmente diagnóstico de esofagite eosinofílica. O mais im-
2. Repetir biopsia da mucosa esofágica em 4 a 6 semanas.
portante é que o monitoramento do pH normal praticamente
a. Se a biopsia for anormal, iniciar dieta elementar.
elimina a DRGE como uma etiologia da esofagite refratária. Nos
b. Se a biopsia for normal, reintroduzir os alimentos (um
últimos anos, entretanto, tornou-se evidente que há pacientes
por vez) a cada 5 a 7 dias.
com esofagite eosinofilica que apresentam refluxo gastresofá- c. Se os sintomas recorrerem, retirar o alimento; caso con-
gico subjacente. Este achado pode explicar por que alguns pa-
trário, acrescentar 2 ou 3 alimentos.
cientes podem ter uma resposta parcial após o uso de IBP.
d. Na ausência de sintomas, a repetição da biopsia é neces-
.,.. MANOMETRIA ESOFÁGICA. A fisiopatologia da disfagia
sária para documentar a continuação da resolução da
associada à esofagite eosinofflica não é bem compreendida.
doença.
Muitos estudos, utilizando manometria estacionária, demons-
e. Repetir biopsias endoscópicas da mucosa esofágica,
traram peristaltismo normal na maior parte dos casos. Algu-
depois de 4 semanas, para evidenciar resolução da
mas séries descrevem a ocorrência de contrações terciárias,
doença.
aperistalse, contrações simultâneas, espasmo difuso e esôfago
f. Após resolução, reintroduzir um novo alimento cada 5
em quebra-nozes. Quando se empregou manometria de 24 h,
a 7 dias (Quadro 25.2).
diversos estudos demonstraram um percentual significativa-
g. Se os sintomas não se desenvolverem, repetir biopsias
mente maior de peristaltismo ineficaz, de contrações de alta
endoscópicas após a reintrodução dos grupos de cinco
amplitude(> 180 mmHg) e contrações isoladas em relação aos
alimentos.
controles. A observação mais importante dos estudos é que a
h. Se houver recorrência da presença de eosinófilos na biop-
atividade peristáltica esofágica anormal estava correlacionada
sia, remover o último alimento introduzido.
com momentos de disfagia. Assim, é possível que o caráter in-
termitente da disfagia possa, de fato, estar associado a alterações Sempre que possível, deve ser indicado também o acom-
motoras do esôfago . panhamento de um nutricionista para garantir que a relação
.,.. ECOGRAFIA ENDOSCÓPICA. Como os sintomas da doença calórica, de proteínas e de micronutrientes seja adequada. A
sugerem disfunção motora e, em geral, as biopsias permitem nutrição enteral pode ser necessária em casos muito compli-
apenas amostras da mucosa superficial, o ultrassom endoscó- cados e graves da doença.
pico (EUS) pode ser utilizado para determinar se a inflamação Os corticosteroides inibem a síntese e secreção de citoci-
do esôfago se estende para além da mucosa. nas que influenciam a diferenciação de crescimento e ativação
de eosinófilos. Os pacientes que não respondem apenas com
• Tratamento o tratamento dietético ou aqueles que não toleraram a restri-
Após o diagnóstico, todos os esforços devem ser feitos para ção alimentar podem se beneficiar com o uso de corticosteroi-
identificar os alimentos que estão associados a sintomas e infil- des sistêmicos ou tópicos. B recomendado o uso do corticoide
tração eosinofilica. Nos pacientes com EE por atopia, devem- VO para os pacientes que apresentam quadros mais graves,
se evitar alimentos e/ou aeroalergênios identificados nos tes- principalmente quando existe disfagia importante. Na maioria
tes alérgicos. das vezes, indica-se a metilprednisolona na dose de 1,5 mglkg,
Embora este tipo de dieta melhore os sintomas e seja capaz 2 vezes/dia, por um período de 4 semanas, seguindo-se então
de reduzir o número de eosinófilos em biopsias da mucosa eso- a redução da dosagem de forma gradual, durante um período
fágica de pacientes com EE, muitas vezes esta medida é insatis- médio de 6 semanas, até a sua suspensão total.
fatória. A identificação destes alimentos, por vezes, é difícil e os Com o objetivo de se evitarem os efeitos colaterais que re-
pacientes, com frequência, não conseguem correlacionar seus sultam do uso crônico de corticoide sistêmico, a maioria dos
sintomas com a ingestão de alimento específico. Isso ocorre pacientes pode ser tratada com corticoide de uso tópico, sendo
porque a antigenicidade na EE está ligada a uma resposta de o dipropionato de fluticasona o mais utilizado. Dessa forma, o
hipersensibilidade retardada ou mista. A recorrência dos sin- corticoide é administrado na forma de aerossol pela VO, sendo
tomas após a ingestão de antígenos que causam a EE pode le- o paciente orientado a não utilizar o espaçado r para a realização
var vários dias, ou até semanas, para o seu surgimento. Assim, dos puffs da fluticasona e, ainda, deglutir o medicamento para
apenas a adoção de uma dieta restritiva pode não ser medida promover a sua deposição na mucosa esofágica. A dose pode
terapêutica suficiente para a remissão da doença. variar conforme a gravidade do caso e o nível de resposta do
Muitas vezes, é recomendada uma consulta a um alergista paciente. Tem sido sugerido o uso de dois puffs de fluticasona,
para realização de testes cutâneos e RAST. Nos casos em que 2 vezes/dia, durante um período de 6 semanas.
Capftulo 25 I Doenças Eoslnofflicas do Aparelho Digestivo 233
- T-
Quadro 25.2 Reintrodução dos alimentos em paàentescomEE

A 8 D

Vegetais (não leguminosos) Frutt~s cítricas Legumes Milho


Cenoura, abóbora. batata-doe~ batata, laranja, grope(ruir,limão, lima Feijão-de-lima, grio-de-bico, fei)lo
vagem, brócolis, alface branco/preto/vermelho
Frutas (não cítricas, não tropicais) Frutas tropicaís Grãos Ervilha
Maçã, pera, pbsego, ameixa, damasco Banana, klwf, abacaxi, manga. papaia, Arroz. aveli, cevada, centeio
goiaba, abacate
Melões cames Amendoim
cantaloupo, melancia Cordeiro, frango, peru, porco
Bagas Peixe/cru.Uceos Trigo
Morango, amora, framboesa. cereja
Tree nurs came de vaca
Amêndoa. noz. avelã, castanha-do-parj,
noz·peci
Soja
Ovo
leite
Cada novo alimento deve ser Introduzido a cada 5 dias, começando com os alimentos da coluna A. Quando vjrios alimentos da coluna A foram Introduzidos, alimentos
da coluna 8 podem ser Introduzidos da mesma maneira, progredindo para os alimentos das colunas C e O. Alimentos com conhecida senslbUidade devem ser evitados.
Adaptado de Domlngue~ GRS, Domlngues, AGl . J. /kos. Gostroenrerol. 200ó.

Este tratamento é particularmente atraente porque apenas picos. Em pacientes com reconhecida alergia ao ovo, este fár-
1% da droga é absorvida sistemicamente e sofre rápida trans- maco deve ser evitado.
formação hepática. O principal efeito colateral é a infecção por
Cândida oral ou esofágica. Os pacientes devem ser instruídos • Gastrenterite eosinof11ica
a evitar alimentos ou Uquidos por um período de 30 min após • Introdução
a administração da fluticasona e a lavar a cavidade oral para A gastrenterite eosinofflica (GE) é uma doença pouco co-
diminuir o risco da candidlase. mum, de causa desconhecida, caracterizada por infiltração eo-
O montelucaste é um antagonista seletivo que bloqueia o sinofflica de camadas da parede gastrintestinal e, comumente,
receptor D4 de leucotrienos presente nos eosinófilos, comu- acompanhada por eosinofilia no sangue periférico. Muito pou-
mente utilizado em pacientes com asma. Devido ao importante co se sabe sobre essa doença eosinolllica gastrintestinal primária
papel dos leucotrienos no recrutamento e perpetuação dos eo- (DEGP), bem como acerca do número exato de eosinófilos ne-
sinófilos na mucosa esofágica e contração da musculatura lisa, cessários para diagnosticá-la, o que é dificil de ser estabelecido,
esse medicamento oferece uma nova alternativa ao tratamento pois, ao contrário do esôfago, os eosinófilos são componentes
medicamentoso da EE, sobretudo para aqueles que apresentam normais no restante do trato gastrintestinal. Gastrite eosinof!-
sintomas recidivantes e necessitam de uso crônico de corticoide. lica, enterite eosinofflica e gastrenterite eosinofflica represen-
A dose habitual é de 30 mgldia e os efeitos colaterais mais fre- tam um grupo heterogêneo de desordens que com frequência
quentes com essa droga são mialgia e náuseas. Embora a droga se sobrepõem e apresentam variável grau de envolvimento nas
não diminua o número de eosinófilos na mucosa esofágica, tem diferentes camadas do estômago e do intestino delgado. Tendo
se mostrado capaz de reduzir a resposta inflamatória e, em al- em conta essa apreciável sobreposição, a heterogeneidade e a
guns estudos, foi demonstrada indução da melhora sintomática falta de definição de critérios diagnósticos, o termo gastrenterite
e redução da necessidade da prescrição do corticoide sistêmico. eosinoft/ica é usado para definir qualquer uma dessas afecções.
Resultados de estudos randomizados, controlados por placebo, Na gastrenterite eosinofflica, além de um aumento do número
com maior número de casos, são aguardados para conclusões de eosinófilos na mucosa, ocorre também ativação de citocinas,
definitivas sobre o real papel deste medicamento na EE. incluindo IL-3, IL-5 e GM-CSF.
Outra droga com grande potencial terapêutico é o mepoli- Não existe prova definitiva de relação causa e efeito com al-
zumabe, um anticorpo monoclonal humanizado contra a in- gum tipo de transtorno alérgico ou hiperimune, embora isso
terleucina-5, uma citocina que regula vários processos associa- tenha sido demonstrado em alguns estudos. No estômago, a
dos ao eosinófilo. Estudos preliminares bem controlados têm gastrenterite eosinof!lica se apresenta muitas vezes como nó-
demonstrado bons resultados. dulos difusos. Esse achado não deve ser confundido com o
Dilatação do esôfago e remoção endoscópica de alimentos granuloma eosinofílico do estômago, também chamado de he-
podem ser necessárias em alguns pacientes com esofagite eo- mangiopericitoma, que é, ao contrário da doença eosinoffiica,
sinofflica. A dilatação deve ser conservadora, dado o risco de uma alteração bem localizada.
laceração e mesmo de perfuração.~ recomendado que a dilata-
ção seja realizada inicialmente com sondas de pequeno calibre, • Anatomia poto/6gica
com revisão endoscópica do procedimento a cada mudança de A lesão fundamental é representada por extensa infiltração
calibre das sondas. Outra preocupação nos pacientes com EE inflamatória das camadas do estômago e/ou intestino delgado,
se relaciona ao uso de propofol nos procedimentos endoscó- com predominância de eosinófilos. Há espessamento da ca-
234 Capftulo 25 I Doenças Eosinofflicas do Aparelho Digestivo

mada muscular, sobretudo do antro, por vezes do jejuno. Esse pró-inflamatórios, incluindo o aumento da regulação dos sis-
espessamento da muscular gástrica pode simular hipertrofia temas de adesão, a modulação do tráfico celular, os estados de
pilórica e ser responsável, em alguns casos, por obstrução piló- ativação celular, a liberação de citocinas (IL-2, IL-4, IL-5,
rica. O processo tende a ser difuso, formando nódulos mucosos, IL-10, IL-12, IL-13, IL-16, IL-18 e o fator de crescimento trans-
que podem ulcerar. Nos casos de acometimento importante do formador [TGF-alfa!beta]), quimiocinas (RANTES e eotaxin) e
intestino delgado, a diferenciação com doença de Crohn pode mediadores lipídicos (fator ativador de plaquetas e leucotrieno
ser muito dificil, sobretudo em bases clínicas. Já foram descri- (C4)). Além disso, os eosinófilos podem servir como células
tas infiltrações eosinofílicas no fígado, na vesícula, no cólon, no efetoras importantes, induzindo a disfunção e dano tecidual,
esôfago, no peritônio e em outros órgãos, incluindo o pulmão liberando proteínas tóxicas (proteína básica principal), proteí-
em alguns pacientes com GE. na catiônica eosinofllica, peroxidase eosinofllica, neurotoxina
À microscopia, nota-se aumento do número de eosinófilos derivada de eosinófilos e mediadores lipídicos, que apresentam
(geralmente, > 50 por CAD) na lâmina própria. Frequente- alta citotoxicidade.
mente, grande quantidade de eosinófilos também é vista nas A atopia está presente em um subgrupo de pacientes, já ten-
camadas muscular e se rosa. A infiltração eosinofílica pode cau- do sido demonstrado aumento total de imunoglobulina E (IgE)
sar hiperplasia das criptas, necrose epitelial e atrofia vilositária. a alimentos específicos, aos testes cutâneos e testes RAST (ra-
Infiltrados de mastócitos e hiperplasia eosinofflica de linfono- dioallergosorbent). Foi observado que as células T da lâmina
dos mesentéricos podem estar presentes. Análise histológica própria do duodeno desses pacientes proliferaram em resposta
pode revelar deposição extracelular da proteína básica principal a proteínas do leite e secretam citocinas Th2 (IL-13). Outros
(MBP) e da proteína catiônica eosinofílica (ECP). estudos sugerem também um possível mecanismo não media-
do pela lgE.
• Patogênese
A patogênese da GE não é bem conhecida. Existem, no en- • Apresentação cffnica e diagnóstico
tanto, inúmeras evidências favoráveis à etiologia imunológica Embora a doença seja encontrada especialmente na popula-
ou alérgica, que compreendem: a) aumento de eosinófilos no ção adulta, casos pediátricos já foram descritos. As apresenta-
sangue periférico e infiltração eosinofilica do trato gastrintesti- ções clínicas dependem do local onde predomina a infiltração
nal; b) incidência relativamente elevada de transtornos alérgi- eosinofílica.
cos nesses pacientes (rinite sazonal, asma, eczema e urticária); .,. PREDOMINIO DE INFILTRAÇÃO MUCOSA. Estes pacientes
c) sintomatologia desencadeada por determinados alimentos; relatam náuseas intermitentes ou vômitos, disfagia quando o
d) testes cutâneos para anticorpo sensibilizado de pele correla- esôfago também está acometido, dor abdominal ou lombar, in-
cionam-se, comumente, com a sensibilidade ao alimento sus- tolerância a determinados alimentos, diarreia e perda de peso.
peito ingerido pelo paciente; e e) melhora dos sintomas com Pode haver sangramento gastrintestinal, enteropatia perdedora
corticoterapia. Contudo, contrariando esses achados, o ecze- de proteínas e má absorção, de intensidade variável. Asma ou
ma atópico raramente tem sido observado nesses casos e a eli- rinite alérgica tem sido observada em até 60% dos casos. O exa-
minação dos alimentos suspeitos não melhora os sintomas, me flsico não costuma ser florido, mas podem ser observados
quando os pacientes são acompanhados por longos períodos. eczema atópico, urticária e edema nos membros inferiores.
Além disso, em recente estudo de revisão, foi mostrado que, Os exames laboratoriais podem demonstrar anemia ferropri-
em mais de 50% dos casos de GE, não havia nenhum elemento va, eosinofilia no sangue periférico {20 a 80%), hipoalbumine-
alérgico implicado. rnia, redução nos níveis séricos de IgG, IgA e IgM, esteatorreia,
Em um trabalho clássico, foram sugeridos três mecanismos absorção alterada de d-xilose, sangue nas fezes e perdas pro-
para explicar a infiltração eosinofilica do trato gastrintestinal teicas intestinais, que podem ser aferidas através da dosagem
em pacientes sintomáticos e com suposta alergia a alimentos. de alfa-I antitripsina em amostra de fezes de 24 h. Os valores
A origem parasitária foi aventada por terem sido observados totais da IgE sérica podem estar elevados. As provas inflama-
casos de gastrite eosinofilica associados à infecção por Eustoma tórias estão normais ou pouco alteradas. O exame radiológico
rotundatum, Entamoeba hystolitica e ao Strongyloides sterco- do intestino delgado se apresenta normal na maioria das vezes,
ralis, sobretudo nas regiões costeiras do Mar do Norte, Japão podendo, ocasionalmente, demonstrar espessamento de pregas
e Península Americana. Entretanto, é bastante provável que e edema da mucosa. A biopsia jejunal mostrará infiltração da
esses casos nada mais representem que uma reação a corpos mucosa por eosinófilos.
estranhos ou que estejam relacionados com o granuloma eosi- O diagnóstico vai se basear, sobretudo, na biopsia gastrin-
nofílico e não com a gastrenterite eosinofílica. testinal. Particular atenção deve ser dada aos seguintes itens:
Alguns autores demonstraram a presença de grande núme- (1) determinação do número de eosinófilos; (2) localização dos
ro de eosinófilos ativados e desgranulados em pacientes com eosinófilos, especialmente intraepiteliais e/ou nas criptas intes-
síndrome hipereosinofílica e em pacientes com a slndrome de tinais; {3) presença de grânulos eosinofllicos extracelulares; (4)
Churg-Strauss. Nesses casos, estudos in vitro mostraram que anormalidades patológicas associadas; (5) ausência de outras
a proteína catiônica do eosinófilo é tóxica para uma variedade doenças primárias (i.e., vasculites).
de tecidos, responsáveis por lesão tissular, sugerindo que os O diagnóstico diferencial inclui, principalmente, doenças
eosinófilos tenham importante papel patológico na gastren- que produzem má absorção intestinal ou enteropatias perdedo-
terite eosinofílica. ras de proteínas, doença de Crohn, poliarterite nodosa, síndro-
Pesquisas recentes demonstraram que, além dos eosinófilos, me hipereosinofllica (lembrar-se de esquistossomose aguda),
os linfócitos T helper 2 {Th2), citocinas (interleucina [IL]-3, além de algumas parasitoses.
IL-4, IL-5 e IL-13) e eotaxin são fundamentais na patogênese .,. PREDOMINIO DE ACOMETlMENTO DA CAMADA MUSCULAR.
daGE. Neste grupo, os pacientes se apresentam com espessamento e
Os eosinófilos funcionam como células apresentadoras de rigidez das paredes do estômago e/ou do intestino delgado, e
antígenos por meio da expressão do complexo de histocom- quadro clínico mais típico é de obstrução pilórica ou do intes-
patibilidade da classe li. Além disso, podem mediar os efeitos tino delgado. ~ comum dividir este tipo de anormalidade em
Capftulo 25 I Doenças Eosinofflicas do Aparelho Digestivo 235
---------------T--------------- Da mesma forma, para os pacientes que apresentam acome-
Quadro 25.3 Diagnósticos diferenciais de gastrenterite eosinofflica timento da camada muscular gastrintestinal e que podem evo-
luir com quadro de obstrução intestinal, tem sido recomendada
Doença celíaca Gastrenterite bacteriana corticoterapia em doses mais elevadas. Cirurgias de ressecção
Sindrome de Churg-Strauss Gastrenterite vira I ou de bypass devem ser evitadas, uma vez que não impedem a
Dermatomiosite Doença do refluxo gastresofágico recidiva da doença.
Granuloma eosinofmco (histiocitose X) Giardíase
A dieta com restrições muito rigorosas não tem sido indica-
Câncer esofágico Doença inflamatória intestinal da, já que os estudos mais recentes demonstram que a supressão
Linfoma esofágico Distúrbios da motilidade intestinal
alimentar confere apenas alívio temporário dos sintomas.
Origem esofágica (?) Perfuração intestinal
O prognóstico da GE é favorável tanto para pacientes adultos
Esofagite Linfoma não Hodgkin
Al ergias alimentares Má absorção
como para pediátricos. A resposta aos corticoides é excelente,
Câncer gástrico Poliarterite nodosa embora a doença tenha, como já foi descrito, uma natureza re-
Estenose pilórica Polimiosite corrente. Raros casos de complicações graves e morte têm sido
úlcera gástrica Esclerodermia descritos na literatura.
Gastrite aguda Estrongiloidíase
Gastrite crônica Sindrome de Zollinger-EIIison
Gastrite por estresse Síndrome hipereosinofOica
• Doença eosinofllica gastrintestinal secundária
As doenças eosinofilicas gastrintestinais secundárias (DEGS)
Outras condições a serem consideradas:
• drogas (ácido acetilsalidlico (AAS), sulfonamidas, penicilina, cefalosporina, carba· são doenças com reconhecida eosinofilia gastrintestinal secun-
mazepina, azatioprina,l·triptofano. sais de ouro); dárias a diversas condições clínicas, incluindo DRGE, alergias
• parasitas (Ancyfostoma caninum, estrongHoidose, outras zoonoses), enteropatia ao alimentares, reações a drogas, infecção e infestação gastrintes-
leite de vaca e afins; tinal, doenças inflamatórias intestinais e neoplasias.
• gastrite granulomatosa.

• DRGE
Pacientes com DRGE podem apresentar um ligeiro aumento
de eosinótilos na mucosa do esôfago. Esta infiltração eosino-
filica pode representar uma resposta normal à lesão tecidual.
duas formas. Uma, chamada "monoentérica", em que o pro- Um aumento no número de eosinófilos tem sido observado
cesso encontra-se confinado ao antro e piloro. Outra, denomi- em até 50% dos pacientes com esofagite. O número de eosinó-
nada "polientérica", em que há predomínio de infiltração eosi- filos se correlaciona com a gravidade da doença avaliada tanto
nofllica difusa, em lençol, na submucosa, camadas musculares por endoscopia como por anormalidades na pHmetria, mas
e subserosa. em geral é menor do que nos casos de EE. A presença de anéis
Os exames complementares revelam eosinofilia no sangue e de fissuras do esôfago observadas à endoscopia, bem como
periférico na grande maioria dos pacientes, anemia, hipoprotei- a formação de microabscessos eosinofllicos e a expressão au-
nemia secundária à perda de proteínas no intestino, floculação mentada da eotaxin-3 (CCL26) sugerem o diagnóstico de EE
do contraste radiológico, estreitamento concêntrico ou irregu- e não de DRGE.
lar do antro, e múltipos defeitos de enchimento no estômago
distai (imagens polipoides). O diagnóstico diferencial inclui • Alergias alimentares
pólipos e tumores gástricos (adenocarcinoma ou linfossarco- As alergias alimentares, imunologicamente relacionadas,
ma), pólipos gástricos, poliarterite nodosa, enterite regional e podem ser subdivididas em dependentes ou independentes da
granulo ma eosinofílico (Quadro 25.3 ). IgE. Pacientes com alergia alimentar IgE-dependente apresen-
,.. PREDOMINIO DE INFILTRAÇÃO NA SUBSEROSA. Nos casos tam reação de hipersensibilidade imediata. Os anticorpos IgE
de infiltração na subserosa, ascite é um achado frequente, ob- apresentam alta afinidade aos alergênios alimentares específi-
servando-se eosinofilia acentuada no líquido ascítico. Pode-se cos, o que desencadeia a degranulação de mastócitos e a acumu-
identificar espessamento da serosa no intestino delgado com lação de eosinófilos ativados, basófilos, células T e citocinas na
infiltração eosinofllica da subserosa. Frequentemente, há envol- mucosa intestinal. Além disso, este processo alérgico é capaz
vimento do estômago e do intestino delgado. Derrame pleural de reativar células T CD4+ presentes no sangue periférico e na
já foi relatado. mucosa intestinal. Estas células T não apenas ativam eosinótilos
Finalmente, tem sido descrita uma forma combinada em que e mastócitos, mas também estimulam a secreção de citocinas,
o paciente apresenta tanto ascite como obstrução intestinal. incluindo IL-4,lL-5 e lL-13.
Estima-se que alergias alimentares possam ocorrer em cerca
• Tratamento de 1 a 2% da população, considerando os testes sorológicos de
Nas formas com infiltração mucosa ou subserosa da GE, o medição de IgE alergênio-específicos. Os alergênios alimentares
tratamento se faz de forma semelhante, sendo sugerido iniciar mais comuns incluem leite de vaca, amendoim, nozes, ovos de
prednisona na dose de 5 a 10 mg!dia, ou 10 a 15 mg em dias al- galinha, mariscos e peixes.
ternados. Nas fases de exacerbação aguda dos sintomas, a dose Na alergia alimentar IgE-dependente, o espectro clínico e
deverá ser maior, recomendando-se 20 a 40 mg!dia, durante a gravidade da doença são extremamente variáveis, desde sin-
7 a 10 dias. Em casos muito graves, a duração do tratamento tomas leves e transitórios até manifestações sistêmicas graves,
pode ser prolongada. Como a doença se manifesta de forma incluindo anafilaxia e choque.
intermitente, a terapêutica deverá ser repetida a cada agudiza- As alergias alimentares independentes de IgE se originam a
ção clfnica. O uso de corticosteroides tópicos como fluticazona partir de respostas imunes mediadas predominantemente por
e budesonida tem apresentado bons resultados. Outras drogas células. A doença celíaca é um exemplo de uma resposta media-
que foram usadas com bons resultados incluem cromoglicato da por células contra um antígeno alimentar, independente de
de sódio e montelucaste. IgE. Na doença celfaca, células CD4+ TH são inadequadamente
236 Capitulo 25 I Doenças Eosinofflicas do Aparelho Digestivo

ativadas após a exposição ao glúten, o que resulta na elaboração SHE é uma causa bem reconhecida de gastrite, gastrenterite e
de citocinas Thl, incluindo a interferona. Outras reações media- colite eosinofilicas, mas, ao contrário das DEGP, observa-se
das por células são dirigidas contra a ingestão de proteinas na infiltração eosinofilica também em outros órgãos, incluindo o
dieta, particularmente do leite, resultando na inflamação eosi- coração, a pele e os nervos periféricos.
noffiica do TGI, proporcionando o surgimento da enterocolite
e proctocolite eosinofilica. Estas doenças ocorrem geralmente • Doenças do tecido conjuntivo
em crianças e estão relacionadas com infiltração linfocltica da Eosinofilia na mucosa gastrintestinal é uma caracterl.stica
mucosa que, em resposta ao antígeno, secreta citocinas. Essas conhecida da vasculite sistêmica, particularmente da síndrome
doenças têm um mecanismo de ação semelhante ao da doença de Churg-Strauss. Nesta afecção, o comprometimento do trato
celfaca e podem ser evitadas retirando-se a proteína especifica gastrintestinal indica um prognóstico ruim, estando associado
da dieta. a complicações significativas, tais como: ulceração intestinal,
isquernia, perfuração e hemorragia.
• lnftcçõo eInfestação gastrintestino/
Os eosinófilos são considerados células efetoras importan- • Dispepsia funáonal
tes na defesa do hospedeiro contra infestação por helmintos, Um estudo populacional realizado na Suécia, envolvendo
e é frequente, nesses casos, o achado de eosinofilia periférica mais de 1.000 pacientes, demonstrou a presença de um número
etecidual significativamente maior de eosinófilos na mucosa duodenal
Os eosinófilos também possuem propriedades antibacteria- de pacientes portadores de dispepsia funcional comparados a
nas que no TGI têm fundamental importância para a manuten- controles assintomáticos. Estes eosinófilos apresentavam de-
ção da homeostase intestinal epitelial Essas células produzem granulação, o que é indicativo de ativação. O grau de infiltra-
substâncias que são tóxicas tanto para bactérias gram-positivas ção eosinofilica se correlacionou com o sintoma de saciedade
como para gram-negativas. Os eosinófilos da lâmina própria precoce.
gastrintestinal são rapidamente ativados, o que leva a uma rápi- Em estudo realizado no nosso meio, observamos um maior
da resposta contra quaisquer microrganismos ou antígenos lu- número de eosinófilos na segunda porção duodenal de pacien-
minais capazes de romper a camada epitelial intestinal. Apesar tes dispépticos funcionais, quando comparados a um grupo
dessas interessantes observações, eosinofilia gastrintestinal não controle. Achados similares foram observados em crianças com
é comum após infecções vitais, bacterianas e fúngicas. Algumas
sintomas dispépticos. Aumento do número de eosinófilos na
exceções incluem micobactérias, Isospora belli, Sarcocystis coc-
mucosa também foi documentado em crianças com obstrução
cidiomycosis, Dientamoeba fragilis e HIV.
intestinal funcional.
• Doen{as inflamatórias intestinais As drogas que antagonizam o eixo de eosinófilos-mastócitos,
como anti-histaminicos, cromoglicato e os antagonistas dos
Em pacientes com doenças inflamatórias intestinais (DII),
os neutrófilos são predominantes; contudo, eosinófilos ativados receptores dos leucotrienos, apresentaram efeitos terap~uticos
nessa população pediátrica com dispepsia funcional.
na lâmina própria da mucosa também estão presentes.
O exato papel da presença dos eosinófilos na 011 ainda é Estes estudos têm estimulado considerável interesse na
controverso. Especula-se que estas células realizem um pa- possibilidade de que os eosinófilos sejam células efetoras im-
pel de regulação do processo inflamatório ou mesmo funções portantes, em um subgrupo de pacientes diagnosticados hoje
de reparação tecidual. Em pacientes com retocolite ulcerativa como portadores de dispepsia funcional. A replicação destes
(RCUI), um número maior de eosinófilos na mucosa do intes- estudos, principalmente em adultos, é aguardada com grande
tino associou-se a um curso clinico menos agressivo e a uma expectativa.
resposta favorável ao tratamento clinico. Há também evidências
de aumento da ativação dos eosinófilos na lâmina própria em
pacientes com RCUI durante as fases inativas da doença, suge- • LEITURA RECOMENDADA
rindo que essas células possam estar envolvidas na reparação
Blanchard, C, Wang. N, Rothenberg. ME. Eosinopbilic esophagítís: pathoge·
do epitélio após a lesão inflamatória. Em resposta aos danos do nesis, genetia, aod lhcrapy. 1 AIJngy Clin.Immunol. 2006; 118:1054-9.
epitélio intestinal, eosinófilos também secretam TGF-~, uma Oellon. ES. Aderoju, A, Woooley, JT tt al. Variability in diagnootic criterla for
citocina que promove o reparo do tecido e suprime a inflama- eosinophilic esophagitis: a systematic review. Am I Gasttotnt<,.,/, 2007;
ção intestinal. 102:1-14.
Eosinófilos e mastócitos também são capazes de influenciar Dobbisa, Jw. Sheahan, DG, Beba r. J. Eosinophilic gastroenteritls with esopha-
geal involvement. Gastrot~nterology. 1977: 72:1312·16.
a fibrogênese, por meio da regulação da função de fibroblastos Domingues, GRS & Domingues, AGL. Esofagite EosinofDica. J Bras GtUtro-
intestinais. Por meio deste mecanismo, essas células possivel- ertterol, 2006: 6:70-5.
mente exercem papel relevante na formação de estenoses na Dun:an, N, CosteUo, RW, McLean, WG et a/. EosinophU-medlated chollnerglc
doença de Crohn. nerve remodeling. Am I Rtspir Ce/1 Mo/ Bio~ 2006: 34:775·86.
Friesen, CA, Kearru, GL. Andre, Letal. Clinicai ellicacy and pharmacoldnetics
• Slndromt hipereosinofflica of monteluca.ste in dyspq>1ic chUdren with duodenal eosinophilia. J Ptdiatr
Gash't>enterol Nutr, 2004: 38:343-51.
A sindrome hipereosinotllica (SHE) compreende um grupo Fricoen, CA, Sandriclgc, L. Andre, LetaL Mucosa! eosmophilia anel rc•ponK
heterogêneo de doenças que se caracterizam por apresentar um to H l/H2 antagonbt anel aomolyn tberapy in pediatric dyspepsia. C/in
número excessivo de eosinófilos, tanto na circulação como nos Ptdiatr, 2006; .5<1 43-7.
tecidos, resultando em disfunção orgânica. A SHE é obse.rva- Furuta, GT. Eooinophdlc eoophagitis. Dig Dis, 2009:27:122-8.
da, eventualmente, em pacientes com desordens mieloprolife- Furuta, GT, Uacouru. CA, Collisa, MH tt al. Eooinophilic esophagltls In chU·
drtn and adulu.; a systematlc review and conse.nsu.s rec.ommt:ndatlons for
rativas, mas, na maioria das vezes, a sua etiologia permanece diagnosls and treatment. Gastrot11tero/ogy, 2007: 133:1342-63.
indefinida. GeneVlly, M, Rubbla· Brandt, L. Rougemont, AL Do eoslnophU numbers dlf-
O comprometimento do trato gastrintestinal é comum, e ferentiate eosinophillc esophagitis from gastroesophageal reflw: dlseue!
cerca de 2096 dos pacientes apresentam quadro de diarreia. A Arch Pathol Lab Med, 2010; 134:815·25.
Capftulo 25 I Doenças Eosinofflicos do Aparelho Digestivo 237
Guajardo, JR. Plotnick. LM. Fende. IM et al.llo$inophil-associated gastrinteslinal Rothenberg, ME & Hogan, SP. the eosinophil Annu Rev Immunol, 2006;
disorders: a world-wide-web bascd rcgistry. J Pediatr, 2002; 141:576-81. 21:147-74.
Kato, M. Kephart, GM, Morikawa, A. Gleich, GJ. Eosinophil in6.1tration and Schãppi, MG, Smith, V. Milla, PJ, Lindley, K). Eosinophillc myenteric gan-
dcgranulation in normal human tissuc. Anal Rec, 1998; 252:418-25. glionitis is associated with functional intestinal obstruction. Gut, 2003;
Khan, S & Orcnstcin, SR. Eosinophilic Disordcrs in Gastrintcstinal Tract. Em: 52:752-5.
Sleisenger, M & Feldman, M. Gastrintestinal and Li ver Disease: Pathophysi- Sealock. R), Rendon, G, EI-Serag, HB. Systematic review: the epidemiology
ology/Diagnosis/Managernent. 9"' ed., Philadelphia. Chapter 27; 425-35, of cosinophllic oesophagitis in adults. Aliment Pharmacol11ter, 2010. doi:
2010. 10.1111
Kelly, K). Eosinophilic gastroenteritis. I Pediatr Ga.rroenttrol Nutr, 2000; 30: Shi, HZ. Eosinophlls function as antigen-presenting ceUs. J Leukoc Biol, 2004;
28-35. 76:520-7.
Kephart, GM, Alexander, )A, Arora. AS. Marked deposition of eosinophil- Spergel, JM, Andrews, T. Brown-Whitehom, TF tt ai. Treatment of eosino-
derived neurotoxin in adult patients with eosinophilic esophagitis. Am I phUic esophagitis with specific food elimination diet directed by a combi-
Gastroenterol, 2010; 105:298-307. nation of skin prick and pateh tests. Ann. AUergy Asthma Immunol., 2005;
Khan, S. Eosinophilk gastroenteritis. But Pracl Res Clin Gast~rlttrol, 2005; 95:336-43.
19:177-98. Stein, ML, Collins, MH, Villanueva,JM et ai. Anti-IL-5 (mepolizumabe) therapy
Kingham. PJ, Mclean. WG, Sawatzky, DA et ai. Adhesion-dependent interac- for eosinophilie esophagítis. J Allugy Clin. Immunol, 2006; 118:1312-19.
tions be<ween eosinophlls and eholinergic nerves. Am J Physiol Lung Cell Straumann, A_, Bussmann, C, Conus, S et' ai. Anti·interleukin-5 antibody treat·
Moi Physiol, 2002; 282:Ll229-L38. ment (mepolizumabe) in active eosinoph.ilic esophagitis: a ra.ndomized.
Klion, AO & Nutman, TB. lhe role of eoslnophils in host defence against hel- placebo-conrrolled, double-blind trial. Gur, 2010; 59:21-30.
mlnth parasites. J Allergy Clin Immunol, 2004; 113:30-7. Talley, N), Walker, MM, Aro, P et ai. Non-ulcer dyspepsia and duodenal eo-
Liacouras, CA, Spergel, )M, Ruchell~ E et ai. Eosinophilic esophagitis: a 10- slnophllia: an adult endoscoplc population-based case-control study. Clin
year experlence in 381 children. Clin Gastroenrerol Hepatol, 2005; 3:1198- Gastroenterol Hepatol, 2007; 5:1175-83.
206. Ure~ MC., KuJund2ic, M, Banic, M et al. Leukotriene receptor antagonists as
Loseher, T & Saathoff, E. Eosinophilla durlng intestinallnfectlon. Besr Pracr. potential steroid sparing agents in a patlent with serosal eosinoph.Uíc gas-
Res CJin Gastroenterol, 2008; 22:511-36. troenteritis. Gut, 2006; 55:1363-9.
Powell, N, Walker, MM, TaUey, NJ. Gastrintestinal Eoslnophlls In Health, Di- Yan, BM & ShaJfer, EA. Primary eosinophilic disorders of the gastrintestinal
sease and Functional Disorders. Nat Rev Gastroenterol Hepatol, 2010; tract. Gut, 2009; 58:721 -32.
7:46-56. Walker, MM. TaUey, NJ, Prabhakar, M et ai. Duodenal mastocytosis, eosi-
Ronkainen, J, TaUey, NJ, Aro, P et ai. Prevalence of oesophageal eosinophils nophilia and intraepitheliallymphocytosis as possible disease markers in
and eosinophilic oesophagitis in adults: the population-based Kalixanda the irritable bowel syndrome and functional dyspepsia. Aliment. Pharrnacol.
study. Gut, 2007; 56:615-20. 11ulr, 2009; 29:765-73.
Rothenberg, ME. Eosinophilic gastrintestinal disorders (EGID). I AUergy Clin Zuo, L & Rothenberg, ME. Gastrintestinal eosinophilia. lmmunol Allergy Clin
Immunol, 2004; JJJ:ll-28. North Am, 2007; 27:143-55.
26 Outras Doenças do Duodeno
Luciana Diniz Silva e Penélope Lacrísio dos Reis Menta

• INTRODUÇÃO plasmócitos na lâmina própria é maior no bulbo duodenal em


comparação a outras regiões do intestino delgado. Focos de
O duodeno (derivação latina do grego dodekadaktu/on, parte metaplasia gástrica normalmente podem recobrir porções da
do intestino com doze dedos de extensão) é um órgão quase superficie mucosa do bulbo duodenal.
todo retroperitoneal e com mobilidade restrita. Inicia-se na al-
tura da primeira vértebra lombar e pode ser dividido em quatro
porções: primeira porção ou bulbo duodenal (Sem), segunda
porção ou descendente (lO a 11 em), terceira porção ou trans- • DEFESA DA MUCOSA GASTRODUODENAL
versa (8 a 9 em) e quarta porção ou ascendente (7 a 10 em).
No duodeno, desembocam o colédoco e os canais excretores O epitélio gástrico é constantemente agredido por vários fa.
pancreáticos. Dessa maneira, distingue-se do restante do in- tores nocivos, inclusive está em contato com o ácido clorídrico
testino delgado tanto do ponto de vista anatõmico como do e pepsinogênio/pepsina presentes no Júmen do estômago. Ain-
funcional e cirúrgico. da, outros fatores se associam à lesão da mucosa gástrica, como
O bulbo duodenal normal é uma estrutura triangular peque- a infecção pelo Helicobacter pylori e a exposição a substâncias
na com 3 a 7 em de comprimento e 2 a 3 em de largura, que agressivas, como o etano! e os anti-inflamatórios não esteroides
conectao antro gástrico ao duodeno descendente. O relevo mu- (AINEs). Assim, vários mecanismos entram em funcionamen -
coso do bulbo não apresenta pregas de Kerckring, característica to com o objetivo de proteger a mucosa gástrica. Entre eles,
que o diferencia das outras porções do duodeno. Sua superflcie destaca-se a camada de muco composta de água, mucinas, bi-
mucosa é relativamente lisa e com fino relevo vüositário do tipo carbonato e peptldios da famllia trefoil (TFF) que reveste toda
reticular, ocasionalmente com pregas longitudinais paralelas, a mucosa gástrica. Os últimos abrangem três membros: TFFl,
ou mesmo circulares cruzadas, que se desfazem facilmente com também denominado pS2, TFF2 ou spasmolytic peptide (SP/
a insuflação de ar. O ápice é representado pela ponta do bulbo, TFF2), e TFF3 ou intestinal trefoil factor(ITP). Esses peptfdios
onde se nota uma prega transversal, denominada angulus, a par- são secretados em condições fisiológicas pelas células mucosas
tir da qual começa a porção correspondente ao ângulo duodenal e são responsáveis pela manutenção da integridade do epitélio,
superior, ou flexura superior do duodeno, com as pregas circu- especialmente o que reveste o trato gastrintestinal. Em adição,
lares de Kerckring. Na porção descendente, ou segunda porção a microcirculação da submucosa, que fornece oxigênio e nu-
duodenal, observa-se também mucosa aveludada de coloração trientes, enquanto remove toxinas, e as junções intraepiteliais
alaranjada e pregas circulares. Na linha que delimita a parede gástricas impermeáveis promovem outras linhas de defesa da
posterior e mediai da porção duodenal descendente, é identi- mucosa gástrica.
ficada uma saliência da mucosa, cuja extremidade inferior, em No duodeno, a defesa da mucosa é amplamente atribuída à
relevo, representa a papila duodenal maior. Acima da papila secreção de bicarbonato. Essa secreção envolve a troca apical
duodenal maior, encontra-se outro relevo que corresponde à de ânions CJ·tHCO, , que é mediada pelo gene regulador da
papila duodenal menor. condução transmembrana da fibrose cística (CTRF). Além deste
À histologia, o duodeno proxirnal (bulbo duodenal e por- aspecto, peptfdios da família trefoil (TFF), especialmente o SP/
ção descendente do duodeno) também difere do restante do TFF2 que estão localizados nas glândulas de Brunner, interagem
intestino delgado. Em indivíduos saudáveis, sem queixas em com as mucinas e facilitam a polimerização e a estabilidade do
relação ao trato gastrintestinal, o exame histológico pode re- muco. Essa propriedade favorece a proteção da mucosa contra
velar vilosidades com formas alteradas, ou ausentes, especial- as agressões bacteriana, vira! e medicamentosa e em doenças
mente nas áreas em que as glândulas submucosas de Brunner inflamatórias que interferem com a integridade do epitélio.
atravessam a muscular da mucosa para desembocarem junto Em conjunto, os TFF também participam na reconstituição e
ao lúmen das criptas de Liberkühn. O número de linfócitos e regeneração da mucosa.
238
Capftulo 26 I Outras Doenças do Duodeno 239
Konorev et ai. (2003) propõem uma sistematização baseada nos
• DUODENITES achados histológicos (achados específicos, inespeclficos e grau
de gravidade), endoscópicos (quanto a localização e caracte-
• Duodenite aguda rização) e etiológicos (ácido-dependente, droga-dependente,
A duodenite aguda, à semelhança da gastrite aguda, é carac- tóxica e idiopática). Do ponto de vista histológico, a duodenite
terizada por lesões erosivas e hemorrágicas, planas ou elevadas, crônica pode ser dividida em duas formas principais: primá-
associada aos seguintes fatores etiológicos: álcool, salicilatos, ria ou duodenite não específica, a qual permanece restrita ao
AINEs, estresse, especialmente após cirurgias de grande porte bulbo duodenal e à primeira porção do duodeno, e duodenite
e nas unidades de tratamento intensivo. secundária ou específica. A última associa-se a várias condições,
A duodenite aguda é identificada com relativa frequência como a doença de Crohn, sarcoidose, ingestão prolongada de
em exames endoscópicos. Em geral, observa-se enantema da ácido acetilsalicllico e situações de estresse. Assim, a correlação
mucosa duodenal, que pode ser difuso ou focal e de intensidade entre achados cllnicos, endoscópicos e histológicos permitirá
variável, com ou sem achado similar na mucosa do estômago. a identificação de diferentes situações clínicas, como a doença
Outras vezes, encontram-se erosões que podem ser numero- péptica do duodeno, a doença de Crohn, a doença celiaca e as
sas e acometer não só a mucosa do bulbo duodenal, mas tam- parasitoses duodenais. Outras enteropatias difusas, como doen-
bém a da porção correspondente ao ângulo duodenal superior ça de Whipple, arniloidose, mastocitose, gastrenterite eosinofi-
e, mais raramente, a da porção descendente do duodeno. O lica e linfangiectasias intestinais (doença de Waldmann), tam-
diagnóstico da duodenite aguda não pode ser feito somente bém podem causar alterações do duodeno.
pela aparência endoscópica do bulbo duodenal. A análise his-
tológica será necessária para documentar essa condição. Como • Metaplasia e heterotopia gástrica no duodeno
dito anteriormente, nos indivíduos saudáveis, identifica-se uma
celularidade aumentada na lâmina própria do bulbo duodenal, e hiperplasia das glândulas duodenais
constitulda principalmente por linfócitos e plasmócitos. Base- A metaplasia gástrica da mucosa duodenal resulta da trans-
ado nesse achado, para o diagnóstico histológico da duodenite formação do epitélio colunar absortivo das vilosidades duode-
são necessários ind!cios de lesão aguda do epitélio, em geral nais em outro tipo de células adultas, semelhantes às presentes
na forma de infiltrado neutrofllico das criptas ou da superffcieno antro gástrico, mais resistentes à secreção hiperácida do estô-
epitelial. As lesões agudas da mucosa gastroduodenal podem mago. Esse fenômeno pode ser interpretado como uma resposta
assumir os seguintes aspectos: erosões ou úlceras agudas, ca- de defesa à exposição ácida frequente e prolongada. A forma
racterizadas por pequenas soluções de continuidade da mu- mais comum de metaplasia gástrica é a metaplasia de células
cosa, superficiais, lineares, arredondadas ou irregulares, ge- gástricas mucosas, com a substituição do epitélio absortivo do
ralmente múltiplas, não ultrapassando a muscular da mucosa; duodeno pelo epitélio gástrico tipo mucoso secretor.
hemorrágicas, sob a forma de petéquias, sufusôes, equimoses A metaplasia gástrica é encontrada mais frequentemente em
ou sangramento difuso de grandes extensões da mucosa, não pacientes com úlcera duodenal, do sexo masculino e tabagistas.
associadas a lesões anatômicas evidentes. Esses achados podem Tem sido reproduzida experimentalmente em cães e gatos atra-
repetir-se na duodenite crônica; assim a anamnese com ênfase vés da exposição do intestino delgado, ou do duodeno, a uma
na ingestão de medicamentos ou bebidas alcoólicas, o aspecto secreção hiperácida e é também observada em pacientes com
macroscópico das lesões aliados aos achados histológicos são a slndrome de Zollinger-Ellison. Entretanto, pode ser identi-
dados necessários para a determinação da cronologia do pro- ficada em pacientes com dispepsia não ulcerosa, assim como
cesso inflamatório. em indivíduos saudáveis. A presença de metaplasia gástrica foi
Aproximadamente 50% dos pacientes que estão em uso de verificada em um ou mais locais no duodeno, em um estudo
AIN Es apresentam sintomas dispépticos que podem se associar que envolveu voluntários saudáveis submetidos à endoscopia. A
a lesões da mucosa gastroduodenal. Dentre os fatores de risco metaplasia gástrica duodenal ocorre quase que invariave.lmente
implicados nessas lesões, destacam-se idade superior a 70 anos,em associação com processo inflamatório da mucosa duodenal
história clínica e familiar de doença ulcerosa péptica, uso de (duodenite histológica) acompanhada ou não de hiperplasia
AINEs isoladamente ou em associação aos corticosteroides ou das glândulas de Brun.ner.
anticoagulantes e administração de doses elevadas de AINEs. A metaplasia gástrica pode ser encontrada em qualquer parte
Ainda, a infecção pelo H. pylori pode ser considerada como um do trato gastrintestinal do esôfago ao reto e também nas vias
fator aditivo para a lesão da mucosa gastroduodenal. biliares e no pâncreas. Existem dois tipos de metaplasia gástri-
Os inibidores de bomba protônica (IBP) e os antagonistas ca: superficial e heterotópica, que ainda pode ser subdividida
dos receptores H2, na dose de 20 a 40 mg. a cada 24 h, e 150 em congênita e adquirida. A metaplasia gástrica superficial não
a 300 mg, a cada 12 h, respectivamente, são os medicamen- apresenta células fún.dicas e envolve somente a camada de cé-
tos de escolha para o tratamento das lesões duodenais agudas. lulas epiteliais. A metaplasia gástrica heterotópica é composta
Entretanto, a maioria dos estudos demonstra superioridade por células parietais e principais funcionant.es que se apresen-
dos IBPs (20 ou 40 mgldia) em relação aos antagonistas dos tam macroscopicamente como ilhotas elevadas de mucosa di-
receptores H2 (ISO mg 2 vezes/dia) na cicatrização de erosões ferente da duodenal, isoladas ou agrupadas. O tecido gástrico
ou úlceras gastroduodenais, quando administrados por um heterotópico bem estruturado, descrito por }ames et a/. (1964),
perlodo de 4 a 8 semanas. é provavelmente de origem congênita e pode ser identificado
no duodeno em aproximadamente 2% da população geral. A
metaplasia de células epiteliais mucossecretoras superficiais,
• Duodenite crônica descrita por Taylor ( 1927), é adquirida durante a vida e, como
O duodeno, como o estômago, está sujeito a uma variedade dito anteriormente, é em geral encontrada em associação com
de condições inflamatórias crônicas. Apesar de não existir um a úlcera duodenal. As áreas de mucosa gástrica metaplasiada
consenso geral em relação à classificação da duodenite crônica, não são, habitualmente, observadas ao exame endoscópico de
240 Capftulo 26 I Outras Doenças do Duodeno

rotina. Contudo, com o uso da cromoscopia, especialmente pelo extensão das áreas de metaplasia gástrica do duodeno. Nos se-
azul de metileno, é possível a identificação dessas áreas. res humanos, a bactéria não é encontrada na mucosa duodenal,
Outro mecanismo adaptativo ao ambiente ácido nas porções mas, apenas e exclusivamente, em células da mucosa gástrica. A
mais proximais do duodeno é a hiperplasia das glândulas duo- colonização do duodeno ocorrerá somente nas áreas de epitélio
denais, mais conhecidas como glândulas de Brunner. Essas es- metaplásico, composto por células epiteliais mucossecretoras,
truturas, que produzem secreção rica em bicarbonato, cujo pH o que provavelmente reflete a presença de uma adesina locali-
varia entre 8,2 e 9,3, participam do mecanismo de neutralização zada na superfície apical desse tipo de célula.
do quimo e estabilização do pH do conteúdo duodenal. Foi demonstrado, através da coleta de dois fragmentos de
Geralmente, as glândulas de Brunner estão em maior nú- cada quadrante do bulbo duodenal, que pacientes com úlce-
mero no bulbo duodenal e duodeno proximal e tornam-se es- ra duodenal infectados pelo H. pylori possuíam uma extensão
cassas no duodeno distai. A hiperplasia glandular ocorrerá na das áreas de metaplasia gástrica quatro vezes maior quando
presença de hipersecreção gástrica e duodenite péptica. À en- comparados ao grupo controle, constituído por pacientes
doscopia, observa-se aparência nodular, principalmente da mu- H. pylori-positivos assintomáticos. A densidade bacteriana e
cosa do bulbo e, menos frequentemente, naquela do duodeno a frequência de cepas de H. pylori cagA-positivas também fo-
pós-bulbar. Os nódulos apresentam-se únicos ou múltiplos, ram mais elevadas no duodeno dos pacientes ulcerosos. Em
arredondados ou alongados, com diâmetro que varia entre 0,5 relação à análise histológica, a infiltração linfodtica (duode-
e 1,5 em. À histologia, a hiperplasia das glândulas de Brunner é nite crônica) foi maior nos indivíduos com úlcera duodenal, e
caracterizada por aumento do número e do tamanho dos ácinos a infiltração de neutrófilos (duodenite ativa) foi somente veri-
glandulares presentes na porção basal da mucosa do duodeno ficada nos pacientes ulcerosos. Conclui-se que nessas regiões
(Figura 26.1). A síndrome de Zollinger-Ellison e a insuficiên- ocorre uma diminuição da resistência da mucosa, o que facilita
cia renal crônica são exemplos de condições clínicas em que se a penetração e ação do suco gástrico e favorece a formação da
verifica a proliferação das glândulas duodenais. úlcera péptica duodenal.

• Duodenite péptica
• DUODENITES PARASITÁRIAS
A duodenite péptica está associada à exposição crônica da
mucosa do duodeno à hipersecreção ácida gástrica. As mo- A OMS estimou, em 2001, que aproximadamente 2 bilhões
dificações adaptativas da mucosa duodenal à hiperacidez são de indivíduos no mundo estavam infectados por helmintos
caracterizadas por graus variáveis de inflamação crônica e agu- transmitidos pelas fezes. O significado em termos de saúde
da, em geral acompanhadas por metaplasia gástrica e hiperpla- pública e o impacto econômico dessas infecções são dificeis
sia das glândulas de Brunner. Ao exame anatomopatológico, de quantificar, embora a OMS tenha estimado que mais de
a duodenite péptica é caracterizada pela presença de infiltrado 1 bilhão de pessoas no mundo estejam infectadas por um ou
inflamatório constituído predominantemente por neutrófilos, poliparasitadas pelos seguintes agentes: Ascaris lumbricoides,
mais acentuado nas regiões em que se observa erosão da muco- Trichuris trichiura, Necator americanus e Ancylostoma duode-
sa. Ocasionalmente, pólipos inflamatórios hiperplásicos, com- nalis. No Brasil, as doenças intestinais causadas por parasitos
postos por epitélio metaplásico gástrico e glandular também ainda constituem um sério problema de saúde pública, apre-
podem ser identificados. sentando maior prevalência em populações de nível socioeco-
A associação entre duodenite e úlcera duodenal está relacio- nômico baixo. Em determinadas regiões, encontra-se até 70%
nada com a hiperacidez gástrica e admite-se que a duodenite da população infectada, sobretudo crianças, que geralmente
péptica preceda o aparecimento da úlcera duodenal. O H. pylori são poliparasitadas.
aparece como um fator importante associado à duodenite e à Geralmente, as helmintlases intestinais interferem nas con-
dições nutricionais do hospedeiro e associam-se com atraso
do crescimento e maior prejuízo do aprendizado escolar. En-
tretanto, na minoria de pacientes infectados, sintomas mais
significativos podem ser identificados. Dentre eles, destacam-
se a enteropatia perdedora de proteína, a disenteria crônica, a
anemia e o prolapso reta!.
Os protowários que mais comumente infectam o trato gas-
trintestinal são Giardia spp., Entamoeba hystolitica, Cyc/ospora
cayetanenensis e Cryptosporidium spp. A giardíase é considera-
da uma das infecções mais prevalentes no mundo. No período
entre 1992 e 1997, foi verificado pelo CDC (Centers for Disease
Control and Prevention) que aproximadamente 2,5 milhões de
indivíduos estavam infectados nos EUA. A OMS identificou,
em 1997, que cerca de 50 milhões de indivíduos no mundo fo-
ram acometidos pela ameblase invasiva.
O endoscopista, ao se deparar com qualquer processo infla-
matório no duodeno, deve colher sempre fragmentos de muco-
sa para análise histológica, bem como aspirar liquido duodenal
para estudo parasitológico. Os parasitos mais frequentemen-
Figura 26.1 Aspecto histológico da hiperplasia das glândulas duo- te relacionados com a duodenite são os seguintes: G. lamblia,
denais (gentilmente cedida pela Dra. Lúcia Porto Fonseca de Castro). Strongyloides stercoralis, A. lumbricoides, A. duodenale e Schis-
(Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) tosoma mansoni.
Capftulo 26 I Outras Doenças do Duodeno 241

no epigástrio, que podem simular úlcera péptica duodenal ou


• Duodenite por Strongyloides stercoralis cólica intestinal. Alguns pacientes podem apresentar síndromes
A estrongiloidíase acomete aproximadamente 30 a 100 mi- disabsortivas com esteatorreia.
lhões de pessoas no mundo e é endêmica no sul da Ásia, Os achados endoscópicos das lesões estão associados à gra-
América Latina, África e no sudoeste dos EUA. No Brasil, a vidade da parasitose. Nos casos leves, verificam-se edema dis-
estrongiloidíase é encontrada em praticamente todo o territó- creto, hiperemia e congestão da mucosa. Já nos casos graves,
rio nacional, chegando a comprometer 85% da população em além desses achados, podem ocorrer friabüidade, sangramento,
:e
certas regiões. considerada uma afecção importante, pois, microulcerações, nodulações e desorganização do relevo muco-
além da sua elevada frequência, pode causar quadros de evo- so. A presença de ovos e larvas na intimidade da mucosa pode
lução grave e, às vezes, fatal. ser identificada através do exame histológico. Embora alguns
O agente etiológico, S. stercoralis, apresenta dois ciclos evo- estudos demonstrem que o exame do aspirado duodenal seja
lutivos, denominados indireto, ou de vida livre, e direto, ou muito sensível, esse método invasivo de diagnóstico é reco-
partenogenético. No perlodo de vida livre, as larvas rabditoides mendado somente para crianças, em situações graves, como
chegam ao meio exterior junto às fezes e, alcançando o solo, nos casos de imunossupressão acentuada
transformam -se em machos e fêmeas de vida livre. Essas formas O método de Baermann-Moraes constitui técnica copro-
realizam a cópula, e a fêmea inicia a ovoposição. São produ- lógica por excelência para o diagnóstico da parasitose. A sen-
zidos três tipos de ovos que, no solo, tornam-se embrionados sibilidade desse teste varia de acordo com a quantidade de
e poderão dar origem a larvas rabditoides triploides (se trans- amostras de fezes examinadas, atingindo 100% quando sete
formarão em larvas filarioides, infectantes); larvas rabditoides amostras seriadas são analisadas. Adicionalmente, vários tes-
haploides (irão dar machos de vida livre); larvas rabditoides tes sorológicos têm sido empregados para o diagnóstico da
diploides (irão dar fêmeas de vida livre). No ciclo evolutivo di- estrongiloidíase. Dentre os métodos usados, destacam-se o
reto ou partenogenético, as larvas filarioides penetram na pele ensaio imunoenzimático (ELISA), a imunofluorescência e o
do hospedeiro, ganham a circulação sanguínea e chegam aos Western b/ot. Esses testes possuem sensibilidade e especificida-
capilares pulmonares. Podem então ser expelidas junto com a de variáveis de acordo com o antígeno e os isótipos de imuno-
expectoração ou ser deglutidas. A fêmea partogenética parasita globulina usados e a população estudada. Recentemente, com
o intestino delgado do homem, especialmente o duodeno e o o avanço das técnicas de biologia molecular, tem sido possível
jejuno, produzindo ovos que logo dão origem a larvas rabdi- identificar S. stercoralis pela análise das sequências de DNA
toides que saem dos ovos ainda dentro do lúmen intestinal e só presentes nas fezes.
depois são expulsas com as fezes. Em infecções graves, o verme A ivermectina (200 mcg/kg de peso corporal em dose úni-
pode ser encontrado no estômago e no reto. ca) ou o albendazol (400 mg 1 vez/dia, por 3 días) são con-
As alterações morfológicas da estrongiloidfase foram descri- siderados os medicamentos de escolha para o tratamento da
tas por De Paola, que as classificou em formas leve, moderada estrongiloidíase. Em um estudo em Zanzibar, na África, as dro-
e grave. A forma leve é representada por enterite catarral, ca- gas anteriormente descritas foram comparadas e a taxa de erra-
racterizada por congestão da mucosa, abundante secreção de dicação do S. stercoralis em 301 crianças tratadas foi de 82,9 e
muco e, às vezes, por hemorragia e microukerações. A forma 45,0% com a ivermectina e o albendazol, respectivamente.
moderada mostra enterite edematosa, com espessamento da
parede intestinal, tumefação de pregas e apagamento do relevo
mucoso do delgado. Nas formas graves, encontra-se enterite
• Duodenite por Giardia Iomb/ia
ulcerada, com rigidez parietal consequente a edema e fibrose, A G. lamblia é um protozoário flagelado cosmopolita e sua
além de atrofia da mucosa e formação de úlceras. prevalência in depende de condições climáticas. O ciclo de vida
Esse nematódeo possui a capacidade de replicar no hos- da Giardia consiste em um cisto infectante e um trofozoíta mó-
pedeiro e causar, assim, ciclos de autoinfecção (penetração vel. O cisto é oval ou elipsoide, medindo 12 f!m de comprimento
de larvas infectantes no interior do próprio intestino ou da por 8 f.1ID de largura, e com parede de espessura que varia entre
pele da região perianal), podendo ocasionar a perpetuação 0,3 e 0,5 J.lm. A via de infecção no ser humano é por meio da
da infecção por período prolongado. As larvas infectantes do ingestão dos cistos. O trofozoíto tem formato de pera, com si-
S. stercora/is na presença de imunossupressão natural ou indu- metria bilateral, e mede 20 J.lm de comprimento por 10 J.lm de
zida, especialmente durante o uso de corticosteroides, podem largura e 1 a 2 )lm de espessura Possui dois núcleos situados
invadir maciçamente a parede do intestino grosso e alcançar os na parte frontal do trofozoíto e quatro flagelos que se originam
pulmões (hiperinfecção) ou todo o organismo (estrongiloidía- de blefaroplastos situados entre os núcleos.
se disseminada). Os fatores de risco associados às formas dis- O parasito tem como habitat natural no ser humano o duo-
seminadas estão relacionados com a alteração da imunidade deno e o jejuno proximal, podendo, eventualmente, ser encon-
celular. Terapias imunossupressoras (especialmente o uso de trado na vesícula e nas vias biliares. Após a ingestão dos cistos
corticosteroides), transplantes de órgãos, doenças hematoló- pelo hospedeiro, considerados não infectantes, os trofozoítos
gicas malignas, infecção pelo vírus HTLV -1, desnutrição, dia- saem dos cistos no duodeno e podem ser encontrados livres
betes melito, insuficiência renal crônica e consumo crônico no lúmen intestinal, aderidos às criptas duodenais e, ocasio-
de álcool são condições que favorecem a sua ocorrência em nalmente, no interior da mucosa.
seres humanos. A maioria dos pacientes adultos parasitados não apresenta
A infecção crônica pelo S. stercoralis pode ser clinicamente sintomas importantes, porém casos de má absorção grave po-
assintomática ou pode causar sintomas cutâneos, gastrintes- dem ser identificados. Os fatores que contribuem para essa va-
tinais ou pulmonares. Como dito anteriormente, as manifes- riedade de manifestações clinicas incluem a virulência da cepa
tações clínicas são relacionadas com a integridade do sistema de Giardia, o número de cistos ingeridos, a idade e as condições
imunológico do hospedeiro. Em relação ao acometimento do do sistema imunológico do hospedeiro no momento da infec-
trato digestivo, observa-se sensação de plenitude gástrica pós- ção. Patogenicamente, sua ação é mecânica, produzindo uma
prandial, pirose, diarreia e dores abdominais, principalmente irritação considerável das microvilosidades, aderindo à super-
242 Capftulo 26 I Outras Doenças do Duodeno

flcie da mucosa e formando um revestimento que interfere na dica. O exame endoscópico foi realizado em um período médio
absorção. ~ frequentemente encontrado em indivíduos com de 9,1 dias após o evento isquêmico, e as lesões mais comumen-
deficiência de IgA secretora, como nas disgamaglobulinemias te detectadas foram úlcera duodenal, úlcera gástrica, gastrite e
com hiperplasia linfoide do intestino delgado. esofagite. Geralmente, o dano da mucosa duodenal associa-se a
Nem sempre são evidenciadas alterações do ponto de vista anormalidades da microcirculação acompanhadas por isquemia
endoscópico, sendo a mucosa, na maioria das vezes, aparente- e/ou hemorragia. Outras condições, como hiperacidez gástrica,
mente normal. Porém, após um exame mais minucioso, obser- produção diminuída de mucoproteínas e discinesia motora do
va-se que as válvulas coniventes encontram-se espessadas em estômago, que poderiam contribuir para o aparecimento das
número razoável de pacientes. Nos pacientes com hipogama- lesões do duodeno já foram identificadas.
globulinemia, entretanto, a mucosa pode mostrar numerosos
nódulos, indicando a presença de hiperplasia nodular linfoide.
O achado de pontilhado esbranquiçado da mucosa duodenal • OCLUSÃO DUODENAL ARTERIOMESENTÉRICA
sugere o diagnóstico endoscópico de giardíase.
Do ponto de vista histológico, as alterações da mucosa va- INTERMITENTE CRÕNICA
riam de discretas a acentuadas, podendo causar enteropatia
A síndrome da artéria mesentérica superior é uma condição
com lesão do enterócito, atrofia vilositária e hiperplasia das
pouco comum caracterizada por compressão extrínseca das pa-
criptas. O achado mais expressivo é a infiltração aguda e focal
redes do duodeno e suboclusão ao trânsito intestinal. A artéria
das criptas intestinais, associado ao infiltrado de polimorfonu-
mesentérica superior em geral forma um ângulo de aproxima-
cleares na mucosa e lâmina própria.
damente 45° (faixa de 38° a 56°) com a aorta abdominal. Dis-
O exame de fezes frescas corados com iodo apresenta urna
talmente à origem da artéria mesentérica superior, a terceira
sensibilidade em tomo de 50%, pois cistos e trofozoítos são
porção do duodeno cruza anteriormente a veia cava inferior e a
eliminados de forma intermitente através das fezes. A análise
aorta e permanece entre a artéria mesentérica superior e a aorta.
do aspirado duodenal é outra forma de diagnóstico com sen-
Situações que determinem a redução do ângulo arteriomesen-
sibilidade de 80%. Ainda, a pesquisa de G. lamb/ia nas fezes
térico podem causar compressão do duodeno. Alguns fatores
pode ser feita por meio de testes que empregam técnicas de
associados ao estreitamento desse ângulo podem ser citados:
imunoensaio (ELISA) e imunofluorescência, que apresentam
lordose lombar acentuada, visceroptoses, alterações anatômicas
sensibilidade e especificidade de 90 e 100%, respectivamente.
da artéria mesentérica superior e rápida perda de peso.
Em adição aos testes que detectam antígenos nas fezes, tem
A oclusão duodenal arteriomesentérica intermitente crô-
sido possível identificar sequências do DNA de G. lamblia pre-
nica, também denominada Síndrome de Wilkie, acomete am-
sentes nas fezes por meio de exames baseados em técnicas de
bos os sexos com predomínio do sexo feminino. A faixa etária
biologia molecular.
mais acometida é dos 10 aos 30 anos. Os pacientes apresentam
O tratamento da giardíase é feito com drogas do grupo dos
dor na metade superior do abdome, provocada pela estase e
nitroirnidazóis, especialmente o metronidazol na dose de 250 a
distensão duodenal, náuseas, vômitos alimentares e medo de
500 mg, 3 vezes/dia, durante 5 a 7 dias, ou 2 g, diariamente, em
alimentar-se. O emagrecimento pode provocar visceroptoses
dose única, por 3 dias e o tinidazol 2 g em dose única. Outras
e o agravamento dessa condição. O alívio do desconforto epi-
drogas como o albendazol e a nitazoxanida são também eficazes,
gástrico é obtido com vômitos ou quando o paciente assume
mas devem ser administradas em doses múltiplas.
a posição de decúbito lateral direito ou genupeitoral. A croni-
cidade e a intermitência da sintomatologia digestiva agravam
a irritabilidade emocional. A úlcera péptica, em aproximada-
• LESÕES DUODENAIS AGUDAS EM PACIENTES mente 25% dos casos, pode coexistir com a oclusão duodenal
COM INFARTO DO MIOCÁRDIO arteriomesentérica.
O diagnóstico clínico é, em geral, difícil ou mesmo subesti-
A isquemia miocárdica mostra incidência, mortalidade e mado. Através do estudo radiológico do estômago e duodeno,
morbidade elevadas, podendo ser considerada um dos princi- obse.rva-se compressão extrínseca de orientação vertical entre a
pais problemas clínicos da atualidade. A hemorragia digestiva é terceira e a quarta porções duodenais e dilatação da segunda e
também urna afecção grave que ameaça a vida, principalmente da primeira porções do duodeno. A distensão da alça intestinal
de pacientes idosos e com comorbidades. Vários estudos têm desaparece quando o paciente adota as posições descritas ante-
demonstrado a presença de duodenite hemorrágica e necrose riormente. A mensuração do ângulo arteriomesentérico pode
entérica em pacientes acometidos pelo infarto do miocárdio. ser realizada através da ultrassonografia e tomografia compu-
A incidência de hematêmese e/ou melena após um evento de tadorizada do abdome.
isquemia miocárdica não é bem determinada, porém existem A maioria dos autores recomenda medidas conservadoras
vários fatores contributivos: insuficiência vascular associada para o tratamento desses pacientes, incluindo, assim, nutri-
ao choque e à insuficiência cardíaca; uso de medicamentos que ção adequada, descompressão do trato gastrintestinal e posi-
poderiam lesar a mucosa gastroduodenal como os anti-inflama- cionamento adequado do indivíduo no período pós-prandial
tórios não esteroides, anticoagulantes e trombolíticos. (decúbito lateral esquerdo ou posição genupeitoral). Nos ca-
Khominskaia et ai. (1991) estudaram as alterações histoquí- sos de desnutrição grave e vômito repetido, há necessidade de
micas e morfológicas da mucosa do estômago e duodeno de hospitalização para a correção dos distúrbios hidreletrolíticos
22 pacientes que faleceram devido à insuficiência coronariana e administração de dieta por sonda nasoentérica posicionada
crônica. Foi observado que a mucosa gástrica e duodenal desses distalmente à obstrução ou através do uso da nutrição paren-
pacientes apresentava-se atrófica. Essa anormalidade da mucosa teral total. Raramente, recorre-se ao tratamento cirúrgico com
foi associada à vasoconstrição do território esplâncnico. Em um anastomose jejunoduodenal. A lise do ligamento de T reitz e
estudo conduzido nos EUA, através da endoscopia digestiva alta mobilização do duodeno por via laparoscópica também têm
foram avaliados 200 pacientes com quadro de isquemia miocár- sido relatadas.
Capftulo 26 I Outras Doenças do Duodeno 243
Os tumores benignos do intestino delgado apresentam-se
• DIVERTrCULOS DUODENAIS como lesões isoladas ou múltiplas de vários subtipos que in-
cluem pólipos hiperplásicos, adenomas. tumores estromais,
A doença diverticular do duodeno é identificada em apro-
lipomas, hemangiomas, fibromas, angiomas, linfangiomas e
ximadamente 2296 da população geral e em 0,016 a 5,296 dos
neurofibromas. Esses tumores são caracterizados por cresci-
pacientes submetidos a exames radiológicos do trato digesti-
mento lento e apresentação clinica tardia. As duas manifes-
vo superior. Os divertículos são mais encontrados na segunda
tações clinicas mais comuns são sangramento e obstrução in-
porção do duodeno; ocasionalmente, na terceira ou na quarta testinal. Raramente, ocorre perfuração da parede do intestino,
porções e, excepcionalmente, no bulbo duodenal. Em geral, são
resultando em formação de abscesso ou de ffstulas internas,
únicos, às vezes múltiplos, e de tamanho variado. Essas estru- peritonite ou pneumatose intestinal. Cerca de um terço dos
turas se formam por evaginação da mucosa através de pontos pacientes apresenta hemorragia digestiva, geralmente caracte-
de menor resistência da parede intestinal. rizada por sang:ramento oculto e intermitente e anemia ferro-
Os divertículos são assintomáticos em 9096 dos pacientes, priva. A hemorragia maciça é extremamente rara. Os liomio-
entretanto em 1096 dos casos estão associados aos sintomas de mas e os hemangiomas são as lesões que mais frequentemente
dor, distensão abdominal e hemorragia digestiva. Quando se provocam sangramento.
encontram inflamados, configuram quadro de diverticulite e Através da esofagogastroduodenoscopia, já se identifica-
devem ser considerados no diagnóstico diferencial de abdome ram lesões elevadas no bulbo duodenal em 36 (0,496) de 8.802
agudo. Quando grandes. podem provocar estase duodenal pela pacientes estudados. Neste estudo, as seguintes lesões foram
demora em seu esvaziamento e produzir desconforto epigástrico observadas: pólipos hiperplásicos (4296), adenomas (596), hi-
pós-prandial, ou sintomas que lembram a úlcera péptica e, mais perplasia das glândulas de Brunner (396) e beterotopia da mu-
raramente, sinais de suboclusão duodenal. Aproximadamente 70 cosa gástrica (8,396). Em outro estudo, prospectivo, através de
a 7596 dos divertículos duodenais são periampolares ou periva- endoscopia, verificou-se a presença de pólipos duodenais em
terianos e podem, ocasionalmente, complicar-se mecanicamente 27 (4,6%) de 584 pacientes. Em 16 casos, as biopsias endoscó-
ou por processo inflamatório ou provocar doenças pancreáticas picas demonstraram mucosa gástrica ectópica (sete pólipos) ou
e biliares, inclusive icterícia do tipo obstrutivo. Os divertículos inflamação (nove pólipos). Em geral, essas lesões eram móveis,
periampolares são frequentemente identificados em pacientes pequenas, múltiplas e localizadas no bulbo duodenal. Três de
idosos submetidos à colangiopancreatografia endoscópica retró- sete pólipos recobertos por mucosa de aspecto normal foram
grada. O oriflcio da papila de Vater, observado através da duo- diagnosticados como lipomas. Dois adenomas foram identifi-
denoscopia, pode estar localizado no colo ou mesmo na entrada cados no duodeno descendente (0,496 dos pacientes; 796 dos
do divertículo, o que dificulta sua cateterização. pólipos).
Não há indicação de tratamento de pacientes com divertí-
culos duodenais assintomáticos. As complicações são raras e a
abordagem terapêutica deve ser individualizada. Na literatura, a • Adenomas
mortalidade pós-operatória em cirurgias eletivas gira em torno Vários autores, através da endoscopia digestiva alta, de-
de 8 a 1296 e pode atingir 2096 em cirurgias de urgência. monstraram que 80 a 9096 dos tumores duodenais benignos
são adenomas, representando assim a neoplasia benigna mais
comum do duodeno. Esse tumor possui forte potencial de de-
• TUMORES DO DUODENO generação em razão do seu indice elevado de proliferação. Em
geral, se apresentam como lesões únicas ou múltiplas, sésseis ou
Os tumores do intestino delgado são raros e representam pedunculadas. Aesofagogastroduodenoscopia, a superf!cie do
1 a 696 das neoplasias do tubo digestivo. O duodeno constitui tumor tem a mesma cor ou é mais pálida do que a mucosa ad-
somente 896 do intestino delgado em extensão, porém é a sede jacente, porém é, em geral, lobulada, aveludada, apresentando
de 10 a 2096 de tumores gastrintestinais. Através dos dados ci- projeções digitiformes, papilas ou franjas. Os prolongamentos
tados anteriormente, observa-se que as neoplasias do intestino digitiformes, às vezes pediculados, são formados por escasso
delgado são ra.ras, principalmente quando comparadas com as estroma conjuntivovascular revestido por epitélio simples ou
do estômago e do cólon. Em relação à escassez de lesões no in- pseudoestratificado, com graus variáveis de displasia. Com base
testino delgado e à resistência à transformação maligna, várias no seu padrão arquitetura!, os adenomas são subdivididos em
teorias foram propostas como possíveis explicações: o tempo três categorias: adenoma tubular (glândulas de aspecto tubular);
rápido de trânsito intestinal diminui o tempo de contato dos adenoma viloso (glândulas de aspecto vilositário); adenoma
carcinógenos com a mucosa; a fluidez do quimo dilui as subs- tubuloviloso (combinação dos anteriores).
tâncias carcinogênicas; as concentrações aumentadas da enzima O adenoma pode ser removido através da polipectomia
benzopireno hidroxilase eliminam potenciais carcinógenos; a endoscópica, e a vigilância endoscópica é obrigatória nesses
ausência de bactérias passiveis de converter determinados nu- pacientes. A abordagem cirúrgica é indicada na presença de
trientes ingeridos em carcinógenos; as concentrações elevadas neoplasia invasiva. Através de um estudo retrospectivo, foram
de imunoglobulina A e a presença de tecido linfoide desenvolvi- analisados 32 pacientes que apresentavam 34 adenomas vilo-
do podem impedir o crescimento e a transformação tumoral sos. Os adenomas identificados em 22 pacientes (6996) foram
Os tumores do intestino delgado podem ser benignos ou ressecados totalmente. A incidência de transformação malig-
malignos e ser derivados de qualquer célula do tubo digestivo. na foi de 4796.
Através da revisão da literatura, verifica-se que a prevalência
de neoplasias benignas e malignas é semelhante em séries ci-
rúrgicas, porém os tumores benignos são mais frequentes em
• leiomiomas
séries de necropsia. Somente 5096 dos tumores benignos setor- Os liomiomas destacam-se como tumores benignos mais co-
nam sintomáticos. enquanto 70 a 8096 das neoplasias malignas muns do intestino delgado e são encontrados, principalmente,
produzem sintomas. no jejuno. São considerados a segunda neoplasia mais frequente
244 Capftulo 26 I Outras Doenças do Duodeno

no duodeno. São tumores submucosos mesenquimais, bem de- neoplasias do intestino delgado no período de 1980 a 2000 e o
limitados. não encapsulados, compostos por células fusiformes. adenocarcinoma foi o tipo histológico mais comumente iden-
Originam-se de células musculares lisas e apresentam marca- tificado no duodeno (200 casos, 52,7%).
dores imuno-histoquímicos positivos para desmina e actina
de músculo liso e são CD34 e CD 117 negativos. Esses achados
são importantes em relação ao diagnóstico diferencial com os
• Adenocarcinoma do duodeno
tumores estromais do trato gastointestinal, tema abordado no O adenocarcinoma é o tumor do intestino delgado mais pre-
Capítulo 37. valente, correspondendo a cerca de 50% das neoplasias nesse
Têm localização subserosa e intramural e variam em tama- locaL O carcinoma duodenal primário é raro e, geralmente, é
nho de poucos milímetros a vários centímetros. Os métodos identificado na segunda e na terceira porções do duodeno. ~
de imagem, em geral, são importantes para o diagnóstico dife- mais encontrado em homens do que em mulheres acima de
rencial de tumores da submucosa. Através desses métodos, o 50 anos de idade, tendo pico de incidência aos 60 anos. As le-
liomioma, em particular, apresenta-se como lesão arredondada, sões pré-neoplásicas são semelhantes às do tumor do cólon,
regular, homogênea com áreas de calcificação. sobressaindo-se como fator de risco a doença de Crohn. A ma-
croscopia, observa-se mais frequentemente a forma polipoide
e ulcerativa no duodeno e a forma estenosante no íleo. O tu-
• lipomas mor pode originar metástases para linfonodos regionais, figado,
Os lipomas são mais comuns no íleo e podem ser caracteriza- pâncreas e pulmões. Como é assintomático por longo tempo, o
dos como lesões intramurais, geralmente pequenas, com menos prognóstico é ruim. Clinicamente, a hemorragia ou a presença
de 4 em, únicas ou múltiplas, que se localizam na submucosa. de sangue oculto nas fezes é a manifestação mais comum se-
São compostos por tecido adiposo bem diferenciado, envolvido guida por sinais de obstrução (Figura 26.2).
por uma cápsula fibrosa. A aparência endoscópica é similar aos Dentre os exames complementares, a endoscopia digestiva
outros tumores da submucosa. Atomografia computadorizada, alta com biopsias pode ser considerada um exame diagnósti-
o lipoma apresenta o coeficiente de absorção negativo. co inicial. Métodos de imagem da cavidade abdominal podem
auxiliar no diagnóstico da lesão duodenal e na detecção de lin-
fadenomegalias e metástases. Outra ferramenta que pode ser
• TUMORES MALIGNOS DO DUODENO empregada para o estadiamento da neoplasia é a ultrassono-
grafia endoscópica.
Como descrito previamente, a incidência de tumores malig- A ressecção tu moral constitui a melhor forma de tratamento
nos no intestino delgado é baixa e representa 1 a 2% das neo- do adenocarcinoma do duodeno. A duodenopancreatectomia
plasias que acometem o trato gastrintestinal e 0,3% das neopla- pela técnica de Whipple é o procedimento de escolha, uma vez
sias em geral. A maioria dos tumores é clinicamente silenciosa que permite a ressecção em bloco com os linfonodos regionais.
por longos períodos ou ocasiona sintomas/sinais inespecificos, Entretanto, somente 30% desses tumores são ressecáveis. A so-
como plenitude, dor e distensão abdominal, presença de san- brevida, em cinco anos, de pacientes submetidos a esse proce-
gue oculto nas fezes, náuseas e vômitos. Geralmente, são des- dimento gira em torno de 40%. Ainda, para tumores pequenos
cobertos em fase avançada, ulcerados, produzindo obstrução da terceira e, especialmente, da quarta porções do duodeno,
intestinal parcial, diarreia crônica, hemorragia digestiva alta pode ser feita a ressecção segmentar com intenção curativa.
ou invasão e metástase em órgãos vizinhos, além de icterícia e A gastrojejunostomia é reservada aos pacientes com doença
comprometimento do estado geral dos pacientes. Os tumores avançada em que não é mais possível a ressecção tumoral. O
malignos do duodeno localizam-se preferencialmente na se- tratamento adjuvante com quimioterapia e radioterapia deve
gunda porção. Os tipos de neoplasias malignas mais comuns ser individualizado. A sobrevida em cinco e dez anos é de 39 e
do intestino delgado são os adenocarcinomas, os carcinoides, 37%, respectivamente, para as neoplasias primárias do duode-
os linfomas e os sarcomas. no ressecáveis e correlaciona-se com a fase do diagnóstico. Os
Em um estudo conduzido nos EUA, foram analisados 328
casos de neoplasias do intestino delgado no período de 1966 a
1990. A incidência ajustada pela idade foi de 1,4/100.000 indiví-
duos. Os tumores foram classificados como carcinoides (41 %),
adenocarcinomas (24%),linfomas (22%), sarcomas (11%) e 1%
não foi classificado. Em relação à localização nos segmentos
intestinais, o adenocarcinoma representou a neoplasia malig-
na mais comum do duodeno. As metástases a distância foram
detectadas em 26 a 33% dos pacientes, sendo mais frequentes
nos indivíduos acometidos por sarcomas e adenocarcinomas.
A ressecção cirúrgica foi realizada em 49 a 79% dos pacientes e
a sobrevida em 5 anos foi de 54%, variando de acordo com tipo
de tumor, carcinoide (83%), adenocarcinoma {25%), linfoma
(62%) e sarcoma (45%). Através de uma revisão do National
Data Base, também realizada nos EUA, foram avaliadas 4.995
neoplasias do intestino delgado. Em relação à localização dos
tumores nesse segmento, foi identificada a seguinte distribui-
ção: duodeno (55%), jejuno {18%), íleo (13%) e não especifi- Figura 26.2 Lesão tu moral do duodeno. O exame histopatológico
cado (14%). A sobrevida em cinco anos foi menor que a des- demonstrou adenocarcinoma periampular do tipo intestinal infiltrante
crita no trabalho anterior, correspondendo a 30,5% (média de em parede duodenal (gentilmente cedida pelo Dr. Fernando Augusto).
19,7 meses). Ainda, nos EUA foram analisados 1.260 casos de (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Capftulo 26 I Outras Doenças do Duodeno 245
pacientes submetidos à cirurgia paliativa têm sobrevida que, Hatzaru, I, Polcsty, JA, Abir, F, Sullivan, P, Kozol, RA, Dudrick, SJ, Longo, WE.
geralmente, não ultrapassa 24 meses. Small-bowel tumors: epídemiologic and clinicai characteristic:s o( 1260 casts
from the Conncctlcut tumor rcgistry. Arch. Swrg., 2007; 142:229-35.
Em um estudo conduzido na Alemanha, foram avaliados 18 How<, IR. I<arnell. LH, Menck. HR, Scott•Conner, C. The American CoUege
pacientes (14 homens, quatro mulheres; idade média 58 anos) of Surgeons Commission on Oulcet and the American Ou> cu Soci<ty.
com carcinoma primário do duodeno. Os principais sintomas A&nocarcinoma of the small bowd: rcvlew of the Natlonol Cancer Data
clínicos detectados foram dor no andar superior do abdome Sue, 1985-1995. Canoer, 1999; 86:2693-706.
(6196), perda de peso (4496) e anemia (3896). Dez pacientes ]ames, AH. Gutric eplthelium In lhe duodenum. Gut, 1964; IOS:285-94.
)anoff, EN, Smith, PD, Blaur, MJ. Acute antibody mponsa to Gl4rdia 14mb/ia
(5696) foram submetidos a ressecções curativas, oito operações
arcdeprcssed In patienll wlth AIDS.J.lnfect. Dls., 1988; 157:798-804.
de Whipple e duas duodenectomias segmentares. A sobrevida, Jepsen. JM, Pmson, M, Jako'-n, NO. Cbrlsúansen, T, Slroubo-Kristcnscn, E,
ao fim de um, três e cinco anos após a ressecção, foi de 90, 66, 7 Funch-Jcnscn, P, Kruse A, Thommesen, P. Proope<tl•-c: study of prevalence
e 53,396, respectivamente. Nos pacientes com tumores irressecá- and endoscopic and histopathologic charactuistic:s o( duodenal polyps
veis, que foram submetidos à cirurgia paliativa, a sobrevi da foi In patients submitttd to upptr endoscopy. ScantL J. Gastromttrol., 1994;
29:483-7.
inferior a 25 meses. Em uma revisão realizada na Itália, foram
Khominsbia, MB & Degtiareva, LV: Structwol changes in the stomach, duode·
avaliados 89 pacientes com adenocarcinoma duodenal, não ori- num and pancreas In ~hemlc hean d~. Vmch D</o, 1991; 7:53-6.
ginário da papila de Vater, submetidos ao tratamento cirúrgico. Konorev, MR. Utviakov, AM, Matveenlro. ME, I<rylov, lu, V, Kovalev, AV,
A maioria dos tumores (62,996) foi detectada na região penam- Rlashchikov, AA. Principies of curront clusilicatlon of duodenitis. Klin.
pular. A ressecção curativa foi realizada em 65 (7396) de 89 pa- Mtd. (Mos/c.), 2003; 81:15-20.
cientes. A mortalidade no perlodo pós-operatório foi de 10,196 Kreuning. J, Bosman, FT, Kuiper. G, Wol, A..\.1, Lindeman, J. Gastric and duo-
denal mucosa in 'heolthy' individuols. An tndosc:opic and histopathologicoJ
e a sobrevida em cinco anos, de 2596. Em geral, a sobrevida dos study o( 50 voluntccrs./. Clfn. PathoL, 1978; 31:69-71.
pacientes com doença localizada, avançada localmente, e me- Lang, H, Nadolin, S, Raab, R, jahne, J. Rcsulu of surgleal therapy of primary
tastática foi de 50,1, 22,2 e 8,6 meses, respectivamente. adenocarclnoma ofthe duodcnum. Chf"'IJ·• 1999; 70:511-1.
Martl, H, Haji, HJ, Savloll, L, Chwaya, HM, Mgenl, A F, Amelr, JS, Hatz, C A
compara tive trial of a single-dote lvermcctina versus three days of alben-
dazol for treatment of Strongyloldes st<rcornlfs and othcr soll-transmltted
• LEITURA RECOMENDADA helminth lnfectioru In chlldrcn. Am.J. Trop. Med. Hyg., 1996; 55:477-81 .
Mathelin, C. Tomasetto, C, Rlo, MC. (TrefoU factor I (pS2ffFFl), a ptptide
Almeida. JR, Alm<lda, RC. Almeida, TC, Filho, )TO, Cordeiro, FTM. Duode- wlth numerous functions). Buli. Cancer, 2005; 92:773-81.
nites. Em: Golvio-Aives, J, Dan~ R. Ttraptutica tm GastrtnteroWgia, 1.• ed, Matsuura, H, Kuwano, H, Kanematsu, T, Sugimachi,, I<. Haraguchi, Y. Oíni-
Rlo de Janeiro, Guanabara Koogan, 2005.
c:opathologic11l ftatures o( elevated lesions of lhe duodenol bulb. ]. Surg.
Bethony, J, Brooker, S, Albonlc:o, M, Gei3cr, SM, Louk.u. A, Oiemcrt. O, Ho- OncoL, 1990; 45:79-8<1..
tez.. PJ. Soil-transmitted helminth inftction.s: ascariasis, trichuriasis, and
Mendes de S:i, V. Metaplasla intestinal e dlsplasla gútrlcu: lmpllcaç6es de stu
hookworm. Lanctt, 2006; 367: 1521-32. diagnóstico./. BrasiL Gastro<ntero/., 2004; 4:39-47.
CappcU, MS & lac:ovon<, FM )r. Safety and dlicoey of esophagogastroduode·
Oliveira, CA & Uma Junior, GP. Duodenltes e outras afecç6es do duodeno.
noscopy aftcr myoc:ardlallnfarctlon. Am.J. MLd., 1999; 106:29-35.
Em: ~ R, Castro, LP. GastrtntttOWgia dfnlca, 3.• ed, Rlo de janeiro,
Carranza, PG & Lujan HD. New INlghll r<garding the biology of Giardia lom-
Guanabara Koogan, 1993.
büa. Microba Infect., 2010; 12:71-80.
Cbcrnin, VV & Osadchii, VA. Olnlcol and pathogenctic fcaturcs of rccurrent Perera, DR, Welnsteln, WM, Rubin, CE. Smallintestlnal b1opsy. Symposíum
and acute peptlc ulcer in acute coronary syndrom<. Klin. Mtd. (MO$k.), o( pathology o( the gasttlntestlnol tract. Pan DI. Hum411 Pathol., 1975;
2003; 81:27-32. 6:157-214.
Cox. FE. History of human paruitology: Oin. Miaobiol. !Uv., 2002; 15:59>- Rossianol. JF. Oyptosporidjum and Giardia: Thutmeot optlon.s and proopccts
612. for ncw drugs. E.xperimenud Panuitology, 2010; 24:45-53.
OiSario. JA, Bun, RW, Vargas. H, McWhortu, WP. Small bowd cancer: epi· Santoro, E, Sacchi. M, Scutori. F, Carbonl, F, Grazlano, F. Prlmary adenocar<l-
demiologic11l and clinicai charuterütlca from a population-bucd ~­ noma of the duodenum: treatment and survlval In 89 patlen!l. Hepatog<U-
Am./. Gastn><ntero/., 199<1; 89:699-701. tromterology, 1997; 44:1157-63.
Faubut, G.Immune ruponse to Giatdia duodoutlis. Clin. Micro/rio( Rtv., 2000; Schuman. BM. Diseasts cl the duodenum. Em: Sivak, MV. Gastn><ntttOWgic
13:35-54. tttdoscopy, 2.• ed. EUA, Saunders Company, 2000.
Franzin, G, Musola, R. Ghldlnl, 0. Manfrini, C. Fratton, A. Nodular hypup!Jasia Siddlqui, AA & ~rk, SL. Dbgnosli of Srrongyloldes ltercoralfs lnfection. Clin.
ofBrunner's glands. Gasrrolntcst. End-., 1985; 31:374-8. lnfea. Dis., 2001; 33:1040-7.
Galandiuk, S, Hermann, RE. )agdman, DG, Fuio, VW, Sivak, MY. Villous Spira. IA & Wollf, Wl. VU!ous tumors o f lhe duodenum. Am.J. GastroenteroL,
tumors ofthe duodenum. A.nn. Surg., 1988; 207:234-9. 1977; 67:63-8.
Hamler, A, lhoreson, AC. Nllsson, O, Svennerholm, Ai.'A, Olbe, L. Duodenal Taylor, AL. Thc cpithcliol heterotoplas o( the allmentary tract. J. PotlwL. 1927;
Helicobacttr pylorilnfectlon dUTers in cagA genotype between asympt<>- 30:415-49.
matic subjects and patlenu with duodenal ulcers. Gastn><nteralogy, 1999; Wang, CX. Liu, LJ, Guan, J, Zhao, XI. Ultrastructural changcs In non-spedlic
116:259-68. duodenitis. World /. Gastroenterol.. 2005: 11:686-9.
Han, SL, Cheng. J, Zhou, HZ, Guo, SC, Jla, ZR, Wang, PF. Surgically treated WHO. Prevention and control of schistruomlasls and solltransmltttd helmin·
prlmary mallgnant <umor of small bowcl: a clinicai anolysls. World J. Gas- thia5is. Geneva: World Health Organlutlon; 2002. TechnicoJ Report Series
troenterol., 2010; 16:1527-32. No.912.
PARTE IV
Intestino Delgado
27 Anomalias Congênitas de
Intestino Delgado e Grosso
Dorina Barbieri, Maraci Rodrigues e /saura Ramos Assumpção

As anomalias congênitas de intestino delgado e grosso podem te e grande parte do transverso, e o hindgut, responsável pela
ser, de maneira geral e abrangente, relacionadas com as seguin- formação do resto do transverso, descendente, sigmoide, reto
tes situações de comprometimento da sua embriogênese: e parte superior do canal anal.
O midgut e seu respectivo mesentério têm um crescimento
a) defeitos de posição do delgado e colo em virtude de pro- muito grande, formando alças que penetram no cordão umbi-
blemas na rotação do intestino primitivo, ou de ausência lical (5' semana) por falta de espaço na cavidade abdominal, e
ou de insuficiência na fixaçtlo do mesentério à parede só mais tarde com o desenvolvimento desta (lO• semana) vol-
abdominal posterior; tam à cavidade peritoneal. Simultaneamente a este movimento,
b) defeito de desenvolvimento das paredes do tubo intestinal o midgut realiza um movimento em rotação anti-horária ao
com prejuízo da permeabilidade de seu lúmen, manifes- redor da artéria mesentérica superior, de modo que a porção
tando-se como atresia, estenose e duplicação; cranial do delgado se posiciona atrás da artéria mesentérica
c) defeitos embriogênicos atingindo apenas determinadas superior, e a parte caudal ou colo se coloca anteriormente a
linhagens celulares, tais como neurônios (megacolo con- esta artéria e ao delgado até atingir sua posição definitiva (to-
gênito), epitélio (pólipos),jibra muscular lisa (miopatias pografia normal final).
viscerais), tecido conectivo (doença de Ehlers-Danlos), A fixação de algumas partes do tubo digestório à parede
vasos (hemangiomas); posterior do abdome se deve a encurtamento e reabsorção de
d) persistência de restos embrionários (diverticulo de Me- seus respectivos mesos. ~o que ocorre com o duodeno, ceco,
ckel); ascendente e descendente. O delgado, o transverso e o sigmoi-
e) erros metabólicos moleculares com interferênda prima- de mantêm seus mesos e suas respectivas inserções na parede
riamente a aspectos de funções (doença meconial da mu- posterior do abdome. Importante lembrar a inserção do me-
coviscidose). sentério, que segue uma linha obllqua desde a altura do ângulo
~ importante assinalar que cada uma das anomalias pode de Treitz até o ceco, formando uma espiral ao redor da artéria
estar assodada a outras anomalias digestivas ou extradigestivas, mesentérica superior.
inclusive fazendo parte de slndromes clinicas especificas.
As anomalias congênitas de intestino delgado e grosso po- • Conceito
dem se manifestar já ao nascimento (atresia anorretal), ou mais
tardiamente na infância (estenoses) ou adultlcia (hamartomas). Má rotação é a modificação da posição normal do intestino
Algumas, por serem assintomáticas. constituem achados oca- em decorrência de alguma interferência neste processo rotató-
sionais. rio do desenvolvimento do tubo intestinal.
Serão apresentadas, neste capítulo, as situações clínicas mais Defeito de fixação é definido como a insuficiente ou ausente
frequentes. fixação do mesentério na parede posterior do abdome.

• Frequência
• DEFEITOS DE ROTAÇÃO EDE FIXAÇÃO Muito comum, estimando-se que haja um caso para cada
DO INTESTINO 6.000 nascidos vivos. ~mais frequente no sexo masculino, com
relação 2:1.
De maneira sumária, embriologicamente o intestino primiti-
vo se divide em três partes: oforegut, ou intestino anterior, que
dá origem à faringe, esôfago, estômago e duodeno (primeira • Etiologia
e segunda porções); o midgut, ou intestino médio, que forma Nos casos isolados ela é desconhecida. Quando associada a
todo o resto do duod.eno, todo o delgado, ceco, colo ascenden- defeitos de diafragma ou de parede abdominal a herniação do
249
250 Capftulo 27 I Anomalias Conglnltas de Intestino Delgado e Grosso

intestino para dentro destes defeitos impede a rotação e fixação


adequadas do intestino.

• Diagnóstico pré-natal
O diagnóstico de vólvulo do intestino delgado pelo ultras-
som gestacional (USG) é muito dif!cil. Quando ocorre oclusão
arterial e necrose da parede intestinal, os sinais são mais evi-
dentes pela presença de perfuração e ascite.

• Diagnóstico
A apresentação clínica é muito variável, desde formas as-
sintomáticas (de achado ocasional) até quadros clínicos gra-
ves, catastróficos. Ela ocorre em 30% no periodo pré-natal, de
50 a 75% nos primeiros meses de vida e em 9096 até o fim do
primeiro ano de vida. Os casos restantes podem aparecer em
qualquer outra idade. Os sintomas apresentados são vômitos
biliosos, dor e distensão abdominal no andar superior. A pal-
pação abdominal pode mostrar massa representada pelo in-
testino edemaciado.
O vólvulo agudo do midgut, ou vólvulo agudo do intestino
médio, é a forma clinica mais grave deste erro de rotação e fi-
xação do intestino. Nesta situação, o mesentério do delgado,
englobando a artéria mesentérica superior, tem uma base bem
estreita, formando um pedículo fino e muito móvel, facilitan-
do a torção das alças em tomo da artéria mesentérica superior.
Esta torção ocasiona obstrução da IU2. duodenal. Os sintomas
são os já descritos anteriormente. Se a torção for muito intensa, Figura 27.1 Radlografoa de estômago e duodeno de paciente com
defeito de rotaçAo e de focação do intestino, mostrando o duodeno e
ocasiona estrangulamento das artérias com isquemia e necro- as primeiras alças jejunais em forma de espiral e localizados à direita
se do intestino, traduzindo-se clinicamente por hematêmese, da coluna vertebral.
evacuações com sangue, choque e septicemia. O quadro clinico
agudo é muito sugestivo de obstrução intestinal e o estudo ra-
diológico simples mostra a imagem de bolha dupla (estômago
e duodeno) com ausência de ar no resto do abdome, podendo
ser confundido com atresia duodenal ou outro problema obs- • Tratamento
trutivo em duodeno. O estudo radiológico contrastado alto não O tratamento cirúrgico está sempre indicado na má rotação
deve ser realizado para não piorar o sofrimento de alça e afetar intestinal, inclusive nos casos crônicos e pouco sintomáticos,
a sua viabilldade. Pode ser feito um enema opaco que vai mos- urna vez que não há como se avaliar qual paciente evoluirá para
trar o ceco localizado à esquerda da coluna, mas nem sempre vólvulo, necrose e em qual idade.
este achado é de fácil interpretação. A videolaparoscopia, atualmente, tem permitido, além da
O vólvulo de intestino médio pode ocorrer de maneira crô- confirmação diagnóstica, a correção total da má rotação, em
nica e intermitente, desenvolvendo crises de quadro doloroso qualquer faixa etária, além de ser possível fazer a distorção do
abdominal e vômitos; eventualmente, má absorção intestinal vólvulo intestinal.
e déficit de crescimento. O estudo radiológico contrastado alto Na forma aguda emergencial, o tratamento é cirúrgico, por
mostra o duodeno e primeiras alças jejunais à direita da coluna laparotomia, para se aliviar a obstrução, não havendo a necessi-
e descrevendo urna espiral ou imagem em Z. dade de preparo do cólon, uma vez que a área de manuseio é ex-
Algumas vezes, há a formação de bridas, denominadas faixas trínseca à luz intestinal. Entretanto, nos casos crônicos, em que a
("bandas") de Ladd,ligando o ceco, situado alto, e o duodeno, cirurgia é eletiva, o preparo do cólon pode facilitar a dissecção.
provocando obstrução duodenal. A cirurgia consiste em redução do vólvulo, rodando-se o
O diagnóstico da má rotação intestinal pode ser também intestino quantas vezes forem necessárias até exposição de ceco
realizado pelo ultrassom abdominal focando as posições da e ascendente, que deverão ser fixados.
artéria mesentérica superior e a veia mesentérica superior. Em A cirurgia para correção de vólvulo com isquemia de alça
condição normal, a artéria mesentérica superior está à esquerda é controversa na literatura, no sentido de retirada da alça com
da vela mesentérica superior e, quando ocorre má rotação, a sofrimento imediatamente, ou desfazendo-se o vólvulo e aguar-
artéria mesentérica superior fica à direita da veia mesentérica dando-se por 12 ou 24 h a fim de se avaliar a viabilidade da alça
superior. intestinal acometida. Avaliações criteriosas devem ser feitas no
sentido de se permitir o mlnimo de ressecções, impedindo-se a
• Condições associadas instalação de slndrome do intestino encurtado, que piora bas-
tante o prognóstico.
Várias condições estão associadas à má rotação intestinal, Em geral, o prognóstico é bom, exceto naqueles relaciona-
como hérnia diafragrnática, onfalocele, gastrosquise, atresias dos com complicações por isquemia, síndrome do intestino
intestinais múltiplas, malformação do reto e ânus, além de al- encurtado ou complicações decorrentes do uso de nutrição
terações de trato geniturinário. parenteral.
Capftulo 27 1 Anomalias Conglnltas de Intestino Delgado e Grosso 251
va obstrutiva que são: poli-hidrâmnio, aumento da biometria
• ATRESIA EESTENOSE DO INTESTINO DELGADO abdominal e retardo do crescimento fetal.
Na atresia jejunoileal, observa-se também dilatação das alças
• Conceito intestinais, com mudança constante de forma e com movimen-
tos peristálticos intensos e incessantes. O diagnóstico pode ser
Atresia é uma anomalia congênita do desenvolvimento do
suspeitado na 26• semana de vida fetal e confirmado na 32' se-
duodeno e do intestino delgado, resultando em obstrução com-
mana. O USG não permite determinar o local da atresia, nem
pleta do lúmen do intestino. se ela é única ou múltipla e também não indica a extensão do
Estenose é quando esta mesma anomalia causa apenas o
intestino não comprometido.
estreitamento do lúmen do intestino.

• Frequência • Diagnóstico
As atresias e estenoses do duodeno e do delgado levam a
A frequência das atresias e estenoses do duodeno e do intes- processo obstrutivo e subobstrutivo, respectivamente.
tino delgado juntas variam de 1:2.000 a 1:6.000 nascimentos. Pode-se suspeitar da presença de obstrução do trato alimen-
As atresias são mais comuns do que as estenoses em am- tar alto do feto em toda grávida com poli-hidrâmnio, sendo
bas as localizações, duodeno e delgado, e podem ser simples confirmada pelo ultrassom pré-natal em cerca de 30 a 5991. dos
ou múltiplas. casos, já na 22• semana de gravidez.
Levando-se em conta o total dos casos de atresias e de es- Ao nascimento, os recém-nascidos com atresia duodenal
tenoses, a distribuição das frequências é a seguinte, respecti- podem apresentar como primeiro sinal vômitos, frequente-
vamente: mente biliosos, geralmente poucas horas após o nascimento.
A inspeção mostrará abdome distendido e peristaltismo vislvel
Duodeno Jejuno lleo apenas no seu andar superior, devido a distensão do estômago,
35% enquanto o restante do abdome será escavado. Poderá ocorrer,
Atresias 40% 25%
também, ausência de eliminação de mecônio. O recém-nasci-
Estenoses 75% 5% 20% do, geralmente, apresenta sinais de desidratação e distúrbios
metabólicos. A colocação de sonda nasogástrica, além de evi-
Oassificação segundo Gray e Skandalakis: tar a aspiração, através da salda de material bilioso, confirma
a obstrução intestinal. Cerca de 15% dos casos de obstrução
Tipo I - obstrução do lúmen do intestino delgado, devido à duodenal congênita ocorrem proximalmente ao dueto biliar e
presença de uma membrana constitulda das camadas mucosa os vômitos não são biliosos.
e submucosa. A estenose duodenal pode passar despercebida para os pais e
Tipo 11 - presença de uma fenda separando o intestino del- para os médicos, até uma fase tardia da infância. Alguns casos
gado em porções proximal e distai, unidas entre si por um li- de estenose duodenal não são reconhecidos até a vida adulta,
gamento fibroso curto. e essa estenose é diagnosticada devido às complicações tardias,
Tipo llla - o defeito atinge também o mesentério com au- tais como megaduodeno, alterações de motilldade, refluxo duo-
sência de tecido de conexão entre os fundos cegos dos segmen- denogástrico, gastrite, úlcera péptica, refluxo gastresofágico,
tos do intestino. cisto de colédoco, colelitfase e colicistite.
Tipo lllb - atresia do delgado proximal e ausência de artéria O diagnóstico de obstrução duodenal pode ser confirmado
mesentérica superior distai. O intestino delgado distai ao seg- por raios X simples de abdome, em pé, revelando o sinal clássico
mento atrésico assume uma forma em espiral e recebe o supri- de dupla bolha da obstrução duodenal. Se não se identificar a
mento sanguíneo da artéria ileocólica e cólica direita inferior. presença de g;is abaixo do ligamento de Treitz. provavelmente
Tipo IV - atresias múltiplas do intestino delgado. o diagnóstico será de atresia duodenal. Em alguns casos, é pos-
sível constatar, em raios X simples de abdome, sinal evidente
• Etiologia de calcificações, que sugerem associação com perfuração duo-
denal intrauterina.
A etiologia da atresia e da estenose do duodeno e do jejuno, Os primeiros sintomas no recém-nascido são vômito bilio-
secularmente aceita como falha na recanalização do lúmen in- so e distensão abdominal progressiva e ausência ou retardo na
testinal, a partir de seu estágio inicial de cordão sólido, levando eliminação do mecônio, geralmente manifestados nas primei-
a anomalias intrínsecas, incluindo a atresia (em fundo cego), ras 24 h de vida. Porém, em 20% dos casos, esta manifestação
a estenose (estreitamento), ou a formação de uma membrana poderá se desenvolver no 2° ou 3" dia de vida. Em casos de
mucosa, é, atualmente, de validade discutível. diagnóstico mais tardio, o recém-nascido poderá apresentar
Para o duodeno proximal, que é derivado do foregut, a etio- desidratação, hiperbílirrubinemia não conjugada e pneumonia
logia dessas anomalias não estão, ainda, bem esclarecidas. Para aspirativa. A distensão abdominal é observada em cerca de 78%
o duodeno distai, jejuno e !leo, todos oriundos do midgut, a dos casos das atresias jejunais e em 98% das atresias ileais. O
etiologia dessas anomalias seria consequência de acidentes grau de distensão abdominal é determinado pelo nfvel da obs-
vasculares na vida intrauterina, proposta por vários autores trução: quanto mais baixo o nível da obstrução, mais pronun-
nas últimas quatro décadas. ciada e difusa será a distensão. Nos casos de diagnóstico tardio,
ou na presença de perfuração intestinal, a distensão abdominal
pode ser muito mais intensa, comprometendo a respiração do
• Diagnóstico pré-natal recém-nascido.
O diagnóstico pré-natal das malformações digestivas pode O diagnóstico de atresia jejunoi/eal é confirmado por raios X
ser realizado por meio do ultrassom gestacional (USG). Existem simples do abdome, com sinais de obstrução intestinal em cerca
alguns marcadores indiretos dos tipos de malformação digesti- de 95% dos casos. O diagnóstico de atresia jejunoileal é baseado
252 Capftulo 27 I Anomalias Cong lnltas de Intestino Delgado e Grosso

na interrupção da progressão sequencial do ar nas alças intes-


tinais, já na 3' hora de vida, e a presença de alças distendidas
• AGENESIA DE CÓLON
imediatamente proximal à atresia jejunoileal. Na atresia jejunal,
nota-se diminuição da distribuição gasosa e a presença de nível • Conceito
liquido em alças do intestino delgado. Se o local da obstrução Agenesia é a ausência total de formação de um órgão. A age-
intestinal é completamente preenchido com fluido, o nível lí- nesia de retossigmoide é a única agenesia do trato gastrintestinal
quido pode ser discreto ou ausente, e só se tomará evidente após descrita no homem compatível com a vida. ~ rara, ocorrendo
descompressão intestinal com sonda nasogástrica. em 1/50.000 gestações. O sexo masculino é o mais acometido,
O enema opaco pode ser realizado com o objetivo de veri- na frequência de 2 a 3/ l.
ficar o calibre do cólon, excluir presença de atresia colônica e, A agenesia de cólon está sempre associada à anormalidade
também, para localizar a posição do ceco como um indicador caudal (sirenomelia), estando o trato urinário inferior também
de defeito de rotação. ausente.
O quadro clínico de estenose jejunoileal dependerá do nível
e do grau da estenose, e o diagnóstico poderá ser retardado por
muitas semanas ou até anos após o nascimento. Casos de este- • Etiologia
nose acentuada desenvolvem quadro semelhante ao da atresia,
porém aqueles com este nos e moderada evoluem com episódios Através de mecanismo não totalmente esclarecido, a por-
intermitentes de quadros suboclusivos, com dor abdominal, ção do trato gastrintestinal irrigada pela artéria mesentérica
vômitos biliosos e dificuldade no crescimento. inferior não se desenvolve, e o cólon descendente termina em
O diagnóstico de estenose será feito se esta possibilidade fundo cego.
for aventada e meticulosamente investigada, através de estudo
radiológico contrastado que revelará a área estenótica. • Diagnóstico
A agenesia de cólon está sempre associada a outras malfor-
• Condições associadas mações graves, levando a prognóstico letal.
As obstruções duodenais congênitas são acompanhadas de
uma ou mais anomalias em cerca de 38% dos casos. Têm sido
descritas as atresias e estenoses duodenais associadas à smdro- • Tratamento
me de Down (30-69%), doença cardíaca congênita (35%), atre- Há o relato de apenas uma criança tratada cirurgicamente,
sia esofágica (8%), pâncreas anular (35%), ânus imperfurado com defeitos típicos de sirenomelia, em que o sistema genitu-
(6%), má formações renais (5%), atresia biliar (2%), duplica- rinário estava presente, mas funcionalmente deficiente devido
ção jejunal (1%), má rotações (36%), veia porta anteriorizada a inervação inadequada.
(4%), como também fistula retovesical, obstrução da junção
ureteropélvica, genitália amblgua, sindactilia, s!ndrome de Cor-
nélia de Lange (2%), anomalias vertebrais (2%) e slndrome de
VACfERL (4%). • ATRESIA EESTENOSE DE CÓLON
Em 5 a 12% dos casos de atresia jejunoileais, há associação
com peritonite meconial. • Conceito
Atresia e estenose de cólon são malformações congênítas
• Tratamento do desenvolvimento deste órgão que levam à oclusão total ou
parcial do lúmem do intestino grosso, podendo atingir múlti-
Embora a atresia duodenal seja uma emergência, o paciente plas áreas ou uma única área.
deverá ser estabilizado hidroeletroliticamente e a operação será
eletiva. A passagem de sonda nasogástrica é importante para
descomprimir o estômago e afastar atresia esofágica. Deve-se • Frequência
iniciar a administração de nutrição parenteral e, a seguir, afastar
as anomalias congênitas associadas mais comuns. As atresias de cólon são mais raras do que as de delgado, mas
A operação de escolha é a ressecção da parte atrésica termi- são 10 vezes mais comuns do que as estenoses colônicas.
nal com anastomose terminoterminal. ~ importante a identi-
ficação da local ização da papila de Vater, e a compressão com
cuidado da veslcula, para se afastar a atresia biliar concomitante.
• Classificação
Se houver presença de pâncreas anular, o tecido pancreático não As atresias de cólon podem ser classificadas em quatro tipos,
deve ser dividido, para se evitar a formação de 6stula. à semelhança das atresias de delgado:
Nos casos de membranas duodenais, mais recentemente vem Tipo I - oclusão por membrana de espessura variável.
sendo usada a ablação endoscópica com laser. Tipo li - dois fundos cegos conectados por um cordão só-
As atresias jejunais e ileais também são corrigidas cirurgi-
lido.
camente com a realização de ressecção da wna atrésica e anas-
Tipo lli - dois fundos cegos separados, e conexão mesen-
tomose terminoterminal. térica descontínua.
A sobrevida dos pacientes após cirurgia das atresias duode-
Tipo N - atresias múltiplas.
nal, jejunal e ileal é de aproximadamente 90% e depende das
anomalias associadas. Alguns casos complicam com septicemia As atresias tipo I são mais comuns em cólon descendente e
e falência hepática secundária e com a NPP, particularmente sigmoide; as tipo li, em cólon ascendente associadas a vólvulo
aqueles casos associados à s!ndrome do intestino encurtado. de cólon direito; e as tipo N são extremamente raras.
Capftulo 27 I Anomalias Cong~nitas de Intestino Delgado e Grosso 253
colostomia proximal ou ileostomia. A reconstrução do trân-
• Etiologia sito intestinal poderá ser efetuada após o segundo semestre
Durante muito tempo, acreditou-se que as atresias ocorriam de vida. A desproporção entre os segmentos proximal e distai
por falta de recanalização do intestino primitivo, entretanto pode ocorrer, mas não acomete o funcionamento do segmen-
hoje essa hipótese foi substituída pela teoria da interrupção to distai.
vascular, que pode ser comprovada através das seguintes obser- A introdução da dieta com água e glicose poderá ser iniciada
vações: o intestino do embrião não é sólido, a presença de lanu- após cinco dias da cirurgia, a fim de se estimular o peristaltis-
go e pigmento biliar no segmento pós-atresia comprova que mo e se verificar a possibilidade de introdução de alimentação
esse intestino foi pérvio em algum momento da vida embrioná- líquida. Essa dieta deve, a princípio, ser isenta de lactose ou,
ria e, finalmente, porque a ligação experimental da vasculariza- preferencialmente, do tipo elementar, com aumento lento e
ção mesentérica em fetos de animais leva à atresia intestinaL gradual do volume até a alta hospitalar.
As melhoras tecnológicas que permitem diagnóstico e tra-
tamento adequados além do suporte nutricional, ventilatório e
• Diagnóstico pré-natal de controle de infecção têm permitido maior sobrevida destas
O diagnóstico de atresia de cólon no período pré-natal é crianças, com grande diminuição da mortalidade, sendo tanto
muito difícil pelo USG. O poli-hidrâmnio costuma ser mode- melhor o prognóstico quanto mais baixo o acometimento do
rado, pois a absorção do líquido amniótico ocorre suficiente- órgão. Apesar da baixa mortalidade relacionada com a atresia
mente no delgado. e estenose de cólon, deve-se estar atento para as malformações
associadas que podem complicar o prognóstico.

• Diagnóstico
Ao nascimento, a criança pode apresentar grau variável de
• ATRESIA DE RETO EÂNUS
distensão abdominal, com falência na eliminação de mecônio
e desconforto respiratório variável com o grau de distensão • Conceito
abdominal. As anomalias do reto e ânus ocorrem devido à falência da
Raios X simples de abdome na atresia colônica mostram dis- separação do reto e do sistema urogenital ou à falência da rup-
tensão gasosa das alças intestinais, sendo tanto maior a quanti- tura da membrana anal durante a fase de desenvolvimento do
dade de alças distendidas e número de níveis hidroaéreos ob- embrião. Essas anomalias em geral incluem conexões fistulosas
servados, quanto mais baixa a obstrução. Segundo Maksoud, entre o reto e o sistema urogenital. O ânus pode ser imperfura-
o diagnóstico pode ser feito exclusivamente através de raios X do, estenótico ou de localização anômala. As anomalias anor-
simples de abdome, reservando-se o enema opaco para casos retais podem interferir com a continência, e/ou a eliminação
especiais de dúvida diagnóstica com megacólon agangliônico fecal, ou ainda comprometer a integridade do trato urinário e
ou íleo meconial. genital. As anomalias que interferem com a passagem de fezes
Na estenose do cólon, por caracterizar uma síndrome semi- constituem emergência do período neonatal. Suspeita-se das
obstrutiva dependente do diâmetro de abertura da estenose, os outras anomalias pelos distúrbios anatômicos perineais ou pela
raios X simples de abdome demonstram níveis hidroaéreos e o passagem de material fecal através de uretra ou vagina.
enema opaco, alças estenosadas, com distensão das alças a mon-
tante. A colonoscopia pode ser útil no diagnóstico.
O diagnóstico diferencial deve ser realizado com doença de • Etiologia
Hirschsprung, síndrome do mecônio espesso, íleo meconial, A atresia anorretal alta resulta da falha na separação da por-
ou qualquer outra slndrome obstrutiva. ção cloacal do intestino primitivo em seio urogenital e reto.
A atresia anorretal baixa resulta da separação incompleta
da parte inferior do seio urogenital do reto, ou da falência da
• Condições associadas ruptura da membrana anal.
Algumas síndromes genéticas especificas, como a sirenome- As atresias anorretais ocorrem na incidência de 1/5.000 nas-
lia e atresias intestinais múltiplas, têm a atresia de cólon como cidos vivos, com predominância do sexo masculino, em uma
parte integrante. relação de 3/l. A maioria dos casos são esporádicos e, apesar de
A associação com defeitos de parede, vólvulo, má rotação e não haver descrição de hereditariedade, existe recorrência em
anormalidades vasculares ocorre em 1/3 dos pacientes, pois são algumas famílias. A presença de anomalias anorretais é comum
estas, muitas veze.s, as causas primárias das atresias. em inúmeras slndromes genéticas, e dois fatores são reconhe-
cidamente teratogênicos para essas anomalias, a talidornida e
o diabetes matemo.
• Tratamento
O tratamento das atresias e das estenoses é cirúrgico. Os • Classificação
cuidados pré-operatórios incluem a descompressão abdominal
através de sonda nasogástrica aberta, termorregulação, correção As atresias anorretais têm anatomia bastante variada e são
classificadas de acordo com o nível da atresia, e em subgrupos
dos distúrbios hidreletrolíticos e antibioticoterapia, se houver
dependendo da presença ou ausência de fistulas:
sinais de infecção. O uso de nutrição parenteral está indicado,
uma vez que a criança deverá permanecer em jejum por tempo • Altas - a atresia ocorre acima do músculo elevador do
prolongado após a cirurgia. ânus e pode apresentar-se sem fistula ou com fístula re-
O tratamento cirúrgico constitui-se na ressecção do segmen- touretral (mais comum em menino), retovaginal, reto-
to atrésico ou estenosado, com sepultamento do coto distai e vesical ou retocloacaL
254 Capftulo 27 I Anomalias Cong lnltas de Intestino Delgado e Grosso

• Intermediárias- o reto termina com o músculo puborre-


tal, sem f!stula ou com fistula retouretral (mais frequente
• Frequência
em menino), retovestibular ou retovaginal. A s duplicações do delgado são mais encontradas no íleo
• Baixas- a atresia ocorre abaixo do músculo puborretal, (30,596 dos casos) do que no jejuno (1396) e duodeno (4,396).
sem fistula ou com fistula perineal, anovulvar ou ano- As duplicações múltiplas do delgado ocorrem em 15 a 2096
vestibular. dos casos.

• Diagnóstico pré-natal • Classificação


O diagnóstico, quando posslvel, é sempre tardio, na 34• se- Podem ser classificadas em dois tipos (Ver Figura 27.2):
mana. A dilatação do cólon é situação pouco frequente. I) Duplicações císticas fechadas, mais comuns: não se comu-
nicam com o intestino e são de menor comprimento.
• Diagnóstico 2) Duplicações tubulares: comunicam-se com o lúmen in-
testinal através de uma ou duas bocas, geralmente não
A simples inspeção do per(neo permite detectar atresias ultrapassam 20 em, embora eventualmente possam aco-
anorretais; entretanto, detalhes dos defeitos anatômicos re- meter longos segmentos.
querem estudos cHnicos e radiológicos posteriores. Os achados
perineais incluem ausência de ânus, localização anômala do A mucosa gástrica está presente em I Oa 20% das duplica-
ânus e fistulas. Em muitos casos, a genitália externa também é ções do delgado.
malformada. O exame perineal pode dar evidências da presença
de inervação do esf!ncter retoanal. O estímulo da contração da • Etiologia
musculatura períneal seguida de uma contração na área anal
pode indicar esf!ncter intacto. A contração do músculo elevador A etiologia da duplicação não está esdarecida.
do ânus tende a empurrar o ponto anal para a frente, a con-
tração do esfincter externo causa uma retração puntiforme do • Diagnóstico pré-natal
ponto anal. A aparência externa perineal pode, em um pequeno O USG só detecta as duplicações cfsticas aparecendo como
grupo de crianças com atresia anorretal, simular normalidade, imagens arredondadas, hipoecogênicas, mudando de forma
requerendo exame clinico minucioso para a detecção da ausên- nos exames sucessivos.
cia orificial em depressão cutânea no local do ânus.
Raios X com a criança em posição invertida (invertograma)
dão a distância entre o fundo de saco reta! e a marca anal, atra- • Diagnóstico
vés do contraste pelo ar. Quando esta distância é inferior a I em Os sintomas clinicas podem ser muito variáveis e dependem
(malformação baixa), a correção perineal é posslvel da localização da duplicação, do seu tipo (cistico ou tubular),
e das estruturas adjacentes, estando os sintomas geralmente
• Condições associadas presentes no primeiro ano de vida, ou, mais raramente, com o
advento de complicações, na adolescência ou adultfcia.
As anomalias anorretais podem ocorrer associadas a algu- As duplicações dsticas aumentam progressivamente de ta-
mas malformações urogenitais, esqueléticas, gastrintestinais, manho à medida que ocorre a produção de muco no interior de
cardiovasculares, de parede abdominal, palato fendido, me- seu lúmen, e podem se apresentar com sintomas de obstrução
ningornielocele e outras. intestinal, devido à compressão sobre o intestino adjacente,
ou com sintomas secundários à ulceração péptica da mucosa
• Tratamento ectópica. Algumas duplicações cisticas intramurais podem ser
responsáveis por ocorrência de intussuscepção. Outras dupli-
O tratamento das malformações é cirúrgico, sendo a opção cações cisticas pequenas são identificadas acidentalmente du-
cirúrgica definida pela presença ou ausência de fistulas e pelo rante uma cirurgia eletiva ou necropsia.
sexo do recém-nascido. As duplicações tubulares são longas e podem se comunicar
A cirurgia pode ser realizada em um único tempo nas mal- com o lúmen do intestino adjacente na sua porção distai, pro-
formações baixas, ou em vários tempos nas malformações in- ximal ou ambas. A duplicação comunicante pode ser assinto-
termediárias e altas, com colostomia no primeiro tempo e, a mática, porém pode apresentar sinais cl!nicos de obstrução
seguir, correções das llstulas, malformações perineais e genitais intestinal, hemorragia, perfuração e, mais raramente, intus-
até reconstrução do trânsito intestinal em uma última etapa. suscepção.
O diagnóstico poderá ser feito com o auxflio do ultrassom
de abdome com bons resultados, sendo alguns casos diagnosti-
• DUPLICAÇAO DO INTESTINO DELGADO cados no período pré-natal. Outros estudos rad iológicos como
raios X simples de abdome, enema opaco e trânsito intestinal
podem ser importantes para o diagnóstico diferencial com vól-
• Conceito vulo, atresia, estenose e outras obstruções congênitas dos in-
A duplicação dos intestinos delgado e grosso é um desdo- testinos delgado e grosso.
bramento do intestino em determinado segmento do tubo di-
gestório e, morfologicamente, se caracteriza por estar sempre
na borda mesenterial do intestino. Apresenta camada muscular
• Condições associadas
bem desenvolvida e a camada epitelial semelhante ao epitélio Podem ocorrer associações com defeitos vertebrais, como
de alguma parte do trato alimentar. duplicação da coluna vertebral e espinha blfida. Outras associa-
Capftulo27 I Anomalias Cong~nitas de Intestino Delgado e Grosso 255

ções incluem: retardamento mental, meningomielocele, pulmão


direito bilobar, divertículo de Meckel e duplicidade genital e
• Frequência
do trato urinário. As duplicações de intestino grosso correspondem de 16 a
30% das duplicações intestinais.
• Tratamento
O tratamento da duplicação sintomática do intestino del-
• Classificação
gado consiste na ressecção da duplicação, o que nem sempre é As duplicações podem ser não comunicantes ou comuni-
possível, dependendo de o suprimento sanguíneo ser comum cantes com o lúmen intestinal, conforme Figura 27.2.
ou não ao intestino adjacente. As duplicações não comunicantes formam cistos, cujas pa-
redes contêm todas as camadas habit uais do intestino (Figura
27.2A), e ocorrem três vezes mais frequentemente do que as
• DUPLICAÇÃO DO CÓLON comunicantes.
As duplicações comunicantes podem se constituir de dupli-
cações tubulares que se localizam de forma adjacente ao com-
• Conceito primento do segmento intestinal ou se estendem ao longo do
As duplicações do cólon, que podem ser comunicantes ou seu comprimento (Figura 27.2B e C), ou ainda por septos que
não, seguem os mesmos padrões estruturais e variações daque- dividem o cólon em todo o seu comprimento ou em um seg-
las descritas para o intestino delgado. mento localizado (Figura 27.20 e E).

• Etiologia • Diagnóstico
Os mecanismos patogênicos que levam à duplicação intes- A duplicação colônica atinge principalmente ceco (52%),
tinal ainda são bastante discutidos em literatura. A duplicação seguindo-se sigmoide (28%), transverso e descendente (8% cada
ocorreria na fase inicial do desenvolvimento do tudo gastrintes- um) e ascendente (4%), com igual predileção entre os sexos.
tinal, quando então o intestino primitivo se dividiria em duas Embora 10% das duplicações possam permanecer assinto-
parte.s. Esse fato é reforçado pela coincidência de duplicação máticas por toda a vida e se constituir apenas de achados ocasio-
de ureter e bexiga nestes pacientes. nais, quando sintomáticas 25% delas se manifestam no primeiro

A - Duplicação crstica B - Duplicação tubular adjacente ao c - Duplicação tu bular ao longo do


intestino, comunicação distai comprimento proximal

O - Duplicação por septo,


comunicação dupla

E - Duplicação por septo estendendo-se


por todo o cólon

Figura 27.2 Configuração esquemática dos vários tipos de duplicação de intestino grosso (equivale, também, ao delgado).
256 Capitulo 27 I Anomalias Conglnitas de Intestino Delgado e Grosso

mês de vida, 50% até os seis meses de idade e praticamente 90% de ãnus bipartido ou acessório, podendo o diagnóstico ser sus-
terão se mostrado sintomáticas aos dois anos de idade. peitado pelo simples exame clinico do períneo. O enema opaco
A$ duplicações do cólon, além de serem heterogêneas na sua demonstra duplicação quando há comunicação distai, mas não
forma de apresentação, podem ocorrer em qualquer segmento contrasta aquelas duplicações com hóstio prox:imal, que poderá,
colOnico associadas a fistulas ou não, portanto a sintomatolo- no entanto, ser detectado pelo trânsito intestinal.
gia vai depender da sua forma de apresentação, localização e
presença de flstulas.
Duplicações não comunicantes podem ser assintomáticas
• Tratamento
ou se apresentar com aumento de volume abdominal e massa Passarg e Stevenson acreditam que, muito embora as dupli-
palpável, uma vez que a mucosa do segmento é funcionante e há cações possam ser e permanecer assintomáticas, e o diagnóstico
acúmulo de secreções intestinais que não podem ser drenadas ocorrer de modo ocasional, a ressecção cirúrgica está indicada,
por falta de comunicação. Se o volume do segmento intestinal devido ao risco de quadro de abdome agudo grave, como perfu-
duplicado for grande, pode haver fenômeno compressivo e obs- ração, vólvulo, sangramento e invaginação. Dois procedimentos
trutivo. O ultrassom de abdome neste caso mostra a presença podem ser adotados: ressecção do septo, se não há evidências de
de massa clstica, correspondente ao segmento duplicado não obstrução; ou ressecção da duplicação e do intestino adjacente
comunicante. a partir da inserção no mesentério.
Duplicações comunicantes tubulares adjacentes ao lúmen O prognóstico é bom, devendo-se estar atento às anomalias
(Figura 27.2B) permitem bom esvaziamento do conteúdo se- associadas, à correção e manutenção do equih'brio hidreletroUti-
cretado e menor possibilidade de sintomatologia. Entretanto, co e nutricional. Grandes ressecções devem ser evitadas devido
segmentos tubulares maiores que correm de forma adjacente ao risco de slndrome do intestino encurtado.
ao comprimento do cólon (Figura 27.2C) permitem acúmulo
de secreções e entrada de material fecal, com menor possibili-
dade de drenagem, levando mais facilmente à sintomatologia • DESORDEM DE DESENVOLVIMENTO
obstrutiva, com massa palpável na região acometida e risco de
perfuração. O oriflcio de entrada desse segundo segmento fa- DO SISTEMA NERVOSO ENT~RICO
vorece a ocorrência de invaginações e sangramento.
Duplicações comunicantes com septo vão apresentar sin- Estão incluídas neste item três condições: a) displasia neuro-
tomatologia condicionadas à permeabilidade dos lumens (Fi- nal intestinal; b) parada de maturação dos plexos mioentéricos;
gura 27.2D e E). Se ambos forem pérvios, a possibilidade de e c) doença de Hirschsprung.
fenômeno obstrutivo é rara; no entanto, se um dos lumens As duas primeiras condições são responsáveis por quadro
terminar em fundo cego, a impactação de fezes ocorre, levando clinico semelhante ao da slndrome de pseudo-obstrução intes-
a aumento de volume abdominal, massa palpável correspon- tinal crônica e serão descritas juntas.
dente ao segmento, e processo subodusivo que pode evoluir
para oclusão. • Pseudo-obstrução intestinal crônica
Duplicações que se comunicam com uretra, bexiga ou vagina
levam à eliminação de material fecal por essas estruturas. Du- • Conceito
plicações podem se comunicar com o perlneo por intermédio :B uma síndrome caracterizada por episódios recorrentes
de manifestações clinicas sugerindo obstrução intestinal, na
ausência de oclusão mecânica do intestino.

• Etiologia e dassificação
A pseudo-obstrução intestinal crônica pode ocorrer como
uma doença primária ou como manifestação secundária de ou-
tra doença (p. ex., hipotireoidismo, escleroderrnia).
As formas primárias são congênitas e, sob ponto de vista
histológico, podem corresponder a uma miopatia visceral ou
a uma neuropatia visceral.
Na displasia neuronal intestinal, observa-se um defeito de
desenvolvimento caracterizado por hiperplasia dos plexos ner-
vosos entéricos e uma anormal distribuição de elementos neu -
rais. Na parada de maturação dos plexos mioentéricos, estes
podem se apresentar com número reduzido de neurônios, ou
com número aparentemente normal, mas com alterações ul-
traestruturais.
Em ambas as situações, a alteração funcional é a mesma,
induzindo um movimento propulsivo ineficiente e incapaz de
fazer o fluido intestinal progredir distalmente.
Na minoria dos casos, são de caráter hereditário (autossOmi-
co recessivo ou dominante), mas frequentemente representam
casos esporádicos.

• Diagnóstico
Figura 27.3 Enema opaco de criança com duplicaç3o de sigmoide Os pacientes apresentam quadro clinico variado. Em alguns
com comunicaçao distai. pacientes, a apresentação é leve, com sintomas de desconforto,
Capftulo 27 1 Anomalias Conglnltas de Intestino Delgado e Grosso 257

distensão abdominal e hábito intestinal irregular, com longos Há estudos experimentais em cobaias portadoras de pseudo-
períodos de constipação intestinal, intercalados por diarreia. Po- obstrução intestinal utilizando marca-passo elétrico colocado no
rem. há pacientes com sintomas e sinais graves, representados estômago e intestino, com o objetivo de estudar a indução da mo-
por vômitos de repetição, dilatação de alças intestinais e impos- tilidade digestiva e sua possfvel aplicação futura nos pacientes.
sibilidade em tolerar alimentos VO. O inicio dos sintomas, geral- Nos casos em que o acometimento é restrito ao cólon, a
mente distensão abdominal, ocorre desde o nascimento. Os sin- colectomia total pode ser realizada, com cura total. Nos casos
tomas podem melhorar com o aumento da idade do paciente. de pseudo-obstrução intestinal acometendo todo o delgado, e
O exame inicial consiste em raios X simples e contrastados irresponsivos ao tratamento, indica-se transplante intestinal.
do intestino delgado e grosso, que poderão revelar dilatação Lembrar que o comprometimento de outros órgãos como fi.
intestinal segmentar ou generalizada. gado cirrótico por NPP por tempo prolongado, gastroparesia,
Se o estudo radiológico não for esclarecedor, há necessidade principalmente em crianças com gastrostomia por longo tem-
de se realizarem estudos manométricos e biopsias para averi- po, e acesso venoso limitado por longos anos de NPP podem
guação histológica dos plexos neuronais. Dentro dos recur- inviabilizar o processo de transplante.
sos disponíveis, a manometria antroduodenal poderá mostrar
alterações sugestivas do processo, assim como a manometria • Complicações
anorretal. O estudo histológico de mucosa (obtida por biopsia As crianças com pseudo-obstrução intestinal podem de-
e.ndoscópica ou pinças de sucção) e de peças drúrgicas é im- senvolver vólvulo e, às vezes, necessitam de correção cirúrgica
portante para a determinação do tipo de desordem neuronal de urgência.
ou glial do caso em estudo, através de colorações especificas e
por imuno-histoqulmica.
• Megacólon aganglionar
• Condições associadas • Conceito
Anormalidades do trato urinário, em particular bexiga neu- O megacólon aganglionar, também conhecido como me-
rogênica, podem estar associadas a pseudo-obstrução intes- gacólon congênito ou doença de Hirschsprung. é uma doença
tinal. congênita que se caracteriza por suboclusão intestinal crôni-
ca primária, que ocorre por ausência congênita dos gânglios
• Tratamento parassimpáticos mioentéricos de Auerbach e submucosos de
Inicialmente, é importante estabelecer o tipo de distúrbio Meissner.
neuronal e a gravidade do caso para se estabelecer o esquema
terapêutico. Este visa a atender o suporte nutricional adequado • Etiologia
e a prevenir complicações. O megacólon aganglionar ocorre por interrupção da migração
As complicações mais comuns são esofagite péptica e sobre- craniocaudal dos neuroblastos da crista neural até a parede intes-
crescimento bacteriano. Este último pode ser responsável por tinal, por volta da 12• semana de vida intrauterina, ocasionando
quadro de diarreia crônica e deve ser tratado com antibióticos incoordenação peristáltica e obstrução ao trânsito intestinal.
e metronidazol em intervalos regulares, além de oferecer dieta Estudos recentes demonstram a existência de três genes res-
hipofermentativa. Anorexia, náuseas e vômito são frequentes e ponsáveis pela doença, e 10% dos casos tem caracterlsticas he-
impedem aporte nutricional adequado. Cerca de 50% dos casos reditárias e o restante se apresenta na forma de mutação livre.
em crianças se beneficiam com a dieta oferecida por gastros- Estudos genéticos têm demonstrado casos familiares com gene
tomia e com infusão lenta de fórmulas elementares e semiele- autossômico dominante de penetração incompleta para a forma
mentares, embora a oferta em bolo também seja posslvel em total e gene recessivo de baixa penetrãncia na forma clássica.
alguns casos. Se houver comprometimento intenso do estôma-
go, a sonda poderá ser colocada no jejuno. Estes estornas são • Classificação
úteis para a descompressão quando a distensão abdominal se De acordo com o comprimento e localização do segmento
tornar exagerada. aganglionar, a doença pode ser classificada em quatro formas
Nutrição parenteral muitas vezes é requerida para a ma- diferentes:
nutenção do estado nutricional, entretanto uma dieta enteral
mínima deve ser mantida. Lembrar que a morbidade e mor- • Longa ou clássica - o segmento aganglionar se estende
talidade relacionadas com a nutrição parenteral são elevadas. do reto até o sigmoide.
Os distúrbios metabólicos mais comuns são hipopotassemia e • Total- o segmento aganglionar se estende por todo o có-
hipocalcemia. ~frequente os pacientes desenvolverem desnu- lon, podendo também o íleo terminal ser aganglionar.
trição proteico-calórica e hipovitaminose B12• • Curta - a aganglionose está restrita à porção distai do
Todas as drogas disponíveis atualmente no mercado para reto.
o tratamento da pseudo-obstrução intestinal crônica não são • Ultracurta - a aganglionose restringe-se ao esfincter in-
e.ficazes no controle dos sintomas cllnicos. O uso de procinéti- terno do ânus.
cos pode ser útil. Eles induzem a liberação de acetilcolina pelos
neurônios entéricos que, por sua vez, vai estimular os músculos, • Diagnóstico pré-natal
restabelecendo parcialmente o trânsito intestinal. Não pode ser feito pelo USG. A única possibilidade seria nos
Muitas novas drogas estão sob investigação, tais como ago- casos de aganglinose do colo total, o que provocaria dilatação
nistas da se roto nina, agentes antidopaminérgicos. antagonistas do delgado e poli-hidrámnio.
da colecistocinina, agonistas e antagonistas opiáceos e vários
derivados macrolideos. • Diagnóstico
Os agonistas dos receptores da serotonina são aplicados na O megacólon aganglionar ocorre em 1/5.000 nascidos vi-
pseudo-obstrução intestinal por sua ação especifica sobre o es- vos, havendo predileção para o sexo masculino na proporção
vaziamento gástrico, com destaque o Tegaserode. de 3,9/1 nos casos esporádicos.
258 Capitulo 27 1 Anomalias Conglnitas de Intestino Delgado e Grosso

O megacólon aganglionar na forma clássica é a forma mais mento normal, ganglionar, é secundária ao acúmulo de
comum da doença e ocorre em 8096 dos casos. O transverso fezes.
e o cólon direito estão acometidos em 10 a 2096 das vezes. O • A quantidade de contraste deve ser pequena, pois gran-
megacólon aganglionar total ocorre em apenas 396 dos casos, des quantidades de contraste impedem a individualização
sendo a verdadeira incidência das formas curta e ultracurta dos segmentos.
desconhecida, devido aos critérios diagnósticos não uniformes • O perfil é a melhor posição para se realizar a radiografia,
empregados pela literatura. pois permite melhor visualização do retossigmoide.
O quadro clínico é variável com o comprimento do seg- • Na presença de estudo radiológico inconclusivo no re-
mento aganglionar. cém-nascido, repetir o exame após uma ou duas sema-
A forma clássica tem manifestação no período neonatal, com nas, pois as imagens tlpicas nem sempre estão presentes
demora para eliminação de mecônio, distensão abdominal e, ao nascimento.
raramente, vômitos. A eliminação de fezes ocorre nas primeiras O enema opaco nas formas clássicas demonstra a diferença
24 h após o parto em 9496 dos recém-nascidos normais e a ter- de calibre entre a zona acometida (estreitada) e o segmento co-
mo. A ausência de eliminação de mecônio além desse tempo é Iônico ganglionar a montante (dilatado). Nas formas de agan-
altamente sugestiva de processo suboclusivo ou oclusivo nessas glionose total, o enema opaco mostra cólon de calibre uniforme
crianças. Realmente, Swenson constatou que 9496 das crianças constante e apagamento das haustrações, não se observando
acometidas com megacólon aganglionar não evacuaram nas diferenças de calibre entre os segmentos colônicos e a zona de
primeiras 24 h de vida. Entretanto, esse tempo para eliminação transição, uma vez que todo o cólon está acometido. Nas for-
do primeiro mecônio em recém-nascidos pré-termo deve ser mas curtas, o enema opaco é incaracterístico.
estendido para até 72 h sem significação patológica. Os recém- A biopsia do reto e a manometria anorretal são os métodos
nascidos em geral são bastante irritados, com baixa aceitação mais fáceis e sensíveis para o diagnóstico da doença de Hirs-
alimentar e desnutridos. A manipulação anal pode levar à eli- chsprung.
minação de mecônio pelo recém-nascido, melhorando a disten- A biopsia da parede reta! cirúrgica ou a biopsia por sucção
são abdominal que, entretanto, logo se reinstala. O padrão de com coloração pela hematoxilina/eosina e por histoquJmica p_ela
evacuações e distensão abdominal não responde ao tratamento acetilcolinesterase complementam o estudo, sendo confiávets e
clinico, com dieta ou laxantes, exceção feita aos clisteres. seguras. A biopsia cirúrgica da parede reta! tem a desvantage~
A forma total tem quadro clinico irregular e paradoxalmen- de exigir internação e anestesia geral, por se tratar de procedi-
te, em geral, é mais branda que a forma clássica, embora já es- mento cirúrgico, mas permite a obtenção de fragmento repre-
teja presente no período neonatal. A sintomatologia ~ais l~ve sentativo, contendo submucosa e muscular, o que permite, com
poderia ser explicada porque não há incoordenação penstáltica, segurança, pesquisar os plexos mioentéricos de Auerbach e os
uma vez que todo o cólon é aganglionar. Assim como na forma submucosos de Meissner. A biopsia por sucção é mais simples,
clássica, as crianças acometidas apresentam grave comprome- não requerendo internação e nem mesmo sedação, mas requer
timento ponderai patologista experiente, pois o fragmento obtido dessa forma só
As formas curta e ultracurta têm sintomatologia leve, cons- representa mucosa e submucosa, sendo somente_ po~fvel a ~es­
tituindo-se de constipação intestinal, com pouca ou nenhuma quisa de plexos de Meissner. A presença de acetilcolina deVJdo
repercussão ponderoestatural, fazendo com que o diagnóstico à hipertrofia de fibras colinérgicas pré-simpáticas que ocorre na
muitas vezes ocorra mais tardiamente. doença é demonstrada através da coloração histoqu!mica com
A enterocolite é uma complicação grave do megacólon agan- acetilcolinesterase e foi descrita pela primeira vez por Meier-
glionar, que pode ocorrer no recém_-nas~do ou mesm~ no lac- Ruge. Em criança maior de um ano, o padrão histológico clássi-
tente jovem e se caracteriza por d1arre1a profusa, fétida co~ co consiste em fibrilas nervosas acetilcolinesterase-positivas em
sangue e muco, intensa distensão abdominal e comprometi- submucosa e muscular da mucosa e clara infiltração de fibras
mento do estado geral. nervosas finas acetilcolinesterase-positivas em lãmina própria.
Perfuração do cólon ou apendicite podem ocorrer, compli- De acordo com Brito e Maksoud, no recém-nascido e até o ter-
cando a doença concomitantemente à enterocolite ou não, e ceiro mês de vida este padrão clássico não é observado. Esses
são bastante sugestivas de megacólon aganglionar. A literatura autores descrevem o padrão de recém-nascido que se caracte-
refere que toda criança abaixo de dois anos com pen:ura~o.de riza por troncos de fibras nervosas acetilcolinesterase-positiva
cólon ou apendicite, mesmo com ausência de const1paçao m- em muscular da mucosa e submucosa, mas com ausência de
testinal deve ser investigada para megacólon aganglionar. atividade para acetilcolinesterase em lãmina própria. Padrão
O toque reta! é de grande importância, pois caracteriza ret~ intermediário é encontrado entre essas idades.
vazio. A presença de fezes em ampola retal só ocorre na consti- A manometria anorretal mede a pressão do esfíncter anal
pação intestinal do tipo funcional ou na forma ultracurta. interno no momento em que um balão é distendido no reto.
Raios Xsimples de abdome são inespedficos, podendo mos- No indivíduo normal, essa pressão cai, enquanto, no paciente
trar apenas fezes impactadas. com a doença de Hirschsprung, essa pressão não cai ou, para-
O enema opaco é o exame de escolha, porque permite o doxalmente, se eleva. A acurácia diagnóstica é de 9096.
diagnóstico pela demonstração de segmento estreitado distai, A manometria anorretal está indicada principalmente na-
correspondendo ao segmento aganglionar, contrastando com queles casos de forma curta e ultracurta, para diagnóstico dife-
o segmento dilatado proximal que corresponde ao se~ento rencial com constipação intestinal funcional, pois no megacólon
ganglionar normal, além de permitir avaliação da extensao do aganglionar não ocorre resposta manométrica de relaxamento
cólon acometido. Entretanto, cuidados técnicos são essenciais do esfincter interno ao aumento de pressão reta!.
para a realização do enema opaco:
• O exame deve ser realizado sem preparo prévio, pois o • Condições associadas
preparo atenua a diferença de calibre entre o segmento O megacólon aganglionar pode ocorrer isoladamente ou as-
acometido e o normal, uma vez que a dilatação do seg- sociado a diversas s!ndromes genéticas, principalmente àquelas
Capftulo 27 I Anomalias Cong~nitas de Intestino Delgado e Grosso 259

com falência de migração das células da crista neural, como to, uma vez que, cada vez mais, se têm relatos do potencial de
adenomatose endócrina múltipla tipo 3, disautonomia fami- malignidade desses pólipos.
liar, além de frequente associação com síndrome de Down, Pólipos são tumores epiteliais que se projetam acima da mu-
macro e microcefalia, surdez, ictiose, palato fendido, braqui- cosa. São inúmeras as classificações dos pólipos intestinais utili-
dactilia e outras. zadas em literatura, mas, para o presente capítulo, utilizaremos
a classificação de Cooper, que se baseia nas características his-
• Tratamento tológicas dos pólipos, podendo, dessa forma, ser classificados
O tratamento é cirúrgico, estando indicado mesmo nos ca- em pólipos neoplásicos e não neoplásicos.
sos com evolução clínica favorável, devido ao risco de ente- Os pólipos não neoplásicos podem ser, por sua vez, subdivi-
rocolite. O uso de clister para promover alívio da distensão didos em: hamartomas, pólipos hiperplásticos e pólipos juvenis,
das alças e para preparo cirúrgico deve ser bastante cauteloso, enquanto os neoplásicos são representados por adenomas.
uma vez que o aumento de pressão na luz do cólon pode levar
à ruptura de parede, além de facilitar bacteriemia com conse-
quente septicemia.
• Hamartomas - síndrome de Peutz-Jeghers
O tratamento cirúrgico tradicional é realizado em dois tem- Hamartoma é um erro congênito do desenvolvimento tissu-
pos. No primeiro tempo, é realizada colostomia ou ileosto- lar caracterizado pela mistura anormal de tecidos indígenas e
mia, com boca única, dependendo do segmento acometido, que assume aspecto tumoral não neoplásico, primariamente,
na porção mais distai do segmento normal. A reconstrução do e pode estar presente já ao nascimento ou crescer excessiva-
trânsito em segundo tempo está indicada a partir do segundo mente no período pós-natal.
semestre de vida. Os pólipos do tipo hamartomas são formados por tecido
Se as condições clínicas da criança forem boas, assim como glandular normal, entremeado por faixas de tecido muscular
se o preparo do cólon estiver adequado e houver certeza da liso oriundo da muscular da mucosa. Das slndromes clinicas
extensão dos segmentos afetados, a cirurgia pode ser realizada que apresentam pólipos hamartomatosos, a slndrome de Peutz-
em um único tempo. Jeghers é a mais importante pela sua frequência.
A presença de enterocolite contraindica a derivação, pois
aumenta o risco de óbito por infecção, devendo-se manter trata- • Conceito
mento clínico intensivo até que as condições clínicas da criança A síndrome de Peutz-Jeghers é uma doença genética, de
permitam derivação do trânsito intestinal. caráter autossômico dominante, de penetrância variável e alta,
No paciente com aganglionose total, a reconstrução do trân- que se caracteriza por pólipos hamartomatosos em todo o trato
sito intestinal é feita com a anastomose do íleo com o reto. En- gastrintestinal e pigmentação mucocutánea (palma das mãos,
tretanto, a fim de se minimizar a diarreia consequente à perda planta dos pés e mucosa oral).
do cólon, pode-se proceder à anastomose longitudinal do íleo
terminal com a porção aganglionar do retossigmoide. Tal pro- • Diagnóstico
cedimento não compromete a motilidade intestinal e permite A pigmentação anômala nos lábios em geral aparece na in-
a absorção de água através da mucosa colônica. fância, e a pigmentação da mucosa da boca está presente em
A anorretomiectomia está indicada para as formas curtas 80% dos portadores desta síndrome, precedendo as lesões cutâ-
de megacólon agangliônico, mas o sucesso terapêutico nestes neas, que são encontradas em menos de 5% dos pacientes.
casos é bastante discutível. Os sintomas digestivos podem ocorrer desde a idade escolar,
Após a reconstrução do trânsito intestinal, é comum a in- porém a grande maioria dos pacientes inicia os sintomas por
continência fecal, que em geral regride com o treinamento es- volta dos 30 anos de idade, com dor abdominal, sangramento
fincteriano. Porém a incontinência fecal pode ocorrer de forma digestivo, oculto ou não, e obstrução intestinal por intussus-
permanente e está em geral relacionada com traumatismos por cepção. A hemorragia oculta a partir da ulceração dos pólipos
ocasião da reconstrução do trânsito intestinal. A intolerância é responsável pela anemia ferropriva dos pacientes.
à lactose é comum nesses pacientes após a reconstrução do O trânsito intestinal e o enema opaco demonstram a presen-
trânsito, estando então indicadas, nestes casos, dietas isentas ça de pólipos em intestino delgado e cólons, respectivamente.
de lactose. O estudo endoscópico do tubo digestivo, alto e baixo, confirma
No momento atual, o tratamento cirúrgico evoluiu muito a presença dos pólipos nesta região, não alcançando o delgado
com a introdução da cirurgia laparoscópica, nos centros que médio. Permite a coleta de pólipos para exame histológico que
dispõem desse recurso. Dessa forma, os passos iniciais e poste- confirma o diagnóstico.
riores se modificaram, assim como a indicação de colostomia A associação com tumores de pulmão, ovário, mama e úte-
descompressiva, em favor de cirurgia definitiva em tempo pre- ro ocorre em idade mais jovem em relação à população geral.
coce e com menos complicações. Muitos autores têm preferi- Embora tenha sido considerada como de baixo risco de malig-
do e obtido melhores resultados com a cirurgia videolaparos- nização, desde 1969 são relatados casos em literatura de câncer
cópica transanal, que consiste no abaixamento transanal com gástrico, de duodeno e cólon em pacientes com slndrome de
mucossectomia. Esfincterectomia parcial do esfincter interno Peutz-Jeghers.
é importante no resultado final. Neste último decênio, foi introduzido o método de colonos-
copia virtual por tomografia computorizada. Esse exame permite
detectar pólipos com dimensões iguais ou superiores a 1 em, não
• POLIPOSES INTESTINAIS requer sedação e é de curta duração (15 min), e futuramente sua
difusão facilitará o diagnóstico das poliposes colônicas.
Embora os pólipos intestinais não estejam presentes ao nas-
cimento na grande maioria dos casos, algumas condições serão • Tratamento
discutidas neste capítulo devido às características hereditárias, Se não houver complicações decorrentes dos pólipos, como
às vezes presentes, e à sua importância quanto ao seguimen- sangramento incontrolável clinicamente ou intussuscepção,
260 Capftulo 27 I Anomalias Congénitas de Intestino Delgado e Grosso

o tratamento é conservador, com seguimento adequado para fase de Jactente até a idade adulta, entretanto apenas 15% dos
detecção precoce de transformação maligna. pacientes têm diagnóstico realizado acima dos 18 anos. Existe
A resse<:ção endoscópica seriada está indicada, porém a gran- discreta predileção pelo sexo masculino, em uma frequência
de quantidade de pólipos pode tomar o procedimento imprati- de 1,4 a 2/1. Apesar de acometer principalmente a raça branca,
cável. A ressecção de segmentos do trato gastrintestinal estaria dois casos foram descritos na raça negra. Na experiência das
condicionada às situações em que houvesse comprometimento autoras, foi verificado polipose juvenil coiônica em uma meni-
da viabilidade da alça, mas, sempre de modo racional, a fim de na de cor parda. O quadro clínico é variável, podendo ocorrer
se evitar síndrome do intestino encurtado. anemia crônica ferropriva, edema e hipoalbuminernia por en-
O prognóstico é bom, porém controles rígidos para detecção teropatia perdedora de proteína, sangramento digestivo alto ou
precoce de transformação maligna dos hamartomas são neces- baixo e intussuscepção. São descritas associações com fistulas
sários, assim também como dos outros tumores que podem arteriovenosas em cérebro, pulmões e fígado em aproximada-
estar associados à própria sindrome. mente 15% dos casos, telangiectasias hemorrágicas múltiplas
de trato gastrintestinal e osteoartropatia hipertrófica. O trân-
sito intestinal e o enema opaco demonstram a presença de pó-
• Pólipo juvenil e polipose juvenil lipos, que também podem ser observados e ressecados através
• Conceito da colonoscopia e endoscopia digestiva alta. O diagnóstico de
O pólipo juvenil ou pólipo inflamatório é constituído por certeza também aqui só será possível pela histologia. Ultras-
dilatações císticas das glândulas, circundadas por edema e in- som de abdome, raios X de ossos longos e tórax e tomografia
filtrado inflamatório, com presença frequente de superfície ul- computadorizada de tórax são indicados para investigação das
cerada e formação de tecido de granulação. anomalias associadas.
O pólipo juvenil pode ser único e ocorrer isoladamente no
cólon, caracterizando o pólipo juvenil solitário ou múltiplo (po- • Tratamento
lipose), acometendo todo o cólon na polipose juvenil co/6nica e O tratamento deve ser conservador, com ressecção endos-
ainda comprometendo todo o trato gastrintestinal na polipose cópica sempre que possível. A ressecção cirúrgica do cólon ou
juvenil generalizada. segmentos de delgado está indicada para os casos de sangra-
A conceituação de polipose também é de extrema impor- menta e perda proteica incontroláveis clinicamente, devendo-se
tância. Os pólipos juvenis sempre foram considerados lesões ter em mente os riscos da sindrome do intestino encurtado em
benignas quanto ao risco de neoplasias; porém, em 1974, Sa- ressecções amplas. Devido ao risco aumentado de neoplasias, o
chatello et ai. chamaram a atenção para a presença de displasias controle endoscópico a cada ano é imprescindível. Alguns auto-
nesses pólipos e a maior incidência de carcinoma de cólon em res discutem a colectomia total a partir da época do diagnóstico
pacientes e familiares com pólipos múltiplos em relação à po- devido ao risco de neoplasia. Entretanto, principalmente em
pulação em geral. Com base nestes achados, a literatura vem criança, é considerado que o controle rígido por endoscopia e
discutindo o número de pólipos juvenis necessários para se colonoscopia seja o adequado.
caracterizar polipose. Neste sentido, Giardello et a/., em 1991,
propuseram que três pólipos juvenis, ou qualquer número de • Pólipos neoplásicos - poli pose cólica familiar
pólipos em individuo com história familiar, fazem o diagnós-
tico de polipose juvenil e propõem rígido controle desses in· • Conceito
divíduos devido ao risco de neoplasias. Os adenomas são os representantes dos pólipos neoplásicos
e podem ser classificados em tubulares, vilosos e mistos. São
• Etiologia importantes clinicamente, pois são lesões reconhe<:idamente
Em 1970, Sachatello et ai. chamaram a atenção, pela primeira pré-malignas. As slndromes clínicas com pólipos adenomato-
vez, para o caráter hereditário da polipose juvenil, tanto colôni- sos são a polipose cólica familiar, a slndrome de Gardner e a
ca como generalizada. Aproximadamente 1/3 dos casos de poli- slndrome de Turcot. A polipose cólica familiar pode ter mani-
pose apresentam caráter autossôrnico dominante, enquanto os festação precoce na infância, sendo as outras duas, embora de
restantes apresentam-se na forma de mutações livres. Esse fato caráter hereditário, de aparecimento mais tardio. Os pólipos
é de extrema relevância, no aconselhamento genético do casal intestinais não são obrigatórios nestas duas últimas sindromes,
que tem um filho afetado, pois enquanto o risco de recorrência ocorrendo em apenas 35% dos casos.
na herança autossôrnica dominante é de 50%, na mutação livre A polipose cólica familiar é uma doença de caráter heredi-
o risco é praticamente desprezível. tário autossôrnico dominante, descrita pela primeira vez por
Menzel em 1821, embora 20% dos casos representem mutações
• Diagnóstico novas. A criança, porém, não nasce com a doença, apenas herda
O pólipo juvenil solitário é bastante comum na criança e está a tendência das células epiteliais colônicas de se proliferarem
restrito ao cólon. A sintomatologia consiste principalmente em na adolescência ou fase adulta, desenvolvendo pólipos adeno-
sangramento retal, podendo haver protrusão do pólipo através matosos no cólon.
do ânus ou mesmo autoamputação em até 10% dos casos. O
toque reta! pode permitir palpação de massa correspondente • Diagnóstico
ao pólipo, quando de localização mais distai, e enema opaco A sintomatologia raramente surge antes dos lO anos de ida-
à visualização de imagem correspondente ao pólipo. Entre- de; na adolescência e no adulto jovem, os pólipos frequente-
tanto, o diagnóstico de certeza só será firmado pela histologia mente aparecem. A sintomatologia se constitui de diarreia, que
característica após a exérese, por colonoscopia ou retossigmoi- a princípio pode ser leve e intermitente, passando a intensa,
doscopia. com presença de muco e sangue, dor abdominal, emagrecimen-
O diagnóstico da maioria dos pacientes com polipose juvenil to e anemia. Se já existe a presença de carcinoma, pode haver
acontece na idade pré-escolar, embora possa ocorrer desde a obstrução intestinal e perfuração. O toque reta! pode revelar a
Capftulo 27 I Anomalias Cong~nitas de Intestino Delgado e Grosso 261

presença de inúmeros pólipos. O enema opaco é importante A fragilidade das paredes vasculares leva à formação de
mas, às vezes, não possibilita a visualização de micropólipos. A aneurismas e ruptura de artérias, sendo as mais atingidas as
colonoscopia com ressecção ou biopsia do pólipo é exame obri- artérias ilíacas, esplênicas e renais.
gatório, pois o diagnóstico de certeza só é dado pelo exame his- A confirmação diagnóstica se faz por biopsia cutãnea com a
tológico que deve dar especial atenção à presença de displasias identificação do defeito de formação do colágeno III.
ou alterações para adenocarcinoma. A presença de hipertrofia
do epitélio pigmentar da retina, segundo alguns autores, é um • Tratamento
bom marcador da polipose cólica familiar, pois pode anteceder, Não há terapia específica direta do defeito molecular da sín-
em muitos anos, o aparecimento dos pólipos. drome de Ehlers-Danlos. A terapia de suporte inclui a preser-
vação da função articular, através de exercícios planejados e a
• Tratamento prevenção da constipação intestinal pelo uso de dieta rica em
O tratamento é essencialmente cirúrgico, uma vez que 60% fibras.
dos pacientes já apresentam carcinoma no momento do diag- O reparo cirúrgico dos vasos rompidos ou víscera interna é
nóstico. Três abordagens cirúrgicas são possíveis: a) cirurgia extremamente difícil devido à friabilidade dos tecidos.
ampla com proctossigmoidectomia total com ileostomia ter- O quadro perfurativo intestinal recorrente, de acordo com a
minal definitiva; b) colectomia subtotal com excisão da mucosa experiência das autoras, pode ser tratado, em alguns episódios,
reta! e abaixamento transretal do ileo com reservatório; c) co- clinicamente, de modo expectante com suporte nutricional pa-
lectomia total com preservação do reto e anastomose ileorretal. renteral e antibióticos, ou, em outros, com abordagem cirúrgica
Entretanto, nesta última opção, devido à manutenção do reto adequada ao processo. Baconselhável evitar exercícios intensos,
{e, consequentemente., dos pólipos que podem ser cauteriza- por risco de ruptura de vísceras, assim como evitar gravidez,
dos em seção única ou em várias), o controle colonoscópico a pois o risco de ruptura uterina é grande.
cada seis a 12 meses é imperioso para detecção de transforma-
ção maligna.
• ANOMALIAS CONGENITAS DOS VASOS
• DESORDEM DE DESENVOLVIMENTO DO INTESTINO DELGADO EGROSSO
DO TECIDO CONECTIVO As anormalidades dos vasos do intestino delgado e grosso
incluem hemangiomas e telangiectasias. São responsáveis por
um terço dos casos de perdas sangulneas crônicas do intesti-
• Síndrome de Ehlers-Danlos no. Representam um desafio ao médico devido à dificuldade
• Conceito na sua identificação e suas limitações terapêuticas, principal-
A síndrome de Ehlers-Danlos é resultante de alterações con- mente em crianças com anomalias vasculares amplas do trato
gênitas do tecido conectivo e se caracteriza por uma variedade gastrintestinal.
de sinais e sintomas, incluindo hipermobilidade articular, fa-
cilidade de adquirir escoriações, hiperextensibilidade da pele,
algumas vezes escaras atróficas, pseudotumores moluscoides
• Hemangiomas
e epicanto. • Conceito
São considerados neoplasias verdadeiras, pois representam
• Classificação um crescimento do espaço vascular com caráter regenerativo
Há pelo menos 1Otipos da sindrome; no entanto, apenas o e proliferativo.
tipo IV apresenta sintomatologia gastrintestinal.
• Frequência
• Etiologia da síndrome de Ehlers-Danlos- tipo IV Um quarto dos casos de hemangiomas do intestino se ma-
A síndrome de Ehlers-Danlos- tipo IV é uma mutação no nifestam no primeiro ano de vida. A maioria das crianças são
gene COL 3A1 do braço longo do crossomo 2,levando à anor- diagnosticadas após os 12 anos de idade, depois de anos de
malidade na produção do colágeno tipo Ill. Doença de herança sangramento intestinal e transfusões sanguíneas, sem esclare-
autossômica dominante. cimento etiológico.
O intestino delgado é acometido isoladamente em cerca de
• Diagnóstico 35% dos casos e, em conjunto com o intestino grosso, ao redor
Neste tipo IV, a hipermobilidade articular (em extensão e de 45% dos casos.
flexão) e a hiperextensibilidade da pele são menos acentuadas
do que nos demais tipos. A pele é fina e transparente, dando • Diagnóstico
ao dorso da mão aspecto senil (acrogeria) e no tronco permi- Os hemangiomas capilares podem ser assintomáticos ou
te visualizar uma vascularização proeminente. Os cabelos são evoluir com fases de sangramento digestivo, alto ou baixo, in-
esparsos e os olhos, proeminentes. Em membros inferiores, a tercaladas por períodos assintomáticos. Os hemangiomas ca-
presença de hematomas é frequente, notando-se, também, em vernosos costumam se manifestar com hemorragias profusas e,
face anterior do joelhos, numerosas escaras nacaradas. em algumas veze.s, com sintomas de dor abdominal em decor-
A fragilidade do tecido colágeno das camadas musculares rência de invaginação intestinal. Apresentam, também, perío-
do tubo digestório condiciona a ocorrência de perfurações es- dos assintomáticos.
pontãneas, com peritonite tamponada ou não, manifestadas Em ambos os tipos de hemangiomas, pode ocorrer sangra-
como quadro abdominal agudo de repetição e de graus varia- mente discreto, oculto, de longa duração (anos) com desenvol-
dos de gravidade. vimento de anemia crônica de dificil diagnóstico.
262 Capftulo 27 I Anomalias Conglnltas de Intestino Delgado e Grosso

A confirmação diagnóstica é sempre endoscópica, para os de O divertículo de Meckel pode ser livre (74%), ou ligado
regiões acesslveis por este método. Os hemangiomas capilares (26%) por faixas fibrosas ao umbigo.
se mostram como manchas vermelho-vivas e os cavernosos,
como lesões vinhosas, polipoides ou não. • Frequênàa
A presença de hemangioma cutâneo pode orientar na busca Uma incidência de 1 a 4% é comumente descrita na popula-
de hemangioma intestinal. ção geral e esse divertículo pode ser diagnosticado em qualquer
Se a endoscopia não localizar o local de sangramento, deve- idade. Segundo Soltero e Bill, o risco de o portador de divertí-
se indicar cintigrafia com 99mTc enxofre coloidal (hemorragia culo de Meckel desenvolve.r sintomas é em tomo de 4 a 6% dos
ativa) ou com hemácias marcadas com 99mTc. Outro recurso casos, e este risco diminui com a idade. A incidência no sexo
complementar é arteriografia seletiva, de dificil execução em masculino e no feminino é cerca de 2,7:1.
crianças muito pequenas.
• Etiologia
• Tratamento A falência na obliteração do dueto onfalomesentérico, o qual
Ver adiante. conectao saco vitelino ao trato intestinal, da s•à 7' semana in-
trauterina, determina a ocorrência do divertículo de Meckel.
• Telangiectasia • Diagnóstico
• Conceito Mayo descreveu em 1933 que frequentemente se suspeita do
Não são considerados tumores vasculares, mas ectasias da diverticulo de Meckel, e esse divertículo é pouco diagnosticado
vascularização normal, preexistente, sem caráter de prolifera- e raramente encontrado.
ção e regeneração. Alguns casos de divertículo de Meckel são assintomáticos
e diagnosticados acidentalmente em laparotomia por outras
• Frequênàa causas, como, por exemplo, devido à apendicite aguda.
Sua frequência é de 1 a 2 para 100.000 da população geral. Quando manifesto, as formas de apresentação do divertí-
culo de Meckel são:
• Diagnóstico a) quadro obstrutivo (30% dos casos) em decorrência da
Duas formas clinicas são de caráter congênito, mas de ma- presença de bandas peritoneais ligando o divertfculo ao
nifestação tardia, em geral na s•década. mesentério ou ao umbigo, e, também, da presença de
Uma delas é representada pela doença de Rendu-Osler-Weber, tecido pancreático ectópico. Em ambas as situações, é
na qual as telangiectasias são localizadas na llngua, superficie possível se desenvolver vólvulo ou invaginação;
mucosa dos lábios, na face, conjuntiva, orelhas, dedos, nariz e b) quadro de hemorragia digestiva (27% dos casos) e, destes,
em todo o tubo digestivo. O sangramento digestivo pode ser 60% manifestam-se em crianças menores de dois anos
alto e/ou baixo, sem dor abdominal. Alguns casos são acom- de idade. A causa da hemorragia em 96% dos casos é a
panhados de cirrose hepática e outros por fistula a.rteriovenosa presença de mucosa gástrica ectópica que provoca ulce-
pulmonar. ração péptica no próprio divertfculo ou na mucosa ileal
A segunda forma congênita é a angiodisplasia que acome- adjacente. Esta ulceração pode, também, se aprofundar,
te principalmente o delgado alto e pode ter extensões muito ocasionando perfuração e peritonite ou hemoperit6nio.
amplas. O uso de anti-inflamatório não hormonal pode agravar
O roteiro diagnóstico é igual ao indicado para os heman- a ulceração péptica no divertículo com mucosa gástrica
giomas. ectópica;
c) diverticulite com perfuração ou não;
• Tratamento
O tipo de tratamento nas anomalias vasculares intestinais
depende de muitos fatores, incluindo tipo, localização e número
de lesões. Pacientes com poucos hemangiomas em segmento
intestinal bem definido podem ter tratamento cirúrgico. Quan-
do as lesões são múltiplas e limitadas pelo tamanho, poderá ser
realizada fotocoagulação. Algumas vezes, é necessário repetir
o tratamento.

• PERSISTENCJA DE RESTOS EMBRIONÁRIOS


• Divertículo de Meckel
• Conceito
~ um remanescente do dueto onfalomesentérico, sendo a
mais comum anormalidade congênita do intestino delgado.
Descrito pela primeira vez por Pabricus Hildanus em 1598, e,
mais detalhadamente, por Johann Meckel em 1809. Em cerca
de 90% dos casos, está localizado cerca de 20 a 80 em da junção
ileocecal. Possui, na sua formação, todas as camadas do intesti-
no e, frequentemente, contém um tecido ectópico, geralmente Figura 27.4 A e B Raios X contrastados de intestino delgado mos·
a mucosa gástrica. trando a imagem do divertículo de Meckel (seta).
Capftulo 27 I Anomalias Conglnitas de Intestino Delgado e Grosso 263
• Tratamento
Quando encontrado ocasionalmente na laparotomia explo-
radora, seu tratamento continua controverso, particularmente
na população pediátrica. Ele deverá ser ressecado se houver
suspeita de mucosa ectópica ou se houver ligamento ao umbi-
go ou ao mesentério através de bandas fibrosas, como medida
preventiva.
O divertículo de Meckel complicado por sangramento, pro-
cesso inflamatório, perfuração ou obstrução deve ser sempre
operado.
A diverticulectomia está indicada se a complicação estiver
restrita ao diverticulo. sem comprometimento da parede intesti-
nal adjacente. Entretanto, se essa parede estiver comprometida,
está indi.cada ressecção segmentar da alça com o divertlculo e
anastomose terminoterminal. Todos esses procedimentos po-
dem ser realizados com sucesso por via laparoscópica.

• DOENÇA DO MECONIO
São incluídas dentro deste item as doenças resultantes de
Figura 27.51 magem cintigráfoca do divertículo de Meckel (seta). ação nociva do mecônio que ou bloqueia o lúmen intestinal ou
patologicamente se localiza na cavidade peritoneal.
Embora grande parte dos casos de doença meconial esteja
associada à mucoviscidose, outras condições podem ocasionar
d) quadro umbilical já no período neonatal, com granu- esta doença Sob ponto de vista clinico, a doença do mecônio
lomas, drenagem de fluidos pelo umbigo e cisto um- pode ser dividida em quatro categorias:
bilical. 1 - íleo meconial;
A cintigrafia para pesquisa de diverticulo de Meckel é posi- 2 - rolha de mecOnio;
tiva em 8596 dos casos. O uso de pentagastrina endovenosa ou 3 - peritonite meconial;
cimetidine VO pode melhorar a positividade do teste. A colo- 4- equivalente tardio do fleo meconial
noscopia e a endoscopia digestiva alta afastam outras causas de As primeiras três situações manifestam-se logo ao nasci-
sangramento intestinaL mento, mas a quarta pode surgir no paciente mucoviscidótico
A arteriogralia e estudos contrastados devem apenas ser rea- em qualquer período da vida.
lizados se o sangramento persistir e se os exames anteriores
foram normais.
• fleo meconial
• Condições associadas • Conceito
Situs inversus totalis.
~uma obstrução intestinal intraluminal que ocorre no perlo-
do neonatal, caracterizada pela presença anormal de mecônio
viscoso e espesso, levando à obstrução do intestino delgado,
geralmente no fleo terminal, descrito pela primeira vez por
Landsteiner em 1905.

• Frequência
De todos os casos de obstrução intestinal no recém-nascido,
9 a 3396 são ocasionados por fieo meconial. Dos pacientes com
fieo meconial, detectou-se mucoviscidose entre 25 e 8096 dos
casos; dentre os pacientes com mucoviscidose, 10 a 1696 deles
relatam íleo meconial ao nascimento.

• Classificação
Pode ser classificado em duas categorias: 1) simples, ou não
complicado, quando o mecônio anormal causa uma simples
obstrução no Oeo distai, onde se encontram muitas concreções
de mecônio; 2) complicado, quando a massa de mecônio espes-
so funciona como um fulcro, levando ao desenvolvimento de
vólvulo, perfuração e peritonite meconial cística gigante.
Figura 27.6 Peça cirúrgica de um divertfculo de Meckel retirado de
paciente do sexo masculino, de 12 anos de idade, com história de en- • Doenças associadas
terorragia intensa e indolor, decorrente de sangramento desse divertf- Além da fibrose clstica, o íleo meconial pode estar associa-
culo. (Esta ftgura encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ do à doença de Hirschsprung. à insuficiência pancreática não
264 Capitulo 27 I Anomalias Conglnitas de Intestino Delgado e Grosso

mucoviscidótica, à atresia intestinal e à pseudo-obstrução in· • Rolha de mecônio


testinal crônica.
• Conceito
• Etiologia A primeira descrição dessa entidade data de 1956, por Cla·
A análise química do mecônio espessado revela um aumento twothy et aL ~definida como urna obstrução intestinal, geral·
de até 50 vezes da albumina deglutida com o líquido amniótico. mente ao nlvel do fleo terminal e cólon esquerdo, provocada por
Nos casos de lleo meconial em pacientes com mucoviscidose, mecônio anormalmente espessado. Classicamente, é descrita
possivelmente esta superconcentração de albumina se deva à em recém-nascidos com fibrose cística, mas pode ocorrer em
redução do teor de água do lúmen intestinal em decorrência da outras situações como hipomotilidade colônica por hipermag·
não secreção de cloro pelos canais de cloro das criptas intesti· nesemia, ou por alteração da motilidade colônica, nas miopatias
nais. Não havendo secreção de cloro, não há secreção de água. viscerais, na slndrome pseudo-obstrutiva, na inércia cólica do
Além disso, a água continua sendo absorvida acompanhando recém-nascido e na doença de Hirschsprung.
a absorção de sódio pelas células vilositárias.
No lleo meconial dos não mucoviscidóticos, não se conhece • Diagnóstico
a razão desta concentração proteica. O quadro clínico é de distensão abdominal com nenhuma
• Diagnóstico pré-natal ou pequena eliminação de mecônio.
O enema opaco mostra defeitos de enchimento do cólon
O USG pode mostrar sinais sugestivos do lleo meconial a
devido a uma ou mais rolhas de mecõnio, ou cólon esquerdo
partir do 6• mês de vida fetal pela presença de imagem de massa
com obstrução abrupta. O exame pode se tornar terapêutico,
hiperecogênica localizada na fossa i!íaca direita. A persistência
dessa imagem além da 30' semana constitui forte indício na pois, com a eliminação do contraste, pode haver a eliminação
da rolha de mecônio, embora, por vezes, seja necessária a rea·
confirmação desse diagnóstico, embora exigindo grande ex-
periência do examinador. J.ização de enemas salinos para a desobstrução colônica.
A realização de biopsia reta! para se afastar megacólon agan·
• Diagnóstico gl.iônico é mandatória, além da dosagem de cloro no suor para
No recém-nascido a termo, a forma de apresentação mais se afastar fibrose dstica.
frequente é distensão abdominal, vômitos biliosos e falha na
eliminação do mecônio, mas o recém-nascido é capaz de to· • Tratamento
le.r ar várias refeições antes de desenvolver sinais de obstrução A desobstrução com clister salino ou com Gastrografina é
intestinal e, assim, o diagnóstico pode ser retardado por 24 ou indicada, podendo-se adiáonar N·acetilcisteína, que é um mu·
48 h. Raios X simples de abdome mostram sinais de dilatação de colltico, e favorece, através de contato prolongado com o me·
alças, comum a qualquer quadro obstrutivo, mas a presença de cõnio, a sua fluidificação e consequente eliminação. Cuidados
imagens em bolha de sabão no quadrante inferior direito, acres· são necessários com volume e pressão na introdução da solu-
cida da ausência de níveis hidroaéreos na posição ereta, sugere ção de clister, pois pode haver ruptura de parede intestinal e
o diagnóstico de íleo meconial. O enema opaco auxilia na con· facilitação de disseminação bacteriana, levando à septicemia.
firmação diagnóstica, mostrando a presença de microcólon e, se O tratamento cirúrgico é bastante raro, reservando-se aos ca·
houver refluxo ileal, aparecerá imagem de falha no enchimento sos complicados com perfuração, ou com falência de resposta
ileal compatível com a presença de concreções de mecônio. ao tratamento clinico.

• Tratamento
O íleo meconial simples deve ser tratado de modo conser- • Peritonite meconial
vador, conforme esquema instituído por Noblett em 1969, com • Conceito
enemas de Gastrografina diluído 3:1 ou 4:1 em água e adminis· A peritonite meconial é definida como uma peritonite assép·
trados lentamente pelo reto. A maioria dos pacientes necessita tica e química, causada pela presença de mecônio na cavidade
de quatro ou mais enemas para liberar a obstrução intestinal. peritoneal devido à perfuração intestinal e calcificação ainda
A solução chega no íleo terminal e se mistura com o mecônio na fase intrauterina. A primeira descrição foi feita em 1761 por
espesso. Geralmente após 24 a 48 h, ocorre a passagem de me- Morgagni, mas a primeira operação bem-sucedida de que se
cônio semillquido. tem relato é de 1943, por Agerty.
Há registro de 11% de perfuração relacionada com o uso de
enema com Gastrografina. Alguns autores diluem a Gastrogra-
fina a baixas concentrações, pois, reduzindo a osmolaridade, o • Etiologia e patogênese
risco de perfuração também se reduz. A perfuração intestinal ocorre principalmente devido à obs·
Outro método inclui o uso da N-acetilcistelna por sonda trução intestinal, que pode ser causada por íleo meconial, atresia
nasogástrica que permite a desobstrução em 30% dos casos. intestinal, estenose, vólvulo, faixas aderenciais peritoneais con·
Alguns pacientes com íleo meconial, mau estado geral e con· gênitas, gastrosquise e megacólon aganglionar, embora possa
laminação do abdome com mecônio necessitam de gastrosto· não haver evidências de obstrução intestinal. O mecônio esté·
mia com dupla boca. Os casos complicados com vólvulo e atre· ri!, extravasado através de uma perfuração intestinal, indut a
sia necessitam de ressecção intestinal e anastomose primária. uma peritonite química, devido à ação das enzimas digestivas
nele contidas, levando à adesão fibrosa, aglutinação das alças
• Prognóstico intestinais e calcificação. O local da perfuração, muitas vezes,
A mortalidade com o tratamento conservador do lleo me· não é encontrado devido às adesões. Se, entretanto, não existir
conial é de cerca de Oa 15%. A mortalidade para pacientes que tarnponamento adequado e o mecônio continuar extravasando
apresentam perfuração intestinal é alta, ao redor de 50% dos para a cavidade peritoneal, pode haver formação de aderência
casos. entre as alças do tipo fibrinoso, mais frouxo.
Capftulo 27 I Anomalias Conglnitas de Intestino Delgado e Grosso 265
• Diagnóstico pré-natal Baert. AL & Casteels-Van Daele, B. Generaliztd juvtnile polypoois with pul-
Pelo USG, se o examinador estiver atento a essa possibili- monary arterio•-enous mal{ormation and bypertrofic osteoarthropathy.
A I R. 1983; 141:661-4.
dade, o diagnóstico pode ser realizado a partir da 26' semana Brito, IA & Maksoud. JG. Evolutlon with ~ of lhe autylchollnesterue actl-
pela presença de poli-hidrâmnio, ascite, massa hiperecogênica, vity in rml sucdoo biopsy in Hlrscbsprung's disease. /. Ptd. Surg., 1987;
dilatação digestiva e calcificação. Esses três últimos achados são 2,2,425-30.
instáveis e não obrigatoriamente simultãneos, e as calcificações, Castro, RRO, Bran~ CQ. Ferreira, lEVVC et al. Síndrome de Peutz-Jcghers e
por serem minúsculas. exigem exame atento e minucioso. adenocarcinoma. Arq G<ut....,nlcol, 1994; J I: 145-8.
Coopc:r, HS. Intestinal neoplasms. Em: Stemberg. S. Diagnostic surgtcal parloo-
logy, 2nd ed., NY, Raven Press, 1994.
• Diagnóstico Cox, KL, Frates Jr, RC, Wong. A & Ghandi, G. Hereditary generaUzed Juvenl·
A sintomatologia ocorre logo após o nascimento. com gra- le polyposis assoclated wlth pulmonary malformation. Gastroenrerology,
ve e progressiva distensão abdominal, com eritema e edema 1980; 78:1566·70
de parede abdominal. O abdome pode estar tenso e distendi- Fenlon, HM, Nunes, DP, Scbroy, PC ti aL A comparison of virtual conven·
do, com massa palpável. A distensão abdominal pode levar a tional colonoscopy for lhe detec:tion of colorectal polyps. N Engl I Mtd,
1999; 341:1496-503.
desconforto respiratório, e o sequestro hídrico pode provocar
Giardello, FM, HamUton, SR. Kem, SE. Coloreclal neoplasia in juvenUe poly·
hipovolemia posls or JuvenUe polyps. Ardi Dis Child, 1991; 66:971-5.
Em recém-nascido feminino com peritonite meconial, pode Goldberg. P. Dlvertlculo de Meclcd. Em: Maksoud. JG. Cirurgl<l P<d/6trica, 2'
ser visto mecônio na vagina como resultado da passagem do ed., Rio de Jandro, Rtvlnter, 2003.
mecônio para os tubos falopianos e o útero. Em meninos com Hyman, PE. Clunnic intestinal pseudo-obstruction. Em: Hyman PE, Di Lorm·
peritonite meconial. o escroto pode se aparecer escuro como zo C. Ptdiatrlc gastrlntutbutl motility disorders. NY, Academy Prol'esslonal
lnformation Service:s Inc.., 1994.
resultado de passagem de mecônio intraperitoneal para dentro
Isfer,IY, Sanches, RC, Silva, MM. Apardho digestivo e parede abdominal. Em:
da bolsa escrota! e, às vezes, já calcificado. lsfer, Sanches e Saito (eds.). Medicina Fetal - Diagnóstico prt-natal t condura.
O achado ao exame radiológico simples de abdome é variável Rio de Janeiro, Revinter, 1996.
com o tipo de peritonite, sendo comum o aparecimento de cal- Maksoud, JG. Megacolo agangllonar. Em: Corrêa Neto, A. C/lnlca cirúrgica, 1 '
cificações, que podem ocorrer em até 24 h após a perfuração.~ ed., São Paulo, Sarvler, 1988.
importante a diferenciação entre calcificações intraperitoneais e Marchese, LT & Sakassegawa·Spc:randio. IM. Rotação intestinal Incompleta. Em:
Maksoud, JG. Cirurgia Ptdldtrica, 2• ed., Rio de Janeiro, Revinter, 2003.
calcificações intraluminais, que não têm significação clínica.
Mathias, AL. Malformaçlo anorretal Em: Barbier~ D & Koda. YKL. Doença<
Gastroent<rol6glcas em Ptdlatrla, Slo Paulo, Atheneu, 1996.
• Tratamento Mathias, AL Molfitla de Hlrscbsprung. Em: Barbieri, D & Koda, YICL. DottlfdS
Os casos sem sinais obstrutivos devem ter conduta expectan- Gastroenterológlcas tm Ptdiatria, São Paulo, Atheneu, 1996.
te, sendo a indicação cirúrgica reservada aos casos com sinais Passarg. E & Stevenson, RE. Small and large intestinos. Em: Stevenson, RE;
obstrutivos ou com sinais infecciosos, realizando-se ressecção HaU. JG; Goodma, RM. Human m<>lformaiiom and reüu<d attDmali.., NY,
dos segmentos atrésicos e inviáveis. O prognóstico é relativa- Ox!ord Unive11Jty Press, 1996.
Pena, A. Anomalias anorrctm. Em: Maksoud. JG. Cirurgia Pedidtrlca, 2' ed.,
mente bom, embora possam ocorrer novas obstruções. Rio de Janeiro, Revlnttr, 2003.
Sachatello, CR, Pic:kren, fW. & Grace, )T. Generalized juvenile polyposls: A
hered!tary syndrome. Gastrwnrerology, 1970; 58:699-708.
• Equivalente do íleo meconial Schuffier, MO. Pathology of enceric neuromuscular d!sorders. Em: Hyman, PE
Condição relativamente rara. & DiLorenzo, C. Ptdlatrlc gastrintestinal molility disorders. NY, Academy
Ocorre em pacientes mucoviscidóticos. com tratamento ina- Profissional Jnformallon Servlees, 1994.
Scott-Cornner, CBH, liausmann, M, Hall, n er ai. FamUial juvenUe polyposis:
dequado em relação às enzimas pancreáticas. O quadro obs- Patterns of recurrence and implications for surgical management f Am CoU
trutivo pode ser mais tardio, na época escolar, descrito como Surg, 1995; 181:40?-13.
equivalente meconial, com sintomatologia de dor abdominal Silva, MM. Duplicaçio do trato ga.strintestinal Em: Maksoud, )G. Cirurgia
em cólica, vômitos, alteração no hábito intestinal, constipa- Pedidtrlca. 2' ed., Rio de Janeiro, Rcvinter, 2003.
ção intestinal, distensão abdominal e, às vezes, sangramento Smith, S. WUUam, CS, Fe:rris, CP. Diagnosls and treatment of cbronic gastropa·
resls and cbronk: intesti.W pseudo-obstruction. Gastroenrerol Oln Nortlt
reta!. Am, 2003; 32:619-58.
O tratamento é igual ao do lleo meconial simples. Toulouldan, R). tntestl.oal atmía and stenosls. Em: Ascbraft, KW & Holder,
TM. l'Miatrlc Surgtry, 2nd ed., l'o'Y, Saunders, 1993.
Wesson, O. Tbe intestines - Congenital anomalies. Em: Walker, WA, Durie,
• LEITURA RECOMENDADA PR, Hamilton, )R, Walker-Smith,)A, Watkin.s, JB. Ptdiatric Gastrlnrestlnal
Disease, Philadclphla. BC Decker, 1991.
Andrusy, RJ & Nirgioti, JG. Meconium di~s• of lnl\mcy. Em: Aschraft, KW Wrenn Ir, EL Alimentary tract dupllcatlons. Em: Ascbraft K\'1 & Holder TM.
& Holder, TM. Pediatrlc Surgery, 2nd ed., NY, Saunders, 1993. P<diatrlc Surgtry, 2nd ed., NY, Saunders, 1993.
Ayoub, AAR. fleo Mooonial Em: Maksoud, JG. Cirurgia Ptdldrrlca, 2' ed., Rio Wylle, R. Moti.lity disorders and Hirschsprung disease. Em: Behrman, RE ti ai.
de Janeiro, Rtvinter, 2003. Nelson Texrbook of P<dlarrlcs. 17' ed., Elsevier, 2004.
2 Síndrome de Má Absorção
Intestinal
Lorete Maria da Silva Kotze, Luiz Roberto Kotze e Renato Mitsunori Nisihara

A digestão e a absorção normais podem ser divididas em


• DEFINIÇÕES estágios sequenciais:
Os termos "sfndrome de má absorção" ou "s!ndrome disab- • hidrólise na membrana do enterócito;
sortiva" podem ser definidos como qualquer slndrome etiolo- • hidrólise e solubilidade luminais;
gicamente relacionada com alguma anormalidade na absorção • absorção através da membrana do enterócito e proces-
pel? intestino delgado. Com este embasamento, uma grande samento celular;
vanedade de condições necessitam ser investigadas e diferencia- • captação do enterócito para o sangue e a linfa.
das. Adicionalmente, como o conhecimento é contínuo, outras
afecções poderão ser agregadas, no futuro. No estágio luminal, protelnas, carboidratos e lipídios são
Considera-se a má digestão como resultante dos problemas hid;olisados por enzimas liberadas pelas glândulas salivares,
concernentes à hidrólise do conteúdo luminal e má absorção estomago e pâncreas. A bile do ligado participa do processo,
ou disabsorçiio o impedimento ao transporte através da mu- criando um meio orgânico de solubllização envolvido na di-
cosa. Entretanto, na prática clinica, má absorção é usada para gestão dos lipídios. A digestão continua ao nível da membrana
descrever o resultado final de ambos os processos. celular, onde ocorre a hidrólise dos peptídios e dissacarldios
Quando um amplo espectro de nutrientes está envolvido, pelas enzimas da borda estriada. Aseguir, há absorção celular de
denomina-se pan má absorção ou pandlsabsorçiio; e, se apenas am!"oácido~, pequenos peptfdios, monossacarldios, monogli-
um ou uma classe de nutrientes está implicado, má absorção cend!Os e ác1dos graxos. Jli dentro do enterócito, os nutrientes
seleHva ou especifica. Tais conceitos podem ser úteis no diag- são processados. .Água e pequenas moléculas também podem
nóstico diferencial dessas doenças. ser absorvidas por rota paracelular. Os nutrientes absorvidos
são então transportados para dentro dos vasos sanguíneos e lin-
fáticos e, então, levados a órgãos distantes para armazenamento
e/ou metabolismo. Qualquer alteração que afete algum desses
• CLASSIFICAÇÕES estágios pode levar à má digestão e/ou má absorção.
Para facilitar o raciocínio, a condição principal é a de se As Figuras 28.1 a 28.3 resumem a digestão, absorção e trans-
incluir o caso sob um título geral da síndrome de má absor- porte de nutrientes, e também demonstram as principais afec-
ção, como indicado nos quadros do capitulo. As listas não são ções de acordo com a fase alterada. Obviamente, há algumas
exaustivas. Sabendo-se que o conhecimento relacionado com que alteram mais fases do que as assinaladas.
a etiologia de muitos distúrbios pode ser modificado, novas O modelo idealizado por Campos, ao acompanhar os passos
formas de classificação poderão surgir. Além disso, existe a da fisiologia da digestão, absorção e transporte dos nutrientes,
possibilidade de se mudar o enquadramento da afecção. oferece uma sistemática que confere objetividade na aborda-
Estima-se que diariamente as pessoas consumam cerca de gem do caso clf.nico, consistindo em uma ordenação lógica e
2.000-3.000 calorias em alimentos. A maior parte dessa carga com aplicação didlitica ímpar. Tais propriedades a elevam ao
calórica estli na forma de polimeros ou outros compostos com- nível de excelência e contribuem para facilitar o alcance dos
plexos que devem ser cindidos em pequenas moléculas para objetivos apontados (Figura 28.4).
ser~m transportados através da mucosa do intestino delgado.
Assim, do ponto de vista fisiopatológico, as causas de má ab-
Assun, protelnas são clivadas em oligopeptfdios e aminolicidos; sorção podem ser divididas em condições clf.nicas associadas a:
o amido é quebrado em monossacarídios; e as gorduras são • impedimento da hidrólise lum.inar ou solubllização (ór-
transformadas em licidos graxos e monoglicerfdios. Os pro- gãos da digestão:
cessos de digestão e absorção são complexos e, muitas vezes, Causas pré-epiteliais ou pré-entéricas;
prejudicados e podem originar cerca de 200 condições associa- • impedimento da função da mucosa {hidrólise na mucosa,
das a defeitos em tais processos, possivelmente gerando grande captação e empacotamento através do epitélio colunar):
prejuf.zo ao organismo. Causas epiteliais ou entéricas;
266
Copftulo28 I Sfndrome deM6Absorçãolntestinol 267
LÚMEN INTESTINAL ENTERÓCITO SANGUE- LINFA
DIGESTÃO DIGESTÃO/ABSORÇÃO CAPTAÇÃO

ENZIMAS PANCREÁTICAS BORDA ESTRIADA TRANSPORTE


HIDRÓLISE Llnfangiectasia inteslinal
Fibrose dstica DIGESTÃO ABSORÇÃO Doença de Whipple
Sindrome de Shwachman Deficiência de lactase Má absorção de
Oefociêncía de amilase Deficiência de saca rase glicose e galactose
Deficiência de isomaltase

AMBAS
Agressões à mucosa
Sindrome do intestino curto
Doença celfaca
Espru tropical

Figura 28.1 Digestão e absorção dos carboidratos da dieta. As etapas principais do processo digestivo e absortivo são mostradas com algumas
afecções que resultam em má digestão e/ou má absorção de hidratos de carbono.

PÂNCREAS FIGADO MUCOSA JEJUNAL LINFÁTICOS


A. Lipólise B. Solubilização C. Absorção O. Transporte
micelar

AG Eslerifocação

- ~·~
Quilomicrons

~<!--- r-/ -
Aos tecidos

/·~
"'E ©I
para
utilização

I
MG I
APOp

ENZIMAS PANCREÁTICAS SAIS BILIARES BORDA ESTRIADA FORMAÇÃO DE QUILOMICRONS TRANSPORTE


LIPÓLISE SOLUBILIZAR MICELAR ABSORÇÃO Abelalipoproleinemia Linfangiectasia inteslinal
Fibrose cistica Doença colestálica do fígado Ressecção i leal Hipobetalipoproleinemia Doença de Whipple
Sindrome de Shwachman Oepleção do pool de ácidos biliares Doença celiaca
Deficiência de enteroquinase Slndrome do intestino curto
Pancrealites

Figura 28.2 Digestão e absorção dos lipídios da dieta. As etapas principais do processo digestivo e absortivo são mostradas com algumas
afecções que resultam em má digestão e/ou má absorção de gorduras.

• impedimento à remoção dos nutrientes da mucosa (vasos mo, hipoparatireoidismo e doença de Addison), Colagenoses
linfáticos e estruturas ganglionares rnesenteriais): (esclerodermia, vascu!ites do lúpus eritematoso disseminado,
Causas pós-epiteliais ou pós-entéricas. poliarterite nodosa) e Amilcidose.
Seguem-se as principais entidades que podem ser classifi-
cadas, predominantemente, em cada urna das etapas anterior-
mente apontadas (Quadros 28.1 a 28.5).
• DIAGNÓSTICO
~ de suma importância o conhecimento das manifestações
digestivas das doenças sistêmicas, que, em muitos casos, po- • Diagnóstico da má absorção
dem se iniciar por disabsorção ou cursar com tal síndrome A ordem de raciocínio, primária e essencialmente, consiste
no decorrer de sua evolução clínica. Temos, como exemplos, em caracterizar a situação observada em cada paciente com a
a Sfndrome da lmunodeficiência Adquirida, cada vez mais fre- maior acurácia possível, visando-se a chegar a um diagnóstico
quente; Doenças Endócrinas (diabetes, hiper ou hipotireoidis- definitivo. O tratamento a ser ínstituído, para ser efetivo, deve
268 Capftulo 28 I Sfndr ome de Má Absorção Intestina(

LÚMEN INTESTINAL ENTERÓCITO SANGUE - LINFA


DIGESTÃO DIGESTÃOIABSORÇÃO CAPTAÇÃO

ENZIMAS PANCREÁTICAS BORDA ESTRIADA TRANSPORTE


HIOROU SE unrangíeetasía intestinal
Fibrose cística DIGESTÃO ABSORÇÃO Doença de Whíppte
Síndrome de Shwachman Desconhecida Doença de Hartnup
Deficiência de trípsínogênio Intolerância à proteína
Deficiência de enteroquinase com lisinúria
Síndrome de Oas\Muse
Síndrome de Lowe

Figura 28.3 Digestão e absorção das proteínas da dieta. As etapas principais do processo digestivo e absortivo são mostradas com algumas
afecções que resultam em má digestão e/ou má absorção de proteínas.

se basear nesse diagnóstico, e os efeitos da terapia ajudam a • Má absorção secundária a distúrbios constitucionais ou cirurgias
confirmá-lo ou a refutá-lo. O tratamento destas condições é principalmente dependente
O diagnóstico das síndromes de má absorção compreende do reconhecimento da doença primária: Diabetes melito, doen-
quatro estágios: ça de Addison, amiloidose, esclerodermia, tuberculose, neo-
1. Diagnóstico primário de má absorção; plasias do intestino delgado (linfoma e carcinoide abetalipo-
proteinemia etc.
2. Diferenciação entre estados disabsortivos secundários a
Más absorções secundárias a operações abdominais: gas-
outros distúrbios constitucionais ou secundários a proce-
trectomia, alça cega, fístulas e anastomoses, ressecções intes-
dimentos cirúrgicos e os de origem alimentar primária;
tinais etc.
3. O diagnóstico diferencial dos estados disabsortivos de-
vidos à falta de preparação para a absorção daqueles nos • Diagnóstico diferencial das disabsorções por falta de
quais as funções absortivas do intestino delgado parecem preparo à absorção
anormais (enteropatias);
Compreende as falhas na secreção gástrica, deficiência de
4. Diagnóstico diferencial das enteropatias.
enzimas pancreáticas, deficiência biliar.
• Diagnóstico primário de má absorção • Diagnóstico diferencial das enteropatias
O diagnóstico de má absorção propriamente dito se baseia
a. Enteropatias altas;
no tripé história, exame fisico completo e estudo das fezes do b. Enteropatias baixas.
paciente.
O Quadro 28.6 sintetiza os dados clínicos e os resultados de
exames, destacando seus prováveis mecanismos.

• EXAMESCOMPLEMENTARES
São usados para confirmar má digestão e má absorção e, mais
importante, ajudam a identificar a causa. Podem ser divididos
quanto a disponibilidade, custos e grau de invasão. Pacien-
tes com pandisabsorção estabelecida tipicamente têm diversas
anormalidades laboratoriais, ao contrário dos portadores de má
absorção isolada que podem não apresentar qualquer alteração
nos exames de rotina (Quadro 28.6).

• Exames laboratoriais habituais


DIGESTIVA EPITELIAL LAM INAR-MESENTERIAL
(pré-epitelial) (pós-epitelial)
A maioria dos exames gerais se destina à avaliação do estado
nutricional e para se ter ideia do grau de espoliação e carências.
Figura 28.4 Esquema das estru turas anatômicas envolvidas nos pro- Servem de base para a devida reposição dos componentes em
cessos de digestão e absorção dos nutrientes. deficiência.
Capitulo 28 I Sfndrome de Mel Absorção Intestino/ 269
--------------------------T--------------------------
Quadro 28.1 Afecções gastrintestinais associadas com má digestão luminai

Doença/Condição Fislopatologia

Est&mago
Desnutrição calórico-proteica Dimi nuição da produção de ácido (h ipocloridria)
Síndrome de Zollinger-EIIison lnativação de enzimas pancreáticas por baixo pH duodenal
Dimi nuição da ionização de sais b iliares conjugados
Anemia perniciosa Dimi nuição de fator intrínseco, mil absorção de vit. B.,
Síndrome de dumping Esvazi amento rápido do conteúdo gástrico para o intestino delgado
Diluição de enzimas
Pâncreas
Fibrose cística Impedi mento da secreção de enzimas e bicarbonato
S. Shwachman-Diamond Impedi mento da secreção de enzimas
Pancreatite aguda/ crônica Impedimento da secreção de enzimas e bicarbonato
Desnutrição calórico-proteica Impedimento da Se(reção de enzimas
Deficiência de tripsinogênio Impedi mento da secreção de enzimas
Deficiência de lipase Impedimento da Se(reção de enzimas
Deficiência de ami lase Impedi mento da secreção de enzimas
Fígado
Sindromes colestilticas Impedimento da secreção de sais biliares com deficiente formação de micelas
Doença ou cirurgia ileal Mil absorção intestinal de sais biliares, poo/ deficiente de sais biliares

Intestino
Deficiência de enteroquinase Impedimento da ativação das enzimas pancreáticas luminais
Desnutrição caló rico-proteica Supercrescimento bacteriano com consumo de nutrientes
Produção de toxinas
Desconjugação de sais biliares
Duplicação anatômica Supercrescimento bacteriano com consumo de nutrientes
Síndrome da alça cega Supercrescimento bacteriano com consumo de nutrientes
Síndrome do intestino curto Supercrescimento bacteriano com consumo de nutrientes
Pseudo-obstrução intestinal Supercrescimento bacteriano com consumo de nutrientes

------------------------------T------------------------------
Quadro 28.2 Afecções gastrintestinais associadas com má digestão na membrana do enterócito

Doença/Condição Flslopatologia

Deficiência congênita de dissaca ridase Mil digestão do dissacarídio especifico com fermentação bacteriana no cólon
Lactase
Sacarase ~somaltase

Trealase
Deficiência adquirida/tardia de dissacaridase Perda da atividade enzimática por dano à mucosa ou perda da atividade com
o envel hecimento
Lactase
Sacarase-isomalta se

Glicoamilase

• Exames e testes específicos para • Normal: até 100 gotas/campo; diâmetro me-
nor que 4 fJ.1U
má absorção intestinal • Aumentada: até 100 gotas/campo; diâmetro de 4 a
• Testes relacionados com gorduras (ver figura 28.1) 8 fJ.1U (esteatorreia moderada)
• Pesquisa de gordura fecal (Sudam 111) • Muito aumentada: mais que 100 gotas/campo; diâmetro
de 6 a 75 fJ.1U (esteatorreia acentuada)
É procedimento simples que se baseia na detecção microscó-
pica de gordura nas fezes. Os resultados positivos são dados em Podem ocorrer resultados falso-positivos quando o paciente
cruzes, conforme o tamanho e número de gotículas de gordura ingeriu óleo mineral ou, por ocasião da coleta, as fezes foram
em campo microscópico de grande aumento. contaminadas com o uso local de substâncias oleosas. Em mãos
270 Capftulo 28 I Sfndrome de Má Absorção Intestina(

-------------------------~-------------------------
Quadro 28.3 Afecções gastrintestinais associadas com má absorção no enterócito

Doença/Condição Fisiopatologia

Má nutriç.'io calórico-proteica Dano x adaptação da arquitetura mucosa alterada


Doença de Hartnup Defeito de transporte de aminoácidos neutros
Síndrome da fralda azul Defeito no transporte de triptofano
Síndrome de Oasthouse Defeito no transporte de metionlna no intesti no e rim
Síndrome de Lowe Defeito no transporte de li sina e argini na (ligada ao X)
Má absorção de glicose-galactose Defeito seletivo no sistema de cotransporte sódico de glicose e galactose
DIarreia clorídrica congênita Defeito seletivo no transporte de cloreto
Abetalipoproteinemia Ausência de produção de apolipoproteína B,lipoproteínas e quilomícrons
Hipobetal ipoproteinemia Impedimento à produção de apolipoprotefna
Doença celfaca Dano à superficie d igestivo-absortiva
Síndrome do intestino curto Perda da superfície digestivo·absortiva1 trânsito anormal
Síndrome de dano à mucosa Dano à superfície d igestivo-absortiva
Intolerância ao leite/soja Sfndrome pós-gastroenterite
Espru tropical Dano à superfície digestivo-absortiva
Doença de Whipple Obstrução l infática. Impedimento no transporte de l ip ídios (?), enteropatia focal
Infecção/inflamação bacteriana
Shigella Dano à superficie d lgestivo-absortiva, motilldade anormal
Sa/mone/Ja
Campylobacter
Cólera Perda secretória de água e eletrólltos
Giardíase Alteração da função epitelial secundária à aderência do parasita ou toxina (?)
Doença de Crohn Dano à superfície d igestivo-absortiva. Perda crônica de sangue
Infecção vi ral
Rotavírus Dano à superfície digestivo-absortiva
SI DA Dano à superfície d igestivo-absortiva
Supercrescimento bacteriano
Insuficiência pancreática exócrina e hepática
Acrodermatite enteropática Impedimento à absorção do zinco

--------------------------~--------------------------
Quadro 28.4 Afecções gastrintestinais associadas com alterações no transporte para osangue ea linfa

Doença/Cone! ição Fisiopatologla

Insuficiência cardíaca congestiva Distensão venosa


Edema da parede intesti nal
linfangiectasia intestinal Obstrução ao transporte linfático de li pídios e vitami nas lipossol úveis
Perda intestinal de protefnas
linfoma intestinal Obstrução ao t ransporte linfático de li pídios e vitaminas lipossolúveis
Síndrome carc.i noi de Obstrução ao transporte linfático de li pfdios e vitaminas lipossol úveis

--------------------------~--------------------------
Quadro 28.5 Afecções gastrintestinais associadas com diversas alterações (miscelânea)

Doença/Condição Fislopatologla

Síndromes de imunodeficiências Flora bacteriana alterada


Gastroenteropatia alérgica Mecanismo imunológico desconhecido
Gastroenterocolopatia eosinofflica Mecanismo imunológico desconhecido
Drogas
Metotrexate Dano à superffcie mucosa por interferência na repl icação enterocítica
Colestiramlna Bloqueio na reabsorção de sais biliares no íleo
Má absorção de cálcio, gordura, ácidos biliares e vitaminas lipossolúveis
Fenantofna Má absorção de cálcio e ácido fólico
Sulfasalazlna Má absorção de ácido fólico
Antagonistas do re<eptor H2 da histamina Impedimento à liberação ácido/ proteolítica de vitamina 8 12
Copftulo28 I SfndromedeM6Absorçãolntestinol 271

-----------------------------T-----------------------------
Quadro 28.6 Sfndrome de má absorção intestinal- dados clínicos, de exames emecanismos envolvidos

Dados clínicos Dados de exames Me<anismos


perda m uscular ! albumina sérica alteração do metabolismo proteico
baixa estatura
edema ! absorção e ingestão
dores ósseas raios X desmineralização óssea perda proteica entérica
fraturas densitometria óssea alterada
deformidade esquelética
parestesias ! c.ilcio sé rico alteração na absorção de Ca e de vitamina O
tetania osteomalacia
perda de peso esteatorreia alteração na absorção e perda de gordura, vitami nas
fezes daras e volumosas ! colesterol lipossolúveis e Ca
sangramento, equimose 'fTAP alteração na absorção de vitami na K
parestesias macrocitose alteração na absorção de vitamina 8 12
neuropatia ! vit. 8 1 ~ megaloblastos
glossite ! folatos alteração na absorção de ácido fólico
anemia microcitose alteração na absorção de Fe
hipocromia
fraqueza, tetania, parestesias ! Mg sérico alteração na absorção de Mg
desidratação, nictúria ! volume plasmático alteração no metabolismo da água
cãibra.s, arritmias ! Na sérico alteração no metabolismo do sódio
fraqueza muscular ! K sérico alteração no metabolismo do potássio
alterações ECG
queilite, neurite, glossite ! triptofano urinário alteração na absorção do complexo 8
distensão abdominal ! ou achatamento da curva glicêmica? alteração na hidrólise e
diarreia, flatulência lactose, sacarose ou maltose ! absorção de hidratos de carbono

experientes, tais resultados têm sensibilidade e especificida- ra. Apresenta uma correlação muito boa com o teste de Van
de altas, estando claramente correlacionados com a dosagem der Kamer. Tem sido muito usado para avaliar a redução da
quantitativa de gordura fecal. esteatorreia em pacientes com fibrose clstica em resposta à te-
rapêutica com enzimas pancreáticas. Embora não substitua a
• Balanço de gordura nas kzes dosagem quantitativa da gordura fecal, é um teste rápido, viá-
Esta prova consiste na avaliação quantitativa de triglicerl- vel, não oneroso e seguro para a triagem de esteatorreia, prin-
dios e ácidos graxos livres nas feres. Para a realização do teste, cipalmente para pacientes pediátricos.
administra-se ao paciente, durante seis dias, uma dieta conten-
do aproximadamente 35% das calorias em gordura. A partir do • Oeterminaçãodae/astase-1 (EL-1)
quarto dia até o sexto dia, as fezes são guardadas juntas em ge- Relatos recentes indicam que a determinação da EL-1 nas
ladeira. Ao final da coleta, são homogeneizadas e a quantidade feres é um teste sensível, especifico e não invasivo da função
de gordura fecal é analisada pelo método de Van der Kamer que pancreática. Carrocio et ai. compararam a acurácia diagnós-
se baseia na extração e na titulação dos ácidos graxos de cadeia tica da EL-1 fecal com a quimiotripsina fecal (FCT) para dis-
longa com Na OH. O peso de lipídios no espécime é calculado tinção entre má digestão de origem pancreática e má absorção
e expresso em gramas por 24 h. Considera-se normal quando intestinal. As fezes foram coletadas por 72 h em dieta comum
ele for igual ou inferior a 5 gldia. Valores entre 5 e 7 gldia são e estes testes comparados com o esteatócrito. A acurácia diag-
considerados sugestivos de esteatorreia e acima de 7 gldia são nóstica foi de 92% para a EL-1 e 82% para a FCT, concluin-
diagnóstico de esteatorreia. do que a primeira é mais específica para demonstrar provável
Alguns serviços adotam a dosagem da gordura fecal na vi- causa pancreática.
gência de dieta habitual, pois no Brasil esta já é rica em gordu-
ras. Os valores considerados normais são: • Testes respiratórios
O teste respiratório da trioleína marcada com " C pode tam-
• Crianças: 1,52- 0,73 gldia;
bém ser utilizado para estudo da má absorção de gordura, pois
• Adultos: 2,24- 0,89 gldia.
esta, depois de hidrolisada e absorvida, libera col
marcado
O balanço de gordura, pelo método de Van der Kamer, é com "C permitindo medida da radioatividade no ar expira-
considerado o padrão-ouro para a avaliação da má absorção do. Dispensa o inconveniente da coleta de fezes de 72 h e tem
de gordura, mas apresenta dificuldades técnicas quando feito sensibilidade e especificidade altas. Do mesmo modo que os
em crianças, particularmente naquelas ainda sem controle es- anteriores, esse teste pode levar ao diagnóstico de má absorção,
fincteriano. mas também não localiza em que fase está o distúrbio.
Ponto importante a destacar é que a demonstração de gor-
• Esteat6crito dura fecal aumentada não discrimina o tipo de esteatorreia,
O esteatócrito é um teste de triagem semiquantitativo, re- devendo-se lançar mão de dados clínicos e de outras provas
lativamente simples para se avaliar a má absorção de gordu- para se determinar a causa do problema.
272 Capitulo 28 I Sfndrome de Md Absorçdo Intestino/

• Testes reladonados com carboidratos (ver Figura 281) Recomenda-se sempre analisar concomitantemente o pH
fecal e a presença de substâncias redutoras nas fezes. Deve-se
• Provodao-xi/ose lembrar que, ocorrendo a fermentação completa dos hidratos
A o-xilose é uma pentose que normalmente não é encon- de carbono não absorvidos, detecta-se apenas alteração do pH
trada no organismo. A sua absorção ocorre principalmente fecal.
em duodeno e jejuno proximal via mecanismo de transporte
da glicose. No entanto, apresenta baixa afinidade pelos carre- • Provas de sobrecarga com dlssacarfdios (lactose, sacarose)
gadores e depende da integridade da mucosa intestinal. Como A prova de sobrecarga, com doses padronizadas de diferen -
a sua absorção é independente de fatores intraluminares, tais tes açúcares, baseia-se na alteração da glicemia após a ingestão
como sais biliares, secreções exócrinas do pâncreas ou da pre- e absorção dos hidratos de carbono. O açúcar a ser investigado
sença de enzimas da borda em escova das vilosidades, a sua má é administrado por via oral, após jejum de 6 a 8 h, na dose de
absorção é indicativa de lesão da mucosa do intestino delgado 2 glkg de peso corpóreo para os dissacarídios (lactose, sacaro-
proximal. Uma vez ingerida, metade da o -xilose é absorvida e se ou maltose), no máximo 50 g. e de 1 glkg de peso corpóreo
metabolizada no figado e metade, excretada pela urina. Des- para os monossacarldios (glicose e frutose), em solução aquo-
sa forma, pode-se avaliar a sua absorção pela quantidade que sa a 10%. A cada 20 mio, e até os 80 min, novas amostras de
é excretada na urina, durante um perlodo de 5 h após a sua sangue são obtidas, e estabelece-se uma curva. As amostras de
ingestão, ou pela o-xilosemia. Devido à dificuldade em se co- 20 e de 40 min devem estar, no mínimo, 20 mg acima do nlvel
lher urina, principalmente em crianças pequenas, a avalia- de jejum. Um aumento da glicemia superior a 34 mgldt , em
ção da o-xilosúria praticamente não é realizada e prefere-se relação ao valor da glicemia de jejum, é considerado normal
a determinação da o-xilosemia. A o-xilosernia é realizada da e o paciente é classificado como bom absorvedor. Quando o
seguinte forma: após jejum de 8 h, é administrado aos pacientes aumento variar de 20 a 34 mgldi ou não ultrapassar 19 mgldt ,
0,5 grama por quilograma de o-xilose dissolvida em solução os pacientes serão considerados pobres absorvedores ou não
aquosa a 10% até no máximo 25 g. Sessenta minutos após a absorvedores, respectivamente.
administração da o-xilose, é coletada amostra de sangue ve- Estas provas de sobrecarga são bastante úteis. Entretanto,
noso. A o-xilose sanguínea é determinada pelo método colo- alguns fatores podem interferir no resultado, como, por exem-
rimétrico descrito por Roe e Rice. plo, o tempo de esvaziamento gástrico.
Consideram-se valores normais: Em geral, o paciente com intolerância ao dissacarídio sente-
• Adultos: o-xilosemia: valor menor que 25 mgldl é con- se nauseado, tem borborismos e alguns chegam a apresentar
siderado alterado diarreia do tipo fermentativa logo após o término do teste. Caso
• Acima de 5 g na urina de 5 h; seja determinado o pH das fezes, provavelmente ele estará áci-
• Crianças: o-xilosemia: valores acima de 20 mgldl para do nessa situação.
crianças até 6 meses ou acima de 25 mgldl para crian-
ças com mais de 6 meses e adultos indicam boa absor- • Determinação da atMdade das dissacaridoses
ção intestinal. Em fragmentos de mucosa do intestino delgado, é possível
determinar-se o nível de atividade das enzimas que hidrolisam
Devido à interferência de fatores como hipermotilidade in- os dissacarldios: lactase, sacarase e maltase. Na literatura, os
testinal, uso de drogas, doença renal, ascite, mixedema etc., fragmentos são colhidos ao nível do ângulo de Treitz, onde há
muitos autores relatam resultados falso -positivos e falso- padronização dos valores. Entretanto, com o advento das biop-
negativos, não mais preconizando a prova como há alguns anos sias endoscópicas, na segunda e na terceira porções do duode-
atrás. no, alguns autores recomendam dosagens a esse nlvel. Poderá
haver diminuição seletiva de uma enzima ou de mais de uma.
• Determinação da pH fecal Há necessidade de se estabelecer o padrão histológico para se
A determinação do pH fecal é de fácil execução e é comu- caracterizar o problema como primário (mucosa normal) ou
mente realizada com tiras de papéis indicadores de pH que são secundário (mucosa alterada).
colocadas na parte líquida de fezes recém-emitidas. Normal-
mente, o pH das fezes está entre 6,0 e 7,0. Valores abaixo de • Testes respirot6rios: Prova do hidrogênio expirodo
5,5 são indicativos de má absorção. O pH baixo deve-se à fer- A prova do hidrogênio expirado é um teste não invasivo,
mentação dos hidratos de carbono que não foram absorvidos de tecnologia simples e acurada, sendo bem tolerada inclusive
na parte proximal do intestino delgado, pela ação de bactérias pelas crianças. Baseia-se no fato de que os açúcares não absor-
anaeróbicas do cólon, com a consequente formação de ácidos vidos, ao chegarem ao cólon, são fermentados por ação da flora
graxos de cadeia curta. Se o paciente estiver recebendo anti- bacteriana com produção de hidrogênio. Cerca de 16 a 20% do
bióticos que alterem a flora bacteriana, o resultado poderá ser hidrogênio formado durante a fermentação é absorvido e elimi-
falso-negativo. Deve-se também ressaltar que, nos lactentes que nado pelos pulmões, podendo ser medido por cromatografia ga-
recebem leite matemo, o pH das fezes geralmente é ácido. sosa. A quantidade de hidrogênio expirado reflete a quantidade
de hidratos de carbono que não foram absorvidos no intestino
• Pesquisa de substtJndas redutoras delgado. O cólon produz virtualmente todo o hidrogênio cor-
Fezes líquidas não necessitam de diluição, mas fezes pastosas póreo e demonstrou-se que o hidrogênio exalado aumenta após
ou firmes são diluídas em duas partes de água. Dessa mistu- a introdução de pequenas quantidades de hidratos de carbono
ra, colocam-se 15 gotas em contacto com um comprimido de diretamente no órgão. O aumento correlaciona-se diretamente
Clinitest*. Essa reação é positiva quando há mono ou dissaca- com a quantidade de hidratos de carbono que entram no cólon,
rldios, à exceção da sacarose. Suspeitando-se de intolerância a e uma proporção constante de hidrogênio passa para a corrente
esse dissacarldio, acidifica-se previamente a mistura de fezes sanguínea para ser excretada pela respiração.
com ácido clorídrico, com o intuito de hidrolisar o açúcar em Um indivíduo em jejum normalmente expira pequena
seus componentes redutores. quantidade de hidrogênio devido à fermentação de alimentos
Capitulo 2 8 I Sfndrome de Mel Absorção Intestino/ 273

residuais e das fibras presentes no cólon. O valor basal de hi- creopatia crônica. Também pode ser de ajuda em situações de
drogênio deve ser menor que 10 ppm (partes por milhão) em emergência, em relação a suboclusões ou oclusões.
condições adequadas de jejum. Após a administração da so-
brecarga do açúcar, a quantidade de hidrogênio aumentará se • Trânsito intestinal
o substrato não tiver sido absorvido em intestino delgado. Um A visualização da superficie absortiva do intestino delgado
aumento da concentração de hidrogênio de 20 ppm durante a por meio de raios X contrastado pode ajudar a definir qual a
realização da prova significa má absorção do açúcar. causa da má absorção. Salienta-se que grave má absorção pode
A prova do hidrogênio expirado, se realizada em condições estar presente sem que nenhuma anormalidade seja detectada
técnicas adequadas, é atualmente considerada como o méto- nas radiografias; por isso, o exame radiológico não deve ser usa-
do de escolha para se avaliar a má absorção dos hidratos de do como substituto dos testes funcionais. Portanto, o radiologis-
carbono. Teste semelhante pode ser feito com lactose-"C, en- ta pode excluir algumas condições e sugerir outras, mas o diag-
contrando-se o CO, diminuído no ar alveolar quando houver nóstico definitivo vai depender da soma dos dados de história,
deficiência de lactase. exame físico, exames laboratoriais e de anatomia patológica.
Os achados serão, independentemente da etiologia, em geral
• Testes reladonados com proteínas (Figura 28.3) os que sugerem má absorção: edema de mucosa, floculação e/ou
Devido às dificuldades técnicas, provas de absorção de segmentação do contraste, dilatações de alças, hipo ou hipermo-
proteínas, peptídios e aminoácidos têm sido mais realizadas tilidade. Tais aspectos podem ser verificados na doença celíaca,
em pesquisas, não sendo usadas na prática para diagnóstico. As doença de Whipple, hipobetalipoproteinemia etc.
mais importantes são: determinação do nitrogênio fecal, testes Em contrapartida, existem afecções que podem se apresentar
de perfusão com macromoléculas e teste utilizando albumina com imagens bem sugestivas. Como exemplos, citam-se:
marcada com 51 Cr. a) doença de Crohn: espessamento da parede, hiperplasia do
tecido linfoide, nódulos de tamanhos variados, ulcerações
• Exames específicos para determinadas afecções transversais, lesões tipo "pedra de calçamento", fistulas,
estenoses, com áreas preservadas e lesões "em salto";
• Anticorpos antigliadina (AGA IgG e IgA), anticorpos b) linfomas: falhas nodulares de enchimento, irregularida-
antiendomlsio (EmA IgA) e antitransglutaminase teci- de na mucosa, ulcerações, aumento da distância entre as
dual são determinados no soro de pacientes com suspeita alças etc.;
de doença celíaca; c) imunodeficiência comum variável: padrão nodular por
• Determinação de eletrólitos no suor é realizada para pes- hiperplasia linfoide;
quisa de fibrose dstica; d) tuberculose intestinal: lesões estenosantes no !leo termi-
• Detecção de proteínas anômalas no sangue ou secre- nal, lesões no ceco, falhas de enchimento;
ções, como na doença imunoproliferativa do intestino e) estrongiloidíase: sinais de inflamação aguda no intestino
delgado; proximal.
• Dosagem do ácido 5-hidroxindolacético, na suspeita de
tumor carcinoide; • Ultras.sonografia, tomografia computadorizada e ressonância
• Hemoglobina glicosilada, perfil glicêmico ou curva gli- magnética do abdome
cêmica para diagnóstico do diabetes melito; Podem ser solicitadas para diagnóstico de causas biliopancreá-
• Dosagens de T3, T4 e TSH e anti-TPO na suspeita de ticas, detecção de massas ou aumento de linfonodos, complica-
doenças da tireoide; ções da doença de Crohn etc.
• Pesquisa de anti-HIV para diagnóstico da síndrome da
imunodeficiência adquirida; • Raios Xde tórax
• Pesquisa de microrganismos na sindrome da alça estag- Têm importância para diagnóstico de afecções que cursam
nante; também com alterações no mediastino (linfomas, deficiência de
• Pesquisa de parasitos em suco duodenal na suspeita de IgA com timoma), pleura (tuberculose, metástases) parênquima
giardiase ou estrongiloid1ase; e árvore brônquica (fibrose cística, tuberculose).
• Testes para estudo da função pancreática, na suspeita de
pancreopatias; • Raios Xdos seios da face
• Detecção de alfa-1-antitripsina, usada como marcador de São solicitados quando se têm casos de imunodeficiências
perda proteica; que cursam com infecções de vias respiratórias superiores,
• Teste de calprotectina na avaliação de doenças inflama- como deficiência seletiva de lgA ou deficiência imunológica
tórias intestinais; comum variável.
• Pesquisa de lactoferrina fecal na suspeita de doença in-
flamatória intestina.!; • Raios Xde articulações
• Detecção de pANCA e ASCA-lgA e ASCA-IgG para o Quando a má absorção advém de doenças do colágeno, são
diagnóstico diferencial entre doenças inflamatórias intes- estudadas determinadas articulações, assim como quando há
tinais como colite ulcerativa e doença de Crohn. uma doença inflamatória (doença de Crohn) ou infecciosa
(doença de Whipple), que também mostram artralgias e artrites
• Exames de imagem nos seus quadros clínicos.
• Raios Xsimples do abdome • Raios Xde mãos e punhos para idade óssea
De modo geral, este exame é solicitado quando se deseja A determinação da idade óssea é fundamental no estudo da
afastar causa pancreática para a má absorção, pois o encontro má absorção de crianças e adolescentes, tanto por ocasião do
de calcificações em topografia do pâncreas fala a favor de pan- diagnóstico, como no controle evolutivo dos casos.
274 Capitulo 28 I Sfndrome de Md Absorçdo Intestino/

• Densitometria óssea • doença de Crohn;


Várias são as afecções que cursam com má absorção e que • colite indeterminada;
determinam alterações no metabolismo do cálcio e da vítami- • polipose;
na O, levando à osteopenia, osteomalacia e osteoporose, tais alterações de doenças sistêmicas (AIDS);
como a doença celíaca e a doença de Crohn. Este exame, além • ingestão de AINEs;
de dar uma ideia da massa óssea por ocasião do diagnóstico, • enterite actinica;
serve para conduzir o tratamento no aspecto profilático de al- • distúrbios funcionais.
terações ósseas futuras. As contraindicações absolutas são consideradas relativas
por muitos.
• Arteriografia
t solicitada na suspeita de insuficiência vascular ou na pre- • obstrução intestinal;
sença de tumores vasculares. • pseudo-obstrução intestinal;
• disfagia;
• acalasia;
• Endoscopia digestiva • diverticulo de Zenker;
Na maioria dos centros, se preconiza a endoscopia diges- • gastroparesia;
tiva alta, com estudo do esôfago, estômago, bulbo duodenal e • estenose pilórica;
a segunda porção do duodeno (no máximo, terceira porção), • cirurgia gástrica;
onde biopsias são realizadas e são diagnósticas em grande par- • cirurgia intestinal.
te dos casos. Durante o procedimento, pode ser feita aspiração Em geral, não ocorrem complicações com esse método, mas
de suco gástrico e duodenal para a pesquisa de parasitos, prin- a principal preocupação é a retenção da CE em áreas de es-
cipalmente larvas de Strongyloides stercoralis e trofozoltos de tenose (doença de Crohn, enterite actínica, uso de AINEs e
Giardia lamblia. pós-cirurgias). A CE habitualmente pode ser retida por pouco
Por outro lado, o íleo terminal é vísto e biopsiado através tempo, mas, em alguns casos, tal processo é definitivo, embora
da colonoscopia. Apesar desses exames, uma grande extensão normalmente não cause transtorno para o paciente, pois não
do intestino delgado, que pode ser a sede de enfermidades que provoca quadro suboclusivo. Contudo, recomenda-se retirá-la
cursam com má absorção, não é avaliada, a não ser em locais de cirurgicamente. Em certas situações, pode-se colocar a CE com
grandes recursos. A enteroscopia (push enteroscopy) só tem va- a ajuda de fibroscópios.
lor em cerca de 12% dos casos de pacientes com má absorção de Quanto ao uso da CE em pacientes pediátricos, o consenso
origem incerta e com dados histológicos de biopsias duo~en~is inicialmente recomendava apenas naqueles que ultrapassavam
inconclusivos. Shackel et aL afirmam que, em sua expenêncta, o peso de 15 kg. Entretanto, estão surgindo relatos do uso ~a
somente 5096 dos exames indicados por sangramento intesti- CE em crianças e adolescentes de menor peso, sem compli-
nal de causa obscura foram positivos. No Brasil, Sobreira et aL cações.
identificaram lesões em 52,1% dos pacientes com sangramento Salienta-se que a cápsula localiza as lesões e pode sugerir
oculto ou obscuro, predominando ectasias vasculares. sua etiologia. No entanto, não permite biopsia, sendo essa sua
grande desvantagem. Entretanto, pode servír de guia para ex-
• Cápsula endoscópica ploração cirúrgica.
Apesar do desenvolvímento de métodos laboratoriai.s de
imagem e nos estudos de biopsias do intestino delgado, amda
assim as afecções que cursam com disabsorção podem apresen- • Biopsia peroral do intestino delgado
tar imensa dificuldade para o diagnóstico etiológico. O surgi- Seja qual for o aparelho utilizado, impõe-se cuidadosa ma-
mento da cápsula endosc6pica (CE) tem se mostrado um novo nipulação dos fragmentos para a devída orientação dos cort~s.
método clinico de grande utilidade, devído à vísualização di- Pela natureza *cega• da obtenção dos fragmentos para análise
reta e sugestão diagnóstica das lesões de todo intestino delga- histopatológica, o diagnóstico de doenças multifocais, porém
do que poderiam ser perdidas pelos métodos anteriormente não difusas, pode ser prejudicado, e nestes casos um resultado
mencionados. negativo não exclui o diagnóstico. Para a correta interpretação
O preparo do paciente é cômodo, por preconizar dieta sem das preparações histológicas, é imprescindlvel a atuação con-
resíduos 24 h antes do exame e jejum de 8 h. A ingestão pode junta do clinico e do patologista, para que aspectos estáticos da
ser reiniciada 2 h após a deglutição da cápsula. Recomenda-se lâmina sejam entendidos em função dos processos dinâmicos
dieta líquida nas próximas 24 h. que representam.
Embora se saiba que, nos pacientes com diarreia o trânsi-
to pelo intestino delgado seja mais rápido, habitualmente não • Biopsia transendoscópica
há comprometimento na qualidade das imagens detectadas Desde os anos oitenta, há aceitação geral da utilização da
pelaCE. biopsia duodenal distai na investigação das doenças entéricas
Várias afecções podem apresentar aspectos macroscópicos com ou sem má absorção. t possível suspeitar-se de afecções pela
sugestivos que podem ser detectados pela CE. Merece desta- aparênàa endoscópica do duodeno. Exemplos: doença celíaca,
que especial a melhoria do diagnóstico da doença de Crohn linfangiectasia, doença de Crohn, doença de Whipple etc.
pelaCE. A biopsia endoscópica tem vantagens sobre a biopsia com
As indicações para exame com a CE são: cápsula pela possibilidade de identificação da mucosa amos-
• hemorragia de causa obscura; Irada. Entretanto, o duodeno normal pode apresentar algumas
diarreia crônica e má absorção intestinal (incluindo alterações de comprimento de vilosidades e na densidade do
doença cellaca); infiltrado inflamatório, mesmo em pacientes normais, o que
• tumores; pode ser erroneamente interpretado como uma "duodenite».
Copftulo28 I SfndromedeM6Absorçãolntestinol 275

--------------------------------~--------------------------------
Quadro 28.7 Dadosde histologia em biopsias do intestino delgado
Condição Achado hlstológlco
Condições em que a biopsia é normal
SINDROME PÓS·GASTRECTOMIA
S[NDROME PÓS·ENTERECTOMIA
HEPATOPATIAS
INSUFICI~NCIA PANCREÁTICA EXÓGENA
Mucosa geralmente sem alterações histológicas
INTOLERÂNCIA PRIMÁRIA À LACTOSE
RETOCOUTE ULCERATIVA INESPECIFICA
ANEMIA FERROPRIVA
ENTEROCOLOPATIA FUNCIONAL
Condições em que a biopsia pode apresentar alterações não específicas
SINDROME DIARREICA PÓS·ENTERITE
GASTROENTERITE AGUDA
DE.SNUTRIÇ!IO
ALERGIA À PROTEINA DO LEITE DE VACA
ALERGIA À PROTEINA DA SOJA Achatamento de vilosidades; aumento do número de células inflamatórias no córion mucoso; sinais
de regeneração epitelial com diminuição da mucoprodução; aumento de plasmódtos; aumento de
S[NDROME DA ALÇA ESTAGNANTE eosinófilos e exocitose de eosinófilos em alergias e reações a drogas; aumento discreto de linfócitos
DROGAS intraepiteliais
DEFICitNCIA DE FOLATO E VITAMINA 8 12
ENTERITES POR ENTEROVIRUS, ROTAviRUS,
ADENOviRUS
ENTEROPATIA AUTOIMUNE
Condições em que a biopsia pode apresentar alterações diagnóstic.as ou achados característicos
ENTERITE POR CITOMEGALOVIRUS Inclusões virais caracterfsticas, ulceração
FEBRE TIFOIDE EPARATIFOIDE Infiltrado histiocitário, hiperplasia de placas de Peyer, úlceras profundas
YERSINIA Inflamação granulomatosa ou supurativa, ulceração, hiperplasia linfoide
CLOSTRIOIUM OIFFICILE Erosão da mucosa com formação de exsudato fibrinoleucocitário em •vulcão~ pseudomembranas
TUBERCULOSE Infiltrado granulomatoso; presença de bacilos álcool..,cidorresistentes à coloração de Ziehi· Neelsen
MICOBACTERIOSE Infiltrado granulomatoso ou histiocitário; presença de bacilos álcool·acidorresistentes à coloração de
Ziehi·Neelsen
DOENÇA DE WHIPPLE Denso infiltrado histiocitário com células espumosas que coram positivamente à coloração de PAS
GIARO[ASE Achatamento de vilos, aumento do infiltrado inflamatório do córion, trofozoítos na superfíde
ESTRONGILOIDIASE Inflamação aguda com eosinófilos e ulcerações, formas adultas e larvas, invasivas na mucosa
ESQUISTOSSOMOSE Infiltrado eosinofílico, pseudopólipos inflamatórios, ovos viáveis e inviáveis, granulomas, adultos em
vasos
CRIPTOSPORIDIOSE, ISOSPORIDIOSE Atrofia de vilosidades, abscessos de criptas, microrganismos na superficie da mucosa ou
intraepiteliais
MICROSPORIDIOSE Inflamação leve da mucosa com achatamento de vilosidades, vacuolização do epitélio,
microrganismos ao Warthin-Starry
PARACOCCIDIOIDOMICOSE Inflamação granulomatosa, organismos com gemulação múltipla ao PAS
DOENÇA DE CROHN Criptite, abscessos crípticos, inflamação transmural, úlceras aftosas, irregularidade de vi los, aumento
do infiltrado mononuclear no córion, granulomas de padrão sarcoide, fibrose
LINFANGIECTASIA INTESTINAL Linfáticos dilatados nas vilosidades, edema do córion, sem inflamação
ENTERITE EOSINOFILICA Forma mucosa: aumento de eosinófilos com degranulação, achatamento de criptas, abscessos
crípticos
ENTERITE ACTINICA Fibrose$ alterações isquêmicas, ectasias vasculares, telangiectasias, alterações vasculares
AMILOIDOSE Depósitos de material amiloide em vasos, positivo às colorações de vermelho-congo ou cristal violeta
MACROGLOBULINEMIA Deposição de material híalino acelular, eosinofflico, em canais linfáticos na ponta dos vilos e base da
mucosa
DOENÇA CELIACA Atrofia pardal ou total de vilosidades, difusa ou focal. Aumento do número de linfócitos intraepiteliais
DOENÇA DO ENXERTO-CONTRA-HOSPEDEIRO Destruição de glândulas, apoptose, infiltração por linfócitos T, ulcerações
ABETALIPOPROTEINEMIA Enterócitos vacuolados por acúmulo de gorduras citoplasmáticas, principalmente na ponta dos vilos
DEFICitNCIAS IMUNOLÓGICAS PRIMÁRIAS Aparência diversa de acordo com a classificação dela, infecções oportunística.s
ENTERITE POR ANTI-INFLAMATÓRIOS Pode simular doença de Crohn, erosões, ulcerações, forma com formação de •diafragmas"
LINFOMAS EDOENÇA IMUNOPROLIFERATIVA Infiltrados linfocitários densos e monótonos na mucosa, pode haver lesões linfoepiteliais,
DO INTESTINO DELGADO nodularidade ou formação de pólipos de acordo com o tipo de linfoma
276 Capitulo 2B I Slndrom~ d~ Md Absorção Intestinal

Atualmente, com a videoendoscopia, pode-se gravar o exame Medida direta da atividade das dissacandases
em fitas e realizar fotografias, para posterior discussão, o que Testes respiratórios: H2; C1 4 ou C13
realmente muito tem contribuído para esclarecimento diag· Testes de permeabilidade
nóstico de casos dificeis. 2..3 RELAOONADOS). ABSORÇÃO DE PROTE(NAS
Determinação da alfa-1-antitrfpsina
• l ndi~o e contraindicação da biopsia perora!do Determinação do nitrogênio fecal
intestino delgado Testes de perfusão com macromolkulas
Indica-se biopsia perora! do intestino delgado quando se Teste da albumina-CrS 1
suspeita de afecções que comprometem a mucosa da porção 3. EXAMES ESPECIFICOS PARA DETERMINADAS AFECÇOES
proximal A contraindicação real é quando o paciente é porta· Anticorpos antigliadina (AGA lgA e lgG); antiendomlslo (EmA lgA) e
dor de discrasias sanguíneas graves. antitransglutaminase tecidual (doença celfaa)
Determinação de eletrólitos no suor (fibrose dstica)
• Valor diagnóstico da biopsla perora! Determinação de imunoglobullnas (imunodeficiêndas)
O Quadro 28.7 resume as alterações histológicas possíveis Determinação de protelnas anômalas (doença imunoproliferativa do
de serem detectadas nas principais afecções que cursam com intestino delgado)
má absorção intestinal. Determinação de ácido 5-nidroxilndolacético (sfndrome carcinoide)
Seja qual for o aparelho utilizado, impõe-se cuidadosa ma· Curva glicêmica ou perfil glicêmko (diabetes melito)
nipulação dos fragmentos para a devida orientação dos cortes. Dosagens normonais (hiper ou nlpotireoidismo)
Para a correta interpretação das preparações histológicas, é im- Pesquisa de anticorpos (SI DA)
prescindível a atuação conjunta do clínico e do patologista, a Pesquisa de microrganismos (sfndrome do crescimento bacteriano
exagerado)
fim de que aspectos estáticos da lâmina sejam entendidos, em Pesquisa de parasitas em aspirado duodenal
função dos processos dinâmicos que representam.
Testes de função pancreática (secretina·pancreotimina, pentolaurit
bentiromina)
• Avaliação cirúrgica Parte li
Eventualmente, esgotados os recursos propedêuticos dispo- EXAMES DE IMAGEM
níveis e não se conseguindo chegar a um diagnóstico etiológico Raios X simples de abdome
da má absorção, indica-se laparotornia exploradora. Salienta-se Transito Intestinal
a importância de entendimento prévio entre clinico, cirurgião Ultrassonografia
e patologista, pois, quase sempre, se trata de afecções turnorais, Tomografia computadoriuda do abdome
com ou sem complicações de urgência. Citam-se, como exem- Ressonanda magnética do abdome
Raios X de tórax
plos, o diagnóstico cirúrgico de um linfoma; e o estadiamento
Ralos X de seios da face
de urna doença imunoproliferativa do intestino delgado. Mui-
Raios X de mãos e punhos para idade óssea
tas veus, o tratamento cirúrgico d~ determinada enfermidade
Ralos X de articulações
pode ser feito neste mesmo ato.
Oensitomettia óssea
O Quadro 28.8 (Partes I e li) resume a investigação das
Arteriografia
principais afecções que cursam com m á absorção intestinal.
ENDOSCOPIA
Endoscopia digestiva alta (duodeno)
... Enteroscopia diagnóstico e terapêutica
Cápsula endoscópica
Quadro 28.8 1nvestigação das prindpais afeqões que rur5am
Colonoscopia para avaliação do neo terminal
com má absorção intestinal
EXAME DO ASPIRADO GÁSTRICO/DUODENAL (pesquisa de parasitas)
P•rtel BIOPSIA PERORAL DO INTESTINO DELGADO
PESQUISA DE PARASITAS NO FRAGMENTO MACERADO
HISTÓRIA CLINICA
AVALIAÇÃO MORFOLóGICA
EXAME FISICO
Exame estereoscópico
1. EXAMES HABITUAIS PARA AVALIAÇAO DO ESTADO NUTRICIONAL
Exame histológico: hematoxilina· eoslna, paS, colorações especiais
E CARitNCIAS; PARASITOSES INTESTINAIS
Microscopia eletrônica
Hemograma, ferro sérlco, ferrltlna
DETERMINAÇC!ES ENZIMATICAS
Dosagens bioquimlcas: protefnas, colesterol, glicemia, folato etc.
Dosagens de dissacaridases
Tempo de atividade de protromblna
Exame nistoqulmico
Exames paraslt ológlcos de fe~es
ESTUDO IMUNOLóGICO
2. TESTES ESPECIFICOS PARA MA ABSORÇAO INTESTINAL
lmunofluorescência
2.1 RELACIONADOS AABSORÇÃO DE GORDURAS
lmuno-nistoqu fmica
Pesquisa de gordura fecal (Sudam 111)
Função linfocitária
Balanço de gorduras nas fe~s (Van der Kamer)
ESTUDOS BIOQUIMICOS
Testes respiratórios: triolefna-C14
Transporte de nutrientes
Esteatócrito
Composição de elementos
Pesquisa de elastase-1
AVAUAçAO CIRÚRGICA
2.2 RELAOONADOSA ABSORÇÃO DE HIDRATOS Df CARBONO
Diagnóstica (linfomas. doença de Crohn etcJ
Prova da o-xilose
Estadiamento (doença lmunoproCiferativa do Intestino delgado)
pH fecal, pesquisa de subst!nclas redutoras
Terapêutica
Provas de sobrecarga com dissacarldlos Oactose. sacarose. maltose)
Capitulo 28 I Slndrome de Md Absorção Intestino/ 277

Em slntese, depois de esmiuçada a anamnese, completo exa-


me fisico e conhecimento das características das fezes, devem-se
• LEITURA RECOMENDADA
solicitar apenas as provas mais relevantes I Bloom. PO, Rmmbers. MD, Klein, SO era/. \V'udess capsule endoscopy (CE)
is more infonnath-e llwl Ueoscopy and SBFT for lhe evaluation ofIh< smaU
lnlestine (SI) ln patlenu wllh lcnown suspected Croho's diseue. Gasrto<rt·
rerology, 2003; 214(Supll):A203.
• MANEJO ETRATAMENTO Campos, JVM. Eltado dinlmico do Intestino delg;tdo no proc<sso da absorção.
IJ. Conceituação atual e tiJiopatologia da absorção cntéri<a. Clwifi<ação
Numerosas são as afecções que cursam com slndrome de má geral daulndromcs de m4 absorção. Rev Ass Mtd Bnu, 1965; 11:110-58.
absorção intestinal. O médico necessita de profundo conheci- Carrocio, A, Vergh~ F, Santlnl, B et ai. Oiagnostic accuracy of fecal clutasc I
mento da fisiopatologia e da cllnica para diagnosticar corre- assay in palltnts with pancreactic maldigestion or intestinal malabsorption:
a coUaborative s tudy o( lhe ltalian Society of Pediatric Gastroenterology
tamente a causa do problema. Somente após a caracterização and Hcpatology. Dlg Dl.r Sei, 2001; 46:1335·42.
adequada da situação do paciente é que deverá ser instituído Day, WO tt llL (tds.). Morson and Dawson Gastrintcstinal Patbology. Blackwell
o tratamento, cujos resultados irão confirmar ou refutar tal Pub!W>lng. 4. Ed., 2003, p. 324-39.
diagnóstico. Grttnbers. N). Trtatmtnt o( malabsorptive disordtrs. Em: Wolfe, MM. Thtrrlf'Y
O tratamento das doenças que cursam com disabsorção se ofDigtstiv< Olsordtn. Phlbdelphia. WB Saundcrs, 2000, p. 491-501.
Hasan, M & Ftrguson, A. Measurements of intestinal vi1li in non-spedlic and
baseia primeiramente na identificação do processo. Em segundo ulctr-usociattd duodenilis- c:orrdallon betwten microdiss«ttd viUus and
lugar, se há desnutrição calórica/proteica e/ou deficiência de viDousepilhellal a:U c:ount. I Clin Pathol, 1981; 34:1881.
vitaminas, sais minerais, deve também ser instituido adequado Kotze, LMS. Biopsia ptroral do intestino delg;tdo. Em: Castro LP & Cotlbo
aporte nutricional a fim de se manter ou restaurar o crescimento LGV. Gcur~nrm>logla. Medsl, Rio de Janeiro, 2004, p. 981 -1000.
Kot7e, LMS. Diagnóstico ttiológico das diarreias aônicas. Em: Kotz.t LMS.
normal (reposição entérica ou parenteral). Diarreias cr6niCIU. Dtagn6stla> t Tratamento, Editora Mtds~ Rio dt)anelro,
1992, pp. 55-83.
Kot7e LMS. Doença Cellaca. Em: Lopes AC Tratado de Clfnica Mldlca, Editora
• CONSIDERAÇÕES FINAIS Roca, I ' tdlção, SAo Paulo, 2005, pp. 1036-SS.
Kot7e LMS. Ootnça dt Crohn. Em: Oani R. Ga.strenterologia &.tncial, 3' ediçlo,
Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2006, pp. 333-57.
Diferentes fatores etiológicos desempenham papel na defla- Kotu, LMS. O examt das feus nas diarreias crônicas. Em: Kotzt, LMS. Diarnlas
gração e no desenvolvimento de várias slndromes. No Brasil, as Cnlnicas. Diagn6srico e Tmramenlo, Rio de janeiro, Medsi, 1992. p. 45-53.
condições socioeconômicas podem expor as pessoas a subnu- Kotu, I..MS. Slndrome de mi absorção. Em: Dani R. Gastrentm>logla Esuru:üú,
trição, infecções e parasitoses intestinais de repetição e deve-se 3' ediçio, Guanabara Koogan. Rio de Janeiro, 2006, pp. 257-72.
levar em conta que essas peculiaridades podem modificar as Kotu, Lt\tS & Pisanl, JC. Endoscopia e biopsia ptroral do intestino delgado.
Em: Kou.: t..\iS. Oia,.,.úu Ctóniau. Diagnóstia> e Tnztamenro. Meds~ Rio
manifestações clássicas das doenças descritas nos livros-texto de Janeiro, 1992, p. BS-112.
estrangeiros. Outro aspecto de grande relevância é a aborda- Manniclt. EE & Uda1l, JN. Maldigestion and malabsorption. Em: Wyllle, R &
gem dos problemas emocionais, pois o paciente que tem diar- Hyams, JS (cd.). l'cJiaJrlc Gastrinusnruü Disease. Philadclphla, Saundtrs,
reia crônica, em geral, apresenta limitações em suas atividades 1999, p. 273·87.
familiares, sociais e sexuais que podem desencadear transtor- Odu. RD, Goldblum, IR. Crawford. 1M (tds.). Surgical Pathology ofthe GI
Tracl, Liver, Blliary l'hl<t and PanCT<os. Saundcrs, 2004.
nos psicossociais. Romaldini, CC. Pro._s de absorçlo intestinaL Em: Kotze LMS & Barbierl O.
O ponto fundamental é o ajuste da dieta em relação à capa- lifccções Gasrrillt<ttlnal• da Criança e do Adolescente. Rcvinter, Rio de I•·
cidade digestiva e absortiva de cada paciente. De forma geral, o neiro, 1° ed., 2003, p. 465-7.
conhecimento em relação às slndromes de má absorção intesti- Shackd, NA, Bowen, OG, Selby, WS. Vídeo push enteroseopy in the lnvc:• tlga-
tion ofsmall bowtl disease: defining clinicai indications and outcomes. Aus.
nal aumentou significativamente nas últimas décadas; contudo,
N. Z. /. Mtd., 1993; 28:198-203.
novos estudos e pesquisas ainda serão necessários para melhor Sobrtira, RS, Malhelros, APR. Teixeira, MG et al. Ttcnica de •push"-enteroa·
manejo dos pacientes. copia no diagnóstico do sangn.mento digestivo dt orig<m Indeterminada.
Os métodos de investigação têm sido aperfeiçoados e ou- G.E.D., 2004; 23:143-6.
tros foram desenvolvidos para permitir estas diferenciações e Trier, JS. Intestinal malabSO<ption? Oifferentiation o(caust. Hosp. Prart, 1988;
auxiliam na determinação da etiologia. Tal diferenciação é de 23:195.
Valle, J, Alclntara, M, Péru-Grueso, MJ et ai. Cllnlc:al featwu of patlenu wilh
suma importãncia, uma vez que o desenvolvimento de linhas neg;tli>-e results from traditional diagnostic work-up and Croluls distue
de racioclnio orientará a terapia; Tudo depende de acurácia findings from capsul< tndoscopy. }. Clin. Gastroenterol., 2006; 40:692-6.
diagn6stical World Gutroenterolosr Org;tnlsatlon Pnctiee Guidelints
29 Fibrose Cística, Intolerância a
Dissacarídios e Outros Distúrbios
na Digestão de Nutrientes
Patrícia Barbosa Ferra ri, Sandra Beatriz Marion Valarini,
Jean Rodrigo Tafarel e Lorete Maria da Silva Kotze

Entende-se por funções parciais da digestdo o conjunto de atos ---------------T---------------


que visam a modificações dos alimentos no aparelho digestivo Quadro 29.1 Anormalidades na fase pré-epitelial ou no lúmen
para serem absorvidos, entregues às células de tecidos e órgãos intestinal, com consequente malabsorção
para serem metabolizados, e ainda outras que têm por objetivo
a expulsão, para o exterior, de detritos não aproveitados. Em lnsuficiênda exócrina do pâncreas
síntese, trata-se de uma intrincada série de acontecimentos de Pancreatite crônica
natureza físico-química. As modificações químicas dos alimen- Fibrose cística do pâncreas
tos constituem a digestão propriamente dita. Ressecções pancreáticas
Os processos mecânicos e físicos ocorrem na boca e no es- Tumores pancreáticos
tômago: mastigação e prensa no antro gástrico. Da mistura de Síndrome de Zollínger-EII ison
saliva e suco gástrico, resulta, então, o quimo. No duodeno e Deficíêncía de sais bílíares
jejuno proximal, ocorrem modificações osmóticas, emulsifi- Redução do reservatório de sais biliares
cação e micelação das gorduras. As primeiras visam a tornar o Ressecçâo externa do íleo
conteúdo isosmótico em relação ao plasma; as outras duas são Doenças i nflamatórias do fleo
realizadas pelos sais biliares, ácidos graxos e monoglicerídios. Alterações químicas de sais biliares
A sequência harmônica das diferentes fases da digestão leva Sindrome da al ça estagnante
os alimentos a urna desintegração em moléculas simples, do- Gastrectomia Billroth 11
tadas de elevado grau de solubilidade e difusão; ou, no caso Chegada insuficiente de sais biliares ao intestino
Obstrução do colédoco
das gorduras, a um emulsionamento em partículas ultrafinas
Produção deficiente de sais biliares
capazes de penetrar entre as microvilosidades dos enterócitos Insuficiência constitucional
para serem absorvidas. Hepatopatias
Qualquer perturbação que possa ocorrer nessa sequência
determina oferta ao intestino delgado de massa alimentar mal- Mistura insuficiente de bile com alimentos
• Gastrectomias
preparada, acarretando rejeição de grande parte do material
oferecido. Os nutrientes, ou seus produtos não aproveitados, Aceleração do trinsito intestinal
serão excretados com as fezes. Fica claro que a malabsorção Droga.s (principal mente catárticos)
resultante não decorre de um efeito primário dos enterócitos. • Doenças sistêmicas (hipertireoid ismo, p. ex.)
Secundariamente, em decorrência de fenômenos espoliati vos e
carenciais, ou por inadaptação da mucosa às condições anôma-
las, pode haver alterações nas células epiteliais absortívas.
As principais secreções digestivas são: a saliva, o suco gás- • SUCO GASTRICO
trico, a bile, o suco pancreático e o suco entérico.
As alterações em volume, concentração e disponibilidade
da secreção cloridropéptica podem estar relacionadas com a
• SALIVA má absorção intestinal, tanto na sua insuficiência como no seu
excesso.
Não se conhecem afecções que cursem com diarreias crôni-
cas produzidas exclusivamente por alterações na secreção sali-
var. Em determinadas enfermidades, pode haver modificações
• Insuficiência gástrica
na saliva (p. ex., sialosquese na desnutrição). A ausência ou indisponibilidade de suco gástrico no lúmen
Em relação às demais secreções, o Quadro 29.1 resume as intestinal está relacionada, em geral, a procedimentos cirúr-
principais entidades e mecanismos envolvidos. gicos. A principal anormalidade ocorre na função motora do

278
Copftulo 29 I Fibrose Cfstico, lntolerancia o Dissocorfdios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes 279
esvaziamento gástrico, consequente às ressecções totais e par-
ciais do estômago (com reconstrução a Billroth I ou li), e à
---------------T ---------------
Quadro 29.3 Mecanismos fisíopatológicos da diarreía pós-vagotomia
vagotomia (troncular ou seletiva). Muitas vezes, a diarreia
desaparece com a adaptação anatomofuncional; porém, em Distúrbio da função regulatória do piloro
alguns casos, persiste e pode levar a quadros de malabsorção Esvaziamento rápido do estômago
e desnutrição. Passagem rápida do quimo através do intestino delgado
Digestão e absorção insuficientes
• Diarreia pós-gastrectomia
Supercrescimento bacteriano
Alterações anatômicas e fisiológicas pós-ressecção gástrica
Aumento do conteúdo osmótico no cólon
podem resultar na síndrome pós-gastrectomia em aproxima-
damente 20% dos indivíduos operados. A gastrectomia a Bil- Denervação da vesfcula biliar
lroth II está mais frequentemente associada a essa síndrome. No
entanto, com o crescente aumento de pacientes submetidos à
cirurgia bariátrica, também tem se verificado aumento de com-
plicações gastrintestinais nesse grupo de indivíduos. A ressecção A vagotomia troncular associada à piloroplastia pode deter-
gástrica causa alteração do reservatório gástrico, compromete a minar diarreia em aproximadamente 25% dos pacientes ope-
função digestiva e a de transporte. Essas alterações podem de- rados, porém essa complicação é infrequente na vagotomia
terminar esvaziamento gástrico retardado ou rápido. Quando superseletiva. Atualmente, a vagotomia troncular raramente
há retardo do esvaziamento, sintomas como plenitude, náuseas é empregada, porém lesão iatrogênica do nervo vago, sem o
e vômito bilioso são mais frequentes. Quando há esvaziamento propósito de seccioná-lo, pode ocorrer em operações que en-
rápido, temos dumping e diarreia Clinicamente, há plenitude, volvam o esôfago ou o estômago, causando complicações. A
desconforto abdominal e diarreia. Quando ocorre liberação de diarreia é o principal sintoma clínico, tendo intensidade e du-
substâncias vasoativas e hormônios, como serotonina, bradi- ração variáveis. Nos casos de diarreia de longa duração, pode
cinina e enteroglucagon, podem existir sintomas gerais como haver emagrecimento e sinais de desnutrição. Os mecanismos
sudorese, taquicardia e lipotimia. Estudo brasileiro conduzido fisiopatológicos implicados na diarreia pós-vagotomia estão
por Coelho-Neto et ai. (2005), que avaliou complicações tardias relacionados no Quadro 29.3. O diagnóstico é baseado na his-
em 59 pacientes gastrectomizados, mostrou que a prevalência tória de cirurgia prévia e exclusão de outras alterações que le-
de diarreia foi de 18,6% e de dumping, 3,4%. A diarreia pós- vem à diarreia O tratamento clínico é baseado na utilização de
gastrectomia ocorre por vários mecanismos que estão listados colestiramina, antidiarreicos, como loperamida, e, por vezes,
no Quadro 29.2. Devido à hipocloridria, resultante da gastrec- antibióticos para inibir o supercrescimento bacteriano. O tra-
tomia, pode haver alteração de absorção de ferro, levando à ane- tamento cirúrgico é pouco utilizado, porém nas diarreias re-
mia, bem como anormalidade da absorção de cálcio e vitaminas, fratárias pode ser tentada a inversão de um segmento do jejuno
especialmente De B12• O diagnóstico da diarreia pós-gastrecto- que produzirá movimento antiperistáltico e, com isso, redução
mia é clínico, mas o estudo radiológico do esôfago-estômago- do trânsito intestinal.
duodeno (seriografia) pode avaliar alterações anatômicas pós-
cirúrgicas que colaboram para a sintomatologia A endoscopia • Síndrome de Zollinger-EIIison - Gastrinoma
pode ser útil para descartar outras anormalidades.
O tratamento clínico baseia-se em fracionamento das refei- O gastrinoma é um tumor neuroendócrino produtor de gas-
ções, adequação dietética e utilização de moderadores do trân- trina, responsável pela síndrome de Zollinger-Ellison (SZE).
sito intestinal como loperamida. A substituição da gordura da Há dois tipos de gastrinoma: o esporádico, mais frequente, e o
dieta por triglicerídios de cadeia média pode ser benéfica, bem hereditário, associado à síndrome de neoplasia endócrina múl-
como a complementação com enzimas pancreáticas. Na pre- tipla tipo 1 (NEM 1). Geralmente, são tumores muito pequenos,
sença de esteatorreia e supercrescimento bacteriano, devem-se localizados no duodeno ou no pâncreas. A hipergastrinemia
utilizar antibióticos, sendo o metronidazol a primeira escolha, determina aumento da secreção de ácido clorídrico e maior
visto que a população de bactérias anaeróbias é predominante. possibilidade de ocorrer doenças ácido-relacionadas. Estudo
Outros antibióticos utilizados são tetraciclina e quinolonas. Não conduzido por Roy et ai. (2000), que avaliou a apresentação clí-
havendo resposta à terapia clínica, deve-se considerar a possi- nica de 261 pacientes com gastrinomas, observou dor abdomi-
bilidade de tratamento cirúrgico. A conversão da gastrectomia nal em 75% dos casos e diarreia em 73%, havendo coincidência
a Billroth li em gastrojejunostomia em Y de Roux deve ser a dos sintomas em 55% dos pacientes. A perda de peso ocorreu
primeira escolha. em menos de 20% dos casos. Os mecanismos fisiopatológicos
para o desenvolvimento de diarreia são a formação inadequada
das micelas, uma vez que o pH intralurninal é excessivamente
baixo e impede a ativação das proenzimas pancreáticas no duo-
---------------T--------------- deno e jejuno proximal, além da redução da absorção de sal e
Quadro 29.2 Mecanismos fisiopatológicos da diarreia pós-gastrectomia água devido à elevada concentração de gastrina.
O diagnóstico é feito pela dosagem sérica de gastrina que
Aumento do potencial osmótico no intestino exercido pelo alimento normalmente apresenta níveis elevados (acima de 1.000 pg/
inadequadamente processado pelo estômago
ml), e pela detecção do gastrinoma por métodos de imagem
Alteração do sincronismo entre a chegada do bolo alimentar e a secreção como ultrassonografia, tomografia computadorizada ou resso-
biliopancreática na alça intestinal
nância magnética abdominal. A localização do tumor por esses
Hipocloridria e estagnação de alimentos na alça intestinal, levando a
supercrescimento bacteriano com consequente desconjugação dos sais
métodos nem sempre é fácil, pois a maioria das lesões é menor
biliares que 1,0 em. Outros métodos empregados no diagnóstico são
Inadequada formação de micelas
a cintigrafia com somatostatina marcada e a ultrassonografia
endoscópica.
280 Capitulo 29 I Fibrose Cfstico, lntoler,nclo o 0/ssocorfd/os e Outros Oistl1rbios no 0/gest"o de Nutrientes

O tratamento baseia-se na utilização de inibidores da secre- nio-tauro-homocolato), associados a testes terapêuticos com
ção ácida, preferencialmente os inibidores de bomba de pró- colestiramina, têm demonstrado a importância da participação
tons, em uma dose que varia de 60 a 240 mgldia durante tempo da MAB na patogênese da diarreia sem, no entanto, excluir a
indeterminado. A eficácia do tratamento pode ser avaliada com existência de outros fatores. O teste do SeHCAT tem se mostra-
a mensuração do débito da secreção ácida, que deve ser man- do fundamental para o diagnóstico diferencial entre a diarreia
tida entre I e lO mEq/h, evitando, assim, a acloridria. Após o pós-colecistectomia e a slndrome do cólon irritável. Trata-se
advento dos antissecretores, a gastrectomia tem sido tratamento de exame com custos elevados, sendo, muitas vezes, substitui-
de exceção. Indica-se tratamento cirúrgico para os gastrinomas do por prova terapêutica com colestiramina.
esporádicos, localizados no pâncreas e maiores que 3,0 em de
diâmetro, sem metástases hepáticas. Os fatores de risco associa-
dos à metástase hepática são o tamanho do tumor,localização • Malabsorção de ácidos biliares em pacientes
pancreática e associação com NEM I. com diarreia crônica
Extensos estudos com o teste do SeHCAT têm sido reali-
zados em pacientes portadores de diarreia crônica sem causa
• BILE detectável ou rotulados como funcionais. Embora ainda não
A insuficiência biliar acompanha-se de esteatorreia. Os sais tenha sido possível estabelecer uma identidade fisiopatológica
biliares são os detergentes mais importantes, portanto de fun- para a má absorção primária de ácidos biliares, foi verificada
damental importância na emulsificação e micelação das gor- uma incidência razoável de casos em que a MAB está presente,
duras. e o tratamento do quadro diarreico crônico com colestiramina
traz beneficios ao paciente. Um estudo prospectivo em porta-
dores de diarreia crônica associada à AIDS revelou a presença
• Colestase de MAB em 47% dos casos. Esses achados sugerem fortemente
A falência da excreção biliar que ocorre na colestase, seja a realização desse teste, ou de prova terapêutica, mais precoce-
intra-hepátíca (parenquimatosa) ou extra-hepática (obstru- mente no curso da investigação da diarreia crônica.
tiva), determina uma queda na concentração intraluminal de
ácidos biliares. O processo de formação de micelas na diges-
tão dos lipídios fica prejudicado, resultando em má absorção • SUCO PANCREATICO
de gorduras, inclusive de vitaminas lipossolúveis. Geralmente,
são quadros diarreicos de pequena intensidade. O tratamento A diminuição acentuada, ou ausência, do suco pancreático
deve ser dirigido à doença básica. acarreta muitos problemas, visto conter poderosas enzimas que
exercem ação sobre nutrientes nobres. quais sejam carboidra-
tos, proteínas e gorduras.
• Ressecção ou disfunção ileal A consequência previsível é a má absorção de todos esses
Indivíduos com doença inflamatória do lleo (doença de nutrientes em graus variáveis, sendo clinicamente mais expres-
Crohn, tuberculose intestinal) ou uma ressecção ileal extensa siva a de gorduras, determinando esteatorre.ia. As principais
(slndrome do intestino curto) apresentam captação ileal defei- causas da insuficiência pancreática com apresentação por diar-
tuosa dos ácidos biliares e, portanto, má absorção desses ácidos. reia crônica são as pancreatites crônicas, de etiologia variável,
Tais ácidos passam para o cólon e promovem uma diarreia se- porém mais comumente alcoólica; os tumores pancreáticos, as
cretória mediada por mecanismo dependente do AMP-dclico. ressecções pancreáticas e a fibrose cística. A diarreia é secun-
Com a perda fecal dos ácidos biliares aumentada, ocorre um dária à insuficiência exócrina do pâncreas que ocorre em 30 a
incremento compensatório da sua síntese, e o pool de ácidos 40% das pancreatites crônicas, 80 a 95% na fibrose dstica e é
biliares é mantido. Esses pacientes podem ser tratados com relativamente frequente no câncer de pâncreas, devido à obs-
resinas que se ligam aos ácidos biliares, como a colestiramina, trução do dueto pancreático. A fisiopatologia da insuficiência
para evitar diarreia. Se a perda for muito intensa, pode exce- exócrina de acordo com a sua etiologia, assim como alterações
der a síntese compensatória e ocorrerá uma redução do pool e, fisiológicas associadas, que afetam a eficácia dos tratamentos
consequentemente, diminuição da concentração intraluminal dietéticos e medicamentosos, estão detalhadas nos capítulos
de ácidos biliares, abaixo da concentração crítica necessária das doenças pancreáticas.
para a micelização das gorduras. Isso resulta em má absorção
de gorduras e de vitaminas lipossolúveis. A reposição de bile
ou ácidos biliares poderia levar a uma piora da diarreia causada • Doenças pancreáticas na criança
por sua entrada no cólon. No entanto, existe relato de melhora As doenças pancreáticas na criança geralmente são congê-
importante da esteatorreia, sem piora do quadro clínico, com a nitas.
administração de bile bovina a pacientes com ressecção de Oeo
terminal e cólon preservado. 1. Anormalidades anatõmicas que causam sintomas pan-
creáticos são, costumeiramente, tratadas por cirurgia;
2. Anormalidades bioquímicas encontradas com deficiên-
• Diarreia pós-coledstectomia cias enzimáticas, fibrose cística e síndrome de Schwach-
A má absorção de ácidos biliares (MAB) na diarreia pós- man são bem manejadas com medicamentos;
colecistectomia é uma condição cllnica bem conhecida, porém 3. Pancreatite aguda tem como causa mais frequente o
seu papel etiopatogênico não está esclarecido. O aumento da trauma;
ciclagem êntero-hepática dos ácidos biliares após a colecistec- 4. Insuficiência pancreática crônica habitualmente ocorre
tomia pode ser responsável pela diminuição de sua captação de modo secundário à fibrose cística do pâncreas. Por
no lleo terminal. Testes diagnósticos com SeHCAT (75 selê- sua importância prática, será discutida em detalhes.
Capitulo 2 9 1 Flbrose Cls tico, lntolerllncio a Dissocarfdios e Out ros Distúrbios no Dlgestt'Jo de Nutrientes 281

O diagnóstico da doença leva a aconselhamento genético mundo, porém está presente em apenas 4096 dos fibroc.lsticos
e supervisão pulmonar adequada que podem tornar-se muito brasileiros, provavelmente devido à miscigenação racial. A pre-
importantes como avanço terapêutico e melhora da qualida- sença da mutação M508del na forma homozigota está relacio-
de devida! nada com insuficiência pancreática, colonização precoce pela
Pseudomonas aerugínosa e doença pulmonar mais grave.
As mutações do gene da FC são c.lassificadas em classes de I a
• Fibrose cística (FC) V, conforme o tipo de defeito encontrado na protelo a: ausência
• Introdução total de slntese (classe I), bloqueio no processamento (classe II),
A librose dstica (FC), ou mucoviscidose, é uma doença ge- bloqueio na regulação (classe ill), condutância alterada (classe
nética de herança autossômica recessiva, de caráter crônico e IV) e sintese reduzida (classe V). As três primeiras classes estão
progressivo, que compromete as glândulas ex6crinas de múl- relacionadas à insuficiência pancreática e a quadros clínicos
tiplos órgãos e sistemas, tais como o respiratório, o digestivo, o mais graves, enquanto as duas últimas costumar ter sinais e
reprodutivo e o glandular. sintomas mais brandos.
~ a doença genética letal mais comum na população cau- Vários pacientes apresentam problemas mais leves, possivel-
casiana, e a principal causa de óbito é o comprometimento mente associados à disfunção da CFfR. tais como infertilidade
pulmonar que ocorre em torno de 9096 dos casos. A doença masculina, pancreatite recorrente, sinusite crônica e colangite
se caracteriza por infecção respiratória crônica, insuficiência esclerosante primária. Geralmente, tais pacientes apresentam
pancreática, altos nfveis de sódio e cloro no suor e outras com- concentrações de cloro limítrofes no suor e estes casos são de-
nominados doenças relacionadas com o CFfR. fenótipos par-
plicações associadas.
A FC é causada pela mutação de um único gene, o gene da ciais que devem ser diferenciados da fibrose dstica.
Nem todas as mutações do CFfR causam doenças como
fibrose dstica, denominado CFfR (cystic fibrosis transmem-
a FC, ou outras doenças relacionadas com o CFfR. Algumas
brane regulator), que codifica uma proteina de mesmo nome,
mutações podem não apresentar significado clinico ou ter re-
responsável pelo transporte de eletrólitos pelas células epiteliais.
levãncia clínica ainda incerta. A presença isolada da mutação
A doença é decorrente da ausência, deficiência na produção,
do gene CFTR, portanto, não pode encerrar o diagnóstico de
ou defeito da função, do polipeptfdio produzido pelo gene de-
fibrose cística ou das doenças relacionados com o CFTR. O
feituoso da fibrose dstica. A identificação e o sequenciamento
diagnóstico deve ser sempre baseado na apresentação clinica,
do gene alterado da fibrose dstica e o conhecimento dos me-
nas provas de avaliação da função do gene CFTR, tais como
canismos fisiopatológicos da doença são pontos fundamentais
teste do suor e diferença de potencial nasal, e, finalmente, na
para novas estratégias terapêuticas e aconselhamento genéti-
análise genética.
co. O diagnóstico precoce, a partir do screeníng neonatal, e a O genótipo de forma isolada também não pode ser usado
melhor abordagem no tratamento da doença pulmonar e do
para estimar a gravidade da doença, especialmente no que se
estado nutricional foram responsáveis pelo aumento da sobre-
refere ao dano pulmonar, já que o fenótipo é afetado por ou-
vida da doença. tros fatores genéticos e ambientais, além do tipo de mutação
No Brasil, o Programa Nacional de Triagem Neonatal foi encontrada. Gêmeos monozigóticos podem apresentar quadros
criado em 2001, a partir da Portaria n• 822, do Ministério da clínicos bem diferentes, apesar de apresentarem o mesmo tipo
Saúde, e, no mesmo ano, o Paraná foi o primeiro estado a ser de mutação. Esta discrepância entre fenótipo e genótipo ocorre
credenciado e já na fase 111, ou seja, para diagnóstico de fenil- provavelmente devido a polimorfismos em outros genes não
cetonúria, hipotireoidismo congênito, anemia falciforme e ou- relacionados com o gene da fibrose clstica.
tras hemoglobinopatias e fibrose cística. No Brasil, atualmente
apenas quatro estados estão credenciados na fase Ili para diag- • Fisiopatologia
nóstico de librose clstica, a saber: Paraná, Minas Gerais, Santa A proteína CFfR está presente na superflcie apical das cé-
Catarina e Espfrito Santo. lulas epiteliais onde constitui um canal de cloro dependente de
AMP dclico. Embora a função da CFfR seja principalmente
• Incidência relacionada com o canal de cloro, ela também exerce outras
A incidência da fibrose clstica é de aproximadamente 1/2.000 funções reguladoras.
a 1/5.000 na população caucasiana da Europa, EUA e Canadá. Em individuas normais, a CFfR promove o transporte ade-
~menos comum em outros grupos étnicos, sendo encontrada quado do cloro da célula para o lúmen glandular. Nos indiví-
em 1/17.000 na população negra e em 1/90.000 na população duos librocísticos, as glândulas mucosas e as serosas não fun-
oriental. No Brasil, nos estados em que há a triagem neonatal cionam adequadamente. Nas glândulas mucosas dos doentes,
para FC, a incidência é de 1/9.000 a 1/9.500 nascidos vivos. não há transporte adequado do cloro para o lúmen glandular,
impedindo a hidratação adequada do fluido lu minai e predis-
• Genética pondo as secreções viscosas que obstruem os duetos. Já nas
O gene da fibrose dstica foi clonado em 1989 e se localiza no glândulas serosas, como são as glândulas sudorlparas, há falha
braço longo do cromossomo 7. Trata-se da doença autossômica na reabsorção do cloro predispondo nfveis elevados de cloro
recessiva mais frequente na raça branca, e 596 dos indivíduos no suor. Os órgãos mais acometidos pela FC são o pulmão e
desta etnia são portadores heterozigotos do gene. o pâncreas.
Mais de 1.700 mutações já foram identificadas como respon- Esta alteração no liquido de superficie das vias respiratórias
sáveis pela fibrose clstica. Os tipos de mutações variam em sua promove obstrução das vias respiratórias por rolhas de muco
frequência e distribuição em diferentes populações. A mutação que favorecem a instalação da inflamação, colonização e in-
mais comumente encontrada é a deleção de 3 pares de bases fecção, especialmente por algumas espécies de bactérias. Den-
nitrogenadas que levam à perda da fenilalanina na posição 508, tre os agentes infecciosos mais comumente encontrados, estão
também conhecida como &FS08del. Esta mutação é responsá- Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, Stenotropho-
vel por aproximadamente dois terços dos portadores de FC no monas maltophilia, bact.érias do complexo Burkholderia cepa-
282 Capftulo 29 I Fibrose Cfstlca. lntoler(Jnclo a Dlssocorfdios e Outros Dlstrírblos na Dlgest(Jo de Nutrientes

cio, micobactérias atípicas e Aspergillus fumigatus. A infecção ção geográfica. Os sinais e sintomas da doença são sibilãncia,
broncopulmonar crônica ou recorrente leva à lesão pulmonar infiltrados pulmonares e bronquiectasias centrais.
progressiva da fibrose cística e deve ser prontamente tratada. Quanto ao acometimento do pâncreas, a lesão já se inicia
Os recém-natos nascem com os pulmões anatômica e his- intraútero e se traduz por obstrução e dilatação dos duetos
tologicamente normais e o trato respiratório é colonizado por pancreáticos por secreções viscosas e lesão do epitélio que é
bactérias da flora normal. Inicialmente, ocorrem dilatação e substituído por tecido gorduroso e fibrose. Eventualmente,
hipertrofia de glândulas mucosas seguida de metaplasia esca- podem ocorrer calcificações intraluminais e formações clsti-
mosa do epitélio broncopulmonar, presença de rolhas de muco, cas, alterações que batizaram a doença como fibrose clstica do
alterações cilíares secundárias e infiltrados inflamatórios na pâncreas. Já as alterações inllamatór.ias não são habituais. O
submucosa. Ciclos repetidos de obstrução e infecção desenca- quadro clinico tradicional é a insuficiência pancreática exó-
deiam a formação de bronquiolectasias e bronquiectasias. Ao crina que ocorre em 90% dos pacientes. A função endócrina é
redor destas lesões, há artérias brônquicas dilatadas e de pare- menos afetada, já que as ilhotas de Langerhans são inicialmente
des finas que se rompem e causam hemoptise. Com a evolução poupadas nos primeiros anos da doença.
do quadro clínico, a hipoxemia promove vasoconstrição da
artéria pulmonar, hipertrofia da camada média e hipertensão
pulmonar secundária ou cor pu/mona/e. • Quadro dínico
Com o passar dos anos, os agentes da colonização e infec- Clinicamente, as manifestações da PC relacionam-se a uma
ção são diferentes e seguem uma sequência tradicionalmente disfunção epitelial multissístêmica, em todas as glândulas secre-
descrita. toras exócrinas, sejam elas do tipo seroso ou mucoso. As ma-
Quando lactente, o paciente portador de FC pode apresen- nifestações clínicas mais notáveis referem-se, particularmente,
tar exacerbações respiratórias por agentes viraís, causadores ao dano progressivo dos pulmões e pâncreas, cujos duetos são
de bronquiolites. obliterados pelas secreções viscosas e espessas desses órgãos.
A partir dos primeiros anos de vida, os pacientes são colo- Essa obliteração acarreta comprometimentos sequenciais que
nizados por Staphylococcus aureus, seguido por Pseudomonas variam, em cada órgão, com a extensão e o grau de obstrução,
aeruginosa cepa não mucoide, Pseudomonas aeruginosa cepa que partem da inflamação e dilatação ductal à destruição dos
mucoide e complexo Burkholderia cepacia. Estudos demons- tecidos nobres do órgão afetado.
tram que, aos 3 anos de idade, 98% das crianças são colonizadas As secreções das glândulas serosas, como as sudorlparas e
por Pseudomonas aeruginosa. as salivares, não provocam, na slndrome clínica, alterações ex-
Infecção persistente leva a geração e secreção de citocinas pressivas comparáveis às do pâncreas e dos pulmões. Em con-
quirniostáticas que recrutam grande número de polimorfonu- trapartida, é a determinação da elevação anormal da concen-
cleares para as vias respiratórias. A Pseudomonas libera toxinas tração de sódio e cloro na secreção sudorípara que oferece a
e elastases que clívarn os polimorfonucleares, e estes liberam identificação comprobatória da enfermidade.
suas próprias proteases e elastases, ampliando o ciclo de infec- Além do pâncreas e dos pulmões, os órgãos mais comu-
ção e inflamação. A liberação do DNA dos neutrófilos enve- mente envolvidos, a FC envolve um largo espectro de sinaís e
lhecidos aumenta a viscosidade do muco, trazendo mais dano sintomas descritos a seguir.
ao epitélio.
A via respiratória do paciente portador de PC é propícia ao • Vias respirot6r/assuperiom
crescimento da Pseudomonas, por várias razões: microambiente A totalidade dos pacientes se apresenta com pansinusite
permissivo com nichos hipóxicos de placas de muco, aumento crônica, grande parte dos casos associada à polipose nasal e
da adesão bacteriana ao epitélio e redução do c/earance bacteria- recorrente. A polipose nasal acomete 20% dos pacientes e pode
no por mecanismos imunes inatos. Após anos de colonização, ser o sintoma inicial da doença. Podem ocorrer também otite
a Pseudomonas muda seu fenótipo do tipo não mucoide para média crônica ou recorrente, anosmia, rouquidão transitória
o tipo mucoide, momento este que passa a produzir grandes e defeitos da audição.
quantidades de um polissacarídio denominado alginato. O al-
ginato facilita a proliferação bacteriana por estimular a adesão
e a formação de microcolônias de bactérias, o biofilme, e inibe
• Vias respirot6rios inftriores
o processo imunológico de defesa do hospedeiro por dificul- A tosse persistente é o sintoma primordial do comprometi-
tar a opsonização, fagocitose e a penetração de anticorpos e mento de vias respiratórias inferiores e costuma se iniciar nos
antibióticos. primeiros meses de vida. Inicialmente, é seca, coqueluchoide,
Pacientes colonizados por Pseudomonas aeruginosa, caracte- noturna e compromete o sono e a alimentação. Com o passar
rística marcante desta doença, apresentam maior taxa e duração do tempo, a tosse evolui para produtiva matinal com expecto-
de hospitalizações e redução da função pulmonar à espirome- ração variando de mucoide a purulenta.
tria. Apresentam declínio da função pulmonar, alguns evoluem A progressão da doença leva a um quadro de insuficiência
de forma lenta e com pequenos danos e outros evoluem com respiratória, com dispneia inicialmente durante a atividade fi.
rápidos e grandes danos pulmonares. sica e, depois, ao repouso, inclusive. Pode se manifestar com
O complexo Burkholderia cepacia é um grupo de pelo menos quadro de pneumonia de repetição, bronquiolite persistente ou
nove bactérias extremamente virulentas, transmitidas de pessoa de repetição, sibilância que não responde a broncodilatadores,
a pessoa e com resistência inata à antibioticoterapia. Causam atelectasias e bronquiectasias. A evolução é para insufici~ncia
rápido decllnio da função pulmonar, ou também podem desen- respiratória crônica e cor pu/mona/e.
cadear um quadro fulminante invasivo, denominado •sfndrome Nos casos iniciais ou leves, o exame fisico pode ser total-
da cepacia•, em que há disseminação hematogênica e óbito. mente normal. Nos casos avançados, podem-se encontrar ta-
O Aspergil/us fumigatus pode desencadear intensa resposta quipneia, estertores crepitantes localizados ou difusos, tiragem
alérgica a fungos, quadro chamado de aspergilose broncopulmo- estemal, aumento do diâmetro anteroposterior do tórax, ba-
nar que ocorre em 1 a 15% dos pacientes, conforme a localiza- queteamento digital e cianose de extremidades.
Copftulo 29 I Fibrose Cfstico, lntolerancia o Dissocorfdios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes 283
Podem ocorrer exacerbações do quadro respiratório e estas O quadro clínico se traduz por esteatorreia devido à má ab-
devem ser reconhecidas para o tratamento imediato. Os sinais sorção intestinal. Os achados clínicos são distensão abdominal,
e sintomas são febre, piora da tosse, surgimento de expectora- diarreia crônica com grande número de evacuações, consis-
ção, mudança no aspecto e quantidade da expectoração, redu- tindo em fezes amolecidas, pálidas, em grandes quantidades,
ção do apetite, menor tolerância ao exercício, agravamento ou oleosas e fétidas. Como consequência, o paciente se apresenta
surgimento de hemoptise, taquipneia, fadiga, sonolência. Além com desnutrição proteico-calórica, apesar da ingestão calórica
destes, são fortemente sugestivos a presença de esforço respira- normal ou aumentada, e com deficiência de vitaminas liposso-
tório, aparecimento de ruídos adventícios ou piora da ausculta, lúveis (Figura 29.1).
perda de peso e sinais de aprisionamento de ar. Deficiência das vitaminas A, D, E e K leva a quadros de
A infecção pulmonar crônica, associada à obstrução pro- acrodermatite, anemia, neuropatia, cegueira noturna, hiper-
gressiva das vias respiratórias, gera maior trabalho respiratório, tensão intracraniana idiopática, osteoporose e desordens he-
aumentando o gasto energético basal mesmo em pacientes com morrágicas.
doença pulmonar leve. A osteopenia inicia-se na infância, mas o quadro clínico
geralmente se manifesta na idade adulta.
• Pâncreas A osteoporose pode ser secundária à deficiência de vitamina
D, à inflamação crônica sistêmica e ao uso de corticoides.
A insuficiência pancreática ocorre em 60% dos pacientes no
A desnutrição está fortemente associada à deterioração da
período neonatal, em 80% aos 6 meses de vida e em 90% dos função pulmonar.
bebês com 1 ano de idade.
Vários fatores influenciam o metabolismo da glicose, in-
O suco pancreático dos pacientes é liberado em pequena cluindo gasto energético elevado, infecção crônica e aguda,
quantidade e com baixa concentração de enzimas pancreáticas deficiência de glucagon, disfunção hepática, lentidão do trânsito
e de bicarbonato. A deficiência de enzimas pancreáticas é cau- gastrintestinal e aumento do trabalho respiratório. As ilhotas
sada inicialmente pela obstrução dos duetos devido à secreção de Langerhans do pâncreas endócrino não são primeiramente
espessa e, posteriormente, pela destruição progressiva da ar- afetadas na PC, mas, com a evolução da doença, o pâncreas sofre
quitetura pancreática. autólise e as ilhotas são substituídas por tecido gorduroso. Opa-
A insuficiência pancreática decorre da redução, tanto na ciente desenvolve insuficiência de insulina e intolerância à gli-
quantidade, quanto na qualidade, das enzimas pancreáticas. cose, provavelmente coe.xistindo com resistência insulinica.
Isso porque, além do teor reduzido de enzimas pancreáticas, es- O diabetes melito associado à PC é bem diferente do diabe-
tas sofrem in ativação no duodeno. Isso ocorre devido à deficiên- tes dos tipos I ou I!. Diabetes metito relacionado com a fibrose
cia de bicarbonato, que leva à acidificação do duodeno e inativa cística ocorre em 30% dos pacientes acima de 25 anos, e 40%
enzimas pancreáticas e precipita sais biliares, comprometendo dos adolescentes apre.sentam alteração do teste oral de tolerân-
a digestão das gorduras. cia à glicose. Existe correlação clínica entre diabetes melito e

Figura 29.1 Paciente portadora de fibrose cística. Suor: sódio, 108,0 mEq/t; cloro, 93,0 mEq/t. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores
no Encarte.)
284 Capftulo 29 I Fibrose Cfstica, lntolerancia a Dissacarfdios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes

doença pulmonar mais grave e estado nutricional precário. Os O tratamento é feito com reposição enzimática e melhora do
pacientes com perda de peso inexplicada ou redução da função estado nutricional.
pulmonar devem ser testados para diabetes.
• Doença do refluxo gastresofágico (DRGE)
• fito mwnial Pacientes com PC apresentam incidência aumentada de
Na fase intrauterina, todo o tubo digestivo se encontra co- DRGE por alterações no esvaziamento gástrico e relaxamento
berto por uma camada de secreção mucosa mais espessa e vis- inadequado do esfincter esofágico inferior. O quadro de DRGE
cosa do que a habitual no pós-parto. ainda é complicado pelo aumento da pressão intra-abdominal
O mecônio se apresenta excepcionalmente espesso e causa, devido à tosse e pelo rebaixamento do diafragma. A DRGE pode
junto à válvula ileocecal, obstrução do íleo terminal, e o qua- trazer complicações, agravando ainda mais a função pulmonar
dro clínico é, então, denominado íleo meconial. Ocorre em 10 dos pacientes fibrocísticos.
a 20% dos recém-natos portadores de PC e é o sinal mais pre-
coce da doença. Todo paciente com quadro de íleo meconial é • Manifestações hepatobiliares
considerado portador de fibrose cística até que se prove o con- Assim como acontece nos outros órgãos, a secreção biliar
trário. Este dado é verdadeiro em 90% dos casos. Manifesta- espessa promove obstrução biliar, inflamação, fibrose biliar
se logo ao nascer ou nos primeiros dias de vida com ausência periporta e cirrose biliar focal.
de eliminação de mecônio, distensão abdominal progressiva e Um em cada quatro pacientes apresenta alterações labo-
vômito biliar, evoluindo, eventualmente, para perfuração in- ratoriais de dano hepático e colestase, apesar de geralmente
testinal e peritonite. ser assintomático. Podem ser encontradas esteatose hepática e
A radiografia simples do abdome denota sinais de obstrução colelitlase. A cirrose biliar focal geralmente ocorre aos 15 anos
intestinal distai com distensão de alças com níveis hidroaéreos, de idade e acomete apenas 5% dos pacientes que se apresen-
ausência de ar distai e aspecto em vidro fosco ou granuloso, tam com hepatoesplenomegalia, ascite, edema periférico e hi-
representada pela mistura do mecônio espesso com pequenas pertensão porta. O óbito por doença hepatobiliar ocorre em
bolhas de ar. A radiografia contrastada mostra os segmentos 2% dos casos.
do cólon, distais ao bloqueio, vazios e colapsados, revelando o
aspecto de microcólon. O tratamento clínico é sempre a op- • Outrascausos de dor abdominal
ção inicial, e o tratamento cirúrgico fica restrito aos casos de Além das já citadas, podem existir intussuscepção intestinal,
falha terapêutica. aderências intestinais decorrentes de procedimentos cirúrgicos,
apendicite, abscesso apendicular, pancreatite (em caso de fun-
• Síndrome da obstrução intestinal dista/ ção pancreática residual) e colecistite.
(equivalente ao ílea meconial)
Ocorre em 1O a 20% dos pacientes e é causada pela obs- • Manifestações reprodutivas
trução intestinal, geralmente parcial, após o período neonatal, Pode haver atraso puberal nos pacientes com comprome-
em geral em adolescentes e adultos. Assim como no ileo me- timento nutricional. A esterilidade masculina ocorre virtual-
conial, há obstrução da região ileocecal. O quadro está asso- mente em todos os casos devido à azoospermia por obstrução
ciado com fezes volumosas, viscosas e mal digeridas e com a dos canais deferente.s, tanto nos pacientes portadores de fibro-
interrupção, ou o uso inadequado, das enzimas pancreáticas. se cística quanto nos pacientes heterozigotos para a mutação
Clinicamente, o paciente se apresenta com dor abdominal CFTR
recorrente e fecaloma na fossa ilíaca direita, distensão abdo- Apesar de muitas controvérsias sobre o assunto, mulheres
minal e constipação intestinal. O tratamento do quadro de portadoras de PC apresentam fertilidade normal e podem com-
suboclusão é clínico. pletar uma gravidez a termo se tiverem suporte nutricional
adequado e boa reserva pulmonar.
• Prolapso reta/
O prolapso reta! ocorre em cerca de 20% dos pacientes, em • Manifestações glandulares sudoríparas
especial nos menores de 3 anos de idade. Lactente com pro- A perda excessiva de sódio e cloro no suor pode ser perce-
lapso reta! deve ser sempre submetido ao teste do suor para bida pelos pais como "beijo salgado". Especialmente quando
avaliar a hipótese de fibrose cística. O prolapso reta! depende expostos a períodos de muito calor ou na presença de vômito e
de vários fatores, tais como diarreia crônica, fezes volumosas, diarreia, o paciente pode apresentar desidratação com alcalose
desnutrição proteico -calórica, tônus muscular diminuído e au- metabólica hipoclorêmica e hiponatrêmica.
mento da pressão intra-abdominal pela tosse. O tratamento é
clínico com melhora do estado nutricional e o tratamento da • Diagnóstico
insuficiência pancreática. Os sinais e sintomas da PC podem ser gerais, independen-
tes da idade, ou específicos para cada faixa etária conforme
• Constipação intestinal crônica disposto no Quadro 29.4. Na presença de sinais e sintomas
A constipação intestinal pode ocorrerem aproximadamente característicos, os pacientes devem ser submetidos à dosagem
26 a 47% dos pacientes fibrocísticos menores de 18 anos, sejam de cloro no suor.
eles portadores de insuficiência pancreática ou não. Os fatores Deve-se suspeitar de PC em qualquer idade em caso de his-
de risco são secreção intestinal espessa, má absorção, redução tória familiar sugestiva (paciente diagnosticado ou óbitos por
da motilidade intestinal e histórico de íleo meconial. doenças pulmonares), pele salgada, pneumopatias crônicas e/
ou de repetição, baqueteamento digital, distúrbios hidreletro-
• Edema hipoprotein~mico líticos (especialmente, akalose metabólica hiponatrêmica e hi-
Ocorre em 5% dos recém-natos portadores de fibrose cís- poclorêmica) e isolamento casual de Pseudomonas aeruginosa
tica e é secundário à insuficiência pancreática e à desnutrição. de secreções respiratórias.
Capftulo 29 I Flbrose Cfstlca, lntolertJncio a Dissacorfdlos e Outros Distúrbios na Dig estão de Nutrientes 285
T" T"
Quadro 29.4 Sinais e sintomas da fibrose dstica Quadro 29.5 Causas de resultados falso-positivos
e falso-negativos no teste do suor
G.nols (q ualq uer ld.cle)
Hlstótia f~mlliar positiva de fibrose cfstica Resultado falso-posit iv o
Pele salgada Dermatite atópica
Baqueteamento digital Desnutrl~o
Tosse produtiva Hipotireoldlsmo
Pneumopatla de repetição Hiperplasla congênita da suprarrenal
Isolamento de Pseudomonos oeruginosa cepa mucolde de secreções Insuficiência de suprarrenai
respiratórias
Síndrome de Mauriac
Alcalose metabólica hipoclorémlca hlponatrêmka
Fucosidose
Neonatal Displasia ectodérmlca
lleo meconlal Síndrome de Kllnefelter
lcterfcla prolongada Diabetes ínslpido nefrogênko
Calcificações abdominais ou escrotais Disfunção autonótnka
Atresla intestinal PrÍ\IaÇâo do ambiente
Edema hlpoproteinêmico Sindrome de Munchausen por procuração (by proxy)
Lactente Resultado falso-n egativo
Manifestações respiratórias precoces com infiltrados persistentes Dilui~o da amostra
ao ralos X de tórax
Quantidade insuficiente de amostra
Desnutriç~o
Desnutrição
Anasarca ou hipoproteinemia
Edema periférico
Dlarreia crónica
Hipoproteinemla
Prolapso reta I
Desidratação
Dlsten~o abdominal
Mutações CFTR com função da glândula sudorípara preservada
Colestase
Adaptado d• O'SoOlvon & Fretdmon. 2009.
Pneumonia por Sroplrylococcus oureus
Hipenen~ intracraniana idiopátka (defic~nda de vitamina A)
Anemia hemolítica (defidência de vitamina E)
l nflncia A suspeita diagnóstica pode ser cünica, baseada em sinais
Panslnuslte crónlca ou polipose nasal e sintomas compatíveis, ou pode ser realizada em uma fase
Esteatorrela pré-sintomática, a partir da triagem neonatal. Independen-
Prolapso retal te do caso, estes pacientes devem ser submetidos a marcado-
Dor abdominal recorrente e massa em fossa illaca direita res bioquímicas ou genéticos que demonstrem a disfunção do
(slndrome da obstrução intestinal distai) gene CFI'R.
lntussusce~o Os critérios diagnósticos utilizados atualmente foram publi-
Pancreatite crónlca ou recorrente cados por Rosenstein e Cutting, em 1998, no consenso da Cystic
Hepatopatla Fibrosis Foundation e estão descritos no Quadro 29.5.
O paciente precisa apresentar critérios clínicos e laborato-
Adole scinda • fase .clulta
riais, pelo menos um de cada. Os critérios cünicos são: sinais e
Aspergllose broncopulmonar alérgica
sintomas compatíveis, ou história de irmão com fibrose dstica,
Panslnusite crónica ou polipose nasal
ou teste de triagem neonatal positivo. Os critérios laboratoriais
Bronqulectaslas são cloro no suor> 60 mEqlt ou mmoVt em 2 dosagens dis-
Hemoptlse tintas ou identificação de duas mutações para FC ou demons-
Pancreatite recorrente idiopátlca tração de diferença de potencial nasal. A diferença de potencial
Hlperten~o portal nasal pode ser útil nos casos atípicos, entretanto este exame é
Atraso puberal tecnicamente diflcil de ser realizado, além de não estar facil-
lnfertllldade com atoospermla secundária à ausência congênita bilateral mente disponível.
d e duetos deferentes O diagnóstico neonatal tem vantagens como a melhoria
Diabetes juvenil de fácil controle do estado nutricional e, indiretamente, a melhora do quadro
Adaptado de O'Sullivon & Fr~man, 2009. pulmonar, já que a função pulmonar aos 6 anos de idade está
diretamente relacionada com o peso para idade. Além disso,
evita várias complicações desencadeadas pelo diagnóstico e
tratamento tardios e previne a mortalidade precoce. O diag-
As crianças também podem apresentar, dentre outros sinto- nóstico precoce, entretanto, não evita a colonização bacteriana,
mas,lleo meconial, prolapso reta!, diarreia crônica, desnutrição porém permite o pronto tratamento das infecções bacterianas
ou déficits de crescimento especialmente se o apetite for voraz. que levam ao dano pulmonar e, consequentemente, à maior
Suspeita-se de FC nos adolescentes e adultos com pansinusite morbimortalidade.
crônica ou polipose nasal, aspergilose, bronquiectasias, pan- Há controvérsias sobre os custos da triagem neonatal para
creatite, diabetes e infertilidade masculina. o diagnóstico de um caso positivo. Alguns os consideram de-
286 Capftulo 29 I Fibrose Cfstlca. lntoler(Jnclo a Dlssocorfdios e Outros Dlstrírb/os na Dlgest(Jo de Nutrientes

masiadamente elevados e que estes recursos poderiam ser di-


recionados para treinamento e capacitação para o diagnóstico
precoce. Outros consideram que os custos se pagam pelo me-
lhor controle nutricional, menor prejulzo da função pulmonar,
possibilidade de encaminhamento para tratamento em um cen-
tro de referência e aconselhamento genético, prevenindo novos
casos. Mesmo os países que realizam a triagem neonatal uni-
versal devem estar atentos aos sinais e sintomas da FC, já que
até 10% dos exames triados podem ser falso-negativos.
No Brasil, desde a Portaria n• 822, de 200 I, apenas 4 esta-
dos estão credenciados na fase Ili para realizar a triagem neo-
natal para fibrose cística. Dentre os países que não realizam a
triagem neonatal, a idade ao diagnóstico pode variar bastante.
Nos países desenvolvidos, a idade ao diagnóstico gira em torno
de 60% no primeiro ano de vida. Já no Brasil, a idade ao diag-
nóstico está em tomo de 4 anos de idade, dado bem alarmante
Figura 29.2 Prova de suor. Passagem de C()(rente eletrof()(ética (mé-
para um pais onde a maior parte dos estados não dispõem da todo de Gibson e Cooke).
triagem neonatal. Nos países que realizam triagem neonatal,
não é comum diagnosticar crianças com FC em idade avança-
da ou com sintomas clássicos de comprometimento pulmonar
e desnutrição.
A triagem neonatal no Brasil é feita a partir da medida do Os valores de cloro no suor estão discriminados no Qua-
tripsinogênio (imunorreactive trypsínogen - IRT) do sangue dro 29.6 e as causas de erro no Quadro 29.7.
seco coletado em papel-filtro durante o perlodo neonatal. O A concentração de cloro no suor aumenta com a idade; en-
valor de corte é de 70 nglml. Concentrações de IRT > 70 nglmt tretanto, dois exames independentes com valores acima de 60
sugerem lesão pancreática devido ao refluxo desta enzima por mmoV l ou mEq/l fecham o diagnóstico de FC, independente
duetos obstruídos, porém não são especifica.s para fibrose ds- da idade do paciente. Valores intermediários são considerados
tica. Mesmo os pacientes com mutações das classes IV e V, que os que estiverem entre 30 e 59 para bebês abaixo de 6 meses
são associadas à função pancreática normal, apresentam IRT e entre 40 e 59 para indivíduos mais velhos. Valores normais
alterado para fibrose cística. A taxa sérica de IRT é 2 a 5 vezes para crianças abaixo de 6 meses são os abaixo de 30 mEq!t,
maior nos pacientes portadores de fibrose cfstica do que em desde que a coleta do suor seja feita por métodos adequados,
indivíduos normais. em crianças maiores de 2 kg. com mais de 36 semanas de idade
Neonatos com o primeiro exame alterado são suspeitos para
fibrose clstica e devem ser submetidos a uma nova dosagem de
IRT até o final do primeiro mês de vida, screening IRT/IRT. Al-
guns palses optam por realizar imediatamente o teste para um T
grupo especifico das mutações mais frequentes do gene CFTR Quadro 29.6 Critérios diagnósticos de fibrose dstica
e consideram positivo se houver mutações em ambos os alelos
do gene, screening IRT/DNA. Marudorts de dlsfunsJo CFTR
Apesar de a dosagem de IRT ser um excelente método de Uma ou mais caracterfsticas fenotfpicas: Cloro no suor> 60 mEqli
triagem neonatal, há casos de falso-positivos e de falso-nega- • Sinusopatia ou pneumopatia c,rOnicas ou mmoVi em 2 testes
tivos. Falso-positivos acontecem em recém -natos com grande • Alteraç~ gastrfnttstinais e nutricionais distintos
estresse perinatal (baixo valor de escala de Apgar), prematuros • Sindrome da ~rda salina
e da raça negra. Os falso-negativos estão associados a fleo me- • Azoospermla obstrutiva
conial ou idade maior que 30 dias. Uma criança com duas do- História de lrmio com FC Identificação de 2 mutações
paraFC
sagens de IRT alteradas é considerada de grande risco para FC,
mas o diagnóstico se.rá confirmado apenas pelo teste do suor. Teste de triagem neonatal positivo Diferença de potencial nasal
O teste do suor é realizado desde 1959, pelo método de Diogn6srico de frbrot.ufsrico::. I critério clinico+ 2: marcador de disfunçlo
doCFTR
Gibson e Cooke, e é o padrão-ouro para o diagnóstico da FC. ~
realizado a partir da estimulação da face palmar do antebraço Cystfc Rbro~is Foundotion. Rostnsteln &C\Jtting, 1998.
pela pilocarpina, seguida da iontoforese, coleta do suor e de-
terminação quantitativa da concentração de cloro ou sódio. ~
um procedimento trabalhoso, porém de baixo custo e de alta
sensibilidade e especificidade, desde que realizado de forma T ---
adequada, contando com período de coleta que dure entre 20
e 30 min e coletando idealmente 75 mg de suor, mas, no mini- Quadro 29.7 Valores de doro no suor (em mmol/l ou mEq/l)
mo, 50 mg (Figura 29.2).
Para simplificar o teste, alguns laboratórios realizam a coleta Villordedoro (mmoVtou mEqlt) Sig!llfiGido dinko
do suor por Macroduct4t e analisam o teor de eletrólitos pela < 30 Normal em indivíduos< 6 meses
condutividade. Os valores de cloro encontrados no suor na < 40 Normal em indivíduos;, 6 meses
análise por condutividade são compatíveis com a análise tra- 30 a 60 Intermediário em indivíduos < 6 meses
dicional. A vantagem deste teste é a facilidade de reali.zação, o 40 a 60 Intermediário em indivíduos :. 6 meses
menor tempo de coleta, a menor taxa de amostras insuficientes,
> 60 Indicativo de fibrose dstica
o menor custo e a maior precisão.
Capitulo 29 I Fibrose Cfstico, lntolerancia o Dissocorfdios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes 287
gestacional e com mais de 2 semanas de idade. Valores abai- A pesquisa de enzima nas fezes consiste comumente na do-
xo de 40 mEq/ é são considerados normais para pacientes com sagem da elastase-1 pancreática fecal. A dosagem desta enzima
6 meses ou mais. é um teste preciso, simples e que não é alterado pela reposição
O teste do suor é positivo em 98 a 99% das crianças com enzimática, entretanto não está disponível de rotina em nos-
fibrose cística. so meio.
Crianças com 2 valores de IRT alterados e teste do suor O método indireto padrão-ouro é o balanço de gordura de 3
intermediário devem repetir o teste do suor. Se persistir in- dias (método de Van der Kamer) em que se medem a ingestão
termediário, o paciente deve ser encaminhado ao serviço de e a excreção fecal de gorduras. O balanço entre eles correspon-
referência de fibrose cística para pesquisa de mutações CFTR. de à taxa de absorção de gorduras, dado que é utilizado para
O algoritmo de diagnóst ico para fibrose clstica está descrito definir se o paciente é pancreatossuficiente ou insuficiente. Os
na Figura 29.3. inconvenientes são a coleta e conservação de todas as evacu-
Não existe correlação clínica entre a concentração de cloro ações durante 72 h e o manuseio de grandes quantidades de
no suor e a gravidade da doença. fezes em laboratório.
No caso de pacientes com quadro clínico compatível e teste O método direto padrão-ouro de investigação da função
do suor não conclusivo, a presença de duas mutações conhe- pancreática é o teste da secretina/pancreozimina. Este teste
cidas firma o diagnóstico de fibrose cística. Se a pesquisa de consiste na administração endovenosa de secretina (ou secre-
mutações for negativa, não se exclui a doença, já que pode ser tina + cecequina) seguida de coleta da secreção pancreática
um caso de mutação nova ou rara. produzida, mas raramente é necessário. ~ um teste invasivo e
Assim como para IRT, há casos de falso-positivos e falso- de alto custo.
negativos no teste do suor (ver Quadro 29.7). A ultrassonografia de abdome é útil para avaliar colelitíase,
A função pancreática pode ser avaliada por métodos diretos dilatação de duetos biliares e veias hepáticas. Para avaliação do
ou indiretos (Capítulo 28). Os métodos indiretos são mais co- parênquima hepático quanto à presença de fibrose ou cirrose,
mumente utilizados e consistem em pesquisa de gordura nas é necessária a biopsia hepática.
fezes e dosagem de enzimas nas fezes. A radiografia de tórax costuma mostrar comprometimen-
A pesquisa de gordura pode ser realizada pela análise qua- to pulmonar, especialmente em lobos superiores e no hemi-
litativa a partir do método Sudam III, pelo método semiquan- tórax direito. Os achados mais comumente encontrados são
titativo do esteatócrito ou pelo método quantitativo de Van hiperinsuflação, espessamento de paredes brônquicas, áreas
der Kamer. de consolidação, bronquiectasias, atelectasias e impactações

IRT positivo(> 70 ng/mf)"

Testes do suor*

l
< 30 mmollf (negativo) 30-59 mmollr (intermediário) <: 60 mmoltr (alterado)

Diagnóstico improvável Diagnóstico possível Diagnóstico confirmado

i
Normal Intermediário
i
Alterado

1
Pesquisa de mutações

• Em duas dosagens.
IRT: Tripsinogênio imunorreativo.

Figu ra 29.3 Algoritmo diagnóstico para fibrose cística. (Adaptado de Farrel, Rosenstein et aL, 2008.)
288 Capftulo 29 I Fibrose Cfstica, lntolerancia a Dissacarfdios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes

mucoides. A tomografia de tórax é indicada para avaliar os e aumenta a sobrevida. Felizmente, o Ministério da Saúde auxi-
mesmos achados, entretanto é mais sensível e específica nas lia nas despesas com o custo da maioria das medicações.
fases iniciais da doença. O tratamento se baseia em suporte nutricional adequado,
A espirometria demonstra inicialmente um padrão obs- controle de manifestações gastrintestinais, controle da infecção,
trutivo e, com a evolução da doença, um padrão restritivo controle de manifestações respiratórias.
associado.
A pesquisa de microrganismos deve ser realizada de modo • Suporte nutricional
rotineiro para detecção de patógenos incipientes através da A ingestão energética deve ser aumentada para contraba-
orofaringe, do aspirado traqueal ou do escarro induzido. lançar o maior gasto energético basal e as perdas alimentares
A investigação complementar do quadro de exacerbação pelas fezes.
pulmonar demonstra radiografia de tórax com novos infiltra- Vários fatores influenciam no ganho de peso, tais como:
dos ou piora dos já existentes, leucocitose e redução da satu- genética, insuficiência pancreática, ressecção intestinal, perda
ração de oxigênio. de sais biliares, D RGE, inflamação, infecção, diabetes e aspec-
tos emocionais.
• Diagnóstico diferencial O objetivo do tratamento nutricional é prevenir e tratar dé-
O diagnóstico diferencial da FC deve ser feito com discinesia ficits nutricionais e suas complicações. ~ realizado a partir de
ciliar primária, bronquiectasias de outra etiologia, bronquiolite dados de anamnese e exame físico à procura de sinais e sinto-
obliterante, síndrome da imunodeficiência humoral, síndrome mas de déficits nutricionais e checar o uso da TRE, medidas
da imunodeficiência adquirida (AIDS), asma e doença pulmo- antropométricas e testes laboratoriais.
nar obstrutiva crônica (DPOC) no caso de pacientes adultos. O tratamento consiste em educação nutricional, orienta-
ção dietética, suplementação diária de vitaminas A, D, E e K,
• Seguimento suplementação de sais, especialmente no verão, e terapia de
O seguimento deve ser realizado durante toda a vida. Opa- reposição enzimática (TRE).
ciente portador de FC necessita de uma equipe interdisciplinar O aleitamento materno deve ser incentivado, pois confere
e deve ser submetido a consultas a cada 1 a 3 meses, conforme beneficios duradouros.
seu estado clínico. Em todas as consultas. devem ser realizadas a A dieta deve ser hipercalórica, hiperproteica e normo ou hi-
pesquisa de microrganismos e a medida da saturação transcutâ- pergordurosa, atingindo 120 a 150% das necessidades diárias
nea de oxigênio da hemoglobina. recomendadas. Em casos selecionados, quando não for possí-
Devem ser solicitados anualmente os seguintes exames com- vel ou suficiente a ingestão de calorias pela dieta tradicional,
plementares: radiografia de tórax, ultrassonografia de abdome, pode-se optar por suplementação oral, enteral, gastrostomia
hemograma completo, dosagem de transaminases, glicemia de e nutrição parenteral. O potencial de crescimento das crian-
jejum, cálcio, fósforo, fosfatase alcalina, coagulograma, hemo- ças com FC é normal e este deve ser o objetivo do tratamento
grama completo e proteína total e frações. No meio brasileiro, nutricional.
exames parasitológicos de fezes devem ser adicionados para
verificar concomitância com parasitoses intestinais, causadoras • Controle das manifestações gastríntestínaís
frequentes de espoliação. O tratamento do íleo meconial é feito à base de enemas de
Pacientes em uso de antibioticoterapia inalatória devem contraste, de preferência hidrossolúveis e não iônicos, e reali-
ser submetidos semestralmente ao exame de rotina de urina e zados sob controle de fluoroscopia. Na falência do tratamento
dosagens de ureia e creatinina. clínico, indica-se o tratamento cirúrgico.
O teste oral de tolerância à glicose deve ser solicitado a O tratamento da slndrome da obstrução intestinal distai
partir dos 7 anos de idade, ou antes se a glicemia de jejum consiste no uso de soluções de lavagem balanceadas de ele-
for alterada. trólitos com polietilenoglicol. A dose de enzimas pancreáticas
A partir dos 6 anos, deve-se proceder à espirometria a cada deve ser reajustada, assim como deve ser estimulada uma dieta
6 meses e à tomografia computadorizada de tórax a cada 2 a rica em fibras e uso de laxativos e mucolíticos para evitar re-
3 anos, ou antes se for necessário. cidivas do quadro.
Além do calendário vacina! habitual preconizado pelo Mi- O uso do ácido ursodesoxicólico em alta dose (20 mg!kgldia)
nistério da Saúde, os pacientes também devem receber a vacina deve ser indicado nos pacientes com evolução colestase-fibrose-
antipneumocócica (conjugada a partir de 2 meses e polissaca- cirrose. Apesar da falta de evidências científicas conclusivas, ele
rídica 23-valente a partir de 2 anos) e vacinação anti-influenza aumenta o transporte dos ácidos biliares tóxicos endógenos e
anua.!. Embora ainda não haja consenso, as vacinas contra va- inibe sua absorção intestinal, estimula o fluxo biliar e tem efei-
ricela e hepatite A também devem ser recomendadas pelo ris- tos citoprotetor e imunomodulador no fígado.
co de dano nos órgãos especialmente acometidos pela fibrose A TRE deve ser instituída o mais precocemente possível, as-
cística. sim que for determinado o diagnóstico de fibrose cística com
acometimento pancreático, independente da idade, o que ocor-
• Tratamento re em 90% dos pacientes. Alguns sugerem sua utilização nos
O tratamento da FC deve ser realizado em um centro es- casos de íleo meconial, antes mesmo do diagnóstico confirma-
pecializado de referência, devido ao acometimento multissis- do de fibrose cística, pois a TRE não interfere no diagnóstico e
têmico da doença e com o intuito de prevenir complicações e pode evitar e tratar a desnutrição.
infecções. A equipe deve ser constituída por médico pneumolo- São utilizadas enzimas do tipo pancreolipases, contendo li-
gista, nutricionista, fisioterapeuta, enfermeira, assistente social pase, protease e amilase obtidas de pâncreas porcino ou bovi-
e psicólogo. O tratamento precisa ser individualizado, levando no. São encontradas em preparações comuns ou sofisticadas,
em conta a gravidade e a localização dos órgãos acometidos. muitas delas acidorresistentes, evitando a inativação pelo suco
O tratamento iniciado o mais precocemente possível retarda a gástrico, e com concentrações mais uniformes e padronizadas.
progressão do acometimento pulmonar, melhora o prognóstico As enzimas artificiais possibilitam aumento da absorção de gor-
Capitulo 29 I Flbrose Clstico, lntolerllncio a Dissocarfdios e Outros Distúrbios no Dlgestt'Jo de Nutrientes 289
T Os quadros de exacerbação respiratória, primeira cultura
Quadro 29.8 Enzimas pancreáticas disponíveis no Brasil positiva ou infecção crônica, exigem antibioticoterapia na ten-
tativa de reduzir o declínio da função pulmonar e melhorar o
Upue/cápsuli (UI) prognóstico. A antibioticoterapia deve ser intravenosa por 14
a 21 dias. Nos casos de exacerbação leve, pode ser indicado o
Pancrease 4.000
uso combinado de antibióticos orais e inalatórios.
Cotazym · 8 .000 Os antibióticos mais utilizados no controle dos estafilococos
Ultrase~ 4500 4500 sensíveis à meticilina (MSSA) são as cefalosporinas de primeira
Ultrase• MT12 12.000 e de segunda geração, amoxicilina-davulanato, macrolideos,
Ultrase• MT18 18.000 sulfametoxazol-trimetoprima e oxacüina, e dos estafilococos
Ultrase• MT20 20.000 resistentes à metilicüina (MRSA), vancomicina, teicoplanina
Cteon 10.000 10.000 e linezolida.
Creon 25.000 25.000 Os antibióticos utilizados para a infecção causada pela Pseu-
domonas aeruginosa podem ser de uso oral, no caso de cipro-
Adaptado de PAONAP. ddo X. 2007/2008.
floxacino, ou endovenoso, associando aminoglicosldio (ami-
cacina ou tobramicina), cefalosporina de terceira ou de quarta
geração (ceft:azidima ou cefepime) ou piperacilina/ticarcilina
ou piperacilina-tazobactam, ou carbapenêrnicos (imipenem,
duras em 85 a 90% do conteúdo ingerido. O teor de enzimas meropenem).
do tipo lipase de cada preparação comercial está disposto no Um dos esquemas antibióticos mais utilizados no meio bra-
Quadro 29.8. sileiro é a associação de oxacilina, amicacina e ceftazidima para
A dose prescrita das enzimas varia conforme o paciente, a erradicação de Staphylococcus aureus e Pseudomonas aerugino-
dieta ingerida e o grau de acometimento pancreático. Reco- sa, frequente associação nos pacientes com FC.
menda-se iniciar com doses baixas e ajustar a dose conforme Os antibióticos inalatórios são muito utilizados no tratamen-
a necessidade. Lactentes alimentados exclusivamente com fór- to da FC, porque apresentam boa eficácia, deposição local alta
mulas lácteas devem receber de 500 a 1.000 unidades (U) de e menor toxicidade sistêmica. São utilizados no tratamento da
lipase/g gordura ingerida na mamada. Crianças podem receber Pseudomonas, na erradicação da primoinfecção e na terapia de
de 500 a 2.000 unidades de lipase/kglrefeição. Esta dose pode supressão da infecção crônica. Os antibióticos inalatórios mais
ser ajustada para cada refeição, levando em conta a densidade utilizados são tobramicina, gentamicina, amicacina e colistina.
calórica e quantidade de alimentos consumida, os sintomas do Devem ser utilizados após a fisioterapia através de nebulizador
a jato com bocal Podem ser usados de maneira isolada ou as-
paciente, o aspecto das fezes e o ganho pondera!.
sociados a antibióticos sistêmicos.
A dose máxima não deve ultrapassar 10.000 U lipase/kgldia
O uso de antibióticos profiláticos é contraindicado pela US
pelo risco de colonopatia fibrosante, grave complicação intes-
tinal associada ao uso de altas doses de enzimas, pancreáticas. Cystic Fibrosis Foundation.
As recomendações de higiene e controle de infecção devem
Para pacientes que necessitam de altas doses de enzimas, é reco- ser seguidas à risca para evitar a propagação de bactérias, espe-
mendável associar inibidores da secreção ácida gástrica, como cialmente das multirresistentes.
ranitidina ou omeprazol, para aumentar o pH intestinal e oti- Os profiss.ionais da saúde devem evitar o contato de pacien-
mizar a ação das enzimas. tes colonizados e não colonizados, segregar em ambulatórios
As enzimas devem ser oferecidas no início de todas as refei- ou enfermarias os pacientes com bactérias multirresistentes,
ções, e sua duração é de 45 a 60 min, então é recomendado que epidêmicas e viroses respiratórias; lavar as mãos com água e
o paciente evite beliscos fora do horário das refeições. sabão e usar álcool a 70% em todos os atendimentos, utilizar
Os bebês podem receber os grânulos da enzima retirada luvas descartáveis para o atendimento de pacientes com secre-
da cápsula diretamente na boca, oferecendo a amamentação ção, proceder à desinfecção de aparelhos após o uso, utilizar
logo a seguir. lençóis descartáveis.
Pacientes em pós-operatório, com sonda nasogástrica ou Os pacientes devem cobrir a boca e o nariz quando tossir
enteral ou em ventilação assistida devem receber as enzimas na ou espirrar, evitar apertos de mão, não compartilhar escovas
forma de pó diluídas em pequena quantidade de água. de dente ou outros objetos de uso pessoal, lavar as mãos com
O insucesso da TRE pode acontecer por má adesão do pa- água e sabonete antisséptico Liquido em caso de tosse, antes e
ciente, armazenamento inadequado do produto ou por comor- depois das refeições e após contato com equipamentos médico-
bidades associadas, tais como parasitoses intestinais, intole- hospitalares, secar as mãos com papel descartável ou fontes de
râncias e alergias alimentares, diabetes, hepatopatia e doen- calor, usar máscara, em caso de tosse ou secreção, durante a
ça celiaca. fisioterapia, não compa.rtilhar aparelhos de inalação e desinfetá-
los com frequência.
• Controle da infecrão
A antibioticoterapia foi um dos fatores que mais contribuí- • Controle dos manifestações mp/rat6rias
ram para o aumento da sobrevi da nas últimas décadas. O esque- A fluidificação das secreções é de fundamental importãn-
ma terapêutico de escolha deve ser direcionado para o diagnós- cia, pois todas as complicações surgem a partir da presença de
tico microbiológico, ser usado em doses altas, preferencialmente secreções espessas.
bactericida, associando antibióticos com diferentes ações para A inalação com solução salina é um tratamento promissor,
evitar o surgimento de cepas resistentes. A estratégia terapêu- já que busca corrigir o defeito básico e não apenas tratar os
tica é erradicar a Pseudomonas aeruginosa nas fases iniciais de sintomas. Promove e mantém a hidratação do muco, melhora
colonização, antes da sua conversão para o fenótipo mucoide a depuração mucociliar e reduz as exacerbações respiratórias,
e consequente infecção crônica. melhorando a função pulmonar e aumentando a qualidade de
290 Capftulo 29 I Fibrose Cfstica, lntolerancia a Dissacarfdios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes

vida do paciente. Além disso, apresenta poucos efeitos colaterais Outras drogas estão em estudo, tais como agonistas dos re-
e é de baixo custo, permitindo seu uso com sucesso mesmo em ceptores de canal de cloro não CFTR (denufosol), drogas com
países subdesenvolvidos. Antes da inalação com solução sali- potencial anti-inflamatório (antagonistas da elastase neutro-
na hipertônica (NaCl 7%), é indicado o uso de salbutamol em fllica), produtos que interferem na formação de biofilmes da
spray oral 30 a 60 min antes. Estudos sugerem que a inalação Pseudomonas (dextrana inalatório), novos antibióticos ina-
com solução salina deva ser mais efetiva no início da vida, antes latórios (carbapenêmicos e aztreonam) e a vacina anti-Pseu-
que a doença pulmonar esteja estabelecida. domonas.
A DNAse humana recombinante (rhDNAse, dornase alfa-
Pulmozyme®) é um mucolítico que cliva o DNA dos núcleos • Prognóstico
de neutrófilos degenerados presentes no muco e reduz a vis- O prognóstico está associado a vários fatores como genó-
cosidade do muco. :B usada por via inalatória por inalador a tipo. idade de instalação dos primeiros sintomas, presença de
jato, através de bocal, na dose de 2,5 mg (1 mg!ml ), 1 vez/dia. insuficiência pancreática e grau de envolvimento pulmonar.
Deve ser utilizada de modo contínuo para sustentar os bene- As complicações costumam acontecer nos pacientes mais
ficios clínicos; apresenta alto custo. :B reservada para os casos velhos, devido à evolução da doença. São elas: hemoptises re-
de presença de secreções brônquicas purulentas, espirometria correntes, impactações mucoides brônquicas, atelectasias, em-
com sinais de obstrução e exames de imagem de vias respira- piema, pneumotórax, enfisema progressivo, fibrose pulmonar,
tórias com alterações estruturais. diabetes melito, pancreatite, osteoartropatia hipertrófica, as-
Em torno de 50% dos fibrocísticos evoluem com hiper-res- pergilose broncopulmonar alérgica, DRGE, osteoporose e cor
ponsividade de vias respiratórias, e o tratamento é similar ao pu/mona/e.
da asma atópica. A taxa de sobrevida é inversamente proporcional ao acome-
A azitromicina é indicada por apresentar efeitos anti-in- timento pulmonar da doença.
flamatórios, inibição da formação de biofilme e da aderência A insuficiência respiratória é responsável por pelo menos
bacteriana. :B provável que estabilize a função pulmonar, di- 80% dos óbitos. O óbito geralmente ocorre por uma combina-
minua as exacerbações e melhore o estado nutricional. Deve ção de falências respiratória e cardiaca.
ser usada 3 vezes/semana, durante longos períodos, nas doses Quando a fibrose clstica foi descrita em 1938, a expectativa
de 250 mg nos pacientes menores de 40 kg e de 500 mg nos de vida era de apenas alguns meses. A média de sobrevida nos
maiores a partir de 40 kg. países desenvolvidos está ao redor dos 35 anos; entretanto, nos
A oxigenoterapia deve ser reservada para os casos de países subdesenvolvidos, como o Brasil, os índices de sobrevi-
insuficiência respiratória hipoxêmica, utilizando os mesmos da são baixos. Nos EUA e no Canadá, 15 a 20% dos pacientes
critérios usados para pacientes portadores de DPOC. Dentre evoluem para óbito antes dos 10 anos de vida.
seus beneficios, estão redução da resistência vascular pulmonar,
correção da policitemia, redução do número de hospitalizações, • Conclusão
aumento da sobrevida e melhor qualidade de vida. O objetivo atual é preservar a função pulmonar dos pacien-
A fisioterapia na prática clínica é medida muito eficaz, por tes portadores de FC para que possam beneficiar-se de terapias
auxiliar na depuração das secreções respiratórias, mas infeliz- futuras que permitam a correção do defeito básico e tornem a
mente ainda não há estudos randomizados controlados para fibrose cística uma doença manejável.
uma metanálise que comprove o seu papel. Deve ser empregada
em todos os pacientes. Existem muitas técnicas empregadas na
fisioterapia, tais como manobras de aceleração do fluxo expi- • SUCO ENTÉRICO
ratório, drenagem postura!, expiração forçada e flutter, dentre
outras. As técnicas fisioterápicas devem ser associadas e ajusta- Enzimas produzidas pelas células do intestino delgado têm
das conforme a idade e a necessidade do paciente. A tosse deve importante papel na complementação da digestão de vários
ser sempre estimulada, já que é o melhor mecanismo conhecido nutrientes, principalmente de dissacarldios (Capítulo 28).
para eliminar as secreções. Atividade flsica deve ser preconiza-
da, pois também é um estimulante da tosse.
• Digestão na membrana do enterócito
• Transplante pulmonar Os carboidratos são hidrolisados por enzimas associadas à
O transplante pulmonar bilateral é a alternativa final para membrana dos enterócitos. O padrão de ingestão dos carboidra-
pacientes com doença pulmonar avançada, ou seja, quando a tos muda com a idade. Durante a infância, a quantidade maior
sobrevida por 2 anos é inferior a 50%. A pós o transplante, não da dieta corre por conta da lactose. Já na criança mais velha e
há reincidência da doença no órgão transplantado e a sobrevida em adultos, o amido constitui 60% dos carboidratos ingeridos,
pós-transplante em 5 anos é menor que 50%. a sacarose 30% e a lactose 10%. Tais carboidratos complexos
são hidrolisados a dissacarídios e monossacarídios. Os dissa-
• Outros tratamentos caridios são hidrolisados a monossacarídios por dissacaridases
A terapia gênica foi motivo de grande entusiasmo, mas en- especificas, localizadas na membrana da borda estriada das cé-
contra-se distante da prática clínica. Um gene CFTR normal é lulas epiteliais intestinais (Quadro 29.9). Os monossacarídios
introduzido dentro das células somáticas a partir de um vetor. O são então transportados através da membrana dos enterócitos.
vetor inicialmente testado foi o adenovírus, porém apresentou Quando há deficiência de dissacaridases da borda estriada, o
resultados ruins devido à imunogenicidade e baixa eficácia em dissacarídio mal digerido chega ao cólon com o conteúdo lu-
introduzir DNA nas células epiteliais. Novos vetores não virais minai, onde é metabolizado por bactérias colônicas. Dióxido de
estão sendo testados; dentre eles, lipossomas e plasmídios. carbono, hidrogênio, gases e ácidos orgânicos são produzidos
Uma nova perspectiva seria o uso de substâncias que estimu- com consequente distensão abdominal, flatulência e diarreia.
lem o funcionamento da proteína CFTR, tais como genisteína, Embora várias deficiências de dissacaridases tenham sido des-
apigenina e IBMX. critas, a mais comum é a deficiência de lactase.
Capitulo 29 I Flbrose Clstica, lntolerdncia a Dissacarfdlos e Outros Distúrbios na Dlgestdo de Nutrientes 291

..
Quadro 29.9 Digestão na membrana do entenkito*
pois é produzida na região apical da vilosidade intestinal e sua
concentração é inferior à das outras dissacaridases.

DEFICI~CIA CONG~NrTA DE DISSACARIOASES


lactase
• Deficiência de lactase/intolerância à lactose
Sacarase~somaltase • Introdução
Trealase O dissacarldio lactose é um carboidrato presente unicamen-
DEFIO~IA ADQUIRIDA OU TARDIA DE DISSACARIDASES
te no leite dos marnlferos. Intolerância à lactose (IL) é a for-
lactase
ma mais comum de má absorção de carboidratos. Isso ocorre
porque a atividade intestinal da lactase, enzima necessária para
Sacarase-isomaltase
hidrólise da lactose em glicose e galactose, diminui progressiva-
Glicoamilase ou maltase
mente com o passar dos anos em todos os mamíferos, inclusive
'Impedimento da digeitlo de um diSSKOrldlo fli)Kffico, lev.ondo ~fermentação no homem. A população que hoje digere a lactose o faz graças
bKteriona no cólon.
à mutação genética ocorrida há 3.000 ou 5.000 anos e que se
expressa como característica autossOmica dominante. Sua pre-
valência é extremamente variável, sendo de IO% no norte da
Europa, 25% nos EUA e 70% na Ásia e na África_ No Brasil, a
• Malabsorção de dissacarldios preualência varia de acordo com a região e o método diagnós-
Entende-se por deficilncia de dissacaridase a absoluta ou re- tico empregado, mas situa-se entre 45 e 50%.
lativa diminuição na quantidade de urna enzima ativa disponí-
vel para hidrólise de um dissacarldio da dieta. Tais deficiências • Tipos de deficiência de lactase
são geralmente seletivas ou específicas, marcadas pela redução A deficiência de lactase pode ser congênita, primária ou se-
da atividade de uma única dissacaridase, como, por exemplo, cundária. A forma congênita é muito rara, possui caráter autos-
no caso da deficiência congênita de lactase. Por outro lado, sômico recessivo e foi descrita pela primeira vez em 1959. Nes-
deficiências de dissacaridases podem ser gerais, com redução tes pacientes, há ausência total da enzima desde o nascimento
na capacidade de digerir a maioria ou a totalidade dos dissa- devido a alterações localizadas no cromossomo 2q2l. Os sinto-
carldios, como, por exemplo, na doença celíaca, onde há lesão mas iniciam-se após a primeira amamentação e caracteriza-se
intestinal difusa_ por diarreia grave. A deficiência de lactase primária, também
A lactose predomina na dieta láctea; a sacarose, no açúcar denominada de não persistência da lactase, é a principal causa
comum e nas frutas; e o amido, nos cereais. Para digerir os de IL em todo o mundo, sendo também determinada geneti-
carboidratos, há necessidade de plena atividade das enzimas camente de forma recessiva_ Ao nascimento, a atividade enzi-
digestivas, donde a ação da amilase salivar, da alfa-arnilase mática é máxima, porém reduz-se gradualmente, chegando a
pancreática e das oligossacaridases (lactase, sacarase e malta- nlveis indetectáveis após alguns anos de vida. A taxa de perda
se) localizadas na borda em escova dos enterócitos. Seus pro- da atividade da Iactase depende da etnia_ Os chineses e os ja-
dutos de digestão, os monossacar!dios, são absorvidos quase poneses perdem 80 a 90% da atividade da enzima dentro de 3
totalmente pelo intestino delgado. a 4 anos após o desmame.
A deficiência secundária ou adquirida refere-se à perda da
lactase - lactose -+ glicose e galactose atividade da lactase em pessoas com persistência da enzima e é
sacarase - sacarose -+ glicose e frutose mais comum em adultos. Isso ocorre como resultado de doen-
maltase - ma/tose-+ glicose e glicose ças do trato gastrintestinal, como doença celíaca, gastrenterite
Em resumo, a digestão dos carboidratos completa-se na su- viral, infestação por Giardia lamblia, cirurgias, medicamentos e
perficie luminal do enterócito sob a ação coletiva de sete car- radioterapia (Quadro 29.10). Estas condições promovem redu-
boidrases. ção ou alteração nas microvilosidades inte.stinais,local onde se
O destino de um dissacarfdio da dieta depende da quanti- encontra a lactase. O tratamento da doença de base e a melhora
dade ingerida, do tempo de contato com a mucosa intestinal e histológica do epitélio intestinal nem sempre traduzirão uma
do nível da enzima disponlvel para sua digestão. Exceto para a reversão do quadro de intolerância com melhora enzimática.
lactose, a capacidade para a hidrólise intestinal do dissacaridio,
sob condições normais, é tal que a absorção é completa.
Quando ocorre malabsorção, há sintomas como borborig-
mos, dor abdominal, diarreia e flatulência. A intolerancia ao
dissacarldio é definida, então, como a ocorrência de sintomas
..
Quadro 29.10 Causas secundárias de intoler3ncia ~ lactose
à ingestão de um determinado dissacarldio. Lembrar que sinto-
mas de mal absorção ou intolerância podem ocorrer a despeito Intestino delgado Multlsslstfmlc.~ latrogfnlca
de atividade enzimática normal quando uma quantidade exage- Doença cellaca Slndrome carclnolde Quimioterapia
rada do dissacarfdio é ingerida ou quando o trânsito intest.inal Doença de Crohn Fibrose clsllca Radioterapia
está acelerado. Por tais razões, os termos "deficiência" e "into- Doença de Whipple Enteropatla diabética Cirurgias
lerância" não deuem ser usados indistintamente. Parasítoses (glardfase) Sfndrome de Zolllnger-Elllson Colchklna
Também se deue esclarecer que "intolerância ao leite" se Gastrenterite vira I Alcoolismo Neomkina
refere à intolerância à lactose e é diferente de "alergia ao leite"
Enteropatia do HIV Deficí~ncla de ferro Canamldna
quando se trata de problemas relacionados com a proteína do
Síndrome do intestino
leite de vaca. cuno
Eimportante salientar que, após uma agressão ao intestino, a Síndrome da alça cega
/actase é a primeira enzima a diminuir e a última a normalizar,
292 Capftulo 29 I Fibrose Cfstica, lntolerancia a Dissacarfdios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes

IL é diferente de alergia ao leite, pois esta ocorre por reação equivalente a um litro de leite de vaca) e coletam-se amostras
alérgica a proteínas (lactoalbumina e lactoglobulina) ou caseí- do ar expirado a cada 15 min, por 180 min. Nos portadores de
na, e aquela, à má digestão de carboidratos. A alergia ao leite IL, há uma elevação de 20 ppm no hidrogênio expirado, o que
ocorre em 1 a 2% das crianças e pode ser diagnosticada através indica fermentação da lactose pela flora colônica. Resultados
de testes alérgicos cutâneos. falso-negativos ocorrem quando há o uso concomitante de anti-
bióticos, pois nesta situação existe redução da flora bacteriana
• Fisiopatologia fermentadora. Atualmente, é considerado o melhor teste, pois
A lactose (~-o-galactosil-o-glicose) é um dissacarídio for- não é invasivo e é mais confiável que outros métodos.
mado pela união de moléculas de glicose e galactose, sendo Dentre os testes fecais, utilizam-se a análise do pH fecal e a
encontrada no leite dos mamíferos. Entre estes, destaca-se o pesquisa de substâncias redutoras. Na IL, o pH fecal cai para
leite humano, pois é o mais rico em lactose (7,2 g/100 rnl). valores inferiores ou iguais a 5,5. Resultados normais não ex-
Para que ocorra sua absorção, é necessária a hidrólise promo- cluem o diagnóstico, pois, se as fezes não forem frescas, os
vida principalmente pela enzima lactase, uma ~-galactosidase ácidos fecais podem volatilizar-se. A pesquisa de substâncias
localizada na borda em escova das células epiteliais do intesti- redutoras nas fezes indica má digestão de açúcares e é signifi-
no delgado, com alta expressão no jejuno médio. No feto já é cativa quando possui valores acima de 0,5%. Resultado falso-
possível detectar a presença de lactase, cuja expressão máxima negativo ocorre se houver bactérias colônicas consumidoras
ocorre ao nascimento. Após alguns meses de vida, a atividade de açúcar.
da enzima começa a cair e esse descenso é progressivo até ní-
veis indetectáveis, como consequência da maturidade. Quando • Tratamento
a lactose não é digeri da adequadamente, é carreada para o cólon O paciente com IL primária deve ser tranquilizado e orien-
onde será fermentada pela flora local. Este processo produzirá tado de que a base do tratamento é a correção da dieta, pois
ácidos orgânicos, dióxido de carbono, metano e hidrogênio e geralmente sâo necessários pelo menos 20 a 50 g de lactose para
elevação da osmolaridade do lúmen entérico. O aumento da que apareçam sintomas. Assim, tanto alimentos sem lactose
carga osmótica atrairá água para o interior do cólon, levando (à base de soja), quanto produtos com baixa quantidade deste
à diarreia aquosa ácida. açúcar, como leites de baixa lactose, margarinas e alguns quei-
jos, podem ser consumidos pela maioria dos pacientes. Iogur-
• Manifestações clínicas tes contendo lactobacilos acidófilos podem ser bem tolerados,
As queixas clinicas ocorrem apenas se houver a ingestão de porque a quantidade de lactose presente no leite é reduzida
produtos contendo lactose. Os sintomas iniciam-se após 15 a através da ação bacteriana. O Quadro 29.11 resume o conteú-
120 min da ingestão deste açúcar, podendo surgir diarreia aquo- do de lactose nos produtos lácteos mais consumidos no Brasil.
sa, distensão abdominal, flatulência, borborigmo, desconforto Deve ser lembrado que a lactose é amplamente utilizada na in-
abdominal (às vezes, referido como dor tipo cólica ou meteo- dústria farmacêutica, como excipiente de medicamentos, e na
rismo), náuseas e vômito. Destaca-se que alguns pacientes po- de alimentos, como espessante no preparo de carne de frango
dem ser oligo ou assintomáticos, mesmo com baixa atividade processada, salsicha, hambúrguer e outros produtos. Certos
de lactase. Interessante observar que muitos pacientes não as- alimentos industrializados podem ter concentração de lactose
sociam seus sintomas com a ingestão de lactose e outros não maior que o próprio leite animal.
melhoram mesmo que a lactose seja excluída. No primeiro caso,
a habilidade da flora colônica em fermentar a lactose, produ-
zindo gases em maior ou menor quantidade, pode ser uma
das justificativas da variação da intensidade dos sintomas. No ---------------T---------------
segundo caso, quando a lactose é excluída e os sintomas per- Quadro 29.11 Concentração de lactose em alguns produtos lácteos
sistem, deve-se suspeitar da associação com síndrome do ín-
testino irritável. Alimento %de lactose por peso

• Diagnóstico Leite humano 7,2


A capacidade de digerir a lactose pode ser aferida através Leite de vaca integral 4,6
de métodos diretos e indiretos. O método direto é a dosagem Leite de vaca semidesnatado 4,7
bioquímica da atividade da lactase através de biopsias jeju- Leite de vaca desnatado 4,8
nais. No entanto, este método é invasivo, pouco disponível e Leite de vaca em pó desnatado 52,9
menos sensível que o teste respiratório com hidrogênio (ver Leite de cabra 4,4
Capítulo 28). Leite condensado 12,3
Os métodos indiretos são o teste de tolerância à lactose, o
Creme de leite 2,2
teste do hidrogênio expirado e a análise fecal.
Iogurte natural 4,7
O teste de tolerância à lactose exige a ingestão de 50 g de lac-
Iogurte com frutas 4,0
tose seguida de coletas seriadas de sangue, a cada 15 ou 30 min
(por até 2 h), para mensuração dos níveis séricos de glicose. Iogurte liquido 4,0
Uma elevação da glicose plasmática em 20 a 30 mg/dt em re- Queijo brie/camembert Traços
lação ao jejum indica digestão normal de lactose. Queijo muçarela Traços
A !L é idealmente diagnosticada pelo teste do hidrogênio Queijo cheddar 0,1
expirado, o qual se baseia na fermentação bacteriana da Jacto- Queijo parmesão 0,9
se não absorvida e consequente formação do gás hidrogênio Queijo cottage 3,1
e de ácidos orgânicos. Após jejum noturno, mede-se o hidro- Cream cheese Traços
gênio expirado através de cromatografia gasosa. Em seguida, 4,8
Sorvete de creme
ofertam-se ao paciente 2 mg de lactose/kg (máximo de 50 mg,
Copftulo 29 I Fibrose Cfstico, lntolerancia o Dissocorfdios e Outros Distúrbios na Digestão de Nutrientes 293
O consumo de lactose com outros alimentos minimiza os Alvarez, AE, Ribeiro, AF, Hessc~ G et ai. Fibrose clstica em um centro de rc·
ferência no Brasil: características clínicas e laboratoriais de 104 pacientes
sintomas, pois há redução do trânsito intestinal, permitindo
e sua associação com o genótipo c a gravidade da doença. f. Pediatr., 2004;
maior contato do bolo alimentar com a lactase residual. O mes- 80:371·9.
mo ocorre com o consumo de leite integral em relação ao des- Borowitz, D, Robinson, KA, Rosenfeld, M ti ai. Cystic Fibrosis Foundation
natado, pois a gordura do primeiro retarda o esvaziamento Evidence·Based Guidelines for Management oflnfant.s witb Cystic Fibrosis.
f. Pediatr., 2009; 155:73·93.
gástrico, permitindo lento deslocamento do produto lácteo no Campos, JVM, Damaceno, N, Carvalho, CRR. Kotze, w\.IS. Fibrose clstica (mu·
delgado e assim maior tempo de digestão. Para os pacientes que coviscidose). Arq. Gastroenterol. (S. Paulo}, 1996; 33(supl.).
não conseguem seguir a dieta, é possível utilizar a lactase em Castellani, C. Cuppens, H, Macek Jr, M et ai. Consensus on the use and inter-
cápsulas, acompanhando a ingestão de alimentos, a qual está pretation of cyslic fibrosis mutalion analysis in clinicai practice./. Cyst.
disponível comercialmente no mercado americano (Lactaid Fibros., 2008; 7:179·96.
Cystic Fibrosis Mutation Database. Stalistics. Disponivel em: <gopber://http:/1
Plus ou Fast<~~). www.genet.sickkids.on.ca/StatisticsPage.html> Acesso em: 02 maio 2010.
Recentemente, estudou-se o uso de um composto não ab- Farrel, PH, Rosenstein, BJ, White, TB et ai. Guidelines for diagnosis of Cystic
sorvível, derivado da rifampicina, chamado rifamixina, no tra- Fibrosis in Newborns through older adults: Cystic Fibrosis Foundation
tamento da IL. Este fármaco atua sobre a flora anaeróbica do Consensus Report. /. Ptdiatr., 2008; 153:S4-S14.
Mauar, ACV, Gomes, EN. Adde, FV et al. Comparison berween cla.ssic Gibson
cólon, a qual é a principal formadora de hidrogênio, dióxido de and Cooke technique and sweat conductivity test in patients with or wit.hout
carbono e metano. Doses de 800 mg de rifamixina ao dia, por cyStic fibrosis. f. Pediatr., 2010; 86:109-14.
I Odias, conseguiram normalizar o teste do hidrogênio expirado Mayell. SJ, Munck, A, Craig. JV et ai. A European consensus for the evaluation
e reduzir significativamente os sintomas destes pacientes por and management ofinfants with an equivocai diagnos-is following newborn
até 30 dias. No entanto, ainda não se sabe se a administração screening for cystic fibrosls.f. Cyst. Fibros., 2009; 8:71-8.
Ministério da Saúde. Portal da Saúde. Legislação da triagem neonatal. Disponi·
prolongada deste fármaco é benéfica. velem: <gopher:/fhttp://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.
Nos casos de IL secundária, deve-se tratar a condição subja- cfm!ldtxt=24991&janela=1> Acesso em: 02 maio 2010.
cente do paciente. Nessas situações, a lactose deve ser excluída Online Mendelian lnheritance in Man. MIM 1219700 Cyslic Fibrosis; CF. Ois·
por, pelo menos, 4 semanas e depois pode ser feito o reteste, ponível em: <gopher:/lhttp:l/wv.'W.ncbi.nlm.nih.gov/ omim/219700> Acesso
em: 02 malo 2010.
quando ela é reintroduzida e os sintomas são avaliados. O'Sulllvan, BP, Freedman, SD. Cystic fibrosis. Lancet, 2009; 373:1891 -904.
Pacientes com IL apresentam maior risco de osteopenia e PRONAP. São Paulo. Fundação Sociedade Brasileira de Pediatria, ciclo X,
osteoporose, tanto pela redução da ingestão de cálcio na dieta, n. 4, p. 17·36, 2007/2008.
quanto pela menor absorção deste devido à própria não diges- Ribeiro, JD, Ludwig Neto, N, Ribeiro, AF, Camargos, PAM. Fibrose Cistica.
Em: Lopez, AS, Campos Júnior, D. Tratado th Pediatria. 1' ed., São Paulo,
tão da lactose. Desta forma, a avaliação da saúde óssea, através Manole, 2007. p. 1845·57.
de densitometria mineral óssea de coluna lombar e fêmur, e Ribeiro, JD, Ribeiro, MAGO, Ribeiro, AF. Conttovérsias na fibrose clstica - do
o pronto tratamento dos processos de desmineralização com pediatta ao especialista. f. Pediatr., 2002; 78(supl. 2):SI71 ·86.
reposição de cálcio são tão importantes quanto o manejo da Roseostein, BJ, Cutting. GR. The diagnosis of cystic fibrosis: a consensus
statemeot. Cystic Fibrosis Foundation Consensus Panel J. Pediatr., 1998;
própria IL. 131:563·5.
Rowe, SM, Millcr, S, Sorscher, EJ. Mechanisms of Disease: Cystic Fibrosis. N.
Engl. f. Med., 2005; 352:1992·2001.
• LEITURA RECOMENDADA Santos, GPC, Domingos, MT, Wittig, EO et ai. Programa de triagem neonatal
para fibrose cística no estado do Paraná: avaliação após 30 meses de sua
Abell, TL & Minocha, A. GastrOintestinal complications of badatric surgery: implantação./. Pedialr., 2002; 81:240·4.
Van der Doef, HPJ, Kokke, FTM, Beek, FJA t i ai. Constipation in pediatric
díagnosls and therapy. Am. f. Med. Sei., 2006; 331:214·8.
Cystic Fibrosis Patients: An undcrstimatcd medicai condition. /. Cyst. Fi-
Bruno, M), Haverkort, EB, Tytgat, GNJ, Van l.eeuwen, D/. Maldigestion assoct-
bros., 2010; 9:59-63.
ated with exocrine pancreatic insufficiency: implications of gastrointestinal
physiology and properties of enzyme preparations for a cause·related and
patient•tailored treatment. Am. f. Gastroenterol., 1995; 90:1383·93.
Campos, JVM & Kotze, LMS. Diarreía crônica por alterações na digestão dos
• Dissacarídios
nutrientes. Em: Kotze. LMS. Diarreias Crônicas. Diagn6stico e Tratamento. Cappcllo, G, Marzio, L. Rifamix.in in paticnts wlth lactosc intolcrancc. Dig. Liv.
1." ed., Rio de Janeiro, Medsi, 1992. Dis. 2005; 37:316-9.
Carvajal, SH el aL Postgastrectomy syndromes: dumping and diarrhea. Gas- Castiglia, PT. Lactose intolerancc. f Pediatr. Health Con, 1994; 8:36·8.
troenterol. Cün. N. Am., jun, 1994. s. Cecchetti, 4 Mi nguni, L, Strocchi, A,
Oi Stefano, M, Vc neto, G, Malservisi,
Coelho-Neto, JS et ai. Avaliação tardia de doentes gasttectomizados por úlcera Corazza, GR. Lactose malabsortion an intolerance and peak bone mass.
péptica: manifestações clinicas, endoscópicas e histopatológicas. Arq. Gas- Gastroenterology, 2002; 122:1793·9.
troenterol., 2005; 42:146-52. Infante, D. Intolerancia a la lactosa: en quién y por qué. An. Pedialr. (Barc.),
Donowitz, M, Kokke, FT, Saidi, R. Evaluation of patients with chronk diarrhea. 2008; 69:103-5.
N. Engl. f. Med., 1995; 332:725-9. Lomer, MCE, Parkes, GC, Sanderson,JD. Review article: laclose intolerance
Eagon, JC. Miedema, BW, Kelly, KA. Postgastrectomy syndrome$. Surg. Clin. in clinicai practice - myths and realities. Aliment. PharmacoL 7her., 2008;
North Am., 1992; 72:445·65. 27:93- 103.
Maton, PN. Zollinger-EIIison syndrome. Reoognition and management of acid MuriHo, AZ. Intolerancla alimentaria. Endocrinol. Nutr., 2009; 56:241-50.
hypersecretion. Drugs, 1996; 52:33-44. Ortolanl, C, Pastorello, EA. f"Ood alle,rgies and food lntolerances. Btst Practiu
Milewski, PJ. Towards selecting the vagotomy and avoiding diarrhoea./. R. Research Cli"ical Gastroenterology, 2006; 20:467-83.
CoU. Surg. &Jinb., 1990; 35:11-5. Savaiano, D. Hertzler, S, Jackson, KA, Suarez, FL. Nutrient consideration in
Roy, PK, Venzon, DJ, Shojamanesh, H et aL Zollinger·Ellison syndrome. Clinicai lactose intolerance. Nutrition in the Prevention and Treatment of Di5ease,
presentation em 261 patients. Me.dicine, 2000; 79:379-411. 2001; 563·75.
Rudberg, U & Nylander B. Radiological bile acid absorption test " SeHCAT in Schaafsma, G. Lactose and lactose derivatives as bioactive ingredie,nts in human
patlents with diarrhea of unk.nown cause. Acta Radiol., 1996; 37:672-5. nutrition.Jnternational Dairy journal, 2008; 18:458-65.
Sevá·Pereira, A. Mâ absorção de lactose do adulto em população brasileira. Tese
de Doutorado. Faculdade de Ci!ncias Médicas, UN1CAMP.
• Fibrose cística Spárvoli, AC. Má absorção de lactose do adulto. Prevalência na população suli-
na. Aspectos genéticos e evolutivos do polimorfismo da atividade da lactase.
Adde, FV. Fibrose C!stica. Em: Lorete Kotze e Dorina Barbieri. Afecç6es Gas- Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências Médicas, UN1CAMP.
trintestinais da Criança e do Adolescente. 1' ed., Rio de Janeiro, Revinter, Wilson, J. Milk intolerance: lactose intolerance and cow's milk protein allergy.
2003. Newborn and Infant Nursing Review:s. 2005; 5:203·7.
30 Doença Celíaca e Outros
Distúrbios na Absorção
de Nutrientes
Lorete Maria da Silva Kotze e Shirley Ramos da Rosa Utiyama

As anormalidades na absorção dos nutrientes, ao nível do en- • Epidemiologia


terócito, podem ser classificadas em: A DC acomete indivíduos de qualquer idade e de ambos
A. Alterações múltiplas, não seletivas, quando várias rotas os sexos, predominando no feminino, tanto em séries pediá-
estão comprometidas. Exemplos: doença celíaca, espru tricas como de adultos. S classicamente descrita em individues
tropical, desnutrição, irradiação, drogas etc. de raça branca, ocorrendo, com maior frequência, nos países
B. Alterações únicas, seletivas, quando apenas uma rota está anglo-saxônicos e nórdicos. Pode ser considerada de distribui-
comprometida Exemplos: slndrome de Hartnup, slndro- ção mundial, pois tem s.ido relatada recentemente em nativos
me de Menkes, acrodermatite enteropática etc. de diversos países e em minorias étnicas. Entretanto, no sul do
Brasil, Utiyama ela/. (2010), em estudo clínico/epidemiológico,
Neste capitulo, serão abordadas apenas as afecções que não não detectaram DC em indlgenas Kaingang.
estiverem descritas em outros capítulos e que tenham interesse
Estima-se que atualmente a DC acometa cerca de I% da
na prática médica.
maioria das populações. O aumento da incidência da DC nos
últimos anos pode ser explicado pela maior disponibilidade
dos testes sorológicos, principalmente com a determinação dos
• ALTERAÇOES MÚLTIPLAS OU NÃO SELETIVAS anticorpos antiendomlsio (EmA-IgA) e antitransglutaminase
(antitTG-IgA), e pela facilidade de biopsias através de exames
• Doença celíaca endoscópicos nos pacientes positivos ou com alterações ma-
• Conceitos croscópicas detectadas durante a endoscopia.
Glúten inclui um conjunto de proteínas individuais que se Desde que se iniciaram estudos em familiares assintomáticos
encontram nos cereais e se dividem em poliaminas e gluteni- de celíacos, por métodos não invasivos, até os dias atuais, com
nas. As poliaminas que dão reação aos celíacos são gliadina (tri- a triagem de anticorpos, estima-se que a frequência na popu-
go), secalina (centeio), hordeína (cevada) e avenina (aveia). O lação geral está entre 1:70 e 1:200 individues. No entanto, essa
glúteo é uma substância albuminoide, insolúvel em água que, incidência varia de pa.ls a país e de região a região, inclusive no
junto com o amido e outros compostos, constitui a massa co- Brasil (Quadro 30.1).
esiva que permanece quando a pasta de farinha dos cereais é Estudo recente na Finlândia vem mostrando maior preva-
lavada para se removerem os grânulos de amido. A doença por lência da doença com o aumento da idade, atingindo 1:47 indi-
sensibilidade ao glúten pode ser definida como um estado de vidues na população acima de 52 anos, o que caracterizou índi-
resposta imunológica, tanto celular como humoral, ao glúteo ces superiores aos da população geral nessa faixa etária (2, I%).
dos cereais citados, em individues geneticamente suscetíveis. A Dados semelhantes já vêm sendo observados no sul do Brasil
intolerância ao glúteo é permanente. Atualmente, esse conceito por Kotze et ai. (2010).
ampliou-se, podendo-se incluir pacientes nos quais a interação Nass et a/. (2008), do grupo das autoras, avalia.ram a presença
entre o sistema imunológico e o glúteo pode se expressar em do EmA-IgA e antitTG-lgA em 233 familiares de 61 famllias
diferentes níveis. O mais comum e conhecido é a enteropatia de pacientes cellacos do sul do Brasil, através de seguimento
ou lestlo intestinal (doença celíaca), mas também o dano pode de 8 a lO anos, realizado em duas etapas (1997-2000 e 2006-
surgir na pele (dermatite herpetiforme), na mucosa oral (esto- 2007). Na última etapa, com EmA-lgA e já empregando tTG
matite aftosa de repetição), nas articulações (algumas artrites) humana como substrato, encontraram 12,90% de positividade
ou no rim (nefropatia por IgA). nos familiares de primeiro grau e 11,1196 nos de segundo grau.
A doença celÚica (DC) é a forma mais frequente de apresen- Em três familias, detectou-se positividade em gêmeos. Mais re-
tação. ~ também conhecida como espru celfaco, espru ndo tro- centemente, em um estudo relatando a experiência de lO anos
pical, enteropatia glúten-induzida, enteropatia glúten-sensfvel, do mesmo grupo de pesquisa, na triagem de DC em pacientes,
esteatorreia idiopdtica ou espru idiopdtico. grupos de risco e populações, foi possível mostrar os familiares
294
Capftulo 30 I Doença Celfaca e Outras Distúrbios na Absorção de Nutrientes 295

"T
Quadro 30.1 Dadossobre prevalênciada doença celíaca

Autor País Ano N•ca.sos Prevalênda

POPULAÇÃO GERAL
Cat assi er oi. Itália 1996 17.201 11210
Kolhoeto/. Fin lâ nd ia 1998 1.070 1/1 30
Korponay·Szabo et oi. Hungria 1999 427 1/85
Catassi er oi. Saara 1999 989 1/ S6
Riestra et oi. Espanha 2000 1.1 70 1/ 389
Carlsson etal. Suécia 2001 690 1/77
Hovellero/. Austrália 2001 3.011 1/ 430
Gomesetol. Argentina 2001 2.000 1/167
Cilleruelo et oi. Espanha 2002 3.378 1/ 281
Ant unes Portug al 2002 536 1/1 34
Vancikova et oi. Rep.Tcheca 2002 1.312 1/ 262
Fasano et oi. EUA 2003 4.1 26 1/1 33
Maki era/. Finlâ nd ia 2003 3.6S4 1/ 99

DOADORES DE SANGUE
Noterol. EUA 1998 2.000 1/ 250
Trevisio l et o/. Itália 1999 4.000 1/ 400
Hovdenak et o/. Noruega 1999 2.096 1/ 340
Rostami er a/. Holanda 1999 1.000 3/1.000
Shami r ero/. Israel 2002 1.571 1/1 57
Shahbazkhani et o/. lran 2003 2.000 1/166
Gandolfi ~tal. Brasílía - BR 2000 2.045 1/681
Melo ~ral. Ribeirão Preto - BR 2003 3.000 1/275
Pereira ~r o/. Curitiba - BR 2006 2.086 1/ 417
Oliveira et oi. Sio Paulo - BR 2007 3.000 1/214

de celíacos como o grupo de maior risco ao desenvolvimento • h á concordância de 11 a 20% da DC em gêmeos dizi-
da doença (Figura 30.1). Tais dados reforçam a importância góticos;
do rastreamento sorológico em todos os familiares de celía- • há concordância de 30 a 40% entre irmãos HLA idên-
cos, enfatizando a indicação de biopsia intestinal nos positivos, ticos;
mesmo na ausência de sintomatologia clínica. • ocorrem múltiplos casos da doença dentro da mesma
O que se pode concluir dos dados aqui apresentados é que família;
a DC é um problema de Saúde Pública, mundia.l, e que neces- • a doença é rara em determinados grupos étnicos (orien-
sita de atenção pelas autoridades competentes, com progra- tais e negros).
mas de rastreamento como se faz para fenilcetonúria e outros
defeitos metabólicos, como bem preconizam Rubio-Tapia e A DC resulta de um efeito combinado de produtos de di-
Murray (2010). ferentes genes, HLA e não HLA. O espectro de estágios pa-
tológicos e a heterogeneidade clínica observados na DC são
• Etiopatogenia compatíveis com sua natureza poligênica, considerando-se que
A Figura 30.2 demonstra o envolvimento de fatores genéti- diferentes genes de suscetibilidade podem contribuir nos dife-
cos, imunológicos e ambientais na etiopatogenia da DC. rentes estágios para o desenvolvimento final da doença.
.,.. ASSOCIAÇÕES COM ANT[GENOS L.EUCOCITARIOS HUMA-
• Fotores genéticos NOS (HLA) NA DOENÇA CELIACA. Os genes do sistema HLA
De acordo com King e Ciclitira, a DC é fortemente heredi- ocupam uma região de 4 Mb no braço curto do cromossomo
tária, oligogênica e complexa. As doenças complexas consistem 6p21 e contêm aproximadamente 200 genes, dos quais mais
em afecções influenciadas por múltiplos fatores ambientais e da metade tem função imunológica. Três regiões separadas de
genéticos e, potencialmente, por interações entre esses. Estudos genes são reconhecidas: os genes de classe I (HLA-A, B e C); a
com familiares de celíacos gradualmente ressaltaram o papel região de classe li, que inclui os genes para as cadeias cx~cx e ~
da genética na suscetibilidade à doença: das moléculas apresentadoras de antígenos de classe 11 (HLA-
• a doença é família!, pois a lesão característica da mucosa DR, DP e DQ), entre outras; e os genes de classe III, que co-
entérica ocorre de 5 a 20% nos familiares dos pacientes, dificam proteínas do sistema complemento (C2, C4A, C4B e
mesmo que os sintomas sejam mínimos ou inexistentes; BF) (Figura 30.2), além do fator de necrose tumoral (TNF) e
• há concordância de 70 a 75% da DC em gêmeos mono- outras. As moléculas de classe I são encontradas na superficie
zigóticos; da maioria das células nucleadas do organismo, enquanto as
296 Capftulo 30 I Doença Ce/faca e Outros Distúrbios na Absorção de Nutrientes

12%

p =0,084

F~res
(N •200)
Oi3betes
mel110
(N •104)
Sinclrome
d6Down
(N • 150)
(N • 7•)
.,..,
01%

Conliomoopatla Ooadorn de
banood6
sanguo
(N • 2000)
- 0%

Artrite
reutnatode
(N•85)
- 7
0%

População
sadia
(N •180)

Figura 30.1 Positividade de anticorpos antiendomísio lgA em grupos de risco para doença celíaca e população (Ut iyama et a/., 2009).
111 Familiares x população sadia: p < 0,001. ~ZDiabetes melito x população sadia: p < 0,001. lll$índrome de Down x população sadia: p = 0,019.
c~cardiomiopatias x população sadia: p = 0,084.

Figura 30.2 Fatores de patogenicidade na doença celíaca (Kotze, 2003). LIE =linfócito intraepitelial; TCR = receptor de célula T; HLA = antíge·
nos leucocitários do sistema humano.

moléculas de classe 11 estão expressas na superfície de células ses genes desenvolve a DC (cerca de 2-5%). Esse aspecto mos-
apresentadoras de antígenos, principalmente macrófagos, cé- tra que a presença de alelos específicos do locus HLA-DQ é
lulas dendríticas e células B. necessária, mas não suficiente para a expressão fenotípica da
A relação entre a DC e os genes HLA no cromossomo 6p21 doença, e ressalta ainda a influência de genes não HLA na sus-
(região C ELIAC 1) representa uma das associações HLNdoen- cetibilidade à D C.
ça mais forte e bem compreendida até o momento. Até 90-95% Os alelos HLA-DQ2 de suscetibilidade à DC podem ser her-
dos pacientes celíacos expressam o heterodlmero HLA-DQ2 dados em eis (do cromossomo de um dos pais) ou em trans,
(DQA1*0501/ DQB1*0201), enquanto os 5-10% restantes ex- com um ale!o HLA-DQ vindo do cromossomo de cada um dos
pressam HLA-DQS (DQA1*0301/DQB1*0302). Cabe ressal- pais. Indivíduos com sorologia para DR3 (atualmente designa-
tar, no entanto, que, apesar de esses ale!os serem relativamente do DR17) carreiam esses alelos em eis, enquanto os heterozi-
comuns na população geral sadia onde a DC é prevalente (30 gotos para DRS (atualmente DRll ou DR12) e DR7 carreiam
a 35%), apenas uma pequena proporção dos que carreiam es- os alelos em trans.
Capitulo 30 I Doença Celfoco e Outros Distúrbios no Absorçdo de Nutrientes 297

CIS TRANS

Figu ra 30.3 Molécula de membrana DQ-DR mais frequente na DC. (Adaptada de Kagnoff. 2005.)

A Figura 30.3 sintetiza a molécula de membrana DQ-DR DC seja praticamente excluído em indivíduos que não apresen-
mais frequente na DC. tem esses alelos (valor preditivo negativo próximo de 100%).
Esses aspectos fizeram com que atualmente a determinação do
• DQA1•oso1, DQB1•0201: genes localizados no mesmo HLA-DQ2 e HLA-DQ8 pudesse constituir um exame de rotina
cromossomo (cis)/DR3;
na prática clínica.
• DQA1•oso I, DQB 1•020 1: genes em diferentes cromosso- .,. OUTRAS ASSOCIAÇOES HLA NA OC. Além da associação
mos (trans), em indivíduos heterozigotos (DR5/DR7). HLA-DQ2 e DQ-8 na DC, inúmeras outras associações HLA
Estudos recentes mostram ainda haver duas formas de mo- foram gradualmente descritas. Destacam-se os genes MICA e
léculas HLA-DQ2, designadas HLA-DQ2.5 e HLA-DQ2.2. En- MICB, e o gene HLA·G, da região de classe I do MHC, além
quanto HLA-DQ2.5 é um forte fator de risco à DC, o HLA- do gene HLA-DRB4 (HLA-DR53) e DPB1•0301, DPB1•0101
DQ2.2 não predispõe à doença, a menos que se expresse junto e DPB1•0402 da região de classe 11.
com HLA-DQ2.5. Dessa forma, indivíduos homozigotos para Na população brasileira, Kotze e Ferreira, em 1977, em
o genótipo HLA-DQ2.5 ou heterozigotos para HLA-DQ2.5/ uma investigação com pacientes cellacos da região sul, detec-
DQ2.2 têm alto risco de desenvolver a doença, enquanto indi- taram o HLA-88 em 71% desses em comparação a 6% dos in-
víduos heterozigotos HLA-DQ2.5/não HLA-DQ2.2 apresentam divíduos sadios da mesma área geográfica. Por sua vez, Silva
risco discretamente elevado, decorrente do efeito do número et aL, em estudo com 25 pacientes de Ribeirão Preto, SP, de-
de alelos na suscetibilidade à DC. bem como da magnitude da monstraram que os alelos HLA-DRB1•03, HLA-DRBI•07 e
resposta de células T-glúten especificas. HLA-DQ2.5liga pep- HLA-DQB1•02 conferiam suscetibilidade à DC, enquanto o
tfdios de glúten com maior afinidade e permite uma apresen- HLA-DQB1•o6 conferiu proteção contra o desenvolvimento
tação mais prolongada do mesmo às células apresentadoras de da doença na população estudada.
Além dos genes HLA de classe 11, também os genes da re-
antígenos (APC) do que HLA-DQ2.
gião de classe Ili apresentam participação na suscetibilidade à
.,. RELEVÂNCIACLINICA DA ASSOCIAÇAO OQ2 E OQS NA OC. DC. Entre esses, se encontram os genes que codificam o fator
Embora relatos prévíos sugiram que uma vez que a DCse desen- de necrose tumoral-a (TNF-a), aa citocina pró-inflamatória
volve o curso clinico dela em geral é semelhante, dados recentes e irnunomoduladora envolvida na lesão imune mediada da DC,
mostram possível relação desse aspecto com a população em es- e as proteínas do sistema complemento (BF, C2, C4A e C4B).
tudo. Karinen et ai., na Finlândia, demonstraram associação da Estudos na população da Sicllia detectaram aumento significa-
homozigose para HLA-DQB 1•020 1 com uma forma mais grave tivo dos alelos TNFa-308A e IFN-y+874T, sugerindo a presen-
da DC, relacionada com maiores índices de atrofia vilositária, ça simultânea desses como uma combinação genética capaz de
diarreia mais grave, menores níveis de hemoglobina plasmática aumentar a suscetibilidade à DC. Por sua vez, a via alternativa
e idade mais jovem ao diagnóstico, além de regeneração mais do complemento exerce importante papel na patogênese da
lenta da atrofia de vilosidades após dieta isenta de glúten (DIG). DC, considerando que o glúteo é um potente ativador da mes-
Dados semelhantes foram descritos em pacientes italianos. ma. O fator B (BF) é a protefna central de ativação dessa via.
Nesse contexto, a genotipagem para HLA-DQ2 e HLA-DQ8 No Brasil, Utiyama el ai. (2005), ao analisarem os alótipos de
tem se mostrado clinicamente relevante, além de apresentar BF na DC, caracterizaram a variante BFSF como marcador de
valor preditivo na detecção de familiares de alto risco ou si- suscetibilidade à doença e a variante BFS como ma.rcador de
tuações de suspeita clínica de DC nas quais o diagnóstico não proteção em familiares de cellacos da população do sul do país,
é claro. A ausência do HLA-DQ2 e HLA-DQ8 permite que o embora não tenham verificado associação com a gravidade da
diagnóstico ou a possibilidade de futuro desenvolvimento da DC e com a presença de autoanticorpos concomitantes.
298 Capftulo 30 I Doença Ce/faca e Outros Distúrbios na Absorção de Nutrientes

.,. ASSOCIAÇÃO COM GENES NÃO HLA NA DC. Embora a esclerose múltipla e asma. Essa região contém os genes CD28,
associação entre DC e os genes HLA (região CELIAC 1) já se CT1A4 e ICOS, que codificam moléculas de superfície regu-
encontre bem estabelecida, a taxa de concordância da doença latórias da atividade de linfócitos T (Figura 30.4), o que faz de
entre gêmeos monozigóticos (70 a 75%) e em pares de irmãos CE1IAC 3 forte candidato a um locus de suscetibilidade à DC,
afetados HLA idênticos (30 a 50%) mostra que tais genes são considerando que a ativação de células T glúten-reativas na
parcialmente responsáveis pela predisposição genética à doen- mucosa intestinal representa um ponto crítico no desenvolvi-
ça Genes fora do complexo HLA, de diferentes cromossomos, mento da doença. O antígeno 4 associado ao linfócito T citotó-
também podem contribuir significativamente no desenvolvi- xico (CTLA4) medeia a apoptose de células Te representa urna
mento da DC. Pesquisas direcionadas à caracterização de genes molécula coestimulatória negativa da resposta de células T, isto
adicionais, principalmente com o uso de estratégias de tria- é, fornece um sinal negativo inibindo a ativação de células T.
gem genôrnica, têm sido realizadas. Os estudos de Hunt & Van Resultados conflitantes mostram ligação e/ ou associação
Heel (2010), bem como os de Dubois e cols. (2010), permitem para DC com CELIAC 3 em algumas populações (francesa, no-
observar o grande número de regiões genéticas recentemente rueguesa, sueca, britânica, espanhola e finlandesa), em oposição
identificadas com envolvimento na suscetibilidade à DC (8 a à ausência de associação em outras (da Itália, Tunísia, Irlanda
13, respectivamente), e a maioria dessas contém genes com ou América do Norte). Dados discordantes podem decorrer
função imunológica. Por sua vez, metanálises dos estudos de do baixo poder estatístico para detectar regiões de baixo risco
triagem genôrnica têm permitido sintetizar as inúmeras infor- genotípico, pois milhares de famílias, em vez de centenas, po-
mações disponíveis das investigações baseadas em famílias e dem ser requeridas nesses estudos. B possível que a resposta
identificar as novas regiões de potencial contribuição na pre- definítiva para o papel desempenhado pelo gene CT1A4 no
disposição à DC. desenvolvimento da DC dependerá de projetos multicêntricos
O polimorfismo dos numerosos genes candidatos testados colaborativos e maiores evidências funcionais para os genes da
na DC permite destacar, dentre outras, as regiões designadas região CELIAC 3.
como CE1IAC 2, do cromossomo 5q31-33, CE1IAC 3, do cro- .,. Região CELIAC 4. Genes notáveis encontram-se nessa re-
mossomo 2q33, e CELIAC 4, do cromossomo 19pl3.1 gião (cromossomo 19p13.1), destacando -se o da rniosina IXB
.,. Região CELIAC 2. Os estudos de triagem genômica têm (MY09B), que codifica uma molécula de mio sina não conven-
sugerido o cromossomo Sq31-33 como importante locus de ris- cional, envolvida no movimento intracelular, que tem um pa-
co para a DC e outras doenças inflamatórias. A região CELIAC pel na remodelação do citoesqueleto de actina dos enterócitos
2 contém genes que codificam moléculas envolvidas na ativação epiteliais. A descoberta de uma ligação genética entre a DC e
de células T, as quais controlam a resposta imunológica e a di- uma variante da miosina lXB enfatiza a potencial importân-
ferenciação celular, bem como a produção de citocinas e outras cia de um defeito na função da barreira intestinal, como um
moléculas pró-inflamatórias. Koskinen et a/. (2009), em um processo primário na etiologia da DC, que permite explicar
minucioso estudo de mapeamento genético em famflias da Fin- a passagem de peptfdios imunogênicos de glúten através da
lândia e da Hungria, demonstraram ligação dessa região com a mesma. Esse poderia representar um fator envolvido nos even-
DC, embora relatos prévios na Irlanda, ao analisar a variação tos iniciais na mucosa, que precedem a resposta inflamatória
genética para IL4, ILS, 119, 1113, IL17B e NR3CI, genes candi- na DC, e que vem ao encontro com a recente observação da
datos com função imunológica e/ou inflamatória presentes no permeabilidade intestinal em indivíduos com DC com histo-
cromossomo 5, não forneceram evidências de associação desses logia normal. Pode ser importante ainda no desenvolvimento
loci com a DC. Esse fato ressalta a importância de estudos em de tratamentos alternativos para a rígida dieta isenta de glúten
populações de diferentes origens étnicas e geográficas. usado correntemente.
.,. Região CELIAC 3. Estudos diversos em populações têm A associação com o alelo rs2305764• A, no gene MY09B, foi
evidenciado que a região CE1IAC 3, no cromossomo 2q33, relatada por Monsuur et ai. (2005), na Irlanda. Forte associação
apresenta ligação com a predisposição à DC, assim como com de MY09B com doença celíaca refratária tipo II (RDC li) e en-
diabetes tipo I, doença de Graves, hipotireoidismo autoimune, teropatia associada ao linfoma de célula T (EAT1) foi demons-

HLA-002 em eis HLA-002 em trans

OR17-0Q2 ~ OR11f12-DQ7~
(OR3) (OR3)

-DDD- OR7-D02 ~
0061' OQA1' OR61' 0061' OQA1' ORB1'

Figura 30.4 Marcadores genéticos na doença celíaca. (Adaptada de Louka e Sollid, 2003.)
Capftulo 30 I Doença Celfaca e Outras Distúrbios na Absorção de Nutrientes 299
trada por Wolters et a/. (2007). A RDC é uma s!ndrome de má fora da membrana basal, entre as células epiteliais (Figura 30.5).
absorção caracterizada pela persistência de atrofia vilositária e Os que apresentam os receptores gama/delta são importantes na
presença aberrante de linfócitos intraepiteliais na mucosa intes- manutenção da integridade epitelial por destruir células infec-
tinal, apesar da aderência do paciente à dieta isenta de glúteo. tadas, transformadas ou danificadas. No indivíduo normal, os
Frequência significativamente maior do alelo rs7259292 foi ob- LIE predominantes não expressam esses receptores, mas, nos
servada em pacientes com RDC li e EATL em relação a pacien- celíacos, estão significativamente elevados, mesmo após dieta
tes não complicados e a indivíduos sadios. Estudos mostram sem glúteo. Seu aumento sugere o diagnóstico de DC, porém
que ambos, MY09B rs7259292 e homozigose para HLA DQ2, podem aumentar na alergia alimentar, com densidade menor
aumentam o risco para tais complicações, sem evidências de do que na DC. Os LlE com receptores alfa/beta são principal-
interação entre os dois fatores, sugerindo que possam ser en- mente CD8+, estão aumentados nos celíacos não tratados, to-
volvidos no prognóstico da doença. davia normalizam em número nos pacientes aderentes à dieta
~ OUTRAS REGIOES GEN~TICAS ASSOCIADAS À OC. Dentre isenta de glúteo.
inúmeros estudos que avaliam a contribuição de outras regiões
genéticas na suscetibilidade à DC em diferentes populações, o • Fatores ambientais
compilamento dos dados em revisões recentes permitem des- Quanto aos fatores ambientais, embora se descreva o apa-
tacar ainda: recimento da DC após uma infecção, não se comprovou que
• Região CELIAC 6 ( 4q27): Reino Unido, Holanda, Irlanda, um determinado microrganismo possa ter papel relevante. No
Itália, EUA, Escandinávia; entanto, dados recentes sugerem que a exposição precoce de
• Região CELIAC 7 (lq31): Reino Unido, Holanda, Irlan- crianças ao glúteo, infecção precoce com vírus enteropáticos
da, Itália, EUA; ou uma mudança da flora bacteriana tem mostrado favorecer
• Região CELIAC 8 (2qll-q12): Reino Unido, Holanda, a evolução de DC clinicamente manifesta na infância.
Irlanda; ~ CONSIOERAÇOES GERAI SSOBRE CEREAIS ESUAS RELAÇOES
• Região CELIAC 9 (3p21): Reino Unido, Holanda, Irlan- TAXONOMICAS. Em cada espécie de cereal, há muitas prote!nas
da, Espanha; de estoque. O glúteo é a fração proteica do trigo, do centeio e
• Região CELIAC 10 (3q25·q26): Reino Unido, Holanda, da cevada que confere a propriedade de viscoelasticidade e que
Irlanda, Itália, EUA; permite a coesão da farinha. O consumo desses cereais faz parte
• Região CELIAC 11 (3q28): Reino Unido, Holanda, Ir- da dieta tanto pela disponibilidade em termos de agricultura,
landa, Itália, EUA; como pelas propriedades físicas inerentes às suas prote!nas.
• Região CELIAC 12 (6q25.3): Reino Unido, Holanda, Ir- Além de permitir obter o pão fermentado, o glúteo isolado pode
landa, Itália; ainda ser usado na preparação de alimentos industrializados
• Região CELIAC 13 (l2q24): Reino Unido, Holanda, Ir- (espessantes), bem como estar presente em bebidas (cervejas,
landa, Itália, EUA. drinques maltados).
Cereais são uma espécie de erva ou grama ( Gramineae) que
Embora a contribuição genética como um todo desses poli- são cultivados pelos seus grãos. São classificados em quatro gru-
morfismos combinados seja substancialmente menor, quando pos (Figura 30.6), e o trigo, o centeio e a cevada são cereais in-
comparada à de 30 a 35% conferida pelos alelos HLA-DQ2 ou timamente relacionados (Tribo Triticeae) e tóxicos aos pacien-
HLA-DQS, a identificação desses genes e de seu papel na sus- tes com DC. A toxicidade da aveia, taxonomicamente muito
cetibilidade, ou mesmo na proteção à DC, pode trazer avanços próxima a estes cereais (Tribo Aveneae), é controversa. Estes
nos aspectos diagnósticos e terapêuticos, além de servir como são os únicos cereais com grãos tóxicos conhecidos. Por outro
modelo nos estudos de outras doenças autoimunes. lado, o arroz e o milho não apresentam toxicidade.
Os linfócitos intraepiteliais (LIE), considerados também As frações proteicas solúveis em álcool são denominadas
como marcadores genéticos, são células T que se localizam por prolaminas enquanto as insolúveis, gluteninas. Aparentemen-
te, as prolaminas são as principais responsáveis pelo desen-
cadeamento ou exacerbação da DC. No trigo, as prolaminas
são chamadas de gliadinas, enquanto no centeio, na cevada e
na aveia são conhecidas como secalina, hordeína e avenina,
respectivamente. Dados recentes sugerem que as gluteninas
também podem estar envolvidas com o dano na mucosa in-
testinal.

Bambusoicleae Pooideae Panicoideae Chloridoideae

I /""'
Oryzeae Ttiticeae Aveneae / "' I
Paniceae Andropogoneae Cynodonteae

I
Oryza
I
Tritlcum
I
Avena
I
Pannisetum
I
Sorghum
I
Eleusine
(Atroz) (Trigo) (Aveia) (Milhop.) (Sorgo) (Ragi)
S&eale Panicum Zea Eragroslis
(Centeio) (Milhop.) (Milho) (Tef)
Hordeum
Figura 30.5 Linfócitos intraepiteliais da mucosa do intestino delga- (Cevada)
do proximal (setas). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no
Encarte.) Figura 30.6 Taxonomia dos cereais, segundo Shewry et o/.
300 Capftulo 30 I Doença Ce/faca e Outros Distúrbios na Absorção de Nutrientes

Uma caracterlstica comum das prolaminas do trigo, do cen- ---------------~---------------


teio e da cevada é o alto conteúdo de glutamina (> 30%) e de Quadro 30.2 Composição dos cereais
prolina (> 15%), enquanto as prolaminas não tóxicas do arroz e
do milho apresentam um baixo teor das mesmas, predominan- GLOTEN
do os aminoácidos alanina e leucina. A aveia possui uma com-
posição intermediária de glutamina e prolina, tendo por isso a TRIGO CENTEIO CEVADA AVEIA
toxicidade de suas prolaminas questionada (Quadro 30.2). CEREAIS TÓXICOS NA OOENÇA CELIACA
Embora alguns autores recomendem o uso de aveia pelos
pacientes celíacos, trabalhos recentes mostram que nem todos CEREAL PROLAMINA COMPOSiçAO TOXICIDADE
os portadores de DC são tolerantes a este cereal, de maneira o.-Giiadina 36% G, 17-23% P +++
Trigo
que se recomenda sua proibição.
Cevada Horderna 36% G, 17-23% P ++
Tentativas de cultivo de cereais modificados geneticamen-
Centeio Cecallna 36% G, 17-23% P ++
te, visando à depleção dos epítopos imunogênicos do glúteo,
responsáveis pelas agressões à mucosa, têm sido realizadas. No Aveia Avenina tG,J.P +
entanto, em muitas situações, a farinha perde sua capacidade de Milho ! G, tA. L
formar pasta com a elasticidade e a extensibilidade desejáveis. Arroz ! G, tA. L
Questiona-se se os celiacos poderiam comer alimentos de trigo G -;;; glutamina; P • prolina; A • alanina; L;;;; leucina.
com menor toxicidade, pois se sabe que qualquer quantidade Adaptado de S<huppan, 2000.
causa dano e predispõe ao câncer, com o passar dos anos.

• Fatores imunológicos
Os conhecimentos da patogênese da DC tiveram grandes
avanços nos últimos anos. O glúten induz uma resposta imuno- a enzima transglutarninase tecidual (transglutaminase 2 - TG2,
lógica inata que atua em conjunto com a imunidade adaptativa. em geral denominada tTG). Esta é uma enzima intracelular se-
Componentes humorais e celulares participam ativamente no cretada por fibroblastos, leucócitos, células endoteliais de vasos
processo da lesão da mucosa intestinal. De acordo com Schup- sanguíneos, células de músculo liso e de mucosas. Na DC, a tTG
pan et ai. (2009), a DC representa uma das doenças ligadas ao tem sido detectada em todas as camadas da parede do intestino
HLA mais bem compreendida, pois constitui uma afecção úni- delgado, com predomínio de expressão na submucosa. A tTG
ca ao se considerar que tem o "gatilho" definido (proteínas do é liberada das células durante a inflamação ou lesão e promo-
glúteo e cereais relacionados), a necessária presença do HLA- ve a ligação cruzada de certas proteínas da matrizextracelular,
DQ2 ou HLA-DQS, e a produção de autoanticorpos circulantes estabilizando assim o tecido conjuntivo.
contra a enzima transglutaminase tecidual (TG2). Shan et ai. (2002) identificaram os peptídios imunogênicos
A DC está associada à resposta autoimune altamente especí- (33 mer-peptide), presentes exclusivamente nas proteínas do
fica ao endonúsio, que faz parte da estrutura da matriz celular glúteo da dieta, responsáveis pelo desencadeamento da DC.
do tecido conjuntivo do músculo liso (Figura 30.7). O antígeno Esses peptídios são, em geral, resistentes à degradação por pro-
endomisial foi identificado por Dieterich et ai., em 1997, como teases gastrintestinais, fato que favorece sua sobrevivência e

HLA-DQ2 HLA-DQ2

Membrana
Cadeia ~
plasmática
..________ J' ~deia <l Cadeia ~ ~ ~eia <1
~~==-:;;:;:J ~==~~

Membrana nuclear
~~~~~c=:::><;;

OR17 DR7
(OR3) HLA-OQB1•0201 HLA-OQA1•0s

OR11
OR12 HLA-OQA1"05
(DR5)
HLA-OQ2 em eis HLA-OQ2 em trsns

Figura 30.7 HLA-002. (Adaptada de Kagnoff. 2007.)


Capftulo 30 I Doença Celfaca e Outras Distúrbios na Absorção de Nutrientes 301

disponibilidade no intestino delgado. Atualmente, esse peptl- a(TNF-o:) e interferona "/(IFN-y), que estimulam os fibroblastos
dio é considerado um "superantígeno celíaco" e é usado como intestinais a secretarem metaloproteinases de matriz proteolí-
peptídio modelo em estudos pré-clínicos. Devido ao seu alto ticas (MMP-1 e MMP-3), que causam a destruição da mucosa
conteúdo em glutamina e proximidade com prolina e resíduos pela dissolução do tecido conjuntivo, com consequente atrofia
hidrofóbicos de aminoácidos, as protelnas do glúten, especial- vilositária e hiperplasia de criptas. A MMP-3 exerce papel cen-
mente a fração solúvel em álcool {gliadina do trigo, cecalina da tral na remodelação da mucosa, visto que degrada componentes
cevada e hordelna do centeio) e também as gluteninas, são o da matriz não colagenosa, glicoproteínas e proteoglicanos, além
substrato específico da enzima tTG. de ativar a MMP-1, responsável pela degradação do colágeno
Os peptídios penetram na lâmina própria no intestino delga- fibrilar. Por sua vez, as citocinas da resposta Th2 direcionam
do, provavelmente após mudanças ocorridas nas junções Inti- a ativação e expansão dona! de células B para a produção de
mas intercelulares, que resultam no aumento da permeabilidade autoanticorpos {IgA e IgG) contra o glúten (gliadina), tTG e
intestinal, um evento precoce na patogênese da DC. complexos gliadina-tTG. Outras citocinas como IL-18, IFN-a
Através de um processo de desaminação, a tTG converte a ou IL-21 parecem exercer um papel na polarização e manuten-
glutamina em resíduos de ácido glutâmico (carregados nega- ção da resposta Th-1. A IL-21, produzida por células Th1 CD4•,
tivamente), gerando potentes epítopos imunoestimulatórios. foi caracterizada como um fator adicional da imunidade inata,
Devido à carga negativa, a maioria desses peptldios de glúten ao atuar em conjunto com a interleucina (IL)-15. Por sua vez,
resultantes se liga com maior afinidade às moléculas HLA-DQ2 a IL-15 interliga o sistema imune adaptativo à resposta imune
(ou HLA-DQ8) das células apresentadoras de antígenos (APC) inata na fisiopatogenia da DC (Figura 30.8).
e leva a uma intensa ativação de clones de linfócitos T CD4+ São recentes os progressos que permitiram compreender
glúten-específicos, presentes na mucosa intestinal de pacientes como linfócitos intraepiteliais (LIE) são ativados pelas protelnas
com DC, induzindo dessa forma a reação autoimune da DC. dos cereais. De forma integrada à resposta imunológica adap-
Os linfócitos B podem ser estimulados porque também tativa, estudos têm mostrado o efeito do glúten na imunidade
atuam como APC, expondo peptídios de glúten desaminado inata na DC, com ativação predominante de LIE e células do
aos linfócitos T específicos. epitélio intestinal. O peptídio a -2-gliadina p31-43, distinto do
Subsequente à ativação das células T CD4+, uma resposta peptldio que induz a resposta adaptativa (33 mer-peptide), cons-
Th1 e/ou Th2 se estabelece. As células da resposta Th1 libe- titui o gatilho dessa reação no epitélio intestinal, estimulando
ram primariamente citocinas como fator de necrose tumoral as células epiteliais, bem como macrófagos/células dendríticas

Lúmen intestmal

Epttélio mtestmal

IL-21 Degradaçllo oa matriz e


demodelaçllo da mucosa
o ~ c» <1 Componentes dos CtKeais
o O estltTiulam ununldadé mata ~ MMP·1, -3, -12+
~ <'! em células epiteliais e
Flbrobla s to
dendritJcas
""- IL-18
Peptldlos de glúten deamlll8dos ~ CD4 ....-..
silo apresentados por APC para u.. .._1 IL-21
céhJ/as T via HLA·D02 ou D08 .........___

~PeptldoOO<IOglúlen
~ Peptldmdoglúlen.,.__
~~ 1 A~t=~~~
~N... fr.éBiu~
0 TG2

v Autoa'*""P'S
'----------l ~Autoanticorpos ligam.,..
aos tecidos ou são liberados
no sangue
"( y "( ,. ... y
- -- - . . _ _ ,.__
.., y o( ,. )o 4 )o

Figura 30.8 Patogênese da doença celíaca. (Adaptada de Schuppan et ai. 2009.)


302 Capftulo 30 I Doença Ce/faca e Outros Distúrbios na Absorção de Nutrientes

a secretar IL-15. A expressão da IL-15 exerce um papel central verificou-se tratar-se de linfócitos T com receptores gama/delta
no direcionamento dos processos que levam ao aumento do (LT- ..,.0), considerados como marcadores precoces da DC. Tal
número de LIE, como também nos processos de destruição de fato permite identificar formas latentes de DC, tanto em indi-
células epiteliais e danos na mucosa. víduos com arquitetura mucosa preservada e presença de anti-
A ativação imune inata de LIE pelo glúten induz a expressão corpos positivos, como em familiares de celíacos. Em pacientes
de moléculas HLA classe I não clássicas (MICA) no epitélio in- com outras expressões de sensibilidade ao glúteo, tais como der-
testinal, que serve de ligao te para o receptor NKG2D de célu- matite herpetiforme, aftas recorrentes e artralgias, a presença de
las NK, linfócitos T -yõ e linfócitos T citotóxicos CDS•. MICA tais células aponta para o correto diagnóstico (Figura 30.5).
epitelial e a produção epitelial ("up-regulated") de IL-15levam
à ativação de NKG2D nos LIE. Os LIE citotóxicos ativados in- • Físíopatología
duzem aumento da apoptose epitelial e da permeabilidade. As A DC compromete o intestino delgado proximal, afetando
vias da perforina/granzima e/ou Fas/FasL são fundamentais os locais "nobres" da absorção (Figura 30.9).
para essas atividades de citotoxicidade e apoptose dos LIE no O comprimento do intestino lesado na DC varia de paciente
epitélio intestinal na DC. a paciente, correlacionando-se com a gravidade dos sintomas
NKG2D também liga a imunidade adaptativa e inata, ao ati- clínicos. Quanto mais grave a lesão e maior o segmento atin-
var a citotoxicidade mediada por linfócito antígeno-específico, gido, mais intensa será a má absorção e mais comprometida a
bem como a função citolítica direta independente de receptor saúde do paciente. Entretanto, há pacientes celíacos com altera-
de células T (TCR). ções discretas no intestino proximal. Somente rigorosa análise
Ainda é controverso como os peptídios imunogênicos de é que dará o diagnóstico nesses casos.
glúteo alcançam a lâmina própria a partir do lúmen intestinal. O defeito básico da absorção, na forma pura, situa-se na fase
Evidências sugerem a participação de uma via paracelular, por epitelial. Amedida que o processo evolui, surgem comprome-
defeitos nas junções íntimas intercelulares, e de mecanismos de timentos secundários: na etapa pré-epitelial, há alterações na
transcitose, especialmente na mucosa inflamada na DC. Mais micelação das gorduras, perda fecal de sais biliares, assim como
recentemente, tem sido sugerida ainda a participação dos an- redução da enteroquinase devido à redução da borda estriada
ticorpos IgA e IgG antiglúten e antitTG, que, ao ligarem-se aos do enterócito; na etapa pós-epitelial, há bloqueio relativo ao es-
peptidios, favoreceriam o transporte transcelular dos mesmos coamento de nutrientes devido à infiltração do córion. Portan-
do lúmen para a lâmina própria, amplificando a resposta de to, na DC, além da redução da área absortiva, existem alterações
linfócitos T CD4• glúteo-específica. nos mecanismos de digestão e transporte. Consequentemente,
Cabe salientar a importância do aumento do número de lin- também ocorrem espoliação de vários nutrientes, exsudação de
fócitos intraepiteliais (LIE) na mucosa de celíacos, tanto em ati- proteínas e oligoelementos para o lúmen intestinal e aumento
vidade como em remissão, como já assinalado. Posteriormente, de secreção pelas células das criptas.

ÁGUA INT. DELGADO


ELETRÓLITOS PROXIMAL
Ca. Mg, Fe, Zn
INT. DELGADO VIT. UPOSSOL.
PROX IMAL VIT. HIDROSSOL.

AÇÚCARES
PEPTIDIOS
A MINOÁCIDOS INT. DELGA DO
CÁLCIO MEDIANO
ÁGUA
ELETRÓLITOS

Figura 30.9 Esquema dos locais de absorção dos nutrientes, segundo Kotze.
Copftulo 30 I Doença Celfoco e Outros Distúrbios no Absorção de Nutrientes 303
Assim, a diarreia na DC resulta de: Em 1992, Marsh sugeriu um "espectro de sensibilidade ao
glúten" com seu respectivo repertório de alterações na muco-
• grande volume líquido apresentado aos cólons;
sa, advindo da sensibilização dos linfócitos T. Para esse autor,
• aumento de gordura nos cólons, que passa a ácidos graxos
pelo menos quatro padrões distintos, inter-relacionados e se-
por ação bacteriana, tendo efeito catártico;
quenciais de alterações da mucosa poderiam ser reconhecidas
• elevação da secreção de água e eletrólitos, aumentando
(Figura 30.10).
mais o volume no lúmen intestinal;
Em 1970, Barbieri et ai. publicaram uma classificação bra-
• diminuição da liberação de hormônios digestivos, da en-
sileira que corresponde à anteriormente descrita.
teroquinase e das secreções pancreáticas;
Na DC a espessura total da mucosa não se altera ou se altera
• redução na circulação êntero-hepática de sais biliares,
pouco, pois, apesar do achatamento na superfície consequente
se houver lesão no íleo terminal, também com efeito ca-
à diminuição da altura das vilosidades, há hipertrofia da zona
tártico.
de criptas, compensando tal achatamento.
Alterações na função de barreira favorecem a penetração de A microscopia óptica, a superffcie da mucosa pode exibir
peptídios por falta de especificidade ou simplesmente por dano vilosidades reduzidas em altura e mais alargadas, esboços de
mucoso: proteínas do leite de vaca ou da soja podem determinar vilosidades ou sua ausência (Figura 30.3). )á se pode deduzir
anticorpos circulantes, trazendo implicações d ietéticas impor- que tais alterações por redução da área absortiva acarretam re-
tantes no tratamento. percussões mais ou menos graves para a nutrição do paciente.
Os efeitos decorrentes de tantas modificações resultam em Por outro lado, isso se agrava mais ainda por haver alterações
má absorção, com predominância de um ou vários nutrientes, nas células absortivas de superfície: células normalmente co-
manifestando-se clinicamente por formas monossintomáticas lunares dão lugar a células cuboides, com alterações nas or-
ou até por síndrome carencial global. ganelas, borda estriada e núcleo, dando aspecto pseudoplu-
A mucosa gástrica de celíacos pode apresentar gastrite em riestratificado. Há intensa esfoliação celular, migrando células
maior proporção do que a da população geral e aumento do imaturas para a superfície. Tais alterações são bem detectadas
número de LIE em biopsias gástricas de pacientes não trata- à microscopia eletrônica. justifica-se., então, a diminuição de
dos (30%), concluindo-se haver reação imunológica anormal enzimas situadas na borda estriada pelas alterações vistas nas
no estômago, semelhante à descrita nos outros segmentos do microvilosidades.
tubo digestivo. Não se verifica relação com a presença ou não As criptas apresentam-se em maior número, alongadas, ocu-
do Helicobacter pylori. pando quase toda a altura da mucosa. Seu epitélio está preser-
O dano produzido pelo glúten é mais intenso no duodeno vado, embora haja maior número de mitoses, justamente na
e jejuno proximal. Entretanto, ao infundir-se glúteo no íleo de tentativa de repor as células das vilosidades em intenso ritmo
cellacos previamente tratados, a lesão é imediata e localizada, de esfoliação.
confirmando a ideia de lesão local direta no local de máxima As células de Paneth e caliciformes são referidas como em
exposição. número normal, parecendo haver biperplasia das células en-
A mucosa reta! pode apresentar alterações discretas, não es- dócrinas e indiferenciadas.
pecíficas, em alguns pacientes cellacos, com aumento evidente Muitos autores assinalam aumento importante no número de
dos LIE e leucócitos polimorfonucleares na mucosa. Isso evi- LIE na mucosa de celíacos não tratados. Segundo Kotze (1988),
dencia o papel do agente agressor também na mucosa reta!. para cada 100 células epiteliais foi encontrada média de 45 LIE
(45%) e, nos controles, 24 (24%) (Figuras 30.5 e 30.12A). A
• Anatomia patológica contagem do número de LIE continua de importância prática,
Nos celíacos não tratados, percebe-se, à estereoscopia, muco- e a maior densidade destes linfócitos fica no topo das vilosida-
sa lisa e com orifícios que correspondem à abertura das criptas; des, servindo de marcador funcional de sensibilidade ao glú-
ou aspecto cerebriforme ou em mosaico. teo, principalmente nas biopsias com arquitetura preservada
A mucosa do intestino delgado é a que apresenta alterações (normais). ~ método relativamente rápido que pode ser feito
importantes, sendo as outras camadas habitualmente normais em amostras das preparações rotineiras (hematoxilina-eosina),
à bistologia. pois correspondem às contagens de LIE yõ que requerem amos-
Atrofia de mucosa está presente em 85% dos pacientes com tras congeladas e maior tecnologia.
DC e a atrofia total é muito mais frequente no duodeno distai A clássica infiltração de células T não seria devida a um au-
ou no jejuno proxirnal. Em 50% dos casos, há atrofia vilositária mento no número destas células, mas sim a um aumento apa-
idêntica ao longo do duodeno e não existem áreas duodenais rente associado a uma diminuição relativa do número de enteró-
histologicamente normais. Assim, em indivíduos geneticamen- citos como resultado de alterações na arquitetura da mucosa.
te predispostos com sorologia positiva, o diagnóstico de DC Na lâmina própria, há intenso infiltrado inflamatório
pode ser feito mesmo com biopsias não tomadas do duodeno constituído principalmente por linfócitos e células plasmáticas
distai ou do jejuno. produtoras de imunoglobulinas. As células produtoras de IgA
O desenvolvimento da enteropatia por sensibilidade ao podem estar normais, aumentadas ou diminuídas nos celíacos
glúteo é um processo dinâmico em que o dano da mucosa se não tratados; alguns referem aumento das produtoras de IgG;
desenvolve em três fases subsequentes: a) fase infiltrativa, ca- assinala-se predomínio das de IgM e não se descrevem altera-
racterizada somente por aumento do número dos LIE; b) fase ções significativas em relação às células contendo IgD e IgE.
biperplástica, caracterizada por hipertrofia de criptas; c) fase Numerosos eosinófilos são observados na mucosa de pacien-
destrutiva, na qual há progressiva atrofia das vilosidades, che- tes com DC ativa e liberam proteínas cito tóxicas, como a proteí-
gando no final ao achatamento da mucosa. na básica maior, que podem contribuir para o dano mucoso.
Alguns pacientes, crianças ou adultos, podem apresentar Comprovou-se a existência de DC em pacientes com mucosa
lesões no duodeno de distribuição focal (patchy); lesões com intestinal normal à histologia e que apresentam anticorpos posi-
atrofia total podem estar adjacentes ou coexistir com atrofia tivos e aumento do número de LIE. Kotze et al. (2001) demons-
leve ou parcial e, possivelmente, com áreas normais! traram tal fato em familiares de pacientes celíacos.
304 Capftulo 30 I Doença Ce/faca e Outros Distúrbios na Absorção de Nutrientes

Tipo O (normal) Tipo1

Tipo3b Tipo 3c

Figura 30.10 Classificação de Marsh para os achados histopatológicos na doença celíaca. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no
Encarte.)

. --
Quadro 30.3 Classificação de Marsh para lesões da mucosa entérica na doença celíaca

Tipo LI E% Criptas Vilosidades Aspecto

o < 24 Normais Normais Mucosa normal; DC improvável


1 > 24 Normais Normais Lesão infiltrativa, DC e progressão ao 3
2 > 24 Hiperplásticas Normais Lesão hiperplástica; pode indicar DC
3a > 24 Hiperplásticas Atrofia leve Lesão destrutiva; espectro de alterações características de DC
3b > 24 Hiperplásticas Atrofia grave não tratada; pacientes podem ser ou não sintomáticos
3c > 24 Hiperplásticas Ausentes
Classificação Marsh-Oberhuber. adaptada por Kotze, 1988.
Capitulo 30 I Doença Ce/foco e Outros Distúrbios no Absorção de Nutrientes 305

. J(!YTI?]
·'~
b l~
b l~
111 c I
IV

Figura 30.1 1 Classificação de Barbieri et oi. para os achados histopa-


tológicos nas afecções do intestino delgado proximal.

Após suspensão do glúten da dieta, a recuperação começa


imediatamente. mas vilosidades digitiformes podem demorar
meses para aparecer (Figura 30.12). é posslvel o retorno da
mucosa ao normal ou quase ao normal com dietas rigorosa-
mente isentas de glúten, porém o tempo necessário para que
isso ocorra tem sido descrito como diferente e longo para os
diversos autores. Figura 30.1 2 Histologla da mucosa enrérica na doença celfaca. A,
Se o tempo para recuperação da mucosa após dieta sem glú- Padrão cefíaco com atrofia de vilosidades, hiperplasla de criptas e au-
teo é variável, também o é a recidiva de alterações depois da mento do número de linfócitos intraepitefiais. a. Mucosa em recupe-
sua reintrodução. Pode haver recidiva histológica em pacientes ração, após dieta isenta de glúten. (Esta figura encontra-se reproduzida
assintomáticos, porém o intervalo de 2 ou mais anos é aceito em cores no Encarte.)
como necessário para a ressensibiliz.ação de um indivíduo po-
tencialmente sensibiliz.ado. Nas biopsias sequenciais, notam-
se, já nas primeiras horas de contato com o glúteo, infiltração
celular, edema, hipertrofia das células endoteliais e aumento b) se persistir sem tratamento, pode regredir parcialmente
dos LI E. O pico de maiores alterações se dá nas primeiras 96 h, na adolescência; não é comum apresentar-se pela primeira
com dano aos enterócitos, seguindo-se encurtamento das vi- vez nesta fase, a não ser que haja fator desencadeante;
losidades. c) pode aparecer ou reaparecer na idade adulta, geralmente
na terceira ou na quarta década, principalmente du.rante
• Quadro dínico gestações;
O quadro clinico na DC varia muito, dependendo da gravi- d) pode surgir na idade adulta ou geriátrica, desencadeada
dade e extensão das lesões, bem como da idade do paciente (Fi- ou não por algum fator, como cirurgias, infecções etc.
gura 30.13A a E). Podem-se encontrar desde sinais e sintomas De modo geral, sabe-se que os sintomas e sinais variam de
de má absorção de apenas um nutriente (anemia, por exemplo); acordo com a idade e com o tempo de exposição ao glúteo.
ou pandisabsorção, com repercussões graves à nutrição do indi- Pensa-se que se correlacionam mais diretamente com a exten-
víduo e ameaça à sua vida. Considerar que em palses familiari- são do comprometimento do que com a gravidade da lesão em
zados com a DC a apresentação clássica com má absorção grave qualquer segmento do tubo digestório.
e caquexia, descrita nos livros-texto, está cada vez mais rara. Diarreia. Varia de intensidade de caso a caso, dependendo
Os médicos devem lembrar-se deste diagnóstico ao atenderem do comprometimento intestinal. As feus podem ser aquosas
pacientes com dispepsia elousíndrome do intestino irritável; ou ou pastosas, volumosas, descoradas ou acinzentadas, oleosas
os especialistas em outras doenças autoimunes. ou espumosas, f~tidas, flutuando ou não na água. Se intensa,
O Quadro 30.4 sintetiza os efeitos do comprometimento dos leva à desidratação ou a distúrbios do equih'brio ácido-básico,
principais nutrientes e suas manifestações clinicas. principalmente nas crianças de baixa idade. A imensa maio-
A DC pode ser diagnosticada em qualquer época da vida e ria dos ceUacos tem diarreia, mas pode ocorrer constipação
se desenvolve em ciclos: intestinal.
a) pode surgir no lactente, relacionando-se com a época do Emagrecimento. Também depende da gravidade e extensão
desmame e/ou introdução de cereais na alimentação; das lesões, reflete a má absorção, dependendo não só das áreas
306 Capftulo 30 I Doença Ce/faca e Outros Distúrbios na Absorção de Nutrientes

T-
Quadro 30.4 Efeitos do comprometimento dos principais nutrientes: aspectos clínicos, laboratoriais e mecanismos envolvidos

Dados dfnicos Dados de exames Meaonfsmos

Perda muscular < Albumina sérica Alteração metabolismo


Baixa estatura Proteico
Edema Absorção e ingestão
Dores ósseas Raios X desmineralização óssea Perda proteica entérica
Fraturas
Deformidade esquelética Oensitometria óssea alterada
Parestesias < Cálcio sérico Alteração absorção de Ca e vitamina O
Tetania Osteomalacia
Perda de peso Esteatorreia Alteração na absorção e perda de gordura e vitaminas
Fezes claras e volumosas <Colesterol lipossolúveis e Ca
Sangramento, equimose <TAP Alteração absorção vitamina K
Parestesias Macrocitose Alteração absorção vitamina 8 12
Neuropatia <Vitamina B ,~ megaloblastos
Glossite < Folatos Alteração absorção de ácido fólico
Anemia Microcitose hipocromia Alteração absorção de Fe
Fraqueza, tetania, parestesias < Mg sérico Alteração absorção de Mg
Desidratação, nictúria <Volume plasmático Alteração metabolismo água
Cãibras, arritmias <Na sérico Alteração metabolismo sódio
Fraqueza muscular < K sérico Alteração metabolismo potássio
Alterações ECG
Queilite, neurite, glossite > Triptofano urinário Alteração absorção complexo 8
Distensão abdominal Achatamento curva Alteração na hidrólise e absorção de hidratos de
Diarreia, flatulência Glicêmica com lactose, sacarose ou maltose carbono

íntegras que compensarão a absorção dos nutrientes, como As alterações metabólicas que ocorrem na DC devido à má
também da própria redução da ingestão alimentar do pacien- absorção de nutrientes, teoricamente, podem atingir qualquer
te (Figura 30.13B a E). Quando há edema, o emagrecimento dos sistemas, daí entender-se por que alguns celiacos se apre-
pode estar mascarado (Figura 30.13F). Em crianças, a incapa- sentam com sintomas extraintestinais.
cidade de ganho ponderai e atraso no crescimento tornam-se Como os sintomas, os sinais encontrados variam de caso a
muito evidentes. caso, não sendo específicos de DC. Quando a lesão é discreta
O estado nutricional pode agravar-se mais ainda devido à e limitada ao intestino delgado proximal, o exame fisico pode
anorexia que muitos pacientes apresentam. Outros têm apetite ser normal ou refletir discreta anemia. Já nos casos graves, evi-
normal ou, mais raramente, hiperfagia. dencia-se grave desnutrição (Figura 30.13).
Fraqueza, Cansaço e Fadiga. Relacionam-se com o estado No exame do paciente celíaco, podem ser observados: hi-
nutricional dos pacientes, que cansam ao executar tarefas ha- potensão; emaciação, diminuição da massa muscular e do pa-
bituais. As crianças escolhem brincadeiras calmas ou até param nículo adiposo; unhas em vidro de relógio; pele seca e turgor
de brincar. A anemia e a insuficiência suprarrenal podem con- diminuído; edema de extremidades; pigmentação de pele; equi-
tribuir para estes sintomas, bem como a hipopotassemia. moses.; palidez de pele e mucosas; queilite e glossite, língua
Dor Abdominal. Não é frequente e, se presente, sua locali- despapilada; abdome protuberante e timpânico, com alças pal-
zação corresponde ao intestino delgado. páveis; raramente hepatoesplenomegalia ou ascite; sinais de
Distensão Abdominal. Constitui-se em queixa comum, pode neuropatia periférica com alterações de sensibilidade; sinais
ser a primeira manifestação da doença e chega a caracterizar o de Chvostek ou Trousseau etc. Os achados vão depender do
que, no exame fisico, se conhece como hábito celíaco. nutriente comprometido (Quadro 30.4).
Náuseas e Vl)mito. São encontrados com menor frequência. O modo de apresentação da DC difere com a idade: mais
Distúrbios Psicoafetivos. Os fatores implicados seriam alte- exuberante na criança e mais discreta no adulto. Raramente, se
rações nas rotas metabólicas da 5-hidroxitriptamina, dopami- apresenta por complicação, como perfuração ou linfoma.
na e norepinefrina, com papel importante na patogênese da Se o início for mais insidioso, os pacientes procuram mais
depressão. Em crianças celfacas, encontram-se irritabilidade, tardiamente o médico, já com comprometimento do estado
modificações de comportamento e de humor, consideradas si- nutricional, podendo chegar à caquexia. Muitos só solicitam
nais equivalentes à depressão. Transtornos caracterizados por atendimento quando há intercorrências ou piora acentuada.
ansiedade podem fazer parte do quadro clfnico da DC. Even- Outros podem apresentar-se em estado relativamente bom,
tualmente, os distúrbios apontados podem ser tão graves que com sintomas nem sempre relacionados com o aparelho diges-
necessitem de medicações e/ou psicoterapia. Há correlação di- tivo, sendo atendidos em outros serviços e nem sempre diag-
reta entre o início dos sintomas e a demora no diagnóstico. nosticados corretamente. Por exemplo, baixa estatura, fraturas,
Copftulo 30 I Doença Celfoco e Outros Distúrbios no Absorção de Nutrientes 307

c o

Figura 30.13 Apresentações clínicas da doença celíaca. A, Paciente obesa. com dispepsia. B, Paciente desnutrida e com diabetes. C, Paciente
com hipotireoidismo, desnutrição e língua despapilada. O, Paciente com hipotireoidismo, desnutrição e língua despapilada após tratamento
para cancer de mama. E, Graves alterações do sistema musculoesquelético em paciente idosa. F, Desnutrição e edema de membros inferiores
no puerpério do primeiro parto em paciente de 22 anos de idade. (Esta figura encontra-se reproduZida em cores no EncarteJ
308 Capitulo 30 1 Doença Ceffoco e Outros Distúrbios na Absorção de Nut rientes

infertilidade, déficit de desenvolvimento etc. Podem recorrer e) Endocrinológicos: baixa estatura, atraso de desenvolvi-
a atendimento neurológico e até psiquiátrico. . , mento sexual.
Várias formas de apresentação da DC podem surgrr na cli- t) Neuropsiquiátricos: irritabilidade, choro fá.á l, ansiedade,
nica, sendo comparadas com um iceberg: só as sintomáticas depressão, tentativa de suicídio; degeneração cerebroes-
seriam a porção visível desse iceberg. pinal, neuropatia periférica, ataxia. . .
g) Metabólicos: cãibras, diurese noturna, parestes1as, tetanJa.
a) Forma clássico: decorrente da má absorção de nutrientes, h) Hematológicos: anemia, hematomas, sangramento.
com quadro de diarreia crônica e desnutrição; encon- i) Tegumentares: alterações nos cabelos, edema, hemato-
trada tanto em crianças como em adultos. Na criança, a mas, lesões pruriginosas, lesões bolhosas, pigmentação
distensão abdominal e a intensa redução de massa glútea de pele, poiquilonlquia, rashes.
são dados que chamam a atenção;
b) Forma não clássico: também denominada forma atipica • DC no idoso
que pode ser de dois tipos. Um tipo chamado de atipico Anteriormente, a DC era considerada rara no idoso, mas,
digestivo com sintomas digestivos mais discretos ou com com o aumento da longevidade, chega a 27% dos casos de DC
constipação intestinal, e um segundo tipo chamado de diagnosticada em adultos, embora com grande intervalo en_tre
atipico extradigestivo com sintomas como baixa estatura, os sintomas e o correto diagnóstico. Estudo recente na Fm-
anemia, tetania etc. lândia mostrou preval~ncia superior à da população geral em
c) Forma latente: em indivíduos com biopsia intestinal nor- adultos entre 52 e 74 anos (2,7%). Alguns autores informam
mal frente ao consumo habitual de glúten e que, anterior que a resposta à dieta isenta de glúten é pior do que nos adul-
ou posteriormente, desenvolvem atrofia parcial ou total tos, porém esta não é a experiência da autora que obteve exce-
de vilosidades, retomando novamente ao normal após lente recuperação de celíacos diagnosticados após os 60 anos
isenção do glúteo da dieta; de idade.
d) Forma assintomática: ocorre entre familiares de celfacos
com anticorpos positivos no soro, com alterações histo- • Transição dfnko
lógicas mais ou menos graves, mas número aumentado Muitos pacientes d.iagnosticados como celíacos na infância
de LIE, revertendo com dieta isenta de glúteo. não recebem orientação médica ou supervisão alimentar após
Alguns autores preferem dividir as formas de apresentação transição para a idade adulta. Cerca de 1/3 não obedece à die-
da DC segundo o Quadro 30.5. ta. O principal motivo para os que aderem à dieta é evitar sin-
Para orientação didática e prática, seguem-se sintomas e tomas mais do que medo de complicações. A prevalência dos
sinais cllnicos de DC relacionados com os diversos aparelhos distúrbios prevenfveis e tratáveis nos adultos jovens mostra a
e sistemas, seja como manifesta.ções isoladas seja como parte falha nos serviços de saúde após a transição da faixa pediátrica
do mosaico clínico dos pacientes. para os atendimentos para adultos.
Como se deduz. a DC pode cursar com qualquer sintoma
a) Gerais: anorexia, cansaço, emagrecimento, fraqueza, hi- ou sinal, tornando muitas vezes dif!cil o diagnóstico. Também
perfagia, mal-estar; baixa estatura, construção delgada, deve-se considerar a ocorrência de doenças associadas.
desgaste fisico, febrícula, hipotensão. . • .
b) Digestivos: dispepsia, distensão abdonunal, tlatulencl8, • Doenças associadas
fezes gordurosas, náuseas, vômitos, dor abdominal, diar- Numerosas condições têm sido relatadas com DC, tanto
reia, constipação intestinal; abdome escavado ou globo- em crianças como em adultos. Geralmente, são afecções com
so, aftas, alças intestinais palpáveis, alterações da língua, envolvimento de mecanismos autoimunes e/ou ligadas a an-
aumento de ruidos hidroáereos, peristalse visível (Figura tígenos do sistema HLA. Por ordem alfabética, destacam -se:
30.13A, C e D). acidose tubular renal, alergia alimentar, alveolite fibrosante,
c) Musculoesqueléticos: artralgia, dor óssea, miopatia pro- artrite reumatoide, asma e atopia, câncer (do intestino delga-
ximal; alterações da marcha, artrite, deformidades ósseas do, do esôfago e da faringe), cirrose biliar primária, coarctação
(Figura 30.13E), osteomalacia, raquitismo. da aorta, deficiência de IgA, diabetes melito (Figura 30.13B),
d) Gineco-obstétricos: amenorreia secundária, atraso na me- doença de Addison, doenças da tireoide (Figura 30.13C e D),
narca, aumento de abortamentos, diminuição da fertili- epilepsia com calcificações cerebrais, fibrose clstica, hemos-
dade, menopausa precoce, podendo ocorrer no puerpério siderose pulmonar, linfoma, lúpus eritematoso disseminado,
(Figura 30.13F); oligospermia, diminuição de ~racteres pancreatite crônica, poliomiosite, psorlase, síndrome de Down,
sexuais secundários, diminuição do sêmen, hipogona- síndrome de Sjõgren, síndrome de Turner,síndrome de Williams
dismo. e síndrome do intestíno irritável.
O quadro clínico pode ser um mosaico entre os sintomas e
sinais da DC e da entidade associada. O diagnóstico de ambas
será feito conforme a natureza da comorbidade.

"
Quadro 30.5 Tipos de doença celfaca • Dermatopatias
Na DC pode haver alterações mucocutáneas consequentes à
npo Slntomu Anticorpos Ent~ropiltill Gtnétia má absorção de nutrientes (estomatite, glossite,lesões eritema-
Clássla + + + + tosas e erosivas etc.), mas eczema, dermatite seborreia, psoriase,
Potencial + ictiose e outras têm sido descritos.
Silenciosa + + + Dermatite herpetiforme (OH) não é considerada como *as-
+
sociação•, mas manifestação dermatológica da d~nça por sen-
Latente antes + +
sibilidade ao glúten. Assim, pode preceder os sma1s e smtomas
latente atual + +
de DC, ou surgir após alguns anos do diagnóstico da doença
Copftulo 30 I Doença Celfoco e Outros Distúrbios no Absorção de Nutrientes 309

intestinal. A DC e a DH podem aparecer em uma mesma fa- outro lado, o controle metabólico do diabetes melhora, dimi-
mília. Sua relação é com o mesmo fenótipo de antígenos HLA nuindo o número de hipoglicemias graves.
de classe li, mostrando 90% dos pacientes positividade para Existem controvérsias quanto ao emprego dos marcadores
HLA-DQ2 e os outros restantes HLA DQS. Pode ou não haver sorológicos, mas atualmente se recomenda que sejam utilizados
lesões intestinais, mas a autora recomenda biopsia em todos os ao diagnóstico do diabetes, anualmente nos 3 anos seguintes
casos, além da determinação dos autoanticorpos. e depois a cada 5 anos ou se houver suspeita de DC. Deve-se,
As lesões são placas urticariformes e vesículas altamente também, realizar rastreamento para DC nos familiares de pri-
pruriginosas de distribuição simétrica, predominando em áreas meiro grau dos pacientes diabéticos, porque apresentam DC
de extensão dos joelhos, cotovelos, dorso e glútea, podendo ser assintomática.
esparsas por todo o organismo (Figura 30.14). O dado mais
valioso para o diagnóstico é a demonstração de depósitos gra- • Doenças do tireoide
nulosos de IgA na derme superior de qualquer ponto do tegu- A doença autoimune da tireoide engloba um conjunto de
mento, através de imunofluorescência direta. O tratamento é alterações tireoideanas com características imunológicas co-
a supressão do glúten e o uso de sulfona VO. A determinação muns e origem etiopatogênica semelhante, mesmo que funcio-
dos anticorpos EmA e antitTG é útil tanto para o diagnóstico nalmente haja eutireoidismo ou hipotireoidismo (tireoidite de
como para a monitoramento da dieta. Hashimoto) ou hiperfunção {Graves-Basedow). A etiologia é
Psorlase tem sido associada à DC, e a DIG pode melhorar desconhecida, há associação com certos haplotipos HLA (DR3-
o quadro clínico. DQ2) ou outros (Figura 30.13C e D)
Alopecia areata tem sido encontrada em 2% dos celíacos. Cerca de 5% dos pacientes com DC podem sofrer hiper ou
A dieta isenta de glúten pode produzir crescimento de pelos hipotireoidismo, e em 14% há doença autoimune na idade in-
em alguns pacientes. fantil. A DC pode ser silenciosa e os marcadores sorológicos
ajudam no diagnóstico. No Brasil, Kotze et ai. {2006) encon-
• Endocrinopatias traram 32% de anticorpos antiperoxidase em pacientes celía-
• Diabetes ITH!Jito tipo I cos. Assim, recomenda-se rastreamento para DC em todos os
~uma entidade caracterizada por uma autorresposta contra pacientes com doenças autoimunes da tireoide e vice-versa.
as ilhotas de Langerhans do pâncreas que culmina com a des- A dieta isenta de glúten tem efeito sobre a glândula e também
truição das células beta. A sua prevalência estimada, na idade sobre a absorção das drogas utilizadas para o tratamento.
pediátrica, é de 1/1.000. As publicações apontam 0,97 a 16,4% Como a suspeita clínica de hipotireoidismo pode ser mas-
de DC em pacientes diabéticos tipo I, aumentando com a idade. carada por quadro de má absorção, recomenda-se determi-
Os testes sorológicos devem ser realizados nos diabéticos, pois nação da função tireoideana, anticorpos antitireoglobulina e
pode haver DC silenciosa e seu tratamento evita o desenvol- antimicrossomais, de maneira seriada, nos pacientes celíacos,
vimento de processos associados e outras comorbidades. Por principalmente nos refratários ao tratamento.

A 8

Figura 30.14 Dermatite herpetiforme. A, Lesões bolhosas e vesículas disseminadas. B, Lesões em áreas de extensão de cotovelos e joelhos,
locais de maior prevalência das alterações, antes e depois do uso de dapsona. (Esta figura encontra-se reproduZida em cores no Encarte.)
31 O Capitulo 30 I Doença Ce/laca e Outros Distúrbios na Absorção de Nutrientes

• Doença de Addison tervalo médio de 21 anos, variando sua incidência global de 6


Cerca de 12,5% dos pacientes com doença de Addison de a 10%. A constatação de complicação maligna é diffcil; assim,
origem autoimune apresentam DC. qualquer modificação no quadro clinico fncom que o paciente
deva ser reavaliado. Kotze (2009) refere dois casos de linfomas
• Doenças neurológicas tipo Bem 157 adultos com DC.
Há anos se estabelece uma relação entre DC e diversas al- Atualmente, aceita-se que a dieta rigorosamente isenta de
terações neurológicas, embora a natureza desta relação seja glúten possa proteger o paciente do desenvolvimento de doen-
desconhecida. Já foram aventadas várias hipóteses implicando çamaligna.
piridoxina e vitamina E, entre outras. Os linfomas associadas à DC são heterogêneos e seu diagnós-
A ataxia tem sido muito enfatizada, tanto que atualmente se tico é dificil. O linfoma associado à enteropatia por células T é
é obrigado a descartar DC em todo paciente com ataxia crônica a mais frequente, agressiva e fatal complicação da DC, porém
de origem indeterminada. não é raro observar a associação com linfomas de células B. A
A presença de epilepsia em pacientes celiacos tem sido en- quimioterapia é altamente tóxica para estes pacientes. Apesar
fatizada, bem como calcificações occipitais. Estudos recentes do mau prognóstico, sobrevivência longa pode ser obtida em
têm demonstrado alterações na substância branca cerebral, por alguns doentes.
ressonância magnética, em ceUacos jovens.
Há aumento de prevalência de cefaleia do tipo rnigranoso • Diagnóstico
(enxaqueca) ou tensional. Fatores bioqulmicos, tais como di- • Diagnóstico díniro
minuição da serotonina plasmática, presente tanto na DC como
Uma anamnese detalhada, junto a exame fisico cuidadoso
na enxaqueca, poderiam explicar as alterações. e dados objetivos de exames laboratoriais, leva à suspeita de
• Deficiências imunológicas DC. Entretanto, o conhecimento das diferentes formas clí-
A dejicUncla seletiva de IgA é 10 vezes maior nos celfacos nicas da afecção (atípica, silenciosa, latente, potencial) veio
demonstrar que um diagnóstico exclusivamente cl(nico não
do que na população geral. Existem famílias com tal dé.ficit. A
DC nestes pacientes é semelhante à dos que têm níveis normais é viável na DC.
de IgA. A importância prática é no rastreamento, pois em tais No Brasil, a coexistência de outras enteropatias ligadas, so-
indivíduos devem ser determinados os autoanticorpos da classe bretudo, à desnutrição e às parasitoses mascara as manifestações
típicas da afecção. Portanto, é poss(vel que, entre as inúmeras
IgG (EmA-IgG e antitTG-IgG).
observações de diarreias persistentes, a DC esteja envolvida.
• Hepatopatias Não se deve esquecer, porém, que sinais ou sintomas extradi-
São descritas associações entre DC e cirrose biliar primária gestivos podem chamar a atenção para outro sistema ou apa-
pela prevalência, em ambas, de HLA 88; entre DC e hepati- relho, desviando o raciocínio do médico.
te autoimune, bem como entre DC e hipertransaminasemia,
que costuma normalizar-se ao longo do tratamento com dieta • Exames laboratoriais de rotina
isenta de glúteo. Na investigação do paciente ceHaco, não há necessidade de
se realizarem todas as provas bioquímicas. Devem ser realizados
• Doenças inflamatórias intestinais apenas os exames compatíveis com o que apresenta o doente e
Embora tenham sido publicados relatos de casos de doenças como base para as reposições no tratamento inicial.
inflamatórias intestinais com DC, não se pode estabelecer ain- A determinação do tempo de atividade de protrombina
da uma associação. Os anticorpos antiendomísio são negativos (TAP) ou demais exames de estudo de coagulação podem ser
nestas afecções, como demonstrado por Utiyarna et ai. (2001), realizados antes da biopsia, quando pertinente.
enquanto o pANCA (anticorpo citoplasmático antineutrófilo
padrão perinuclear) se mostrou negativo na DC. Recentemente, • Provas de absorção intestinal
Theiss et ai. (2010), do grupo das autoras, constataram 11,1% As provas de absorção intestinal, disponíveis na grande
de positividade para o antitTG em um estudo com 36 pacientes maioria dos centros brasileiros, restringem -se à prova da D·
com doença de Crohn, demonstrando relação com a presença xilose e à determinação da gordura fecaL Estas provas indicam
de lesão tecidual grave nesta afecção. má absorção intestinal e costumam estar alteradas nos cella-
cos, mas há casos em que uma ou as duas podem estar normais,
• srndrome poliglandular autoimune não afastando o diagnóstico que será sugerido pelos testes so-
Esta síndrome do tipo li foi relatada com DC. Aparece na rológicos e confirmado por biopsia. As alteraçõe.s verificadas
idade adulta, associa-se aos haplotipos DR3, 88 e DR4. Mais nestas provas gradualmente voltam ao normal após a retirada
frequentemente, os pacientes têm diabetes tipo I. As outras do glúteo, mesmo com demora na recuperação histológica da
manifestações são de doença de Addison, doenças tireoideanas mucosa.
autoimunes, miasteniagravis, hipogonadismo primário, vitili- Teste de absorção de lactuloselmanitol pode ser feito devido
go, anemia perniciosa. à premissa de que, quando há alteração na mucosa do intes-
tino delgado, há alteração na permeabilidade. Assim, a absor-
• Complicações da DC ção passiva de moléculas maiores que 0,5 run (lactulose, por
Complicações do tipo perfuração são raramente descritas. exemplo) está aumentada por edema, inflamação e atrofia vilo-
Entretanto, o potencial de malignidade é maior do que na po- sitária, enquanto a absorção de moléculas menores que 0,5 nm
pulação geral, tanto para neoplasias intestinais, como para ex- (manitol, por exemplo) não muda nem diminui. Os testes que
traintestinais. Carcinomas (mais no esôfago) e linfomas pode- usam tais substâncias podem ser úteis no diagnóstico diferencial
riam ser relacionados com a insufid!ncia imunológica da DC entre DC e controles normais. Entretanto, sua especificidade e
e a maior permeabilidade da mucosa a agentes oncogênicos. sensibilidade não são altas. Servem também para monitorar a
Há evidência de que a DC precede a doença maligna com in· aderência à dieta isenta de glúteo.
Capftulo 30 I Doença Celfaca e Outras Distúrbios na Absorção de Nutrientes 311

• Determinação sorológica de anticorpos de fácil obtenção e com qualidades semelhantes à do esôfago


São testes não invasivos que devem ser feitos após determina- de macaco. O cordão umbilical é rico em fibrilas de reticulina
ção dos níveis séricos de imunoglobulinas, pois cerca de 12% dos (endomísio) contornando as fibras de músculo liso na parede
celíacos apresentam também deficiência de IgA e poderão ter da veia e das duas artérias umbilicais, e permite a detecção dos
resultados falso-negativos. Nestes casos, haverá necessidade de anticorpos EmA-IgA com segurança, por imunofluorescência
se realizarem testes com IgG (EmA-IgG e/ou antitTG-IgG). indireta (Figura 30.15).
" ANTICORPOS ANTIGLIAOINA. Os anticorpos antigliadina O resultado do EmA-IgA é fornecido como negativo ou po-
(AGA) são dirigidos contra a proteína do cereal absorvida pela sitivo, seguido do título de anticorpos detectado, que é definido
mucosa intestinal. São predominantemente das classes lgA e como a mais alta diluição com imunofluorescência presente.
IgG, detectados por meio de técnica imunoenzimática (ELISA). O EmA-IgA constitui um dos testes mais específicos no au-
Apresentam sensibilidade (50 a60%) e especificidade (60 a 70%) xílio diagnóstico da DCe no monitoramento da adesão da dieta
reduzidas para o diagnóstico da DC. Cada laboratório fornece sem glúten. Kotze et ai. (2001) encontraram 100% de sensibili-
seus valores de referência de acordo com o kit utilizado. Es- dade e 99,3% de especificidade em celíacos brasileiros. O teste
ses anticorpos podem também ser detectados em indivíduos é excelente ainda no rastreamento de familiares de pacientes,
normais, em outras doenças autoimunes, alergia alimentar, conforme referido por Utiyama et a/. (2007) e Nass et ai. (2008),
infecções e parasitoses intestinais. O valor preditivo dos AGA nas formas atípicas da doença; na detecção de DC como comor-
diminui gradativamente a partir dos 2 anos de idade, podendo bidade de outras doenças autoimunes, demonstrado por Kotze
inclusive negativar-se, apesar de a mucosa estar alterada. Por (2009) e Baptista et ai. (2005), bem como em doenças genéticas
outro lado, na população sadia, parece aumentar a positividade como na síndrome de Down, segundo Nisihara et a/. (2005). A
para o AGA com a idade. Figura 30.1 reflete tais informações e a experiência do grupo
As concentrações de AGA-lgA reduzem rapidamente com das autoras na detecção clínico-laboratorial da DC.
a dieta sem glúten e voltam a se elevar após um curto interva- O EmA-IgA apresenta excelente correlação com a gravidade
lo de ingesta de glúten, sendo então marcadores mais úteis no de lesão da mucosa intestinal, principalmente em títulos altos de
controle da dieta. anticorpos (acima de 1:10), conforme demonstrado por Kotze
Por sua vez, os AGA-IgG, depois da retirada do glúten, re- et al. (2003). Para baixos títulos, os autores detectaram melhor
duzem de valores, apesar de permanecerem sempre em níveis relação do EmA-IgA com o grau de lesão do que o antiiTG.
superiores ao normal. " ANTICORPOS ANTITRANSGLUTAMINASE. Dieterich et ai.,
O consenso atual é de que anticorpos AGA são mais indicados em 1997, foram os primeiros autores a descrever a presen-
para crianças até 2 anos de idade e n{veis normais do mesmo ça de anticorpos contra a enzima transglutaminase tecidual
não excluem o diagnóstico de DC. 2 (antitTG, ou antiTG-2) na DC. De acordo com os autores,
Mais recentemente, a utilização de kits de antigliadina desa- a tTG é o principal, senão o único, autoantígeno endornisial
minada em testes sorológicos tem-se revelado como um novo alvo envolvido no processo autoimune da DC, o que permitiu
instrumento na detecção da DC, porém não se mostra neces- esclarecer os principais aspectos da fisiopatogenia da doença,
sariamente melhor do que o antitTG. além de transformar a pesquisa dos anticorpos antitTG-IgA
" ANTICORPOS ANTIENOOMISIO.Anticorpos antiendomísio em grande avanço diagnóstico. O uso do método ELISA na
são principalmente da classe IgA (EmA IgA) e reagem con- investigação desses anticorpos tornou-o acessível aos diversos
tra a substãncia que envolve as rniofibrilas da musculatura lisa laboratórios, possibilitando estudos em larga escala. Cada la-
(endomísio) dos primatas, a qual pode corresponder a uma boratório fornece os valores de referência, dependendo do kit
estrutura semelhante à da reticulina ou à de um componente comercial utilizado.
da superficie das rniofibrilas. A primeira geração de testes para pesquisa de antitTG apre-
Os EmA são detectados no soro dos indivíduos por méto- sentava como substrato ITG extraída de figado de cobaia (gui-
do de imunofluorescência indireta, e grande parte dos estudos nea pig), sendo menos sensível e específica quando comparada
usava inicialmente cortes criostáticos de esôfago de macaco aos novos testes, que atualmente utilizam tTG humana como
como substrato. Porém, pela dificuldade na obtenção de es- substrato.
pécimes desse tecido, estudos permitir am a identificação do Em tecidos lesados, os n{veis de tTG se elevam, o que pode
cordão umbilical humano como um substrato menos oneroso, levar a resultados positivos para o anticorpo antitTG em outras

Figura 30.1 s lmunofluorescência indireta para o anticorpo antiendomísio. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
312 Capftulo 30 I Doença Ce/faca e Outros Distúrbios na Absorção de Nutrientes

doenças sisMmicas ou gastrintestinais que não apenas a DC.


Esse aspecto corrobora a positividade de 11,1% para o anti tTG
detectada por Theiss et al., do grupo das autoras., em pacientes
com doença de Crohn, na ausência de EmA-IgA positivo. Da-
dos semelhantes foram observados em pacientes diabéticos.
O EmA-IgA e antitTG, em altos títulos, correlacionam-se
bem entre si e com o grau de lesão da mucosa intestinal. Po-
rém, em pacientes com baixos níveis de anticorpos, o EmA -lgA
mostra-se superior nesta correlação. Nass (2008), através de
um seguimento sorológico de 8 a 10 anos em 233 familiares de
celíacos (61 famílias), na Região Sul do Brasil, demonstrou que
o emprego do EmA-IgA e antitTG concomitantes representa o
melhor instrumento de rastreamento da afecção nesses indiví-
duos, aliado a triagens repetidas periodicamente, independente
da ausência de sintomas.
Recentemente, lançou-se o Biocard ce/iac tes ff" que determi- Figura 30.16 Biocard res~ demonstrando, em A, resultado positivo
na anticorpos antitTG em sangue obtido da polpa digital (point- e, em B, resultado negativo. (Esta figura encontra·se reproduZida em
of-care testing). Utiliza tTG endógena encontrada em hemácias. cores no Encarte.)
Quando anticorpos especificos para tTG estão presentes no soro,
eles os reconhecem e formam complexos com a própria tTG li-
berada. Os complexos podem ser detectados em uma superficie pos devem diminuir na circulação, embora só venham a
sólida revestida por proteínas que capturam a tTG. Os comple- negativar após 12 a 24 meses, variando de um indivíduo
xos antígeno-anticorpo podem ser vistos em reação colorida para outro. Sua elevação significa não aderência à dieta,
com a ajuda de uma solução lgA anti-humana (Figura 30.16). que deve ser reavaliada;
Na experiência de Kotze et ai. pode ser realizada em ambulató- • Nos pacientes com dúvida diagnóstica em que é feita a
rio, para indivíduos de qualquer idade, incluindo crianças. Os provocação com glúten (crianças até 2 anos de idade),
pacientes com suspeita de DC e os de grupos de risco (familiares, os anticorpos se elevam, podendo-se até dispensar no-
portadores de doenças autoimunes etc.), em poucos minutos, vas biopsias;
podem ser triados e encaminhados à biopsia intestinal. • Para rastreamento na população geral;
Por sua vez, a detecção do antitTG em saliva humana já se • No rastreamento em grupos de risco: familiares e por-
tornou viável. De acordo com Bonamico et ai. (2008), tal en- tadores de outras afecções autoimunes, bem como em
saio pode ser utilizado no monitoramento da adesão à dieta pacientes com slndrome de Down.
isenta de glúten, apresentando boa correlação com os níveis Certamente, a realização simultânea de vários testes sempre
séricos do anticorpo. será o ideal para rastreamento dos casos que deverão ser sub-
Ainda recentemente, foi demonstrado que anticorpos da
metidos à biopsia intestinal.
classe lgA dirigidos contra a transg!utaminase epidermal .,. CORRELAÇAO ENTRE OS TESTES SOROLÓGICOS E OS ACHA-
(tTG3) se apresentam elevados em pacientes com dermatite
DOS DE BIOPSIA INTESTINAL A correlação entre EmA lgA e
herpetiforme e adultos com DC, por Hull et ai. (2008). antitTG IgA não é total, sendo da preferência dos autores o
.,. RELEVÂNCIA CLINICA DOS TESTES SORO LóGICOS. Em con-
primeiro. O Quadro 30.6 corrobora tal acertiva.
clusão, os testes sorológicos são úteis: Como demonstram Kotze et ai. (2003) em pacientes com
• Para detecção de todas as formas de DC, seja em crianças, altos títulos de anticorpos, há excelente correlação entre EmA-
adultos ou familiares de celfacos; e também para esclare- IgA e antitTG-IgA, sem risco de falso-negativos, com os dados
cimento de formas monossintomáticas; de biopsia. Entretanto, nos níveis baixos de anticorpos, os re-
• No monitoramento do tratamento, os testes são impor- sultados do EmA-IgA são mais confiáveis e a combinação de
tantes, pois, após 3 meses de dieta sem glúten, os anticor- testes com biopsia está sempre recomendada. Destaca-se ainda

-y-
Quadro 30.6 Correlação entre anticorpos séricos ealterações da mucosa duodenal em pacientes celfacost

Número AntitTG lgA Idade dos pacientes


(N ; 47) EmA·IgA tltulos média/variação Blopsla duodenal médlafvarlasio

7 Negativo 8,14(3·15) 7N 42,28 (11·73)


8 1/2,5 11,87 (2·21 ) 8N 47,75 (32·71 )
4 1/5 41 ,50 (6-100) 2N, 1AP,1AT 34,25 (21·45)
3 1/10 181,67 (65·390) 3AT 46,33 (25·65)
9 1/20 356,33 (36·640) IN', lAP, 7AT 39,55 (3-53)
8 1/40 307,37 (91·640) SAT' 31, 12 (5-60)
8 1/80 432,75 (102-640) 8AT 39,12 (18·63)

•crlança; N = normal; AP = atrofia parcial; AT = atrofia total.


•Segundo Kotze etol.
Capftulo 30 I Doença Celfaca e Outras Distúrbios na Absorçã o de Nutrientes 313

a correlação dos autoanticorpos e o grau de infiltração da mu- Têm muita importância clínica para monitorar a suplementa-
cosa intestinal pelos LIE. ção de cálcio e vitamina D no tratamento.
Somente dados da biopsia intestinal somados aos testes A densitometria óssea, que determina a densidade mineral
sorológicos positivos para DC permitem diagnóstico defini- óssea, mostra níveis de osteopenia ou de osteoporose em pa-
tivo de DC! Segundo a WGO-OMGE Guidelines (Diretrizes cientes com ou sem ingestão de glúten e serve ainda para mo-
da Organização Mundial de Gastrenterologia), isto é o gold nitorar a reposição de cálcio e vitamina D. Deve ser realizada ao
standard! diagnóstico em todos os pacientes a partir de crianças maiores
... Sorologia positiva e histologia negativa. Rever ou re- (Figura 30.17A e B).
petir a biopsia após 1 a 2 anos. Seguir o paciente.
... Sorologia positiva e histologia positiva. DC confir- • Endoscopia ebiopsia perora/ dointestino delgado
mada. A biopsia do intestino delgado pode ser realizada através
... Sorologia negativa e histologia positiva. Considerar de cápsulas ou durante endoscopia digestiva alta. O que tem
outras causas de enteropatia. Se não encontrar, tratar como importância é o correto manejo do fragmento, para adequada
DC. Genotipagem HLA . orientação dos cortes e análise acurada do espécime. Para tal,
... Sorologia negativa e histologia negativa. DC excluída. recomenda-se colocá-lo em papel de filtro embebido ou não em
soro fisiológico e com a superf!cie vilositária para cima. Inde-
• Genotipagem HLA pendentemente do aparelho ou local da biopsia, o diagnóstico
A sua determinação pode ser de valor no monitoramento de DC pode ser feito em todos os casos de DC, corroborando o
de casos suspeitos ou quando os dados sorológicos e/ou his- fato, há muito conhecido, de que essa enfermidade comprome-
tológicos são ambíguos. Recentemente, foi relatado o uso de te mais o duodeno e o jejuno proximal, justamente segmentos
um método rápido e sensível para detecção de antígenos HLA em que se visualiza a mucosa com os endoscópios e nos quais
classe 11 através de kits. se podem colher, sob visão direta, quantos fragmentos forem
... DETECÇÃO DE OUTROS AUTOANTICORPOS. Independente necessários para exames.
do tempo da sintomatologia ou diagnóstico de DC e também Biopsias duodenais são comparáveis às obtidas na região do
da aderência ou não à dieta isenta de glúteo, preconiza-se a ligamento de Treitz com aparelhos convencionais, fato também
determinação de outros autoanticorpos, p rincipalmente para assinalado na literatura.
doenças da tireoide, do fígado e do tecido conectivo, devido à Com o advento das modernas técnicas de endoscopia di-
alta prevalência dessas associações com a DC. gestiva, novos conhecimentos surgiram para o diagnóstico de
Amplo perfil de autoanticorpos foi realizado em indivfd uos
de uma área geográfica da Região Sul do Brasil por Utiyama
et ai. (200 1), com 25% de positividade para os pacientes ceHacos
L2- L4 Comparação com referência
(16,1 % de anticorpo antirnicrossomal da tireoide, 8,9% para
1,44 2.0
fator antinuclear) e 17,8% para familiares de celíacos (9,3% de
anticorpo antimicrossomal da tireoide, 5,1% de fator antinu-
dear), com diferença significativa em relação aos controles.
Tais dados reforçam as características autoimunes, concomi-
1,20 o.o
tantes tanto nos indivíduos com doença ceHaca como em seus DMO T
familiares próximos. Nass (2008) corroborou tais achados em
um estudo com 233 familiares de celíacos do Sul do Brasil, com g/cm' 0,96 ~~~~~~ _ 2 ,0 Valor

destaque para a significativa positividade detectada para os an-


ticorpos antitireoideanos e anticélula gástrica parietal nesses 0,72 -4,0
familiares em relação a indivíduos da população geraL
Em contrapartida, portadores das afecções listadas anterior-
mente deverão ser rastreados para doença ceHaca, com ou sem
sintomatologia digestiva. IDADE (anos) A

• Exames de imagem
Trânsito Intestinal. Os dados radiológicos encontrados na INTEIRO Comparação oom referência
DC são semelhantes aos observados em afecções que cursam 1,24 2.0
com má absorção intestinal. Dilatações, pregas alargadas, frag-
mentações e floculação do contraste são os achados mais co-
muns, sendo mais evidentes no intestino proximal. Raramente, 1,00 0,0
há rigidez e perda do padrão mucosa.
Cerca de 12% dos celíacos têm raios X de intestino delgado DMO T
1-2~~~:._~~
2 _ 2 .0 Valor
normais, e pacientes com DC grave podem apresentar apenas g/cm 0.76
discretas alterações radiológicas. Assim, o exame serve somente
para se ter ideia global, para diagnóstico diferencial com ou-
tras afecções e para excluir ou detectar a presença de linfoma. 0.52 - 4.0
Pode h aver dilatação dos cólons nos celíacos com constipação
intestinaL 20 40 60 80 100
A idade óssea atrasada em relação à cronológica pode ser
IDADE (anos) B
detectada em alguns pacientes e serve para avaliar a evolução.
Raios X ósseos podem demonstrar desmineralização com di- Figura 30.17 Densitometria óssea em paciente celíaca aos 21 anos.
minuição da densidade, osteoporose, fraturas e pseudofraturas. A, Osteoporose em fêmur. B, Osteopenia em coluna lombar.
314 Capftulo 30 I Doença Ce/faca e Outros Distúrbios na Absorção de Nutrientes

DC. Brocchi et ai. relataram perda das pregas de Kerkring no mia ferropriva, hipertransarninasemia, gastrenteropatia perde-
duodeno descendente como característica de pacientes com dora de proteínas etc. Portanto, pacientes não diagnosticados
DC (Figura 30.18B). Acham que tal aspecto endoscópico tem como celíacos estão sujeitos a desenvolver linfomas, inclusive
88% de especificidade. Outros aspectos descritos são perda da como primeira manifestação da DC.
granulosidade, padrão mosaico (Figura 30.18C), pregas mais Nesta enfermidade, as possíveis indicações para a CE são:
espessadas e proeminentes, concêntricas (Figura 30.18A) e va-
• pacientes com sintomatologia típica ou atípica com dú-
sos sanguíneos visíveis (Figura 30.18C). Observa-se perda ou
vida diagnóstica pelos métodos tradicionais;
redução na proeminência das pregas duodenais em aproxima-
• no estudo e valorização das complicações em pacientes
damente 70% dos celíacos.
refratários ao tratamento;
"" CROMOENDOSCOPIA DE MAGNIFICAÇÃO. Através da en-
• no rastreamento de familiares;
doscopia e com o uso de 5 a 10 ml de solução de índigo-car-
• no rastreamento de grupos de risco para DC (diabéti-
mim a 1%, podem-se predizer áreas de atrofia vilositária. Tal
cos, sindrome de Down, doenças autoimunes, tireoido-
visão tem importância para dirigir as biopsias, principalmente
patias etc.);
quando há áreas de alterações focais (patchy) e revela doença
• suspeita de linfoma em celíacos;
persistente (Figura 30.18C).
• seguimento de pacientes com maior risco de desenvolver
Demonstrou-se que, quando os endoscopistas olham aten-
linfomas, como nos diagnosticados como celíacos acima
tamente a mucosa duodenal, há aumento significativo do nú-
de 50 anos de idade;
mero de casos diagnosticados como DC, sugerido pela ma-
• no diagnóstico diferencial com outras causas de SMA e
croscopia e confirmado pelos achados histológicos nas várias
processos associados.
biopsias realizadas.
Com o advento da cápsula endoscópica (CE) (Wireless Cap- Concordância de 100% entre os achados com a CE e a his-
sule Endoscopy- WCE), tem sido possível determinar melhor a tologia de fragmentos duodenais obtidos por endoscopia na
extensão da atrofia das vilosidades intestinais na DC, reconhecer atrofia vilositária foi assinalada.
complicações como ulcerações e, mais importante ainda, excluir
tumores, principalmente nos casos de refratariedade ao trata- • Exame anatamopatol6gico
mento. O diagnóstico por este método chega a ser de 87%. Necessário mesmo com positividade dos anticorpos detecta-
Lembrar que 50% dos pacientes celíacos cursam sem SMA, dos no soro. É importante o estudo da celularidade, para iden-
podendo se apresentar com hemorragia digestiva oculta, ane- tificação de provável desenvolvimento de !infamas.

Figura 30.1 8 Aspectos endoscópicos na


doença celíaca. A, Pregas com serrilhamento
(scal/oped). B, Cromoscopia mostrando áreas de
atrofia e pregas serrilhadas. C, Magnificação de
imagem revelando atrofia de mucosa. (Esta
figura encontra-se reproduzida em cores no
B Encarte.)
Capitulo 30 I Doença Ceifa co e Outros Distúrbios na Absorção de Nutrientes 31 5

• "Rtteste" ou "desafio" siderados os seguintes fatores: situação lisiopatológica e neces-


A autora só preconiza a provocação com glúten quando o sidades nutricionais que se relacionam com a idade do paciente,
diagnóstico de DC foi feito em crianças menores de 2 anos etapa evolutiva da DC e estado de gravidade do doente.
de idade e com dúvida diagn6stica. Como pode haver confu- A ampliação da dieta deve ser progressiva e individualiuda,
são principalmente com diarreia persistente, alergia alimentar, apesar da resposta terapêutica rápida, pois há retrocessos na
desnutrição calórico-proteica, giardlase e deficiências imuno- evolução intimamente ligados a técnicas dietéticas inadequa-
lógicas, o desafio se fa:~: nece.ssário, se o diagnóstico histol6gico das. Portanto, em uma dieta de exclusão, tem-se que levar em
inicial se baseou em atrofia parcial. Nunca deve ser feita antes conta que ela deverá ser equilibrada para as necessidades do
dos 6 a 7 anos de idade, para evitar que a introdução do glúten paciente. O glúten não é uma proteína indispensável e pode ser
favoreça a hipoplasia do esmalte dentário. substituído por outras proteínas vegetais e animais. Receitas
A tuaI mente, com a possibilidade de detecção de anticorpos estão no livro "Sem Glúten".
no soro dos pacientes, pode-se reali:!:ar o reteste e, em ve:~: de Assim, o tratamento para DC é basicamente dietético, com
nova biopsia, faur os testes sorológicos para anticorpos anti- exclusão definitiva de glúten do trigo, do centeio, da cevada e
gliadina, antiendomfsio e/ou antitTG. da aveia (Figura 30.6). Medicamentos são utilizados apenas
para correção de carências (vitaminas, sais minerais e protel-
• Ttstr trraplutico nas), como coadjuvantes para facilitar a digestão de gorduras
Para o médico brasileiro, recomenda-se encaminhar o pa- (enzimas pancreáticas) e para tratamento de infecções conco-
ciente com suspeita de DC à biopsia perora! do intestino delga- mitantes (antimicrobianos) .
do. Lembrar que as cidades de médio e grande portes já dispõem O tratamento tem por objetivos:
de Serviços de Endoscopia, podendo-se solicitar biopsia das • Eliminar as alterações fisiopatológicas intestinais;
porções mais distais do duodeno, onde ocorrem as alterações • Facilitar e favorecer a absorção dos nutrientes;
mais intensas pelo glúten. Se houver possibilidade de dosar os • Normali:~:ar o trânsito intestinal;
anticorpos, o diagnóstico de DC fica então sugerido, e deve ser • Recuperar o estado nutricional do paciente;
confirmado pela biopsia que é o teste gold standard na DC. • Melhorar a qualidade de vida d os pacientes!
Conclui-se que jamais se deve iniciar dieta isenta de glú-
ten antes dos testes sorológicos e a biopsia entérica. Assim, Como a DC não tratada leva a diferentes graus de desnu -
não se preconiza " teste terapêutico". trição, desidratação, carências vitarnínicas e de sais minerais,
o tratamento baseia-se nos dados clinicos e laboratoriais para
• Diagnóstico diferendal as devidas reposições.
O diagnóstico diferencial, do ponto de vista clfnico, é feito • Nutrição parenttral
nas crianças, com afecções que cursam com diarreia crônica e
A nutrição parenteral destina-se a casos muito graves em
má absorção, especialmente fibrose cística, alergia alimentar,
que não se consegue controlar a diarreia e quando os distúrbios
desnutrição primária e díarreia persistente. Devido à distensão
hidreletrolfticos e/ou ácido-básicos são graves.
abdominal, e, nos casos com constipação intestinal, o diagnósti-
co diferencial será feito com o megacólon congênito. Cuidadosa
• Nutrição parentrro/ eentera/
avaliação cllnica se fa:~: necessária para saber a época do desma-
Reservada para casos em que haja necessidade de reposição
me e da introdução de cereais na alimentação. lnfeli:~:mente, o
rápida de água, eletrólitos, oligoelementos etc., sendo possível,
abandono do aleitamento materno e a introdução precoce de
porém, controlar a diarreia e administrar alimentos de fácil
alimento ind ustrialiudo levam crianças de até 3 ou 4 meses de
digestão e absorção, bem como medicamentos. Preparações
vida a apresentar diarreia e vômitos por DC, gerando dúvidas
comerciais especiais para dieta enteral podem ser utiliudas.
diagnósticas em relação a outras intolerâncias alimentares bas-
tante comuns nesta faixa etária. • Nutrição VO
Em adolescentes e adultos, o diagnóstico diferencial é feito
~ realíuda na grande maioria dos casos. Pode ser dividida
com estas e com outras causas de má absorção intestinal, como em três fases:
doença de Whipple, deficiência imunológica comum variável, Na primeira f rue, seguem-se os itens:
gastrenterocolopatia eosinofllica, doença de Crohn, sindrome
da imunodeficiência adquirida, linfomas. a. Dieta isenta de glúten (trigo, centeio, aveia, cevada-malte)
Do ponto de vista histológico, a diferenciação se fa:!: com com utilização de fubá, amido de milho, creme de arroz,
entidades que apresentam encurtamento ou achatamento das fécula de batata, araruta, polvilho, farinhas de mandioca
vilosidades, a saber: alergia alimentar, enterite aguda (vira!, bac- e de milho, e trigo sarraceno como substitutos;
teriana, por Giardia lamblia, actínica), enterite crônica (espru b. Dieta isenta de lactose (leite), utilizando-se leite sem lac-
tropical, doença de Whipple, imunodeficiências, gastrenterite tose, leite com lactose reduzida, de soja, caseinatos, fór-
eosinofllica,linfomas, diarreia persistente, doença enxerto ver- mulas especiais, ou mamadeira de frango, de acordo com
sus hospedeiro) e desnutrição proteico-calórica. Embora estas a tolerêncía do paciente e recursos financeiros;
entidades possam apresentar-se com vilosidades diminuídas c. Dieta pobre em sacarose, preferindo-se dextrinas e mal-
em altura e mais alargadas, hiperplasia das criptas é observada toses;
marcadamente na DC. Além disso, o número de UE não sobe d. Gorduras vegetais (óleos de soja, milho, oliva, girassol e
a níveis tão elevados como os habitualmente encontrados na canola), principalmente gordura de coco e babaçu por
DC (Capitulo 28). terem trigliceridios de cadeia média;
e. Carnes de animais e proteínas vegetais;
• Tratamento f. Legumes e frutas de poucos resíduos.
Uma vez confirmado o diagnóstico de DC, a dieta sem glúten Em urna segunda frue, variável no tempo de caso para caso,
deverá se manter por toda a vida. Ao planejá-la, deverão ser con- a alimentação vai se tornando cada vez mais abrangente, até o
316 Capftulo 30 I Doença Ce/faca e Outros Distúrbios na Absorção de Nutrientes

doente receber dieta habitual para sua faixa etária, permane- grupos de autoajuda. No Brasil, há a federação FENACELBRA,
cendo somente a restrição de glúten. com filiadas em vários estados, como ACELBRA (Associação
A terceira fase, de manutenção da dieta sem glúten, é a mais dos Celíacos do Brasil), em São Paulo, ligada à Pediatria da
difícil, principalmente em relação às crianças. À medida que UNIFESP-EPM; e a ACELPAR (Associação dos Celíacos do
elas crescem e participam de atividades sociais, ressentem-se Paraná), em Curitiba, dirigida por adultos celíacos.
por não usarem os mesmos alimentos que os seus pares. Sabe-se que pequenas quantidades de glúten ingeridas na
O seguimento da dieta pelo paciente celiaco depende, fim- fase de manutenção podem não dar sintomatologia clínica, o
damentalmente, dos familiares no que tange às substituições que faz com que o paciente não se sinta prejudicado e que a
dos alimentos proibidos. Assim, é extremamente importante família faça concessões . A atitude do médico deve ser firme no
saber educar os doentes. sentido de recomendar que a dieta seja rigorosamente cumpri-
Alguns pontos devem ser considerados quando se preconiza da, explicando que há um período mais ou menos longo, para
dieta isenta de glúten: haver ressensibilização da mucosa, com ou sem sintomatologia
a. A falta de alimentos alternativos já prontos no mercado clínica. Argumentar que pode haver atraso no desenvolvimento
brasileiro, fazendo com que haja necessidade de prepara- sexual, quando as transgressões antecedem a puberdade.
ções caseiras, o que não é tão dificil de aceitar, pois é cos- Mesmo tendo conhecimento de que a DC pode cursar com
tume, no Brasil, usar as farinhas permitidas no preparo de quiescência na adolescência e que as transgressões nesta fase e
bolos, bolachas, sobremesas etc. Avisar que os utensílios na idade adulta são muito mais de ordem psicológica, a posi-
utilizados não podem ser os mesmos que os usados para ção correta do médico é a de sempre incentivar a manutenção
preparação de alimentos com glúten, pois podem conter de uma dieta totalmente isenta de glúten.
resíduos!; Holmes et a/. (1989) demonstraram que, para o paciente
b. Como as pessoas dispõem de pouco tempo para a pre- celiaco que segue rigorosamente a dieta, a possibilidade de de-
paração dos alimentos alternativos, devem-se preconizar senvolver câncer é a mesma da população geral. O risco au-
os que não exijam muita manipulação e que venham de menta, contudo, para os que usam quantidades habituais ou
encontro às habilidades culinárias de quem os prepara; reduzidas de glúten. Tais resultados sugerem um papel protetor
c. Considerar os recursos financeiros das famílias para que da dieta isenta de glúten contra malignidade e oferecem subsí-
usem cardápios adequados e baratos, compatíveis com dios para advertir os doentes a aderir a uma alimentação sem
seu orçamento; glúten para o resto de suas vidas.
d. Fazer com que as crianças levem lanches de casa para a
escola e que as que recebem merenda escolar possam ter • Medicamentos
atenção especial das professoras para que não transgri- Inicialmente, usam-se medicamentos para correção de ca-
dam a dieta; rências, enfatizando ao paciente e família que o verdadeiro tra-
e. Proibir alimentos industrializados, visto que o trigo é tamento da DC é dietético, sem glúten, permanentemente.
muito usado como ingrediente ou espessante: cafés ins- a. Ácido fólico e compostos polivitamínicos são utilizados
tantâneos, pós achocolatados, enlatados, cereais pré-cozi- por via parenteral ou oral; vitaminas K, e B12 por via pa-
dos, maionese pronta, molhos de tomate, mostarda, salsi- renteral, quando necessário;
chas, sal ames, sopas enlatadas ou desidratadas, chicletes, b. Cálcio por via IV nas crises de tetania e VO, no desen-
sorvetes, cerveja etc. Deve-se ensinar à pessoa que faz as rolar do tratamento, pois sabe-se que, mesmo que haja
compras habituar-se à leitura dos ingredientes estam- melhora da massa óssea nos celíacos tratados, não chega
pados nas embalagens e evitar os que tenham os cereais à normalidade. Ferro parenteral, quando muito necessá-
proibidos. Algumas firmas de alimentos fornecem, a pe- rio, ou VO, quando tolerado;
dido do usuário, uma lista dos produtos que são isentos c. Enzimas pancreáticas são utilizadas como coadjuvantes,
de glúten, para facilitar a escolha.~ lei que haja menção nos primeiros meses, por facilitarem a digestão princi-
se o produto contém glúten ou não contém glúten. Em palmente de gorduras e porque, nos celíacos, como em
alguns países, há o símbolo característico; desnutridos primários, há falta de proteínas para geração
f. Evitar monotonia do cardápio. e secreção de enzimas pancreáticas digestivas (a determi-
Nem sempre se pode contar com a ajuda de uma nutricio- nação de quimiotripsina fecal pode ser índice preditivo
nista para a orientação do cardápio. Então, é o próprio médico da recuperação do peso, principalmente em crianças);
quem deve estabelecer o menu, controlar o seu cumprimento e d. Antibióticos ou antimicrobianos (metronidazol) são usa-
instituir as modificações necessárias ao longo do tratamento. dos raramente, mais para certas infecções intestinais as-
Assim, não basta o médico indicar o que o paciente celiaco sociadas;
não pode comer e quais as opções de substituição. Há necessida- e. Corticosteroides são indicados apenas em insuficiência
de de motivação e composição de cardápio variado e agradável. suprarrenal, necessitando de reposição concomitante de
Kotze reeditou livro ("SEM GLÚTEN"), já indicado na consulta cloreto de sódio por via IV.
em que se vai explicar o diagnóstico. Isso é muito importante
Observação importante: na DC ativa ou parcialmente trata-
para que o paciente e familiares não se sintam "perdidos e desa-
da, há absorção alterada da maioria dos medicamentos VO, o
nimados" com a perspectiva de que não vão dispor de produtos
que exige ajustamento das doses de antitireoideanos, anticon-
industrializados. Bastante estímulo no início do tratamento é
cepcionais, anticonvu/sivantes e antibióticos.
fundamental para o seguimento da dieta.
.,.. PROBLEMAS DA OBEDI~NCIA À DIETA E POBRE RESPOSTA
Mesmo com discussão e ensinamentos sobre os detalhes
da dieta aos celiacos, levando-se em conta o nível sociocultu-
NA o c. São eles:
ral dos pacientes e suas famílias, cerca de 40% não obedecem o alto custo dos alimentos sem glúten;
à dieta apesar de todos os esforços. Para minimizar o proble- o poucos produtos sem glúteo disponíveis no mercado;
ma, surgiram as sociedades de celíacos, no mundo todo, como o palatabilidade pobre;
Capftulo 30 I Doença Celfaca e Outras Distúrbios na Absorção de Nutrientes 317

• ausência de sintomas quando a dieta não é observada; intestino irritável (22%), DC refratária (10%), intolerância à
• inadequada informação do conteúdo de glúten em ali- lactose (8%) e colite microscópica (6%). Nestes pacientes, houve
mentos e medicamentos; elevação dos níveis de antitTG. Sexo masculino e perda de peso
• inadequado aconselhamento dietético; foram os fatores preditivos mais significativos para refratarie-
• inadequada informação inicial pelo profissional que fez dade. Chama-se a atenção para o diagnóstico de malignidade
o diagnóstico; nos casos de longa evolução clínica.
• inadequados seguimentos médico e nutricional; ._ DOENÇA CELIACA REFRATARIA (OCR). A OCR é uma con-
• falta de participação em grupos de suporte (associações dição rara, geralmente em pacientes acima de 47 anos de idade.
de celíacos); Cellier et al. descreveram a presença de uma população anor-
• informações não acuradas por médicos, nutricionistas, mal de LIE CD3, sugerindo que seja classificada como linfoma
associações, Internet; intraepitelial críptico. As condições clínicas são desfavoráveis
• alimentações fora de casa; e a sobrevida é curta.
• pressões socioculturais pelos companheiros; Daum et ai. definem DCR quando há atrofia vilositária com
• transição para adolescência; hiperplasia de criptas e aumento dos linfócitos intraepiteliais
• inadequado seguimento médico após a infància. (LIE) persistindo por mais de 12 meses, apesar da dieta rígi-
._ PERSIST~NCIA DOS SINTOMAS. Quando os sintomas não da sem glúten. Atenção deve ser dada ao desenvolvimento de
desaparecem após o tratamento da DC, a primeira coisa a se linfoma.
pensar é a ingestão consciente ou inadvertida de glúten. DCR tipo I - caracterizada por expressão normal de antíge-
Outras causas: nos para célula Te rearranjo policlonal do gene TCR;
DCR tipo li - caracterizada por fenótipo anormal de LIE
• má absorção de lactose ou frutose da dieta; com expressão intracitoplasmática CD3, CD 103 de superfície,
• outras intolerâncias ou alergias alimentares; e falta dos clássicos marcadores de superfície tais como CD8,
• insuficiência pancreática; CD4 e TCR-alfa/beta.
• supercrescimento bacteriano; Os pacientes devem ser investigados por exames radioló-
• colite microscópica (colagenosa ou linfocítica); gicos, de imagem e endoscópicos (cápsula ou enteroscopia)
• sindrome do intestino irritável; para biopsias, com estudos imuno-histoquímicos. O tratamento
• disfunção esfincteriana anal com incontinência; consiste em uso de antiTNF-alfa (infliximabe) com predniso-
• diagnóstico incorreto; lona e azatioprina.
• jejunite ulcerativa; ._NOVAS POTENCIAIS TERAPIAS. Um futuro sem dieta isenta
• enteropatia por linfoma; de glúten? O Quadro 30.7 resume as pesquisas. Enquanto os
• DC refratária. estudos se desenvolvem, a obediência total à DIG permanece
As causas assinaladas em negrito são consideradas compli- tratamento seguro e eficaz para a DC.
cações e merecem a devida atenção para o correto diagnóstico
e manejo terapêutico . • Tratamento cirúrgico
.- DOENÇA CEL!ACA NÃO RESPONSIVA (DCNR). Define-se O tratamento cirúrgico só está indicado quando ocorre per-
"doença celíaca não responsiva" (DCNR) quando há falha para furação, o que é bastante raro. Pode ser indicado em neoplasias
responder à dieta estritamente sem glúten pelo menos após ou linfomas, conforme localização e estágio.
6 meses de tratamento; ou o ressurgimento de sintomas ou
anormalidades laboratoriais típicas de DC enquanto permane- • Evolução e prognóstico
ce o tratamento com DIG. Para Leffler et ai. (2007), as causas Após a retirada de glúten da dieta, a resposta clínica com
mais comuns foram: exposição ao glúten (36%), síndrome do desaparecimento dos sintomas é bastante rápida - dias ou se-

T
Quadro 30.7 Novas terapias para otratamento da doença celíaca não complicada

Objetivos e abordagem Tratamento


Diminuição da exposição ao g l úten
Ma nipulação ou seleção de componentes Modificação de cereais
dietéticos Neutralízação e polímerização da gliadina
Degradação enzimática do glúten Prolil·endopeptidases derivadas doAspergillus niger
Coquetel de enzimas ALV003
Probióticos (VSLt3)

Inibição da permeabilidade intestinal


In ibição da zonulina Acetato de larazotida
Mod ulação da resposta imune
Diminuição da atividade imune Bloqueio dos anticorpos tTG
adaptativa Bloqueio dos antlgenos apresentados por HLA DQ2 e DQB
Vacina para o peptldeo do g lúten
Infecção com Necator americanus

Redução da inflamação lnterleucina 1O


318 Capftulo 30 I Doença Ce/faca e Outros Distúrbios na Absorção de Nutrientes

manas, com evolução extremamente gratificante. Os defeitos A DC só é fatal quando não é reconhecida e o paciente chega
absortivos desaparecem, a diarreia cessa, há perda do edema e à desnutrição muito grave, ocorrendo hemorragias, infecções
surgimento de apetite, às vezes voraz. Inicia-se recuperação nu- recorrentes ou insuficiência suprarrenal. Com o advento da
tricional com ganho de peso e retomada da velocidade de cres- nutrição parenteral, doentes podem ser recuperados de estados
cimento, normalizando-se peso/estatura em cerca de 15 meses, extremamente inquietantes.
nas crianças, e estas retomam à deambulação. Os adolescen- Pode haver quiescência da DC na adolescência, como já foi
tes iniciam ganho ponderallogo a seguir, e muitos até neces- assinalado, mas não se deve esquecer que a história natural da
sitam de controle em poucos meses; a melhora do psiquismo afecção é de exacerbações intermitentes e remissões relativas.
que passa da irritabilidade, depressão ou apatia à participação Como a incapacidade de tolerância ao glúten é permanente,
na vida familiar e escolar, tomando gosto pelas brincadeiras e entre a terceira e a quarta década a doença pode manifestar-se
trabalho, chegando muitas vezes à euforia. Há uma verdadeira novamente, com qualquer das modalidades apontadas.
mudança no aspecto do indivíduo (Figura 30.19) e revelan- Nos celíacos cujos sintomas iniciam na idade adulta, o prog-
do melhor qualidade de vida. A fertilidade volta ao normal, nóstico também é favorável, mas as alterações ósseas, se exis-
devendo-se orientar as celíacas quanto a possíveis gestações e tentes, podem não ser totalmente recuperáveis.
planejamento familiar. Como linfomas e outras neoplasias, principalmente de
O prognóstico para os seguidores de dieta sem glúten é bom. esôfago, são descritos nos pacientes celíacos e de difícil diag-
Entretanto, se já houver osteoporose, mesmo com tratamento de nóstico, conclui-se que os doentes devam ser vigiados e que,
reposição de cálcio e vitamina D, pouca é a melhora referida. periodicamente, ou à mínima manifestação clínica e/ou labo-
O risco de desenvolver malignidade é o mesmo da popula- ratorial, sejam exaustivamente reinvestigados. Nestes casos, o
ção normal para os pacientes aderentes à dieta isenta de glú- prognóstico é pobre.
ten. Aumenta muito nos não aderentes, mais para linfomas,
neoplasias de esôfago e laringe e adenocarcinoma do intestino • Causas de morte na DC
delgado. Conclui-se que os pacientes devam ser reassegurados A DC refratária é uma condição rara; geralmente, acome-
em relação à dieta adequada e vigiados e reinvestigados a qual- te pacientes acima de 47 anos de idade, em que se encontram
quer modificação referida. populações anormais de LIE CD3. As condições clínicas são
Inicialmente, o paciente celíaco pode perder peso, se já apre- desfavoráveis e a sobrevida é curta.
senta edema, mas, em seguida, começa a ganhá-lo mais rapi- Como assinalado, os celíacos apresentam alto risco de morte
damente que a estatura. por doenças malignas do tubo gastrintestinal e linfomas, mas
A idade óssea vai gradativamente se aproximando da cro- pouco se sabe das outras causas de morte. Em estudo brasileiro
nológica. recente, publicado por Kotze (2009), em um período de 40 anos
O comprometimento do desenvolvimento neuropsicomo- as causas de morte em 157 celíacos foram uma por complicação
tor, comum em crianças de menor idade, desaparece após tra- de diabetes tipo 1, uma por suicídio em paciente deprimida e
tamento, não deixando sequelas graves ou permanentes, desde duas por linfomas.
que existam condições adequadas de nutrição e estímulos am- • Recomendações às famnias de celíacos
bientais durante a recuperação.
Pais e familiares de pacientes celíacos frequentemente per-
guntam se seus filhos poderão desenvolver a doença. A DC ocor-
re nas fam!lias, mas não de modo predizível. Se uma pessoa na
família tem DC, a chance de outro membro tê-la é de 1 em 1O.
Familiares agora podem ser triados facilmente através de testes
sorológicos, e biopsia intestinal é recomendada nos positivos. A
falta de HLA DQ2 ou DQ8 praticamente exclui a possibilidade
de DC se desenvolver em indivíduos com história familiar.
Quando nasce uma criança em uma família com DC, os pais
devem ser avisados de introduzir o glúten na época habitual (6
a 9 meses). É importante que os bebês sejam alimentados nor-
malmente e não dar quantidades baixas de glúten, por receio,
pois, se há DC, esta vai se manifestar. Isso permite o diagnós-
tico precoce e o pronto tratamento.
• As sete chaves dapalavra NCellaca•
Consulta com nutricionista preparado;
Educação acerca da doença;
Levar a sério a obediência à dieta;
Identificação e tratamento das deficiências nutricionais;
Acesso a Associações de Celíacos;
Contínuo seguimento por equipe multiprofissional;
Atendimento periódico para detecção de associações e com-
plicações.
• Conclusão
Figura 30.19 Paciente com a forma clássica de doença celfaca. Enquanto se aguardam novas pesquisas, segue o consenso de
A, Antes do tratamento. B, Após dieta isenta de glúten. Observar que a DC é causada por intolerância permanente ao glúten, o
recuperação do estado nutricional e mudança de aspecto geral. (Esta diagnóstico é feito pela sorologia + biopsia do intestino delgado,
figura enconrra-se reproduzida em cores no Encarte.) e seu tratamento é a exclusão definitiva do glúten da dieta!
Capitulo 30 1 Doença Ce/foco e Outros Distúrbios no Absorção de Nutrientes 319

Mecanismos fisiopatológicos variados, isolados ou associa-


• Espru tropical dos, determinam espoliação de nutrientes ou perdas de subs-
O espru tropical é considerado somente em zonas tempera- tãncias nobres, endógenas, constituintes de matérias-primas
das. O caráter epidêmico das crises, a frequência do precedente elaboradas pelo organismo.
de diarreia aguda infecciosa e a excelente resposta a antibióticos Do ponto de vista didático, enfatizam-se:
levam à ideia de uma etiologia infecciosa: múltiplas bactérias no a. Situações de intensa vulnerabilidade funcional relacio-
lúmen intestinal, atingindo o intestino delgado alto e a compe- nadas com atrofia total ou subtotal das microvilosidades
tição com os fatores nutricionais do hospedeiro. entéricas, com consequente disabsorção, redução de en-
Os achados hlstopatológicos não são especfficos. Há vários zimas (dissacaridases, principalmente) e agravamentos
graus de achatamento das vilosidades, com hiperplasia de crip- imunológicos (função de "barreira");
tas associada e infiltração de células epiteliais com linfócitos. b. Alta suscetibilidade a infecções;
Após o tratamento, tais alterações revertem ao normal. c. Complexas alterações imunológicas.
Há semelhanças com a doença ceUaca: pobre absorção de Nos meios sociais menos favorecidos, o somatório de carên-
ácido fólico, diminuição da absorção de água e sal; aumento de cia proteico-energética, infecções de repetição e poli parasitis-
secreção intestinal; esteatorreia; hipoalbuminemia. mo constante leva a múltiplas alterações do aparelho digestivo,
Geralmente, o espru tropical começa quando a pessoa che- tanto de ordem funcional como estrutural e ecológica. Tais
ga a uma zona endêmica e, cerca de 3 a 15 meses, começa a ter modificações explicam a gama de achados em biopsias intesti-
diarreia leve intermitente e perda de peso. Dispepsia, anore- nais, variando desde imperceptíveis até atrofia de vilosidades.
xia, dor abdominal se seguem. Poucas semanas depois surgem Todos os fatores ou mecanismos agravantes mencionados, iso-
deficiências nutricionais. A perda de peso é rápida. lada ou associadamente, atuam na Jisiopatologia do fenômeno
O teste terapêutico é o primeiro e o melhor meio diagnós- diarreico. Quanto mais prolongada a diarreia, mais sujeita ao
tico. A biopsia do intestino delgado confirma as alterações já acréscimo de mecanismos diarreicogênicos classicamente co-
descritas. nhecidos: osmótico, secretor, disabsortivo, exsudativo, motor,
além do crescimento bacteriano anômalo ao nível do jejuno,
• Tratamento com todas as suas consequências. Por outro lado, o espectro
1. Ácido fólico, 5 mg 3 vezes/dia durante 1 semana, seguidos de gravidade que vai acentuando-se, com o passar do tempo,
de 5 mg!dia. Habitualmente, há remissão em poucos dias. evolui sempre para a espoliação ou perda nutricional. Fecha-se,
2. Antibióticos, espedalmetne tetraciclina ou oxitetraciclina. então, um circulo vicioso em que os componentes fisiopatogê-
nicos estabelecem complexa inter-relação de fatores.
Recaída não acontece até que o paciente retome aos tró-
picos. • Diagnóstico
Do ponto de vista prático, é útil fazer um plano básico de
• Desnutrição aferição do estado carencial, considerando-se os lndices de ava-
liação de risco:
Qualquer afecção que determine problemas na ingestão, ab-
sorção ou aproveitamento de nutrientes pode levar a alterações 1. História Dietética
nutricionais. As doenças que cursam com diarreia crônica de • hábitos alimentares;
maior ou menor grau determinam espoliações ou perdas que • preferências e aversões;
comprometem o estado nutricional, exceção feita às diarreias • anorexia;
funcionais e à síndrome do intestino irritável. Em geral, trata- • padrão alimentar e ingestão de nutrientes básicos.
se, portanto, de um complexo fisiopatológico multifatorial. A 2. Intensidade do Fenômeno Diarreico
análise deste complexo precisa, antes de tudo, passar pelos es- 3. Relação Peso/Estatura
treitos vínculos que unem funções digestivas e processos nu- • perda de peso em relação ao tempo;
tricionais como um todo. • consideração de possível edema ou ascite.
4. Perfil Bioquimico e Provas Auxiliares
Tais vínculos remontam à ontogênese do aparelho diges-
• albumina sérica;
tivo que, primariamente, se desenvolveu para atender às de- • hemograma completo (atenção para hemoglobina, he-
mandas estruturais e energéticas do organismo. Do ponto de
matócrito, desvio do leucograma) e VHS;
vista biológico, a nutrição incorpora ao seu desempenho vital,
• glicemia;
fundamentalmente, a fisiologia digestiva, e esta responde, em • ureia;
contrapartida, pela integridade anatomofuncional das estrutu- • ferro sérico e ferritina;
ras que dela participam e que se distínguem por sua dinâmica • respostas a testes cutâneos para imunidade mediada por
massa tecidual ativa. células (PPD, dermatofitina, candidina, varidase etc.).
Deduz-se, pois, que as relações digestivas/nutricionais obe- S. Avaliação da Capacidade Absortiva (Capitulo 28)
decem a uma ordem indissociável bidirecional. • D-xilosemia (1 h);
Dentro do que foi exposto, a desnutrição deve ser encarada • testes de tolerância à lactose;
sob dois níveis conceituais: como responsável primária pelas • determinação da gordura fecal etc.
alterações digestivas e como consequência de enfermidades 6. Biopsia Peroral do Intestino Delgado (Capitulo 28)
diversas, digestivas ou sistêmicas. Assim, como bem destaca Pela importância do intestino delgado nos processos finais
Zubiran, é possível ocorrer: de digestão, na absorção dos nutrientes e pelas funções imu-
1. Má nutrição secundária à doença gastrintestina.l ou sistê- nológicas, este órgão tem sido bastante estudado em relação
mica; aos estados nutricionais, principalmente através da coleta de
2. Alterações gastrintestinais resultantes da má nutrição. fragmentos de mucosa por biopsia perora!.
320 Capftulo 30 I Doença Ce/faca e Outros Distúrbios na Absorção de Nutrientes

Diversos autores salientam uma diferente gama de altera- 6. Pâncreas


ções, geralmente não encontrando correlação entre tais altera- o redução da massa tecidual ativa e atrofia;
ções e o grau de desnutrição. No Brasil, Barbieri, na desnutrição o redução da síntese de enzimas;
proteico-energética, encontrou relevo vilositário em variados o redução da secreção de bicarbonato;
graus de altura, mas não o achatamento descrito na doença o redução da resposta à secretina.
celíaca. Patrício, em marasmáticos brasileiros, refere também 7. Fígado
atrofia parcial, alterações no epitélio e aumento no infiltrado o descompensação das rotas de adaptação bioquímica;
inflamatório do córion. Já Kotze verificou certa relação entre o dificuldade de metabolização de lipídios (esteatose).
as modificações da altura das vilosidades intestinais, alterações 8. Vesícula biliar
em suas formas e a presença de células cuboides no epitélio de o redução da resposta motora à pancreozirnina e à cole-
superficie, conforme a intensidade da desnutrição de primeiro cistocinína.
ou de segundo grau; e, além destes dados, número aumenta-
do de linfócitos intraepiteliais (LIE) na desnutrição de tercei- • Tratamento
ro grau, porém sem atingir as graves alterações verificadas na Em uma primeira etapa, levar em conta, minuciosamente,
doença celíaca. a correção de distúrbios hidreletrolíticos, bem como o compo-
Tanto na criança como no adulto, é sempre útil tomar me- nente infeccioso quase sempre presente. Em uma segunda eta-
didas da circunferência do braço no seu ponto médio, dobra da pa, de recuperação nutricional, o objetivo é restaurar calorias
pele sobre o tríceps ou da pele subescapular. Quanto ao peso, e proteínas, atento a situações de deficiência de dissacaridases.
no adulto, a perda de 20% em relação ao peso corporal médio Neste caso, sobrecarga de carboidratos, sobretudo de lactose,
indica limite preocupante. Para as crianças, valem os padrões pode precipitar secreção osmótica volumosa, intensa fermen-
de aferição de peso que se aplicam à desnutrição energético- tação bacteriana e agravamento da diarreia.
proteica, isto é: Deve-se, pois, atender criteriosamente às fases de correção
Gravidade Padrão esperado p/idade e recuperação. As perdas de fluidos e, sobretudo, de potássio
1 grau (leve) precisam ser corrigidas cuidadosamente, pois hidratação sobre-
89a 75%
2 grau (moderado) carregada em líquidos e sódio pode precipitar edema pulmonar
74a60%
3 grau (intenso) 59% ou menos ou insuficiência cardíaca, até mesmo pela possível coexistência
de urna deficiência de excreção renal de sódio. A depleção de
No adulto, leva-se em conta o emagre.cimento; na criança, magnésio pode apresentar-se assintomática, subclínica, sendo a
além da perda de peso, a parada do crescimento e do desen- suplementação oral preventiva em torno de 1 a 2 mEqlkg/dia.
volvimento. Quando as necessidades nutricionais não puderem ser su-
O exame físico mostra desde alterações discretas até com- peradas pelas correções habituais, isto é, por dietas orais, mes-
pleta caquexia. Segundo Martins Campos, os achados no apa- mo que especiais, dietas enterais e/ou parenterais devem ser
relho digestivo podem ser assim sumarizados: criteriosamente cogitadas.
As interações entre desnutrição e infecção, que costumam
1. Região bucodental
o boca seca (sialosquiese por redução ao estímulo da se- estar presentes em casos graves, merecem muita atenção, pois
creção salivar); o paciente, pela sua anergia, não apresenta febre ou leucoci-
o inapetência;
tose. Nestes casos, antibioticoterapia preventiva, embora não
o redução da acuidade gustativa e olfatória; universalmente aceita, encontra razões nas constatações pós-
o dano dos microvilos das células sensoriais gustativas;
morte de infecções como otite, broncopneumonia ou abscessos
o atrofia de papilas linguais; generalizados.
o cáries dentárias. Em todas as situações mais graves, um quadro hipercata-
2. Esôfago bólico se instala, seja por infecção sistêmica seja por dispên-
o esofagite superficial e/ou erosiva;
dio excessivo de calor dinâmico-específico. Tal acréscimo ao
o espasmos na síndrome de Plummer-Vinson. catabolismo obriga sempre que se estabeleça um regime nu-
3. Estômago tricional de recuperação de alta energia, impondo-se critérios
o redução da massa epitelial ativa e atrofia da mucosa;
de escolha ao acesso de nutrientes: oral, nasogástrico, enteral
o hipossecreção ácida parietal; ou paren teral.
o hipotonia da musculatura lisa. Nutrição parenteral total (NPT) fica reservada ao tratamento
4. I ntestino delgado de situações extremamente graves, em que a rota gastrintestinal
o atrofia total ou subtotal de vilosidades e microvilosidades; se toma inoperante ou inviáveL Devem-se levar em conta os
o predominância de células cuboides imaturas no epitélio custos e taxas de complicações do procedimento.
luminar com alta vulnerabilidade a estímulos secretores; Como os diversos fatores envolvidos criam, em cada caso,
o comprometimento das enzimas da bordadura estriada, momentos metabólicos variáveis, é aconselhável que os proce-
em particular da lactase; dimentos enterais e parenterais tenham supervisão de profis-
o fermentação de carboidratos e putrefação de proteínas sionais experientes. Quando bem conduzidos, tais tratamen-
pela flora anômala ao nível de jejuno; tos induzem mudanças benéficas relevantes para os enfermos
o redução ou ausência de complexos motores mioelétricos. graves.
S. Cólons
redução da massa epitelial ativa;
o

o redução da capacidade de reabsorção e reciclagem de flui-


• Enterocolite actínica
dos e eletrólitos para o meio interno; • Introdução
o produção e perda de sais biliares (desconjugação), com Todas as modalidades de tratamento do câncer estão asso-
consequente redução do pool sistêmico. ciadas a efeitos tóxicos, de menor ou maior amplitude, visto
Capftulo 30 I Doença Celfaca e Outras Distúrbios na Absorção de Nutrientes 321

atingirem as células neoplásicas e também as células normais. • Cólicas intestinais - sintoma mais comum, geralmente
Com o aumento da sobrevida, a detecção dessas complicações decorrente de obstrução intestinal;
cresce em importância. Aproximadamente, dois terços dos so- • Náuseas e vômitos - decorrentes de obstrução intestinal;
breviventes de câncer na infância irão apresentar ao menos uma • Diarreia crônica e/ou esteatorreia - decorrentes de vá-
complicação tardia do tratamento. rios fatores, incluindo má absorção, supercrescimento
A ocorrência e gravidade dos efeitos tóxicos aparentam es- bacteriano, diminuição da motilidade e desenvolvimen-
tar diretamente relacionadas com os efeitos cumulativos das to de fistulas;
drogas utilizadas na quimioterapia, com a dose (total e fracio- • Fecalúria ou pneumatúria - decorrentes de fistulas;
nada) da radioterapia e com a idade da criança no momento • Tenesmo, fezes com muco, hematoquezia, constipação
do tratamento. intestinal e diminuição do calibre das fezes - decorrentes
As complicações gastrintestinais da radiação são bem do- do envolvimento reta!;
cumentadas em adultos, mas em crianças os relatos não são • Hemorragia digestiva maciça - evento raro;
tão abundantes. Os efeitos crônicos da radioterapia no trato • Peritonite e toxemia- eventos raros, decorrentes de per-
gastrintestinal podem ser encontrados em cerca de 36% dos furação.
pacientes com longa sobrevida e incluem enterocolite actinica
com má absorção, estenoses e obstrução. O exame físico é variável e dependente das complicações
associadas:
• Patogênese • Perda de peso e desnutrição - consequentes à má ab-
A alteração mais importante na célula é a produção de ra- sorção;
dicais livres que impedem a replicação, transcrição e translado • Palidez cutaneomucosa - consequente à anemia;
do DNA As células que mais rapidamente se dividem são as • Aumento de sensilbilidade abdominal;
mais vulneráveis ao dano da radiação, como o são as células da • Sinais de peritonite - resultantes de perfuração intes-
mucosa gastrintestinal. tinal;
Os efeitos agudos da radiação são proporcionais à veloci- • Massa palpável - possível consequência de resposta in-
dade com que a radiação se faz. Se é feita em alta velocidade, flamatória;
a renovação das células perdidas não consegue ser suficiente. • Aumento de ruídos hidroaéreos, borborigmo - canse-
As vilosidades se encurtam. Diarreia e má absorção advêm no quente à obstrução intestinal;
intestino delgado, e anemia pode se desenvolver. Tais efeitos • Dor reta! e hematoquezia - resultantes de comprome-
são notados enquanto se faz radiação e permanecem por mais timento reta!.
algumas semanas.
Já os efeitos tardios da radiação estão relacionados com a • Fatores de risco
dose total e variam. A variabilidade está relacionada com: a) a Embora a radiação seja a maior responsável pelos danos ao
maneira com que a dose total foi dividida; b) o estado nutricio- trato gastrintestinal, alguns fatores predisponentes aumentam
nal do paciente; c) a presença de doença vascular; d) a cirurgia o risco de lesões. São eles:
prévia que possa ter fixado o intestino na pelve. Isquemia e
depósito de colágeno são os dois fatores mais importantes que • Cirurgias prévias: causa desenvolvimento de adesões que
contribuem para os efeitos tardios da radiação. podem fixar alças intestinais;
• Dose de radioterapia administrada: é determinada pela
• Quadro clínico intenção da terapia (curativa ou paliativa), quimiotera-
Os sintomas podem aparecer muito precocemente, até mes- pia associada ou não, histologia do tumor, estadiamento,
mo em poucas horas após a primeira sessão; ou tardiamente, idade da criança, condições gerais do paciente;
anos depois do término da terapia. Na apresentação precoce, na • Quimioterapia associada: algumas drogas aumentam sen-
maior parte dos casos, os pacientes têm sintomas 2 a 3 semanas sibilidade à radiação, como actinomicina D, 5-fluoracil,
após inicio do tratamento. Sintomatologia geralmente cessa em bleomicina;
2 a 6 meses, os sintomas são habitualmente moderados e ten- • Idade: crianças menores tendem a apresentar mais sin-
dem a ser autolimitados, necessitando apenas de tratamento tomas precoces.
sintomático. A correlação com a gravidade dos sintomas e da-
nos à mucosa parece ser pobre. Os sintomas incluem: • Diagnóstico
O diagnóstico é geralmente estabelecido por achados suges-
• Anorexia; tivos em exames de imagem em pacientes com clínica compa-
• Náuseas- mais comuns após irradiação do abdome su- tível que tenham sido expostos a radioterapia prévia. Achados
perior; laboratoriais são inespecíiicos e habitualmente transitórios:
• Vômitos - mais comuns após irradiação do abdome su- anemia por sangramento ou má absorção, azotemia, anorma-
perior; lidades eletrolíticas e alteração dos parâmetros nutricionais
• Cólicas - decorrentes do envolvimento de delgado; decorrentes de vômitos e má absorção.
• Diarreia - mais comum depois de irradiação pélvica; Os exames de laboratório não são nem sensíveis nem espe-
• Tenesmo e fezes com muco - decorrentes do envolvi- cíficos, mas má absorção de lactose, esteatorreia, má absorção
mento do reto; de vitamina B,2 e perda de sais biliares são comuns no dano
• Hematoquezia - decorrente do envolvimento do reto. agudo.
Na apresentação tardia, geralmente os sintomas são insidio- Na fase crônica, além dos citados, podem aparecer super-
sos e se desenvolvem meses ou anos após o término da terapia. crescimento bacteriano secundário à estase ou fistula. Linfan-
Muitos dos pacientes com enterocolite actínica crônica não giectasia secundária resulta em enteropatia perdedora de proteí-
apresentaram quadros agudos na sua evolução. Os sintomas nas com diminuição das proteínas séricas, linfopenia, aumento
incluem: dos níveis de alfa-1-antitripsina e linfócitos nas fezes.
322 Capftulo 30 I Doença Ce/faca e Outros Distúrbios na Absorção de Nutrientes

A radiografia simples de abdome não é especifica, pode de- • Cuídadoscírúrgícos


monstrar achados consistentes com íleo nas apresentações pre- Intervenções cirúrgicas geralmente são necessárias como úl-
coce.s, alças dilatadas sugestivas de oclusão intestinal. timo recurso aos casos de complicações (perfuração, obstrução,
Exames contrastados do intestino delgado e cólon podem drenagem de abscessos, fistulas). A abordagem cirúrgica deve
dar mais detalhes de mucosa do que a radiografia simples de ser a mais conservadora possível. Fibroses e aderências entre
abdome. alças tomam o procedimento tecnicamente desafiador.
Tomografia computadorizada pode mostrar espessamento
de segmentos de alças intestinais, demonstrar presença de abs- • Prevenção
cessos e delinear flstulas. Prevenção é o elemento mais importante no manejo da ente-
Colonoscopia tem vantagem sobre exames de imagem por rocolite actínica. Algumas modificações na radioterapia podem
possibilitar comprovação histológica através de biopsias. Na diminuir o risco de desenvolvimento da enterocolite actínica:
apresentação aguda, deve ser realizada com cautela devido ao • Cálculo preciso da dose de radiação;
risco de perfuração. • Radioterapia conformacional;
• Técnica de radioterapia em 30;
• Achados histológicos • Estudos contrastados do intestino delgado pré-radiação;
As alterações da mucosa entérica, à microscopia, variam • Distensão vesical;
conforme a época da apresentação. Alterações agudas incluem • Posição do corpo durante irradiação;
vasos ectásicos, edema do córion e infiltração por células infla- • Pneumoperitônio temporário.
matórias, abscedação de criptas, encurtamento de vilosidades e
ulceração. Pode haver atipia dos enterócitos e células estromais. Um grande número de terapias farmacológicas tem sido es-
Nesta fase, não se observa aumento da atividade mitótica tudado na tentativa de reduzir as complicações gastrintestinais
Em fase subaguda e crônica, há alterações epiteliais regene- da quimiorradiação. Infelizmente, a maior parte dos estudos é
rativas. O endotélio pode estar degenerado e trombos de fibrina em modelo animal ou em adultos:
podem estar presentes nos capilares. O achado de macrófagos • Antioxidantes na forma de vitamina E;
subintimais, com citoplasma espumoso, é uma característica • Amifostine (Ethylol);
altamente sugestiva de dano por radiação. Em córion e submu- • Glutamina;
cosa, pode haver fibrose, obliteração de vasos, o que pode levar • Fator de crescimento epitelial;
à isquemia e, consequentemente, à ulceração e necrose. • Sucralfato.
Algumas técnicas de profilaxia cirúrgica têm sido propostas:
• Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial de enterocolite actínica crônica é • Sutura da bexiga ao sacro;
extenso. Outras possibilidades di agnósticas incluem bridas pós- • Transposição de retalho do omento;
operatórias, síndromes de má absorção, metástases abdominais, • Omentopexia abdominopélvica;
linfoma, doença inflamatória intestinal, quadros infecciosos e • Envelopamento das alças de delgado com omento;
pseudo-obstrução intestinal. • Uso de expansores pélvicos;
• Malhas sintéticas biodegradáveis (separando alças na
• Tratamento pelve).
Uma vez estabelecida a enterocolite, o tratamento deve ser
o mais conservador possível e focado no alívio dos sintomas. A • Complicações
maior parte dos tratamentos médicos específicos é derivada de O manejo dos pacientes com enterocolite é desafiador; ape-
estudos clínicos com pequena casuística e relatos de caso. Uma sar do tratamento individualizado, as complicações não são
equipe multi profissional é importante para a melhor aborda- infrequentes. As mais comuns são: obstrução de cólon ou de
gem destes pacientes. intestino delgado; sangramento gastrintestinal; desenvolvi-
mento de fistulas enterovaginais, enterovesicais, retovesicais
• Cuidados clínicos ou enterocólicas; má absorção, anormalidades eletrolíticas e
O tratamento das lesões agudas depende da sintomatologia; desidratação; perfuração e estenoses.
já o tratamento das lesões crônicas depende principalmente do
local da lesão.
Para controle dos sintomas, considera-se o uso de antidiar- • ALTERAÇÕES SELETIVAS NA ABSORÇÃO
reicos, antieméticos, derivados 5-ASA (apenas relatos de caso e DOS NUTRIENTES
estudos conflitantes), antibióticos (podem reduzir sintomas em
crianças que apresentam supercrescimento bacteriano). Entre as afecções decorrentes de alteração na absorção de
Considerar esteroides tópicos em pacientes com envolvi- apenas um nutriente, destacam-se, pela sua importância e fre-
mento reta!. Oxigenoterapia hiperbárica pode ser considerada quência, as referentes aos carboidratos, em especial a relacio-
em pacientes refratários. nada com a lactose (Capítulo 29). As demais são mais raras na
prática médica.
• Recomendações diettticas
Com base em estudos animais, recomenda-se dieta pobre
em gordura, com poucos resíduos e sem lactose. Estudos su-
• Má absorção de carboidratos
gerem que suplementos de glutamina podem ser protetores • Má absorção de glicose-galactose
contra lesões actínicas. Conforme a situação clínica, considerar A má absorção congênita de glicose-galactose é uma condi-
dieta elementar ou NPT. O uso de probióticos está ainda em ção rara, autossômica recessiva, caracterizada por um defeito
estudos controlados. seletivo na absorção destes monossacarídios que implicam um
Capitulo 30 I Doença Ce/foco e Outros Distúrbios no Absorção de Nutrientes 323

único sistema de transporte. A morfologia da mucosa é normal, Moynahan e Barnes, em 1973, descreveram associação dos
bem como o transporte de frutose. O defeito está localizado na achados clbúcos com níveis baixos de zinco no plasma e grande
borda-em-escova dos enterócitos. melhora com a ingestão oral de zinco. Atualmente, o tratamento
Crianças se apresentam com diarreia aquosa profusa e desi· com zinco tem sido utilizado em diversos centros e assume-se
dratação já na primeira semana de vida. As feus têm pH baixo, que o seja indefinidamente. Felizmente, nada emergiu que pro·
e a presença de substâncias redutoras é positiva. Melhoram à vasse que o zinco, a longo prazo, possa trazer qualquer compli·
introdução de fórmulas com frutose e sem glicose e ga.lactose. cação. Em 2001, Wang et oi., em mapeamento de homozigotos
Embora o defeito seja genético, crianças maiores chegam a de- com AE, localizaram o gene na região do cromossomo 8p24.3 e,
senvolver alguma tolerância à glicose, mais tarde. no ano seguinte, o gene SLC39A4. O gene codifica uma protel·
na rica em histidina que foi referida como "hZIP4", membro de
• M~ absorção de frutose uma grande famnia de proteínas de transmembrana, algumas
A frutose é um importante carboidrato encontrado em for· das quais são conhecidas como proteínas captadoras de zinco.
SLC39A4 está expressa abundantemente na região apical da
ma livre nas frutas e também é um monossacarldio resultante
membrana dos enterócitos de ratos, sugerindo que o trans·
da cisão da sacarose. Xaropes de milho com altas concentra·
portador hZIP4 seja responsável pela absorção intestinal do
ções de frutose são usados como adoçantes na manufatura de zinco. No mesmo ano, Küry et al. postularam que SLC39A4
bebidas. Quando há intolerância, surgem diarreia crônica e esteja centralmente envolvida na AE. após estudos em fami·
dor abdominal, associadas ao consumo exagerado de frutas ou lias da Tunísia com esta entidade. A despeito dos progressos,
excesso de ingestão de seus sucos. o defeito básico permanece ainda desconhecido. Na literatu-
ra brasileira, encontraram-se apenas trabalhos de Guimarães
• Máabsorção de amído e Viana (1959), Campos et aL, (1969), Perafán-Riveros et ai.
Embora se acredite que o amido seja bem absorvido, em (2002) e Kotze et ai. (2010).
certas condições pode haver má absorção com trigo, milho,
centeio, batata e feijões. O amido refinado e preparações sem • Patoglnese
glúten são mais completamente absorvidos, sugerindo que A deficiência de zinco pode ser dividida em dois grupos:
complexos de fibras sejam menos tolerados. A melhora dos forma congênita e forma adquirida, decorrente de diversos dis·
sintomas após a restrição de glúten em pacientes com alterações túrbios básicos, como uso de drogas, nutrição parenteral to·
funcionais dos intestinos pode ser explicada pela incompleta tal ou prematuridade. Outras causas de lesões-AE /ike incluem
absorção do amido. nutrição parenteral total sem suplementação de zinco, doença
de Crohn, procedimentos de bypass intestinal, gastrectomias,
• lntolelinda ao sorbítol AIDS, anorexia nervosa e fibrose clstica.
O sorbitol é um açú.car encontrado naturalmente nas frutas. AE em geral se manifesta à época do desmame - ou antes -
Devido à sua pequena fermentação pela flora oral e incomple· nas crianças alimentadas com leite materno, podendo ser fatal
ta absorção pelo intestino, tem sido usado como adoçante em se não tratada. O ácido picolínico é produzido no pâncreas e
produtos dietéticos e nos chamados produtos livres de açúcar. carreia o zinco para o lúmen intestinal. O leite humano contém
Em doses elevadas, produz diarreia osmótica. este ácido que não é encontrado no leite bovino. A explicação
de a AE se manifestar após o desmame é a alta concentração de
• M~ absorção iatrogênica de carboidratos zinco no leite bovino semelhante ao humano, mas não propicia
O uso de lactulose e manitol, carboidratos não absorvíveis, condição para capacitar a absorção do zinco.
usados para efeito laxativo, produz gás e distensão abdominal, O zinco é um núneral essencial para humanos, presente em
possivelmente por fermentação colônica. ao menos 100 metaloenzimas (incluindo a fosfatase alcalina),
com importante papel no metabolismo de proteínas, carboi·
dratos e vitamina A. Por sua vez, tem importância no cresci·
• Má absorção de minerais mento, desenvolvimento e proliferação celular, cicatrização e
• Acrodermatíte enteropática reparo tecidual. As doses diárias variam com a idade, pois 30%
do zinco ingerido é absorvido, principalmente no duodeno e
A acrodermatite enteropática (AE) é um distúrbio recessivo
no intestino delgado proximal. Sua excreção é primariamente
e raro do metabolismo do zinco que habitualmente se apresenta
intestinal com pequena excreção pelo suor. O homem necessita,
à época do desmame, com a tríade de alopecia, diarreia e der·
em média, de 10 mgldia; gestantes, de 30 mgldia.
matite com lesões periorificiais e de distribuição acral, indefi- A maior concentração de zinco está localizada nos rins, os·
nidamente. Outros achados incluem conjuntivite, fotofobia, sos, músculos, olhos, esperma, pele, cabelos e unhas. ~ encon·
distrofia ungueal, anormalidades em fãneros, baixa estatura, trado em diversos componentes regulares da dieta, a maioria
estomatite e queilite, além de distúrbios emocionais. Sua inci· de origem animal, e também presente no leite humano e nas
dência é baixa, cerca de 30% em irmãos, embora descrita em secreções pancreáticas. Está presente em carne vermelha, f!gado
diversos países com distintas mutações. de boi, carne de peru, frutos do mar, germe de trigo, amendoim,
Em 1942, na Alemanha, o professor Niels Danboldt des- nozes e água potável. A grande fonte é a ostra; 85 g de ostra
creveu a condição em colaboração com o bioquímica Karl crua contêm 65 mg de zinco. Fitatos encontrados em diversos
Closs, nomeada como akrodermatitis enteropathica, conhe· vegetais podem dificultar a absorção de zinco; a deficiência de
cida também como síndrome de Danboldt-Closs. Em 1952, absorção de ferro interfere na absorção de zinco. Álcool, es·
em Chicago, uma criança foi tratada com uma variedade de tresse ou consumo excessivo de zinco (mais que 150 mgldia)
desinfetantes e se percebeu que a di-iodo-hidroxiquinoquina podem causar náuseas, febre, suor excessivo e problemas na
(Diodoquin*) teve efeito surpreendentemente favorável nas coordenação motora.
lesões de pele. Mas, a longo prazo, poderia causar retinopatia A mais séria complicação na AE está associada à imuno·
e atrofia óptica. deficiência, resultando em morbidade e mortalidade à infecção.
324 Capftulo 3 0 I Doença Celfaca e Outros Distúrbios na Absorção de Nutrientes

Apontam-se comprometimento da função imune e redução da Na literatura, há descrição de erupções eczematosas algumas
resposta humoral, e celular pelas células T. Há também dimi· vezes vesicobolhosas ou pustulares. Infecções intercorrentes
nuição da fagocitose pelos macrófagos. Isso poderia explicar com bactéria e fungos, provavelmente relacionadas com qui-
infecções secundárias e a necessidade de antibióticos precoce- miotaxia comprometida. Podem complicar o quadro clinico.
mente na vida. Ao contrário, períodos curtos de suplementa- A deficiência de zinco pode ocorrer em associações com
ção de zinco melhoram substancialmente a reposta imune e a outras doenças do intestino delgado, como doença celíaca, en-
defesa dos indivíduos com deficiência de zinco. teropatias perdedoras de proteinas, em pacientes em nutrição
Assim, na AE os parâmetros imunológicos podem ser resu- parenteral total com administração insuficiente de zinco, em
midos como segue: atrofia do ti mo, linfopenia, diminuição da crianças em uso do leite de soja com baixo teor de zinco.
resposta mitógena, diminuição da resposta mediada por célu-
las (hipersensibilidade tardia), diminuição dos nlveis de imu- • Diagnóstico
noglobulinas, aumento de infecções recorrentes (pneumonia, O diagnóstico é confirmado pelo nível de zinco diminuldo
sepse, candidfase, inf/uenza, resfriados). no plasma; em alguns casos, também nos cabelos e nas unhas.
Em resumo, o zinco é uma molécula sinalizadora intrace- Mais recentemente, foram descritos casos de AE com níveis
lular nos monócitos, células dendríticas e macrófagos, tendo séricos normais de zinco, dando os autores importância à biop-
papel importante na função imunológica mediada por células sia intestinal no sentido de que se podem verificar alterações
e no estresse oxidativo. O zinco também é um agente anti- nas células de Paneth justamente associadas à deficiência de
inflamatório. zinco. Existem casos de AE com aumento nos níveis de zinco,
devendo-se isso ao zinco circulante unido a outras substâncias,
• Manifestações clínkas formando união mais estável do que com o ácido picolinico,
Geralmente, os pacientes se tornam sintomáticos dos 3 aos mas não o liberando em níveis periféricos onde deva ser utili-
18 meses. Eliminam fezes diarreicas profusas e aquosas, perdem zado, desencadeando a sintomatologia da afecção.
peso, têm anorexia e dermatite característica. As lesões de pele .,. Dados de laboratório. Embora a deficiência de Zn seja
são mais proeminentes nas junções mucocutâneas, tais como a caracte.rlstica da doença, os níveis totais de Zn são difíceis de
as regiões perioral e perianal, e nas mãos e nos pés, áreas de serem determinados porque refletem o Zn-Hgado à albumi-
flexuras, áreas expostas à fricção. As lesões podem abrir feri- na, e os pacientes geralmente têm hipoproteinemia. Assim, Zn
das ou hiperqueratose, erupções eritematosas. Estomatite ou menor que 6 moVt é significante somente se a albumina séri-
queilite podem acompanhar as lesões de pele. Queratite e xe- ca estiver normal. A determinação de Zn em cabelo ou unha
roftalrnia também podem aparecer, tanto quanto alopecia ou se correlaciona mal com os sinais clínicos. Mas nfveis séricos
onicodistrofia (Figura 30.20). baixos de zinco com dados clinicos sustentam o diagnóstico de
Portanto, as manifestações clinicas envolvem justamente os AE. O diagnóstico diferencial deve ser feito com situações de
tecidos com grande renovação celular: pele e epitélio intestinal grandes perdas por diarreia ou inadequada suplementação de
Apresentam como peculiaridades: Zn em nutrição parenteral.
• Diarreia iniciando-se caracteristicamente por ocasião do Testes de função imunológica podem estar alterados, devido
desmame; às funções do Zn na estimulação de células T, produção de Ig
• Lesões mucocutâneas ao redor da boca e do ânus; e fagocitose de bactérias.
• De.rmatite nos dedos e artelhos; Como o Zn é o maior cofator para muitas enzimas intrace-
• Unhas distróficas; lulares, a deficiência de Zn se associa com nlveis baixos de fos-
• Paroniquia; fatase alcalina, gamaglutamil transpeptidase e 5-nucleotidase.
• Alopecia; .,. Histologia. O exame anatomopatológico da pele não é
• Desnutrição; especifico. As alterações variam com a idade da lesão. Nas pri·
• Alterações de crescimento. meiras, há paraqueratose confluente, ausência da camada gra-

A B
Figura 3 0.20 Paciente com acrodermatite enter~tica. Observar lesões periorifociais e de pele. A. lvJ diagnóstico. 11. Após tratamento. (Esta
figura encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ
Capftulo 30 I Doença Celfaca e Outras Distúrbios na Absorção de Nutrientes 325

nulosa e discreta espongiose e acantose. Lesões vesicobolhosas crônica de zinco pode contribuir para distúrbios do SNC como
são intradérmicas e resultam de alteração vacuolar citoplasmá- alterações cerebelares, parkinsonismo e atrofia cortical. Assim,
tica com baloneamento maciço e alteração reticular produzindo recomenda-se supervisisão clínica cuidadosa para toda a vida
citólise de queratinócitos. Necrose confluente leva ao alarga- em pacientes com AE.
mento das vesículas. Nas lesões posteriores, há paraqueratose
confluente. Achados menos comuns incluem células apoptó-
ticas, poucas células acantolfticas nas lesões vesicobolhosas e
• Má absorção de ácidos graxos e monoglicerídios
neutrófilos dentro da epiderme. Infecções secundárias podem • Abeta/hipobetalipoproteinemia
complicar este quadro. Os ácidos graxos de cadeia longa e os monoglicerídios absor-
A microscopia eletrônica mostra gotas lipídicas e múltiplos vidos para dentro da célula epitelial são reesterificados para tri-
vacúolos citoplasmáticos nos queratinócitos da derme superior. glicerídios. Estes são envolvidos por um revestimento de proteí-
Desmossomos podem estar diminuídos, associados frequente- na (apoproteína), éster de colesterol e fosfolipídio para formar
mente com alargamento do espaço intercelular. os quilomícrons que aparecem na linfa e, depois, são transpor-
Biopsias jejunais não são rotineiramente requisitadas. Ne- tados para o sangue através do canal torácico.
nhuma anormalidade consistente é observada na microscopia A maioria dos triglicerídios na dieta é de cadeia longa, mas
óptica. Na eletrônica, contudo, revela-se inclusão anormal de os de cadeia média (com 6 a 12 átomos de carbono) são absor-
corpos nas células de Paneth. Desde que haja alto conteúdo vidos por processo diferente. Têm hidrossolubilidade maior
de zinco normalmente nestas células e boa resposta ao tra- que os de cadeia longa, são hidrolisados mais rapidamente e
tamento com zinco, cogita-se de anormalidade na célula de não dependem tanto da lipase pancreática. Uma vez absorvidos
Paneth na etiologia da AE. no enterócito, são reesterificados, mas se dirigem diretamente
ao fígado através da veia porta.
• Tratamento As apoproteínas têm a propriedade de formar complexos
O tratamento com zinco é efetivo na AE presumivelmente com lipídios, tornando-os mais solúveis no plasma, permitindo
devido ao aumento da concentração do mineral na luz pro- que sejam transportados pela corrente sanguínea para desem-
piciar estimulação do seu transporte. A remissão dos sinais e penhar suas funções.
sintomas ocorre em cerca de 1 mês. Contudo, mesmo perío- A apoproteína B é essencial na síntese de quilomlcrons pela
dos curtos de interrupção da ingestão (7 a 10 dias) resultam mucosa intestinal e de pré-betalipoproteínas pelo fígado. As
em praticamente imediata recorrência, com reaparecimento betalipoproteínas responsáveis pelo transporte do colesterol
das lesões de pele. e apoproteína B no plasma derivam do catabolismo intravas-
O tratamento consiste em 8 a 10 vezes o requerimento diário cular das pré-betalipoproteínas. Na doença, estas estarão au-
de 15 mg: 100 mg de Zn/dia corrigem as manifestações da AE. sentes também.
Suplementação extra deve ser mantida até a puberdade para A falta de síntese de quilomlcrons acarreta prejuízo na en-
homens e durante toda a vida para mulheres. trada de gordura do tubo digestivo ao plasma, provocando es-
Recomenda-se tratamento por toda a vida, pois, quando se teatorreia e má absorção de vitaminas lipossolúveis.
faz a prova de supressão do medicamento, a grande maioria Bassen e Kornzweig, em 1950, descreveram uma síndrome
dos pacientes sofre recorrência clínica logo em seguida. Pode- que tinha como característica aparência anormal das hemácias,
se complementar o tratamento VO, usando-se preparados tó- retinopatia e alterações no sistema nervoso central. Posterior-
picos com sulfato de zinco. mente, novos casos foram descritos, sendo o diagnóstico dife-
O tratamento com pomada com óxido de Zn 25% nas áreas rencial feito principalmente com doença celíaca.
afetadas pode ser de algum beneficio. Logo após, foi possível, por técnica eletroforética, imunoqul-
O mecanismo de transporte de zinco é comum ao cobre. mica ou de ultracentrifugação, estabelecer que as concentra-
Assim, no tratamento com zinco oral, é necessário determinar- ções de betalipoproteínas estão diminuídas no plasma destes
se a concentração sorológica de ambos para evitar intoxicação. pacientes.
Há relação inversa entre zinco e cobre que pode ser detectada Abetalipoproteinemia é uma doença metabólica rara com
nos cabelos da cabeça dos pacientes. ~ útil monitorar a inges- frequência < 1 em 100.000, caracterizada pela ausência vir-
tão de cobre em indivíduos que usam altas doses de zinco por tual de lipoproteínas do plasma contendo apolipoproteína B
longos períodos. (apoB).
Para monitorar as doses orais de zinco, devem-se determi- ~causada por mutações no gene MTP localizado no braço
nar seus níveis nos cabelos e nos eritrócitos, mas não refletem longo do cromossomo 4 {4q22-24) que codifica uma proteí-
acuradamente o estado no organismo todo. Portanto, os níveis na de 894 aminoácidos denominada microsomal triglyceride
plasmáticos são os mais utilizados no controle. Outro dado transfer protein. Até o momento, três mutações foram identi-
laboratório frequente é o nível de excreção urinária do zinco. ficadas, explicando as diferentes manifestações clínicas. Existe
Níveis baixos da fosfatase alcalina, metaloenzima zinco-depen- uma forma de transmissão genética autossômica recessiva e,
dente, pode ser de valor para indicar deficiência de zinco. mais raramente, autossômica dominante. Predomina no sexo
masculino em cerca de 70% dos casos.
• Evolução e progn6stico Portanto, é decorrente da ausência de apoproteína B no
Pouca informção está disponível em relação ao prognós- plasma, necessária para a síntese e integridade estrutural das
tico a longo prazo da AE. Alguns pacientes param de tomar frações pré-beta {VLDL), betalipoprotelnas (LDL) e quilomí-
suplementos de zinco na adolescência e podem não necessitar crons que deverão estar ausentes no plasma dos indivíduos
de supervisão médica. Mas nestes casos a deficiência crônica portadores da afecção.
de zinco pode não ser reconhecida sem nehuma ou leve mani- Os pacientes com abetalipoproteinemia têm falta, em seu
festação dermatológica. plasma, de todas as lipoproteínas que contêm apolipoproteí-
Entretanto, manifestações neurológicas ou neuropsiquiá- na B-100 e B-43. Entretanto, o defeito não parece envolver o
tricas como sequelas podem ocorrer. Em adultos, a deficiência gene da apolipoproteína, nem a síntese, nem a glicosilação da
326 Capftulo 30 I Doença Ce/faca e Outros Distúrbios na Absorção de Nutrientes

apolipoproteína, mas, em vez disso, parece comprometer algum Do ponto de vista anatomopatológico, ocorrem desmielini-
aspecto da formação ou secreção da lipoproteína. zação e perda de axônios em nervos periféricos.
Na mucosa íntestinal, normalmente as gotículas de triglice- Em resumo, essas doenças são caracterizadas por enterócitos
rfdios estão rodeadas por retículo endoplasmático e aparelho cheios de gordura, má absorção intestinal, acantocitose, ausên-
de Golgi, cujas cisternas contêm grupos de quilomícrons. Estes cia ou diminuição de apobetalipoproteínas e grave deficiência
são sintetizados pela mucosa intestinal e juntam-se à gota de de vitamina E.
lipídio para formar um quilomícron completo. Na abetalipo-
proteinernia, as cisternas estão vazias, e grandes gotículas de • Diagnóstico
lipídios encontram-se livres no citoplasma. Usando-se técnicas 1. Biopsia perora/ do intestino delgado mostrando (Figura
de anticorpo fluorescente, percebe-se que não há apoproteína 30.21):
quilomícron-demonstrável (apoB) na mucosa intestinal nem o arquitetura mais ou menos preservada, a não ser por al-
lipoprotelnas de baixa densidade (Figura 30.21). terações decorrentes de desnutrição;
Existe acantocitose, cujo mecanismo exato permanece incer- o enterócitos ingurgitados com gotículas de gordura, dan-
to. São hipóteses: alterações passivas nas membranas lipídicas, do aspecto claro ao citoplasma, mais bem evidenciado do
interações entre os receptores de membrana e suas ligações e meio ao topo das vilosidades;
um defeito primário na membrana. o lâmina própria com espessura e celularidade normais.
A hipobetalipoproteinemia é uma condição rara, autos- 2. Raios X: intestino delgado com padrão disabsortivo.
sômica dominante, caracterizada por baixas concentrações de 3. Exames de sangue:
colesterol no soro. O exato defeito bioquímico não é conhecido, o hemograma.
embora formas truncadas de ApoB tenham sido descritas.
Heterozigotos tendem a ser assintomáticos, e os homozigo- Acantocitose pode ser detectada algumas vezes no sangue
tos apresentam-se com alterações neurológicas semelhantes às periférico. Para reconhecê-la, é essencial examinar o sangue
da abetalipoproteinemia. fresco e não diluído quando a aparência espiculada é carac-

• Quadro clínico
Há associação de acantocitose no sangue periférico com re-
tinite pigmentosa atípica e ataxia.
Infância: predomina quadro de má absorção intestinal, com
esteatorreia, carências vitamínicas e de minerais como hipo-
protrombinemia, raquitismo e anemia; sinais de retinite pro-
gressiva e neuropatia atáxica em torno dos 5 anos de idade;
retardamento mental pode aparecer em alguns casos.
Adulto: má absorção menos pronunciada; paciente cada vez
com limitações maiores, principalmente na marcha, podendo
surgir alterações cardíacas. Comprometimento do estado nu-
tricional (Figura 30.22).
Achados neurológicos (reversíveis com vitamina E):
o retinopatia pigmentar;
o disartria;
o ataxia;
o arreflexia;
o extensor plantar; e
o perda da sensibilidade da coluna dorsal.

Figura 30.21 Aspecto da mucosa entérica na hipobetalipoproteine- Figun11 30.22 Paciente com hipobetalipoproteinemia, desnutrida e
mia, revelando enterócitos ingurgitados com gotículas de gordura. com alterações neurológicas. (Esta figura encontra-se reproduzida em
(Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) cores no Encarte.)
Capftulo 30 I Doença Celfaca e Outras Distúrbios na Absorção de Nutrientes 327
terlstica, não se formando rouleaux. No sangue corado, essa 5. Vitamina K IM, se necessário.
anormalidade é facilmente mal interpretada como crenação. A 6. Vitamina D VO, se houver sínais de carência.
velocidade de hemossedimentação (VHS), extremamente baixa,
A combínação de suplementação oral de vitaminas A e E
confirma a falha na formação do rouleaux. Os acantócitos têm
iniciada antes dos 2 anos de idade pode atenuar, de modo mar-
sobrevida normal ou diminuída, aumento de suscetibilidade
cante, a degeneração retiniana grave que se associa.
ao trauma e hemólise, que se reverte com a suplementação de
vitamina E. • Prognóstico
• colesterol total diminuído (abaixo de 60 mg/100 mf) (Fi- A regra é haver um processo progressivo de deteriori.zação
gura 30.21); neurológica e retiniana. Os sintomas são debilitantes e a expec-
• fosfolipídios diminuídos; tativa de vida fica reduzida.
• triglicerídios diminuídos;
• betalipoproteína ausente ou diminuída;
• quilornícrons ausentes (após refeição gordurosa);
• Outras afecções
• vitarnína E ausente; O Quadro 30.8 mostra as principais características de doen-
• carotenoides ausentes; ças que são decorrentes de outras alterações na rota de absorção
• vitamina A diminuída; de um nutriente em particular.
• TAP normal ou aumentado em% (vitamina K).
4. Exame de fezes: esteatorreia (aumento da gordura fecal).
• LEITURA RECOMENDADA
• Tratamento
• Restrição de triglicerídios • Doença celíaca
1. Dieta hipogordurosa (20 gldia): reduzem-se os lipídios Amundstn, SS, Naluai, AT, Ascher, H et ai. Genetic analysís of the CD28/CfLA41
ICOS (CELIAC3) reglon in coeliac disease. nss., Antigem, 2004; 64:593·9.
de cadeia longa saturada, mas proporcionam-se ácidos Baptista, ML, Koda, YK, Nisiharn, RM et aL Prevalence of ceUac disease in
graxos essenciais, como o ácido linoleico. Brazilian children and adolcsccnts with typc I diabetes mcllitus. f Pediatr
2. Triglicerídios de cadeia média (TCM) encontrados nos Gastroenterl Nutr, 2005; 41:621·4.
produtos industrializados, bem como na gordura de coco Barbieri, O. Doença cel!aca: Particularidades imuno-histológicas da mucosa
e no óleo de babaçu. intestinal. Em: BarbierL O, Kotze, LMS, Rodrigues, M, Romaldini, CC,
editoras, Atualizaçdo em doe"f"S diarreicas da cria"fa e do adolescentt.
3. Vitamina A 20.000 UI/dia VO em preparações hidros- Atheneu, S. Paulo, I' edição, 2010. pp. 307-16.
solúveis ou IM. Barbieri, D, Campos, JVM, Brito, Teta/. A biópsia perora! do intestino delgado
4. Vitamina E: 400-800 UI/dia VO. na criança. Ill. Resultados globais. aasslfícaçio dos padrões histológicos.

------------------~-------------~--~-----------------------------
Quadro 30.8 Defeitos seletivos da absorção dos nutrientes

Substratos afetados Doenç-a Aspe<tos cllnlcos


Aminoácidos
Cistina,lisina, ornitina e arginina Cistinúria Formação de cálculos
Ausência de sintomas Gl
Usina, ornitina e arginina Aminoacidúria hiperdibásica Intolerância família I à proteína, diarreia e vômito, má absorção de
lisina, parada de crescimento
Aminoácidos neutros Doença de Hartnup Rash tipo pelagra, ataxia cerebelar, sem sintomas com dieta rica em
proteínas
Triptofano Síndrome blue diaper Hipercalcemia, descoloração azul da área diaper
Metionina Má absorção de metionina Retardo mental, diarreia esporádica, odor adocicado da urina
Monossacaríd ios
Glicose'9alactose Má absorção de glicose·galactose Oiarreia, desidratação com acidose
Eletrólitos
Cloretos Cloridorreia congênita Oiarreia, alcalose. hipocalemia
Minerais
Magnésio Hipomagnesemia familial Tetania no período neonatal
Cálcio Raquitismo dependente de vitamina D Aminoacidúria, raquitismo, hipocalcemia
Pseudo-hipoparatireoidismo Retardo mental, baixa estatura. tetania
Síndrome de Menkes Retardo mental, cabelo retorcido, instabilidade de temperatura
Zinco Acrodermatite enteropática lesões em áreas próximas a mucosas, alopecia
Vitaminas
Vitamina 812 Má absorção de vitamina 8 12 Anemia megaloblástica, fraqueza, díarreia, vómito, anorexia, falha
de crescimento
Acido fól íco Má absorção de ácido fólíco Anemia megaloblástica$ convulsão, retardo mental
328 Capitulo 30 I Doença Ceffoco e Outros Distúrbios na Absorção de Nut rientes

Correloçio utero-lústológica. Síndrome pós-biópsia. Arq Gastroenttro~ Atual~ em doctfas diarr&as da criança • da adoltsunte. Atheneu, S.
1970; 7:141 · 50. Paulo. I' od., 2010. pp. 283· 305.
Borwnlco. M, Nenna. R. Luparia. RP da/. RadioimmunolosJcal cl<:tectioo of Kocze, l..\1S. Doença cellaca: Tratamento, evolução, progn6st.i<:o e p~çlo.
antitnJuglutarninue autoantibodi<> ín buman saliva: a useful test to mo· Em: Barbieri, O, Kocze, !.MS, Rodrigues, M, Romaldini, CC. editoras, Atua·
nitor codJac cliteue follow-up. Alitmnt i'luzrmo<oi'JMr, 2008: 28:805·1 3. I~ em doctfas diamlcas da crillJtf" e da adolesa.ntL Atheneu. S. Paulo.
Broccbi, E. Coraz.za. GR. Caletti, G. Endoscopic cl<:monstration oflouofduode· I' ed., 2010. PP· 349·60.
na! foldsln the diagnosis of ccliac diseasc. N Engll Md. 1988: Jl9:741·4. Kocze, LMS. Gynaecologlcal and obstetrlcal findlngs in Brazilian patlenlS wlth
Cabane, A, Vazquez. H, Argonz. Jet a/. Clinicai utility o( counting intraepi· ccliac disease in relatlon to nutritional status and adherencc to a gluten-free
thclJallymphocytes in ceUac dlscase int<>tinal mucosa. J\cta Ga.stro<nteroL diet.l Clln Gastro<nttroi"B)\ 2004; 38:567·74.
Latlnoam, 2001i 37:20-8. Kotze, LMS. Padrões blstológicos e linfckitos intra· epiteliais da mucosa do
Cc.Uitr, C, Delabes.se, E, Hclmcr. C et aL Rcfractory aprue, celJac disease, and intestino delgado "" diarriias crõnicas. Curitiba, UFPR, 1988. 170p. Dls·
enteropathy·associated T-cclllymphoma. Lanw, 2000; 356(9225):203·8. semçào (Mestrado), Mestrado de Medicina lntema, Departamento de
Ciccocioppo, R, Oi Sabatino. A, Parron~ R et ai. Cytolitic mechanisms ofintra· Clínica Médica, Universidade Federal do Paraná, 1988.
epithcliallymphocytes in cocUac discas<: (CoD). Clin Exp lmmuno/, 2000; Kotte. LMS. Sem Glút<n. 1' ed., Rio dejaneiro:Revinter, 2001, 160 p.
120:235·40. Kotze, LMS & Barbieri, O. Doença cellaca. Em: Kotze, LMS & Barbieri,
Ciclitira, PJ,Johnson, M\V, Dewar, OH et ai. lhe pathogenesis of coeliac disea.~e. O. Af•'fõts gastrointtstínai.s da criança e do adoltscente. I ' ed., Rio de
Mol.ilsputs Mtd, 2005;26:421·53. janelro:Revinter, 2003. pp. 189·208.
Culli(ord, A, Oaly, J, Oiamond. B et a/. lhe value of witeles.t capsule endos- Kotze, !.MS. Brambila-Rodrigues, AP. Kotze, LR, 1\isíhara. R.\<1. A Bruilian
copy in patients with complicated celiac dlscase. Gastroint..r Endosc, 2005; expcricnce of the self trarugJu11minase-bascd tcst for celiac dlsease fin<ling
62:55·61. and dlet monltoring. Warldl G<utrotntm>l. 2009; /5:4423· 8.
Cullum, IO, EU, PJ, Ryder, JP. X-raydual-pboton absorptiometry: a newmethod
I<otze, !.MS, Ferrein E. Cdilc disease and HLA systern. J\rq Gastroont<l'OI,
for the measurement ofbonedenàty. Br I &uliol, 1989; 62:537·92.
1977; 14.:231.
Daum, C, CeUicr, C. Mulder, C}. Refractory eocliac dlscasc. &sl Proa Rts CUn
Kotze, LMS, Nisihara, RM, Utiyama. SRR t:t ai. CeUac disease and hypothy·
Gastro<ntuo/, 2005; 19:413·24.
roidism in an adult BruUian female with Oown syndrome. GED, 2007:
Daum, S, Bauer U. Foss, HD et ai. lncreascd expresslon of mRNA for matrix
26:55-8.
metalloprotelna..se-1 and -3 and tissue inhibitor of metalloprotcina.ses-1 in
Kotze, LMS, Paiva. AOO, Kotte, LR. Oistórbios emocionais em crianças e ado·
intestinal biopsy specimens from patients with celiac disease. Gut, 1999;
lescentes portadores de doença celfaea. Rev Assoe Bras Mtd Psicossomática,
44:17·25.
Dleterlch, W, llhnis, T, Bauer, Metal. Jdentifieation ofthe tlssue transglutaml· 2000; 4:9-15.
nase as the autoantigen of ccliac disease. Nat Mtd, 1997; 3:797·801. Kotze, !.MS & Pisani, )C. Endoscopia e biopsia perora! do intestino delgado.
Dubois, PC, Trynka, G, Franke, L et ai. Multiple common Vllrlants for ccliac Em: Kotze, LMS: Dlarrtlas Cr6n/CtU. Diagnóstico e Tratamento. i'ed.. Rio
diJeaselnftuencing immune gene expression. Nat Genet, 2010: Feb 28 (Epub de janelro:Medsl, 1992, pp. 85- 112.
ahead of print). Korze. LMS, Utiyama, SRR, Nislhara, RM et aL lgA c1ass antiendomyslum and
Falhng. LI!, Be'llseng. E, Hotta, K et a/. Dilferenees in the r!sk of celiac dlseuc antitissue transglutaminase antibodiu in relation to duodenal muco$1.1
associated with HLA-OQ2.5 or HLA-DQ2.2 art related to sustained gJuten changcs in ccli.ac discase. Pashology, 2003; 35:56-60.
antlgen prescntation. Nallmmunol. 2009; 10:1096· 101. Kot:ze, !.MS, Utiyarna. SRR, Nisihara, RM et a/. Antiendomysium antibodies
Fasano, A & Catassi, C. Current approache:s to dlagnosis and treatment of ccliac in Bruilian paticnts with cellac disease and tbeir first-degrec relativu. .ilnj
dlscasc: An evolving specuum. G<utrotntuo/cc. 2001 ; 120:636-51. Gastroentuol, 2001; J3:94-i03.
Forabosco, P, Neuhausen, SI., Greco. L et a/. Meta analysis of genome-wide Kotze, LMS. Utiyama, SRR. N!Jihara. R.\<1 et a/. Thyroid dlsordcrtln BruJ!ian
llnlcage studles in celiac diseasc. Hum Hcrtd, 2009; 68:223· 30. patients with celiac dlscase. l Cli• Gastro<•tcrol, 2006; 40:33-6.
Green, PlfR & CeUier, C. CeUac dlseasc. N Engll Mtd, 2007; 357· 1731-43. Kotze, !.MS. Doença ccllaca: Associações. complicações e causas de morte. Em:
Holmes, G, Catassl, C. Fasano, A. Fast Facts: Celiac disease. Health Prt$$, Barbieri, D, Kott.e, LMS, Rodrigues, M, Romaldini, CC, editoras, Atua/i·
Oxford, 2nd. Edition, 2009. pp. 128. zaçclo em doenf<U diarrek<os da criança e do adolescente. Atheneu, S. Paulo,
Holmes, GKT, Prior, P, Lane, MR et al. Malignancy In coellac dlsease- effeclS l' ed.,2010.pp. 361-75.
of a gluten-frec dlet. Gut, 1989; 30:333-8. Kotze, LMS, Utiyarna, SRR, Nass, FR, Nisihara, RM, Theiss, PM, SUv.~,IG. Anti
Hull, CM, Llddle, M, Hansen, Neta/. Elevation o( lgA antlepldermal trans· Saccharomyces cerevisiae1111tibodies in Brazilian patients wilh eeliac di«<a«<.
glutamlnase antibodies in dermatitis herpetiformis. Br I Dtrmatol, 2008; Arq Gastroer•terol, 2010 (aceito para publicação).
159:120·4, Leffer, DA. Dennis, M, Edwards George JB. et al. A simple validatid geuten·
Hunt, KA & Yan Hee:l, DA. Recent advances ln coeHac dlsease genedes. Gul, free diet adh~nc:e survey for adullS with celiac disease. CUn Gasi'IWtttnol
2010: 58:473·6. HtpaJol. 2009; 7:5J.0.6.
jabrl, B & SoUJd, LM. Tissue mediated control of immunopathology In cocliac J..ewis, NR & Scott, BB. Systernatic review: the use of serology to exdude or
dlscase. Nas Rtv lmmunol, 2009; 9:858-70. diagnosc cocliac disease (a comparison of lhe endomysial and tissue traru-
Janeway Jr, C.i\, Travus, P, Walpon. M et aL Aprcscntaçto de andgenos para glutaminasc antibody tesu). Jllimmt Plumnaeo/Ther, 2006; 24:47·54.
1lnf6cltos T. Em: Jmunobiologi2: o sistema Imune na saOde e na doença,@ Llo, D, Sc.ola. L. Forte. GI t1 ai. TNFalpha, IFXgamma and J.L.IO gene poly·
ed., Porto Alegre, Amned: 169-202, 2007. morpbisms in a sample of Sidl!an patients with coellac discasc. Dig Uva
Jarvinen, TT, CoUin, P, Rasmussen, M et ai. \ftllous tip lntraepithdW lym· Dis., 2005; .)7:756-60.
phocyles as markers of car!y-stage cocliac dlscase. Sc1111d I Gastn:>entm>l. Lopes·Marotti. NR & Kotte, CAV. Doença ccllaca: Patologia bucal Em: Bar·
2004; 39:428-33. bier~ D, Kotte, LMS, Rodrigues, M, Romaldini, CC. edltoru, J\tuallzaç<lo
Klagnoff, MF. Cellac disea«: pathogenesis of a modd lmmunogenetlc discase.
em dot"f4S diarreiCAs da crlallf'J • do adolaunt<- Atheneu, S. Paulo, I'
I Oln Inv<,.t, 2007; 117:41-9. ed., 2010. pp. 3n-9t.
Kagnoff, MP. Overview in pathogenesis of ccliac disease. Gastroenterology,
Lopez·Vazque•, A, Rodrlgo, L. Fuentes, D, Rlestra, S, Bousofto, C. Garcla·f·er·
2005; 128(suppl. 1): SI0-8.
nandez, Seta/. M1CA· A5.1 allelels 8$SOciated with atypical forms of celiac
Karinen, H, Klirkkãinen, P, Pihlajamãki, J et ai. Gene dose effect of lhe
dlscase In HLA·DQ2·negative patients.!mmunogenetlcs, 2002; 53:989·91.
DQB1 ' 0201 allele contributes to severity o( coellac dlsease. Scand I Gas·
Louka, AS, SoUid, LM. HLA in celiac disease: unrevealing the complex geneliC$
lnltnttrol, 2006; 41:191-9.
Kauklnen, K, Mak~ M, CoUin, P. lmmunohistochernlcal features in antlen· of a complex dlsorder. 1iMue Antlgms, 2003; 61105-17.
domysium positive patients witb normal architeture. 11m I Gastroontero~ Marsh, MN. Bone disease and gJuten sensitivity: time to act, to treat, and to
2006; 101:675-6. prevenL 11m I Gastroentero~ 1994; 89-.2105· 7.
Klng. AL & Cldltl.ra, Pj. Cellac dlsca.se: strongly hcritable, ollsogenlc, but ge· Marsb, MN. Mucosa! pathology In gluten senàtivity. Em: Marsb, MN, C«/14c
d~Hau. 1•. ed. Oxford:Biackw.U Scicnti6c Publicatiolu, 1992; pp. 136-91.
netlcaUy complex. Moi ~,.. Melabol, 2000; 71 :70-5.
Kookinen, U.. Elnarsdonir, E, Korponay·Sz.abo. IR et a/. Fine mapplng of tbe Megiomi, M, Mora. B. Bonamieo. M t1 ai. A rapid and sensitivc mcthod to
CEUAC 2/ocuson cbromosome Sq31· 33 in tbe Fl.ruwh and Hungarian detect spccific human lymphocytc antigen (HLA) dass n alleles assoc!ated
populatlons. 7lssue J\ntigms. 2009; 74:408· 16. with celiac dlscue. O In O.em Lab Mtd, 2008; 46:193-6.
Kottc, L.\1S. Celia< dlsease ln Brazilian patients. Aslociations, compUeat!ons Monsuur, AJ, de Ba~r. Pl, Alludeh. BZ er ai. M)'OSln IXB varlant lncreues
and cauJCS of death. Forty yeazs of clinicai cxpcrlence. Jlrq Gast,..,.,nttrol, the risk o( eellac distaS<! and points toward a primary intestinal barrler
2009:46:261 -9. defec:t. Nat Genet, 2005:37:1341-4.
Kotte. l..\1S. Doença ccliaca: Conceitos, epidemiologia, patog~nese e diagnós· Nass, FRetai. Anillsc sorológlca e dlnlco-laboratorW de auto-anticorpos em
dco. Em: Barbleri, O, Kotze, LMS, Rodrigues, M, Romaldlnl~ CC, editoras, familiares de pacientes com doença ccllaca: Curitiba, 2008. 131 p. Disser·
Capitulo 30 I Doença Celfoco e Outros Distúrbios no Absorçdo de Nutrientes 329
taçio (M<$tndo em Ci~ncias Farmactuticas) - Setor de Ci~ncias da Saúde, Utiyama, SR. Nass, FR, Kotu, LM tt ai. Serologic:al screening of relatives of
Universidade f-ederal do Pann4. ceUac distase patients: antiendomysium anlibodies, anU-tissue transglu-
Nisihara, RM, Kotze, LM, Utiyama, SR tt a/. CeUac disease in children and taminase o r both? Arq Gastroenurol, 2007; 44: I 56-61.
adolescent.< with Down Syndrome from Southem Bruil. I Ptdiatr, 2005; Utiyarna, SR. Reason,IJ, Kotte, Ll"vt Genetlcs and lrnmunopathogtnics aspects
81:373· 6. ofthe celiacdiscasc: a rcccnt vision. Arq Gastroenterol, 2004; ~1:121 -8.
Nisihara, RM, Skate, TL, SUva, M8, Utlyama, SR. Rheumatoid artritls and anti- Utiyama, SRR. Doença cdüea: Aspectos genftk:os. Em: Batbiert, O, Kott<. LMS,
endomisial antibodies. Acta R< um Port, 2007; 32:163-7. Rodrigues, M, Romaldini, CC, editoras, Atllallzaf4o em doenças diarreicas
Nivdoru, S, Suga!, E, Cabanne, A tt ai. Antíbodies agalnst synthttic dtamidates da criança e da adolesunle. Athcneu, S. Paulo, I' ed., 2010. pp. 329-<48.
gUadin peptldcs as Jmdlctort of ctllac diJQse: Prospcctive assessment in Utiyarna, SRR, Kott<. LM.S, Reason, ITM. Complement &ctor B allotypes in
ao adult populatlon wlth a hlgh pmest ptobabllity o(distast. Clinicai CN- lhe suseeptibiUty and scverity ofctliac diseasc in pallenu and Mtives. /nr
mistry, 2007; 53:2186-92. I lmmun0fV1<1, 2005; 32:307- 14.
Popat, S. Hearl<. N, Hogbers. L tt aL Varlatlon In the CTLA4/CD28 gene~­ Utiyama, SRR, Ribas, JLÇ, Nllllwa, RM tt al. Ccllac discasc In natlvc indlans
gion a>nftrt an incnased risk of codbc disnst. Ann Hum Gmet, 2002; &om Bruil: a clinlcal and epldtmiological survey. Nortlr Am I Mtd Sei,
66(Pt2):125-37. 2010; 2-.2138-42.
Prause, C, Rittcr, M, Probst, C ti al. Antibodies against dcarnidatecl glladin as
Utiyama, SRR, Kott<. LMS, Nisihara, RM tt al. Pesquisa de antia>rpos anli-
ncw and accuntc bio~rt of childhood codlac diRast. I PtdUúr Gas-
endomisio no laboratório de imunopatologia da UFPR: dez anos de tx·
tn:>entcn>l Nutr, 2009; ~9:52-8.
ptriência na triagem de doença eeUaca em pacientes, grupos de risco e
Raivio, T, Kaukinen, K, Nemes, E, LaurUa, K. CoUin, P. Kovlcs, J8 tt aL Stlf
populações. RevWa Brasikim tú Arulllses Clinicas, 2009; ~1:27- 33.
transglutarninasc-bascd npld cocllac c!Ueasc ant.í body deteetion by lateral
flow method. Allm Pharmacol Thtr, 2006; 24:147-54. Utiyarna, SRR, Kotu, LMS, Nlslhara, RM tt ai. Spectrum of autoantibodiesln
Ravelll, A, Bolognlnl, S, Garnbaronl, M tt ai. Variavility o f hi<tologic lesions in cellac patients and relativu. Dlg Dls Sei, 2001; 46:2624 -30.
relation to biopsy site in gluten-sensitlve enteropathy. Am I Gasrroenurol, Vader, W, Stepniak, D, Kooy, Y er al. The HLA-DQ2 gene dose effect in cellac
2005; 100:177-85. discase;. dircctly related to thc magnitude and brcadth of gluten-specitic
Romaldini, CC. Doença cellaea: Citoclnas. Em: Barbicri, D, Kottc, LMS, Ro- T ccU responses. Proe Natl Acad Sei USA, 2003; 100:12390-S.
drigues, M, Romaldinl, CC, editoras, Atuallzaçao em doenças diarreicas da Van Heel, DA, Hunt, K, Greoo, L, Wljmenga, C. Genedcs in cOtliac disease.
cria11ça e do adoluuntL Atheneu, S. Paulo, 1'ed., 2010. pp. 217-27. Best Pract Res Clin Gastroenterol, 2005; 19:323-29.
Romanos, J, Van Dlemen, CC, Nohc, IM t-f ai. Analysls ofHLA and non-HLA Vilppula, A, Kaukinen, K, Luostarlnen, L el ai. lnercaslng prcvalenoe and high
alleles ean identlfy individuais at high ri$!< for celiac disease. Gastroente- incidence of celiac dísease in elderly people: a population based study. BMC
rology, 2009; 137:831-40. Ga.stroenterol, 2009; 9:49.
Rublo-Tapia, A & Murrny,JA. Celiac disease. Current Opinion in Gastroentero- Volta, U, Molinaro, N, de Franccschl, L, l'ratangelo, D, Blanchl, FB. lgA antl-
lcgy, 2010; 26:116-22. endomysial antibodies on buman umbilical cord tissue for ceUac disease
Ryan, AW, Thornton, JM, Brophy, K et ai. Chromosome 5q candidate genes in screening. Dig Dis Sei, 1995; 40:1902-5.
coellac disease genetlc varlatlon at I!A,ILS, IL9,1Ll3, IL17B and NR3Cl. Wolters, VM, Vetbee.k. WH, Zhcrnakova, A ct ai. lhe MY098 gene ls a strong
1issut Anllgtns, 2005; 65:150-5. risk factor for developing rcfractory ccllac dlscasc. Clln Gastroenterol Ht-
Schuppan, O. Current concepts of ceUac disease pathogenesis. Gastrotntero- JHliO~ 2007; 5:1399-405.
lcgy, 2000; l/9:234-42. Wolters, VM & 'Wijmenga, C. Genetic baclcground of celiac disease and its
Schuppan. D, Dieterlch, W, Ri<ek<n, EO. Expos!ng gliadin u a wty food for clinicai impUeations. Am I Gastrotnterol, 2003; 103: 190-5.
lymphoqtes.NatMtd,l998;~:666-7. Wahnschalf<. U, Schuhkc, )D, Zdtt, M <1 aL P~ictors of clln!c:alresponsc to
Schuppan, O,Junlcu, Y, 8arisanl.•O. CeUac distase: from pathogenesís to novel glutcn-Crce diet in patients diagnoaed with diarmea-p~omlnat irritable
thenpics. Gastroentm>IDgy, 2009; 137:1912-33. bowd syndrome. Clín Gastn:><nterol flepatol, 2007; 5:844-50.
Sdepanlan, VL, de Miranda Carvalho. CN, de Morais, M8, Colugnati, FA, Fa- WOG-OMGE Practice Guideline. World Gastroenterology News 2005;
gundes-Neto, U. Bone mineral dcnsity of thelumbar spine in child= and (Supp) 1-8.
adolescents wlth ceUac c!Ueasc on a gluten-frce diet in Slo Paulo. Bruil. I
Zubiran, S. Nutritional upeet.< o( gastn>intestinal c!Ueasc. Am I Dig Ois, 1961;
PtdialrGast~Wt~tnol Nutr, 2003; 37:571-6.
6:336-50.
Sban, L, M~ O, Parrot, I tt aL Structural basis for gluten intolerance in
celiac spruc. Scima, 2002; 297(5590):2275-79.
Shewry, PR, Talham, AS, Kasarda, DO. Cereal proteins and eoeUac diRast.
Em: Marsh, MN. Coellac distaJL Oxfotd:Biackwcll ScicntiJic PubUcations,
• Enterocolite actínica
1992. Cap. 11 , p. 305-38. Campos, FG, Mucerino. DR. Wauberg. DL et al. Efeitos proletores da glutarnina
Silva, EM, Fernandes, Ml, Galvlo, LC <t a/. Human lcucocyte antigen class n e da dieta elementar na cntcrocolite actlnlea aguda: avallaçio hi<tológica.
alleles in white BrWllan patlents with cellac distaR. I Ptdiatr Gastn>enterol Rev Ass Mtd Bms, 1994; ~0:143-9.
Nutr, 2000; 2:647-55. Erl>il, Y, Cnttzean, S, Giris, Metal. The effect ofglutamine on ndiation-induud
So!Ud, LM. Molecular basls of celiac dlsease. Annual Revitw of Immunology, organ demage. Lif• Sciencu, 2005; 78:376-82.
2000; 18:53-81. Gavau.i, C. Bboori, S, LoVullo, S tt al. Role of home parenteral nutrition in
Sollid, LM & Lie, BA. Celiae dlscase genetlca: currcnt concepts and practic:al chronic radiation enteritU. Am] GaJirot.Httrol, 2006; 101:374-9.
appllcatlons. Clln Gastrotnttrol Ntpatol, 2005; 3:843-51. Huclson, MM. A model for care aeross the eancer eontinuum. Cancer, 2005;
Sollid, LM & Thorsby, E. HLA su&<:eplibillty genes in celiac disease: genetjc
11:2638-42.
mapplng and role In pathogenesls. Gastroenttrology, 1993; 105:910-22. Marshall, GT, Thirlby, RC, Bredfeldt, JE <1 ai. Treatment of gastrointestinal
Stcne, LC, Honcyman, MC, Hoffenbcrg, EJetai. Rotavirus infeetion frequeney
radiation injury with hyperbaric oxygen. Undersea Hyperb Mtd, 2007;
and ri$!< o f ccliac disease autoimmunity in early ehildhood: a longitudinal
34:35-42.
study. Am J Gastroentorol, 2006; 101:2333-40.
Martins, JF, Kotu, LMS, Kotu, LR. Enterocolite actlnlca. Em: Barbieri, D,
1àck, GJ, Verbcek, WHM, Schreurt, MWJ t1 ai. The spectrum of celiac dise-
Kotze, LMS, Rodrigues, M, Romaldinl, CC, tditoras, At1141izaçdo tm doen-
ase: epidemiology, clinicai aspect.< and treatment. Nat Rev Gastroenttrol
ças díarreicas da criança e do adoltse<nlt. Atheneu, S. Paulo. I' ed., 2010.
Hepatol, 2010; 7:204- 13.
Tanaka, TM, Bonatto, MW, Sagae, UE tt ai. Imagem endoscópiea convencional pp. 569-74.
magnlficada, com e sem cromoscopla, no diagnóstico da do~nça cellaca e
Meric, F, Hi=hl, RB, Mahboubi, S tt a/. Prevention o f radiation enteritis in
duodenitc nodularcom atrofia. GED, 2006; 25(Supl. l):SIOO• l. children, UJing a pelvic mcsh dlng. I hdlatrSurg, 1994; 29:917-21.
Tanure. MG, Silva, IN, Bahia, M ti al. P~ence of ccliac c!Ueasc in Brazllian Po•-edano, A, Neto, JAP. Paulo, FL tt ai. A açio da fibra diet~tica solúvel (ls-
childrcn with type I diabetes mellltus. I Ptdiatr Gastroenterol Nutr, 2006; JHlghula husk) na pr<servaçio da densidade volumttrlea da parede eol6ni-
42:155-9. ca irradiada - estudo -.sperimental em ratos. Rev Bras Caloproctol, 2005;
Theiss, PM, K~. LMS, Utiyarna, SRR tt o/. A broad panel of autoantibodies 25:339-47.
in paticnt.< with cchac discasc and Crohn's disca.sc. J Clín Gasi'Oenterol, Regimbeau, JM, PaniJ, Y, Gouz.i, JL et al. Opentive and long term t<$ults aftcr
2010; 44:309-10. surgery for chronic radlat.lon enterltls. Am I Surg, 2001; 182:752.
Tonu, MI,l..ópa--c:-do. MA, Luque. J <1 al. New advances in codlae disea.se: Waddcll. BE, Rodriguez-Blgaa, MA, Lee, R) <1 aL Pm-ention of chronk ndla-
$C<Wil and intestlnaJ exp~lon ofHLA-G. Inrlmmunol, 2006; 18:713-8. tion cnterltis. IAm Coll Surg, 1999; 189:611-24.
330 Capftulo 30 I Doença Ce/faca e Outros Distúrbios na Absorção de Nutrientes

Pcrafan-Riveros, C. Fran~a. LFS, Alves, ACF, ]A. Acrodcrmatitis cnteropathica1


• Acrodermatite enteropática Case rcport and rcview ofthe líteraturc. Pediatr Dermaw~ 2002; 19:426-31.
Prasad, AS. Jmpact of the discovcry ofhuman zinc dcficiency on health. L Am
Berloli, CJ. Acrodermat.ite enterop:hica. Em: Barbieri, D. Kotze. LMS, Rodri·
Co// Nutr, 2009; 28:257-65.
gues, M, Romaldini, CC, editoras. Atualização em doenças diarreicas da
Radja, N & Charles-Holmes, R. Acrodermatitis enteropathica -lifelong follow-
criança t do adoksctnte. Atheneu, S. Paulo. Ped., 2010. pp. 587-95.
up and zinc monitoring. Clin Exp Dermato~ 2002; 27:62-3.
Campos, JVM. Silva, LMR. Barbieri, O et al. Acrodermatite enteropática (Sín-
Van Wouwe, JP. Clinicai and laboratory diagnosis of acrodermatitis entero-
drome de Danbolt-Closs). Arq Gattroentero~ 1969; 6:173-8.
pathica. Eur f Pediarr, 1989; 149:2-8.
Fraker, P), Klng. LE, Laaks, T et a/. lhe dynamlc llnk between the lntegríty of
Wang. K, Pugh, EW. Griffen, S, Doheny, KF, Mostafa, WZ. ai-Aboosi, MM,
the !mmune system and zlnc status.] Nutr, 2000; 130:13995-14065.
cl-Shanti, H, Gitschíer, ). Homozygosity mapping placcs the Acrodermati-
Gonzales,)R, Boter, MV. Sanchez., )L. lhe histopathology of acrodermatitis
tis cntcropathica gene on chromosomal region 8p24.3. Am I Hum Genet?
enteropathica. Am f Dermatopatho~ 1982; 4:303· 11.
2001; 68:1055-60.
Guimarães, OP & Viana R. Acrodermatite enteropâtica. Apresentação de um
Wang. K, Zhou, B, Kuo, Y-M, Zemansky, ), Gitschier, ). A novel member of a
caso. Pediatria (Rio de janeiro), 1959; 24:352.
únc transportcr family is dcfec.tivc in Acrodcrmatitis entcropathica. Am 1.
Jamall, IS, Ally, KM, Yusuf, S. Acrodermatitis enteropathica: Zinc therapy and
Hum Genet, 2002; 71:66-73.
possible identification of a carrier state th.rough multiple hair z.inc analysis
ovcr thrce decades. Biol Trace Ekm Re.s, 2006 Wmter; 114:93· 106.
Jeejeebhoy. K. Zinc: an essential trace element for parenteral nutrition. Castro·
enterology, 2009; 137(5 SuppL):S1· 12.
• Abetalipoproteinemia
Kotze. L\iS. Diarréias crônicas por alterações na absorção dos nutrientes. Em: Chowers, I, Banin, E. Merin, S et ai. Long-tenn aS;Sessment of combined vitamin
Kotze, LMS. Diarréias Crônicas. Diagn6stico e Tratamento. Rio de Janeiro. A andE treatment for the prevention of retina! degeneration in abetalipopro-
p. 271-313, Medsi, 1992. teinaemia and hypobetalipoproteinaemia patíents. Eye, 2001; 15:525-30.
Kotze, LMS & Kotze, LR. Current concepts in acrodermatitis enterophatica. Crook, M & Swamínathan, R. Lipoprotein composition and serum Lp(a)lipo-
Case report in a brazUian boy. GED, 2010; 29:32-5 protein in hypobetalipoproteinemia.} Clin Pathol, 1995; 48:587-9.
Kury. S. Be:tiau, S, Mois.an, JP. Bases moleculaires de lacrodermatite ent"éropa- Ohashi, K, Ishlbashi, S, Osuga, J ct ai. Novel mutat.ions in the m.icrosomaJ tri-
thíque. MS 2004; 20:1010-2. glyceride tra.nsfer protein gene causing abetalipoprote1nemia. I Upid Re$,
Kury, S, Dreno, B, Bczieau, S, et a/. Jdentification ofSLC39A4, a gene involved 2000; 41:1199-204.
in Acrodermatitis enteropathica. Nat Gen, 2002; 31:239-40. Romaldini, CC. Hipobetalipoproteinemia. Em: Barbieri, D, Kotze, LMS, Ro·
Maverakis, E, Fung. MA, Lyneh, PJ tt ai. Aerodermatítis enteropathica and an drigues., M, Romaldini, CC, editoras, Atualizaf4o em doenças dlarreicaJ da
overview ofz.i.nc metaboHsm. IAm Atad Dermatol, 2007; 56:116-24. criança e do ado!LscenJe. Atheneu, S. Paulo, 1' ed., 201 O. pp. 599-605.
Parra, CA & SmaHk, AV. Percuta.neous absorption ofz.ine acrodermatitis ente- Zamel, R, Khan, R, Pollex, RL et al. Abetalipoproteinemia: two case reports
ropathica. Dermatologtca, 1981; 163:413-6. and literature review. Orphanet f Rar. 00, 2008; 3:19-26.
31 doDoença lmunoproliferativa
Intestino Delgado, Doença
de Whipple e Outros Distúrbios
no Transporte de Nutrientes
Maria de Lourdes de Abreu Ferrari, Aloísio Sales da Cunha e
Lorete Maria da Silva Kotze

• INTRODUÇÃO à mucosa (MALT) intestinal, geralmente com grau de diferen-


ciação celular que os classifica como !infamas de baixo grau,
Os distúrbios pós-entéricos da absorção são decorrentes de mas que podem evoluir, no decorrer da sua história natural,
alterações no transporte de nutrientes após sua adequada di- para !infamas de alto grau. Possuem características epidemio-
gestão e absorção pelos enterócitos. As estruturas da mucosa lógicas marcantes, pois se trata de doenças do adulto jovem,
intestinal envolvidas são a lâmina própria ou córion, os vasos em população de baixo nível socioeconômico e com discreta
linfáticos e sanguíneos e o mesentério. O material absorvido predominância para o sexo masculino. Manifestam-se clinica-
pelas dlulas absortivas permeia os interstícios do estroma re- mente por diarreia crônica, na maioria das vezes associada a
ticular, chega ao córion e, na zona central das vilosidades, onde má abs:orção intestinal, dor abdominal, baqueteamento digital
se encontra a rede de capilares linfáticos e arteriovenosos, é e, ocasiOnalmente, linfadenomegalia periférica. Estes achados
conduzido ao sistema porta ou circulação linfática, por dife- são atribuídos, primariamente, a extensa e difusa infiltração da
rentes mecanismos. mucosa por linfócitos e plasmócitos, principalmente das por-
Tendo a lâmina própria e as estruturas mesenteriais origem ções proximais do intestino delgado e linfonodos mesentéricos.
comum mesenquimal, as bases fisiopatológicas das afecções Estas células, variavelmente, sintetizam uma imunoglobulina
que as comprometem podem ser semelhantes. Ocorrendo ex- anormal, principalmente da classe IgA, que é constituída por
pansão da celularidade no córion, haverá aumento de pressão uma cadeia pesada incompleta e sem cadeias leves. A boa res-
com perturbação do trânsito dos nutrientes, tensão na base dos posta à antibioticoterapia é observada em determinada fase da
enterócitos e bloqueio do seu escoamento pela lâmina própria. doença: Hoje, reconhece-se que a DIPlD foi a primeira neopla-
Sill maligna a responder ao tratamento com antibióticos.
De maneira secundária, o próprio enterócito poderá ser afeta-
do, prejudicando a fase de absorção. Geralmente, ocorre perda
• Epidemiologia
proteica do meio interno para o lúmen intestinal, o que levou
alguns autores a classificarem as afecções com essas caracterís- A real incid~ncia e preval~ncia da DIPID não são conheci-
ticas como enteropatias perdedoras de protelna. das. Não há dúvida de que a doença é observada com maior
Do ponto de vista didático, abordar-se-ão as doenças de frequênàa nos países do Oriente Médio e em áreas do Mediter-
acordo com a topografia do distúrbio ou predominante, ou seja, râneo. No entanto, esse tipo de linfoma intestinal foi reconheci-
na lâmina própria, nos linfáticos e nos linfonodos mesentéricos. do em diferentes regiões do mundo e não apresenta predileção
Salienta-se que, na prática, duas ou mais estruturas anatômicas para determinado grupo racial ou étnico. Existem caracterís-
podem estar comprometidas simultaneamente. ticas comuns às populações mais suscetíveis, caracterizadas
pelo baixo nível socioeconômico associado às más condições
sanitárias e de higiene, situações propícias à alta frequência de
enterites de repetição e à grande prevalência de infecções pa-
• ANOMALIAS DA LÃMINA PRÓPRIA rasitárias. Mesmo nas áreas de maior incidência, a população
desprivilegiada é a que mais sofre com a doença. Estas carac-
• Doença imunoproliferativa do intestino terísticas epidemiológicas são de tal importância que motivou
delgado (DIPID) alguns autores a considerarem a DIPlD como o •câncer do
terceiro mundo".
A Organização Mundial de Saúde recomenda o termo doen- ~doença do adulto jovem, com pico de incidência na segun-
ça imunoproliferativa do intestino delgado (DIPlD), para de- da e terceira décadas de vida. A frequência parece ser semelhan-
sigo~ um espectro de doenças que inclui o linfoma do tipo te em ambos os sexos, embora alguns autores apontem discreta
Med1tem\neo (LTM) e a doença de cadeia alfa pesada (DCAP). predominância para o sexo masculino, na razão de 3:2.
São entidades que se caracterizam por serem linfomas extrano- O Brasil possui condições epidemiológicas semelhan-
dais, com origem nos linfócitos B do tecido linfoide associado tes àquelas observadas nas áreas de maior incidência, porém

331
332 Capftulo 3 7 I Doença lmunoprolíkratlvado Intestino Delgado, Doença de WhippleeOutros Distúrbios no Transporte de Nutrientes

são poucos os casos descritos na literatura nacional Durante maioria dos pacientes. Nas fases iniciais da doença, estas mani-
16 anos, os autores estudaram e acompanharam o perfil epi- festações podem ser intermitentes, alternando-se com períodos
demiológico, clínico e evolutivo de 24 pacientes com DIPID. de melhora espontânea.
Trata-se da maior casuística do Continente Americano e um A dor abdominal é inicialmente descrita como difusa, ou
dos períodos mais longos de acompanhamento de pacientes pode apresentar-se como desconforto epigástrico ou periurn-
registrados na literatura mundial. Dentre as características epi- bilical. A medida que a doença progride, esse sintoma tende
demiológicas avaliadas, os autores observaram que a doença a assumir o caráter de cólica e tornar-se mais intenso e per-
predominou na quinta década. No entanto, os outros aspectos sistente.
mostraram-se semelhantes aos descritos na literatura. A diarreia crônica pode preceder o diagnóstico da doen-
ça por poucos meses ou até anos. No início da doença, tende
• Etfopatogenfa a ser aquosa e, com o evoluir do processo, instala-se o quadro
O mecanismo etiopatogênico da doença permanece desco- de franca má absorção intestinal. Este se caracteriza por um
nhecido, mas sabe-se que existe forte interação entre fatores grande número de evacuações, diurnas e noturnas, chegando,
ambientais e genéticos na sua gênese. em casos extremos, a 30 dejeções diárias, com fezes volumosas
As evidências epidemiológicas associadas à boa resposta à que podem superar 5 kgldia. O aspecto das fezes pode variar de
antibioticoterapia, nas fases iniciais da doença, faum supor que pastosas a líquidas, fétidas, amareladas, de aspecto brilhante e,
antígenos intralurninais, provavelmente, bactérias, vírus e/ou por vezes, com restos alimentares, caracterizando esteatorreia
parasitos, representem potente estímulo proliferativo crônico e ocasionando grande espoliação de água e eletrólitos.
e sustentado ao sistema MALT intestinal. Estes estímulos an- Perda de peso é observada com relativa frequência. Muitas
tigênicos locais parecem ser o gatilho direto para proliferação vezes, é rápida e de grande intensidade, com relato de redução
clonal ou agir de maneira indireta, predispondo os imunócitos ponderai de até 30 kg em curto período de tempo. Astenia,
a estímulos não específicos, que potencializa o efeito oncogêni- anorexia, náuseas e vômitos podem estar presentes em boa por-
co, por exemplo, de certos vírus, à semelhança do que ocorre centagem dos casos.
no linfoma de Burkitt. No entanto, a natureza do agente esti- Devido à natureza neoplásica da DIPID, quadros de obstru-
mulante é desconhecida. ção, perfuração e intussuscepção intestinal podem ser encon-
Estudos genéticos têm demonstrado clara associação da trados com menor frequência, principalmente nas fases mais
doença com antígenos de histocompatibilidade HLA-AW19, tardias, e geralmente associados à presença de massas tumo-
HLA-812 e HLA-A9, assim como translocação dos cromos- rais. A pseudo-obstrução intestinal determinada pela intensa
somos 9 e 14 (D14+q). A ocorrência de DIPID em familiares infiltração linfoide do intestino delgado foi descrita em poucos
de pacientes que residem fora da região de maior incidência, a casos e evolui com períodos de melhora temporária, sem a ne-
maior frequ~ncia da DIPID em indivíduos com grupo sanguí- cessidade de procedimento cirúrgico.
neo Be o nlvel elevado de fosfatase alcalina em membros sadios Dentre os sinais fisicos mais comuns, destaca-se o baque-
da fam.Oia de pacientes com DIPID podem indicar predisposi- tearnento digital, que está presente em uma frequência muito
ção herdada para esta doença. maior do que a observada nas outras doenças do intestino del-
A sequência de eventos que provavelmente explica o de- gado. Sinais de desnutrição e desidratação, alterações distró6cas
senvolvimento da DIPID pode ser compreendida da seguinte da pele caracterizadas pela descamação lamelar, hipercromia
forma: a transformação maligna ocorre em um clone de linfó- e ressecamento, associados à redução da tela subcutânea e ca-
citos do follculo central e/ou zona marginal em resposta à es- quexia. Edema, principalmente de membros inferiores, e ascite
timulação imunoproliferativa crônica. Como resultado, pode são manifestações que se relacionam a enteropatia perdedora
ocorrer o desenvolvimento de células plasmáticas produtoras de proteína, tornando-se mais evidentes naqueles pacientes que
da imunoglobulina anormal, principalmente a cadeia alfa pe- têm obstrução do fluxo da linfa, ao nlvel dos linfonodos me-
sada; entretanto, este fenômeno pode não estar presente em sentéricos. Tetania, sinais de Chvostek e de Trousseau são, por
todos os casos de DIPID. A intensidade do infiltrado das célu- vezes, observados, em especial quando ocorre diarreia muito in-
las plasmáticas na mucosa intestinal e sua redução em resposta tensa, acarretando distúrbios hidreletrolíticos (Figura 31.1).
ao uso de antibióticos fazem supor que as células malignas re- A febre é sinal pouco comum; habitualmente, surge mais
presentadas pelos linfócitos do folículo central são responsivas tardiamente na história natural da doença e tende a ser baixa
aos antígenos luminais, possivelmente bacterianos. A imuno- e intermitente. São raras as descrições de sudorese noturna
globulina anormal é ineficaz na neutralização dos antígenos associada a DIPID.
presentes. Como resultado, mais células plasmáticas chegam à A linfadenomegalia periférica e a hepatomegalia são encon-
mucosa e mascaram os linfócitos malignos do follculo central tradas em urna frequência menor e e.stão, na maioria das vezes,
até o curso final da doença. Estas observações sugerem que associadas à doença de curso mais longo. Esplenomegalia ra-
tanto as células plasmáticas que infiltram a mucosa quanto os ramente é observada. Massas abdominais, que correspondem
linfócitos malignos são formados a partir do mesmo clone ce- ao aumento dos Hnfonodos mesentéricos, podem fazer parte
lular. Desta maneira, parece existir um processo contínuo lin- do quadro cllnico.
foproliferativo, modulado por urna complexa interação entre Amenorreia, alopecia e retardo de crescimento nas crianças
infecção, imunidade e oncogênese, sobre o qual o diagnóstico e nos adolescentes têm re.lação com o tempo e a gravidade da
e tratamento precoces vão interferir de forma significativa na má absorção intestinal. O Quadro 31.1 sumariza as principais
evolução da doença. man.ifestações clinicas.

• Quadro dlnico • Diagnóstico


As manifestações clínicas da DIPID são, em geral, uniformes • EXJJmes dt laboratório
e constantes, diferenciando-se consideravelmente das outras Os exames de laboratório, realizados de forma rotineira, não
formas de linfoma primário do trato gastrintestinal. Dor ab- se constituem em elementos diagnósticos. mas contribuem para
dominal e díarreia crônica são sintomas observados na grande avaliar a repercussão sistêmica da doença.
Capitulo 31 I Doença lmunopraliferativa da Intestino Delgado, Doença de Whipplee Outros Distúrbios no Transporte de Nutrientes 333

Figura 31.1 Pacientes com DIPID estágio B. evidenciando acentuado emagrecimento e desnutrição (A). Em 8, observa-se baqueteamento
digital (arquivo dos autores). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)

---------------T--------------- faixa normal; porém, discreta a moderada leucocitose pode ser


Quadro 31.1 DIPIO- Principaismanifestações clínicas observada, além de, mais raramente, leucopenia. O mielograma
é frequentemente normal.
lnddfnda Casuística dos a utores Esteatorreia é um dos achados laboratoriais mais comuns.
Maniftstaliies clínicas n = 517(%)* n = 24(%) São relatados valores de perda diária de gordura fecal que va·
ria de 6 a 35 g em 24 h. O teste D ( +) xilose mostra geralmente
Oiarreia 464 (83,8) 22 (91 ,7)
excreção reduzida. O nitrogênio fecal pode estar aumentado. O
Dor abdominal 407 (73,5) 21 (87,5)
teste do hidrogênio expirado, utilizando -se lactose como subs-
Perda ponderai 317 (57,2) 23 (95,8)
trato, pode revelar hipolactasia, bem como é observada curva
Vômitos 119 (2 1,5) 9(37,5) plana de tolerância à glicose.
Anorexia 95 (17,1) 8(33,3) A hipoalbuminemia é decorrente da síndrome de má ab-
Febre 81 (14,6) 6(25,0) sorção e da enteropatia perdedora de proteína. Hipoglobuli-
Baqueteamento digital 147 (28,4) 18 (75,0) nema ou aumento das globulinas séricas estão presentes com
Massa abdominal 131 (25,3) 3 (12,5) frequência variável nos diversos estudos. Níveis séricos das
Edema 127 (24,6) 5 (20,8) irnunoglobulinas IgM, lgA e IgG podem ser normais, altos ou
Sinais de desnutrição 86 (16.6) 21 (87,5) baixos. A hipocolesterolemia é outro dado que tem sido en-
Hepatomegalia 29 (5,6) 5 (20,8) contrado em determinado número de pacientes. Níveis eleva-
Linfadenomegalia periférica 28 (5,4) 2 (8,3)
dos de fosfatase alcalina, principalmente da fração intestinal,
Distensão abdominal 28 (5,4) 6(25,0)
são ocasionalmente notados. Dos distúrbios eletrolíticos, hi·
popotassemia, hipomagnesemia e hipocalcemia são os mais
OIPIO - Doença imunoproliferativa do intestino delgado. observados e estão dir etamente relacionados com as perdas
•Dados referentes à revi.sâo da literatura no período de 1961 a 2005. intestinais pela diarreia.
A infecção parasitária intestinal é descrita em aproxima-
damente 33% dos pacientes. Os parasitos mais identificados
são Giardia lamblia, Strongyloides stercoralis e Trichocephalus
trichiurus.
Nas fases iniciais da DIPID, poucas alterações laboratoriais O diagnóstico da DCAP baseia-se na identificação de imu-
estão presentes. Entretanto, com o evoluir do processo, anorma- noglobulina anormal, da classe l gA, que é formada por uma
lidades principalmente associadas a má absorção, perda entérica cadeia pesada incompleta e não tem cadeias leves. Marcador
de elementos e desnutrição tomam-se presentes. considerado específico dessa entidade pode ser identificado no
Anemia, de leve a moderada intensidade, pode ser observada soro, u rina, saliva, secreção intestinal, gástrica e líquido sino·
em até 50% dos pacientes. Deficiência de ácido fólico, de vita- via!, bem como no interior de células linfoplasmocitárias que
mina B,2, níveis séricos baixos de ferro e a anemia de doença infiltram a mucosa intestinal.
crônica são elementos que, agindo de forma isolada ou conco- Na DCAP, a eletroforese das proteínas do soro pode estar
mitante, contribuem para o aparecimento dessa alteração. A normal. Em aproximadamente 50% dos pacientes, algumas
contagem global dos leucócitos habitualmente encontra-se na anormalidades, muitas vezes difíceis de serem identificadas,
334 Capltulo3 7 I Doença lmunoprollferativado lnte5tino Delgado, Doença de Whlpp/ee0utro5 Dlstúrblo5 no Transporte de Nurrlente5

podem estar presentes. Estas se caracterizam por larga faixa suficientes para fornecer uma classificação segura do tipo hls-
de precipitação de protelnas que se estende da região a2 à j32. tológico do linfoma, o que deve ser obtido por meio de outros
Outra alteração é o aumento da <X2 globulina, associado à re- métodos propedêuticos.
dução de albumina e das outras gamaglobulinas. A cadeia alfa
pesada é considerada uma imunoglobulina monoclonal, mas • Métodos de imagem
apresenta heterogenicidade eletroforética, que não pemúte o Os métodos de imagem auxiliam mas não se constituem
aparecimento do pico agudo como observado no traçado ele- exames diagnósticos, uma vez que não existem alterações con-
troforético das outras imunoglobulinas monoclonais. sideradas patognomônicas.
Os métodos utilizados para pesquisar a cadeia alfa pesada A radiografia simples de abdome em onostatismo pode re-
no soro são: imunoeletroforese, com a utilização dos antissoros velar níveis hidroaéreos no intestino delgado e mais raramente
específicos para cadeias pesadas e leves, e imunosseleção, que é nos cólons.
o método mais senslvel e especifico (Figura 31.2}. A pesquisa O estudo morfológico da alças do intestino delgado mostra
da imunoglobulina na mucosa intestinal se faz pela técnica da alterações extensas, difusas e continuas, localizadas principal-
imunoperoxidase. mente no duodeno, jejuno e ileo proximal. A intensidade das
alterações radiológicas, em geral, se correlaciona diretamente
• Endoscopiadigestiva com a gravidade do infiltrado da parede intestinal.
A endoscopia digestiva com visualização de todo o duodeno As alterações radiológicas mais comumente observadas
e das porções iniciais do jejuno constitui-se em exame de grande são:
valor diagnóstico. Cinco padrões endoscópicos são observados 1) segmentação e lloculação do bário, que traduz a presença
na DIPID (Figura 31.3}: de líquido estagnado no interior das alças intestinais. Este
1) pregas da mucosa espessadas pre.sentes de forma isolada; dado é encontrado com maior frequência nos pacientes que
2} padrão nodular, definido pela presença de nódulos de ta- apresentam dilatação de segmentos intestinais;
manhos variados; aqueles maiores que 1 mm foram deno- 2} alargamento e espessamento das pregas da mucosa são ob-
minados de nódulos e os menores de micronódulos; servados em graus que variam de discreta intensidade a um
3} padrão infiltrativo, caracterizado pela redução da motilidade pregueamento grosseiro, simétrico e difuso, que confere um
das paredes intestinais, que não se distenderam à insuflação aspecto bem transversal das pregas da mucosa, caracterlstica
e se apresentaram firmes à pressão da pinça de biopsia; nesta esta mais facilmente observada na presença de dilatação das
região, as pregas da mucosa eram grosseiras e desorganiza- alças intestinais;
das ou estavam ausentes; 3) aspecto nodular é uma consequência da infiltração linfo-
4} padrão ulcerativo, várias úlceras de tamanho e profundidade plasmocitária da lâmina própria, que faz projeção para o
variados; lúmen intestinal. Os nódulos formados podem variar de 2
5} padrão em mosaico. a 3 mm a nodulações grosseiras de 8 a lO mm, com aspec-
to tipo polipoide, que leva a grandes distorções no padrão
Além de fornecer o aspecto endoscópico, a endoscopia di- mucoso normal do intestino delgado;
gestiva alta permite a coleta de fragmentos de mucosa sob visão 4) irregularidades e espiculações na periferia da mucosa intesti-
direta da lesão. As alterações hlstopatológicas da DlPID estão nal conferem à alça intestinal aspecto rendilhado, tipo «papel
localizadas, principalmente, na lâmina própria da mucosa in- rasgado•, semelhante ao observado na retocolite ulcerativa.
testinal. A biopsia das porções distais do duodeno é diagnós- Este aspecto denuncia a presença de ulcerações na mucosa
tica em 8596 dos casos. Entretanto, estes fragmentos não são intestinal;

p
Arco de preclpltaçlo da
cadela gama pesada - MIC

N
lmunoueteçlo ant~g~ma
A B

Figul'lll 31.2 lmunoeletroforese do soro de paciente com OIPID, estágio C. mostrando migração anormal da cadeia alfa pesada (A). Em B.
imunosseleç.lo demonstrando arco de precipitação da cadeia gama pesada do soro de paciente com OIPID (arquivo dos autores). N = normal;
P = paciente. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ
Capitulo 31 I Doença lmunopraliferativa da Intestino Delgado, Doença de Whipplee Outros Distúrbios no Transporte de Nutrientes 335

Figura 31.3 Endoscopia duodenal de paciente com DI PIO, estágio C. A mucosa apresenta-se com nodulações grosseiras e variáveisem ta ma·
nho (arquivo dos autores). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)

5) presença de segmentos estenosados, que podem ser transi· • Característicasanatomopatológicas


tórios ou permanentes; estes últimos, mais observados nas As alterações macroscópicas geralmente se associam ao está-
fases avançadas da doença, constituem-se em alterações que gio evolutivo da doença. Os segmentos intestinais mais acome-
ocorrem em menor frequência; tidos são a segunda, a terceira e a quarta porções do duodeno e
6) dilatação segmentar, às vezes conferindo aspecto aneurismá· jejuno proximaL Nas fases iniciais, as alças intestinais podem ter
tico aos segmentos intestinais, que podem ser periódicos ou o aspecto macroscópico normal, porém, à palpação, percebe-se,
permanentes, tem sido descrita por alguns autores e surge geralmente, textura aumentada. Com o evoluir do processo, as
habitualmente como resultado de uma infiltração maciça da pregas da mucosa tornam-se espessadas e uma difusa nodula.ri-
submucosa intestinal; dade é observada. Posteriormente, ocorre espessamento difuso
7) raramente descrita, mas pode ocorrer a presença de pseu· das paredes intestinais. Lesões ulceradas, perfurações, fistulas
dodivertículos, em geral encontrados nas porções média e enteroentéricas e massas tumorais circunscritas são observadas
distai do intestino delgado. em menor frequência
O tamanho dos linfonodos mesentéricos pode variar do
Presença de nodulações grosseiras, serrilhamento periféri- normal a grandes aglomerados, formando massas volumosas.
co e espiculações das alças intestinais talvez sejam os aspectos O comprometimento de outros linfonodos intra-abdominais,
radiológicos mais característicos. Estes achados, associados ao retroperitoneais, mediastinais e periféricos é menos frequente.
quadro clinico e epidemiológico, constituem-se em forte evi· A infiltração celular pode estar presente no estômago, cólons,
dência diagnóstica. Entretanto, é importante ressaltar que o figado e baço, bem como na tireoide, anel de Waldeyer e me-
estudo radiológico do intestino delgado normal não afasta a dular óssea.
doença (Figura 31.4). Na presença de evidências clinicas, epidemiológicas e labo·
O ultrassom e a tomografia computadorizada de abdome ratoriais, mesmo que o estudo radiológico do intestino delgado
são métodos que auxiliam na avaliação da presença de linfa- seja normal, é mandatória a realização de biopsias do duode-
denomegalias mesentéricas e/ ou retroperitoneais, bem como no distai ou jejuno proximal, para estudo histopatológico da
podem evidenciar massas intestinais; entretanto, apresentam mucosa intestinal, pois as características histológicas desses
pouco valor no estadiamento da doença A ressonância mag- segmentos configuram-se em um dos marcadores de maior
nética é técnica pouco estudada nessa enfermidade. importância no diagnóstico da DIPID.
336 Capftulo31 1 Doença /munoprolrferatlvado Intestino Delgado, Doença de WhippleeOutros Distúrbios no Transporte de Nutrientes

submucosa superficial, enquanto, em outras, invade a muscular


e serosa, levando à perfuração intestinal. As células presente.s
no infiltrado podem invadir e levar à destruição das criptas
intestinais, o que caracteriza a lesão Unfoepitelial, aspecto típi-
co do linfoma MALT. As vilosidades geralmente mostram-se
atrofiadas com enterócitos cuboidais.
O mesmo padrão celular infiltra linfonodos,levando à com-
pleta subversão da arquitetura. No fígado, os espaços portais
podem exibir o mesmo tipo de infiltrado.
Estágio C: o infiltrado celular invade difusamente todas as
camadas da parede intestinal. As células são atípicas, frequen-
temente binucleadas, algumas vezes lembrando as células de
Reed-Sternberg. Os linfonodos vão apresentar infiltração ho-
mogênea, por células com características semelhantes às obser-
vadas no intestino, que levam à subversão total da arquitetura
linfonodal. O f!gado, o baço e a medula óssea podem encontrar-
se infiltrados pelo mesmo padrão celular (Figura 31.5).

• Estadiamento
A adequada classificação dos pacientes com DLPID, dentro
dos três estágios descritos, é necessária e deve ser feita mais
precocemente possível, urna vez que a terapêutíca baseia-se
neste dado, que interfere diretamente no prognóstico da doen-
ça. A maioria dos autores é concordante em afirmar que os
métodos propedêuticos existentes são incapazes de fornecer
um estadiamento adequado. Isso se baseia principalmente nas

Figura 31A Estudo radiológico do Intestino delgado de paciente com


DtPID. Observa-se extenso processo infiltrativo, caracterizado por alar-
g<~mento e d1storçao das preg<~s da mucosa, acometendo o segmento
jejunal {A). Em B, detalhe de A onde se observam áreas de defeito de
enchimento, do tipo nodular, lembrando o aspecto faveolar (arquivo
dos autores).

Com base nas alterações histopatológicas, a DIPID é classi-


ficada em três estágios distintos, que vão orientar a terapêutica
e o prognóstico da doença
Estágio A: caracteriza-se por extensa infiltração da lâmina
própria do intestino delgado por células plasmáticas e/ou lin-
foplasmocitárias de aparência benigna. Esse infiltrado acarreta
distorção das vilosidades, com alterações que vão desde atrofia
parcial a total. As alterações são mais acentuadas no duodeno
e jejuno proximal e mostram paralelismo com o grau de in-
filtração da lâmina própria. Os enterócitos variam de aspecto
semelhante ao normal à forma cuboidal, com núcleo central,
borda em escova pobremente visível e citoplasma eosinofilico.
As criptas têm aspecto morfológico normal. 1?. achado marcante
o distanciamento entre as criptas. Os Unfonodos mesentéricos
exibem infiltrados semelhantes ao descrito na mucosa intesti-
nal, podendo ou não apresentar discreta desorganização arqui-
tetura!. Outros órgãos, como cólon, estômago e fígado, podem
mostrar-se infiltrados pelo mesmo padrão celular.
Estágio B: o infiltrado da lâmina própria é denso e forma-
do por células plasmáticas maduras, que habitualmente se lo-
calizam na superflcie do epitélio e plasmócitos atípicos, que Figura 31 .5 Histologia de paciente com DIPID. estágio C. mostrando
ocupam preferencialmente as camadas mais profundas da mu- acentuada infiltração da la mina própria (A), por linfócitos eplasmócitos
cosa, sobretudo a submucosa e muscular. A profundidade do atípicos (8), determinando alargamento e hipotrofia das vilosidades
infiltrado varia ao longo do intestino. Em algumas áreas, pode intestinais (arquivo dos autores). (Esta f~gura encontra-se reproduzida
permanecer confinado à mucosa, exibindo herniações para a em cores no EncarteJ
Capitulo 3 7 I l>Mnço lmunopro/iferotiva da Intestino Delgodo, l>Mnçade Whlpp/ee Outros Distúrbios no Transporte de N utrientes 337
observações de que as atipias celulares são encontradas inicial- histológicas de infiltração neoplásica. Macroscopicamente, o
mente nas camadas mais profundas da parede intestinal e/ou aspecto pode ser infiltrativo, nodular, polipoide, com lesões,
nos linfonodos mesentéricos, locais inacessíveis aos procedi- às vezes, ulceradas, ou áreas de estenose anular com dilatações
mentos tradicionais de biopsias. Também é reconhecido que aneurismáticas. Predomina o linfoma originário da c~lula B,
existe certo assincronismo das lesões, no que se refere aos graus tipo MALT, principalmente os de baixo grau, com os de alto
de malignidade, que podem variar em segmentos diferentes de grau sendo observados em menor frequência. Clinicamente,
um órgão ou em órgãos diversos, em um mesmo individuo, no manifestam-se principalmente por dor abdominal, hemorragia,
mesmo momento da doença. perfuração intestinal e sintomas obstrutivos. Diarreia com má
Estadiar um paciente é constatar o grau de disseminação absorção intestinal é manifestação rara.
da doença. Assim, vários autores consideram a laparotomia Algumas entidades como a doença celíaca e os estados de
exploradora como o método mais adequado para o correto imunodeficiência, congênitos, adquiridos ou de natureza iatro-
estadiamento dos pacientes. Um protocolo proposto por Ga- gênica, podem mimetízar quadros clínicos e histológicos seme-
lian et al., 1977, foi recomendado pela Organização Mundial lhantes a DIPID e se constituem em diagnósticos diferenciais
de Saúde e tem sido o mais utilizado com essa finalidade e está importantes. Outras doenças intestinais, como espru tropical,
representado no Quadro 31.2 (Figura 31.6). espru refratário, enterite ulcerativa não granulomatosa, doen-
ça de Crohn, hiperplasia nodular linfoide do intestino delgado,
• Diagnóstico diferendal doença de Whipple, s{ndrome de supercrescimento bacteriano
Pacientes que cursam com quadros de di arreia crônica, sín- intestinal e tuberculose intestinal, são entidades dfnicas que,
drome de má absorção intestinal e/ ou uma perda inexplicável também, devem ser levadas em consideração no diagnóstico
de peso requerem avaliação diagnóstica, que frequentemente diferencial da DIPID.
inclui biopsia da mucosa das porções iniciais do intestino del-
gado. A presença de alterações histopatológicas, caracterizadas • Tratamento
pelo aumento do númer o de linfócitos e/ou plasmócitos na A resposta favorável da DIPID aos antibióticos tem sido
lâmina própria que, consequentemente, alteram a arquitetura observada desde as descrições iniciais. A antibioticoterapia é
das vilosidade.s, impõe a necessidade do diagnóstico diferencial, considerada como tratamento de escolha para o estágio A. A
entre uma série de doenças intestinais, que podem apresentar
estas alterações histológicas e que devem ser avaliadas dentro
de um contexto clínico-epidemiológico, associada a uma per-
feita integração entre o clínico e o patologista
e de grande importância no nosso meio que o diagnóstico
diferencial seja feito com os linfomas primários localizados do
intestino delgado, por se tratarem de entidades mais frequentes
no mundo ocidental Geralmente, este não possui distribuição
geográfica ou socioeconômica específica. Tem dois picos de
incidência, sendo mais frequente em crianças com idade infe-
rior a 1Oanos e na quinta e sexta décadas de vida. Possui certa
predominância para o sexo masculino. Uma de suas caracterís-
ticas mais marcantes é manifestar-se através de massa tumoral
definida, única, e em cerca de 20% as lesões podem ser múlti-
plas. O segmento intestinal mais acometido é a região ileocecal,
em 60% dos casos, seguida pelo jejuno em aproximadamente
30% e duodeno em 10% dos pacientes. As áreas do intestino
delgado fora da região do tumor não apresentam evidências

~
Quadro 31.2 Protocolo para estadiamento da DIPID por laparotomia

Ressecçao de posslveis áreas com alterações macroscópicas do Intestino


delgado ou ressecçao de 1Oem de jejuno proxlmal.•
Três blopslas. transmural e em cunha ao longo do Intestino delgado;
uma sempre 1S em acima da válvula ileocecal.
Blopslas de vários llnfonodos mesentérkos, mesmo que
macroscopicamente normais.
Biopsla de llnfonodos aumentados na cavidade abdominal e/ou
retroperit6nio
Biopsia he~tlca
Esplenectomia só nos casos de lesões macroscópicas
Blopsia de crista iliaca
•Arts~«ÇJodos 10an do segmentojejunal pode ser substltuklo por duas blopslas em Rgura 31 .6 Estadiamento cirúrgico de paciente com DI PIO, estágio
cunha e transmutal do mesmo segmento. se as cond~ do J)Klente n3o permitirem B. Em A. observam-se linfonodos mesentéricos muito aumentados e,
este procodlmonto (Galian ttol., 1977). em B. detalhe de A (arquivo dos autores). (Esta figura encontra-se re-
produzida em cores no Encarte.)
338 Capftulo31 I Doença lmunoproliferativado Intestino Delgado, Doença de WhippleeOutros Distdrbios no Transporte de Nutrientes

introdução dessa medicação é acompanhada por acentuada Os esquemas terapêuticos mais utilizados são: CHOP (ci-
melhora da diarreia e síndrome de má absorção intestinal. No clofosfamida, doxirrubicina, vincristina e prednisona), reco-
entanto, no início do tratamento, não é observado paralelismo mendado pela literatura atual; MOPP (mostarda nitrogenada,
entre melhora clínica, histológica ou imunológica. vincristina, procarbazina e prednisona); m-BACOD (meto-
Entre os antibióticos, a tetraciclina, em doses que variam de trexato, bleotnicina, adriamicina, ciclofosfamina, vincristina e
1,0 a 2,0 g ao dia, tem sido a droga de escolha. Não existe con- dexametasona) e COPP. Resultados obtidos com esses esque-
senso por quanto tempo ela deva ser mantida. Alguns autores mas são variados, sendo descritos em média 50% de remissão
recomendam período mínimo de 6 meses, enquanto outros completa e sobrevida em 3 anos de 58 a 64%.
acreditam que o antibiótico deva ser administrado por perío- A literatura tem mostrado que a taxa de sobrevida, em 5 anos,
do de até 2 anos. A quimioterapia antineoplásica, com esque- na análise dos três estágios apresenta variações de 20 a 67%.
ma terapêutico semelhante ao empregado no tratamento dos Abordagem cirúrgica está indicada nos quadros de obstrução
estágios mais avançados, está indicada naqueles pacientes do intestinal por massas tumorais, bem como para diagnóstico e
estágio A, que não respondem à tetraciclina, após 3 a 6 meses estadiamento da doença A radioterapia abdominal estaria in-
de início do tratamento, ou quando a remissão completa não é dicada na presença de disseminação abdominal da doença, com
observada depois de 9 a 12 meses do uso de antibióticos. relatos de remissões. No entanto, é procedimento acompanhado
Outros regimes terapêuticos que usam antibióticos, como de significativa morbidade e efeito terapêutico questionável.
metronidarol, ampicilina e ciprofloxacino, foram utilizados, Naturalmente, em qualquer estágio da doença, o tratamento
porém a experiência com essas drogas é pequena. A taxa de suportivo deve ser realizado. A correção dos distúrbios hidre-
remissão completa da doença no estágio A em resposta à te- letrolíticos, instalação de suporte nutricional, reposição das
traciclina varia de 25 a 70%, com média de 50%. carências vitamínicas e derivados de sangue, melhora o prog-
Os estágios B e C são tratados com quimioterapia anti- nóstico e favorece a resposta ao tratamento.
neoplásica; vários são os esquemas utilizados, sem que exista Na casuística dos autores sumarizada no Quadro 31.3, dos
consenso de qual é mais eficaz. Estudos têm demonstrado que 24 casos estudados, em 18, a avaliação do tratamento pôde ser
esquemas quimioterápicos com antraciclina mostraram-se su- feita de forma satisfatória. Remissão completa foi alcançada em
periores, quando se comparam o tempo de sobrevida livre da 10 (55,5%) pacientes e remissão parcial, em dois (11,1%). Assim,
doença e a taxa de remissão completa. ao término do estudo, com tempo médio de acompanhamento

------------------------T------------------------
Quadro 31.3 Resposta terapêutica, evolução e tempo de acompanhamento de 24 pacientes com doença
imunoproliferativa do intestino delgado. Casuística dos autores
A<ompanhamento
Padentes Tratamento Resposta (meses) Estágio
MIC Tetraciclina Remissão completa 180 A
MFS Tetraciclina Remissão completa 84 A
AR8 Tetraciclina Remissão parcial 120 A
MGS Tetraciclina Perda do seguimento A
GLFC Óbito• 4 A
RAS CHOP Remissão completa 105 8
RLF CHOP-81eo Remissão completa 110 8
SNV CHOP-81eo Remissão completa 99 8
MJ8 CHOP-81eo Perda do seguimento 3 8
AC CHOP-81eo Fracasso terap~utico 57 8
JSF CHOP-81eo Fracasso terap~utico 16 c
LFC CHOP-81eo Remissão completa 72 c
JRP CHOP-81eo Fracasso terap~utico 53 c
APS CHOP-81eo Perda do seguimento 31 c
SDR CHOP-81eo Remissão completa 76 c
MSS CHOP Remissão parcial 36 c
V8A CHOP Perda do seguimento 20 c
NRC CHOP Fracasso terap~utico 4 c
MJF CHOP Sem avaliação 8 c
LAS COP + CHOP-Bieo Remissão completa 196 c
ODS COP + CHOP-81eo Fracasso terap~utico 29 c
MAS Miscelânea Remissão completa 164 c
•Obito não associado a OlPIO.
CHOP- dclofosfamida, vincristina, adriamicina. prednisona; CHOP-81eo - cidofosfamida. vincristina. adriamic.ina.
prednisona. sulfato de bfeomic:ina; COP- cidofosfamida. vincristina. prednisona; Miscel3nea- adriblastina, ciclofosfamida,
citarabina.. bleomicina, vincristina. metotrexato.
Capitulo 31 1 Doença lmunapra/iferotiva da lntrstfna Drlgada, Doença de Whippke Outras Distúrbios no Transporte de Nutrientrs 339

de 66,7 meses, com limites de 1 a 196 meses, 12 (66,6%) pacien- que a sequência do RNA da porção 16S ribossômico do bacilo
tes encontravam-se vivos. O fracasso terapêutico, que resultou mostrava·se altamente constante, ambos os grupos codificaram
em óbito, foi observado em seis (33,3%) casos. A análise da curva o primer e compararam-no com sequências de outras bactérias,
de sobrevida, realizada através do estimador de Kaplan-Meier, evidenciando !ntima relação deste com bactérias gram-positivas
mostrou que todos os óbitos da série em estudo ocorreram antes do grupo dos actinomicetos. A sequência 1.321 presente no
dos 60 meses. A sobrevida encontrada para os casos do estágio primer mostrou-se ser específica para os pacientes com diag-
B foi de 75%, enquanto, para os pacientes do estágio C, foi de nóstico de DW.
55%, após os 5 anos de acompanhamento. Não foi constatado Estabelecidas as relações filogenéticas e a tendência de a
óbito associado à DIPID entre os pacientes do estágio A. doença cursar com má absorção, foi proposta a denominação
de Tropheryma whippelii para o agente etiológico da doença,
que do grego significa trophe nutrição e eryma, barreira.
• Doença de Whipple No ano de 2000, o bacilo de Whipple foi finalmente culti-
vado. Utilizando-se uma linhagem de fibroblastos humanos,
• Introdução sem qualquer meio de cultura específico, foi possível o cultivo
Descrita em 1907 por George Hoyt Whipple, a doença de e isolamento do T. whippelii, além da detecção de anticorpos
Whípple (DW) é afecção sistêmica rara, de etiologia infecciosa, específicos. Assim, como acontece com oMycobacterium leprae,
causada por uma bactéria gram-positiva do grupo dos actino- o Helicobader pylori e espécies de bartonela, o crescimento do
micetos, denominada Tropheryma whippelii. A doença pode T. whippelii é lento, levando aproximadamente 18 dias.
afetar virtualmente qualquer órgão, e o intestino delgado é a A identificação do agente etiológico foi um grande avanço
víscera acometida com maior frequência. Tem curso clínico em direção à melhor compreensão da patogênese da DW. En-
insidioso e manifesta-se principalmente por meio de diarreia, tretanto, muitas questões permanecem ainda sem respostas.
perda de peso, dor abdominal, que muitas vezes é precedida Está bem estabelecido que os diversos tecidos acometidos,
por poliartralgias e poliartrites. O diagnóstico é sugerido pela principalmente a mucosa do intestino delgado, mesmo quando
presença de macrófagos corados pela reação de Schiff, em ma- não existam sintomas re.lacionados com este órgão, estão infil-
terial de biopsia, em geral mucosa jejunal, e confirmado pela trados pelo T. whippelii durante a fase ativa da doença. Como
visualização, por microscopia eletrônica, de um bacilo que tem também, é observada melhora clínica dramática, que ocorre de
a parede celular envolvida por uma membrana, conferindo a ela forma paralela à redução e mesmo desaparecimento do agente
o aspecto trilarninar, ou quando se reconhece a sequência do etiológico dos tecidos após antibioticoterapia eficiente. Estas
RNA da porção 16S ribossômico do agente, através da reação evidências não deixam dúvidas sobre o importante papel do T.
em cadeia da polimerase (PCR). A resposta à antibioticoterapia whippelii na patogênese da doença. No entanto, a existência de
é boa e quase que invariavelmente permanente, levando à cura. organotropismo das diferentes cepas, bem como a via pela qual
Entretanto, quando não tratada, é doença fatal. o T. whippelii penetra no organismo são desconhecidas.
Características individuais, relacionadas com o bospede.iro,
• Epidemiologia também estão implicadas na etiopatogênese. Alguns trabalhos
A raridade da doença dificulta uma precisa avaliação so- têm demonstrado que a doença é três vezes mais frequente entre
bre a sua prevalência. A incidência anual parece ser inferior a os indivíduos com a subclasse I do antígeno de bistocompatibi-
1/1.000.000 habitantes. Acredita-se que não mais de 1.000 ca- lidade HLA-B7. Reconhecem-se possíveis alterações primárias
sos tenham sido descritos na literatura mundial e poucos são nos mecanismos de defesa do individuo suscetível à doença.
os relatos na literatura nacional. Os EUA e a Inglaterra são os Em relação à imunidade humoral, observa-se diminuição
países responsáveis pelo maior número de casos. dos níveis séricos de IgG2, a despeito de os níveis da IgG total
Apesar de não se ter padrão epidemiológico definido, a e a resposta dos anticorpos a agentes específicos estarem pre-
doença parece não ser contagiosa, pois a frequência de pacientes servados na maioria dos pacientes. Na imunidade celular, algu-
com DW na mesma familia ou entre indivíduos que residem mas alterações foram descritas e se caracterizam pelo aumento
em áreas geograficamente próximas é rara. Não há relato de da expressão do CD45RO, que é um marcador de memória
transmissão epidêmica ou inter-humana. Observa-se nítida das células T; ocorre ainda aumento da expressão do CD25 e
predominância na raça branca, e a doença é cinco vezes mais CD58 nas células T, que estão relacionados diretamente com
frequente no sexo masculino. A faixa etária mais acometida está a ativação celular; existência de diminuição da reação de hi-
entre os 45 e 55 anos. A prevalência entre fazendeiros e traba- persensibilidade tipo retardada, como também diminuição da
lhadores ao ar livre parece ser maior. Este dado foi corroborado produção de interleucina 12 (lL-12) e da secreção de interfe-
pelos estudos que evidenciaram a presença do T. whippelii em rona gama (ITF-y).
amostras de material coletado em unidades de tratamento de A diminuição da produção de IL-12 e de ITF-ypelas células
esgoto. Estudos têm demonstrado que o T. whippelii pode estar mononucleares parece assumir papel importante relacionado
presente na saliva, placa dentária, amostras de fezes e espécimes com a presença de granulomas na doença. A lL-12 é media-
de mucosa intestinal de indivíduos sadios. A predisposição ge- dor central na imunidade celular e induz a produção do ITP-y
nética para a DW é discutida, embora nenhum fator de risco pelos linfócitos T tipo 1. Ao mesmo tempo, ocorre diminuição
especifico tenha sido reconhecido. da concentração sérica de IgG2 e consequente associação na for-
mação dos granulomas na DW. O acúmulo de bactérias intactas
• Etiopatogenia ou de seus produtos dentro dos macrófagos por longo perlodo
A despeito da experiência acumulada com a boa resposta de tempo, associado à ausência de dano celular ou à existên-
terapêutica aos antimicrobianos. a etiologia infecciosa da DW cia de pequeno dano celular, reflete diminuição da função dos
sempre foi questionada ao longo dos anos. No entanto, no inicio macrófagos, que se mostram capazes de digerir as bactérias,
da década de 1990, dois grupos distintos identificaram o bacilo mas não de destrui-las. Essa incapacidade funcional dos ma-
de Whipple, até então não cultivado, e utilizaram para isso a crófagos está relacionada com reduzida expressão do CD 11b,
técnica de reação em cadeia da polimerase, PCR. Sabendo-se baixa produção da IL- 12, aumento na liberação da IL-16,
340 Capftulo31 I Doença /munoproliferativado Intestino Delgado, Doença de WhippleeOutros Distdrbios no Transporte de Nutrientes

e redução da apoptose dos macrófagos na mucosa intestinal. artralgia, nesta ordem de frequência. O Quadro 31.4 sumariza
Os níveis séricos da IL-16 e marcadores de apoptose estão re- as manifestações clínicas de casuísticas diferentes, sendo duas
lacionados com a gravidade da doença, e a redução dos níveis de autores brasileiros. Existe certo predomínio das manifesta-
séricos é observada em resposta ao tratamento antirnicrobiano ções gastrintestinais no momento do diagnóstico. Este acha-
eficaz. Estudos têm demonstrado que a inativação da IL-16 por do contrasta-se, em muitos casos, com os sintomas das fases
anticorpos específicos inibe a proliferação do T. whippelii no iniciais da doença, quando acometimento articular, febre, ou
interior dos macrófagos, ressaltando a importância desta cito- mesmo sintomas neurológicos, podem dominar o quadro; en-
cina na replicação da bactéria. tretanto, nessa circunstância, o cliagnóstico é geralmente clifícil
Pacientes com DW apresentam redução da reposta Thl na de ser realizado.
lâmina própria da mucosa intestinal e no tecido periférico, em Os sintomas gastrintestinais não são específicos e se asseme-
especial das células T CD4+ específicas para o T. whippelii. Por lham aos observados em qualquer doença que cursa com má
outro lado, observa-se aumento da reposta Th2, tanto na muco- absorção intestinal. A diarreia geralmente é crônica e reflete o
sa intestinal quanto nos tecidos periféricos. Este desequilíbrio acometimento do intestino delgado; o número de evacuações
da resposta imunológica cria condições favoráveis à replicação varia entre 5 e 10 episóclios por dia. As fezes são aquosas ou
do T. whippelii no interior dos macrófagos. semipastosas, e comumente ocorre importante perda de gor-
A presença de grandes macrófagos, contendo no seu interior dura. Distensão e dor abdominal difusa, associada à anorexia,
os corpúsculos PAS positivos, que infiltram os diversos tecidos são sintomas frequentes. A gravidade da diarreia e o grau da
do organismo, contribui diretamente para os variados sinto- anorexia correlacionam-se cliretamente ao emagrecimento, po-
mas clínicos observados na doença. No intestino delgado, por dendo levar à caquexia. Fadiga e fraqueza estão presentes em
exemplo, a infiltração da lâmina própria determina clistorção grande número de pacientes e, também, resultam da espolia-
da arquitetura das vilosidades, interferindo diretamente com a ção crônica. A consequente perda de albumina, principalmente
absorção intestinal, e é responsável pela diminuição do trans- quando acompanhada de obstrução linfática pelo envolvimento
porte dos nutrimentos para os canais linfáticos de drenagem. de linfonodos mesentéricos, resulta em edema periférico, pre-
Os vasos linfáticos da mucosa e submucosa intestinal podem dominantemente dos membros inferiores e ascite. O sangra-
estar dilatados e, consequentemente, depósitos de gordura são mente intestinal não é comum, mas pode ocorrer sob forma de
observados com certa frequência no meio extracelular da lâ- melena, hematêmese e sangue oculto nas fezes.
mina própria. Tais achados provavelmente refletem a obstru- Entre as manifestações extraintestinais e sistêmicas, a ar-
ção linfática causada pelo aumento de linfonodos e infiltração tralgia, a artrite e a febre são as mais comuns. Os sintomas ar-
celular do mesentério. ticulares são observados em aproximadamente 66% dos pacien-
Como referido, a DW é afecção sistêmica e os outros órgãos tes. A artralgia caracteriza-se pelo envolvimento de pequenas
mais comumente comprometidos são coração, cérebro, fígado, e grandes articulações. 1?. migratória, simétrica e não erosiva.
baço, articulações, pulmões e rins. O T. whippelii está ainda A gravidade varia de paciente para paciente e pode ser acom-
associado a arniloidose secundária, nefropatia por lgA, linfoma panhada de calor e edema, principalmente quando acomete
não Hodgkin e, mais recentemente, a uma forma de sarcoidose joelhos, tornozelos e punhos. Com a progressão da doença, os
na qual os granulomas, a princípio PAS-negativos, contêm, em períodos sem dor diminuem e o paciente evolui com artralgia
sua estrutura, pouquíssimos microrganismos intercelulares que contínua. Pelo fato de não ser erosiva, a deformidade perma-
são observados apenas por microscópicos de alta resolução. nente é rara, diferente do que ocorre na artrite reumatoide.
Artrite axial, sacroilefte e esponclilite ancilosante são formas
• Quadro clínico raras de apresentação da doença. A natureza inespecífica do
A apresentação clínica varia na dependência do sistema aco- quadro articular, na fase inicial, é responsável pelo atraso no
metido. Os principais sintomas são emagrecimento, cliarreia e cliagnóstico. Habitualmente, este não é suspeitado até o surgi-

T
Quadro 31 .4 Doença de Whipple: principais manifestações clínicas

Malzel et ai. Fleming eto/. Ferrarl et o/. Kotze etol. Schneldereto/.•


n = 19 n = 29 n= S n= 4 n = 764
Manifestações dfnlcas
Emagrecimento
'*'
95
'*'
89
'*'
80
'*'
100
'*'
92
Diarreia 78 75 80 100 76
Artralgia 65 82 40 33,3 67
Hipotenslio arterial 70
Dor abdominal 60 80 55
linfadenomegalia 55 54 60 66,6 60
Febre e calafrios 40 54 40 33,3 38
Alterações no SNC*' 43 20

•Dados referentes à revisão de literatura.


..SNC - Sistema nervoso central.
... Não especificado pelo autor.
Capitulo 31 I Doença lmunopraliferativa da Intestino Delgado, Doença de Whipplee Outros Distúrbios no Transporte de N utrientes 341

mente dos sintomas gastrintestinais. A febre normalmente é livres e não dolorosos. Massas abdominais consequentes à lin-
baixa e intermitente, podendo durar vários anos. Com o evoluir fadenomegalia mesentérica podem se constituir em achado do
do processo, a temperatura pode tornar-se mais alta e não raro exame físico. A hepatoesplenomegalia é observada em pequena
assume o caráter remitente. frequência.
O padrão do acometimento do sistema cardiovascular é am- Os sopros cardíacos podem estar associados às lesões val-
plo, pois todas as três camadas do músculo cardíaco, bem como vulares ou se constituem em sopros funcionais, relacionados
as artérias coronárias, podem estar infiltradas pelo T. whippe- com a anemia, que ocorre com relativa frequência. O exame
lii. O paciente pode apre.s entar-se com insuficiência cardíaca das articulações pode revelar sinais flogisticos. O atrito pleu-
congestiva, angina ou pericardite. Lesões valvulares vegetan- ral e/ou pericárdico é observado quando existe acometimento
tes ou perfurativas também podem ocorrer, principalmente destas membranas serosas.
em câmaras esquerdas. Estima-se que 30% dos pacientes com Atenção especial, como monitoramento cuidadoso, deve ser
DW tenham algum tipo de lesão cardíaca No entanto, ape- dada ao paciente após o tratamento, pois o aparecimento de
nas uma pequena parcela é sintomática. O ecocardiograma, alterações neurológicas pode ser os primeiros sinais de recaí-
preferencialmente transesofágico, deve ser realizado de rotina da da doença.
nesses pacientes.
O envolvimento do sistema nervoso central (SNC) é obser- • Diagnóstico
vado em 21 a 43% dos casos. Os sintomas neurológicos podem Muitas das anormalidades laboratoriais encontradas na DW
preceder outras manifestações clínicas ou originar-se junto com são consequência da má absorção intestinal. Anemia é comum
elas. Entretanto, a presença desses sintomas, de forma isolada, e, na maioria das vezes, está associada à deficiência de ferro;
é situação rara. O diagnóstico de recorrência da doença após entretanto, anemia de doença crônica, bem como anemia se-
tratamento clinico aparentemente eficaz pode ser suspeitado cundária à deficiência de ácido fólico e/ou de vitamina B12 tam-
perante os sintomas neurológicos. Virtualmente, qualquer seg- bém podem estar presentes. Leucocitose com neutrofilia são
mento cerebral e da medula espinal pode estar comprometido observadas em 33% dos pacientes, principalmente quando há
pelo T. whippelii. Assim sendo, grande variedade de manifes- febre. A trombocitose é rara.
tações neurológicas se fazem presentes. Os sintomas incluem Esteatorreia, redução da excreção da d( +) xilose e diminui-
demência, com desorientação e perda da memória, cefaleia, ção dos níveis séricos de caroteno e colesterol são frequente-
letargia, que pode progredir até o coma, convulsões, fraqueza mente observadas. Nos pacientes com quadros mais graves de
muscular, alterações no sensório, incoordenação motora, po- diarreia, deve-se atentar para os sintomas relacionados com
lidpsia, parkinsonismo e outros sintomas relacionados com o hipocalcemia, hipopotassemia, hipomagnesemia e hipoalbu-
acometimento dos nervos cranianos, como surdez, disartria, minemia.
diplopia e redução da acuidade visual. Classicamente, a triade O estudo do liquor, nos pacientes que apresentam sintomas
composta por demência, oftalmoplegia e mioclonia é observada neurológicos, pode mostrar aumento do teor proteico, pleoci-
em 33% dos pacientes. Segundo alguns autores, uma anormali- tose e presença de células PAS. Entretanto, estas alterações não
dade de movimento da musculatura ocular denominada mior- são observadas em todos os pacientes.
ritmia oculomastigatória, que se caracteriza por ni.stagrno con- O estudo radiológico contrastado do intestino delgado é
vergente associado à movimentação da mandíbula e da língua, importante para avaliação morfológica do órgão e geralmente
concomitantemente, é suficiente para o diagnóstico de DW. encontra-se alterado. A subversão da arquitetura do relevo mu-
A grande maioria das alterações oftalmológicas é secundá- coso e espessamento das pregas, principalmente localizadas no
ria ao comprometimento do sistema nervoso central, sendo duodeno e jejuno proxirnal, sugerindo doença infiltrativa, são
descritas em 2 a 3% dos pacientes com DW. As mais comuns achados compatíveis com o diagnóstico de DW, mas não espe-
são nistagmo, oftalmoplegia e ptose palpebral, dentre outras. cíficos. São descritas, à esofagogastroduodenoscopia, algumas
Manifestações intraoculares têm sido relatadas com ou sem alterações duodenais como espessamento do pregueamento
envolvimento do sistema nervoso central e incluem uvelte, vi- mucoso, presença de placas amarelo-esbranquiçadas e erosões,
trile, hemorragia vítrea, papiledema e queratite. Em 34 casos de por vezes formando mosaicos e linfangiectasia (Figura 31.7).
acometimento ocular publicados na literatura, apenas quatro Na suspeita de acometimento neurológico, a ressonância
apresentavam lesão ocular exclusiva. nuclear magnética é o método de escolha, pois pode evidenciar
Tosse crônica e dor pleurítica, quando presentes, refletem o áreas de alta densidade em T2. Outros métodos complementa-
acometimento pulmonar da doença Outras manifestações me- res, como o ecocardiograma e a radiografia de tórax, também
nos comuns são hipotensão arterial e sintomas urinários. são úteis na avaliação global do paciente.
As alterações observadas ao exame físico estão diretamente Os manifestações clínicas e laboratoriais induzem a suspeita
relacionadas com a presença e gravidade da má absorção intes- diagnóstica, que deve ser confirmada ou afastada. Para isso, a
tinal, bem como com o acomentimento dos diferentes sistemas. literatura recomenda a combinação de exames considerados
Assim, são observados sinais de emagrecimento, como perda da clássicos com aqueles alternativos, conforme esquematizado
massa muscular, palidez, edemas periféricos e, mais raramente, no Quadro 30.1.
ascite, baqueteamento digital, queilite, glossite, púrpura, au- O intestino delgado está comprometido na maioria dos pa-
mento da pigmentação e descamação lamelar da pele, aumento cientes, desde as fases iniciais da doença, mesmo naqueles ca-
da excitabilidade muscular, chegando, em alguns casos, a teta- sos em que não são observados sintomas relacionados com este
nia causada pela hipocalcemia e alterações na sensibilidade das órgão. A biopsia endoscópica do duodeno ou jejuno proxirnal
extremidades, secundárias à neuropatia periférica. Estes sinais se constitui em procedimento de importância na avaliação da
refletem os mais variados graus de deficiências a que estes pa- doença. Para evitar erros de amostragem, no mínimo cinco
cientes estão sujeitos ao longo de sua enfermidade. fragmentos de mucosa devem ser obtidos.
A linfadenomegalia periférica é observada com relativa fre- A mucosa intestinal revela vários graus de atrofia vilosi-
quência e está presente em algumas séries em 55% dos pacien- tária. As células epiteliais normalmente colunares tornam-se
tes. Os línfonodos apresentam aumento moderado, são firmes, cuboidais, e certo grau de redução da borda em escova pode
342 Capltulo3 7 I Doença lmunoprollferativado lnte5tino Delgado, Doença de Whlpp/ee0utro5 Dlstúrblo5 no Transporte de Nutrlente5

Figura 31.8 Histologia de biopsia jejunal de paciente com doença de


Whipple antes do tratamento. Amucosa jejunalapresenta vilosidades
alargadas, a lâmina própria encontra-se Infiltrada por numerosos ma·
crófagos contendo material PAS positivo e dilatação de vasos linfáticos
(arquivo dos autores). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores
Figura 31.7 Endoscopia digestiva alta de paciente com doença de no Encarte.)
Whipple, mostrando placas amarelo-esbranquiçadas e espessamento
das pregas de mucosa (arquivo dos autores). (Esta figura encontra-se
reproduzida em cores no Encarte.)

estar presente. Na lâmina própria, evidenciam-se macrófagos


aumentados de tamanho, contendo no seu interior grânulos
com material PAS-positivo e negativo na coloração de Ziehl-
Nielsen. Acúmulo de leucócitos polimorfonucleados pode ser
observado. Outros elementos celulares como linfócitos, célu-
las plasmáticas e eosinófilos, são substituidos pelo grande nú-
e
mero de macrófagos. importante salientar que o material de
biopsias do intestino delgado, quando superficial, pode não ser
suficiente para se evidenciarem as células PAS-positivas, pois,
ocasionalmente, estas são encontradas em regiões mais profun-
das da submucosa. Os vasos linfáticos da mucosa e sub mucosa
encontram-se dilatados e, não raro, há gotículas de gordura no
espaço extracelular. A dilatação dos linfáticos e o acúmulo de
gordura, provavelmente, refletem a obstrução linfática causada
pela linfadenomegalia mesentérica (Figura 31.8). Granulomas Figura 31.9 Microscopia eletrônica de mucosa ,~ejunal de paciente
semelhantes aos encontrados na sarcoidose podem estar presen- com doença de Whipple antes do tratamento. Numerosos Trophery-
tes no intestino delgado, linfonodos, figado, pulmão e sinóvia. mo whippefii são vistos entre os elementos celulares da 13mina própria
(arquivo dos autores).
Após tratamento eficaz, a mucosa do intestino delgado tende
a voltar ao normal de forma gradual. O T. whippelii desapa-
rece dos espaços intercelulares, dentro de poucos dias. Em 4 a
8 semanas, apenas organismos degenerados podem ser encon- central. São encontradas também, no interior das células epite-
trados no interior do citoplasma de macrófagos. O número de liais, endoteliais, neutrófilos e macrófagos, que contêm no seu
macrófagos PAS-positivo gradualmente vai reduzindo e ocorre interior os grânulos PAS-positivos (Figura 31.9).
o retorno dos constituintes normais da lâmina própria. Con- A imuno-histoquímica utilizando-se de anticorpos específi-
comitantemente, as vilosidades vão adquirindo sua estrutura cos contra o T. whippelii é exame de grande sensibilidade, capaz
normal. Entretanto, em muitos pacientes, mesmo naqueles que de identificar o T. whippelii em tecidos, nos quais a pesquisa do
evoluem assintomáticos, a aparência histológica da mucosa material PAS foi negativa.
pode manter-se alterada por muitos anos. Este fato faz com A determinação da sequência do RNA da porção 16S ribos-
que o aspecto à microscopia óptica não seja considerado bom sômico do T. whippelii, pela técnica de PCR, é exame de alta
parâmetro para se avaliar resposta terapêutica. sensibilidade e especificidade. A presença de portadores do T.
O estudo do material de biopsia por microscopia eletrônica whippelii, que não desenvolvem a doença, limita seu uso como
mostra a presença de grande quantidade de T. whippelii, que exame de triagem, que deve ser utilizado apenas nos casos com
pode estar presente em qualquer lugar da lâmina própria; en- dinica sugestiva de DW.
tretanto, é mais abundante próximo à superficie absortiva e ao Anticorpos séricos da classe lgG específicos para o T. whip-
redor dos vasos sanguineos. Estas bactérias caracterizam-se por pelii têm sido identificados na maioria dos pacientes com DW.
serem pequenas, medem 0,25 IJ.m de largura por 1 a 2,5 IJ.m de No entanto, tal positividade é observada em 7096 de controles
comprimento e tem a parede celular envolta por membrana, o sadios. Quando comparada à IgG, a imunoglobulina IgM é
que confer a elas o aspecto trila melar, além de um claro nucléolo mais específica. Recentemente, o reconhecimento de alguns
Capitulo 31 I Doença lmunopraliferativa da Intestino Delgado, Doença de Whipplee Outros Distúrbios no Transporte de Nutrientes 343

antígenos do T. whippelii, como as proteínas 84kDA, 134kDA, realizado. Entretanto, deve ser levado em consideração como
60kDA e 68kDA, em poucos pacientes com DW e sua ausência diagnóstico diferencial de uma série de síndromes neurológicas.
em controles sadios, abre a perspectiva futura para seu uso no Recentemente, um maior número de casos com acometimento
diagnóstico da doença. ocular e pulmonar têm sido descritos, o que torna esta afecção
um importante diagnóstico diferencial.
• Diagnóstico diferencial Doença de Crohn, sarcoidose, linfoma difuso do intestino
A DW pode se apresentar por meio de várias manifesta- delgado, doença cel!aca e enteropatia crônica resultante da s!n-
ções clínicas inespecíficas, inclusive aquelas relacionadas com drome de imunodeficiência adquirida são algumas das doenças
o sistema gastrintestinal. Assim, para a suspeição diagnósti- que cursam com má absorção intestinal e que sempre devem
ca precoce da doença, torna-se de fundamental importância ser aventadas na abordagem propedêutica. No entanto, a par-
atenção a determinadas manifestações clínicas, como artralgia, tir do momento em que é reahzada a biopsia intestinal, pou-
que normalmente antecedem as manifestações clínicas asso- cas são as afecções que apresentam corpúsculos PAS-positivos
ciadas aos outros sistemas, por meses ou anos. Nessa situa- nos macrófagos, alterando a arquitetura vilositária do epitélio
ção, a abordagem inicial da doença geralmente é realizada nos intestinal. Esta apresentação histológica pode ser encontra-
ambulatórios de Reumatologia, e a presença, por exemplo, de da em algumas situações, como nos pacientes com síndrome
sacroileltes sorológico-negativas constitui-se em importante de irnunodeficiência adquirida, que desenvolvem infecção in-
diagnóstico diferencial. O mesmo pode ser observado quando testinal pelo complexo Mycobacterium avium-intracelullare.
as alterações neurológicas surgem como manifestações clínicas Nestes casos, a clínica e o padrão histológico são semelhantes;
isoladas, sem haver concomitância das queixas digestivas. Esta entretanto, este complexo cora-se positivamente na pesqui-
é uma situação em que o diagnóstico da DW é difícil de ser sa de bacilo álcool-ácido resistente, o que não é observado na

Testes diagnósticos - clássicos

I Biopsia endoscópica de intestino delgado(> 5 fragmentos) e exame histo4ógico


I
~ ~
I Macrófagos PAS·positivo
I I Macrófagos PAS-negativo
I
! I
+
I PCR ou imuno-histoqufmica
I I
PCR ou imuno-histoquimica
I
l l
I
Um teste
positivo
I I Ambos os testes I
negativos
I Ambos ?.s testes I
pos1bvos
I Só um teste
positivo
li Ambos~ testes I
negalí\los

~ ~
O. Whípple O. Whipple Diagnóstico a

li
Diagnóstico a I I
I
confirmada ser confirmado confirmada
li ser confirmado
IIPossivellocalizaçliol
extraintestinal

Testes diagnósticos - clássicos

I Amostras de teddos de outros órgãos com base nos aspectos clínicos (cérebro, osso, medula óssea,
tecido sinovial, válvula cardfaca. linfonodos). Liquido sinovial, fiquor I
!
I PAS·positivo, PCR ou imuno-histoqulmica
I
! !
I Dois dos três testes positivos
I I Só um teste positivo
I
~
I *
O. Whipple confirmada
I I Diagnóstico a ser confirmado
I
Figura 31.10 Organograma para diagnóstico da doença de Whipple. (ModifiCado de Schneider, T, Moos,V, loddenkemper, C, Marth T, Fenollar,
F, Raoult D. Loncet lnfect. Ois. 2008; 8:179·90.)
344 Capftulo31 I Doença lmunoproliferativado Intestino Delgado, Doença de WhippleeOutros Distdrbios no Transporte de Nutrientes

DW. A macrogamaglobulinemia e a histoplasmose dissemi- Passou-se então a recomendar que o tratamento não deva ser
nada são outras entidades que apresentam quadro histológico feito por período inferior a 12 meses.
semelhante. No entanto, nessas duas afecções, os corpúsculos Não existe consenso sobre o tempo de duração do tratamen-
FAS-positivos localizam-se apenas ao redor dos macrófagos e, to. Aparentemente, esquemas terapêuticos com duração de no
na histoplasmose, o agente corado pelo PAS apresenta-se mais máximo 3 meses estão associados a índices de recaídas maiores.
arredondado. Outro método propedêutico que pode auxiliar Os esquemas mantidos por 12 ou 24 meses associam-se a maior
no diagnóstico diferencial é a eletroforese de proteínas, pois índice de resposta completa, isto é, sem recidivas.
esta apresenta pico monoclonal na macrogamaglobulinemia. O esquema terapêutico recomendado, por vários anos, foi a
Alguns outros microrganismos como Bacillus cereus, Coryne- administração da penicilina G procaína ou penicilina cristalina,
bacterium spp, Histoplasma e Rhodococcus equi, anteriormente na dose de 18 milhões de unidades ao dia, associada a um ami-
denominado Corynebacterium equi, podem ser corados pelo noglicosídio. Classicamente, tem se utilizado a estreptomicina,
ácido periódico de Schi.ff. na dose de 1 g ao dia; entretanto, esta droga pode ser substituída
pela amicacina ou gentamicina. Atualmente, utiliza-se ceftria-
• Tratamento xone 2,0 g ao dia, ou meropeném 3,0 g ao dia, por 14 dias. A
No período de 1907 a 1952, todos os casos publicados evoluí- terapia de manutenção é feita com sulfametoxazol (800 mg) +
ram invariavelmente para o óbito. A introdução dos antibió- trimetoprima (160 mg), 2 vezes/dia. O tempo ideal para se fazer
ticos na abordagem dessa enfermidade foi acompanhada por a terapia de manutenção é questão em aberto. O uso da anti-
mudança radical no curso e prognóstico da doença. Vários anti- bioticoterapia por 2 anos pode não ser suficiente para prevenir
microbianos foram empregados ao longo dos anos; dentre eles, a recaída em alguns pacientes, enquanto outros permanecem
são citados cloranfenicol, tetraciclina, doxiciclina, sulfonamidas livres da doença após 1 ano de tratamento.
e penicilinas, com resultados variáveis. Esquema terapêutico alternativo é a associação da doxici-
Inúmeros trabalhos tentaram padronizar o tratamento com clina 100 mg 2 vezes/dia com a hidroxicloroquina 600 mgldia,
antibióticos, baseando-se na melhora clínica dos pacientes. No por período de 1 a 2 anos.
entanto, a dificuldade de se cultivar o T. whippelii impossibilitou A interferona gama está indicada, nas recaídas, a despeito de
a realização de estudos bacteriológicos in vitro ou in vivo deste antibioticoterapia adequada, terapêutica que só deve ser indica-
m icrorganismo, por vários anos. Este fato associado à falta de da quando não há evidências de lesões inflamatórias no SNC.
estudos prospectivos controlados com maior número de casos O início da antibioticoterapia pode ser acompanhado por
se constituíram em fatores impeditivos para a padronização de manifestações sistêmicas como febre alta. Nessa situação, a
um esquema ideal de tratamento. No manejo destes pacientes, corticoterapia deve ser considerada, principalmente se houver
três questões devem ser levantadas: Qual o tratamento ideal? acometimento do SNC, pois a redução da inflamação local, do
Qual a duração do regime terapêutico? E como o paciente deve edema e do dano endotelial, à semelhança do que ocorre na
ser monitorado? O recente cultivo do T. whippelii pode abrir neurotuberculose, melhora o prognóstico da doença.
caminho para a padronização de um esquema de tratamento O monitoramento clinico e laboratorial dos pacientes após
que forneça ao gastrenterologista maior segurança na aborda- o tratamento é fundamental para confirmação da cura ou no
gem terapêutica. diagnóstico precoce das recidivas.
A partir do trabalho de Keinath et ai., publicado em 1985, A pesquisa de PCR é método de escolha no acompanhamen-
alguns preceitos passaram a nortear a terapêutica da DW. Estes to dos pacientes e mostra-se superior ao estudo histológico. A
autores acompanharam 88 pacientes durante pelo menos 1 ano negativação do PCR em 2 a 6 meses após o início do tratamen-
após o tratamento, ou 2 anos após o diagnóstico. No período to correlaciona-se com evolução clínica favorável. O substrato
de estudo, foram constatados 37 casos de recidivas da doen- tecidual a partir do qual é feita a análise depende da forma de
ça, sendo 16 recidivas clínicas, cinco reumatológicas e apenas apresentação da doença e deve se constituir do mesmo material
uma gastrintestinal (estas recidivas ocorreram até 2 anos após a ser analisado após o tratamento. Habitualmente, recomenda-
o término do tratamento, sendo assim consideradas precoces). se a análise de fragmentos do intestino delgado, combinada com
Já as recidivas observadas no SNC, 13 casos, e cardíacas, dois o estudo do sangue periférico, aumentando-se dessa forma a
pacientes, foram constatadas em um período de tempo superior confiabilidade do resultado dos exames. Nos pacientes com
a 2 anos e chamadas de recidivas tardias. A comparação das doença neurológica, o PCRdo liquor, frequentemente, torna-se
características das recidivas, com os esquemas de tratamento negativo nas duas primeiras semanas de tratamento. No entan-
utilizado, fez com que estes autores chegassem a algumas con- to, poucos pacientes permanecem com PCR positivo, por vários
clusões que hoje sustentam o tratamento da doença. anos, após a terapêutica ter sido descontinuada. A permanên-
No referido trabalho, todos os pacientes que tiveram re- cia do material FAS-positivo em fragmentos de biopsia após o
cidiva tardia a partir do SNC fizeram uso de tetraciclina, que tratamento não indica falha terapêutica e não deve ser utilizada
sabidamente é um antibiótico incapaz de penetrar na barreira na avaliação da resposta antimicrobiana, pois essas alterações
hematencefálica. Acrescido ao fato de que a introdução do sul- podem persistir por mais de 20 anos depois do tratamento.
fametoxazol + trimetoprima aos esquemas terapêuticos, droga,
que têm a capacidade de atravessar a barreira hematencefálica,
foi acompanhada por uma evidente redução do número de re-
• Gastrenteropatia eosinof~ica (ver Capítulo 25)
cidivas a partir do SNC. Assim sendo, o esquema terapêutico
deve basear-se, de preferência, nos antimicrobianos que têm a • ANORMALIDADES DOS VASOS LINFÁTICOS
propriedade de atravessar a barreira hematencefálica, a fim de
evitar a recidiva tardia da doença, pois reconhece-se que o SNC
é importante fonte residual da bactéria, sendo responsável, em
• Linfangiectasia intestinal
parte, pe.las recidivas que ocorrem após 2 anos de tratamento. A drenagem linfática do intestino delgado tem início em
As recidivas precoces foram mais frequentes nos pacientes sub- vaso linfático que ocupa a região central da vilosidade intesti-
metidos ao tratamento por período de tempo inferior a 1 ano. nal. Essa estrutura tem a extremidade voltada para o ápice da
Capitulo 31 I Doença lmunopraliferativa da Intestino Delgado, Doença de Whipplee Outros Distúrbios no Transporte de N utrientes 345

vilosidade e recebe a linfa normal e nutrimentos absorvidos, que


são conduzidos para a rede linfática da lâmina própria, onde
está presente sistema valvular que direciona o curso da linfa.
A linfa da região das criptas também é drenada para a rede da
lâmina própria através dos capilares. Seguem-se a esses ramos
minúsculos vasos, que ultrapassam a museu/a ris mucosae e vão
formar a rede linfática da submucosa. A partir daí, canais linfá-
ticos mais calibrosos, que recebem a linfa proveniente das ou-
tras camadas da parede do intestino delgado, se dirigem para o
ponto de inserção do mesentério, penetram entre os dois folhe-
tos serosos, formando uma grande rede que converge para os
grandes canais na raiz do mesentério, e conduzem a linfa para
a cisterna de Pecquet, que é o ponto inicial do dueto torácico.
Os vasos linfáticos do duodeno seguem, na maioria das vezes,
o trajeto dos vasos até os grupos ganglionares regionais.

-~'
A rede linfática do mesentério é intercalada por um grande
número de linfonodos, que formam o maior agregado de nódu-
los linfoides do organismo e que se tornam maiores e mais nu-
merosos à medida que se aproximam da raiz do mesentério. Figura 31 .11 Unfangiectasia intestinal. Observa-se dilatação de vaso
As linfangiectasias intestinais podem ser caracterizadas linfático e a presença de linfócitos no seu interior (arquivo dos autores).
como enteropatias exsudativas, secundárias a anormalidade (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
do fluxo linfático. A dilatação dos vasos linfáticos resulta em
rompimento desses para o lúmen intestinal, acarretando per-
da proteica, linfopenia, hipoalbuminemia e hipogamaglobuli- ticos ectasiados. A enteroscopia ou cápsula endoscópica está
nemia. Quando o fluxo linfático é alterado por anormalidades indicada na presença de linfangiectasias localizadas, não diag-
congênitas dos vasos, a linfangiectasia é dita primária; caso a nósticas à endoscopia digestiva alta.
dificuldade da drenagem ocorra como consequência de outras O estudo histológico da mucosa intestinal revela vilosidades
afecções, chama-se a linfangiectasia de secundária. !:. o que pode distorcidas, com dilatação dos vasos linfáticos. Há edema na
ser visto, por exemplo, na presença de obstruções inflamató- lâmina própria e submucosa. Macrófagos mais claros e ocasio-
ria ou tumorais, na paracoccidioidomicose e tuberculose com nalmente células multinucleadas são observados permeando
comprometimento linfonodal. Também, nas situações em que a lâmina própria. A microscopia eletrônica, podem ser vistas
existe aumento da pressão venosa central, como na insuficiência gotículas de gordura entre as células epiteliais e no cór ion.
cardíaca congestiva direita ou na pericardite constritiva. O tratamento baseia-se na retirada dos triglicerídios de ca-
A linfangiectasia intestinal primária é doença rara. Geral- deia longa da dieta A redução da pressão exercida pelos qui-
mente, é diagnosticada antes dos 3 anos, mas pode ser obser- lomicros no interior dos vasos linfáticos m inimiza a ruptura
vada em qualquer idade. Possui distribuição semelhante entre dessas estruturas e, consequentemente, a perda entérica de pro-
os sexos. teínas. A suplementação dietética com triglicerídios de cadeia
As principais manifestações clínicas são edema e diarreia, curta está indicada. Nos casos que não respondem às medidas
consequência da má absorção e perda entérica de proteínas. dietéticas iniciais, deve-se instituir o suporte nutricional com
O edema inicialmente pode ser intermitente, para mais tarde nutrição enteral e, em casos graves, a nutrição parenteral torna-
tornar-se constante. Está presente em 95% dos pacientes. Ra- se necessária.
ramente, é assimétrico e pode assumir o caráter de linfedema. Associado aos cuidados dietéticos, o octreotídio, na dose de
Derrame pleural, pericárdico e ascite quilosa são observados em 150-200 flg, 2 vezes/dia ou sua formulação de liberação lenta,
até metade dos casos, durante o evoluir da doença. Esteatorreia, tem se mostrado eficaz na melhora de parâmetros clínicos, la-
distensão abdominal, emagrecimento e anemia são manifesta- boratoriais e histológicos. O uso do ácido tranexâmico, 1 a 3 g
ções que podem estar presentes. ao dia, é preconizado por alguns autores, com melhora parcial
As principais alterações laboratoriais são hipoalbuminemia, das manifestações clínicas.
associada à hipogamaglobulinemia e linfocitopenia. A hipo- A suplementação intravenosa de albumina é tratamento sin-
calcemia em especial é particularmente acentuada. Aumento tomático para redução de quadros graves de edema.
da gordura fecal e alterações dos outros testes que avaliam a O tratamento cirúrgico está restrito a poucos casos de lin-
má absorção estão na dependência do comprometimento in- fangiectasia segmentar localizada no duodeno.
testinal. A perda entérica de proteína pode ser comprovada
através da albumina marcada com o 51 Cr ou dosagem de alfa-
1-antitripsina fecal. • ANORMALIDADES MÚLTIPLAS
A radiografia do intestino delgado most ra áreas nodulares
de defeito de enchimento e aspecto irregular no contorno das
alças jejunais. Alças intestinais dilatadas, com paredes espessa-
• Tuberculose intestinal (ver Capítulo 44)
das, são alterações observadas à tomografia e ao ultrassom de
abdome. A cintigrafia com albumina sérica marcada com 99"'Tc
• Paracoccidioidomicose
pode mostrar perda proteica para o interior da alça intestinal. A paracoccidioidomicose é a micose profunda mais frequen-
A linfocintigrafia periférica é método eficaz para avaliação das te, que ocorre apenas nos países latino-americanos, notada-
alterações da rede dos vasos linfáticos periféricos. mente no Brasil. !:. causada pelo Paracoccidioides brazi/iensis,
A endoscopia digestiva alta, observam-se, no duodeno, le- fungo dismórfico que, à temperatura ambiente, apresenta-se
sões branco-opalescentes, que correspondem aos vasos linfá- sob a forma micelial e a 37•c assume a forma leveduriforme.
346 Capftulo31 I Doença lmunoproliferativado Intestino Delgado, Doença de WhippleeOutros Distdrbios no Transporte de Nutrientes

Parece ter no solo ou nos detritos vegetais o seu habitat natural. Nassar, VH, Salem, PA, Munib, JS et al. Moditerranean abdontinal disease or
immunoproliferative small intestinal disease. Part U: pathological aspects.
E doença sistêrnica, polimórfica, com grande var iabilidade na
Canar, 1978; 11:1340-54.
frequência de diferentes quadros clínicos. Pode assumir duas Price, SK. lmmunoproliferative smaü intestinal disease: a study of 13 cases with
formas principais: a paracoccidioidomicose aguda, tipo juvenil, alpha heavy-chain disease. Hístopathology, 1990; 17:7-17.
ou a paracoccidioidomicose crônica, tipo adulto. Rambaud, JC, Bognel, C, Pros~ A et ai. Cünico-pathological study of a patient
O acometimento do sistema digestivo é observado com with *mcditerranean" rype o f abdominal lymphoma and a new type of Ig.A
abnormaliry (•AJpha c.hain diseau"). Dig"tStion, 1968; 1:321-36.
maior frequência na forma juvenil. Lesão na cavidade oral e Salem, PA, Nassar, VH, Shahid, MJ et a/. Mediterranean abdominal disease
oro faringe são mais frequentes, e as lesões do esôfago, estômago or immunoproliferative small intestinal disea,s e. Part 1: clinicai aspects.
e duodeno são raras. Alguns autores relatam comprometimento Cancer, 1977; 40:2941-7.
intestinal em aproximadamente 80% dos casos. Os segmentos Tabbane. F, Mou.rall, N , cammoun, M, Najjar, T. Results of laparotomy in lm-
intestinais mais acometidos são íleo, ceco e cólon. Dor abdo- munoproliferatlve smaU intestinal disease. Gancer.1988; 61:1699-706.
WHO-Memorandum. Alpha-ehain disease and related smaü intestinallym·
minal, crônica, de localização variável, continua ou em cólica, phoma a mernorandum. Buli World Health Otg-an, 1976; 54:615-24.
associada a alterações no trânsito intestinal, são as queixas mais
comuns. A lesão intestinal parece ser secundária ao comprome-
timento do sistema linfático abdominal e da enterite específica • Doença de Whipple
causada pelo P. braziliensis. A diarreia pode manifestar-se como Durand, DV, Lecomte, C, Cathebras, P et ai. Whipples's disease- clinicai review
sindrome disenteriforme grave, sindrome de má absorção ou of52 cases. Medicine (Baltimore), 1997; 76:170·84.
simular retocolite ulcerativa. A constipação intestinal pode ser Ferrari, MLA & VIlela, E. Doença de Whipple. Em: Castro, LP & Coelho, LGV.
Gastroenterologia. 1' . ed., Rio de janeiro: Editora Modsi, 2004. cap. 71, p.
outra forma de manifestação da doença, podendo complicar- 1209-19.
se com quadros de semiobstrução ou obstrução intestinal, em Ferrari, MLA, Vilela, EG, Faria, LC tt a/. Whipple's disease. Report of five
decorrência de processos estenosantes, bridas ou compressão cases cases 'vith dilferent clinicai features. Rev Inst Mtd Trop São Paulo,
extrínseca. Ao exame fisico, podem-se observar massas palpá- 2001; 43:45·50.
veis, distensão abdominal e peristaltismo visível. Feurle, GE, Junga, NS, Marth, T. Efficacy of ceftriaxone or meropenem as initial
rherapies en whipple's diseau. Gastrotnterology, 2010; 138:478-86.
O diagnóstico é feito por quadro clínico, testes sorológicos Keinath, RD, MerreU, DE, Vlietstra. R, Dobbins, WO. Antibiotic treatment and
e demonstração do fungo em tecidos comprometidos, através relapse in Whipple's disease. Long rerm follow up of88 patients. Gastroen-
de biopsias. O exame radiológico do intestino delgado pode rerology, 1985; 88:1867-73.
demonstrar comprometimento das alças, com estenoses, ul- Kotte, LMS, Carneiro, JH, Parolin, MB, Souza, RCA. Doença de V.'hipple. Relato
de quatro casos. GED, 1990; 9:?3-7.
cerações e áreas de compressão extrínsecas.
Misbah, AS & Mapstone, NP. Whipple's disease revisited. f Clin Palhol, 2000;
O tratamento baseia-se na utilização de drogas sulfamídicas, 53:50·5.
imidazólicos (cetoconazol e itraconazol) e anfotericina B. Olmos, M. Smecuol, E. Maurino, E et ai. Decision analysis: an aid to the diag ..
nosis of wbipple's disease. Aliment Pharmaco11her, 2006; 23:833-40.
Ramzan, NN, Loftrus, E, Bugart, LJ et a/. Diagnosis and monitoring ofWhipple's
disease by polymeraseehain rcaction. Ann Intern Med, 1997; 126:520·7.
• LEITURA RECOMENDADA Raoult, D, Bilg. ML, La Scola, Bet aL Cultivation of the Bacillus of the Whipple's
Disease. N Engl f Med, 2000; 342:620·5.
Schneider, T, Moos, V, Loddenkemper, C et a/. Whipple's disease: new aspocts of
• Doença imunoproliferativa do intestino delgado pathogenesis and treatment. hnp//infection.thelancet.com vol8, 2008.
Ben.Ayed, F, Halphen, T, Najjar, H et ai. Treatment of alpha chain disease. Re· Trier, JS. Whipple's disease. Em: Feldman, M, Scha~im.idt, BF, Sleisenger,
sults of a prospective study in 21 patients by the Tunisian-French Intestinal MH (ods.). Gastrointestinal and Uver disease: pathophysiology, diagnosis,
Lymphoma Study Group. Cancer, 1989; 63:1251·6. managemenr. Philadelphia. Saunders, 1998:1585-92.
Ferrari, MLA. Doença Imunoproliferativa do Intestino Delgado: estudo clinico
prospectivo de casuística. Tese. Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Minas Gerais. 191pp. 2006. • linfangiectasia intestinal
Ferrar i, MLA & Cunha. AS. Doença Imunoprolifcrativa do intestino delgado.
Ben Bouali, A, Armand, P, Barthe, )Peta/. Primary intestinallymphangiectasia
Em: Castro, LP, Coelho, LGV. Gastroenterologia. 1' . ed., Rio de Janeiro: o r Waldmann's disease. Sem Hosp, 1979; 55:1935-40.
Editora Medsi, 2004. cap. 74, p. 1273·91.
Ferrari, MLA & Cunha, AS. Intestino Delgado. Em.: Lopes, M & Laurentys, JM.
Fine, KD & Stone, MJ. Ct-heavy ehain disease Mediterranean lymphoma and
Semiologia Médica. As bases do diagnóstico clinico. 5' ed.• Rio de Janeiro:
immunoproüferative smaü intestinal disease. A review of cünocopathologi-
Livraria e Editora Revinrer Ltda., 2004. cap. 44·. p. 663-88.
cal features, pathogeneses and dilferential diagnosis. Am J Gastroenterol,
Vignes, S & Bellanger, ). Primary inlestinallymphangiectasia (Waldmann's
1999; 94:1139-52. disease). http://www.ojrd.com/oontent/3/1/5, 2008.
Fleming, JL, Weisner, RH, Shorter, RG. \Vhipple's disease: clinicai, biochemical
and histopathological features and assessment of treatment in 29 patlents.
Mayo Clin Proc, 1988; 63:539-51.
Galian, A, Lecestre, MJ, Bognel, C et a/. Pathological study of alpha-chain disease
• Paracoccidioidomicose
with spocial emphasison evolution. Cancer, 1977; 39:2081-101. Brummer, E, Castaneda, E, Restrepo, A. Paracoccidioidomycosis: an update.
lsaacson, PG. Gastrointestinallymphoma. Hum Pathol, 1994; 25:1020·9. Clin Microbiol Rev, 1993; 6:89-117.
lsaacson, PG & Wright, DH. Maügnant lymphoma of mucosa-associated Martinez. R. Manifestações digestivas da paracoccidioidonúcose. Em: Castro.
lymphoid tissue. A distinctive type of B-celllymphoma. Cancer, 1983; LP, Rocha, PRS, Cunha, AS. Tópicos em Gastroenterologia 2. 1' .ed., Rio de
52:1414-6. Janeiro, Modsi, 1991. 483·91.
Khojasteh, A, ~ghshenass, M, Haghighi, P. Current concepts.lmmunoproüfe- Pereira, RM, Bucaretchi, F, Barison, E et ai. Paracoccidioidomycosis in chil-
rativc small intestinal diseasc. A 111third world lcsion~ N Engl I Med. 1983; dren: clinicai presentation, follow-up and outcome. Rev lnst Med Trop Sao
308:1401-5. Paulo, 2004; 46: 127-31.
Ma.izel, H. Ruffin, JM, Dobbins, WO. Whipple's d.isease: a review of 19 pacients Shikanai-Yasuda, MA, Telles Filho, F de Q, Mendes, RP et ai. Consenso em
from one hospital anda review ofthe Literature since 1950. Medkine (Bal- paracocddioidomicose. (Guidellnes for paracoccidioidomycosis). Rev Soe:
timore), 1970,49:175-205. Bra< Med Trop, 2006; 39:297.
MaJik, IA. ImmunoproUferative small intestinal disease. Review of llterature. Travasses, LR, Taborda, CP, Colombo, AL Treatment options for paracoc-
f Pak Mtd As.s~ 1997; 47:215-8. cidioidomycosis and new strategies investigatod. Expert Rev Anti Infect
Martin, IG & Aldoori, MJ. Immunoproliferative smaü intestinal disease: 1her, 2008; 6:251 -62.
Mediterranean lymphoma and alpha heavy ehain disease. Br f Surg, 1994, Vinagre, UM, Metelo, JS, Barrosi, CE.\1. Paracocddioidomicose intestinal. GED,
1:20-4. 2004; 23:241-5.
32 Doença de Crohn Lorete Maria da Silva Kotze, Paulo Gustavo Kotze e Luiz Roberto Kotze

A prevalência da DC parece mais alta em áreas urbanas que


• INTRODUÇÃO nas rurais e nas classes sociais mais elevadas. Uma hipótese
para esta diferença em incidência entre nações desenvolvidas
A doença de Crohn (DC) é uma doença inflamatória trans-
e em desenvolvimento é a de higiene, que sugere pessoas me-
mural e recidivante que pode acometer qualquer segmento do
nos expostas a infecções na infância ou a condições sanitárias
tubo digestório, da boca ao ânus, caracterizada por inflamação
de maior contaminação com organismos "amigos", ou com
desconúnua dos segmentos digestivos acometidos, com formas
organismos que promovem o desenvolvimento de células T;
distintas de manifestações em cada indivíduo (luminal, pene-
ou, ainda, que não desenvolvam repertório imune suficien-
trante ou fistulliante). ~também considerada uma doença sistê-
te porque não experimentaram organismos nocivos. Estes in-
rnica, pois apresenta manifestações extraintestinais que podem divíduos estariam associados a maior incidência de doenças
ou não estar ligadas à atividade da doença digestiva. Desde a imunológicas crônicas, incluindo-se a Dll. No BrasU, não há
sua descrição inicial em 1932, por Crohn, Ginzburg e Oppe- associação com classe social, segundo relatos de diversos au-
nheimer, esta afecção tem se comportado como um verdadeiro
tores em diferentes estados.
enigma para gastroenterologistas e cirurgiões. Com o desen-
volvimento de modernas e minuciosas técnicas laboratoriais,
associadas ao avanço da pesquisa cllnica, novos caminhos fo-
ram percorridos no conhecimento de sua etiopatogenia. Como
• ETIOPATOGENESE
consequência, surgjram novas formas de tratamento clinico e A DC é considerada idiopática, pois não se identificou até o
cirúrgico, com bons resultados no controle da atividade da do- momento um agente patológico específico. Não há dúvida de
ença. Entretanto, apesar desses notáveis avanços, a descoberta que a predisposição genética e os dados epidemiológicos são
de sua cura parece estar muito distante. mais consistentes e relacionados com doença poligênica.

• ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS • Fatores ambientais


Em relação aos fatores ambientais, amamentação, infecções
A retocolite ulcerativa (RCU) e a doença de Crohn (DC) intestinais, higiene, agentes microbianos, dieta, cigarro, ocupa-
são doenças inflamatórias crônicas idiopáticas e heterogêneas, ção, poluição e estresse são os mais comumente citados como
comuns também entre crianças e adolescentes, constituindo envolvidos na DC. Dados cllnicos e experimentais reforçam o
cerca de 25% dos casos de doença inflamatória intestinal (Dil). papel da flora intestinal normal na iniciação ou perpetuação da
Tem havido aumento na incidência da DC, enquanto a RCU inflamação intestinal. Não está claro se um fator ou vários fa-
permanece estável. Explica-se este fato, pelo menos em parte, tores ambientais são necessários para desencadear e/ou manter
pela tendência geral do pediatra em ter alto índice de suspeição a doença (Quadro 32.1).
em pacientes com dor abdominal crônica, ou história familiar Pensa-se que a DII seja o resultado de uma inter-relação
positiva para DII. No adulto, a DC apresenta distribuição bimo- entre um ou mais fatores ambientais em indivíduos genetica-
dal em relação à idade: maior pico entre 20 e 40 anos, e menor mente predispostos. Estudos epidemiológicos sugerem que a
de 60 a 80 anos. Predisposição familiar é, sem dúvida, o fator de DC seja mais encontrada em países industrializados e que seja
risco mais importante para o desenvolvimento da DC. rara nos em desenvolvimento. O consumo de açúcar refinado
Segundo a World Gastroenterology Organizlltion Practice e gorduras polinsaturadas poderia ser uma explicação, mas não
Guidelines (2009), a incidência da DC é < 1/ 100.000 na Ásia e há provas. Ao contrário, sanitarismo precário e exposição o
América do Sul, mas, provavelmente, esteja aumentando. Na parasitos intestinais poderiam influenciar a imunidade intes-
Europa e África do Sul,1 a 2/100.000; 16/100.000 na Nova Zelân- tinal e reduzir a suscetibilidade nos indivíduos geneticamente
dia e Austrália; 14/100.000 no Canadá; e 7/100.000 nos EUA. predispostos. Diagnóstico de novos casos em pacientes que
347
348 Capftulo 32 I Doença de Crohn

T O inicio precoce da DC e sua gravidade podem ser genetica-


Quadro 32.1 Posslveis fatores ambientais envolvidos mente determinados e ligados à suscetibilidade em locus do
na doença de Crohn cromossomo 16. Em 2001, mutações no domínio de oligome-
rização de nucleoúdio (NOD) 2 e recrutamento 15 (CARD) no
Hábito de fumar cromossomo 16 foram os primeiros genes de suscetibilidade
Apendectomla para a DC a ser identificados.
Fatores alimentares (v~ rios)
Ahmad et a/. (2002) foram os primeiros a estabelecer corre-
lação genótipo-fenótipo para a DC. Demonstraram que a pre-
Infecções (antes dos 20 anos)
Mycoboaerium. Pororu~losls disposição para doença do intestino delgado estava associada a
Sarampo alelos variantes NOD2, enquanto pacientes homozigotos para
Gastrintestinais recorrentes NOD2 tinham alto risco relativo para doença isolada no íleo
Ofogas terminal Embora nenhuma correlação fosse encontrada entre
Anti-inOamatórios n&o esterokles
Antibióticos NOD2 e o desenvolvimento de fistulas, correlação significativa
Contraceptivos orais foi encontrada na incidência de cirurgia para doença estenosan-
Estresse te nos pacientes que eram também positivos para NOD2. Até
o presente momento, os polimorfismos associados à DC estão
no gene NOD2/CARD15. Mutações no NOD2 resultam em
diminuição na resposta de ativação de células imunes ao lipo-
polissacarldio, corroborando o papel da responsivídade bacte-
recentemente emigraram de países em desenvolvimento para riana aberrante em pacientes com DC. NOD2 está associada ao
países industrializados pode corroborar tal fato. fenótipo clinico especifico no qual os pacientes são mais jovens
A questão fundamental em relação à patogênese da DC per- no inicio da enfermidade e apresentam a doença no intestino
manece: a resposta inflamatória reflete uma resposta imune delgado, além de predisposição ao desenvolvimento de fibro-
apropriada a um estimulo anormal persistente? Ou uma res- estenose. O NOD2 não é apenas um gene de susceHbilidade: é
posta anormal a mais de um estimulo corriqueiro? também gene modificador de doença, com efeitos fenotlpicos
Ultimamente, o papel das bactérias endógenas e patogê- "dose-dependentes".
nicas no desencadeamento da resposta inflamatória tem sido Alguns genes especlficos podem interagir com os fatores
ressaltado. Vários modelos animais têm sido desenvolvidos. ambientais, incluindo, provavelmente, patógenos bacterianos,
A flora intestinal é diferente conforme as culturas dos países: ou seus produtos, componentes da dieta, infecções na iniancia,
nas que dependem menos de alimentos refinados, os indiví- bem como uma variedade de possibilidades. O problema básico
duos armazenam uma flora rica em bifidobactérias e lactoba- parece ser um estimulo na mucosa intestinal, em um individuo
cilos; nas que adotam dieta mais ocidentalizada, predominam geneticamente predisposto, seguido de uma resposta do sistema
os bacterioides. Tais fatos deram ide ia do uso de terapias pré e imune isenta de autocontrole.
probióticas para os pacientes com Dll. Os probióticos modi- Os estudos iniciais dos genes na Dll se concentraram na
ficariam favoravelmente a flora bacteriana colônica, o estado pesquisa do complexo maior de histocompatibilidade (MHC) e
imunológico e a inflamação, mas estudos randomizados ainda revelaram achados discordantes entre os autores, sugerindo in-
estão em andamento. fluência nas diferenças étnicas entre as diferentes populações.
Eventos perinatais t!m sido associados a alto risco para o O estudo genético também está sendo proposto para cor-
desenvolvimento de Dll, tais como infecção pré-natal da mãe; relação do genótipo com a resposta ao tratamento da DC. No
complicações da gestação como pré-ecllmpsia, ameaça de abor- Japão, um subtipo de HLA, DQA1. 0102 está relacionado com
to e diabetes gestacional; exposição perinatal ao vírus do sa- a DC resistente ao tratamento. Os pacientes com DC não apre-
rampo. sentam tolerância oral à flora autóloga, como ocorre no indi-
víduo normal, e, portanto, estão expostos à inflamação crôni-
• Fatores genéticos ca, pela perpetuação da resposta imune da mucosa ao agente
bacteriano autólogo.
História familiar positiva para RCU ou DC é o fator mais
importante. O risco de descendentes apresentarem Dll é de 1,6
e 5,2%, respectivamente, nas duas doenças. Em descendentes • Avanços genéticos na doença de Crohn
de judeus Askenazi, chega a 1O a 12,6%. A alta concordância Na última década, vários estudos de análise de ligação, segui-
em gêmeos monozigóticos enfatiza este ponto. Além disso, a dos por estudos de análise sistêmica do genoma, demonstraram
associação da DC com outras doenças de caráter genético (es- evidências de polimorlismos genéticos associadas à DC em mui-
pondilite ancilosante, slndrome de Turner etc.) evidencia o tos genes. Esforços conjuntos em vários centros de pesquisa têm
caráter genético. Estudos famil.iares evidenciam famllias em alcançado sucesso na identificação de genes na DC, incluindo
que há casos de RCU e DC, sugerindo que estas duas entidades CARD15 (NOD2): DLG5, SLC22A4 e SLC22A5, CARD4, IL-23R,
podem ter um ou mais genes em comum ou que representem ATGI6Ll, PHOX2B e NCF4. No entanto, nenhum dos /oci des-
pleiomorlismo. tes genes confere risco relativo maior que 2, comprovando que
Fatores genéticos e familiares são mais óbvios em casos que a DC é um distúrbio poligênico complexo, segundo Rioux et
se iniciam antes dos 20 anos de idade. Presumivelmente, em a/. (2007) e Hugot e Jung (2006).
pacientes mais velhos, fatores ambientais desempenham papel A identificação do gene CARD15 (Caspase recruitment do-
importante na patogênese da DC. main-containingprotein 15), em 2001, redirecionou a atenção
Aspectos genéticos podem antecipar dados epidemiológicos: para o importante papel da imunidade inata na DC. A proteína
por exemplo, filhos de pacientes com DC iniciarem a doença CARD15 induz apoptose e a ativação da via de sinalização do
em idade mais precoce. Isso também est.á associado a doença fator de transcrição nuclear kappa beta (NF-!Cj}). O NF-!Cj} de-
mais extensa e estenótica do Oeo, com necessidade de cirurgia. sempenha função importante na manutenção da homeostasia
Copftulo32 I Doençode Crohn 349

da mucosa e também age como mediador nas respostas especi-


ficas a patógenos (Bonen et aL, 2003; Vermeire et a/., 2006; Ba-
.--
Quadro 32.2 Resposta inflamatória eimune na doença de Crohn
mias e Cominelli, 2007). Os principais pollmorfismos do gene
CARD 15 (R702W, G908R e 3020insC) podem ser encontrados Imunidade humoral As~ fraca com doenças autolmunes
(tireoidite de Hashimoto, lfS)
em at~ 3396 dos pacientes com DC nas populações caucasia-
nas. Indivlduos portadores de um destes polimorfismos têm Rara produção de autoanticorpos (anticólon,
pANCA)
um risco aumentado de 2 a 4 vezes para o desenvolvimento da
Imunidade mediada Infiltrado mucoso granulomatoso (predomlnlo
DC, enquanto portadores homozigotos ou heterozigotos com-
porcélulu decélulaT)
postos têm um risco de 20 a 40 vezes. Estudos de análise entre
Aumento da reatividade de células T
os principais polimorfismos do gene CARD15 e manifestações
fenotípicas da DC têm encontrado associação com a idade de Produçlio de cltoclnas Resposta Th 1 (ll-2, IFN, IL· 12, TNF·a)
inicio precoce da doença, localização ileal e forma estenosante, Outras dtocinas: IL- 1,1L-6
conforme Acosta e Pena (2007). IFN = lnterfe<on; IL • lnterlouclnas; pANCA= Anticorpo citoplaS!Ntko perlnudear
A descoberta do gene ATG16Ll (autophagy-related 16-like antineuuófilo; Th • C...,lo T itUlÓiiadora; TNF = Fator de necrow tumoro~ LES • Lúpus
1) salienta a participação da resposta imune inata na DC. Para eritematoSO sistfmico.
Hampe et a/. (2007), a autofagia representa um recurso no res-
tabelecimento da homeostasia diante de vários patógenos e to-
xinas bacterianas e, quando este mecanismo está prejudicado,
a apoptose pode ser desencadeada. cinas pró-inflamatórias: fator de necrose tumoral-a (TNF-a)
Recentemente, as descobertas do gene receptor da inter- e interleucina-12, induzindo resposta Thl.
leucina 23 (1L-23R) e ATG16L1 (autophagy-related 16-/ike 1) As células CD4+ ativadas podem se diferenciar em células
também propiciaram avanços no conhecimento da imunopa- Thl ou Th2, que diferem no tipo de citocinas liberadas e em
togênese da DC e apontaram novos rumos na investigação da sua função. As células Thl produzem grande quantidade de
imunologia da mucosa intestinal. A IL-23 promove, junto com citocinas IL-2 e interferona (IFN-gama), enquanto as células
o TGF-~1 e IL-6, a expansão de células secretoras de IL-17 pró- Th2 produzem IL-4, IL-5 e IL-10. Com a cronicidade do pro-
inflamatórias. Acredita-se que a IL-23 seja responsável pela cesso inflamatório da mucosa intestinal, há progressão em di-
manutenção ou estabilização da resposta Th17 e, junto com reção ao perfil Th 1, caracterizado por aumento significativo de
seu re.c eptor, o IL-23R, são apontados como importante via de IL-2, de IFN-À e de citocinas inflamatórias (IL-1, IL-8, TNF-a).
sinalização na imunopatogênese da DC. Nas lesões crônicas, IFN-y desempenha papel importante ao
Vários estudos populacionais mostram que polimorfismos estimular o macrófago que irá produzir TNF-a, daf a importân-
nos genes CARD15, 1L-23R e ATG16L1 apresentam diferenças cia dos anticorpos anti-TNF-a, que não somente neutralizam
entre os diversos grupos étnicos. Um estudo brasileiro recente, o TNF-a, mas, sobretudo, provocam alise das células que têm
conduzido por Baptista et a/. (2008), avaliando 187 pacientes, o TNF-a em sua superflcie.
crianças e adultos com DC, e 255 controles, todos procedentes Em s(ntese, a hipótese atualmente aceita sugere que indi-
dos estados do Paraná e de São Paulo, confirmou a associação de víduos geneticamente predispostos apresentam resposta imu-
polimorfismos dos genes CARD15 (R702W/3020insC) e IL-23R nológica inadequada na mucosa intestinal perante diferentes
(rs1004819, rsl1209026, e rsl088967) nestes pacientes, mas não estímulos ambientais. Infecções entéricas bacterianas ou virais,
foi encontrada correlação genótipo-fenótipo. toxinas ambientais e drogas anti-inflamatórias não esteroídes
(AINEs) induzem habitualmente à lesão transitória na muco-
sa intestinal. Em individuas normais, com supressão eficiente
• FATORESIMUNOLÓGICOS da cascata imunológica, opera-se rápida resolução do processo
inflamatório, com reparação completa do dano tecidual. Já no
Em relação aos aspectos imuno/6gicos, muitos avanços foram hospedeiro geneticamente suscetível, falha na imunorregula-
obtidos através de estudos com novos anticorpos (monoclonais ção leva à amplificação da resposta inflamatória, resultando em
e polidonais) e tknicas sofisticadas envolvendo elementos celu- inflamação crônica, destruição tecidual, fibrose e, consequen-
lares e mediadores inflamatórios participantes da reação imune temente, ocorrência de danos irreversíveis.
da mucosa intestinal (Quadro 32.2). Com base na compreensão dos mecanismos inflamatórios
A inflamação da mucosa característica da DC é o resultado da lesão, têm-se obtido avanços na estratégia terapêutica.
de uma cascata de eventos iniciados pelo antígeno, ainda in-
determinado. Há possibilidade de que componentes habituais
da flora intestinal possam desencadear ou contribuir pa.r a a • FISIOPATOLOGIA
enfermidade.
O epitélio intestinal pode participar da resposta imune ini- O aumento da permeabilidade intestinal tem sido implicado
cial da mucosa de três formas: na patogênese da DC com consequente aumento da carga de
antígenos pelo sistema imune da mucosa que inicia e perpetua
a) aumentando a permeabilidade e a absorção do antígeno,
a inflamação. Tal fato ocorre no inicio da recaída do paciente
possivelmente de origem bacteriana, intensificando o es-
e pode normalizar após cirurgia, implicando que possa ser um
tímulo imune;
fenômeno secundário à inflamação da mucosa intestinal. No
b) inflamação pela liberação de citocinas, quimiocitocinas,
entanto, permeabilidade aumentada pode estar presente em
e outras substâncias inflamatórias; familiares saudáveis de primeiro grau dos pacientes com DC,
c) atuando como célula apresentadora de antígenos.
permanecendo em discussão se o defeito nos familiares é gene-
O macrófago é a primeira célula a receber o antígeno e o ticamente predeterminado e ocorre na ausência da inflamação
apresenta ao complexo maior de histocompatibilidade (MHC), intestinal. ou representa um estado subclínico da enfermidade,
para a célula CD4+. Os macrófagos ativados elaboram as cito- com inflamação intestinal assintomática.
350 Capftulo32 I Doençode Crohn

A DC pode afetar qualquer área do intestino. Tipicamente, 1. Predisposição genética


há áreas descontinuamente afetadas (lesões em salto). A pri- 2. Inicio ou deflagração
meira anormalidade visível é o aumento dos folículos linfoides 3. Progressão ou perpetuação
com um anel de eritema em volta (sinal do anel vermelho). Isso 4. Regulação
leva à ulceração aftoide que, por sua vez, progride a ulcerações 5. Cicatrização
profundas, fis.surando, com aspecto de •pedra de calçamento",
fibrose, estenose e fistulização. Inflamação e fibrose predispõem O quadro clinico é muito variado, pois depende da duração,
a estenoses intestinais, apresentando-se com sintomas obstru- localização, extensão, atividade da doença, e presença ou não
tivos e perfuração local da parede intestinal, levando à forma- de complicações. Às vezes, especialmente nas fases iniciais da
ção de abscesso. doença, a extensão das lesões é tão pequena que o paciente per-
Na DC a dor abdominal, no início da doença, decorre de manece assintomático e a doença é descoberta acidentalmente;
obstrução funcional, por espasmo e edema, e, posteriormente, ou são tão extensas que provocam intensas manifestaçõe.s cl!-
a obstrução se torna orgânica por fibrose e estenose. O com- nicas. Em algumas crianças, a evolução pode ser muito grave,
prometimento seroso, pela inflamação transmurallesando ter- em forma fulminante, principalmente naquelas com inicio da
minações nervosas, vai intensificar e perpetuar a dor com a doença antes do primeiro ano de vida, nos doentes com grande
evolução da doença. extensão da doença e também nas situações de comprometi-
A inflamação da mucosa, o edema, a fibrose, a obstrução mento extraintestinal.
linfática, quando localizados no intestino delgado, podem pro- A dor abdominal é o sintoma mais comum, geralmente em
vocar diferentes fenfJmenos disabsortivos. A extensão e a locali- caráter de cólica, intensa e mais presente do que na RCUI. Em
zação anatômica da lesão determinam o grau de má absorção, algumas ocasiões, é caracterizada como cólica periumbilical,
assim como a especificidade do nutriente envolvido. Compro- pós-prandial, mas geralmente tende a se localizar em quadrante
metimento do duodeno e jejuno proximalleva à má absorção de inferior direito, devido à grande frequência do comprometi-
folatos, vitaminas, ferro, glicídios e lipídios; comprometimento mento do !leo terminal. O desconforto abdominal tende a se
do íleo distai provoca má absorção de gorduras e de aminoá- iniciar após as refeições em pacientes com envolvimento do
cidos; e comprometimento do !leo terminal, má absorção de intestino delgado, particularmente do íleo terminal. A cólica
vitaminas B12 e de lipídios. aumenta antes da defecação, relacionada com o trânsito do
Depleçtlo de potássio ocorre com certa frequência por falta conteúdo intestinal através do segmento intestinal inflamado
de ingestão e por perda excessiva através das fezes. Hipopotas- e/ou estenosado. A dor abdominal pode acordar o doente du-
semio, acompanhada às vezes de hipomagnesemia, pode ser rante o sono noturno.
observada em alguns pacientes em consequência à hipoalbumi- Em alguns pacientes com comprometimento do trato diges-
nemia, à esteatorreia e à má absorção de vitamina D. tório superior, a dor abdominal pode ser epigástrica, mimeti-
A hipoa/buminemia é frequente e pode ser explicada pela zando doença péptica. Odinofagia, disfagia. pirose e anorexia
ingestão reduzida consequente à anorexia, pela diminuição estão presentes quando há envolvimento do esôfago. A DC de
de s!ntese nos casos com lesões hepáticas, pela má absorção esôfago é rara, menos de 80 casos na literatura, geralmente se
dos aminoácidos e pela perda proteica através do intestino localiza no terço dista!, é sempre sintomática e em geral está
inflamado e ulcerado, que pode ser observado na maioria dos associada ao comprometimento do intestino delgado e grosso.
casos. O trato digestório superior deve sempre ser avaliado nos pa-
A anemia é frequente e múltiplos fatores concorrem para o cientes com queixas digestivas altas.
seu aparecimento. Habitualmente, é do tipo microdtica hipo- Pacientes com envolvimento ileocolônico têm maior risco
crômica por depressão tóxica da medula, pelo processo infla- de formação de flstulas e, frequentemente, apresentam dor em
matório crônico e/ou carência de ferro por ingestão reduzida, quadrante inferior direito e massa abdominal palpável. A dor
e pelas perdas sanguíneas através do intestino inflamado. Even- abdominal pode ainda apresentar-se de forma aguda e acom-
tualmente, pode ser megaloblástica nas lesões extensas do íleo, panhada de febre, simulando quadro de apendicite aguda.
por déficit de vitamina B12• A progressão do processo inflamatório, particularmente do
Esses fenômenos disabsortivos somados à ingestão insufi- intestino delgado, pode resultar em segmentos intestinais este-
ciente de calorias levam ao grande déficit de crescimento, ob- nosados com obstrução intestinal pardal ou total. Tais pacientes
servado em 20 a 30% dos pacientes pediátricos, especificamen- reclamam de dor abdominal tipo cólica progressiva e frequen-
te nos que apresentam comprometimento do jejuno e de íleo temente acompanhada de borborigmos, distensão abdominal e
(Prancha 32.1A). vômito, necessitando de monitoramento clinico, pois há risco
Nas lesões do intestino grosso, ocorre perda de proteínas potencial de perfuração intestinal com formação de abscessos,
por exsudação devido ao processo inflamatório e alteração da peritonite ou flstulas (Prancha 32.2).
função absortiva, especificamente de sódio e água. Deficiência A febre aparece em 20 a 50% dos casos, seja pelo processo
de zinco pode acompanhar esta excessiva perda entérica. inflamatório em si, seja pelas complicações do tipo supurativo
(abscessos, flstulas), podendo ser manifestação única ou pre-
dominante, levando, muitas vezes, à investigação exaustiva de
• QUADRO CL[NICO febre de origem indeterminada.
A diarreia pode acompanhar o sintoma principal (dor ab -
O médico deve incluir na anamnese perguntas sobre mani- dominal), é de intensidade moderada, geralmente intermiten-
festações extraintestinais, distúrbios de humor, recentes pro- te, ocorrendo com maior frequência nos casos de comprome-
blemas médicos ou infecções, história passada de tuberculose, timento difuso do intestino delgado ou isolado do cólon. No
viagens, medicações (antibióticos e AINEs), história familiar de primeiro caso, tem mais características de esteatorreia e, no
011, doença celíaca, câncer colorretal e uso de tabaco. segundo, as fezes, por serem mucossanguinolentas, confundem-
A DC apresenta fases e, nestas, o quadro cl!nico pode ser se com as da RCU. O sangramento reta! na DC, de modo ge-
totalmente diferente (Prancha 32.1). ral, é menos frequente do que na RCU, mas, quando presente,
Capftulo32 I DoençadeCrohn 351

A o

B E

Prancha 32.1 Manifestações clínicas de pacientes com doença de Crohn. A. Déficit de crescimento (12 anos); B. Atraso de desenvolvimento
sexual (17 anos); C. Quadro de oclusão intestinal aguda, diagnóstico de DC; D. Paciente adulta com diarreia crônica e desnutrição, diagnóstico
diferencial com linfoma. Laparotomia sem ressecções; E. Paciente antes e depois de nutrição parenteral total; F. Adolescente com efeitos da
corticoterapia; acne e moon face.
352 Capftulo32 I Doençade Crohn

A D

B E

c F
Prancha 32.2 Lesões perineais na doença de Crohn. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) A. Lesões orificiais graves
com distorção da anatomia anorretal; B. Lesões graves da pele perineal, alterações orificiais. Observar lesões de vasculite na pele das nádegas;
C. Enduração em períneo estendendo-se à região escrotal, com vários orifícios fistvlosos; O. Lesões orificiais, abscesso com orificio drenado
secreção; E. Aumento de volume dos grandes lábios e orificios fistulosos (setas); F. Leucorreia e orifícios fistulosos para períneo e região peri·
neal (setas).
Copltulo32 I DoençodeCrohn 353
traduz comprometimento dos colos. O Quadro 32.3 mostra os A doença perianal (Prancha 32.2) é observada em 15 a 4096
mecanismos e o tratamento para a diarreia na DC. dos pacientes e pode se destacar como a primeira manifestação
A perda de peso pode ser o sintoma inicial da DC. Os me- da OC, segundo Buchmann & Alexander-Willians. A doença
canismos são vários: redução da ingestão de alimentos, perdas perianal pode se apresentar nas seguintes formas:
proteicas para o lúmen intestinal, aumento das necessidades
alimentares não atendidas, estado de catabolismo. A desnutri- a) lesão de pele: maceração, erosão, ulceração e abscessos,
ção cobra um pesado ônus, sobretudo nas crianças. Felizmente, pregas;
algumas dessas alterações podem ser corrigidas com suporte b) lesão do canal anal: fissura, úlcera, estenose com indu-
alimentar adequado (Prancha 32.1, O). ração;
O d éficit de crescimento e o retardo d e maturação sexual c) fistula: baixa (canal anal para a pele), alta (reto para a
ocorrem em cerca de 6 a 5096 dos casos de crianças (Prancha pele), retovaginal.
32.1, A e B). Os distúrbios de crescimento:
a) afetam os pacientes com DC; • Manifestações extraintestinais
b) podem preceder a doença por vários anos;
c) são fáceis de reconhecer; As manifestações extraintestinais da DC são bastante fre-
d) mas ainda não são valorizados; quentes. Muitas se relacionam com exacerbações da afec-
e) são irreversfveis se não tratados a tempo. ção, cedendo quando a doença básica se torna inativa; outras,
uma vez estabelecidas, seguem curso independente e, con-
Sua avaliação pode ser feita pelas curvas de percentis. Tam- forme sua gravidade, podem levar o paciente ao óbito (Qua-
bém a determinação da idade óssea serve para detectar qualquer dro 32.4).
retardo na ossificação (discrepância entre a idade biológica e
Manifestações sistêmicas, como fadiga, febre e emagreci-
a cronológica) ou desmineralização e permite calcular o com-
mento, são notadas na maioria dos pacientes com DC. Pode
primento ósseo esperado.
haver comprometimento de vários órgãos, mas os chamados
Tais efeitos são devidos à desnutrição, por aporte nutricio-
órgãos-alvo costumam ser articulações, pele e mucosas, olhos,
nal insuficiente, uma vez que são revertidos com a recuperação
nutricional e o controle da doença. Tais alterações podem ser figado e rins (Prancha 32.3).
muito sutis no inicio e frequentemente precedem as manifes-
tações gastrintestinais. A corticoterapia e a inflamação crôni-
ca intestinal agravam o déficit de crescimento. O TNF-a pode T
também ser importante mediador da falência de crescimento,
Quadro 32.4 Associações extraintestinais ecomplicações
pois estudos experimentais comprovam seu efeito inibidor di-
reto sobre o condrócito da placa de crescimento. Não há bene- na doença de úohn
ficio com uso de hormônio de crescimento.
Anropatla entero~tlca •
Nas 011, devem ser excluldas outras entidades que causam
déficit de desenvolvimento sexual, tais como retardo constitu- Sacroilefte
cional, doença ceUaca, fibrose clstica, anorexia nervosa, hipo- Espondilíte anquflosante
gonadismo e má nutrição. Na DC, um em cada cinco pacientes C/ubbíng
apresenta distúrbios de maturação puberal que podem prece- Osteoporose'
der claramente o aparecimento de sintomas gastrintestinais Episcletite'
(Prancha 32.1, A e B). Assim, a DCdeve entrar no diagnóstico
Uwfte'
diferencial de puberdade atrasada (cerca de 1,5 ano em meni-
Dermatológicas Eritema nodoso
nas e 1 ano em meninos).
Alguns autores referem aceleração do crescimento e desen- Pioderma gangrenoso
volvimento após ressecções cirúrgicas. Já há relatos após uso Cálculos de ~cldo úrico (pancolite, ileostomia)'
de infliximabe em terapia de manutenção. Cálculos de oxalato (DC lleotermlnal ressecção)'


Pulmona res Alveolite fibrosante
Hepjt icas Ffgado gorduroso
Hepatite crOnlca ativa
Quadro 32.3 Mecanismos etratamento da diarreia na doença de Crohn Hepatite granulomatosa
Cirrose
Mecanismos Tratamento Amiloldose
Inflamação Drogas anti·lnflamatórias Vias biliues Cálculos de colesterol (DC lleotermlnal, ressecçllo)'
Supercresclmento bacterlano Antibióticos Colangite esclerosante
no intestino delgado Colanglocarclnoma
Diarreia por sais biliares Colestiramina Bucais Ulceraçllo aftolde
Deficiência de sais biliares Dieta pobre em gorduras H"matológicu Anemia (Fe. folato. 8 1,)"
Deficiência de lactase Evitar lactose, uso de lactase exógena Trombose venosa e arterial'
Sfndrome do Intestino curto Depende de segmento ressecado Constitucionais Perda de peso"
Ffstula interna Cirurgia Retardo de creidmento..
Relacionada a antiblótlcos Cessar antibióticos ' PiO<> na doença ativa.
Outras afecções Conforme a entidade •Compfoçio mois que ossoóoçio.
354 Capftulo32 I Doençade Crohn

A o

B E

c F
Prancha 32.3 Manifestações extraintestinais da doença de Crohn. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) A. Lesão aftoide
grande e profunda no lábio inferior; B. Acne e lesões na pele da face; C. Aumento de volume dos joelhos, hiperemia. Calor e dor em artrite
reativa; D. Conjuntivite e anemia, com língua despapilada; E. Lesões na pele escrota!; F. Vasculite e eritema nodoso.
Capltulo32 I DoençadeCrohn 355

• Complicações • Exames de fezes


1. Rotina para parasitos, bactérias, vírus
• Hemorragia 2. Clostridium difficile e toxina, pesquisar mesmo na ausên-
~menos comum na DC do que na RCU e é mais por doença cia de uso de antibióticos
no Oeo. Cerca de 5 a 10% dos pacientes com DC têm ulcerações 3. Pesquisa de leucócitos e/ou sangue oculto
no estômago ou duodeno, e, nas crianças, o comprometimento 4. Pesquisar citomegalovirus, principalmente em pacientes
do intestino delgado proximal é mais frequente. com uso de imunossupressores
• Perfuração intestinal; 5. Pesquisa de alfa-1-antitripsina, calprotectina ou lactofer-
• Abscesso intrabdominal; rina para determinar atividade da doença (Capítulo 28)
• Estenoses; A dosagem de alfa-1-antitripsina fecal pode ser útil no con-
• Suboclusão e obstrução intestinal (são as mais frequentes. trole da atividade da doença. pois, como mede a perda proteica
surgem em consequênda de inflamação aguda ou edema. intestinal, a elevação de seus títulos traduz aumento nas fases
ou fibrose crônica); de aumento da permeabilidade intestinal e atividade da doen-
• Fístulas e doença perianal; ça; e sua diminuição reflete acalmia do processo inflamatório
• Megacólon tóxico (relativamente raro, associado a grave intestinal.
estado toxêmico dos pacientes); A determinação da calprotectina fecal também pode ser uti-
• Malignidade (maior risco de câncer de cólon após 8 anos lizada no monitoramento da atividade da DC. A calprotectina
de doença, principalmente com grande úea do cólon
é uma proteína neutrofílica abundante extremamente estável
comprometida. Maior risco conforme duração da DC, nas fezes. Reflete a inflamação intestinal em crianças com DII.
idade precoce de começo, ou história familiar de cân-
cer colorretal. Há também risco aumentado para adeno- Como é um teste simples, segu ro e não invasivo, tem o potencial
de reduzir o número de procedimentos invasivos na criança.
carcinoma do intestino delgado. Colangite esclerosante
primária pode ocorrer na DC e aumenta o risco para Seu nível plasmático aumenta de 5 a 40 vezes em condições in-
colangiocarcinoma; fecciosas/inflamatórias, porém nas fezes a calprotectina pode
• Complicações extraintestinais (Quadro 32.4). ser determinada facilmente por ELISA. As fezes podem ser co-
lhidas em domicilio e entregues no laboratório, repetindo-se o
teste quantas vezes forem necessárias.
Outro teste que pode servir de marcador para se conhecer a
• DIAGNOSTICO atividade da DC é a determinação fecal de lactoferrina, também
Aumento da suspeita clínica pelo pediatra e pelo clínico por ELISA. A lactoferrina é considerada marcador sensível e
das manifestações intestinais e extraintestinais tem diminuído específico da inflamação, tanto para diagnóstico, como para
o intervalo entre sintomas e diagnóstico da DC. Apesar dos monitorar a manutenção, pois seus níveis se correlacionam
avanços tecnológicos, o diagnóstico da DC permanece emi- bem com os escores de atividade e com a PCR.
nentemente clinico.
Diversos autores de centros diferentes afirmam, unanime- • Exames de sangue
mente, que o diagnóstico de DC é feito após grande intervalo I. Hemograma
desde o aparecimento de sintomas e sinais compatíveis com a 2. Eletrólitos
afecção, principalmente em se tratando de crianças e adoles- 3. Proteínas e frações
centes. No Brasil, os dados são semelhantes: l a 6 anos para 4.. Ferritina (pode estar elevada na DC ativa e pode estar nor-
Kotze, Kotze et a/. (2006) e l mh a ll anos para Barbieri et mal mesmo na vigência de deficiência grave de ferro)
al. (2003). 5. Transferrina deve ser feita para avaliar anemia
O diagnóstico da DC ainda depende da experiência clinica 6. Dosagem de vitamina B12
do gastrenterologista, combinada à do endoscopista e do pato- 7. Provas de função hepátíca
logista, através de dados macroscópicos e histológicos do trato 8. HN
gastrintestinal alto e baixo, e exclusão de todas as outras possi- 9. Velocidade de hemossedimentação ou proteína C reativa
bilidades diagnósticas. Como a doença pode ser grave, lembrar ultrassensfvel
que os exames invasivos podem piorar as condições emocionais
dos pacientes e de seus familiares. O hemograma, na fase aguda, mostra leucocitose com des-
História CUnica. Queixa de dor abdominal intensa, noturna vio à esquerda,Jinfopenia, eosinofilia moderada ou acentuada,
e associada a diarreia constituem os dados mais valorizáveis plaquetose. Pode ainda revelar anemia microdtica, enquanto
na anamnese. a anemia megaloblástica é mais rara, mas pode ser observa-
Exame Ffsico. Dados antropométricos e de desenvolvimen- da na DC, por alterações na absorção de vitamina B, 2 no íleo
to sexual relacionados com a idade; dor à palpação principal- terminal.
mente no quadrante inferior direito do abdome com ou sem A hemossedimentação está elevada na fase inicial e se reduz
massa palpável; presença de fissuras, abscessos ou fístula na com o tratamento, sendo um dos indicadores de atividade da
região perianal e lesão perineais são importantes, podendo ser doença, bem como a protefna C reativa (PCR). Entre os pa-
o único achado de exame. cientes tratados com azatioprina ou 6-mercaptopurina. a PCR
ultrassensível parece ser um indicador inflamatório negativo
melhor do que a velocidade de hemossedimentação, segundo
• Exames laboratoriais Bames et ai. (2004).
São utilizados alguns exames laboratoriais habituais com os As alterações das frações proteicas, principalmente a acen-
objetivos de avaliar a atividade, o prognóstico, as manifestações tuada redução da albumina, o aumento da al.fa-2-globulina (su-
hepáticas ou pancreáticas, os fenômenos disabsortivos. o estado postamente sintetizada nos cólons) são muito importantes na
nutricional dos pacientes ou ainda afastar outras doenças. avaliação do prognóstico e prenúncio da recidiva da doença
356 Capftulo32 I DoençadeCrohn

As transaminase.s, afosfatase alcalina, a gama glutamiltrans- A determinação de anticorpos antineutrof!licos citoplasmá-


ferase e a função pancreática com a dosagem da amilase e lipase ticos (pANCA) mostra 82% de sensibilidade e 90% de especi-
séricas podem estar alteradas, traduzindo comprometimen- ficidade para pacientes com RCU. A presença de anticorpos
to hepático e pancreático, mas não têm valor diagnóstico ou anti-Saccharomyces cerevisiae (ASCA) tem sido proposta como
prognóstico. marcador sensível e específico para DC, principalmente se for
O encontro de baixos níveis de ferro e zinco séricos podem em combinação com ANCA negativo. Nos casos de colite in-
ser secundários à pobre ingestão alimentar, perda pela mucosa determinada, tais marcadores parecem de ajuda. Salienta-se
inflamada do intestino ou pelo sangramento intestinal. O cálcio que a positividade de marcadores não implica que se deixe de
e o magnésio podem estar baixos devido à baixa ingestão e/ou submeter o paciente à colonoscopia ou a estudos de imagem.
perda através das células epiteliais descamadas ou de sangra- Considerar, também, que a positividade dos anticorpos é baixa
menta intestinal. em crianças com menos de 5 anos.
Lembrar-se de diagnosticar e/ou p revenir infecções opor - Interessante é o relato de Vasiliauskas et ai. (2000) de que,
tunistas, cada qual por seu método próprio. semelhante a NOD2, a presença de ASCA está associada ao
Vírus: citomegalovirus, vírus Epstein-Barr, hepatite B, her- início precoce da DC. Também, altos títulos de ASCA IgG e
pes simples, influenza, varicela, papilomavirus. IgA estão associados à DC complicada, principalmente com
Bactérias: Clostridium difficile, exclusão de tuberculose. ressecções intestinais. Em oposição, pANCA não se associou à
Teste cutâneo de Mantoux = PPD (no Brasil, positivo doença agressiva. Dubinsky et ai. (2006) demonstraram a alta
> lOmm). probabilidade de doença estenosante em pacientes com NOD2
Fungos: histoplasmose, Pneumocystis jiroveci (carinii) e ASCA. Tais estudos permanecem ao nfvel de investigação e
ainda não são totalmente empregados na rotina.
• Novasmodalidades diagnósticas Em conclusão, os testes sorológicos dão suporte clínico para
A utilização de outros métodos não invasivos tem sido es- diagnóstico e categorização de pacientes com DI! e podem ser
tudada como rastreamento para o diagnóstico. O método mais de valor na tomada de decisões terapêuticas. Novos estudos
utilizado é a cintigra.fia com leucócitos marcados com Tc99, que são necessários com o objetivo de alcançar novos marcadores
se mostrou útil em crianças na avaliação da locali2ação e de- diagnósticos sensíveis e específicos para cada uma das doenças,
terminação da intensidade da lesão quando comparado com a relacioná-los à atividade e extensão da enfermidade e predição
radiologia e a colonoscopia, mas não define detalhes anatõmi- das manifestações extraintestinais, ou complicações.
cos como estenoses, dilatação pré-estenótica ou flstula, como
o faz o enema opaco.
• Exames de imagem
• Testes sorológicos específicos (ASCA/pANCA) Minimizar o uso da radiologia convencional devido ao po-
Perinuclear antineutrophil cytoplasmic autoantibodies tencial risco de irradiação para o desenvolvimento de maligni-
(pANCA) tem sido reconhecido como bom marcador de RCU. dade.
Anticorpos para epítopos oligomanosídicos do fungo Saccha- Têm muita importãncia a determinção da idade óssea (raios
romyce.s cerevisiae (Se) (ASCA) são novos marcadores para DC. X de punhos) em crianças e a densitometria óssea (DEXA) em
Ambos estão implicados no diagnóstico diferencial entre as todas as idades, pois revelam comprometimento do metabo-
duas entidades. A combinação dos dois pode ajudar nesta di- lismo do cálcio (Prancha 32.4, F).
ferenciação. São testes realizados por técnicas padronizadas de A rotina de raios X simples de abdome (em pé, deitado e
imunofluorescência indireta (ANCA) e ELISA (ASCA). em decúbito lateral com raios horizontais) é essencial se hou-
A presença de ASCA em pacientes com DC está associada a ver suspeita de obstrução intestinal. Pode delinear presença
comprometimento do intestino delgado. As evidências sugerem e extensão da colite, diagnóstico de obstrução ou perfuração,
que, assim como o pANCA, a expressão de ASCA não seja um oclusão de megacólon tóxico. Litíase urinária ou da vesícula
epifenõmeno de agressão intestinal (alteração da permeabili- biliar pode ser detectada.
dade), e, sim, um reflexo de resposta específica imunomediada Raios X contrastados não são recomendados em casos gra-
pela mucosa. ves. O exame contrastado do esôfago, estômago e duodeno
O ASCA é marcador altamente específico para DC e é mais pode revelar algum sinal de espessamento da mucosa ou estrei-
frequentemente expresso em pacientes com DC de início preco- tamento da luz nos casos suspeitos de DC.
ce (até 70%) do que com inicio tardio (25% dos pacientes com O trânsito intestinal, com estudo detalhado do íleo terminal
DC iniciada após os 40 anos de idade). Já que os antígenos se/f sob fluoroscopia, é de importância central no diagnóstico da DC
não reagem com o ASCA, este marcador imune sérico não é do intestino proximal ao íleo terminal, mostrando estenoses,
considerado um autoanticorpo. ulcerações e fistulizações. O comprometimento do intestino
O teste ASCA positivo em familiares de pacientes com DC delgado está presente em mais de 90% dos pacientes com DC
sugere que seja um ma.r cador subcünico da afecção. Mas, se (Prancha 32.4, A e B).
reflete fatores ambientais ou genéticos, ou a combinação de O estudo radiológico através do enema opaco, convencional
ambos, ainda não se sabe. ou de duplo contraste, está contraindicado na fase aguda, pelo
Baseado em estudos e observações, pode-se concluir que risco de perfuração ou dilatação (megacólon tóxico). Pode ser
o ASCA e o pANCA provavelmente não são marcadores má- totalmente normal em casos leves ou apresentar redução das
gicos para o diagnóstico da DI!. Além disso, a prevalência do haustrações, contraste disposto como vidro fosco ao longo do
ASCA na população saudável estudada está ao redor de 10%, cólon, em espículas e irregularidade no contorno do cólon, na
e eles também podem estar presentes em outras doenças au- presença de microulcerações. Algumas vezes, podem ser en-
toimunes. Na doença celfaca, o ASCA pode ser detectado em contradas imagens de aspectos muito irregulares pela presen-
porcentagem elevada, pois surge em afecções com alterações ça simultânea de ulcerações e de formações de pseudopólipos,
da permeabilidade intestinal, não só na DC. Kotze et ai. (20 10) sinais de espessamento da mucosa, ulcerações, pseudopólipos
demonstraram estar elevado nos familiares de celfacos. e estreitamento do lúmen intestinal (Prancha 32.4, E) e, ou-
Capftulo32 I DoençadeCrohn 357

SCAN DATE: 0 1.07.971

L2-L4 Comparison to Reference


1.48 I
1.24 I
BMD
(g/cm') 1.00
0.76
•,..._....__
,-- --

20 40 60 80 100
AGE (years)

BMD (g/cm')1 0.916 :!: 0.0 1


% YOUNG ADULT2 74 :!: 3
% AG E MATCHE03 78 :!: 3
F

Prancha 32.4 Exames radiológicos e de imagem na doença de Crohn. A. Padrão disabsortivo do intestino delgado, com síndrome de má
absorção intestinal; B. Lesões estenosantes no fleo terminal; C. Ultrassonografia abdominal mostrando espessamento das alças intestinais;
D. Comprometimento do jejuno em paciente já operado, tendo desenvolvido ffstulas internas; E. Lesão em cólon ascendente; F. Densitometria
óssea de paciente em uso crônico de corticosteroides, denotando necessidade de atenção para metabolismo do cálcio.
358 Capftulo32 I DoençadeCrohn

tras vezes, dilatações de alças e trajetos fistulosos. As lesões são Enterografia por TC ou RM mostra detalhes da morfologia
descontínuas na DC, descritas como lesões em salto. das alças intestinais e faz melhor avaliação do processo infla-
Outros exames de imagem são muito úteis não só para ava- matório e do grau de fibrose, além de analisar estenoses com
liação, mas também para drenagem percutânea de coleções maior sensibilidade.
localizadas. Colangiorressonância quando há evidência de colestase.
A ultrassonografia (US) pode ser útil na identificação de
espessamento da mucosa intestinal (Prancha 32.4, C) e presen- • Exames endoscópicos
ça de adenomegalia e liquido na cavidade abdominal. ~ eco-
O exame endoscópico é de suma importância no diagnóstico
nômica, largamente disponível, não envolve radiação e avalia e acompanhamento evolutivo da DC, inclusive com obtenção
complicações periviscerais e extraintestinais. Soma-se a isso a
de fragmentos de mucosa para exame histopatológico.
possibilidade de se conhecer a atividade da doença ao se moni- Enteroscopia de duplo balão ou vídeo push enteroscopyé uti-
torar o volume do fluxo na artéria mesentérica superior. lizada para acessar áreas do intestino delgado altamente suspei-
A ultrassonografia endorretal é útil no caso de fístulas, mas tas, quando outras modalidades diagnósticas foram negativas,
restrita devido à dor. ou para atingir áreas estenosadas para dilatação com o balão.
A tomografia computadorizada de abdome (TC) pode de- A enteroscopia tem sido indicada na localização de sangra-
finir precisamente a anatomia de fistulas e cavidades na DC; mento digestivo proveniente do intestino delgado quando ou-
ou ser útil para identificar abscesso ou linfoma. ~uma técnica tros métodos diagnósticos falham. Também pode ser indicada
rápida, bastante disponível, bem tolerada e que permite com- para estudo de afecções, inclusive no diagnóstico da DC. A tole-
pleta avaliação do cólon quando a endoscopia é incompleta. rância é boa e não são relatadas complicações. Tem a vantagem
Contudo, associa-se à grande exposição de radiação ionizan- de permitir biopsias. Entretanto, poucos centros dispõem de
te. Ambas, US e CT, são cada vez mais usadas para identificar aparelhos e profissionais treinados para este método. Assim, a
anormalidades intrínsecas da parede abdominal, como áreas de colonoscopia, com estudo de todos os segmentos dos cólons e
espessamento ou aderências das alças intestinais. reto, e possibilitando visualização da válvula ileocecal e do íleo
A ressonância magnética {RM) não requer radiação ioni- terminal, tem sido o exame endoscópico de escolha (Prancha
zante, dá excelente contraste dos tecidos moles e pode ofertar 32.5, B e C). Está indicada na falta de resposta à terapia habi-
imagens sequenciais. Consequentemente, é superior à US na tual, quando se pretende afastar citomegalovirus em pacientes
identificação de fistulas e estenoses, e na localização de segmen- crônicos em uso de imunossupressores, e para verificar colite
tos afetados, principalmente no intestino delgado proximal. O por Clostridium difficile em exames duvidosos.
uso de contraste com gadolinio, endovenoso, melhora a técnica As úlceras são as alterações endoscópicas mais frequentes,
e permite separar doença da mucosa (RCU) da doença trans- com tamanhos e formas variáveis, recobertas por fibrina, bor-
mural (DC), além de identificar comprometimento do intestino dos elevados, limites nítidos, sendo poupada a mucosa entre
delgado proximal. Há excelente concordância com o diagnós- as lesões. Podem localizar-se em todos os segmentos do trato
tico histológico (sensibilidade 96% e especificidade 90%). Pode digestivo, da boca ao ânus, sendo mais frequentes, porém, em
ser usada para se conhecer a atividade da DC, pois se correla- cólon e íleo terminal, preservando o reto na grande maioria das
ciona com o índice de atividade (COAI= Crohn 's Disease Acti- vezes. Os casos crônicos, de longa duração, podem apresentar
vity Index). ~um exame que permite escanear todo o abdome mucosa espessada, com aspecto em "paralelepípedo", associada
dentro de um curto período de tempo. ~ particularmente útil a estenoses segmentares únicas ou múltiplas, fístulas comple-
na detecção de fístulas e estenoses. Em relação a abscessos, Ma- xas (peritoneais, perineais e retovaginais) de dificil controle
ruyama et a/. (2000) relatam sua utilidade na diferenciação de clínico-endoscópico.
abscessos isquirretais e pelvirretais. Permite visualizar infiltra- Endoscopia virtual do intestino delgado e colonoscopia
ção do tecido adiposo e espessamentos significativos na parede virtual não mostraram grande vantagem, mas podem ser úteis
intestinal, ambos fatores evidentes de processo inflamatório em casos de estenoses, principalmente se intransponíveis aos
agudo. Outra vantagem do método é a de permitir localizar colonoscópios.
"zonas quentes", isto é, áreas de inflamação particularmente • Cápsula endoS<ópica (CE)
graves, em atividade da DC. Como não requer radiação ioni-
Recentemente, foi introduzida na prática médica a cápsu-
zante, é indicada para casos em que há necessidade de repetições la endosc6pica (wireless capsule-enteroscopy = WCE) que vem
do exame, principalmente em crianças e adolescentes. contribuindo de maneira significativa para o esclarecimento de
Assche et a/. (2003) desenvolveram score para determinação afecções comprometendo o intestino delgado. Na DC fornece
da gravidade da DC perianal através da RM: informação sobre o tipo de lesões e a extensão da enfermida-
• Número de trajetos fistulosos: nenhum, único sem ramos, de, principalmente em casos de difícil diagnóstico pelos outros
ou ramificado, múltiplos; métodos. Entretanto, salienta-se a importância da realização
• Localização: extra ou interesfinctérico, transesfinctérico, prévia de um trânsito intestinal a fim de se evitar a retenção da
supraesfinctérico; CE em áreas de estenose. Já está disponível para crianças e tem
• Extensão: infraelevador ou supraelevador; se tornado a modalidade di agnóstica de escolha para pacientes
• Hiperintensidade em imagens T2: ausente, discreta, pro- com suspeita de DC no intestino delgado proximal.
nunciada;
• Coleções (cavidades> 3 mm de diâmetro): ausentes ou • Indicações na OC
presentes; • avaliação do envolvimento do intestino delgado em pa-
cientes com DII e colite isolada;
• Comprometimento reta!: normal ou espessado.
• determinação da extensão da DC do intestino delgado;
De acordo com o tratamento com infliximabe ou cirur- • suspeita diagnóstica de DC;
gia, comparações podem ser feitas para tomada de novas de- • seguimento dos pacientes com DC;
cisões. monitoramento do tratamento.
Capfrulo32 I DoençadeCrohn 359
• Vantagens da doença são marcados por glândulas distorcidas e ramífica-
• potencial de visibilizar diretame.nte toda a superficie mu- das e a presença de metaplasia das células de Paneth no cólon.
cosa do intestino delgado; A criptite (neutrófilos dentro do epitélio) e abscessos crlpticos
• capacidade de detectar lesões superficiais sutis, evidentes (neutrófilos na luz da glândula), assim como a redução da mu-
ou não em radiografias tradicionais com contraste ou fora cina, estão presentes em menor proporção do que na RCUI. A
do alcance dos endoscópios tradicionais; mucosa entre as áreas afetadas pode mostrar infiltrado linfo-
• menor invasividade que a endoscopia tradicional; plasmocitário na parte profunda da lâmina própria. A DC ati-
• ausência de sedação ou anestesia; va é caracterizada por infiltrado de neutrófilos e monócitos no
• aceitação geral pelos pacientes; epitélio intestinal e na lâmina própria, na superficie exsudato
• 60.000 imagens geradas em cada exame, compactadas fibrinoleucocitário, abscessos crlpticos e agregados de linfoi-
em um vfdeo! des ao longo dos linfáticos em toda a espessura do epitélio. São
também observadas vasculites e hiperplasia e hipertrofia dos
• Desvantagem plexos neurais autônomos. Os granulomas epitelioides, não
A desvantagem é que, infelizmente, não permite coleta de caseosos, algumas vezes contendo células gigantes multinu-
fragmentos para estudo histológico. cleadas, são encontrados em cerca de 25% dos casos de pa-
As lesões que podem ser observadas são (Prancha 32.5, D): cientes investigados com biopsias colonoscópicas; e em 60%
• aftas mucosas, constituídas por áreas de mucosa erite- dos com ressecção cirúrgica intestinal (Figura 32.1, B). Embora
matosa com zona central esbranquiçada; não essenciais para o diagnóstico, quando presentes são con-
• placas eritematosas e/ou despapiladas, focais; siderados como marcadores histológicos para o diagnóstico
• erosões; definitivo e diferencial entre a DC e a RCUI. Com marcadores
• úlceras lineares ou irregulares; imunológicos utilizando o anticorpo monoclonal CD68, mar-
• fissuras. cador de todos os tipos de macrófagos, observou-se que este
facilita o encontro dos rnicrogranulomas. Há risco aumentado
Na população infantil, em que cerca de 85% dos casos apre- de câncer em áreas cronicamente inflamadas da mucosa do in-
sentam comprometimento do intestino delgado, podendo cur- testino delgado, colorreta.l ou anorretal.
sar com sintomas inespecíficos, que provocam atraso de desen- Infere-se que os achados histológicos têm maior valor pre-
volvimento ponderoestatural, a CE é de muita utilidade. Além ditivo do que os achados endoscópicos no diagnóstico de DC
disso, este grupo etário tem baixa tolerância a procedimentos do trato digestório superior, o que signífica que a biopsia é
invasivos, e a CE é bem tolerada. O único problema pode ser obrigatória nas endoscopias altas dos pacientes.
a ingestão da cápsula.
Colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPER)
pode ser útil na suspeita de colestase e/ou colangite.
• COMPORTAMENTO BIOLÓGICO
• Exame anatomopatológico Quanto ao comportamento biológico, há subgrupos de pa-
cientes com:
O comprometimento histológico gastroduodenal ocorre em
mais de um terço dos pacientes, exclusivamente no delgado em • forma fibroestenosante (não perfurante);
30 a 35%, no íleo terminal e em alguns segmentos do cólon, • forma fistulizante (perfurante);
principalmente no ascendente, em 50 a 60%; e a doença limitada • forma inflamatória.
ao cólon em 10 a 15% das crianças e adolescentes.

• Aspectos macroscópicos • Alterações totais da parede do intestino


Nos locais do intestino afetado, observa-se o envolvimen- A partir de peças cirúrgicas, observam-se úlceras cicatriza-
to total da parede, com hiperemia e depósito de exsudato no das causando distorção da arquitetura, proliferação do tecido
peritônio víscera!, com aspecto rugoso e nodular, propician- conjuntivo e fibrose da submucosa e muscular da mucosa. Na
do ader~ncia entre as alças, entre estas e outras vfsce.ras e até submucosa, pode-se observar dilatação de linfáticos. Toda a
com a parede abdominaL Em fases mais avançadas da doen- extensão da parede intestinal apresentará, à microscopia, infil-
ça, toda a parede e, em especial, a válvula ileocecal tornam-se trado inflamatório rico em plasmócitos, linfócitos, macrófagos,
fibróticas, espessadas e rígidas. A lesão da mucosa é represen- mastócitos, eosinófilos e neutrófilos.
tada por úlceras aftoides que se unem, aumentando de tama-
nho, formando lesões irregulares e serpiginosas, intercaladas • Acúmulo de gordura no mesentério na OC
com áreas normais, chamadas de "lesões em salto". A muco-
sa preservada, mas com edema, entre as áreas com úlceras, Em peças cirúrgicas de portadores da DC, encontra-se es-
pode apresentar aspecto polipoide, chamado de pseudopólipo, pessamento e endurecimento da borda mesentérica com hiper-
podendo também estar presentes os pólipos inflamatórios. O trofia significativa do tecido adiposo. Tais acúmulos aparecem
conjunto de achados: úlceras aftoides, ulcerações serpigino- também à TC e à RM. Constitui uma "característica" da DC
sas, edema, ulcerações lineares (aspecto em "cobblestonej e (Figura 32.1, A).
os pseudopólipos são importantes para o diagnóstico de DC A origem desta gordura excessiva é desconhecida. Não apa-
(Figura 32.1, A). rece em pacientes obesos. Ao contrário, os acúmulos ocorrem
mais frequentemente em pessoas com índice de massa cor-
• Aspectos microscópicos poral normal e parecem ser consequência, a longo prazo, de
As alterações epiteliais variam de discretas a intensas, ao inflamação crônica. Podem ser uma expressão da interação
lado de áreas de processo reparativo. Os sinais de cronicidade entre tecido adiposo e mediadores da resposta imune. Parece
360 Capftulo 32 I Doença de Crohn

A B

Prancha 32.5 Imagens endoscópicas na doença de Crohn. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) A. Endoscopia diges·
tiva alta com lesões no antro gástrico. B. Lesão aftoide em válvula ileocecal. C. Colonoscopia mostrando lesões "em pedra de calçamento~
O. Imagens obtidas pela cápsula endoscópica: Lesões aftoides de pequena monta em intestino delgado.
Copftulo 32 I Doença de Crohn 361

Figura 32.1 Patologia na doença de Crohn. A. Peça cirúrgica com mucosa tipo pedra de calçamento. Notar espessamento da parede por
intensa fibrose e a gordura em serosa. B. Exame histológico demonstrando granuloma não caseoso. (Esta f.gura encontra-se reproduzida em
cores no Encarte.)

provável que os adipócitos sejam importantes no sistema • DIAGNOSTICO DIFERENCIAL


imune, possivelmente produzindo citocinas, particularmente
TNF-alfa. Antes de submeter o paciente a métodos invasivos, des-
cartar causas infecciosas e parasitárias!
Devido às va.riadas manifestações clínicas da DC, muitas
• COMPARAÇÃO DE MÉTODOS DIAGNÓSTICOS afecções podem ser aventadas no diagnóstico diferencial:
• A CE é mais precisa na detecção de lesões mucosas, en· a) Afecções i/eocecais: Jleítes agudas, adenites mesentéricas,
quanto a TC mostra patologia intra e extraluminal. hiperplasia nodular linfoide, linfossarcoma, tuberculose,
• Comparando a CE com os testes sorológicos pANCA yersiniose. Entretanto, a apendicite aguda é a situação
IgG, ASCA IgA e IgG, eles não foram capazes de predizer mais frequentemente confundida. Tem importãncia, pois
os achados da cápsula, que foram superiores. o índice de fistulização é elevado quando se procede à
• A CE permite diagnosticar lesões mais precoces que as ressecção do ap~ndice;
tradicionais. b) Doenças cólicas: RCU, disenteria bacteriana ou parasitá-
• A co/i te indeterminada aparece entre 10 e 23% dos casos ria, tuberculose, slndrome do intestino irritável;
de DII. Os estudos sorológicos com pANCA e ASCA po- c) AfecçiJes psicogênicas: Anorexia nervosa;
dem ser úteis na diferenciação entre RCU e DC, mas estes d) Doenças febris: Febre de origem indeterminada, bruce-
pacientes tendem a ser negativos para ambos os testes. lose, colagenoses;
Tem-se utilizado gamagrafia com leucócitos marcados e e) Doenças endócrinas: Retardo de crescimento in explicado,
enterotomografia computadorizada para tentar diferen- hipopituitarismo;
ciação, mas tais métodos não estão disponíveis em todos f) Distúrbios do trato digest6rio superior: Gastrenterites,
os centros. A CE pode identificar cerca de 61% dos casos doença cellaca, insuficiência pancreática, úlcera péptica,
de DC com lesões no intestino delgado nestes pacientes
jejunoileltes agudas;
com implicações terapêuticas importantes. g) AfecçiJes geniturinárias: Infecção urinária, lit!ase etc.;
Fireman et a/. (2003) avaliaram a acurácia diagnostica da CE h) Obstrução intestinal de diferentes etiologias;
em pacientes adultos (média de idade 40 anos, 18-69) com i) Outras: doença de Behçet, púrpura de Henoch-Schõnlein.
suspeita de DC do intestino delgado (10) não detectada pelas
Quando a DC é de comprometimento colônico, o diagnós-
modalidades convencionais. Dos 17 pacientes suspeitos (ane-
tico diferencial com a RCU nem sempre é fácil.
mia, dor abdominal, diarreia ou emagrec.irnento), 12 (70,6%)
foram diagnosticados como tendo DC no intestino delgado,
demonstrando que a CEé uma modalidade efetiva no diagnós-
tico de DC não detectada por outras metodologias. As imagens • RELAÇÃO NOCIVA ENTRE CLOSTR/0/UM
enc.ontradas foram erosões mucosas, úlceras e diminuição de 0/FF/C/Lf EDll
luz. A distribuição das lesões foi mais na parte dista! do 10,
variando de leve a grave. A comorbidade com Clostridium difficile pode causar re-
Em geral, os pacientes com DC, após avaliação pelos diver- tardo no diagnóstico de casos novos de DII, desencadear re-
sos métodos, podem ser divididos em grupos, de acordo com corrência na doença já estabelecida, confundir tratamentos e
a distribuiç4o anat8mica das lesões: servir como indicador de um defeito subjacente na imunida-
• com doença exclusiva no intestino delgado; de inata. O Clostridi um difficile é a causa mais frequente de
• com ileocolite (compreendem a maioria); diarreia por infecção hospitalar em países desenvolvidos. Os
• com doença envolvendo apenas o cólon; fatores de risco para a infecção incluem exposição a antibió-
• com doença restrita à área anorretal; ticos, hospitalização, idade avançada e cirurgias gastrintesti-
• com acometimento do esõfago e do estômago. nais. Estudos recentes apontam para o surgimento de uma
362 Capftulo 32 I Doença de Crohn

cepa altamente virulenta, caracterizada como resistente à fluo-


roquinolona que produz maiores quantidades de toxina, e a
• Determinando a atividade da DC
doença que provoca é mais refratária ao tratamento. Também As decisões terapêuticas são determinadas por uma avalia-
relatos demonstram que é contraída fora do hospital, em fontes ção inicial da localização primária da doença e da sua gravidade
comunitárias. Essas bactérias podem ser isoladas em amostras estabelecida segundo parâmetros clínicos:
de fezes e as toxinas nos sobrenadantes de cultura utilizando- • localização da inflamação;
se irnunoensaios enzimáticos. Como salientam Clayton et ai. • estenose (obstrução);
(2009), a doença colônica pode ser um fator de risco inde- • processos fistulosos;
pendente para aquisição de Clostridium difficile, sabendo-se • manifestações sistêmicas e extraintestinais.
que o papel dos antibióticos e das drogas imunossupressoras
não está claro. Assim, podem-se definir:
.,. DC leve-moderada. Pacientes de ambulatório capazes de
tolerar alimentação VO, sem manifestações de desidratação e
• PARA METROS DE AVALIAÇÃO de toxicidade (febre alta), sem dor abdominal, massa dolorosa
ou obstrução.
Vários índices foram propostos para avaliação da gravidade .,. DC mode rada-grave. Pacientes com falha na resposta ao
de cada caso de DC, indicação de tratamento e seu monitora- tratamento para doença leve-moderada, ou aqueles com sinto-
mento. A maioria destes tem base em manifestações clínicas e mas mais proeminentes, como febre, emagrecimento importan-
laboratoriais. O Crohn's Disease Activity Index (CDAI) é um te (mais de 10% do peso), dor abdominal e dor à palpação sem
dos mais utilizados, desde 1976, tanto em pesquisas como em sinais de irritação peritoneal, náuseas e vômito intermitentes
ensaios clínicos. Para crianças e adolescentes, recomenda-se o (sem sinais de obstrução), ou anemia significativa.
Pediatric Crohn's Disease Activity Index (PCDAI) semelhante .,. DC grave-fulminante. Pacientes com sintomas persis-
ao usado em adultos. tentes a despeito da introdução de corticosteroides, como pa-
Índices endoscópicos têm sido usados para verificação de cientes não hospitalizados; ou doentes com febre alta, vômito
resultados terapêuticos em ensaios clínicos, pois a cicatrização persistente, evidência de obstrução intestinal, sinais de irritação
endoscópica de lesões faz parte de vários protocolos. peritoneal, caquexia ou evidência de abscesso.
11> DC em remissão. Pacientes assintomáticos ou sem seque-
las inflamatórias, ou que responderam à intervenção aguda de
• TRATAMENTO medicamentos, ou que foram submetidos a ressecções cirúrgi-
cas sem doença residual macroscópica. Pacientes que necessi-
Como a DC não tem etiologia conhecida, carece de terapêu- tam de corticosteroides não são considerados "em rem.issão".
tica específica. As medidas preconizadas atualmente não são
curativas nem alteram a história natural da doença, na maioria
dos casos conseguindo apenas aliviar os sintomas e prevenir • TRATAMENTO CLfNICO
complicações.
Os objetivos do tratamento incluem: PARAR DE FUMAR COM URGP-NCIA!
a) indução e manutenção da remissão clínica;
b) promoção da cicatrização da mucosa intestinal; • Medidas gerais
c) recuperação do estado nutricional; Nas formas leves, o tratamento é ambulatorial, com retira-
d) profilaxia e tratamento das complicações, caracterizadas da de lactose, sacarose e dieta hipoalergênica, com diminuição
na infância e adolescência principalmente pelo déficit de de fibra vegetal.
crescimento; Nas formas moderadas desde o início ou em sequência a
e) diminuição das intervenções cirúrgicas; um surto grave, mas superado, as bases terapêuticas são re-
f) promoção da qualidade de vida; e pouso relativo, regime hospitalar ou não, dieta líquida e depois
g) minirnização do impacto emocional da doença sobre o pastosa, isenta de lactose, sacarose e hipoalergênica, e reduzida
paciente e a familia. em fibra vegetal.
QUALIDADE DE VIDA (QDV): Assunto muitas vezes ig- Nas formas graves, em surto inicial ou reagudizado, com
norado na prática médica rotineira! hemorragia maciça ou megacólon tóxico, o paciente deve ser
QDV reflete não somente a experiência subjetiva do paciente mantido em cuidados intensivos a fim de monitorar e corrigir
sobre sua doença, mas também como isso afeta sua vida diária. a anemia aguda, hipotensão, distúrbios eletrolíticos, especial-
Os doentes são afetados tanto por suas limitações fisicas e fato- mente de potássio. Hidratação correta, transfusões de sangue e
res psicossociais, como pela percepção de si mesmos! plasma, reposição de albumina, pausa alimentar, nutrição pa-
As limitações mais relatadas pelos pacientes em respostas a renteral total, sondagem nasogástrica contínua e repouso são
questionários sobre QDV incluem: medidas essencias. O paciente deve ser vigiado constantemente,
pois, conforme a evolução, torna-se obrigatória a indicação de
• evacuações frequentes; cirurgia de urgência.
• dor abdominal;
• fadiga;
• distúrbios do sono; • Tratamento nutricional
• tendência a recolhimento social; Nenhum alimento ou substância, em particular, demonstrou
• ansiedade pessoal e raiva por estar doente; deflagrar ou piorar a DC. Assim, devem-se respeitar intolerâncias
• frustração devido à progressão crônica da enfermidade. individuais, sem restrições, para se evitar desnutrição.
Copftulo 32 I Doença de Crohn 363

• Dieta Fatores desencadeantes (bacterianos, virais, imunológicos e


O impacto da dieta na atividade da Dll ~pouco entendido, tóxicos) seriam impedidos de ativar a produção de IFN-gama
mas algumas considerações merecem ser feitas: através do efeito inibitório de TGF-beta2, não induzindo CMH
li a desencadear a inflamação.
• Durante aumento da atividade, é apropriado diminuir a Indicações: crianças com DC e retardo de crescimento; adul-
quantidade de fibras e manter produtos lácteos se forem tos corticodependentes ou corticorresistentes.
bem tolerados
• Dieta de baixo resíduo pode diminuir a frequência das • Agentes bioterapwticos
evacuações Os probióticos nllo sllo considerados «remédios", mas ali-
• Dieta com grande quantidade de resíduos pode ser indi- mentos. O conceito de que a presença e o tipo de bactéria no
cada em casos de constipação intestinal intestino são importantes na DC é bem fundamentado, pois
estudos da flora encontrada na luz e parede intestinais suge-
• Suplementação nutricional nos casos com sub ou desnutrição ou rem que os pacientes com esta afecção são diferentes dos in-
durante os períodos de restrição da ingestãooral divíduos normais.
Medidas nutricionais podem ser utilizadas como tera~uti­ Agente bioterapêutico (ABT) ou probiótico é um microrga-
cas primárias ou adjuvantes. Os principais objetivos são: nismo vivo que, após sua ingestão em certo número, contribui
para aumentar a saúde do hospedeiro ao tratar ou prevenir in-
a) Corrigir déficits nutricionais específicos, repondo
fecções causadas por cepas patogênicas, melhorar a função de
perdas;
barreira e alterar a resposta da citocina normalmente suscitada
b) Proporcionar fonte energética e proteinas suficientes para
por agentes patogênicos.
manutenção de balanço nitrogenado positivo, favorecen-
Globalmente, podem ser divididos em dois grupos:
do a cicatrização adequada das lesões;
c) Promover um ritmo de crescimento comparável ao que a) microrganismos bacterianos:
o paciente teria no período anterior à doença; Lactobacillus acidophilus
d) Preservar o potencial de crescimento para que o paciente, Lactobacillus ca.sei G
ao atingir a puberdade, possa ter seu próprio estirão de Bifidobacterium longum
crescimento. Bifidum bacterium bifidum, usado com Streptococcus
thermophilus
Como as dietas elementares não são palatáveis, especialmen- b) leveduras (levedos):
te em crianças, muitas vezes necessitam ser administradas por Sacharomyces boulardii
sondas de infusão. As sondas colocadas por gastrostomia são
seguras e mais bem toleradas do que as sondas nasogástricas de Embora a patogênese das DII continue evasiva, a flora in-
uso prolongado. Preconizam-se 50-7596 do requerimento ca- testinal residente na luz parece ser fator importante no desen-
lórico por infusão contínua noturna, encorajando os pacientes volvimento e cronicidade das afecções. A DC ocorre em locais
a se alimentarem regularmente durante o dia. com altas concentrações de bactérias anaeróbicas e é, até certo
Lembrar que a nutrição parenteral total (NPT), por ser tra- ponto, tratável com antibióticos e repouso intestinal.
Diversos mecanismos de ação dos probióticos, relacionados
tamento transitório, é reservada para situações especiais (pré-
operatório, obstrução parcial na DC), não se esquecendo de com as DII, foram elucidados:
seu efeito deletério sobre o intestino, induzindo à atrofia. A a) competição exclusiva, e os probióticos competem com
glutamina, aminoácido fundamental para o metabolismo das microrganismos patogênicos;
células intestinais, minimiza tal efeito. b) imunomodulação e/ou estimulação da resposta imune;
A nutrição enteral não mantém remissão, e recalda ocorre c) atividade antimicrobiana e supressão do crescimento dos
em 60 a 7096 dos casos. Entretanto, é superior ao tratamento patógenos;
com corticoides. Estudos ainda são necessários para se conhe- d) melhora da atividade de barreira;
cerem os fatores que influenciam a eficiência, a duração, o local e) indução de apoptose das células T.
da inflamação intestinal e a relação com as composições das Há evidências que sugerem que as DII possam represen-
fórmulas disponíveis. tar uma resposta imunológica agressiva à flora luminal, mais
A nutrição parenteral não é superior à enteral. Contudo, do que propriamente uma alteração de flora normal. Bactérias
nutrição intermitente noturna mantém a DC em remissão. probióticas têm sido eficazes no manejo de algumas doenças
Recentemente, foi lançada no mercado brasileiro uma fór- diarreicas agudas, e pesquisadores referiram que certas cepas
mula nutricional específica para portadores da DC (Modulen de Lactobacilli parecem exercer papel protetor imunomodu -
IBD111).ll um produto de nutrição oral ou enteral, apresentado lador, aumentam a secreção de IgA e de certas citocinas anti-
em pó de reconstituição instantânea. Apresenta 1496 do valor inflamatórias.
calórico total em proteínas, 4296 em lipídios e 4496 de glicídios Uma combinação de Loctobacillus sp, Bifidobacterium sp e
(sem lactose, sem glúteo e sem resíduo). Streptococcus sp preveniu crise de DII. O efeito imunogênico
O "fator transformador do crescimento beta2" (TGF-beta2) da Escherichia coli não patogênica e parasitos está em estudo.
é uma citocina naturalmente presente no leite materno e no lei- Alguns parasitos aumentam a resposta 1h2 com diminuição da
te de vaca, com propriedades anti-inflamatórias, de regulação Thl. Pesquisas futuras devem esclarecer melhor o assunto.
do crescimento celular e de resposta imune. Demonstrou-se O uso de Sacharomyces boulordii na enterocolite induzida
que a atividade anti-inflamatória do TGF-beta2 seria devida à por antibióticos ou colite pseudomembranosa já é bem reco-
inibição da expressão das proteínas do CMH Classe li através nhecido. Estudo com a dose de 1 gldia associado à mesalazina
da inibição da atividade da interferona-gama (IFN -gama). Fo- reduziu as recidivas da DC.
ram observadas concentrações de CMH 11 nas membranas dos Atualmente, apenas o nível 1 de evidência dá suporte ao
enterócitos de pacientes com DC. uso terapêutico de alguns probióticos no tratamento de ma-
364 Capitulo 32 I Doe~a de Crohn

nutenção da bursite (pouchitis); níveis 2 e 3 de evidência são


reservados para RCU e DC.
Na DC pode ocorrer diminuição dos lndices de atividade,
ou maior tempo de manutenção da remissão, ou maior tempo
de remissão endoscópica após cirurgia, em alguns pacientes.
MecAnismos d• ~lo
Leucócitos
·---
Quadro 32.5 Corticosteroides na doença de Crohn

Diminui~o da migraçAo, atívaçio. sobrevida


Diminuição da ativação NFkB
Entretanto, muitas comparações carecem de resultados esta-
lnibi~o da fosfolipase A2
tisticamente significativos. Diminuição da indução de COX-2 e NOS
Os pré-bióticos são ingredientes alimenúcios não digeríveis, Células endoteliais Diminuição da produção de citocinas
que promovem seletivamente o crescimento ou as atividades Diminuição da p rodução de mediadores
de bactérias benéficas no intestino. Em geral, são carboidratos llpldicos
de baixo peso molecular encontrados naturalmente em mui- Aumento da degradação de cinlnas
tos alimentos. Os simbióticos têm conteúdo tanto pré-biótico Diminuição da expressão de moléculas de
adesão
quanto probiótico. Diminuição da permeabilidade capilar
l ndiações Doença moderada. grave ou fulminante
• Tratamento medicamentoso Efeítos colawrais
• Medicamentos sintomáticos Gerais Fâcl6 cushingoide
• antidiarreicos somente se não houver doença fulminante; Ganho ponderai
Disfotla
• colestiramina para ressecções ileais; Insuficiência suprarrenal
Metabólicos
• analgésico, como acetaminofeno, ou até codeina, se ne- Hiperglicemia
cessário; Hipocalemla
• suplementação de vitamina B,2 e/ou vitamina D se hou- Cardiovasculares Hipertensão
ver deficiência; Retenção de líq uidos
• cálcio e vitamina D como rotina nos usuários de corti- Infecções Oportunistas
costeroides; Reatívação de tuberculose
• suplementação de multivitarninas para todos; Dermatológicos Acne
• suplementação de ferro oral e, se não tolerado, ferro IM Pigmentação
Estrias
ou N nos casos de anemia crônica ferropriva. Hirsutismo
Oculares Catarata
• Corticosteroides Glaucoma
Os corticosteroides são drogas capazes de induzir a remissão Musculoesqueléticos Osteoporose
da grande maioria dos pacientes com DC, independentemente Osteonecrose avascular
da distribuição das lesões. Entretanto, são ineficazes na manu- Mlopat.ia
tenção da remissão. A sua habilidade em controlar o processo Crianças Retardo de crescimento
inflamatório intestinal justifica-se pelo profundo efeito sobre o Monitoram•nto Pressão arterial
sistema imunológico e resposta inflamatória (Quadro 32.5). Sangue: gllcose e potássio
Embora os corticosteroides sejam eficazes para o tratamen-
Contraindia~çõ•• Diabetes ou hipertensão pouco controlados
to a curto prazo, são ineficientes para prevenir recorrências e é (rolativas) Osteoporose
comum surgir dependência. Na população pediátrica, seu uso
Úlcera péptica ativa
está associado a problemas psicossociais e de crescimento. Em
crianças, lembrar que não há vantagem em se ter um paciente Infecções graves concomitantes
sem sintomas gastrintestinais, mas cushingoide! = =
COX Ciclo-o>dgenow. NF • Fator de tronscriçlo nuclear, NOS Sfnto"' de kldo
Prednisona reduz a velocidade de crescimento das crianças nítrico.
com formas leves a moderadas. A budesonida oral tem seu pico
de liberação no intestino delgado distai e cólon ascendente, mas
seu uso mostra lndice de remissão baixo em relação à predni-
sona. Ponto importante: o tratamento com corHcosteroides não A corticoterapia parenteral é reservada para os casos ful-
está associado a melhora endosc6pical minantes, usando-se metilprednisolona, 1 a 2 mglkg/dia, ou
Outro inconveniente do tratamento com corticoides é a per- hidrocortisona, ou mesmo ACTH. substituindo-se pela pred-
da óssea, já nas primeiras semanas de tratamento. Assim, fratu- nisona oral tão logo a melhora clinica permita.
ras osteoporóticas ocorrem em 30 a 50% dos pacientes tratados O tratamento tópico pode ser utilizado isoladamente na
com estas drogas. Outros efeitos tóxicos se verificam: meta- doença localizada, restrita ao retossigmoide, ou como coad-
bólicos, musculoesqueléticos, gastrintestinais e neuropsiquiá- juvante, para alívio rápido dos sintomas de urgência e descon-
tricos. forto retal. Enemas artesanais com 50 a 100 mg de hidrocor-
Os corticosteroides são reservados para as formas modera- tisona diluídos em pequenos volumes de soro fisiológico são
das e graves de DII e, particularmente, quando há envolvimento utilizados por médicos brasileiros. A hidrocortisona enema,
do intestino delgado na DC. Estas drogas estão disponíveis em diluída em 100 ml de soro fisiológico levemente aquecido, em
muitos países para uso oral, parenteral e tópico (enema de re- gotejamento lento, pode ser administrada por sonda retal fina
tenção, supositório e espuma). A dose oral inicial preconizada e longa e equipo de soro. Em domicilio, a administração pode
é de 1 a 2 mglkgldia de prednisona ou prednisolona (máximo ser feita por meio de frasco plástico usado no comé.rcio para
de 40 a 60 mgldia). Uma vez alcançada a remissão, a retirada é acondicionar enemas evacuadores. O doente permanecerá em
gradual (5 mg a cada 1 ou 2 semanas) até se chegar a doses em posição de Trendelenburg, de preferência à noite, em decú-
dias alternados de 0,2 a 0,5 mglkg. O ideal é cessar seu uso. bito lateral esquerdo. Deve-se manter este enema por muitas
Capftulo 32 I Doençade Crohn 365
semanas, em aplicações diárias ou alternadas. Considerando- ---------------T---------------
se que, por esta via, a ação local é muito eficiente e que a ab- Quadro32.6 Aminossalicilatos nadoença de Crohn
sorção do medicamento é inferior a 30%, há risco menor de
efeitos colaterais. Mecanismos de ação
O uso crônico de corticosteroide, ainda que apenas tópico, leucócitos Diminui ção da migração e citotoxicldade
associa-se a efeitos colaterias sistêmicos significativos (Qua- Diminui ção da ativação de NFkS
dro 32.5). Tais situações podem ser evitadas ou com a coad- Diminui ção da síntese de IL-1 e mediadores
lipídicos
ministração de anti-inflamatórios, ou de imunomoduladores, Diminui ção da degradação de p rostaglandinas
que atuam como agentes "poupadores" de corticosteroides, ou, Antioxidante
eventualmente, pela indicação precoce de cirurgia nos casos Antagonista de TNF
refratários ao tratamento clínico. Diminui ção do antagonista receptor FMLP
A budesonida é 100 vezes mais potente que a cortisona. So- Diminui ção da expressão MHC Classe 11
mente 10% ficam disponíveis, devido à sua alta extração pela Indução das proteínas de calor
primeira passagem pelo fígado. Bcomercializada em prepara- Diminui ção da apoptose
ções de 3 mg. protegidas e de liberação entérica lenta. A dose Epitélio Diminui ção da expressão MHC Classe 11
de 9 mg de budesonida é tão eficiente quanto 40 mg de pred- Indução das proteínas de calor
Diminui ção da apoptose
nisona para induzir remissão da DC, mas não é indicada para
manutenção. Em enemas, é eficaz na RCUI distai e equivale à Indi cações Doença ativa; i nativa?
eficácia dos enemas com hidrocortisona, porém difere dos ene- Efeitos colaterais
mas de mesalazina Mostrou-se eficiente em induzir remissão Gerais Cefaleia'
na DC em íleo e cólon, em adultos e em crianças. Febre•
Gastrintestinais Náuseas, vômito*
• Recomendações gerais Diarreia
Hematológicos Hemólise'
1. Não administrar subdoses; Deficiência de folato'
2. Reduzir lentamente as doses iniciais; Agranulodtose•
3. A visar sobre efeitos adversos; Trombocitopenia'
4. Monitorar uso pelo próprio paciente e dependência. Anemia a plástica*
Metaemoglobinemia•
• Aminossalidlatos Uri nários Urina alaranjada'
O mecanismo de ação dos compostos contendo ácido Nefrite intersticial
5-aminossalic!lico {5- ASA) na Dll não está totalmente escla- Dermatológicos Rosh
Sindrome de Stevens-Johnson
recido (Quadro 32.6).
Perda de cabelos
A sulfasalazina foi a primeira formulação oral do 5-ASA,
Outros Oligoespermia'
tendo sido criada na década de 1930, pela combinação de 5-ASA Pancreatite aguda
à sulfapiridina (carreador, por uma ligação azo). Esta droga tem Hepatite
sido utilizada por longo tempo e é terapia de eleição das formas Sfndrome lupus-líke
leves de RCUI e DC envolvendo o cólon, sendo também efetiva M iocardite
na manutenção de remissão da RCUI. Fibrose pulmonar
Seus efeitos colaterais (Quadro 32.6) são provocados, em Monitoramento
grande parte, pela sulfapiridina. Sulfasalazina cada 3 meses: hemograma, folato, ureia,
As doses utilizadas em adultos estão indicadas n o Q ua- Creatinina, testes de função hepática
dro 32.8 e, em crianças, são de 50 a 75 mglkg/dia (máximo de Mesalazina Cada 6-12 meses: ureia e creatinina
3 a 4 gldia) VO, divididas em três tomadas. Eventualmente, Contraindicações
a introdução da droga pode ser feita de modo gradativo, ini- Sulfasalazina Sensi bilidade a salicilato ou sulfonamida
ciando-se com 25 a 40 mglkgldia. Sua retirada também é feita Mesalazina Sensi bilidade a salicilato
lentamente, até ser atingida a dose ideal para a manutenção. Insuficiência renal
Como a sulfasalazina interfere na absorção de folato, recomen- •Consequente à sulfonamida da sulfasalazina.
da -se suplementação com dose diária de 1 mg de ácido fólico NF a Fator de transcrição nuclear; TNF~ Fator de necrose tumoral.
FMLP = Proteína.
para crianças e 5 mg para adultos, com a finalidade de se evitar
anemia megaloblástica.

• Mesa/azina
Com o objetivo de serem eliminados os efeitos da porção tudos comprovam que a mesalamina é tão eficiente quanto a
sulfa, desenvolveram-se compostos, já disponíveis no comércio, sulfasalazina no tratamento da DC afetando o cólon, além de
nos quais as moléculas de 5-ASA se apresentam de forma livre, manter a remissão.
sendo designados de mesalamina nos EUA e de mesalazina na Em crianças, a DC é tipicamente subtratada. A mesalazina,
Europa. Para se evitar que o 5-ASA seja absorvido nas porções dos compostos 5-ASA, é a preparação mais frequentemente
superiores do trato digestivo e que alcance, assim, os locais de usada. As preparações cuja mistura proporciona liberação no
inflamação, um dos recursos utilizados foi o de "recobrir" a intestino delgado são de preferência; também têm biodisponibi-
mesalazina com resina acrílica sensível a pH maior de 7, o que lidade para liberação no íleo distai e cólon. As preparações que
permite sua liberação no íleo distai e cólon. Tais modificações dependem da liberação do pH são consideradas inadequadas
aumentariam a tolerância à droga, e 80 a 90% dos pacientes para tratar DC de comprometimento delgado, pois são efetivas
intolerantes à sulfasalazina aceitam bem a mesalazina. Entre- no íleo terminal e cólon. As mesalazinas com ponte.s dissulfi-
tanto, tais compostos não são isentos de efeitos colaterais. Es- dicas (olsalazina, sulfasalazina, balsalazida) não têm indicação
366 Capftulo 32 I Doença de Crohn

para DC do intestino delgado, com base no seu mecanismo de "T


liberação baixa. Quadro 32.7Azatioprina e6-mercaptopurina na doença de Crohn
A mesalazina está associada à baixa incidência de efeitos
colaterais, incluindo diarreia, cefaleia, náuseas, dor abdominal, Meanismo d• •ção lníbiçlo da síntese de ONA da célula T
dispepsia, vOmito e rash. Cerca de 80% dos pacientes intoleran- Indicações Doença refratária
tes à sulfasalazina podem tolerar 5-ASA. Em alguns pacientes, Doença dependente de co<tícosteroides
pode se associar nefrotoxicidade. Doença fistuli:rante
A mesalamina é encontrada em várias apresentações (com- Doença períanal
primidos, sachês, enemas e supositório), que estão disponíveis Efeitos colaterais
no Brasil (Quadro 32.8). Nas crianças, recomenda-se iniciar Gerais Náuseas, vOmito
com 30 a 50 mglkgldia. Estas doses podem ser bem toleradas, Cefalela
mas necessitam de monitoramento frequente pelo maior risco Febre
de nefrotoxicidade. Nos pacientes com DC envolvendo o fleo Artralgía
terminal, podem ser úteis os compostos nos quais o 5-ASA é Raslt
liberado parcialmente nesta região, evitando-se o uso de cor- Sanguineos Agranulocitose
ticosteroide ou imunossupressores. Trombocitopenia
Recentemente, foi verificado que a mesalamina na dose de Macrocitose
Infecções Oportun istas (citomegaiOIIIrus, herpes zoster)
3 gldia, em adultos, diminui o número de recorrências pós-
Hepatobiliares Hepatite colestática
operatórias em 27% dos casos. Está sendo lançada no mercado
Pancreatíte aguda
brasileiro a mesalazina em sachês de 1 e 2 g. Malignidade Llnfoma
Enemas de 5-ASA são efetivos na obtenção de remissão Pele (possfveO
clínica ou melhora em 90% dos pacientes com colite no có-
Cada 2 semanas nos p rimeiros 2 meses e depois
lon esquerdo, leve ou moderada. Recomenda-se usá-los por a cada 2-3 meses: hemograma, testes de
14 dias. Também são eficazes na prevenção de recorrência se Monitoramento funçAo hepática
usados regularmente. Lembrar que o tratamento tópico não
Contraindícações Gravídet
é adequado nos pacientes com doença se estendendo mais de Deficiência de 6-TPMT
40 em acima do ãnus. Alo purinol concomitante
Supositórios de 5-ASA (250 a 1.000 mgldia, 1 a 3 vezes/
dia) são bem tolerados e efetivos na manutenção da remissão
na proctite quiescente.

• lmunomoduladores
• Azatioprina e6-mercaptopurina (Quadro 32.7) O metotrexato não tem boa absorção quando administrado
Azatioprina (AZA) e 6-mercaptopurina {6-MP) têm efei- por via oral e parece não dar bons resultados para fechamento
to imunossupressor e propriedades linfocitotóxicas. O tempo de fistulas. Alguns estudos preconizam seu uso se.
~um anta-
para alcançarem o efeito metabólico ativo é de diversos meses, gonista do ácido fólico. Com objetivos de redução de toxicidade
explicando a demora na resposta clínica de 3 a 4 meses. O me- e aderência à terapia, doses semanais intramusculares podem
canismo de ação destas drogas parece estar relacionado com a ser administradas. Tem indicação para refratariedade ao trata-
inibição da função dos linfócitos, primariamente das células T. mento com corticoides e azatioprina. Efeitos colaterais: altera-
Como tais efeitos são observados apenas 2 meses após a intro- ção de transaminase pirúvica {7%), náuseas {I%) e rash (1%).
dução de 6-MP ou AZA, estes medicamentos não são adequa- Os antimetabólicos parecem ampliar a resposta à terapia
dos para o tratamento das formas agudas. Todavia, são indica- biológica, estando associados à menor incidência de anticor-
dos para o tratamento de corticodependência, refratariedade pos contra iniliximabe.
ao tratamento ou fistulização grave na DC. Estudos mostram
que pacientes tratados com estas medicações podem se livrar • Quando suspender ouso de imunossupressores?
do uso de corticosteroides. Até o presente, não se tem a resposta.
As drogas imunomoduladoras atualmente representam op-
ções para o tratamento a longo prazo em casos selecionados de • Tracolimus
DC. A 6-mercaptopurina (6-MP) e a azatioprina (AZA) po- Embora o tracolimus tenha um mecanismo de ação seme-
dem ser usadas em pacientes que se tornaram dependentes de lhante ao da ciclosporina, sua absorção VO é boa, mesmo na
corticosteroides e refratários ao tratamento com estes compos- DC do intestino delgado. Alguns estudos demonstraram fe-
tos ou com aminossalicilatos. De modo similar, pacientes com chamento de flstulas em número pequeno de pacientes. As
DC nos quais os corticosteroides não podem ser descontinuados doses preconizadas são de 0,15 a 0,31 mglkgldia; entretanto,
ou que apresentam doença perianal ou fistulas persistentes, po- os doentes recebiam, concomitantemente, AZA ou 6-MP por
dem se beneficiar do uso destes imunomoduladores. 22 semanas antes de esta droga ser interrompida. Em crianças,
As doses preconizadas são de 1 a 1,5 mglkgldia de 6-MP e 0,5 mg!kgldia.
de 1,5 a 2 mglkgldia de AZA (Quadro 32.8). Entre os efeitos
adversos relacionados com estes fánnacos, cita-se a supressão • Mofetila mimfenalato
da medula óssea, particularmente neutropenia e plaquetopenia, O m ofetila rnicofenolato foi indicado para pacientes que
disfunção hepática e pancreatite, que respondem bem à retirada não toleraram AZA e 6-MP. Esta droga inibe a síntese de pu-
da droga. Recomenda-se controle periódico com hemograma rinas nos linfócitos Te B. Parece agir mais rapidamente que a
e provas de função hepática pelo menos quatro vezes ao ano. AZA e a 6-MP. A dose de 2 gldia, com poucos efeitos colaterais,
Estas drogas têm se mostrado seguras em crianças e adultos e foi indicada. Como é usada em transplantes, doenças imuno-
existe evidência crescente de sua segurança na gestação. proliferativas têm sido descritas em alguns pacientes.
Capftulo32 I DoençodeCrohn 367
--- ~ BIOLóGICOS
Qui dro 32.8 Medicamentos utilizados no tratamento da doença de INFUXIMABE
úohn, disponíveis no mercado bra.sileiro Remicod,-:frascos de 100 mg. EV
lnduçãoS mg/kg peso: zero. 15 dias e 30dias
Manutenção: S mg/kg a cada 8 semanas
CORTICOIOES ADALIMUMABE
PREDNISONA Humiro• : ampolas de 40 mg, Se
Merlcorren• , Prednisona•: comprimidos de 5 e 20 mg Indução: 160 mg semana 1; 80 mg semana 2. se
Dose Inicial: 4()-{i() mg/dia, VO, até remissão; diminuir gradativamente até Manutenção: 1 ampola de 40 mg em semanas alternadas, Se
exclusão
VO =Via ora~ EV • Voa endownosa: SC = Subrutànea.
Dose de manutenção: não é indicada para manutenção
• Algunsautores tecomendam dose de manutenção semeU~ nte à iniclal.
BUDESONIDA
Enrocorr": comprimidos de 3 mg; fraS<o para enema
Dose inicial: 9 mg em dose única matinal, VO, por 8 semana,s
Dose de manutenção: não é indicada para manutenção
• Antimicrobianos (Quadro 32.8, Parte 11)
Enema: comprimidos dispersíveís de 2.3 mg em 115 ml de solução;
Os antimicrobianos são efetivos em algumas situações, par-
1 frasco/dia, 7 a 14 dias
ticularmente na doença perianal São de algum beneficio na
HIDROCORTISONA doença do intestino delgado, mas de uso principal na doen-
Succlnato sódlco: Corrlzol* e So/u-Corref" ampolas de 100 e 500 mg; uso EV ça dos cólons. Alteram a flora intestinal e diminuem a esti-
Succlnato: FlebocorricP: fraS<o-ampolas de 100, 300 e 500 mg; mulação antigênica ao sistema imune da mucosa do intestino,
Hidrocorrlzona Corrisonol* frasco-ampolas de 100 e 500 mg; uso EV
sendo usados como tratamento primário ou de infecções in-
AMINOSSALICILATOS tercorrentes.
SULFASALAZINA O metronidazol mostra-se efetivo no tratamento da doen-
Azul~m• e Solozoprim~: comprimidos de SOO mg ça fistulosa perianal, provavelmente por ser um potente agente
Dose Inicial: 2-4 g/dia. VO, até remissão antianaerobiose por afetar a capacidade dos neutrófilos para mi-
Dose de manutenção: 1-2 g/dia, VO, tempo prolongado' grar aos locais da inflamação. A dose utilizada é de 1Oa 15 mgl
MESALAZINA (S-ASA: ÁCIDO 5-AMINOSSALICILICO) kgldia (máximo de 1,5 gldia). O tratamento prolongado (4 a
Asa/ir": comprimidos de 400 mg 6 meses) acarreta risco de neuropatia periférica, especialmen-
Suposit6<ios: O.S g. 3 vezes ao dia. por 14 a 21 dias te nos pacientes recebendo mais que 10 mglkgldia. Essa droga
M~: comprimidos de 400 e 800 mg não é efetiva na ilelte da DC, isolada. Efeitos colaterais: náuseas,
Dose Inicial: 1,6 g!dla. VO, até remissão gosto metãlico e risco de neuropatia periférica. O paciente deve
Dose de manutenção: 800 mg/dia, VO, tempo prolongado' evitar o uso de álcool.
Enema de retenção: 3 g!dia, 14 dias O ciprofloxacino tem sido apontado como opção terapêutica
Supositórios: 0,5 g, 3 vezes ao dia, por 14 a 21 dias para pacientes adultos intolerantes ao metronidazol.
Penroso"': comprimidos de 500 mg Lembrar que o metronida.zol, como o ciprofloxacino, exer-
Dose Inicial: 3-4 g/dia, VO, até remissão ce efeito sobre a flora intestinal, mas ambos têm propriedades
Dose de manutenção: 1,5-2 g/dia, VO, tempo prolongado' imunomoduladoras.
Sachê: 1 e 2 g.lnicial 3-4 g; manutenção 1,5-2 g!dla
Supositórios: O,S g, 3 vezes ao dia, por 14 a 21 dias • Antibióticos
Enema de retenção: 1 ao dia, 14 dias Há risco aumentado para colite associada a C difficile quan-
do se usam antibióticos. concluindo-se que pacientes com surto
Parte li de diarreia devem ser checados para este e outros patógenos.
IMUNOSSUPRESSORES
AZATIOPRINA
• Terapia biológica
lmuron•: comprimidos de 50 mg Com a introdução da terapia biológica no armamentário
Dose: 2 mg!kg/dia, VO, por tempo prolongado do tratamento da DC, principalmente nas suas formas graves,
houve grande empolgação, mas deve-se ponderar, com muito
6-MERCAPTOPURINA
cuidado, a sua indicação, pois a ocorrência de sérios efeitos ad-
Mercoprlno•, Puri-NerhofO: comprimidos de 50 mg
Dose: 1,5 mg!kg!dla, VO
versos pode aumentar o risco do tratamento, apesar do benefi-
cio que possa ser alcançado. Portanto, algumas perguntas são
METOTREXATE inevitáveis: em quais pacientes devemos usar a terapia biológica
Merhorrexore• , Merorrexare* e Morro~": comprimidos de 2,5 mg
na DC? Quando devemos utilizar estes medicamentos? Quando
Dose: 25 a 50 mg/semana, VO, 12 semanas
não podemos utilizá-los? Por quanto tempo?
ANTIM/CR081ANOS
METRONIDAZOL • lnfliximobe (anti-TNF·a)
F~. Metronidozof" e Metronól": comprimidos de 250 e 400 mg; lnfliximabe (Remicade$) é um anticorpo monoclonal qui-
solução Injetável de 500 mg mérico antifator de necrose tumoral ~geneticamente produzi-
Dose inicial: 1,2 g!dia, VO, em 3 tomadas. até remissão do através de uma linhagem celular recombinante e na qual as
eiPROFLOXAONO regiões variáveis de ligações do anticorpo monoclonal murino
Cifl<»t'", Cipro• , Procin•, Ouinof/<»1": comprimidos de 250 e 500 mg especifico para o fator de necrose tumoral humano são ligadas
Prof/<»1": comprimidos de 250, 500 e 750 mg às regiões constantes da imunoglobulina humana da subclasse
Dose Inicial: SOD-750 mg/dia, VO; tempo? IgG 1k. Este tipo de construção reduz a possibilidade de uma
368 Capitulo 32 I Doença de Crohn

reação imunológica à imunoglobulina inteiramente murina. A eficácia do AOA foi semelhante com, ou sem, o uso de
O infliximabe é capaz de neutralizar o TNF-a e não há dúvi- imunossupressores associados; provavelmente, o uso exclu-
da de que exerce atividade anti-inflamatória e induz apoptose sivo de AOA seja mais conveniente, na intenção de reduzir
de células T ativas. Três polimorfismos nos genes da apoptose efeitos adversos. Destes. a longo prazo, deve-se estar atento às
potencialmente influenciam a resposta ao inllixirnabe em pa- infecções, principalmente nos pacientes em uso concomitante
cientes com DC luminal ou fistulizante. de imunossupressores ou que tenham necessidade de corti-
A resposta ao infliximabe pode ser determinada por con- costeroides.
dições fisiológicas e/ou genéticas. Os genes do polimorfismo
NOD2 não predizem a resposta do tratamento anti-TNF-a. • Certolizumobe-pegol
Parece que a dose de manutenção a cada 8 semanas é supe- ~outro anti-TNP humanizado e peguilado, de adminstração
rior a 12 semanas. Os dados sugerem que os efeitos do trata- subcutânea, mas ainda não disponível no Brasil.
mento com infliximabe em crianças são melhores do que para
adultos, tanto na indução da remissão como para o tratamento • Notolizumobe
~droga anti-integrina-alfa 4, que inibe a migração leucoci-
de manutenção.
Retardo de crescimento é uma complicação comum na DC tária através do endotélio vascular, reduzindo o processo infla-
da criança e do adolescente, sendo seu restabelecimento um matório.~ usada no tratamento da esclerose múltipla. Também
marcador de sucesso terapêutico bem aceito. Até agora, há evi· não está disponível no Brasil.
dências de que o tratamento com infliximabe melhora o cres-
• Tolidomido
cimento em crianças com retardo causado pela DC
Por outro lado, relato de casos assinalam melhora das mani- A talidomida parece ser potente inibi dor do fator de necro -
festações extraintestinais da DC não responsivas às terapêuticas se tumoral-alfa (TNF-alfa). Dois trabalhos mostraram uso de
50 a 100 mg e 200 a 300 mg. em dose única noturna, com boa
convencionais após o uso de infliximabe.
resposta no fechamento de fistulas (64 e 70%, respectivamen-
Recentemente, foram relatados casos do desenvolvimento
te). Em crianças, 1,5 a 2 mg!kg!dia. Os efeitos colaterais são
de linfoma hepatoesplênico-células T, que é uma forma rara
teratogenicidade, neuropatia periférica, dermatite, constipação
de linfoma não Hodgkin, ocorrendo mais frequentemente em
intestinal e sedação excessiva.
adolescentes e adultos jovens masculinos. Os pacientes estavam
também recebendo azatioprina ou 6-mercaptopurina. Perma- • Indicações gerais dos agentes onti-TNF
nece a dúvida sobre o desenvolvimento da neoplasia estar re- Tanto o inflixirnabe (IFX) como o adalimumabe (ADA)
lacionado com os imunossupressores ou o infliximabe. foram mais tardiamente utilizados em Gastrenterologia, so-
Outros eventos adversos incluem infecções oportunistas, mente usados após experiência acumulada na Reurnatologia,
reativação de tube.rculose e ocorrência de doenças malignas. principalmente no tratamento da artrite reurn.atoide (AR), que
foi a doença desbravadora que permitiu utilizar estes medi·
"" lmunogtnld~dt camentos na prática clínica diária. Algumas indicações, den-
Reações adversas podem ocorrer à infusão da droga, mesmo tre elas a AR e a própria DC, são atualmente consagradas,
com uso de pré-medicação (antipiréticos, anti-histam!nicos ou e constam em bula. Entretanto, há outras indicações, como
corticoides), provavelmente pelo desenvolvimento de autoanti· uveíte, iridociclite, hidrosadenite supurativa e artrite reuma-
corpos ao inflixirnabe, chamados de anticorpos antiquiméricos toide juvenil, que ainda não estão liberadas para uso pelos
humanos. Sua presença está associada ao aumento do número órgãos reguladores, apesar de significativas evidências cien-
de reações a infusões, reações de hipersensibilidade retardada tíficas comprovando a eficácia destes agentes. Estas indica-
e curta duração da resposta ao tratamento. A imunomodula- ções, denominadas off-label, por não constarem em bula oficial
ção funciona sinergicamente com o inllixirnabe e parece dimi- dos medicamentos, tornam o acesso ao IFX e ADA dificil no
nuir o risco da formação de anticorpos e o risco para reações cenário público e privado de saúde, pois nem as Secretarias
de infusão. Pacientes menores de 14 anos tendem a ter menos de Saúde, nem os convênios médicos autorizam sua libera-
anticorpos. Se ocorreu reação à infusão em uma sessão, pré- ção para este firn. As principais indicações, que constam em
medicação pode prevenir reação subsequente. bula, dos agentes anti-TNF são: artrite reurnatoide, doença de
Crohn (crianças e adultos), espondilite ancilosante, psorlase
• Adolimumobe (onti-TNF-a.) e artrite psoriásica.
Adalimumabe (Humira®) é um anticorpo monoclonal, total-
mente humano, antagonista do fator de necrose tumoral (anti- • /ndimções dos bio/6gicos no doell{o de Crohn
TNF), liberado para uso na DC de adultos. Mostrou-se mais Em Gastrenterologia, é no campo da DC que os primei-
efetivo do que o placebo na indução da remissão em pacientes ros conhecimentos sobre a terapia biológica foram aplicados,
que não haviam recebido previamente anti-TNF, bem como inicialmente com o IFX e posteriormente com o ADA. Para
nos que deixaram de responder, ou mostraram intolerância melhor se entende.rem as indicações mais consagradas, uma
ao infliximabe. leitura detalhada das bulas destes medicamentos evidencia es-
Esquema de indução: 160 mg na semana zero, 80 mg na tes dados.
semana dois. No Brasil, o IFX foi liberado para uso na DC no ano 2000,
Esquema de indução: 40 mg a cada 2 semanas, a partir da inicialmente para o tratamento das formas moderadas a graves
semana quatro. da doença, que não respondiam à terapia convencional com
Os dados sobre a formação de anticorpos contra o adalimu- corticoides e/ou imunossupressores. Os estudos definiram
mabe (AOA) na artrite reurnatoide registraram 5,5% de positi- doença moderada a grave baseando-se no CDAI (Crohn's di-
vidade, mas na DC estes dados ainda são limitados. Anticorpos sease activity index) entre 220 e 450. Inicialmente, o IFX foi uti-
monoclonais totalmente humanos tendem a ser menos imu- lizado para a forma lu mina! da DC, entretanto, outros estudos
nogênicos do que os quiméricos. evidenciaram a forma fistulizante como outra grande indícação
Capfrulo32 I DoençadeCrohn 369
• Estratégia de tratamento descendente (top-down)
Grave Esta estratégia é baseada no uso precoce de terapia biológica
em pacientes selecionados, que teriam critérios de agressivi-
dade da DC, conforme será visto a seguir. Nestes casos, o uso
precoce de biológicos, aventado por alguns autores, pode tra-
zer beneficios com um tratamento preventivo de complicações
Moderada
Corticoides da DC, diminuindo-se internamentos e cirurgias. Trata-se de
sistêmicos utilização de IFX ou ADA Jogo após o diagnóstico da DC, sem
a necessidade prévia de intratabilidade ou intolerância ao tra-
Budesonida -Antibióticos - tamento convencional com antibióticos, corticoides, derivados
5-ASA Leve do 5-ASA ou imunossupressores. Esta estratégia deixa a cirurgia
como alternativa para os casos mais graves, em fases mais tar-
dias da DC ou na falha da terapia biológica. Um detalhe desta
Figura 32..2 Estratégia descendente de tratamento das 011(t<:p-down). estratégia de tratamento, surgida nos países baixos (Bélgica e
Holanda), encontra-se ilustrado na Figura 32.3.

• Critérios de agressividade
desta terapia. Mais recentemente, passou-se a se utilizar o lFX Alguns estudos procuraram estudar quais os fatores que in-
no manejo da DC na faixa etária pediátrica, com bons resulta- dicariam doença com pior prognóstico e maior possibilidade
dos. Ultimamente, fala-se na utilização do IFX após ressecções de complicações na DC. Em um destes trabalhos, procurou-se
intestinais, para prevenção da recorrência. Entretanto, estudos estudar quais os fatores de risco para cirurgia precoce nestes
com maior amostragem devem ser publicados antes de se acei- pacientes. Após a análise de 345 pacientes, Sands et ai. (2003)
tar esta como uma indicação precisa do tratamento. concluíram que tabagismo, doença de intestino delgado sem
O ADA foi liberado para uso na DC, no Brasil, no ano de acometimento do cólon, náuseas, vômito e dor abdominal à
2007, com seus estudos focando, da mesma forma que para o
IFX. as formas moderadas a graves da doença, seja de forma
luminal seja fistuliz.ante. Neste mesmo ano, provou-se a eficá-
cia do ADA em pacientes que apresentaram perda de resposta
Precoce
ou intolerância ao uso do IFX. Portanto, o ADA tem indicação Biotógocos
precisa tanto em pacientes virgens de outros agentes anti-TNF,
como na falha ao tratamento prévio com IFX.

• Estratégia de tratamento ascendente (step-up) AZA/6-MP


Trata-se de uma abordagem mais conservadora, sendo a ma-
neira mais frequentemente utilizada no uso dos agentes bioló-
gicos, atualmente. Consiste na utilização sequencial de classes Cirurgia
de medicamentos, dando-se tempo para que sua ação possa ser Tardia
comprovada. ~ iniciada com a budesonida oral, derivados do
5-ASA e antibióticos, e, caso os pacientes venham a apresentar
maior gravidade na evolução do tratamento, passa-se a utilizar Rgura 32.3 Estratégia ascendente de tratamento das DII (step·up).
irnunossupressores e corticoides sistêmicos. Reserva-se, com
esta forma de terapia, os agentes biológicos para um último
momento, na falha de ação dos medicamentos previamente uti-
lizados, ou na presença de complicações apesar do tratamento
. ----
Quadro 32.9 Drogas disponíveis no Brasil recomendadas para
realizado por período de cerca de 6 meses. ~ a maneira mais
doença de Crohn, em relação à forma da enfermidade
exaustivamente estudada, principalmente no ínfcio da experi-
ência com os biológicos nas DII. lltV• Sulfasalazina ou outro 5-ASA para doença clOnica
Entretanto, sabe-se atualmente que cerca de 20 a 30% dos Metronidazol ou ciprofloxacino para doença perlanai
pacientes são dependentes de corticoides, e uma porcentagem Budenosida para doença ileai ou do c6ton direito
semelhante não tolera os imunossupressores ou não responde Moderada Cortlcoldes orais
lmunossupressores (AZA ou 6-MP. ou MTX)
a eles. Nestes casos, uma demora no tratamento pode acarretar Anti-TNF (lnfliximabe ou adalimumabe)
uma evolução da DC para complicações, e um pior prognóstico Grave Corticoldes orais ou EV
em determinados casos pode ser observado. Para se evitar este MTX subcutâneo ou IM
tipo de problema, recentemente aventou-se na literatura a pos- Ant i·TNF
sibilidade de se realizar uma conduta ascendente mais rápida, Refratiiria Ant l-TNF OnAiximabe ou adalimumabe)
o step-up acelerado. Esta estratégia intermediária consiste em Qui•sante lmunossuprgsores (AlA ou 6-MP ou Ml}()
realizar a estratégia ascendente com menor período de tempo Anti blótkos orais (mitronidazot e/ou c.i pronoxacino)
lmunossupressores (AlA ou 6-MP)
para se observar a resposta do paciente aos medicamentos em- Anti-TNF (lnflíximabe ou adalimumabe)
pregados. Um período de cerca de 3 meses é citado, como mais
adequado para determinados pacientes. Os detalhes do step-up S-ASA • Ácido 5-amlnos><>lldlko; 6-MP • 6-mercaptopurina; AlA • Azatloprlno; 8U0
= Budesonida; MTX • Metotre.xato.
são ilustrados na Figura 32.2.
370 Capftulo32 I DoençadeCrohn

apresentação inicial, aumento na contagem de neutrófilos, e • Comentários dos autores do capítulo


uso de corticoides nos primeiros 6 meses do diagnóstico foram O estudo top-down versus step-up foi realmente um estudo
fatores com influência significativa em operações abdominais revolucionário no que diz respeito a indicações mais precoces
precoces. Em outro estudo, Lakatos et a/. (2009) acrescentam a de utilização de terapia biológica. Entretanto, este estudo apre-
estes a doença perianal e o uso precoce de imunossupressores senta algumas limitações importantes. Primeiramente, não foi
e biológicos. Outros trabalhos procuraram identificar pacien- um estudo duplo-cego, o que pode trazer um viés na análise
tes que se beneficiariam da estratégia descendente (top-down) das variáveis. Além disso, a terapia biológica empregada foi
na DC pela maior agressividade de doença. Nestes, ficou claro somente o regime de indução de IFX (O, 2 e 6 semanas), não
que pacientes com diagnóstico abaixo de 40 anos, com doen- seguido de manutenção da remissão a cada 8 semanas. Isso pode
ça fistulizante, tabagistas, com perda de mais de 5 kg antes do ter colaborado para que as taxas de remissão se equilibrassem
diagnóstico e com uso de corticoides como primeira forma de após as 52 semanas. Ressalta-se que, mesmo assim, os dados de
tratamento apresentam reais possibilidades de benefício com cicatrização da mucosa mostram superioridade importante na
formas mais agressivas de tratamento. Portanto, pacientes com terapia biológica mais precoce. Se a estratégia descendente não
estas características, ilustradas nos trabalhos descritos, passa- pode ser recomendada para todos os pacientes, este trabalho
riam a ter doença com curso mais grave e poderiam se bene- afirma que há definitivamente lugar para este tipo de terapia
ficiar de indicações de terapia biológica mais precoce, com o em alguns pacientes com DC.
benefício de redução das taxas de complicações da DC e suas
consequências. As principais características de agressividade • Contraindicações da terapia biológica nas Dll
da DC encontram-se resumidas no Quadro 32.10. Nem todos os potenciais candidatos à utilização de agentes
biológicos nas DII podem ser beneficiados com estes medica-
• Resultados: step-up versus top-down mentos, e isso vale tanto para DC quanto para RCUI, até mes-
Apenas um trabalho randomizado comparando as duas es- mo para outras indicações de agentes anti-TNF fora do sistema
tratégias de tratamento da DC, ascendente versus descendente, digestório. A segurança nos estudos de fase 11 e III, somada à
foi publicado na literatura. Trata-se do famoso estudo de top- experiência principalmente da Reumatologia, além dos acha-
down publicado pelo professor Geert D'Haens, da Bélgica, e seu dos p6s-marketingdestas drogas, mostra que algumas situações
grupo. Este estudo foi publicado no Lancet, em 2008, e incluiu tornam impossível a utilização de IFX e ADA com segurança.
133 pacientes oriundos de 18 centros de referência em DII da Como os agentes anti-TNF são potentes imunossupressores,
Bélgica, Holanda e Alemanha. O desenho deste trabalho divi- nenhuma infecção deve estar vigente no inicio do tratamento.
diu os pacientes em dois grupos: um que recebeu imunossu- Portanto, infecções ativas, em qualquer sistema do organismo,
pressão combinada de azatioprina e IFX como primeira terapia tornam-se contraindicações importantes e devem ser comple-
(top-down) e outro com tratamento convencional, iniciando-se tamente erradicadas antes da exposição do paciente aos bioló-
com corticoides, passando posteriormente para azatioprina e gicos. Neste contexto, entra importante alerta.: observaram-se
utilizando o IFX mais tardiamente (step-up). O principal ob- índices significativos de r eativação de tuberculose durante o
jetivo foi analisar taxas de remissão sem corticoides entre os tratamento biológico em alguns casos. A infecção prévia por
dois grupos. Ao final de 26 semanas, houve maiores taxas de tuberculose e/ou uma exposição a contatos recentes torna a
remissão sem corticoides nos pacientes com imunossupres- investigação prévia com detalhada anamnese, PPD e radio-
são combinada precoce (top-down) em relação ao outro grupo grafia de tórax essencial para se afastar qualquer possibilidade
(60% versus 35,9%; p = 0,006). Esta diferença diminuiu um de problemas, antes do tratamento. Pacientes com PPD reator,
pouco após 52 semanas de seguimento (61,5% versus 42,2%; p acima de 10 mrn (ou até 5 mrn em algumas situações), tornam-
= 0,028). Entretanto, após 2 anos de seguimento (104 semanas), se impossibilitados de serem tratados por biológicos, sem um
não houve diferença estatística nas taxas de remissão entre os tratamento específico prévio de erradicação da tuberculose. O
dois grupos. Um importante dado deste trabalho, que foi um Quadro 32.11 ilustra as principais contraindicações da utiliza-
dos objetivos secundários do estudo, mostrou que ao final de ção de inibidores do TNF-alfa encontradas na prática clínica
2 anos, uma maior taxa de cicatrização da mucosa no grupo diária e na literatura.
que seguiu a estratégia top-down foi encontrada em relação
ao grupo de tratamento convencional (73,1% versus 30,4%;
p = 0,0028).
.,._
Quadro 32.11 Principaiscontraindicações dos agentes anti-TNF
.,._ no cenário da DC eda RCUI

PRINCIPAIS CONTRAINDICAÇÓES DA TERAPIA BIOLÓGICA NAS 0 11:


Quadro 32.10 Critérios de pior prognóstico (maior agressividade)
1. Infecções ativas de qualquer natureza, ligadas ou não à OC ou RCUI
da DC, que definem potenciais candidatos à terapia descendente
2. Abscessos abdominais ou perianais ligados à OC
(top-down) no manejo da DC
3. Tuberculose ativa, recente ou prévia, com PPD reator ou radiografia de
tórax com achados sugestivos
Critérios de maior agressividade (pior prognóstico) na OC:
4. Neurite óptica
1. Idade menor que 40 anos ao diagnóstico
S. Esclerose múltip la
2. OC na forma fistulizante (perianal ou abdominal)
6. Neuropatia periférica com bloqueio de condução
3. Tabagismo
7. Insuficiência cardfaca graus 111e IV pelos critérios da American Heart
4. Ulcerações profundas no cólon Association
S. Grande extenslio da doença (comprimento de intestino acometido) 8. Alergia ou hipersensibilidade aos componentes do IFX ou ADA
6. Uso de corticoides nas primeiras crises 9. Unfoma ou outras neoplasias previamente tratadas (contraindicação
7. Emagrecimento maior que S kg antes do d iagnóstico da DC relativa)
Capfrulo32 I OoençadeCrohn 371

• Comentários dos autores do capítulo pares da mesma faixa etária, seja na escola, seja no trabalho,
As contraindicações dos agentes biológicos devem ser sem- enfim, na sociedade.
pre exaustivamente investigadas, em anamnese detalhada e exa- O uso de ansiolíticos e antidepressivos fica reservado para
mes complementares. Os paàentes e familiares devem ser aler- situações em que a avaliação mostre necessidade. Cuidado com
tados de que nem todos podem utilizar estas medicações com os efeitos anticolinérgicos dos tricíclicos, pois podem favore-
segurança, para que uma imensa decepção não atrapalhe o se- cer megacólon tóxico. Psicoterapias são indicadas conforme
guimento destes doentes após este momento. A segurança do o caso clínico.
tratamento depende de uma pesquisa minuciosa da lista de con-
traindicações. Especificamente, como exemplo, no caso de neo-
plasias previamente tratadas, apesar do receio da utilização dos
• Manutenção da remissão na DC
biológicos, os oncologistas recomendam o uso deste tratamento .,. Sulfasalazlna. Estudos multicêntricos demonstraram que
se a quimioterapia estiver finalizada, em período posterior ao esta droga não é efica:t na manutenção da DC;
tratamento do câncer. Recomendam-se bom-senso e análise de .,. 5-ASA. Metanálise demonstrou que houve redução de re-
cada caso para definições sobre este controverso tema. corrência em 5096 dos pacientes com doença ileal ou ileocolô-
Atenção para as vaànas em imunodeprimidos.• nica. Não se sabe se doses altas (4 g) podem ser mais efetivas
.,. Contra indicadas. Vacinas vivas (tríplice, sarampo, ca- na manutenção da remissão ou se facilitariam a retirada dos
xumba, rubéola, varicela, sabin, febre amarela) para paàentes corticoides;
imunodeprimidos e em uso de corticoides em dose equivalente .,. Cortícosteroides. As drogas· padrão não são usadas para
a 2 mg!kgldia de prednisona durante 2 semanas ou mais (ou manutenção, mas são de ajuda as novas, de ação tópica, sem
20 mgldia para crianças com > IOkg). Consideram·se contrain- maiores efeitos colaterais. Budesonida não foi eficaz para man-
dicadas as vacinas vivas durante I a 3 meses após o término ter a remissão. Entretanto, pulso terapia com 9 mg em dose úni-
da corticoterapia. ca matinal é preconizada nas exacerbações da DC;
.,. Vacinas indicadas. Sa/k, inf/uenza, pneumocócica (para .,. lmunossupresso res. AZN6-MP são as únicas drogas
crianças com 2 anos ou mais, com asplenia anatôm ica ou fun- que induzem remissão cllnica, embora não haja conhecimen-
cional, hemoglobinopatias, imunodeficiência congênita ou ad- to de quanto tempo devam e possam ser administradas, porém
quirida, pessoas HIV+). 6 meses seria o tempo mínimo. Relatou-se que, após 4 anos
de uso, pode desaparecer sua tendência de manter a DC em
remissão;
• Tratamento de problemas psicoemocionais .,. lm unomoduladores. Há grande esperança de que drogas
Os aspectos psicológicos representam um componente im- imunomoduladoras mudem o tratamento da DC a longo prazo.
portante nas Dil, mas não são a causa das doenças. Vários es- Os resultados com infliximabe têm sido bons e promissores,
tudos indicam que o estresse exerce efeito adverso diretamente podendo o beneficio ser alcançado até por 1 ano. A droga é bem
sobre o trato gastrointestinal, alterando os mediadores inflama- tolerada e retratamento é possível, mesmo que não se saiba o
tórios e neurotransmissores. Para se saber como o paciente está potencial de desenvolvimento de linfomas.
se sentindo em relação à doença, é preciso incorporar informa- O desenvolvimento de Jarmacogenômicos será a melhor op-
ções psicológicas e não só testes laboratoriais que determinam ção, no futuro!
a gravidade da afecção. ~ importante se saber quais os fatores
positivos e negativos que influenciam a adaptação à doença
crônica, incluindo-se aqui o suporte social, a autoconfiança e • OUTROS TRATAMENTOS
a presença de comorbidade psiquiátrica. Questionários relaào-
nados com o conhecimento da qualidade de vida do paciente
ajudam o clinico a identificar áreas problemáticas. Com conhe-
• Oxigenoterapia hiperbárica
cimento holístico, firma-se mais a relação médico-paciente e A oxigenoterapia hiperbárica é a inalação de oxigênio medi-
há melhora no estado de saúde do doente. cinal com pressão acima da ambiente, necessitando, para isso,
Como qualquer doença crônica, a DC tem significativo im- de uma câmara denominada hiperbárica. O aumento do oxi-
pacto sobre o paciente e sua família. Embora haja evidências gênio no meio é letal para as bactérias anaeróbicas. Também
de inicio da sintomatologia ou recorrência sob situações de provoca melhora na atividade bacteriáda dos leucócitos e oti-
estresse, percebem-se mais problemas emocionais em doentes miza proliferação de fibroblastos.
que apresentam doença anorretoperineal. O desconforto, a dor Na DC é indicada quando há fistulas, lesões refratárias e in-
e, principalmente, a incontinência de gases e/ ou fezes causam fecções necrosantes dos tecidos moles, após drenagem, se neces-
embaraços sociais, levando a sequelas psicossociais que incluem sária. Seu alto custo faz com que seja empregada para pequeno
perda da autoestima, declínio no desempenho escolar e profis- número de pacientes com doença grave refratária.
sional, problemas sexuais e depressão.
Na adolescência, fase caracterizada pela necessidade de au-
toafirmação e desligamento de vinculos familiares, os pacientes
• Ovos de helmintos
entram em conflito com os pais, pois se recusam, muitas vezes, a Uma proposta terapêutica do uso de ovos de helmintos e do
seguir regimes alimentares e uso ininterrupto de medicações. próprio parasito tem base na hipótese da higiene, já citada. O
O médico atendente deve estar preparado para dar suporte Trichuris suis é helminto parasito de suínos, não acarreta qual-
emocional ao paciente e à família, tanto durante as crises, como quer lesão no homem, mas consegue resposta imune do orga-
nas fases de quiescênàa. Deve fazer o possível para melhorar a nismo. Summe.rs ti al. (2005), em 29 casos de DC, referem que
qualidade de vida dos doentes para conviverem bem com seus 7996 apresentaram melhora cllnica e 7296, remissão completa.
Não houve efeitos colaterais ou complicações, concluindo-se
•<:entro de Refer~ncla de imunobiológicos Especiais (CRIE), Sociedade Brasi· por tratamento efetivo e seguro. Outros estudos são necessários
!eira do Pediatria c Manual de Normas de Vaclnaçlo, Ministério da Saúde. para inclusão deste tratamento na prática.
372 Capftulo32 I DoençodeCrohn

A operação ideal para cada paciente deve ser indicada após


• TRATAMENTO CIRÚRGICO minuciosa análise individual de cada caso. A morbidade dos
DA DOENÇA DE CROHN procedimentos, assim como a possibilidade de recorrência da
doença variam de acordo com inúmeros fatores. Um diagnós-
Quando Crohn, Ginzburg e Oppenheimer, em 1932, ini- tico preciso e detalhado, associado a um conhecimento adequa-
cialmente descreveram seus 14 pacientes portadore.s de ente- do do estado nutricional do paciente e das técnicas cirúrgicas
ri te regional, pensava-se que tal entidade era de tratamento utilizadas, pode trazer o benefício real da cirurgia para esta
eminentemente cirúrgico. Na época, prevalecia o conceito de complexa entidade.
que, quanto maiores as margens cirúrgicas livres de inllamação,
maior o sucesso do tratamento. Era comum a presença de pa-
tologistas nas salas operatórias, para um estudo de congelação, • Indicações cirúrgicas
que mostrava se as margens apresentavam inflamação micros- Os objetivos do tratamento cirúrgico da DC são variados.
cópica. As operações iam se ampliando até que tal inflamação Alívio dos sintomas, correção de complicações, prevenção do
não mais aparecesse nas peças ressecadas. desenvolvimento de carcinoma, melhora da qualidade de vida
Atualmente, após quase 80 anos de estudos sobre a DC. e retirada de medicamentos com toxicidade conhecida (como
muitos conceitos mudaram. A ocorrência da síndrome do in- os corticoides, por exemplo) são alguns deles. Sabe-se que a
testino curto, de dificuldade na manutenção do aspecto nutri- recorrência da doença é frequente e que pode ocorrer em qual-
cional dos pacientes, aliadas às altas taxas de recorr~ncia após quer segmento do sistema digestório. Por este motivo, devem-se
o tratamento cirúrgico dos portadores de DC, fizeram os cirur- sempre analisar as vantagens e desvantagens da cirurgia antes
giões •pisarem no freio», sendo cada vez mais econômicos na de optar por procedimentos invasivos, de pequeno ou grande
extensão dos tecidos ressecados. Hoje é comum a realização porte.
de anastomoses sobre tecidos nitidamente inflamados, e a ci- As indicações de tratamento cirúrgico na DC variam em
rurgia para a DC ficou quase que reservada às complicações, grau de dificuldade na análise de cada caso. Quadros graves da
como se verá adiante. doença geralmente são evidente.s, com sintomas exuberantes,
As formas de apresentação da DC são consideravelmente e, nestas situações, a decisão pela cirurgia é facilitada. Quadros
complexas. Muitas são as regiões anatômicas do sistema di- mais obscuros, com sintomatologia mais discreta, envolvendo
gestório que podem estar acometidas, em diversos momentos cronicidade, em geral são mais desafiadores para o cirurgião.
de evolução da doença Há também diferentes características As indicações cirúrgicas nos pacientes portadores de DC de-
da inflamação: algumas mais leves (acometimento luminal não pendem basicamente de duas situações: intratabilidade cUnica
complicado) e outras mais graves (estenoses por fibrose canse- ou complicações da doença. As complicações, por sua vez, po-
quente a inflamações de repetição, assim como flstulas e per- dem ser divididas em agudas ou crônicas (Quadro 32.12).
furações). Por este motivo, não é fácil definirem-se condutas
cirúrgicas de forma simples. A variada gama de sintomas faz • Biológicose cirurgia na DC
com que diferentes opções de tratamento cirúrgico sejam cada
vez mais estudadas. Não há dúvidas de que a maior novidade no tratamento da
Apesar dos avanços na terapia clínica (medicamentos bioló- DC nos últimos IOanos foi a introdução da terapia biológica
gicos) e nas formas menos invasivas de tratamento da DC (en- na prática cUnica diária. Inicialmente, foi liberado para uso
doscópicas e guiadas por imagem), a cirurgia ainda desempenha no Brasil o intliximabe (IFX), em 2001. Trata-se de um anti-
papel fundamental no tratamento destes pacientes. Estima-se corpo monoclonal quimérico, que inibe o TNF-alfa, causando
que cerca de 70 a 90% dos pacientes necessitarão de alguma apoptose das células inllamatórias, reduzindo-se desta forma
forma de tratamento cirúrgico no decorrer de sua vida, que a atividade da doença. Sua administração é realizada de forma
varia desde simples drenagens de abscessos anais até complexas endovenosa, sob monitoramento, na dose de 5 mglkg nas se-
ressecções de segmentos intestinais. manas O, 2 e 6 (indução) com manutenção programada a cada
Durante anos, as taxas de ressecções intestinais na DC não ti- 8 semanas. Já em 2007, foi liberada no Brasil a utilização do
veram sua incidência alterada, provavelmente por não existirem adalimumabe (ADA), um agente anti-TNF totalmente huma-
medicações que mudassem a história natural da doença. Nem no, de administração subcutânea. Sua dosagem de indução é de
mesmo os imunossupressores, como a azatioprina,largamente 160 mg na semana O, 80 mg na semana 2 e 40 mg a cada duas se-
utilizados para manutenção da remissão da doença, alteraram
a necessidade de tratamento cirúrgico nestes pacientes no de-
correr dos anos. Por outro lado, há evidências científicas con- T- - - - -
cretas de que a utilização dos medicamentos biológicos (prin-
cipalmente o IFX e o ADA) pode reduzir as taxas de operações Quadro 32.12 Indicações cirúrgicas na doença de Crohn
abdominais ligadas à DC ao longo do tempo. A mudança da
lntn tabilidade cllniao Abscessos anais
história natural da doença, com prevenção da ocorrência de Abscessos abdominais
complicações através de uma terapia mais agressiva, pode jus- Perfuração livre
tificar esta redução. Além disso, o desenvolvimento de novas Comp liuçõti agud .. da Ocluslo Intestinal
técnicas endosc6picas de dilatações de estenoses (em qualquer d o.nç.o de Crohn Megacólon tóxico
segmento do sistema digestório) e de punções de coleções ab- Hemorragia madça
dominais guiadas por técnicas de imagem contribui para redu- Flstulas internas
Flstulas enterocutãneas e colocutâneas
ção nas taxas de operações abdominais ligadas à DC. Assim, há
indicações para cirurgias tradicionais e para as menos invasivas Complicaçõu cr6nlaos da Manifestações extraintestínais
doenç.o de Crohn Retardo no crescimento
no tratamento da DC, como as operações por laparoscopia, as Neoplasia
endoscópicas e aquelas por radiologia intervencionista.
Copftulo32 I OoençodeCrohn 373

manas para manutenção do tratamento, a partir da semana associação pode ser utilizada, com a ideia de que os biológicos
4. A eficácia destes dois agentes foi amplamente comprovada podem reduzir a intensidade da inflamação e assim facilitar al-
em estudos dlnicos randomizados, controlados com placebo, gumas operações. Outros acreditam que estes dois tratamentos
com índices de remissão cl1nica em cerca de 1/3 dos pacientes. não podem ser misturados, sob risco de haver prejufzo ao pós-
Ambas as drogas são potentes imunossupressores, com poten- operatório destes pacientes. Segundo o consenso europeu de
cial de ocorrência de efeitos adversos, que variam desde infec- DC, não existe concordância sobre o tema, e ainda não foi defi-
ções simples do trato respiratório superior até situações mais nido o intervalo seguro para se usarem ou não os biológicos em
complexas, como reativação de tuberculose e desmielinização períodos próximos das operações. Não há estudos prospectivos
central ou periférica. randomizados comparando-se a utilização ou não de biológi-
Tanto o tratamento cirúrgico quanto a utUização dos me- cos em pacientes cirúrgicos, somente estudos retrospectivos,
dicamentos biológicos convergem para o controle das formas de séries de casos. Deve-se, portanto, analisar cada paciente, e
graves da doença, situações com extensa inflamação, e geral- discussões interativas entre os cllnicos e cirurgiões devem de-
mente associadas a ffstulas. Por este motivo, não raramente es- terminar as vantagens de se usarem as medicações ou não nas
tas terapias acabam sendo utilizadas em um mesmo momento, situações em que os dois tratamentos sejam indicados em um
em alguns pacientes. Uma questão acabou sendo relevante nos mesmo momento.
últimos anos no tratamento da DC: será que os medicamentos Ressecção intestinal é a maior complicação e a maior fonte
biológicos, se usados simultaneamente com o tratamento ci- de morbidade na DC pediátrica. Gupta et ai. (2006) assinalam
rúrgico, por serem potentes imunossupressores, aumentariam o risco cumulativo de cirurgia descrevendo 5,7% em I ano, 17%
os lndices de complicações cirúrgicas? Será que estas formas de em 5 anos e 28,4% em lO anos após o diagnóstico, fato corro-
tratamento podem realmente ser utilizadas conjuntamente? borado pelos autores deste capítulo.
Há evidências concretas de que tanto o tratamento com Preditores positivos para cirurgia são: sexo feminino; mar-
inflixirnabe quanto o com adalimumabe reduzem as taxas de cadores cllnicos de gravidade, incluindo pobre crescimento;
internações e necessidade de cirurgia abdominal ao longo do presença de abscesso, flstula ou estenose intestinal. Raça, etni-
tempo, se usados continuamente. Na doença perianal, a terapia cidade,localização e gravidade ao diagnóstico não são fatores
combinada traz múltiplas vantagens para os pacientes. Entre- preditivos de resultados da cirurgia. Por outro lado, fato inte-
tanto, nas operações abdominais mais alargadas, com ressecções ressante é que a presença de granulomas, ou tratamentos com
intestinais e anastomoses, na vigência do uso dos anti-TNF, a 5-ASA ou inlliximabe são preditores negativos para cirurgia.
dúvida a respeito da segurança dos biológicos no pós-operatório Amre et ai. (2006), em 139 pacientes pediátricos, verifica-
persiste sendo extremamente relevante. ram ASCA lgA positivo em 48,2%,lgG em 42,4% e ANCA em
Alguns trabalhos defendem que estas terapias podem ser 21%. Títulos elevados de ASCA aumentavam a possibilidade
utilizadas conjuntamente, sem problemas. Um estudo retros- de complicações, mas nem sempre associadas à cirurgia. A pri-
pectivo em um grande centro europeu de tratamento de doen- meira complicação foi observada em pacientes com ASCA lgA
ças inflamatórias intestinais analisou retrospectivamente uma
elevado ou tanto ASCA lgA ou IgG, o que também é a experi-
coorte de pacientes submetidos a ressecções intestinais. Houve
ência dos autores deste capítulo.
urna divisão destes indivíduos em dois grupos, um com uso Sabe-se que cerca de 70% dos pacientes portadores de DC
de infliximabe previamente à cirurgia, e outro sem este tipo serão submetidos a, pelo menos, uma cirurgia no decorrer de
de tratamento. Após a análise de 313 prontuários, os auto-
suas vidas, como terapia de sua doença. As indicações emer-
res concluíram que não houve diferença significativa entre os
genciais, como oclusão intestinal, perfuração com peritonite e
grupos em respeito a complicações pós-operatórias precoces
abscessos abdominais, são mais óbvias. Ocorrem em cerca de
e tardias, e, da mesma forma, não houve diferença no tempo
20% dos casos. Entretanto, pacientes portadores de DC crôni-
de internamento. Kunitake et ai. (2008), do grupo de Boston-
EUA, analisaram retrospectivamente 413 pacientes com doen- cos podem ter indicação de tratamento cirúrgico mais discuti-
ças inflamatórias intestinais submetidos a ressecções cirúrgicas. vel. Entre estes, citam-se intratabUidade clinica, manifestações
extraintestinais de di.ficil controle, distúrbios do crescimento e
Destes, 188 eram portadores de DC e foram analisados quanto
ao risco de complicações pós-operatórias relacionadas com o corticodependência. Estenoses e fistulas internas identificadas
uso de infliximabe. Estes autores igualmente conclulram que em exames radiológicos tornam certa a indicação de tratamen-
a utilização pré-operatória do infliximabe não trouxe maio- to cirúrgico em pacientes sintomáticos. Abscessos perianais
res complicações no pós-operatório. Concluiram ainda que múltiplos devem ser drenados. Fístulas complexas, incluindo
a utilização de corticoides trouxe maior prejuizo aos pacientes, as retovaginais, podem ser tratadas também de maneira cirúr-
como variável isolada. Por outro lado, um outro estudo publi- gica em casos selecionados.
cado pelo grupo da Cleveland Clinic de Ohio, EUA, demons- Os fatores de risco para recorrência após ressecção intestinal
tra díferentes achados. Em urna análise também retrospectiva, nos pacientes pediátricos com DC não são bem estabelecidos.
Appau et a/. (2008) revisaram os dados de 389 pacientes sub- Em pacientes com doença ileocolônica, reoperação em 5 anos
metidos a ressecções ileocólicas por DC, 60 dos quais com utili- varia entre 25 e 60% e atinge 9196 após 15 anos. A recorrência
zação pré-operatória do infliximabe. Os autores demonstraram após reanastomose colOnica é menor. Um grande preditor de
que o uso da droga em período menor que 3 meses da data da recorrência de doença é o comportamento da afecção. Pacien-
operação é fator de risco e aumenta as taxas de complicações tes com doença perfu.rante são mais suscetfveis a nova cirurgia.
infecciosas (sepse e abscessos abdominais) e readmissões hos- Bapropriado colocar os pacientes com doença mais agressiva,
pitalares. Ainda não há trabalhos na literatura analisando estes dependendo até do fenótipo, em terapia imunomoduladora
riscos com a utilização do adalimumabe. após cirurgia.
Pode-se concluir, por estes estudos, que não há consenso Estenoplastia foi um grande avanço no manejo cirúrgico
na literatura quanto à utilização dos biológicos neste contex- da DC no intestino delgado proximal, pois evita ressecções e a
to, se é benéfica ou prejudicial para os pacientes em momen- consequente sindrome do intestino encurtado. Sua morbidade
tos próximos da ressecção cirúrgica. Alguns advogam que esta é menor que 15%.
374 Capftulo32 I Doençade Crohn

As implicações cirúrgicas da pancolite em pacientes pediá- Nas oclusões intestinais do fleo terminal, a ressecção deve
tricos com coli te indeterminada ou DC grave carecem de maio- ser acompanhada de ileostornia terminal se houver dilatação de
res avaliações, mas são tão graves e difíceis de manejar como as alças proximais, e se o estado geral e nutricional dos pacientes
decorrentes de operações para RCU (pouchitis, sepse pélvica, não for o ideal. Hipoalbuminernia, uso prévio de corticoides
fístulas etc.). e imunossupressores fazem com que o risco de deiscência de
anastomoses nesta situação seja elevado. A reconstrução do
trânsito é então realizada após a recuperação nutricional do
• Cuidados pré- e transoperatórios paciente (período mínimo de 3 meses).
Os portadores de DC que se enquadram na indicação cirúr- A economia no comprimento do intestino a ser ressecado
gica eletiva necessitam de cuidados que visam a menores taxas nos portadores de DC fez com que algumas técnicas se tomas-
de complicações e melhor prognóstico. O aspecto nutricional é sem particularmente úteis no tratamento de estenoses múlti-
importante, e pacientes com desnutrição grave são beneficiados plas, associadas ou não a ressecções. As estenoplastias, ver-
por nutrição parenteral total (NPI), geralmente realizada por dadeiras anastomoses sobre áreas fibrosadas ou inflamadas,
algumas semanas antecedendo o procedimento. Antibioticote- apresentam bons resultados, com índice de fístulas semelhan-
rapia deve ser utilizada, sendo o esquema mais comum o cipro- tes às ressecções. As estenoses curtas devem ser tratadas pela
floxacino associado ao metronidazol. O cólon destes pacientes técnica de Heineke-Mikulicz, semelhante à piloroplastia, com
deve ser sempre preparado mecanicamente, para que se evitem abertura longitudinal e fechamento transversal da alça intestinal
surpresas em casos de fístulas internas, mesmo que a doença com pontos separados. Estenoses longas são mais bem trata-
supostamente acometa apenas o intestino delgado. A utilização das pela técnica de Finney, verdadeira anastomose laterolateral
de imunossupressores (comumente azatioprina) pode ser inter- ampla da região estenosada dobrada sobre seu próprio eixo.
rompida, com resultados questionáveis na literatura Através destas, técnicas há menor ressecção e risco menor de
Vale lembrar que os pacientes com diagnóstico firmado de desnutrição e s!ndrome do intestino curto. São particularmente
DC, que se apresentam com abdome agudo, devem ser trata- úteis nos casos de acometimento difuso jejunoileal.
dos como tal: sondagem vesical para melhor monitoramento As derivações internas (bypasses) são operações raramente
da diurese, reserva de sangue e vaga de UTI; bom acesso venoso utilizadas nos dias de hoje e ficam reservadas aos casos de en-
(de preferência, central) deve ser realizado. volvimento do ureter do processo inflamatório, com risco de
Pacientes que utilizaram corticoides em um período de pelo lesão desta importante estrutura.
menos 1 ano antes da operação devem ser tratados com repo- Sem dúvida, os melhores resultados ocorrem quando há
sição intraoperatória. A hidrocortisona utilizada na dose de ressecção do extenso processo inflamatório, com anastomose
100 mg IV na indução anestésica, complementada se o proce- no mesmo tempo cirúrgico. A utilização de estornas e outras
dimento tiver duração maior que 2 h, deve ser seguida de es- técnicas devem ser particularizadas para cada caso, e o cirurgião
quema de manutenção com retirada gradual. Evita-se, assim, deve sempre "pensar com a razão, nunca com o coração". Um
insuficiência adrenal no transoperatório, causa de hipotensão estoma pode salvar uma vida, e depois ser reconstruído. Nunca
de origem obscura. se arrepender de realizá-lo, apenas de não o fazer!

• Operações sobre otrato digestório alto • Estornas


O acometimento do duodeno pela DC ocorre em cerca de Como citado previamente, pacientes com oclusão intestina.!
4% dos casos, geralmente com extensão secundária ao piloro por processo inflamatório na DC, com dilatação de alças e mau
e antro gástrico. Os pacientes são comumente assintomáticos. estado nutricional têm indicação plena de estornas de desvio,
Indicações cirúrgicas nestes pacientes ficam reservadas a obs- pelo alto risco de deiscências anastomóticas. Sempre que um
trução alta, dor epigástrica recorrente, que não melhora com paciente portador de DC é submetido a uma operação abdomi-
bloqueadores de bomba de prótons, e surtos de pancreatite. A nal, um estoma deve estar entre as possibilidades de resolução
operação mais descrita é a derivação gastroenteral (para duo- do caso. Ueostomias, terminais ou em alça, são os estornas mais
deno ou jejuno proximal), associada à vagotomia seletiva para comumente utilizados. A proteção de anastomoses distais de
se evitar o risco de úlcera de boca anastomótica. Estenoplastias risco também é indicação plena de desvio com estornas.
duodenais são usadas mais raramente, com bons resultados. A presença de doença perianal grave é igualmente causa de
estornas de desvio. Se o intestino delgado estiver acometido por
processo inflamatório, as preferenciais ileostomias em alça de-
• Operações sobre ointestino delgado vem ser substitu.ídas por colostomias em alça. Estornas em alça,
A localização mais comum da DC é no íleo terminal, válvula desviando o trânsito fecal do períneo, podem facilitar a cicatriza-
ileocecal e ceco. Tais pacientes em geral evoluem com massas ção de lesões perineais, associadas ou não a drenagens múltiplas
palpáveis, cólicas fortes e até quadros de obstrução intestinal. perianais. Pacientes com doença anorretoperineal grave são can-
~clássica a descrição da ileocolectomia direita com ileo- didatos a proctectomias, com colostomias terminais nos casos
transverso e anastomose para o tratamento desta situação, com de cólon esquerdo livre de doença, como se verá à frente.
excelentes resultados. Em alguns estudos, os pacientes apresen- Teixeira et al. (1999), na Universidade de São Paulo, em
taram-se assintomáticos por vários anos após a ressecção. A estudo de 82 estornas em portadores de DC, concluíram que,
utilização de anastomose manual vem sendo atualmente substi- além do alto número de complicações de confecção, a maioria
tuída pela anastomose laterolateral, terminoterminal funcional, dos estornas inicialmente temporários acabam sendo definiti-
com grampeadores lineares cortantes de tamanho maior que vos. Neste mesmo estudo, de todos os pacientes operados por
8 em. Apesar do índice de recidivas no local da anastomose ser DC, 38% necessitaram de estornas no ato cirúrgico. Portanto,
o mesmo, supõe-se que a amplitude desta boca anastomótica aviso prévio ao paciente sobre a possibilidade da necessidade
reduza a necessidade de reoperações sobre o mesmo local, no eventual de estornas, e demarcação prévia de possíveis locais
futuro, por menor risco de estenose sintomática. para essas estomias.
Capltulo32 I Doença deCrohn 375

• Operações sobre ocólon • Operações emergenciais


As colectomias por colites na DC podem ser realizadas com Faria et al. (2004) descrevem em sua análise de 100 pacien-
preparo adequado e geralmente são segmentares e econômicas. tes que cerca de 2096 deles têm como primeira manifestação
O megacólon tóxico, situação extremamente rara na DC, ne- da DC o abdome agudo.
cessita de colectomia total e ileostomia terminal para seu trata- A mais comum emergência abdominal nos pacientes porta-
mento. Na fase crônica, estenoses colônicas e ffstulas internas dores de DC é a oclusão intestinal, geralmente por doença no
para outros órgãos (comuns do sigmoide para Oeo, jejuno ou íleo terminal e no ceco. Em pacientes diagnosticados previa-
bexiga) igualmente necessitam de ressecções segmentares para mente com DC, a indicação cirúrgica fica mais evidente, sendo
o sucesso do tratamento. Não são raras as situações de doença a ressecção do íleo terminal e do ceco a operação de escolha.
grave no íleo terminal e ceco, com fistulização para o sigmoide. Condições gerais do paciente (estado geral, uso de corticoides,
Nestes casos, além da Ueocolectomia direita, ressecção segmen- aspecto nutricional) e das alças intestinais (dilatação a montan-
tar do sigmoide acometido, com anastomose primária, é ne- te, edema de alças) geralmente preconizam Ueostomia terminal
cessária para a completa ressecção das áreas doentes. Pacientes com posterior reconstrução de trãnsito.
portadores de doença grave, acometendo todo o cólon, reto e Abscessos abdominais podem se formar secundariamente
perfneo, são candidatos à proctocolectomia total e ileostomia a perfurações bloqueadas no retroperitônio dos pacientes com
te.rminal definitiva, como descrito adiante. DC no delgado e no cólon. A drenagem cirúrgica por laparo-
tomia ou por punção guiada por exames de imagem deve ser
• Operações perineais precoce. Esta última manobra, útil em pacientes graves, ajuda
na compensação do quadro para posterior laparotomia e tra-
As operações mais comuns no paciente portador de DC pe- tamento definitivo da lesão causadora do abscesso.
rineal são as drenagens de abscessos múltiplos. Estes devem Abscessos perianais devem ser sempre precocemente drena-
ser sempre drenados; já as flstulas, cuidadosamente estudadas. dos, com incisões pequenas, o mais próximo possível da mar-
Eventualmente, a colocação de reparos esfincterianos frouxos, gem anal. O procedimento deve essencialmente ser o mais
com drenas de borracha finos, mantém a área livre de infecção.
econômico, mas a indicação de drenagem jamais deve ser pos-
Fístulas perianais superficiais, e flstulas retovaginais baixas, em
tergada, para se evitar sepse perineal complicada.
pacientes com doença controlada clinicamente, podem ser ope-
radas da maneira convencional.
Um dos conceitos mais claros na literatura das cirurgias • Videolaparoscopia
perineais da DC é o de se evitarem grandes áreas abertas de
O acesso videolaparoscópico vem sendo cada vez mais uti-
ferida. Sabe-se que a cicatrização é deficiente nestes pacientes
e o fechamento destas feridas pode levar meses. Além disso, a lizado em operações sobre o intestino delgado e grosso, prin-
indicação cirúrgica nestes pacientes deve ser agressiva, sendo o cipalmente na última década. Ressecções de segmentos de in-
procedimento realizado o mais conservador possíveL testino delgado e cólon são comumente realizadas para outras
Em um estudo realizado por Kotze et aL (2001), analisando afecções, como doença diverticular, câncer colorretal e grandes
34 pacientes portadores de DC anorretoperineal, concluiu-se pólipos colorretais.
que a operação mais comumente utilizada foi a drenagem de abs- Pacientes com diagnóstico de DC podem ser tratados de
cessos perianais (3896), seguida por fistulotomias (2096), reparos forma laparoscópica, desde que compensados (cirurgias eleti-
esfincterianos (1196) e correção de única ffstula retovaginal. vas) e devidamente selecionados. As principais indicações para
Como citado previamente, a utilização de estornas de pro- o uso da laparoscopia, segundo revisão de Campos (2003), são
teção para pacientes com doença anorretoperineal grave é ma- as criações de estornas de desvio por doença perianal, ressecção
nobra útil no controle da inflamação local do períneo. ileocolônica no tratamento da Uefte terminal, estenoplastias
Atualmente, a evolução do tratamento clinico, com alta para doença jejunoileal, e ressecções segmentares do cólon. As
disponibilização de imunossupressores, uso do infliximabe e principais contraindicações para estes pacientes são extensas
oxigenoterapia hiperbárica, tem colaborado para tornar o tra- massas inflamatórias, fistulas internas complexas, perfuração
tamento local da doença anorretoperineal menos agressivo. livre em cavidade com peritonite e múltiplas aderências. Como
Salienta-se que a utilização dos medicamentos associada à ci- muitos pacientes com indicação cirúrgica para tratamento da
rurgia traz melhor evolução nestes casos. DC são jovens, o aspecto cosmético é obviamente importante,
Pacientes com DC perineal grave, com destruição perineal, sendo muito vantajoso nas operações laparoscópicas. Retorno
incontinência e múltiplas flstulas, têm indicação de proctecto- mais precoce às atividades e menor tempo de internação são
mia com estoma definitivo para melhor qualidade de vida. Se o vantagens também importantes para a utilização desta via de
cólon estiver livre de lesão, pode-se preservar o intestino grosso, acesso.
e uma colostomia terminal do sigmoide é realizada. Nos casos A seleção do melhor caso pode, sem dúvida, ser o princi-
de pancolite ou colite segmentar, a proctocolectomia total com pal aspecto na indicação desta via de acesso para o tratamento
ileostomia terminal é a melhor opção de tratamento. cirúrgico. A curva de aprendizado para esses casos é longa, e
Teixeira et ai. (2002), em estudo de 183 pacientes operados cirurgiões experientes em videolaparoscopia colorretal estão
por DC, descreveram os resultados de 31 submetidos à proc- cada vez mais aprimorando sua experiência.
tocolectomia total por doença perianal grave. Salientam que ·cutting does not always mean cure!", como diriam os ame-
a opção pela proctocolectomia deve ser inicial nos pacientes ricanos ...
com doença perianal com ou sem associação colônica, com
bons resultados e menores índices de recidivas e internamentos
futuros. Pacientes com enterocolite de Crohn, em que as reci- • Recorrência pós-operatória
divas são mais frequentes, devem ser tratados de forma mais Desde as descrições das primeiras séries de casos de DC
conservadora. na literatura, notou-se que os índices de recorrência após as
376 Capftulo32 I Doençade Crohn

ressecções cirúrgicas eram significativos, o que demonstra


a característica incurável e recidivante desta entidade. Estes
• Profilaxia da recorrência
dados podem ser ilustrados por um estudo que demonstrou Discutidos os tópicos anteriores, a decisão de se iniciar ou
que, após 1 ano das ressecções de segmentos acometidos pela não o tratamento para prevenção da recorrência não deve ser
DC, os lndices de recidiva endoscópica chegaram a 8096, a somente baseada em sintomas. Tabagistas devem ser orientados
recidiva cllnica ocorreu entre 10 e 2096 dos casos, e a necessi- a abandonar este hábito. Pacientes com múltiplas ressecções,
dade de nova cirurgia foi documentada em 596 dos pacientes com doença penetrante e fistulas perianais devem ter tratamen-
operados. to com imunossupressores iniciado depois de 2 semanas da ci-
Alguns fatores de risco para recorrência da doença após res- rurgia. A utilização da terapia biológica fica reservada para os
secções foram identificados na literatura. Há consenso de que casos com piora após 1 ano no escore endoscópico, e em casos
o tabagismo é um hábito que aumenta significativamente os de complicações ou intratabilidade cllnica com a azatioprina.
lndices de recidiva pós-operatória, assim como a presença de Novamente, o bom-senso e a pronta análise individual de cada
doença perianal e ressecções intestinais prévias. Há evidências caso, associados à experiência de cada centro de tratamento
de que a doença penetrante (fístulas) no momento da opera- com determinadas terapias, devem nortear as condutas.
ção apresenta maiores riscos de recorrência do que doença não Depois de ressecções com anastomoses ileocolõnicas, a DC
penetrante, com risco de reintervenções mais precoces. Ou- recorre em poucos meses no novo lleo terminal. As lesões mais
tros fatores, como sexo, idade no momento da operação, tem- precoces são ulcerações aftosas que podem evoluir para infla-
po do diagnóstico, transfusões sangulneas no transoperatório, mação mais grave, dando sintomas e complicações. Há nítida
comprimento da área ressecada e presença de inflamação nas relação entre a gravidade da inflamação recorrente e a subse-
margens de ressecção, foram exaustivamente estudados. Entre- quente evolução clinica da afecção. Assim, a prevenção de recor-
tanto, não há consenso de se apresentam influência nas taxas rência precoce deve ser a maior meta das medidas terapêuticas
de recidiva, e há ampla controvérsia a respeito destas variáveis nos pacientes operados!
analisadas. Nas ressecções ileocólicas, o tipo de anastomose A própria passagem das fezes e a flora bacteriana do intes-
parece ter influência sobre a necessidade de reintervenções ci- tino podem ter papel importante na recorrência. Antibióticos,
rúrgicas por recidiva. Há relativo consenso na literatura de que 5-ASA, corticoides tópicos e imunossupressores podem ser usa-
as anastomoses laterolaterais, manuais ou mecânicas, realizadas dos. A administração de metronidazol (20 mglkgldia) durante
com boca ampla de cerca de 10 em, são mais indicadas na DC 3 meses pode ser útil e deve ser iniciada na primeira semana
por atrasarem mais a indicação de reoperações por recorrên- depois de ressecção ileal com colectomia parcial ou anastomose
cia no local McLeod et ai. (2009), em estudo prospectivo com ileocolônica. No primeiro ano, a resposta é melhor que após
mais tempo da cirurgia (3 anos).
139 pacientes submetidos a ressecções por DC, demonstraram
Surpreendentemente, descreveu-se bom resultado com a
não haver diferença nas taxas de recorrência endoscópica e sin-
tomática após 1 ano de seguimento. Nesta análise, um número sulfasalazina e operações não radicais, com uso de até 3 anos.
Outros autores obtiveram bons resultados com 5-ASA na pre-
maior de ressecções prévias foi considerado um fator de risco,
venção de lesões endoscópicas.
e tratamento com imunossupressores após as ressecções foi
Fato importante a lembrar é que os pacientes relutam em
considerado um fator redutor da recidiva. O consenso euro-
tomar, por vários anos, grande quantidade de drogas que nao
peu de doenças inflamatórias intestinais recomenda a anasto-
foram eficazes para controlar a doença antes da cirurgia! A AZA
mose mecânica laterolateral nas ressecções ileocólicas na DC.
parece ser, até agora, a droga de beneficio para estes pacientes,
Talvez este tipo de anastomose não influencie na presença da mesmo que tenha que ser usada por 2 anos ou mais.
recorrência endoscópica. Entretanto, traz menor necessidade Terapia agressiva, aliada a diagnóstico precoce, pode preve-
de tratamento cirúrgico ao longo do tempo se comparado às nir muitas complicações, como destruição anal, fistulas e es-
anastomoses terminoterminais, por menor risco de estenoses tenoses.
a longo praz.o.
O tratamento clinico após as ressecções, com o intuito da
prevenção da recidiva, é recomendado pela maioria dos auto- • Evolução
res. Dentre os medicamentos utilizados, há maior eficácia com Enfatiza-se a alta porcentagem de recorrências. Pode·se con-
o uso de imunossupressores (a.zatioprina e 6-mercaptopurina), cluir, do ponto de vista de prognóstico, que, quanto mais jo-
pois os derivados do 5-ASA e antibióticos apresentam graves vem o paciente no momento do diagnóstico, maior chances de
limitações para este fim. Regueiro et ai. (2009) publicaram um evolução tumultuada por exacerbações e complicações, prin-
estudo randomizado que mostrou significativas vantagens com cipalmente cirúrgicas.
o uso do infliximabe associado à a.zatioprina durante 1 ano após O curso clinico da DC é imprevisível. Para a grande maioria
ressecções em relação à monoterapia com azatioprina. Na análi- dos pacientes, o curso é através de exacerbações e remissões.
se endoscópica deste estudo, os índices de recidiva endoscópica, Infecções oportunistas intercorrentes constituem os fatores
bem como sua gravidade, foram significativamente menores precipitantes mais comuns. A atividade da doença deve ser
no grupo que utilizou a terapia biológica. Os autores recomen- avaliada pelos sintomas, sinais e testes de laboratório. Sinais e
dam que, em pacientes com características de pior prognóstico, sintomas de surto da DC nem sempre requerem reestadiamento
como doença perianal, diagnóstico abaixo de 40 anos e taba- da doença, a não ser que o manejo médico falhe, a doença se
gistas, o tratamento deve ser agressivo, com terapia biológica. interrompa ou que se antecipe a cirurgia.
Todo paciente submetido a ressecções cirúrgicas deve ser exa- Para os que apresentam a doença nos cólons, de longa du-
minado por ileocolonoscopia depois de 1 ano, pa.r a se avaliar a ração, o risco de câncer é de 3 a 20 vezes maior que na popu-
presença de ulcerações e a eficácia do tratamento da prevenção lação geral, e menor que na RCU, mas devem-se monitorar
de recidiva. Nos casos de piora do escore endoscópico, uma os pacientes também com colonoscopia e biopsias. O uso de
mudança no tratamento deve ser efetuada, para melhor con- imunossupressores e cirurgias conservadoras diminuiu muito
trole da doença. a incidência de complicações a longo prazo.
Capftulo32 I DoençadeCrohn 377
• Pode aDC aparecer pela primeira vez durante gestação?
• QUESTÕESPERTINENTES À FERTILIDADE Sim, pode, mas, em geral, o comportamento da doença não
EALTERAÇÕES GINECO-OBSTÉTRICAS EM é mais grave do que nas pacientes não grávidas.
PORTADORES DA DC* • As drogas usadas no tratamento da DCpodem ser usadas durante
a gestação?
• Podem a mulher eo homem com DI/ se tomarem país?
Sim, conforme os esquemas já mencionados.
Em geral, a resposta é "sim". Dar preferência quando a doen-
ça estiver inativa. • As drogas são perigosas para ofeto?
Não, de acordo com os esquemas. A DC inadequadamente
• Como aDI/ afeta afertílídade feminina emasculina equais as
tratada é mais perigosa para a mãe e para o feto!
chances para uma gravidez bem-sucedida? A budesonida não trouxe dano para a mãe ou para o feto,
Na DC a fertilidade não se afeta nos períodos de quiescência, mas são poucos os estudos realizados a esse respeito.
mas na DC ativa ou após extensa cirurgia pode diminuir por As mães em uso de infliximabe devem pensar em concepção
alterar o ciclo menstrual-amenorreia-sintoma que se segue à pelo menos depois de 3 meses da interrupção da droga.
perda significativa de peso. O uso de fibras (Plantago ovata, Ispaghula husks) pode ser
A fertilidade masculina não é afetada na DC. Entretanto, abs- útil em casos de diarreia.
cessos e fistulas na pélvis e região anal podem causar distúrbio de
ereção e ejaculação; ou quando há cirurgia extensa, particular- • Os contraceptivos orais podem causar ou agravar DC?
mente seguida de bolsa ileoanal. Quando o paciente está usando Embora estudos controversos, não parece haver contrain-
sulfasalazina, pode haver infertilidade temporária que se norma- dicação para seu uso. Lembrar que no caso de diarreia grave,
liza em 2 meses após interrupção da droga ou troca pelo uso de sua absorção pode ser pequena e a paciente não estar devida-
5-ASA. As razões incluem diminuição na contagem dos esperma- mente protegida.
tozoides, redução de fluxo seminal, anormalidades na estrutura e
motilidade das células espermáticas. Tais anormalidades ocorrem • Azatioprina ou 6-mercaptopurina podem ser usadas antes ou
em cerca de 80% dos homens tratados com esta droga. durante a gestação?
Ver os esquemas.
• Como a DI/ afeta ocurso da gravidez easaúde do bebn
Cerca de 85% das mulheres com DC têm gravidez normal. • Ouso de corticosteroides éseguro durante gestação e
Malformações nos fetos ocorrem somente em 1%. Não parece amamentação?
haver maior risco de abortamento espontâneo. Lembrar que Sim, mas o recém-nascido pode apresentar apatia e redu-
em mulheres sadias 15% das gestações cursam com problemas ção de sua atividade por baixos níveis de cortisona pelas suas
ou complicações. Concepção em fase de quiescência é sempre suprarrenais. As vezes, o neonatologista necessita prescrever
recomendável. esta droga para a criança. Isso geralmente ocorre quando a mãe
Se a concepção ocorre em período de grande atividade da precisa de altas doses de corticosteroides.
doença, o número de abortos, prematuridade dos fetos e outras Como a cortisona passa pelo leite materno, as mesmas con-
siderações devem ser feitas.
complicações surgem em maior risco.
Com a budesonida, tais efeitos não têm sido detectados.
• Que exames médicos são importantes antes do planejamento de
uma gestação?
Os exames são os habitualmente recomendados, dependen-
do da fase da DC. A administração de ácido fólico é indicada,
- .-
Quadro 32.13 Curso da gestação em mulheres sadia.s e pacientes
como em qualquer gravidez. principalmente quando há uso com doença de Crohn (estudos europeus eamericanos)
de sulfasalazina.
Nonnal Malfonnaç6es Prematuros Aborto
• Como adrurgia para otratamento da DCpode afetar a gestação?
População geral 83 6 9
Gestações sem complicações são vistas após cirurgias intes-
tinais extensas, inclusive quando há colectomia ou ileostomia. DC em remissão 82 7 10

Recomenda-se que se espere 1 ano após o procedimento cirúr- DC em fase ativa 54 25 20


gico para se recomendar gravidez. No caso de ileostomia, pode
haver prolapso ou oclusão durante a gestação. Se for necessá-
ria cirurgia no decorrer de uma gestação, raramente ocorrerá
aborto ou outra complicação. ---------------T ---------------
Efeito da gestação na atividade da doença
Quadro 32.14
• Agravidez traz impacto ao curso natural da DC? de Crohnseguida de concepção durante remissão
Em geral, não haverá impacto sobre a atividade da DC.
As drogas usadas para manutenção da remissão podem ser Manutenção da remissão - 85%
mantidas durante a gravidez. Início em crise de agudização -15%
Por outro lado, piora dos sintomas em uma gestação não • durante o p rimeiro trimestre -1 3%
implica que isso possa ocorrer em gestações subsequentes. • durante o segundo trimestre < 1%
• durante o terceiro trimestre < 1%
•Instruções da Sociedade Britânica de Doenças Inflamatórias Intestinais e ex· • durante o puerpério - 2%
periência dos autores do capítulo.
378 Capftulo32 I DoençadeCrohn

• Deve-se interromper ouso de 5-ASA por ocasião do porto? descoberta de agentes terapêuticos especificas e mais potentes
Em geral, não é necessário, particularmente porque os ní- para a DC que é tão debilitante e que implica ajustes e adapta-
veis sanguíneos de 5-ASA são baixos e não causam alterações ções familiares, sexuais, sociais e emocionais!
na coagulação nem na agregação plaquetária. Enquanto se aguarda a cura para a DC, as terapias disponí-
veis visam à manipulação dos estímulos enterais e regulação,
• Quaisexames podem ser feitas durante ogestação? cada vez mais sofisticada, da resposta imune!
Em geral, a ultrassonografia. Complementada ou não pela
ressonância magnética, são de grande valia. Métodos que en-
volvam radiação devem ser deixados para após o parto ou para • LEITURA ALTAMENTE RECOMENDADA
situações de emergência. Só realizar qualquer tipo de endosco-
pia em mãos de examinador experiente. SECOND EUROPEAN EVlDENCE·BASED CONSENSUS ON CROHN'S
DISEASE.IournalofCrohn~ &Coliti$, 2010; 4:1 · 101.
WORLD GASTROENTEROLOGICAL ORGANIZATION PRACTJCE GUI·
• Quais os considerações especiais durante oporto? DELINES FOR THE DIAGNOSJSAND MANAGEMENTOFIBD IN2010.
Parto vaginal geralmente é preferfvel, mas episiotomia perma- Inflamm BoweJ Dis, 2010; 16:112·24.
nece assunto controverso, se há ou não maior risco de DC peria-
nal. Em pacientes com ileostomia, pode· se prefeir cesariana, para
evitar contrações abdominais que causem prolapso íntestinal. • LEITURA RECOMENDADA
• H6 dieta especial poro o mulher gr6vido com DG Acoslll, MB & Pena, AS. Clinicai appücations of NOD!CARDJS mutations in
Não, apenas uma dieta balanceada. Crohns' disease. Acta Gastr<Xnrerol Latinoam, 2007; 37:19-51.
Ahmad. T, Armu:r.zi, A, Bunce, M et ai. The molecular classification ofthe clini·
cal manifcstations of Crohn's diseasc. Gastroenterolcgy, 2002; 122:854·66.
• Quais os riscos de uma aionço de pois rom IX ter omesmo doença? Alexander·Williams, J. Doença de Crohn. Em: Coelho, JCU. Aparelho Digestivo.
A DC não é hereditária, mas há predisposição genética. Cllnica e Cirurgia, 2' cd., Rio de Janeiro, Medsi, p. 525·35, 1996.
AUet. M, Lemann, M, Bonnet, I et al. Long term outcome of patients with aclive
• As mulheres com DC podem amamentar? Crohn's disease exhibiting extensive and deep ulceratjons at colonoscopy.
Am f Ga.stroenterol, 2002; 97:917·53.
Sim, desde que não estejam usando imunomoduladores.
Alos, R & Hijonos.a, J. Timing of surgery in Crohn's disease: a key issue in the
management. World f Gasrrotnterol, 2003; 14:5532-9.
Amre, DK, Lu, SE, Costea, F er ai. Utilíty ofserological markers in predicting the
• Drogas biológicas early occurrence of compBcations and surgery in pediatric Crohn's disease
O IFX parece não interferir na fertilidade. Mostrou-se pouco patients. Am f Gastroenterol, 2006; 101:645·52.
Andus, T &Targan, SR. Glucocortiooids. Em: Targan, SR & Shanaban, F.Inflam-
tóxico para uso durante gestação, possibilitando sua manuten-
mawry Bowel Disease. Williams & Wtlkins, Baltin>ore. pp. 487-502, 1994.
ção, principalmente em casos mais graves, quando a atividade Appau, KA, Fazio, VW, Shen, B ti aL Use of infliximab within 3 months of
da DC representa risco maior do que a medicação, segundo ileocolonic resection is associated with adverse postoperative outcomes in
Mahadevan et a/. (2005). Assinala-se que o uso é de baixo risco Crohn's patients. I Gastrointe.t Surg; 2008; 12:1738-44.
durante a amamentação. Assche, GV, Vanbeckevoort, D. Bielen, O t1 aL Magnetic resonance imagíng
of lhe effects of ínllix.i.mab on perianal fistuliz.íng Crohn's disease. Am I
Recomenda-se vacinação precoce contra papiloma vírus em Gastroentero~ 2003; 98:332·9.
mulheres que usarão IFX. Bamias, G & Cominelli, F. lmmunopathogenesis ofinflammatory bowd disease:
O ADA é seguro na gestação, mas não há estudos suficien- currcnt conccpts. Cu.rr Opit~ GastToeuterol, 2007; 23:365-9.
tes quanto à amamentação. Como é um anticorpo lgGl, pode Baptista, ML, Amarante, H, Picheth, G et a/. CARDJS and IL23R InJluences
atravessar a placenta no terceiro trimestre, inferindo-se que Crohn's Oisease Susceplibility But Not Oisease Phe.n otype ín a Brazilian
Population.!nflamm Bowel Dis, 2003; 14:671·9.
pode ser suspenso de 6 a 8 semanas antes da data provável do Barbieri, O, Kotze, LMS. Rodrigues, M. Doença in1lamatória intestinal crônica
parto. Deve-se ponderar que, se o risco da atividade da doença inespecllica. Em: Kotze, LMS & Barbieri, D. Afec.ções Gastrointestinais da
for grande, a medicação, com o nível de segurança que oferece, Crlat~ça e do Adolescente, l* ed., Revinte-r, Rio de Janeir~ 2003. p. 298-329.
pode ser mantida na mulher grávida. Não houve maior risco de Barnes, BH, Borowitz, SM, Saulsbury, FT, HeUems, M, Sutphen, JL Discordant
malformações fetais em estudo conduzido por Chambers et al. erytrocyte sedimentacion rate and C-reative protein in children with in·
(2006), para estudo de risco teratogênico do ADA. flammatory bowel disease taking agathiopríne or 6-mercaptopurine. JPGN,
2004; 38:509-12.
Barnes, RM, AUan, S, Taylor-Robinson, CH et aL Serum antibodi.. reactive
with Saaharomyces urevisiae in inflammatory bowel disease: is lgA anti·
• CONSIDERAÇÕES FINAIS body a marker for Crohn's disease! Int Arch AUergy Appllmmuno~ 1990;
92:9 -15.
Bartunkova, J, Kolarova, I, Sediva, A et aL Antíneutrophil cytoplasmic anti·
Espera-se que o conhecimento da(s) causa(s) da 011, bem bodies, anti·Saccharomyces cerevisae antibodies, and specilic lgE to food
como a cascata da inflamação, de modo geral, possam levar à allergens ín children with inflanumtory bowel diseases. O in Imm uno~
2002; 102:162·8.
Baumgart, DC & Sandborn, WJ. Jnllammatory bowcl disea.se clinicai aspects

.,. and estabüshed and evolving thernpies. Lanut, 2007; 369:1641-57.


Beaugerie~ L. Seksik. P. Nion-Larmurier, I el ai. Predictors o( Crohn's disease.
Gastroenterology, 2006; 130:650·6.
Quadro 32.1 S Risco estimado de desenvolver doença Bermejo, F & Garcia-Lópet. S. A guide to diagnosis of iron deficiency and
inflamatória intestinal iron defidency anemia in digestive diseases. World I Ga.stroenterol, 2009;
15:4638-43.
Risco para a criança com um dos país afetado 1-7% Bes~ WR, Becktel, JM, Síngleton, JW et a/. Devclopment of a Crohn's disease
activity index: National Cooperatlve Crohn's Disease Study. Gaslroenie-rol-
Risco para a criança com ambos os pais afetados ±36% ogy, 1976; 70:439·44.
Risco para outros irmãos de uma criança afetada 2-6% Biancone, 4 Fiori, R, Tosti, C et al. Virtual colonosoopy compared with con-
Risco para os país de uma criança afetada 1-5% ventional colonoscopy for stricturing postoperative recurrence in Crohn's
disease. Inflamm Bowel Ois, 2006; 9:343-50.
Copftulo32 I DoençodeCrohn 379
Bickston, SJ, Lichtenstein, GR, Arseneau, KO et aL The relationship between Hampe, J, Franke, A, Rosenstiel, P et aL A genome-wide association scan of
intliximab treatment and lymphoma in Crohn •s diseasc. Gastroenterology, nonsynonymous SNPs idcntifics a susceptibility variant for Crohn diseasc
1999; 117:1433-7. inATG16L1. Nat Genet, 2007; 3.9:207-ll.
Bloom, PO, Rosenberg. MO, Klein, SO et aL Wireless Capsule Endoscopy (CE) Hanaucr, SB, Fcagan, BG, Lichtcnstcin, GR, Mayer, LF, Schrciber, S, Colombcl,
is more informative than ileoscopy and SBFT for the evaluation ofthe small JF et al. Maintenancc infliximab for Crohn's disease: the ACCENT I ran-
intc:stinc (SI) in paticnts with known or suspccted Crohn's dlsease. Gastro- domised trial. Lancet, 2002; 35.9:1541-9.
enterology, 2003; 211 (Suppl. 1):A203. Hanauer, SB & Meyers, S. Management ofCrohn's discase in adults. Am J Gas-
Boncn, OK & Cho, JH. Thc gcnctics of inJlammatory bowcl discasc. Gastroen- troenterol, 1997; 92:559-66.
terology, 2003; 124:521-36. Harms, HK, Blomer, R, Bertele-Harms, R.M el al. A paediatric Crohn's disease
Buchmann, P & Alcxandcr-Williarns, J. Classification of perianal Crohn's dis- activity index (PCOAI). Is it useful? Study G on Crohn's disease in children
casc. Clin Gastroentero~ 1980; 9:323-30. and adolescents. Acta Paediatr, 1994; Suppl. 83:22-5.
Calabrese, L & Fleicher, AB. Thalidomide: current and potential clinicai ap- Horsthuis, K, Bipat, S, Bennink, RJ el aL Inflammatory bowel disease diagnosed
pli01tions. Am I Med, 2000; 108:487-95. with US, MR, sc1ntigraphy, and CT: Meta-analysis of prospective studles.
Campos, FGCM. Indicações e resultados da vídeo-cirurgia na Doença de Crohn. Radiology, 2008; 247:64-79.
Rev Bms Coloproct, 2003; 23:322-30. Hugot, JP. Chamaillard, M, Zouali, H et aL AssociationofNOD21eucine-rich repeal
Chambers, WM, Mortensen, NJ. Postoperative leakage and abscess forma- variants with susccptibility to Crohn's disease. Nature, 2001; 411 :599-o3.
tion after colorrectal surgery. Best. Pract. Res. Clin Gastroenterol, 2004; Hugot, JP & Jung, C. 1BD genes: Thc Old and New Candidates. f Pediatr Gas-
18:865-80. troenterol Nutr, 2006; 43, Suppl. 2:511.
Clayton, EM, Rea, MC, Shanahan, F et aL The vexed relationship between Humira*. Bula do produto.<www.humira.com>.
Clotridium diJ!icile and inllammatory bowel disease: An assessment of Hyams, J, Crandall, W, Kugathasan, S, Grifliths, A, Olson, A, Johanns, J et aL In-
carriage in an outpatient setti.ng among patients in remission. Am J Gas- duction and maintenance inlliximab therapy for the treatrnent of moderate-
troentero1, 2009; 104:1162-9. to-scvcrc Crohn's discasc in childrcn. Gastroenterology, 2007; 132:863-73.
Colombcl, JF, Sandborn, WJ, Rutgecrts, P et aL Adalimumab et ai. for mainte- Hyams, JS. Extraintestinal manifestations of inflammatory bowel disease in
nance of cllnical response and remis.sion in patients wlth Crohn's diseasc: childrcn. I Pediatr Gastroenrerol Nutr, 1996; 19:7-21.
thc CHAR..\1 trial. Gastroenterology, 2007; 132:52~5 . Hyams, JS, Markowilz, J, Wyllie, R. Use ofinlliximab in the treatrnent ofCrohn's
Colombel, JF, Schwartz, DA, Sandborn, WJ et al. Adalimumab <tal. for the treat- d iscase, in children and adolcse<:nts. f Pediatrics, 2000; 137:192-6.
ment of fistulas in patients with Crohn's disease. GuJ, 2009; 58: 940-8. Hwang, JM & Varma, MG. Surgery for inflammatory bowel disease. World J
Cosnes, J. Nion-Larmurier, I, Beaugerie, L et ai. Impact ofthe increasing use of Ga.stroenterol, 2008; 14:2678-90.
immunosuppressants in Crohn's disease on the need for intestinal su_rgery. Koltum, WA. The future ofsurgi01l management ofinflammatory bo\\oel disease.
Gut, 2005; 54:237-41. Dis Colon Rectum, 2008; 51:813-17.
Costamagna, G, Shah, SK, Riccioni, ME et al. A prospective trial comparing Kotze, LMS. Doença de Crohn. Experiência pessoal. Rev. Bras. Colo-Proctol,
small bowcl radiographs and vídeo capsule for suspcctcd small bowcl dis-
1991; 11:9-14.
ease. Gastroenterology, 2002; 123:999-1005.
Kotze, LMS. Problemas proctológicos. Em: Barbieri, O & Koda, YI<L. Do-
Crohn, BB, Ginzburg, L, Oppenheimer, LG. Regional enteritis: a pathologic
enças Gastroenterológica.s em Pediatria. Atheneu, São Paulo, 11 ed., 1996.
and clinicai e.ntity. /AMA, 1932; .99:1323-9.
pp. 356-74.
Cucchiara, S. Escher, JC, Hildebrand H et ai. Pediatric inflammatory bowel
Kotze, LMS & Kotze, LR. Clinicai presentation, therapeutic management and
disease and the riskoflymphoma: should we reise ou r treatrnent strategies1
evolution of Brazilian patients with Crohn's disease at different ages. Trends
I Pedia.tr Gastroenterol Nutr, 2009; 48:257-67.
in lnflam.matory Bowel Oisease Therapy, August 27·29, 1999. Vancouver,
O'Haens, G, Baert, F, Van Assche, G et ai. Earlycombined irnmunosuppression
Canada.
or conventional management in patients with newly diagnosed Crohn's
Kotze. LMS. Kotze. PG. Nisihara. RM et ai. Anti ~Saccharomyas cerevisiae an-
disease: an open randomised trlal LanceJ, 2008; 371:660-7.
tibodies and increased risk for surgery in Brazilian patients with Crohn's
D'Haens, GR, Noman, M, Vanderschueren, D et al. Infliximab therapy en·
diseasc. Am I Gastroentero~ 2006; 101, Abstract 1126.
hances bone formation in active Crohn's disease. Gastroenterology, 2004;
Kotze, LMS, Kotze, PG, Scna, MG, Teixeira, S et ai. Formas de apresentação c
126:A472.
evolução da doença de Crohn na infância e na adolesáncia. Rev Gastro-
Drossman, DA, Patrick, DL, MitcheU, CM et ai. Health related quality of life
entero~ 1994; pp. 15.
in inflamrnatory bowel disease. Functlonal status and patient worries and
eoncerns. Dig Dis Sei, 1989; 34: 1379-86. Kotze. LMS. Nisihara, RM, Nass, FR et al. Anti·Saccha.romyces cerevisiae anti-
Oubinsky, MC, Lin, YC, Outridge, O, PicorneU, Y, Landers, CJ, Farrior et al. bodies in fust· degree relatives or cellac patients. I CIJn Gastroenterol, 2010;
Serum immune responses predict rapid disease progression among children 44:308.
with Crohrfs disease: immune responses predict disease progression. Am I
Kotze, LMS, Nisihara, RM, Utiyama, SRR <tal. Antibodies anti-Saccharomyces
Gastroenterol, 2006; 101:3-6 0·7. cerevisiae. (ASCA) do not differentiate Crohn•s dise.ase from celiac disease.
Duerr, RH, Taylor, KD, Brant, SR et ai. A genome·wide association study identi· Arq Gastrotnterol, 2010; 43 (no prelo).
fies IL23R as an lnflammatory bowel disease.. Scitnce, 2006; 314:1461-3. Kotze, PG & Bueno, FY. Tratamento da Doença de Crohn Anorre[Qperi.neal.
Ehrenpreis, EO, Kane, SV, Cohen, LB et al. Thalidomide therapy for patients Rev Bras Coloproct, 2001; 21, Suppl.l :82.
with refractory Crohn's disease: an open-label trial. Gastroenterology, 1999; Kotze, PG, Bueno, FV, Soares, AV et ai. Abscesso hepático como complicação na
117:1271-7. doença de Crohn: Relato de caso. Rev Bras Coloproct, 2001; 21:88-91.
Faria, LC, Fer-rari, ML, Cunha, AS. Aspectos clínicos da Doe,nça de Crohn em Kund.hal, P, Zachos, M, Holmes, JL, et al. Controlled ileal release budesonide
um centro de referMda para doenças intestinais. GED. 2004; 23:151-64. in pediatric Crohn disease: eflicaey and effect on growth./ Pediatr Gastro-
Feagan, BG, Panaccione, R, Sandbom, WJ et ai. Effects of adalimurnab therapy enterol Nutr, 2001; 33:75-80.
on incidence ofhospitallzation and surgery in Crohn's disease: results from Kunitake, H, Hodin, R, Shcllito, PC, Sands, BE, Korzenik, J, Bordeianou, L. Pe-
the CHARM study. Ga.stroenterology, 2008; 135:1493-9. rioperative treatment with infliximab in patients with Crohn's di.sease and
Fiocchi, C. Intlammatory bowel disease: etiology and pathogenesis.. Gastroen- ulcerativc colitis is not as.s<Kiated with an ine-rca.sed rate of postoperative
terology, 1998; 115:182-205. compli01tions. f Gastrointest Surg, 2008; 12:1730-6.
Fireman, Z. Mahajna, E, Broide, E et al. Oiagnosing small bowel Crohn's disease Lakatos, PL, Czcgledi, Z. Szamosi, T, Banal, J, David, G et aL Pcrianal diseasc,
with witeless capsule endoscopy. Gut, 2003; 52:390-2. small bowel disease, smoking, prior steroid or early azathioprinelbiologieal
Gasche. C, Scholmerich. J. Brynskov, J et al. A simple classification of Crohn's thcrapy are predictors of disease bchavior changc in patients with Crohn's
disease: Report of the Worlting Party for the World Congresses of Gastro- discase. World f Gastroemerol, 2009; 15:3504-10.
enterology. Vienna 1998.Injlamm Bowel Dis. 2000; 6:8· 15. Lce, SD & Cohen, RD. Endoscopy ofthe small bowcl in inflammatory bowcl
Glotzer, OJ. Surgical Therapy for Crohn's disease. GasiToenteroL Clin N Am, disease. Gastroinlest Endosc Clin N Am, 2002; 12:485-93.
1995; 24:577-96. l-ichtenstein_, GR, Panaccione. R, Mallarkey, L. Review: Efficacy and safety of
Goyer. P, Alves, A, Bretagnol, F et aL lmpact of complex Crohn's disease on the adalimumab in Crohn's disease. 7her Adv Gastrt>enterol, 2008; 1:43-50.
outcome oflaparoscopic Ueocecal resection: a comparative clinicai study in Lo, SK, Zaidel, O, Tabibzadeh, S et al. Utility of wireless capsule endoscopy
124 patients. Dis Colon Rectum, 2009; 52:205-10. (WCE) and IBD serology In re-classifying lndctermlnate coUtis {!C). Gas-
Gupta, N, Cohen, SA, Bostrom, AG et ai. Riskfuctor for initial surgery in pedi- troenterology, 2003; 214(4) Suppl. I:A192.
atric patients with Crohn's disease. Ga.stroenterology, 2006; 130:1069-77. Loly, C, Belaiche, J, Louis, E. Predictors of severe Crohn's discase. Scand f Gas-
Gutierrez, A, Lee, H, Sands, B. Outcome of surgical versus percutaneous drain- troen:erol, 2008; 43:948·54.
age of abdominal and pelvic abscesses in Crohn's disease. Am f Gastroenterol, Lu, Y. Jacobson, o. Bousvaros, A. Immunizations in patients with inflammatory
2006; 101:2283-9. bowel disease- Inflamm Bowel Di.s, 2009; 15:1417-23.
380 Capftulo32 I DoençadeCrohn

Mahadcvan, U & Tcrdiman,J. Intcntional inlliximab use during prcgnancy for Rutgeerts, P. Sandborn, WJ, Feagan, BG ti a/. Infliximab tt a/ for induc-
induction or maintenanc.c of remission in Crohn's discasc. Aliment Phar- tlon and maintenanc.c therapy for ulcerative colitis. N Engl I Med. 2005;
macol Ther, 2005: 21:733-8. 353:2462-76.
Markowitz, J, Grancher, K. Simpser, E ti aL Highly destructive perianal dis- Sandborn, WJ. Preliminary report on lhe use of oral tracolimus (FK506) in
ease in children with Crohn's disease. J Pedíalr Gastrotnltrol Nutr, 1995; lhe trcatmcnt of compllcatcd proximal small bowcl and fistulizing Crohn's
21:149-53. discasc. Am I Gastroenterol, 1997; 92:876-9.
Maruyama, R, Noguchi, T, Takano, M ela/. Uscfulncss of magnctic rcsonancc Sandborn, WJ, Rutgccrts, P, Enns, R ela/. Adalimumab ela/ induction lhcrapy
imaging for diagnosing dccp anorcctal absccsscs. Dís Cown Reclum, 2000; for Crohn's disease prcviously treated with infliximab: a randomizcd trial
43(SuppL):S2-S5. Ann [nlern Med, 2007; 146:829-38.
McGovern, DPB, Hysi, P, Ahmad, T et ai. Assoeiation betwccn a eomplex Sandborn, WJ & Targan, SR. Biologic thcrapy of inllammatory bowcl discascs.
insertionfdeletion polymorphism in NODI (CARD4) and suscepti- Gastroenlerology, 2002; 122:1592-608.
bility to inflammatory bowel disease. Hum Moi Gtnel, 2005, 14;10: Sands, BE, Anderson, FH, Bernstein, CN, Chey, WY, Feagan, BG, Fedorak, RN
1245-50. el ai. Infliximab tt a/. maintcnancc thcrapy for fistulizing Crohn's Discasc.
Mc!M>d, RS, Wolff, BG, Ross, S, Parkcs, R, Mcl<cnzic, M. lnvcstigators of lhe N Engl I Med, 2004; 350:876-85.
CAST Trial. Recurrence of Crohn's disease after ileocolic resection is not af- Sands, BE. Arscnault,JE. Roscn, MJ et ai. Risk ofcarly surgery for Crohn's dis-
fected by anastomotic type: results ofa multicenter, randomized, controlled ease: implications for early treatment stratcgies. Am JGastroenuro~ 2003;
trial. Dis Colon Redum, 2009; 52:919-27. 98:2712-8.
Moskovitz, O, McLeod, RS, Greenberg, GR, Cohen, Z. Operative and envi- Sands, BE, Cuffari, C. Kastz, J ti aL GuidcUncs for immuniutions in paticnts
ronmental risk factors for recurrence of Crohn's disease. lnl J Coloredal with inJiammatory bowcl discase. Inflamm. Bowel Dis., 2004; 10:677-92.
Dis, 1999; 14:224-6. Sartor. RB. Pathogenesis and immune mechanisms of chronic inflammatory
Myrel1d. P. Ola.i.son, G, Sjõdahl. R tt al. Thiopurine the.rapy is associated with bowel diseases. Am 1 Gastrotnterol, 1997; 92:55-IIS.
postoperati~ intra-abdominal septlc complications in abdominal surgery Schnitz.l.er, F, Fidder, H, Ferrante, M, Noman, M, Arijs, I tt al. Long-terrn out-
for Crohn's disease. Djs Colon Rtctum, 2009; 52:1387-94. come of treatment with infliximab in 614 patients with Crohn's disease:
N~, ]D & Pfefferkorn, M. Short-term respon.se to adaHmumab in childhood te$ults from a single-centre cohort Gut, 2009; 58:492-500.
infiammatory bowel discase. Injlamm Bow.l Dis, 2008; 14:1683-7. Sendid, B, Quinton, JF. Charrier, G et al. Anti-Saccharomyces cerevisiae
Ogura. Y, Bonen. DK. Inohara, N et al. A frameshif mutation in NOD2 associated mannan antibodies in familial Crohn's disease. Am I Gastrotnterol, 1998;
with susceptibility to Crohn's disease. Naturt, 2001; 31:411 (6837):603-6. 93:1306-10.
Parkes, M, Barrett, JC. Prescon, NJ tt al. Sequence variants in the autophagy Shari.ff, u. Narula, H, Speake, W. Brown, S. Terminal ileal Crohn's disease:
gene JRGM and other repllcating loâ contribute to Crohn's disease suscep- conservative surgeon and aggressi\.•e physidan? Colorectal Dis, 2009;
tibility. Nat Genet, 2007; 39,7:830-2. ll:522-3.
Peltekova, VD, Wintle, RF, Rubin, LA el a/. Functional variants of OCTN Shergill. AK & Terdiman, JP. Controversies in lhe treatment ofCrohn's disease:
cation transporter genes are associated with Crohn Disease. Nat Genet. the case for an accelerated step-up treatment approach. World I Gastn>en-
2004,36:471-5. rerol, 2008; 14:2670·7.
Perez,.CUadrado, E, Macenlle, R, Iglesias, J, Fabra, R, Lamu, D. Usefulness of oral Stoll, M, Cornellussen, B, Costello, CM et al. Genetic varlation in DLGS is as-
video push enteroscopy in Crohn's dlsease. Endoscopy, 1997; 29:745-7. soc-iated with inflammatory bowel disease. Nat Gt.net, 2004; 36:476-80.
Poritz, LS, Gagliano, GA, McLeod, RS, MacRae, H, Cohen, Z. Surgical man- Summers, RW, Elliott, DE, Thompson, R et al. Trial of helminth ova in active
agement of entero and colocutaneous fistulae in Crohn's disease: 17 yea.ls Crohn's disease. Gastroenrerology, 2005; 128:825-9.
experience. lnl I Colorectal Dis, 2004; 19:481-5. Teixeira, MG, Almeida, MG, Teixeira, WG et ai. Estomias na doença de Crohn.
Presoott, NJ, Fisher, SA, Franke, A el aLA Nonsynonymous SNP in ATG16Ll Rev Bras Coloproct,l999; 19:122-6.
Predisposes to lleal Crohn's Disease and ls Jndependent of CARD15 and Teixeira, MG, Brunetti, C, Gonçalves, SR et al. Manifestações extra•intestinais
IBD5. Gastroenlerowgy, 2007; 132:1665-71. da doença de Crohn. Rev Bras Cow-Proclo/, 1988; 8:7-10.
Present, DH & Banks, PA. The role of pANCA and ASCA in differentiating Teixeira, MG, Sousa, M, Almeida, MG et ai. Resultados da proctocolectomia
ulcerative colitis, Crohn•s disease and indeterminate colitis.lnjlamm Bowel total com Ueostomia definitiva (PCT) na doença de Crohn (DC) Rev Bras
Dis, 1999; 5:66-7. Co/o-proctol, 2002; 22:6.
Quinton, JF, Sendid, B, Reumaux, D et aL Anti-Saccharomyces cerevisiae man- Travis, SPL, Stange, EF, Lémann, M, Oresland, T, Chowers, Y, F-orbes, A et aL
nan antibodies combined with antineutrophil cytoplasmic autoantibodies European evidence based consensus on the diagnosis and management of
in inflammatory bowel disease: prevalence and diagnostic role. Gut, 1998; Crohn's disease: current management. Gut, 2006; 55(SuppL J):ii6-i35.
42:788-91. Vasiliauskas, EA, Kam, LY, Karp, LC, Gaiennie,J, Yang. H, Targan, SR. Mark-
Rampton, DS & Shanahan, F. Fasl f-acts - Injlammatcry Bowel Disease. Heallh er antibody expression stratifies Crohn's disease into immunologically
Press Limite<!, Oxford, UK, 2000. homogenous subgroups with distinct clinicai eharacteristics. Gut, 2000;
Régimbeau, JM, Panis, Y, de Paradcs, V el ai. Manifestations ano-périnéales de 47:487-96.
la maladie de Crohn. Gastroenlerol Clin Biol, 2000; 24:36-47. Vermeire, S, Van Assche, G, Rutgeerts, P. Review article: altering lhe natural
Regueira, M, Schraut, W, Baidoo, L, Kip, KE, Sepulveda, AR, Pesei, M, Harri- history of Crohn's disease - evidence for and against current lherapies. Alí-
son, J, Plevy, SE. Infliximab prevents Crohn's disease recurrencc after Ucal ment Pharmacol Ther, 2006; 25:3-12.
rcsection. Gastroenrerology, 2009; 136:441-50. Vermeire, S, Wud, G, Kocher, K el al. CARD15 Gcnetic Variation in a Quebec
Remicade~. Bula do produto.<www.remicade.com>. Population: Prevalence. Genotype-Phenotype Relationship, and Haplotype
Rioux, JD, Xavier, RJ, Taylor, KD el aL Gcnomc-widc a.ssociation study idcnti- Structure. Am I Hum Genet, 2002; 71:74-83.
fics ncw susccptibility loci for Crohn discasc and implicatcs autophagy in Weinberg. AM, Lewis, JD, Su, C ti ai. Response to infliximab in Crohn's disease:
discasc palhogcncsis. Nat Genet, 2007; 39:596-604. do stricturcs makc a diffcrcncc? Am I Gastroenlerot 2001; 91:S312.
33 Síndrome do Intestino Curto
Paulo Cesar Andriguetto

tentam ratificar o uso de elementos favorecedores de regene-


• INTRODUÇÃO ração tecidual, tais como aminoácidos especificos (glutamina)
e hormônio do crescimento (GH- growth hormone).
A Slndrome do Intestino Curto (SIC) é caracterizada por um
Intervenções cirúrgicas, utilizando-se transecções de intesti-
complexo quadro de sinais e sintomas, decorrentes da incom-
no delgado e loopings, no intuito de retardar o tempo de trânsito
pleta absorção de nutrientes, causada pela abrupta diminuição
intestinal e facilitar a absorção de nutrientes, foram descritas
anatômica da área absortiva intestinal, consequente a ressecções
nos anos sessenta e setenta do século passado, embora nem sem-
maciças do intestino delgado, e, por vezes, também do cólon.
pre essas intervenções demonstrassem resultados favoráveis.
Considera-se, da mesma forma, como SIC condições nas
Nas duas últimas décadas, o transplante de intestino delga-
quais, embora o intestino delgado possa estar anatomicamen- do, isolado ou combinado, tem se consolidado como alternativa
te presente, suas funções absortivas estejam comprometidas,
terapêutica ideal, visando à autonomia do paciente e suspensão
como, por exemplo, nas extensas afecções inflamatórias do in- da terapia nutricional parenteraL
testino, presentes na doença de Crohn ou na enterite actlnica.
Outros fatores coadjuvantes, como a existência de comorbida-
des e a idade do paciente no momento da ressecção, também
determinam a evolução da S!C.
• ETIOLOGIA (QUADR033.1)
A primeira ressecção intestinal seguida de sucesso foi rela- A ressecção maciça do intestino delgado, decorrente de
tada por Koeberle, em 1881, embora, só em 1888, tenha sido trombose ou embolia dos vasos mesentéricos (Figura 33.1),
estabelecida a relação entre magnitude da ressecção intestinal e continua sendo a causa mais comum da SI C, embora outras
sobrevida. Em 1935, Haymond relatou uma série de 250 casos afecções possam levar a maciças ressecções do intestino (Qua-
de ressecção intestinal, concluindo que as funções normais de
absorção eram resguardadas, conquanto a exérese intestinal não
ultrapassasse os limites de um terço do órgão, ficando tais fun-
ções deterioradas assim que a ressecção ultrapassasse 50%.
Durante o século XX, centenas de trabalhos demonstraram
que o intestino delgado pode adaptar-se após grandes ressec-
ções, embora se exija um período de tempo, nisto incluindo
dilatação do intestino delgado restante, alongamento de vilosi-
dades, hiperplasia celular epitelial, migração celular mais rápida
e aumento da capacidade de absorção. Nas décadas de 1969 e
1970, diversos pesquisadores, notadamente Wilmore e Dudrik,
demonstraram que pacientes submetidos a extensas ressecções
intestinais podiam sobreviver com terapia nutricional paren-
teral total, até que o intestino delgado remanescente pudesse
regenerar-se e se adaptar à nutrição enteral e posteriormente
à dieta oral. Nas últimas décadas, com o advento da biologia
molecular, estudo do ácido desoxirribonucleico ( DNA - deo-
xyribonudeic acid) e replicação celular, demonstrou-se que a
regeneração tecidual e a adaptação intestinal são diretamente
proporcionais ao estímulo de nutrientes intraluminais, assim Figura 33.1 Trombose mesentérica: Comparação enue alças intestinais
como fatores teciduais e humorais que influenciam significa- normais(róseas) e comprometidas (enegrecidas). {Esta figura encontra-
tivamente a adaptação. Além disso, trabalhos mais recentes se reproduzida em cores no Encarte.)

381
382 Capitulo 33 I Sfndrome do Intestino Curto

- - -T Interessante ressaltar que todos esses passos podem ser subs-


Quadro 33.1 causas da síndrome do intestino curto tituídos, sublimados ou abolidos, exceto a absorção, tornando
o intestino delgado a área nobre do processo de alimentação.
• Trombose/embolia dos va.s os mesentéticos Até o presente momento, não existe mecanismo eficiente que
• Trauma abdominal possa manter a vida em um padrão mínimo de qualidade, pres-
• Doença lnOamatória intestinal (doença de Crohn) cindindo do fenômeno de absorção de nutrientes. Mesmo a
• Vólvulo do Intestino delgado
Nutrição Parenteral Total (NPT), infundindo diretamente na
veia cava nutrientes vitais à homeostase, não substitui o com-
• Enterlte act/nlca
plexo mecanismo de absorção, transporte, metabolização e uti-
• Tumores de Intestino delgado/mesentérico/retroperltónlo
lização dos nutrientes.
• Flstulas entérlcas O tubo digestivo otimiza a absorção de nutrientes por meio
• Esclerodermla de mecanismos estruturais que aumentam a área absortiva. As-
• Afecç6es congênitas sim, há as pregas de Kerkring, aumentando esta área em três
• Pseudo-obstruções crônicas vezes, as vilosidades em 30 vezes e as microvilosidades em
• Mültiplas Intervenções cinlrgicas abdominais 600 vezes. O intestino delgado pode medir de 400 a 700 em,
com extensão m~ia do jejuno de 600 em e com um dilmetro
interno variando de 1,5 a 3,0 em. Tais dimensões, multiplica-
das, oferecem uma ideia aproximada da extensão desse manto
absortivo.
dro 33.1). Lembrando a anatomia vascular, o duodeno tem su- O intestino delgado contém estruturas dinâmicas que com-
primento sanguíneo derivado tanto do tronco celíaco como da preendem uma variedade de componentes celulares, tais como
artéria mesentérica superior, incluindo tributárias da artéria células epiteliais, imunológicas, musculares, vasculares e linfá-
gastroduodenal, parte superior e inferior da artéria pancrea- ticas. O tecido epitelial apresenta um turno ver altamente regu -
toduodenal, da artéria gastrepiploica direita e artérias supra- lado, movendo-se da cripta para a porção apical das vilosidades
duodenais e retroduodenais. Esta rica vascularização preserva entre 5 e 6 dias, e a porção ileal pode apresentar uma migração
o duodeno durante os eventos isquêmicos mesentéricos. Por celular em até 3 dias. A renovação celular sofre influência ne-
outro lado, o jejuno e o lleo dependem exclusivamente das tri- gativa por diversos fatores, notadamente infecção, inflamação,
butárias da artéria mesentérica superior. Assim como o ceco, desnutrição, aus~ncia de nutrientes intraluminais, qulmio era-
o cólon direito e metade do transverso recebem irrigação da dioterapia. Quando a renovação celular é comprometida, isso se
artéria ileocólica, da artéria cólica direita e da artéria cólica mé- traduz por alterações morfológicas, principalmente atrofia das
dia, todas oriundas da artéria mesentérica superior. A metade vilosidades, que pode reverter-se com terapia adequada.
distai do transverso, o cólon esquerdo, sigmoide e reto são ir- A motilidade intestinal também influencia a absorção de nu-
rigados através de tributárias da artéria mesentérica inferior, trientes, reconhecendo-se que o quimoquilo passa mais lenta-
sigmoideana e retais. A potência da artéria mesentérica supe- mente pelo íleo que em poções altas do jejuno. O trânsito pode
rior fica, desta maneira, sendo a chave da irrigação da grande ficar marcadamente lento através do cólon (24 a 96 h).
e maior parte intestinal. Diariamente, 9 l de água, fluidos e nutrientes percorrem o
O registro espanhol de nutrição domiciliar, referido por tubo digestivo, sendo 2 I. provenientes da ingestão oral e 7 I.
Moreno, relata a isquemia mesentérica como causa principal de secreções internas. Em geral, 98% deste contingente é reab-
de SIC (29,7%), seguida de neoplasia (16,2%), enterite actí- sorvido (5,5 I. pelo duodeno-jejuno, 2 I. pelo íleo e 1,3 l pelo
nia (12,5%), afecções de motilidade (8,1 %) e doença de Crohn cólon).
(5,4%). Outros estudos referidos por Ladefoged e por Nightin- A absorção de carboidratos, proteínas e ácidos graxos se ini-
gale e Lennard-Jones encontraram na doença de Crohn a causa cia no duodeno e praticamente se encerra nos primeiros 100 em
mais comum de SI C, acometendo 50% dos casos. do jejuno, assim como a absorção de ferro, cálcio e vitaminas
Trauma abdominal pode ser causa eventual de SI C, nas gran- hidrossolúveis. Na aus~ncia do jejuno, o íleo pode adaptar-se
des metrópoles. e absorver estes nutrientes, no entanto o íleo não pode com-
Em pediatria, causas neonatais, como a enterocolite ne- pensar a secreção de ~ntero-hormõnios.
crosante, atresia intestinal e vólvulo do intestino delgado são A ressecção jejunal resulta em perda do hormônio polipep-
frequentes determinantes de SIC. Stollman et ai. reportaram, tídio inibitório gástrico e polipeptídio vasoativo, o que faz ele-
em um estudo envolvendo 114 crianças com atresia jejunal, var a gastrina e a secreção gástrica, favorecendo a presença de
submetidas a ressecção e anastomose primária (69%) ou com lesões erosivas gástricas e hemorragia digestiva alta.
enterostomia temporária (29,7%), uma frequência de SIC em O íleo, contudo, tem funções singulares, incluindo a ab-
15% dos pacientes. sorção de sais biliares e vitamina B12 e vitaminas lipossolúveis.
Atualmente, com o advento progressivo da cirurgia bariá- Quando ressecado, a absorção de ácidos graxos fica prejudica-
trica disabsortiva, relatos de desnutrição grave podem enqua- da, acentuando a esteatorreia. A presença de sais biliares não
drar-se no conceito de falência intestinal, semelhantes à SIC. absorvidos provoca aumento do estado secretório colônico,
piorando a diarreia.
Para que a absorção fique significativamente diminuída,
• PATOGENIA deve-se levar em conta a quantidade de intestino delgado res-
secado, a ressecção inclusa de íleo e válvula ileocecal, e a res-
O fenômeno da alimentação depende de volição, ou seja, secção colônica.
da vontade de ingerir alimentos, da ingestão oral e mastiga- Ressecções de 50% da totalidade do intestino delgado são
ção, deglutição, digestão gastroduodenal com a participação de bem toleradas e acompanhadas de certo grau de má absorção,
órgãos anexos, flgado e pâncreas, absorção intestinal de água, facilmente controlável. Ao contrário, ressecções que ultrapas-
eletrólitos, macro e micronutrientes e, finalmente, excreção. sem 75% da extensão do intestino delgado evidenciam clara-
Capftulo 33 I Sfndrom e do Intestino Curto 383

mente disabsorção. Ressecções menores do intestino delgado,


mas que comprometam íleo e válvula ileocecal, determinam
graus elevados de disabsorção. Ressecções incluindo o cólon
trazem importantes perdas de água e eletrólitos, acarretando
sérios distúrbios hidreletrolíticos.
Admite-se que pacientes com SIC devem ter um compri-
mento mínimo de intestino delgado restante de 100 a 150 em,
mesmo sem o cólon, para ficarem independentes de uso de te-
rapia nutricional artificial. Autores acreditam que a presença
de 60 em de intestino delgado e cólon intacto são suficientes
para uma sobrevida aceitável. Portanto, na SI C, fluidos, eletró-
litos, macro e micronutrientes não encontram área suficiente
para serem absorvidos ou reabsorvidos; o tempo de trânsito
intestinal é muito curto (sobretudo, se a válvula ileocecal não
existir mais); a presença de sais biliares e ácidos graxos não
absorvidos aumenta a atividade secretória colônica. Além dis-
so, a hipersecreção gástrica reduz o pH intraluminal e inativa
enzimas digestivas (lipase pancreática). Todos esses fenôme-
nos contribuem para a deteriorização do fenômeno absortivo,
ocasionando graves e irreversíveis perdas nutricionais, sendo
as causas principais de falhas terapêuticas e alto índice de mor-
bidade e mortalidade.

• CONSEQU~NCIAS DA SfNDROME
DO INTESTINO CURTO (QUADRO 33.2)
• Nutricionais (Figura 33.2)
• Perda de água e eletrólitos
Nos primeiros dias após extensa ressecção intestinal, po-
e
d em-se observar perdas diárias de até 5 de água e fluidos,
perdurando até aproximadamente a terceira semana pós-ope- Figura 33.2 Paciente com síndrome do intestino curto demonstrando
ratório. A tradução clínica de tais perdas é grave quadro de de- desnutrição grave e alimentação parenteral total.
sidratação e desequilíbrio hidreletrolítico e ácido-básico, além
de hipovolemia, arritmias cardíacas, insuficiência respiratória
e renal. Exames complementares comprovam facilmente tais
desequilJbrios. satisfatório, terá, em muitas fases de sua vida, necessidade de
reposição parenteral adjuvante de micronutrientes, sobretudo
• Perda de macronutrientes cálcio, fósforo, magnésio e vitaminas.
A má absorção de proteínas, carboidratos e gorduras é res-
ponsável pela gradativa perda de peso, perda de massa muscular, • Hipersecreção gástrica
perda de depósitos de gordura, da arquitetura tecidual e de fim- A hipersecreção gástrica pode ocorrer em mais da metade
ções vitais (Figura 33.2). A tradução clínica dessa perda é ema- dos pacientes com SIC, podendo retornar à normalidade após
grecimento, apatia, limitação funcional e infecções secundárias 3 a 6 meses. A hiperdoridria determina o aparecimento de le-
pelo comprometimento da imunocompetência. Exames com- sões da mucosa gastroduodenal, incluindo úlceras pépticas que
plementares denotam alterações na composição das proteínas, podem ser causa de hemorragia digestiva. Além disso, o baixo
com inversão da relação albumina-globulina, transferrina baixa, pH luminal inativa enzimas digestivas necessárias à digestão
linfopenia e testes alterados de bioimpedância. e absorção de nutrientes, acarretando perdas nutricionais. Es-
tudos mostraram que pacientes portadores de SIC, ao recebe-
• Perda de micronutrientes rem bloqueadores de receptores H 2 da histamina, melhoravam
A perda de cálcio, fósforo e magnésio é notória já nos pri- a digestão intraluminal e absorção intestinal, reduzindo pela
meiros dias, sendo responsável por alterações clínicas. A perda metade a perda de gordura fecal, em até 22% a perda de nitro-
de ferr o, cobre, zinco, molibdênio, vitaminas hidro e lipos- gênio fecal e em ate 34% o volume fecal diário.
solúveis é observada mais tardiamente. Essas perdas condu- Um interessante estudo dinamarquês comprovou a eficácia
zem a um largo espectro de alterações clínicas, desde anemia do uso de inibidores da bomba de prótons, reduzindo a perda
e neutropenia, alterações neurológicas, acrodermatite, alope- fecal, embora não melhorasse a absorção de nutrientes.
cia, diminuição da imunidade, intolerância glicídica, m ialgias,
cardiomiopatias, arritmias cardíacas, alterações visuais, ence- • Acidose láctica
falopatia de Wernicke, acidose láctica, parestesias, neuropatia O ácido láctico é produzido pela fermentação de carboidra-
periférica, tetania e outras. tos não absorvidos pelo intestino delgado, dentro do cólon.
A maior parte dos autores acredita que o paciente portador Observa -se acidose metabólica, e sintomas de disartria, ataxia
de S!C, mesmo com boa adaptação funcional e tamanho residual e confusão mental.
384 Capftulo 33 I Sfndrome do Intestino Curto

T no intestino remanescente melhora gradativamente com o tem-


Quadro 33.2 Consequências da síndrome do intestino curto po, atenuando a diarreia e a disabsorção. O processo adaptativo
se inicia nas primeiras horas após a ressecção maciça, podendo
• Nutricionais prolongar-se pelos primeiros anos. O processo de adaptação
- Perda de ~gua e eletrólitos inclui alongamento e dilatação do intestino residual, aumento
- Perda de macronutrlentes na altura das vilosidades, aumento no peso intestinal, aumento
Proteínas da profundidade das criptas, além do aumento da proliferação
• Carboidratos celular e da atividade enzimática.
• Gorduras Enquanto alguns autores não observam aumento na ativi-
- Perda de mk:ronuttlentes dade das dissacaridases e peptidases, sugerindo que a função
Cákio celular não sofre alterações, outros autores encontraram au-
Fósforo mento de atividade de dissacaridases e sódio-potássio-adeno-
Magnésio sina-trifosfatase (Na + K + ATPase) em enterócitos individuais
Ferro expostos a nutrientes lurninais.
Cobre Alterações morfológicas no intestino delgado são mais evi-
• Zinco dentes em animais que em humanos submetidos a grandes res-
• Selênio secções intestinais. Poros, em 1965, e O'Keef et a!., em 1994,
Molibdênlo mostraram que alterações morfológicas, notadamente hiper-
Vitaminas celularidade nas vilosidades, são mais evidentes em humanos
• Hipersecreçâo ghtrica submetidos a ressecções intestinais extremas.
- úlceras pépticas A adaptação intestinal é multifatorial e dependente da pre-
- Hemorragia digestiva sença e da exposição de nutrientes e elementos não nutriti-
- Baixo pH intraluminal vos no lúmen intestinal, de hormônios entéricos e da secreção
• Inativa enzimas Intestinais necessárias para d igestão/absorção biliopancreática, além de fatores tróficos extraintestinais, pa-
de nutrientes recendo que a chave central da replicação celular é a ativação
• Acidose láctica de poliaminas pela ornitina-decarboxilase. Estudos mostraram
- Acidose metabólica que a inibição da ornitina-decarboxilase resulta em supressão
- Sintomas de dlsartrla, ataxia, confusão mental de 87% da síntese de DNA e na ausência de adaptação funcio-
• Nefrolitfase nal após ressecção maciça do intestino.
- Absorção coiOnica de oxalato livre: hlperoxalúria com formação de Nos últimos anos, pesquisas convergem a determinados ele-
c~lculos urinários mentos que possam ativar e manter a eutrofia intestinal, desta-
- DesidrataçAo e acidose: ú lculos de kldo úrico cando-seos nutrientes intraluminais, as secreções biliopancreá-
• Colelitiase ticas e hormônios.
- Precipitação de colesterol biliar: formaçlo de úlculos biliares
• Nutrientes intraluminais
A preservação e manutenção da estrutura celular intestinal, e
• Nefrolitíase de suas funções, são altamente dependentes da presença de nu-
Normalmente oxalatos da dieta ligam-se ao cálcio no lúmen trientes intralurninais, estimulando di.retamente a proliferação
intestinal, formando complexos insolúveis que são excretados celular e, indiretamente, a produção de peptfdios e hormônios
entéricos, além da regulação do fluxo esplâníco.
nas fezes. Em pacientes com SI C, o cálcio liga-se a ácidos gra-
A atrofia intestinal em animais e humanos, submetidos a
xos não absorvidos, induzindo a absorção colônica de oxalato
jejum e NPT, é fato comprovado. Por outro lado, demonstrou-
livre. Da mesma forma, sais biliares não absorvidos aumentam
se que nutrientes intraluminais ofertados na fase adaptativa da
a permeabilidade intestinal, permitindo maior absorção de oxa-
SIC melhoram a capacidade absortiva intestinal, reduzindo a
lato. A hiperoxalúria resultante contribui para a formação de dependência à NPT. Animais tratados com terapia nutricional
cálculos urinários. Por outro lado, desidratação crônica e acido- enteral tiveram um efeito trófico acentuado, tendo inclusive
se, aliadas à diminuição de inibidores de formação de cálculos, aumento na hipercelularidade, ganho na altura das vilosida-
como citrato e magnésio, aumentam o índice de formação de des intestinais, na profundidade das criptas e no conteúdo de
cálculos urinários de ácido úrico. DNA intracelular.
Os nutrientes especificas (aminoácidos, protelnas, triglice-
• Colelitíase rídios, ácidos graxos, carboidratos e fibras) têm papel impor-
Em geral, pacientes com SIC têm aumento na incidência de tante nesta regulação.
cálculos biliares, de 25 a 30%. Os sais biliares não reabsorvidos,
devido à ressecção do fieo, diminuem a concentração na bile,
acarretando precipitação do colesterol e formação de cálculos • Proteínas e aminoácidos
bil.iares. Além disso, pacientes permanentemente dependentes A proteína intacta tem efeito trófico primordial quando in-
de NPT promovem estase na veslcula biliar, proporcionando fundida no intestino delgado residual. A dieta polimérica in-
formação de cálculos de bllirrubinato de cálcio. fluencia mais a adaptação e a capacidade absortiva que a dieta
hidrolisada.

• ADAPTAÇÃO INTESTINAL • Glutamina


Durante o século XX. autores demonstraram, em animais e A glutarnina é um aminoácido não essencial (primariamen-
humanos, que a capacidade de adaptação funcional e absorção te, derivado da proteína muscular)e constitui a maior fonte
Capftulo 33 I Sfndrome do Intestino Curto 385

precursora da slntese de DNA intestinal. Durante fases críticas vam em animais alimentados com óleos não saturados. Outras
de lesão intestinal, a glutamina pode tornar-se um aminoácido observações sugerem que a hiperplasia celular após ressecções
condicionalmente essencial. maciças do delgado, estimulada com uso de uma mistura de
A glutamina é essencial para manutenção do trofismo do 50% de ácido oleico e 50% de ácido linoleico, age tão efetiva-
enterócito e parece também exercer papel preponderante nas mente quanto o uso de triglicerídios de cadeia longa.
funções imunológicas. Pacientes com graves queimaduras, Os ácidos graxos de cadeia curta (acetato, propionato e bu-
nos quais existia redução na capacidade efetiva dos neutrófi- tirato) são bioprodutos de fermentação colônica de fibras e
los contra esta.filococos, ao serem submetidos à nutrição ente- carboidratos resistentes à digestão. Os ácidos graxos de cadeia
ral acrescida com glutamina, melhoravam substancialmente curta são rapidamente absorvidos pela mucosa colônica e uti-
esta capacidade. lizados como fonte de energia, estimando-se que, diariamente,
A maior parte dos estudos com glutamina foi realizada com em indivíduos sadios, essa fonte possa suprir entre 5 e 10% do
animais de laboratório, e um estudo precursor demonstrou que requerimento energético, podendo elevar-se em indivíduos que
a infusão de glutarninase em animais reduzia sensivelmente consomem altas taxas de fibras ou em portadores de afecções
a concentração sérica de glutamina, a qual era acompanhada disabsortivas.
por diarreia, atrofia vilositária, ulcerações da mucosa digestiva Os ácidos graxos aumentam a absorção de água e sódio, re-
e necrose intestinal. duzem a atrofia intestinal causada pela NPT e influenciam a
A atrofia vilositária e o aumento da permeabilidade intesti- adaptação trófica do intestino delgado e cólon remanescentes.
nal favorecem a translocação bacteriana e a bacteriernia. Neste As fibras proveem o cólon de substratos para produção de
caso, a adição de glutamina à nutrição parenteral ou enteral ácidos graxos de cadeia curta. Em modelos experimentais, as
pode reverter a atrofia intestinal, estimulando a celularidade e fibras solúveis têm efeito benéfico, marcadamente a pectina,
as funções da mucosa intestinal. A glutamina é um substrato no controle da diarreia, diminuindo o número de evacuações
essencial para a recuperação do intestino remanescente após liquidas, melhorando a adaptação intestinal, o peso da muco-
ressecções maciças, tendo alguns estudos demonstrado que a sa, o conteúdo de DNA e a atividade das disacaridases, além
suplementação nutricional com glutamina acelera a hiperplasia de aumentar a absorção colônica de água e a solidificação das
do intestino residual, embora tais resultados de hipercelulari- fezes.
dade não tenham sido reproduzidos no nosso brasileiro.
Em humanos, ensaios terapêuticos com a glutarnina na SIC
não são extensos, sendo mais comuns na Europa, onde pacien-
• Carboidratos
tes recebem NPT enriquecida com soluções de dipeptídios de Além de prover as calorias necessárias ao metabolismo ener-
glutarnina. Em pacientes depletados, a glutarnina normaliza os gético, os carboidratos não digeridos podem ser substrato para
níveis séricos e da mucosa intestinal, melhorando a capacidade a produção de ácidos graxos de cadeia curta no cólon. Demons-
absortiva e revertendo alterações morfológicas devido à priva- trou-se que pacientes com SIC beneficiam-se com d ietas ricas
ção proteica. Em pacientes graves, após grandes ressecções do em carboidratos e baixas em gordura, em uma proporção de
intestino, a adição de glutarnina na solução de NPT atenua a 60a20%.
permeabilidade intestinal induzida pelo jejum e NPT, induzin-
do efeito trófico e regenerativo do intestino. Contudo, existem
resultados controversos em relação à toxicidade da glutamina
• Secreções biliopancreáticas
infundida via parenteral. Altas taxas de glutamina podem ele- Em animais submetidos a grandes ressecções intestinais, as
var metabólitos putativos tóxicos, como o ácido carboxílico secreç-ões biliopancreáticas demonstraram importância evi-
1-pirrolidona, e aumentar a produção de amônia. Portanto, dente para a manutenção da altura das vilosidades e da massa
pacientes com insuficiência hepática ou renal devem ter indi- de mucosa intestinal, sobretudo no íleo. Ao que parece, tais
cação judiciosa e monitoramento rígido de seu uso. secreções seriam estimuladas por colecistoquinina e secretina,
Nos pacientes com SIC, a glutarnina deveria ser administra- as quais seriam influenciadas pelo enteroglucagon.
da preferencialmente pelo trato digestivo, pois teoricamente seu
efeito seria mais benéfico, tendo em vista o contato imediato
com a mucosa digestiva. Observou-se que pacientes críticos sob
• Hormônios
NPT acrescida de glutamina mantêm a troficidade intestinal, Podem-se enumerar como fatores tróficos as proteínas ana-
embora, quando a glutamina é administrada por via enteral, a bolizantes, as quais têm papel no crescimento e no desenvolvi-
absorção de glicose é maior pelo delgado, e estudos experimen- mento celular, destacando-se, entre eles, hormônios intestinais,
tais de diarreia demonstraram melhor absorção de sódio com enteroglucagon, GH, hormônio de fator de crescimento epi-
uso de glutamina enteral. Além disso, a glutamina administrada dérmico (EGF - epidermal growth factor), hormônio de fator
por via oral pode aumentar o nível sérico de GH, tendo efeito de crescimento similar à insulina-I (IGF-I insuline-like growth
positivo na manutenção do trofismo intestinal. factor-l), insulina, testosterona e neurotensina.
O hormônio de crescimento (somatotropina) é um hormô-
nio pituitário, com comprovada atuação na troficidade intes-
• Triglicerídios, ácidos graxos efibras tinal. O GH acelera a utilização de aminoácidos pelo jejuno e
Resultados atuais de pesquisas mostram que os ácidos gra- íleo. Os efeitos positivos compreendem aumento do peso da
xos são importantes mantenedores da troficidade intestinal. mucosa intestinal, aumento na altura das vilosidades e na pro-
A administração de ácidos graxos de cadeia longa promove fundidade das criptas, além de estímulo à hipercelularidade
adaptação intestinal mais intensa que a de ácidos graxos de após ressecções maciças intestinais. Em interessante trabalho,
cadeia média, e o grau de saturação dos ácidos graxos parece comprovou-se a eficácia do uso de GH e outros nutrientes na
ser o elemento principal para tal adaptação. redução de NPT em pacientes portadores de SIC.
Estudos demonstraram que o peso da mucosa intestinal, o O hormônio polipeptídio IGF-I apresenta similaridades
conteúdo de DNA e o conteúdo proteico intestinal aumenta- à proinsulina: primariamente produzido no figado, pode ser
386 Capitulo 33 I Sfndrome do Intestino Curto

sintetizado no intestino delgado, sendo mediador de cresci- O exame f!sico denota emagrecimento global, apatia, astenia,
mento, da divisão e da diferenciação celular. A administração distensão abdominal, hematomas e escaras devido à imobilida-
exógena de IG F-I aumenta a hiperplasia e hipertrofia intestinal de e diminuição dos coxins gordurosos periarticulares. Pelo
após ressecção extensa jejunoileal. Além dos efeitos tróficos, o déficit imunológico, infecções são frequentes, notadamente res-
IGF-1 aumenta o transporte de água e sódio no cólon, pare- piratórias, agravadas pela disfunção diafragmática ocasionada
cendo também regular a absorção intestinal de aminoácidos pela desnutrição, por atelectasias eventualmente presentes no
em modelos animais e humanos, provavelmente estimulan- pós-operatório e pela necessidade de ventilação assistida. Este
do carreadores funcionais existentes na borda em escova das período pode estender-se a um prazo médio de 2 a 3 meses,
membranas celulares. com alta taxa de mortalidade devido a complicações imediatas,
O EGF, em condições normais, é produzido nas glându- sobretudo se ocorrerem novos episódios cardiocirculatórios, ou
las de Brunner, e, na vigência de afecções intestinais, sua pro- se a infecção não for passível de controle. Icterícia e colestase
dução pode situar-se em outros locais do trato digestivo. O são comuns, em quadros infecciosos ou pelo uso prolongado
EGF é considerado potente mitógeno para as células da mu- deNPT.
cosa intestinaL O EGF também está presente no leite materno, Neste período, as modificações morfológicas já são demons-
acreditando-se ser importante regulador do crescimento e do tráveis, existindo aumento do comprimento intestinal de 25% e
desenvolvimento do trato gastrintestinal. Em animais subme- da circunferência intestinal de 30%. À microscopia eletrônica,
tidos a ressecções maciças intestinais, o EGF aumentou signi- observam-se aumento na profundidade das criptas, aumento
ficativamente a absorção de nutrientes, tendo papel marcante no número e na largura das vilosidades.
na regeneração tecidual.
A glutamina é um nutriente essencial para estimulo do EGF • Segundo período: adaptação progressiva
e proliferação celular, tendo-se demonstrado em trabalhos que
Neste perlodo, vencido o primeiro momento de hipercatabo-
a administração de glutamina e EGF têm efeito aditivo no tro-
lismo, o paciente tende a apresentar certa estabilização clínica.
fismo intestinal.
Ocorre redução progressiva da diarreia, e a perda de peso ten-
de a estacionar em um baixo patamar. Raramente, observa-se
ganho ponderai. A cólica abdominal e os vômitos tomam-se
• QUADRO CLrNICO ocasionais. A diarreia tende a limitar-se entre seis e oito depo-
sições diárias, e as fezes podem ficar pastosas, embora ainda
A SIC apresenta sinais e sintomas caracterlsticos pela perda
possa persistir esteatorreia.
de grande área absortiva. Diarreia e perda de peso são sinais
Ao exame clínico, o paciente encontra-se seriamente des-
preponderantes. O paciente pode apresentar mais de 20 depo- nutrido, mas temporariamente adaptado a seu novo biotipo.
sições fecais por dia, e, em breve espaço de tempo, perder de Aparecem sinais e sintomas de desnutrição crônica de micro-
20 a 3096 de seu peso habitual. nutrientes e vitaminas, com dermatite, alopecia e alterações
Na fase aguda, a perda de massa magra e reserva lipídica de fãneros.
é notável, conferindo ao paciente aspecto desnutrido, seme- Quando o paciente apresentar hipercloridria, quadros dis-
lhante ao aspecto de refugiados, prisioneiros de guerra ou a pépticos e mesmo hemorragia digestiva podem estar presentes.
sobreviventes de grandes períodos de penúria (Figura 33.2). Edema de membros inferiores é frequente.
Em fase mais tardia, quando o metabolismo do indivíduo adap- Antropometria e exames laboratoriais comprovam o estado
ta-se lentamente a esse estado crônico e irreversível de desnu- carencial grave, com hipoproteinemia, hipoalbuminemia e que-
trição calórico-proteica, começam aparecer sinais e sintomas da nos valores séricos de micronutrientes e vitaminas.
decorrentes da privação de micronutrientes. Desse modo, o Esse período pode estender-se de 6 meses a 2 anos.
pacíente pode apresentar modificações em seu quadro clinico, Exames radiológicos contrastados do tubo digestivo mos-
dependendo da fase ou do período pós-operatório em que se tram diminuição do tempo de esvaziamento gástrico e aumento
encontra, embora o limite temporal desta fase não seja mui- do calibre do intestino remanescente (Figura 33.3).
to preciso.
Podem-se dividir temporalmente três perlodos distintos:
• Terceiro período: estabilização
• Primeiro período: pós-operatório imediato Dependendo da extensão do intestino remanescente e da
qualidade de sua área absortiva, o paciente pode estabilizar-se
O primeiro período inicia-se imediatamente após a inter- após, em média, 2 anos. O emagrecimento pode atingir 30%
venção cirúrgica. Além do hipercatabolismo intenso prove- do peso habitual e estabilizar-se definitiva e irreversivelmen-
niente da magnitude do ato operatório e, eventualmente, de te. Tentativas de terapia nutricional agressiva e insistente são
comorbidades existentes (cardiopatias e vasculopatias), não é ineficazes para o retorno ao peso habitual. A diarreia varia em
infrequente a bacteriemia causada pela translocação bacteria- tomo de seis deposições pastosas diárias, necessitando indefini-
na através das paredes necrosadas do intestino. Existe grande damente de terapêutica medicamentosa. Em tal período, com-
depleção hidreletrolitica, desequilíbrio acidobase e hipovole- plicações tardias como litiase biliar e nefrolitíase podem surgir,
mia, culminando com instabilidade hemodinâmica. Some-se a assim como complicações metabólicas oriundas de deficiência
diarreia profusa iniciada nas primeiras 24 h, tendendo a piorar de micronutrientes, sobretudo a hipocalcemia e a hipomag-
se tentativas errôneas de alimentação oral forem forçadas. As nesemia.
fezes são líquidas ou semiliquidas, de coloração amarelada e O paciente pode ser considerado controlável, mas não está-
textura oleosa, acompanhadas, por vezes, de cólicas abdomi- vel, conquanto um mlnimo de absorção de nutrientes continue
nais e, também, de náuseas e vômitos. Nas primeiras semanas, a existir e a alimentação oral possa ser recomendada. Pacientes
o paciente perde rapidamente suas reservas calóricas, proteicas dependentes de NPT apresentam seguidamente complicações
e de sais minerais. metabólicas, vasculares e infecciosas.
Capfrula 33 I Sfndrome do Intestino Curto 387

e derivados de sangue devem ser infundidos se houver neces-


sidade.
Atenção especial é dada ao aparelho respiratório, com fisio-
terapia efetiva e ventilação assistida se existir queda significativa
da saturação ou pressão de oxigênio.
Oligúria e sinais de falência renal devem ser observados,
mantendo-se hidratação e diurese adequada.
No intuito de reduzir complicações advindas da hiperclori-
dria, infundir via parenteral, inibidores da bomba de prótons,
em doses duplas, podendo ainda ut:ilizar antiácidos VOe outros
protetores da mucosa gastroduodenal.
Antibióticos de largo espectro, visando, sobretudo, a gram-
negativos e anaeróbios, os quais frequentemente são responsá-
veis por locais infecciosos, oriundos de translocação bacteriana,
devem ser administrados.
Se o paciente apresentar um estoma, cuidados eficazes de-
vem ser tomados ao seu redor, evitando-se erosões e infecções
dérmicas secundárias.
A diarreia pode ser minimizada com uso de anticolinérgicos
e antidiarreicos, quando o paciente já apresentar um mínimo de
estabilização hemodinâmica. Co de!na, hioscina, difenoxilato e
loperarnida podem ser prescritos, evitando-se excesso, para que
efeitos indesejáveis, como a distensão abdominal, não piorem
o desconforto. Somatostatina e análogos têm seu papel como
drogas antissecretoras, sobretudo em pacientes portadores de
estoma. A colestiramina também pode ajudar como quelante
de sais biliares.
A terapia nutricional deve ser, inicialmente, indicada por
via parenteral. Essa medida, contudo, não deve ser tomada
nos primeiros dias de pós-operatório, ou seja, imediatamente
depois da ressecção maciça intestinal, devido a instabilidade
Figura 33.3 Raios X contrastados do aparelho digestivo mostrando hemodinâmica e graves distúrbios metabólicos. Passado esse
segmento curto de intestino delgado. período, a NPT pode ser iniciada, com aporte calórico inicial
de 1.000 kcaVdia, aumentando-se gradativamente, de acordo
com os limites impostos pelo grande trauma e pela assimilação
do paciente, controlando-se rigidamente o metabolismo, so-
bretudo a glicemia, pois a maior parte dos pacientes apresenta
• TRATAMENTO resistência periférica à insulina.
Nos primeiros dias, não se deve tentar corrigir matematica-
O tratamento é complexo e depende de numerosas variá- mente as perdas calórico-proteicas, tampouco reverter o balan-
veis, sendo necessá.rio tratar o paciente sequencialmente, de ço nitrogenado negativo, pois tal atitude aumenta sensivelmen-
acordo com o período que se encontre, além das complicações te a probabilidade de complicações metabólicas e infecciosas.
inerentes a cada período, não esquecendo as causas básicas que O acesso à veia central para NPT deve ser realizado de acor-
originaram a maciça ressecção intestinal. do com rígidos preceitos de antissepsia e assepsia, se possível
Dessa maneira, hã que se tratar sempre a desnutrição, adiar- em centro cirúrgico. Esse acesso e a linha central de infusão
reia, a infecção, a hipercloridria, as complicações oriundas do deveriam ser utilizados apenas para infusão da NPT. Tendo
próprio tratamento relacionadas, boa parte das vezes, à terapia em vista que a NPT será prolongada, um acesso mais definiti-
nutricional, e prevenir novos eventos. vo (dissecção de veia jugular interna e colocação de cateter de
silicone, através de túnel subcutâneo) seria mais confortável
• Período pós-operatório imediato ao manuseio, tanto para a equipe de enfermagem e nutrição,
quanto para o próprio paciente.
Primordialmente, suporte hidreletrolítico e acidobase e he- As soluções de nutrição parenteral além de macronutrien-
modinâmico. Monitoramento em ambiente de cuidados inten- tes (carboidratos, proteínas e lipídios) podem conter adição de
sivos. Prevenção e tratamento de infecção e da hipercloridria. eletrólitos, micronutrientes e vitaminas, levando-se em conta
Inicio mediato da terapia nutricional. reações e precipitações indesejáveis.
Neste período, as perdas de fluidos e eletrólitos são muito Com relação ao aspecto cirúrgico, lembrar que, muitas ve-
grandes, atingindo um débito diário de 5 l, indicando uma re- zes, a demarcação da necrose intestinal, durante a intervenção
posição hidreletrolftica vigorosa obrigatória, mas monitorada cirúrgica inicial, nem sempre é satisfatória, exigindo, em algu-
rigidamente, evitando·se sobrecarga cardiovascular indesejada. mas ocasiões, revisões cirúrgicas no período pós-operatório.
São mandatórios um acesso central para reposição volêmica Por outro lado, situações cirúrgicas diflceis, com anastomoses
e um controle da pressão venosa central. Controle rígido de precárias ou ostomias tensas, podem redundar em complica-
efluentes, sobretudo se existir estoma. A reposição deve ser ções PO imediatas, necessitando de observação acurada, como
realiz.ada com solução salina isotônica, solução de bicarbona- as fístulas digestivas, que, na maior parte das vezes, não têm
to, suplemento de potássio, cálcio e magnésio. Concentrados fechamento espontâneo.
388 Capitulo 33 I Sfndr om e do Intestino Curto

Passados os primeiros dias de PO, e não sendo observadas Análogos da somatostatina promovem aumento na absorção
complicações imediatas, é possível oferecer, VO, pequenas e de sódio, água e cloro, além de reduzir a atividade secretória
fracionadas quantidades de líquidos isotônicos. Podem-se, ain- digestiva e o volume fecal, podendo ter seu uso indicado.
da, utilizar preparados à base de farinha ou mingau de aveia, Glutamina e GH também se mostraram eficazes para melho-
arroz, batatas cozidas ou mesmo massas simples, dependendo rar a adaptação intestinal e diminuir o uso de NPT, e a utilização
da tolerância individual, e se isso não acarretar piora da diar- deve ser considerada. Por outro lado, outros hormônios, como
reia, vômitos ou distensão abdominal. a neurotensina, a bombesina, pept!dio-ll similar ao glucagon e
A nutrição enteral pode ser iniciada da mesma forma, gra- IGF, estão em fase de pesquisas, e resultados definitivos ainda
dativamente, se o paciente não tem condições de deglutição, ou devem ser confirmados.
qualquer outra incapacidade de ingestão suficiente de alimentos Os apoios psicológico, médico, familiar e, sobretudo, da
VO. A terapia nutricional enteral utilizará, preferencialmen- equipe de terapia nutricional são de fundamental importância
te, dietas semielementares com dipept!dios e ácidos graxos de para que o paciente aceite as modificações dietéticas impostas
cadeia média, os quais são bem tolerados, absorvidos e trans- por seu quadro.
portados diretamente pela via porta, embora não apre.s entem a
mesma capacidade de estimulo à regeneração teci dual intestinal
que os ácidos graxos de cadeia longa.
• Período de equilíbrio
Convém observar que portadores de SIC e aus~ncia de vál- Nesta fase, o paciente tem emagrecimento, diarreia e disab-
vula ileocecal não apresentam desconjugação de sais biliares sorção estabilizados. Acostuma-se à nova fisiologia digestiva,
e redução na absorção de gorduras, agravando a esteatorreia. usa medicamentos independentemente e consegue readapta-
Em tais casos, o uso de colestiramina pode ser benéfico. A nu- ção em seu ambiente domiciliar, familiar e até profissional,
trição enteral pode ser infundida através de sondas de silicone, dependendo da quantidade e qualidade do intestino restante
dentro do estômago ou jejuno, colocadas via nasogástrica ou definitivo.
por gastrostomia ou jejunostomia, menos frequentemente. A Neste período, o paciente faz de seis a dez pequenas refei-
infusão, em geral, é auxiliada por bombas infusoras próprias ções diárias, introduzindo novos alimentos conforme a acei-
à nutrição enteral. tação, podendo adicionar soluções e suplementos nutricionais
VO, com alto teor de eletrólitos, sais minerais e vitaminas. O
• Período de adaptação paciente deve ser orientado a revisões sistemáticas, a contro-
le antropométrico e metabólico contínuo, já que comumente
Quando o paciente com SIC apresenta área absortiva resi- se observa defici~ncia de micronutrientes, traduzida por uma
dual adequada, pode-se reduzir o uso de NPT paulatinamen- miríade de sinais e sintomas, incluindo fadiga, dermatite, alo-
te, aumentando o aporte da nutrição enteral e estimulando a pecia, taquicardia, mialgia, cardiomiopatias, encefalopatia de
dieta oral. Wemicke, acidose láctica, tetania, cegueira noturna e outros.
Os módulos de nutrição enteral não devem ultrapassar o Muitas vezes, o internamento e a reposição destes nutrientes,
dobro da osmolaridade plasmática, evitando agravamento da temporariamente, se fazem obrigatórios.
di arreia e disabsorção. O uso de triglicerldios de cadeia média Aparentemente, pacientes que apresentam extensão mínima
não deve ultrapassar o aporte calórico diário de 450 kcal, pois de 100 em de intestino delgado remanescente podem atingir
doses elevadas desses triglicerídios (TCM) causam náuseas, esta fase com certo conforto e ter sobrevida satisfatória. Por ou-
vômitos, distensão abdom in al e diarreia osmótica. O aporte tro lado, aqueles que têm menos que 60 em de intestino delgado,
lipídico deve limitar-se a 30 g por dia, totalizando uma mé- ou apenas o duodeno, raramente conseguem ficar independen-
dia de 15% das calorias totais, sendo razoável uma relação de tes de NPT, e, a estes, apenas o transplante intestinal poderá
2:3 de ácidos graxos de cadeia curta e 1:3 de ácidos graxos de devolver a esperança de sobrevivência e qualidade de vida.
cadeia longa.
Os pept!dios (fórmulas oligomonoméricas) são mais bem
absorvidos, e de maneira mais rápida, que os aminoácidos li- • TRATAMENTO CIRORGICO PARA S[NDROME
vres ou a proteína intacta. O aporte proteico deve ser ofertado
na razão de 1,2 a 2 g/kg/dia. Suplemento de glutamina diário, DO INTESTINO CURTO
na ordem de 25 gldia.
As vitaminas hidrossolúveis (ácido ascórbico, ácido fólico O uso contínuo e crônico de NPT no tratamento da SIC
e vitaminas do complexo B, excetuando a vitamina B,2) são provoca morbidade elevada. Devido a inúmeras dificuldades na
absorvidas no intestino residual e devem ser prescritas. Na au- manutenção destes pacientes, idealizaram-se no passado recen -
sência de válvula ileocecal, a vitamina B12 deve ser prescrita por te, vários procedimentos cirúrgicos com o intuito de melhorar
via parenteral, através de injeção intramuscular, a cada 2 ou a qualidade de vida destes individuos.
3 meses. Vitaminas lipossolúveis (A, O, E, K) necessitam de A tentativa destes procedimentos era retardar o tempo de
reposições mais frequente.s, em geral 2 vezes/semana. Micro- trânsito intestinal, permitindo maior tempo de contato do ali-
nutrientes e oligoelementos como cálcio, zinco, ferro e mag- mento com a mucosa intestinal remanescente, e, consequente-
nésio deverão, da mesma forma, ser infundidos, com controle mente, melhorar a absorção. Técnicas propostas de confecções
metabólico. de válvulas, interposição de segmentos intestinais, construção
Dependendo da tolerância, a alimentação VO pode ser esti- de segmentos anisoperistálticos e marca-passos intestinais fo-
mulada, e quantidades de alimentos podem ser ofertadas pro- ram descritas, e enteroplastia longitudinal e alongamento in-
gressivamente, tendo-se em conta a proscrição do uso de leite testinal são bem consagrados.
e derivados, naqueles com deficiência de lactase. Neste perío- Nos últimos 1O, 20 anos, a proposta de transplante intestinal,
do, os pacientes começam a identificar determinados alimen- isolado ou combinado, vem ratificando-se como a alternativa
tos que melhoram ou pioram sua nova condição fisiológica ideal aos portadores de SIC. ~indicada primordialmente a pa-
digestiva. cientes com complicações graves da falência intestinal, dentre as
Capftulo 33 I Sfndromedolntestlno Curto 389
quais se destacam hepatopatia (acometendo 5096 dos pacientes Dowling. RH, Fuller, R., Ubhen, MH, Zimmermann, E, Lund, PK. Small and
em NPT prolongada), sepse recorrente e perda dos acessos ve- large bowd mRNA in themtestinaladaplatioo o(growth bormone in trans·
genic mico (abstnct). Gut, 1991;J2-.A1208.
nosos. Embora eficaz em casos selecionados, este procedimento Oudrick, SJ, Latili, R. Fosnoeh, DE. Management of lhesbort bowd syndrome.
ainda envolve dificuldades associadas à rejeição de dificil ma- SurgCiinNorthAm,1991 ; 71:625.
nejo, imunossupressão, infecções, técnica operatória complexa, Faintueh, J, Matsuda, M, Silva, M.'d, Garrido JR, AB, Rodrigue$. JG. Seve.re
e falta de centros de referência em nosso meio. protein-caloríe malnutrltion after bariatrle proeedures. Obesíty Surgcry,
Nota-se, no entanto, em centros mundiais, uma tendência à Canada, 2004; 14:179·81.
Galvão, FHF, Waituberg. DL, Bacchella, T, Gama Rodrigues, J, Machado, MCC.
indicação do transplante de intestino delgado, em fases não tão Transplante de Intestino delgado. Arq Gastroenterol, 2003; 40:118·25.
avançadas de falência intestinal, e ainda sem comprometimento Ganorg. WF. Ganrolntestlnal seeretlons and motility. Em: Review of Medicai
hepático evidente, podendo o paciente perdurar com sua NPT, Phytiology. 11 ed., Los Altos: Lange, 1983, p. 38-413.
até a estabilização do quadro e sucesso do transplante. Gardemann, A, Watanabe, Y, Grobe, V, Hesse, ~ Jungumann, K. Incrcases In
Intestinal glueose absorption and hepatic glucose uplJ!ke elicited by luminal
O paciente submetido a transplante hepático terá indica-
but not vascular glutamine in lhe jolntly perfused smalJ lntestlne and llver
ção de elevadas doses de imunossupressão, ficando suscetível of lhe raL Biochem 1. 1992; 283:759··6 5.
a infecções, falência renal, hipertensão arterial, alterações neu- Glanonl, L, Alexander, JS. Gcnnarl, EF et aL Oral aJutamine deereases baete·
rops{quicas, e ainda à rejeição do órgão, sendo, desta maneira, r!al transloeatlon and improves survivalln experimeotal gut -orlpn sq>Si.s.
obrigatória a vigilãncia contínua e rígida. I Pen, 199S; 19:69·74.
Gounebel, MC, Astrc, C, Briand, O, Saint·Aubett, B. Gmrdot, PM,)~wt, H.
Segundo dados da United Network ofOrgan Sharing (UNOS), lnfiU<nee ofN-aeetyl·glutaminc or glutamlne infu.sion on pluma amlno-
a sobrevi da em transplantados, em 3 meses, é de 8596; em 1 ano, aeid coneentrations durin3 lhe early pb- of small-bowd adaptation in
de 7496; em 3 anos, de 59%; e, acima de 5 anos, de 596. O Inter- lhe dog.l Pen, 1992; 16:117-21.
national Transplant Registry, que atualiza dados anualmente, Hart, MH, Phare., C.K, Etdmann. SH, Grandjean, CJ, Park, JHY, Vanderhoor,
aponta em média, uma sobrevida anual de 7096. JA. Augmentation of postr.....:tion mueosal byperplasía by pleroeercoid
growth factor (Pllf) - analog ofhuman growth hormone. Dig Dis Sei, 1987;
32:1275·80.
Haymond, HE. Masslve resectlon of thc small intestine. Surg Gynecol Obstet,
• LEITURA RECOMENDADA 1935; 61:693.
!move, Y, Copeland, EM, Souba, WW. Growth hormone enhances amlnoacld
Altman, CC. lnfluenee of bilc and panc.reatic secretlons on the siu o( thc in- uptalce by the human •maU lntestine. tlm Surg, 1994; 219:715·24.
t«tlnal Yilli in lhe "L Am I Anal, 1971; 132:167·78. Isaaos, PET & Klm, YS. The eontamlnated small bowd syndrome. Am 1 Med,
Argenzlo, RA, Rhoads, JM, Annstrong. M, Gom~ G. Glutamine stimulates 1979; 67:1049.
proctaaJandln-seJUitive Na+ H+ exchange in experimental porcine eryp- Jacobs, DO, Evans, DA, Mealy, K. O'Owyer, ST, Smith, RJ, WUmore, DW. Com-
tosporldlooos. G<utn>tntaoiogr, 1994; 106:1418·Z8. bined dfeeu o( glutamlne and epidermal growth factor on lhe rat intestine.
Astre, C, Goutt<btl, MC, Saint-Aubert, 8, Girardot, PM, Brland, O,~ H. Surgory~ 1998; 104:358-64.
Pbsma and J<junal gluwnlne leveis after extenslve small bo""l racc:tion Jeppesen, PB & Mortensen, PB. Enbaneing bowd adaptation in short bowd
In dop. OlnJall Nutrition, 1992; 11:JO..I. syndromo. Cu" Gastrocnurol kp, 2002; 4:338-47.
Balcervllle, A, Hambleton, P. Benbough, JE. PatholosJe features o( aJutamin..., Jeppesen, PB, íJellesen, L, Mortensen, PB et a/. A randomiud double-blind
toxlclty. Br 1 EJcp Patho41980; 61:132-8. aoss-over study o( lhe elfeet o f omepruole venus ranitidine intravenously
Bark.sdale, EM & Stanford, A. The surgieal management o( short bowel syn- on energy absorption and Intestinal output in patients with short bowd
drome. Cu" Gasi.wmerol, 2002; 4:229-37. syndrome. Gastroe"terology, 1997; 112:882.
Beyer, PL & Flynn, MA. Etreets of hlgh and low-fiber dlets on human feees. 1 )oyeux, H & Astruc, B. Cabsorptlon des nutriments cn nutrition enterale. Em:
tlm Diet A.,oc, 1978, 72:271. Joyeux. H & Asatrue, 8 (eds.). Traíté de Nutrítion Artíficlt!le det:-.dulte,
Blanehl, A. lntestlnalloop lengthenlng a teehnlque for lncreaslng smalllntes- Montpellier: SSTNA. 1980, p. 278-284.
tlnallength.l PediatrSurg,1980; 15(2). Kandil, HM, Argenrlo, RA, Chen, W ti a/. L-aJutamine and L-asparagine slimu·
Borgsatron, B & Oahlqulst, A. Studles of Intestinal dlgestlons and absorption lates OOC aetlorty and proliferation in a porcine jejunal enteroeyte line.
In the human.l Clin Jnvest, 1957; 36:1521. Am I Phytiol, 199S; 269:G591-9.
Boud, JH, Currier, BE, Buehwald, H, Levin, MO. Colon.lc eonservation of ma· Karatzas, T, Seopa, S, Tsonl, I t1 ai. Etreet of glutamine on Intestinal mucosa!
labsorbed earbohydrates. Gastroentaoiogr, 1980; 78:445-7. integrhy and baccerlal translocatlon after abdominal radiadon. Clln Nutr,
Byrne, TA, Penínger, RL, Young. LS et al. A new treatment for patients with 1991; 10:199·205.
short· bowd syndrome: growth hormone, glutamine and modJJied cliet. Kllmberg. VS, SaUoum, RM, Kuper, M et aL Oral glutamine aeeelerates heal·
Ann Surg. 1995; 222-.243-55. ing o( lhe smaU lntestine and improves outcome after whole abdominal
Calvert, R, Bealieu, JF, Mennard. O. Epidermal growth faetor (EGF) ac:ed.er· radlatlon. Ardr Surg, 1990; 125:1040· 5.
ates lhe maturation of fetal mou.se intestine in utero. ~enti4, 1982; Kllmberg. VS. Souba, WW, Oolson, DJ t1 aL Prophybetie glutamlne protects
38:1096-7. lhe Intestinal mucooa from radlation lnjury. Cancer, 66:62-8.
Chadwick, VS, Gasinclla, TS. Carlson, G t1 al. Effeet of molecular structure on Ko. TC, Beanchamp, RD, Townsend, CM. Glutamine is essential for epider·
blle acld·lndueed alte"tions in thc absorptive functlon, permeabillty and mal growth factor·stlmulated intestinal cdl proliferation. Surgcry, 1993;
morphology in lhe perfused rabbit eolon. f Lab Clín Mtd, 1979; .94:661- 114:147· 54.
74. Ke<:berle, E. Resedion de deux metres d'intestin grele. Buli Acad Mtd, 1881;
CoUie, NL & Stevens, JJ. Hormonal effeets on L-pralinetransport in eohosalmon 8:249.
lntesllne. Gen Comp Endocrinol, 1985; 59:399·409. Koruda, MJ, Rolandelll, Rli, Seitle, RG, Zimmarod, M, Rombeau,JL. EITeet of
Cortot, A, Fleming, CR, Malagelada, JR. lmproved nutrie.nt absorpllon after parenleral nut.rition supplemented with short ehain falty aeids on adaptation
clmetldlne ln short bowel syndrome with gastrle hype,.eeretlon. N Engll to massive small bowel "'seetion. Gastrocnterology, 1988; 95:715·20.
Mtd, 1979; 306:79-80. Ladefoged, K, Hessou,l, Jamum, S. Nutrition in short·bowel syndrome. SCJJnd
Oarma, O, Messing. B, Just Rongier, M, Oesjeus, Tf. Glutamine metabolism after I Gastroenterol, 1996; 216(suppL):122-31.
small Intestinal racc:tion ln humans. Metal>olism, 1990; 40:42-4. Lai, HS, Chen, WJ, Chen, KM, Lee, YN. Etreets of monomerie and polymerle
Oharmsolhaphon, K, Go"'tick, FS, Sherwin, RS, Catabnd, S, Dobbins, J\V. So- diets on smaU lntestine following massi"" resection. TaiWdn 1 HSitth Hui
matootatln cleereues dJarrhea in patients with lhe short-bowel syndrome. na Chm, 1989; 112:30-40.
I Oin GasiiWnUrol, 1982; 4:521-4. Lenny, Ali, Manin, AA, Read, Lc, Thomas, FM, Owens, PC, Ballard, FJ. IGF-1
Oi Loreruo. C, Willian.s, C.'"!, fújnal, F, Valmzueb, JE. Pectin debys gastrlc and the truneated analogue des· (1 ·3)1GF-1 enhance growth In rats after
emptying and inerea.ses satiety in obese subj<cts. Gastrocnltrology, 1988; gut racc:tion. Am I Physiol, 1991; 260:E213-9.
95: 1211-S. Levy, E, Frlleux, P. Sandruc:d, S ti aL Continuous enteral nutrition durlng lhe earty
Dobblns, JW & Binder, HJ. lmportanee of lhe colon In enterie hyperoxalurla. adaptlve stages oflhe short bowd syndrome. Br1 Surg, 1988; 75:553·94.
N Engll Mtd, 1977; 296:298-301. Manji, I, Bistrlan, BR, Masdoli, EA et a/. Gallstone disease in patients wilh
Oowllng. RH. SmaU boweladaptation and its regulation. Scand. I Gastroentero~ severe short bowel syndrome dependent on parenteral nutrition. f Ptn,
1982; 17(suppL 74):53. 1989; 13:461-4.
390 Capftulo 33 I Sfndrome do Intestino Curto

Mclntyre, PB. Fitchew, M, Lennard-Jones. JE. Patients with a high jejunostomy Sheard, NF. Walker, WA. lhe role of breast rnilk in the development of the
do not nccxl a spccial dict. Gastroenterology, 1986; 91:25-33. gastrointcstinal tract. NutT Rev, 1988; 46:1-8.
McNeil~ NI. Thc contribution of thc largc intcstinc to cncrgy supplies in man. Shulmart OI, Hu.• CS, Ducl<ett, G, Lavalle-Grey, M. Effects o( short-term growth
Am I Clin Nutr, 1984; 39:338·42. hormone therapy in rats undergoing 75% small intestine resection. I Pediatr
Moreno. JM, Planas. M, Lecha, M et al. lhe year 2002 national register on home- Gastroenterol Nutr, 1992; 14:3-11.
bascd parcntcral nutrition. Nutr Hosp, 2005; 20:249·53. Sigleo. S, lackson, MJ, Vahourny, GV. Effects of dietary fiber constituents
Morin, CL. Grcy, VL, Garafalo. C. Influcncc oflipids on intestinal adaptation on intestinal morphology and nutrient transpor!. Am I Physio~ 1984;
after resection. Em: Robi.nson, JML. Donling, RH. Riecken, ED (cxls.). Mech- 246:634-9.
anisms in Inrestinal Adaptation. Lancastcr: MTP Prcss. 1981. p. 175-184. Spillcr, GA, Chcrnoff, MC. Hill, RA, Gatcs, IE, Nassar, JJ, Shiplcy, EA. Effcct
Mucerino, CKDR. Waitzberg, DL, Logulo. AF, Castro. RSMT, Castro, I, Soares, of puri.ficxl ccllulosc pcctin and a low rcsiduc dict on fecal volatilc futty
SRC. Adaptação intestinal com uso do hormônio do crescimento c gluta- acids transit time and fecal weight in humans. Am J Clin Nutr, 1980;
mina após res.sccção extensa do intestino delgado em ratos. Ver Bras Nutr 33:754-9.
Clin,1998; 13:11-52. Stollman, TH, De Blaauw, I, Wijncn, MH et aL Dccrcascd mortality but incrc-
Newsholme, EA & Parry-Bilings. M. Properties of glutasrtine. Release from ased morbidity in neonates with jejunoideal atresia, a study of 114 cases
musclc and iu importance for thc immune systcm. I Petr, 1990; 14:635-7. over a 34-ycar pcriod. I Pediatr Surg, 2009; 44:217-21.
Nightingale, IM. Managcment of paticnts with a sbort bowel. World I Gastr<r Szkudlarek. 1. leppcsen, PB, Mortensen, PB. Effect ofhigh dose growth hormo-
enterol, 2001; 7:741-51. ne with glutasrtine and no change in diet on intestinal absortion in short
O'Keef, SJD, Haymond, MW. Bennet, WM, Oswald, B. Nelson, OK, Sborter, bowel patients: a randomized double blind crossover, placebo controlled
RG. Long acting somatostatin analogue therapy and protein metabolism in study. Gut, 2000; 47:164.
patients with jejunostomics. Gastroetrterology, 1994; 107:379. Tamada, H, Neru, R, Matsuo, Y. Jarnarnura, I. Takagi, Y, Okada, A. Alanyl
Porus, RL. Epithcllal hiperplasia foUowing mass:ive small bowel resections in glutarnine-enriched total parenteral nutrition restores intestinal adapta-
man. Gastroenterology, 1965; 48:753-7. tion after cithcr proximal or distai mas.sive resection in rats. J Pen, 1993;
Ray, EC, Avissar, NE, Sax, HC. Growth facto r regulation of enterocyte nutrient 17:236-4.2.
transport during intestinal adaptation. Am I Surg, 2002; 183:361 -71 . Trcmcl, H, Kicnlc. B, Wcicmann, LS et al Glutamine dipeptide supplcmcntcxl
Rodrigues, CA, Lennard-lones, JE, Thompson, OG, Farthing, M]. lhe effects of parenteral nutrition malntains intestinal function in the ccitically UJ. Ga.s-
oc-rreoride. soy, polysaccharide. codeine and loperamide on nurrient, fluid troenterology, 1994; 107:1595-601.
and electrolyte absortion in the short-bowel syndrome. A/imenl Pharmacol Van Der Hust, RR, Can Kree.l, BK, Von Meyernfcldt, MF et al. Gluta.mine and
7her, 1989; 3:159-69. the preservadon of gut integrity. IAncet, 1993; 3.14:1363-S.
Rombeau, )L. A review of the effects of glutamine-enrkhed diets on experi- Vanderhoo, FIA. Grandjean, CJ, Buckley, KT, Antonson, DI. Effect of casein
mentally induccxl enterocolits. I Pen, 1990; 14(suppl.):1005-55. venus casein hydrosylate on mucosal adaptation foiJowing rnassive bowel
Rosemberg, IH. lnfluence of intestinal bacteria or bile acid metabolism and resection in infant rats. j Pediat-r Gastrotnurol Nutr, 1984; 3:262-67.
fat absorp tion: contribution from studies of blind loop syndrome. Am J Vanderhoof, IA, Grandjean, C), Kanfmann, SS, Bukley, KT, Antonson, DL. Effect
Clln N ulr, 1969; 22:284. ofhlgh percentage medium-chain triglyceride diet on mucosa} adaptat1on
Roth, IA, Frankel, WL, Zhang. W, Klurfeld, DM, Rombeau, IL. Pectin improves following massive bowel resecdon. f Ptt1, 1984; 8:685-9.
colonic function in rat short bowel syndrome. J Surg Rt!, 1995o 58: 240-6. Vanderhoof, IA, Park, JH, Herrington, MK et a/. Effects of menh aden oil on
Rothstein, R & Rombean, JL. Nutrient pharmacotherapy for gut mucosa] di~­ mucosal adaptation after small bowel resection in rats. Gastroenttrology,
ases. GtUtroenterol Clin North Am, 1998; 27:387-401. 1994; 106:94-9.
Saxena, SK, Thompson, JS, Sharp, JG. Role of epidermal g·rowth factor in in- Welboume, TC lncreased plasma bkarbonates and growth h ormone afte.r oral
testinal regeneration. Surgery, 1992; 111:318-25. glutamine load. Am I C /in Nutr, 1995; 61 :1058-61.
Scheppach, W, Bartraum, P, Rlchten, A tl al. Effect of short-chain fatty adds Weser, E. HeUer, R, Tawll, T. StimuJation on mucosa! growth in the rat lleum
on the human colonic mucosa in vitro. I Pen, 1992; 16:43-8. by blle and pancreatic secretions after jejunal resection. Gastroenterology,
Scolapio, )S. Treatrnent of short-bowel syndrome. Cu" Opin Clin Nulr Metab 1977; 73:524-9.
ca.... 2001; 4:557-60. Wilmore, DW, Robinson, MK. Short-bowel syndrome. Word J Surg, 2000,
Scolapio, JS. Mac Greevy, K, Tennyson, GS, Burnene, OL. Etfect of glutamine 24:1486-92.
in short bowel syndrome. Clin. Nutr., 2001; 20:319-23. Windsor, CW, FEGFAR, 1. Woodward, DA. Gastric secretion after massive small
Senn, N. An experimental contribution to intestinal surgery with special refe,. bowel resection. Gut, 1969; 10:779-89.
rence to the treatment o f intestinal obstruc.tion. 11. Enterectomy. Ann Surg; Ziegler, TR, Benfell, K, Smith, RJ et al. Safety and metaboUc effects of L-glu-
1988;7:99. tamine administration in humans. I Pen, 1990; 14:1375-465.
34 Mesentérica
Insuficiência Vascular

Ricardo Cesar Rocha Moreira

As lesões oclusivas dos vasos mesentéricos são, felizmente, rede colateral é formada pelas arcadas duodenopancreáticas.
problemas relativamente raros na prática clínica. No entanto, Entre as artérias mesentérica superior e inferior, existem arté-
quando ocorrem, essas lesões se apresentam de forma dramá- rias comunicantes que recebem epônimos: a artéria marginal
tica: o diagnóstico é dificil, o tratamento, em geral, tardio e o de Drummond (que acompanha a borda mesentérica do cólon
prognóstico desfavorável. O médico que assume a responsa- esquerdo) e a arcada de Riolano (que percorre o mesocólon).
bilidade de tratar estes pacientes tem que dispor dos conhe- Quando ocorre lesão oclusiva de uma das artérias mesentéricas,
cimentos básicos sobre as doenças dos vasos mesentéricos e as artérias comunicantes podem se dilatar, servindo de eficien-
aplicá-los com presteza, para reduzir a alta morbimortalidade tes vasos colaterais. A colateral dilatada que pode ser demons-
destas afecções. trada por angiografia é denominada artéria do meandro.
A circulação venosa colateral mesentérica é tão desenvolvida
quanto a circulação colateral arterial. Apesar de terminar em
• CONSIDERAÇÕES BÁSICAS uma única veia, a veia porta, o sistema venoso mesentérico apre-
senta numerosas veias colaterais, tanto dentro do mesentério,
• Anatomia quanto ao redor do flgado (a chamada circulação periporta).
A circulação mesentérica (ou esplâncnica) é formada pelo
conjunto de artérias, veias e capilares que irrigam e drenam a • Fisiologia
parte abdominal do tubo digestivo e órgãos sólidos anexos (fi-
O fluxo sanguíneo esplâncnico em um indivíduo adulto hf-
gado, pâncreas e baço). O eixo da circulação mesentérica é a
gido, em repouso e em jejum corresponde a cerca de 20% do
artéria mesentérica superior, ramo da aorta que irriga todo o
débito cardíaco. A circulação esplâncnica se caracteriza por
intestino delgado e parte do intestino grosso, do ceco à flexu-
ra espl~nica do cólon. Dois outros ramos da aorta abdominal ser regulada por fatores extrlnsecos (pressão arterial e débito
também fazem parte da circulação mesentérica: o tronco celía- cardíaco) e pela autorregulação intrínseca, isto é, pela influên-
co, que irriga o estômago, o duodeno e as vísceras sólidas do cia de fatores locais, como hormônios da parede intestinal e a
abdome superior (figado, pâncreas e baço) e a artéria mesen- presença de alimento na luz do estômago ou do intestino del-
térica inferior, que supre parte do intestino grosso, do cólon gado. Em condições fisiológicas, os fatores intrínsecos fazem
descendente ao reto. Essas três artérias garantem um abundante com que o fluxo sanguíneo varie muito, devido aos fenômenos
suprimento sanguíneo para todos os órgãos abdominais. de dilatação e constrição do leito vascular mesentérico.
A circulação venosa do intestino é igualmente abundan- A vasodilataçao provoca aumento acentuado do fluxo
te. A veia esplênica drena o baço, o estômago e o pâncreas. A sanguíneo para o trato gastrintestinal e para os órgãos anexos.
veia mesentérica superior drena o intestino delgado e a parte Após a alimentação, por exemplo, o fluxo sanguíneo para os
do cólon irrigados pela artéria mesentérica superior. A veia intestinos pode aumentar até 60%, como consequência dava-
mesentérica inferior drena o segmento do cólon irrigado pela sodilatação mediada por hormônios da parede do tubo diges-
artéria correspondente. A veia porta, formada pela confluência tivo, como a gastrina e a colecistoquinina; e do pâncreas, como
das tr!s veias anteriores, percorre um trajeto curto, da base do o glucagon. O aumento fisiológico do fluxo sanguíneo se toma
mesentério ao hilo hepático, drenando todo o sangue da cir- necessário para que o intestino exerça suas funções de digestão
culação mesen térica para o figado. e absorção dos alimentos. Em condições patológicas, como,
Uma vasta rede de vasos colaterais interliga as três artérias por exemplo, uma oclusão da artéria mesentérica superior, a
da circulação mesentérica. Os ramos jejunais, ileais e eólicos vasodilatação do leito mesentérico não é acompanhada por
da artéria mesentérica superior formam uma complexa rede de aumento do fluxo sanguíneo. O resultado é um desequilíbrio
arcadas vasculares no mesentério e na própria parede intesti- entre a demanda e o aporte de sangue para a parede intestinal,
nal. Entre o tronco celíaco e a artéria mesentérica superior, a fenômeno conhecido como isquemia funcional.

391
392 Capitulo 34 I lnsuficilncia Vascular Mesentérlca

• Métodos diagnósticos
O diagnóstico das afecções vasculares mesentéricas depende
não apenas do exame clínico, mas principalmente de métodos
de imagem. Atualmente, existem pelo menos quatro métodos
para investigar lesões dos vasos mesentéricos: a ulttassonogralia
Doppler, a angiorressonância magnética, a angiotomografia e
a angiografia com cateter.
A ultrassonograjia Doppler é geralmente o exame inicial de
triagem, por ser um método totalmente não invasivo que tem
se revelado altamente acurado na avaliação de lesões no tronco
celiaco e na origem da artéria mesentérica superior. No entanto,
a ultrassonografia Doppler tem utilidade apenas como exame
diagnóstico, que permite confirmar a suspeita clínica, mas não~
precisa e detalhada o suficiente para se planejar o tratamento.
A angiorressonc2ncia magnética e a angiotomografia são mé-
todos pouco invasivos de se obterem imagens angiográficas dos
vasos mesentéricos. Ambas são bastante acuradas, dependendo
da qualidade do aparelho onde o exame é executado. Aparelhos
de ressonância magn~tica de 1,5 Testa (ou mais) e tomógrafos
helicoidais de múltiplos canais (multisl.ice) fornecem imagens
de alta qualidade da aorta abdominal e das três artérias que
irrigam o trato gastrintestinal, bem como do sistema venoso
mesentérico. Estes métodos permitem confirmar o diagnósti-
co da isquemia mesentérica e da trombose venosa, bem como
planejar o tratamento cirúrgico ou endovascular, na grande
maioria dos casos.
O exame definitivo para o diagnóstico e planejamento tera-
pêutico da isquemia mesentérica aguda e crônica é a arteriogra-
fia com cateter. O exame arteriográfico deve obrigatoriamente
incluir aortografia em posição lateral, além de injeções seletivas
no tronco ceifa co, artéria mesentérica superior e inferior. A ar-
teriografia com cateter é essencial no diagnóstico da isquemia
Figura 34.1 Arteriografla mostra artéria do meandro.
mesentérica aguda, onde o cateter também pode ser o veículo
para administração de drogas vasodilatadoras ou trombollticas.
A arteriografia com cateter também é essencial no diagnóstico e
tratamento endovascular da isquemia mesentérica crônica.
Do ponto de vista fisiopatológico, o mais importante fe-
nômeno da circulação mesentérica é a vasoconstrição, que é
desencadeada por qualquer redução do fluxo sanguíneo para
os intestinos. A redução pode ser de causa local (oclusão da
• ISQUEMIA MESENT~RICA AGUDA
art~ria mesentérica superior) ou sistêmica, por redução acen- A forma clínica mais comum de insuficiência vascular me-
tuada do débito cardíaco, como acontece nos estados de choque sentérica é a isquernia intestinal aguda. A isquemia aguda -
ou na insuficiência cardíaca. A redução de fluxo desencadeia queda do fluxo sanguíneo arterial para níveis abaixo das ne-
uma constrição intensa dos vasos mesentéricos. Essa resposta, cessidades metabólicas do intestino - é uma das catástrofes
mediada pelo eixo renina-angiotensina, pode se prolongar por abdominais, resultando na morte da maioria das suas vítimas.
muitas horas depois que cessou o estímulo desencadeante. A va- Apesar dos avanços recentes no diagnóstico e manejo dos pa-
soconstrição do leito vascular mesentérico tem importantes im- cientes com isquemia intestinal aguda, a mortalidade e as com-
plicações na fisiopatologia da isquemia aguda dos intestinos. plicações tardias (sfndrome do intestino curto) destes pacientes
permanecem desalentadoramente elevadas.
• Farmacologia
Como mencionado anteriormente, a circulação mesenté- • Etiologia e patogênese
rica tem grande capacidade de autorregulação, respondendo O mecanismo básico da isquemia intestinal aguda é a queda
a estímulos sistêmicos e locais. Da mesma forma, a circulação abrupta do fluxo sanguíneo mesentérico - por oclusão aguda
mesentérica é afetada por diversas drogas, tanto licitas quanto e/ou por vasoconstrição prolongada dos vasos mesentéricos.
ilicitas. Das drogas licitas, devem ser mencionados os digitáli- As causas de isquemia mesentérica aguda são: trombose, em-
cos, a vasopressina e algumas drogas vasoativas adrenérgicas, bolia e a isquemia não oclusiva. Outra causa de insuficiência
como a epinefrina e a dobutamína em doses a.ltas. Essas dro- mesentérica aguda, discutida .na terceira seção deste capitulo,
gas induzem vasoconstrição prolongada e podem provocar ou é a trombose venosa mesentérica.
agravar a isquemia intestinal Das drogas ilicitas, é importante
ressaltar os efeitos vasoconstritores da cocal na, que pode pro- • Trombose arterial
vocar dor abdominal por isquemia do intestino delgado e até A causa subjacente à maioria das tromboses agudas mesen-
mesmo necrose isquêmica do cólon. téricas é a aterosclerose. Quase todos os pacientes são idosos
Capftulo 34 I /nsuficiéncia Vascular Mesentérica 393

e apresentam evidências clínicas da doença aterosclerótica em Amedida que a isquemia persiste, a mucosa se torna permeá-
outros territórios, como nas coronárias, nas carótidas e nas vel às enzimas digestivas e às bactérias do lúmen intestinal.
artérias dos membros inferiores. A trombose aguda em geral Ocorre então o fenômeno de translocação bacteriana, com a
se instala em uma placa de ateroma no óstio da artéria mesen- migração de bactérias através da parede isquêmica para a ca-
térica superior. O trombo se propaga distalmente, ocluindo vidade peritoneal e corrente sanguinea. Na submucosa, apare-
sucessivamente os ramos duodenais, a artéria cólica média e ce edema intenso, com hemorragias esparsas e pouca reação
os ramos jejunais e ileais. A trombose pode se propagar até o inflamatória. As alterações patológicas se estendem a todas as
ramo terminal da artéria mesentérica superior, a artéria ileo- camadas da parede intestinal. Os músculos da parede intesti-
cólica. Outras doenças sistêmicas infrequentes, como dissecção nal começam a sofrer o processo de infarto e apresentam cor
aguda da aorta, poliarterite nodosa, lúpus eritematoso sistê- arroxeada característica.
mico, púrpura de Henoch-Schõnlein, arterite de Takayasu e A isquemia que se prolonga por mais do que algumas horas
hiper-homocisteinemia, podem provocar trombose aguda das acaba por provocar necrose hemorrágica do intestino. O seques-
artérias mesentéricas. tro maciço de plasma e fluidos na parede e na luz dos intestinos
provoca hipovolemia e queda do débito cardíaco, reforçando o
• Embolia arterial ciclo vicioso hipovolemia-vasoconstrição-isquemia. Nos está-
A embolia arterial é a causa mais comum de isquemia me- gios finais do processo, a necrose hemorrágica envolve toda a
sentérica aguda, correspondendo a cerca de 50% dos casos nas parede intestinal, permitindo a livre passagem de bactérias para
grandes séries publicadas. Como as embolias arteriais em ou- a cavidade peritoneal (peritonite) e para a corrente circulatória
tros territórios, os êmbolos mesentéricos quase sempre têm (bacteriemia e choque séptico).
sua origem no coração. As causas de embolia cardiogênica são Paradoxalmente, as graves alterações pr ovocadas pela is-
fibrilação atrial crônica e infarto do miocárdio nos idosos e quemia podem ser agravadas pelo tratamento bem-sucedido.
valvulopatia reumática nos mais jovens. Enquanto a trombose Quando se consegue restabelecer o fluxo sanguíneo mesentérico
oclui a artéria mesentérica superior no seu óstio, na embolia antes da necrose intestinal, ocorre o fenômeno da reperfusão. Os
o coágulo geralmente se aloja alguns centímetros distalmente tecidos isquêmicos são inundados pelo fluxo pulsátil de sangue
à origem da artéria mesentérica superior, na altura da artéria oxigenado, o que provoca novos danos celulares pela liberação
cólica média. Devido a essas diferenças de local de oclusão, na de substâncias citotóxicas (os chamados radicais livres) e por
trombose aguda todo o intestino delgado e o cólon direito so- complexas interações entre o endotélio e os neutrófilos do san-
frem isquemia, enquanto na embolia as alças jejunais proximais gue. O resultado é a virtual destruição de membranas celulares
e o cólon esquerdo são poupados. já lesadas pela isquemia e, eventualmente, o aparecimento de
resposta inflamatória sistêmica, com lesões de outros órgãos,
• lsquemia não oclusiva como os rins e o pulmão.
Uma causa peculiar de isquemia mesentérica aguda é a is-
quemia não oclusiva, na qual não se observa oclusão mecânica
das artérias mesentéricas e sim vasoconstrição intensa nas pe-
• Quadro clínico
quenas artérias e arterio/as do leito mesentérico. Várias situações O( A) paciente apresenta dor abdominal, cuja principal ca-
clinicas podem desencadear isquemia intestinal sem oclusão racterística é ser fora de proporção com os achados do exame
vascular: insuficiência cardíaca, hipotensão, hipovolemia e de- cUnico do abdome. Portanto, a apresentação clínica é de um
sidratação. Em todas essas situações, ocorrem queda do débito abdome agudo e deve ser investigada como tal. A dor pode ter
cardíaco e o fenômeno reflexo de vasoconstrição intensa dos início abrupto ou gradual, dependendo da causa da isquemia in-
vasos mesentéricos. A vasoconstrição, aliada ao estado de baixo testinal aguda. Como as apresentações clínicas variam de acor-
fluxo sanguíneo sistêmico, resulta em provocar isquemia intes- do com a causa, Bergan sugeriu classificá-las em slndromes:
tinal. Os pacientes com isquemia não oclusiva tipicamente estão • 1. Síndrome da embolia arterial. O paciente se queixa se
internados em Unidade de Terapia Intensiva, em tratamento dor abdominal difusa e intensa, de início abrupto. A dor pode
de uma doença grave subjacente. Um fator agravante é o uso ser contínua ou em cólica e ser seguida por náuseas e vômitos.
de drogas que induzem vasoconstrição mesentérica, como os Pode ocorrer um episódio de esvaziamento intestinal. O pa-
digitálicos e as drogas vasopressoras usadas para tratar hipo- ciente invariavelmente tem cardiopatia embolígena: arritmia
tensão. Nos trabalhos recentes, a isquemia não oclusiva vem cardíaca (mais comum é a fibrilação atrial); infarto do mio-
sendo cada vez mais diagnosticada como causa de isquemia cárdio recente; doença valvular com sopro cardiaco ou mio-
intestinal aguda. cardiopatia (no Brasil, doença de Chagas). Cerca de 30% dos
pacientes têm história pregressa de embolia arterial. A tríade
clínica: dor abdominal intensa de início abrupto, esvaziamento
• Patologia intestinal e doença cardíaca embolfgena é altamente sugestiva
Na fase inicial da isquemia, a camada da parede intestinal de embolia mesentérica.
mais afetada é a mucosa. O metabolismo energético das células • 2. Síndrome da trombose arterial. O paciente é geral-
epiteliais cessa completamente. A função absortiva da mucosa mente idoso, com manifestações clínicas de aterosclerose, como
se perde, permitindo a passagem bidirecional dos fluidos or- história de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral is-
gânicos. Os achados macroscópicos nesta fase podem ser sutis, quêmico ou doença arterial obstrutiva dos membros inferiores.
como palidez das alças intestinais e edema da parede. Micros- Alguns pacientes apresentam uma história prolongada de dor
copicamente, observam-se perda das vilosidades intestinais e abdominal pós-prandial e perda de peso, sugerindo isquemia
edema das camadas internas (mucosa e submucosa). A hipoxia intestinal crônica. O quadro pode ter início insidioso, com dor
dos músculos da parede intestinal manifesta-se inicialmente abdominal vaga, inapetência, náuseas e vômitos. Pode haver eli-
como aumento do peristaltismo e esvaziamento intestinal, se- minação de fezes com sangue visível ou oculto. A apresentação
guido por paralisia e distensão das alças intestinais. clinica lembra o quadro de uma oclusão intestinal aguda. Ao
394 Capftulo 34 I lnsuficiéncia Vascular Mesentérica

exame fisico, o abdome se apresenta distendido, mas os ruídos bose aguda, a artéria mesentérica superior e seus ramos estão
hidroaéreos são hipoativos ou ausentes . ocluídos e a circulação colateral é pobre. Na embolia, a porção
.,.. 3. Sfndrome da isquemia não oclusiva. Os pacientes são inicial da artéria mesentérica superior se enche de contraste, e
invariavelmente cardiopatas graves, quase sempre em uso de tromboêmbolos obstruindo parcial ou totalmente o leito dis-
digitálicos. Comumente, já estão internados por piora recente tai podem ser demonstrados (Figura 34.2). Na isquemia não
da cardiopatia ou por intercorrência grave (infecção aguda, pio- oclusiva, o tronco da artéria mesentérica superior e seus ramos
ra de insuficiência cardíaca ou cirurgia de grande porte). Mais principais estão normais, mas notam-se múltiplas estenoses,
da metade dos pacientes têm evidência de intoxicação digitá- oclusões segmentares e espasmo difuso das pequenas artérias
lica. No início do quadro, a dor pode estar ausente ou, quando do leito mesentérico. Na fase visceral da arteriografia, nota-se
presente, ser apenas moderada. Os sintomas iniciais podem ser escassez ou ausência de contraste em segmentos do intestino.
passagem de fezes sanguinolentas e/ou melena Ao exame, o A introdução da angiografia por tomografia computadori-
abdome está distendido e pouco doloroso à palpação, sugerin- zada de alta resolução (a chamada angiotomografia multislice)
do íleo paralítico. Uma situação particular é o aparecimento de veio facilitar o diagnóstico da dor abdominal aguda de causa
isquemia intestinal não oclusiva no pós-operatório de cirurgia vascular, especialmente quando existe trombose venosa mesen-
cardíaca, o que ocorre em cerca de 1% dos casos. térica. Na isquernia arterial, a angiotomografia tem sensibilida-
de apenas razoável, embora seja altamente específica, quando
demonstra trombos nas artérias mesentéricas.
• Diagnóstico Outros exames: ultrassonografia Doppler, endoscopia di-
Em todo paciente com dor abdominal intensa e prolongada, gestiva e angiografia por ressonância magnética também são
mas com o exame clínico do abdome normal, deve ser levan- usadas no diagnóstico de dor abdominal aguda. No entanto,
tada a suspeita de isquemia intestinal aguda. A suspeita deve quando existe a suspeita de isquemia mesentérica aguda, é mais
aumentar se o paciente for idoso, com história de cardiopatia apropriado encaminhar o paciente para laparotomia explora-
grave, arritmia cardíaca ou sinais de aterosclerose avançada. dora (ou para laparoscopia diagnóstica) do que perder tempo
O paciente com suspeita de isquemia aguda intestinal deve ser com estes exames, cuja utilidade é limitada
internado em hospital e submetido à rotina diagn6stica para
abdome agudo. Desta rotina inicial, devem constar hemogra-
ma, amilase/lipase, exames metabólicos, provas de função he-
• Tratamento
pática, radiografias simples e ultrassonografia do abdome. Os A grande maioria dos pacientes com isquemia mesentérica
exames têm como finalidade excluir causas mais comuns de aguda se apresenta com abdome agudo. Como existem causas
dor abdominal aguda, como perfuração de uma víscera, obs- muito mais frequentes de dor abdominal aguda, o diagnóstico
trução intestinal e pancreatite. Na isquemia intestinal aguda, de isquemia mesentérica não é considerado. Nas palavras de
esses exames estão invariavelmente alterados. O hemograma Bergan, "o paciente é tratado conservadoramente, enquanto o
revela precocemente leucocitose acentuada (15.000 a 25.000 intestino morre". Somente um alto grau de suspeita que desen-
leucócitos!mm' ), com desvio para formas imaturas. O hema- cadeie uma investigação dirigida pode levar ao diagnóstico e ao
tócrito pode estar elevado, refletindo a perda de plasma no tratamento precoce de isquemia intestinal aguda
intestino isquêrnico. A amilase sérica está elevada em cerca da
metade dos casos, mas não nos níveis encontrados nos porta-
dores de pancreatite aguda Acidose metabólica é um achado
precoce e constante, que tende a se acentuar com a progressão
da isquemia intestinal. Enzimas que refletem destruição teci-
dual (creatinofosfoquinase, desidrogenase láctica e as transa-
minases) somente se alteram na fase tardia de necrose intesti-
nal. Outros exames rotineiros, como eletrólitos e glicemia, são
úteis no manejo metabólico dos pacientes, mas não auxiliam
o diagnóstico específico. Os únicos exames laboratoriais cujas
alterações são específicamente sugestivas de isquemia mesen-
térica são a dosagem de fosfato sérico e o exame de dímero-D.
Infelizmente, ambos são raramente solicitados em pacientes
com dor abdominal aguda.
Na fase inicial da isquemia mesentérica, radiografias simples
do abdome são úteis apenas para excluir outras causas de ab-
dome agudo. Na fase tardia, com necrose intestinal já presente,
as radiografias podem mostrar distensão e edema das alças, e
a presença de gás na parede intestinal, em ramos da veia porta
e na cavidade peritoneaL
Caso os exames iniciais não revelem outra causa, deve-se
proceder imediatamente à investigação vascular armada. O exa-
me tradicional nestes casos é a arteriografia com cateter. Todo
paciente com suspeita cUnica de isquemia mesentérica aguda
deve ser submetido a arteriografia de emergência, antes de lapa-
rotomia exploradora. O exame arteriográfico adequado deve ser
feito com cateter seletivo, nos planos ante.r oposte.r ior a lateral e
mostrar as diversas fases da circulação mesentérica Cada causa Figura 34.2 Aspecto arteriográfico típico da embolia da mesentérica
de isquemia aguda apresenta achados característicos. Na trom- superior.
Capitulo 34 I lnsufici~ncia Vascular Mesentérlca 395
Uma vez que o diagnóstico foi confirmado, o tratamento
deve ser iniciado sem demora. O objetivo do tratamento é res-
tabelecer a perfusão intestinal o mais rapidamente possível,
para minimizar a extensão da necrose intestinal. O manejo do
paciente com isquernia mesentérica aguda se baseia em três
principias: (1) reanimação e tratamento suportivo; (2) correção
da causa vascular; e (3) ressecção do intestino necrosado.
~ 1. Reanimação e tratamento suportlvo. A isquemia me-
sentérica aguda provoca profundas alterações metabólicas nas
suas vítimas. Os pacientes, geralmente idosos e cronicamente
enfermos, desenvolvem distúrbios clínicos graves, como hipo-
volemia, choque, acidose metabólica e oligúria, que devem ser
identificados e corrigidos, enquanto se confirma o diagnóstico.
Os pacientes em estado mais grave necessitam de internamen-
to em unidade de terapia intensiva. Medidas suportivas, como
acesso venoso central, infusão intravenosa de fluidos. passagem
de sondas nasogástrica e vesical, monitoramento e correção
dos distúrbios hidreletrolíticos são implementados, enquanto
se prepara o paciente para arteriografia ou operação. Antibió-
Figura 34.3 Alças intestinais necrosadas. (Esta figura encontra-sere-
ticos efetivos contra os germes gram-negativos entéricos devem produzida em cores no Encarte.)
ser administrados precocemente. Nos pacientes com suspeita
ou diagnóstico confirmado de embolia arterial ou de trombo-
se venosa mesentérica, deve ser iniciada anticoagulação com
heparina intravenosa. ~ lsquemia não oclusiva. O tratamento de escolha é clini-

~ 2. Correção da causa vascula r. O tratamento cirúrgico co, consistindo na infusão de vasodilatadores e otimização das
da isquemia intestinal aguda depende do diagnóstico preciso da condições hemodinâmicas do paciente. Se o diagnóstico foi
causa. Em condições ideais, a causa deve ser definida pela arte- confirmado por angiografia, deve-se fazer infusão intra-arterial
riografia, antes da operação. Nos hospitais onde não é possível de papaverina através do próprio cateter de arteriografia, di-
se obter arteriografia de emergência, justifica-se laparotornia retamente na artéria mesentérica superior, por um período de
precoce, baseada apenas na suspeita clínica. O cirurgião deve 24 a 72 h. A dose recomendada de papaverina é de 30 a 60 mg
estar preparado para fazer uma revascularização do intestino, por hora. Se o cateter de arteriografia foi retirado ou se o diag-
se os achados operatórios a indicarem. A conduta operatória nóstico é apenas cUnico, pode-se iniciar glucagon intravenoso,
se baseia nos achados angiográficos e cirúrgicos. na dose de l!lg/kg/min, aumentando-se gradualmente a dose
~ Embolia arterial. O tratamento ideal é a embolectomia para lO !lg/kg/min, se o paciente permanecer hemodinarnica-
mesentérica. À operação, a artéria mesentérica superior é dis- mente estável. Durante a infusão de vasodilatadores, o paciente
secada na raiz do mesentério. Através de arteriotornia trans- deve ser monitorado continuamente, em unidade de terapia
versal, os tromboêmbolos são removidos com um cateter de intensiva. A volemia e os distúrbios hidreletrollticos devem ser
Fogarty. As artérias distais são irrigadas com soluções diluídas corrigidos. Digitálicos e vasopressores devem ser suspensos.
de heparina e papaverina. Durante a operação e no período Deve-se tentar otimizar a função cardíaca pelo manejo judi-
pós-operatório, são administrados anticoagulantes (heparina, cioso de fluidos intravenosos e drogas adrenérgicas, que não
seguida por anticoagulante oral). agravem o vasospasmo mesentérico (doparnina ou dobutarni-
Alguns autores recomendam o tratamento angiográfico, com na em dose baixa).
infusão de droga trombolítica diretamente na artéria mesenté- O abdome do paciente em tratamento de isquemia não oclu-
rica atrav~ do cateter de arteriografia. O paciente é monitorado siva deve ser examinado frequentemente (cada 2 a 3 h). Os
intensivamente e levado à operação somente se a trombólise não critérios de exame clinico do abdome são os mesmos que se
for efetiva, permanecendo oduídas as artérias intestinais, ou se usam em qualquer caso de abdome agudo. Se houver sinais de
o paciente desenvolver sinais de irritação peritoneal. irritação peritoneal, o paciente deve ser levado à laparotomia
~ Trombose arterial. Praticamente todos os pacientes com exploradora, enquanto se continua a infusão intravascular de
trombose mesentérica aguda devem ser operados. Em geral, papaverina ou glucagon. Nestes casos, não há necessidade de
a laparotomia confirma os piores receios do cirurgião: todo o se abordarem as artérias mesentéricas e sim de se avaliar a via-
intestino parece estar necrosado (Figura 34.3). Mesmos nessas bilidade das alças intestinais.
circunstlncias desesperadoras, deve-se tentar a revascularização ~ Sem diagnóstico arteriográfico. Esta é a situação mais
mesentérica. A artéria mesentérica superior é aberta através de comum enfrentada pelo cirurgião geral, que leva o paciente
incisão longitudinal e os trombos de propagação distais são re- à laparotomia, com o diagnóstico de abdome agudo. Trata-se
movidos com o cateter de Fogarty. Uma ponte aortomesentéri- de situação dificil do ponto de vista cirúrgico, pois o diagnós-
ca com safena ou material sintético é realizada. Recentemente, tico de isquemia intestinal somente é feito após a laparotomia.
tem sido proposto o tratamento lubrido da trombose mesentéri- Mesmo nestas circunstâncias desfavoráveis, os princípios de
ca: depois da trombectomia aberta do leito arterial distai, é feita revascula.r ização intestinal, seguida de ressecção do intestino
angioplastia retrógrada da artéria mesentérica superior, através inviável, devem ser seguidos. O problema é que já pode ter
da própria arteriotomia. Após restabelecer o fluxo sanguíneo ocorrido necrose de todo o intestino delgado, restando ao ci-
arterial, as alças são retomadas à cavidade peritoneal, cobertas rurgião duas opções: (l ) fechar o abdome, sem ressecar as alças
com compressas úmidas em soro fisiológico morno e observa- gangrenadas, sabendo que o paciente esta condenado a morrer
das por um período de 30 a 45 min. Depois desse perlodo, as dentro de algumas horas; ou (2) fazer uma ressecção intestinal
alças claramente inviáveis são ressecadas. maciça. Esta segunda opção pode salvar o paciente da morte
396 Capftulo 34 I lnsuficiéncia Vascular Mesentérica

imediata, mas o condena às graves complicações metabólicas a hipótese de que a dor abdominal poderia ser causada por is-
e nutricionais da chamada sindrame do intestino curto. Essa quemia intestinal pós-prandial. Com este conceito em mente,
síndrome é discutida detalhadamente em outro capítulo desta Dunphy observou em necropsias que a maioria dos pacientes
obra (Capitulo 33). com trombose aguda da artéria mesentérica superior relatavam
.,. 3. Ressecção do intestino necrosad o. Pode ser extrema- episódios recorrentes de dor abdominal pós-prandial meses
mente dificil a definição íntraoperatória de quais os segmen- ou anos antes. Sua conclusão - "a importância clínica da dor
tos intestinais aínda são viáveis e quais já estão necrosados. abdominal de origem vascular reside no fato de ser precursora
Os critérios clínicos tradicionais: cor das alças, pulsações dos de oclusão mesentérica vascular fatal" - estabeleceu definiti-
vasos mesentéricos, presença de peristaltismo e sangramento vamente a correlação clínica entre dor abdominal, oclusão das
da parede intestinal à secção podem ser inconclusivos e mes- artérias digestivas e necrose intestinal. Mikkelsen, em 1957,
mo enganosos. Estas dificuldades levaram ao desenvolvimento em uma feliz comparação com a isquernia miocárdica, popu-
de métodos objetivos para auxiliar na decisão de quais os seg- larizou o termo "angina intestinal" e sugeriu que as oclusões
mentos que devem ser ressecados e quais devem ser preserva- crônicas das artérias mesentéricas poderiam ser tratadas por
dos. Os métodos mais estudados são: o fluxômetro Doppler técnicas cirúrgicas. Um ano depois, Shaw e Maynard relata-
ultrassônico; a medida do gradiente de temperatura entre as ram a primeira operação bem-sucedida para tratamento dais-
bordas mesentérica e antimesentérica do intestíno; a infusão quemia intestinal crônica: a tromboendarterectomia da artéria
intravenosa de fluorosceína, seguida do exame das alças com mesentérica superior.
uma lãmpada ultravioleta; e o uso do laser Doppler. Os qua- Desde então, diferentes técnicas cirúrgicas: endarterectornia,
tro métodos são bastante acurados em estudos de laboratório derivações com veias ou enxertos sintéticos e reimplante da
e têm sido usados clinicamente. Na prática, o simples exame artéria mesentérica na aorta têm sido utilizadas no tratamento
clínico do intestino, após revascularização, tem sido o método da isquemia intestinal crônica Mais recentemente, o advento
mais usado pela grande maioria dos cirurgiões no Brasil, que de técnicas endovasculares como a angioplastia, com ou sem
geralmente não dispõem dos métodos sofisticados descritos implante de stents, tem simplificado o tratamento das lesões
anteriormente. oclusivas das artérias intestinais.
Nos casos em que persistem dúvidas quanto à viabilidade
intestinal, pode-se proceder à ressecção das alças claramente
necrosadas e reoperar o paciente 12 a 24 h depois, para reexa-
• Etiologia e patogênese
minar as alças intestinais remanescentes e as anastomoses. Essa A aterosclerose da aorta e das artérias viscerais é um acha-
conduta de se reoperar o paciente deliberadamente, chamada do universal na população idosa do mundo ocidental. Porém,
second-look operation na literatura de língua inglesa, tem sido na grande maioria das vezes, as lesões ateroscleróticas das ar-
utilizada por muitos cirurgiões experientes. Embora sua lógi- térias que suprem as vísceras abdominais são assintomáticas.
ca não possa ser questionada, um estudo recente mostrou que Geralmente, a lesão aterosclerótica é ostial, isto é, na origem
os pacientes submetidos à laparotomia second-look tiveram da artéria, e se instala lentamente, o que permite o desenvolvi-
mortalidade significativamente maior (80% x 35%) do que os mento de uma circulação colateral eficaz distalmente à lesão.
pacientes que foram tratados apenas com o melhor suporte A rede colateral entre as artérias digestivas é tão rica que pelo
clínico possível. menos duas das três artérias têm que apresentar estenoses gra-
ves ou oclusões, para que o intestino venha a sofrer isquemia.
No indivíduo com isquemia intestinal crônica, o fluxo sanguí-
• Prognóstico neo durante o jejum em geral é suficiente para as necessidades
Embora tenha havido avanços recentes no diagnóstico e do intestino. Durante a digestão, quando aumentam as neces-
tratamento da isquemia intestinal aguda, a mortalidade tem sidades metabólicas do intestino, o fluxo sanguineo se torna
sido extremamente elevada. Os pacientes com embolia mesen- insuficiente, desencadeando a dor isquêmica. Embora pareça
térica operados precocemente têm o melhor prognóstico, com um mecanismo simples, na realidade a resposta fisiológica da
a mortalidade variando de 30 a 50%. Por outro lado, trombose circulação intestinal durante a digestão é bastante complexa
mesentérica apresenta péssimo prognóstico. Como esses pa- A causa mais comum de isquemia intestinal crônica é, de
cientes são quase sempre operados tardiamente, a mortalida- longe, a aterosclerose. Causas raras incluem: estenoses congê-
de fica acima de 85%, chegando a 100% em algumas séries. A nitas (coarctação da aorta abdominal), displasia fibromuscular,
isquemia não oclusiva tem prognóstico intermediário, graças arterites (doença de Takayasu) e sequelas de irradiação sobre o
ao tratamento clinico intensivo e ao uso de vasodilatadores. abdome (arterite actínica).
No entanto, mesmo em condições ideais de tratamento, cer-
ca da metade dos pacientes morrem durante o tratamento,
por complicações da doença cardlaca subjacente. A maioria
• Quadro clínico
dos pacientes que sobrevivem a ressecções intestinais maci- Os pacientes com isquemia intestinal crônica se queixam de
ças sucumbe tardiamente por complicações da síndrome do dor abdominal e perda de peso. Dor abdominal pós-prandial
intestino curto. (a chamada "angina mesentérica") é o sintoma característico da
isquemia intestinal crônica. A dor se inicia de 30 a 60 min de-
pois da refeição, é contínua ou em cólica, se localiza no epigás-
• ISQUEMIA INTESTINAL CRONICA trio ou na região periumbilical e pode durar de 1 a 4 h. Alguns
pacientes referem alívio da dor adotando a posição de cócoras
Desde o final do século XIX, já se sabia que alguns pacientes ou de prece maometana. Os episódios repetidos de dor levam
com dor abdominal crônica tinham oclusão das artérias que ir- o paciente a ter medo de se alimentar, o que resulta em per-
rigam o intestino. No entanto, autoridades médicas da época, da de peso em praticamente 100% dos casos. Alguns autores
como William Osler, atribuiam a dor abdominal a formas atípi- até afirmam que o diagnóstico de isquernia intestinal deve ser
cas de angina de peito. Em 1933, Conner levantou novamente questionado se o paciente não tiver perda de peso. No entan-
Capftulo 34 I /nsuficiéncia Vascular Mesentérica 397
to, alguns pacientes não relacionam a perda de peso com a dor revascularização intestinal. Em particular, o achado arterio-
abdominal e têm que ser questionados especificamente sobre gráfico de uma artéria do meandro deve alertar o cirurgião
o momento que a dor aparece e sua relação com as refeições. para a necessidade de revascularização profilática, no decur-
Náuseas ou vômito são sintomas infrequentes. Alterações de so de operações sobre a aorta abdominal (por aneurisma ou
hábito intestinal, como constipação intestinal ou diarreia, po- doença oclusiva).
dem estar presentes. A técnica mais popular de revascularização intestinal é a
No exame físico, além de emagrecimento e sinais de desnu- ponte aortomesentérica. Uma única ponte para a artéria me-
trição, pode-se auscultar sopro abdominal em cerca de 50% dos sentérica superior é suficiente para aliviar a isquemia na gran-
casos. A maioria dos pacientes é fumante e apresenta sinais de de maioria dos casos, mesmo quando há doença oclusiva em
aterosclerose avançada em outros territórios. duas ou nas três artérias digestivas. Ocasionalmente, duas pon-

• Diagnóstico
Os sintomas de dor abdominal e perda de peso sugerem o
diagnóstico de neoplasia maligna oculta. Os pacientes são qua-
se sempre submetidos a urna série de exames de imagem e a
endoscopias do trato digestivo, com resultados evidentemente
negativos. Os sintomas são então rotulados como funcionais e
os pacientes tratados sintomaticamente. Alguns são até envia-
dos a psiquiatras para tratamento de seus distúrbios "emocio-
nais". A tríade dor abdominal, medo de se alimentar e perda
de peso deve levantar a suspeita cllnica de isquemia intestinal
crônica. A partir desta suspeita, devem ser solicitados exames
de imagem das artérias mesentéricas.
A ultrassonografia Doppler é geralmente o primeiro exame
a ser solicitado, por ser não invasivo, sem riscos ou desconforto
para o paciente. Nos ambientes que dispõem de ultrassonogra-
fistas experientes, a suspeita de isquemia intestinal crônica pode
ser confirmada pelo achado de lesões oclusivas na origem das
artérias mesentéricas. Porém, os achados da ultrassonografia
Doppler devem ser sempre confirmados por exames mais pre-
cisos, que permitem planejar o tratamento.
Os métodos pouco invasivos de angiografia mesentérica -
a angiotomografia e a angiorressonância magnética - podem
ser úteis no diagnóstico das oclusões crônicas das artérias me-
sentéricas, especialmente quando envolvem a porção proxirnal
destas artérias. Nos aparelhos modernos de alta resolução, a
acurácia se aproxima do método "padrão-ouro", a angiografia
com cateter.
O exame definitivo para o diagnóstico e planejamento te-
rapêutico da isquemia mesentérica crônica é a arteriografia. O Figura 34.4 Arteríografia mostra oclusão do tronco celíaco e das ar-
exame arteriográfico deve obrigatoriamente incluir aortografia térias mesentéricas superior e inferior.
em posição lateral, além de injeções seletivas no tronco ceifa-
co, artéria mesentérica superior e inferior. Para se confirmar
o diagnóstico de isquemia mesentérica crônica, a arteriografia
tem que mostrar estenoses graves e oclusões de pelo menos
duas das três artérias anteriores (Figura 34.4).
Ocasionalmente, os exames de imagem podem mostrar este-
nose isolada do tronco celfaco. Este achado é bastante contro-
vertido como causa de dor abdominal crônica e somente deve
ser levado em conta se nenhuma outra causa, vascular ou não,
for encontrada para explicar a dor abdominal do paciente.

• Tratamento
O tratamento tradicional da isquemia mesentérica crônica é
cirúrgico, consistindo na revascularização intestinal por meio
de uma derivação, endarterectomia ou reimplante arterial. A
indicação para o tratamento cirúrgico é absoluta nos pacientes
sintomáticos, de bom risco cirúrgico. não apenas para aliviar
os sintomas, como também para prevenir necrose intestinal no
futuro. Em pacientes com poucos sintomas, ou assintomáticos,
mas cujos exames de imagem mostram estenoses graves ou Figura 34.5 Ponte aortomesentérica superior.(Esta figura encontra-se
oclusões das artérias mesentéricas, há indicação relativa para reproduzida em cores no Encarte.)
398 Capitulo 34 I /nsuficllncla Vascular Mesentérica

tes podem ser necessárias As pontes podem ser feitas com um


enxerto sintético de Dacron ou PTFE, com veia safena autólo-
ga ou com enxerto da artéria hipogástrica (Figura 34.5), e sua
configuração pode ser anterógrada (saindo da aorta torácica
distai) ou retrógrada (saindo da aorta infrarrenal ou da artéria
illaca comum).
Uma controvérsia, que ainda não foi resolvida após 30 anos
de experiência, é quantas artérias devem ser operadas em uma
revascularização mesentérica, Alguns autores defendem o pon-
to de vista de que basta uma única ponte na mesentérica su-
perior para aliviar os sintomas. Outros argumentam que a du-
rabilidade da revasculariz.ação depende no número de artérias
operadas. De fato, quanto mais artérias são revascularizadas na
operação inicial, melhores são as taxas de perviedade tardia e
menor o número de pacientes que necessitam de reoperação.
Endarterectomia, isto é, a retirada cirúrgica da placa de ate-
roma, foi a técnica original de revasculariz.ação intestinal. As
dificuldades técnicas e as complicações dessa operação, no en-
tanto, levaram ao seu virtual abandono. Uma variante técnica, a
endarterectornia transaórtica, tem sido preconizada por alguns
cirurgiões. Essa operação de grande porte requer clampeamento
prolongado da aorta ao nfvel do diafragma, o que limita seu uso
a pacientes de bom risco cirúrgico. Outras variantes técnicas,
utilizadas por alguns cirurgiões em circunstâncias anatômicas
especiais, são o reimplante da artéria mesentérica superior na
aorta infrarrenal e a revasculariz.ação exclusiva da artéria me-
sentérica inferior.
Ocasionalmente, o cirurgião se defronta com doença oclu-
siva extensa das artérias mesentéricas durante operações sobre
a aorta abdominal. A presença de uma artéria tkJ meandro,
isquemia intestinal durante o clampeamento da aorta infrar.
renal e ausência de fluxo retrógrado pela artéria mesentérica
Figura 34.6 Angioplastia com srenr na artéria mesentérica superior.
inferior são achados indicativos de circulação intestinal defi- (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ
ciente. Nessas circunstâncias, está indicado o reimplante da
artéria mesentérica inferior na aorta ou em uma prótese, em
caráter profilático. veias: esplênica, mesentérica superior e mesentérica inferior
Atualmente, alguns autores defendem o uso da angioplas- convergem para formar a veia porta, que drena o sangue venoso
tia com cateter-balão, com ou sem implante de stent, como
do trato gastrintestinal, do baço e do pâncreas para o ligado.
tratamento inicial da isquemia mesentérica crônica (Figura A anatomia peculiar do sistema porta faz com que a trombo-
34.6). Pacientes idosos, que apresentam alto risco para a ope-
se neste sistema resulte em diferentes manifestações clinicas,
ração aberta tradicional, são candidatos ideais para a revascu-
de acordo com o local da trombose e a rapidez com que esta
larização por técnicas radiológicas. Os resultados precoces são
melhores que os resultados da revasculariz.ação aberta, porém acontece. Outra característica da trombose venosa mesentérica
é ser, na maioria das vezes, segmentar, isto é, envolver apenas
os resultados tardios são inferiores. Caso ocorra reestenose ou
oclusão após a angioplastia, a artéria pode ser tratada por nova um ramo da veia mesentérica superior. Isso faz com que as con-
angioplastia ou pode ser feita uma revasculariz.ação por técni- sequências da trombose venosa sejam limitadas ao segmento
ca cirúrgica aberta em um paciente com melhores condições drenado pela veia trombosada e não envolvam todo o intestino,
clínicas e nutricionais. como acontece na trombose arterial.

• Prognóstico • Etiopatogenia
O prognóstico dos pacientes submetidos à revasculariza- A trombose da veia mesentérica superior pode ser aguda,
ção intestinal eletiva é geralmente satisfatório. Por outro lado, subaguda ou crônica, dependendo da sua causa. A trombose
pacientes com isquemia crônica não tratada que desenvolvem aguda da veia mesentérica superior geralmente acomete apenas
isquemia aguda e necessitam de tratamento de urgência têm esta veia e seus ramos, mas pode se estender proximalmente
um péssimo prognóstico, como mostrado na seção anterior para a veia porta, provocando hipertensão portal aguda. As
deste capítulo. tromboses subaguda e crônica geralmente acontecem como
consequência de hipertensão do sistema porta por doença do
parênquima hepático (hepatite crônica e cirrose). O processo
• TROMBOSE VENOSA MESENT~RICA de trombose se propaga de forma retrógrada da veia porta para
suas principais tributárias.
A trombose da veia mesentérica superior e/ou de um dos Atualmente, sabe-se que a causa mais comum de trombose
seus ramos é causa infrequente de isquemia e necrose intesti- venosa mesentérica é trombofilia (ou seja, hipercoagulabilidade
nal. Como descrito na seção inicial deste capitulo, três grandes sanguínea). As causas de trombofilia podem ser congênitas
Capftulo 34 I /nsuficiéncia Vascular Mesentérica 399

ou adquiridas. As congênitas são relativamente raras, como


a deficiência de antitrombina III, de proteína C e de proteina
• Diagnóstico
S. As adquiridas incluem alguns tipos de cãncer ou a presença O paciente com suspeita de trombose venosa mesentérica
de reações autoimunes, como os anticorpos antifosfolipídios e aguda se apresenta da mesma forma que o paciente com is-
o anticoagulante lúpico. O uso de estrogênios orais para con- quemia mesentérica de causa arterial. A investigação inicial é
tracepção ou tratamento de câncer tem sido associado a um a mesma: rotina de abdome agudo, seguida de exames de ima-
risco aumentado de trombose venosa mesentérica. Condições gem mais sofisticados, como a arteriografia ou a angiotomogra-
inflamatórias abdominais, como pancreatite aguda, apendicite fia. Nos ambientes onde estes exames não estejam disponíveis,
com peritonite e as doenças inflamatórias intestinais (Crohn deve-se proceder à laparotomia ou à laparoscopia diagnóstica,
e retocolite ulcerativa), podem ser complicadas por trombose sem muita hesitação.
das veias mesentéricas. A ultrassonografia Doppler tem se mostrado útil na inves-
O mecanismo de necrose hemorrágica do intestino na trom- tigação de trombose venosa mesentérica subaguda ou crônica.
bose venosa mesentérica é falta de perfusão arterial, provocada Quando se conseguem imagens de trombos em uma das veias
por congestão vascular intensa no segmento do intestino dre- mesentéricas, a ultrassonografia Doppler confirma o diagnósti-
nado pela veia trombosada. co (Figura 34.7). Porém, nos casos agudos, a presença de gases
nos intestinos dificulta muito a execução da ultrassonografia
• Quadro clínico Doppler. Nestas circunstâncias, é melhor proceder diretamente
Clinicamente, a trombose venosa mesentérica pode se apre- a exames de imagem mais invasivos.
sentar de forma aguda, subaguda e crônica. A forma aguda se Atualmente, o melhor exame diagnóstico de trombose veno-
manifesta como uma isquemia mesentérica de causa arterial. A sa mesentérica é a angiotomografia. Com os modernos apare-
dor abdominal é intensa, tipicamente fora de proporção com lhos de múltiplos canais (chamados de tomografia m ultislice ),
os achados do exame físico. O exame físico do abdome pode a acurácia do exame de aproxima de 100%. A angiotomografia
ser normal ou revelar apenas dor à palpação das alças intesti- mostra a presença de trombos nas veias mesentéricas e as alças
nais congestas. intestinais congestas. A angiorressonância magnética também
O curso clínico da trombose venosa mesentérica pode ser é bastante acurada, mas menos útil pelo seu alto custo e pouca
subagudo, com o paciente apresentando dor abdominal que se disponibilidade no BrasiL
prolonga por dias ou semanas, antes de o diagnóstico ser feito Devido ao fato de os pacientes apresentarem dor abdominal
por exames complementares ou à laparotomia. Na sua forma aguda inespecífica, com frequência o diagnóstico de trombose
crônica, a trombose venosa mesentérica pode ser assintomáti- venosa mesentérica somente é feito durante laparotomia ou
ca, encontrada incidentalmente em exames de imagem ou em laparoscopia diagnóstica. Os achados operatórios são de um
necropsias. Mas pode também fazer parte da trombose do siste- segmento intestinal extremamente edemaciado e cianótico. O
ma porta, causando hipertensão portal, que se manifesta como mesentério apresenta edema e áreas hemorrágicas, e coágulos
ascite e hemorragia digestiva por varizes gastresofágicas. podem ser espremidos das veias mesentéricas.

Figura 34.7 1magens ao ecodoppler da trombose da veia mesentérica superior. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
400 Capitulo 34 I lnsuficilncia Vascular Mesentérlca

O diagnóstico de trombose venosa mesentérica subaguda sem anastomose. Pode-se então recorrer a uma reoperação de-
ou crônica pode ser feito pelos métodos anteriores e também liberada (second-look operation) 12 a 24 h depois da operação
pela ultrassonografia Doppler. inicial, para ressecar segmentos intestinais claramente inviáveis
e para restabelecer o trânsito intestinal.
• Tratamento
A medida terapêutica mais importante é a adl'ninistração de
• Prognóstico
heparina, tão logo o diagnóstico seja confirmado por exames Apesar dos avanços recentes no diagnóstico por imagem e
de imagem ou à operação. O uso rotineiro de heparina na fase no tratamento anticoagulante, a mortalidade da trombose ve-
aguda, seguida de anticoagulante oral por tempo prolongado, nosa mesentérica permanece relativamente alta. Isso se deve
tem reduzido substancialmente a progressão, a recidiva e a mor- ao diagnóstico frequentemente tardio, à progressão e recidiva
talidade da trombose venosa mesentérica. Alguns autores têm do processo trombótico e à necessidade de ressecções intesti-
advogado o tratamento clínico (heparina, antibióticos e trata- nais maciças.
mento suportivo) para todos os casos de trombose venosa me-
sentérica, cujo diagnóstico seja feito por exame de imagem.
Recentemente, têm sido publicadas séries pequenas de trata- • LEITURA RECOMENDADA
mento trombolítico da trombose venosa mesentérica. A injeção
da droga trombolitica (em geral, o ativado r tissular do plasmi- Acosta, S, Nilsson, TK, Bjorclc, M. P,..llmlnary study of D-dimer u a poasll>le
marker of acutel>owd isdlaemiL Br I Sw1f, 2001; 88:385-8.
nogênio recombinante - rTPA) pode feita por meio de cateter
Acosta. S. Ogren, M, Sternl>y, NH et ol. Mesenteric venous thrombosis wi-
de angiografia colocado diretamente na artéria mesentérica th transmural intcttinal infarctlon: a populatlon·baS<:d study. I Vasc Su1f,
superior, retrogradamente por via percutânea transepática ou 2005;41:59·63.
por implante de um cateter diretamente em um ramo da veia Bech, FR. Celiac artery compression syndromes. S"'f Clin North Am, 1997;
mesentérica, durante laparotomia. Os proponentes desta técni- 77:409-42.
ca destacam como vantagens a dissolução rápida dos trombos, Bergan, J). Acule mesenterlc lschemia. Em: Haimovici, H (ed.). Va.scular Emtr·
gn~cies. New York: Applcton-Ccntury-Crofts, 1982. p. 234-41.
com consequente descongestão do leito venoso mesentérico e BergqvJst O & Svensson, PJ. Trearmem o( mesenteric vein thrombosls. Stmln
redução do risco de necrose hemorrágica. Vasc Surg, 2010; 2J:6S·8.
O tratamento cirúrgico é reservado para os pacientes cujo Bieb~ M, Oldenl>urg, WA, Pu-Fumagalll. R et ol. Endovascular treatmcnt as
diagnóstico seja incerto ou que, no decurso do tratamento, ve- a bridge lo successful surgical revascularization for chronic mesenteric
nham a apresentar sinais de peritonite, pela necrose tra.nsmural ischemb. Am S"'f. 2004; 70:99<1-8.
Bjorclc, M, Acosta. S, Undl>erg. F et aL Revasculariution of the superior
do intestino (Figura 34.8). O tratamento cirúrgico consiste na mesentcric artery aftcr ac:ute thromboeml>olic occlusion. Br I SU1f, 2002;
ressecção do segmento intestinal necrosado. Como é sempre 89:923-7.
dif!cil definir os liJnites do segmento a ser ressecado, a conduta Bradbury, MS, KavanasJl, PV. Bechtold, RE d aL Mesenteric venous throml>osis;
inicial do cirurgião deve ser conservadora, ressecando-se ape- dlagnosls and noninvaslve imaglng. Rluliographia, 2002; 22:527-<11.
nas as alças cla.ramente inviáveis e fazendo-se enterostomias, Brunaud, L, Antunes, L, Collin<I· Adler, S <1 al Acule mesenteric venous throm·
l>osis: cue for nonoperallve managemcnt. 1 Vasc Surg, 2001; 34:673-9.
Bulkley, GB, Zuidema, GD, Hamilton, SR el ol. lntraoperatlve determination
of small inlcttinal ischemia following ischemic injury. J\ prospcctlvc, con·
trolled trial oftwo adjuvant methods (Doppler and fiuoroscein), compared
with standard clinicai judgmcnt. "''" Surg, 1981; 793:628-37.
Ceppa, EP, Fuh, KC, Buiklcy, GB. Mcscnteric hemodynamic ,..sponseto circu·
latory shock. CU" Opin Crlt Cart, 2003; 9:127-32.
Cerqueira, NF, Hussni,CA, Yoshlda, WB. Pathophysiologyofischemlalreper-
fusion.; a revicw. Acta Cirurgita Bras, 2006; 20:336-43.
Chang. RW, Chang. JB, Longo, WE. Update in managemenl o{ m<Knteric
ischemla. Wcwld I G.utn>mterol. 2006; 12'.32-i3·7.
Cho, JS. Carr, IA. Jacobsen. G et aL Long-tenn outcome after mesenteric artery
...construction: a 37·year experience. I Vasc S"'f, 2002; 35:453-(i().
Clark, RA & Gallant, T1l. Acute m<Knteric ischemla: angiographic spectrurn.
AJR, 1984; 742:555·62.
Condal, 8, P&ione, F, Helene-Denninger, M et ai. Recenl portal or mesenteric
venous throml>osis: increued ,..cognltlon and frequent ...canallzaúon on
antlcoagulant thcrapy. Htpatology, 2000; 32:466-70.
Conner, LA. Discussion of role of arterial thrombosis in visceral diseases of
mlddle life bascd upon analoglcs drawn from coronary throml>osis. Am I
Med S<i, 1933; 185:13·8.
Dalman, RL, LI, KC, Moon, WK <t ol. Oiminished posrprandial hypcrcmla in
patients with aortic and mesenteric arterial occlusive disease. QuantificaUon
by magnetl<: resonance Oow imaglng. Circulatlon, 1996; 94(t~~ppi.):206-IO.
Dias NV, Acosta, S, Rctch, T, SonctSOn, 8, Alhadad, A, Malina, M, lvancev, K.
Mid·term outcome o( endovucular revascu.larization for chronic mcsen·
teric ischacmiL Br I Surg, 2010; 97:195· 201.
Dunphy, JE. Abclomlnal paln olvuculatorigin. Am. f.~. 1936; 192:109- 19.
Edwards, MS, Cberr, GS, Craven, TE et ol. Aarte ocdusive mesenteric iJchemi.:
surgical managen>ent and outcomes. Ann Vas<: S"'f, 2003; 17:n-9.
Farber, MA, Carlin, RE. Manton, WA ti ai. Distai thoracic aorta as inllow fortbe
treatment o f chronic mesenterlc isdlemia. I Vas<: SU1f, 2001; 33:281 ·7.
Figura 34.8 Aspecto intraoperatório das alças intestinais na trombose Foley, Ml, Moneta, C L. Al>ou-Zamzam, AM Jr t1 ol. Revasculariution of the
venosa mesentérica aguda. (Esta figura encontra-se reproduzida em superior mesenteric artery alone for trealmenl o f intestinal ischemla. I Vasc
cores no Encarte.) Swrg, 2000; 32:27-17.
Capftulo 34 I lnsufrcllncla Vascular Mesentérica 401

Gatt. M, Madie J, Andcrson AD, Howdl G, Rcddy BS, SuppUh, A, Ralwic.k,l, Mikkdsen. WF. Intestinal angina. lts surgical significance. Am I Surg. 1957;
MitcheU, CJ. Changa in •uperior mcKnteric artery b'-1 flow after oral. 94:262-9.
enteral. and parenteral fecding in humaru. Crit ç,,. Mtd, 2009; 37:171·6. Mitcbdl, EL & Moneta, GL Mesmteric du.plex scanning. Ptr$J1«t Vasc Surg
Gourley, EJ & Gering. SA. lhe meandering m<S<Dt<ric artery: a historie review Endovasc 71oer, 2006; 1&:175-83.
and surgJeal impllcations. Dis Colon Re<tum, 2005; ~8~· 1 000. MuU<r, AF, FUUwood, L Hawklns, M, Cowley, Aj. The integratcd response of
Grislwn. A. l..ohr, J, Guenther, JM, E.ngd. AM. Dcciphcring m<Senl<ric ,...,ous the cardiova..ular systern to food. Digestion, 1992; 52:184-93.
thrombools: lmaging and tialmenL Vasc EnMv<ucular Sw)l, 2005; 39:473·9. Oldenbwg, WA, Lau. LI., Rodenberg. TJ, Edmonds. HJ, Burger, CO. Acute mes·
Hatoum, OA, Spinelli, KS, Abu-Hajir, M et ai. Mesmteric venous thrombosis in enterk: lschemla. A cllnieal rev!ew. Areh Intern MM., 2004; 1~:10~-62.
lnOammatory bowcl di..ase. J Clin Go.stTO<nterol, 2005; 39:27· 31. Pagnoux, C, Mahr, A, Cohen, P, Guillevin, L Presentatlon and outoome of
Herskowitz, MM. Gillego, V. Ward, M, Wright, G. Cocaint·indu~ mesmteric gastrintestinal involvement in systemic necrotizing vasculitldes: analysis
ischemia: treatment with intra-arterial papaverine. Emtrg Radiol, 2002; of 62 patients with polyarterltis nodosa, microscopic polyang!itls, Wegener
9: 172·4. granulomatosis, Churg·Strauss syndrome. or rheumatoid arthritls·assocl·
Horgan, PG & Gorey, TF. Operative assessment of intestinal vlabllity. Surg Clin atcd vasculitis. Mtdlcine (&ltimorc), 2005; 84:115-28.
North Amer, 1992; 72:143·55. Park. WM, Cherry, KJ jr, Chua, HJ< el ai. Current results of open revascular·
Horton, KM & Flshman, EK. Volume-rendercd 30 CT of the maenteric vas· ization (or chtonlc mesenterlc ischemia: a standard (or comparlson. 1 Vasc
cula.ture: normal anatomy. anatomiA: varladoru and pathologic c.onditions. Surg. 2002; 35:853· 9.
Radiogruphics, 2002; 22:161· 72. Park. WM, Gloviald, P. Cherry, KJ Ir et al. Contemporary management of
jamleson, WG, Marchuk. S, Rowson. ~ Durand, O. lhe early dlagnosls of nw- acute mesenteric l.sdlemia.: Factors associatcd with survival./ Vasc Surg,
slve acutelntatinal lschernia Br J Surg. 1982; 69(Suppl.):52·3. 2002; JS:~S- 52.
Kaleya. R.'l, Sammartano, RJ, Boley, SJ. Aggrasive approach to mesenteric Perk. Mj. Duplex ultrasound for assessment of superior mesenteric artery blood
lscbernia Surg Clin North Am, 1992; 72:157-83. ftow. Eur I Vasc Endo>wc: Surg, 2001; 21:106-17.
Kaminsky, O. Yampolski, I, Aranovich, Oet td. Doa a second-lookoperation lm· Poole. JW, Sammartano. BS, Boley, SJ. Hemodynamlc basis o(the pain of chronic
prove survival in patients with peritonitis dueto acute mesent<ric ischemia? maenteric l.sdlemla. Am I Surg, 1987: 753:171·4.
A five·year retrospectivo experi<:nce. World 1 Surg, 2005; 29:645·8. Riu, Y. Oderich. GS, Bowcr, TC. MILLER, OV, Cooper, L. Ricona. JJ 11, Kalra.
Kaplan, jL. Weintraub. SI., Hunt, JP el ai. Treatment ofsuperior meienteric and
M. Gloviczld, P. lnterventlons for mesenteric va.sc-ulitis. 1 Vasc Surg, 2010i
portal vein thrombosis with direct thrombolytic infuslon via an operatively
5/:392-400.
plac:ed mestnterlc catheter. Am Surg, 2004; 70:600·4.
Schneider, DB, Nelken, NA. Messina, LM, Ehrenfeld, WK. lsolated inferior
Kleny, R, BateUier, J, Kret?., JG. Aortic relmplantation ofthesuperior mesenteric mesenteric artery revascularization for chronic víscera! ischemla./ Vasc
artery for atherosclerotic leslons of the visceral arteries: sixty cases. Ann
Surg, 1999; 30:5 1·8.
Vascsurr, 1990;4:122-5.
Schutz, A, Elchlnger, W, Brcuer. M ~~ai. Acute me~nterlc lschemla after opcn
Kim, HS. Patra, A, Khan, J et al. Transhepatic calheter-dlrected thrombectomy
beart surgery. Angiology. 1998; 49-.267-73.
and thrombolysl.s of acute superior mesenterlc venous thrombosl.s.l Vo.sc
Interv RJ>diol, 2005; 16:1685-91. Shaw, RS & Maynard, EP. Acute and chronic thrombosis o( the mesenteric arte·
ries assoclatcd with malabsorption. N Engll Mtd,1958; 254:874·9.
Kirkpatrlck. 10, l<r<><hr, MA, Greenbug, HM. Biphaslc CT with maenteric
cr anglography in the evaluation of acute m...nteric lschemla: lnitW ••• Thomas. JH, Blw, K, Pierce, GE et aL lhe clinieal coune of asymptomatic
perienee. Radiology, 2003; 229:91·8. maent<ric arterbl stenos!J./ Vasc Sutg, 1998; 27:840-4.
Kornblith, PL, Boley, Sj, Wbitehouse, BS. Anatomy of lhe splanchn!c circula· Trompetc:r, M, Brucla. T, Remy, CT <1 aL Non-occlusi"' maenterlc lschemla:
tion. Swrg Oin North Am,1992; 72:1· 30. etiology, cliagnosis, and inten-entional therapy. Eur Radio~ 2002;
Kurnar, S. Sarr, MG, Kamath, PS. Mesenteric veoous thrombosis. N Engl/ Mtd, 12:1179-8.
2001; 345:1683-8. Wyers, MC. Powdl, Rj, Nolan, BW, Cronenwett, JL Retrograde m-n~ric
Landis, MS. Rajan, DK, Slmons, ME tt aL Percutaneous management ofchronic <tenting durlnglaparotomy for acute occlusive mesenterlc lschem!J.I Vasc
mesenteric ischemia: outcomes after interventlon./ Vasc Interv RadioL 2005; Surg, 2007; ~5:269·75.
16:1319·25. Zandrino, F, Musante, F, Gallesio,l, Benzi, L Assessment ofpatienu with acute
Mamode, N, Plckford, I, Leibennan, P. Faílure to improve outoome in acute m...nteric ischemla: multislice computcd tomography slgns and dJnJcal
mcsenterJc ischemia: seven-year rcvicw. Eur f Surg, 1999; 165:203-8. performance in a group orpatients with surgical corrclation. Mincrvo Gn.s·
Mangi, AA, Christison·Lagay, ER. Torchlana, DF t1 ai. Gastrolnlestinal compli- troentorol Dletol, 2006; 52:317-25.
cations In patlents undcrgoing heart opcratjon: an analysis of8,709 conse- Zwolak, RM, Filinger, MF, Walsh, 08 et ai. M...ntcric and celiac duplex scan·
cutlve cardlacsurgical patients. Ann Surg, 2005; 241:895·901. ning: a validatlon study.l Vasc Surg, 1998; 27:1078·87.
3 Supercrescimento Bacteriano
no Intestino Delgado
Ahmed Abu-Shanab, Rodrigo M. Quero e Eamonn M. M. Quigley
(Tradução: Lorete Maria da Silva Kotze)

• INTRODUÇÃO EEPIDEMIOLOGIA do Júmen intestinal, é essencial para a liberação de meios mo-


leculares ativos.
No hospedeiro saudável, bactérias entéricas colonizam o Embora o SBID seja habitualmente definido em termos
trato alimentar logo após o nascimento, e a composição da quantitativos, como o número de colônias formando unida-
flora intestinal permanece relativamente constante através da des por mt (CFU), a interpretação destas definições deve levar
vida. Devido à peristalse e aos efeitos antimicrobianos da aci- em conta, primeiramente, a localização no intestino de onde a
dez gástrica, o estômago e o intestino delgado proximal con- amostra foi obtida e, secundariamente, o fato de que a maioria
têm relativamente pequeno número de bactérias. As culturas das espécies bacterianas do intestino permanecem não cultivá-
jejunais podem não detectar nenhuma bactéria em até 33% de veis. Dessa forma, técnicas moleculares, tais como genômicas
indivíduos sadios. Quando espécies bacterianas estão presentes, e metabólicas, sugerem que tanto quanto 60% da flora normal
geralmente são lactobacilos, enterococos, estreptococos orais, não é identificada por métodos baseados em cultura. Alternati-
e outros gram-positivos aeróbios ou anaeróbios facultativos, vamente, o diagnóstico pode ser baseado na presença de conse-
quências do SBID, tais como má absorção intestinal, combinada
refletindo a flora bacteriana da orofaringe.
com um resultado positivo de métodos não invasivos, como os
No suco jejunal, as contagens bacterianas de coliformes ra-
testes respiratórios. Não obstante estas restrições, o SBID é, em
ramente excedem 103 CFU/ml (colony forming units). A mi-
geral, dependente da validação de mais de uma metodologia
crobiologia do !leo terminal representa uma zona de transição
acurada baseada em microbiologia molecular, definida como
entre a relativamente escassa e predominante flora aeróbica a presença de <!: 105 CFU/ml de bactérias no intestino delga-
bacteriana do jejuno e a densa população de anaeróbios encon- do proximal. Outros autores aceitam o diagnóstico de SBID
trada no cólon. As contagens bacterianas colOnicas podem ser na presença de baixas contagens de colônias(<!: 10' CFU/mt),
tão elevadas como 109 CFU/mt no íleo terminal, imediatamen- desde que as espécies bacterianas isoladas no aspirado jejunal
te proximal à válvula ileocecal, com predominância de gram- sejam uma das que normalmente colonizarn o intestino gros-
negativos e anaeróbios. Já no interior do cólon, a concentração so, ou que estas mesmas espécies estejam ausentes da saliva e
e variedade da flora entérica mudam drasticamente. Concen- do suco gástrico.
trações tão altas quanto 1012 CFU/mt podem ser encontradas, A prevalência do SBI O é diretamente dependente das carac-
compostas principalmente de aeróbios, tais como bacteroides, terísticas da população estudada e do método diagnóstico em-
porfiromonas, bljidobacteria, lactobacilli e clostridia. Ao con- pregado para detectar ou definir o supercrescimento bacteriano.
trário, a flora contaminante no supercrescimento bacteriano do Se um teste respiratório é empregado como teste diagnóstico, a
intestino delgado (SBID) comumente mostra tanto bactérias prevalência variará adicionalmente, dependendo da natureza e
da orofaringe quanto bactérias tipo-colônicas, tais como Strep- da dose do substrato usado. Embora muitos estudos de preva-
tococcus (71 %), Escherichia coli (69%), Staphylococcus (25%), lência do SBID em larga escala estejam ainda por serem feitos,
Micrococcus (2296) e Klebsiel/a (20%). o SBID tem sido descrito em Oa 12,5% com base no teste res-
A flora bacteriana normal influencia uma variedade de fun- piratório com glicose, em 20 a 2296 pelo teste respiratório com
ções intestinais. Açúcares da dieta não absorvidos são desdo- lactulose e em Oa 35% pelo teste respiratório com "C o-xilose
brados pelas dissacaridases bacterianas, convertidos em ácidos entre individuos aparentemente sadios. O idoso pode ser espe-
graxos de cadeia curta, e usados como fonte de energia pela cialmente mais suscetível ao SBID devido tanto à falta de ácido
mucosa colOnica. Vitaminas e nutrientes, como folato evita- gástrico, quanto ao consumo de um desproporcional número
mina K, são produzidos pelas bactérias entéricas. de drogas que podem causar hipomotilidade. Embora SBID
A relação entre o sistema imune do hospedeiro e a flora não tenha sido diagnosticado em cerca de 3596 de idosos aparen-
patog~nica é importante na proteção do hospedeiro contra a temente sadios com hipocloridria pelo teste respiratório com
colonização pelas espécies patogênicas. O metabolismo bacte- 14C o-xilose, outros têm descrito SBID como uma importante
riano de alguns medicamentos (como sulfassalazina), dentro causa oculta de má absorção intestinal no idoso.
402
Capftulo 35 I Supercrescimento Bacteriano no Intestino Delgado 403

• CAUSAS EPATOGENESE • APRESENTAÇÃO n rNICA


Os fatores defensivos mais importantes contra SBID são o As consequências clinicas do SBID se relacionam com nu-
ácido gástrico e a motilidade do intestino delgado. No estôma- merosos fatores, incluindo metabolismo bacteriano, lesão direta
go, o ácido mata e suprime o crescimento da maioria dos or- da mucosa, efeitos na motilidade pós-prandial, e com o im-
ganismos que entram pela orofaringe. No intestino delgado, a pacto da ingestão alimentar alterada, secundária aos sintomas
ação de limpeza das forças propulsivas e, especialmente, a fase gastrintestinais induzidos pelo SBID. Os sintomas resultantes
I1I do complexo motor migratório interdigestivo limitam a ca- variam muito e dependem da gravidade do SBID, bem como
pacidade da bactéria de colonizar o intestino delgado. Outros da causa subjacente. Embora os sintomas possam não ser es-
fatores de proteção incluem a integridade da mucosa intestinal pecíficos, alguns, como a combinação de diarreia, esteatorreia,
e sua camada protetora de muco, as atividades enzimáticas das borborigmos pós-prandiais e deficiência de vitaminas, podem
secreções intestinal, pancreática e biliar, os efeitos protetores ser altamente sugestivos de SBID. Investigações laboratoriais
de alguns elementos da flora comensal, como os lactobacilos e podem revelar anemia, que habitualmente é macrocítica devi-
as propriedades mecânica e fisiológica da válvula ileocecal. A do à má absorção de vitamina B,1 como resultado de ligação e
dismotilidade do intestino delgado, mais do que a hipoclori- incorporação desta vitamina dentro da bactéria. Níveis de am-
dria de jejum ou a imunodeficiência, é, provavelmente, o maior bos, folato e vitamina K, são, contudo, comumente normais ou
contribuinte ao SBID em idosos. elevados no contexto do SBID devido à síntese bacteriana destas
Distúrbios que levam a alterações de um ou mais destes siste- vitaminas. A anemia microcítica pode resultar de sangramen-
to de úlceras ou erosões. Em casos avançados, deficiências de
mas defensivos podem estar associados ao SBID. Os distúrbios
micronutrientes e evidência de má nutrição podem também
mais comuns associados ao SBID são as síndromes de dismo-
estar presentes.
tilidade intestinal e a pancreatite crônica. A causa de SBID na
pancreatite crônica é multifatorial e inclui uma diminuição da
motilidade intestinal consequente ao processo inflamatório, o
efeito de narcóticos na motilidade intestinal e a obstrução in- • DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
testinal. Estagnação e/ou recirculação dos conteúdos intestinais
resultante de fistulas, enterostomias e anastomoses também :e óbvio pelo e.xposto anteriormente que o diagnóstico dife-
predispõem ao SBID, daf explicar-se a frequente associação de rencial do SBID é potencialmente vasto e, por um lado, inclui
SBID com a doença de Crohn, a enteropatia por radiação e a as muitas causas da síndrome de má absorção, e, por outro
cirurgia de reconstrução. lado, também as muitas situações em que os distúrbios levem
Divertículos no jejuno ocorrem em 0,07 a 2% da população a di arreia, borborigmos ou desconforto abdominal. Em muitos
e tendem a ser grandes e múltiplos, enquanto os do íleo são casos, os sintomas relacionados com o SBID não são específicos
pequenos e únicos. SBID tem sido relatado entre 10 e 40% e e são prontamente confundidos com os relacionados com sín-
de 6 a 40% em divertículos do jejuno e íleo, respectivamente. drome do intestino irritável, dispepsia funcional, doença celía-
Os divertlculos do jejuno são duas vezes mais frequentes no ca e doença de Crohn.
homem e são observados predominantemente entre indiví-
duos acima de 60 anos de idade. Estudos morfológicos suge-
rem que distúrbios de motilidade intestinal, tais como escle-
rose sistêmica progressiva, miopatias viscerais e neuropatias,
• INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA
desempenham papel importante na formação de divertículos
O diagnóstico de SBID deve ser aventado em qualquer pa-
do intestino delgado.
ciente com condição clínica conhecidamente associada ao SBID
Recentemente, SBID tem sido associado a enfermidades,
e que tenha sintomas gastrintestinais compatíveis. O diagnósti-
como síndrome do intestino irritável, doença celíaca, doença
co de SBID permanece problemático. Diversos métodos diag-
gordurosa do figado não alcoólica (NASH) e peritonite bacte-
nósticos invasivos e não invasivos de diferentes sensibilidade
riana espontânea; a verdadeira participação dessas associações
e especificidade estão disponíveis.
permanece incerta. A maioria das controvérsias dizem respei-
Embora o aspirado e cultura direta do conteúdo jejunal se-
to à ligação entre a síndrome do cólon irritável e SBID (SCI).
jam considerados por muitos como gold standard para o diag-
Enquanto relatos iniciais, usando o teste respiratório com lac- nóstico de SBID, tal método tem diversas limitações, incluindo
tulose, descrevem SBID em até 84% dos indivíduos com SCI, potencial para contaminação pelas bactérias da orofaringe du-
muitos estudos subsequentes usando uma variedade de meto- rante o próprio procedimento, a observação de que o supercres-
dologias têm falhado em confirmar esta associação. Quigley cirnento bacteriano pode ser focal e então ser perdido por uma
(2007) acredita que a SCI, per se, não esteja ligada ao SBID, única aspiração, e a possibilidade de que o supercrescimento
mas SBID pode levar a sintomas SCI-like, e a resposta positiva possa envolver somente as porções mais distais do intestino
a antibiótios na SCI mais provavelmente reflete os efeitos na delgado, fora do alcance das técnicas convencionais de intu-
flora colônica do que no SBID. bação. Por outro lado, a cultura de anaeróbios requer técnicas
SBID tem sido implicado como uma das causas da falta de microbiológicas meticulosas, e a maioria da flora intestinal não
resposta à dieta isenta de glúteo em pacientes celfacos. Erradi- é cultivável. Além disso, a reprodutividade do aspirado jejunal
cação de SBID pode levar ao desaparecimento dos persistentes e da cultura tem sido relatada tão baixa quanto 38% em com-
sintomas, tanto nos estudos experimentais quanto nos clínicos. paração com 92% dos testes respiratórios.
SBID tem sido referido em associação com hipertensão portal O princípio básico para o uso de testes respiratórios é que
e cirrose, e ligado ao desenvolvímento de encefalopatia portos- a administração de uma dose de carboidrato (d-xUose,lactu-
sistêmica e peritonite bacteriana espontânea. lose ou glicose) quando metabolizado pelo conteúdo da flora
404 Capftulo 35 I Supercrescimento Bacteriano no Intestino Delgado

leva à produção de hidrogênio, que é absorvido e finalmente terapia antibiótica efetiva deverá cobrir bactérias aeróbicas e
excretado pela respiração. Como a produção de hidrogênio é anaeróbicas. Diferentes esquemas têm sido sugeridos. Em ge-
um fenômeno normal, a preparação do paciente é vital para ral, um curso de 7 a 1O dias de antibióticos pode melhorar os
a acurácia do teste. Assim, a ingestão de certos alimentos - sintomas até por diversos meses em cerca de 46 a 90% dos pa-
tais como pão, fibras e massas -, o fumo, as ações das bacté- cientes com SBID e tornar os testes respiratórios negativos em
rias orais e a presença de doença pulmonar podem afetar a 20 a 75% dos casos. Devido à recorrência de sintomas, alguns
acurácia diagnóstica. Nestes testes, o diagnóstico de SBID é pacientes necessitarão de repetição (p. ex., nos 5 a 1Oprimeiros
estabelecido quando a concentração do H 2 exalado aumenta dias de cada mês) ou cursos contínuos de tratamento antibió-
mais que 1O partes por milhão (ppm) em relação ao basal em tico. Para estes últimos. regimes rotatórios de antibióticos são
duas amostras consecutivas, ou se o hidrogênio respiratório de recomendados para prevenir resistência bacteriana. As decisões
jejum excede 20 ppm. A fermentação do carboidrato residual de manejo devem ser individualizadas e devem-se considerar
pelas bactérias da orofaringe pode também contribuir para ní- os riscos de esquemas a longo prazo, como diarreia, infecção
veis elevados de hidrogênio e, assim, para urna superestimação por Clostridium difficile, intolerância, resistência bacteriana, e
do nível do hidrogênio respiratório de jejum. Limpeza da boca os custos. Nós recomendamos o uso de antibióticos com me-
com água contendo clorexidina antes da coleta do teste pode nos toxicidade e de baixa absorção sistêmica. Regimes de 7 d ias
resolver este problema. incorporando ciprofloxacino, norfloxacino, arnoxicilina-
A interpretação dos testes respiratórios pode ser especial- ácido clavullnico, ou metronidazol podem parecer boas opções.
mente problemática no contexto das doenças associadas a re- Quando disponível, a minimamente absorvível rifaximina pa-
tardo do esvaziamento gástrico (resultados falso- negativos) rece oferecer uma excelente opção. Até o momento, não há
ou trânsito intestinal rápido (resultados falso-positivos). Além boa evidência da eficácia dos probióticos na terapia primária
disso, entre 15 e 27% da população não produzirá hidrogênio, do SBID. O conceito de que os probióticos poderiam prevenir
e a credibilidade nos testes respiratórios apenas pode, então, a recorrência após tratamento bem-sucedido com antibióticos
proporcionar um significativo número de resultados falso - é atraente, mas ainda não provado.
negativos. A combinação da determinação de hidrogênio e me- O papel de agentes procinéticos em casos com estase e dis-
tano, produtos finais do metabolismo bacteriano anaeróbio no motilidade também não está provado e o alcance das opções
intestino, pode evitar este problema. presentemente é limitado. Como o octreotídio estimula a fase
Dentre os vários substratos disponíveis, a sensibilidade e propagativa 3 no intestino delgado, baixas doses (50 J.tg por dia)
especificidade do teste respiratório com o-xilose parecem ser foram evocadas para pacientes que não respondem aos antibió-
melhores. Como a adminstração de ••c está associada à expo- ticos, ou que não os toleraram, ou que desenvolveram compli-
sição à radiação, o teste com 13C o -xilose, usando um isótopo cações a eles relacionadas. Soluções purgativas não absorvíveis
estável, tem sido utilizado como alternativa, tanto em crianças podem melhorar os sintomas gastrintestinais em crianças com
como em mulheres em período fértil. O teste respiratório com a síndrome do intestino curto e SBID.
lactulose é seguro, fácil de ser feito e aplicável a crianças e mu- Suporte nutricional é um importante componente do ma-
lheres em idade de procriar. Como a lactulose não é absorvida nejo do SBID e pode incluir modificações dietéticas, tais como
pelo intestino normal, em indivíduos sadios, deveria produzir dieta livre de lactose, reposição das deficiências vitamínicas
um pico em 2 a 3 h, refletindo a chegada do substrato ao cólon, (especialmente as lipossolúveis) e correção de deficiência de
assumindo-se que a flora colônica esteja intacta. No SBID, outro nutrientes, como cálcio, magnésio e vitamina B12• Se houver
pico ocorre dentro de 1 h da ingestão e é menos proeminente dano mucoso, este poderá persistir por algum tempo, mesmo
que o pico colônico. Corno a glicose é rapidamente absorvida após a completa erradicação do supercrescimento bacteriano,
no intestino delgado proximal, somente supercrescimento pro- e o suporte nutricional será necessário por um período pro-
ximal pode ser detectado pelo teste respiratório com glicose. longado.
O fato de que qualquer pico é anormal neste teste é a sua prin-
cipal vantagem sobre os que usam substratos não absorvíveis
como a lactulose.
• COMPLICAÇÕES ESEU MANEJO
O comprometimento da absorção de nutrientes pode ser
• TRATAMENTO EPREVENÇÃO atribuído aos efeitos intraluminais da proliferação bacteriana
combinado com lesão à mucosa. Má absorção de carboidratos
Há três componentes para o tratamento do SBID: primei- resulta da combinação da sua degradação pelas bactérias e da
ramente, tratar a doença básica; em segundo lugar, erradicar o perda da atividade das dissacaridases da borda estriada resul-
SBID; e, por fim, corrigir qualquer deficiência nutricional asso- tante do dano ao enterócito.
ciada. O objetivo principal deve ser o tratamento ou correção A má nutrição proteica é também rnultifatorial e resulta
de qualquer doença ou defeito básico, quando possível. de utilização intralurninal da proteína da dieta pelas bactérias,
Infelizmente, diversas condições clinicas associadas ao SBID, impedimento da absorção, e desenvolvimento de enteropatia
tais como miopatias viscerais e divertículos jejunais múltiplos, perdedora de proteínas. Em um terço dos pacientes, o SBID é
não são prontamente reversíveis. O manejo, então, se baseia em grave o suficiente para causar deficiência de vitaminas, como
terapia antibiótica. Seu objetivo não é o de erradicar a flora bac- de B,2 e de lipossolúveis (A, D e E). Embora os principais as-
teriana, mas alterá-la de modo a conseguir melhora sintomática. pectos histológicos do intestino delgado estejam normais ha-
Embora, de modo ideal, a escolha dos agentes antirnicrobianos bitualmente, o SBID pode estar associado à redução da altura
devesse refletir a suscetibilidade in vitro, isto em geral é impra- das vilosidades, à profundidade das criptas e à espessura da
ticável, pois coexistem muitas diferentes espécies bacterianas, mucosa, com aumento dos linfócitos intraepiteliais e áreas fo-
com diferentes sensibilidades aos antibióticos. O tratamen- cais de ulceração e erosão. Tais alterações são reversíveis após
to antibiótico permanece, assim, primariamente empírico. A tratamento antibiótico bem-sucedido.
Capftulo 35 I Supercrescimento Bacteriono no Intestino Delgado 405
Alberdi, J, Laughlin, R, Lichcn, WU. Influcnce ofthc critically UI statc on host·
• PROGNOSTICO COM ESEM TRATAMENTO patbogen interactions witbin tbe intestine: gut-derived sepsis redefined.
Critic Care Med, 2003; 31:598-607.
Pouco se conhece sobre a história natural do SBID, a não Attar, A, Flourié, B, Rarnbaud, )C tt ai. Antibiotic efficacy in small intestinal
ser seu potencial de levar a complicações e enteropatia perde- bacterial overgrowtb-related chronic diarrhea: a crossover, randomized
teia!. Gastroenterowgy. 1999; 117:794-7.
dora de proteínas, como descrito anteriormente. Devido ao Baucr, T, Stcinbrückncr, B, Brinkmann, FetaL Small intestinal bactcrial over·
potencial metabólico da flora, alguns questionaram a conve- gro,.1h in patients witb cirrhosis: prevalence and relation with spontaneous
niência da erradicação do SBID no contexto da síndrome do bactcrial pcritorutis. Am J Gastroet~terol, 2001; 96:2962-7.
intestino encurtado, por exemplo, a menos que sintomas ou Bouknik, Y. Alain, S, Attar, A. Bacterial populations contaminating the uppcr
gut in patients with small intestinal overgrowtb syndrome. Am I Gastro-
complicações diretamente relacionados com o SBID estejam entero~ 1999; 94:1327-31.
presentes. Corazu, GR, Menozzi, MG, Sttocchi, A et ai. The diagnosis of small bowel
bactcrial ovcrgrowth. Gastroet~terowgy. 1990; 98:302·9.
Gu..narsdottir, S, Sadik, R, Shcv, S et ai. Small intestinal motility disturbanccs
and bacteriaJ overgrowth in patients with llvcr cirrhosis and portal hyper-
• SUMARIO tcnsion. Am J Gastroenterol, 2003; 98:1362-70.
Khloloussy, AM, Yang, Y. Bonacquist.i, K et ai. Thc compctcnce and bactcrio-
logic effect of the telescoped intestinal valve after small bowel resection.
Apesar do atual aumento de interesse no papel da flora Am Surg; 1986; 52:555-9.
na saúde e na doença, além do reconhecimento, por mais de Krishnamurtby, S, Kelly, MM, Rohrmann, CA et ai. Jejunal diverticulosis: A
50 anos, de que um excesso de flora do tipo "colônico" no in- heterogeneous disorder caused by a variety of abnormalities of smooth
testino delgado poderia levar a uma síndrome de má absorção, muscle or myenteric plexus. Gasrroenurology, 1983; 85:538-47.
McEvoy, A, Dutton, J, James. OF. Bacterial contamination of the smaU intes-
o supercrescirnento bacteriano no intestino delgado permanece tine is an important cause of occult malabsorption in the elderly. Br Med
pobremente definido. Esta falta de clareza deve-se muito às di- J. 1983; 287:789-93.
ficuldades que surgem quando se tenta chegar a um consenso Pimentel. M, Chow. EJ, Lin. HC. Normalization of lactulose breath testing
no que concerne ao diagnóstico desta condição. Não há presen- correlates with syrnptom improvement in irritable bowel syndrome: a
temente nenhumgold standard e as metodologias comumente double-blind, randomized, placebo-controlled study. Am I Gastroenterot
2003; 98:412-9.
disponíveis - a cultura de aspirados jejunais e uma variedade Quigley, EM. Bacterial; a new player in gastrointestinal motility disorders -
de testes respiratórios - sofrem de uma considerável variação infections, bacterial overgrowth, and probiotlcs. Gascroenterol Clin North
em sua realização e interpretação, dessa forma levando a uma Am, 2007; 36:735-48.
Riordan, SM, Melver, Cj, Wakefield, D et ai. Mucosa! cytoltine production
ampla variação da prevalência do supercrescimento em uma
in small-intestinal bacterial overgrowth. Scand I Gastroenterol, 1996;
variedade de contextos clínicos. O tratamento, por sua vez, é 31:9n-s4.
apoiado por uma pobre base de evidências e os esquemas anti- Romagnuolo, j, Schiller, D, Bailey, R. Using breatb test wisely in a gastroen-
bióticos mais comumente utilizados devem-se mais à expe- terology practice: an evidence-based review of indications and piúalls in
riência clínica do que a ensaios clínicos controlados. interpretation. Am f Gastrott~tero~ 2002; 97:1113·26.
Simon, GL & Gorbacb, SL. The human intestinal microflora. Dig Dis Sei, 1986;
31:147·62.
Toskes, PP. Bacterial overgro"1h of the gastrointestinal tract. Adv Int Med,
1993; 38:387·407.
• LEITURA RECOMENDADA Tursi, A, Brandimarte, G, Giorgetti, G. Hlgh prevalence of small intestinal bac·
teria! overgrowtb in celiac patients witb perseverance of gastrointestinal
Abu·Shanab, A & Quigley, EM. Diagnosis of small intestinal bacterial over- symptoms after glutten withdrawal. Am I Gastroenterot 2003; 98:839·43.
growtb: tbe cballenges persists! Expert Rev Gastroenterol Hepaw~ 2009; Vantrappen, G, Janssens, J, Coremans, G et al. Gastrointestinal motility disor·
3:77·87. dcrs. Dig Dis Sci,I986;31:5S·25S.
36 Tumores do Intestino Delgado
Lorete Maria da Silva Kotze, Luiz Roberto Kotze e Paulo Gustavo Kotze

ocasião do tratamento definitivo. Apesar de a detecção ter


• CONSIDERAÇÕES GERAIS melhorado com os atuais métodos de diagnóstico, essas neo-
As neoplasias primárias do intestino delgado são raras, cons- plasias permanecem um dilema clinico. São corretamente
tituem grupo heterogêneo de tumores, sendo responsáveis por diagnosticadas no pré-operatório somente em cerca de 53%
mais ou menos 5% de todos os tumores malignos do trato gas- dos casos.
trintestinal (GI). Embora o intestino delgado (ID) represente Alguns fatos merecem destaque na abordagem diagnóstica
75% de todo o comprimento e 90% da superfície absortiva Gl, destas neoplasias:
a média anual de incidência é pequena em relação ao câncer a) Baixa incidência desses tumores;
colorretal. Entretanto, quando malignas, seu prognóstico é dos b) Falta de sintomas e sinais especlficos à apresentação;
piores. c) Baixa sensibilidade das técnicas diagnósticas habituais;
Nos EUA, a incidência é maior em negros quando compa- d) Preponderância de doença avançada dos tumores malig-
rada à em brancos. Fatores dietéticos, ambientais e genéticos, nos, em parte devido à demora no diagnóstico.
ou a combinação de vários destes fatores, podem desempenhar
papel etiológico. Salienta-se este último item, pois:
A raridade relativa do câncer do 10, em comparação com o 1. O tempo que o paciente demora para contar os sintomas
do cólon e do estômago, resultaria de mecanismos protetores? está em tomo de 2 meses;
Fatores a serem considerados: 2. O tempo que o clinico leva para estabelecer o diagnóstico
a) Transito rdpido pelo intestino delgado, limitando a expo- correto é de, mais ou menos, 8 meses;
sição da mucosa aos carcinógenos. explicando também 3. O tempo de demora para o diagnóstico radiológico é de
a maior presença de tumores no íleo terminal, que apre- cerca de 12 meses.
senta estase ao nlvel da válvula ileocecal; A excelente revisão de Ciresi & Scholten, em 49 tumores
b) Menor concentraçdo de carcin6genos no conteúdo mais primários do intestino delgado, detectados no período de 1981
liquido do intestino delgado; a 1993, mostra os principais tópicos concernentes ao assunto
c) Sistemas enzimáticos mais ativos na detoxificação dos car- (Quadros 36.1 a 36.3). Esses autores consideram tumor benig-
cinógenos no intestino delgado, mais que no estômago e no aquele sem evidência histológica de potencial maligno de
no cólon (benziprene-hidroxilase); invasão; e tumor maligno quando há confirmação histológica
d) Presença de poucos microrganismos no intestino delga- de invasão da membrana basal da parede intestinal, ou confir-
do, principalmente bactérias anaeróbicas que convertem mação histológica de doença metastática. Para esses mesmos
ácidos biliares em carcinógenos; autores, os tipos histológicos estão apontados no Quadro 36.2
e) Poderoso sistema imune celular e humoral no intestino e refletem a experiência de diversos autores.
delgado: as células reconheceriam as células neoplásicas Foram relatados 144 casos, observados de 1970 a 1996, com
como estranhas, eliminando-as com muita eficiência; seguimento médio de 39 meses, sendo 47% adenocarcinomas,
f) Proliferaçdo celular rdpida exerceria efeito protetor contra 28% carcinoides, 13% liomiossarcomas e 12% linfomas. Predo-
o crescimento de neoplasias. A cinética característica da minou o sexo mascu.lino (64%), e a idade média foi de 56 anos.
mucosa entérica poderia explicar a baixa velocidade de Quanto à apresentação cllnica, o Quadro 36.3 mostra os prin-
alteração neoplásica; cipais sintomas e sinais.
g) pH alcalino; Os tumores benignos mais comumente se apresentam com
h) Presença de imunoglobulina A. sangramento agudo gastrintestinal, sendo quase sempre assin-
Além de raras, as neoplasias do ID notoriamente são di- tomáticos (53%); os malignos, com dor abdominal e perda de
ficeis de diagnosticar e, quase sempre, estão avançadas por peso em 94% dos casos.
406
Capftulo 36 I Tumores do Intestino Delgado 407
- T
Quadro 36.1 Dados clínicos elocalização dos tumores do intestino delgado*

Tipo do tumor Idade Homens Mulheres Duodeno Jejuno fleo Total

Benigno 66 9 8 4 6 17
Maligno 60 17 15 10 10 12 32
Sintomático 61 21 18 10 12 17 39
Assintomático 67 5 5 4 5 10

'Segundo Ciresi & Scholten, 1995.

- T
Quadro 36.2 Tipos histológicos dos tumoresdo intestino delgado*

Benignos Frequfnda Malignos Frequênda

liomioma 7(41%) Adenocarcinoma 17(53%)


Carcinoide 2(12%) liomiossarcoma 6(19%)
Adenoma 2(12%) Carcinoide 9(28%)
Hamartoma 2(12%)
Neurofibroma/fibroma 2(12%)
Mucosa gástrica ectópica 1(6%)
Pólipo hiperplásico 1(6%)

'Ciresi & Scholten, 1995.

------------------------------T -----------------------------
Quadro 36.3 Apresentação clínica dos tumores do intestino delgado*

Benignos Malignos Sintomáticos

Assintomáticos 8(47%) 2(6%)


5angramento Gl agudo 5(29%) 2(6%) 7(18%)
5angramento Gl crônico 5(29%) 11 (34%) 16(41%)
Hemorragia franca 8(47%) 12(38%) 20(51%)
Dor abdominal 4(24%) 20(63%) 24(62%)
Per furação 0(0%) 3(9%) 3(8%)
Obstrução 2(12%) 11 (34%) 13(33%)
Massa palpável 0(0%) 5(16%) 5(13%)
Emagrecimento 0(0%) 12(38%) 12(31%)

•Segundo Grêsi & Scholten, 1995.


Gl = gastrintestinal

A maioria dos tumores do intestino delgado apresenta ma-


nifestações clínicas inespecíficas, além de uma fase silenciosa • PROCEDIMENTOS DIAGNÓSTICOS
de duração variável. Os sintomas mais comuns são hemorragia
digestiva oculta, dor abdominal, emagrecimento e diarreia (es- • Trânsito intestinal
pecialmente nos linfomas). Outros sintomas como intussuscep-
ção, melena e perfurações são menos comuns. A presença de O trânsito intestinal continua sendo o único exame dispo-
massa abdominal palpável é achado tardio que se diagnostica nível em centros menores e pode ser útil na investigação das
em cerca de 40% dos casos. Já a slndrome carcinoide aparece afecções do lD, por ser de baixo custo e praticamente sem com-
em uma minoria dos tumores metastáticos. Assim, o diagnós- plicações. Entretanto, depende muito da técnica empregada e
tico clínico é difícil e tardio, muitas vezes somente à exploração do examinador. Alguns dados podem ser indicativos do tumor,
cirúrgica ou até em necropsias. segundo Francisco et ai.
408 Capitulo 36 I Tumores da Intestino Delgado

• Tumores benignos • Tomografia computadorizada


Adenoma: tumor benigno mais comum no duodeno e je-
juno, geralmente pequeno,lobulado, assintomático e intralu- A tomografia computadorizada (TC) é indicada para diag-
minal. Podem ser sésseis ou pediculados (podendo causar obs- nosticar ou sugerir a presença de um tumor no lD, bem como
trução por intussuscepção) e desenvolver pequenas ulcerações para avaliar a extensão e as complicações de um tumor detec-
superficiais, quase imperceptíveis. tado por radiografias convencionais. Tecnicamente, deve ha-
Lipoma: segundo tumor benígno mais comum, em homens, ver uma boa opacificação do lúmen intestinal e boa distensão
da parte distai do íleo, localizando-se na sub mucosa e com cres- durante o scanning, a fim de se evitar resultado falso-positivo
cimento intraluminal. Podem exibir ulcerações profundas e ou falso-negativo.
facilmente reconhecíveis.
Liomioma: terceiro tumor benigno mais comwn do ID,
mais frequente no jejuno e, depois, no íleo, tipos submucosos
• Enterografia por TC
ou serosos. Geralmente, apresentam lesão única e pequena, A enterografia por TC combina o aumento de resolução es-
podendo ser apenas intramurais, intraluminais ou ambos. O pacial e temporal do multidetector da TC com grandes volumes
sangrarnento é comum e frequentemente pronunciado. de contraste neutro para o intestino e permite a visualização da
Fibroma e neurofibroma: apresentam defeitos nodulares parede do 10 e sua luz. A distensão luminal adequada pode ser
de enchimento na margem mesentérica do intestino, podendo conseguida com hiper-hidratação. Além de doença de Crohn
causar efeito de massa com compressão extrlnseca, vólvulo ou e doença celíaca, pode ser alternativa diagnóstica para neopla-
ulcerações. Se são neurofibromas gene.ralizados, constituem a sias do 10.
doença de von Recklinghausen.
Hemangioma: geralmente no jejuno,lesão única, formada por
espaço endotelial cheio de sangue, ou massa capilar, ou mistura de • Ressonância magnética
ambas. Às vezes, pode haver calcificação persistente, semelhante As vantagens do uso da ressonância magnética (RM) in-
a flebólito, na margem intestinal. Causa anernía persistente. cluem a falta de radiação ionizante, a capacidade de prover
informação dinâmica em relação à distensão e motilidade in-
• Tumores malignos
testinal, melhorar o contraste dos tecidos moles, e o uso de
Tumor carcinoide: provém de células enterocromafins e os contraste intravenoso relativamente seguro. Como limitações,
tumores produzem serotonina, podendo ocorrer em qualquer
podem-se citar custo, acesso à imagem, variação na qualida-
parte do trato GI, exceto no esôfago. No lD são diagnosticados
de do exame e baixa resolução espacial e temporal comparada
30 a 40% deles, a maioria no lleo e apêndice. Aos raios X, de-
feito de enchimento nodular bem delimitado, frequentemen- com a TC. :1:. útil para determinação de complicações de doen-
ça inflamatória, mas pode ser alternativa para diagnóstico de
te múltiplo (ver capítulo sobre tumores carcinoides do trato
gastrointestinal). tumores e suas complicações.
Adenocarcinoma: é o segundo tumor maligno do LO, con-
siderado raro, aparecendo no duodeno (45% ), no jejuno (45%) • Enterografia por RM
e no íleo (10%). A lesão é predominantemente infiltrante, de
pequena extensão, destruindo a mucosa e com bordas marginais Enterografia por RM é método recente e parece prorníssor
de transição abruptas. Evolui com reação librótica e estenose da para detecção de tumores do 10.
luz. Pode se apresentar como lesão polipoide séssil e raramente
como grande massa ulcerada, ou lesão polipoide pediculada. • Endoscopia convencional
Linfoma: incomum, mais em porção distai do lD devido
às placas de Peyer. Mais comumente se apresenta como lesão A endoscopia digestiva alta (EDA) tem pouca acurácia no
infiltrante e estenosante extensa com espessamento e ulcera- diagnóstico dos tumores do 10. Pode demonstrar lesão em mas-
ções. Pode se apresentar em forma difusa ou como múltiplos sa, defeito da mucosa ou intussuscepção. Pode diagnosticar tu-
pequenos pólipos. Pode constituir nódulo único e grande, cau- mores do duodeno. A colonoscopia pode adentrar I Oa 60 em
sando obstrução ou intussuscepção. do íleo terminal e detectar lesões tumorais.
Leiomiossarcoma: lesão única, incidindo em qualquer por-
ção do ID, intramural ou intramural pediculado. A maioria • Cápsula endoscópica
dos liomiossarcomas cresce para a cavidade peritoneal. Afasta,
muitas vezes, alças intestinais, mas a obstrução é rara e a intus- (WCE = wirelesscapsu/e endoscopic)
suscepção ocorre em 50% dos casos. Os métodos endoscópicos tradicionais e os de imagem nem
• Tumores metastáticos sempre podem estabelecer o diagnóstico. Neste leque de possi-
Clinicamente, podem apresentar dor abdominal, obstrução, bilidades, sem um método diagnóstico ideal, surge a possibili-
sangramento e massa abdominal. Tumor primário, em ordem dade de diagnóstico através da cápsula endoscópica (CE) que
decrescente: ovário, pâncreas, estômago, cólon, mama, pulmão traz sensibilidade e especificidade elevadas sem as complica-
e útero. À radiologia, múltiplas apresentações. A disseminação ções dos métodos invasivos e sem a necessidade de hospitali-
pode ser hematogênica (êmbolos tumorais), intraperitoneal, zação. Tem o potencial de mostrar o 10 inteiro, inclusive em
linfática ou por contiguidade (frequente listulização). áreas não alcançadas pela endoscopia tradicional. Foi iniciada
no final de 2001.
Na série de 86 pacientes relatada por Scbwartz & Barkin
• Enterografia com 87 tumores provados histologicamente, a endoscopia con-
Estudo de duplo contraste realizado após passagem de sonda vencional e os métodos radiológicos falharam em chegar ao
até o 10 proximal e injeção de bá.rio e metilcelulose; acurácia correto diagnóstico. Os 86 pacientes foram submetidos a 395
em tomo de 96%. procedimentos negativos antes do uso da CE: média de 4,6
Capitulo 36 I Tumores do Intestino Delgado 409

exames negativos por paciente. Tais procedimentos incluíram flamação ileal, nódulo submucoso e sangramento ativo em 4.
137 colonoscopias, 131 EDA, 40 trânsitos intestinais, 26 ente- A histologia mostrou linfoma (3), metástase de câncer de có-
roscopias, 24 TC, 16 enterografias, 6 scans por sangramento, 6 lon (3), carcinoide (3), GIST (2), adenocarcinoma primário
angiografias, 5 raios X simples de abdome, 2 scans para divertí- do 1D (1).
culo de Meckel, I ultrassonografia abdominal e I laparoscopia. No Brasil, Saul & Torresini relatam que a CE foi eficaz em
Pacientes com tumores duodenais realizaram uma média de 2 demonstrar a lesão/fonte de sangramento em pacientes com
procedimentos negativos prévios, enquanto tumores jejunais e sangramento gastrintestinal obscuro em 77% dos casos. Qua-
ileais foram submetidos a uma média de 5,3 e 4,1 procedimen- tro casos de tumores malignos do ID (2 adenocarcinomas e 2
tos negativos, respectivamente. As indicações para a CE foram tumores estremais - GIST) foram adequadamente diagnosti-
sangramento GI obscuro (69%), anemia (21%), dor abdominal cados (11,7%).
(8%) e história de polipose (2%).
Embora a CE não permita biopsia das lesões, os achados • CE em pacientes com risco para tumores do ID
macroscópicos sugerem o tipo de tumor e, principalmente, sua Muitas sindromes com poli pose Gl incluem o ID como parte
localização para orientação de tratamento. Alguns exemplos de sua apresentação clínica. A polipose adenomatosa familiar
com indicação cirúrgica e histologia: (PAF), com prevalência estimada de 1 caso para 5.000-7.500 pes·
• lesão elevada, polüobulada, coloração enegrecida: me- soas, apresenta pólipos em trato Gl de 60 a 90%. Adenocarcino-
lanoma; ma duodenal é a causa de morte prevalente após a colectomia
• lesão polipoide com sangramento recente: linfoma; profi!ática; adenomas jejunais têm sido detectados em 40% dos
• lesão ulcerada infiltrativa: adenocarcinoma; pacientes e ileais, em 20%.
• área saliente com vasos tortuosos na superficie: tumor Na s{ndrome de Peutz-Jeghers pólipos harnartomatosos po-
estromal ulcerado; dem ser detectados no ID, podendo ser a causa de obstrução
• lesão polipoide: tumor carcinoide; através de intussuscepção e sangramento agudo ou crônico.
o lesões estenosantes e áreas de mucosa ulcerada: implantes Numerosos estudos têm sugerido a CE como procedimento
peritoneais de adenocarcinoma metastático. seguro e bem tolerado nos pacientes com polipose. Barkay et
ai. encontra.ram prevalência de pólipos detectados por CE em
Como pacientes com tumores do ID podem apresentar 59% dos pacientes. Comparando com os outros métodos, a CE
sangramento oculto, anemia ferropriva ou então sangramen- pode detectar maior número de pólipos e de menor tamanho,
to com melena, e ter normais seus estudos radiológicos, a CE servindo de triagem.
é uma boa opção para diagnóstico. Por outro lado, considerar Contraindicações absolutas para o emprego da CEna sus-
que, além da possível iatrogenia dos diferentes procedimentos, peita de tumor do ID são a obstrução intestinal ou a pseudo-
para os pacientes os custos da investigação para sangramento obstrução intestinal; e relativas são marca-passo cardíaco, dis-
também são elevados, segundo Lewis e Goldfarb. O uso da CE fagia, gravidez e diverticulose.
traz conforto ao doente, redução dos gastos e maior acurácia Conclusão, a CE é segura e, a despeito da incapacidade de
diagnóstica. colher fragmentos de biopsia, o que representa sua principal
O estudo da patologia tumoral do 1D tem sido proposto
limitação, é procedimento que provê informações importan-
como uma das indicações desta nova técnica. Caunedo et aL a tes nas doenças do ID não diagnosticadas pelos métodos con-
indicaram para determinar a extensão do tumor, como, ainda,
para verificar a resposta à quimioterapia. O papel da CE nos vencionais.
tumores infiltrativos do ID depende da suspeita diagnóstica do
médico, da escolha da técnica mais apropriada, do estadiamento • Angiografia
ou do conhecimento da resposta à quimioterapia.
Experiência de Caunedo et ai. em 92 exames com a CE em A angiografia víscera! é útil para os casos de sangramento
pacientes com EDA; nesses pacientes, a colonoscopia e o trân- GJ com avaliação endoscópica negativa, apresentando sensibi-
lidade de 50 a 67%. Pode demonstrar um enovelado vascular
sito intestinal foram não conclusivos:
tumoral em casos específicos de subtipos de tumores malignos,
• diarreia crônica = 33; mais em carcinoides,liomiossarcomas e hemangiomas (Pran-
• dor abdominal de etiologia desconhecida = 29; cha 36.1 -E e F).
• sangramento GI oculto ou anemia ferropriva = 13;
• desconforto abdominal em usuários de AINE = 7;
• estadiamento de tumores GI = 4; • laparoscopia e laparotomia
o controles assintomáticos = 2. São indicados quando há fortes indícios de tratar-se de neo-
Resultados: plasia, e os métodos anteriormente apontados não corroboram
este diagnóstico.
o aftas e ulcerações jejunoileais =29;
o malformações vasculares = 13;
o neoplasias =6. • Comparação de métodos
Os grupos com maior concordância entre os achados e a in-
dicação propedêutica foram os de sangramento oculto (76,9%) Na experiência de Hara et ai., o exame radiológico com bá-
e diarreia crônica (67,8%). rio foi positivo em I de 40 pacientes (3%), a CE em 22 (55%) e
Spada et a/., na Itália, relatam 13 casos de tumores do ID. a TC em 4 (21%). Encontraram tumores com a CE em 3 de 5
Indicações para a CE foram sangramento obscuro em 9 (70%), casos confirmados cirurgicamente (carcinoide, intussuscepção,
dor abdominal, doença celíaca, febre de origem indeterminada linfangioma). Ocorre que, em pacientes sem lesões estenosantes
e metástase hepática. Detectaram, por CE, 6 pólipos (46,2%), ao estudo radiológico, mais doenças do intestino delgado foram
lesão estenosante ulcerada em 3 (23,5%), erosão, estenose, in- encontradas com aCEdo que aos raios X e à TC.
41 O Capitulo 36 I Tumor es do Intestino Delgado

A CE e a enteroscopia podem ser consideradas métodos sinais de obstrução: cólicas, náuseas e vômitos, distensão abdo-
complementares. minal agravada pela alimentação. Anorexia e emagrecimento
Após essas considerações gerais, serão abordados alguns acompanham sangramento oculto, ou sangramento óbvio pode
tumores primários, da experiência dos autores, divididos em ocorrer. Perfuração com peritonite é rara. Icterícia obstrutiva
grupos. surge quando há envolvimento da ampola de Vater. Como os
sintomas não são específicos, há demora no diagnóstico.

• NEOPLASIAS EPITELIAIS • Diagnóstico


Não há sintomas específicos para quaisquer tipos de neopla-
sia comprometendo o intestino delgado. O exame físico costu-
• Adenocarcinoma ma ser normal. Hepatomegalia surge por metástases.
• Epidemiologia O exame radiol6gico a ser feito é o trânsito intestinal, que
O adenocarcinoma é o tumor maligno do ID mais preva- mostrará deformidades ("anel de guardanapo", "caroço de
lente no mundo e correlaciona-se com a prevalência do câncer maçã"), diferente de adenomas que aparecem como falhas de
do cólon. Não parece haver diferença de acometimento entre a enchimento polipoide. Os tumores malignos enrijecem a pa-
população rural e a urbana. ~mais encontrado em homens do rede intestinal
que em mulheres com mais de 50 anos, tendo pico de incidência À romografia abdominal, apresentam-se como massa focal
aos 60 anos, mais em negros do que em brancos. Na revisão do excêntrica ou circunferencial, assimétrica, com espessamento
National Cancer Da/a Base (NCDB), dos EUA, em 4.995 casos irregular da parede intestinal; estreitamento da luz e dilatação do
descritos de 1985 a 1995, 55% dos tumores eram de duodeno, segmento proximal são comuns. Geralmente, os tumores com
18% do jejuno, 13% do Oeo e 14% em locais não especificados. mais de 3 em têm crescimento extraluminal; os menores de 2 em
A sobrevida, em 5 anos, foi de 30,5% (média 19,7 meses), sendo podem não ser vistos à TC. Esse exame também está indicado
reduzida nos pacientes com mais de 75 anos. para detectar recorrência após cirurgia. Também é necessário
Constituem maior risco para adenocarcinoma no intestino para estadiamento, detectando extensão local e metástases.
delgado: A endoscopia digestiva alta pode detectar e confirmar o diag-
nóstico por permitir biopsias até a terceira ou quarta porções
• Doença celíaca do duodeno.
o 80 vezes mais que na população geral; Tumores do fleo terminal podem ser alcançados por colo-
o mais comum no duodeno e jejuno proximal (Figura noscopia, através da válvula ileocecal.
36.1); O advento da "push" -enteroscopia, com longos instrumen-
o tumor pode ser multifucal; tos ou com sondas, toma possível a identificação de todo o in-
o associação com displasia; testino delgado, principalmente em casos de sangramento de
o risco maior após 2 anos da doença; diagnóstico obscuro.
o pacientes em dieta sem glúteo e que se apresentam com A CE tem-se mostrado extremamente útil para diagnóstico
cansaço, anorexia, náuseas, di arreia, anemia ou pesqui- e indicação cirúrgica.
sa de sangue oculto positivo são altamente suspeitos. A angiografia pode ser de ajuda ao demonstrar foco de neo-
• Doença de Crohn vascularização.
o 86 vezes mais que na população geral; O uso de hemdcias marcadas também localiza uma lesão
o mais no sexo masculino; sangrante, porém não permite diagnóstico específico.
o correlação maior com a duração da doença e extensão
do processo inflamatório; • Patologia
o mais frequente em alças excluídas cirurgicamente; Adenocarcinomas esporádicos do intestino delgado podem
o mais comum em portadores de doença fistulosa; ser macroscopicamente planos, ulcerados, infiltrativos, estenó-
o mortalidade de 80% quando há associação; ticos ou polipoides. Seu tamanho varia em média entre 1,2 e
o 30% dos tumores localizam-se no jejuno e 70% no 15 em ao diagnóstico, e os maiores são, em geral, localizados
íleo; distalmente no delgado, pois causam menos sintomas e estão
o displasia como antecedente (Figura 36.2). mais avançados ao diagnóstico.
• Sindrome de Peutz-Jeghers Histologicarnente, os adenocarcinomas de delgado são simi-
o A sindrome de Peutz-Jeghers caracteriza-se por pó- lares aos que se desenvolvem em outras partes do tubo digesti-
lipos hamartomatosos no intestino delgado e cólon, vo. Entretanto, como a maior parte deles se desenvolve a partir
com manchas de melanina na mucosa oral, lábios e de adenomas, em geral pode-se observar displasia residual na
dedos.~ de transmissão autossômica dominante. Ge- mucosa adjacente ou suprajacente ao tumor. O encontro de al-
ralmente, são benignos, mas pode ocorrer degenera- terações intraepiteliais é um dado que corrobora o diagnóstico
ção maligna (2,4%). de local primário da lesão em intestino delgado.
• Sfndrome da polipose familial À microscopia, os adenocarcinomas são caracterizados por
o Adenomas do duodeno são descritos em pacientes pleomorfismo celular e nuclear, perda da polaridade epitelial,
com esta sindrome, mas adenocarcinoma é raro, apa- perda da arquitetura glandular com glândulas cribriformes, e
recendo mais na região periampolar. invasão de tecidos adjacentes. A maioria deles é moderadamen-
te diferenciada, e cerca de 20% são pouco diferenciados e podem
• Quadro dínico conter células isoladas tipo "anel de sinete•. Outros tumores
O quadro clinico varia de acordo com o tamanho, a loca- podem conter áreas mucinosas e lagos de mucina extracelular,
lização, a situação dentro da parede intestinal, o suprimento e, quando estas áreas perfazem mais que 50% do tumor, a de-
sanguíneo e a tendência a ulceração e necrose. Alguns abran- signação de adenocarcinomas mucinosos deve ser empregada.
gem toda a parede, gradativamente estreitam a luz e produzem Adenocarcinomas mucinosos possuem prognóstico pior que
Capftulo 36 I Tumores do Intestino Delg ado 411

tumores não mucinosos. Células neoplásicas com diferenciação Tumores na papila de V ater são geralmente menores ao
neuroendócrina e células de Paneth podem estar presentes, as- diagnóstico e seu grau de invasão é menor, devido à apresen-
sim como focos de diferenciação escamosa, e nenhuma destas tação clínica ser geralmente mais precoce.
características altera o prognóstico da neoplasia. Carcinomas hepatoides, coriocarcinoma, carcinomas de
Adenocarcinomas do intestino delgado possuem expres- pequenas células, carcinomas adenoescamosos e carcinoma
são imuno-histoquímica semelhante à dos adenocarcinomas de células escamosas podem ocorrer no delgado, porém são
de cólon, com usual expressão de citoqueratina 20 e negativi- bastante raros e possuem características patológicas e prog-
dade para citoqueratina 7, expressão de CEA, CDX-2 e vilina. nóstico distintos.
T umores associados à síndrome de Lynch podem apresentar
ausência de expressão das proteínas de reparo de DNA hMLH 1 • Tratamento
e hMSH2, ligadas à instabilidade de microssatélites. Ainda, al- Ressecções extensas devem ser evitadas, e operações repeti-
guns tumores podem apresentar expressão aberrante de p53, das podem levar à síndrome do intestino curto. O tratamento
como seus pares colorretais. cirúrgico dos adenocarcinomas e os cuidados com os linfono-
O estadiarnento é feito segundo o sistema TMN e é seme- dos regionais devem ser preconizados (Figura 36.1). Infeliz-
lhante ao aplicado a carcinomas de cólon, para os carcinomas mente, pode haver comprometimento da artéria mesentérica
de delgado que ocorrem longe da papila de Vater. Para os úl- superior e do retroperitônio.
timos, há uma classificação específica devido à anatomia com- Nos raros adenocarcinomas do lleo dista!, preconiza-se he-
plexa regional e diferenças no prognóstico. micolectomia direita (Figura 36.2).

Figura 36.1 Adenocarcinoma do jejuno


proxi mal em paciente portadora de doença
celfaca. (Esta figura encontra-se reproduzida
em cores no Encarte.)

Figura 36.2 Adenocarcinoma do íleo terminal


em paciente portadora de doença de Crohn.
(Esta figura encontra-se reproduzida em cores
no Encarte.)
412 Capftulo 36 I Tumores do Intestino Delgado

Estima-se a ressecabilidade dos adenocarcinomas em 50% Linfomas podem aparecer em casos de lúpus eritematoso
dos casos, com sobrevi da de 5 anos em torno de 20%. Em dois sistêmico, doença de Crohn, pós-quimioterapia e em síndro-
terços dos pacientes, a ressecção é curativa após extirpação com- mes de imunodeficiências, inclusive AIDS.
pleta ao tumor.
Rádio e quimioterapia são de beneficio mlnimo. Cerca de • linfomas primários do tipo ocidental
15% dos pacientes com doença metastática têm um breve be-
neficio com 5-fluoruracila. Sua classificação permanece polêmica, porém a tend~ncia
é usar a morfologia para irnunotipar o tumor. Ocorrem mais
comumente no íleo, mas podem desenvolver-se em qualquer
• NEOPLASJAS LINFOJDES segmento. Apresentam-secomo infiltração difusa, nódulos, le-
sões polipoides ou massas ulceradas. Cerca de 20% dos pacien-
tes desenvolvem múltiplas lesões. O padrão de disseminação é
• linfomas para o tecido adjacente e linfonodos regionais e, depois, para
Os linfomas do intestino delgado são considerados como linfonodos mais distantes e diferentes órgãos.
entidade rara (1,6/1 milhão de pessoas). São classificados como
primários e secundários. Há algumas controvérsias quanto • Quadro clínico
a tal divisão. Para alguns autores, o linfoma primário seria Os sintomas não são específicos e podem incluir manifes-
aquele com predominância de comprometimento gastrintes- tações sistêmicas, como febre e suores noturnos. Costumam
tinal e restrito à linfadenomegalia regional. Linfadenopatias surgir de modo insidioso e inespecffico, incluindo sintomas
superficiais ou mediastinais, junto com envolvimento do baço de cólicas abdominais, náuseas e vômitos, quando com obs-
e figado, classificariam o linfoma como secundário. Por essa trução parcial, e mal-estar e fadiga, também com presença de
definição, ficariam excluídos os linfomas intestinais primários sangue oculto ou sangramento macroscópico, quando há lesões
que se disseminassem. Para outros pesquisadores, os linfomas ulceradas. Alguns se apresentam com quadro agudo e neces-
com comprometimento predominantemente do intestino del- sitam de cirurgia de emergência (obstrução, intussuscepção
gado, ou manifestando-se por sintomas mais GI, poderiam ser ou perfuração).
denominados primários; os secundários seriam os que afe-
tassem o intestino delgado, mas com origem sabidamente de
• Diagnóstico
Nos exames de rotina, pode-se encontrar anemia.
outro local.
O trânsito intestinal pode demonstrar falhas de enchimen-
Os linfomas primários podem ser divididos nos tipos Oci·
to, ulcerações, estenoses, dilatações ou segmentos aperistálti-
dental e do Mediterrâneo. O primeiro caracteriza-se por dis-
cos. Enfatiza-se que apenas 10% dos tumores podem ser diag-
cretas lesões em mucosa intestinal normal, de fundo; o segundo
nosticados por esse exame, principalmente no início (Prancha
se associa à doença irnunoproliferativa do intestino delgado 36.1-AeC).
(DIPID), ou doença da cadeia alfa. Perda de mucosa normal A tomografia computadorizada abdominal evidencia aumen-
e proliferação de células B ocorrem ao longo de todo o intes- to da espessura da parede intestinal ou comprometimento de
tino delgado. linfonodos. Pode mostrar tecido mole envolvendo concentrica-
mente um segmento relativamente longo do intestino delgado.
• Epidemiologia A luz é quase sempre dilatada, a obstrução é rara, pois o tumor
Os linfomas primários do intestino delgado constituem cerca enfraquece a muscularis propria. Quando a parede aparece as-
de 18% de todos os tumores malignos do mundo ocidental A simétrica, o linfoma pode mimetizar uma lesão inflamatória
maioria deles é do tipo não Hodgkin. Por outro lado, os lin- ou isquêmica. Podem-se detectar adenopatias e comprometi-
fomas primários intestinais constituem menos de 5% dos lin- mento mesentérico na parede já espessada. Formas cavitárias
fomas não Hodgkin e somente 7,5% dos extranodais. Metam são comuns, resultantes de ulcerações.
duas vezes mais o sexo masculino que o feminino, e mais os Há uma forma mesentérica resultante de um linfoma que se
indivíduos de raça branca. A apresentação é birnodal; um pico desenvolve nos linfonodos mesentéricos com extensão direta
abaixo dos 15 anos de idade (predominância ileocecal), e outro para a parede intestinaL As alças ficam deslocadas e podem ser
acima de 50 a 60 anos. obstruídas por massas arredondadas, nodos lobulados ou gran-
des massas que envelopam os vasos mesentéricos e a gordura
• Etiologia e fatores de risco circunjacente, típico "sinal do sanduíche".
A etiologia/patogênese dos linfomas é desconhecida. Pro- A endoscopia digestiva alta pode ser útil na localização e
põe-se que infecções crônicas do trato gastrintestinal produzam identificação das lesões, bem como na obtenção de fragmentos
estímulo antigênico aumentado para as células plasmáticas e para exame histológico; ou no íleo terminal, à colonoscopia.
linfócitos, o que, por sua vez, leva a mutações e transformação Muitas vezes, o diagnóstico final depende de exploração ci-
maligna. rúrgica.
Pacientes com doença ceUaca apresentam um risco de 11
a 14% para desenvolver linfoma, e a doença celíaca precede • Patologia
o aparecimento da neoplasia em dois terços dos casos, locali- Como já dito, estes linfomas são classificados em geral
zando-se mais no jejuno proximal e menos frequentemente no por suas características morfológicas e fenotipagem irnuno-
duodeno. Em 20% dos casos, apresentam-se simultaneamente, histoquímica. São linfomas ditos do tipo ocidental:
e má absorção intestinal torna-se evidente após o diagnóstico
de linfoma em 15%. A dieta isenta de glúten parece exercer
papel protetor contra a instalação de neoplasias.
• Linfomas 8
Em geral, o linfoma é do tipo tnteropathy-type T-celllym- Linfoma MALT (linfoma de células B extranodal da zona
phoma. marginal): tipo mais comum, com morfologia semelhante à do
Capftulo 36 I Tumores do Intestino Delgado 413

seu colega gástrico, porém lesões linfoepiteliais são mais raras. • NEOPLASIAS NEUROENDÓCRINAS
A morfologia é, em geral, composta por linfócitos pequenos,
em meio a restos de folículos linfoides não neoplásicos. Estes
tumores podem evoluir para tipos mais agressivos de linfoma. • Tumores carcinoides
São C020+, COS-, COlO-, BCL-2+ e possuem baixo índice Ver capítulo sobre tumores carcinoides do trato gastrin-
proliferativo (ki-67 com baixa expressão). testinal.
Linfoma B difuso de grandes células: tipo mais agressivo
de tumor com morfologia difusa, composto por linfócitos neo-
plásicos maiores. Seu índice proliferativo é alto (alta expressão • TUMORES MESENQUIMAIS
de ki-67. São C020+, COS-, COlO- e BCL-2.
Linfoma do manto: este tipo, geralmente, se apresenta com
padrão nodular e infiltração difusa do segmento acometido,
• Tumores estromais
com aparência macroscópica de múltiplos pólipos, a chamada Ver capítulo sobre tumores estromais gastrintestinais.
polipose linfomatosa múltipla do intestino. São C020+, COS+,
C043+, COlO- e CiclinaOl+.
Linfoma folicular: este tipo possui histologia que pode va- • OUTROS TUMORES
riar de completamente nodular a difusa, com quantidade variá-
vel de blastos nos centros germinativos neoplásicos. São C020+,
COlO+, BCL2+ e BCL6+. Podem evoluir para forma difusa mais
• Tumores benignos
agressiva (linfoma difuso de grandes células B). Os tumores benignos mais comuns são os adenomas, lipo-
Linfoma de Burkitt: tumor altamente agressivo, de alto mas e liomiomas.
grau, com crescimento rápido. Pode ser endêmico ou esporá-
dico e está ligado à infecção pelo HIV. Possui morfologia com • Adenomas
células pequenas a medianas, com cromatina grosseira ou sal- São os tumores benignos mais comuns no lO, mais em duo-
picada, entremeadas por macrófagos, o que dá aparência ca- deno e jejuno. Do ponto de vista radiológico, trânsito intestinal,
racterística dita de "céu estrelado". São C020+, COlO+, COS-, se apresentam geralmente pequenos, lobulados e intraluminais,
BCL2- , e possuem expressão de ki-67 de virtualmente 100%. podendo desenvolver pequenas ulcerações superficiais, quase
imperceptíveis; ou podem ser sésseis ou pediculados, podendo
causar obstrução por intussuscepção.
• LinfomasT
Linfoma T intestinal tipo ligado à enteropatia: possui mor- • Adenoma tubular simples
fologia em geral difusa, pode ser ulcerado, e acometer um único Surge mais no duodeno e tem baixo potencial de malignidade.
segmento ou múltiplos segmentos do intestino. Eosinófilos e O carcinoma das glândulas de Brünner é extremamente raro.
macrófagos podem estar presentes em meio às células neoplá-
sicas, que são C03+, C020-, COS-, COl- C057. Alguns tu- • Adenomaviloso
mores com morfologia anaplásica podem ser C030+. Este tumor, que aparece mais no duodeno, muitas vezes de-
senvolve carcinoma superficial e invasivo. Cerca de um terço
• Tratamento contém focos de adenocarcinoma. Cresce para mais de 5 em e
A ressecção cirúrgica é a primeira escolha em muitos casos geralmente é solitário. Embora mole, pode obstruir a luz. Não
(Figura 36.2) que podem, também, ter indicação de radiotera- costuma ocasionar sangramento, nem diarreia pela produção
pia, indicada em alguns. Pacientes com lesões ressecáveis têm de muco e eletrólitos, provavelmente devido à capacidade ab-
chance de 40 a 50% de sobrevida em 5 anos. sortiva do intestino delgado. Se ocorrer icterícia, sugere infil-
Quimioterapia (QT), mais do que radioterapia, é uma op- tração maligna. Aos raios X, tem aspecto de bolhas de sabão.
ção a ser considerada. Pode ser efetiva no controle de lesões Quando o tumor é acessível à endoscopia, a biopsia confirma
localizadas. Por sua vez, os pacientes com doença disseminada o diagnóstico.
recebem QT da mesma maneira que portadores de linfoma sis-
têmico. Preconizam-se drogas como ciclofosfamida, vincristina, • Lipomas
doxorrubicina e prednisona. Muitas vezes, devido ao risco de Constituem segundo tumor benigno mais comum no ID,
perfuração consequente à QT, ressecções localizadas são reali- incidindo mais em homens. Geralmente, são tumores peque-
zadas de maneira prévia. nos, com menos de 4 em, únicos ou múltiplos. Têm crescimento
Quando há associação com doença celíaca, o prognóstico é lento, são compostos por tecido adiposo bem diferenciado, en-
pobre, refletindo o diagnóstico tardio e o comprometimento volvido por uma cápsula fibrosa. São submucosos em 90-95%
do estado geral por ocasião da apresentação. Os tratamentos dos casos e tendem a prolapsar para a luz. Quando ocorrem
preconizados e as altas doses de quimioterapia são eficazes em ulcerações, estas são profundas e facilmente reconhecíveis. Le-
pequena porcentagem dos casos. sões com mais de 2 em causam dor, diarreia, constipação in-
testinal ou sangramento quando a mucosa se ulcera. Quando
se localizam no íleo, podem determinar intussuscepção por
• Linfomas do tipo mediterrâneo: serem pediculados. ATC, aparecem como massa homogênea
doença imunoproliferativa do intestino de baixos valores de atenuação.
delgado - DI PIO • Leiomiomas (Prancha 36.2)
Ver capítulo sobre doença irnunoproliferativa, doença de Constituem terceiro tumor benigno mais comum no ID.
Whipple. Ocorrem mais no jejuno e causam mais dor e mais sangra-
414 Capftulo 36 I Tumores do Intestino Delgado

Prancha 36. 1 A, Linfossarcoma do intestino delgado. Trânsito intestinal mostrando maior distância entre as alças e ~mpressões digitais' (finger
print) correspondentes à hiperplasia linfoide. B, Biopsia correspondente à Figura A, denotando comprometimento de toda a mucosa e atrofia
das vilosidades. C,Trânsito intestinal em doença de Hodgkin com rechaço de alças intestinais e impressões digitais. D, Biopsia correspondente
à Rgura C com comprometimento da mucosa e presença de células de Reed-Stenberg. E. Arteriografia mostrando massa com grande vas-
cularização à esquerda da coluna vertebral, sugerindo tumor vascular (hemangioma). F, Tumor vascular em alça jejunal logo aba ixo do ângulo
de Treig extramucoso, responsável por hemorragia de grande monta ao se ulcerar para o lúmen intestinal.
Capftulo 36 I Tumores do Intestino Delgado 41 5

Prancha 36.2 Leiomioma. A. Laparoscopia revelou tumor de 8 em na bacia, à direita, em nítida dependência e continuidade com alça jejunal.
B, À cirurgia, tumor jejunal distai, continuando-se com o lúmen intestinal. C, Exame anatomopatológico revelou leiomioma (Gentileza do Pro-
fessor Renato Dani). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)

mento, por serem do tipo polipoide. Têm localização sub- sarcomas, dependendo de crescerem primariamente para a luz
serosa e intram ural, com baixa sensibilidade aos raios X. À (intussuscepção) ou de fazerem extrusão para a superfície se-
tomografia, apresentam-se arredondados, regulares, homo- rosa (massa palpável).
gêneos ou com calcificação e necrose. São mais bem diag·
nosticados por arteriografia, pela grande vascularização que • Hemangiomas
apresentam. Geralmente, são múltiplos e podem envolver o trato gas-
trintestinal difusamente. Variam de tamanho desde "ponta
• Fibromas de alfinete" até grandes tumores cavernosos. Ocasional·
Aparecem como defeitos nodulares de enchimento na mente, são polipoides e dão imagem de falha de enchimen-
margem mesentérica do intestino, mas podem causar efeito to. Produzem desde sangramento oculto até hemorragias
de massa com compressão extrínseca, vólvulo ou ulcerações. maciças. À angiografia, há padrão característico (Prancha
Produzem sintomas semelhantes aos dos liomiomas e liomios- 36.1- E e F).
416 Capftulo 36 I Tumores do Intestino Delgado

Podem ser classificados em: Barkay. O, Moshkowitz., M, Fireman, Z et ai. lnitial experience of vídeo capsule
endoscopy for diagnosing small-bowel tumors in patients with GI poliposy
a) Ectasias vasculares múltiplas (hereditários e quase sempre syndromes. Gastrointest Endosc.• 2005; 62:448-52.
no jejuno); Caunedo, A, Jimenez-Saenz, M, Romero, R et a/. The role of capsule endoscopy
in assessment of gastrointestinallymphomas. Proceedings of the First Given
b) Hemangiomas cavernosos (mais no cólon); lmagingConferenc. on Capsule Endoscopy, Rome, Italy, May 17 a 19,2002.
c) Hemangiomas simples (lesão única, geralmente poli- Rahash Printing Haifa, Israel2002. p. 75.
poide); Caunedo. A. Rodriguez· Telles. M, Gascia·Montes. JM et ai. Usefulness of cap·
d) Angiomatose com comprometimento gastrintestinal di- suJe endoscopy in patients with suspected small bowel disease. Rev. Esp.
Enferm. Dig., 2004; 96:10·21.
fuso (incluindo a síndrome de Rendu-Osler-Weber).
Ciresi, DL & Scholten, DJ. The continuing clinicai dilemma of primary tumors
of lhe small intesline. Am. Surg., 1995; 222:698· 703.
Cunnigham, JD, Alcali, R, Alcali, M et al. Malignant small bowcl ncoplasms.
• Tumores malignos Histopathologic determinants of recurrence and survival Ann. Surg., 1997;
• Sarcomas 225:300-6.
O ave· Verma, H, Moorc, S, Singh, A et a/. Computcd tomographic enterogra·
Os sarcomas são tumores de origem mesodérmica. Como phy and enteroclysis: pearls and pitfalls. Cun: Prob/. Diagn. Radiol., 2008;
muitos deles não expressam marcadores de diferenciação mio- 37:219·81.
gênica, podem ser classificados como tumor estromal (GIST) Fidler, )L, Guimaries, L, Einstel, DM. MR imaging of the small bowel. Radlo-
e, caso exibam diferenciação neural, como tumor de nervo au- graphics, 2009; 1811-25.
tônomo (GANT). Francisco. FC, Maymone, \V, Francisco, VM et ai. Diferenciação dos tumores
benignos e malignos por meio do trânsito do intestino delgado. http;/lwww.
Os leiomiossarcomas são os mais comuns, constituindo cer - cúr.org.br!cbradiologia2005/Paineis/01/105/10S.htm
ca de 10% dos tumores malignos do ID. Predominam entre a Goldfarb, N, Phillips, A, Conn, M et a/. Economic and health outcomes of
quinta e a sétima décadas da vida, em ambos os sexos, e têm capsule endoscopy. Dis. Manage., 2002; 5:123·35.
localização mais frequente no lleo. Hara, AK, Leighton, JA, Sharma, VK et al. Small bowel Prelirninary compa·
rison of capsule endoscopy with barium study and cr. Radiology, 2004;
Os sarcomas têm melhor prognóstico do que os adenocar-
230:260·5.
cinomas, por terem evolução arrastada, com sobrevida de mais Harris, A, Dabezies. MA, Krevsky, B et ai. Push enteroscopy for small bowel
de 5 anos avaliada em 45 a 48%. tumors. GastrointesL Endosc., 1995; 41:524·5.
Haselkorn, T, Whittemore, AS, Lilienfeld, DE. lncidence of small bowel cancer
in thc United Statcs and worldwidc: gcographic, temporal, and tllcial diff'e·
rcnccs. Cancer Cau.<es Contr., 2005; 16:781·7.
• TUMORES METASTÁTICOS PARA Howe, JR. Karnell, LH, Menck, HR et ai. The American College of Surgeons
Commission on Cancer and the American Cancer Society. Adenocarcinoma
OINTESTINO DELGADO of the small bowel: review of the National Cancer Data Base, 1985- I 995.
Cancer, 1999; 86:2693-796.
Devido à sua grande superficie serosa, o ID é local de im- Kav, T & Bayraktar, Y. Five year,/ experience with capsule endoscopy in a single
plantes metastáticos. Origem (decrescente): ovário, pâncreas, center. World f. Gast,...,ntuol., 2009; 15:1934-42.
estômago, cólon, mama, pulmão e útero. A sua disseminação é Kotze, LMS. Biopsia perora! do intestino delgado. Em: Castro, LP e Coelho, LGV.
hematogênica (êmbolos tumorais), intraperitoneal, linfática ou Gastrenuro/ogia, Medsi, 2004, I' edlçio, Rio de janeiro, pp. 981 -1000.
Kotze, LMS. Celiac disease in Brazilian patients: Associations, complications
contlgua direta (frequente fistu!ização). Clinicamente, causam and causes of death. Forty years of clinicai experience. Am. f. Gastraenterol.,
dor abdominal, obstrução, sangramento e massa abdominal. 2009; 46:261·9, 2009.
Radiologicamente, têm múltiplas apresentações. Lembrar que os Kotze, LMS & Pisani, JC Endoscopia e biopsia perora! do intestino delgado.
tumores metastáticos podem ter, como primeira manifestação, Em: Kotzc, L.\15: Diarreia.s Cr6nicas. Diagn6stico e Tratamento, 1.• ed., Rio
de Janeiro, Meds~ p. 85·112, 1992.
obstrução, invaginação ou sangramento digestivo. O tratamento
Kotzc, PG, Kotzc, LMS, Camargo, )FC et ai. Lymphoma ofthc small intcsline:
vai depender da identificação ou não da lesão primária, se há Case rcport. Applied Cancer Re.earch., 2009; 29:140·3.
condições cirúrgicas ou se quimioterapia pode ser tentada. Laurent, F, Drouillard,), Lecesne, R et ai. cr of small·bowel neoplasms. Semi·
nars in Ultrtuôu.n d, CT. and MRJ, 1995; 16:102-11.
Lewis, B & Goldfarb, N. Review article. The advent of capsule endoscopy - a
not-so·futuristic approach to obscure gastrointestinal bleeding. Alimtnt
• CONCLUSÕES Pharmaco/. 7her., 2003; 17:1085·96.
Lightdale, Cj, Homsby-Lewis, L. Tumors of the small intestine. Em: Bockus:
O dilema dos tumores malignos do intestino delgado re- Gastroenterology, 5th ed. Philadelphla, Saunders, p. 1274-90, 1996.
laciona-se à baixa sobrevida após sua ressecção (21 a 35% em Lowenfels, AB. An overview of adenocarcinoma o f the small intestine (oom-
5 anos). Isso se deve tanto à dificuldade de identificação quanto ment). Oncology, 1997; 11:545.
Negri. E, Bosetti, C, La Vecchia, C et ai. Risk factors for adenocarcinoma o f the
à atividade biológica dessas neoplasias: 60 a 70% já têm metás- small intestine.lnt. f. Cancer, 1999; 82:171· 4.
tases por ocasião da cirurgia. A despeito do mau prognóstico, North, JH & Pack, MS. Malignant tumors o( the small intestine: a review of 144
uma combinação de abordagem precoce gerada por alto grau cases. Am. Surg., 2000; 66:46·51.
de suspeita, avaliação diagnóstica agressiva e ressecção cirúrgica Paulsen, SR. Huprich, JE, Fletcher, JG et al. cr enterography as a diagnostic
formal proporcionará oportunidade de melhor sobrevida aos tool in evaluation of small bowel disorders: review of clinicai experience
over 700 cases. Radiographics, 2006; 16:641·57.
pacientes portadores de tumores desta localização. Saul, C & Torresini, RJS. Sangramento gastrinteslinal obscuro: resultados com
Apesar dos avanços, o intestino delgado permanece uma área o emprego da cápsula endoscópica. G.E.D., 2006; 25:71·5.
do trato gastrintestinal relativamente invisível às modalidades Schwartz, GD & Barkin, JS. Small·bowel tumours. Gastrointest. Endoscopy Clin.
diagnósticos habituais! N. Am., 2006; 16:267-75.
Smedby, KE, Akerman, M, Hlldebrand, H el ai. MaUgnant lymphomas in ce-
liac disease: evidence of increased risks for lymphoma types other than
enteropathy-type celllymphoma. Gut, 2005; 54:54-9.
• LEITURA RECOMENDADA Spada, C, Ricdoni, ~ Famillari, P et al. Vídeo capsule endosoopy in small-
bowel tumours: a single centre experience. Scand. f. Gastroenterol., 2008;
Banic, M, Babic, Z. Kujundz.ic, M et a/. Video capsule endoscopy - prelirni· 43:497-505.
nary experience in university hospital sening. Acta Med. Pratica, 2009; Wu. AH. Yu. MC, Mack, TM. Smoking, alcohol use, dietary factors and tisk of
63:159·64. small intestinal adenocarcinoma.Jnt./. Cancer, 1997; 70:512·7.
37 Tumor Estromal Gastrintestinal
Mounib Tacla

tino delgado (25%), reto (5%), esôfago (2%) e 5% em outros


• INTRODUÇÃO locais, incluindo apêndice cecal, ves!cula biliar, pâncreas, me-
Os tumores estromais gastrintestinais (TEG), conhecidos sentério, epíploon e retroperitônio.
na literatura inglesa como Gastrointe.stinal Stromal Tumours O encontro de células KIT -positivas no grande omento su-
(GIST), representam uma complexa categoria de neoplasmas, gere que estas células estão mais disseminadas do que se con-
cujo grau de malignidade ainda não se encontra devidamente siderava, quando da localização visceral do TEG.
estabelecido. Constituem os mais comuns tumores mesenqui-
mais da musculatura lisa do aparelho digestivo, com prolife-
ração de células imaturas fusiformes e/ou epitelioides, poden- • MANIFESTAÇÕES n rNICAS EDIAGNOSTICO
do ser encontrados em qualquer segmento do tubo digestivo, As manifestações clínicas dos TEG estarão diretamente rela-
desde o esôfago até o reto e, eventualmente, em localizações cionadas com as suas localizações, sem qualquer e.specificidade.
extrain testinais. Assim, sintomas de dor abdominal, náuseas, vômito, suboclu-
Nesta denominação, estão incluídos os leiomiomas (benig- são, melena, massa palpável não caracterizam necessariamente
nos), os leiomiossarcomas (malignos), para os tumores forma- a presença de TEG e estão na dependência da localização da(s)
dos primariamente por células fusiformes (spindk-shaped cells), lesão(ões) que, muitas vezes, são múltiplas. A presença de ane-
e os leiomioblastomas, também estes tanto benignos quanto mia poderá ocorrer em decorrência de ulceração da mucosa na
malignos, compostos por células epitelioides, que apresentam área comprometida, com consequente perdas sanguíneas.
um fenótipo miogênico ou neural mínimo, ou incompleto, de- Lesões menores do que 2 em geralmente são assintomáticas e
finidos por estudos de imuno-histoqufmica ou microscopia ele- detectadas durante procedimentos cirúrgicos. No entanto, cerca
trônica. Estes tumores expressam também um receptor do fator de 50% dos TEG, no momento do seu diagnóstico, já se apre-
de crescimento com atividade de tirosinoquinase, denomi.nado sentam sob a forma de metástases, principalmente no f!gado
"KIT". Mutações do KlT são comuns nos TEG malignos e con- e/ou no peritônio. Outra manifestação cllnica é o aparecimento
duzem a urna ativação da função tirosinoquinase, promovendo de hiperpigmentação cutânea.
uma proliferação celular com resistência à apoptose. Devido a A investigação diagnóstica é consequente às manifestações
este fenômeno, os TEG são pouco responsivos à quimioterapia, clínicas que conduzem a uma localização topográfica da lesão.
até a recente introdução de uma nova droga, o imatinibe, que Assim, poderemos utilizar métodos de captação de imagens
promove a inibição do KJT, permitindo uma efetiva terapia nas (ultrassonografia abdominal, tomografia computadorizada, res-
formas avançadas e metastáticas da doença. sonância magnética) ou utilização de métodos de visão direta
(endoscopia digestiva alta, colonoscopia, cápsula endoscópica).
Mais recentemente, a introdução de uma nova tecnologia, as-
• EPIDEMIOLOGIA sociando a tomografia com a medicina nuclear (PET-SCAN),
permitiu o diagnóstico precoce de metástases.
Os TEG representam a maioria dos tumores mesenquimais O diagnóstico final é determinado pela análise histopatoló-
do aparelho digestório, constituindo cerca de 5% de todas as gica de material obtido através de procedimentos cirúrgicos,
neoplasias, com incidência mundial de cerca de 15 casos por ou de biopsias obtidas por endoscopia ou punção.
milhão de pessoas. Sua maior incidência ocorre na idade adul-
ta, na faixa etária dos 60 anos, sendo extremamente rara a sua
ocorrência abaixo de 40 anos, inclusive apenas 2,7% antes da • PATOLOGIA
idade de 21 anos e 9,1% antes dos 40 anos. Não existe incidência
predominante com relação ao sexo dos pacientes. Referente à Os tumores estromais do aparelho digestivo, geralmente
localização, sua ocorrência é maior no estômago {60%), intes- considerados como neoplasias de musculatura lisa, eram ge-
4 17
418 Capftulo 37 I Tumor Estromal Gastrintestinaf

nericamente chamados, até os anos sessenta, de "liomiomas, também positivos focalmente para actina de musculatura lisa,
liomiossarcomas, liomioblastomas e liomiomas bizarros. Com o porém negativos para desmina.
desenvolvimento da microscopia eletrônica e, posteriormente, Estudos mais recentes, como foi mencionado, demonstram
com a introdução da imuno -histoquJmica na década de 1980, que as células tumorais dos TEG expressam um receptor de fa-
demonstrou-se que muito dessas lesões careciam de caracte- tor de crescimento com atividade tirosinoquinase, denominado
rísticas imunofenotípicas na diferenciação da musculatura lisa, "KIT", detectado por imuno-histoquímica para CD117.
recebendo, assim, uma denominação mais genérica de "tumo- A positividade para KIT ( CD 117), encontrada em cerca de
res estremais". 91% dos casos, representa uma característica específica para
Os TEG representam cerca de 2,2% de todas as neoplasias os TEG, o que, no entanto, poderá ser também observado em
digestivas, 13,9% dos tumores de delgado e 0,1% dos colorre- outros tumores que não incidem sobre o aparelho digestivo.
tais. Estas neoplasias podem se localizar extraintestinalmente, A incidência familiar de TEG, com mutação do KIT, tem sido
principalmente no mesentério, epíploon e retroperitônio e, ex· relatada, inclusive associada à hiperpigmentação cutânea.
cepcionalmente, na vesícula biliar e bexiga. A expressão imuno-histoquímica do CD117 é semelhante à
Com relação ao seu tamanho, é extremamente variável, en- das células intersticiais de Cajal e, em 60 a 70%, ao CD34, que
contrando-se lesões desde 1 a 2 em até maiores do que 20 em é um marcador de células intersticiais fibroblásticas dendríti·
de diâmetro. cas, com variáveis positivas para S100 e geralmente negativas
Macroscopicamente, são lesões bem delimitadas., não cap· para desmina.
suladas, podendo, no entanto, observar-se o aparecimento de
uma pseudocápsula. Comprometem as camadas submucosa,
muscular própria e serosa, provocando, ocasionalmente, o apa· • TRATAMENTO
recimento de ulcerações na mucosa.
A análise microscópica das lesões demonstra uma compo· O tratamento eletivo para os TEG consiste na sua remoção
sição de 60 a 70% de células fusiformes e epitelioides. Atipias cirúrgica, "em bloco", com margens amplas de ressecção e, in-
nucleares, celularidade acentuada, morfologia mista de célu- clusive, de estruturas adjacentes comprometidas pelo processo.
las fusiformes e epitelioides, e índice mitótico acima de 5 por ~pouco frequente o comprometimento ganglionar nas formas
50 campos, invasão mucosa e necrose estão diretamente rela- malignas dos TEG e não existe qualquer evidência de que a
cionados com a malignidade do processo. No entanto, nem remoção além da massa tumoral promoverá maior sobrevida
sempre os TEG são claramente identificáveis como benignos e/ou o retardo da recorrência.
ou malignos, e muitos são denominados como sendo de baixo A completa remoção dos TEG primários apresenta uma so·
potencial maligno. brevida média de 5 anos em 48 a 65% dos pacientes operados.
Esta complexa e indefinida situação poderá ser mais bem Muitos pacientes com GIST primário poderão ser beneficiados
avaliada conforme exposto no Quadro 37.1, proposto por Fle- com ressecções limitadas, através de procedimentos minima-
tcher et al. e modificado por Connoly et ai., em que são estabe- mente invasivos.
lecidos critérios para verificação de riscos dos TEG. O tratamento clinico dos TEG e de suas manifestações me-
Em cerca de 82% dos casos, os TEG apresentam positivida- tastáticas representa uma situação extremamente complexa,
de para o CD34 imunorreativo, antígeno celular, e poderão ser pela falta de resposta satisfatória à químio e radioterapia. No
entanto, o advento do imatinibe (Glivec8 ), que atua diretamen-
te na inibição da mutação do KIT, atingindo cerca de 90% das
T- lesões malignas, representou a única terapia sistêmica para os
Quadro 37.1 Avaliação de risco dosTEG TEG inoperáveis e metástases, sem, contudo, ter-se podido,
ainda, avaliar seus resultados a longo prazo.
Tamanho (em) lndice mltótico para 50 tampos Os resultados clínicos do tratamento com o imatinibe são
extremamente rápidos, com melhora dos sintomas logo nos
Risco muito baixo <2 <5 primeiros dias. A duração do tratamento não está devidamen-
Risco baixo 2-5 <5 te estabelecida, porém admite-se que a droga deverá ser admi·
Risco intermediário <5 6- 10 nistrada de forma continuada. O mecanismo de resistência à
5-10 <5 terapia com o imatinibe é desconhecido, no entanto admite-se
Alto risco >5 >5 a atuação de múltiplos mecanismos moleculares, devendo-se
> 10 Qualquer valor considerar também a possibilidade de efeitos hepatotóxicos
Qualquer tamanho >10
colaterais. A dosagem usual é de 400 a 600 mg/dia, em toma-
da única.

- T-
Quadro 37.2 Diagnóstico diferencial dos TEG (Fietcher et al)

Hlstologla c-KIT CD34 Desmlna 5100


GI5T Cél. fusiformes, epitelíoides ou mistas + +(60-70%) +(1-2%) +(5%)
Neoplasma.s da musc.lísa Cél. fusiformes, ali pias variávei s 2 +(10-15%) +(maioria) Raro
Schwanoma Cél. fusiformes 2 + +
Fibromatose Cél. fusiformes Raro Raro 2
Capitulo 37 I Tumor Estromal Gastrlntestlnal 419

Estudos recentes têm demonstrado que o tratamento com Ceballos, KM, Francis, JA, Mnurka, JL. Gastrointestinal stromaltumor
pnosenting as a nocurnont vagin mass. Are. Pathol. Lab. Med., 2004:
o imatinibe apresenta ação realmente efetiva nas formas local- 128:1442-4.
mente avançadas, irressecáveis ou metastáticas dos TEG, com Coonolly, E."', Gaffney, E, ~ynolds, JV. Gastrolntestlnal Jtromal tumour.. Br.
uma substancial resposta em cerca de 5096 de todos os casos. /. Su'fl., 2003; 90: 1178·86.
Seguimento a longo prazo dos pacientes comprova que mais Corless, Cl, Fletcher, JA, Heinrich, MC. Biology o( gasttointestlnal stromal
de 5096 dos TEG primários apresentam recorrência em 5 anos tumors. /. Clin Oncol., 2004; 21:3813· 25.
DeMatteo, RP, Lewis, TI, Lrung. O, Mudan, SS. Woodrulf, JM, Bnonnan, Mf. Two
e, em 10 anos, a reincidência é menos frequente. Desta forma, hundred gastrointestinalstromal tumors: recunmce pattmu and prognos·
é recomendável um seguimento cuidadoso e permanente destes tlc factors for survlval Anti. Su'fl.. 2000; 231:51· 8.
pacientes, uma vez que a recorrência poderá se dar mesmo após Emory, TS, Sobin, LH, LuUs, I, L«, OH, O'Lary, Tj. Prognosls of gastroln·
muitos anos da remoção do TEG primário. Para a eventualida- testi.nal smooth muscle (stromal) tumors. O.pa~dmce on anatomic site.
de da ocorrência da recidiva e/ou de metástases, encontra-se Am. /. Su'fl. Parlwl., 1999; 23:82·7.
F1etcher, CDM. Berman. Jl, Corless, C <1 «L 011gnosis o(gasttointestinal 1tromal
disponibilizada uma terapia efetiva através do imatinibe.
tumoun: A OODSCn$\l$ approach. Hum. P<llltol., 2002; 33:459~.
Cerca de 40 a 5096 dos pacientes, após remoção do tumor F1etcher, COM, Path, FRC, Berman, JJ, Corless, C. Gorstein, F, Lasou, J, Loong·
primário, poderão desenvolver recorrência do processo, prin- ley, BJ, Miettinen, M, O'Leary, TJ, Rernottl, H, Rubin, BP, Sbmookler, B.
cipalmente no figa do e peritónio. Antes da utilização do imati- Sobin, LH, Weiss, SW. Oiagnosls of gutrointestinal stromal tumours: A
nibe, a sobrevida média destes pacientes era de 19 meses, com consensus approach.1nl. J. Su'fl. P«thol., 2002; 10:81·9.
Gervaz, P. Huber, O, Morei, P. Surgical management ofgutrointestinal stromal
2596 vivos em 5 anos.
rumours. Br. J. Su'fl·• 2009; 96:567· 78.
A utilização do imatinibe, a partir de 2002, como medica- Gunji, Y, Nikaidou, T, Okazumi, S, Mauubara, H, Shimada, H, Nabeya, Y, Aoki,
ção-padrão nos casos de recorrência dos GIST promoveu uma T, Maldno, H, Mlyazakl, S, Ochlal, T. Evalualion of Kl-67 and p53 expros.
extraordinária melhoria nos resultados terapêuticos. Porém, a sion in primary and repeated metastases of G lSTs. Hepoto·Gastroenterology,
maior limitação no uso deste medicamento é representada pela 2005; 52:829·32.
possibilidade do aparecimento de um tumor secundário resis- Langer, C, Gunawam, O, Schulcr, P. Huber, W, Fuus~ L, Bec:ker, H. Prognostic
factor inOuenclng surgical management and outcome o( gastrointestinal
tente, consequente ao desenvolvimento de mutação no c-KIT, stromal tumours. Br. ]. Surg., 2003; 90:332· 9.
necessitando de abordagem múltipla, com ressecção do tumor Lcv, O, Karis, J,lssakov, J, Mcrhav, H, Oerger, E, Merlnuky, O. Gastrolntestinal
residual. Há melhora da resposta cirú.rgica com o posterior tra- stromal sarcomas. Br. /. Su'fl., 1999; 86:545·9.
tamento com os inibidores da tirosinoquinase. Medeiros, F, Corless, CI, Duensing. A, Hornlck, JL, Oliveira, AM, Heinrich,
Tentativas de uma terapia neoadjuvante com imatinibe é de- MC, Fletcher, JA, Fletcher, COM. KIT-Negative Gastrointestinal Stromal
Tumors. Prolf o{Concept and Therapeutlc Impllations. Am. /. Surg. PathoL,
pendente de um diagnóstico pré-operatório, o que nem sempre 2004; 28:889·94.
é possível pela dificuldade na obtenção de biopsias destas lesões. Miettlnen. M, Sobin, IH, Lasota, J. Gastrointeslinal stromal tumors o{ the
Inclusive, admite-se que a tentativa de obtenção de biopsias por stomach: A cllnicopathologícal, lmmunohi.stochemlcal, and molecular
punção aspirativa poderá ocasionar a ruptura do tumor, com gene study o( 1765 cases with long·term follow·up. Am. /. Su'fl. Pathol.,
disseminação intra-abdominal ou sangramento. 2005: 29:52-68.
Morgan, BK, Compton, C. Talbert, M, Gallaglter, WJ, Wood, WC. Benign
A estratégia para a abordagem dos GIST seria o reconhe- smooth musde tumon o( lhe gasttointestlnal tnct. Ann. Su'fl., 1990;
cimento dos fatores de prognóstico, permitindo uma atenção 211:63.
individualizada conforme a localização do tumor e de suas ca- Parn:in, JG, Frcitas W, Rasslan, S. Uppcr gastrolntestlnal hemorrmage due to
racterísticas morfológicas, e, também, oferecendo a oportuni- duodenal stromal tumor. Anj. Gaslrocntero/., 2003; 40:188·91.
dade do tratamento clinico medicamentoso. Sakano, AI, Braciani, CJC, Habr·Gama. A, Alva, VAF, Gama· Rodrigues. j.
Tumor estromal gastrointestinal: Cana~ anatomopatológíca ecor-
relaçi<> com sobrovlvtncla. ABCD Anj. Bnu. Or. Dig., 2003: 16:10·13.
Savage. DG & Anunann, KH. lmatlnlb mesylate - a new oral targe<ed therapy.
• LEITURA RECOMENDADA N. Engl. /. Med., 2002; 346:683·93.
Schlpper, JP, Liem, RSL, Van Den lngh, HFGM, Yan Der Harst, E. Revi·
Ayoub, \V$, Geller, AS, lran, T, Manin, P, Vlerllng. JM, Poordad, FF. lmatinib sion of gastrolntestlnal mesencbymal tumours with CDII7. EJSO. 2004;
(Gleevec")- induc:ed bepato!OJdclty. J. C/itL GastJ'Otnterol., 2005; 39:75·7. 30:959·62.
PARTE V
Intestino Grosso
38 Colite Microscópica,
Colite Pseudomembranosa e
Colite Radiógena
Mouníb Toe/a e Renato Daní

• COLITE MICROSCÓPICA (COLITE COLAGENA (tireoidite, doença cel!aca, artrite e outras) naturalmente su-
geriu a possibilidade da autoirnunidade. Uma associação rela-
ECOLITE LINFOCITARIA) tivamente comum entre CM e doença com fundo autoimune
é com a doença celíaca, especialmente com a CL e menos com
Podemos definir as colites microscópicas (CM) como in- a CC. Também a asma é mais frequentemente associada à CL
flamação crônica do cólon, que se manifesta por modificações doqueàCC.
histológicas ao nível de uma mucosa radiológica e endoscopica- Pensou-se em etiologia infecciosa, mas sem comprovação,
mente normal. Esta entidade foi inicialmente descrita por Lin- ou, em outros casos, como um processo reacional a drogas.
dstrom, em 1976, ao estudar uma mulher portadora de diarreia A similitude de alterações anatomopatológicas entre a coli-
crônica com proctoscopia normal e alterações histológicas na te microscópica e a doença celiaca, especialmente o infiltrado
mucosa reta!. Observou também que havia uma faixa sube- inflamatório na lâmina própria e na superficie epitelial, evo-
pitelial de colágeno depositada no reto e no c.ólon, que seria cou a alguns pesquisadores a possibilidade de uma reação a
produzida por fibroblastos após imunoestimulação. A colite um antígeno alimentar, como a gliadina para a doença celía-
microscópica engloba as colites colágena (CC) e linfocitária ca. Também se descreve a associação dessas colites com certos
(CL). ~ uma denominação mais antiga, substituída hoje, na medicamentos, especialmente com os anti-inflamatórios não
literatura inglesa. pelo título watery diarrhea-coliHs syndrome. hormonais e com a ticlopidina, o que lembra um relaciona-
Essas doenças dependem de exame histopatológico de fragmen- mento causa/efeito. Também o lanzoprazol, o omeprazol e o
tos colhidos no cólon para que se faça o diagnóstico, e, embora, esomeprazol foram relacionados com a colite microscópica,
por vezes, não seja fácil desmembrá-las, é preferível, sempre que sobretudo em idosos.
possível, individualizá-las para fins epidemiológicos. Sua inci- Associação da doença com antígenos leucocitários huma-
dência é dificil de ser estabelecida. mas dados suecos dão conta nos (HLA-DQ2, HLA-DQ1,3 e subtipos), semelhante ao que
de 1,8/ 100.000 habitantes para a CC. e um estudo da Espanha, ocorre na doença celiaca, sugere um especulativo mecanismo
referente à CL. mostrou incidência de 3,4/ 100.000 habitantes. imune similar.
Acredita-se que até 10 a 15% dos pacientes com diarreia crônica Em resumo, a CC e a CL se comportam clinicamente de ma-
sejam portadores de colite microscópica, e esta seria, provavel- neira muito similar, mas há diferenças na ocorrência de condi-
mente, causa frequente de diarreia aquosa em idosos. acompa- ções de origem autoimune e de asma, o que poderia significar
nhada geralmente de emagrecimento e dor abdominal. Certa- diferenças na irnunopatologia. Tal como está, ainda não foi
mente, sua prevalência é subavaliada. devidamente estabelecido se a colite microscópica é uma enti-
dade distinta ou somente um epifenômeno de outras doenças
que levam a alterações na camada de colágeno.
• Etiologia
A etiologia das colites linfocitária e colágena é desconhe-
cida, podendo ser considerada, de uma forma ampla, como • Diagnóstico
uma alteração inflamatória inespedfica do cólon. A inflamação A queixa é de diarreia, em geral aquosa e profusa, com vários
aguda seria interpretada como uma benéfica e in específica res- episódios diários e sem sangue nem pus. Cólicas acompanham
posta tissular frente a um agente agressor,levando, geralmente, ocasionalmente a diarreia. O conteúdo de eletrólitos nas fezes
a um resultado final de restauração da estrutura anatõmica e sugere diarreia secretória. Não há repercussão sobre o estado
funcional do cólon. geral O exame fisico não aporta nenhum dado positivo. A co-
Para alguns, constituiriam etapas evolutivas de um mesmo lite colágena é sete vezes mais comum nas mulheres do que nos
processo patológico. embora essa progressão tenha sido am- homens, incidindo, em geral, na sexta década da vida. Há casos
plamente comprovada apenas em duas observações da litera- diagnosticados na inll.ncia. A colite linfocitária é igualmente
tura. A associação de alguns casos com doenças autoimunes distribuída entre homens e mulheres, também mais frequente
423
424 Capftulo 38 I Co/ite Microscópica, Co/ite Pseudomembranosa e Co/i te Radi6gena

na sexta década da vida, embora surgindo um pouco mais cedo a 5-ASA, 1 a 4 g/dia, em doses divididas, associada, se neces-
do que a anterior (em média, aos 59 anos de idade para a CC sário, à loperarnida. Em caso de insucesso ou de repercussão
e 54 anos para a CL). grave da doença, acrescentar corticosteroides. A resposta da CM
Os exames de laboratório servem para excluir outras doen- aos antidiarreicos é, em geral, desapontadora, mas justifica-se,
ças. Não há contribuição do enema opaco. sobretudo, em pacientes com di arreia ainda em fase de estudo
A colonoscopia mostra uma mucosa macroscopicamente para o diagnóstico da CM.
inalterada, mas as biopsias são o elemento-chave para o diag-
nóstico correto. De fato, é o exame anatomopatológico que
permite diferenciar a colite colágena da colite linfocitária e de
• Prognóstico
um cólon sadio. Este fato alerta os médicos para a indispen- A CC e a CL são doenças crônicas, de curso benigno. En-
sabilidade de biopsias apropriadas de reto e cólon para que tretanto, um número significativo de doentes pode apresentar
não se deixe passar o diagnóstico dessas doenças. Na CC, de- diarreia intermitente, ou diarreia contínua, exigindo medica-
posita-se colágeno sob a mucosa, levando a um espessamento ção prolongada.
significativo e não contínuo da camada basal subepitelial, mas
que respeita a basal periglandular. Esse colágeno é sobretudo
dos tipos I e Ill, fibrilar, e um pouco de colágeno de tipo VI, • COLITE PSEUDOMEMBRANOSA
portanto diferente do colágeno que constitui a camada sube-
pitelial do cólon sadio, que é do tipo IV, não fibrilar. A colite A ocorrência de diarreia em pacientes sob antibioticoterapia
linfocitária, por sua vez, caracteriza-se por um aumento das é fenômeno comum na prática diária, particularmente quando
células inflamatórias mononucleadas - monócitos e linfóci- se utilizam ampicilina e dindamicina. Habitualmente, a di arreia
tos - que se distribuem pelo córion e, sobretudo, pelo epitélio ocorre na vigência da utilização dos antibióticos, com resolução
superficial. Aqui, o aumento de linfócitos deve ser superior a espontânea após a interrupção das drogas. Na maioria das ve-
20/100 células epiteliais, contra um máximo de 6/100 no cólon zes, a di arreia se manifesta com pouca intensidade, não neces-
normal. V árias características histológicas são comuns às duas sitando de nenhum tratamento específico, e o exame de fezes
formas de colite, tais como o aumento de linfócitos intraepite- não demonstra a presença de leucócitos e não cresce nenhum
liais, lesões no epitélio de superficie e infiltrado mononuclear germe na coprocultura. A co lite pseudomembranosa (CP), tam-
no córion. Na colite colágena, as lesões predominam no cólon bém denominada colite induzida por antibióticos, é geralmente
direito, daí a necessidade de retirar fragmentos de diferentes ocasionada pelo Clostridium difficile, através da liberação de
níveis do cólon . .8 preciso que o patologista separe bem a colite suas toxinas e em decorrência da superpopulação desse agente
colágena da esderodermia, o que se faZ, inclusive, em bases clí- infeccioso, consequente ao uso de antibióticos. Poderá, também,
nicas. A amiloidose também pode gerar dúvidas, mas técnicas ser encontrada em pacientes imunodeprimidos, portadores de
apropriadas de coloração orientarão o diagnóstico. Atualmente, colopatias crônicas, sem história de uso de antibióticos, e, com
têm sido observadas evidências de doenças alérgicas ou alergias maior frequência, em aidéticos. O sistema digestório poderá ser
alimentares em pacientes com colite microscópica, podendo- totalmente envolvido no processo, desencadeando grave surto
se, desta forma, aventar a possibilidade de uma conex.ão entre infeccioso sistêmico, que necessita de pronto reconhecimento
esta entidade e alergia alimentar. e imediatas atitudes terapêuticas. O Clostridium difficile, reco-
nhecido como agente entérico endêmico em 1977, é encontrado
nas fezes de 15 a 25% dos pacientes com di arreia induzida pelos
• Diagnóstico diferencial antibióticos, e em 5 a 10% dos que, apesar de estarem recebendo
O principal desafio é separar essas entidades do cólon irritá- antibióticos, não apresentam diarreia. Essa porcentagem muda
vel. Muitas vezes, apenas a biopsia da mucosa do cólon permiti- para 75% nos doentes que desenvolvem colite, e em quase 100%
rá que se chegue ao diagnóstico correto. Outras doenças, como se há pseudomembranas no cólon. O processo compromete
colite aguda, parasitoses, doenças inflamatórias intestinais, diar- geralmente o reto e o cólon, e, mais raramente, o intestino del-
reia por laxativos, amiloidose cólica e colite isquêmica, também gado. Pode apresentar-se de maneira localizada ou difusa, com
deverão ser consideradas no diagnóstico diferencial. formação de placas exsudativas que se agregam, constituindo
as chamadas pseudomembranas, que vêm a ser uma resposta
inespecífica da mucosa intestinal frente à endotoxina A pro-
• Tratamento duzida pelo agente bacteriano agressor. As colites associadas
A doença não se cura de maneira espontânea e evolui entre- aos antibióticos representam importante situação clínica, com
meando crises e períodos de acalmia. Apesar de haver algumas incidência maior nos pacientes hospitalizados, estando presen-
diferenças entre CC e CL, o tratamento é o mesmo para ambas tes em 20% dos que receberam essas drogas, desencadeando
as formas. As duas formas respondem muito bem à sulfassa- alteração no equilíbrio da flora intestinal e permitindo, assim,
lazina, com ou sem corticoides, tanto VO quanto por clister. o desenvolvimento da bactéria anaeróbia. O C. difficile é facil-
Os índices de sucesso com o tratamento clínico alcançam 80 a mente encontrado nas enfermarias e banheiros dos hospitais,
90%. Recentemente, usou-se subsalicilato de bismuto em do- sendo transmitido de paciente para paciente ou, então, através
ses altas, por 8 semanas, com resultados positivos tanto sobre do pessoal da enfermagem. Essas colites representam a maior
a diarreia quanto sobre as alterações histológicas. Na verdade, causa de diarreia em pacientes hospitalizados por período su-
vários medicamentos foram propostos, tais como loperamida (2 perior a 3 dias, com incidência de 7:1.000 pacientes. Apesar de
a 16 mgldia) ou difenoxilato (2,5 a !O mgldia) para a diarreia, qualquer antibiótico poder induzir essas colites, assumem maior
octreotídio (100 mg TID), metronidazol (800 mgldia), coles- importância a ampicilina, a clindamicina e as cefalosporinas.
tiramina (até 16 gldia), mepacrina, corticosteroides sistêmicos Os sintomas poderão desenvolver-se logo no início da antibio-
e tópicos (incluindo a budesonida), I a 2 g de 5-ASA/dia e me- ticoterapia, ou, então, mais tardiamente, até após algumas se-
totrexato, e relata-se até um caso de remissão com omeprazol. manas. Assim, na vigência de quadros diarreicos, é importante
Do ponto de vista prático, como primeira tentativa, sugerimos a pesquisa da utilização pregressa de antibióticos.
Copftufo 38 I Cofite M icrosc6plco, Cal/te Psrudomembronoso e Cofíte Rodlógeno 425

Há uma peculiaridade envolvendo os recém-nascidos: 8096 I Omm de diâmetro, intercaladas com áreas de intensa hipere-
deles poderão ser portadores do C. difficile, muitos com cepas mia (Figura 38.1). Ao exame histológico do material colhido
toxigênlcas, mas não desenvolvem a dornça porque faltam re- por biopsia, evidenciam-se ulcerações epiteliais, exsudato de
ceptores colônicos para as toxinas, que surgem apenas após fibrina e neutrófilos (Figura 38.2) . Em cerca de 1096 dos casos,
I ano de vida. o processo é restrito ao cólon proximal e, portanto, não ating!-
vel pela retossigmoidoscopia. Nessas situações, é extremamente
importante a colonoscopia, procurando-se chegar ao ceco.
• Quadro clínico
A maioria desses doentes apresenta diarreia aquosa mode- • Ultrassonografia
rada, associada a desconforto abdominal no baixo ventre. Nas A ultrassonografia abdominal poderá ser de utilidade no
formas graves, a dor é tipo cólica, no baixo abdome, seguida de diagnóstico da CP. O achado ultrassonográfico é o de espes-
evacuações líquidas profusas, até 30 vezes/dia, com muco e, às samento grosseiro da parede intestinal com estreitamento da
vezes, sangue. Pacientes muito graves, podem desenvolver me- luz, mas é inespecifico. Entretanto, dentro do contexto clínico,
gacólon e até perfuração intestinal. Há febre e alterações hidre- esses dados poderão corroborar o diagnóstico.
letrollticas, moderadas ou acentuadas. A palpação do abdome
desperta dor no baixo ventre, e, eventualmente, notarn-sesinais • Tomografia computadorizada (TC)
de irritação peritoneal. A TC do abdome apresenta características próprias na CP,
Em algumas situações, o quadro poderá encaminhar-se para revelando o segmento intestinal comprometido, geralmente
uma forma chamada fulminante da colite, com toxemia cau-
sada pela sepse, manifestando-se com dor, febre, taquicardia e
distensão abdominal.
Lesões extensas da mucosa intestinal podem causar perda
significativa de proteínas e consequente hipoalbuminemia.

• Exames complementares
• Bioquímica
O leucograma mostrará leucocitose expressiva, dependendo
da intensidade do processo. ~ importante monitorar as dosa-
gens séricas de eletrólitos, especialmente de sódio e potássio,
além de outros parãmetros, como ureia, creatinina, proteínas
sé ricas, gasimetria e outros que se fizerem necessários para ava-
liar o doente e promover as devidas reposições.

• Exame de fezes
O C. difficile produz dois tipos de toxina: A, que é uma ente-
rotoxina, e B, que é uma citotoxina. O diagnóstico da CP poderá
ser afirmado pelo encontro, nas fezes, da toxina B, com especi- Figura 38.1 Colite pseudomembranosa. Aspecto endoscópico de
ficidade de até 9996 e sensibilidade de 9596. Porém, esse teste de cólon sigmoide, com formações pseudopolipoides e placas de flbrina.
detecção das toxinas por anticorpos e cultura de células pode (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ
demorar até 48 h, e, em uma emergência, podemos optar pelo
teste ELISA para verificação das toxinas A e B, que apresenta
sensibilidade menor, entre 70 e 8596, mas é mais rápido.
A cultura para o C. difficile é dispensável, pois, além de ser
demorada, não identifica a presença de cepas toxigênicas.
A presença de leucócitos nas fezes é verificada em apenas 5096
das situações, não sendo fundamental para o diagnóstico.

• Radiografiassimples de abdome
Quando o acometimento é mais grave, a radiogra.fia sim-
ples do abdome é importante no sentido de avaliar possível
distensão do cólon e/ou formação de megacólon tóxico, ou de
pneumoperitônio.

• Endoscopia
O exame endoscópico, através da retosslgmoidoscopla
e/ou da colonoscopia, permitirá uma avaliação diagnóstica mais
rápida e, consequentemente, uma pronta ação terapêutica. Nos
doentes com sintomatologia moderada, o aspecto endoscópico
Figura 38.2 Colite pseudomembranosa. Aspecto panor3mico micros-
da mucosa do reto e cólon poderá ser normal ou, então, evi- cópico mostrando necrose da mucosa e substituição pot pseudomem-
denciar processo inflamatório difuso, moderado e in especifico brana de fibrina, exsudato de neutrófilos e restos de células epiteliais.
da mucosa. Nas formas graves, encontramos a típica CP, com conforme indicaç3o das setas. (Esta figura encontra-se reproduzida
a presença de placas amareladas aderentes à mucosa, com 2 a em cores no Encarte.)
426 Capftulo 38 I Co/ite Microscópico, Co/ite Pseudomembronosa e Co/ite Radi6gena

reto e cólon esquerdo, com suas paredes espessadas e aspecto formas recorrentes da colite pseudomembranosa, com resul-
sanfonado, al~m de acusar ascite e edema pericolônico. Essas tados imunogênicos satisfatórios.
alterações são identificadas também na criança, não só no adul-
to. Os seguintes achados da TC são mencionados: espessamen-
to circunferencial da parede do cólon em 7896; espessamento • COLITE RADIÓGENA
nodular das haustrações em 4496; edema pericolOnico em 3396;
e ascite em 1196 dos pacientes avaliados. A colite radiógena resulta de agressão à mucosa retossigmoi-
deocólica por irradiação terapêutica de cânceres em geral locali-
• Diagnóstico diferencial zados na bexiga, no reto e ginecológicos. Ocorre em 2 a 20% dos
Devemos considerar outros processos infecciosos que pode- pacientes submetidos à radioterapia pélvica. Considera-se que
riam provocar diarreia em pacientes hospitalizados. As doenças a quantidade de radiação necessária para lesar o intestino varia
inllamatórias intestinais, nas suas manifestações agudas, par- de doente para doente e com o tipo de tratamento. Entretanto,
ticularmente a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa, além é pouco usual doses de até 4.000 cGy causarem lesão, mas, na-
da colite isqu~mica, também deverão ser consideradas. queles acima de 5.000 cGy, essa possibilidade é elevada. A lesão
pode ser aguda ou crônica e desenvolve-se rapidamente após o
• Complicações inlcio da irradiação. Entretanto, pode manifestar-se meses ou
As formas fulminantes de CP, com intensa desidratação, anos após a radioterapia, e o irúcio da sintomatologia é estima-
perda de eletrólitos e sepse, poderão evoluir muito rapidamen- do, em média, em 6 a 12 meses. Caso se suspeite de lesão da mu-
te para uma dilatação aguda do cólon (megacólon tóxico), se- cosa logo de inicio e o tratamento radioterápico seja suspenso,
guida de perfuração, peritonite e, por sua extrema gravidade, há recuperação total sem terapêutica especial. Se o médico in-
caminhar para óbito. Pacientes portadores de psorlase, em uso siste com a irradiação, então tanto poderá desenvolver-se uma
de drogas como fluouracil ou metotrexato, poderão apresentar forma aguda quanto uma forma crônica. Esta não só pode surgir
colite pseudomembranosa, e estudos têm demonstrado a pre- em continuidade imediata ao processo agudo como manifestar-
sença da toxina do Clostridium. As formas crônicas evoluem se até meses, ou anos, depois de cessada a irradiação. Como,
com emagrecimento e poderão evidenciar uma enteropatia per- em geral, o tratamento é indicado por tumores que se assentam
dedora de proteínas. na bacia, a maioria das lesões localiza-se no sigmoide e reto,
mas o cólon proximal e mesmo o intestino delgado também
• Tratamento podem ser atingidos (Figura 38.3). De fato, o intestino delgado
Nas formas moderadas, a suspensão da antibioticoterapia é comprometido em cerca de 1 a 596 dos pacientes submetidos
geralmente é suficiente para a pronta resolução do processo, à radioterapia pélvica, representando uma complicação de ex-
sem necessidade de qualquer tera~utica especifica. trema gravidade, com mortalidade elevada (lO a 2096). Nessas
Nas formas mais graves, é importante a reposição hidrele- situações, o tratamento é cirúrgico, consistindo na remoção
trolítica, além de suporte metabólico através de nutrição pa- do segmento intestinal afetado. Todavia, pela ação deletéria da
radioterapia, há maior incidência de deiscência de anastomose
renteral. A terapêutica medicamentosa consiste basicamente
na administração endovenosa de metronidazol (500 mg a cada
8 h), associado a vancomicina (500 mg a cada 6 h). A vanco-
m icina é um remédio caro, e há grupos que aconselham do-
ses de 125 mg, 4 vezes/dia VO (o medicamento é ineficaz IV),
sendo atualmente preconizada a sua utilização VR. A melhora
é notada após 72 h. A duração é de 10 a 14 dias. Não há oferta
de vancomicina oral no mercado bra.sileiro, mas podemos nos
servir da forma parenteral VO (Vancocina*, Vancomicina<J).
As drogas antidiarreicas, particularmente a loperamida, de-
vem ser evitadas, pois atuam diminuindo a motilidade do có-
lon, permitindo uma exposição mais prolongada da mucosa ao
agente agressor. Essa redução da motilidade, inibindo o peris-
taltismo, poderá levar, também, à formação de dilatação aguda
do cólon. A colestiramina, na dose de 4 g, 3 ou 4 vezes/dia, como
resina de troca aniôntica, tem a propriedade de se ligar à toxi-
na bacteriana, reduzindo, assim, a sua capacidade de agressão .
.e preciso lembrar que a resina se liga também à vancomicina,
diminuindo os rúveis do antibiótico no cólon.
Cerca de 20% dos pacientes apresentam recorrência dos
sintomas após 1 a 2 semanas do término do tratamento, seja
devido à reinfecção, seja à falha de erradicação do C. difficik.
Nessas situações, poderemos reintroduzir a terap~utica com
metronidazol e vancomicina VO, durante até 4 semanas. Não
há necessidade da troca dos antimicrobianos, pois não existe,
senão raramente, resistência a eles. Foi sugerido tratamento
complementar com Lactobacillus (I a 2 g VO, 4 vezes/ dia) ou Figura 38.3 Estudo radiológico contrastado do intestino delgado
com Saccharomyces boulardii em casos recorrentes de colite mostrando segmento de alça distai estenosado pela ação da radiote-
pseudomembranosa. Vacina de uso parenteral, contendo to- rapia em uma paciente previamente operada por neoplasia de ovário
xoide A e toxoide B, tem sido considerada no tratamento das direito.
Capftulo 38 1 Coflte Microsc6plca, Co/it e Pseudomembranoso e Co/i te Radi6gena 427

e consequente formação de fistulas, que, muitas vezes, exigem


repetidas intervenções, agravadas por alta morbidade. Por isso,
em algumas condições, e para evitar a possibilidade de fistula,
indica-se a realização de derivações do trânsito intestinal, não
removendo o segmento comprometido.

• Anatomia patológica
Do ponto de vista histológico, notam-se sinais inflamatórios
representados por infiltrado celular e abscessos de criptas, com
eosinófilos na fase aguda. Como o turnover das células intes-
tinais é rápido, os efeitos da radiação aguda sobre a mucosa e
submucosa tendem a ser limitados, manifestados por diarreia,
má absorção e dor abdominal. Na fase crônica, o processo pa-
rece decorrer de vasculite e endarterite. Nessa fase, todas as
camadas do intestino são atingidas, inclusive a serosa. Como
há isquemia decorrente de trombose arteriolar ou venosa, pode Figura 38.4 Peça cirúrgica da paciente da Figura 383. Segmento de
haver hipoxia tissular, que vai manifestar-se como espessamen- intestino delgado distai irradiado, com espessamento da parede e
to de várias camadas do intestino. Estenoses no reto e fistulas mucosa de coloraçao esbranquiçada e superficie lisa. (Esta f.gura en-
interintestinais, com a bexiga ou com a vagina, são notadas em contra-se reproduzida em cores no Encarte.)
variável número de casos.

• Diagnóstico O sangramento é causado por telangiectasias, e, como men-


cionado, os tratamentos endoscópicos por eletrocoagulação
Os doentes se queixam de diarreia, tenesmo, dores em có- ou por formalina tópica, nessa eventualidade, são os mais in-
lica e sangue nas fezes. Os sintomas mais frequentes são san- dicados. A endoscopia pode utilizar três procedimentos: laser;
gramento retal (71%) e alteração do hábito intestinal {27%). eletrocoagulação multipolar; eletrocoagulação com plasma de
Dependendo da intensidade do processo, haverá repercussão argônio. Esta forma de tratamento (argônio) não requer con-
sobre o estado geral, com emagrecimento, anemia e hipoprotei- tato do aparelho com a mucosa, atinge apenas as camadas su-
nemia. O enema demonstra alterações, tais como modi.ficações perficiais da mucosa, as complicações são raras e o custo não
da mucosa. perda de haustrações, estreitamentos, ulcerações e é elevado.
fistulas. Essas alterações são também encontradas à endosco- A coloproctite radiógena é decorrente de várias alterações
pia do cólon, além de se evidenciarem friabilidade da mucosa arquiteturais, como já se mencionou: inflamação crônica (in-
e telangiectasias. As biopsias podem não ser muito evocativas, filtração celular por linfócitos e células plasmáticas), abscessos
porque as lesões mucosas não são específicas. eosinofilicos de criptas e alterações vasculares. Estas incluem
edema de células endoteliais, trombos de fibrina, destruição de
• Tratamento arteríolas, neovascularização, angiectasias localizadas na mu-
cosa, Criáveis e cercadas por epitélio atrófico. Essas alterações
As formas leves são tratadas sintomaticamente. A hemorra- contribuem para a isquemia da parede intestinal, e esta induz
gia recorrente é muitas vezes refratária ao tratamento médico e fibrose difusa na lãmina própria e na submucosa, que, por sua
pode exigir transfusão de sangue. Tenta-se tratar as lesões mais vez, piora a isquemia. Por tudo isso, percebem-se as dificul-
graves com sulfassalazina, ou 5-ASA, e corticoides tópicos (ene- dades do tratamento. Entretanto, os resultados dos métodos
ma) ou sistêmicos, com muitos insucessos em casos graves. A terapêuticos mencionados anteriormente têm sido considera-
eletrocoagulação ou a formalina tópica são as opções modernas dos razoavelmente bons, especialmente com o uso de plasma
mais interessantes {ver adiante), e o emprego do plasma de ar- de argônio.
g6nio ou aformalina tópica é considerado como procedimento A cirurgia pode ser necessária em alguns casos complicados
de primeira linha, especialmente quando há hemorragia. A for- ou incontroláveis clinicamente (Figuras 38.3 e 38.4), mas é bom
malina tem o inconveniente de ser um tratamento longo para lembrar que é acompanhada por elevada incidência de com-
o processo inflamatório, embora de custo baixo. O mecanismo plicações e insucessos, além de significativa morbidade. Cerca
pelo qual a formalina faz cessar o sangramento não é claro, mas de 50% dos doentes que sobrevivem à sua primeira operação,
se acredita que ela provoque necrose por coagulação na mucosa indicada pela enterite radiógena, serão submetidos a outras
superficial e um exsudato de fibrina, que, juntos, formam uma cirurgias. Desses pacientes, 25% morrerão em decorrência da
camada de restos necróticos, que induzem a hemostasia. enterite radiógena e suas complicações.
Para a diarreia, usam-se antie.spasmódicos e antidiarreicos
(loperamida).
Alguns casos, com obstrução ou fistula interintestinal, de- • LEITURA RECOMENDADA
senvolvem um quadro de supercrescimento bacteriano, que
exigirá antibióticos. Amico, EC. Nahas, SC, Canedo, LF, Bo'-e. CR, Brin~ R\\\ An6jo, SEA. Tn-
Descreveu-se o tratamento de proctite radiógena com su- tamento cir\írSíCO da complicação actínica cronica do intestino ddgado.
Jàv. Bnu. Coloproa., 1999; 19: I n -6.
cralfato oral, 3 a 4 gldia, por I a 3 meses. O resultado foi con-
Armes, J, G~ DC, Macne, FA, Puhr, NO, Griflin, PM. CoUagenous colitl.s.
siderado satisfatório, embora falhe muitas vezes em casos gra- Jejunal and colorec:tal palhology. J. Clin. PathoL. 1992; 45:784-7.
ves; o mecanismo pelo qual essa droga atua é mal conhecido Baert, F, Wouters, K, O'Haens, G, Hoang. Peta/. Lymphocytic colltls; A dlitlnct
(citoproteção?). clinicai cntity! Gut, 1999; 45:375-81.
428 Capftulo 38 I Co/ite Microscópica, Co/ite Pseudomembranosa e Co/i te Radi6gena

Barta, Z. Mekkel, G, Csipo, L et al. Microscopic colitis: a retrospeclive study Lazemby, AJ, Yardley, JH, Giardiello, FM. Jessurun, J, Bayless, TM. Lymphocitic
of clinicai presentalion in 53 patients. World ]. Ga.stroenterol.. 2005; ("microscopic") colitis: a comparative histopathologic study with particular
11:1351-5. referenee to collagenous coliti$. Hum. Pathol., 1989; 20:18-28.
Blickman, JG, Boland, GW. Cleveland, RH. Branson, RT. Lee, MJ. Pseudomem- Lindstrom, CXG. Collagenous colitis with watcry diarrhoca: a new entity? Pa-
branous colitis: Cf findings in children. Pediatr. RadioL (supp/.1), 1995; thol. Eur., 1976; 11:87-9.
25:157-9. Machado, G. Coloproctopatia por radiação: uma análise crítica da terap~utioa.
Chandc, N, Driman, DK, Reyno1ds, RP. Collagenous colitis and 1ymphoeytic Em: Galvão-A1ves, J & Dani, R. Teraptutica em Gastroenterologia, Guanabara
colitis: paticnt characteristics and dlnical prescntation. Scand. f. Gastroen- Koogan, Rlo de janelro, 2005.
terol., 2005; 40:343-7. Monserat, R, Bronstein, M, Fuentes, D, Garnica, E, Palao, R, lsern, AM, Grillo,
Chautems, RC, Delgadillo, X. Rubbia-Brandt, Let a/. Formaldehyde application M, Peraza, W, Gumina, C, Vargas, F. Colitis caused by radiation: 20 years
for haemorrhagic radiation-induced proctitis: a clinicai and histological experience. GEN, 1989; 43:16-8.
study. Colorectal Di.<., 2003; 5:24-8. Nelson, R. Antibiotic treatment for Clo.stridium d!fficile-associated dlarrhea in
Chen. FC & Woods? R. Pseudomembranous panentcritis and septicaemia in a adults. Cochrane Dawbase Syst. Rev., 2007; J8:CD004610.
patient with ulceraüve colitis. Aust. N. Z. Surg., 1996; 66:565-6. Ouyahya, F. Michenet, P, Gargot, D, Brctcau, N, Buzacoux. J, Lcgoux, )L. Co-
Denton, AS, Andreyev, HJ, Forbes, A, Maher, EJ. Systematic review for non- lite collagêne associée à un lymphome T. Gastroenter.oL Clin. Biol., 1993;
surgical interventions for the management or late radiation proctitis (re- 17:976-7.
view). Br. f. Concer, 2002; 87:134 -43. Regueiro, MO. Diagnosis and treatment of u1cerative proctitis. ]. Clin. Gas-
Fekety, R & Shah, A. Diagnosis and treatment of Clostridium dijjicile colitis. troenterol., 2004; 38:733-40.
/AMA, 1993; 269:71-5.
Rubinstein, E, Ibsen. T. Rasmussen, RB et ai. Formalln t.reatment of radiation.
Fine, KD, Do. K, Schulte, K et ai. High prevalence of celiac sprue-like HLA-DQ
induced hemorrhagic proctltis. Am. f. GastroenteroL, 1986; 81:44-5.
genes and entcropathy in patknts with thc rnicroscopic colitis syndromc.
Saint· Blancard, P, lhiolet, C, Boucher, E, Cruel, Tii, Leroy, X, Gros, PH. Co·
Am. /. GastroenteroL, 2000; 95:1974-82.
lites lymphocitaire et collagêne. Un diagnostic purement anatomo-patho·
Fine, KD, Seidel, RD, Do, K. The prevalence, anatomic distribution and di-
1ogique- Une seule et mêmc affection! Ann. Gastroenterol. HépatoL, 1997;
agnosis of colonic causes of chronic diarrhca. Gastrointut. Endosc., 2000;
33:78-82.
52:318-26.
Sasai, T, Hiraishi, H, Suzuki, Y. Masuyama, H, Jshida, M, Tcrano, A. Treatment
Galvão-A1ves, J & Guimarães, ML. Colite pseudomembranosa. Em: Ga1vão-
of chronic post-radiation proctitis with oral administralion of sucralfate.
Alves, J& Dani, R. Tera~utica em Gastroenterologia. Guanabara Koogan,
Rio de Janeiro, 2005. Am. f. GastroenteroL, 1998; 93:1593-5.
Goff, JS. Colitis: radiation, microscopic. co1Jagenous. and pseudomembranous. Saul, SH. The watcry diarrhca-colitis syndromc. A review of collagc.nous and
Em: McNally, PR. Gl/Uver Secrets. Philade1phia, Hanley & Belfus, Inc., mlcroscopic/1yrnphocitic colitis. Int. f. Surg. Patho/., 1993; 1:65-82.
1996. Schneider, S., Ra.mpal, A, Hebuterne, X, Rampa!, P. Les colites microscopiques.
Haddad, GK, Grodzinsky, C, Al1en, H. The spectrum of radiation enteritis: GastroenteroL Clin. Blol., 1998; 22:431-41.
surgical considerations. DiJ.. Colon Re~tum, 1983; 26:590-4. Sougioulttls, S, Kyne, I, Drudy, D, Keates, s. Maroo, S, Pothoulakis, C, Gian-
Henri.ksson, R, Franun, L, Linbrand, B. Effects of sucralfate on acU[e and late nasca, PJ et ai. Clostridium dq]icile toxoid vaccine in recurrent C. difficile·
bowel discomfort following radiotherapy of pelvic cancer. f. CUn. OncoL, associated diarrhca. Gastroentero/ogy, 2005; 128:764-70.
1992; I 0:969-75. Thijs, WJ, Van Baarlen, J, Kleibeuker, JH, Kolkman , JJ. Microscopic colitis:
Jafri, SF & Ma,..ha11, )B. Ascitisassoáated with antibiotic-associated pseudomem- prevalence and dlstribution throughout the colon in patients with chronic
branous coUtls. South. Med. f., 1996; 89:1014-7. diarrhoea. Neth. /. Med., 2005; 63:137-40.
Kelly, C, Pothoulakis, C, LaMont, JT. C/ostridium dijjicile colitis. N. Engl. ]. Thomas, SM, Howlett, DC, Hearn, R). Ultrasound appearance of pseudomem-
Med., 1994; 330:257-9. branous colitis. Australas. Radiol., 1996; 40:162-6.
Konishi, T, Watanabe, T, Kitayama, ) et aL Endoscopic and histopathologic find- Tung. )M, Do1ovich, LR, Lee, CH. Prevention of Clostridium dijjicile infection
ings after formalin application for hemorrhage caused by chronic radiation- with Saaharomyu:s boulardU: a systematic review. Can f. Gastroenterol.,
induced proctitis. Gastrointes-t. Endosc., 2005; 61:161-4. 2009;23:8 17-21.
Kumar, B, Vaishnavi, C, Sandhu. K. Kaur, I. Clottridium difficile toxin ass.ay in Wilcox, GM & Mattia, AR. Microscopic colitis associated with omeprazo1e and
psoriatic patients. Trop. Ga.scroenterol., 2004; 25:164-7. esomeprazo1e exposure. World f. GastroenteroL, 2008; 14:7289-301.
39 Constipação Intestinal e
Fecal o ma
José Alves de Freitas e Mounib Tacla

pleta como sinônimo de constipação intestinal. Considerando


• CONSTIPAÇÃO INTESTINAL que se trata de uma sensação subjetiva, torna-se muito dificil
De todas as funções corporais do homem, a defecação talvez urna definição adequada. Devido a isso, foram desenvolvidos
seja a menos compreendida e menos estudada. A maioria dos critérios objetivos baseados na frequência das evacuações para
dados publicados refere-se aos hábitos intesti.n ais de enfermei- se chegar a uma definição satisfatória. Estudos populacionais
ros, estudantes. prisioneiros e pessoas idosas. Poucos são os es- revelaram que 94 a I 0096 das pessoas sadias apresentam entre
tudos em que se avaliou criteriosamente a população adulta em 3 evacuações por dia e uma exoneração 3 vezes/semana. Es-
geral. t uma situação que acomete tanto crianças como adultos. ses achados permitiram definir constipação intestinal, de uma
notadamente mulheres, e, na grande maioria dos casos, não se maneira simplista, como a evacuação intestinal abaixo de 3
encontra nenhuma causa orgânica, sendo, por isso, rotulada vezes/semana. A tentativa de padronizar a definição iniciou-
de constipação intestinal funcional. se em 1992, com a publicação dos critérios de Roma. Assim
A frequência das evacuações constitui um dado de fácil aces- mesmo, não se conseguiu um consenso; basta observar que
so, porém de pouca relevância em termos de função colônica, foram atualizados em 1998 (Roma II) e 2006 (Roma 111). De
apresentando pouca ou nenhuma relação com o tempo de trân- acordo com estes critérios, não devemos nos fixar apenas no
sito intestinal e com o peso fecal diário. número de evacuações, mas também na qualidade delas. Um
Constipação intestinal não é uma doença, mas meramente grupo de estudo criado recentemente pelo Colégio Americano
um sintoma. Isso ocasiona confusão entre médicos e pacientes, de Gastrenterologia, denominado "Chronic constipation task
acarretando falhas na terapêutica. Como sintoma, pode indicar force•, sugere a seguinte definição para constipação intestinal:
várias doenças. O diagnóstico tem um espectro tão amplo quan- defecafão insatisfat6ri4 caracterizada por reduzido número
to o da dor abdominal Apresenta diferentes significados para de evacuações e dificuldade para evacuar, pelo menos nos úl-
diferentes pacientes, dependendo do que cada um considera timos 3 meses. A mencionada dificuldade para evacuar inclui:
padrão normal de defecação. O paciente pode estar queren-
• fezes endurecidas ou em a'balos;
do dizer que as fezes são muito pequenas, muito duras. muito
• necessidade de esforço para evacuar;
difkeis de serem expelidas, ou que as evacuações são pouco
• sensação de evacuação incompleta;
frequentes, ou, ainda, que persiste sensação de evacuação in-
• sensação de obstrução anorretal; ou
completa após a defecação.
• necessidade de usar manobras manuais para facilitar a
Trata-se de uma das principais queixas em Medicina, cons-
evacuação.
tituindo a segunda causa mais frequente de visita ao gastren-
terologista. Nos EUA, estima-se em 2,5 milhões de consultas A utilização dos Critérios de Roma tem sido muito criticada,
anuais devido à constipação intestinal. pois consideram constipação intestinal funcional e s!ndrome do
intestino irritável como distúrbios distintos. Estudos recentes
realizados nos EUA demonstraram que é impossível distin-
• DEFINIÇÃO guir sindrome de intestino irritável e constipação intestinal
funcional através dos critérios de Roma Ill. Além do mais, a
Definir constipação intestinal é uma tarefa dificU, pois não classificação ficou muito detalhada, dificultando sua utilização
dispomos, até hoje, de critérios objetivos universalmente acei- na prática c!Jnica.
tos. Em um amplo inventário sobre hábitos intestinais realizado
nos EUA, em que fora solicitado a adultos aparentemente nor-
mais que definissem constipação intestinal, 5296 disseram que • CARACTER[STICAS F[SICAS DAS FEZES
se tratava de •dificuldade para evacuar"; 4496, de •rezes duras";
3296, de "diminuição na frequência das evacuações". Várias " TAMANHO. O calibre das fezes não pode ser dimensionado
pessoas incluíram desconforto abdominal e evacuação incom- adequadamente devido à deformação do bolo fecal pelas estru-

429
430 Copftulo 39 I Constipação Intestinal e Fecolomo

turas constituintes da região anorretal e pela força da gravidade gicos realizados nos EUA estimam mais de quatro milhões de
durante o ato da defecação. Pacientes constipados relatam fezes pessoas constipadas apenas nesse país. Levantament.o epide-
finas como um lápis, ou volumosas, ou fragmentadas em vários miológico feito na Inglaterra revelou que 2996 da população
tamanhos, como fezes de cabra. toma laxativos, mas somente 1/5 é constipado. Na França, são
.,.. COMPRIMENTO. Noventa por cento das pessoas normais es- vendidos anualmente 36 milhões de comprimidos laxativos.
vaziam apenas o reto quando defecam; os outros 1096 esvaziam Em nosso meio, estudo realizado por Kingma, em Belo Hori-
o cólon, desde a flexura esplênica até o ânus. zonte, revendo 1.000 prontuários de sua clínica gastrenteroló-
.,.. PESO FECAL. O peso normal das fezes pode variar de 35 a gica, revelou que:
450 gramas por evacuação, nos homens, e de 5 a 335 gramas, nas
mulheres. Estudos realizados em diferentes países demonstra- 1.•) de 500 pacientes do sexo masculino, 37 (7,496) apresen-
ram que o peso médio das fezes foi de 100 gramas na Inglaterra tavam constipação intestinal, e, em 17 destes (45,996), essa era
e nos EUA, 300 gramas na índia e 500 gramas em Uganda. Essa a queixa principal;
ampla variação deve-se ao teor de fibras na dieta. 2.•) de 500 pacientes do sexo feminino, 104 (20,896) apre-
.,.. CONSISTtNCIA.A consistência das fezes pode ser determina- sentavam constipação intestinal, sendo, em 45 ( 43,396), a quei-
da objetivamente através da força necessária para fazer passá-las xa principal.
por um tubo fino, ou observando-se a profundidade de penetra- A incidência pode variar na dependência de vários fatores,
ção de um objeto no bolo fecaL Existem variações apreciáveis incluindo os citados a seguir.
de indivíduo para indivíduo e do homem para a mulher. .,.. IDADE. A ocordncia de constipação intestinal aumenta
.,.. FREQUENCIA. ~sem dúvida, o parâmetro mais fácil de quan-
muito após os 60 anos. Estatísticas revelam que 21 a 3496 das
tificar e o de maior aplicação clínica. A grande maioria das pes- mulheres e 9 a 2696 dos homens, após 65 anos, são constipados.
soas normais, em várias amostras da população geral, evacua ~ interessante ressaltar que isso não representa uma conse-
1 vez/dia, e raramente alguém evacua menos de 5 vezes/sema- quência fisiológica do envelhecimento. A etiologia nestes casos
na. Entretanto, essa frequência pode ser alterada por inúmeros é multifatorial, incluindo comorbidades, diminuição da moti·
fatores, tais como cultura, hábitos alimentares, atividade fisica, !idade, defecação e medicamentos.
educação e fatores emocionais. .,.. SEXO. Meninos em geral apresentam maior incidência do
Uma maneira prática de se avaliarem não só as característi- que meninas. Essa situação se inverte na idade adulta, sendo
cas das fezes, mas também a correlação com o tempo de trân- até duas vezes mais frequente na mulher.
sito, é a utili.zação da Escala de Brístol para o formato das fezes .,.. SEDENTARISMO. Pessoas sedentárias têm maior dificuldade
(Figura 39.1). para evacuar e o fazem com menor frequência.

• EPIDEMIOLOGIA • ETIOPATOGENIA
A constipação intestinal é um dos sintomas mais comuns Do ponto de vista etlopatogênico, podemos classificar a
em Medicina. Constitui a segunda queixa mais frequente na constipação intestinal em três grupos:
gastrenterologia atrás apenas da dor abdominal. Entretanto, • primária;
devido às dificuldades para definir exatamente o que é hábito • secundária ou orgânica;
intestinal normal, toma-se muito dificil, também, avaliar a in- • idiopática ou funcional.
cidência real. Em inquérito realizado em um hospital geral, en-
volvendo grande número de pacientes, somente 3896 disseram
nunca terem tido constipação intestinal Estudos epidemioló- • Constipação intestinal primária
Também chamada de constipação intestinal simples, é aque-
la provocada por situações inerentes aos hábitos de vida do pa-
ciente ou por outras circunstâncias, geralmente banais (Qua-
Trtns~o ltnlo
dro 39.1). Neste caso, a anatomia do órgão está preservada.
Ex. 100 h
Tipo1
Pedaços saparadoo, o o o • lngesta alimentar inadequada
duros como amendoins
0 o o
A anamnese cuidadosa de pacientes constipados que não
Forma de salsicha, mas
Tipo2 segmentada apresentam causa orgânica revela ingesta reduzida de fibras, ou
Forma do salalcha com
Tipo 3 fissuras superficiais
Forma de salsicha ou
Tipo4 cobra lisa • mole T
TipoS
Pedaços moles, mas
eontornos nítidos
Quadro 39.1 Hábitos de vida que proVO<am constipação
Pedaços fofos •
Tipo6 eontornos as.garçados lngesta alimentar inadequllda
Aquo.a., sem pedaços Sedentarismo
Tipo 7 oólldos Gravidez
Trtnslto rtpklo Perda do reftexo da evacuaçJo
Ex" 10 h
Postura
Víagens
Figura 39.1 Escala de Bristol para o formato das fezes. Adaptada de Pouca disponibilidade de sanitários
Heaton, tiMI et ai.. 1992.
Copftulo 39 I Constipação Intestinal e Fecolomo 431

até mesmo desnutrição, em 90% dos casos. Como sabemos, a cossociais. As situações mais frequentes são: doenças do cólon,
presença de fibras vegetais na dieta acelera o trânsito colorretal, doenças neurológicas, distúrbios endócrinos, medicamentos e
aumenta o peso das fezes e a frequência das evacuações. distúrbios psiquiátricos.
Além da dieta pobre em fibras, é frequente a ingesta de quan-
tidade inadequada de líquidos. • Doençasdocólon
Qualquer condição que provoque estreitamento anatômico
• Sedentarismo ou bloqueio mecânico do lúmen intestinal pode produzir cons-
A vida sedentária, em si, não constitui fator importante na tipação intestinal. As principais enfermidades responsáveis por
etiopatogenia da constipação intestinal. Em estudo realizado essa situação estão listadas no Quadro 39.2. Devemos lembrar
nos EUA, demonstrou-se que a frequência das evacuações não sempre que a constipação intestinal, sobretudo se acompanha-
é influenciada por exercícios físicos. Entretanto, a inatividade da de hemorragia, pode ser o primeiro sintoma de câncer do
física, notadamente nos idosos, associada à postura antifisio- cólon ou do reto.
lógica para defecar, colabora para a ocorrência de constipação As lesões extraluminais e, em certos casos, até extraintes-
intestinal. Além disso, os músculos diafragmáticos, abdominais tinais, como cistos ovarianos, miomas, tumores da próstata,
e pélvicos atuam na fase expulsiva da evacuação, e a inatividade dependendo do tamanho, podem ocasionar constipação intes-
física debilita esses músculos. tinal por compressão extrínseca, ao passo que hérnias, vólvulos
e invaginação o fazem por obstrução intestinal.
• Gravidez As lesões luminais em geral ocupam espaço, reduzindo a luz
A mulher grávida pode ficar constipada por dois motivos: do órgão, produzindo, dessa forma, constipação intestinal.
alterações hormonais e compressão extrínseca que o útero gra- O dolicocólon é uma alteração muito frequente, podendo
vídico faz sobre o intestino. atingir 14% dos indivíduos adultos. Caracteriza-se pelo alon-
gamento do intestino grosso, especialmente do cólon esquerdo
• Perda doreflexo da evacuação e sigmoide. Nem sempre apresenta sintomas e, em geral, cons-
A manutenção da continência dos esfíncteres anais interno titui achado radiológico.
e externo é complexa e de grande importância, pois permite ao A doença diverticular, embora muito frequente, sobretu-
indivíduo controlar a evacuação, contraindo voluntariamente do nos indivíduos acima de 60 anos, é assintomática. Não só
esses esfíncteres, e, portanto, defecar em hora e local adequa- a doença diverticular em si, mas também suas complicações
dos. Algumas pessoas condicionam o ato de defecar a rituais os
mais diversos, entre eles: ingerir água ou café em jejum; fumar
logo ao se levantar; ler jornais ou revistas etc. Entretanto, na
maioria das pessoas, o desejo de evacuar ocorre após a primeira - 't"-
refeição do dia, podendo se repetir após as outras refeições. E Quadro 39.2 Doenças do cólon associadas à constipação
o chamado reflexo gastrocólico. Estudos recentes de fisiologia
demonstraram que o bloqueio voluntário e repetido do desejo Extraluminais
de evacuar provoca alterações, por vezes definitivas, nos me- Tumores
canismos sensoriais, de tal forma que a chegada de mais fezes • V61vulos crônicos
• Hérnias
no reto não é capaz de provocar o desejo de evacuar.
Em pacientes com a síndrome do cólon irritável, podem Luminais
ocorrer alterações do limiar de sensibilidade à pressão provo- Tumores
Estenoses
cada pela distensão reta!, e, portanto, eles apresentam hipoati- Diverticulite
vidade do reflexo da defecação. Unf09ranuloma venéreo
Sifilis
• Posição Tuberculose
Colite isquémica
A posição ereta adotada pelo homem na sua evolução reduziu a Endometriose
velocidade de progressão do bolo alimentar, devido às angulações Cirurgias
formadas no estômago e alças intestinais, através dos ligamentos
e flexuras, que funcionam como um obstáculo mecânico. Alterações da MuKulatura e da lnervação
Dolicoc61on
Miopatia visceral familial
• Viagens Doença diverticular
Durante viagens, é comum a mudança do hábito intestinal, Distrofia miotõnica
consequente à alteração na dieta habitual e no hábito evacua- Distrofia muscular de Duchenne
Dermatomiosite
tório do indivíduo. Entretanto, essa situação geralmente é tran- Amiloidose
sitória, normalizando-se com a volta à rotina
Lesões do reto
Prolapso interno do reto
• Pouca disponibilidade de sanitários Retocele
A inexistência de locais adequados para defecar pode inibir Proctite ulcerativa
o reflexo da evacuação. Geralmente, ocorre com crianças em Tumores
idade escolar ou com pessoas que trabalham em locais públicos, Estenose anorretal
com sanitários anti-higiênicos. TriadedeCurralino ~ Tumor pré-sacra I
Deformidade do sacro
Lesões do canal anal
• Constipação intestinal secundária Estenoses
Fissura anal
Neste caso, a constipação intestinal é ocasionada por uma • Prolapso da mucosa anal
doença sistêmica, por iatrogenia ou, então, por problemas psi-
432 Capftulo 39 I Constipação Intestinal e Fecaloma

podem produzir constipação intestinal por estase intestinal, T-


decorrente da hipertrofia da musculatura do cólon ou de pro- Quadro 39.4 Doenças endócrinas emetabólicas quegeram constipação
cessos inflamatórios. intestinal
Certos tipos de enfermidades neuromusculares, tais como
miopatias, distrofias e doenças escleroatróficas, podem aco- Endócrinas Metabólicas
meter as estruturas da parede colônica e ser responsáveis por
Hipotireoidismo Hipercalcemia
constipação intestinal. Felizmente, tais doenças são raras.
Qualquer lesão, quer seja do reto ou do ânus, que provoque Pseudo-hipoparatireoidismo Hipopotassemia

dor durante a evacuação pode gerar obstipação, pois a pessoa Feocromocitoma Acidose
evita evacuar. Se esse bloqueio voluntário do reflexo da evacu- Glucagonoma Desidratação
ação se prolonga, pode condicionar o individuo a não evacuar. Diabetes Uremia
As lesões que mais frequentemente ocasionam esse problema
são abscessos, fissuras, prolapsos, retocele e tumores. Em algu-
mas circunstâncias, pode ocorrer estenose anorretal, sobretudo
após operações nessa região, dificultando a evacuação.
acometidos tornam-se atônicos e muito dilatados. Pode ocor-
• Doenças neurológicas rer acúmulo de material fecal em todo o cólon. Há casos de
As lesões do sistema nervoso, tanto central quanto peri- pacientes que passam 20 ou mais dias sem evacuar.
férico (Quadro 39.3), frequentemente produzem constipação Inúmeras lesões do sistema nervoso central ou medul ar po-
intestinal. dem evoluir com obstipação intestinal. Quando a lesão é central,
O Hirschsprungé uma afecção congênita caracterizada pela a constipação intestinal se deve ao comprometimento do siste-
ausência, ou redução, dos plexos nervosos em determinados ma neuromotor intestinal. Já nas lesões medulares, a magnitude
segmentos do intestino. A região afetada torna-se espástica, do problema está na dependência do segmento acometido.
acarretando estenose funcional. A ausência de inervação in-
terrompe o estímulo nervoso nesse segmento. Essa doença é • Distúrbios endócrinos emetabólicos
responsável por 1/3 dos casos de obstrução intestinal neonatal. Constipação intestinal pode ser a queixa principal de inúme-
A forma localizada no cólon e no reto é mais comum na infân- ros distúrbios endócrinos e metabólicos (Quadro 39.4). Assim,
cia, mas, em alguns casos, pode se apresentar após a segunda pacientes com pseudo-hipoparatireoidismo apresentam, em
década de vida, apesar de ser congênita. geral, constipação intestinal grave como único sintoma, que
Tanto a diminuição quanto o aumento da concentração desaparece com a normalização da calcernia. Constitui, tam-
neuronal no intestino (hipo e hiperganglionose) podem cau- bém, queixa frequente nos casos de infiltração m ixedematosa,
sar constipação intestinal. Em geral, constituem situações de feocromocitoma e glucagonoma. Cerca de 15% dos diabéticos
dificil diagnóstico, pois não conhecemos a concentração neu- são constipados. Nesse caso, o mecanismo provável é a neuro-
ronal normal. Em algumas situações, o número de neurônios patia autonôrnica.
é normal, mas sua função é ineficaz. Os distúrbios metabólicos geram, quase sempre, uma dimi-
Muitos casos de constipação intestinal nos quais não se en- nuição de água no organismo, além de redução no peristaltis-
contra uma causa evidente podem ser devidos à neuropatia mo. Dessa forma, evoluem com obstipação intestinaL
autonômica, isto é, alterações do sistema nervoso autônomo.
Não sabemos se as alterações neuronais, nesses casos, são cau- • Medicamentos
sas ou consequências da constipação intestinal. O diagnóstico Um grande número de drogas, por diversos mecanismos,
é sempre muito dificil. pode induzir a constipação intestinal (Quadro 39.5). Até mesmo
A doença de Chagas constitui uma das causas mais frequen-

·-
tes de constipação intestinal em nosso meio. Caracteriza-se
por destruição dos plexos neuronais da musculatura lisa do
intestino, especialmente o plexo de Auerbach. Os segmentos
Quadro 39.5 Drogas que induzem constipação

Analgésicos
T- Anestésicos
Quadro 39.3 Constipação de origem neurogênica Antiácidos (à base de cálcio e alumínio)
Antiarrítmicos
Periférica
Anticolinérgicos
Doença de Hirschsprung
Antidepressivos
Hipo ou hiperganglionose
• Neuropatia autonômica Anti-hipertensivos
• Doença de Chagas Antiparkinsonianos
Bismuto
Central (Cerebral e Medular)
Bloqueadores ganglionares
Tumores
Acidente vascular cerebral Diuréticos
Parkinson Hematínicos (especialmente à base de ferro)
Tabes dorsotis lnibidores da MAO
Esclerose múltipla
Intoxicação por metais pesados
Trauma raquimedular
Opiáceos
Tumor da cauda equina
Meningocele Parassimpaticolíticos
Copftulo 39 I Constipaçã o In test inal e Feco lomo 433

o uso abusivo de laxativos tem sido implicado como causador de


constipação intestinal orgânica, presumivelmente por lesar as
estruturas nervosas do cólon. Entretanto, estudos a esse respeito
são ret rospectivos, e, portanto, as conclusões são discutíveis.

• Distúrbios psiquiátricos
Pacientes que sofrem de depressão, ansiedade e, sobretudo,
aqueles com distúrbios psiquiátricos mais sérios (psicose, neu-
rose, anorexia nervosa, entre outros) geralmente apresentam,
entre suas queixas, constipação intestinal. Nesses casos, é pre-
ciso atenção especial, pois, muitas vezes, a queixa é constipação
intestinal, mas, na verdade, o paciente não se sente satisfeito
com a evacuação, quer seja quanto ao volume de fezes, quer
seja na consistência, ou até mesmo na sensação da evacuação
em si.
Muitas vezes, são pacientes fóbicos e, nas suas fantasias,
creem ser portadores de grave doença intestinal.
Nos pacientes com anorexia nervosa, a reduzida ingesta de
água e alimentos é a causa da constipação intestinal. Na sín-
drome do cólon irritável, com predomínio de constipação in-
testinal, não existe correlação entre as queixas subjetivas e os
exames objetivos. Esses pacientes apresentam, quase sempre,
um distúrbio de sensibilidade visceral e, consequentemente, to-
leram mal qualquer distensão do cólon. Além disso, geralmen-
te ocorrem alterações motoras em todo o trato gastrintestinal,
mediado pelo sistema nervoso central.

• Constipação intestinal idiopática ou funcional Figura 39.2 Constipação intestinal com trânsito lento. Retenção dos
marcadores 5 dias após a sua ingestão. Baseada em Santos. Sl et ai.
Nesta situação, não há nenhuma alteração estrutural ou me- Braz. J. Med Bio/. Res., 2000.
tabólica, nem qualquer alteração na rotina diária do paciente
que possa justificar o sintoma. Geralmente, o problema é crô-
nico, muitas situações remontam à infância, e responde mal ao
tratamento convencional. Do ponto de vista fisiopatológico, • Defecação dissinérgica ouobstrutiva
pode ser dividida em três subgrupos:
Nesta situação, existe urna falência do mecanismo de co-
• constipação intestinal com trânsito normal; ordenação da evacuação. Este defeito funcional tem recebido
• constipação intestinal com trânsito lento; vários nomes: obstrução da via de saída, defecação obstrutiva,
• obstrução anorretal. disquesia anorretal, anismus; dissinergia do assoalho pélvico.
Esta pletora de nomes expressa o nosso desconhecimento dos
Estudo envolvendo 1.000 ou 1.009 pacientes constipados
mecanismos envolvidos neste importante distúrbio. Do ponto
revelou que 59% apresentavam trânsito intestinal normal; 25%,
de vista prático, o que ocorre é uma contração da musculatura
disfunção pélvica; 13%, trânsito lento; 3%, ambos (trânsito len-
da pelve, em vez de relaxamento, durante a evacuação, resul-
to e disfunção).
tando em acúmulo do bolo fecal na região retossigmoidiana
(Figura 39.3).
• Constipação intestinal comtrânsito normal
Em algumas ocasiões, podem-se observar os dois mecanis-
~ a forma mais comum na prática clínica. Neste caso, o
mos em um mesmo paciente, notadamente em conjunto com
trânsito colônico e a frequência das evacuações são normais.
a síndrome do intestino irritável. A presença de constipação
Entretanto, os pacientes consideram-se constipados. Sentem
intestinal com dor sugere esta possibilidade.
dificuldade para evacuar e/ou apresentam fezes endurecidas.

• Constipação intestinal com trânsito lento • Outros distúrbios da evacuação relacionados


Também chamada inércia colônica, caracteriza-se por um
prolongado tempo n o trânsito das fezes através do cólon.
com a constipação intestinal
Esta lentidão do trânsito pode ser devida a uma disfunção da • Incontinência fecal e encoprese
musculatura colônica (rniopatia), ou na inervação intrínseca A perda involuntária de fezes em crianças incomoda muito
(neuropatia). Estas alterações acarretarão uma diminuição na não só as crianças, mas principalmente os pais, que, por isso,
peristalse normal, em decorrência de uma redução no número e buscam auxílio médico. Algumas vezes, o problema é decor-
amplitude das contrações que são responsáveis pelo movimento rente de constipação intestinal. O termo encoprese deve serre-
de massa. A ausência ou diminuição destes movimentos resulta servado para a perda involuntária de fezes inteiras na roupa
em prolongada permanência do bolo fecal no interior do cólon, íntima, ao passo que incontinência fecal refere-se a perdas de
sobretudo ascendente (Figura 39.2). Outro mecanismo possível pequenas quantidades de fezes, geralmente líquidas ou pasto-
é a in coordenação da atividade motora no cólon distai, acarre- sas. Não existe distinção clara, em termos de fisiopatologia, en-
tando uma barreira ou resistência ao trânsito normal. tre as duas situações. Pela definição, encoprese provavelmente
434 Capftulo 39 I Constipação Intestinal e Fecaloma

pação intestinal devido a doenças congênitas, tais como Hirs-


chsprung, meningocele etc., o sintoma existe, em geral, desde
o nascimento. Constipação intestinal de início recente sugere
doença orgânica, e, nesse caso, devem-se ter sempre em mente
patologias malignas. História de sintomas há mais de 2 anos
é mais tranquilizadora. Algumas vezes, o inicio dos sintomas
coincide com problemas emocionais. Indagar sempre sobre
os hábitos alimentares, incluindo a qualidade e a quantidade
de alimentos consumidos no dia a dia. Verificar, também, se o
paciente pratica esportes, e com que frequência.
Pacientes constipados apresentam, conforme mencionado,
uma constelação de sintomas que incluem: sensação de eva-
cuação incompleta, necessidade de esforço para evacuar; fezes
endurecidas, às vezes cíbalos; necessidade de manobras manuais
para facilitar a evacuação. Além disso, referem diminuição na
frequência das evacuações (em geral, menos de 3 evacuações
por semana), desconforto abdominal ou reta!, meteorismo, fla-
tulência, estufamento e dor abdominal.
~ importante deixar o paciente bem à vontade para que se
consiga uma boa história, pois, frequentemente, ele sente vergo-
nha de dizer, por exemplo, que necessita de manobras manuais
de facilitação da evacuação. Solicitar ao paciente que descreva
o ato da evacuação.
Se, além da constipação intestinal, o paciente se queixa de
dor, é preciso definir claramente a sua natureza, intensidade e
locali.zação. Esta é mais comum nos quadrantes inferiores do
abdome e pode ser consequente à distensão dos cólons por gases
Figura 39.3 Constipação intestinal dissinérgica. Retenção do contraste ou por contrações prolongadas. Outras vezes, a dor localiza-se
no sigmoide 5 dias após sua ingestão. Baseada em Santos. SL et aLBraz.
J. Med. 8ial Res.• 2000. nos hipocôndrios, com intensidade branda, quase constante.
Frequentemente, melhora com a evacuação ou com a elimi-
nação de gases.
Em alguns casos de constipação intestinal crônica, o paciente
não se relaciona à constipação intestinal. Em uma investigação apresenta queixas gerais, como cefaleia, irritabilidade, distensão
envolvendo um grande número de crianças com incontinên- abdominal, anorexia, desânimo, entre outras.
cia fecal, quase todas apresentavam constipação intestinal e, A utilização da Escala de Brístol fornece importantes infor-
frequentemente, eliminavam fezes tão duras e de calibre tão mações sobre o formato e a consistência das fezes e correlacio-
grosso que necessitavam ser quebradas antes de se dar descar- na-se muito bem com o tempo de trânsito intestinal.
ga no vaso sanitário.
• Exame físico
• Abuso sexual e constipação intestinal Embora frequentemente normal, um minucioso exame fisi-
Metade das mulheres com distúrbios funcionais do aparelho co, incluindo exame neurológico, deve ser sempre realizado no
digestivo é, ou foi, vítima de abuso sexual. Embora o diagnóstico sentido de excluir doença orgânica que possa ser responsável
mais comum nesses casos seja de cólon irritável, o sintoma pre- pela constipação intestinal. A boca deve ser examinada, verifi-
dominante é a constipação intestinaL Cerca de 20% das crianças cando-se o estado dos dentes e buscando-se lesões na cavidade
submetidas a abuso sexual são levadas ao médico não por essa oral que possam interferir com a alimentação.
razão, mas por dor abdominal e constipação intestinal. O exame do abdome pode revelar distensão, hérnias, massas
palpáveis ou sinais de fecaloma. Este deve ser pesquisado em
todo paciente constipado, inclusive naqueles com incontinência
• DIAGNOSTICO fecal. Mais de 20% das crianças portadoras desse sintoma apre-
sentam fecaloma e geralmente estão tomando antidiarreicos.
O estudo diagnóstico de pacientes portadores de constipação O toque reta!, portanto, não pode ser omitido.
intestinal deve ser realizado em três planos: A ausência de sensações cutâneas ao redor do ânus pode
• orgânico; indicar lesão neurológica. A inspeção da região perianal per-
• funcional; m ite identificar escoriações na pele, hemorroidas, fistulas, fis-
• psicológico. suras, doenças sexualmente transmissíveis, e, em crianças com
incontinência fecal, procurar sempre trauma consequente a
abuso sexual.
• Avaliação orgânica O toque reta! fornece informações sobre o tônus dos esfinc-
• Quadro clínico teres, o calibre do canal anal e a presença de lesões como abs-
A anamnese cuidadosa, como em toda a Gastrenterologia, cessos, tumores e fistulas. ~ possível, ainda, através do toque,
é fundamental. O ponto-chave da história é saber a respeito avaliar estruturas extrarretais, como a próstata, no homem, e
do início dos sintomas. Nos pacientes que apresentam consti- o colo do útero, na mulher.
Copftulo 39 I Constipação Intestinal e Fecolomo 435

• Exames bioquímicos e microbiológicos uma vez que as informações fornecidas pelo paciente não são
A escolha de qual ou quais exames realizar depende da ava- acuradas.
liação clínica meticulosa de cada caso, tendo sempre em mente Várias técnicas têm sido descritas, entretanto a mais usada
a exclusão de doenças orgânicas. Nesse sentido, o hemograma, consiste na administração, por via oral, de um marcador radio-
a determinação de glicemia em jejum e testes para avaliar a fim- paco (cápsulas contendo bário, pedaços de sonda nasogástrica
ção da tireoide devem ser realizados rotineiramente. Devido radiopaca etc.). Seguem-se radiografias seriadas diariamente.
à frequente associação entre constipação intestinal e infecção Em geral, considera-se patológica a retenção de 20% do contras-
do trato urinário, exame do sedimento urinário e urocultura te ao final do 5° dia. Nesse período, o paciente não poderá usar
também devem fazer parte da rotina. laxativos, e sua dieta deverá ser a habitual. Para maior precisão,
basta conhecer o número de marcadores ingeridos e realizar a
• Retossigmoidoscopia contagem daqueles recuperados nas fezes durante os 5 dias.
Observação da mucosa reta! através da retossigmoidoscopia Este estudo poderâ revelar um de três padrões (Figura 39.4):
é indicada com o intuito de afastar doenças orgânicas. Pode ser .,. , . - TRANSITO NORMAL. Quando, ao final do 5° dia, restaram
realizada tanto com aparelho flexível quanto com rígido. Este menos de 20% dos marcadores no cólon.
último tem a vantagem de não necessitar de insuflação de ar e ... P - TRANSITO LENTO OU INtRCIA COL6NJCA. Observam-se, após
permitir demonstrar prolapso reta! interno. o 5° dia, mais de 20% dos marcadores espalhados pelo cólon
ou concentrados no cólon ascendente.
• Colonoscopia "" P-PADRAOOBSTRUTIVO. Retenção de mais de 20% dos mar-
Poderá ser necessária naqueles casos em que se suspeita de cadores na região retossigmoidiana com um trânsito pratica-
malignidade. mente normal no restante do cólon.
Dois terços dos pacientes com dissinergia anorretal podem
• Exames radiológicos exibir um padrão misto, isto é, trânsito lento e padrão obstru-
• Enemo opaco tivo simultâneos.
Na constipação intestinal de aparecimento recente, o enema Quando disponível, a cintigrafia colônica também constitui
opaco é obrigatório, no sentido de afastar a possibilidade de um um bom método para avaliar o tempo de trânsito.
carcinoma. Nos casos crônicos, permite avaliar o tamanho do
intestino, a presença ou não de divertículos, megacólon, este- • Manometria anorretal
noses, entre outros achados. Ultimamente, vem sendo progres- Existem várias técnicas para medir a pressão na região anor-
sivamente substituído pela colonoscopia. retal. Embora qualitativamente os resultados obtidos com as
várias técnicas sejam superponíveis, há necessidade de padro-
• fNfecografio nização. Na prática, a principal indicação desse exame restrin-
Nos últimos anos, a defecografia vem sendo realizada com ge-se à diferenciação entre constipação intestinal idiopática e
muita frequência. Esse exame permite avaliar a anatomia e a doença de Hirschsprung, nas quais nem a radiologia nem a
dinâmica da evacuação. A técnica do exame varia entre os dife- histopatologia chegaram a uma conclusão.
rentes centros, mas, de uma maneira geral, usam-se 150 mede
uma pasta espessa de bário, imitando a consistência das fezes. • Eletromiografia do cólon
Isso pode ser facilmente conseguido adicionando-se ao bário ce- O registro da atividade elétrica do cólon fornece elementos
lulose, ou batata cozida amassada. O exame permite diagnosticar importantes a respeito da fisiopatologia da constipação intes-
prolapso reta!, enterocele, prolapso de mucosa, peritoniocele, tinal. Contudo, do ponto de vista prático, é muito trabalhoso.
retocele, queda do perlneo e reação paradoxal do esfincter, e A maneira mais adequada de realizar esse exame consiste na
ainda permite estudar o esvaziamento do reto e do canal anal. introdução de eletrodos na forma de anel, via colonoscopia.
O formato dos eletrodos permite captar os sinais pelo simples
• Avaliação funcional contato com a parede intestinal.

• Determinação do tempo detrânsito colônico • Eletromiografia do esfíncter anal


O estudo do tempo de trânsito colônico permite ao médico Pode ser realizada utilizando-se eletrodo em agulhas, per-
entender melhor o movimento do bolo fecal através do cólon, mitindo detecção de dissinergia em um músculo isoladamente.

Figura 39.4 Padrões de trânsito intestinal.


436 Capitulo 39 I CanstlpaçiJa Intest inal e Fecaloma

Através desse método, é possível investigar também o reflexo fisico que se estabelece a relação médico-paciente. Em geral,
entre a pele perineal e a musculatura pélvica, determinando a são pacientes com alto grau de frustração, pois já ouviram que
integridade da inervação proveniente da cauda equina. não estão doentes, ou que seu problema é psicológico, ou então
que nada pode ser feito. Devemos lembrar que doenças funcio-
• Avaliação dinâmica da evacuação nais não significam que não haja doença. A melhor conduta é
Pode ser feita através da defecografia (como descrito ante- fazer um diagnóstico positivo, mostrando que algo está errado,
riormente), ou, então, pelo teste de expulsão de balão. Consiste e relacionar isso à avaliação funcional. Dessa forma, é possível
na introdução de um balão de silicone, com formato de fezes, conseguir uma aliança tera~utica com o paciente.
preenchido com 50 mt de água morna VR e na observação da
din!mica da evacuação enquanto o paciente evacua o balão. • Orientações gerais ao paciente
Permite avaliar o comprimento e a pressão de abertura doca- Chamar a atenção para eventos que induzam constipação
nal anal e, ainda, estudar o ângulo anorretal. intestinaL
• necessidade de aderência ao tratamento;
• Avaliaçãopsicológica • atentar para a variabilidade das funções intestinais, e que
Devemos lembrar sempre que o cólon está dentro de uma não é obrigatório evacuar diariamente;
pessoa. Nesse sentido, é necessário levar em conta os elementos • importância de se estabelecer uma rotina evacuatória;
imaginários que o paciente tem de sua configuração corporaL • investigar causas especificas de constipação intestinal e
Constipação intestinal não é somente a evacuação pouco fre- tratá-las;
quente e/ou com fezes duras, mas, também, a sensação subjetiva • esclarecer sobre o abuso e o uso inadequado de laxa-
que o paciente apresenta. O constipado com frequência passa tivos.
de médico a médico, pois nem sempre aceita realizar os exames
propostos. gerando frustração, desprazer ou mesmo raiva no • Reeducação dos hábitos evacuatórios - Rituallzar a defecação
médico, e rompendo a relação médico-paciente. Procurar manter um horário para evacuar, de preferência
1?. essencial obter uma história de vida do paciente, no sen- após uma refeição. Procurar defecar ainda que não tenha desejo.
tido de detectar "traumas emocionais" e conflitos não resol- Com o passar do tempo, torna-se um reflexo condicionado. Essa
vidos. medida isoladamente é tão eficaz quanto o uso de laxantes.
Aqueles que querem ser rigorosos podem lançar mão de Sempre que possível, não deixar de atender ao desejo de
testes psicológicos, mas, na prática, de um modo geral, os pa- evacuar.
cientes constipados não aceitam bem a ideia de que seus pro- Adequar a ingestão de líquidos, procurando beber pelo me-
blemas possam ter origem emocional. nos 1 l de água por dia.
B necessário atenção especial para detectar ocorrência de Postura no vaso sanitário. Infelizmente, a modernidade e
abuso sexual, notadamente na i.nftncia e adolescência. comodidade dos vasos sanitários atuais nos tiraram da posição
ideal para evacuar (de cócoras) para uma posição sentada, pou-
co fisiológica. Nos casos mais graves, pode-se lançar mão de um
• TRATAMENTO tablado ou qualquer outro artificio que eleve os pés e, mesmo
no vaso sanitário, conseguir uma posição mais fisiológica.
Não existe nenhum medicamento ou esquema terapêutico Tratar as afecções anorretais (hemorroidas, fissuras, fistulas,
único para todos os pacientes ou situações. A melhor estraté- retocele etc.), quando existirem.
gia é personalizar o tratamento, levando-se em conta a história Praticar exercícios fisicos regularmente, sobretudo os abdo-
dinica, a causa e aspectos emocionais. minais. Essa medida visa a reforçar o diafragma e a musculatura
abdominal, que participam ativamente no processo da eva-
cuação.
• Medidasgerais Coibir o uso abusivo de laxantes, especialmente os drás-
O tratamento baseia-se em melhorar os sintomas, sempre ticos.
que possível atuando nos mecanismos fisiológicos que regu-
lam as funções do trato gastrintestinal. Não existe nenhum es- • Aumento da ingestão de fibras
tudo controlado sobre qualquer tipo de tratamento, levando- O aumento do teor de fibras na dieta deve ser sempre in-
se em conta a história natural da constipação intestinaL Para centivado, notadamente naqueles pacientes em quem a cons-
se ter uma ideia da importância desse fato, em uma série de tipação intestinal não tem uma causa evidente. Isso pode ser
200 pacientes com queixas abdominais tidas como funcionais, conseguido através da utilização de alimentos ricos em fibras
34 tinham a constipação intestinal como sintoma. Somente um como farelo de trigo, verduras, frutas e leguminosos. Algumas
tornou-se assintomático após 2 anos de seguimento. vezes, podem-se adicionar à dieta libras medicinais naturais
Dentre as medidas gerais, destacam-se: como psllio, plantago e sene, e fibras sintéticas representadas
pela policarbofila.
• Relação médico-paciente As fibras dietéticas estão disponíveis em diversas fontes
O tratamento começa no momento exato em que o paciente naturais, como: frutas, vegetais e cereais. Do ponto de vista
entra no consultório pela primeira vez. Cerca de 80% têm as nutricional, são melhores do que os suplementos com libras
mãos frias e úmidas e, quase sempre, um abdome doloroso e o purificados. Por outro lado, aconselhar os pacientes a come-
cólon palpável. Cicatrizes abdominais são quase sempre uma rem mais frutas, vegetais e cereais frequentemente é perda de
regra. Devemos prestar muita atenção na comunicação não tempo, pois a maioria deles não segue esta orientação, ou, se o
verbal. Geralmente, apresentam comportamento e expressões faz, é por pouco tempo. Quando se prescrevem suplementos de
inapropriados, com preocup~ que não correspondem às fibras industrializados, a aderência dos pacientes é maior. As
e
expressões faciais e corporais. durante a anamnese e o exame fibras podem ser solúveis ou insolúveis. As primeiras consis-
Capi tulo 39 I Constipação Intestinal e Fecaloma 437
tem em pectinas, gomas e algumas hemiceluloses insolúveis
em água; são encontradas na aveia, cevada, em legumes e al-
. ----
Quadro 39.6 Conteúdo de fibras de alguns vegetais,
guns vegetais e frutas, metabolizadas pelas bactérias do cólon, frutas e cereais
formando um gellubrificante que é incorporado ao bolo fecal,
amaciando-o e facilitando a sua progressão. Yeg~bb Porçio Flbru(g)
As fibras insolúveis são constituídas de celulose, ligninas e
Alface 1 xícara 0,9
algumas hemiceluloses. As principais fontes destas fibras são
grãos integrais (trigo, cereais, arroz), nozes, sementes e vege- Aspargos 1n xícara 1,0
tais. Atuam retendo água, aumentando o volume e o peso do Batata 1 (média) 2,5
bolo fecal. Estimulam a motilidade e aumentam o tempo de Brócolis 1n xlcara 2,2
trânsito intestinal. Cenoura 1n xícara 2.3
Historicamente, a Revolução Industrial trouxe enormes be- Couve 1nxícara 1.~
nefícios, permitindo uma maior conservação dos alimentos,
Couve·flor In xícara 1,1
mas, em contrapartida, deixou-os desprovidos de fibras. Es-
Espinafre 1n xícara 2,1
tudos realizados no Reino Unido demonstraram que o peso
médio das fezes dos ingleses foi de 150 gramas nas 24 h, com- Repolho 1/2 xícara 1,4
parado a 450 gramas nos indianos (que têm uma dieta basica- Tomate 1 (médio) 1.5
mente vegetal). Vagem 1n xícara 1,6
Dados recentes obtidos por metanálise permitem afirmar
que a dieta rica em fibras não constitui uma panaceia no tra- Frvw Porçio Flbru (g)
tamento da constipação intestinal. Em alguns casos, pode até Abacaxi ln xfcara 1,1
mesmo piorar os sintomas. Pacientes que são constipados desde Ameixa fresca 5 unidades 0,9
o nascimento e aqueles que apresentam inércia colônica ou dis-
Banana 1 (média) 2.4
função do assoalho pélvico em geral não respondem à dieta.
Ao contrário do que se pensava até recentemente, a eficiên- laranja 1 (média) 2,6
cia da dieta de fibra deve-se não ao estimulo meclnico de dis- Maçã (com casca) 1 (média) 3.5
tensão, mas sim aos estimulos quimicos, através da liberação Maçã (sem casca) 1 (média) 2.7
de ácidos graxos voláteis, como acético, butirico e propiônico, Mamilo 1 fatia média 1,2
enquanto o gás carbônico, o hidrogênio e o metano produum Uva passa 1nxícara 3,1
amolecimento das fezes.
Dos alimentos ricos em fibras, o farelo de trigo é o que tem Cereais, phs e musu Porçlo Flbru (g)
o maior poder de aumentar o peso fecal. Para se ter uma ideia, Arroz branco 1n xícara 0,2
esse aumento, no caso do farelo, é de 127%; no do repolho,
Arroz integral 1n xícara 1,0
60%; no da cenoura, 59%; e no da maçã, 40%. O ideal é reco-
mendar uma dieta com diferentes tipos e teores de fibras, esti- Massas com trigo Integral 1 xícara 3,9
mulando sempre o uso de farelo de trigo, trigo integral, além Massas em geral 1 xícara 1,0
de frutas, verduras e cereais, preferentemente crus e, se possí- Pão branco 100g 0,2
vel, com casca, perfazendo um total de 30 gramas de fibras por Pão integral 100g 1,5
dia. No Quadro 39.6, encontra-se relacionado o teor de fibras
dos principais alimentos. Alguns pacientes queixam-se de pro- Modificado do: Ponto.. JF &Frelta .. JA. 1985.
dução excessiva de gases e distensão abdominal com o uso de
fibras. Para amenizar estes efeitos, aconselhamos iniciar com
doses subterapêuticas, aumentando o teor, semanalmente, até
atingir o efeito ideal.
Quando o paciente não tolera o aumento de fibras natu-
rais na dieta, pode-se lançar mão das fibras medicinais ou das
...
sintéticas. Quadro 39.7 Classíficação dos laxativos e principais
substâncias laxativas
• Abordagem farmacológica

<
Agar·ágar
Infelizmente, o uso de laxativos tornou-se popular em nos-
so meio, sustentado por propagandas na mídia que, de ma- Metilcelulose
neira impune, divulgam beneficios cosméticos e de bem-estar Formadores de massa carboximetilcelulose
provocados por laxativos; às vezes, em situações indevidas, até Sementes de plantago
mesmo por orientação médica, acarretando significantes ma- Farelo de trigo
lefícios ao paciente. Fórmulas magistrais e "pOulas mágicas• Emolientes ou surfactantes - -Sulfato ou docusato de sódio
para tratar constipação intestinal são vendidas livremente nas lubrificantes óleo mineral ou parafina lfqulda
farmácias, na maioria das vezes orientadas pelos balconistas, Salinos---- - - - - Sais de magnésio ou sódio
que não têm noção alguma dos efeitos deletérios daquilo que
estão comercializando.
Se as medidas gerais juntamente com a dieta não alcança-
rem efeitos satisfatórios, torna-se necessária a prescrição de
agentes laxativos. Para esse fim, existem inúmeras substâncias
com diferentes mecanismos de ação (Quadro 39.7). Ao pres-
438 Capftulo 39 I Constipação Intestinal e Fecaloma

crever laxantes, deve-se respeitar a tolerância e a preferência no lúmen intestinal e atuam estimulando o plexo nervoso. Seu
do paciente. uso indiscriminado e a longo prazo pode lesar definitivamente
Os agentes formadores de massa, como o próprio nome os plexos, provocando o chamado •cólon catártico".
indica, atuam aumentando o bolo fecal. São constituídos por Outras drogas usadas isoladamente ou em associação com
derivados da celulose e polissacarídios semissintéticos, entre laxativos têm sido testadas no tratamento da constipação in-
eles: metilcelulose, carboximetilcelulose, semente de plantago, testinal. O betanecol foi estudado em pacientes com trânsito
ágar, farelo e polfmeros sintéticos como a policarbofila. Podem colônico lento, mas sem sucesso. A cisaprida, um agonista de
exacerbar os sintomas, se a causa da constipação intestinal for 5-hidroxitriptamina, aumenta a liberação de acetilcolina sem
orgânica. De qualquer forma, são os mais indicados para o provocar efeito antidopaminérgico, incrementando dessa forma
tratamento a longo prazo. Todos os outros laxativos devem a motilidade intestinal. Em estudo duplo-cego utilizando 10 mg
ser usados apenas nos casos agudos, ou por curto período de em três tomadas diárias, demonstrou ser efetiva nos casos de
tempo, ou, ainda, quando houver necessidade de limpeza in- constipação intestinal leve, com diminuição da dor abdominal,
testinal para a realização de qualquer procedimento (exames, da distensão, da consistência das fezes e aumento da frequência
cirurgias etc.). das evacuações. Mostrou-se útil também nos pacientes porta-
As fibras sintéticas são substâncias inertes, resistentes à ação dores de constipação intestinal de origem orgânica, tais como
bacteriana. São substâncias osmoticamente ativas, com capaci- trauma raquimedular e lesões do SNC. Estudos com cintigrafia
dade hidrófila de 40 a 60 vezes o seu peso. colônica revelaram que a cisaprida melhora não só o tempo de
Os surfactantes ou emolientes são usados com o propósito trânsito no cólon, mas também a sensibilidade reta!.
de facilitar a mistura de água e gordura na massa fecal, amo-
lecendo-a. Provavelmente, dificultam a absorção de água pela • Agentes neuromusculares
mucosa intestinal. São constituídos de docusato de sódio, cál- A maioria dos medicamentos para tratar constipação intes-
cio ou potássio. Podem provocar ruptura dos epitélios gástri- tinal vem sendo utilizada desde a antiguidade, sem ser testada
co e intestinal. em estudos bem conduzidos. Na era moderna, seu uso depende
Os lubrificantes são representados pelo óleo mineral e pela mais do costume do que da ciência.
parafina lfquida. Agem lubrificando a parede intestinal e dimi- Os conhecimentos adquiridos nos últimos 20 anos acerca
nuindo a absorção de água pelo cólon. Seu uso crônico acarreta da neuroanatomia, neuroquímica e propriedades elétricas do
diminuição de absorção de vitaminas lipossolúveis. sistema nervoso entérico (SNE) vêm permitindo uma melhor
Os laxantes osmóticos incluem os salinos formados por sais compreensão da fisiopatologia da constipação intestinal e a
de magnésio ou de sódio. Praticamente, não são absorvidos e, sua manipulação farmacológica. Nesse sentido, as substâncias
com isso, produzem um fluxo osmótico de água para o lúmen mais promissoras são:
intestinal. Seu uso prolongado pode ocasionar distúrbios hidre- .,. AGONISTAS DOS RECEPTORES S·HT•. Os receptores 5-HT,
letrolíticos, sobretudo em pacientes renais crônicos. desempenham importante papel, tanto fisiológico quanto fi-
Também são laxantes osmóticos os açúcares de baixa ab- siopatológico, na regulação das funções gastrintestinais. A ati-
sorção, como: a lactulose, a lactose, o sorbitol, o manitol e a vação neural desses receptores resulta em ativação procinética
glicerina. ao longo do trato gastrintestinal (TGI). A liberação de neuro-
Estes carboidratos não absorvíveis constituem substratos transmissores a partir dos nervos entéricos resulta em aumento
para a fermentação bacteriana no cólon, resultando na produ- da contratilidade e estimulação do reflexo peristáltico. O papel
ção de hidrogênio, metano, dióxido de carbono, água, ácidos e exato dos neurotransmissores na sensibilidade víscera! ainda
ácidos graxos voláteis. Além do efeito osmótico, essas substân- é desconhecido. Várias substâncias agonistas dos receptores
cias estimulam a motilidade intestinal e a secreção de água. 5-HT, estão sendo investigadas, destacando-se o tegaserode, a
A lactose é um laxante suave e seguro para os casos de cons- prucaloprida e a renzaprida
tipação intestinal moderada. A produção de gás poderá causar O tegaserode é um agonista parcial dos receptores 5-HT, e
dor abdominal e flatulência. O sorbitol é um açúcar pouco ab- representa uma tentativa mais factível de estimulação destes
sorvível e geralmente utilizado para limpeza dos cólons. A gli- receptores com finalidade terapêutica.
cerina não pode ser utilizada por via oral, pois é prontamente Foi desenhado para mimetizar a estrutura química da seroto-
absorvida no intestino delgado. nina, mas modificada de tal forma que não atravessa a barreira
Mais recentemente, têm sido utilizados agentes osmóticos hematencefálica, limitando a sua atividade ao sistema nervoso
sintéticos à base de polietilenoglicol (PEG). Esta substância é periférico.
um polfmero de alto peso molecular com intensa atividade os- Apesar de ter sido comercializado, com grande expectativa,
mótica. Em nosso meio, está sendo comercializado o macrogol em várias partes do mundo, foi retirado do mercado devido a
3350. Trata-se de um polímero quimicamente inerte associa- seus efeitos adversos no sistema cardiovascular.
do a uma solução eletrolftica que não contém qualquer sal que A prucaloprida faz parte de uma nova classe de drogas co-
possa ser absorvido. É atóxico mesmo em altas doses, podendo nhecidas como benzofurancarboxamidas, atuando como ago-
ser utilizado em idosos, mulheres grávidas e crianças. Infeliz- nista completo dos receptores 5-HT,.
mente, o seu custo limita o seu uso. Em dois amplos estudos randomizados e bem controlados,
No grupo de laxativos estimulantes, encontramos os deriva- envolvendo mais de 1.200 indivíduos, observou-se que a pru-
dos difenilmetânicos, entre eles a fenolftaleína e o bisacodil, e caloprida, na dose de 2 e 4 mg/dia, aumentou o número de eva-
os derivados antraquinônicos, como cáscara sagrada, sene, óleo cuações completas no período de 12 semanas de observação,
de rícino, entre outros. A fenolftaleína inibe a absorção ativa quando comparada ao placebo.
de sódio. Seu uso está restrito a alguns países subdesenvolvi- Apesar dos resultados de ensaios clínicos recentes terem de-
dos, ou em desenvolvimento, pois pode provocar sérias lesões monstrado eficácia e efeitos colaterais até então desprezíveis, a
hepáticas. O bisacodil estimula o plexo nervoso da mucosa do sua similaridade com a cisaprida, que foi retirada do mercado
cólon, causando contrações e diminuindo a absorção de água. por causar arritmia cardíaca, tem retardado a comercialização
Os derivados antraquinônicos são desconjugados por bactérias da droga
Copftulo 39 I Constipação Intestinal e Fecolomo 439

A renzaprida é uma mistura de agonista 5-HT, e antago- Entretanto, existem poucos estudos a respeito de sua eficácia
nista 5-HT3 que apresenta efeito estimulante da motilidade e no tratamento da constipação intestinal crônica.
do trânsito gastrintestinal. Apesar de comprovados efeitos sa- Vale ressaltar que a maioria, dos probióticos comerciali-
tisfatórios em melhorar não só a constipação intestinal mas zados em nosso meio, se não todos, sobretudo nas gôndolas
também a dor abdominal, a droga, assim como a mosaprida e de supermercados, podem não conter organismos vivos, ou
outros serotoninérgicos, permanece em investigação. os organismos podem não sobreviver às condições de estoca-
..,. ANTAGON ISTAS OPIOIDES. Outro alvo de pesquisa de dro- gero, incluindo temperatura e tempo. Nem sempre os efeitos
gas que atuam no SNC para o tratamento da constipação intes- benéficos propagados foram testados de maneira científica e,
tinal envolve os neurônios secretores de opiáceos endógenos finalmente, alguns produtos podem conter, até mesmo, orga-
e seus receptores. Sabe-se que a liberação destas substâncias e nismos patogênicos.
sua interação com receptores pós-sinápticos diminuem a pe-
ristalse. Este é o mecanismo pelo qual os opiáceos exógenos • Medicina alternativa ou complementar
causam constipação intestinal. O aspecto crônico da constipação intestinal e os resultados
Fundamentado nestas observações, sugeriu-se que antago- insatisfatórios obtidos com as medidas terapêuticas habituais
nistas opioides poderiam melhorar os sintomas de constipação induzem o paciente a experimentar as mais diversas formas
intestinal crônica. A primeira droga utilizada foi o naloxone. de alívio de seu sintoma. Dentre estas, as mais comuns são as
Entretanto, devido ao fato de a droga atravessar a barreira he- ervas, especialmente as chinesas.
matencefálica e agir nos receptores opioides do sistema ner- Existem poucos trabalhos científicos bem conduzidos ares-
voso central, a sua utilização com finalidades terapêuticas foi peito de medidas alternativas para o tratamento da constipação
interrompida. Recentemente, iniciaram-se estudos com dois intestinal. Na maioria deles, não há critérios científicos aceitá-
novos antagonistas opiáceos que não atravessam a barreira he- veis, como grupo-controle, tamanho da amostra e padronização
matencefálica, são eles: metilmatroxeno e alvimopam. Estudos de diagnóstico e terapêutica.
em animais sugerem que as drogas são eficazes no tratamento Em recente revisão da literatura, encontraram-se apenas 18
de constipação intestinal induzida por opiáceos e no ileo adi- trabalhos considerados de boa qualidade. Destes, apenas 8 de
nâmico pós-cirúrgico. alta qualidade. Os resultados destes estudos mostram que pa-
..,. OUTRAS DROGAS QUE ESTÃO SENDO INVESTIGADAS. Neu- rece haver benefícios na utilização da acupuntura e, sobretudo,
rotrofina 3. A neurotrofina 3 é um peptídio que aumenta o de- de certas ervas no manejo da constipação intestinal. Entretan-
senvolvimento de neurônios in vitro. A tentativa de tratamento to, não se pode extrair nenhuma conclusão definitiva devido à
de doenças degenerativas, como Parkinson e Alzheimer, com heterogeneidade entre estes estudos.
esta substância apresentou como principal efeito colateral a
diarreia. Com base nisso, iniciaram-se os estudos (ainda não • Reeducação funcional- Biofetdback
conclusivos) da utilização desta substância para o tratamento Numerosos estudos demonstram que o uso de técnicas de
da constipação intestinal. relaxamento pode, até mesmo, curar a constipação intestinal.
..,. Ativadores dos canais de cloro. Uma classe de drogas O princípio do biofeedback é reativar um reflexo preexisten-
que, sem dúvida, atua no sistema de transporte através da mu- te, reeducando o paciente. Todas as modalidades de biofee-
cosa são os agentes que abrem os canais de cloro. A secreção dback ensinam os pacientes a relaxar, em vez de contrair, a
de fluidos pelo intestino depende da secreção de cloretos que é musculatura pélvica durante o esforço para evacuar. Pode ser
mediada pelos canais de cloro existentes na membrana apical realizado através de eletromiografia, ou manometria anorretal,
dos enterócitos. Este é o mecanismo pelo qual várias toxinas com sinais auditivos e visuais, reforçados verbalmente. Outra
bacterianas produzem diarreia. Com fundamento nestas obser- técnica consiste na introdução de um balão VR e pedir ao pa-
vações, vêm sendo estudados o lubiprostone, linaclotide, entre ciente que o evacue. Pela própria natureza da técnica, é claro
outros. Aguardam-se com grande expectativa novos estudos. que ela não se aplica a muitos pacientes, sobretudo a mulheres
com história de abuso sexual. Tem sido utilizada com sucesso
• Farmacobióticos nos casos de dissinergia do assoalho pélvico.
A flora existente no TGI humano é um complexo ecossis-
tema com aproximadamente 300 a 500 espécies de bactérias, • Psicoterapia
com cerca de dois milhões de genes (microbioma). Quando A maioria dos estudos controlados relativos à psicoterapia
alterada, apresenta uma incrível capacidade de se autorres- para tratamento de constipação intestinal mostra resultados de-
taurar, retornando exatamente ao mesmo estado anterior. A cepcionantes. Relatos de bons resultados, inclusive com melho-
flora bacteriana intestinal normal influencia uma variedade ra do tempo de trânsito co Iônico, foram descritos isoladamente
de funções, principalmente motoras, envolvidas na gênese da e necessitam de confirmação. O efeito benéfico da psicoterapia
constipação intestinal; entretanto, não existem provas cabais seria a diminuição da ansiedade e o consequente relaxamen-
de que alterações na flora bacteriana possam provocar consti- to da musculatura pélvica. Além disso, auxiliaria na correção
pação intestinal. de conceitos distorcidos a respeito dos hábitos intestinais e da
O conceito de farmacobiótica vem sendo utilizado recente- imagem corporal. Contudo, os resultados, quando existem, só
mente na tentativa de abranger as várias maneiras de manipu- se fazem notar a longo prazo e a um custo proibitivo.
lação da flora com fins terapêuticos. Nesse sentido, podemos Terapia de grupo também já foi avaliada e resultou em me-
utilizar: a) suplementação com organismos comensais (probi- lhora da constipação intestinal em apenas 15% dos pacientes.
óticos); b) estímulo seletivo a certas espécies comensais (pré- Em crianças, a constipação intestinal pode fazer parte de
bióticos); e c) produtos ou componentes purificados, biologi- uma constelação de problemas familiares. Com frequência, são
camente ativos, a partir da flora comensal. constipadas apenas em casa, sugerindo um conflito com um ou
A farmacobiótica, especialmente pré- e probióticos, tem sido ambos os pais. Há necessidade de habilidade especial por parte
estudada nas doenças inflamatórias intestinais e na síndrome do médico, que tem uma tendência de se aliar aos pais, em de-
do intestino irritável, especialmente em indivíduos constipados. trimento do paciente, no caso a criança. ~ preciso convencer
440 Capftulo 39 I Constipação Intestinal e Fecaloma

os pais de que o que eles pensam ser um problema flsico é, na • Doenças venéreas.
verdade, emocional. Nesse caso, a terapia da família é funda- • Doenças sistêmicas, como: diabetes, Parkinson, hipoti-
mental, tirando dos pais o sentimento de culpa e frustração. reoidismo etc.

• Tratamento cirúrgico • Medicamentosas


• Opiáceos e derivados fenotiazínicos.
Em casos muito bem selecionados, pode ser necessária uma • Antiácidos à base de sais de AI e Ca.
intervenção cirúrgica. Destacamos, em seguida, algumas situa- • Laxativos à base de cáscara sagrada e sênicos.
ções em que a intervenção do cirurgião se faz desejável. • Anticolinérgicos.
• Sulfato de bário usado como meio de contraste.
• Doença de Hirschsprung • Psicogênicas
Em algumas situações, conseguem-se bons resultados com São mais comuns em criança. São chamadas de encoprese
a rniotomia anorretal, que consiste na secção de uma faixa e caracterizam-se pela presença de fecaloma, mas com passa-
muscular na face posterior da junção anorretal sobre o esfinc- gem intermitente de pequenas quantidades de fezes, sujando
ter anal interno e as duas camadas da parede posterior e infe- as vestes da criança.
rior do reto.
• Outras causas
• Constipação intestinal grave • Dolicocólon.
• Estenoses do cólon.
Colectomia, total e parcial, com ileorretoanastomose já foi • Doenças inflamatórias intestinais.
realizada por vários autores para o tratamento dos casos gra- • Tumores.
ves. Entretanto, mostrou-se ineficaz na totalidade dos casos, e,
o que é pior, em muitos ocorreram complicações graves, como
incontinência fecal, disquesia reta! e diarreia, entre outras. Em • Diagnóstico
uma série de 246 pacientes submetidos à colectomia total com • Quadro clínico
ileorretoanastomose, 25% permaneceram constipados, 22%
Os sintomas habituais devido à presença de fecaloma são dor
ficaram com diarreia e 11% com incontinência fecal.
no baixo ventre, tenesmo reta!, distensão abdominal e perda
de pequenas quantidades de fezes líquidas ou pastosas, simu-
lando incontinência e sujando a roupa íntima do paciente. No
• FECALOMA homem, acompanham-se frequentemente de retenção urinária,
por compressão prostática e vesical. Em alguns casos, ocorre
• Conceito perda de sangue e muco pelo reto, consequente ao esforço para
Consiste na formação de uma massa de fezes, grande, dura evacuar. Dependendo do tamanho, o fecaloma pode acarretar
e imóvel, que se localiza em geral no reto e sigmoide. Pelo seu obstrução intestinal com todo o seu cortejo sintomático.
volume e consistência, o fecal o ma não pode ser eliminado pelo
paciente através do esforço da evacuação. Em geral, resulta da • Exame físico
evacuação fecal incompleta, por longo período de tempo, po- Ao exame, geralmente deparamos com um paciente idoso,
dendo ocasionar obstrução parcial ou total do intestino. debilitado, com aspecto de abandono, ou então com uma crian-
ça com evidente distúrbio psicológico. A inspeção do abdome
pode revelar alças intestinais dilatadas, e a ausculta revela ruí-
• Fatores predisponentes dos hidroaéreos com timbre metálico, caracterizando peris-
A formação de fecaloma é uma situação quase exclusiva de taltismo de luta, ou, então, silêncio abdominal, em uma fase
crianças portadoras de megacólon ou problemas psicogênicos, mais tardia. O toque reta!, em geral, confirma o diagnóstico.
de idosos debilitados, sedentários, usuários de narcóticos, e, em A palpação simultânea do abdome é importante nos casos em
nosso meio, de pacientes chagásicos. que o fecaloma não está na ampola reta!.

• Retossigmoidoscopia
• Etiologia Permite identificar com clareza o fecaloma. f importante,
De uma maneira didática, podemos dividir as causas defeca- especialmente nos casos em que a massa fecal não está ao al-
loma em: anatômicas, medicamentosas, psicogênicas e outras. cance no toque reta!.

• Anatômicas • Radiologia
• Deficiência de prensa abdominal. De um modo geral, a radiografia simples do abdome con-
• Lesões anatômicas: estenoses e fístulas perianais, pós- firma o diagnóstico. Em alguns casos, poderá haver confusão
cirúrgicas etc. entre fecaloma e tumores malignos do intestino. Nessa situa-
• Lesões neurológicas centrais e medulares. ção, recomendamos a realização de enema opaco utilizando
• Deficiência mental. contraste hidrossolúvel, em vez de bário, injetado lentamente,
• Lesões do plexo mioentérico: Chagas, Hirschsprung. sem muita pressão.
• Compressões extrínsecas: tumores ovarianos, uterinos,
prostáticos etc. • Outros exames
• Lesões anais dolorosas: papilites, proctites, fissuras, he- A ultrassonografia abdominal, a tomografia computadoriza-
morroidas. da, a defecografia e, eventualmente, o estudo manométrico da
Capftulo 39 I Constipação Intestinal e Fecaloma 441

região anorretal poderão ser necessários nos casos complexos,


ou para definir a causa do fecaloma.
• LEITURA RECOMENDADA
Araghiz.adeb. F. Fecallmpoalon. Corutlpation and Function.al Bo""l Oiseue.
Clini<:s In Cok>n and RL~<~I Su~, 2005; 18:116-9.
• Profilaxia Chmielewska, A & Sujewska, H. Slstematic review of randomized controUed
trials: Probiotics for functlonal constlpation. World 1 Gastroenterol, 2010;
Conhecendo-se as principais situações clinicas que favore- 16:69·75.
cem a formação de fecaloma, é fundamental a adoção de me- Cook, I) Talley, NJ, Berung., MA <1 a/. Chronic Constipation: Overvlew and
didas visando a preveni-lo. Dentre essas, destacam -se: challenges. Neurogastroentero/ Motil, 2009; Suppl. 21,1 ·8.
David, EL. Fecallmpaclion and stercoral ulcer. Em: Sleisenger, MH & Fordtran,
• Tratar a constipação intestinal, sobretudo nos pacientes JS. Gastrointestlna/ DiS<nse, 2" ed., Philadelphia, W.B. Saundcrs, 1978.
com lesões neurológicas e em todas as situações que le- Devroede, G. Constlpation. Em: Sleisenger, MH & Fordtnln, )S. Gastrolnt&linal
vem o paciente a ficar acamado por tempo prolongado. Disease. Philadclphla, W.B. Saunders, 1993.
• Alertar os pacientes usuários de drogas psicotrópicas de Di Palma. }A. Current treatment options for chronic constipation. Re1v Galtro-
etlterol Disord, 2004; 4(Suppl. 2):S43-S51.
que não se descuidem do intestino. Orossman, DA <l ai. Rome 11. The Functional Gastrointcslinal Disordcrs, Pa·
• Prescrever laxantes suaves VO, ou na forma de suposi- thopbysiology and Treatmen~ A mullinational consensus. 2.. M<Uan, VA:
tórios, aos pacientes que se submeterem a exame radio- Oegnon Assoclates; 2000.
lógico contrastado. Drossman, DA, Sandler, RS, Mcl<ee, DC, Lovítt, A~ Bowd pattenu among sub-
jects not JCelUns health care. Use ofa quationaire to idcntify a populatlon
with bowd dysfunctlon. Gastroenún>/ogr, 1982; 83:529-34.
• Tratamento Emmanuel, AV, Tack, ), Quicley, EM, Talley, N). Pbarmacological management
of constipation. Nturogastroentero/ Moti, 2009; 21 (suppl).
Uma vez estabelecido o diagnóstico de fecaloma, o trata- Freitas, )A & Mineis, M. Constípaçio Intestinal. Em: Mineis, M. Gastrotnte·
mento deve ser imediato e realizado por profissional treinado, rologia 6- Htp4tolog1a. Diagnóstico e tratamento. 3' ed., Lemos Editorial,
2002.
de preferência o próprio médico. Considerando que 98% dos Heaton, KM, Radvan ), Cripps, S et ai. Defecation frequency and timing,
fecalomas situam-se na ampola reta!, a terapêutica consiste na and stool forro in the general population: prospective study. Gut, 1992;
manipulação digital, através do toque retal. Previamente ao to- 33(6):818-24.
que, injeta-se VR, uma substância lubrificante e laxativa à base Kingma, )J, Alves Pilho. JN, Silva, J, Santos, HFT, Kingma, RG. ConstipaçAo,
fibra alimentar e fecaloma. Em Dani, R & Paula Castro, L. Gastrocnttrologla
de óleo mineral ou mesmo glicerina, no intuito de facilitar a Cllni<JJ, 3.• ed., Rio de janeiro, Guanabara Koogan, 1993.
eliminação do material fecal. Durante o manuseio, procurar Kokoszka, ), Ne!Jon, R, Falcoruo. M, Abc:arian, H. Treatment of fecal impac·
fragmentar a massa de fezes sempre contra a pa.r ede posterior tion wlth pulsed lrrtgation enhanced evacuation. Dis Co/qn làetum, 1994;
(sacra!). Nos casos em que o fecaloma está fora do a.lcance dos 37: 161-4.
dedos, fazer enemas com soro fisiológico e glicerina na pro- Un. LW, Fll, YT, Ounnlns. T, Zhang. AI., Ho. TH, Dulct, M, Lo, SK. Ellicacy of
traditional Chlnue medlclne for the management of constipation: a syste·
porção de 5: I. maúcrev!ew.l Aliem Complement Mtd, 2009; 15:1335-46.
Dependendo do tamanho, da consistencia e da localização, Mellgren, A. Diagnosis and treatment of corutlpation. Eur I Surg, 1995;
poderá ser necessária a intervenção instrumental com o re- 161,623-:14.
tossigmoidoscópio. Passa-se, através do aparelho, um tubo de Pontes, JF & Freitas, JA. RevBras Med, 1985; 24:212-25.
Rao. SS. Constípatíon: Evalualion and treatment. Ga.storenterol. Clin N Am,
borracha e procede-se à irrigação continua com água ou soro 2003; 32:659-83.
fisiológico, quebrando a massa fecal. Quando o paciente apre- Read, NW, Celik, AF, Katslnelos, P. Constipation and incontinence in the elderly.
senta doença, na região anal, que provoque dor, é necessária 1 Clln Gastroentero/, 1995; 20:61-70.
a analgesia e, raramente, anestesia. Excepcionalmente, haverá Santos, SI., Baraolos, IK, Mesquita, MA. Total and segmenta! coloruc translt
necessidade de cirurgia. time in constlpated patlents wlth Chagas disease without megaesophagus
or megacolon. Bra•l Mtd Blol R .., 2000, 33:43-9.
Schiller, LR. New and emergjng treatment optíons for chronic constlpatlon.
• Complicações RLv Gastroenterol Dlssod, 2004; 4(SuppL 2)'.543-561.
Stacher, G. Psyche person.ality and gut function.l Gastrointnt MotiUty, 1993;
As complicações, embora raras, podem ser graves, nota- 5:67-76.
damente em um paciente já debilitado. As mais comuns são: Thompson, WG, Creed, F, Droaman, DA tt aL Functional bowel diKue and
functional abdomuw paJn. Gastromrerology lnrenwlonal, 1992; 5:75·91.
hérnia, vólvulo sigmoidiano recorrente, megacólon, prolapso Wrenn, K. Fecallmpoalon. N Eng/1 Mtd, 1989; 321:658-62.
reta!, crise hemorroidária, ulceração intestinal com hemorragia, Yoshioka, K & Keighley, MRB. O!nical results of colectomy for Kvere constl·
perfuração e obstrução intestinal. pation. Br I Surg, 1989; 76:600-4.
40 Síndrome do Intestino Irritável
Maria do Carmo Friche Passos

"The bowels are at one time constipated, another lax, in the 'f'
same person. How the disease h as two such different Quadro 40.1 Diagnóstico da 511 de acordo com oConsenso ROMA 111
symptoms I do not profess to explain."
(Cumming W., 1849) Sintom•s iniciados pelo menos 6 meses antes do diagnóstico
1. Sintomas presentes, no mfnimo, 3 dias por mês nos últimos 3 meses
2. Dor e/ou desconfono abdominal, contfnuos ou recorrentes, que
• INTRODUÇÃO apresentam pelo menos 2 das 3 seguintes caracterfstlcas:
a) Alívio dos sintomas com as evacuações;
A slndrome do intestino irritável (SII) é um distúrbio fun- b) lnkio do quadro associado à alteraçao da freq~ncla das
cional do trato digestivo para o qual não se demonstrou, até o evacuações;
momento, qualquer alteração metabólica, bioquímica ou estru- c) lnkio do quadro associado com alteraçlo na forma (apar~ncla) das
tural da(s) víscera(s) envolvida(s), expressando-se através da fezes.
acentuação, inibição ou simplesmente modificação da função • Sintomas q~ quondop,_ntes. morçom o diogndstlcodo
SI~ porém ndo sdo conskkrodos corno tkmtntos dos critérios
intestinal. Tem evolução crônica e clinicamente manifesta-se diogndmcos:
por dor ou desconforto abdominal, associado à alteração do a. Ffequénda da evacuaçio anormal (S 3 evacuações/semana ou
hábito intestinal- constipação intestinal, diarreia ou altemãn- >3 evacuações/dia);
cia de uma e de outra. Outros sintomas frequentes são muco nas b. Formato anormal das fezes (fragmtntadas/clbalos, duras/
fezes, urgência reta!, distensão abdominal e flatulência. sólidas, pastosas ou liquidas/aquosas);
A SU acomete entre IOe 2096 da população, com predomí- c. Dificuldade para defecar (aumento do esforço evacuatório);
nio no sexo feminino (2 a 3 mulheres a cada 1 homem). Sua d. UrgMda evacuat6<ia ou sensaçlo de evacuaçlo incompleta;
incidência anual é estimada em 196. Ocorre mais comumente e. Presença de muco nas fezes;
em grupos etários mais jovens (15 a 44 anos) do que naque- f. Distensao abdominal.
les com idade mais avançada (45 anos ou mais). Essa síndro-
me é responsável, segundo alguns autores, por quase metade
dos atendimentos ambulatoriais em gastrenterologia, sendo
também muito comum nos atendimentos de clínica médica, SII com constipação intestinal (SII-C), SII com diarreia (SII-0),
implicando necessidade de uma constante atualização desse
Sll mista (SII-M) ou SII de forma indeterminada (SII-1).
tema por parte dos médicos, tanto generalistas como gastren-
terologistas. O diagnóstico da SII é, portanto, essencialmente clinico e,
De acordo com o comitê internacional de especialista do de acordo com os especialistas do Consenso Roma lll, é fim-
Consenso Roma III, a SII é definida pela presença de dor e/ou damental que seja estabelecido um diagnóstico positivo, e este
desconforto abdominal, contlnuos ou recorrentes, geralmen- deve ser transmitido ao paciente com confiança e otimismo.
te localizados no abdome inferior, que ocorrem, no mlnimo, :B necessário realizar história c!Jnica e exame flsico minucio-
3 dias por mês nos últimos 3 meses e que apresentam pelo me- sos, pois a anamnese bem conduzida servirá como um guia
nos 2 das 3 seguintes características: a) alívio com as evacuações; ao clinico para inclusão ou exclusão do diagnóstico da SII. :B
b) início associado às mudanças na frequência das evacuações;
importante a investigação dos sinais de alarme (idade acima
e c) início da dor associado a alteração na forrna e na aparência
das fezes (Quadro 40.1). de 50 anos, emagrecimento, anemia, sangramento, mudança
O Consenso Roma lii classifica os pacientes portadores da do calibre das fezes, febre, massa palpável, inlcio recente dos
Sll em quatro subgrupos e também propõe os critérios especí- sintomas) que, se presentes, implicam a realização de pro-
ficos para a alocação dos pacientes em cada um desses grupos: pedêutica apropriada.
442
Copftulo 40 I Sfndrome do lnte5tino lrritdvt!l 443
Nos pacientes portadores de SU, em todas as suas formas ferem na motilidade e na transmissão dos estímulos sensoriais
(Sll-C, Sil-O, Sll-M), tem sido recomendado afastar a possi- permanece desconhecido.
bilidade de doença celíaca e intolerância à lactose. Devemos Estudos mais recentes sugerem que a ativação imunológica
ainda lembrar a possibilidade de supercrescimento bacteriano e a inflamação da mucosa também possam estar associadas às
intestinal e microcolite inflamatória e proceder a esta investi- alterações neuropáticas relatadas na fisiopatologia da síndro-
gação em casos selecionados. A colonoscopia deve ser realizada me e justificam o conceito da Sll pós-infecciosa (Sll-PI). Um
quando há suspeita de neoplasia ou doença inflamatória e nos estudo realizado pelo grupo da Universidade de Los Angeles
pacientes com mais de 50 anos. conseguiu evidenciar associação entre a presença de supercres-
No nosso meio, devemos sempre pesquisar parasitoses in- cimento bacteriano e redução das células intersticiais de Cajal,
testinais, sobretudo giardiase e amebíase, que podem algumas o que poderia explicar o desenvolvimento da SII pós-infecciosa.
vezes simular o quadro da SII, especialmente na forma com Foi demonstrado em alguns estudos que 7 a 31% (média de
diarre.ia ou mista. 9,8%) dos pacientes desenvolvem a síndrome após um episó·
dio de diarreia aguda infecciosa causada por diversos agentes
microbianos. Alguns fatores são considerados de risco para o
surgimento da SU pós-infecciosa: pacientes jovens, sexo femi-
• FISIOPATOLOGIA nino, enterite prolongada, ausência de vômitos e presença de
O modelo fisiopatológico proposto pelos especialistas do eventos estressantes durante o curso da infecção.
Consenso Roma 111 sugere que os sintomas sejam entendidos Os fatores psicossociais, ambientais e genéticos também pa·
dentro de um pluralismo fisiológico: simultaneamente, podem recem contribuir de maneira determinante para a expressão
interagir distúrbios motores, aumento da sensibilidade vísce- dos sintomas, em geral.
A Figura 40.1 mostra os aspectos fisiopatológicos mais atuais
ra!, alteração das conexões do sistema nervoso central com o
para a Sll, de acordo com o Consenso Roma 111.
intestino, ao mesmo tempo eventos socioculturais e influências
psicossociais parecem modular a percepção dos sintomas.
Alterações na motilidade gastrintestinal e na percepção vis-
cera!, bem como fatores psicossociais contribuem para a ex- • GASTRENTERITE AGUDA EASll PÓS-INFECÇÃO
pressão dos sintomas em geral. Estudos atuais demonstram que os pacientes com SII-PI
Nos últimos anos, ocorreu um grande avanço no entendi· diferem daqueles com SII não infecciosa pela presença de mar-
mento da patogenia da SII com base nos novos conhecimen- cadores de inflamação crônica e de infecção intestinal aguda,
tos de fenômenos biológicos que ocorrem no sistema nervoso disbiose e supercrescimento bacteriano do intestino delgado.
central (SNC) e sistema nervoso entérico (SNE). As alterações Trabalhos prévios evidenciaram aumento de células inflama-
da regulação das conexões do SNC com o SNE têm sido muito tórias e enterocromafins na mucosa do cólon de pacientes com
pesquisadas nos últimos anos e é provável que centros neurais gastrenterite por Campylabacter jejuni. Dunlop et ai. observa-
superiores modulem a atividade motora e sensorial gastrintes- ram, em biopsias retais de pacientes com diagnóstico de SU-PI,
tinal, e vice-versa. Acredita-se que o SNC funciona como um aumento das células enterocromafins e de linfócitos quando
filtro da percepção dos sinais periféricos aferentes, variando comparado ao de um grupo-controle. Estes autores também
o limite da percepção víscera! de acordo com o estado emo- demonstraram aumento dos níveis plasmáticos pós-prandiais
cional e cognitivo. Por outro lado, a ansiedade e o estresse po- de serotonina (5-HT) nesse grupo de pacientes. Sabendo-se
dem aumentar a percepção da dor, e o relaxamento é capaz de que a serotonina desempenha importante papel na regulação
reduzir esta percepção. da motilidade digestiva e na percepção víscera], sua liberação
Assim como no SNC, mensageiros moleculares são respon- aumentada poderia contribuir para os sintomas pós-prandiais
sáveis pela ativação neuronal seletiva no SNE. Inúmeros neu- desses pacientes e proporcionar uma base lógica para pesquisa
rotransmissores e neuropeptídios já foram identificados, entre de antagonistas da serotonina no tratamento dessa síndrome.
eles a proteína receptora do gene da calcitonina, substãncia P, Spiller observou aumento das células enterocromafins até
peptídio intestinal vasoativo, óxido nltrico, acetUcolina e sero- 1 ano após a infecção inicial na SII-PI. Esse autor sugere que
tonina. O mecanismo íntimo pelo qual estas substãncias inter· a infecção aguda provavelmente ocasione a ativação de cito·

FATORES GENéTICOS
FATORES AMBIENTAIS

Sll PÓS·
INFECCIOSA

ALTERAÇOES DA
MOTILIOAOE INTESTINAL

Figura 40.1 Adaptada de Drossman. Gasrroenterology, 2006.


444 Capftulo 40 I Sfndrome do Intestino lrrltdvel

cinas intestinais capazes de alterar a permeabilidade capilar


intestinal e a secreção de eletrólitos pela mucosa. Os prováveis • SII-PI esíndrome do supercrescimento
mediadores dessas alterações seriam interleucinas. interferona, bacteriano do intestino delgado
prostaglandinas e fator de necrose tumoral. Como resultado
final, ocorreriam, muito provavelmente, sensibilização de vias A síndrome do supercrescimento bacteriano do intestino
aferentes sensoriais, aumento da atividade propulsiva e secre- delgado (SCBID), geralmente definida pela presença de uma
ção de água e eletrólitos para o lúmen intestinal. população bacteriana no lD que excede 105-106 UFC (unida-
Dois trabalhos descreveram um aumento da expressão da des formadoras de colônia)/ml, tem sido descrita com bas-
interleucina-~ (IL- 1~) na SII-PI, sendo obtidas informações tante frequência em pacientes com SII. O supercrescimento
muito interessantes relacionadas com as alterações regionais da no ID surge quando os mecanismos homeostáticos habituais
mucosa coIônica que se seguem à infecção por Shigella. Através de controle da popu lação bacteriana entérica estão alterados.
de biopsias realizadas durante procedimento colonoscópico, Os dois principais fatores predisponentes são a diminuição da
foi demonstrado aumento da expressão do RNA de lL-1~ na secreção de ácido gástrico e a presença de alteração da moti-
região retossigmoide e no íleo apenas em pacientes com SII-PI lidade intestinal.
(comparado com o grupo de Sll não infecciosa). Alguns autores acreditam que a Sll-Pl se acompanha fre-
Os mastócitos parecem desempenhar também um papel fun- quentemente de supercrescimento de bactérias no intestino
damental como mediadores do aumento da permeabilidade delgado. Existe, na verdade, uma grande sobreposição de si.n-
intestinal em pacientes com SII-Pl. O aumento da permeabi- tomas nas duas síndromes - diarreia, constipação intestinal,
lidade implica uma desorganização da barreira normal, possi- dor abdominal, flatulência e distensão abdominal- e, por isso,
bilitando o acesso de produtos bacterianos da lâmina própria, tem sido questionada a possibilidade de os pacientes com SII
propiciando, dessa forma, um mecanismo de perpetuação da apresentarem SCBID subjacente.
inflamação crônica. Um relevante estudo realizado pelo grupo da Universidade
Inúmeros estímulos, como citocinas, estresse e alergênios, de Los Angeles evidenciou nítida associação entre presença
são capazes de ativar os mastócitos com consequente liberação de supercrescimento bacteriano e redução das células intersti-
parácrina de substâncias químicas que incluem inúmeros me- ciais de Cajal, o que poderia explicar o desenvolvimento da SII
diadores (histamina, serotonina, leucotrienos, dentre outros). pós-infecciosa.
A interação desses mediadores com receptores presentes nos ~preciso salientar que a grande discrepância entre os estudos
neurônios das terminações aferentes sensoriais induzirão o SNE se deve, pelo menos em parte, aos métodos empregados para o
a se reprogramar, e, dessa forma, originando, possivelmente, diagnóstico, às diferentes definições de SCBID e aos critérios
o quadro clinico da SII ao ocasionarem alterações na fisiologia distintos de inclusão dos pacientes com SI! (Roma UI Ul !I).
intestinal e aumento da percepção visceral. Diversos mecanismos têm sido propostos para justificar o
Wang et ai. observaram elevação no número de mastócitos aumento da população bacteriana no lD em pacientes com Sll,
na mucosa do Oeo terminal de todos os pacientes portadores da especialmente observada em pacientes com SII-PI: a) aumen-
SII (Sil-PI e SIJ não infecciosa). Eles demonstraram uma estrei- to na produção e alteração na distribuição do gás ao longo do
ta relação entre o número de rnastócitos e as fibras nervosas da intestino; b) distúrbios na motilidade do ID; c) alterações no
mucosa intestinal, relacionando com a intensidade e frequência metabolismo da serotonina; d) produção de citocinas, asso-
da dor abdominal. Foi evidenciada também urna maior densi- ciada à desregulação entre citocinas anti- e pró-inflamatórias,
dade de fibras nervosas em torno de mastócitos em pacientes determinada por fatores genéticos.
com SII, comparando-se com controles assintomáticos. De fato, foi demonstrado que pacientes com Sl! apresentam
diminuição no número e na duração da fase lli do complexo
motor migratório, quando comparados a grupos de controles
• Evidênciasde inflamação crônica sadios. Observou-se dismotilidade entérica em 86 e 39% dos
Até recentemente, a maioria dos estudos incluía pacientes pacientes com SII, com e sem supercrescimento bacteriano,
com SII como controles negativos de inflamação crônica, con- respectivamente (p =0,02).
tudo evidências recentes demonstram que pelo menos um sub- Outros mecanismos também considerados essenciais são a
grupo dos pacientes com SII apresentam altos níveis de media- integridade da mucosa intestinal, a camada de muco, as secre-
dores inflamatórios na mucosa intestinal. Um estudo avaliou ções intestinais, pancreáticas e biliares; o efeito protetor da flora
a concentração de mieloperoxidase e outros mediadores de comensal (LactobaciUus); e a válvula ileocecal.
neutrófilos em biopsias intestinais de pacientes com SII, reto- Na prática, os testes respiratórios, empregando lactulose ou
colite ulcerativa e controles assintomáticos. Os autores obser- glicose como substrato, são os mais utilizados para o diagnósti-
varam que os níveis desses mediadores em pacientes com SII co de supercrescimento bacteriano e apresentam uma boa sen-
eram muito similares àqueles encontrados na retocolite sem sibilidade e especificidade. Esses testes indiretos e não invasivos
atividade, porém significativamente maiores do que os acha- são capazes de quantificar no ar expirado a concentração de H2
dos em controles. e/ou metano, produzidos a partir do metabolismo bacteriano
A etiologia da inflamação nesses pacientes é desconhecida, intestinal. O tipo de flora metanogênica e/ou produtora de H2
mas poderia refletir uma falha na regulação dos mediadores in- poderia determinar o ritmo predominante do trânsito intes-
flamatórios induzida por um episódio de gastrenterite aguda. Um tinal (constipação intestinal ou diarreia, respectivamente) e
estudo genético encontrou que o polimorfismo de interleucina ocasionar sintomatologia digestiva, na dependência da reação
10 (IL- 10), associado à produção de IL-10 (homoz.igoto-1082'G), do indivíduo à presença de uma flora bacteriana excessiva no
era significativamente menor na Sll ao se comparar com contro- intestino.
les saudáveis (2196 vs. 3296). Minderhound et ai. demostrararn A melhor maneira de demonstrar que a Sll-Pl se associa
a presença de sintomas típicos da SII em até 3396 dos pacientes às anormalidades inflamatórias da mucosa e mesmo presença
com retocolite ulcerativae em 4296 dos pacientes com doença de de supercrescimento intestinal seria a melhora dos sintomas
Crohn em remissão, sugerindo que a inflamação crônica pode da SII após a util.ização de drogas que teoricamente poderiam
ocasionar um déficit permanente na função intestinal. melhorar a inflamação e equilibrar a flora intestinal.
Capftulo 40 I Sfndrome do Intestino Irritável 445

geral, reflete um momento de exacerbação dos sintomas e, por-


• Diagnóstico tanto, necessidade do uso de medicamentos capazes de aliviar
O diagnóstico é fundamentalmente clinico, baseando-se nos a dor e regularizar a função intestínaL
critérios Roma Ili descritos anteriormente, e a grande parte Uma boa relação médico-paciente é fundamental. ~ neces-
dos pacientes não necessita de qualquer propedêutica com- sário que os pacientes sejam esclarecidos de que seus sintomas
plementar. ~essencial realizar história clínica e exame fisico são decorrentes de distúrbios funcionais e não caracterizam
minuciosos, pois a anamnese bem conduzida servirá como um nenhuma doença grave ou risco de vida, assegurando-lhes que
guia ao clínico para inclusão ou exclusão do diagnóstico de SII e o problema será tratado de forma interessada e racional. A ten-
para seleção dos pacientes que deverão ser investigados. Vários dência do médico é, com frequência, subestimar queixas de
fatores devem ser considerados, como a presença dos sinais caráter funcional provavelmente por um desconhecimento da
de alarme (idade acima de 50 anos, emagrecimento, anemia, atual fisiopatologia da síndrome e da importância dos eventos
sangramento, mudança do calibre das fezes, massa palpável, psicossociais a ela associados.
início recente dos sintomas), a facilidade de acesso à investi- Nenhuma díeta específica é recomendada, mas é muito im-
gação, os riscos e benefícios do tratamento farmacológico, e portante respeitar as intolerâncias peculiares a cada paciente.
as consequências econômicas dessa decisão. Essencialmente, a dieta deve ser pobre em gorduras e em ali-
A colonoscopia deve ser sempre realizada quando houver mentos sabidamente produtores de gás, sobretudo se há quei-
suspeita de neoplasia ou doença inflamatória e em pacientes xa de distensão abdominal e flatulência. Recomenda-se uma
com mais de 50 anos. Deve ser afastada a possibilidade de doen- maior ingestão de fibras e líquidos (de maneira especial para
ça celiaca e intolerância à lactose nos casos em que houver sus- os pacientes que têm constipação intestinal predominante). As
peita clínica. Importante avaliar a presença de co fatores psico- fibras devem ser in geridas de maneira equilibrada, sem grandes
lógicos, ambientais e dietéticos e o uso de medicamentos que excessos, sobretudo se houver relato de piora da flatulência. Al-
interferem na frequência evacuatória. No nosso meio, devemos guns vegetais, como feijão, repolho, couve-flor, cebola crua, uva
pesquisar a presença de parasitoses intestinais, especialmente e ameixa, podem causar dor ou distensão abdominal em alguns
giardíase e amebíase, que podem algumas vezes simular o qua- pacientes e, nesse caso, devem ser evitados ou reduzidos da dieta.
dro de SII, especialmente em pacientes com a forma diarreica Intolerâncias específicas, como, por exemplo, ao glúten e à
ou mista. lactose, devem ser reconhecidas.
Alguns pacientes podem obter melhora com mudanças sim-
ples em seu estilo de vida e adoção de hábitos salutares em seu
• Tratamento cotidiano, como a realização de atividade fisica regular e téc-
O tratamento da Sll, especialmente de suas formas graves, nicas de relaxamento.
representa um dos grandes de.safios para o gastrenterologista A utilização de medicamentos na SII está indicada somente
e, até o momento, não existe uma terapêutica que seja verda- nas fases sintomáticas, cuja duração é variável, esperando-se pe-
deiramente eficaz. A utilização de medicamentos está indica- los períodos de melhora clínica em que deverão ser suspensos.
da apenas para as fases sintomáticas, cuja duração é variável, O tratamento medicamentoso disponível visa a aliviar o sinto-
esperando-se os perlodos de remissão clínica em que as drogas ma predominante (Quadro 40.2). É preciso sempre ressaltar a
poderão ser dispensadas. A ida do paciente ao especialista, em elevada resposta ao placebo observada nesses pacientes.

-------------------------------T-------------------------------
Quadro 40.2 Modalidades terapêuticas da Sll

Sindrome do intestino irritável

I \
Dor Oiarreia Constipação Forma grave
predominante predominante predominante ou refratária

l l
Antidiarreicos
l
Laxativos
l
Antidepressivos
Antiespasmódicos
Antidepressivos Mentha piperita (fibras ou osmóticos) Alosetron' (SII com diarreia)
Alosetron' Lubiprostone' Tegaserode..
M entha piperita
Cilasetron• Tegaserode' ' {SII com constipação)
Psicoterapia
Terapias alternativas

•Medicamento não disponível no Brasil.


..Medicamento com prescrição restrita.
446 Capftulo 40 I Sfndrome do Intestino lrrltdvel

A classificação clínica dos pacientes (sugerida pelo Consen- maneira especial, para pacientes com sintomas mais graves ou
so de Roma 111) auxilia a decisão terapêutica. As opções tera- refratários e quando se observa nítida associação com depres-
pêuticas para os pacientes com SII com dia.rreia incluem anti- são ou crises de pânico. Para que seja avaliado o real beneficio
dia.rreicos e, ocasionalmente, colestiramina. O alosetron, um do antidepressivo, devemos prescrevê-lo por, no mlnimo, 3
serotoninérgico antagonista 5-HT}, está disponlvel em poucos a 4 semanas e, caso seja considerado eficaz, mantido por 3 a
palses, e está indicado em casos mais refratários. 12 meses. Os tridclicos devem ser evitados nos pacientes com
Nos casos de SII com constipação intestinal (SII -C), os laxa- constipação intestinal predominante, pelo risco de agravamen-
tivos podem ser prescritos, mas sempre de maneira criteriosa to do quadro.
e, se possível, por curtos períodos. Utilizamos preferencial- Os ansiolíticos também podem ser prescritos para alguns
mente os que aumentam o bolo fecal (fibras insolúveis e solú- pacientes com SU pela frequência dos sintomas de ansiedade e
veis), os agentes osmóticos {macrogol/PEG ou lactulose) e os relato de agravamento do quadro intestinal desencadeado por
emolientes/lubrificantes (docusato, óleo mineral). Os laxan- fatores emocionais. Alguns estudos corroboram a eficácia dos
tes estimulantes/irritantes (antraquinOnicos, difenilmetano) benzodiazeplnicos na Sll, mas a diferença entre droga e placebo
apresentam rápido início de ação, porém devem ser evitados é relativamente pequena. Em virtude do potencial de depen-
a longo prazo devido aos seus conhecidos efeitos colaterais, dência e de interação com outros medicamentos, essas drogas
especialmente cólica abdominal e risco de lesão do plexo mio- devem ser sempre utilizadas com bastante prudência.
entérico co!Onico. Terapias alternativas e/ou complementares têm sido cada
A utilização de outros medicamentos capazes de estimular o vez mais utilizadas para pacientes com SII, destacando-se, en-
trânsito colOnico tem sido tentada com eficácia clínica variável, tre elas, ervas as.iáticas, suplementos nutricionais (probióticos,
como os procinéticos, a colchicina e a trirnebutina. O tegasero- prebióticos, fibras especiais), dietas que eliminam aUmentos
de, um agonista 5-HT4, mostrou-se bastante eficaz para os pa-
capazes de aumentar os anticorpos anti-IgE (ovos, leite, tri-
cientes com constipação intestinal predominante, mas a recente go, carnes vermelhas), acupuntura e homeopatia. A maioria
observação de efeitos colaterais cardiovasculares limita muito
dos estudos empregando essas terapias, no entanto, apresenta
a sua prescrição. Recentemente, o lubiprostone, um ativador
falhas metodológicas, o que obviamente dificulta conclusões
dos canais de cloro, foi liberado pela FDA para o tratamento
definitivas sobre o real beneficio dessa nova abordagem te-
da SU-C. Teoricamente, essa droga é capaz de promover a se-
creção de fluidos e acelerar o trânsito intestinal. rapêutica.
Para alívio da dor, estão indicados os antiespasmódicos, que
representam a classe de medicamentos mais utilizada na slndro-
me e apresentam grau B de evidência na literatura. Entre eles, • TRATAMENTO DA SIJ-PI
estão os bloqueadores de canais de cálcio (brometo de pinavério
e de otilOnio), derivados da papaverina (cloridrato de mebeve- Alguns estudos, de ótima qualidade metodológica, t~m de-
rina), relaxantes musculares (hioscina, dicloverina) e derivados monstrado que até 75% dos sintomas da SII podem melhorar
opioides (trimebutina,lopramida). Em várias metanálises e na com antibioticoterapia, de modo especial nos pacientes que
Cochrane {16 estudos), tem sido confirmada a eficácia clfnica apresentam supercrescirnento bacteriano intestinal associado.
dos antiespasmódicos, tanto em relação à melhora global como Pimentel, em um estudo duplo cego e randomizado, compa-
em relação ao alfvio da dor e distensão abdominal. rou rifaximina e placebo em 87 pacientes com SII e evidenciou
Estudos recentes demonstraram significativa melhora da dor melhora global dos sintomas, especialmente da flatulência no
abdominal e da flatulência com a utilização da mentha píperita. grupo que recebeu a droga ativa. Este medicamento ainda não
Tem sido descrito que o óleo de menta apresenta ação relaxante está disponível no Brasil.
na musculatura lisa mediada via bloqueio do canal de cálcio e No nosso meio, os antibióticos rotineiramente empregados
parece ter uma eficiente ação antiespasmódica. para o tratamento do SCBID são as quinolonas (ciprofloxacino,
O tratamento psicológico deve ser considerado para os pa- norfloxacino, levofloxacino), metronidazol, amoxicilina-ácido
cientes com SUe sintomas mais graves que não respondem ao clavulânico, cloranfenicol e tetraciclina. A duração do trata-
tratamento farmacológico e para aqueles com doenças psiquiá- mento não está estabelecida, mas a maioria dos autores reco-
tricas associadas, como depressão ou transtorno da ansiedade. menda cursos de antibióticos durante 7 a 10 dias. Um estudo
As intervenções psicológicas mais estudadas no tratamento da demonstrou que um tratamento único por 7 dias pode melho-
SU são controle do relaxamento e do estresse, terapia cognitivo- rar os sintomas da SII em 46 a 90% dos pacientes e normalizar
comportamental, hipnoterapia, e psicoterapia psicodinâmica o teste respiratório em 20 a 75% das vezes.
ou interpessoal. A maioria dos estudos corrobora o tratamen- Alguns autores sugerem também que os probióticos apre-
to psicológico na redução de estresse, ansiedade e depressão sentam efeitos anti-inflamatórios e de normalização da flora
e, em muitos casos, alivio da dor e do desconforto abdominal intestinal. A justificativa para a sua utilização seria que a infla-
associado à SJI. mação do intestino aparece como uma reação à flora comensal,
Os antidepressivos triciclicos (arnitriptilina, imiprarnina, e a possibilidade de modificá-la com estes medicamentos tem
desipramina, doxepina) ou os inibidores da captação da seroto- sido bastante atrativa nos últimos anos.
nina (fluoxetina, sertralina, paroxetina), que apresentam como Dessa forma, inúmeros estudos atuais têm avaliado o efei-
mecanismo de ação uma provável analgesia central e bloqueio to dos probióticos na Sll, e os primeiros resultados têm sido
da transmissão da dor do trato digestivo para o cérebro, podem promissores. Um estudo controlado com placebo demonstrou
ser utilizados no tratamento. Essas drogas têm propriedades redução consistente nos níveis do ~ expirado após 21 dias de
neuromoduladoras e analgésicas, independentes da ação psi- tratamento no grupo que recebeu lActobaciUus. Outros autores,
cotrópica, e esses efeitos oco.rrem mais precocemente e com no entanto, não encontraram os mesmos resultados, e novos
doses mais baixas do que aquelas em geral empregadas para o estudos bem elaborados e rigorosos do ponto de vista meto-
tratamento da depressão (p. ex., 10 a 50 mg de amitriptilina e dológico se fazem necessários para esclarecer o real valor dos
10 a 20 mg de fluoxetina, 1 ou 2 vezes/dia). Estão indicadas, de probióticos no tratamento dos pacientes com sn.
Capftulo 40 I Sfndrome do Intestino lrritdvel 447

• TERAPIA FUTURA • LEITURA RECOMENDADA


Atualmente, inúmeras drogas estão sendo testadas em vários American Gastroent<rologlcal Associatlon m<dical position Jtatement írritable
centros de investigação, como os analgésicos viscerais, teorica- bowel syndrome. G~t<rt>IOty, 2002; 123:2105-07.
Azpiroz, F, Bouin, M, Camilleri, M et ai. Medlanlsms of hypersensítivity
mente capazes de estimular os receptores IC-opioides (asima- in IBS and functional disorders. Nturogastroenterol Motil, 2007; 19(1
dolina), os antagonistas do receptor I PGA-2 para prevenção Suppl):62-88.
de sensibilização central, e imunossupressoras na tentativa de Barbara. G, Cmnon, C. Pallott~ F aal. Postinf<Ctlous 1t<1table bowd syndrome.
se prevenir e tratar a SII pós-infecciosa. I Pedialr Gastroemerol N..ar, 2009; 48 S11ppl. Z..$95-7.
O arsenal terapeutico para a SII está em constante cresci- Bosset1. JT & Cash, BD. A review ofírritable bowd s yndrome anel an update on
thcnpeutic approodles. E.xpDt Opin Phannaeotloer, 2008; 9:1 129-43.
mento, como mostra o Quadro 40.3. Drogas capazes de pre- Brmner, DM. MoeUu, M), Cbey, WD. The utUity of probiotic:s in thetreaunent
venir a sensibilização central, analgésicos viscerais e serotoni- of írrilable bowd syndrome: a systcmatlc review. Am 1 Gastro<nterol, 2009;
nérgicos estão sendo testados em inúmeros ensaios cünicos. 104:1033-49.
Receptores JC-opioides (asimadolina), antagonistas do recep- Carnlllerl, M. Evolving conapts of the pathogenesis of irritable bowd syn·
tor 1 PGA-2 e imunossupressoras para a SII pós-infecciosa drome: to treat the brain or the gull/. Ptdiatr Gastroenterol Nutr, 2009;
48:546-8.
estão sendo pesqulsados com afinco. A justificativa para a Camlllerl, M. Management ofthelrrltable bowel syndrome. Gostro<ntnology,
investigação dos agonistas e antagonistas dos receptores da 2001; /20:652-68.
serotonina (5- HT) baseia-se no fato de que estas substâncias Camlllerl, M & Talley, NJ. Pathophysiology as a buls for understandlng symp-
participam na transmissão de estímulos sensoriais dolorosos tom complexes ond therapeutic largeiS. Nturogastroenterol Motll, 2004;
para o SNC, apresentando propriedades neuromoduladoras 62:35-42.
Chang, L & Heitkemper, MM. Gender dilferen«1ln lrritable bowel syndrome.
seletivas, capazes de regular a peristalse e reduzir a sensibi- Ga.stroenterology, 2002; 123:1686-701.
lidade víscera!. Cremonini, F & Talley, NJ. Irritable bowel syndrome: Epldemiology, Natural
A continuidade do trabalho de pesquisa dos investigadores history, Healthcon: Seeklng and Emerglng Rlsk Factors. Gastroenterol Clin
do Comitê de Roma nos proporcionará, em um futuro próxi- N Am, 2005; 34:189-201.
mo, uma melhor compreensão da epidemiologia e fisiopato- Drossman. DA. The functional gaslroinlestinal disorders and the Rome lli
process. Gastroenterology, 2006; 130:1377·90.
logia dessa slndrome e, consequentemente, melhores opções Drossman, DA, Creed, Fli, Olden era/. PsychoSO<:Ialasl"'clS ofthe functional
terapêuticas para os pacientes. gutrointest.inal disorders. Gut, 1999; 45 Suppl. 2:!125-30.
Dukow.icz, AC. Lacy, BE, Levine, GM. Smail lnlestinal Bacterial Overgrowth: -
A Comprcl!enslve Revlew. Gosrr~nttrol Htpatol, 2007; 3:112-22.
Dunlop, SP, Hebden, J, Campbell, E tt ai. Abnonnal intestinal permeability
In subgroups of dlarrhea - predominant lrritable bowel syndromes. Am I
T Gastro<nurol, 2006; 101:1288-94.
Quadro 40.3 Novas drogas em investigação para a Sll Oupont, AW. Post-in!ectious irrit1ble bowd syndrome. Curr Gastroenterol Rlp,
2007; 9:378-84.
EI .Serag, HB, Pilgrim, P, Schoonfdd, P. S)'Jielnlc revlew: natural history o f
Mtdlamtnto Sll ~moltc~~blr
írritable bowd syndrome. Allrounr Phai'1MCOI11o<r, 2004; 9:86-70.
RAMOSETRON SU· O Antagonista 5· HT, Ford, AC. Management of írritable bowd syndrome. Millerw Gaslroenterol
IMIOI, 2009; 55:273-87.
RENZAPRIOE Su-e Antagonista 5· HT/ Agonista 5-HT. Ford,AC. Talley, NJ,Spiegel. BM et aL Efi'ect offibre, anuspasmodics,and pep-
OOP733 SU·C;ORGE Antagonista 5-HT, permint oil in the treatment ofirritable bowellyndrome: systematic rtview
OOP225 SU·O Antagonista da recaptação de NA/ ond meta-onalysU. BMJ, 2008; JJ7:a2313 a 23.
Antagonista 5-HT, Grundmann, O & Yoon, SL. lrritable bowd syndrome: epidemiology, diagno-
sls and trntment: an upclate for heahh-care practitloners. I Gastro<nterol
OEXLOXIGLUMIOE su-e Antagonista do receptor eeK1 Hepo.IOI, 2010; 25:691-9.
eROFELEMER SU·O Bloqueador da proteína eFTR Hanevílc, K, Dizdar; V. Langdand, N. Devdoprnent o{functlonaJ gasuointestinal
LINAeLOTIOE su-e Agonista do receptor da guanilina d.isorders ailer Gian/14 lamblitJ lnfectlon. BMC G.utro.nttrol, 2009; 21:9:27.
Hefner, J. R.ilk, A, Iierbert, BM er al. Psychologlcal adjustment and autonomic
PROBIÓTieOS SU Microflora intestinal
disturbances in inflammatory bowel dlseases and lrrit1ble bowd syndromo.
SAREOUTANT SU· C; SU·O Antagonista do receptor NK2 Z Gastromterol, 2009; 47:1153-9.
SSR 241586 SU Antagonista do receptor NKJ/NK2 He.itkemper, MM & )arrett, ME. Upclate on irrllable bol.'tl syndromo and gonder
ONK333 SU·O differences. N11tr Clín Pract, 2008; 23:275-83.
Antagonista do receptor NK 1/NK2
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgl1db• pubm<d&cmd=Search
NEPAOUTANT SU•C; SU·O Antagonista do receptor NK2 &itool=pubmed_Abs trac t&term• 9622Lembo+A'Hi22'HiSBAuthor'l65D
TALNETANT SU•C; SU·O Antagonista do receptor NKJ Lembo, AJ, Ameen, VZ, Orossma.n, DA. Irrltable bowclsyndrome: toward
AV60S SU Antagonista d o receptor NK 1 an understanding of severlty. Clin Gastroenrerol Hepo.tol, 2005; 3:717-25.
Levy, RL, Olden, KW, Nalibolf, BD etal. Psychosocialaspects oftbo functional
SOLABEGRON SU Agonista do receptor adrenérgico 83 gastrointestinal disorders. Gastrotnterology, 2006; 130:1447-58.
GW876008 SU Antago nista d o receptor eRF 1 Longstreth, GF, Thompson, WG, Chey, WD etal. Functional Bowd Disordcrs.
BMS-562086 SU Antago nista d o receptor eRF1 Ga.stroentero/ogy, 2006; /30:1480-91.
Mayer, EA. Qinical practice. lrritable bowel syndrome. N Engl/ Med, 2008;
ASIMAOOLIN E SU Antago nista do receptor K-opioide 358:1692-9.
OEXTOFISOPAM SU-C; SU·O Eixo cérebro-intestino Minderhoud, IM, Oldenburg, B, Wlsneljer, JA ct ai. IBS-IIke aymptoms in pa-
(benzodiazepinico-/ike) tients with inOammalory bowel disease In remission; relationships w.ith
TIANEPTINA SU Recaptador de serotonina quality oflife and coplng behavior. Dig Dis sa, 2004; 49:469-74.
Ohman, L & Simren, M. New insights lnto lhe pathogenesis and pathophysiol-
GTP-Q10 SU·O; OF Agonista do receptor GLP- 1
ogyofírritable bowd syndrome. Dig Uwr Dis, 2007; 39(3):201 - 15.
AGN 203818 SU Agonista a ·adrenérgico Parkes, GC. Brostoff, ), Whtlan, K, Gostrointestinal mlaobíot1 in írritable bowel
syndrame: their role in iiS pathogenesis and tteaunent. Am I Gastroenterol,
CCK. cole<inoclnlno; CRF, fator l i~odor do cortkotropino; Df. dispepsia fundonal;
DRGE, doonça do rofluxo ganroosofiglco; GLP. peptidoo glucogon s ímile; NA. 2008; 103:1557-67.
norodrenalino; NK. nourocinlno. Pasricha, PJ. Desperatdy S<Oddng sero<onln. A commentary on the w.ithdrawal
Adoptodo do Posricho PJ. GostroMrorology, 2007. of tegatftod and the staro of drug dn"'lopment for functional aod motility
di.sordets. Gasrroenrtrology, 2007; IJ2:2287-90.
448 Capftulo 40 I Sfndrome do Intestino lrrit6vel

Pimentel, M. Rcvicw of rifaximin as treatmcnt for SISO and IBS. Expert Opin Schmulson, M, Valcnzucla. 1. Alvarado, I et ai. Latin-Amcrican conscnsus on
lnvestig Drugs, 2009; 18:349-58 irritablc bowcl syndromc: algorithm. Gastroenterol Hepato~ 2001; 27:635.
Posscrud, I, Stotzcr, PO, Bjõrnsson, ES et ai. Small intestinal ooctcrial ovcrgro- Shah, ED. Basseri, RJ, Chong. K. Pimentel, M. Abnormal Breath Testing in IBS:
wth (SIBO) in irritablc bowcl syndrome. Gut, 2007; 56:802-8. A Mcta-Analysis. Dig Dis Sei, 2010.
Quartero, AO, Mcinochc-schmidt, V, Muris, I et aL Bulking agcnts, antispas- Spillcr, R & Garscd, K Postinfcctious irritablc bowclsyndromc. Gastroentero-
modic and antidepressant medication for thc treaUnent of irritablc bowcl logy2009; 136:1979-88.
syndromc. Cochrane Database Syst Rev, 2005; 18:(2):CD003460. van Zanten, SV. Review: fibre, antispasmodics, and p eppennint oi! are ali effec-
Quilici, F. Francesconi, CF, Passos, MC et ai. S!ndrome do Intestino Irritá- tivc for irritablc bowclsyndromc. Evid Based Med, 2009; 11:84.
vel - visão integrada ao Roma 111. 2' edição, São Paulo. Segmento Farma. Videlock, EJ & Chang, L. lrritable bowel syndrome: current approach to
2008, 1-128. symptoms. evaluation. and trcatmcnt. Gastroente.rol Clin. North Am. 2007;
Rhee. SH, Pothoulakis, C, Mayer, EA. Principies and clinicai implications of 36:665-85.
the brain-gut-enteric rnicrobiota axis. Nat Rev Gastroenterol Hepatol, 2009; Wald, A & Rakcl, O. Bchavioral and complcmcntary approachcs for thc trcat-
6:306-14. mcnt of irritablc bowcl syndrome. Nutr Clin Pract, 2008; 23:284-92.
Saad, RI & Chcy, WD. Rcccnt dcvclopmcnts in thc thcrapy of irritablc bowcl Wang. LH, Fang, XC, Pan, GZ. Bacillary dyscntcry as a causativc factor ofirri-
syndromc. Expert Opin lnve.stig Drugs, 2008; 17:117-30. tablc bowcl syndromc and its pathogcncsis. Gut, 2001; 53:1096-101.
41 Doença Diverticular do Cólon
José Alves de Freitas e Mounib Tac/a

um fenômeno de pulsão intraluminal que enfraquece a parede


• INTRODUÇÃO ECONCEITO da víscera, permitindo a herniação nos pontos mais fracos, ge-
Divertículos são hemiações da mucosa e da submucosa atra- ralmente nos locais de penetração dos vasos sanguíneos (Figura
vés da camada muscular da parede do tubo digestivo. Podem 41.1). Merecem destaques os fatores descritos a seguir.
ocorrer em qualquer parte do trato gastrintestinal, porém são
muito mais frequentes no cólon. Podem ser congênitos ou ad- • Resistência da parede colônica
quiridos. Os primeiros são raros, geralmente únicos, e são con-
siderados divertlculos verdadeiros, pois são formados por todas Diferente de outras partes do trato gastrintestinal, o cólon
as camadas do órgão. Os adquiridos são os mais frequentes e é o único local onde a camada muscular externa não envolve
considerados pseudodivertículos, pois somente a mucosa e, às totalmente a víscera. Na verdade, as fibras musculares desta
vezes, a submucosa se hemiam. camada coalescem formando bandas musculares chamadas de
A diversidade de nomenclatura usada tanto por leigos como tênias que percorrem todo o comprimento do cólon.
por alguns médicos causa muita confusão. O termo diverticu- Embora os achados histológicos típicos da doença divertícu-
lose refere-se à presença de divertículos assintomáticos no có- lar seja o espessamento da camada muscular, o encurtamento
lon, enquanto diverticu/ite indica inflamação do divertículo e, da tenia co/i e a contração muscular, nem sempre ocorre hiper-
comumente, é acompanhada de sintomas (geralmente com dor trofia muscular. Estudos utilizando-se microscopia eletrônica
e febre). Hoje há uma tend!ncia univenal em empregara deno- revelaram que a estrutura da parede do divertículo consiste
minação genérica doetJÇQ diverticular do cólon (DDC), já que, em células musculares normais, porém nota-se aumento de
muitas vezes, é diffcil diferenciar diverticulose de diverticulite. até 200% na deposição de elastina nas tênias em comparação
Mesmo a palavra diverticulite, qu.e significaria inflamação e/ou ao tecido normal. A elastina é depositada de forma tal que re-
infecção do divertículo, não é muito apropriada, uma vez que o sulta em encurtamento da tênia e deixa a musculatura normal
processo infecc.ioso pode ser muito mais pericólico e, portanto, altamente contrátil, contribuindo para o aumento da pressão
uma peridiverticu/ite. intraluminar. Alterações na deposição do colágeno consequente
Quanto à localização, a DDC pode ocorrer em qualquer par- ao envelhecimento parecem exercer um papel crucial na resis-
te do cólon, mas acima de 95% dos casos ocorrem no descen- tência da parede.
dente e sigrnoide. ~ interessante observar que a distribuição
anatômica dos divertículos varia com a geografia: nos países
industrializados ocidentais, os divertículos predominam no
• Distúrbios da motilidade
sigmoide e cólon esquerdo, enquanto, no Oriente, o lado di- Estudos manométricos realizados em pacientes com e sem
reito é a sede mais comum. doença diverticular evidenciaram aumento na pressão intralu-
minal em repouso, pós-prandial e estimulado por neostigrnina
nos portadores de divertículos. Estudos simultâneos de pressão
• ETIOPATOG~NESE intraluminal e cinerradiografia confirmaram esses achados.
Partindo destas observações, surgiu a teoria da segmentação,
Até hoje não conhecemos o mecanismo exato de formação segundo a qual a contração do cólon origina pequenas câma-
do divertículo. Alguns acreditam que a sua presença constitui ras, o que proporciona um aspecto segmentar no cólon. Esta
um processo normal do envelhecimento. Outros dizem que são segmentação tem papel fisiológico no transporte e absorção de
consequentes a distúrbios da musculatura colônica, da função água. Entretanto, em algumas circunstâncias, há aumento de
motora do cólon, ou da dieta pobre em fibras e rica em car- pressão dentro destas câmaras, favorecendo a herniação. Este
boidratos. Parece ser consenso que o divertículo é proveniente efeito pode ser amplificado pela deficiência de fibras na dieta.
de alterações nas estruturas anatômicas do cólon associado a Recentemente, verificou-se que, além do aumento da pressão

449
450 Capftulo41 I DoençaDivertlcu/ardoCólon

intralwninar, pacientes com DDC sintomática apresentam altos Do ponto de vista anatomopatológico, o divertículo é for-
indices de motilidade quando comparados a assintomáticos e mado por um óstio e uma parte sacular ou corpo. Seu tamanho
indivíduos normais. Contudo, é ainda discutlvel se o aumento é variável, podendo chegar a 5 em de diãmetro. A sua secção
da pressão intraluminal e a alteração de motilidade represen- mostra que é formado por mucosa e serosa. Algumas veus, po-
tam causa ou consequência da doença. demos encontrar também parte da sub mucosa ou da museu/a ris
mucosae. Na doença diverticular do sigmoide, ambas as cama-
• Teor de fibra na dieta das musculares estão espessadas. Há encurtamento das tênias e
contrações musculares, produzindo uma deformidade chama-
A revolução industrial, com suas máquinas cada vez mais da de miocose, que estreita e, algumas veus, obliterao lúmen
modernas, removeu mais de dois terços do conteúdo de fibras intestinal, criando compartimentos temporariamente isolados.
dos alimentos. A diminuição no teor de fibras na dieta humana As tênias aparecem espessadas e encurtadas, adquirindo consis-
após este periodo correlaciona-se muito bem com o surgimento tência quase cartilaginosa. À microscopia, a camada muscular
da doença diverticular sintomática A variabilidade geográfica está espessada, porém sem hipertrofia ou hiperplasia celular. A
da DDC e a correlação com a dieta ocidental sugerem que o musculatura circular apresenta-se septada, formando fascículos
teor de fibra e o alto teor de carboidratos na dieta exercem um bem demarcados, separados uns dos outros por tecido conjun-
papel fundamental na patogênese de doença. Esta dieta produz tivo. Nos casos em que ocorreram surtos múltiplos de infla-
um bolo fecal pouco volumoso, retendo menos água, alteran- mação, pode-se evidenciar tecido fibroso envolvendo o cólon.
do o trânsito col6nico e aumentando a pressão intraluminal. Nessa situação, a alça torna-se rígida e com estenose da luz.
Painter e Burkitt, ao estudarem o tempo de trânsito intestinal
e o peso das fezes de 1.200 indivíduos na Inglaterra e em uma
zona rural de Uganda, verificaram que os pacientes ingleses in- • EPIDEMIOLOGIA
geriam pouca fibra e apresentavam tempo de trânsito de 80 h e
110 gramas de feus/dia em comparação a 34 h e 450 gramas de A DDC é muito comum em países desenvolvidos, e a sua
fezes/dia nos ugandenses que têm uma dieta basicamente vege- frequência aumenta com a idade. O aumento na prevalência
tariana. Em vista disso, os autores rotularam a DDC de doença da doença reflete o aumento na longevidade. Estudos basea-
carencial. Acreditava-se que o pequeno volume de fezes aliado dos em necropsias, colonoscopia e radiologia indicam preva-
ao prolongado tempo de trânsito predispunha a herniação. lência de:
Apesar desta hipótese bastante convincente, estudos em po- • 5 a 10% dos indivíduos abaixo de 50 anos
pulações ocidentais comparando-se o peso das fezes e o tempo • 30% entre 50 e 70 anos
de trânsito em pacientes com e sem doença diverticular não • 50% entre 70 e 85 anos
evidenciaram nenhuma diferença significativa. • 66% após 85 anos
Não obstante, estudos em anima.is, sobretudo em ratos ali-
mentados com dieta pobre em fibras, desenvolveram DDC em Quanto ao sexo, há predomlnio nas mulheres, na propor-
ção de 3:2. Complicações são relativamente frequentes, po-
45% dos casos comparados a 9% daqueles que receberam dieta
com altos teores de fibra. rém a mortalidade em consequência da doença não ultrapassa
1:10.000.

• Outros fatores
Outros fatores que, de alguma forma, contribuem para o • ABORDAGEM CLfNICA
surgimento de divertlculos são sedentarismo, obesidade, cons-
A DDC pode-se apresentar de forma assintomática, sinto-
tipação intestinal, fumo e tratamento com anti-inflamatórios mática e complicada. Por este motivo, e por motivo puramen-
não esteroides. te didático, abordaremos o quadro clinico, os procedimentos
diagnósticos e o tratamento de cada forma separadamente.

\ 'a\() ''''JtUhlt"' l>hrnk ulo • Doença diverticular assintomática


T ônla A simples presença do divertlculo ao longo do cólon não
anfimMf'nt#rica ocasiona sintomas. A grande maioria dos pacientes (75-80%)
permanecerá assintomática a vida toda. Neste caso, a doença
será diagnosticada casualmente através de enema opaco (Figu-
ra 41.2), colonoscopia (Figura 41.3),laparotornia por qualquer
outra razão ou pelos métodos de imagem.
Esta forma de apresentação não requer tratamento nem
qualquer seguimento médico, contudo alguns estudos recen-
tes sugerem que o aumento no teor de fibras, notadamente
solúveis, na dieta parece diminuir o risco de aparecimento de
n~tnff rira sintomas. Para tanto, basta que o paciente aumente o consumo
de frutas e vegetais.
ln1t r1ênlas
\pfndi«
t piploico
• Doença diverticular sintomática
Figura 41 .1 Mecanismo de formação do dívertfculo. (Esta figura en- Nos pacientes com DDC não complicada, o principal sin-
contra-se reproduzida em cores no Encarte.) toma é a dor abdominal. Esta geralmente é em cólica, inter-
Copftulo 4 1 I Doença Diverticulor do C61on 451

• Doença diverticular complicada


O espectro da DDC complicada inclui: diverticulite ou abs-
cesso peridiverticular (pericólico); perfuração com peritoni-
te, fistulização para dentro de vísceras adjacentes, obstrução
e hemorragia.

• Diverticulite
Diverticulite é a complicação mais comum, acometendo
10-25% dos pacientes com DOC. O mecanismo de formação
da diverticulite é semelhante ao da apendicite, ou seja, o diver-
tículo é obstruído por fezes endurecidas que provocam abrasão
da mucosa do saco diverticular (Figura 41.4), causando infla-
mação e proliferação da flora bacteriana local, aca.rretando di-
minuição do fluxo venoso e isquemia localizada. A in.tiltração
bacteriana rompe a mucosa e o processo pode se estender por
toda a espessura da parede, algumas vezes ocasionando perfu-
ração. A extensão e localização desta perfuração é que vai esta-
belecer o quadro clínico. Micro perfuração poderá permanecer
Figura 41 .2 Enema opaco- DOC.
bloqueada pela gordura pericólica e mesentérica, ocasionando
um pequeno abscesso pericólico. Grandes perfurações podem
resultar em abscessos algumas vezes envolvendo toda a parede
cólica, formando uma grande massa inflamatória ou estender-
se para órgãos vizinhos. Perfuração em peritônio livre é um
quadro grave que causa franca peritonite e acarreta risco de
morte. Felizmente, esta situação é rara.
A gravidade da diverticulite pode ser graduada de acordo
com a dassíficação de Hinchey (Quadro 41.1 ).
Clinicamente, o paciente com diverticulite quase sempre se
apresenta com dor no quadrante inferior esquerdo, uma vez
que a DDC predomina no sigmoide, contudo indivíduos com
sigmoide redundante podem apresentar dor suprapúbica ou
até mesmo na fossa illaca direita. A dor pode ser intermitente
ou constante e, algumas vezes, associa-se com mudanças no
hábito intestinal. Hematoquezia é rara, entretanto anorexia,
náuseas e vômítos são frequentes.
O exame fisico geralmente revela sensibilidade localizada
e eventualmente massa palpável. A ausculta mostra ruídos
hidroaéreos tipicamente diminuídos, podendo ser normais nos
Fig ura 4 1.3 Colonoscopia- DOC. Ostios dívertlculares. (Esta figura casos leves e exacerbados nos casos com obstrução do lúmen.
encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) O toque retal geralmente é doloroso e nos abscessos pélvicos
revela massa palpável. A maioria dos pacientes desenvolve fe-
bre. Hipotensão e choque podem ocorrer, mas são raros. Leu-
cocitose está quase sempre presente.
mítente, com intensidade variável, mas frequentemente leve a
moderada, localizada quase sempre na fossa illaca esquerda ou
na região infra umbilical. Costuma acompanhar-se de flatulên-
cia, distensão abdominal e alteração do hábito intestinal (cons-
tipação intestinal ou diarreia). A dor geralmente é exacerbada
pela alimentação e aliviada com a defecação ou eliminação de
flatos, sugerindo tensão na parede colônica devido ao aumen-
to da pressão intraluminal. Muitas vezes, é dificil estabelecer
uma relação causal entre os sintomas e a doença. O exame fí-
sico pode revelar um abdome distendido, sensível à palpação,
notadamente na fossa illaca esquerda; os exames laboratoriais
em geral são normais.
O diagnóstico definitivo pode ser obtido através do enema
opaco ou da colonoscopia.
O tratamento nestes casos consiste apenas na orientação
com relação à possibilidade de complicações da doença, ade-
quar a ingesta de fibras e lfquidos e prescrever antiespasmódicos
quando necessário. Não há qualquer fundamento científico na Figura 4 1.4 Díverticulite. Nota-se reação inflamatória em volta de
utilização de antibióticos e analgésicos potentes (narcóticos) um óstio diverticular. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores
nestes pacientes. no Encarte.)
452 Capftulo41 I DoençaDivertlcu/ardoCólon

T
Quadro 41.1 Oas.sificação de Hind!ey para diverticulite

1- Oivenkulite com abscesso pericólíco, proce<SO lnflamatótio localizado.


11 - Di\lenkulite com abs<essos peritoneais.
111 - Dlvertkullte com peritonite purulenta generalizada.
N - Di\lenicullte com peritonite fecal generalizada.

O diagnóstico diferencial deve ser feito com apendicite agu-


da, especialmente nos asiáticos (nos quais a DDC predomina
no cólon direito) e nos indivíduos com sigmoide redundante,
doença inflamatória intestinal e carcinoma do cólon. Nas mu-
lheres, distúrbios ginecológicos, como cisto de ovário roto, tor-
ção ovariana, gravidez ectópica e doenças inflamatórias pélvicas
podem se confundir com diverticulite. Nestes casos, geralmente
a ultrassonografia auxilia muito. Figura 41.5 Ultrassonografia mostrando espessamento da parede
intestinal (A) e divertfculo (B).
Do ponto de vista diagnóstico, o quadro clínico da diverti-
culite em geral é suficiente para se instituir empiricamente o
tratamento. Contudo, exames laboratoriais básicos, tais como
leucograma e urina tipo I, devem ser realizados. Outros exames abscessos maiores, pode-se utilizar a drenagem percutânea diri-
são reservados para os pacientes nos quais exista alguma dúvida gida por ultrassom ou tomografia computadorizada. As formas
em relação ao diagnóstico ou quando a terapêutica empírica não leves recebem antibióticos por 7 dias; as graves, por 14 dias ou
está funcionando e ainda quando há suspeita de complicações. até mais, dependendo da evolução. Analgésicos e antiespasmó-
Neste sentido, os principais exames a serem realizados são os dicos devem ser utilizados rotineiramente.
Raios X de tórax e simples de abdome. Devem ser realizados em Recentemente, baseado na teoria de que na DDC existe in-
pacientes com dor abdominal importante. Os raios X de tórax flamação crônica na parede intestinal, vem sendo empregada
permitem visualizar pneumoperitônio (se existir) e avaliar o a mesalazina associada à antibioticoterapia para o tratamento
estado cardiopulmonar. Os raios X simples de abdome estão al- de formas moderadas. Os trabalhos iniciais revelam que a me-
terados em 30-5096 dos padentes. Os achados radiológicos mais salazina diminuiu o curso da diverticulite e, possivelmente,
frequentes são: dilatação do intestino delgado, Oeo adinâmico, diminuiria as recidivas.
pneumoperitônio, obstrução intestinal ou massa de densidade O papel dos probióticos no manejo da DDC, complicada ou
de partes moles no abdome sugerindo abscesso. não, está sendo investigado. Nos casos em que há constipação
Enema opaco deve ser evitado, não só pelo risco de perfura- intestinal associada, os resultados iniciais são animadores. En-
ção, mas também pela limitação de informações obtidas, uma tretanto, esta opção terapêutica não está ainda padronizada.
vez que a diverticulite é um processo extraluminal.
Ultrassonografia e tomografia computadorizada constituem, • Perfuração
hoje, exames de primeira escolha para o diagnóstico de diverti- As formas graves (Hincbey lii e IV) geralmente cursam com
culite por se tratar de métodos não invasivos e de alta resolução. perfuração. Esta pode ser espontânea ou iatrogênica (durante
Permitem identificar espessamento da parede intestinal pelo a realização de exames radiológicos ou endoscópicos). Se a in-
processo inflamatório, abscessos e eventualmente o próprio fecção originada de um divertículo perfurado não é imediata-
divertículo (Figura 41.5}. mente selada pelas defesas peritoneais habituais, pode ocorrer
A tomografia computadorizada (TC) é ainda melhor do que perito oi te generalizada (Figura 41.6}. Os pacientes queixam-se
o ultrassom, pois este é prejudicado com a presença de gás no de dor acentuada, o abdome a princípio é sensível, logo evo-
cólon. Através deste exame, pode-se evidenciar e dimensionar luindo para defesa em todos os quadrantes, e até rigidez da
infiltração no tecido gorduroso pericólico, espessamento da parede abdominal. Há leucocitose, embora quadros muito gra-
parede cólica e abscessos. A sensibilidade do exame varia de ves possam cursar com leucopenia. Ao estudo radiológico, a
93-98%, enquanto a especificidade atinge 75-10096. Estes resul- presença de ar livre na cavidade peritoneal é muito sugestiva,
tados são significativamente mais acurados e seguros do que mas a ausência de ar não elimina o diagnóstico. O tratamento
aqueles dos exames contrastados. é cirúrgico, de urgência.
A colonoscopia deve ser realizada com cautela pelo risco A perfuração de um divertículo pode gerar um abscesso. A
de perfuração. dor se localiza no quadrante inferior esquerdo do abdome. Por
O tratamento da diverticulite não complícada (Hinchey I) vezes, palpa-se uma tumefação, e, se o abscesso é profundo, o
pode ser feito ambulatorialmente e inclui dieta branda e anti- toque reta! pode evidenciá-lo. O melhor exame complementar
bioticoterapia de largo espectro. Se o tratamento ambulatorial é a TC. O tratamento preferencial é a drenagem transcutânea,
falha, ou o paciente é imunossuprimido, deverá ser hospitaliza- ou, se o abscesso é muito baixo, a drenagem pode ser execu-
do. Passado o surto agudo, voltar à dieta rica em fibras. tada através da parede do reto, por vía transanal ou transvagi-
As formas moderadas (Hinchey 11) também podem ser tra- nal. Abscessos multiloculados, ou inacessíveis, serão drenados
tadas clinicamente, mas com o paciente internado. Prescreve- cirurgicamente.
se dieta leve, com o intuito de manter o cólon em repouso, e Conforme mencionado, as fistulas são consequentes a abs-
antibioticoterapia sistêmica de largo espectro. Na presença de cessos que se estendem para órgãos adjacentes ou perfuração.
Capitulo 41 I Doença Dlvertlcular do Cólon 453
Em geral, elas se formam entre o cólon e a bexiga. Nesse ca.so, • Hemorragia
além dos sintomas inflamatórios, o paciente poderá apresen- Constitui uma das principais causas de enterorragia, res-
tar disúria, pneumatúria e fecalúria. São mais frequentes no pondendo por 40% dos casos. Acomete 5 a 10% dos pacientes
homem na proporção de 2:1 em relação às mulheres devido à com DDC. Na metade dos casos, a hemorragia poderá ser grave,
proteção da bexiga pelo útero. Poderão ocorrer também fistulas colocando em risco a vida do paciente. Não se conhece o meca-
colovaginais e colocutAneas. nismo exato da hemorragia. Estudos histológicos demonstram
Cistoscopia, cistografia, radiografias contrastadas utilizan- que não há inflamação, o que se vê é um enfraquecimento da
parede dos vasos com um espessamento da íntima e adelgaça-
do-se constrastes dissolvidos em água ou azul de metileno po-
mento da camada média. Sabe-se que o sangramento é arterial e
dem demonstrar o trajeto fistuJoso. ocorre, provavelmente, em consequência de erosão da mucosa
As 6stulas diverticulares são, em sua maioria, tratadas ci- do divertículo e dos vasos subjacentes.~ interessante observar
rurgicamente. que estudos recentes demonstraram que os anti-inflamatórios
Após a resolução de um episódio de diverticulite aguda, é não esteroides (AINEs) acarretam risco de sangramento no
necessário investigar o cólon inteiro no sentido de excluir si- paciente com DDC na mesma proporção que nos pacientes
tuações que mimetizem inflamação, principalmente câncer e com úlcera duodenal.
doença inflamatória intestinal. Cerca de 3 a 5% dos casos ini- Estudos angiográficos demonstram que, apesar de os di-
cialmente diagnosticados como diverticulite são, na verdade, vertículos serem encontrados com muito maior frequência no
adenocarcinoma. A colonoscopia ou a tomografia computado- hernicólon esquerdo, 70% dos sangramentos provêm de diver-
rizada são os exames de escolha. tículos localizados no cólon direito.
O sangramento por DDC é caracteristicamente indolor, com
• Obstrução intestinal sangue vermelho-vivo (Figura 41.7), quase sempre em grandes
volumes. Em 80% dos casos, cessa espontaneamente, e 25%
Dependendo da intensidade e da frequência dos surtos de
destes apresentarão recidivas. !?. raro um divertículo do cólon
inflamação, poderá surgir estenose do lúmen intestinal, acar- causar sangramento crônico.
retando quadros de suboclusão ou, até mesmo, de oclusão in- Do ponto de vista clinico, o sangramento em geral tem iní-
testinal. Felizmente, essa complicação é rara e de fácil diagnós- cio abrupto e sem dor. O paciente às vezes tem cólicas abdomi-
tico. A obstrução aguda, durante um episódio de diverticulite, nais discretas e urgência para evacuar, segue-se a evacuação de
em geral é autolimitada e responde bem ao tratamento clini- sangue vivo, vermelho-rutilante, que assusta o paciente e seus
co. Raros casos exigem cirurgia. As estenoses crônicas devem familiares. A hemorragia cessa espontaneamente em 70-80%
ser submetidas a colonoscopia para se afastar câncer. Quando dos pacientes com ressangrarnento em 22-38% dos casos. A
sintomáticas, podem ser tratadas por via endoscópica (dilata- chance de um terceiro episódio de hemorragia é em torno de
ção por velas, por balão, pela eletrocoaguJação, ou laser), ou 50%, levando a maioria dos médicos a indicar cirurgia após o
cirurgicamente. segundo episódio.
O diagnóstico do local exato do sangramento é importante,
mas nem sempre fácil. O procedimento inicial é, na maioria
das vezes, a retossigmoidoscopia flexivel, mesmo sem preparo,
no sentido de identificar lesões no reto e/ou no sigmoide. Se
nenhuma causa for identificada, e se as condições do paciente
permitirem, o próltimo passo é a colonoscopia, que, além de
localizar o sangramento, possibilita, algumas vezes, o controle
da hemorragia através de esclerose do vaso roto.
Muitas vezes, é dificil identificar o local exato do sangramen-
to. Nesta situação, a cintigrafia com hemácia marcada constitui
um método bastante eficaz, não invasivo e sensível, detectan-
do sangramento tão pequeno como 0,1 ml /min. Além disso, a

Figura 41 .6 Raios Xde cólon (enema opaco). Doença diverticular


em cólon esquerdo, com perfuraçao bloqueada de divertículo em
sigmoide, demonstrada pelo extravasamento do meio de contraste Figura 41.7 Divertículo hemorr~lco identificado à colonoscopia. (Esta
para fora da luz do Intestino. figura encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ
454 Capftulo 41 I Doença Dlvertlcular do Cólon

hemácia permanece marcada por 24 h, permitindo repetição matório grave, não ocorrendo melhora após 72 h de tratamento
de pesquisa várias vezes. clínico, deverão ser avaliados para abordagem cirúrgica.
A angiografia, embora não seja tão sensivel quanto a cinti- O tratamento cirúrgico nos pacientes com DDC consiste,
grafia, tem a vantagem de identificar o local exato do sangra- basicamente, em remoção do segmento intestinal comprome-
mento, permitindo uma hemicolectomia seletiva, se necessá- tido, controle da sepse e eliminação de outras complicações,
rio. Algumas vezes, pode-se atuar terapeuticamente, durante o como fistulas e/ou obstrução, restaurando a continuidade do
exame, através da administração intra-arterial de vasopressiruL trânsito intestinal.
Este procedimento cessa a hemorragia em 90% dos casos, en- Nas complicações inflamatórias agudas, poderá haver ne-
tretanto é temporário. cessidade de dissecção pélvica dificultosa, envolvendo, muitas
Durante o procedimento de investigação, o paciente deve vezes, ureteres, além da feitura de colostomia temporária.
estar com uma boa via de acesso para receber fluidos e repo- Nas cirurgias eletivas, é indispensável um preparo mecâ-
sição sanguínea. Não podemos esquecer que geralmente são nico do cólon para a sua limpeza, além da utilização de anti-
pacientes idosos e com uma ou mais comorbidades. bióticos para a redução da flora intestinal, propiciando, assim,
melhor segurança na feitura das anastomoses e reduzindo a
possibilidade de fistulas e/ou deisdncias, além de intercor-
rências sépticas.
• DIAGNOSTICO DIFERENCIAL Indicação para cirurgia emergencial inclui perfuração livre,
Em algumas circunstâncias, o diagnóstico diferencial pode com peritonite e grandes abscessos peridiverticulares. Nessas
ser muito dificil, pois várias doenças apresentam quadros cli- situações, o procedimento cirúrgico consiste, basicamente, na
nicos bem semelhantes. Dentre estas, destacam-se: remoção do segmento colônico comprometido e na colosto-
mia temporária, além de proceder-se à limpeza e drenagem da
cavidade abdominal. Representam situações muitas vezes de
• Carcinoma de cólon grande gravidade e morbidade, requerendo a utilização de anti-
Além do quadro clinico similar, o câncer do intestino e a bióticos de largo espectro, com atuação em flora gram-negativa.
Posteriormente, após a resolução da fase aguda e recuperação
DDC podem coexistir. Nesta situação, o aspecto radiológico é
das condições do paciente, o segundo tempo cirúrgico recons-
dúbio, e a colonoscopia, por dificuldades técnicas, pode não ser
tituirá o trânsito intestinal.
esclarecedora. O diagnóstico será feito na peça cirúrgica.
Nas situações de hemorragia pela DDC, em cerca de 90%
dos casos ocorre resolução espontânea, sem necessidade de
• Doença inflamatória intestinal qualquer abordagem tera~utica espedlica, além da reposição
volêmica. Em pacientes com sangramento continuo e/ou per-
Tanto a doença de Crohn como a retocolite ulcerativa po-
sistente, poderá haver indicação de cirurgia, com remoção do
dem apresentar sinais e sintomas superponíveis aos da DOC. O segmento de cólon envolvido, ou, então, através de arteriografia
exame radiológico ou endoscópico permitirá a diferenciação. mesentérica, a embolização do vaso sangrante. A opção ficará
na dependência da disponibilidade dos recursos existentes. Po-
• Colite isquêmica rém, na eventualidade da opção cirúrgica, é sempre importante
a localização do local de sangramento, através da colonosco-
Incide na mesma faixa etária da DOC. Além disso, as duas pia, da arteriografia ou, então, de estudos cintigrálicos. Mais
entidades podem coexistir, dificultando o diagnóstico. Algu- recentemente, a cirurgia videolaparoscópica também passou a
mas vezes, além do enema opaco, há necessidade de realizar ser utilizada para a abordagem do cólon, com reais beneficios,
arteriografia seletiva para o diagnóstico. como a redução da dor no pós-operatório e do Oeo paraütico,
assim como menor internação hospitalar. No entanto, para ob-
• Outras doenças tenção dessas vantagens, deverá haver uma criteriosa seleção
dos pacientes, uma vez que a taxa de conversão do procedimen-
A angiodisplasia intestinal hemorrágica pode simular san- to laparoscópico é superior a 2096. Habitualmente, a !aparos-
gramento por divertículo. Nessa oportunidade, a colonoscopia copia é utilizada para a liberação do cólon, porém a ressecção
decide o diagnóstico e pode ser terapêutica. A angiodisplasia e a anastomose são realizadas externamente, exteriorizando o
é uma alteração adquirida, raramente diagnosticada antes dos cólon através de pequenas incisões.
40 anos, e aumenta com a idade. As lesões são mais comuns A cirurgia videolaparoscópica é hoje amplamente utilizada
no ceco, mas cerca de 20% das angiodisplasias localizam -se nos para a reconstituição do trânsito em pacientes submetidos a
cólons descendente e sigmoide. Em alguns casos, pode haver cirurgias de urgência, com fechamento do coto intestinal dis-
dificuldade no diagnóstico diferencial com apendicite, espe- tai e colostornia proximal (cirurgia de Hartrnann). Nessas si-
cialmente se o sigmoide ultrapassa a linha mediana, ou se a tuações, o segmento proximal do cólon é liberado por vídeo e
diverticulite se assenta no cólon direito. a anastomose com o coto distai é realizada por grampeadores
Quase todas as doenças do trato geniturinário, especialmen- introduzidos VR
te em mulheres, podem simular DOC. Contudo, são entidades Finalmente, não considerando um quadro agudo de diverti-
de fácil diagnóstico. culite complicada por sepse, fistula ou obstrução, quais seriam
os candidatos ao tratamento cirúrgico? São os pacientes com
episódios recorrentes de diverticulite, aquele.s que são insuces-
• TRATAMENTO CIRÚRGICO so da terapêutica clinica, ou doentes nos quais urna estenose
colônica é de causa duvidosa (câncer? estenose cicatricial in-
Ce.rca de 20 a 30% dos pacientes portadores de DDC que flamatória?), pacientes sintomáticos com sanfonamento acen-
desenvolvem crises de diverticulite serão encaminhados para tuado do sigmoide (e espessamento da parede intestinal). Para
tratamento cirúrgico. Quadros evolutivos com processo infla- esses casos, devemos considerar o tratamento cirúrgico. Entre-
Capltu/o47 I DoençaDiverticulardoC6/on 455
tanto, pacientes que apresentam fatores de risco, ou aqueles Letwi.n. ER. Oivorticulitb of lhe colon. Oin.ical n:view o( acute prcsentatlons
imunodeprimidos, os doentes muito velhos e os portadores de and management. Am I SufJ, 1982; HJ:579·81.
divertículos no cólon direito, ou não deverão ser operados, ou, Rao, PM. Rhea. rr. N-Wne, RA <taL Helical cr with only colonlc conttUt
material for diagnosíng diverticulitis: prospecti'-e evalualion of1SO palients.
então, deverão ser cuidadosamente reavaliados, considerando- A.}R, 1998: 170:1445·9.
se a relação risco-beneficio. Roberu, PL. Current management o( diverticulitis. A.dv Surg, 1994: 27:189-
208.
Saclóer,JM. Laparoscopic colon and rectal surgery. Em: John G. Hunter &
• LEITURA RECOMENDADA Jonathan M. MlnlmaUy lt1vasive SutJery. Saclóer. McGraw·Hlll Inc., USA,
1993.
Dias, AR, Gondim, ACN, Nahas, SC. Atualização no tratamento da diverUculite Scha..tz Jr, DJ. Uncompllcated Diverticulitis. Indication for surgery and surgical
management. Surg Clln North Am, 1993; 965-74.
aguda do cólon. Rev Bras Coloproctol, 2009; 29:363· 71.
Farmakls, N, Tudor, RG, Kcighlcy, MRB. lhe 5· ycar natunl history o( cornpli· Simmang. CL & Shlres,lll, GT. Divtrticular diseaseofthe colon. Em: Feldman,
catcd divorticular dis.eue. Br I Surg, 1994; 81:733 ·5. M, Scharschmid~ 81\ Slelsenger, MH. Sldstnger and Fordtrans Gastrolntes·
Flack, MH & White, )A. Management ofdiverUcular disease is changing. World tina/ Dis.aJe, 6th ~.• Philadclpbia. W.B. Saunders Co., 1998.
J Gastrowtuol, 2006, 28; 12(20):3225·8. Stollman, NH & Rasltin, JB. Diagnosís and management o(diverticular disease
Foutch, PC. Divetticular bleeding and the pi8J11ent~ protubetllnoe (senUnil o( the colon In adu.l u. Am J Gastroenrerol. 1999; 94:3 110·21.
clot): cllnical implicalions, histopathological corrclatlon, and rcsulu of en· Stollman, NH & Rultln, JB. Oiverticular diseue of the colon. The lAncei 2004;
doscopic int<rvention. Am J Gastn>cntm>l, 1996: 91:2589·93. 363:631-9.
Jones, DJ. ABC of colorec1al diseases-<llverticular disease. BM], 1992; Teixeira, MG & Habr·Garna, A. Em: Dani, R. & Paula Castro, L. Gastn>tn·
304: 143S..S. tvo/ogi4 Ofn1ca, Dot1lf'l Dlverticular dos C6/ons, 3.• ed., Rio dt Janeuo,
Kang. JY, Mdvllle, O, MaxweU. O. Epidemiology and management of divertl- Guanabara Koogan, 1993.
cular disease ofthe colon. Drug Aging. 2004; 21:211· 28. Touzios, IG & Dozols, EJ. Oivertlculosis and dh-erticulitis. Gastroentuol CIJn
Kodner, IJ, Fry, RD, Fleshman, f\'/ tt ai. Colon, Rec:tum, and Anus. Em: N A.m, 2009: 38>513-25.
Schwartz, SI, Shires, GT, Spencer, FC ti ai. Prlnclplts ofSurgery, 7th ed., Young-Fadok. TM & Nelson, H. Laparoscopic colectomy. Current Oplnlon In
New York, McGraw-Hill, 1999. Gastroenterology, 1997; 13:41·6.
42 Apendicite Aguda e Outras
Doenças do Apêndice
Mounib Tac/a

• ANATOMIA EFISIOLOGIA DO APENDICE Nos países da África e Ásia, em decorrência de alimentação


rica em resíduos vegetais, a incidência de processo inflamatório
O apêndice é uma formação diverticular cil!ndrica, locali- agudo no apêndice é significativamente menor.
zada no ápice do ceco, na sua porção dorsal e lateral, cerca de
2,5 em abaixo da válvula ileocecal. Mede de 8 a IOem e repre- • Etiopatogenia
senta o subdesenvolvimento da porção distai do ceco, de gran-
des dimensões nos animais. As tênias do cólon convergem para Em cerca de 70% dos casos de inflamação aguda do apên-
a base do apêndice, facilitando a sua localização por ocasião de dice, a obstrução do lúrnen proximal do órgão, provocada por
procedimentos cirúrgicos. Em cerca de 16% dos casos, o apên- fecalito, parasitos, tumores ou corpo estranho, representa o fa-
dice está fixado em posição retrocecal tor desencadeante do processo, com consequente proliferação
Nos jovens, o apêndice é caracterizado pela grande con- bacteriana, e, nos 30% restantes, o fator desencadeante pode ser
centração de follculos linfoides; porém, com a passagem dos a hiperplasia linfoide ou, então, um processo catarral.
O processo infeccioso é iniciado no interior do apêndice, e
anos, essas estruturas linfoides são gradativamente substituídas
a suplência sanguinea local é alterada pela atividade bacteriana
por fibrose da parede e total ou parcial obliteração da sua luz.
na sua parede; na sequência, há distensão do lúmen pela for-
A presença concomitante dos follculos linfoides caracteriza a mação de secreção purulenta. Gangrena e perfuração poderão
função fisiológica do apêndice, com participação nos mecanis-
ocorrer dentro das 24 h após o inicio do processo, levando a
mos imunológicos. quadro de peritonite, localizada junto ao apêndice ou, então,
O relato de maior incidência de câncer do cólon em pacien- difusa pelo extravasamento do conteúdo intestinal em perit6nio
tes submetidos anteriormente à remoção cirúrgica do apêndice livre, levando a situações de extrema gravidade.
não foi ainda devidamente comprovado.
• Manifestações clínicas
• APENDICITE AGUDA • Sintomas e sinais
Habitualmente, o processo de apendicite inicia-se com dor
• Epidemiologia periumbilical ou epigástrica, com posterior localização na fossa
iliaca direita, piorando com a movimentação e deambulação,
Aproximadamente 7% dos indivíduos de países ocidentais podendo também ser acompanhada de náuseas e desconforto
apresentam, ao longo de sua existência, processo de inflamação epigástrico. Nessa fase, aparece a constipação intestinal e, pela
do apêndice. Nos EUA, são realizadas cerca de 200.000 apen- indefinição do quadro, é comum a administração de laxativos,
dicectomias anualmente, representando, sem dúvida, a mais no sentido de aliviar os sintomas. Febre moderada, de até 38°C,
frequente urgência abdominal cirúrgica. A sua incidência é é também manifestação típica. e a presença de temperaturas
maior na faixa etária de 10 a 20 anos, com preponderância em mais elevadas poderá sugerir outros diagnósticos ou, então,
indivíduos do sexo masculino, na proporção de 1,4:1. O risco perfuração do apêndice.
de incidência, ao longo da vida, nos EUA, é de 8,6% para o sexo O exame fisico do abdome revela sensibilidade dolorosa jun-
masculino e de 6,7% para o feminino. to ao quadrante inferior direito, e, em formas mais avançadas,
A apendicite aguda representa também a mais comum das poderemos perceber massa palpável no local, consequente ao
urgências na gravidez, com incidência de 0,15 a 2,10% por bloqueio do processo pelo epíploo; a descompressão brusca
1.000. O deslocamento do apêndice pelo útero grávido poderá dolorosa decorre do comprometimento peritoneallocal.
levar a dificuldades e retardo no diagnóstico, com consequente Complementando o exame do abdome, é também impor-
letalidade para o feto, com mortalidade fetal de 20 a 35% nos tante o toque reta!, para avaliação de eventual coleção em fundo
casos de apendicites com perfuração. de saco, percebida pelo abaulamento local.

456
Capftulo 42 1 Apendicite Aguda e Outras Doenças do Aplndlce 457

Em algumas situações, devido a variações na localização do derando que a apendicectomia desnecessária cria morbidade e
a~ndice, as manifestações clínicas poderão apresentar-se de aumenta custos, há muito interesse em otimizar a acurácia diag-
forma ati pica. Assim, uma localizaçã.o retrocecal poderá mini- nóstica. Estudos recentes mostraram que o exame ultrassono-
mizar a sensibilidade dolorosa na parede anterior do abdome, gráfico tem uma sensibilidade de 8196 e uma especificidade de
referindo-a então à região do flanco direito. A posição pélvica 96%. o que ajuda bastante no diagnóstico correto da apendicite.
provocará sintomas urinários e retais, e, nas grávidas, a mani- A TC, embora em alguns estudos apresente números me.lhores
festação clínica poderá ser no quadrante superior direito ou que a ultrassonografia, é um exame mais caro e, na maioria das
periumbilical, decorrente do deslocamento do apêndice pelo vezes, pode ser dispensado, pois os métodos clínicos e de exa-
útero grávido. Uma apendicite retrocecal ascendente pode- mes subsidiários mais simples já fecharam o diagnóstico. A TC
rá mimetizar colecistite aguda. :e importante também consi- estaria mais indicada em casos de dificil diagnóstico.
derar, no indivíduo adulto, o diagnóstico diferencial com a
diverticulite do cólon direito que, mesmo sendo doença me- • Diagnóstico díferencial
nos frequente, apresenta as mesmas manifestações clínicas da Em face das mais diversas formas na sua apresentação, a
apendicite aguda. apendicite deverá ser considerada no diagnóstico diferencial
O conjunto de sintomas clínicos, associado ao exame do de qualquer paciente com quadro abdominal agudo, indepen-
abdome, permite a suspeita do quadro infeccioso agudo, que dentemente de idade e sexo.
deverá ser devidamente confirmado pelos exames complemen- Cerca de 5 a 1096 dos pacientes com o diagnóstico de apen-
tares. Entretanto, no idoso. que muitas vezes evolui sem febre dicite aguda apresentam resultado negativo quando submeti-
e sem leucocitose, há necessidade de elevado nível de suspeita dos a laparotomia, ou então é encontrada uma outra doença
para não deixar passar urna apendicite. cirúrgica. A utilização de rotina da ultrassonografia e da tomo-
grafia computadorizada tem reduzido muito a possibilidade de
• Exames subsidiários diagnósticos incorretos; porém, em muitas situações, somente
• LDboratoriois através de laparotomia ou de laparoscopia haverá a confirma-
ção da doença abdominal realmente presente.
A leucocitose moderada (10.000 a 20.000 leucócitos/mm3),
As afecções mais frequentemente confundidas com a apen-
associada à neutrofilia, juntamente com a elevação de basto- dicite aguda são os processos pélvicos ginecológicos ou, en-
netes, segmentados e da velocidade de hemossedimentação
tão, gastrenterite, cólica renal ou pielonefrite agudas. A endo-
(VHS), caracteriza o chamado hemograma infeccioso, situ- metriose do a~ndice também poderá simular um quadro de
ação caracterlstica nos processos agudos do apêndice. A as- apendicite aguda, assim como outra afecção ginecológica, a
sociação de leucocitose, neutrofilia e elevação da proteína C salpingite aguda, por contiguidade, também poderá envolver
reativa representa também um parâmetro para a identificação o apêndice.
do processo de apendicite aguda, e a normalidade destes testes O comprometimento ileocecal da doença de Crohn, em sua
obrigará a uma melhor avaliação do diagnóstico. forma aguda, com manifestações no quadrante inferior direi-
O exame de urina também é importante, no sentido de afas- to do abdome, deverá também ser considerado no diagnóstico
tar eventual processo infeccioso de vias urinárias, ou litiase re- diferencial.
nal (cólica nefrética direita). A diverticulite de Meckel, com localização junto ao Ueo dis-
tai, representa outra situação que poderá levar à confusão diag-
• Exames de imagem nóstica, sendo praticamente impossível a diferenciação entre os
Não existe especificidade nos exames de imagens para afir- dois processos infecciosos. Porém, trata-se de situação irrele-
mação do diagnóstico da apendicite aguda, mas deverão ser vante, pois ambas as doenças são de abordagem cirúrgica.
analisados em conjunto com as manifestações clinicas. Uma outra afecçã.o que, às vezes, apresenta grandes dificul-
Os raios X simples do abdome poderão mostrar alça intes- dades na elaboração do diagnóstico diferencial é a linfadenite
tinal sentinela bloqueando o processo apendicular, além do mesentérica. Em relação às mulheres, é preciso estabelecer o
velamento da margem direita do músculo psoas, decorrente diagnóstico diferencial entre abscesso periapendicular e con-
do comprometimento peritoneal. dições como abscesso tubo-ovariano, cisto do ovário torcido,
A ultrassonografia abdominal, associada à abordagem com o gravidez ectópica rompida e ruptura de cisto folicular do ová-
transdutor transvaginal, poderá levar a uma positividade diag- rio. Em situações de vasculite sistêmica, poderá também ocorrer
nóstica de até 8596, com a grande vantagem de permitir o diag- o comprometimento do apêndice, bem como a incidência de
nóstico diferencial com outras doenças pélvicas. proliferação neural na slndrome de Van Recklinghause, em que
A tomografia computadorizada pélvica é de grande valia na a ocorrência de neuromas poderá obliterar a luz apendicular e
demonstração de processos perfurativos e/ou de abscessos pe- desencadear o processo infeccioso agudo.
riapendiculares. A utilização da tomografia computadorizada
helicoidal com administração do contraste venoso e VR repre- • Complicações
senta um método rápido e de grande eficiência no diagnóstico A perfuração do apêndice ocorre em cerca de 2096 dos casos e
da apendicite aguda. A não opacificação do apêndice representa deverá ser sempre considerada em casos com evolução superior
um critério maior para a sua confirmação do diagnóstico, ou, a 24 h, além da presença de dor persistente e contínua, com febre
então, o encontro do órgão espessado (diâmetro superior a elevada e sinais de irritação peritoneal. A perfuração poderá estar
6 mm) e/ou processo periapendicular. A tomografia apresenta, bloqueada, constituindo abscesso localizado junto ao a~ndice,
de modo geral, sensitividade de 8696 e especificidade de 8196. ou, então, poderá ocorrer a perfuraçã.o livre em cavidade ab-
Atualmente, em muitos centros, preconiza-se a realização da dominal, com consequente processo de peritooi te supurativa e
tomografia sem uso de qualquer contraste, como suficiente para concomitante quadro de toxemia desencadeado pela sepse.
a determinação do diagnóstico da apendicite aguda. Outras complicações da apendicite aguda são a peritonite, o
O diagnóstico de apendicite em adultos, puramente em ba- abscesso periapendicular localizado, a pileflebite com trombose
ses clínicas, pode ser alcançado em até 8096 dos casos. Consi- da veia porta, o abscesso hepático e a septicemia.
458 Capitulo 42 I Apendicite Agudo e Outros Doenças do Aplndice

• Tratamtnto 5% e, nas complicadas com perfuração e/ou gangrena, chega a


O tratamento das formas não complicadas da apendicite 20%. O uso de antibióticos reduzirá esta incidência.
aguda ~ sempre cirúrgico, podendo ser realizado através de Poderá ocorrer o aparecimento de abscessos intra-abdo-
laparotomia por incisão de McBurney ou, então, por videola- minais ou pélvicos no período pós-operatório, consequente à
paroscopia. O tempo de realização do procedimento cirúrgico contaminação da cavidade abdominal pelo processo apendicu-
deverá ser o mais breve possível, porém não havendo diferença lar infectado. O diagnóstico poderá ser formado pelo quadro
de incidência de complicações na indicação cirúrgica precoce clinico (dor local, febre, sepse) e confirmado por ultrassono-
(menos de 12 h do início de sintomas) ou tardia (de 12 a 24 h). grafia ou tomografia, com abordagem por nova laparotomia,
Após 36 h de evolução clinica, o índice de perfuração do apên- ou, então, por punção transcutânea.
dice varia de 16 a 36%.
A apendicectornia por via laparoscópica, apesar de ter sua
metodologia introduzida no início de 1990, ainda não setor- • OUTRAS DOENÇAS DO APENDICE
nou procedimento-padrão na abordagem da apendicite aguda.
Pesquisa realizada pelo Royal College of Surgeons of England, • "Apendicite crônica"
em 1996, demonstrou que, na Inglaterra, somente em 1 a 2%
O aparecimento de dor abdominal crônica, no quadrante
dos pacientes operados por apendicite aguda a via utilizada
inferior direito do abdome, sempre levanta a suspeita de um
foi a laparoscópica. Essa pouca utilização da via laparoscópica eventual quadro de apendicite crônica. No entanto, deveremos
talvez se deva ao fato de a operação a céu aberto ser realizada considerar a existência, na realidade, de crises recorrentes de
geralmente por residentes, pouco afeitos ainda à cirurgia vi-
formas brandas, ou frustas, de apendicite aguda, com resolução
deolaparoscópica, ou então porque a operação é realizada em espontãnea. O reaparecimento das crises dolorosas, em reagu-
horários fora da rotina do centro cirúrgico, quando há redução dizações do processo, muitas vezes se repete em intervalos de
de pessoal habilitado a manipular os equipamentos de video. meses, ou até de anos. Assim, a melhor denominação para esse
Outro fator limitante, também, é o custo do procedimento la- processo seria "apendicite aguda recorrente".
paroscópico, nem sempre coberto pelos seguros de saúde, além A persistência da dor, antes de levantar a possibilidade de
de o tempo operatório ser superior ao gasto em técnica con- uma forma "crônica" de apendicite, deve induzir o médico a
vencional por laparotomia. Com relação à morbidade, estudos pesquisar outras situações, particularmente a doença de Crohn,
randomizados de 1997 não demonstraram qualquer diferença cuja localização mais frequente é justamente na região do lleo
significativa entre os dois procedimentos. Entretanto, conside- distal-ceco, ou então descartar processos pélvicos ginecológicos
rando as dificuldades eventuais para o diagnóstico da apendicite ou de vias urinárias, ou, ainda, o cólon espástico e neoplasias.
aguda, a laparoscopia representa uma possibilidade di agnóstica Em algumas eventualidades, o diagnóstico diferencial é
que pode assumir grande importância em casos selecionados. bastante dificil, e, nessas situações, a laparotornia e a apen-
Se confirmada, o apêndice é removido na mesma sessão. A dicectomia poderão ser benéficas. Entretanto, a laparotomia
maior incidência de abscessos pélvicos pós-cirurgia laparoscó- para elucidação de processos dolorosos crônicos é geralmente
pica continua sendo matéria de discussão; porém, atualmente, improdutiva na ausência de dados objetivos (dor localizada,
admite-se que esta situação não seja influenciada pelo proce- massa palpável,leucocitose). Com o advento dos procedimen-
dimento técnico, mesmo em casos de perfuração do apêndice. tos minimamente invasivos, através da videolaparoscopia, por
Trabalho de Duhamel et ai. (1998), em análise retrospectiva de exemplo, esses pacientes poderão ser devidamente avaliados
200 exames histopatológicos de apêndices removidos cirurgica- para definir a dor crônica/persistente na região apendicular,
mente, constatou que, quando foi utilizada via laparoscópica, reduzindo assim os casos de falso-positivos. Atualmente, este
43% dos casos não demonstraram reação inflamatória aguda, procedimento de abordagem laparoscópica de dor persistente
contra 16% na técnica de laparotomia aberta, verificando um em fossa illaca direita encontra-se plenamente estabelecido,
impacto na utilização da via laparoscópica de alta incidência encontrando-se, em grande parte dos casos, a presença de um
de apendicectomias em que o apêndice se mostrou histologi- processo responsável pelos sintomas.
camente normal.
A utilização de antibioticoterapia sistêmica, precedendo a
realização da cirurgia, é procedimento já devidamente padro- • Tumores do apêndice
nizado, reduzindo o índice de complicações pós-operatórias, • Tumores benignos
principalmente com relação à infecção de parede abdominal. Os tumores benignos representam cerca de 4% das altera-
Nas formas não complicadas com perfuração, não há necessi- ções surpreendidas em apêndices removidos e submetidos a
dade de antibioticoterapia prolongada, evitando assim as in- exame histopatológico, podendo originar-se de qualquer ele-
tercorrências pelo uso mais intensivo destas drogas. mento celular. Ocasionalmente, a neoplasia poderá obstruir a
Nas formas complicadas, com perfuração e/ou formação de luz apendicular, desencadeando o processo de apendicite agu-
abscesso pélvico, é sempre recomendada a via aberta, através da da, requerendo assim uma abordagem cirúrgica de urgência. A
laparotomia. Nessas situações, além de remover o apêndice e incidência de tumores apendiculares, de natureza benigna ou
drenar coleções, a via aberta facilita a limpeza da cavidade pél- maligna, é extremamente baixa e geralmente diagnosticada em
vica, através do banho com solução fisiológica. ~sempre con- procedimentos cirúrgicos de urgência, quando a decisão sobre
veniente a manutenção da antibioticoterapia no pós-operatório a melhor conduta poderá estar prejudicada, obrigando, muitas
nos casos em que o peritônio foi infectado. vezes, a uma nova intervenção.
O prognóstico das formas de apendicite não complicadas,
operadas, é ótimo; a mortalidade é igualmente baixa. No entan- • Tumores malignos
to, nas formas perfuradas, sobretudo em pacientes idosos, o ín- Tumores primários malignos do apêndice são encontra-
dice de mortalidade poderá chegar a 15%. O índice de infecções dos em cerca de 1% dos casos, e os carcinoides representam a
na incisão cirúrgica, nas formas não complicadas, é inferior a maioria dos casos.
Capftulo 42 I Apendicite Aguda e Outras Doenças do Apfndlce 459

O apêndice representa o local mais frequente onde se implan- Bowman, GA & Rosenthal, o. Catcinoid tumor~ o r the appendlx. Jlm.J. SIIIJ..
1983; 146:700-3.
ta o carcinoide no aparelho digestivo. Em cerca de 3% dos casos, Cançado, JR, Apendicite aguda e outras a(ecçõe.s do a~ndic:e. Em: Oani, R
encontramos comprometimento ganglionar periférico junto ao & Paula Castro, L. Gastrotnttrologia Cllnit:4. Rio de )andro, Guanabara
meso (ver Cap. 100). Nessas condições, a colectomia direita é Koogan, 1993.
mandatória, juntamente com limpeu ganglionar do meso. Carr, NJ & Sobin, IH. Neuroendocrlne tumors of the appendix. Semin. Oiagn.
O adenocarcinoma é outra neoplasia passível de originar-se Pa1hoL, 2004; 21:108- 19.
Dubamel, P, Chapuis, F, Neidhatdt, JP, Lauro, C. lsaac, S. Caillo<, JL, Voiglio,
também no apêndice, com invasão dos linfonodos regionais, EJ. Appendic:ectomy: evaluatlon of medlcal file management In a series of
ou, então, comprometendo estruturas vizinhas, como o ovário 200a.ses.Ann. Chir., 1998; 52:896·904.
e o peritônio parietal, e de maneira extremamente rápida. Ha- Ea.ster, OW. 'lhe diagnos.is and trta~ma~l of acute appmdidtis with laparoscopic
bitualmente, o diagnóstico é intraoperatório, a operação quase methods. Em: Mboimally lnwuiY< Sw-gny. USA, McGraw· Hlll. 1993.
sempre indicada por se acreditar tratar-se de apendicite aguda. E1angoYan. S. Clini<&l and laboratory findinss in oc:ute appendldtis in the d ·
Uma vez observada a infiltração neoplásica, a conduta consiste dcrly. /. ""'- Board Fam. ~··· 1996; 9:75-8.
Fraru, MG, Nonn.tn, J, Fabr~ P). lnaeaud morbídity o( appendicitis with
na colectomia direita, removendo-se as estruturas adjacentes advancing age. Jlm. SuiJ.• 1995; 61:40-4.
comprometidas. A sobrevi da de 5 anos é da ordem de 60% dos Fraue, RC. Robert.s, JW, Symmonds, RE. Snyder, SK, Hendrlcks. JC. Smith,
casos submetidos a colectomia, e de somente 20% daqueles em RW, 01SI<r, MO, Harrison, JB. A pro5pectlve ra.ndomiud trial c:omparlng
que se realizou unicamente apendicectomia, ou que já apresen- open v<J'$US laparosc:opic appendeetomy. Jlnn. SIIIJ.. 1994; 219:725·31.
tavam metástases a distância. Poderemos também encontrar Gallego, MG, Fadrique, B, Nitto, MA, Calleja, S. tt a/. Evaluation of ultraso·
nography and clini<&l diagnostic scoring ln suspected appendicitis. Br. /.
a infiltração do apêndice por tumor estromal gastrintestinal SUIJ., 1998; 85:37-40.
(GIST) ou por sarcoma de Kaposi e, nas crianças, o linfoma de Hinson, FL & Arnbrose, NS. Pstudomyxoma perltonei. Br. /. Surg., 1998;
Burkitt. A maioria dos pseudomixomas que comprometem a 85:1332·9.
cavidade peritoneal têm origem no apêndice e, nas mulheres, Hum.,., DI & Simpson, J. Acute Appcndicítis. B.M.J., 2006; 333:530·4.
poderão também se estender aos ovários. Kouwenhoven, FA, Van Orlei, 0), Van Erp, WF. Fear for the intraabdomi·
nal abscess af\cr laparoscopic appendiceetomy: not reallstic. Surg. Endosc.,
2005; 19:923·6.
• Mucocele Lo, NS & Sarr, MG. Mucinous cystadcnocarclnoma or thc appcndix. Thc con-
traversy perslsts: a revlew. HeJHltogastro<nterology, 2003; 50:432-7.
A mucocele é um termo que descreve a presença anormal de I.ujan·Mompean, JA, Robles·Campos, R, ParriUa·Parlclo, 1\ Soria-Aledo, V,
muco na luz do apêndice. Conforme a etiologia, as mucoceles Garda-Avallon, J. Laparoscopíc versus open appcndlcectomy: a prospective
classificam-se em forma c{stíca, cistadenoma e cistadenocarci- asseosment Br. J, Su'J'., 1994; 8/:133·5.
noma. Na primeira forma, o apêndice encontra-se dilatado e Machado, NO, Chopra, P, Pande, G. Appcndlceal tumour - retrospeetive clini·
copathological analyxis. Trop. GasrroenttroL, 2004; 25:36-9.
preenchido por mucina, resultando em obstrução crônica de McQuad, KR. Olua.se$ ofthe snalllnteJtine, and Appendicitis. Em: Tiemey Jr,
sua luz proximal. Se o conteúdo mucoso é estéril, a contínua LM: McPbee, SJ & Papadaltis, MA. C11r,.nt Mtdlcal Dlagnosls and Trtal·
produção da secreção pelas células mucosas leva à distensão nunt. Loodoo, Prentice-H.alllnternational IJ\C., 1997.
do órgão e ao consequente apa.recirnento de sintomas. Nessas Merlin. MA, Sban. CN, Shiroff. AM. Evidenc:e-bued appendidtis: the initial
situações, a apendicectomia leva à resolução dos sintomas e da work·up. PostgTtuL Mtd., 2010; 122:189-95.
Minn~ L,Varocr, O, Burndl, A, Ratur, E, Oarlc. J, liaun. W. Laparoscopic vs
doença. Mais raramente, a mucocele é deco.rrente de um cista-
open appendicectomy. Pro5pectlve randomized study o( outcomes. Ardi.
denoma, estando a luz apendicular preenchida por mucina, e S111J.,l991; 132:708-11.
a parede do apêndice comprometida por epitélio colunar com Misdnj~ I & Graeme·Cook. FM. Mit<:dlaneous condltlon.s o( the appendix.
projeções papilares. Esse tipo de tumor não terá metástases, Semin. Oiagn. PalhDI., 2004; 21:151·63.
porém poderá recorrer localmente após a apendicectomia. Esta Nal&a, IN, lshak. GE, Haddad. MC. The value of contnsHnhanced he!ical
última forma constitui a apresentação mais comum de muco- cr scao with rec:1ll1 eontrut enema In the diagnos!J or aeute appendicitls.
Clin. Inuoging., 2005; 2~.255·8.
ceie do apêndice. Em algumas situações, o processo degenerará Nítecki, SS, Wollt BG, Scbilinl<ut, R. Sarr, MG. The rwural hlstory or surgically
em cistadenocarcinoma mucinoso e a conduta cirúTgica deverá treab:d prlmaty odcoocan:iooma ofthe ~ JIJin. SIIIJ, 1994; 21~51·7.
ser a realizaçãc da colectomia direita. Pa.ajanen, H, Julkunem, K. Waris, H. Laparoscopy In chtonlc abdomin&l pain:
A mucocele do apendice é mais comum nas mulheres, em a prO<pectlve non randomized long-term follow-up study. /. Clin. Gastro-
uma proporção de 4:1 em relação aos homens. Pode dar origem entero/., 2005; 39:110-4.
Pahlavan, OS & Kanthan, R. Goblet cdl carcinoíd of the appendix. World /.
à dor abdominal crônica ou apresentar-se agudamente. Em SuiJ. OneoL, 2005; 3:36-41.
50% dos casos, palpa-se massa na fossa illaca direita, em geral Paredes Estcban, RM, Salas Molina, J, Oeana Losa, JM, EJ<pln, JB. lndieation
móvel. Quando o apêndice se rompe para a cavidade abdomi- o( appendicectomy in the recurrent abdominal pain. Clr. Pediatr., 2004;
nal, dá origem a pseudomixoma peritonea/ e ascite mucinosa. 17:65-9.
A ultrassonografia e a tomografia computadorizada auxiliam Pritchen, CV,U:vinsky, NC, lia, YP, Ocmbe, AE, Stelmberg, SM. Managcment
of acute appendlcitls; the lmpact or CT scannlng on the bonon Une. J. Am.
no diagnóstico. O tratamento é cirúrgico. O prognóstico do CoiL Su'J'.. 2010; 210:699·105.
cisto de retenção e do cistadenoma é de cura, mas o do cista- Sabiston Jr, OC. Appendicitis. Em: Sabí.ston Jr, OC & Ly<rly, HK. Texrbook of
denocarcinoma é semelhante ao do câncer do ceco. O pseudo- Su1Jery, 5th ed., Phlladclphia, W.B. Saundcrs Co., 1997.
mixoma peritoneal, sobretudo quando evolui com obstrução Schuler, JG, Shortsleeve, M, Goldenson, RS ti ai. ls there a role for abdo·
intestinal e flstulas, apresenta elevada morbidade. O prognós- minai computed tomographic scans in appendicltisl Jlrch. Su~J.. 1998;
133:373-7.
tico é, naturalmente, ruim se o tumor é maligno. A retirada
Stagnitti, F, Salv~ PF, Schlllad, F, Prlore, F. Corona, F, Tiberi, R, De Pascal!J, M.
do apêndice, associada à quimioterapia intraperitoneal, pode Acute appendicitisor divertlculltiJ o(the risJ>t colon? Olagnostlc problem
melhorar a sobrevida. In emergency surgery. G. Chlr., 2005: 26:89·93.
Tate, IJT. Laparoscoplc appendiceetomy. Br. }. S"IJ·• 1996; 83:1169-70.
Yang. HR, Wang, YC, Chung. PK, Chen, WK, Jeng, LB, Chen, RJ. Role orleu-
• LEITURA RECOMENDADA kocyte count. neutrophU percentage, and Creactive protein in the diagnosis
or acute appendicitis in the elderly. Am. SuiJ·• 2005; 7:344·7.
Arnbjorna, E & &ntpnark. S. Role or obotructlon In the pathosenesis oraeute Young. RH. Pseudomyxoma peritonci and Kleeted other aspeeu or the spread
appendicitis. Am. /. S"IJ·• 1984; 147:390· 2. o r appcndiceal neoplasm.s. Semin. Oiagn. Palho/., 2004; 21:134-51.
43 Retocolite Ulcerativa
José Alves de Freitas, Adérson Ornar Mourão Cintra Damião e Mounib Ta ela

Retocolite ulcerativa (RCU), ou colite ulcerativa, é uma doença importante papel na etiologia da doença. ~incomum na Ásia,
inflamatória que atinge preferencialmente a mucosa do reto e mas estudos recentes demonstram aumento tanto na incidên-
do cólon esquerdo, mas, eventualmente, todo o cólon. Trata-se cia como na prevalência. Exceções incluem Austrália e Nova
de uma doença crônica, com surtos de remissão e exacerbação, Zelãndia, onde a ocorrência segue padrão americano e euro-
caracterizada por diarreia e perda de sangue. Surge principal- peu. Números recentes mostram incidência de 0,4 a 2,1 por
mente em pessoas jovens ou de meia-idade. Além das alterações 100.000 habitantes na Ásia, em oposição a 6-15,6 na América
locais, frequentemente apresenta complicações sist~micas. Aco- do Norte e 10-20,3 na Europa. Já a prevalência é de 6,30 por
mete milhões de indivíduos ao redor do mundo, com sintomas 100.000 habitantes na Ásia comparada a 37,5-229 na América
debilitantes e sério comprometimento da qualidade de vida. do Norte e 21 ,4-243 na Europa. Em nosso meio, ainda há pou-
cos dados e poucos estudos populacionais.
A doença acomete ambos os sexos, na mesma proporção,
• ASPECTOS HISTÓRICOS embora com tendência de ocorrer mais em mulhe.res. Há uma
distribuição etária bimodal para homens, com picos entre 15 e
A RCU foi descrita pela primeira vetem 1875, por Wilks 35 anos e 60 e 70 anos. Por sua vet, em mulhe.res, a faixa mais
e Moxon, na Inglaterra. A relativa demora na sua descoberta acometida é dos 15 aos 35 anos.
deveu-se ao fato de que todo quadro diarreico era tido como de Classicamente, se diz que a RCU afeta mais as pessoas bran-
origem infecciosa. Durante muitos anos, foi considerada como cas e jovens. Contudo, estudos recentes demonstram um au-
uma doença exclusiva da América do Norte e da Europa. Sua mento na incidência entre negros, equiparando-se aos brancos.
incidência vem apresentando um crescimento aparente nas Em lO a 15% dos pacientes, há uma história familiar positiva
Américas do Sul e Central à medida que aumenta a capacida-
de dos médicos em diagnosticar a doença. Hoje está claro que
t
para a doença. interessante notar a alta frequência da doença
entre não fumantes comparados a fumantes.
é uma doença universal.
Com a descrição da enterite regional por Crohn e colabo-
radores, em 1930, a separação entre as duas doenças parecia
muito fácil. Hoje, oito décadas depois, observamos uma su- • ETIOPATOG~NESE
perposição entre as duas entidades, tanto do ponto de vista
Nos últimos lO anos, houve maior compreensão da etiopa-
patológico como do anatõmico, principalmente nos casos em
togênese da RCU, e os investigadores concordam que fatores
que a doença de Crohn (DC) compromete apenas o intestino
ambientais, genéticos, a flora intestinal e o sistema imune estão
grosso. Estatlsticas recentes demonstram que isso ocorre em
envolvidos e funcionalmente integrados na gênese da reação
27% dos casos, dificultando muito o diagnóstico.
inflamatória crônica que caracteriza as doenças inflamatórias
intestinais (Dil). Dessa forma, ao que tudo indica, a RCU re-
sulta de uma resposta imunológica exagerada da mucosa do
• EPIDEMIOLOGIA cólon a antígenos luminais, possivelmente microbianos, em
A RCU é uma doença de ocorrência mundial, com uma in- indivíduos geneticamente predispostos.
cidência de 3 a 20 novos casos por ano para cada 100.000 habi-
tantes. Sua incidência vem aumentando com nítido paralelismo • Fatores ambientais
entre o desenvolvimento social e econômico da população e
a ocidentalização do estilo de vida. A incidência é 3 a 5 ve- • Dieta
zes maior nos EUA e países do Norte da Europa em relação A observação de que uma alimentação isenta de leite poderia
aos países do sul. Este gradiente norte-sul sugere que fatores diminuir o índice de recidivas da doença fet com que se aven-
ambientais e, consequentemente, estilo de vida desempenham tasse a possibilidade da participação de elementos da dieta na

460
Capftulo 43 I Retoco/ire Ulcerativa 461

sua etiologia, possivelmente por meio da geração de antígenos • Fumo


na mucosa intestinal. Essa hipótese não foi comprovada. Em 1982, quase que por acaso, um grupo de pesquisado-
Outras substâncias, como as bebidas à base de cola, cho- res britânicos observou que, de 230 pacientes com RCU, ape-
colate, açúcar refinado e dietas pobres em fibras e ricas em nas 8% eram fumantes, comparados com 44% de controles. A
gorduras, como é o caso do chamado fast food, também têm partir daí, inúmeros estudos foram realizados, ch egando-se às
sido relacionadas com a RCU, representando um universo de seguintes conclusões:
produtos utilizados na alimentação, que poderiam representar
fatores de risco. Alguns autores argumentam que a substitui- • A RCU é 2 a 6 vezes mais frequente em não fumantes.
• Setenta e cinco por cento dos pacientes desenvolveram
ção do leite matemo por leite de vaca logo após o nascimento
sua doença após pararem de fumar.
poderia acarretar o desenvolvimento de DII possivelmente por
mecanismo de hipersensibilidade. Estudos recentes mostram • Pacientes com RCU, fumantes intermitentes, têm rea-
tivação da doença em geral nos períodos em que não
que a falta de leite matemo parece estar associada ao apareci-
estão fumando.
mento de RCU. O aumento do número de pacientes acome-
tidos pela doença observado no Japão durante as últimas três • Os possíveis mecanismos pelos quais o fumo participaria
na gênese da doença são:
décadas correlaciona-se ao aumento no consumo de gordura
o Redução do fluxo sanguíneo na mucosa reta!
per capita, que passou de 39,7% g!dia, em 1966, para 56,9 g!dia,
o Diminuição na produção de radicais livres
em 1985, sugerindo que fatores ambientais são importantes na
o Diminuição na secreção de eicosanoides
gênese da doença. Entretanto, há necessidade de amplos estudos
o Alteração na aderência da camada de muco
prospectivos para comprovar esta associação.
o Efeitos imunossupressores
o Efeitos ansiolíticos
• Infecção
A teoria infecciosa da RCU é muito atraente devido à sua Duas décadas após estas observações, estudos recentes con-
natureza inflamatória e porque, em vários aspectos, lembra a firmam o efeito protetor do fumo não só no surgimento da
reação tecidual causada no intestino por patógenos conhecidos. doença, mas também no seu curso clinico e no aparecimento
Entretanto, a exaustiva pesquisa microbiológica e de micros- de manifestações extraintestinais da doença.
copia eletrônica para vírus, bactérias e fungos não foi capaz Apesar de todas essas observações, o emprego de nicotina no
de demonstrar uma relação de causa e efeito entre qualquer tratamento de pacientes com a doença tem se mostrado inútil.
agente e a doença.
Por outro lado, em modelos experimentais de RCU, não
houve desenvolvimento da doença em animais que cresceram
• Fatores genéticos
e foram mantidos em ambiente livre de bactérias. Mesmo bac- Após um período de quiescência, a procura por uma melhor
térias saprófitas foram suficientes para o surgimento da doença. compreensão dos mecanismos responsáveis pelo aparecimento
Além do mais, diferentes padrões fenotípicos de colite sugiram e a manutenção da RCU em atividade vem produzindo resul-
em modelos animais com espécies bacterianas específicas. Bac- tados animadores. Esta retomada das pesquisas acerca da par-
térias comensais também podem exercer um efeito protetor ticipação de fatores genéticos na patogênese das DII ganhou
na mucosa. fôlego com o surgimento do projeto genoma. Desta forma, nos
Estudos de casos comparando crianças que nasceram em últimos anos um grande número de pesquisas tem sido reali-
ambientes contaminados e com baixas condições higiênicas zado na busca de genes que predisponham à doença inflama-
àquelas que sempre viveram em ambientes higiênicos demons- tória intestinal.
traram que a doença inflamatória, especialmente doença de Pesquisas que utilizam técnicas de amplificação de genoma
Crohn, é muito mais frequente no segundo grupo. A partir daí, para identificar"Lo cus" de suscetibilidade têm obtido êxito.
criou-se o conceito de que a exposição do indivíduo a bactérias Desta forma, foi possível identificar o gene IBD1 (Locus 1 da
ou helmintos poderia prevenir o aparecimento da doença. doença inflamatória) denominado grau NOD-2. Estudos po-
Apesar de não ser possível identificar cepas bacterianas es- pulacionais confirmam a correlação entre este gene e a doença
pecíficas da RCU, existe um grande número de bacteroides e de Crohn. Esta descoberta originou o que poderíamos chamar
enterobacteroides sp aderentes à mucosa nos segmentos eólicos de "caça aos genes", e extensos mapeamentos dos cromosso-
comprometidos pela doença. mos têm sido realizados. Na RCU, foi encontrado apenas um
possível Locus chamado de IBD2 localizado no cromossomo
• Apendicectomia 12, mas ainda carece de confirmação a sua ligação com a doen-
Há cerca de 20 anos, foi sugerida uma intrigante associação ça. Até hoje, foram identificados trinta Locus, e pelo menos 5
entre apendicectomia e baixo risco de surgimento de RCU. Es- deles preenchem os critérios preestabelecidos de probabilidade
tudos recentes demonstraram que indivíduos acometidos de de ligação com as doenças inflamatórias.
apendicite ou linfadenite mesentérica na infância ou na juven- Inúmeras evidências sugerem que realmente fatores genéti-
tude têm, sim, menor probabilidade de desenvolverem a doen- cos estão envolvidos na etiopatogênese da RCU, dentre eles:
ça. A explicação mais aceitável para este fato é que a resposta
• História familiar e ocorrência da doença em gêmeos,
inflamatória evocada por estas doenças no passado induziria
principalmente monozigóticos.
alterações imunológicas duradouras com efeito protetor contra
• A associação com síndromes ou doenças comprovada-
RCU. Fatores genéticos, a flora e fatores constitucionais tam-
mente genéticas.
bém parecem envolvidos.
• A correlação com marcadores genéticos, tais como sis-
~preciso deixar claro que a apendicectomia em si, como se
tema HLA, autoanticorpos, entre outros.
pensava até recentemente, não apresenta nenhum efeito pro-
tetor. Indivíduos que tiveram os apêndices removidos e nos A alta incidência de RCU em judeus e o fato de que a doen-
quais não havia inflamação têm o mesmo risco de desenvolver ça praticamente não existe entre os beduínos árabes, além do
RCU que a população em geral. aumento de até 15% na incidência entre os descendentes de
462 Capftulo 43 I Retoco/ite Ulcerativa

primeiro grau dos doentes, direcionam a maioria das pesquisas entre as necessidades de tolerância imunológica em relação à
para os fatores genéticos. Vários marcadores genéticos, como flora com a necessidade de defesa contra patógenos. A caracte-
sistema HLA, autoanticorpos, aumento na permeabilidade in- rística principal do processo inflamatório na RCU é a pronun-
testinal, anormalidades da mucina, têm sido estudados, mas, ciada infiltração, na lâmina própria de células imunes inatas
por enquanto, não forneceram elementos suficientes para im- (neutrófilos; macrófagos, células dendríticas e células T (natu-
plicar definitivamente os fatores genéticos como responsáveis ral killer) e células adaptativas (B e T). O aumento do número
pela gênese da RCU. destas células na mucosa acarreta aumento do fator de necrose
alfa, da interleucina-1-~ do interferon gama e de citocinas.
A resposta imune inicial à flora é regulatória, determinan-
• Fatores imunológicos do tolerância ou defesa. Desequih'brio nesta resposta pode ser
A associação entre RCU e outras doenças imunológicas, tais a chave para o surgimento da doença inflamatória.
como uveíte, anemia hemolítica autoimune, eritema nodoso, O braço inato do sistema imune provê resposta inicial rápi-
lúpus eritematoso sistêmico, a presença de autoanticorpos an- da secretando muco, peptldios antimicrobianos, imunoglobina
ticólon no soro de pacientes com a doença, e a boa resposta A e outras proteínas. A seguir, entram em cena outras células
terapêutica aos corticosteroides sugerem que a doença tem na como células T helper (Th,, Th2 e Th 11) e outros subgrupos de
sua etiologia um componente imunológico. Porém, a impossi- células regulatórias como CD4 • O resultado é a secreção de vá-
bilidade de reprodução da doença em animais de experimen- rios tipos de citocinas e interleucinas.
tação e a grande dificuldade em distinguir entre fenômenos Este complexo arsenal de armas imunológicas associado a
imunológicos primários e secundários à inflamação bloqueiam não menos complexos componentes genéticos constitui sem
o avanço das pesquisas. Sabemos, à luz dos conhecimentos atu- dúvida a chave para entendermos a patogênese desta intrigante
ais, que os principais element os imunológicos envolvidos na doença e a chance de intervenção terapêutica através de anti-
patogênese da RCU são: a) o microbioma; b) o epitélio intesti- corpos monoclonais.
nal; e c) a resposta inflamatória.

• Microbioma • Fatores soeiopsicossomáticos


O microbioma, ou flora intestinal, consiste em uma diver- Fatores psicológicos e psicossociais têm sido implicados na
sidade de microrganismos que afeta o desenvolvimento do gênese da RCU há vários anos. Historicamente, Alexander, em
sistema imune intestinal, fornece energia e modula o meta- 1950, descreveu a doença como resultado de um conflito in-
bolismo energético. E. adquirido ao nascimento, mas se altera consciente específico. Seria um conflito entre o desejo de fazer
rapidamente durante o primeiro ano de vida. No adulto, cada certa obrigação que necessitasse de concentração e a relutância
indivíduo tem uma população própria de flora fecal que é re- ou a inabilidade de realizar tal tarefa. Quando esse conflito fos-
lativamente estável com o tempo, mas que flutua em resposta se ativado, o paciente regrediria ao tempo em que ele ocorreu
a fatores ambientais e na doença. pela primeira vez. Por exemplo: na época do desenvolvimento
A interação entre o microbioma e o hospedeiro pode ser do controle esfincteriano. Mais tarde, Engel, estudando 39 pa-
benéfica ou deletéria, incitando inflamação intestinaL Obser- cientes com RCU, descreveu o que ele chamou de defeitos na
vações em pacientes com DII e em modelos animais mostram estrutura da personalidade associados a uma dificuldade de
que certos antibióticos são efetivos em alguns casos e o desen- relacionamento com outras pessoas, e a presença de psicopa-
volvimento de colite em ratos necessita de bactérias para que tologia nas mães desses pacientes.
ocorra inflamação. Apesar de um grande número de agentes Os estudos de Alexander e Engel, entretanto, foram rea-
m icrobianos terem sido incriminados na gênese da DII, ne- lizados em pacientes altamente selecionados, e sua validade
nhum foi confirmado. não foi confirmada. Outros aut ores advogam que o início e
a exacerbação da doença estão sempre relacionados com um
• Epitélio intestinal evento estressante.
O epitélio da mucosa do intestino, na interface entre o mi- E. universalmente aceito, hoje, que fatores emocionais e so-
crobiona e o tecido linfoide do sistema gastrintestinal, desem- ciopsicossomáticos interferem com a motilidade gastrintestinal;
penha papel fundamental na formação de resposta imune da com a função secretora; com a irrigação sanguínea das vísceras
mucosa. As células da mucosa intestinal constituem uma bar - e com os mecanismos imunológicos e inflamatórios, provavel-
reira contra a entrada excessiva de bactérias e outros antígenos mente mediados por neuro-hormônios, tais como VIP, gluca-
do lúmen para a circulação. A barreira mucosa intacta depende gon, substância P entre outros. Todavia, em revisão recente de
das junções intercelulares que ajudam a selar o espaço entre as 138 trabalhos da literatura relat ivos à associação entre RCU e
células epiteliais adjacentes (espaço paracelular) e as junções fatores psiquiátricos, encontrou-se que, em 130, existiam inú-
firmes que constituem os elementos chaves para este selo. meras falhas metodológicas, como amostragem insuficiente,
Na DII o espaço paracelular apresenta um aumento da per- falta de grupo-controle etc. Quanto mais falha metodológica
meabilidade, e a regulação da junção firme é defeituosa. Estas havia, maior a relação entre RCU e fatores psiquiátricos. Por
alterações podem ser devidas a defeito primário da barreira ou outro lado, todos os 7 trabalhos com metodologia científica
consequência da inflamação. adequada não demonstraram qualquer associação.
Existem ainda células especializadas, como, por exemplo,
as células de Paneth, que auxiliam na proteção contra invasão
bacteriana, secretando peptídios antimicrobianos, tais como • CLASSIFICAÇÃO
as defensinas alfa.
Nos anos 1950, Truelove e Witts desenvolveram um esquema
• Resposta inflamatória de classificação para a gravidade da RCU, que, mais recente-
A lâmina própria da mucosa intestinal contém uma com- mente, foi adaptado de acordo com os novos conhecimentos
plexa população de células imunes que controlam o equilíbrio adquiridos (Quadro 43.1). Usando esta classificação, observou-
Capftulo 43 I Retoco/ire Ulcerativa 463

------------------------~------------------------
Quadro 43.1 lndice de gravidade da RCU

Sinal ou sintoma Doen~leve Doença moderada Doença grave


Albumi na (g/t) Normal Entre 3,0 e 3,.5 <3,0
Temperatura corporal (OC) Normal 37,2-37 .soe > 37,80(
N° de evacuações/dia < 4 vezes 4-6 >6
VHS (mm/h) <20 20- 30 > 30
Hemat6crito (%) Normal 30-40 <30
Pulso (bpm) <90 90- 100 > 100
Perda de peso(%) Nenhuma 1- 10 >10

Adaptado de Chang. IC & Cohen RO. Medicai managoment of severe Ulcera tive Colltls. Gostroen terol. Clin. NotthAm .• 2004; 33:236.

se que 54% dos pacientes apresentavam doença leve; 27%, mo- podem ocorrer mesmo após colectomia total. Várias outras
derada; e 19%, grave. Avaliar a gravidade da doença é impor- lesões de pele, como vitiligo, vasculites, rosácea, alopecia, po-
tante no planejamento terapêutico, pois, quanto mais grave é dem ocorrer.
a doença, pior é a resposta. Manifestações oculares acometem 1 a 10% dos pacientes,
sendo as mais comuns episclerite, uveíte e irite. As duas últimas
são graves, pois podem levar à cegueira. Os sintomas mais co-
• CURSO CLfNICO muns são dor ocular, fotofobia, borramento da visão e cefaleia.
Essas lesões podem preceder o início dos sintomas intestinais e
O curso clinico da RCU varia muito de um paciente para não guardam relação com a atividade da doença.
outro. Em recente estudo de base populacional realizado na O envolvimento hepático é relativamente frequente. De 15 a
Noruega, 1/5 dos pacientes não apresentaram recidivas após 50% dos pacientes apresentam alterações das provas de função
10 anos do diagnóstico e, na metade dos casos, a doença per- hepática. Entretanto, pela sua gravidade, a manifestação mais
maneceu quiescente por 5 anos. preocupante é a colangite esclerosante. Ocorre em 1 a 5% dos
Alocalização da doença correlaciona-se estreitamente com a pacientes com RCU. Caracteriza-se por astenia, prurido, icte-
evolução. Desta forma, colite extensa está associada a aumento rícia, dor abdominal e febre. Laboratorialmente, nota-se eleva-
do risco de colectomia e câncer de cólon, assim como aumento ção dos níveis séricos das enzimas indicadoras de colestase. O
na mortalidade. diagnóstico definitivo é dado pela colangiografia endoscópica
retrógrada.
Os prováveis mecanismos responsáveis pelas manifestações
• MANIFESTAÇÕES EXTRAINTESTINAIS extraintestinais são:
• lmunocomplexos circulantes.
Aproximadamente 20% dos pacientes com RCU apresen- • Antígenos bacterianos.
tarão manifestações extraintestinais. A artrite ou artralgia é a • Crioproteínas circulantes.
mais frequente, acometendo 10 a 20% dos casos. Geralmente, o • Reações imunes que envolvem anticorpos contra antíge-
envolvimento articular não produz deformações, é migratório, nos de células epiteliais intestinais.
assimétrico, ocorrendo preferencialmente nas articulações dos
joelhos, quadris, tornozelos e cotovelos. Em alguns casos, po-
dem ocorrer sacroilüte e espondilite ancilosante, muitas vezes
como primeira manifestação da doença. Por outro lado, em
• DIAGNÓSTICO
algumas circunstâncias, essas alterações não apresentam sin- A despeito dos avanços no conhecimento genético dos fato-
tomas e são descobertas apenas com o emprego de técnicas de res ambientais e imunológicos que participam da etiopatogê-
diagnóstico mais sensíveis, como, por exemplo, a tomografia nese da RCU, não existe nenhum marcador patognomônico da
computadorizada. Em todo paciente com artropatia soronega- doença; desta forma, o diagnóstico é, em geral, feito por meio
tiva para doença reumática, deve-se pesquisar RCU. da avaliação conjunta do quadro clínico, dos achados labora-
O envolvimento da pele e da mucosa oral ocorre em 4 a 20% toriais, radiológicos, endoscópicos e histológicos.
dos pacientes. Na boca, as lesões são as aftas e acompanham a
atividade da doença intestinal. O eritema nodoso ocorre em 2 a
4% dos casos. Caracteriza-se por lesões nodulares, avermelha- • QUADRO CLfNICO
das, dolorosas, não ulceradas, com diâmetro de 1 a 5 em, mais
comumente nas regiões anteriores das pernas. A sintomatologia da RCU é variável e depende da extensão
Em alguns casos, pode aparecer o pioderma gangrenoso. e intensidade das lesões. O início da doença pode ser insidioso
Surge em qualquer parte do corpo, sendo, entretanto, mais fre- ou abrupto, e a evolução é, em geral, crônica, com surtos de
quente nas áreas de maior trauma e de punção por agulhas. São exacerbação intercalados com períodos de acalmia. O sintoma
úlceras grandes, profundas, com centro necrótico e geralmente predominante é a diarreia, com inúmeras evacuações por dia,
infectadas. Em geral, dependem da atividade da doença, mas geralmente com fezes líquidas misturadas com sangue, muco
464 Capftulo 43 I Retoco/Ire Ulceratlva

e pus. Na fase aguda, em geral há dor em cólica no abdome, • Anticorpos contra estruturascitoplasmdticas dos neutrófilos
febre, perda de peso e mal-estar geral. Setenta e cinco por cento Os anticorpos antiestruturas citoplasmáticas dos neutrófi-
dos pacientes irão apresentar sintomas intermitentes e com- los (ANCA) foram descritos primariamente nas vasculites e na
pleta remissão entre os ataques. Em 5 a 15%, os sintomas se- granulomatose de Wegener. Posteriormente, percebeu-se que
rão contínuos, sem remissão, e 5 a 10% apresentarão apenas poderiam relacionar-se a outras doenças. No caso da RCU, o
um surto sem sintomas subsequentes por mais de 15 anos. A padrão de ANCA mais encontrado nas colorações é o perinu-
gnvidade do surto inicial irá ditar a conduta terapêutica; por clear, daí surgiu a sigla pANCA. Este anticorpo é produzido
isso, é essencial uma avaliação meticulosa para dimensionar pelas células Jljl na mucosa intestinal e pode refletir a resposta
adequadamente a doença. local a antígenos, próprios da mucosa ou a bactérias. O isola-
mento e purificação destes anticorpos em pacientes com RCU
• Exame físico permitiram a identificação de vários alvos antigênicos, dentre
eles a histona H I. Esta é uma pequena proteina intimamente
O exame fisico cuidadoso é fundamental. Deve ser direcio- envolvida em espiralar o DNA dentro do núcleo das células.
nado não s6 ao trato gastrintestinal, mas, sobretudo, à pesquisa Outras proteínas também já foram identificadas.
de manifestações extraintestinais (aftas, pioderma, eritema no- A frequência de pANCA em pacientes com RCU varia de 23
doso, artrites, uveltes etc.), para demonstrar alterações sistêmi- a 89%, comparada a 4% em indivíduos normais. Há também
cas, nas formas graves da doença (febre, taquicardia, desidrata- uma maior positividade em parentes de primeiro grau de pa-
ção), e auxiliar na detecção de complicações, como megacólon cientes com RCU quando comparados a controles.
tóxico e perfuração intestinal, entre outras. Nas formas leves e Em nosso meio, a prevalência de pANCA em pacientes com
moderadas da doença, o exame, em geral, é normal. RCU variou de 47 a 66%. Possivelmente, diferenças genéticas e
metodológicas limitam a utilização deste marcador.
• Alterações laboratoriais
• Anticorpos anti-Sacdlaromyces cerevislae
Apesar de inespeclficos, os exames laboratoriais são utiliza- Anticorpos anti-Saccharomyces cerevísíae (ASCA) referem-
dos não só para uma avaliação global do paciente, mas também se ao anticorpo contra o fermento de padaria. Têm sido en-
para estabelecer o grau de atividade da doença e, portanto, ava- contrados em 50 a 70% dos pacientes com doença de Crohn e
liar a resposta terapêutica. As alterações mais frequentes são somente em 6 a 14% na RCU. Recentemente, observou-se que
anemia ferropriva, leucocitose, aumento do número de pla- este anticorpo ocorre também em várias outras doenças como
quetas, hipoalbuminemia, elevação da velocidade de hemos- hepatite autoimune, colangite esclerosante e cirrose biliar pri-
sedimentação, dos nlveis sangulneos de protelna C reativa e mária, diminuindo a sua especificidade e, portanto, limitando
alfa-1-glicoprotelna ácida. Distúrbios eletrolfticos como hipo- o seu uso.
potassemia, hipocloremia, hiponatremia, alcalose ou acido-
se metabólica são frequentes, sobretudo nas formas gnves da • Anticorpos antibocterianos
doença. Em nosso meio, é sempre importante o exame para- Partindo da hipótese de que a doença inflamatória intestinal
sitológico e a cultura das fezes no sentido de eliminar outras resulta de uma resposta imune aberrante direcionada à flora mi-
causas de diarreia. Além destes exames laboratoriais, exis- crobiana intestinal, pacientes com estas doenças poderiam for-
tem outros que vêm sendo testados, sobretudo para avalia- mar anticorpos contra protelnas bacterianas. Estes anticorpos
ção de atividade inflamatória, mas que ainda não fazem parte
podem significar perda de tolerância às bactérias ou resposta do
da rotina. Dentre estes, destacam-se: calprotectina sérica, hospedeiro a um agente patológico. Um aspecto ainda mais in-
llt-microglobulina sérica, interleucina-6, eotaxina 2, dipeptidil teressante é que estes antic.orpos podem ajudar na identificação
peptidase IV. de subgrupos de pacientes nos quais a inflamação é perpetuada
• Marcadores sorológicos por bactérias existentes no lúmen intestinal e podem re.sponder
à terapêutica direcionada em alterar a flora.
A utilização de marcadores sorológicos para prognosticar,
monitorar e tratar determinada doença é uma prática bem es-
tabelecida em Medicina. Nos últimos anos, inúmeros novos • Examesradiológicos
marcadores da doença inflamatória intestinal têm sido reco-
nhecidos e provocado um debate sadio na comunidade de gas- • Raios Xsimples do abdome
trenterologistas a respeito de sua uti.lidade. Uma radiografia simples do abdome deve ser sempre reali-
Estudos em animais e em seres humanos demonstram zada, especialmente nos pacientes com formas graves da doen-
que o paciente com RCU tem um distúrbio no mecanismo ça. Se o cólon estiver cheio de ar, podemos observar encur-
normal de regulação da resposta imune direcionada à flo- tamento do órgão, perda das haustrações e, eventualmente,
ra intestinal. A utilização de marcadores sorológicos (p. ex., alterações grosseiras do relevo mucoso. Outras informações
anticorpos) fundamenta -se na hipótese de que a presença des- importantes que podem ser obtidas por meio desse exame são
tes anticorpos séricos refletiria este desequilíbrio do sistema os sinais de complicações, como dilatações extremas no me-
imune. Tais marcadores são úteis, sobretudo para monitorar gacólon tóxico, presença de pneumoperitOnio nas perfurações
o tratamento. intestinais e alterações consequentes às manifestações extrain-
Mais de 20 anticorpos diferentes já foram identificados no testinais, ou seja, sacroiliite e espondilite ancilosante.
soro de pacientes com doença inflamatória intestinal. Estes an-
ticorpos parecem refletir uma resposta anormal a proteinas es- • Enema opaco
tranhas, pois não são encontrados em indivíduos sadios nem ~um exame muito útil, principalmente quando feito com a
em pacientes com outra doença intestinal. Dentre os anticorpos técnica do duplo contraste (bário e ar). Permite não só estabe-
com possível aplicação clínica, destacam-se: lecer o diagnóstico, mas também avaliar a extensão da doen-
Capitulo 43 I Retoco/ire Ulcerativa 465

ça. Não deve ser realizado nos casos graves devido ao risco de e sangramento. A microscopia revela infiltrado inflamatório
perfuração intestinal. agudo e crônico com distorçã.o e perda da arquitetura das crip-
A alteração mais precoce ao enema opaco é o aspecto gra- tas, microabscessos, depleção de células caliciformes, congestão
nuloso da mucosa, consequente ao edema que a infiltra Com a vascular, hemorragias focais e ulcerações. Nas formas graves,
progressão da doença, podemos notar erosões e ulcerações, que poderão ocorrer necrose da mucosa, ulcerações e pólipos in-
conferem ao órgão um aspecto característico "em papel rasgado, flamatórios.
ou borda de selo• (Prancha 43.1 ). Quase sempre, há perdas das
haustrações e afilamento e encurtamento do cólon.
Deve-se realizar sempre uma radiografia em perfil para es- • DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
tudar o espaço pré-sacra!. Normalmente, esse espaço tem me-
nos de 1,0 em e, em mais da metade dos pacientes com RCU, O diagnóstico diferencial deve ser feito com as principais
está aumentado devido à diminuição do di~etro reta!. Nesse doenças intestinais que cursam com diarreia, como DC, sln-
caso, o espaço é preenchido por tecido adiposo ou fibrótico. drome de má absorção, doenças infecciosas e parasitárias, coli te
Com a modernização e a disponibilidade dos exames endoscó- isquêmica, colite actJnica, mucoviscidose, síndrome do cólon
picos, tanto o Colégio Americano de Gastrenterologia quanto irritável, entre outras. De uma forma geral, é muito fácil dife-
a Sociedade Britânica de Gastrenterologia só recomendam o renciar entre RCU e outras doenças, excetuando-se a DC, que
enema opaco quando a colonoscopia não está disponível pron- pode ser muito diflcil, até mesmo para o gastrenterologista mais
tamente, ou quando existir estenose no cólon que impeça uma experiente. No Quadro 43.2, encontram-se listadas as principais
avaliação endoscópica diferenças entre essas duas afecções.

• Outros métodos de exames por imagem


Ultrassonografia e tomografia computadorizada são exames • TRATAMENTO nrNICO
que não fazem parte da propedêutica de rotina da RCU. En-
tretanto, podem ser usados em casos selecionados em que há Antes de tratarmos um paciente com retocolite ulcerati-
va inespedfica (RCU), é fundamental que conheçamos a gra-
suspeita de coleções intra-abdominais.
vidade e a extensão da doença, a fim de individualizarmos o
tratamento e escolhermos as melhores opções em cada grupo
• Exames endoscópicos terapêutico.
• Retossigmoidoscopia
A colonoscopia ou a retossigmoidoscopia constituem os exa- • Medidas gerais
mes de escolha para o diagnóstico de RCU. A retossigrnoidos- Em se tratando de uma enfermidade de natureza crônica,
copia é um exame fundamental, sobretudo porque o reto está com períodos variáveis de acalmia e recaídas, é fundamental que
quase sempre comprometido nesta doença. Deve ser realizada o médico informe o paciente sobre o caráter crônico da RCU e
na primeira consulta, mesmo sem preparo intestinal. O exa- a necessidade de controles periódicos, que forneça o devido su-
me inicia-se com uma cuidadosa inspeção da região perianal, porte emocional e estimule a boa relação médico-paciente. Ha-
pesquisando-se fissuras, fístulas, abscessos ou outras lesões. Os bitualmente, não há necessidade de acompanhamento psiquiá-
achados endoscópicos dependerão da cronicidade e da intensi- trico e/ou psicológico concomitante, nem tampouco a utili.zação
dade da doença. As lesões mais precoces são erítema e edema de agentes antidepressivos e tranquilizantes; porém, em certas
da mucosa, com apagamento da trama vascular. O edema é situações, algumas dessas medidas podem ser indicadas.
caracterizado por um aspecto granuloso da mucosa. Durante o Pacientes com doença grave devem, preferencialmente, ser
exame, notam-se, também, friabilidade da mucosa, sangrando internados. Reposição hidreletrolítica, transfusão de sangue e
facilmente ao toque do aparelho, e exsudato mucopurulento, suporte nutricional (nutriçã.o enteral e, eventualmente, paren-
com ou sem sangue. Com a progressão da doença, podem surgir teral) devem ser individualizados e são também úteis no pre-
erosões, ulcerações superficiais e pseudopólipos. paro do paciente para eventual cirurgia. Em pacientes na fase
A colonoscopia é muito útil, para estabelecer a extensão da de atividade da doença, é recomendável a orientação dietética,
doença, pa.ra o diagnóstico diferencial com a DC e nos pro- pois ela pode auxiliar na redução dos sintomas. Suplementos
gramas de vigilância preventiva contra o câncer do cólon. Não podem ser utilizados. A dieta, na fase ativa da RCU, deve ser
deve ser realizada se houver suspeita de megacólon tóxico, per- obstipante, evitando-se alimentos irritantes e/ou apimentados,
furação intestinal e/ou peritonite. Apesar da utilidade da re- frutas laxativas, raizes vegetais e os carboidratos produtores de
tossigmoidoscopia, ela pode deixar de diagnosticar lesões no gás (leite e grãos em geral). Assim que a remissão da doença
cólon ascendente e transverso, sobretudo na DC. Desta forma, for alcançada, o paciente deve receber urna dieta normal, bem
sugere-se que se realize colonocopia em todo paciente em que balanceada.
a retossigmoidoscopia evidenciou DII. Tem sido nossa conduta a utilização de antibióticos nos ca-
sos graves, em virtude do aumento da permeabilidade intestinal
e da possibilidade de translocação bacteriana, acrescidos dos
• Histopatologia distúrbios imunológicos que costumam acompanhar os pacien-
A RCU é uma doença caracteristicamente da mucosa do có- tes. Os esquemas podem ser: a) ceftriaxona (1 a 2 g IV, cada
lon. lnicia-se no reto e pode estender-se até o ceco. Na maioría 24 h); b) imipeném (1 g IV, cada 6 ou 8 h); c) ciprofloxacino
dos casos, entretanto, limita-se ao reto e sigmoide. As alterações (500 mg VOou IV, l2/12 h)+ metronidazol (400 a 500 mg VO
histológicas mais encontradas nesta doença são tipicamente ou IV, cada 8 ou 12 h); este último esquema tem a vantagem
confinadas à mucosa e são as mesmas observadas nas colites de permitir o tratamento VO.
ativas. Os achados macroscópicos habituais são: hiperemia, Medicações antidiarreicas (p. ex., opiáceos) e anticolinér-
congestão, edema, friabilidade, ulcerações, exsudato fibrinoso gicas (p. ex., antiespamódicos) devem ser administradas com
466 Capftulo 43 I Retoco/ite Ulcerativa

c
o

E F

Prancha 43.1 Aspectos radiológicos e cirúrgicos da RCU. A, Retocolite ulcerativa. Raios X do cólon (enema opaco). Observa -se o aspecto 'pi·
cotado' da mucosa intestinal. com perda de haustrações e comprometimento generalizado do cólon, a partir do reto. B, Retocolite ulcerativa.
Peça cirúrgica do cólon, observando-se os aspectos da forma crônica. Comprometimento difuso da mucosa, já com a forma pseudopoliposa.
C, Retocolite ulcerativa. Peça cirúrgica do cólon mostrando a associação do processo inflamatório crônico com o carcinoma. O, Retocolite ui·
cerativa. Paciente operado com colectomía total e ileorretoanastomose. Controle radiológico pós-operatório, verificando-se o segmento retal
remanescente com a anastomose ileal. E, Retocolite ulcerativa. Radiografia simples do abdome em paciente com megacólon tóxico. Observa·
se distensão do cólon. com maior intensidade junto ao transverso. F, Retocolite ulcerativa. Peça cirúrgica de megacólon tóxico. Observa-se a
distensão do órgão. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Capftulo 43 I Retoco/ire Ulcerativa 467

--------------------------------~--------------------------------
Quadro43.2 Diferenças entre RCU eDC

RCU DC

Achados clínicos
Dor Ocasional Frequente
Vômito Raro Frequente
Diarreia Frequente Frequente
Sangue nas fezes Comum Incomum
Tenesmo Comum Incomum
Perda de peso Comum Rara
Achados macroscópicos Predomina no cólon d istai Predomina no cólon proKi mal
Envolvimento reta I frequente Envolvimento reta I é raro
Lesões contínuas Lesões segmentares
Úlceras superficiais Úlceras profundas
Aspecto polipoide Aspecto em mosaico (cobblesrone)
Achados m icroscó p icos Inflamação difusa Inflamação segmen tar
Frequentes abscessos de criptas Raros abscessos
Mucosa atrófica Mucosa sem atrofia
Ausência de granulomas Granulomas são frequentes
Pronunciada depleção de célu las cal iciformes Raramente depleção de células caliciformes

cautela, pois podem desencadear o megacólon tóxico. Da mes- o 5-ASA agiria primariamente, impedindo a transformação
ma forma, o consumo de anti-inflamatórios não esteroides, neoplásica celular, e secundariamente, reduzindo o processo
mesmo os mais modernos, devem ser evitados, uma vez que inflamatório. Convém ressaltar que, em alguns casos, a dose
podem exacerbar a doença. Lembrar que, na doença de Crohn, do derivado salicílico, suficiente para manter o paciente com
o tabagismo, ao contrário da RCU, piora a doença e aumenta RCU em remissão, pode ser semelhante à necessária para in-
a frequência de recaída pós-operatória. duzir a remissão.
Efeitos colaterais com a SSZ têm sido relatados em até 45%
• Derivadossalicnicos dos pacientes. São geralmente dose-dependentes, relaciona-
Neste grupo de medicamentos, incluímos a tradicional sul- dos com altos níveis séricos de sulfapiridina, ocorrendo prin-
fassalazina (SSZ) e os novos derivados salicílicos. A SSZ foi cipalmente nos indivíduos com baixa capacidade genética de
desenvolvida no final dos anos 30 para o tratamento da artrite acetilação hepática da droga (acetiladores lentos), e incluem:
reumatoide, pela Dra. Nana Svartz, e, casualmente, mostrou- dor abdominal, náuseas, vômitos, anorexia, cefaleia, hemólise,
se eficaz na RCU. Quando ingerida, a SSZ é desdobrada, no infertilidade masculina etc. Menos frequentemente, os efeitos
cólon, por ação bacteriana, em sulfapiridina (grandemente ab- colaterais com o tratamento com a SSZ podem ser por hiper-
sorvida) e ácido 5-arninossalicüico (5-ASA ou mesalazina ou sensibilidade (alergia ou idiossincrasia): febre, rash cutâneo,
mesalamina - pouco absorvido) . Este último é o principio ati- linfadenopatia, Stevens-Johnson, agranulocitose, hepatite, pan-
vo do medicamento, agindo de forma tópica. Entre os vários creatite, exacerbação da diarreia etc. Assim, em virtude dos
mecanismos de ação do 5-ASA, estão a inibição da produção efeitos colaterais da SSZ, foram desenvolvidas estratégias de
de leucotrienos e de anticorpos, além da capacidade de assimi- liberação do 5-ASA (mesalamina nos EUA ou mesalazina na
lação de radicais livres. Estudos bem controlados nos anos 60 Europa) no trato digestivo, a saber: a) revestimento do 5-ASA
revelaram melhora clínica e endoscópica em cerca de 80% dos em microgrânulos com etilcelulose (liberação do 5-ASA ao lon-
pacientes com RCU ativa (formas leves e moderadas), com 2 a go de todo o trato digestivo); neste caso, em idosos e crianças
6 gldia de SSZ por 3 a 4 semanas. A melhora no grupo placebo com dificuldade para ingerir cápsulas e comprimidos, as cáp-
foi de 40%. Na RCU, após a fase aguda, a dose de manutenção sulas podem ser abertas e os microgrânulos de 5-ASA, também
de 2 g de SSZ/dia foi suficiente para manter aproximadamen- recobertos com etilcelulose, ingeridos; b) conjugação de duas
te 80% dos pacientes em remissão clínica e endoscópica após moléculas de 5-ASA (olsalazina) com liberação do 5-ASA no
1 ano. No grupo placebo, este valor foi de apenas 28%. Assim, cólon (diarreia em 10 a 15% dos casos por sua ação secretago-
nos pacientes com RCU leve ou moderada, e que toleram bem ga sobre o intestino delgado e cólon); c) cobertura do 5-ASA
a SSZ, à dose de 2 a 4 gldia na fase aguda deve seguir-se a de com resinas acrílicas (p. ex., Eudragit S, L etc.) com liberação
2 g/dia de manutenção, por tempo indefinido. Ácido fólico (2 do 5-ASA a partir do íleo proximal (Eudragit L) ou distai (Eu-
a 5 mg/dia) deve ser dado concomitantemente à SSZ, pelo ris- dragit S). A maioria dos pacientes intolerantes ou alérgicos (80
co de desenvolvimento de anemia macrocítica, um dos efeitos a 90%) à SSZ tolera bem o 5-ASA; contudo, alguns pacientes
colaterais da SSZ. (lO a 20%) reproduzem os efeitos colaterais com a SSZ ao uti-
Mais recentemente, constatou-se que a chance de desen- lizarem o 5-ASA, corroborando o fato de que alguns efeitos
volvimento do câncer colorretal em pacientes com RCU pode colaterais da SSZ são ocasionados pelo 5-ASA e não pela sul-
ser substancialmente reduzida com o uso dos derivados salicí- fapiridina. Mais recentemente, Foram desenvolvidas prepara-
licos (p. ex., SSZ, mesalazina), como manutenção. Neste caso, ções contendo concentrações mais elevadas de 5-ASA por com-
468 Capftulo 43 I Retoco/ite Ulcerativa

primidos ou sachês. Tais medicamentos podem ser oferecidos de evitar recaídas, podendo-se utilizá-lo 2 ou 3 vezes/semana
1 vez/dia para o paciente, o que favorece consideravelmente a ou até menos.
aderência dele ao tratamento. As preparações estão resumidas A combinação de 5-ASA oral {2,4 gldia) e 5-ASA enema
no Quadro 43.3. (4 gldia) foi melhor do que cada um isoladamente na RCU
Hoje, completados 20 anos de pesquisas sobre o 5-ASA, lan- ativa distai. Também, a associação de 5-ASA enema (4 g/2 ve-
çamos mão de metanálises, que agrupam os vários trabalhos zes/semana) e 5-ASA oral (1 ,6 gldia) revelou-se melhor do
sobre o assunto, segundo critérios preestabelecidos, em uma que a administração isolada de 5-ASA oral, em pacientes com
análise estatística global, fornecendo, assim, dados sobre sua RCU em remissão e alto risco de recaldas (2 ou mais recaídas
eficácia e indicações. Apesar das limitações das metanálises no último ano e remissão alcançada nos últimos 3 meses). Se-
(p. ex., diferentes metodologias e critérios de remissão etc.), melhantemente, a associação de mesalazina oral (> 2 gldia) e
observou-se que, na RCU ativa, formas leves e moderadas, doses mesalazina tópica (1 a 4 gldia) foi melhor que cada uma delas
maiores que 2 gldia de 5-ASA oral são superiores ao placebo e isoladamente na RCU esquerda, leve/moderada. Finalmente,
tão eficazes quanto a SSZ. Na RCU em remissão, 5-ASA e SSZ a associação de mesalazina oral (4 gl dia) e mesalazina enema
são equivalentes. As doses recomendadas de 5-ASA para a RCU (1 gldia) mostrou-se mais eficaz que mesalazina oral isolada-
ativa e em remissão acham -se representadas no Quadro 43.4. mente na RCU extensa, leve/moderada.
A mesalazina também pode ser empregada na forma de ene-
ma ou supositórios, 1 a 4 gldia. Está indicada na RCU ativa • Corticoides
distai (proctite e proctossigmoidite) com índices de melhora Em 1955, Truelove & Witts publicaram os resultados finais
clínica, endoscópica e histológica em 60 a 90% dos casos nas do estudo controlado, comparando cortisona oral (100 mgldia)
primeiras semanas de tratamento. Nestas condições, é equiva- e placebo na RCU ativa. Ao final de 6 semanas, cerca de 70%
lente aos enemas tradicionais, ou até melhor que eles (p. ex., dos pacientes apresentaram remissão (40%) ou melhora clínica
enema de hidrocortisona etc.), e tão eficaz quanto a SSZ, via (30%). No grupo placebo, os valores para remissão e melhora
oral, com a vantagem de promover melhora mais rápida e com clínica foram 16 e 25%, respectivamente. Pacientes com o pri-
menos efeitos colaterais. Na RCU distai em remissão, o 5-ASA meiro quadro de agudização da RCU responderam melhor do
tópico apresentou eficácia semelhante à da SSZ oral no sentido que aqueles com recaída da doença. Os autores também obser-
varam que os valores para remissão (30%) ou melhora (22%)

·-
Quadro 43.3 Novas preparações demesalazina, com maior
concentração de mesalazina por unidade posológica (em breve,
algumas formulações estarão disponíveis no Brasil)
endoscópica foram um pouco menores do que os obtidos para
a remissão ou melhora clínica.
De maneira geral, na RCU ativa, de intensidade moderada a
grave, iniciamos prednisona oral (0,75 a 1 mglkgldia, sem ul-
trapassar 60 mgldia) até a remissão clínica, quando então pas-
samos a diminuir o corticoide (10 mglsemana, até 0,5 mglkgl
dia e, a seguir, 5 mglsemana, até retirada completa). Se, durante
I. Mesalazina MMX 1,2 g {Multi Matrix Sysrem) comp. - liaIda", Mezavant"' o "desmame", houver recaída da doença, pode-se aumentar o
2. Mesalazina 800 m9 comp. - Mesacol", Asacol" corticoide para a penúltima dose que precedeu aquela em que
3. Mesalazina microgrânulos sachês I e 2 9 - Pentasa" ocorreu a recaida. Havendo nova recaída com o desmame, reco-
4. Mesalazina micropeller sachês I ,5 9 - Salofalk Granu-Stix*, Apriso" menda-se a utilização de medicação imunossupressora (p. ex.,
S. Mesalazina grânulos sachês 3 g - Salofalk"
azatioprina, 6-mercaptopurina etc.) com o intuito de deixar o
paciente sem corticoide. Em casos graves, internados, hidrocor-
6. Balsalazida 1,1 g comp. - Colazide"
tisona, 100 mg IV a cada 6 ou 8 h, pode ser administrada e, em

....
Quadro 43.4 Derivados salícflicos no tratamento da RCU

Droga Nome comercial


RCUativa RCU em remissão
5·ASA tópico Asalit {suposit. 250 mg; enema 3 g),
I 9/dia
Rowasa, Salofalk,
ou
Mesacol {enema 4 g), l-4g/dia
1-49
Pentasa {su posit. I g),
a cada 2 ou 3 d ias
Chron·ASA 5 {enema 2 e 3 g), Mesacol {suposit. 250 e 500 mg)
Sulfassalazina (o ral) Azulfin {500 mg) 2-4g/dia 2-4g/dia
Olsalazina (o ral) Dipentum {500 mg) 2-3g/dia l - 3g/dia
Balsalazida (oral) Colazal, Colazide {750 mg) 2,25-6,75 g/dia 2.25- 6,75 g/dia
5·A5A microgrânulos (oral) Pentasa {500 mg) 2-3g/dia I.S- 3 g/dia
5·A5A Eudragit ·S {oral) Asacol (400 mg),
Asalit (400 mg), 2,4-4,8 g/dia 0,8-4,8 g/dia
Mesacol {400 e 800 mg), Chron·ASA 5 {400, 500 e 800 mg)
5·ASA Eudragi t L {oral) Rowasa, Salofalk, Claversal, Mesacol (250 e 500 mg) 2-3g/dia 0,75-3 g/dia

Obs" Comerciali<ados no Brasil: AsacoL Asalit, A:ulfin, Chron·ASA s. Mesacole Pentasa.


Capftulo 43 I Retoco/ire Ulcerativa 469

seguida, substituída por prednisona oral tão logo o estado do ou 6-MP. De maneira geral, o uso de AZA e 6-MP está indicado
paciente assim o permita. Os corticoides não devem ser usados nas formas corticoide-resistentes (ou refratárias) e corticoide-
como droga de manutenção, mesmo em doses baixas(< 10 a dependentes, facilita a redução/suspensão do corticoide (cor-
15 mg!dia) em virtude de seus efeitos colaterais. ticoid sparing effect), promove manutenção da remissão, é útil
Os efeitos colaterais dos corticoides tradicionais são bem na DC penetrante (fistulizante) e no pós-operatório da DC para
conhecidos, particularmente quando utilizados por tempo se evitarem recaídas.
prolongado, ainda que em baixas doses: aumento do apetite e Os efeitos colaterais da AZA e da 6-MP ocorrem em tomo de
do peso, edema, insônia, labilidade emocional, psicose, acne, 15% e podem ser: a) de natureza alérgica, como febre, rash cutâ-
Cushing, osteoporose, osteonecrose, retardo de crescimento, neo, mal estar, náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia, hepa-
supressão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, infecções, mio- tite e pancreatite, ou b) não alérgica, como depressão medular
patia, catarata, atrofia de pele, estrias, equimose, figado gordu- (leucopenia, neutropenia, trombocitopenia, anemia), infecções,
roso, diabetes, hipertensão, glaucoma e pancreatite aguda. Por alterações de enzimas hepáticas e neoplasia. A frequência de
causa dos efeitos colaterais dos corticoides tradicionais, foram infecções (7%) e de neoplasia (3%) (p. ex., câncer de cólon, de
desenvolvidos novos corticoides em uma tentativa de reduzir mama, testicular, melanoma e leucemia) é semelhante à espe-
tais efeitos. O mais estudado tem sido a budesonida, rapida- rada na população com DII sem uso de AZA ou 6-MP. Alguns
mente metabolizada (cerca de 90%) em produtos inativos logo autores, entretanto, têm mostrado um risco 4 vezes maior de
após sua primeira passagem pelo fígado. :B comercializada sob desenvolvimento de linfoma não Hodgkin em pacientes que
a forma de enema (2 mg/100 ml ) e comprimidos (3 mg). Na fazem uso de AZA ou 6-MP. Assim, o risco de neoplasia com
RCU distai ativa, a budesonida na forma de enema é equivalen- AZA ou 6-MP, nas doses habitualmente usadas na DII, deve
te ao 5-ASA tópico e tão eficaz, ou mais, quanto os corticoides ser contraposto às complicações, limitações, incapacitações e
tópicos tradicionais (p. ex., hidrocortisona, fosfato de predni- efeitos deletérios da DII em atividade. Semelhantemente, AZA
solona), com a vantagem de provocar menos efeitos colaterais e 6-MP são seguras durante a gravidez e podem ser mantidas
(p. ex., menor inibição do cortisol plasmático). caso o médico julgue a indicação necessária.
Na RCU ativa, a budesonida oral é tão eficaz quanto a pred- AZA e 6-MP costumam ser usadas por pelo menos 4 anos,
nisolona oral na melhora endoscópica e histológica do cólon se não houver contraindicação. No entanto, a Dll tende a recair
direito, porém no cólon esquerdo é inferior à prednisolona. Tal após suspensão da droga, justificando-se a conduta mais atual
fato está relacionado com a formulação da budesonida, pro- de mantê-la indefinidamente.
gramada para liberar o princípio ativo no íleo e cólon direito. Cloroquina, um reconhecido agente contra a malária com
Portanto, nessas situações, um tratamento tópico, na forma de propriedades anti-inflamatórias e imunomoduladoras, foi tão
enema, é recomendável em conjunto com o tratamento com eficaz quanto a SSZ (3 g/dia), na dose de 500 mg!dia, VO, no
budesonida oral, para agir no cólon esquerdo. tratamento da RCU ativa. Com o uso prolongado (> 6 meses),
Os corticoides tradicionais como a prednisona não devem pode haver retinopatia ou depósitos na córnea.
ser empregados como drogas de manutenção pelos já men- Ciclosporina é um peptídio extraído do fungo Tolypocla-
cionados efeitos indesejáveis que geram. Tão logo o paciente dium injlatum que, sem dúvida, revolucionou os transplantes
configure dependência do corticoide (necessita do corticoide de órgãos e o tratamento de doenças autoimunes. Seu principal
para manter remissão) ou refratariedade (não responde ao cor- mecanismo de ação é a redução na produção de interleucina-2
ticoide na dose de 0,75 a 1 mg!kg!peso de prednisona por 4 a (IL-2) pelas células Tauxiliadoras (T-helper). Na Dll, mostrou-
7 semanas), outras alternativas (p. ex., imunomoduladores) se razoavelmente eficaz na RCU grave, não responsiva após 5
devem ser instituídas. a 10 dias de corticoterapia e na DC refratária e fistulizante. As
doses normalmente usadas são 2 a 4 mg!kg/dia IV, infusão
• lmunomoduladores (ou imunossupressores) continua, por 1 a 2 semanas, seguidas da administração oral
Neste grupo de medicamentos, comumente incluímos a aza- da droga na dose de 6 a 8 mg!kg!dia. Os resultados, a curto
tioprina (AZA) e a 6-mercaptopurina (6-MP), a cloroquina, a prazo, são favoráveis e oscilam entre 60 e 80%. Em médio ou
ciclosporina e o metotrexato. Mais recentemente, tacrolimus longo prazos, a droga não produz bons resultados, a menos que
(FK 506) e micofenolatomofetila têm sido testados. seja acrescentado um imunossupressor do tipo AZA ou 6-MP.
Sem dúvida, os imunomoduladores mais estudados, e com Durante o desmame da ciclosporina oral, haverá um período
os quais há considerável experiência acumulada, são a AZA e em que o paciente utilizará corticoide, ciclosporina e AZA ou
a 6-MP. Após absorção, a AZA é rapidamente convertida em 6-MP. Nestas condições, está indicada a profilaxia da pneumo-
6-MP nas hemácias, havendo geração de metabólitos ativos do nia por Pneumocystis carinii com sulfametoxazol/trimetoprima.
grupo dos 6-tioguanina nucleotidios (6-TGN). AZA e 6-MP Os grandes óbices à terapêutica com ciclosporina são alto custo,
são potentes imunossupressores, inibindo a atividade de lin- necessidade de monitoramento rígido dos seus niveis séricos,
fócitos Te B, além de células NK (natural killer). AZA e 6-MP interação com outras drogas e toxicidade. Níveis sanguíneos
também induzem apoptose celular, o que é benéfico para os entre 150 e 300ng!mt , medidos por radioimunoensaio com
pacientes com DII, cujos linfócitos e monócitos têm redução anticorpo monoclonal ou HPLC (high-perjormance liquid chro-
de apoptose. Em altas doses, AZA também inibe a síntese de matography) são considerados uma faixa segura. Ciclosporina
prostaglandinas. Na DII, AZA e 6-MP têm sido utilizadas na é metabolizada no citocromo P-450 no fígado e, desta forma,
dose de 2 a 3 mg!kg!dia e 1 a 1,5 mg/kg!dia, respectivamen- drogas que o induzem (p. ex., cimetidina, rifampicina, trime-
te. Ambas são drogas de ação retardada, sendo necessário um toprima, carbamazepina, fenobarbital, fenitoína, octreotldio)
tempo de uso de 3 a 6 meses antes de qualificarmos a situação podem diminuir a concentração sanguínea da ciclosporina,
como insucesso terapêutico. e as que o inibem (p. ex., verapamil, fluconazol, cetoconazol,
Estudos bem controlados e metanálises têm revelado a im- claritromicina, eritromicina, corticoides, metoclopramida, clo-
portância da AZA e da 6-MP no tratamento da DII. Com ex- roquina) podem aumentá-la. Os efeitos colaterais são relativa-
ceção das formas graves da DII, todas as situações envolvendo mente frequentes, podendo chegar a 50%. São relacionados, em
RCU e DC podem ser beneficiadas com o tratamento com AZA geral, à dose e regridem, na maioria das vezes, com a redução
470 Capftulo 43 I Retoco/ite Ulcerativa

ou suspensão da droga. São eles, em ordem de frequência: pa- eficácia do bloqueio seletivo de mediadores inflamatórios, bem
restesia, hipertensão arterial, hipertricose, insuficiência renal, como do incremento da imunidade inata. Esta nova abordagem
cefaleia, infecções oportunistas, hiperplasia gengiva!, tonturas é, genericamente, denominada terapia biológica, uma vez que
e anafilaxia. Convulsões do tipo "grande mal" podem ocorrer age sobre mediadores e fenômenos naturais e fisiológicos. A
em pacientes com níveis séricos baixos de colesterol ( < 120 mgl terapia biológica pode ser dividida em quatro grandes grupos:
dl ). Finalmente, existe a rara possibilidade de a ciclosporina 1) agentes que incrementam o efeito de barreira da mucosa
provocar colite ou jejunite e até mesmo linfoma. Assim, o seu gastrintestinal, incluindo a estimulação da imunidade inata;
emprego deve ser reservado aos centros com experiência no 2) agentes que inibem ou modulam citocinas; 3) agentes que
manejo da droga e com infraestrutura para acompanhar opa- bloqueiam a atividade de células T (imunidade adquirida); 4)
ciente e tratar as complicações. Uma boa perspectiva é a utiliza- agentes que bloqueiam a adesão e migração de células inflama-
ção de uma nova formulação da ciclosporina VO, sob a forma tórias (p. ex., neutrófilos).
de microemulsão (Neoral). Sua biodisponibilidade é maior e
os resultados iniciais, na dose de 5 mglkgldia, são equivalentes • Agentes que incrementam oefeitode barreiro do mucosa
aos obtidos com ciclosporina intravenosa, porém com menos gostrintestinol, incluindooestimulação doimunidade inato
efeitos colaterais. Fatores de crescimento (p. ex., fator epidérmico de cresci-
Metotrexato (MTX) é um antagonista do folato e interfere na mento, fator trefoil, TGF-~, hormônio de crescimento, fator de
síntese de DNA. Age sobre a atividade de citocinas e mediado- crescimento do queratinócito etc.) têm sido testados no sentido
res inflamatórios, bloqueando a ligação da IL-1 ao seu receptor de melhorar a defesa do trato digestório (incremento sobre o
e reduzindo a síntese de IL-2, IL-6, IL-8, interferona-gama e efeito da barreira intestinal). Alguns deles (p. ex., TGF-J3) têm,
leucotrieno B4• Na dose semanal de 15 a 25 mg IM ou subcutâ- além da ação anti-inflamatória, efeito sobre o processo de re-
nea, o MTX promoveu remissão em cerca de 60% dos pacientes paração tissular.
com DC refratária, após 12 a 16 semanas de tratamento. As re- Os prebi6ticos, probi6ticos e simbi6ticos modificam a flora
ações adversas ocorreram em 10 a 25% dos pacientes e incluí- intestinal e normalizam o conteúdo de Bifidobacteria e Lacto-
ram: náuseas, di arreia, estomatite, leucopenia, queda de cabelo, bacilli, alterações estas que acabam por reduzir o contingente
elevação de transaminases, pneumonia por hipersensibilidade, antigênico imposto às células imunológicas da lâmina própria
fibrose ou cirrose hepática. A administração concomitante de intestinal. Além disso, estimulam a secreção de mucina e de
ácido fólico (1 a 2 mgldia VO) ajuda na prevenção da estoma- TGF-J3, aumentando assim a capacidade de defesa do trato gas-
tite, diarreia e toxicidade medular. Quando MTX é dado em trintestinal. Também ações imunomoduladoras como redução
conjunto com sulfametoxazol/trimetoprima, AZA ou 6-MP, o de citocinas pró-inflamatórias (p. ex., IL-1, IL-8, TNF etc.) e
risco de leucopenia grave torna-se ainda mais elevado. MTX é aumento de citocinas anti-inflamatórias (p. ex., IL-10) têm sido
teratogênico e pode causar aborto, sendo, portanto, contrain- demonstradas para os probióticos.
dicado em mulheres que desejam engravidar. Na RCU, o MTX O fator estimulador de colônias de granulócitos e macró-
não parece trazer beneficio. fagos (GM-CSF, sargramostim) consiste em outra forma de
Tacro/imus (FK 506), um antibiótico macrolídico com pro- melhorar a imunidade inata do organismo.
priedades imunomoduladoras e eficaz na prevenção de rejeição
após transplante hepático, foi recentemente testado em três • Modulação de dtoános
pacientes com formas graves de DC. O resultado foi satisfató- No caso da imunidade adquir ida, é possível bloquear
rio nos três pacientes, com resposta rápida ( < 3 semanas). Em IL-12/23 (anticorpos humanizados ABT-874, CNTO 1275 e
pacientes com RCU, tacrolimus em altas doses (o suficiente molécula STA-5326 mesilato), a interferona-y(anti-IFN-y, an-
para manter níveis séricos de 10-15 nglml ) VOe por 14 dias ticorpo humanizado fontolizumabe ou HuZAF), a IL-6 (anti-
foi benéfico em pacientes internados com quadro grave, cor - corpo humanizado atlizumabe) e, finalmente, o fator de necrose
ticoide-dependentes ou corticoide-refratários. Nefrotoxicida- tumoral (TNF-a) através do infliximabe (75% humano), certoli-
de foi observada em 5% dos pacientes. A droga age de forma zumabe pego! (anticorpo humanizado CDP-870, 95% humano)
semelhante à ciclosporina, porém sua ingestão oral é seguida e adalimumabe (anticorpo 100% humano). Por outro lado, é
de melhor absorção, mesmo diante de mucosa lesada. Estudos possível oferecer citocinas anti-inflamatórias como a IL-10.
controlados são aguardados para estabelecimento da dose ideal Recentemente, a capacidade de secretar IL-1Oou fator trefoil
e dos efeitos colaterais, que parecem ser semelhantes aos des- foi incorporada ao probiótico Lactococcus lactis, por engenha-
critos para a ciclosporina. ria genética, fazendo com que, além dos beneficios inerentes
Micofeno~tomofetila (MMF) é um éster do ácido micofe- ao probiótico, se obtenha ação direta anti-inflamatória, irnu-
nól.ico com ação imunossupressora, reduzindo a produção de nomoduladora e reparadora sobre a mucosa inflamada. Tam-
interferona-gama e a proliferação de linfócitos. Trabalhos ini- bém IL-10 foi utilizada sob forma de microesferas gelatinosas
ciais revelaram que o MMF (1 a 2 gldia VO) poderia ser útil (GM-IL-10). Tais estratégias de liberação direta na mucosa au-
nos pacientes com DC refratária, grave e intolerantes à AZA ou mentaram a eficácia da IL-10 e se mostraram melhores que a
6-MP. Todavia, o mais recente estudo sobre MMF, conquanto oferta sistêmica de IL-10.
não controlado, questionou sua eficácia na DC. Na RCU, MMF
não foi superior à AZA. • Bloqueio decélulas Totivodos
A ativação das células T na mucosa intestinal constitui eta-
• Terapia biológica pa importante no processo inflamatório na Dll. Dessa forma,
O sucesso da pesquisa de bancada - em laboratório - en- foram desenvolvidos anticorpos humanizados contra recepto-
sejou novas opções terapêuticas na DII. A descoberta de que res da superficie de células T ativadas . .S o caso do anti-CD3,
na DC existe prejuízo na imunidade inata (células dendr!ticas, visilizumabe ou HuM291 e dos anticorpos monodonais contra
neutrófilos, macrófagos) e consequente hiperestimulação da receptores CD25 (receptor de IL-2), como no caso do anticorpo
imunidade adquirida (células T) descortinou novas perspectivas humanizado daclizumabe e do anticorpo quimérico basilixima-
terapêuticas. Hoje, os estudos clínicos têm por objetivo avaliar a be. Outra estratégia consiste em bloquear sinais de coestimu-
Capfru/o 43 I Retoco/ite Ulceratlvo 4 71

lação para a ativação de células T (CfLA-4-Ig ou abatacepte). e histológica e não somente cllnica. Dessa forma, teremos de
Trabalhos controlados com essas modalidades terapêuticas es- reconsiderar os métodos atuais de avaliação da resposta te·
tão em andamento na Dll. rapêutica na DII, como os índices de atividade, que, por ve-
zes, não levam em conta a condição macro e microscópica da
• Bloqueio de adesão emigração de células inflamatórios mucosa intestinal. O mesmo se aplica à capacidade de induzir
In.ibidores seletivos de moléculas de adesão (p. ex., inte- apoptose e de reduzir o processo inflamatório do tecido adipo·
grinas, ICAM) também se mostraram inicialmente úteis no so mesentérico. Provavelmente, esses métodos tradicionais de
tratamento da DC, particularmente naqueles com elevação da avaliação da remissão da doença darão lugar a exames labora-
proteína C reativa (PCR). Nesse grupo, inclulmos: o anticorpo toriais (p. ex., dosagem fecal de calprotectina e de lactoferrina
humanizado natalizumabe, contra a integrina a 4, o anticorpo etc.), endoscópicos (p. ex., cápsula endoscópica, enteroscopia
humanizado MLN02 ou LDP02, contra a integrina a 4~7), e com duplo-balão etc.), ultrassonográficos, tomografia compu·
o oligonucleotídio antissenso aUcaforseno ou ISIS 2302, con- tadorizada com multidetector (enterogralia multis/ice com TC),
tra ICAMI. ressonância nuclear magnética, colonoscopia virtual etc., que,
Muitas dessas modalidades terapêuticas ainda estão em fase com o tempo, deverão ter seus custos mais reduzidos, possibi·
experimental ou carecem de maior confirmação clínica. Entre- litando abordagem mais rotineira.
tanto, os resultados preliminares são encorajadores. No Brasil, Finalmente, associações de terapia biológica que ajam si·
duas drogas biológicas já foram aprovadas: infliximabe e ada- nergicamente melhorando a imunidade inata e minimizando
Umumabe. In.llix:imabe mostrou-se útil no tratamento da DC a resposta inflamatória adaptativa (p. ex., sargramostim +anti-
e da RCU. Os estudos ACf 1 e ACf 2, para RCU não respon- TNF-a) talvez sejam utilizadas a fim de se obter melhor efeito
siva aos tratamentos habituais. revelaram nítida vantagem do terapêutico, evitando-se assim o uso de corticoides. No Qua·
infliximabe sobre o placebo. Após indução com 5 mglkg nas dro 43.5, resumimos as perspectivas no tratamento da RCU.
semanas O, 2 e 6 IV, a droga foi mantida a cada 8 semanas. Ao
final de 30 semanas, a resposta clinica com IPX foi de 52 versus
30% no grupo placebo (p < 0,001), a remissão clinica foi de 34
(IPX) versus 16% (placebo), p < 0,001, e a remissão endoscó- • COMPLICAÇÕES EPROGNOSTICO
pica foi de 50 (IFX) versus 25% (placebo), p < 0,001. A remis-
são cllnica sem corticoide foi de 24% no grupo lPX e 10% no • Megacólon tóxico
grupo placebo (p < 0,03). Adalimumabe, em um estudo-piloto,
também mostrou-se útil na RCU. O megacólon tóxico ocorre em 3 a 5% dos pacientes com
RCU. Caracteriza-se por uma dilatação progressiva do cólon as·
Os efeitos colaterais dos anti-TNP ocorrem em uma frequên-
sodada a manifestações tóxicas sistêmicas, com estiramento da
cia menor que 10% e em alguns trabalhos não foram superiores
aos constatados para o grupo placebo. Os efeitos colaterais men- parede da víscera, podendo ocasionar perfuração. O paciente,
cionados para o anti-TNP incluem: a) mais comuns: reações à em geral, apresenta-se toxemiado, com febre, taquicardia, dor
infusão (prevenidas e tratadas com redução da velocidade de in- e distensão abdominal. O leucograma revela intensa leucocito·
fusão, difenidramina 25 a 50 mg lV ou VO, hidrocortisona 100 se. Essa complicação exige colectomia urgente, assim mesmo a
a 200 mg IV, ou prednisona 40 mg VOe acetaminofeno 650 mg mortalidade é alta e atinge metade dos pacientes.
VO), infecções de vias respiratórias superiores, bronquite, farin-
gite, febre, cefaleia, náuseas, dor abdominal; b) menos comuns: • Displasia ecarcinoma do cólon
tontura, dor torácica, artralgia, reações de hipersensibilidade
tardia, abscessos (abdominais ou perianais), pneumonia, fu. Não há dúvidas de que a incidência de displasia e câncer do
runculose, obstrução intestinal, anemia hemolftica, disfunção cólon é maior nos pacientes com RCU do que na população
cardíaca,lúpus induzido por droga (anti-DNA positivo); o risco geral e, obviamente, é a complicação mais temida. Acredita-se
de Unfoma nã.o Hodgkin é sugerido por alguns autores, porém que a inflamação persistente poderá progredir para displasia e
parece relacionar-se mais com o uso do corticoide ou com a câncer na seguinte sequência: colite sem displasia > displasia
associação entre terapia biológica e imunossupressor. Alguns de baixo grau (DBG) > displasia de alto grau (DAG) > carci-
pacientes desenvolvem anticorpo contra o próprio anti-TNF noma. Estudos recentes sugerem que a DBG pode evoluir para
(4 a 35% dos pacientes), porém o seu significado ainda não câncer sem passar por DAG. Em vista disso, alguns autores têm
está totalmente esclarecido. Tais anticorpos desenvolvem-se sugerido colectomia profilática neste ponto. Entretanto, não há
em uma frequência menor nos que consomem, concomitan- consenso sobre esta questão.
temente, um imunossupressor (p. ex., azatioprina, 6-mercap- Os fatores determinantes do risco de degeneração malig·
topurina, metotrexato etc.). Alguns pacientes podem reativar na são a duração e extensão da doença e a gravidade da in-
tuberculose latente, o que justifica a realização do PPD e raios X flamação.
de tórax antes da infusão. Assim, paciente.s com PPD negativo Com relação à duração, sabe-se que o risco cumulativo de
ou< 5 mm e raios X de tórax normal podem ser submetidos à desenvolver câncer de cólon, após 15 anos de doença, é de 5 a
terapêutica com anti-TNF. Nos casos de PPD > 5 mm, os pa· 8%; após 20 anos, de 12%; e, após 25 anos. de 25 a 30%. Caso
cientes devem ser tratados com isoniazida profilática (300 mg/ a doença se limite ao reto, a chance de maUgnização é seme-
dia, 6 meses), e a terapia anti- TNF deve ser iniciada somente lhante à da população normal. Por outro lado, o ri.sco, quando
após 1 mês de isoniazida. A droga também deve ser evitada a doença é universal (ou seja, atinge todo o cólon), é de 13%,
em cardiopatas. após 15 anos de doença; de 23%, após 20 anos; e de 42%, após
A pesquisa com terapia biológica certamente continuará de 25 anos.
forma célere, na busca de medicamentos mais elicazes, de fácil Geralmente, o tumor que se desenvolve em um paciente com
administração, com menos efeitos colaterais e com impacto RCU é extremamente agressivo. As lesões são planas. infiltra·
sobre a história natural da doença. Os estudos com terapia bio- tivas, e, na maioria dos pacientes, já se encontram metástases
lógica também têm revelado o valor da remissão endoscópica durante a laparotomia.
472 Capftulo 43 I Retoco/ite Ulcerativa

--------------------------------T--------------------------------
Quadro 43.5 Perspectivas no tratamento da retocolite ulcerativa inespeáfica (RCU)

Terapia Resultados Iniciais na RCU


Terapia biológica
1) Golimumabe- anticorpo monoclonallgG1 , humano, contra TNF ................................................................................................. Em andamento
2) CDP-571 -anticorpo humanizado contra TNF, monoclonal,lgG4 .................................................................................................. Favor~ve i s

3) Natalizumabe- anticorpo monoclonal contra alfa-4 i ntegrina, humanizado,lgG4, inibe adesao leucocit~ria ............. Favor~veis
4) M LN-02 - anticorpo humanizado,lgG1, monoclonal, cont ra alfa-4 beta-7 integrina, inibe adesao l eucocit~ria .......... Favor~veis
5) Alicaforsen (lsis 2302, antissenso contra molécula de adesao ICAM-1 ) ......................................................................................... Question~veis
6) RDP 58 - i nibe vias i ntracelulares de ativaçao e formaçao de citocinas pró-inflamatórias (TNF, IFN, Il-12) .................... Descontinuados
7) Daclizumabe (humanizado) e Basiliximabe (qui mérico) - bloqueio de ll -2 ................................................................................ Mais favor~veis para Basiliximabe
8) Visilizumabe - anticorpo monoclonal humanizado contra CD3 ...................................................................................................... Question~vei s
9) Enema de fator de crescimento epidérmico ........................................................................................................................................... Favor~ve i s

1O) Repifermina - fator de crescimento fibrobl~stico 1O ou fator queratinócito de crescimento 2 ........................................... Nao favor~veis
11) Tetomilast (OPC-6535) - inibe produçao de superóxido e citocinas pelos leucócitos ............................................................. Question~veis
12) Abatacept- bloqueio de CTLA-4 (molécula coestimuladora, importante na ativaçao de linfócitos) ................................ Favo~veis
13) Antifator d e agregaçao plaquet~ria ·····- ················-----·····- ················----·-··············-······-··-············-·····- ·····-············-·····- ····-----······ Nao favo~veis
14) lnterferona-a ....................................................................................................................- ................................................................................ Question~veis
15) lnterferona-Jl-1 ...............................................................................................................- ................................................................................ Nao favo~veis
16) lnterleucina-1 O.........................................................................................................--···-·······----······-······---- ·-·····-······-······---- ·-·····-······-- Nao favo~veis
Miscelânea
1) 4-aminossalicílico ······-··································...............................- ................................................................................................................................... Favoráveis
2) Nicotina transdérmica .................................................. ............ Favo~veis (altas doses)
3) Hepari na ..................................................................................................................... ............................... Não favoráveis
4) Ácidos graxos de cadeia curta (enema) .................................................................................................................................................... Questionáveis
5) Omega-3 (óleo de peixe) ........................................................................................................................................ ........................ Questionáveis
6) Antibióticos ............................................................................ ················-······ Questionáveis
7) Zileuton e outros inibidores de leucotrienos ............. ........ Não favoráveis
8) Ridogrel (inibidor de tromboxano) .................... ........ Não favoráveis
9) Alopurinol ............................................................................................. ....... Não favoráveis
1O) Bismuto (enema) .................................................................................................. ················-······· Favoráveis
11) l idocaína!ropivacaina (enema) .................................................................................................................. ........................ ...... Favo~veis
12) Rosiglitazona (ligante de PPAR gama - peroxisome proliferator·activated receptor gamma). ········-··········Favoráveis
13) levamisole ... ............................................. ........................................................ ..................... Não favoráveis
14) Cromoglicato dissódico ................................. ............................................... . ............................ ....... Questionáveis
15) Aférese (granulócitos e monócitos) .... .. Questionáveis
16) Afoe vera ................................................................ .. Não favoráveis
17) Probióticos ........................................................................................................................................ ................................ ......................... Favoráveis
18) Desídroepiandrosterona (OHEA) - ação anti-inflamatória................................... Favoráveis
19) APC 2059 (inibido r de triptase) - bloqueia degranulação de mastócitos .................................................................................... Favoráveis

Outros fatores considerados de risco são: doença colestática 2 anos a partir de 8 a 10 anos do início da doença na pancoli-
no fígado (p. ex., colangite esclerosante primária) e, possivel- te e 15 a 20 anos nas formas localizadas. Sugere-se colectomia
mente, o uso de drogas imunomoduladoras, tais como: azatio- profilática em pacientes com doença universal com mais de
prina e 6-mercaptopurina. 10 anos de duração.
A alta incidência de malignização impõe medidas de vigi- Infelizmente, muitas questões ainda não estão respondi-
lância em todos os pacientes com RCU. Infelizmente, não dis- das, entre elas: Quando iniciar a vigilância? Qual é o número
pomos, até hoje, de um método ideal de vigilância. Os possíveis de biopsias? Quais locais deverão ser biopsiados? Além disso,
marcadores de pré-malignidade, como antígeno carcinoem- existe muita discrepância de resultados entre os patologistas
brionário (CEA), a excreção fecal de ácidos biliares e a presença Em razão da falta de estratégia de vigilância universalmen-
de displasia, entre outros, não se mostraram confiáveis. te aceita, têm-se procurado novos métodos de monitorar os
Nos EUA e na Europa, vêm sendo testados vários protocolos pacientes com RCU. Nesse sentido, destacam-se: a cromoen-
envolvendo marcadores sangulneos e teciduais, colonoscopia doscopia e a "quimioprofilaxia" com aminossalicilatos. A cro-
anual ou bianual e colectomia profilática, mas, até agora, não moendoscopia consiste na utilização de corantes por meio da
existe consenso sobre a questão. Recomenda-se, entretanto, colonoscopia com ou sem magnificação de imagem. A utili-
a realização de colonoscopia com biopsia pelo menos a cada zação de corante permitiria identificar com maior precisão as
Capftulo 43 I Retoco/ire Ulcerativa 473
lesões planas e também as polipoides, indicando o melhor lo- acima de 100 bpm, temperatura superior a 3s•c e albumina
cal para a biopsia. sérica inferior a 3 mgl cU. Considera-se, também, que aqueles
Estudos realizados na Dinamarca demonstraram que a inci- doentes que apresentam ilhotas de mucosa no cólon, ou nos
dência de displasia e câncer em pacientes com RCU é muito me- quais se evidenciam mais de três alças de delgado distendidas,
nor naquele país. Da mesma forma, a realização de colectomia ou, ainda, dilatação do cólon, notada à radiografia simples de
foi muito menor. A explicação para isso foi a maior utilização abdome, possivelmente terminarão por exigir tratamento ci-
de aminossalicilatos. Mais recentemente, estudos realizados no rúrgico de urgência.
Reino Unido demonstraram que o uso regular de aminossali- "' Complicações agudas. As mais importantes são sangra-
cilatos na dose mínima de 1,2 gldia reduziu em até 75% o risco menta incontrolável por medidas clínicas, megacólon tóxico e
de desenvolvimento de câncer e displasia. perfuração do cólon.
A despeito destes excelentes resultados com estas novas es- "' Riscos de câncer. Essa situação é mais frequente quan-
tratégias, a cromoendoscopia ainda é um método caro e a uti- do o surto inicial da doença ocorre na juventude, naqueles em
lização de aminossalicilatos por tempo prolongado necessita que todo o cólon está comprometido, e quando o processo
de estudos prospectivos em escala convincente. se prolonga por mais de 1O anos. Após a primeira década de
doença, cerca de 2% dos pacientes desenvolverão o câncer co-
Iônico a cada ano.
• PROGNÓSTICO "' Retardo de desenvolvimento somático nas crianças.
Essa situação é dependente da lesão intestinal. A cirurgia de-
O prognóstico depende da extensão e gravidade da doença verá ser realizada antes do fechamento do espaço epifisário e,
na época do diagnóstico inicial. Estatísticas indicam que 45% portanto, em condições de a criança retornar ao seu desenvol-
dos pacientes apresentam doença limitada ao cólon distai, 35% vimento físico.
têm uma forma moderada e 20% exibem doença universaL "' Complicações extraintestinais. As complicações extrain-
O acompanhamento dos pacientes a longo prazo demons- testinais não constituem indicações para colectomia. A indica-
tra que, em média, 50% ficam livres dos sintomas, mas quase ção de operação dependerá da situação da doença coiônica, da
todos irão apresentar, pelo menos, uma recidiva nos próximos resposta ao tratamento e do tempo de duração da RCU. Essas
10 anos. complicações poderão, todavia, reforçar a decisão de operar.
Apesar do caráter crônico, a proctite e a proctossigmoidite As complicações extraintestinais são divididas em dependentes
apresentam baixa incidência de complicações, e as manifestações e independentes da lesão intestinal.
extraintestinais ocorrem em menos de 10% dos pacientes. "' Dependentes da lesão intestinal: pioderma gangrenoso,
Pacientes jovens tendem a apresentar doença mais grave, eritema nodoso, estomatite aftoide, irites, artrites periféricas;
com manifestações extraintestinais e sangramento intenso no independentes da lesão intestinal: colangite esclerosante, es-
primeiro episódio, além de evoluírem, em geral, para formas pondilite ancilosante, nefropatias crônicas e amiloidose.
mais graves.
• Procedimentos cirúrgicos
• TRATAMENTO CIRÚRGICO Os procedimentos cirúrgicos para o tratamento da RCU
sofreram transformações ao longo dos anos, com o desenvol-
O momento da indicação cirúrgica para a RCU é geralmen- vimento de novas técnicas e com o melhor conhecimento da
te protelado devido à preocupação de clínicos e pacientes com fisiopatologia da doença. Assim, a abordagem cirúrgica inicial
relação à feitura de ileostomias e/ou colostornias, temporárias consistia em simples desvio do trânsito intestinal, através de
ou definitivas, com suas consequências do ponto de vista físico colostomia ou ileostomias, que logo se mostraram inadequadas,
e de convívio social. Assim, para esses pacientes receberem a uma vez que mantinham o segmento intestinal doente, com to-
orientação cirúrgica no momento adequado, sempre é necessá- das as suas consequências. O mesmo acontece quando se pra-
rio o acompanhamento por uma equipe multiprofissional com ticam, nas formas localizadas da doença, colectomias parciais,
a importante participação de um cirurgião. uma vez que, nesses casos, o processo ressurgirá no segmento
As indicações para o tratamento cirúrgico da RCU são, clas- do cólon remanescente.
sicamente, as seguintes: Atualmente, os procedimentos cirúrgicos utilizados para a
"' lntratabilidade clínica. Apesar de persistente e adequada RCU são os seguintes:
terapia, ocorre a manutenção da doença, tornando dificeis as
condições de vida dos pacientes. E quais são esses casos? Em • Proctocolectomia comileostomia
geral, são pacientes que se apresentam em episódios graves de Procedimento proposto por Brooke, em 1952, que é indicado
diarreia com sangue, febris, taquicárdicos e anerniados. A con- para as formas difusas e mais graves, com grande comprome-
duta clínica inclui internação, hidratação e corticoterapia ve- timento do reto. Consiste na remoção de todo o cólon e reto,
nosas. Não há evidência de que a nutrição oral, líquida ou pas- com feitura de ileostomia em caráter definitivo, apresentando
tosa, agrave a diarreia, mas doentes desnutridos devem receber a grande vantagem de realmente curar a doença, além de re-
nutrição parenteral total. Se o paciente continua a deteriorar, solver, também, as manifestações extraintestinais dependentes
pode-se tentar ciclosporina intravenosa, na dose de 4 mg/kgl da lesão intestinal.
dia. Se, ainda assim, e ao fim de 7 dias, não houver melhora, No entanto, por ser procedimento extremamente mutilao-
com o doente mantendo-se febril, taquicárdico e sem diminuir te e com a ileostomia definitiva, leva a grandes implicações do
a diarreia, indica-se operação de urgência. Esses doentes, que ponto de vista psicossocial, como a reclusão do paciente.
acabarão operados durante a crise inflamatória, correspondem
a 20 ou 30% dos casos graves de RCU. Há sinais que ajudam • Proctocolectomia comileostomia continente
ao médico prever mau prognóstico, quando o doente se apre- No sentido de reduzir as consequências da ileostomia defi-
senta: com mais de nove episódios de diarreia no dia, pulso nitiva nas proctocolectomias, Kock, em 1976, propôs a reali-
4 74 Capitulo 43 I Retoco/ite Ulcerotivo

zação de ileostomias continentes, dotadas de reservatório for- endoscópica. Esse processo nada tem a ver com a doença in-
mado por segmento de intestino delgado distai com sistema flamatória inicial, apresentando alterações ba.c teriológicas e
valvulado. Esse reservatório, de feitura complexa, era esvazia- histopatológicas, com consequentes repercussões funcionais,
do pelo próprio paciente, por meio da introdução de sondas manifestando-se por dor pélvica, febre, diarreia aquosa e san-
pela ileostomia. guinolenta. A sua etiologia ainda não está devidamente estabe-
Com o desenvolvimento de novas técnicas, essa conduta foi lecida, considerando-se a possibilidade de estase fecal prolon-
praticamente abolida, devido principalmente a complicações gada no reservatório, com decorrente proliferação bacteriana
na sua manipulação (perfuração do reservatório pela sonda ou, por isquernia da mucosa ou má absorção. Esses processos res-
então, pela perda de continência do sistema valvular). pondem de modo satisfatório ao uso de metronidazol, poden-
do, em algumas situações, haver necessidade de reconstrução
• Colectomla total comileorretoanastomose cirúrgica do reservatório ileal.
Em 1952, Aylett divulgou técnica originariamente propos- Outras complicações pós-operatórias são representadas
ta por Devine, em 1943, e Corbett, em 1952, que consistia na por insuficiência anastomótica, fistula, sepse pélvica (17,6%),
remoção de todo o cólon e preservação do reto e dos esfincte- estenose de anastomose (14,7%), obstrução intestinal (8%) e
res por uma anastomose ileorretal na altura do promontório incontinência (11 %), exigindo, na maioria das veus, reinter-
sacra!. Esse procedimento só poderá ser indicado em situações venção cirúrgica para a resolução dessas situações, que, inclu-
especiais, em que não ocorra um maior comprometimento do sive, estão associadas ao aumento da incidência das manifesta-
reto. com suas funções preservadas, sem doença ativa intensa ções extraintestinais. Complicações tardias são a bolsite, como
ou estenoses, ausência de displasias na mucosa e com esfincter mencionado, a incontinência anal e a disfunção sexual, prin-
anal adequado para controlar fezes liquidas. cipalmente nas mulheres, caracterizando-se por dispareunia.
A manutenção do reto toma essa técnica discutida, pois, A julgar por um relatório da CUnica Mayo, as complicações
nessa porção remanescente, poderá surgir um processo de de- per e pós-operatórias da PTAIBI chegam a 70%. Esse núme-
generação neoplásica, requerendo, dessa forma, revisões locais ro, aparentemente assustador, não desanima os que precisam
a cada 6 meses. O risco do surgimento de um processo neoplá- de uma colectomia total e não desejam permanecer com uma
sico no reto residual é de 5% em 20 anos. colostomia definitiva.
Pelo seu baixo índice de morbidade e pelas excelentes con-
dições de vida propiciadas aos pacientes, essa técnica tem, sem
dúvida, um lugar de destaque e de grande valia em casos de- • Megacólon tóxico
vidamente selecionados. Sempre existe a possibilidade de, em Na fase inicial de instalação do megacólon tóxico, a conduta
situações de recrudescimento da atividade inflamatória no reto deverá ser clínica e expectante. t importante o controle dos si-
e/ou encontro de graves displasias nos controles periódicos, re- nais vitais, além de reposição hidreletrolitica, utilização de anti-
verter esse procedimento para a remoção do reto e feitura de bióticos de Largo espectro e controle radiológico a cada 12 h.
reservatório ileal, ou, então, ileostornia definitiva. A alteração de sinais vitais (febre, taquicardia, toxemia),
do exame clinico (distensão abdominal, dor e irritação perito-
• Proctocolectomia total com anastomose lleoanal neal), juntamente com a falta de resposta às medidas clinicas
e bolsa ileal (PTAlBl) nas primeiras 24 h, ou então à mudança n o quadro radioló-
Essa técnica consiste na remoção de todo o cólon, dissecção gico (aument o da distensão do cólon), são sinais indicativos
do reto e secção deste cerca de 1 em acima da linha pectínea. para um pronto procedimento cirúrgico, antes da ocorrência
S realizado um reservatório utilizando-se o segmento distai de perfuração.
do lleo, que deverá ser anastomosado junto ao coto do reto. A A conduta cirúrgica ideal seria a colectomia total, com fe-
bolsa poderá ser realizada de diferentes formas, porém a mais chamento do coto reta! e ileostornia, para uma reconstituição
utilizada é aquela em formato de J, proposta por Utsunomya do trânsito em procedimento posterior.
em 1980, que forma um reservatório com cerca de 15 a 20 em. Em ci.rcunstãncias de maior comprometimento das condi-
A extremidade distai do J é anastomosada ao coto reta!, utili- ções do paciente, ou então na presença de perfuração intestinal,
zando-se grampeadores. a conduta cirúrgica, na impossibilidade de remoção do cólon,
O procedimento cirúrgico é realizado em dois estágios, dei- deverá ser a feitura de colostomias descompressivas múltiplas,
xando inicialmente uma ileostomia de proteção da anastomose, além de limpeza e drenagem da cavidade abdominal.
que, posteriormente, deverá ser fechada.
Em algumas situações, poderemos manter um coto reta!
maior, no qual é removida a mucosa (mucosectomia), facili-
tando a anastomose com a bolsa ileal. • LEITURA RECOMENDADA
Apesar da complexidade dessa técnica, ela, sem dúvida, nos Abraham, C & Cho,J~I. Mecanlsms ofDisea.se. Inflamatory Bowel Di•eu e. N
últimos anos, promoveu um a revolução no tratamento cirúrgi- Engl I Med, 2009; 365:2066·78.
co da RCU. A experiência mundial tem aumentado, com sub- Ardi.uone, S, Molten~ P, Bollanl, S, Biaochi, G. Guiddines for the trcatmcnt of
grupos de pacientes avaliados para determinar a segurança e ulcerative colitis in remlsslon. Eur I Gm11o<nterol Hepatol, 1997; 9:836-41.
Axon, ATR CotonJc cancu aurveUianc.e in ulcerative colitis ls not e-u ent1al for
eficiência desses procedimentos e indicações especificas, persis- ""ery patlenL Europnm lounull ofConar, 1995; 718:1183.
tindo, porém, controvérsias sobre aspectos técnicos, sobretudo Bernstein, CN. SurveUlanu programs for colortttal cancu in inJlammatory
no que diz respeito à configuração ideal da bolsa e ao nlvel da bowel disease. Gut, 2009: 57:1 194-6.
anastomose no canal anal, com suas consequências principal- D'Haens, G. Dyspwla and cancer in ulctrati'"' colitis: too many questions, 100
mente no tocante aos resultados funcionais. fewanswers. Dlgestlon, 2006; 73:9-10.
D2mião, AOMC Doença lnfb.matória Intestinal Em: ~a.. SUw, P
A morbidade desse procedimento cirúrgico é relativamente
(ecl.). Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, RJ, 8' ecl., 2010. p. 896·
alta, e a complicação mais frequente é a inflamação do reserva- 903.
tório ileal, denominada "bolsite" ou pouchitis, que pode ocorrer Damião, AOMC Doença Inflamatória Intestinal-Terapia Biológica: o momento
em até 50% dos casos operados, inclusive com comprovação e o lugar. 1 Bras Gastrwnterol, 2009; 9:4-7.
Capftulo 43 I Retoco/ire Ulcerativa 475
Damião, AOMC. Há lugar panos probióticos na doença inflamatória intesti- Mcl<ay, DM. Intestinal inllammation and the gut microtlora. Can f GastTOen-
nal? Em: T6pícos em Gastroenterología 17. Savassi-Rocha, PR, Coelho, LGV. tero~ 1999; 13:509-16.
Almeida, SR. Albuquerque, W (eds.). Medbook Editora Científica Ltda., Rio Meagher, AP. Farouk, R, Dozois, R, Kelly, I<A, Pernberton, )H. Deal pouch-anal
de Janeiro, RJ, 2009. p. 181-9. anastomosis for chronic ulcerative colitis: complications and long-term
Damião, AOMC. Leite, AZA. Lordello, MLL et ai. Probiótieos. Em: Nutriçãc outcome in 1310 patients. Br l Surg, 1998; 85:800-3.
Ora~ Enteral e Parenteral na Prática Cllnica. Waitzberg, DL (ed.). Editora Ng, SC & Kamrn, MA. Review article: new drug formulations, chcmical cnti-
Atheneu, São Paulo, SP, 4' ed., 2009. pg. 2115-38. ties and therapeutic approaches for lhe managernent of ulcerative colitis.
Damião, AOMC & Sipahi, AM. Doença Inflamatória intestinal. Em: Castro, Aliment Pharmacol Ther, 2008; 28:815-29.
LP, Coelho, LGV (eds.). GastTOenterologia. Rio de Janeiro, Editora MEDSI, North, CS, Clouse, RE, Spitznagel, EL, Alpers, OH. lhe relation of ulcerali-
2004: pg. 1105-49. ve colitis to psychiatric factors: a review of ftndings and methods. Am f
Ekbom, A. Ch.ronic ulcerative colltis and Crohn's disease as precancerous con- Psychiatry, 1990; 147:974.
dition: what is the role of colonoscopy? Endoscopy, 1995; 27:50-3. Peyrin-Biroulet, L, Laclotte, C. Roblln, X et ai. Adalimumab induction therapy
Fedorak, N & Madsen, KL. Probiotics and prebiotics in gastrointestinal disor- for ulcerative colitis with in tolerance o r losl response to inlliximab: an
ders. Curr Opin Gastroenterol, 2004; 20:145-55. open-label study. World J Gastroentero!, 2007; 13:2328-32.
Frisch, M, Pedersen, BOV, Andersson, ER. Appendicítls, mesenterk lympha- Provenzale, O, Kowdley, KY, Arora, S, Wong, JB. ProphUatic eolectomy or sur-
denitis, and sub~quentrisk of ukerative co1itls: cohort studies in ~den veillance for chron.ic ulcerative colitis? A dedsion analysis. Gastroent~rology.
and Denmark. BMJ, 2009; 338:b716. 1995; 109:1188.
Hanauer, SB & Baert~ FJ. The management of ulcerat.ive colids. Annu Rev Med, Rask-Madsen, J. From basic science to future medicai options for treatment of
1995; 46:497. ulceratlve colitis. Eur JGastr~nterol Htpatol, 1997; 9:864-71.
Hanauer, SB & Schulman, M. Inllammatory bowel disease. New therapeutic Rutgeerts, P, Sandborn, W}, Feagan, BG et ai. Iníliximab induction and mainte-
approaches. Gastroenterol. Clin. North Am., 1995; 24:523. nance therapy for uleerative eolitis. N Engl f Med, 2005; 353:2462-76.
Hanauer, SB & Sparrow, M. Therapy of ulceratlve colitis. Curr Opin Gastroen- Satsangi_, Jet al. Ge.net.ics of inRammatory bowd disease: scientific and clini·
tero!, 2004, 20:345-50. callmpllcatlons. Best Practice 6- R"'earch Clinicai Gastroenterology, 2003;
Harries, AO, Naird, A, Rhodes, J. Non-smoklng: a feature of ulceratlve colitis. 17:3-18.
Br Med j, 1982; 284:706. Shih, O et al. Recent advances in IBD pathogenesis: Genetics and Immunology.
Katz, JA, ltoh, ), Fiocchi, C. Pathogenesis ofinllammatory bowel disease. Current Curr Gastroentero! Rep, 2008; 10:568-75.
Opinion in Gastroenterology, 1999; 15:291-7. Truelove, SC & Wlns, LJ. Cortisone in ulcerat.lve colitis. Final report on a the-
Langan, CR et a!. Ulcerative Colitis: Dlagnosls and Treatment. Am Fam Phy- rapeutic trlal. Br Med j, 1995; 2:1041.
sician, 2007; 76: 1323-30. Utsunomya. J. Iwana, T et a/. Total colec.tomy. mucosa! protectomy and ileo-
Lennard· Jones, JE. ls colonoscopy cancer surveillance in ulcerative colitis es· anal anastomosis. Dis Colon Rectum, 1980; 23:459.
sentia! for every patientl Eur f Cancer, 1995; 718:1178. Williams, NS & )ohnston, O. lhe current status of mucosa! protoctomy and
Lichteinstein, GR. Medicai lherapy of Inflamatory Bowel Disease. Gastroenterol ileoanal anastomosis in the surgical treatment of ulcerative colitis and ade-
Clin N Am, 2004; 33. nomatous polyposis. Br f Surg, 1985; 72:159.
44 Tuberculose Intestinal
Mounib Tacla

• INTRODUÇÃO As complicações poderão ocorrer sob a forma de quadro


obstrutivo intestinal, hemorragia, fístulas internas por conti-
A tuberculose intestinal (TBI) é encontrada mais comumen- guidade com outras estruturas e má absorção consequente ao
te em países pouco desenvolvidos e, nos EUA, é mais incidente extenso comprometimento da mucosa intestinal.
em grupos de imigrantes. A sua incidência em países do Oci- O comprometimento abdominal pelo processo tuberculoso
dente tem aumentado, em decorrência dos fluxos migratórios ocorre em cerca de 2% dos pacientes que apresentam a doen-
provenientes de países do terceiro mundo, além do maior aco- ça pulmonar, podendo envolver o peritônio, grande omento,
metimento de infecções virais em imunodeficientes, represen- fígado, baço, sistema digestório ou órgãos pélvicos na mulher.
tando importante causa de morbidade e mortalidade. Com o Em cerca de 95% dos casos, esse envolvimento abdominal é
aparecimento da AlDS, houve um aumento significativo da sua acompanhado de ascite, que poderá ser facilmente detectada
incidência no grupo de pacientes imunodeprimidos devido a clinicamente e/ou pela ultrassonografia.
essa síndrome. A TBI é decorrente da ação do M. tuberculosis
e do M. bovis, existindo, em 50% dos casos, um comprometi-
mento pulmonar primário inicial, com a bactéria atingindo o • DIAGNÓSTICO
sistema digestório pela deglutição do escarro contaminado.
Nos outros pacientes, o processo primário é intestinal e, ge- Além do quadro clinico e de antecedentes de contaminação
ralmente, a via de contaminação é através da ingestão de leite pelo uso do leite não pasteurizado, poderemos acrescentar os
bovino não pasteurizado. seguintes procedimentos diagnósticos. A suspeita de tubercu-
Qualquer porção do sistema digestório poderá estar compro- lose intestinal deverá ser considerada no diagnóstico de dor
metida pelo processo, porém a sua incidência maior é na região abdominal crônica, principalmente em indivíduos imunode-
ileocecal. No segmento envolvido, encontramos ulcerações da ficientes.
mucosa, fibrose com espessamento da alça e estreitamento da
luz. além de envolvimento de linfonodos na região do meso. • Teste cutâneo do PPD
O aspecto macroscópico é bastante semelhante ao encontrado Esse teste apresenta-se positivo em cerca de 70% dos casos de
na doença de Crohn (DC). tuberculose. Porém, em pacientes imunodeprimidos, inclusive
Em países em que a tuberculose é endêmica, como na fndia, a
pela AlDS, poderemos ter um resultado falso -negativo.
diferenciação com a DC é importante, uma vez que a orientação
terapêutica é totalmente diferente nas duas entidades. Dentro
de um contexto mais geral, a DC é processo de longa evolução, • Raios Xde tórax
com diarreia crônica, sangue nas fezes, doença perianal, ma- Esse exame é importante para o reconhecimento de um com-
nifestações extraintestinais, ulcerações aftoides, comprometi- plexo pulmonar primário.
mento de cólon esquerdo. Por outro lado, obstrução intestinal
parcial, obstipação, presença de lesões nodulares juntamente
com grande número de granulomas são mais frequentes na
• Raios Xcontrastados
TBI. Apesar das similaridades entre estas duas patologias, po- O estudo radiológico contrastado do delgado, com particular
derão ser bem diferenciadas na combinação de manifestações atenção para a região ileocecal e do cólon, deverá demonstrar
clínicas, endoscópicas e histopatológicas. não somente o local do comprometimento intestinal, mas tam-
A manifestação clínica geralmente é representada por febre, bém a sua extensão e a existência ou não de fenômenos subo-
dor abdominal, emagrecimento e diarreia. Na vigência de um clusivos. O aspecto radiológico encontrado na TBI é semelhante
maior estreitamento do lúmen intestinal, poderemos observar a ao achado na doença de Crohn. Entretanto, na tuberculose, o
ocorrência de sintomas de suboclusão, com distensão abdomi- ceco costuma estar contraído e o segmento ileal atingido é mais
nal e eventual encontro de massa abdominal palpável local. curto do que o habitual para a doença de Crohn.

476
Capltulo44 I Tubercu/aselntestinal 477

• Paracentese • Cápsula endoscópica e enteroscopia


Na presença de ascite, a paracentese mostra um liquido de O advento recente da cápsula endoscópica permitiu uma
coloração citrina, e a sua análise bioquímica revela um elevado melhor investigação do intestino delgado, principalmente nos
número de linfócitos (250.000-400.000 células mt). A cultura casos duvidosos em que não se conseguia fazer o diagnóstico
desse material somente será positiva em cerca de 2096 dos ca- diferencial com a doença de Crohn. O fator limitante para o
sos, com o encontro doM. tuberculosis. seu uso seria a presença de quadros de suboclusão, impedindo
a passagem da cápsula pelo local.
A enteroscopia com duplo balão, apesar das dificuldades no
• Videolaparoscopia ecolonoscopia seu emprego de rotina, é também procedimento importante
A videolaparoscopia é um método definitivo para o estabe- no diagnóstico da TB, pois, além da identificação das lesões,
lecimento do diagnóstico, especialmente porque o peritônio permite também a obtenção de fragmentos para o estudo his-
pode estar comprometido, e, às vezes, o f!gado, permitindo topatológico.
uma afirmação presuntiva visual na maioria dos casos, além da
remoção de material para estudos histopatológicos. A certeza
diagnóstica poderá, outrossim, ser obtida pelo exame histopa- • TRATAMENTO
tológico do material obtido através de procedimentos endos-
cópicos, ou, então, através de material cirúrgico, observando-se O tratamento clinico com as drogas antituberculosas é bas-
granuloma com necrose de caseificação central com ou sem a tante eficiente. O esquema básico inclui rifampicina + isonia-
presença dos bacilos (Figuras 44.1 e 44.2). zida + pirazinamida, durante 6 meses; a pirazinarnida apenas
nos dois primeiros meses. Nos pacientes HIV positivos, o tra-
tamento deve ser seguido por 9 meses.
A abordagem cirúrgica, com remoção do segmento intesti-
nal comprometido, somente é utilizada na vigência de compli-
cações locais, como obstrução e flstulas. Em algumas situações
de perfuração espontânea no intestino delgado, o procedimento
cirúrgico deverá ser sempre o de ressecção da área comprome-
tida e nunca a simples sutura do local rompido.

• LEITURA RECOMENDADA
Akgun, Y. Intestinal and peritoneal tuberculosis: changing trends over I Oyean
and revlew of80 patlenu. Can J. Su'f·• 2005; 48:131-6.
Almadi, MA, Ghosh,, S, Aljebreen, AM. Differentlatlng Intestinal tuberc:ulosls
from Crohn's dlseose: • diagnostic challenge. Am. J. Gastro<ntml., 2009;
104:1003- 12.
Ara, C, Soguthu, G, YUdlz, R, Kocak, O, Isik, B, Y"llmaz. S, Kirlmllonglu, V.
Spontaneous small bowel perforation dueto lntestlnal tubcrculosls should
Fig ura 44.1 Tuberculose intestinal em intestino delgado distai. Fo- not bc repaired by slmple closure. Gll.Strointest. Su'f·• 2005; 9:511·7.
Haddad, FS et ai. Abdominal tuberculosis. Di.s. CaL Rectum, 1987; 9:724.
tomlcrografia mostrando aspecto panor~mico da Inflamação crônica
Hamer, OH & Gorbach. SI.. 1\Jberculosi.s ofthe gastrolntestlnal tract. Em: Fel-
granulomatosa, com envolvimento da submucosa e muscular. As setas dman, M, Scharsmith, BF, Sleisenger, MH. Sltis<nger~ F<>rdtron~ Gastroin-
mosuam os granulomas. (HE-40xJ (Esta figura encontra-se reproduzida tQtiiUÚ and Uwr d!Hase, 6th ecl. Pbiladdpbia, W.B. Saunde" Co., 1998.
em cores no Encarte.) Manhall, JB. Tuberculosls of lhe gastrolntestinal tnct and peritoneum. Am./.
Gll.Stro<nt<roL, 1993; ~989.
Mani~ Ordaz, JL & Benavtdes, R.B. Gasuolntestlnal tuberculools. Gastro<n·
terol. Mtx., 2004; 69:162-S.
McQuaid, KR Allmenwy tracL Intestinal tuberculosis. Em: Tiemey, LM,
Mc:Phee, S), Papadalds, MA. Cu""'' Mediazl Diagnasis & Trtatmtnt. Stan·
ford, Connectlcut, Prentlee-Halllnternational, 1997.
Mehta, S & f-antry,l. Gastrointestinal lnfectlons In lhe immunooompromlsecl
hosL Curr: Opin. Gastrotnt.,.,l., 2005; 21:39-43.
Mendes, WB, Batlsta, CAM, Lima, HA, Leite, GF, Paula, JF, Porto, WB, Klm,
MK, Magno )r, C. 1\Jberculose Intestinal como Causa de Obstruçio In·
testlnal: Relato de Caso e Revisão da Uteratura. Bras. Coloproct., 2009;
29:489·92.
Mi.sra, SP, Mi.sra, V, Owlved~ M. lleoscopy In patients with Ueocolonlc tuber-
culosi.s. World/. Ga~troenteroL, 2007; 13:1723-7.
Safatle·Ribciro. AV, Kuga, R, lsbida, R. Furuya, C. Ribeiro Jr, J, Cea:onello, I,
Wúok:a, S, Salcal, P. ls double-balloon enteroKOpy an accurate mtthod to
diagn.,.., small-bowel disorde"? SU'f. Emú>sc., 2007; 11:2231-6.
Tacla, M. Tuberculose Intestinal. Em: Dani, R. Gastro<nt<rologfa ~ncúJt 3'
ed., Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koog;an. 2006.
Tanrikulu, AC, Aldemir, M, Gurkan, F, Suner, A, Dagii, CE, Ec:e, A. Olnlcal
review of tuberculous peritonitis in 39 patients In Diyarbalúr, 1\Jrkey. /.
Gastro<nterol. HtparoL, 2005; 906-9.
Figura 44.2 Tuberculose intestinal. Detalhe dos granulomas na sub- Yang, XY, Chen, CX, Zhang. BL, Yang, LP, Su, HJ, Teng. LS, U, YM. Olagno•tlc
mucosa e muscular. (HE-40x.) (Esta figura encontra-se reproduzida dfect ofcapsule endo5COpy in 31 cases of subacute small bowd obstruction.
em cores no Encarte. World f. Gastr-nt•rol., 2009; 15:2401 -5.
4S Megacólon
José Alves de Freitas, Mounib Tacla e Renato Dani

Megacólon é um termo meramente descritivo. Refere-se ao estar envolvidos com as formas longas do MC, enquanto um
aumento do diâmetro dos diversos segmentos do cólon, ve- modelo multifatorial explicaria as formas curtas. Um grupo
rificado ao exame radiológico, sem levar em consideração a parisiense, do Hôpital des Enfants Malades, mostrou a ligação
etiologia, desde que não seja devido à obstrução mecânica do entre o proto-oncogene RET com o MC; esses e outros tra-
cólon. O diâmetro desta víscera é variável. Considera-se me- balhos indicaram que as mutações daquele gene caracterizam
gacólon quando o diâmetro do ceco ultrapassa 12 em, o do có- 50% das formas familiais e 15% das formas esporádicas da
lon ascendente 8 em e o do cólon descendente 7 em. Quando doença.
o retossigmoide supera 7 em, diagnostica-se megarreto. Neste Em 1982, esta doença foi classificada em três grupos:
capítulo, serão discutidos ligeiramente o megacólon congênito • MC clássico: Envolve o reto e o sigmoide, estendendo-se
(doença de Hirschsprung) e, mais extensamente, o megacólon até a llexura esplênica;
chagásico. Não serão abordados o megacólon que acompanha • MC ultracurto: Limitado aos 2 a 3 em distais do reto; e
a constipação intestinal crônica ou a pseudo-obstrução intes- • MC ultralongo: Neste caso, mais da metade do cólon
tinal, nem doenças neurológicas (distrofia miotônica, Parkin- está envolvido.
son, neuropatia diabética, distrofia rniotônica etc.), doenças da
musculatura lisa intestinal (esderoderma, dermatorniosite e Na verdade, a extensão do segmento aganglionar pode va-
polimiosite, por exemplo), ou decorrente de doenças metabó- riar desde o esfincter anal interno, inferiormente, até as últimas
licas (porfiria, hipotireoidismo), nem o megacólon causado por alças do intestino delgado, superiormente.
drogas, assim como não comentaremos o megacólon tóxico. A doença se manifesta geralmente na infância, mas também
pode surgir na vida adulta.
O leitor deve consultar o Capítulo 27 para obter outras in-
• MEGACÓLON CONGENITO (MC) OU formações sobre a doença de Hirschsprung.

DOENÇA DE HIRSCHSPRUNG
A doença de Hirschsprung foi descrita pela primeira vez em
• MEGACÓLON CHAGÁSICO (MCH)
1886 pelo médico dinamarquês Harold Hirschsprung. Trata- A doença de Chagas, ou tripanossomíase americana, é uma
se de uma malformação congênita, relativamente frequente, zoonose causada por um protozoário flagelado, denominado
que se manifesta em l/5.000 nascimentos. Hoje sabe-se que o Tripanosoma cruzi (Carlos Chagas, 1909). :B transmitido ao
MC é um representante de um grupo de distúrbios do sistema homem por um inseto hematófago da farnilia Triatominae, co-
nervoso entérico, distúrbios esses caracterizados pela ausência nhecido popularmente no Brasil como barbeiro ou chupança.
de células ganglionares dos plexos rnioentéricos de Meissner e A doença é uma endemia exclusiva do continente americano,
de Auerbach, que são responsáveis pela atividade muscular in- estendendo-se desde o sul dos EU A ao sul da Argentina. A Or-
trínseca do intestino. Como essas células se originam da crista ganização Mundial de Saúde estima em 12 a 14 milhões as pes-
neural, a doença é uma neurocristopatia. Resulta de anomalia soas parasitadas e em 90 milhões aquelas vivendo em condições
que se manifesta na migração, na divisão ou na diferenciação de adquirir a doença. No Brasil, um amplo inquérito sorológico
dos neuroblastos intestinais primitivos, o que acontece entre coordenado pelo Ministério da Saúde entre 1975 e 1980, abran-
a 7.• e a 12.• semana do desenvolvimento embrionário. A pre- gendo 3.026 municípios e 1.352.197 amostras de sangue, reve-
dominância da doença entre o sexo masculino (1,8 a 3,6:1) e a lou a prevalência em 4,2% da população rural, o que permite
existência de 15 a 20% de casos farniliais sugerem a possibili- estimar em 5 a 6 milhões os chagásicos só no Brasil.
dade de fatores genéticos implicados em sua origem. De fato, Estudos recentes demonstram que, apesar da progressiva
estudos de segregação comprovaram que um ou vários genes melhora do Sistema Único de Saúde, assim como medidas pro-
autossômicos dominantes, de penetração incompleta, podem filáticas adotadas em áreas de grande endemicidade, a doença

478
Capftufo45 I Megac6fon 479

continua sendo um grave problema de Saúde Pública. Cons- pacientes a utilizarem laxativos cada vez mais potentes. Em 70%
titui a quarta causa de morte no Brasil entre as doenças infec- dos casos, o intervalo entre as evacuações é superior a 10 dias
toparasitárias. e mais de 30 dias em 15%. Outro sintoma muito frequente é a
Dados recentes fornecidos pela Organização Mundial de distensão abdominal, devido à grande retenção de fezes e gases
Saúde revelam que, nas últimas duas décadas, ocorreu aumento ocasionada pela não propulsão e pela acalasia do esfincter anal
na detecção da doença nos EUA, no Canadá, em vários países interno. Devido ao baixo nível socioeconômico da maioria dos
europeus e nos países asiáticos. Isso foi ocasionado principal- portadores de MCH, estes pacientes não se preocupam com o
mente pela mobilidade da população entre a América Latina funcionamento intestinal, acarretando, com muita frequência,
e o resto do mundo. a formação de fecaloma. Disfagia é frequente e traduz com-
Uma vez infectado, o indivíduo poderá apresentar a forma prometimento esofágico concomitante. Tontura, palpitações e
clínica aguda ou a crônica, bastante distintas entre si. A aguda perda transitória da consciência indicam cardiopatia chagásica
pode ser aparente ou inaparente e, em geral, tem duração limi- Frequentemente, a colopatia chagásica se associa à esofagopatia
tada. A crônica persiste indefinidamente, e, como se trata de {83,5%) e à cardiopatia {21,7%) chagásicas.
infecção sistêmica, os mais diversos órgãos podem ser atingidos.
Entretanto, os mais afetados são o coração e o trato digestório, • Diagnóstico
caracterizando as formas cardíaca e digestiva da doença. O diagnóstico de MCH é, em geral, simples devido à sinto-
O acometimento do trato gastrintestinal constitui a segun- matologia típica e à procedência do paciente.
da manifestação mais frequente. Do ponto de vista patológico, O exame fisico poderá evidenciar diferentes graus de dis-
caracteriza-se por uma denervação autonômica intramural, que tensão abdominal, geralmente assimétrica. O estado nutricio-
pode atingir todo o tubo digestivo. Neste capítulo, trataremos nal dependerá do comprometimento ou não do esôfago. Fre-
apenas do comprometimento do cólon. quentemente, detecta-se também arritmia cardíaca. Quando há
O megacólon chagásico (MCH), no Brasil, acomete 2 a 5% grande retenção de fezes, pode-se provocar o sinal do cacifo,
dos indivíduos infectados pelo tripanossoma, atingindo geral- comprimindo-se o sigmoide cheio de fezes e passando-se, em
mente pessoas de meia-idade. Constitui a forma mais grave da seguida, a mão sobre esse local da parede abdominal. O toque
doença, depois da cardiopatia, produzindo muito desconforto reta! deve ser sempre realizado. Quando há necrose intesti-
e levando à morte um grande número de doentes. nal, a dor em cólica torna-se continua, há sinais de peritonite,
a distensão abdominal passa a ser simétrica e o estado geral
deteriora-se rapidamente.
• Incidência O exame radiológico consiste na radiografia simples do ab-
O MCH pode ocorrer isoladamente ou associado ao mega- dome e no enema opaco. Os raios X simples permitem, muitas
esôfago, o que é mais comum. Nesse caso, em geral, o paciente vezes, comprovar a existência de ectasia do cólon sigmoide,
procura o médico com disfagia. A incidência global de MCH distensão gasosa e, eventualmente, fecaloma.
não é conhecida. Admite-se que seja ligeiramente menor do que O enema opaco é essencial para confirmação do diagnóstico
o megaesôfago. Este fato é explicado pelas dificuldades em se de casos duvidosos, assim como para determinar o grau de di-
detectar o megacólon, talvez devido à sua evolução mais lenta, latação e os segmentos que estão comprometidos (Figuras 45.1
com sintomas brandos, ou, ainda, porque o paciente suporta a 45.3), mas é preciso ser realizado cuidadosamente.
mais os sintomas de constipação intestinal do que a disfagia e O exame proctológico evidencia dilatação luminal e fezes
procura o médico mais tardiamente. ~mais comum entre 30 e no reto. Eventualmente, podem-se observar ulcerações da mu-
60 anos, seja porque a doença se manifesta mais tardiamente, cosa.
seja porque o doente demora para procurar o médico, como Do ponto de vista laboratorial, os exames mais importantes
mencionado. Além disso, como assinala U. Meneghelli " . .. nas são a reação de fixação do complemento para doença de Chagas,
últimas décadas houve notável redução na transmissão da doen- a reação de Machado-Guerreiro e o eletrocardiograma
ça por meio do inseto vetor, graças a medidas profiláticas ado-
tadas em grandes áreas onde a doença de Chagas era de alta
endemicidade. Em consequência da contenção do surgimento • Complicações
de novos casos, a maioria dos chagásicos que se apresenta aos As principais complicações do MCH são o fecaloma, a im-
ambulatórios e hospitais é composta por pacientes com mais pactação fecal, o vólvulo do sigmoide, as úlceras por estase fe-
de 50 ou 60 anos de idade, ao contrário do que acontecia até cal e as perfurações.
há três ou quatro décadasn. Atinge ambos os sexos na mesma O fecaloma ocorre em 59% dos pacientes. Forma-se qua-
proporção. se sempre por descuido do paciente em promover o esvazia-
mento intestinal. As fezes acumuladas no segmento dilatado
se desidratam, aumentando cada vez mais a sua consistência.
• Patologia Localizam-se, quase sempre, no retossigmoide e, portanto, ao
Na grande maioria dos casos, os principais aspectos his- alcance do dedo no toque reta!. O diagnóstico de fecaloma é
topatológicos são espessamento e dilatação da parede colôni- fácil. O paciente apresenta história de vários dias sem evacuar,
ca, notadamente do reto e do sigmoide. Microscopicamente, e palpa-se massa moldada, geralmente no sigmoide. A radio-
a doença caracteriza-se por uma neuropatia inflamatória do grafia simples do abdome confirma o diagnóstico.
plexo mioentérico, com hiperplasia das células musculares li- A impactação fecal consiste na obstrução aguda por fecalo-
sas, infiltração do plexo mioentérico por linfócitos e células ma. Nesse caso, além da história de obstipação de longa dura-
plasmáticas, degeneração e destruição neuronal. ção, o paciente refere piora súbita, com distensão abdominal
e dor no baixo ventre.
• Quadro clínico Quanto ao vólvulo do sigmoide, devem-se distinguir duas
O principal sintoma do MCH é a constipação intestinal. situações: torção com alça viável e torção com necrose de alça.
Geralmente, instala-se lenta e progressivamente, obrigando os No primeiro caso, o quadro clínico é o de obstrução intestinal
480 Capftulo 45 I Megac6/on

baixa, com dores em cólica de forte intensidade, parada de eli-


minação de gases, além de distensão abdominal assimétrica.
Geralmente, não há sinais de peritonismo, nem grande com-
prometimento do estado geraL O diagnóstico é feito com base
no quadro clinico e no estudo radiológico simples do abdome,
que evidenciam o sigmoide muito dilatado, contrastando com
o reto, que se acha vazio (Figura 45.4). O enema opaco deve ser
evitado. Está indicado apenas nos casos de dúvida quanto ao
diagnóstico. Nesse caso, deve-se tomar muito cuidado na reali-
zação do exame devido ao risco de perfuração intestinal (Figura
45.5). A retossigmoidoscopia permite confirmar o diagnóstico
e avaliar o estado da alça no ponto de torção.
Devemos suspeitar de torção com necrose de alça, se opa-
ciente referir história de cólicas que passam a ter caráter con-
tinuo, com grande comprometimento do estado geral e sinais
evidentes de toxemia. A distensão é generalizada e há sinais
de peritonismo.
A complicação mais grave é a perfuração do megacólon em
peritônio livre, ocasionada por ruptura de úlceras, causada pela
estase fecal. O quadro clínico é de peritonite generalizada com
toxemia grave.

• Tratamento
• Megacólon não complicado
Quando procura o médico, o paciente com MCH apresenta,
Figu ra 45.1 Raios Xde cólon (enema opaco). Grande dilatação do reto em geral, constipação intestinal de longa data e já experimentou
e do cólon sigmoide, caracterizando o megacólon. vários tipos de laxantes, em geral sem orientação adequada.
Os casos com ritmo intestinal normal não requerem trata-
mento. já os pacientes oligossintomáticos necessitam de acom-
panhamento clinico, pois a história natural da doença mostra
que a constipação intestinal é de instalação lenta e, na maioria
das veu.s, permanece estável por vários anos. Vale lembrar que
a maioria dos pacientes convive muito bem com o problema e
que a simples presença de constipação intestinal não é motivo
de cirurgia, além do que o tratamento cirúrgico não é totalmen-
te satisfatório e nem isento de complicações.
A orientação clinica fundamenta-se em medidas compor-
lamentais higiênico-dietéticas, uso de laxativos e lavagens in-
testinais, objetivando eliminar as feus, evitando a formação
de fecaloma e prevenindo a dilatação do cólon, como admitem
alguns autores.
As medidas comportamentais e higieno-dietéticas consistem
na orientação do paciente quanto à natureza de sua doença e
à necessidade de evacuar o intestino. Tentar ritualizar o ato
evacuatório, comparecendo ao vaso sanitário diariamente, de
Figura 45.2 Fotografia intraoperatória do caso da Figura 45.1. Ob· preferência no mesmo horário, de tal forma que isso possa se
servam-se o alongamento e o grande diametro do cólon sigmoide. tornar um hábito. Adequar a ingestão de líquidos e evitar o uso
(Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) de alimentos e medicamentos constipantes.

Figura 45.3 Peça cirúrgica do mesmo paciente da


Figura 45.2. Verifica· se o grande diâmetro do cólon
sigmoide e do reto proximal. (Esta figura encontra·
se repe'Oduzida em cores no Encarte.)
Capftulo45 I Megac6/on 481

Em relação aos laxativos, devemos ter o cuidado de utilizar


a menor dose efetiva, com a menor frequência possível.
Não há nenhum estudo clínico comparativo entre as drogas
laxativas que possa indicar a conveniência deste ou daquele me-
dicamento. Ao prescrever tais drogas. devemos levar em con-
sideração o seu mecanismo de ação, os seus efeitos colaterais
e a necessidade de utilização por tempo prolongado por um
paciente que apresenta intensa denervação do cólon.
Para mais detalhes sobre laxativos, o leitor poderá consultar
o Capitulo 39 referente à constipação intestinal.

• Fecaloma
Na maioria dos casos, pode ser eliminado manualmente,
quando estiver ao alcance do dedo ao toque reta!, ou, então,
através de gotejamento reta! de soro fisiológico ou solução de
bicarbonato a 10%. Com essas medidas, promovem-se o amo-
lecimento progressivo e a eliminação do fecaloma através de
dejeções sucessivas.
Em algumas situações, para remover a porção distai do fe-
caloma impactado na ampola reta!, é necessária a complemen-
tação com raquidianestesia, para produzir relaxamento dos es-
fincteres com maior facilidade, visando à remoção das fezes.

• Vólvulo
O vólvulo é formado pela rotação de um segmento do cólon
em eixo formado pelo seu próprio mesentério e poderá resultar
em obstrução parcial ou total do lúmen.
Figura 45.4 Raios X simples de abdome em vólvulo do sigmoide. No MCH, o alongamento e aumento do calibre da alça intes-
Observa-se a grande distensão gasosa doscólons descendente e trans- tinal, principalmente na região do sigmoide, juntamente com o
verso. por torção do sigmoide. volume fecal retido, representam as condições predisponentes
para a ocorrência do vólvulo. A obstrução do lúmen ocorre
quando a rotação é de 180° e, quando chega a 360°, promove
também a obstrução da circulação local, com gangrena e per-
furação decorrentes de isquernia, caso não ocorra uma pronta
intervenção.
A manifestação clínica do vólvulo é a parada de eliminação
de gases e fezes, com dor súbita e intensa manifestada no qua-
drante inferior esquerdo do abdome, juntamente com disten-
são, podendo-se, em algumas situações, palpar a alça colônica
distendida.
O diagnóstico é realizado através de radiografias simples do
abdome, que demonstram distensão do sigmoide, com afila-
mento do local da rotação e ausência de ar na ampola reta!. O
enema opaco só é realizado em caso de dúvida, cuidadosamen-
te, visando a evitar perfuração intestinal. A imagem clássica é
comparada ao "ás de espadas» ou a um "bico de pássaro".
O tratamento inicial do vólvulo do sigmoide é a descompres-
são da alça pela inserção de colonoscópio ou de sonda passada
pelo retossigmoidoscópio, desfazendo a torção e promovendo
o esvaziamento da alça. Devemos sempre preferir a utilização
do colonoscópio para esse procedimento, pois permite a sua
execução sob visão direta, além de detectar possíveis alterações
isquêmicas locais. O tratamento cirúrgico fica reservado para
os casos de torção completa (acima de 180°) e na suspeita de
sofrimento de alça.
~importante o diagnóstico e tratamento precoce do vólvu-
lo para evitar perfuração, gerada pela alteração da circulação
local, levando a situações de extrema gravidade e morbidade.
Retardas podem ocorrer por diagnósticos incorretos ou, então,
em tentativas infrutíferas de descompressão por procedimen-
tos endoscópicos.
Figura 45.5 Raios X de abdome após administração de contraste. Ocorrendo sucesso nos procedimentos endoscópicos, opa-
Vóivulo de sigmoide, observando-se distensão do cólon descendente ciente poderá ser preparado para posterior procedimento ci·
(contrastado) e distensão gasosa no transverso. rúrgico eletivo.
482 Capftulo 45 I Megac6/on

atualmente facilitadas pela utilização das suturas mecânicas.


• Tratamento cirúrgico A técnica de abaixamento mais utilizada em nosso meio é a de
O tratamento cirúrgico do MCH está indicado, de forma Duhamel, modificada por Haddad, e, como não libera a face
eletiva, nos pacientes com evolução prolongada, para os quais anterior do reto, proporciona melhores resultados funcionais
medidas de ordem dietética e medicamentosa não conseguiram e menor morbidade. No vólvulo do sigmoide, a abordagem
promover uma satisfatória evacuação intestinal, com canse- cirúrgica de emergência é indicada na falha da descompressão
quente desconforto. endoscópica, ou, então, em situações de estrangulamento ou
Historicamente, o tratamento cirúrgico eletivo do MCH não perfuração do segmento rodado. Nessas condições, o procedi-
chegou a um consenso com relação ao melhor procedimento, mento consiste na ressecção da porção do cólon comprometida,
e persiste a utilização de numerosas técnicas, sem haver qual- sem anastomose e com colostornia terminal temporária (opera-
quer padronização. Essa situação decorre não somente de fal- ção de Hartrnann). Se houver comprometimento generalizado
ta de um completo conhecimento da fisiopatologia do MCH, do cólon pelo MCH, este poderá ser totalmente removido para
mas também do variado índice de morbidade apresentado pe- posterior íleo ou cecorretoanastomose. Esses mesmos proce-
las diferentes técnicas. Além disso, a patologia é endêmica, de dimentos são indicados em situações de perfuração provocada
ocorrência em regiões mais pobres, e os pacientes operados pelas úlceras isquêmicas consequentes à estase fecal prolongada
nos grandes centros retornam às suas origens, impossibilitan- em alça dilatada.
do a correta avaliação dos resultados cirúrgicos a longo prazo,
considerando as diferentes técnicas. Dessa forma, é importante
também o estabelecimento de técnicas cirúrgicas mais simples, • LEITURA RECOMENDADA
de execução possível em centros com menos recursos, e que
apresentem baixo índice de morbidade, uma vez que a cirurgia Badner,JA, Sieber, WK. Garver, KL. Chakra.varti, A. A genetic study ofHirs-
não visa a curar a doença, mas unicamente a sua intercorrência chsprung disease. Am.J, Hum. Gene<., 1990; 46:568-80.
Bidaud, C. Salomon, R. Edery, P, Van Camp, G, Pelei, A, Bonduelle. M, Ni-
no intestino grosso. houi-Fékété, C, Willems, PJ, Munnich, A.• Lyonne~ S. Mutations du gene
Inicialmente, o procedimento cirúrgico consistia na reali- de 1\:ndothéUne 3 dans dcs formes isolécs et syndromiques de la maladie
zação, por via endorretal, de esfincterotornias internas (anor- de Hinchsprung. GastTOenteroL ClirL BioL, 1997; 21:548-54.
retomiectomias) que, apesar de sua simplicidade, se mostraram Bolande, RP. The neurocristopathies: A unifying concept of disease arising in
pouco eficientes, e seus resultados deixaram muito a desejar. Em neural crest maldevelopment. Hum. Pathol., 1973; 5:409-29.
Cruz, GMG. Megacólon chagásico. Rev. Brasil. Colo-ProctoL, 1984; 4:87-98.
1934, trabalho pioneiro do Prof. Alipio Corrêa Neto mostrou Ge.rshon, MD. Genes and lineages in the formation of the enteric nervous
a necessidade da remoção do cólon sigmoide dilatado, junta- system. Curr. Opin. Neurobiol., 1997; 7:101-9.
mente com a porção alta do reto, procedimento chamado de Guimarães, AS, Aprilli F, Monteiro dos Santos Jr, JC, Ribeiro da Rocha, ij. Me·
"retossigmoidectomia", pois, dessa forma, removia-se também gacólon chagásico. Em: Cintra do Prado, F, Ramos, ), Ribeiro do Vale. I:
a porção mais denervada, com melhores resultados funcionais. Atua/izaç4o Teraplutica, 15.• ed., São Paulo, Editora Artes Médicas, 1991.
Habr·Gama, A, Goffi, FS, Rais, A. Tratamento ciníigico do megacólon. Opera·
A retossigmoidectomia poderá ser realizada por via abdominal, çl!.o de Duhamel-Haddad. Rev. Co/. Brasil. Cir., 1982; 9:25-31.
com anastomose colorretal terminoterrninal, podendo, quan- Habr-Gama, A, Kiss, DR Boochini, SF, Teixeira, MG, Pinotti, HW. Megacólon
do houver desproporção de calibres entre o cólon e o reto, ser chagásico. Tratamento pela retossigmoidectomia abdominal com anasto·
terrninolateral. Essas anastomoses poderão ser executadas de mose mecânica colorretal término-lateral Resultados preliminares. Rev.
forma manual ou então facilitadas pela utilização de suturas Hosp. Clin. Fac. Med. S. Paulo, 1994; 49:199-203.
Lyonnet. S, Bollno, A, Pelct, A, Abel, L el ai. A gene for Hirschsprung disca-
mecânicas. se maps to the proximallong arm of chromosome 10. Nat. Gtnet., 1993;
A colectomia esquerda, associada ou não à anorretomiecto- 4:346-50.
rnia, constitui técnica de simples execução e baixa morbidade, Martucciello, G. Hirschsprung's Oisease. One ofthe most diflicult diagnoses in
porém de resultados pouco efetivos a longo prazo, com taxas pediatric surgery: A review of problems from clinicai practice to the bench.
Eur./. Pediatric Surg., 2008; 18:140-9.
elevadas de recidiva.
Meneghelli, U. Megacólon (Megacólon Chagásico). Em: Galvão-Aives, I & Oani,
Outra técnica indicada é a colectornia total, com ceco ou R: Teraptutica em Gastroenterologia. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan,
ileorretoanastomose, que tem sido pouco utilizada devido a 2005.
sua morbidade e resultados funcionais precários. Rezende, )M. Doença de Chagas e aparelho digestivo. Em: Mineis, M: Gas-
Procedimentos de abaixamento consistem na ressecção do troenterolagia e Heparologia. Dlagn6sticc ~ Tratamento. São Paulo, Lemos
cólon esquerdo dilatado, juntamente com remoção de gran- Editorial, 1997.
Rezende, ]M. Manifestações digestivas da Doença de Chagas. Em: Danl, R &
de parte do reto; são acompanhados de elevados índices de Paula Castro, L: Gastroenterologia Cllnic.a. 3.• ed., Rio de Janeiro, Guana·
complicações, além de difícil execução técnica. As anastomoses bara Koogan, 1993.
colorretais ou coloanais são efetuadas em dois tempos, sendo World Health Organization. Chagas di.ease. Fact sheet r..~ 340. )une 2010.
46 Tumores Benignos
Colorreta is
Mounib Tacla

• INTRODUÇÃO intestinal, podendo apresentar-se sob a forma séssil ou pedicu-


lada. Representam um amplo espectro de alterações, do ponto
Os tumores benignos colorretais (TBCR) são, em sua maio- de vista anatômico, histológico e patológico.
ria, de origem epitelial e, pelas suas consequências, representam A classiJicação histológica dos pólipos proposta por Morson
o mais importante grupo dessas afecções. é universalmente aceita. Esse autor considera quatro grupos
Os pólipos merecem atenção especial, particularmente os principais, podendo ocorrer de forma solitária ou, então, como
adenomatosos, porque, em sua maioria, apresentam potencial múltiplas lesões (Quadro 46.1).
elevado de maligniução. O câncer colorretalleva um longo período de tempo para
O câncer colorretal representa a segunda causa de mortes se desenvolver, como resultado da interação entre predisposi-
por neoplasias nos EUA, e cerca de 90% destas são provenientes ção genética e fatores ambientais e, desta forma, é possível a
de pólipos adenomatosos. Assim, a sequência "adenoma-carci- identificação de lesões pré-neoplásicas e/ou lesões neoplásicas
noma• é amplamente aceita como paradigma para o desenvol- precoces, levando a uma grande melhora nos indices de sobre-
vimento do câncer colorretal. No Brasil, segundo os Registros vida. A rápida proliferação de conhecimentos das características
de Câncer de Base Populacional, do Ministério da Saúde, para biológicas e moleculares do câncer colorretal e dos mecanismos
o ano de 2006, a incidência foi de 13,69 por 100.000 homens moleculares envolvidos na sua evolução tem promovido o de-
e de 14,60 para 100.000 mulheres, abrangendo todos os tipos senvolvimento de ideias sobre a sua patogênese, permitindo,
de neoplasias. atualmente, a realização de um diagnóstico molecu.lar indivi-
A incidência estimada de pólipos na população geral varia dual de risco para aqueles indivíduos provenientes de grupos
de 9 a 60%, sendo esse valor maior correspondente a peque- familiares de maior incidência.
nos pólipos encontrados em necropsias. Na época em que o
exame radiológico do cólon (enema opaco) era procedimento • Pólipos neoplásicos
de rotina, pólipos foram encontrados em cerca de 5% dos pa-
cientes, e a idade média de incidência era de 55 anos, cerca de ~ plenamente reconhecido que os pólipos neoplásicos re-
5 a 10 anos menos do que a média dos portadores do câncer presentam uma condição pré-cancerosa, e que o seu potencial
colorretal. Cerca de 50% dos pólipos ocorrem no cólon sigmoi-
de e reto, 50% dos pacientes apresentam mais de uma lesão, e
15%, duas lesões, sendo a distribuição desses pólipos do cólon T- - - -
similar à do câncer. Quadro 46.1Classificação histológica dos pólipos intestinais
Em decorrência da alta prevalência do câncer colorretal, me-
didas de prevenção têm sido adotadas no sentido da detecção Tipo SoiiUrlos Múltiplos
precoce de lesões pré-neoplásicas e/ou neoplásicas precoces,
a fim de removê-las por via endoscópica ou cirúrgica. Outra Neoplásicos Adl!noma tubular Poli pose familiar adenomatosa
(PF)
forma de prevenção seria na correção de hábitos de vida, in-
troduzindo dieta rica em fibras naturais, além do consumo de Adl!noma papilar
cálcio, vitamina D, folatos e combatendo o sedentarismo e in- Papiloma lliloso
gestão de excessos de carne vermelha. Hamartomatosos Juvl!nis Polipose juvenil
Pl!utz-JI!ghers Sindrome de Peutz·J!!ghl!rs
ln0amat6rios Pólipo linfoide bl!nigno Polipose benigna linfoldl!
• PÓLIPOS Não classificados Ml!taplásicos Múltiplos pólipos metapl6slcos
MoBOn. BC. Distem ofrht Colon. R«rum andAnu< london. W!IIIAm Helntmann Medicai
Apalavra "pólipo" é um termo clinico-morfológico utilizado Books. 1969.
para descrever pequenos tumores que se projetam da mucosa

483
484 Capftulo 46 I Tumores Benignos Colorretais

de malignização está na dependência direta do seu tamanho, contar na progressão tardia do adenoma para o câncer. Esse
padrão de crescimento e grau de atipia celular. O câncer é en- gene localiza-se no cromossomo 17p. Um mecanismo que pa-
contrado em 1% dos adenomas com menos de 1 em de diâme- rece importante é representado por mutações em qualquer uma
tro, em 10% com 1 a 2 em e em 45% nos maiores de 2 em. das muitas enzimas que controlam o sistema de reparo de erro
Os pólipos adenomatosos e o papiloma viloso apresentam- no pareamento de DNA (DNA mismatch repair system). Essas
se de formas diferentes na aparência microscópica, porém são mutações deságuam em um fenótipo característico, proces-
decorrentes do mesmo processo patológico. Formas interme- so chamado de instabilidade de microssatélite (microsatellite
diárias entre o adenoma e o papiloma viloso são comuns, e, para instability), muito comum em pacientes portadores de câncer
essas situações, poderá ser utilizada a denominação de adenoma colorretal não polipoide hereditário associado a adenoma. Es-
papila r ou tubulovi/oso, sendo muitas vezes dificil situar qual ses adenomas apresentam particular tendência para progredir
desses tipos estaria envolvido em determinado tumor. Seriam, até carcinoma.
na realidade, denominações para indicar diferentes padrões de A PFA, como se viu, está envolvida no processo de carcino-
desenvolvimento de um mesmo processo patológico, denomi- gênese do câncer colorretal, e estudos genéticos realizados iden-
nado "neoplasias do epitélio intestinal", muito bem estabelecido tificaram o cromossomo Sq21 como local implicado na gênese
pelos trabalhos de Morson. de lesão nesses pacientes. O gene de polipose adenomatosa foi,
O típico adenoma pediculado é de pequenas dimensões, esfé- subsequentemente, identificado nesse mesmo local.
rico, com superficie lisa e, às vezes, lobulada. Os tumores vilosos Cerca de 200 mutações foram observadas no gene APC, e,
são geralmente de base larga e sésseis, superficie felpuda, forma- através da reação de cadeia da polimerase, poderemos identi-
da por centenas de pequenos pólipos pediculados, dando um ficar os membros de uma familla que apresentam a mutação
aspecto cerebriforme. Os três padrões histológicos do adenoma do gene APC antes de desenvolverem o pólipo. A possibili-
são variações do mesmo processo neoplásico, e, dessa forma, dade da identificação dessas alterações hereditárias no gene
cerca de 5% dos adenomas tubulares, 22% dos tubulovilosos e APC permitirá a detecção pré-sintomática da PFA, podendo,
40% dos vilosos se transformam em carcinomas. assim, prevenir a eventualidade do câncer colorretal, até com
Histopatologicamente, os adenomas têm origem em células a efetivação de uma colectomia total profilática. Apesar de as
imaturas localizadas junto ao fundo das criptas intestinais, que slndromes hereditárias serem responsáveis por menos de 15%
persistem no processo proliferativo celular, ultrapassando as dos casos de câncer colorretal, e a PFA por apenas uma fração
necessidades da reparação normal do epitélio. As células epi- desse índice, genes APC mutantes foram encontrados em 50
teliais não conseguem restringir a slntese do DNA; como con- a 60% de todos os carcinomas colorretais. A mesma mutação
sequência, o processo proliferativo atinge a mucosa e, pelo seu do APC mencionada foi anotada, em porcentagem similar, em
acúmulo, formam os pólipos, que, na sua progressão, atingem pequenos adenomas e lesões displásicas que apresentam eleva-
a forma displásica. O ciclo celular e as alterações quantitativas dos riscos de progredir para o carcinoma invasivo, e também
do conteúdo de DNA do núcleo celular poderão ser estudados poderemos encontrar mutação do K-ras em pequenas lesões
através da citometria de fluxo, recurso já disponlvel na rotina não displásicas. A PFA juntamente com a síndrome de Lynch
de laboratórios de patologia. representam duas importantes condições hereditárias que
Com relação à distribuição dos tipos, o adenoma tubular ocasionam o aparecimento do câncer colorretal, e foram iden-
ocorre em 75% dos casos, o papiloma viloso em 5%, e a forma tificadas três vias de eventos genéticos responsáveis: a via de
intermediária ou tubulovilosa, em 20%. Como foi dito, aceita-se instabilidade cromossômica (CIN+), a de instabilidade de mi-
hoje que a maioria dos cânceres do cólon origina-se de adeno- crossatélites (MSI +) e a combinação das duas vias: CIN-MSI.
mas. Os argumentos que sustentam essa afirmação partem de A via MSI+ promove um aumento significativo nas alterações
documentos epidemiológicos, cllnicos, patológicos e, moderna- súbitas do DNA, enquanto a CIN+ aumenta a velocidade em
mente, da contribuição da biologia molecular. A progressão de que ocorrem as alterações grosseiras durante a divisão celular.
adenoma para carcinoma abrange, pois, alterações de genética O câncer colorretal causado por suscetibilidade hereditária re-
molecular, entre estas a ativação de oncogenes e a inativação de presenta uma pequena parcela de cerca de 5% do total de casos,
genes supressores de tumor. O mais estudado desses oncoge- estando a PFA responsável por até 1% dos casos e a síndrome
nes é o K-ras. Sabe-se que apenas 9% dos pequenos adenomas de Lynch por até 5% dos casos na população em geral.
apresentam mutações no gene K-ras, enquanto essa cifra é da Através de estudos oncogenéticos, afirma-se que a mutação
ordem de 58% nos adenomas maiores de 1 em, e de 47% nos do K-ras apresenta importante papel na formação de criptas
cânceres do cólon. Essas mutações permitem ao gene transfor- aberrantes, porém essas lesões não progridem para os adeno-
mar células e, portanto, induzir neoplasias. Entretanto, como mas, com displasia, sem a presença de outras alterações gené-
muitos adenomas não exibem alterações do gene K-ras, deve ticas, como a mutação do gene A PC. Junto com a PFA, encon-
haver outras alterações genéticas envolvidas no fenômeno de traremos também associação de manifestações extracolônicas,
transformação tumoral. O gene APC, um gene supressor de benignas e malignas. A sfndrome de Gardner associa a PFA com
tumor, localizado no braço longo do cromossomo 5, é, prova- tumores desmoides, osteomas da mandíbula, ou de outras par -
velmente, um elemento importante nessa cadeia de eventos. tes do esqueleto, e cistos sebáceos. A síndrome de Turcot cor-
Mutações ou perdas desse gene permitem maior suscetibilidade responde à PFA com meduloblastoma ou gliomas do sistema
em desenvolve.r neoplasia nos portadores de polipose familiar nervoso centraL Essas duas síndromes são exemplos da PFA
adenomatosa (PFA}, assim como em pacientes com adenomas com manifestações extracolônicas. A manifestação clínica do
esporádicos. Segundo a hipótese geral de Knudson, os pacientes pólipo é pouco significativa e poderá se dar através da perda de
com PFA nascem com mutação em um alelo do gene APC e sangue e/ou muco junto com as fezes. A intensidade da perda
adquirem uma mutação somática no outro alelo, o que permite estará em relação com o número e tamanho dos pólipos, po-
a manifestação fenotlpica. Outros genes supressores de tumor, dendo variar desde a ausência de perdas sanguíneas até situa-
como o DCC (deleted in colon cancer), que está localizado no ções de enterorragia mais intensa, levando à anemia. Os póli-
cromossomo 18q, podem estar envolvidos no processo cance- pos retais pediculados poderão exteriorizar-se no momento da
rigênico. A mutação no gene p53 é outra alteração que pode evacuação. A perda de muco, misturado com sangue ou não, é
Capftulo 46 I Tumores Benignos Colorretais 485

a manifestação caracterlstica dos pólipos vilosos. Estes chegam, Outras drogas foram avaliadas, e, particularmente, o ácido
em algumas situações, a apresentar grandes volumes de per- acetilsalicflico se mostrou efetivo em estudos experimentais,
das, com consequente depleção hidreletroUtica. Pólipos mais reduzindo o carcinoma colorretal em modelos animais. Estu-
volumosos poderão ocupar espaço dentro do lúmen intestinal, dos epidemiológicos com a utilização do ácido acetilsalicllico
levando a episódios de suboclusão intestinal. demonstraram a redução do risco de todos os tumores colorre-
O diagnóstico é realizado através de procedimentos endos- tais. Drogas anti-inflamatórias do grupo de inibidores da COX 2
cópicos (retossigmoidoscopia e colonoscopia) e radiológicos também foram utilizadas com esta finalidade e, no momento,
(enema opaco). A retossigmoidoscopia com tubo rlgido detecta questionando-se os seus efeitos colaterais em aumentar o risco
cerca de 30% dos pólipos, e, através da colonoscopia, esse valor de eventos cardlacos, sem dúvida, estudos a longo prazo deve-
atinge 90%. O exame radiológico (enema opaco) consegue de- rão ser abandonados.
tectar cerca de 80% dos pólipos, porém apresenta dificuldades Apesar de plenamente demonstrado o papel desses medica-
no encontro de lesões com menos de 0,5 em, havendo, muitas mentos na prevenção do cãncer colorretal, quando de uso con-
vezes, resultados falso-positivos provocados por fecalitos ade- tinuado, não se sabe, ainda, o que seria a dose ideal, a duração
ridos à parede intestinal. Assim, na realidade, esses dois méto- da terapia, além da necessária precaução com seus efeitos co-
dos propedêuticos se complementam e devem ser utilizados em laterais, principalmente sobre o aparelho digestivo (hemorra-
conjunto para a completa detecção dos pólipos. Em exame de gias, úlceras, perfurações e progressão de doenças inflamatórias
rotina, o encontro de sangue oculto nas fezes indicará a reali- intestinais). O mecanismo de sua ação seria na redução da sln-
zação de procedimentos endoscópicos. O tratamento consiste tese das prostaglandi.nas através da inibição da ciclo-oxigenase
na remoção de qualquer pólipo encontrado, e a via de eleição (COX). Porém, como provocam alteração na proliferação celu-
são os procedimentos endoscópicos, que permitem o enlaça- lar, ainda não está devidamente estabelecido como agem. As-
menta do pólipo através de alças e sua ressecção com eletroful- sim, um melhor esclarecimento dos mecanismos de ação dessas
guração da sua base. Pólipos maiores, sésseis e com base larga drogas irá representar importante contribuição à terapêutica
são removidos em partes, através de procedimentos sucessivos, no controle do crescimento dos pólipos.
muitas vezes em mais de uma sessão.
Na impossibilidade da remoção endoscópica de pólipos, pelo • Pólipos hamartomatosos
seu volume ou base extremamente larga, a conduta passará a
O hamartoma é definido como um tumor não neoplásico,
ser cirúrgica, com laparotomia e colotomia. Nessas situações, formado pela proliferação anormal de tecido normal, disposto
em casos suspeitos, a cirurgia poderá ser ampliada com a rea- de forma desorganizada, não existindo qualquer evidência de
lização da colectomia parcial. que representa alterações pré-cancerosas.
Mais recentemente, tem sido utilizada a fotocoagulação pelo O pólipo juvenil é mais comumente encontrado em crianças
YAG-Iasu para a remoção de volumosos pólipos vilosos. Po- e, ocasionalmente, em adultos. Apresenta-se de forma esférica e
rém, esse procedimento está limitado pelo alto custo da apa- superficie lisa, diâmetro médio de 1 a 2 em, com pedlculos lon-
relhagem. gos e finos, contendo inúmeros cistos preenchidos por mucina,
Cerca de 2 a 4% dos pólipos removidos endoscopicamente daí também a denominação "pólipo de retenção". Ao contrário
apresentam carcinoma invasivo, e, nessas condições, deverá ser dos adenomas, não apresenta qualquer alteração epitelial. Em
tomada a decisão de operar e remover o segmento de cólon ou, 70% dos casos, localiza-se no reto, em 15% no sigmoide e, nos
então, acompanhar o paciente através de endoscopias progra- 15% restantes, ao longo do cólon. Em 75% das vezes, são póli-
madas. A presença do carcinoma in situ, que representa uma pos únicos e, quando múltiplos, variam, na maioria das vezes,
anormalidade citológica equivalente a uma displasia grave, não em número de 2 a 12.
necessita de qualquer outro tratamento após a remoção endos- A formação desses pólipos está diretamente ligada à inflama-
cópica do pólipo, a não ser revisão endoscópica posterior. ção e ulceração da mucosa colônica. Essas situaçôes obliteram
Uma vez removido o pólipo por via endoscópica, nova colo- pequenas gllndulas, que se dilatam e proliferam, formando
noscopia deverá ser realizada após 1 a 2 anos e, depois, a, pelo inúmeros cistos de conteúdo mucinoso, fazendo, na sequência,
menos, cada 3 anos em pacientes do grupo de risco. A introdu- a protrusão do lúmen intestinal. O movimento do bolo fecal
ção de novos métodos de imagem, através da tomografia com- traciona essa protrusão, formando então o pediculo, desprovido
putadorizada em aparelhos m ultislice de alta resolução, realiza de museu/a ris mucosae. Por essa razão, poderá sofrer processo
a chamada "Colonoscopia Virtual", que poderá ser utilizada no de torção e/ou necrose, com sua eliminação espontânea.
acompanhamento de pacientes submetidos a remoção endos- A manifestação clínica mais importante é a perda de sangue
cópica de pólipos ou por ressecção de cãncer colorretal. Porém, junto com as fezes. Como a maioria desses pólipos são de lo-
esta metodologia só consegue identificar lesões maiores do que calização baixa, o sangue é de coloração clara. Alguns pólipos
0,5 em, prejudicando assim o nível de sua eficácia. retais, de pedfculo longo, poderão exteriorizar-se pelo â.nus du-
Nos últimos anos, foi devidamente estabelecido o valor da rante a evacuação. Em situações de múltiplos pólipos, poderá
utilização de drogas anti-inflamatórias não hormonais, par- acontecer o aparecimento da diarreia.
ticularmente o Sulindac, na redução do número dos pólipos, O diagnóstico é realizado através de procedimentos endos-
com observação de seus resultados após 6 meses de tratamento. cópicos, e, pela retossigmoidoscopia, poderemos detectar cer-
Porém, findo o tratamento, ocorre novamente o aumento do ca de 75% desses pólipos, e os restantes, pela colonoscopia. O
número e tamanho dos pólipos. Recentemente, foi demonstra- método endoscópico permite não somente o diagnóstico deles,
do que a ação do Sulindac estimularia a apoptose no epitélio co- mas também sua remoção, através do seu enlaçamento com
lOnico de pacientes com PFA, indicando o potencial mecanismo alças ligadas a eletrocautério.
de regressão dos pólipos na vigência de sua administração. Foi O enema opaco poderá ser avaliado para o diagnóstico dos
também demonstrada a redução dos pólipos retais em pacien- pólipos, porém, com a disseminação do uso da colonoscopia,
tes com PAF submetidos a colectomia total, com anastomose com sua vantagem terapêutica de excisão dos pólipos, este re-
ileorretal, que passaram a utilizar essa droga. curso praticamente deixou de ser utilizado.
486 Capitulo 46 I Tumores Benignos Colorrrtols

A poli pose juvenil, que é a presença difusa de hamartomas, específica, uma vez que estão relacionados diretamente com o
poderá apresentar-se sob a forma de três slndromes: polipose ju- processo inftamatório de base.
venil co/6nica, polipose juvenil gastrintestinal difusa e s{ndrome
de Cronkhitt-Canada (polipose juvenil com lesões ectodérmi- • Pólipos metaplásicos
cas). As duas primeiras são de caráter hereditário autossômico
recessivo, e os pólipos hamartomatosos apresentam baixíssimo Os pólipos metaplásicos, ou hiperplásicos, são bastante fre-
potencial de malignização. Porém, existe um risco maior do quentes no reto e achado comum em exames retossigmoidos-
câncer colorretal nos portadores da forma familiar juvenil e em cópicos. Apresentam-se como pequenas lesões com poucos
seus familiares. Poderemos encontrar a presença simultânea de milímetros de diâmetro, recobertas por mucosa normal, sés-
adenomas junto com hamartomas, e somente através de estudos seis, com aspecto nodular ou mamelonado. Esses pólipos são
histopatológicos é possível a sua diferenciação. formados a partir de alterações na divisão celular no interior
A remoção dos pólipos através da endoscopia é o procedi- da cripta de Lieberkühn, com expansão da zona de replicação
mento eletivo inicial. Em algumas situações, o volume dos pó- celular em sua base, resultando na elevação polipoide, e sem
lipos poderá levar à invaginação intestinal e, nessas condições, qualquer evidência de atipia.
ou na impossibilidade da remoção de todos os pólipos por via Em algumas situações. esses nódulos, na realidade, já seriam
endoscópica, é indicada a colectomia total. Atualmente, tem adenornas, coexistindo com uma estrutura de pólipo hiperplá-
sido demonstrado que a cirurgia intestinal, feita através da vi- sico. ~ necessário exame microscópico para a devida remoção
deolaparoscopia, tem apresentado resultados melhores do que dessas lesões, no sentido da prevenção do câncer local. Os ver-
a cirurgia convencional aberta, com menos ileoparalitico no dadeiros pólipos metaplásicos, simples ou múltiplos, são assin-
pós-operatório, redução do tempo de internação hospitalar, tomáticos e não requerem qualquer terapêutica especifica.
melhores resultados estéticos e o mais breve retorno do pa-
ciente às suas atividades.
O pólipo de Peutz-Jeghers manifesta-se de forma solitária, • OUTROS TUMORES COLORRETAIS
mais comumente no intestino delgado, podendo também ser
encontrado no reto e no cólon, e, do ponto de vista histológi- Os tumores não epiteliais colorretais são de ocorrência mais
co, apresenta malformação da muscularis mucosae, recobe.rta rara, sendo a maioria constitu.lda por pequenas lesões sésseis,
por mucosa normal, sem qualquer atividade de proliferação subserosas ou submucosas. projetando-se no lúmen intestinal.
celular anormal. A síndrome de Peutz-Jeghers é forma pou- Os tumores a serem considerados são os seguintes: lipomas,
co comum de uma entidade autossômica dominante, em que leiomiomas, carcinoides, linfomas, endometriomas e neurofi-
múltiplos pólipos hamartomatosos são encontrados no estôma- bromas.
go, intestino delgado e cólon. Há concomitante aparecimento
de pigmentação mucocutânea junto aos lábios, mucosa bucal,
língua, genitais e períneo. O potencial de malignização desses • lipomas
pólipos é extremamente baixo, e eles poderão ser removidos Representam, após os adenomas, a neoplasia benigna mais
por via endoscópica. Nesses pacientes, o carcinoma incide de comumente encontrada no intestino grosso, sendo de incidên-
forma elevada em outros órgãos, como estômago, duodeno, cia maior no sexo feminino, com localização mais frequente
pâncreas, intestino delgado e pulmões. no ceco e, mais raramente, na parte digestiva alta, podendo se
apresentar sob a forma de lesões solitárias múltiplas.
• Pólipos inflamatórios Habitualmente, originam-se na submucosa, mostrando for-
mas arredondadas ou ovaladas, consistência amolecida pelo
O pólipo linfoide benigno é mais frequentemente encontrado
seu conteúdo de tecido gorduroso, fazendo protrusão no lú-
no terço distai do reto e no íleo terminal. ~formado por tecido
linfoide, constituindo estrutura de linfonodo, porém sem sinuo- men intestinal.
A manifestação clínica estará na dependência do seu tama-
sidades, localizando-se na submucosa e recoberto de mucosa
normal. Representa uma lesão inflamatória em fase de regenera- nho, com os grandes volumes podendo levar à situação de su-
ção, que deve ser diferenciada do linfoma maligno solitário.
boclusão ou, então, à intussuscepção intestinal, desencadeando,
Habitualmente, esses pólipos são assintomáticos. sendo en- assim, sintomas especificos dessas complicações.
contrados devido à patologia inflamatória associada; a sua ex- O diagnóstico poderá ser feito através d.o exame radiológico
cisão representa o tratamento correto. (enema opaco), que, em algumas situações, não permite a dife-
A polipose inflamatória, também erroneamente chamada de renciação com as neoplasias. Nessas condições, a colonoscopia
pseudopolipose, uma vez que os pólipos são verdadeiros, ocorre poderá confirmar o diagnóstico, inclusive com a obtenção de
como resultado de ulceração que compromete toda a espessura material para estudo histopatológico.
do epitélio intestinal, principalmente em processos disentéricos Outros métodos de imagem, como a ultrassonografia e a to-
crônicos do cólon, como os encontrados na doença de Crohn e, mografia computadorizada, permitem, também, a identificação
particularmente, na retocolite ulcerativa. Esses pólipos se apre- da massa representada pelo lipoma.
sentam, em grande número, sob a forma de apêndices mucosos, O tratamento estará na dependência do volume do tumor e
contendo alterações de caráter inflamatório. suas consequências sobre o trânsito intestinal. Assim, na vigên-
Não há evidências de que a polipose inflamatória estaria di- cia de complicações (suboclusão, invaginação intestinal), essas
retamente relacionada com o aparecimento do câncer colorretal lesões deverão ser removidas por via endoscópica e, na sua im-
nos processos inflamatórios crônicos do cólon. possibilidade, através de procedimentos cirúrgicos. A cirurgia
Do ponto de vista radiológico e endoscópico, a diferencia- consiste na remoção da lesão por laparotornia e colotomia, ou,
ção entre a polipose inftamatória e a adenomatosa poderá ser então, na ressecção segmentar do cólon.
dificil, sendo necessário o exame histopatológico de biopsias As lesões subserosas podem ser removidas sem a abertura do
para o correto diagnóstico. Esses pólipos não requerem terapia lúmen intestinal e, eventualmente, pela via laparoscópica.
Capftu/o 46 I Tumores Benignos Colorretals 487

• leiomiomas estenose, impõem tratamento cirúrgico, com ressecção do seg-


mento intestinal comprometido.
A incidência maior dos leiomiomas é no estômago e intesti-
no delgado, sendo de pouca ocorrência no cólon e reto. Habi-
tualmente, são lesões pequenas, submucosas e assintomáticas,
• Neurofibromas
sendo encontradas no decorrer de procedimentos endoscópi- Os neurofibromas, no aparelho digestivo, ocorrem em cer-
cos ou radiológicos. Eventualmente, podem alcançar volume ca de 25% dos portadores da doença de von Recklinghausen ou
maior, ocasionando quadros de suboclusão ou, então, de in- neurofibromatose e, geralmente, são de pequenas dimensões e
vaginação intestinal. assintomáticos, localizando-se junto à submucosa e muscular,
~reconhecido o potencial de malignização dos leiomiomas ou, então, fazendo protrusão na serosa, podendo apresentar-se
e, dessa forma, uma vez identificados, devem ser removidos por sob forma séssil ou pediculada.
via endoscópica ou cirúrgica. O diagnóstico é realizado através de procedimentos endos-
cópicos ou radiológicos (enema opaco) nos pacientes portado-
res da neurofibromatose.
• Cardnoides
Os tumores carcinoides colorretais são pouco frequentes,
em geral de ocorrência no reto, com aparecimento de lesões de
até 2 em de diâmetro e assintomáticas, podendo ser removidas
por via endoscópica.
Em algumas situações, essas lesões atingem dimensões maio-
res, sediadas no reto ou cólon direito, ocasionando sintomas,
e podendo metastatizar, necessitando, assim, de procedimen-
tos cirúrgicos oncológicos. A sfndrome carcinoide aparece em
menos de 5% dos pacientes com lesões metastásticas de carci-
noides colorretais.
A realização do mapeamento abdominal e torácico pela so-
matostatina sintética marcada (octreotfdio) poderá identificar
possíveis focos de metástases de carcinoide colorretal. O leitor
é enviado ao Capítulo 100 para maiores detalhes.

• linfomas
Representam os mais frequentes tumores malignos não car-
cinomatosos do cólon, sendo raro o aparecimento de uma po-
lipose linfomatosa difusa.
Os linfomas não Hodgkin e o sarcoma de Kaposi são duas
condições ligadas à AIDS que podem afetar o cólon e o reto.

• Endometriomas
Os endometriomas são representados por massas ectópi- Figura 46.1 Colonoscopia. Pólipo adenomatoso solitário em cólon
sigmoide. (Esta ftgura encontra-se reproduzida em cores no Encane.)
cas de tecido endometrial, implantadas na superficie serosa
do reto, sigmoide, apêndice cecal, ceco ou delgado distal, po-
de.ndo invadir localmente até a camada muscular ou submu-
cosa. Essas massas são hormônio-dependentes e, na vigência
do ciclo menstrual, apresentam sangramento, que poderá ser
escoado através do lúmen intestinal, ou, então, na falta de dre-
nagem, esse sangue menstrual poderá ficar retido em forma-
ções císticas.
O diagnóstico é firmado pelas manifestações clinicas (dor
pélvica, alteração no hábito intestinal), que se acentuam no
ciclo menstrual, além da eventual perda de sangue intestinal
nesse período.
Essas massas poderão ser identificadas no lúmen intestinal
através de métodos endoscópicos, ou pelo exame radiológi-
co (enema opaco), ou, então, quando extraiu minares, pela ul-
trassonografia pélvica. A videolaparoscopia também poderá
ser extremamente importante na identificação de localização
extraintestinal das lesões endometriais em pacientes do sexo
feminino, com dor pélvica crônica.
O tratamento básico consiste no controle das massas atra-
vés da hormonioterapia. Massas volumosas que promovem Figura 46.2 Raios Xde cólon (enema opaco). Pólipos adenomatosos
quadros de suboclusão, ou na ocorrência de áreas extensas de (assinalados) em cólon slgmolde.
488 Capftulo 46 I Tumores Benignos Colorretais

As manifestações clinicas são de perdas sanguíneas, subo-


clusão por invaginação e, em algumas situações, isquemia e
perfuração intestinal decorrente de compressão dos vasos me-
sentéricos pelos neurofibromas.
O tratamento consiste na remoção cirúrgica dessas massas.
Outras lesões colorretais de incidência rara são os teratomas,
linfangíomas, melanomas e hemangíomas cavernosos.

Figura 46.6 Peça cirúrgica de cólon. Leiomioma removido em có-


lon descendente. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no
Figura 46.3 Peça cirúrgica de cólon. Dois pólipos adenomatosos (assi-
Encarte.)
nalados). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)

Figura 46.4 Peça cirúrgica de cólon. Adenocarcinoma infiltrativo e Figura 46.7 Peça cirúrgica. Inúmeros tumores carcinoides em mucosa
estenosante em sigrnoide, com pólipo adenomatoso satélite. (Esta intestinal (Esta fogura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
figura encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ

• LEITURA RECOMENDADA
Beaucharnp, RD, Peel<r, MO, Ou Bois, RN. Recent advances in the management
of colorectal polyps. Curr Opin Gastroenterol, 1996; 12:12-7.
Bogoni,ll, Cathier, P, Oundar, M, )erebko, A, Lakare. S, Liang. J, Periaswarny, S,
Baker, ME, Macari, M. Computer·aided detection (CAD) for CT colonogra·
phy: a tool to address a growlng noed. Br J Radio~ 2005; 78:857-62.
Bond, )H. Envolvlng strategles for colonoscopic management of patlents wlth
colorectal polyps. Endotcopy. 1995; 27:38-42.
Bresalier, RS. Malignant & Premalignant Lesions ofthe Colon. Em; Fri<dman,
SL, McQuaid, KR. Grendell. TH (eds.). Current Diagnosis 6- Trtatment
in Gastroenterology. 2,. «L, New York:Lange Medicai Book; 2003.
pp.407-35.
Care!hers, )M. The cdlular and molecular pathoge.nesis of colorecul ancer.
Gastrwnterol Clin N Am, 1996; 25:737-54.
Church, )M. A scoring SyJtem for the strength of a famlly hlstory of colorectal
eancer. Dls Colon Recrum, 2005;48:49-55.
Figura 46.5 Pólipo hamartomatoso pediculado exteriorízado pelo Giardiello, FM, Hamilton, SR, Krush, A), Piantadosi, S, Hylind, LM, Celano,
Anus. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) P, Booker, SV, Robinson, CR, Off<rhaus. GJA. Treatment of colonic and
Capftulo 46 I Tumores Benignos Colorretais 489
rectal adcnomas with sulindac in famUial adcnomatous polyposis. N Engl Schroc.k. TR. Large lntestine. Polyps of colon & rectum. Em: Way, LW. Currenl
JMed. 1993; 328:1313·6. Surgical Diagnosis ~ Treatment. USA, Langc Medicai Book, 1991.
Giovanucci, E. Rimm, EB. Stampfer, MJ, Colditz, GA, Ascherio, A, Willett, WC. Shattuck-Brandi, RL & DuBois, RN. 'Ihe molecular basis o f colorectal canóno·
Aspirin use and the risk of colorectal eanccr and adenoma in male health genesis. Curr Opin Gastroenu:rol, 1999; 15:3·8.
professionals. Ann Intem Mtd, 1994; 121:236·41. Sicbcr, OM, Lipton, I, Crabtrcc, M, et a/. Multiple colorcctal adenomas, classic
Habr·Gama A, Julião, GPS, Gama-Rodrigues, J. Prevenção de Cãncer Color· adenomatous polyposis, and germ ·line mutations in MYH. N Engl l Med,
reta!. Em: Antunes, RCP & Perdicaris, AAM (ed.). Prevenção do C<lncer. 2003; 348:791-9.
Manole, 2010, pp. 183·202. Smith, RA, Cokkinides, V, Brawley, OW. Cancer screening in lhe United States,
Laurent-Puig. P. I:apport des techniques moléculaires dans le dépistage du can- 2009: a review of cuncnt Amcrican Cancer Socicty guidclines and issues
ccr colorectal. Gastroenterol. Clin. Biol., 1997; 21:751· 3. in cancer screening. CA. Cancer l Clin, 2009; 59:27·41.
McColl, I, Bussey, HJR. Mon;on. B. Polyps and Polyposis. Em: Morson, BC. Souu, C. Thmores Benignos. Em: Dani, R & Paula Castro, L. Gastroenterologia
Disease:s ofthe Colon, Rectum a.nd Anus. London. Willia.m Heinemann Me- Clfnica, 3.• ed., Rio de Janeiro, Guanabara Kooga.n. 1993.
dicai Books, 1969. Towsend, CM & Beauchamp, RD. New developments in colorectal cancer. Curr
Morson, BC & Dawson, !MP. Gatrointestinal Pathology. Oxford, Blackwel Sóen· Opin Gastroentuol, 1995; 11:36-42.
tific Publication, 1972. N Engl J Mtd, 2003; 348:791 -9. Velayos, FS, Allen, BA, Conrad, PG, Gum, J, Kakar, S, Chung, DC, Truta, B,
Nollau.., P, Moser, C, WeinJan~ G, Wage.ner, C. De.tection of K-ras mutations Sleisenger, MH, K.im, YS, Terdiman, JP. Low rate of microsatellite instability
in stools of patients with eolorectal cancer by mutant-enriched PCR. 1nl J in young patients with adenomas: reasse,ssing the Bethesda guldclines. Am
Cancer, 1996; 66:332-6. J Gastroenterol, 2005; 100:1150-3.
Oncel, M, Church, JM, Remzi, FH, Fazio, VW. Colonicsurgery in patients with ju· Winawer. SJ, Zauber, AG, Fletcher. RH et al. Guidelines for colonoscopy sur-
venUe polyposis syndrome: a case scries. Dls Co/on Rectum, 2005; 48:889-96. velllance after polypeetomy: a eonsensus update by the US Multi-Sodety
Pasricha, PJ, Bedi, A, O'Conner, K, Rashid, A, Akhtar, A}, Zahurak, ML, Pianta· Task f-orce on Colorectal Cancer and the American Cancer Society. C.A.
dosi, S, Hamilton, SR. Giardiello, FM. The etfects of sulindac on colorec.tal Cancer J Clin, 2006; 56:143-59.
proliferation and apoptosis in familial adenomatous polyposis. Gastroen· Wu, JS, Paul, P. McGannon, EA, Church, JM. APC genotype, polyp nurnber, and sur·
terology, 1995; 109:994·8. gical options in familial adenomatous polyposis. Ann Sllllfo 1998; 227:57-62.
47 Tumores Malignos Colorretais
Mounib Tacla e Arnaldo José Ponte/lo Neves*

• CONSIDERAÇÕES GERAIS rede reta!, o índice de sobrevida em 5 anos é de cerca de 70% e,


quando a doença é detectada em fase assintomática, este índice
O câncer, de uma forma geral, representa hoje um impor- alcança até 90%. Dessa forma, é extremamente importante a
tante problema de saúde pública. Uma avaliação do Instituto instituição, pelos poderes públicos e sociedades médicas da es-
Nacional do Câncer (INCA) calculou em cerca de 500.000 os pecialidade, de programas de prevenção do TMCR. No Brasil,
novos casos surgidos em 2009, e a maior parte deles, infeliz- em 2004, foi fundada a Associação Brasileira de Prevenção do
mente, são diagnosticados já em fase tardia de evolução. Ape- Câncer do Intestino (ABRAPRECI), sob a liderança da ProP
sar da complexidade na sua origem, estudos epidemiológicos Angelita Habr-Gama, que já colocou em prática programas de
afirmam que cerca de 90% dos tumores de maior incidência na conscientização e prevenção em todo o território nacional, com
população adulta estão relacionados com o estilo e hábitos não apoio da Sociedade Brasileira de Colo-proctologia e do Colégio
saudáveis de vida (alto consumo de gorduras e baixo de fibras, Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD).
sedentarismo), além de agressões ambientais. Cerca de 95% dos TMCR são adenocarcinomas, tendo como
Nos países ocidentais, os tumores malignos colorretais lesão precursora o pólipo adenomatoso, e o processo de trans-
(TMCR) representam a segunda causa de óbitos por neopla- formação adenoma- carcinoma ocorre em tempo médio de 12 a
sias, após o tumor pulmonar. Cerca de 150.000 novos casos 15 anos. Assim, o reconhecimento e a remoção das lesões poli-
são diagnosticados anualmente nos EUA, com cerca de 60.000 poides adenomatosas do cólon, interrompendo a sequência de
óbitos devidos a essas neoplasias. Nos últimos 30 anos, ocorreu transformação, promoverão a profilaxia dos TMCR.
uma redistribuição da frequência da localização dos TMCR, O aparecimento de lesões sincrônicas, representadas pela
com aumento da incidência no cólon sigmoide e ceco-ascen- presença simultânea de duas ou mais neoplasias no cólon, ocor-
dente e redução da localização no reto. A presença no cólon re em cerca de 5% dos pacientes. O câncer metacrônico, ou seja,
direito é mais frequente na mulher, e a reta!, no homem. O uma nova lesão primária em paciente com tumor previamente
Quadro 4 7.1 mostra a frequência da distribuição dos TMCR. No removido do cólon, apresenta incidência de 2%. Atualmente, é
Brasil, o câncer colorretal encontra-se entre as seis localizações reconhecido o câncer de novo, que teria sua origem diretamente
mais frequentes de neoplasias, e, segundo os Registros de Cân- da mucosa intestinal, sem a lesão adenomatosa precursora.
cer de Base Populacional Brasileiros - 1997/1998, detectou-se ~conhecida a predisposição genética para os TMCR, sendo
em São Paulo maior incidência do câncer de cólon em pessoas a polipose familiar uma das condições de maior importância
do sexo masculino (21,73/100.000) e, no Distrito Federal, de como fator predisponente. No entanto, atualmente é admitida
15,16/100.000 para o feminino. A menor incidência foi detecta- uma condição familiar hereditária, com o aparecimento dos
da em Manaus e Belém, com taxas padronizadas de incidência TMCR sem que ocorra a polipose, sendo denominada s(ndrome
de 1,62/100.000 e 4,16/100.000, respectivamente, entre homens de Lynch, incidindo em, aproximadamente, 5 a 10% dos casos.
e mulheres. Registros de Mortalidade do Ministério da Saúde
demonstram uma incidência de mortalidade muito discrepan-
te entre as regiões brasileiras, com o sul-sudeste apresentan-
do taxas semelhantes às dos países do primeiro mundo, sendo
T-
de 1,98/100.000 para o sexo masculino em Porto Alegre e de Quadro 47.1 Distribuição do câncercolorretal
15,89/100.000 em Manaus, conforme dados de 2001. A porcen-
tagem média de sobrevi da de 5 anos permanece estável em 50%, Retossigmoide distai 30%
podendo chegar a 70% quando a cir urgia é realizada em centros Slgmoide 20%
especializados. Quando o tumor encontra-se circunscrito à pa- Descendente 15%
Transverso 10%
Cecoascendente 25%
•o Dr. Neves escreveu a parte sobre rastreamento do câncer colonetal.

490
Capftulo 47 I Tumores Malignos Colorretols 491

T A identificação de anormalidades genéticas encontradas co-


Quadro 47.2 Critérios de Amsterdam para avaliação clínica mumente nos TMCR esporádicos ou hereditários inclui o gene
de grupos de risco para oCHNP APC, cuja mutação seria responsável pelo aparecimento da
pclipcse familiar adenomatosa (PFA). O local e o tipo de mu-
Amsterdaml tação do APC determinarão o número de pólipos e a idade do
No m(nlmo t<H familiares diretos com dncer cotorretal aparecimento da adenomatose. O fenótipo de pacientes com
Pelo menos um dever~ ser parent.e de primeiro grau dos outros dois
mutação do gene APC poderá variar amplamente, com desen-
N; menos um dos dnceres colorretais deverá ser diagnosticado antes
volvimento de poucos pólipos até centenas, recobrindo toda a
da Idade de so anos mucosa coIônica. Esses pacientes requerem a reali?.ação de co-
Pelo menos duas geraç6es sucessivas devem apresentar dncer
lectomia total para evitar o aparecimento dos TMCR.
colorretal Pacientes com mutações idênticas no gene APC podem apre-
Casos de polipose adenomatosa familiar nlo devem ser considerados sentar diferentes fenótipos, insinuando que outros genes pode-
rão afetar o fenótipo resultante da mutação do APC.
Amsterdam 11
Outro fator genético considerado refere-se à presença de
Mínimo de t~s familiares devem apresentar neoplasia associada ao
CHNP (colorreta~ endométrio, delgado. vias urinárias)
oncogenes que, em geral, são dominantes e cuja ativação pro-
move o crescimento e proliferação celular. Nos TMCR, o on-
Um dos pacientes deverá ser parente de primeiro grau dos outros dois
cogene mais frequentemente ativado é o Kirsten-ras ou K-ras,
Mínimo de duas geraç6es sucessivas devem estar comprometidas
que apresenta mutação em 5096 dos adenocarcinomas e em
Um dos casos de CHNP deverá ser diagnosticado antes da idade de 5096 dos adenomas com mais de 1 em.
50 anos
Em 1984, identificou-se uma forma alternativa de carcinogê-
Casos de polipose adenomatosa familiar n3o devem ser considerados
nese responsável pelo c4ncer hereditário nao polipoide colorretal
(CHNP), denominada s{ndromes de Lynch (I e II). Esses pacien-
tes geralmente apresentam tumores com anormalidades difusas
na replicação do DNA. Na sindrome de Lynch I, o câncer geral-
Esta slndrome é também chamada de Heredítary Non Polypo- mente se situa no cólon proximal, é local-espec(fico dentro de
sis Colorectal Cancer, nos países anglossaxõnicos.. ou então de uma mesma famUia e constitui o único tipo de tumor que esses
Câncer Hereditário Não Polipoide (CHNP), entre nós, e a iden- pacientes desenvolvem. No Lynch 11, desenvolvem-se tumores
tificação de indivíduos de risco permite uma prevenção desta colorretais, do endométrio, gástricos, do ovário, trato urinário e
situação. Em publicação de Vasen et ai., em 1991 e 1999 foram outros. Foram identificados pelo menos quatro genes que par-
estabelecidos critérios cUnicos para avaliação de grupos de ris- ticipam dessas alterações do DNA: hMSH2 (localizado no cro-
co, que foram denominados, respectivamente, • Amsterdam In mossomo 2p), hMLHl (cromossomo 3p), hPMSl (cromossomo
e •Amsterdam n•. Estes critérios encontram-se discriminados 2q) e hPMS2, localizado no cromossomo 7p. Os genes MSH2 e
noQuadro47.2. MLH1 representam 40 e 3596 dessas mutações. Os portadores
dessas transformações apresentam risco aumentado de desen-
volver carcinoma colorretal (7896) ou câncer do endométrio
(4396), assim como o risco de surgir um câncer extracolônico
• ETIOLOGIA também está aumentado nesses indivíduos. Mutações de ge-
A etiologia dos TMCR é extremamente complexa e não de- nes têm sido identificadas em muitos familiares dos portadores
do CHNP, bem como maior incidência de tumores extracolô-
vidamente definida. Porém, é reconhecida a importância de
nicos, incluindo o câncer gástrico, do útero, ovário, intestino
condições genéticas predisponentes e de fatores ambientais
delgado, vias biliares e urinárias, sem, contudo, apresentarem
desencadeadores. risco maior de câncer de mama (o tumor de mama tinha sido
Há maior incidência dos TMCR em palses ocidentais, onde incluído a principio).
a dieta é excessivamente composta de gorduras e proteinas de Apesar de o CHNP ter sido identificado há cerca de um
origem animal e pobre em fibras. Esse padrão dietético favorece, século, somente agora as suas manifestações clinicas estão sen-
a partir da fermentação de ácidos biliares e graxos pela ação de do devidamente definidas. O CHNP é caracterizado por trans-
bactérias anaeróbias, a formação de substâncias carcinogênicas., missão genética autossômica dominante, os tumores tenden-
que atuariam no lúmen intestinal, alterando o DNA das células do a locali?.ar-se no cólon proximal. Surgem cerca de 20 anos
e promovendo a sequêncía adenoma-adenocarcinoma. Esse antes dos tumores esporádicos do cólon, em idade média de
mesmo padrão dietético é também pobre em substâncias an- 45 anos. Tumores múltiplos do cólon são encontrados em cer-
tioxidantes, que possuem ação reconhecidamente inibidora do ca de 35% dos portadores, enquanto esse número varia de 4 a
processo carcinogênico. Atualmente, considera-se como con- 11% nos doentes com cânceres esporádicos. Os tumores que
dições predisponentes ao aparec.imento do TMCR o consumo surgem nesses indivíduos são, em geral, pouco diferenciados,
diário de carnes vermelhas e alimentos defumados. apresentam o sinal do anel de sinete mais frequentemente e
A utilização de dietas ricas em fibras, através da ingestão de são mais produtores de mucina do que se nota nos tumores
frutas e legumes, além da liberação de substâncias antioxidan- esporádicos colorretais.
tes, promove também o aceleramento do trânsito intestinal e,
dessa forma, reduz o tempo de contato das substâncias carci-
nogênicas com o lúmen intestinal • EPIDEMIOLOGIA
A genética dos TMCR tem sido extremamente estudada, e
o trabalho pioneiro de Vogelstein el ai., em 1988, estabeleceu Os TMCR apresentam maior incidência nos EUA, na In-
que a carcinogênese progride através do acúmulo • em cascata• glaterra e na Nova Zelândia. No Brasil, representam a quarta
de defeitos genéticos, tornando esse postulado um modelo para neoplasia em prevalênáa, sendo a sua ocorrênáa ligeiramente
o estudo de outras neoplasias. maior nos indivíduos do sexo masculino. ~ reconhecido que
492 Capftulo 47 I Tumores Malignos Colorretais

indivíduos de uma mesma famflia, com PFA ou CHNP, apre-


sentam elevado risco para os TMCR, e que somente uma fra-
• Câncer hereditário não polipoide (CHNP)
ção do total de casos de neoplasias ocorre nesses pacientes. O CHNP representa um fator de grande risco para o desen-
Inúmeros estudos têm mostrado que a existência de um pa- volvimento dos TMCR, como foi mencionado anteriormente.
rente de primeiro grau, particularmente jovem, com TMCR, O diagnóstico "formal" dessa situação é baseado em três crité-
aumenta significativamente o risco da incidência da neoplasia rios: 1) três ou mais familiares de primeiro grau com TMCR;
em familiares. A presença de familiar com pólipos adenoma- 2) TMCRenvolvendo pelo menos duas gerações; e 3} pelo menos
tosos também aumenta o risco para parentes de primeiro grau. um caso de TMCR diagnosticado antes da idade de 50 anos.
Trabalho de Neves et a/. demonstra diferenças marcantes nos Os indivíduos representativos desses grupos devem ser sub-
índices de mortalidade padronizada por TMCR entre as re- metidos a vigilância através da colonoscopia, iniciada aos 25 a
giões brasileiras, com maiores taxas observadas no sul e su- 30 anos, e, se possível, realizar estudos genéticos para avaliar o
deste, valores intermediários no centro-oeste e menores taxas grau de alteração cromossômica.
no norte-nordeste. Estas variações de índices de mortalidade
poderão ser atribuídas a diferentes hábitos alimentares e cul-
turais, diferenças socioeconôrnicas e de estilo de vida, além de
• Doença inflamatória intestinal
outros aspectos relevantes, como o acesso aos serviços de saú- O risco dos TMCR em pacientes com retocolite ulcerativa é
de e a qualidade e diferenciação no atendimento hospitalar, e reconhecido e aparece depois de cerca de 10 anos do início da
também na instituição de programas de prevenção. Apesar de doença inflamatória, sendo de 5 a 10% após 20 anos e de 20%
as regiões sul-sudeste apresentarem taxa de incidência maior após 30 anos de atividade do processo. Assim, é altamente re-
do TMCR do que outras regiões brasileiras, a taxa de mortali- comendável a realização de colonoscopias anuais, a partir de 8 a
dade é cerca de três vezes menor, devido, provavelmente, a uma 10 anos do início da doença, com feitura de múltiplas biopsias.
melhor diferenciação na qualidade do atendimento médico- O encontro da displasia celular é indicativo do risco de apare-
hospitalar disponibilizado. cimento dos TMCR, sendo recomendada, nessas situações, a
colectornia profilática.
O risco dos TMCR na doença de Crohn é extremamente
• FATORES DE RISCO PARA OCÂNCER COLORRETAL baixo, talvez pelo fato de muitos pacientes serem submetidos
mais precocemente à cirurgia em decorrência das complicações
Inúmeros fatores podem aumentar o risco do desenvolvi- da doença, não se tendo, assim, uma evolução prolongada (pois
mento dos TMCR. O seu devido conhecimento é extremamente segmentos intestinais foram retirados) que facilite o apareci-
importante para a profilaxia e/ou detecção precoce do processo. mento da neoplasia.
Os fatores a serem considerados são os seguintes: Outros fatores de risco são representados por dietas de ele-
vado teor de gorduras e pouca fibra, história familial de síndro-
mes, tais como de Gardner, polipose colônica familiar, síndro-
• Idade me de Turcot, síndrome de Muir, sfndrome de Peutz-Jeghers e
A incidência dos TMCR aumenta significativamente após polipose familiar juvenil.
a idade de 40 anos, e cerca de 90% dos casos ocorrem em indi-
víduos acima de 50 anos.
• PATOLOGIA
• História pessoal de neoplasia O crescimento dos TMCR é de forma circunferencial, po-
A existência pregressa de pólipos adenomatosos, particular- dendo envolver completamente o lúmen intestinal e originar,
mente se múltiplos e/ou com mais de 1 em, aumenta o risco de como consequência, quadros oclusivos. Essa situação é mais
aparecimento de outros adenomas e carcinomas, necessitando evidente no cólon esquerdo, que apresenta menor calibre que
de vigilância periódica através de colonoscopia. o direito e, habitualmente, é necessário cerca de 1 ano para a
Os pólipos inflamatórios (hiperplásicos) não representam lesão ocupar três quartos da circunferência intestinal. Ocorre
fator de risco. também uma infiltração da submucosa com invasão da cadeia
linfática inframural. A extensão radial da lesão também infiltra
outras camadas da parede intestinal, podendo, por contiguida-
• História familiar de, atingir estruturas vizinhas.
A existência de antecedentes familiares está presente em O tumor poderá infiltrar também os vasos colônicos e, pela
cerca de 25% dos pacientes com TMCR, sendo a incidência veia porta, conduzir células neoplásicas que desenvolverão me-
proporcional ao número de parentes de primeiro grau que apre- tástases hepáticas. Através das veias lombares e vertebrais, le-
sentaram a neoplasia. vam a focos metastáticos nos pulmões e no cérebro. O câncer
E recomendável que pessoas com dois ou mais familiares reta! é disseminado através das veias hipogástricas. A invasão
com TMCR sejam orientadas a realizarem colonoscopia de venosa está presente em até 50% dos casos, mesmo não produ-
controle a partir da idade de 30 anos, independentemente de zindo metástases a distância.
quaisquer sintomas. A manipulação cirúrgica do tumor deve ser extremamente
cuidadosa, no sentido de evitar a liberação de metástases he-
matogênicas.
• Poli pose familiar adenomatosa (PFA) A disseminação mais frequente dos TMCR é através do com-
Esta condição aumenta dramaticamente o risco do desen- prometimento ganglionar, sendo a disseminação longitudinal
volvimento dos TMCR, representando, no entanto, somente pela cadeia linfática extrarnural um importante mecanismo des-
cerca de 1% do total de casos. se processo. Assim, nos procedimentos cirúrgicos, é necessária
Copftulo 47 I Tumores Malignos Colorretois 493
a complementação com remoção dos gânglios comprometidos, a procedimentos de rotina, sempre na expectativa de detecção
o que é encontrado em cerca de 50% dos casos. precoce de um TMCR.
Em algumas situações, células neoplásicas extravasam do lú- O diagnóstico dos TMCR é estabelecido basicamente
men intestinal para a cavidade peritoneal, produzindo implan- através de história clínica, exame físico e procedimentos
tes locais ou, então, carcinomatose abdominal generalizada. subsidiários.
Células turnorais poderão ser liberadas e levadas pela cor-
rente fecal para serem implantadas, a distância, em mucosa
normal. Esse tipo de situação é de ocorrência rara, e grande
• História clínica
parte das recidivas junto às anastomoses é devida a células pro- !!. importante a tomada da história clínica, com judiciosa
venientes de fora da parede intestinal, principalmente de lin- avaliação de todos os sintomas, tais corno alteração do hábi-
fáticos do mesocólon. to intestinal com mudança das características do bolo fecal,
Com base na patologia do processo tumoral, procurou -se presença de sangue e/ ou muco nas fezes, dor abdominal pre-
estabelecer o estadiamento da doença para que fosse possível cedendo evacuação e sintomas gerais, como astenia, anemia e
não só avaliar a perspectiva de sobrevida do paciente, mas tam- emagrecimento.
bém a necessidade de urna terapia adjuvante. Os sintomas dos TMCR estão na dependência da localização
A classificação de Dukes, proposta em 1932 e posteriormente anatômica da lesão, seu tipo e extensão, bem como da even-
modificada por Astler-Coller com a inclusão de subgrupos, é tual presença de complicações, como perfuração, obstrução e
utilizada de forma universal. Porém, atualmente, a classificação hemorragias.
TNM passou a ser preferida, pois permite um melhor estadia- O tempo médio para a feitura do diagnóstico dos TMCR, a
mente do processo. partir dos sintomas relatados, é de 7 a 9 meses. A responsabili-
O Quadro 47.3 apresenta o estadiarnento dos TMCR con- dade desse tempo prolongado é dos pacientes, que minimizam
forme a classificação TNM e a de Dukes modificada (Astler- os sintomas e protelam a procura do profissional, ou, então, do
Coller). próprio médico que não valoriza as queixas relatadas.
No cólon direito, que apresenta maior calibre, paredes fi.
nas e distensíveis, com conteúdo fecal líquido, a presença de
• DIAGNOSTICO neoplasia manifesta-se mais tardiamente, atingindo as lesões
grandes volumes antes de serem diagnosticadas. Os pacientes
O desenvolvimento de uma neoplasia colorretal até alcan- apresentam queixas vagas de astenia, debilidade física e anemia,
çar o volume suficiente para desencadear sintomas é de, pelo com sensação de desconforto no abdome direito. A presença
menos, 5 anos. Assim, nessa fase assintomática, o diagnósti- de anemia hipocrômica microcltica é sinal importante na pes-
co ficaria na dependência de um achado casual em exame de quisa da neoplasia de cólon direito. Geralmente, não ocorre
rotina, e o seu encontro precoce traria grandes beneficios em alteração do hábito intestinal, e, em cerca de 10% dos casos, a
termos de sobrevida para o paciente. Os indivíduos incluídos primeira evidência é de massa palpável na região onde está o
nos grupos de risco teriam que ser submetidos periodicamente tumor, observada pelo paciente ou pelo médico.

TNM

Quadro 47.3 Estadiamento do câncercolorretal pela classificação TNM e de Dukes modificada (Astler-Coller)
DUKES

Estágio O
- Carcinoma in situ Tis NO MO

EstAgio I
- Tumor invadindo submucosa T1 NO MO Dukes A
- Tumor invadindo muscular própria T2 NO MO Dukes 8 1
Estágio 11
- Tumor invade a subserosa ou tecido pericol6nico ou T3 NO MO Dukes 81 ou Oukes 82
perirretal não peritonizados
- Tumor ultrapassa o peritônio víscera I, ou invade outros T4 NO MO Dukes82
órgãos ou estruturas
Estágio 111
Comprometimento de linfonodos e de toda a parede
intestinal
- 1 a 3 linfonodos envolvidos (1, 2. 3) T N1 MO Dukes C1
- 4 ou mais linfonodos (n.o) T N2 MO DukesC2
- Metásta.ses para linfonodos em troncos vasculares (n.o) T N3 MO

Estágio IV
Presença de metástases a distância (n.o) T N4 M1 Dukes O

T: Tumor; N: linfonodos; M: metástases; 0: ausênc:ia; n.O: número de linfonodos comprometidos.


494 Capftulo 47 I Tumores Malignos Colorretais

No cólon esquerdo, o calibre do hímen intestinal é menor e tecção precoce de metástases após procedimentos cirúrgicos. O
o conteúdo fecal é formado por material semissólido. Assim, o CEA encontra-se alterado em cerca de 70% dos pacientes com
crescimento das neoplasias nessa região, com oclusão progres- TMCR, porém eleva-se em menos da metade dos portadores
siva do lúmen, leva a alterações mais precoces da evacuação. da forma localizada do processo tumoral.
Essa situação poderá evoluir para uma obstrução parcial ou A persistência do CEA elevado, mesmo após a ressecção
completa do local. A presença de sangue nas fezes é frequente, cirúrgica de um TMCR, é indicativa de péssimo prognóstico.
porém não sob a forma de perdas maiores, geralmente de co- Se ocorrer normalização dos níveis de CEA após a cirurgia e,
loração escurecida e associada a muco. no período de seguimento, eles voltarem a apresentar elevação
No cãncer reta!, o sintoma mais frequente é a perda de san- progressiva, isso é sinal indicativo de recorrência da doença.
gue claro, juntamente com as fezes, associada ou não à pre- A avaliação do antígeno CA 19 a 9 em conjunto com o CEA
sença de muco. Outra manifestação relatada com frequência é poderá melhorar a acurácia para a detecção de neoplasia, reci-
a sensação de evacuação incompleta e "puxos" no canal reta!, divas e/ ou metástases.
independentemente da movimentação intestinal.
• Exames radiológicos
A radiografia de tórax deve ser considerada como procedi-
• Exame físico mento de rotina, em pacientes com TMCR, para avaliação de
O exame fiSico é importante para avaliar o local e extensão metástases pulmonares.
da doença, ou então detectar metástases a distância e/ou com- O estudo contrastado do cólon (enema opaco) representa
prometimento de outros órgãos ou sistemas que, inclusive, po- importante método diagnóstico para revelar TMCR. O carci-
derão influenciar no tratamento. noma do cólon esquerdo aparece como imagem de "defeito de
Apalpação da região inguina! e supraclavicular é importante enchiment o", com extensão de 2 a 6 em e aspecto de "anel de
para a verificação de nódulos metastáticos. O exame do abdome guardanapo", conforme demonstrado nas Figuras 47.1 e 47.2.
poderá revelar presença de massa, hepatomegalia ou circulação No cólon direito, a lesão apresenta-se sob forma de constri-
colateral em parede, indicando obstrução portal. ção ou, então, de massa intraluminar (Figura 47.3). Nos locais
O câncer reta! poderá ser identificado através do toque digi- comprometidos, a parede intestinal torna-se rígida, com des-
tal, não somente pela percepção da massa tumoral, mas também truição do relevo mucoso. Atualmente, com a disseminação
pela presença de sangue na luva do exame. A avaliação gineco- do uso de colonoscopia, o exame de enema opaco passou a ser
lógica poderá detectar comprometimento regional e, também, pouco utilizado.
permitir palpar gânglios retrorretais. Em situações de quadros obstrutivos, a radiografia simples
do abdome poderá mostrar a distensão das alças, além de per-
mitir a localização do local obstruído, facilitando a abordagem
• Procedimentos subsidiários cirúrgica. Atualmente, com a facilidade do acesso ao exame
• Exames de laboratório colonoscópico e pelas dificuldades técnicas na realização do
Não existe especificidade de exames laboratoriais para o estudo radiológico, este procedimento deixou de ser a primeira
diagnóstico dos TMCR. Porém, através do hemograma, pode- opção na avaliação do cólon.
remos detectar a anemia, e uma fosfatase alcalina alterada pode-
rá significar a presença de metástases hepáticas. A avaliação das
proteínas séricas indicará a situação nutricional do paciente.
A pesquisa de sangue oculto nas fezes poderá ser impor-
tante na detecção precoce de pólipos e/ou neoplasias em fase
assintomática, principalmente quando utilizada em pacientes
pertencentes a grupos de risco ou, então, na presença de ane-
m ia. Esses testes (Hemocult, Hemocult II) estão disponíveis
com facilidade, são baratos e fáceis de realizar. Entretanto, a
eficiência dependerá do grau de hidratação fecal, que aumen-
ta a sensibilidade, do volume da degradação de hemoglobina,
que diminui a sensibilidade, e da ausência de substâncias que
interferem com a oxidação do corante indicador, tais como o
ácido ascórbico. Lembrar que alimentos que contêm atividade
de peroxidase, ou pseudoperoxidase, podem provocar reações
positivas (brócolis, couve-flor, melão, entre outros).
O antígeno carcinoembriogênico (CEA) é uma glicoproteína
encontrada na membrana celular de muitos tecidos, inclusive
nos cânceres do cólon e reto, e os antígenos são detectados no
sangue através de técnicas de radioimunoensaio, sendo encon-
trados, também, em outros fluidos, como urina e fezes.
A elevação do nível sérico do CEA não é especifica para
os TMCR, podendo acontecer também em outras neoplasias,
gastrintestinais ou não, além de esse nível se apresentar também
alterado nas doenças inflamatórias e nos indivfduos tabagistas.
Assim, o CEA não é um método acurado para o diagnóstico
dos TMCR, porém tem valor como teste preditivo, para ava- Figura 47.1 Radiografia de cólon (enema opaco). Lesão subesteno-
liação de resultados terapêuticos e, principalmente, para a de- sante em sigmoide distai.
Capftulo 47 I Tumores Malignos Colorretals 495
nos tomógrafos de alta resolução tipo multi-slice permitiu a
elaboração da chamada "colonoscopia virtual", realizada com
a insuflação de ar no cólon e a obtenção de imagens virtuais
tridimensionais do cólon, permitindo também a detecção de
lesões maiores do que 0,5 em. O mesmo acontece para a ultras-
sonografia abdominal, que, pela sua facilidade e baixo custo,
poderá ser utilizada com mais frequência na avaliação desses
pacientes.

• Ultrassonogrrrfia tndorrtta/
Esse procedimento, cuja utilização tem sido mais divulga-
da com o aparecimento de novos equipamentos, permite uma
acurada avaliação do grau de comprometimento da parede in-
testinal no câncer reta!, além da demonstração da presença de
linfonodos aumentados. Porém, não é capaz de distinguir se o
aumento do linfonodo é decorrente de processo reativo ou por
infiltração neoplásica.

• Retossigmoidoscopia
A retossigmoidoscopia com tubo rígido permite o diagnós-
tico de cerca de 20% dos TMCR. Porém, a utilização do retos-
sigmoidoscópio flexível com extensão de 30 em permite diag-
nosticar 30 a 40% desses tumores. e, com os de 60 em, chega-se
Figura 47.2 Radiografia de cólon (enema opaco). Lesao subesteno- a identificar 50 a 60% de todos os TMCR.
sante em cólon descendente.
• Colonoscopia
A colonoscopia permite o exame de toda a extensão do có-
lon, obtendo-se não somente a detecção precoce de pólipos
(Figura 47.4) e sua remoção através de alças diatérmicas, mas
também o diagnóstico dos TMCR (Figuras 47.5 e 47.6). Mes-
mo nas situações em que o exame radiológico (enema opaco)
já tenha fornecido o diagnóstico de um TMCR. a colonosco-
pia deverá ser realizada no sentido de confirmar a natureza
da lesão, além de detectar a presença de pólipos e/ou tumores
sincrônicos. O enema opaco poderá não identificar lesões de
até 5 mm em cerca de 20% dos casos. mas também a colonos-
copia poderá deixar passar pequenas lesões junto às flexuras
e/ou dobras do cólon, e o ceco nem sempre é alcançado em to-
dos os pacientes. Dessa forma, uma colonoscopia incompleta
ou inconclusiva deverá ser completada pelo enema opaco com
duplo contraste.

Figura 47.3 RadiograOa de cólon (enema opaco). Lesão infiltrativa e


subestenosante em cólon ascendente.

• Tomogrrrfia computadorizada errssoncfnda magnttim


Esses dois procedimentos não são importantes para o diag-
nóstico dos TMCR. porém servem para avaliar o comprome-
timento extramural no câncer do reto e para a detecção de
metástases. A tomografia poderá ser realizada também com
a administração do contraste VR. permitindo, desta forma, Figura 47 A Colonoscopía. Pólipo adenomatoso em cólon ascendente.
também o estudo do lúmen intestinal. O advento de moder- (Esta figura encontra-se reproduzida em cOtes no Encarte}
496 Capftulo 47 I Tumores Malignos Colorretais

(FDG), que é um análogo da glicose. As imagens obtidas refle-


tem a penetração da glicose nas células tumorais, em virtude
de estas células apresentarem uma atividade de glicólise maior
do que nos tecidos normais. Uma vez nas células, a molécula é
fosforilizada pela hexoquinase.
A sensibilidade do PET-SCAN é excelente para captação
de lesões a partir de I em, porém esta sensibilidade poderá ser
alterada pela hiperglicemia e os pacientes deverão estar em je-
jum para a realização do exame.
Para o câncer colorretal, o PET-SCAN com FDG apresenta
uma sensibilidade superior à da tomografia computadorizada
ou da ressonância magnética para detecção de focos metastáti-
cos. A sensibilidade e especificidade para detecção de metásta-
ses hepáticas pelo PET-SCAN é de 95 a 100%, respectivamente,
comparados com 74 e 85% da tomografia computadorizada.
Poderá ser utilizado de rotina no acompanhamento periódico
dos pacientes operados, porém com limitação decorrente do
seu elevado custo.
Figura 47.5 Colonoscopia. Lesão tu moral inflltrativa em reto. (Esta
figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)

• TRATAMENTO
• Ressecção cirúrgica
A remoção cirúrgica do segmento comprometido representa
o tratamento básico para todos os pacientes com TMCR. Mes-
mo na presença de metástases, a ressecção é indicada, evitao·
do a possibilidade de obstrução ou sangramentos. No câncer
colônico, as ressecções são seguidas de anastomoses primárias
para reconstituição do trânsito intestinal.
Nas situações de emergência, com perfuração ou obstrução,
e na impossibilidade do preparo intestinal adequado, a cirurgia
poderá ser feita em dois tempos: ressecção com colostomia e
posterior reconstituição do trânsito.
A abordagem laparoscópica para o câncer do cólon tem sido
amplamente discutida. Estudos têm demonstrado a ocorrên-
cia de metástases no local de introdução dos trocartes, além da
impossibilidade da feitura do procedimento dentro de rígidas
normas oncológicas, bem como a dificuldade da ligadura de
vasos junto à sua emergência. Assim, esse tipo de cirurgia esta-
Figura 47.6 Colonoscopia. Lesão tumoral subestenosante em cólon ria indicado apenas nas formas em que já ocorreu a metástase,
sigmoide. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) permitindo uma menor manipulação do paciente, com recu-
peração pós-operatória mais rápida e menor tempo de hospi-
talização. No entanto, com a passagem do tempo, houve um
aprimoramento da técnica laparoscópica que passou a ser uti-
• Colonoscopia virtual lizada de rotina em inúmeros Centros, obtendo-se resultados
Trata-se de um procedimento já disponível, em que o colo- semelliantes aos da cirurgia aberta, com mellior recuperação
noscópio é substituído por um programa de software acoplado pós-operatória e resultados estéticos e menor morbidade.
a tomógrafo de alta resolução. O programa de computador con- Trabalhos recentes acrescentam a técnica robótica para a
segue produzir, através do tomógrafo, imagens tridimensionais realização das cirurgias videoassistidas, porém o elevado cus-
em tempo real de todo o trajeto colônico, com detecção de le· to dos equipamentos seguramente limitará a sua ampla utili-
sões com menos de 0,5 em. Estudos comparativos têm demons- zação.
trado resultados semelliantes aos da colonoscopia tradicional, No câncer retal, o procedimento cirúrgico estará na depen-
porém com a vantagem de não introduzir qualquer instrumento dência da extensão da lesão e, principalmente, do nível acima
no paciente, além de não ser necessária a utilização de sedação. da margem anal. As lesões pequenas e sem qualquer invasão
A necessidade de tomógrafos de alta resolução com o sistema detectada pela ultrassonografia endoanal e por tomografia po-
multi-slice, ainda não disponibilizado de forma mais generali- derão ser removidas por ressecção transanal. Na maioria das
zada, tem limitado também a indicação deste método. situações, é desejável a remoção do segmento reta! comprome-
tido, com anastomose colorretal ou coloanal. Em comprometi-
• PET-SCAN mentos mais extensos e lesões baixas, é preferível uma conduta
A tomografia por emissão de pósitrons (PET-SCAN), mais mais radical, com a amputação abdominoperineal do reto e
recentemente introduzida no arsenal diagnóstico, obtém ima- colostomia terminal em sigmoide. Nos tumores infiltrativos e
gens do metabolismo celular com a utilização de um radio- irressecáveis do reto, a conduta é a feitura de colostomia des-
marcador, sendo mais utilizado o 2-fluoro-2-deoxi-D-glicose compressiva, e, nos pacientes em situação clínica delicada, po-
Copftulo 47 I Tumores Malignos Colorretols 497

deremos utilizar a eletro ou laserfulguração da lesão, mantendo


aberto o lúmen intestinal e evitando hemorragias.
Em casos avançad os da doença neoplásica iressecável do
reto, já com disseminação, poderão ser também utilizadas,
como procedimento paliativo, as próteses expansivas do tipo
Wallstent, colocadas por via endoanal, impedindo e aliviando
quadros obstrutivos locais e evitando a feitura de colostornias,
permitindo uma melhor qualidade de vida a esses pacientes.
Na presença de metástases hepáticas, o tratamento "padrão-
ouro • seria a sua ressecção cirúrgica, com sobrevida de 35 a
60% após 5 anos. Infelizmente, nem todos os pacientes apre-
sentam condições para o tratamento cirúrgico, decorrente da
condição da doença metastática ou então da situação geral do
paciente, podendo, nestas condições, optar por um tratamento
local de ablação por radiofrequência, principalmente nas lesões
menores de 3 em e que não estejam pró.x imas de grandes vasos
ou da via bUiar principal.
Nas Figuras 47.7 a 47.9, observamos, em peças cirúrgicas,
lesões localizadas no reto, cólon sigrnoide e ascendente, res-
pectivamente.

Figura 47.9 Peça cirúrgica. Lesão neoplásica infiltrativa e subesteno-


sante em cólon ascendente. (Esta figura encontra-se reproduzida em
cores no Encarte.)

• Quimioterapia
Em pacientes selecionados, a quimioterapia tem demonstra-
do melhorar a sobrevida, e a sua utilização deverá ser procedida
conforme a classificação TNM:
Estágio 1: Devido à excelente expectativa de sobrevida de
5 anos (80 a 100%), não é indicada terapia adjuvante nesses
pacientes.
Estágio 11: A expectativa de sobrevida de 5 anos é de 50 a
75%. A utilização da quimioterapia, com ausência de compro-
Figura 47.7 Peça cirúrgica. Lesão neopiAsica em reto. (Esta figura en- metimento ganglionar, é discutível e, por ora, a quimioterapia
contra-se reproduzida em cores no EncarteJ não deve ser utilizada.
Estágio UI: A sobrevida de 5 anos é de cerca de 30 a 50%.
O tratamento adjuvante com fluoruracila e Jevamisol tem de-
monstrado redução em 33% de mortalidade, além de aumentar o
período de ausência de doença, em 42 meses, de 47 para 63%.
Para o câncer reta!, a combinação de rádio e quimioterapia
é recomendada nos estágios li e III, melhorando a sobrevida e
reduzindo a incidencia de infiltração pélvica.
Trabalhos recentes demonstram, em estudos randomizados,
a importância da radioterapia pré- e pós-operatória no câncer
do reto em reduzir de forma significativa a recorrência local e
o número de óbitos relacionados diretamente com a doença.
A combinação rádio- quimioterapia apresenta resultados supe-
riores aos da radioterapia aplicada de forma isolada.
Preconiza-se, atualmente, a utilização da radioterapia no
pré-operatório do câncer reta!, uma vez que o seu emprego
no pós-operatório pode.r á ser retardado em muitas situações,
em decorrência de complicações cirúrgicas. Em nosso meio,
conforme relatado por Habr-Gama et aL (1998), 118 pacientes
com adenocarcinoma de reto distai, e sem metástases a distân-
cia, foram submetidos, no pré-operatório, a radioterapia com
Figura 47.8 Peça cirúrgica.Lesão neopiAsica subestenosante em cólon dose de 5.040 Gy por 6 semanas, e quimioterapia com leuco-
slgmolde. (Esta ftgura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) vorin e 5-fluoruracila nos três primeiros e três últimos dias da
498 Capftulo 47 I Tumores Malignos Colorretais

radioterapia. Em seguimento médio de 36 meses, observou-se vem mais que 30% em 1 ano e 2% em 3 anos. Esses números
incidência de recorrência local de 4,3%, e local, associada a me- mudam para 40% em 3 anos e 25% em 5 anos, se as metástases
tástases distantes, em 6,7% dos doentes. Esses resultados foram são ressecadas, o que tem sido possível, cada vez mais frequen-
considerados animadores. temente, em virtude da melhora das técnicas cirúrgicas e dos
Cerca de 20% dos pacientes com TMCR apresentam metás- procedimentos auxiliares. Entretanto, na prática, essa ressecção
tases por ocasião do diagnóstico, e outros 30% vão desenvolver só tem sido realizada em 5 a 15% dos doentes. Até pouco tempo,
metástases a distância, com sobrevida média aos 5 anos de 5%. os critérios de inclusão limitavam os candidatos àqueles com
A ressecção de metástases isoladas do fígado aumenta a sobre- menos de 4 metástases, inferiores a 5 em de diâmetro, sem dis-
vida aos 5 anos para 30%. seminação extra-hepática, e com antígeno carcinoembrionário
Recentemente, nova droga quimioterápica foi apresentada: inferior a 5 nglml. Estudos mais recentes, todavia, ampliaram
o irinotecan (CPT 11), desenvolvido na França, com resultados as indicações; para alguns, os critérios decisivos seriam apenas
favoráveis em 24% dos casos em que não houve resposta ao fluo- a possibilidade de realizar a ressecção total das lesões tumorais
ruracila, e de 32% quando foi utilizado como droga primária. visíveis (em toda a cavidade abdominal) e de avaliar bem os ris-
Esquemas terapêuticos utilizam o irinotecan em doses sema- cos da operação, de maneira a alcançar mortalidade operatória
nais em pacientes previamente submetidos a tratamento com muito baixa ou nula. Do ponto de vista prático, essas decisões
fluoruracila e que não obtiveram resultados e que apresentam devem ser tomadas sempre por uma equipe multiprofissional
a doença em forma avançada, conseguindo, desta forma uma (clínico, cirurgião, oncologista). O doente deve ser amplamente
resposta objetiva em até 20% dos casos. A dose utilizada é de informado dos riscos e vantagens, cabendo a ele escolher, em
100 mg/m2, em infusão venosa com duração de 60 min, por última análise, operar ou não.
4 semanas consecutivas, com posterior descanso de 2 semanas Em alguns casos de metástases hepáticas, quando pequenas
para avaliação de resultados e de efeitos colaterais. ou em situações de elevado risco para indicação de ressecção
Outra droga utilizada, inibidor especifico da sintetase do local, poderá ser utilizado o procedimento de ablação porra-
timidilato, denominada Tomudex, mostrou resultados seme- diofrequência, por laparotomia ou via laparoscópica, obtendo-
lhantes aos da associação do fluoruracila com Jeucovorin, po- se também excelentes resultados.
rém com menos toxicidade.
Mais recentemente, novo produto foi lançado, com grande
esperança nos casos avançados de câncer colorretal com me- • PREVENÇÃO DO CÂNCER COLORRETAL
tástases. É o bevacizumabe (Avastin®-Roche), um anticorpo
monoclonal humanizado recombinante, produzido por tecno- A hipótese de que numerosos fármacos poderiam atuar de
logia de DNA recombinante, que tem apresentado resultados forma preventiva nos TMCR abriu perspectivas bastante atra-
altamente satisfatórios quando utilizado como tratamento de entes. Inúmeras drogas foram avaliadas, e, até o momento, ape-
primeira linha em combinação com quimioterapia à base de nas algumas do grupo dos anti-inflamatórios não hormonais
fluoropirimidina. e o ácido acetilsalicílico mostraram-se eficientes. A primeira
Mesmo com a introdução de novas drogas e variados esque- evidência de sua ação foi relatada por Waddel e Loughry, em
mas, a combinação mais utilizada para o tratamento quimiote- 1983, que observaram o desaparecimento de pólipos retais em
rápico dos TMCR continua sendo o fluoruracila, potencializado pacientes com polipose familiar adenomatosa em uso de Sulin-
com o leucovorin e imunoestimulado com o levamisol. dac. A partir dessa evidência, longos estudos epidemiológicos
passaram a ser realizados, utilizando-se os anti-inflamatórios
e o ácido acetilsalicílico (AAS), e demonstrando firmemente a
• SEGUIMENTO PÓS-CIRURGIA redução do risco dos TMCR.
A ação dessas substâncias seria resultante da inibição de
Pacientes operados em decorrência dos TMCR deverão ter ciclo-oxigenase, a enzima-chave na síntese das prostaglandi-
acompanhamento programado, no sentido de detectar preco- nas. Foi descoberta também uma forma de ciclo-oxigenase
cemente qualquer recorrência e/ou metástase. (COX-2), cujos níveis elevados foram observados em tumores
A colonoscopia poderá ser realizada após 6 meses a 1 ano da experimentais e humanos. Dessa forma, esses fármacos atua-
cirurgia, para verificar recorrência local. Na ausência de tumor riam não somente inibindo a COX-2 na mucosa colõnica, mas
ou de pólipos, deverá ser realizada a cada 2 anos, no sentido de também induzindo a apoptose e aumentando o gene APC (ver
procurar pólipos ou tumores metacrônicos. Capítulo 100). Estudos com a utilização de anti-inflamatórios
Na presença de um nível elevado do CEA por ocasião da ci- que atuam inibindo a ação da COX-2 demonstraram uma efe-
rurgia, esse exame deverá ser repetido a cada 3 meses no primeiro tiva redução no aparecimento de novos pólipos colônicos. No
ano e, depois, a cada 6 meses por mais 4 anos. A elevação do CEA entanto, o reconhecimento de efeitos colaterais destas subs-
é sugestiva de recorrência do tumor, requerendo a realização de tâncias, aumentando o risco de eventos cardíacos, sem dúvida
colonoscopia e tomografia do abdome e tórax, por vezes !aparos- não permitirá estudos a longo prazo para uma melhor e efetiva
copia, no sentido de localizar metástases. De fato, a determinação avaliação do seu valor.
seriada do CEA é recomendada como rotina de vigilância. Mais
recentemente, a introdução de nova tecnologia (PET-SCAN),
em que há uma combinação de tomografia computadorizada • RASTREAMENTO DO CÂNCER DO CÓLON
de alta resolução com mapeamento corporal por radiofármacos
captados por tumores, permite a detecção precoce de metástases Os TMCR constituem uma doença comum, letal quando não
e poderá ser utilizada no acompanhamento dos pacientes opera- diagnosticada a tempo, porém prevenível. A sobrevida de 5 anos
dos, quando ocorre elevação do marcador tumoral. estimada nos portadores de TMCR é de, aproximadamente,
O fígado é a sede mais frequente de metástases do câncer co- 90% nos pacientes com doença localizada, de 60% naqueles com
lorretal em mais de 50% dos casos. Na falta de uma terapêutica doença regional e de cerca de 5% naqueles com metástases a dis-
agressiva, os pacientes com metástases hepáticas não sobrevi- tância. Há evidências indicando que a detecção dos TMCR em
Copftulo 47 I Tumores Malignos Colorretois 499
estágio assintomático precoce, através do rastreamento, pode adesão atribuída à recusa do paciente, às dificuídades técnicas e
melhorar o índice de sobrevida (prevenção secundária). Além à ausência de sintomas. Dois por cento dos pacientes com teste
da detecção precoce, o rastreamento é efetivo na prevenção pri- positivo são portadores de câncer.
mária do câncer, através da remoção de pólipos adenomatosos
benignos, precursores do câncer do cólon. • Sigmoidoscopia flexível
Pessoas que apresentam sintomas sugestivos de TMCR. ou O aparelho de 60 em alcança a flexura esplênica, identifican-
de pólipos, devem ser submetidas a uma completa e apropriada do, portanto, cerca de metade das lesões colônicas. Os exames
avaliação diagnóstica, e não apenas às técnicas de rastreamento. anormais, principalmente se detectarem tumores, deverão ser
A recomendação de rastreamento deve levar em consideração complementados com colonoscopia ou enema opaco. O exa-
vários fatores, incluindo a patogênese da doença, fatores de ris- me realizado por profissional bem treinado apresenta taxa de
co e as características dos vários testes disponíveis. Além d isso, perfuração intestinal de 1 a 2/100.000 e mortalidade rara. Há
deve-se estimular a participação do paciente, oferecendo-lhe evidência de que esse exame reduz a mortalidade por TMCR
informações adequadas sobre a doença e os riscos e beneficios em 66%, considerando o trajeto colônico examinado. Custo,
dos procedimentos. Naturalmente, o médico deve ficar atento desconforto e medo são as principais causas da baixa adesão
à relação custo/benefício. O propósito do rastreamento é iden- muitas vezes observada, situações estas que deverão estar logo
tificar indivíduos que apresentam maior probabilidade de ter superadas, uma vez que este exame passou a ser colocado em
a doença não reconhecida, especialmente dentre aqueles sem check-ups empresariais.
sinais ou sintomas, para selecionar os que serão submetidos à
avaliação diagnóstica completa do cólon. • PSOF e sigmoidoscopia flexível
A patogênese dos TMCR permite duas oportunidades para A PSOF é pouco sensível na detecção de lesões distais, en-
prevenir o seu aparecimento: descobrir e remover pólipos para quanto a sigmoidoscopia pode examinar cuidadosamente a
prevenir o início do câncer, e descobrir e remover o câncer pre- mucosa da metade distai do intestino grosso. Os dados sobre
coce para melhorar o prognóstico. A intervenção preventiva o uso combinado desses exames são limitados, mas a principal
transcorre em três fases: evidência valorizando essa prática é um estudo não randomiza-
do, que demonstrou redução de 43% na mortalidade por TMCR
• Rastreamento de pessoas sem sintomas, para identificar quando comparado com a sigmoidoscopia isolada.
aquelas com maior probabilidade de doença.
• Testes diagnósticos para determinar se pacientes apre- • Estudo contrastado do cólon (enema opaco)
sentam, ou não, pólipos ou câncer.
O exame com duplo contraste é mais sensível do que o
• Vigilância das pessoas de alto risco, incluindo as síndro- enema com coluna única de bário. Identifica lesões no con-
mes familiais e hereditárias, e pacientes com pólipos ade-
torno da alça e diagnostica boa parte dos pólipos e cânceres
nomatosos grandes, nestes procurando novas lesões após grandes, mas é pouco sensível para pólipos menores que 1 em.
remoção das anteriores. Exames falso-positivos podem ser induzidos por irregularida-
des da mucosa ou retenção de fezes. Apesar de ser usado há
• Testes de rastreamento muito tempo, não há estudos comprovando sua eficácia na
redução da mortalidade por TMCR. Do mesmo modo, não se
• Toque retaI comprovou ganho importante na sensibilidade ao se adicio-
O seu valor como teste de rastreamento para TMCR é limi- nar sigmoidoscopia ao enema opaco. Com a disseminação do
tado pela extensão do dedo do examinador. O tamanho médio uso da colonoscopia, atualmente o exame de enema opaco é
do dedo varia de 6 a 8 em e não alcança toda a profundidade pouco indicado.
reta!, que varia de 11 a 12 em. Além disso, somente 10% dos
TMCR têm origem no reto, e menos de 10% deles são diagnos- • Colonoscopia
ticados pelo toque reta!, quando usado isoladamente. Entretan- Há forte evidência de que a colonoscopia pode reduzir a
to, o exame deve ser rotineiramente feito, não só como técnica mortalidade por TMCR. Entretanto, não há evidência dessa
de rastreamento, mas também pela sua facilidade de detectar redução em pacientes assintomáticos ou sem pólipos. O pro-
anormalidades retais e prostáticas. cedimento acrescenta um beneficio adicional por permitir a
remoção, ou biopsia, de lesões porventura existentes. Apresenta
• Pesquisa de sangue oculto nas fezes (PSOF) como desvantagem, além do seu custo, o fato de ser um exame
Sua sensibilidade tem melhorado com as novas gerações de complicado, com taxas de perfuração, sangramento e mortali-
testes baseados na pesquisa de hemoglobina humana (Heme- dade, respectivamente, de: 1/1.000, 3/1.000 e 1-3/10.000. Em-
Selecfi'), reduzindo o número de exames falso-positivos, sem, bora seja desconfortável, a adesão está em torno de 90%.
contudo, perder valor na sua especificidade. Estimativas de sua
sensibilidade/especificidade têm variado amplamente, desde ín- • Outros
dices de 92 e 98%, respectivamente, até valores de sensibilidade A colonoscopia virtual, testes genéticos e testes para detec-
abaixo de 30%. Como rastreamento, não é um exame particular- ção de antígenos tumorais nas fezes parecem promissores; no
mente bom para a detecção de pólipos, que habitualmente não entanto, ainda não estão disponíveis para uso na prática diária
sangram. Apresenta ainda, como desvantagem, o baixo impacto na maioria dos centros médicos.
na incidência e na redução da mortalidade por TMCR. Pacien- O rastreamento da população de risco habitual se inicia aos
tes em uso do anticoagulante varfarina não necessitam inter- 50 anos de idade. Essa recomendação se baseia na incidência
romper o seu uso para a realização do exame de sangue oculto, etária dos TMCR e na eficácia do rastreamento. Esses tumores
uma vez que foi devidamente demonstrado que o seu uso não apresentam baixa incidência antes dos 50 anos, e, dessa manei-
reduz o valor preditivo de positividade do teste. ra, somente 10% dos casos não serão identificados.
A adesão ao exame é bastante variável, tendo relatos de ín- Nenhum teste de rastreamento isolado é ideal. O rastrea-
dices de 92 a 94% ou tão baixos quanto 15 a 30%, sendo a baixa mento é baseado no conhecimento da biologia dos TMCR:
500 Capftulo 47 I Tumores Malignos Colorretais

• Se o paciente é de risco para inlcio precoce dos TMCR, a mutação é encontrada no caso índice, a acurácia nos outros
o rastreamento deve ser iniciado mais cedo (ver fatores membros também é próxima a 100%. O rastreamento é reali-
de risco, anteriormente). zado com colonoscopia a cada 1 ou 2 anos, iniciando-se entre
• Se o paciente é de risco para lesões que progridem mais 20 e 30 anos de idade, e anualmente após os 40 anos, ou, ainda,
rapidamente, o rastreamento deve ser mais frequente. 10 anos mais cedo que a idade do caso mais precoce na família.
• Se o paciente é de risco para lesões mais proximais, o Sigmoidoscopia é insuficiente, pois a maior parte dos tumores
rastreamento deve ser realizado com colonoscopia ou é proximal, e a PSOF mostra sensibilidade muito baixa para
enema opaco. detecção de pólipos.
• Se o paciente é de risco para uma incidência muito alta .,. 4. História pessoal de neoplasia. Estes pacientes devem
da doença, os testes mais sensíveis devem ser utilizados ser submetidos ao exame de todo o cólon, à época do diagnós-
(colonoscopia ou enema opaco). tico, para excluir lesões sincrônicas e pólipos. ColonoS<:Opias
subsequentes devem ser realizadas a cada 2 a 3 anos para de-
Como se vê, o primeiro passo para iniciar o rastreamento
tectar novos cânceres ou pólipos.
é determinar se o paciente é de alto risco para TMCR, pois as .,. S. Doença inflamató ria intestinal. ~ comum indicar-se
atitudes serão realizadas de maneira diferente da que se propõe colonoscopia a cada 1 ou 2 anos após 8 anos de doença nos
para aqueles de risco para câncer esporádico.
pacientes com pancolite, ou depois de 10 a 15 anos naqueles
com colite envolvendo apenas o cólon esquerdo. No entanto,
• Pacientes com risco habitual (cdncer esporádico)
não há evidência direta de que essa prática reduza a mortalidade
• Iniciar rastreamento aos 50 anos de idade.
por TMCR, nem há dados sólidos de que tal atitude seja mais
• A decisão do método a ser utilizado deve ser tomada em
efetiva que a colectomia, esta baseada somente na extensão e
conjunto, médico/paciente, levando em consideração a
duração da doença Há necessidade de estudos randomizados
eficácia, a conveniência, a segurança e o custo de cada
e de longa duração visando a essas particularidades.
exame.
• Rastreamento com pesquisa de sangue oculto nas fezes
anual.
• Rastreamento com sigmoidoscopia flexível a cada
• LEITURA RECOMENDADA
5 anos. Baigrie, RJ & Stupart, D. Introduction oflaparosoopic colorectal cancer surgery
in developing nations. Br. f. Surg., 2010; 97:625-7.
O rastreamento com esses dois exames (PSOF ou sigmoi- Benamouzig. R, Uu..a.n, B, Llnle;, J, Chaussade, S. Low dose aspirin, COX·inhi·
doscopia) apresenta forte evidência de eficácia. bition and chemoprevention of colorectal cancer. Curr. Top. Med. Chem.)
2005; 5:493·503.
• Rastreamento com enema opaco a cada 5 a 10 anos, e Bini, Ej, Rajapaksa, RC, Weinshel, EH. Positive predictive value of fecal occult
colonoscopia a cada 10 anos, não é uma conduta aconse- blood testing in person taking warfarin. Br. f. Surg., 2010; 97:396· 403.
lhada, pois não há evidência de que esses procedimentos Bini, EJ, Rajapaksa, RC, Weinshel, EH. Positive predictive value of fecal OC·
reduzam a mortalidade por TMCR cult blood testing in person taking warfarin. Am. f. GastToenterol., 2005;
100:586-92.
Breasalier, RS. Malignan & premalignantlesions o f the oolon. Em: Fridman, SL,
• Pacientes de alto risco McQuaid, KR, Grendell, JH. Current Díagnosis & Trealment ín Gastroente·
.,. 1. Parentes próximos com câncer ou pólipos. A estes rology, 2"' Edition, Lange Medicai Books, New York, 2003, pp. 407·35.
pacientes, deve ser oferecido o mesmo rastreamento proposto Burt, RW. Colon surveillan~ for neoplasia. Gastroíntesl Endosc.• 1999;
àqueles de risco para câncer esporádico, mas deve ser iniciado 49:541·4.
Burt, RW. Colorectal neopla.sia. Part I: The scientific basis for current manage·
aos 40 anos de idade. Atenção especial deve ser prestada aos ment. Gastroenterol. Clin. N. Am., 1996; 25:793·804.
pacientes com parentes próximos com TMCR manifestado an- Clinicai Outoomes of Surgical Therapy Study Group. A comparison oflapa·
tes dos 55 anos, ou pólipos adenomatosos diagnosticados antes roscopically assistcd and opcn colcctomy for colon c:anccr. Curr. Top. Med.
dos 60 anos. Chem., 2005; 5:493·503.
Cutait, R. Borges, ]LA, Costa, F. Câncer colorretal. Em: Mineis, M. Gastroen·
.,. 2. Pol ipose Familiar Adenomatosa (PFA). Estes pa-
terología t Hepatología. Diagn6stíco t tTatamento. São Paulo. Lemos Edi·
cientes necessitam de aconselhamento genético, e devem-se torial, 199?.
considerar testes para determinar se são portadores do gene D'Annibale, A, Morpurgo. E. Fiscon. V, Trevisan, P, Sovemigo, G. Orsini, C,
responsável pela PFA. A detecção de fragmento proteico leva Guidolin O. Robotic and laparoscopic surgery for treatment of colorectal
à identificação do gene APC mutante em, aproximadamente, discase. Dis. Colon Reetum, 2004; 47:2162·8.
Elias, D, Ducreux, M, Rougier, P, Sabourin, I·C ti al. Quellessontles indications
60 a 80% das famílias com PFA. Se o caso índice (portador de réelles des hepatectomies pour métastases d'origine colorcctale? Gastroen-
PFA) tem o teste positivo, os outros membros podem ser testa- terol. Clin. Biol., 1998; 22:1048·55.
dos com uma acurácia próxima de 100%. Um resultado negati- Fernandez-Lobato, R, Pinto, I, Paul, L. Tejero, E, Montes, C, Fernandez, L,
vo exclui PFA somente se o membro afetado da família possui Moreno-Azcoite, M, Lozano, R. Self-expanding prostheses as a pai ·
liative method in treating advanced colorectal cancer. Int. Surg., 1999t
uma mutação conhecida. Os portadores do gene, ou casos in-
84:159-62.
determinados, devem fazer rastreamento com sigmoidoscopia Gunderson. LL. Adjuvant chemoirradiation for rectal cancer. Currenl Oplnlon
anual desde a puberdade. O trato gastrintestinal superior deve In GaslT08-ntuology, 1997; 13:11-1.
ser examinado a cada 1 a 3 anos. Não se estabeleceu, ainda, o Habr-Gruna, A. Câncer Colorretal A importàl\cia de sua prevenção. Arq. Gas-
troenteroL, 2005; 42:2-3.
papel do Sulindac e de outros anti-inflamatórios na quimio-
Habr-Gruna, A, Alves, PRA. Gama-Rodrigues, JJ. Tumores mallgnos. Em: Da-
prevenção da PFA. ni, R & Paula Castro, L. Gastroenterologia ClfniCA. Rio de janeiro, Editora
.,. 3. Câncer hereditário não polipoide (CHNP). Assim Guanabara Koogan. 1993.
como na PFA, estes pacientes devem receber aconselhamento Habr·Gama, A, Souza, PMSB, Ribeiro Jr, U, Madalin, W, Gans, LR, Souza Jr,
genético, e aqueles que preenchem os critérios de Amsterdam HS, Campos, FG, Gama-Rodrigues, j. Low rectal cancer: impact of ra·
diation and anal chemotherapy on surgical treatment. Di.s. Colon Rectum,
devem realizar testes genéticos. A detecção de fragmento pro- 1998; 41:1096· 105.
teico do gene MMR relacionado com o CHNP é feita em 50% Hecht, JR. Genetics, epidemiology, prevention, and early detection ofcolorectal
dos membros das famílias que preenchem esses critérios. Se cancer. Cummt Opinion in Gastroenterology, 1997; 13:5· 10.
Copftulo 47 I Tumores Malignos Colorretois 501
Helm, JF & Sandler, RS. Screening: colorectal álnctr scretning. Gastrotnttrol. Oliveira, TEA, Queiro,. FL, Lacerda-Filho, A, Mansur, ES, Carmona, MZ,
Clin. Biol., 1999; 83:1403-20. Resende, MS, Lamounier, PCC, Paiva, RA, Alves Filho, V. Avaliação da
lnger. DB. Office managcment of common anorcctal problcrns. Primare Carc. Qualidade de Vida em Pacientes Submetidos à Ressecção Colorretal por
Clinics ;,. Office Practice, 1999; 26:179-88. Via Laparoscópica ou Aberta em Perlodo P6s-Operntório Inicial. Rtv. Bras.
Kojima, M, Konishi, F, Okada, M, Nagai, H. Laparoscopic colectomy versus Coloproctol, 2010; 30:37-44.
opto colectomy for colorectal carcinoma: a retrospective analysis of patients Perdicaris, AAN & Antunes, RCP. O Desafio do Controle do CAncer no BrasU
foUowed up for at least 4 years. Surg. Today, 2004; 31:1020-1. c a Promoção da Saúde- Uma Experiência Não Governamental Em: An·
Kuwada, SK & RandaU, WB. lhe genetics of colorectal cancer. Current Opinion tunes, RCP, Perdicaris, AAM, Editores: Prevenção do Câncer. São Paulo,
in Gastroenurology, 1996; 12:8-11. Editora Manole, 2010, pp. 10-24.
Lin, KM, Shashidharnn, M, Tement, CA, Thorson, AG tt ai. Colorectal and Rosch, T. E.ndoscopie ultrasonography. Br. ]. Surg., 1997; 84:1329-31.
extracolonic cancer variations in MLHIIMSH2 hereditary nonpolypo.sis Slim, K, Panis, Y, Alves, A, Kwiatkowski, F, Mathieu P, Mantion, G. Prcdieting
colorectal cancer kindreds and the general population. Du. Colon Rectum, postoperntive mortality in patients undergoing colorectal surgery. World
1998; 41:428-33. ]. Surg., 2006; 30:100-6.
Loe, PTB, Du Montecl, T, Duron, JJ, Levar, H, Sue, B, Descottes, B, Desrous- Steele, RJC & Sebag-Montefiore, O. Adjuvant radiothernpy for rectal cancer.
seaux, B, Hay, JM. Elderly POSSUM, a dedicated score for prediction of Br. ]. Surg., 1999; 86: 1233-4.
mortality and morbidity after major colorectal surgery in older patients. Van de Pool, AE, Wih, JH, Lalmahomed, ZS, Eggermont, AM, Ijurmans, JN,
]SLS, 2005; 9:181-8. Verh~f. C. Optlming the outcome of surgery with rKtal canur and syn-
Lynch, HTR, Smyrk, TC, Watson, P, Lanspa, ST, Lynch, PM, Jenkins, JK, Rouse, J, chronousliver metastases. Br. ]. Surg., 2010; 97:383-90.
Cavalieri, J, Howard, L. Lynch, J. Hereditary flat adenoma syndrome: a variant Vase.n, HF, Mecldin, JP, Lynch, HT. The lnternat.ional Collaborative Group on
of fami.Ual adenomatous polyposis? Dis. Colon Rectum, 1992; 35:411-21. Hereditary Non-Polyposis Colorectal Cancer (ICC-HNPCC). Dis. Colon
McQuaid, KR. Alimentary trnct. Colorectal cancer. Em: Tierney, LM, McPhee, Rec.Jum, 1991; 34:424-5.
SI, Papadakis, MA: Current Medicai Diagnosis & Treatment. Lange Medicai Vasen, HF, Wac.son, P, Meclclin, JP, Lynch, HT. New clinicai criteria for hered1-
Book, Stanford, USA, Prent1ce- Halllnternationallnc., 1996. tary nonpolyposis colorectal cancer (H NPCC, Lynch Syndrome) proposed
Me-hta, PP, Griffin, J, Ganta, S, Rangraj, M, Steichen, F. Laparoscopic-ass.lsted by the lnternational CoUabo rative Group on H NPCC. Gastroenterology,
colon resections: a long-term results and survival. N. Engl. f. Med., 2001; 1999; 116:1453-6.
350:2050-9. Vogelstein, B, Fearon, ER, Hamllton, SR, Kern, SE, Preisinger, A C, Nakamura,
Neves, FJ, Mattos, !E, Koifman, RJ. Mortalidade por Câncer de Cólon e Reto nas Y. White, R. Genetlc aJteratlons during colorecral-tumor development. N.
Capítals Brasileiras no Período 1980-1997. Arq. Gastroenterol., 2005; 42:63-70. Engl. ]. Med., 1988; 319:525-32.
NIH Consensus Conference. Adjuvant therapy for patients with colon and Waddel, WR & Loughry, RW. Sulindac for polyposis of the colon. ]. Surg. On-
rectal cancer. ]AMA, 1990; 264:1444. col., 1983; 328:1313-6.
48 Obstrução Intestinal
Renato Rocha Passos, Augusto Pau/ino Nettot e Paulo Vil/ar do Valle

Obstrução intestinal é uma das causas mais frequentes de emer- Podemos classificar ainda a obstrução intestinal como sim-
gência. Aproximadamente 20% das internações por doença ab- ples ou com estrangulamento, relacionadas à existência ou não
dominal aguda ocorrem por obstrução intestinal. A desatenção de comprometimento da irrigação sanguínea do segmento in-
ao diagnóstico precoce e ao tratamento adequado ocasiona o testinal comprometido.
fato de a mortalidade ainda permanecer acima do desejável, A obstrução simples não apresenta risco à vitalidade da alça
embora já tenha declinado de 60%, que prevalecia em meados envolvida porque não há restrição do fluxo sanguíneo. A obs-
do século passado, para os atuais 6 a 8%. ~ fundamental assi- trução com estrangulamento representa risco para a vitalidade
nalar a importância de se fazer o diagnóstico de localização da da alça porque há restrição do fluxo sanguíneo. Será de maior
obstrução, principalmente nos casos menos evidentes, em que ou menor gravidade, dependendo da extensão de meso e da
a causa não é facilmente identificável. alça envolvidos.
Há ainda um tipo especial de obstrução que é a obstrução em
alça fechada, quando o mesmo segmento intestinal está obstru-
• DEFINIÇÃO ído em dois pontos. Exemplos clássicos são o tumor obstrutivo
da sigmoide com válvula ileocecal competente, a torção do del-
Obstrução intestinal é uma condição em que há falha na gado e a torção de alça aferente num paciente gastrectomizado
progressão normal do conteúdo intestinal. O conteúdo do tubo com anastomose a Billroth li. Nesta situação, há grande proli-
digestivo percorre um trajeto da boca em direção ao ânus. Obs- feração bacteriana e aumento da virulência, grande produção
trução intestinal estará presente a partir do momento em que de toxinas e comprometimento da irrigação sanguínea. São
qualquer obstáculo impeça esta progressão, seja por uma bar- estes fatos que tornam esse tipo de obstrução grave, porque o
reira Bsica ou por distúrbio funcional da força propulsora da segmento envolvido rapidamente caminha para necrose e es-
musculatura intestinal. facelamento, rotura e peritonite.
Podemos, ainda, classificar a obstrução de acordo com o
ponto em que se estabeleceu a barreira fisica: obstrução alta,
• CLASSIFICAÇÃO quando ocorre próximo ao ângulo de Treitz, e obstrução baixa,
quando ocorre no cólon. Entretanto, clinicamente, é possível
Podemos dividir a obstrução intestinal em dois grandes gru- dividir o quadro obstrutivo em três grupos: obstrução alta do
pos: obstrução mecânica e obstrução reflexa. delgado, obstrução baixa do delgado e obstrução do cólon. ~
Na obstrução mecânica, há urna barreira fisica com ma- importante frisar que o delgado está envolvido em aproximada-
nutenção da força propulsora da musculatura intestinal. Isto mente 60 a 80% dos casos de obstrução intestinal e a obstrução
significa que o peristaltismo estará presente e que, auscul- mecânica é a mais frequente.
tando o abdome, poderemos não só ouvir os ruídos peristálti-
cos como também perceber os detalhes dos sons, que poderão • Obstrução mecânica
ser fortes, exacerbados, de luta, com timbre metálico (ver Capí-
tulo 111). O obstáculo pode estar na luz intestinal, como no fleo biliar;
Na obstrução reflexa, ou íleo paralítico, não há ba.rreira fisi- pode acontecer na parede intestinal, como no carcinoma obs-
ca. O que há é um distúrbio da força propulsora da musculatura trutivo da sigmoide, ou, ainda, fora da parede intestinal, como
intestinal. Podemos encontrar duas situações: fleo adinâmico, nas grandes massas abdominais, nas bridas e hérnias.
em que a ineficiência é resultante do relaxamento da musculatu- Na investigação de um paciente com quadro clínico suges-
ra, e Oeo dinlmico, em que a ineficiência é resultante de espas- tivo de obstrução intestinal, temos que responder às seguintes
mo da musculatura. Isto significa que, auscultando o abdome, perguntas:
há silêncio abdominal porque o peristaltismo estará ausente ou • Há obstrução?
é ine.ficiente. Vale assinalar que o íleo dinâmico é raro. • Há estrangulamento?
502
Copfrulo 48 I Obstrução Intestino/ 503

• Há desidratação importante? para o estômago e é eliminado, apresenta-se bilioso; quanto


• Qual a causa da obstrução? mais tempo durar a obstruçã.o e mais baixo for, no tubo di-
• Qual o nível da obstrução? gestivo, o material eliminado, mais se aproximará do aspecto
fecaloide: marrom, espesso e fétido, observado na obstrução
Para responder à primeira pergunta, teremos que fazer o baixa do delgado.
diagnóstico diferencial entre as causas de dor abdominal em A distensão é o resultado do acúmulo de liquido e gás den-
cólica. Somente as estruturas de musculatura lisa produzem dor tro das alças acima do ponto de obstrução. Os liquidos ficam
em cólica: estômago, intestinos, ureter, trompas, útero. A partir retidos na lu:~. intestinal, sem nenhuma utilidade para o meio
do momento em que se identifica a dor tipo cólica, imediata- interno, perdidos no chamado terceiro espaço.
mente a investigação deve concentrar-se nestes órgãos. A parada da eliminação de gases e fezes é resultado da in-
O diagnóstico de estrangulamento poderá ser obtido com terrupção da progressão do conteúdo intestinal e, dependen-
boa probabilidade de acerto se a história e o exame físico forem do do ponto de obstrução, poderá levar algum tempo para se
colhidos com detalbes. A constatação da mudança das caracte- tornar evidente.
rísticas da dor, que passa de dor em cólica para dor contínua;
o aumento da sensibilidade cutâ.nea e a dor localizada; urna
leucocitose acima de 15.000, com desvio importante para a es- • Obstrução alta do delgado
querda, principalmente com o aparecimento de formas jovens, Na obstrução alta, a dor não é tão intensa, porque, estando
e o agravamento do estado geral, tudo isso adverte o médico. próxima ao ângulo de Treitz, ao menor esforço o conteúdo fa-
Os exames de imagem poderão mostrar fixação da alça com- cilmente refiui para o estômago e é eliminado. Os vômitos são
prometida, modificação do arcabouço anatômico, modificação incoercíveis e biliosos. A distensão é insignificante, porque há
do padrão da mucosa, alteração da estrutura tecidual. poucas alças envolvidas e são facilmente esva7.iadas com o vO-
Todo paciente obstruído perde liquido. Em outras palavras, mito. A proximidade do Treitz deixa grande extensão do tubo
perde volemia E perde líquido porque não ingere, vomita, se- digestivo com gases e fezes, e o paciente poderá eliminar ga-
questra dentro da luz, com infiltração e edema da parede intesti- ses e fezes mesmo já estando obstruído. Na obstrução alta, os
nal. A perda volêmica pode ser avaliada verificando-se a pressão vômitos são o sintoma predominante e poderá levar 48 horas
arterial, pulso e volume urinário; quanto maior a desidratação, para ser completa e evidente.
maior será a repercussão na volemia e pior o estado geral.
A causa da obstrução, embora, naturalmente, muito impor-
tante, não é o alvo principal da investigação inicial. O diag- • Obstrução baixa do delgado
nóstico da obstrução é mais importante que o diagnóstico Na obstrução baixa, a dor é típica. Pelo vômito, o paciente
da causa da obstrução. Esta afirmação assume grande impor- elimina conteúdo das partes mais baixas do delgado, poden-
tância nos quadros obstrutivos atípicos em que a causa da obs- do chegar ao vOmito fecaloide. O fato de o local da obstrução
trução é de dificil identificação. Nesta situação, o paciente será situar-se na parte distai do intestino delgado faz com que o
operado e a causa da obstrução só será identificada durante a aparecimento dos episódios de vômito leve algum tempo para
laparotomia. acontecer. O intervalo entre o início da dor e o aparecimento do
As causas mais frequentes de obstrução são: hérnia exter- vômito orienta o diagnóstico do ponto de obstrução. O doente
na, bridas, câncer, invaginação e hérnia interna. Essas causas pode apresentar grande distensão abdominal, que em certos ca-
variam de lugar para lugar e com a idade dos pacientes. Como sos chega a criar dificuldade respiratória. Note-se que, à medida
a hérnia externa e a brida são as duas causas mais frequentes que a obstrução é de locafuação mais distai no delgado, mais
no nosso meio {70% das obstruções intestinais), o diagnóstico se aproxima do quadro da obstrução do cólon.
é facilitado, porque a simples inspeção mostrará a presença da
hérnia ou da cicatriz cirúrgica abdominal. • Exame flsico
O diagnóstico de obstrução intestinal é clinico. Com a Antes de iniciar o exame, é importante que o paciente in-
ajuda dos métodos de imagem, podemos obter informações forme o lugar exato do inicio da dor, seu deslocamento, sua
sobre o tipo de alça envolvida, a extensão do comprometimen- intensidade, irradiação característica e se existe um lugar onde
to, assim como o melhor acesso para uma abordagem cirúrgica é mais intensa O abdome deve ser amplamente exposto de
confortável do ponto de obstrução. maneira que os orificios herniários sejam visíveis. Devemos
usar todos os nossos sentidos procurando colher o máximo de
• Obstrução do delgado informação. Na inspeção, observar a presença de distensão,
tipo de respiração, abaulamento da parede, deformidade, pe-
• Diagnóstico clfnico ristaltismo visível, cicatri:~.es cirúrgicas. Os orificios herniários
Os sinais e sintomas clássicos de dor, vOmito, parada de devem ser cuidadosamente examinados, principalmente nos
eliminação de gases e fezes e distensão correspondem à obs- pacientes obesos, em que o pan!culo adiposo pode ocultar uma
trução do meio do delgado e são influenciados pelo ponto de pequena hérnia. As cicatrizes devem ser valorizadas mesmo
obstrução e tempo de doença. que sejam pequenas, como nas incisões usadas na cirurgia por
A dor é a clássica, em cólica, representando o esforço do in- videolaparoscopia. Apoiar a mão espalmada e aquecida sobre o
testino para vencer a barreira fisica O período de exacerbação abdome e procurar perceber a movimentação das alças, sentir
dolorosa é o melhor momento para auscultar o abdome e per- o borborigmo produzido pelo peristaltismo exacerbado, assi-
ceber o peristaltismo com suas características especiais. nalar pontos dolorosos e a presença de peritonite. A percussão
Os vômitos são inicialmente reflexos, consequentes à in- será usada para verificar o timpanismo das alças distendidas,
tensidade da dor. Posteriormente, representam o mecanismo a macicet de declive, a bexiga cheia e para substituir a des-
pelo qual o organismo tenta se livrar da sobrecarga de conteúdo compressão dolorosa na pesquisa de peritonite. Auscultar o
intestinal que não consegue progredir. O material eliminado abdome, no momento de exacerbação dolorosa para perceber
do estômago inicialmente é claro; quando reflui do duodeno o peristaltismo com suas nuanças. Assinale-se que a presença
504 Capftulo 48 I Obstrução Intestinal

de peritonite significa doença avançada, grave, e certamente Se o intestino contém ar e líquido, formará as imagens de
haverá silêncio abdominal. n íveis líquidos.
Se o intestino contém muito líquido e pouco ar, formará
• Diagnóstico por imagem imagem semelhante às contas do rosário.
Iniciar com radiografia (RX) simples do abdome, que é efi- Se o intestino só contém ar, transmitirá as imagens das dis-
ciente em 60% dos casos. As incidências clássicas são: RX de tensões intestinais sem níveis líquidos, frequente nas incidências
tórax, RX simples de abdome em ortostatismo, com a opção em decúbito dorsal em que os níveis não se tornam aparentes.
do decúbito lateral esquerdo, com raios horizontais, quando A identificação do gás intraluminal permite o reconhecimento
o paciente não puder ficar de pé, e RX simples de abdome em dos diferentes segmentos do tubo digestivo.
decúbito dorsal. Atualmente, com a evolução tecnológica, pas-
3. Reconhecer, pela topografia e pelo aspecto morfológico,
sou-se a usar a tomografia computadorizada helicoidal, às vezes
quais são os segmentos do tubo digestivo comprometi-
associada à reconstrução em 3D, principalmente nos casos mais
dos, o que poderá permitir o diagnóstico de obstrução
dificeis e complicados, mas que exige um especialista mais bem
mecânica e também o diagnóstico diferencial entre íleo
qualificado na interpretação das imagens. Nos casos de subo-
adinâmico e as desordens da parede intestinal.
clusão, indefinidos, arrastados, sem urgência, podemos lançar
mão dos exames contrastados. O objetivo de todos esses exa- Os cólons posicionam-se como que fazendo uma moldu-
mes é procurar evidenciar o ponto de obstrução, que é o alvo ra para o delgado: ascendente e descendente verticalizados e
da intervenção cirúrgica. ocupando as goteiras parietocólicas, e o transverso cruzando
Para entender os achados dos exames de imagem, é preciso: da direita para a esquerda e de baixo para cima em direção ao
diafragma esquerdo. ~ reconhecido pelas saculações, chama-
1. Conhecer os cinco padrões clássicos de densidade de ima-
das de haustrações, que são dilatações em forma de crescente,
gem radiológica. Os padrões são: ar, gordura, água (ou
delimitadas pelas plicas semilunares.
de partes moles), cálcio e metal.
O delgado ocupa uma posição central. As pregas mucosas
2. Conhecer as modificações do tubo digestivo a partir do
orientam-se transversalmente, colocando-se paralelamente,
momento em que se estabelece a obstrução.
próximas umas das outras, distanciadas com intervalos regu-
As modificações do tubo digestivo na presença de obstrução lares e estendendo-se de uma parede a outra da luz intestinal a
são variáveis. Há acúmulo do seu conteúdo acima do local da um ângulo de 90°. Em condições normais, seu calibre não deve
obstrução, ao mesmo tempo em que, abaixo, fica vazio. Este exceder 3 em e a espessura da prega deve ser inferior a 3 mm.
acúmulo tem múltiplas variáveis responsáveis pelas diferentes Quando distendido, o delgado é reconhecido pelas pregas de
apresentações. O diagnóstico de obstrução toma-se progres- Kerkring. O delgado não tem gás, ao contrário do cólon, que
sivamente menos dificil à medida que o ponto de obstrução sempre tem gás. Este é o padrão radiológico normal. Toda vez
situa-se mais distalmente no delgado, porque o envolvimento que observarmos inversão do padrão radiológico normal, ou
de maior quantidade de alças faz com que o quadro radiológico seja, delgado distendido, cheio de gás, e o cólon vazio, estare-
fique mais facilmente identificável. mos diante de um quadro de obstrução mecânica.
Se o intestino está repleto de líquido, transmitirá a imagem Em determinadas condições, poderemos lançar mão dos
do padrão água e de pseudotumor. exames contrastados do intestino delgado, com bário ou com

A B
Figura 48.1 A. RX simples de abdome em posição ortostática. Obstrução do delgado mostrando os níveis líquidos em diferentes alturas. Ob-
servar a opacidade abaixo dos níveis, representando alças cheias de líquido. Não há gás nos cólons. B. RX simples de abdome em ortostatismo.
Obstrução do delgado. Observar o padrão da mucosa com as pregas de Kerkring. Ausência de gás nos cólons.
Capftulo 48 I Obstrução Intestinal 505

A B
Figura 48.2 A. RX simples de abdome em ortostatismo mostrando níveis aéreos no intestino delgado. As setas mostram bolhas de gás, em
série, retidas dentro da alça, que representam o sinal das contas do rosário, significando que o paciente está realmente obstruído. B. RX simples
de abdome em decúbito dorsal mostrando o gás retido no intestino delgado. As setas assinalam o gás na forma de faixas sequenciais. que
representam o sinal do 'strech sign~ significativo de que o paciente está realmente obstruído.

A B

Figura 48.3 A. RX simples de abdome, em decúbito dorsal. mostrando delgado distendido com gás. Não é possível a percepção de níveis
hidroaéreos devido à incidência dos feixes de RX, em relação à posição do paciente. B. RX simples de abdome em decúbito dorsal mostrando
a apresentação em escada na obstrução do delgado.

contraste hidrossolúvel. Para usar o bário, é necessário preen- A tomografia computadorizada (TC) é um exame que não é
cher determinadas condições: não pode haver a menor sus- acessível a todos, mas, quando disponível, deve ser usado nos
peita de estrangulamento, peritonite ou perfuração. O con- casos em que a radiologia convencional não forneça as infor-
traste hidrossolúvel está indicado quando existe suspeita de mações desejadas.~ capaz de mostrar detalhes que a radiologia
perfuração. Enfatizamos que se deve usar o exame contrastado convencional não consegue captar, como aqueles da estrutura
somente diante da dúvida. A presença de pneumoperitônio da parede intestinal, tanto do lado da luZ, quanto da parte ex-
confirma a existência de perfuração, que dispensa o exame terna da parede, o que o torna de grande utilidade para o diag-
contrastado. nóstico de obstrução por torção do meso e de estrangulamento.
506 Capftulo 48 I Obstrução Intestinal

Figura 48A Exame contrastado do intestino delgado. Observar a di- Figura 48.5 RX simples de abdome em decúbito dorsal mostrando
ferença de calibre - maior no jejuno que no neo - e da conformação a escassez de gás no intestino delgado e o cólon delineado pela pre-
das pregas, transversais no jejuno (Kerkring) e longitudinais no Oeo, sença de gás.
assim como sua posição central no abdome.

A B
Figura 48.6 A. Exame contrastado do delgado mostrando o local de estreitamento responsável pelo quadro de suboclusáo intestinal. 8 . Exame
contrastado do delgado mostrando o local do estreitamento responsável pelo quadro de suboclusão intestinal.

Tem a grande vantagem de não ser "operador-dependente", da mudança de calibre das alças: alças distendidas acima e va-
como é o ultrassom. Embora seja um exame cada vez mais zias abaixo do ponto de obstrução e, na ausência de outra causa
empregado, principalmente a TC helicoidal pela sua rapidez que seja responsável pelo quadro obstrutivo, podemos deduzir
de execução, seu uso indiscriminado não é recomendável. Os que se trata de uma brida. Este raciocínio tem seus oponentes,
exames devem ser individualizados e particularizados, com in- que preferem fazer o diagnóstico de maneira direta e não por
dicação dos objetivos, para que possam orientar o radiologista exclusão.
e racionalizar os custos. Nos centros mais desenvolvidos, que pesquisam e compa-
Mesmo com a utilização dos novos equipamentos, a chave ram os pacientes com a realização dos dois exames, já existe
para o diagnóstico de obstrução continua sendo a observação uma tendência de iniciar a investigação com a TC e, mesmo
Capftulo 48 I Obstrução Intestinal 507

nos casos em que não há dúvida, realizam a TC para obter o


máximo de informações possíveis, principalmente quando a
pretensão é fazer tratamento conservador.
A ressonância magnética é um avanço diagnóstico bem-
vindo, mas não tem indicação na investigação de pacientes com
obstrução intestinal. Uma condição em que pode ser útil é na
suspeita diagnóstica de oclusão vascular mesentérica, demons-
trando, de maneira confiável, a vascularização mesentérica.
Finalmente, a ultrassonografia (US) é de valor limitado na
obstrução intestinal devido ao acúmulo de gases no intestino,
dificultando a formação de imagens.

• Obstrução do cólon
• Diagnóstico clínico
Figura 48.7 TC de abdome após administração de contraste oral e A sintomatologia da obstrução do cólon difere da do delgado
venoso. Observar alça i leal com distensão e redução do calibre em bico por condições anatômicas e fisiológicas: o cólon está preparado
de pena, sem espessamento da parede (obstrução por brida). para reter gases e fezes, está distante do estômago e muito pró-
ximo do orifício de esvaziamento, o ânus. A complacência do
cólon, a ausência de dor forte, que poderia desencadear vômitos
reflexos, e a distância do estômago fazem com que a ocorrência
de vômito seja rara. A distensão pode assumir grandes propor-
ções. A parada de gases e fezes poderá ser o primeiro sintoma,
desde que interpretada corretamente, porque, na maioria dos
casos, ocorre em pacientes idosos com história de constipação
crônica. Na obstrução do cólon, a grande distensão abdominal
é o sinal predominante.

• Exame ffsico
A mesma conduta utilizada para a obstrução do delgado
deve ser mantida quando a suspeita é de obstrução do cólon.
A grande distensão será evidente, com tirnpanismo aumenta-
do, dor fraca referida ao hipogástrio, ceco facilmente palpável,
o que já nos dará informações do problema atual, p reditivo
da possibilidade de rotura do ceco, antes mesmo do exame
Figura 48.8 TC do abdome revelando que a causa da obstrução é
recidiva de tumor e não brida. Observar a presença de massa intralu- radiológico.
minar e espessamento parietal.

Figura 48.9 RX simples de abdome em ortostatismo. Observar a gran· Figura 48.1o RX simples de abdome em decúbito dorsal. Observar a
de d ilatação dos cólons e o delgado sem gás. Imagem habitual da grande dilatação dos cólons, o delgado sem gás e a parede da coluna
obstrução da alça sigmoide com válvula ileocecal competente. de ar na altura do ilíaco esquerdo.
508 Capftulo 48 I Obstrução Intestinal

• Diagnóstico por imagem


A imagem radiológica do cólon é influenciada pelo local e
duração da obstrução, composição do conteúdo intestinal e
pela competência da válvula ileocecal.
O cólon sempre tem gás. Na ocorrência de obstrução, ob-
servamos uma exacerbação do quadro radiológico normal: o
cólon extremamente distendido e o delgado sem gás. O cólon
apresenta haustrações, que são pregas espessadas da mucosa
que não atingem os dois lados da luz intestinal, separadas por
grandes recessos; contém material sólido e apresenta partes fi-
xas no retroperitônio facilmente identificáveis: o ascendente e o
descendente são segmentos tipicamente orientados no sentido
cefálico, junto à parede lateral do abdome, e o reto encontra-
se no meio da pélvis.
Na fisiologia normal o conteúdo intestinal passa continua-
mente do delgado para o cólon através da válvula ileocecal.
Aproximadamente 75% dos pacientes têm a válvula ileocecal
competente. Podemos antever três sit uações diante de uma
obstrução do cólon:
1) A válvula é competente. Neste caso, teremos a situação
clássica de obstrução em alça fechada. :B o quadro mais
comum. Nesta situação existe possibilidade de rotura do Figura 48.11 Clister opaco em tumor obstrutivo do cólon descen-
ceco quando, no RX simples, identificarmos o ceco com dente. Há distensão do delgado em consequência da válvulaileocecal
diâmetro aproximado de 12 em. :B uma emergência ci- incompetente.
rúrgica.
2) A válvula é competente, porém a grande pressão den-
tro do ceco bloqueia a progressão do conteúdo. Situação
igual à anterior, com os mesmos problemas, mas com a
participação do delgado dista!, o que pode trazer alguma
indedsão com a presença do delgado distendido.
3) A válvula ileocecal é incompetente. Neste caso a pressão
aumentada dentro do ceco será transmitida para o íleo
terminal, que ficará distendido, e o risco de rotura do
ceco será pequeno. A participação do íleo terminal, com
sintomatologia compatível com obstrução baixa do del-
gado, pode mascarar o diagnóstico correto, entretanto o
cólon sempre estará muito distendido.
O exame contrastado do cólon deve obedecer a algumas
regras básicas:
• Não pode haver suspeita de perfuração, real ou iminente;
• Não pode haver suspeita de isquemia;
• O ceco não deve apresentar-se com diâmetro maior que
lO em.
As principais indicações para o uso do exame contrastado
do cólon são:
• Determinar o local da obstrução com precisão;
• Fazer o diagnóstico diferencial entre pseudo-obstrução Figura 48.12 Clister opaco most rando a interrupção da coluna de
e obstrução mecânica; bário na sigmoide por rumor obstrutivo.
• Ocasionalmente, reduzir o volvo da sigrnoide ou inva-
ginação intestinal.
O exame contrastado de emergência é realizado sem prepa- a intenção de, com a precisão diagnóstica, executar o menor
ro do intestino, porque a informação desejada é limitada, sem procedimento cirúrgico no momento em que o paciente se en-
necessidade de ver detalhes da mucosa, somente identificar contra no estágio mais delicado de sua doença.
o ponto de obstrução. Na suspeita de perfuração, o contraste
hidrossolúvel é o indicado, se um diagnóstico preciso for es- • Exames laboratoriais
sencial. Em se tratando de abdome agudo, os exames laboratoriais
A TC pode trazer contribuição importante, particularmente serão os necessários para se ter uma avaliação geral do paciente.
quando executada com administração de contraste hidrossolú- Eles devem ser objetivamente orientados para o tipo de procedi-
vel por via reta! e associada com contraste venoso. mento a que irá se submeter. Quanto mais longo o tempo de obs-
Na obstrução do cólon, sempre podemos confirmar a sus- trução, mais grave o caso; quanto mais idoso e maior a evidência
peita diagnóstica com quaisquer dos exames relacionados, com de doenças associadas, mais elaborados serão os exames.
Capftulo 48 I Obstrução Intestinal 509
é fundamental que a recuperação seja iniciada precocemente.
Este procedimento é igual para todos. A individualização do
tratamento dependerá dos achados clínicos. A inobservância
desta disciplina é um dos fatores que mantêm a mortalidade
elevada. A correção dos distúrbios hidreletrollticos continuará
durante a operação e no pós-operatório.
Inicia-se o tratamento clínico com aspiração nasogástrica,
reposição hídrica, medida do volume urinário, monitorização
do pulso, pressão venosa central (PVC) e pressão arterial. A
escolha do momento certo para operar o paciente é a deci-
são mais importante que o cirurgião deve tomar. O momen-
to ideal para iniciar o procedimento cirúrgico dá-se quando
o paciente apresentar pressão normal e estável, diminuição
da frequência do pulso e eliminar, pela primeira vez, 30 m e
de urina em 1 h.
Os pacientes dividem-se naturalmente em dois grupos:
1. Pacientes diagnosticados precocemente - quando o diag-
Figura 48.13 TC da pelve após contraste oral, venoso e retal. Observar
nóstico é feito em menos de 24 h após o início da sintoma-
lesão estenosante decorrente de tumor najunção retossigmoide com
tologia.
acentuado espessamento da parede intestinal.
• São facilmente hidratados e repostos;
• Submetem-se a procedimentos cirúrgicos sem comple-
xidade;
• Apresentam os melhores resultados.
2. Pacientes diagnosticados tardiamente- quando o diagnós-
tico é feito com mais de 24 h do inicio da sintomatologia.
• Apresentam complicações progressivas: desidratação se-
vera, hípotensão e choque;
• Sinais clínicos de estrangulamento, perfuração e peri-
tonite;
• Estado geral deteriorado;
• Necessitam de um planejamento mais elaborado de re-
posição hidreletrolítica;
• Têm indicação para tratamento em unidades de terapia
intensiva;
• Submetem-se a operações mais longas e complexas;
• Apresentam os piores resultados, com mortalidade ele-
vada.
O tratamento desses pacientes deve obedecer a um critério
Figura 48.14 TC da pelve após contraste venoso. Divertículos da sig-
moide. Observar o aspecto sacular da mucosa, o espessamento da de prioridades. Para que o esforço em colocá-los no sentido
parede e a infiltração da gordura mesentérica que se apresenta com da recuperação obtenha o máximo de eficiência, o tratamento
maior densidade. deve seguir uma disciplina e ordem. Se toda a água e eletrólitos
perdidos forem repostos ao mesmo tempo, o resultado poderá
ser desastroso: o paciente pode desencadear descompensação
cardíaca e edema pulmonar, principalmente nos idosos. Por ou-
A desidratação é a complicação habitual, consequentemente tro lado, se nada for feito, permanecerá hipovolêmico, chocado,
os exames estarão alterados e poderão dar informação da gra- sem condições clínicas para submeter-se à operação.
vidade da desidratação. Leucocitose associada a modificação Outro ponto importante, para a tomada de decisão, é o re-
do quadro clínico pode revelar a presença de estrangulamento. conhecimento do fato de que, quando há obstrução completa
Não devemos ter confiança excessiva nos exames laboratoriais do intestino, o curso da doença é inevitável e fatal, a não ser
para não sermos induzidos a erro. Exames "normais" em um que a obstrução seja aliviada. Há três possibilidades:
paciente desidratado são enganosos.
• A obstrução se desfaz, possivelmente com a ajuda da aspi-
ração nasogástrica;
• Tratamento díníco
• Forma-se uma fistula;
O bom êxito do tratamento depende do conhecimento do
• Realiza-se uma intervenção cirúrgica.
fato de que é tão importante tratar os efeitos quanto a causa da
obstrução. Isto significa que todo paciente obstruído necessi- Concordamos que, diante de uma obstrução sem alívio, a
ta receber reposição hidreletrolítica antes de tratar a causa da melhor solução é uma intervenção cirúrgica. Entretanto, em
obstrução, pois todo paciente obstruído perde líquido, ou seja, algumas situações, não seria desejável operar: pacientes com
perde volemia. A partir de 20% de perda volêmica, começa a história de infarto do miocárdio recente, cardiopatia descoro-
apresentar alteração hemodinâmica: o volume urinário dimi- pensada, arritrnias, diabetes descompensado, múltiplas ope-
nui, a frequência do pulso se eleva e a pressão arterial cai. A rações anteriores por obstrução, pós-operatório imediato, su-
experiência já mostrou que, para o bom êxito do tratamento, boclusão intestinaL Entenda-se que não se trata de tratamento
51 O Capitulo 48 I Obstruçdo Intestinal

clinico de obstrução intestinal Obstrução intestinal é uma do-


ença cirúrgica.
~condição fundamental que não haja a menor suspeita de
estrangulamento. Dentro deste raciocínio, a utilização da TC,
por sua habilidade em revelar alterações da estrutura da pare-
de intestinal e maior segurança na avaliação de que realmen-
te não há estrangulamento, é atualmente indicada. Inicia-se o
tratamento cUnico e acompanha-se atentamente a evolução do
quadro obstrutivo, com reavaliações a cada 2 a 3 h.
São indicadores de que o tratamento está sendo eficiente:
• Diminuição da distensão, provavelmente por redistri-
buição dos gases.
• Diminuição da drenagem gástrica. Não só quanto ao vo-
lume, mas também pela modificação das características
da drenagem (fica cada vez mais clara).
• Interrompe-se a aspiração nasogástrica e observa-se a
Figura 48.1 s TC em pós-operatório de cirurgia abdominal, eviden-
tolerância do paciente. Se na próxima avaliação não hou- ciando alça de intestino delgado fixa na parede abdominal ao nível
ver fatos novos, podemos admitir que o tratamento está da cicatriz cirúrgica mediana.
sendo eficiente.
• O próximo passo é levar o paciente para uma nova in-
vestigação radiológica e observar se a boa evolução tem
correspondência na distribuição dos gases. Do ponto de vista técnico, o maior procedimento sobre o
Entretanto, se na reavaliação, após a interrupção da aspi- intestino delgado é uma ressecção intestinal com anastomose
ração nasogástrica, houver recidiva da sintomatologia inicial, primária. Entretanto, alguns pontos merecem ser enfatizados
significa que a melhora clinica era devida à aspiração naso- para que a sequência do tratamento seja harmônica e com o
gástrica. Não há necessidade de nova investigação radiológica. máximo de eficiência. ~ mais fácil manusear as alças vazias do
Interrompe-se a tentativa de tratamento sem operação e, com que as distendidas e friáveis; todos os acotovelamentos em ân-
os cuidados necessários, operamos o paciente. gulo fechado devem ser desfeitos; evitar desperitonização, aber-
Alguns autores, diante de um paciente com obstrução por tura do intestino e contaminação da cavidade peritoneal; não
brida sem evidência de complicações, apoiados na TC, tentam fechar o abdome sob grande tensão. ~ uma ilusão pensar que a
o tratamento clinico por tempo mais longo, entre 48 e 72 h, abertura do intestino para aspiração do conteúdo sequestrado
antes de decidir pela intervenção cirúrgica. O que se observa será benéfica e facilitará o fechamento da parede.
é que, quando a obstrução é completa, a porcentagem de su- As complicações estão relacionadas à gravidade do quadro
cesso é pequena. Nas obstruções incompletas, os resultados obstrutivo. A ocorrência de necrose, perfuração e peritonite
são melhores. Neste tipo de conduta, há sempre o risco de is- inevitavelmente levarão a um quadro de neo paralftico, em que
quemia e necrose da alça comprometida, e consequentemente o suporte clinico adequado será de fundamental importância.
agrava-se o quadro, que passa a ser como se fora um paciente Outras complicações que podem surgir são abscessos, fistu-
de diagnóstico tardio. las, deiscência de anastomose, evisceração e má avaliação da
viabilidade intestinal. A prevenção das complicações é objeti-
• Tratamento cirúrgico vo importante em toda laparotomia, que deverá ser delicada,
Os procedimentos cirúrgicos têm como alvo a causa da obs- precisa e exangue.
trução e suas complicações. A cirurgia videolaparoscópica não é a ideal e só deverá ser
realizada por cirurgiões com grande experiência com o método
• Hémía estrangulada e com a doença. Em principio, é desaconselhável pela grande
Estatisticamente, é a causa mais frequente de obstrução in- distensão, que dificulta a exploração abdominal, tornando pos-
testinal em nosso meio. Este fato obriga o médico a sempre sível falha de identificação de aderências, às vezes múltiplas.
examinar os orificios herniários, com paciência e cuidado nos
pacientes obesos, em que o grande pankulo adiposo associa- • Obstrução do c6/an
do a pequenas hérnias pode trazer alguma dificuldade para se O segmento mais envolvido é o cólon descendente, e 7096
estabelecer o diagnóstico quando a causa da obstrução não é dos casos ocorrem na junção retossigmoidiana, onde os tumo-
facilmente identificável. A técnica cirúrgica segue as regras bá- res são infiltrantes e estenosantes, classicamente referidos como
sicas da cirurgia das hérnias. em anel de guardanapo.
Quando o segmento envolvido é o cólon, o comportamento
• Bridas eaderlncios do cirurgião deve ser modificado para adaptar-se às suas par-
~a segunda causa mais frequente de obstrução intestinal ticularidades. O cólon é um reservatório de fezes e as paredes
em nosso meio. Quando toda a parede abdominal está exposta adelgaçadas pela distensão não se prestam para uma boa anas-
à inspeção, teremos aproximadamente 7596 de probabilidade tomose. Além disso, na vigência de obstrução, há aumento da
de identificar a causa da obstrução: o paciente terá uma hérnia proliferação e da virulência das bactérias. A sequência tradicio-
externa ou uma cicatriz cirúrgica abdominal, independente do nal do tratamento cirúrgico consiste em três tempos; o primeiro
tamanho. O delgado é o segmento intestinal mais envolvido, e será descomprimir e derivar, realizando-se uma colostomia; o
estes dois elementos - cicatriz abdominal e obstrução do del- segundo será o procedimento definitivo para ressecar o tumor;
gado - indicam, com grande probabilidade de acerto, o diag- o terceiro, por fim, será fechar a colostomia. Nos casos com-
nóstico de obstrução por brida. plexos em que há rotura do ceco, é necessário que se aborde a
Capftulo 48 I Obstrução Intestinal 511

perfuração para evitar a perpetuação da contaminação perito- diagnóstico pré-operatório, do tipo de procedimento realizado e
neal. O tratamento realizado em três tempos é acessível tanto da probabilidade de complicações é importante para se correla-
ao iniciante quanto ao cirurgião experiente. Quando houver a cionar com os sintomas atuais. A suspeita ocorrerá se o paciente
associação de cirurgião experiente, recursos materiais e pacien- apresentar uma recuperação retardada; os novos sintomas ou
tes selecionados, é possível reduzir o número de operações. a perpetuação do üeo merecem ser investigados com atenção.
Quando se tratar de diverticulite do sigmoide, com obstru- Deve-se manter o paciente hidratado, aspirado e monitorizado,
ção, o melhor exame para investigar o estado da alça é a TC, pela sob vigilância constante, até a resolução dos problemas.
sua habilidade de revelar o que está acontecendo na luz, na pa-
rede e fora da parede intestinal. Quando há indicação cirúrgica,
o melhor procedimento é aquele em que se retira o segmento
• Obstrução recorrente
doente, inflamado e abscedido de dentro do abdome, habitual- O paciente com recidivas frequentes de obstrução por bridas
mente a colostomia de duas bocas ou a cirurgia de Hartrnann. e aderências torna-se um problema de dificil solução. Apesar
dos avanços na compreensão do processo de cicatrização, ainda
não conhecemos meios de controlá-lo; nem temos como ante-
• PROBLEMAS EDIFICULDADES ver quais pacientes apresentarão tais recidivas, assim como não
sabemos explicar por que alguns pacientes criam múltiplas ade-
As dificuldades surgem na medida em que estamos investi- rências e outros não. O paciente operado por bridas tem uma
gando casos complexos e tardios. O diagnóstico de obstrução probabilidade 20% maior de apresentar nova obstrução do que
intestinal é clinico e, neste caso, a história e exame fisico, re- o paciente operado por outras razões; e, quanto mais vezes é
alizados com o máximo de detalhes, fornecerão os elementos operado, maior a probabilidade de novos episódios. A tentativa
para o raciocínio clínico. A compreensão da fisiopatologia da de evitar novos episódios com procedimentos que acomodam
doença, corno apresentada, permite que o médico encontre o de maneira organizada as alças intestinais, como as operações
caminho correto para atuar de maneira eficiente. de Noble e Philips, tem resultados controversos.
Alguns pontos merecem ser enfatizados: o alvo da investiga-
ção é o local da obstrução, a partir deste ponto as alças estarão
dilatadas, cheias de gás e líquido a montante e vazias a jusante;
• Obstrução na mulher grávida
a magnitude da dilatação e a quantidade de líquido e gás são Quando tratamos uma mulher grávida, é importante o co-
aleatórias; a ausência de peristaltismo significa que o intestino nhecimento preciso das particularidades anatômicas e fisioló-
entrou em estafa ou que há necrose da alça envolvida, a pre- gicas que acompanham a gravidez: ela é fisiologicamente hiper-
sença de peritonite pode ter outra causa que muitas vezes será volêmica e anêmica e estamos tratando de duas pessoas.
difícil de esclarecer somente com o RX simples. Nestes casos, Para tratar corretamente de ambas, devemos tratar bem da
a TC assume grande importância, porque poderá esclarecer mãe, porque em situações de risco de vida a natureza tende
a causa real da peritonite. Um dos problemas dificeis do pré- a preservar a mãe; o grande útero, apoiado sobre a veia cava,
operatório é afirmar com segurança se existe ou não estrangu- pode dificultar o retorno venoso, com consequente redução
lamento, principalmente na fase inicial: temperatura acima de
38°C, dor constante, pulso elevado, leucocitose acima de 15.000
e silêncio abdominal ajudam, mas não são definitivos. A TC é
de grande ajuda nesses casos. A presença de sinais de peritonite
não deixa dúvidas da gravidade do caso.
A avaliação da viabilidade da alça comprometida é um pon-
to difícil durante a operação. Deve-se observar atentamente o
retorno da coloração ao normal, dos batimentos arteriais, do
brilho da superflcie peritoneal e do peristaltismo e avaliar a
textura dos tecidos. Se persistir a dúvida, deve-se ressecar o
segmento comprometido.
Portanto, a terapêutica da obstrução intestinal é cirúrgica.
Qualquer tentativa de tratamento clínico, a não ser em casos
muito especiais, já descritos, pode levar o paciente à morte.
Há, entretanto, que se realizar um preparo pré-operatório me-
ticuloso e adequado, sem apressar ou retardar o momento da
intervenção cirúrgica. ~ a "hora H» de Forgue. O clínico e o
cirurgião devem estar atentos para isso. Aguardar para operar
um paciente com perfuração ou necrose intestinal pode ser fa-
tal. Ao mesmo tempo, operá-lo com desidratação grave, sepse,
choque, com má perfusão tecidual e anúria, também. O bom
senso é a melhor arma de um bom médico.

• PROBLEMAS COMPLEXOS Figura 48.16 RX simples de abdome em decúbito dorsal. Observar o


feto a termo comprimindo o ângulo esplênico do cólon. Transverso e
• Obstrução no pós-operatório ceco(> 12 em) muito distendidos. com pneumoperitónio consequente
à rotura do ceco. Sinal de Riegler presente no canto superior esquer-
O diagnóstico de obstrução intestinal no pós-operatório é um do, demonstrando a espessura da alça porque há ar dentro e fora do
grande desafio para o cirurgião. O conhecimento detalhado do tubo digestivo.
512 Capitulo 48 I Obstruçdo Intestinal

Figura 48.1 7 RX simples de abdome em decúbito dorsal. ObseNar Figura 48.18 Transito intestinal evidenciando perda da dlstensibili-
o delgado distendido e com perda do padrao da mucosa. As alças dade da alça com aspecto esplculado das bordas. Enterite actfnica.
estão 'careca~ Achado habitual nas lesões isquêmicas agudas como
o infarto enteromesentérico.

do débito cardíaco e hipotensão. Esta visão da paciente grávi-


da deve ser levada em consideração durante o tratamento clí-
• OUTROS TIPOS DE OBSTRUÇÃO
nico. A trlade formada por dor abdominal em cólica, vômito
e parada de eliminação de gases e fez.es levanta a suspeita de • neo paralítico
obstrução intestinal tanto na paciente grávida como na não
Aparece como complicação de outras doenças, principalmen-
grávida. Diante da suspeita, não se deve hesitar em prosseguir
te peritonites, sepse grave, distúrbios metabólicos e problemas
com a investigação, da maneira tradicional com o RX simples.
Entretanto, alguns autores preferem a TC he.Jicoidal, embora neurológicos. A sequência é clássica: primeiro, aparece a doen-
tenha maior carga de radiação, apoiados na rapidez, precisão e ça básica seguida do surgimento da complicação. A ausculta do
habi.lidade em mostrar o ponto de obstrução e detalhes, como abdome mostrará ausência de ruídos peristálticos. Os exames de
a presença ou não de isquemia. imagem mostrarão delgado e cólon distendidos com gás.
O atraso entre o início dos sintomas e o tratamento definitivo
contribui efetivamente para a morta.Jidade elevada. Postergar a • [leo colônico (síndrome de Ogilvie)
investigação radiológica, devido à preocupação dos seus efei-
tos adversos para o feto, pode ser desastroso, pela possibi.lida- Ocorre com maior frequência em pacientes no pós-opera-
de real de permitir o aparecimento de complicações. O risco tório, acamados e idosos. A dilatação mais acentuada acontece
de morta.Jidade materna e fetal sobrepuja o risco potencial da no ceco e no cólon ascendente. Comporta-se de maneira mui-
exposição do feto à radiação. to semelhante à da obstrução mecânica, inclusive com rotura
do ceco, entretanto não há barreira f!sica detectável pela in-
vestigação direta do cólon tanto pelo dister opaco como pela
• FATORES QUE INFLUENCIAM AMORTALIDADE colonoscopia. A colonoscopia é a melhor opção tanto para o
diagnóstico como para o tratamento.
A aspiração nasogástrica, que impede o aumento indesejável
do conteúdo do tubo digestivo obstruido; a reposição hidrele-
trolítica, com a intenção de corrigir a volemia, e a administração • Pseudo-obstrução intestinal
criteriosa de antibióticos, objetivando o tratamento de possível
Simula a obstrução do delgado, entretanto o paciente não
contaminação peritoneal, são elementos que influenciam posi-
tem hérnia externa, nunca foi operado e relata episódios se-
tivamente na diminuição da morta.Jidade.
melhantes anteriores. As imagens são inespedficas: na obs-
O atraso no diagnóstico, seja porque o paciente chegou tar-
de ao hospital, seja pela dificuldade em identificar a presen- trução mecânica, não há gás abaixo do ponto de obstrução,
ça de estrangulamento, o desconhecimento do fato de que é enquanto no íleo paralítico e pseudo-obstrução aparece gás em
fundamental faz.er reposição hidreletrolitica antes de operar todo o intestino. Quando estes pacientes são operados com o
e os erros de técnica cirúrgica, inclusive deixar de ressecar o diagnóstico equivocado de obstrução mecânica e há recidiva,
segmento de alça envolvido quando houver dúvida da viabi- haverá dúvida entre pseudo-obstrução e brida. Neste caso, a
lidade da alça. são elementos que contribuem para manter a TC poderá esclarecer por que utiliza recursos inexistentes na
morta.Jidade elevada. radiologia convencional.
Capitulo 48 I Obstrução Intestino/ 513
Bulldey, GB, Zuidema, GO, Hamilton, SR a ai. lntraoperath-e determination of
• Trombose eembolia arterial. small intestine viabUity foUowing ischemic injury: A prospective controUed

lsquemia intestinal não oclusiva or


trial two adj uvant methods (Doppler aod lluorcseein) compared with
•tandard cUnical j udgmenL AM. Surg., 1981, 193:628-37.
Connolly, MM. Untl, JA, Nova, PF. Bowel obstruction in pregnancy. SIIIJ. Clln.
Apresentam sintomatologia muito semelhante. Acometem Nortll Am.,l995, 75:101 ·3.
pacientes idosos, com antecedentes de cardiopatia, que desen- Davis, L & Lowman, RM. Roentgen criteria of impending perforation of the
volvem dor abdominal que em pouco tempo assume gravidade cecum. Rtuliology, 1957, 68:542·8.
importante, frequentemente com choque, distensão e silêncio Frimann-Dahl, J. Roe"'~" Exami"'Uion in Acute Abdomi""l DisctJ.Iu. Sprin·
gftcld. Charlcs C. lbom., cd., 1960, p. 518.
abdominal. A trombose é a menos frequente das três; a em- Hill, SM & Symmonds, R.E. Small bowcl obstruction in prcgnancy: A rcview
bolia está mais associada às arritrnias cardíacas e a isquemia and report offour cases. Obsr. Gynecol., 1977,49:170-3.
não oclusiva ao uso de digitálicos e diuréticos. A TC apresenta Toneo, RS. Intestlnal obstruction. Em: Sabiston, Jr, DC ed. Ttxtbook ofSuiJ<ry.
vantagens sobre a radiologia convencional. Philadelphia, W.B. Saunden Company, 1986, vol. I, pp. 905-14.
Levin, 8. Mcchanical small bowel obstruction. Stmin. Roentgtnol., 1973, 3:281 -
97.
Love, L. lhe role o( Ueocecal valve in large bowcl obstruction: A prellmlnary
• Enterite actínica com estenose report. R.adiob>gy, 1969, 75:391-7.
O resultado mais frequente dos efeitos da radiação é a for- Maglint, ODT ttaL Reliabilityand roleofplain 6lm radiographyand CTin the
diagnosis oC small bowd obstruction. A/R, 1966, 167:1451-S.
mação de aderências vascularizadas e estenoses por fibrose. Megibow, AJ. Bowd obruuction: Evaluation with cr. Rtuliol. Clbt. North Am.,
Os segmentos fixos do intestino delgado, como o duodeno e 1994,5:861-70.
o Oeo terminal, são bastante senslveis aos efeitos da radiação, Moore, FD. Mef4bollc Core ofthe Surgical P~"'· PbUadelphla, W.B. Saunden
e as pacientes tratadas por doenças malignas de origem gine- Co., 1960, p. 1011 .
Ottinger, LW. Small bowd obstructlon. Em: Moem, PJ, Malt, RA cdo. Oxford
cológica são as que apresentam este tipo de complicação com Tatbook ofSIIIJU)'· New York. Oxford Uni""rsity Press, 1994, vol. I, pp.
maior frequência. 961-5.
Parra, OM el ai. Radiologia Abdominal p<Jra o Cirurgião. Valorizaçdo da Radio-
grafia Simples. Slo Paulo, Roca, 1991, p. 212.
Perdue, P, Johnson, H, Stalford, P. Intestinal obstruction complicating preg-
• LEITURA RECOMENDADA nancy. Am.f. SIIIJ·• 1992, 164:384-8.
Sarr, MG, Bulkley, GB, Zuidema, GD. Preoperative recognition o f Intestinal
Anuras, S, Crane, AS, Faull<. DL, Hubel KA. lnte$Unal pseudo·obstruction. strangulation obJtruction. Am. ]. SuiJ.• 1983,145:176-82.
Gas'-"rnok>gy, 1978, 74:1318-24. Schwartz, SS. lbe dllrerencial diagnosis of intestinal obstruction. Semirr. Ro-
Biur, LS, UebUng. RW, Delany, HM, Gliedman. ML. Small bowel obstruction: notgmol., 1973, 8:323-38.
lbe role o rnonoperath-e trealmenl in simple intestinal obstruction and pre- Silcn, W. Copú Earfy Dlag.wsis of lhe Acute Abdomen. New York. Oxford Unl-
dlctlve criteria ror •trangulation obruuction. Surguy, 1981 , 89:407·13. versity Prus, 1996, p. 315.
Bode, WE, Beart, Jr, BW; Spenser, RJ a ai. Colonoscopic decompression for V"tnbáes, JC. Obnruçlo Intestinal. Em: Vlnháes, JC. CllnicG • TtnlpluticG Cl·
ocute pKUdo-obstruction of tbe colon (OgUvle'o Syndrome). Am. /. Surg., rúrgicas. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan. 1997, pp. 739-47.
1984, 147:243·5. Zollinger, RM & Home, CT. lbe small and large intestine. Em: Davia, L ecl.
Brltton, J. lhe acute abdomen. Em: Morrls, fP, Malt, RA eds. Oxford Tcnbook Christopher~ Tcxrbook of Su1Juy, Philadelphia, W.B. Saunders Company,
ofSurgery. Ncw Yorlc Oxford Uruversity Pre... 1994. vol. I, pp. 1377-95. 1968, pp. 689-748.
49 Pseudo-obstrução Intestina I
Victor 8. Koehne

Pseudo-obstrução intestinal é uma síndrome clínica caracteri- e substância P, de receptores opioides J.l e K, assim como a pro-
zada por sinais e sintomas de obstrução do trânsito gastrintes- dução de citocinas por células inflamatórias teciduais e circu-
tinal sem obstáculos mecânicos. Pode ocorrer de forma aguda lantes.
ou crônica e acometer todo o tubo digestivo ou partes dele, O quadro clínico típico se apresenta imediatamente após
desde o esôfago até o reto. Essa síndrome pode acompanhar a uma laparotomia através de distensão abdominal, dor discre-
terapêutica com certas drogas ou fazer parte do quadro clíni- ta e mal localizada, náuseas, vômito e parada da eliminação de
co de algumas doenças, especialmente da esclerose sistêmica gases e fezes. O exame revela um abdome distendido e timpâ-
primária, de síndromes paraneoplásicas, da doença de Chagas, nico, com diminuição dos ruídos peristálticos e dor discreta e
do diabetes melito e da amiloidose. Quando tais doenças são difusa à palpação. A radiografia simples costuma evidenciar
excluídas, a possibilidade de miopatia ou neuropatia primária alças intestinais dilatadas principalmente no delgado, mas tam-
visceral deve ser considerada. bém no cólon.
Sendo assim, a pseudo-obstTufão intestinal pode ser classi- Não havendo intercorrências, o peristaltismo retoma espon-
ficada como secundária, quando faz parte de uma doença sub- taneamente em 2 a 3 dias, notando-se inicialmente a recupe-
jacente reconhecida como responsável pelo quadro, ou quando ração da motilidade do intestino delgado em cerca de 24 h,
causada pelo uso de drogas, ou primária, quando não há causa seguindo -se a do estômago em 24 a 48 h, e, por fim, a do có-
extraintestinal envolvida. lon, em 48 a 72 h, havendo, então, eliminação de flatos e fezes
Podemos ainda classificá-la como crônica, quando persiste pelo paciente. Alguns autores chamam de {/eo paralítico ou adi-
além de 6 meses, ou quando se manifesta ao nascimento, per- nãmico o quadro de inibição da motilidade que perdura além
sistindo após 2 meses de vida, ou aguda, correspondendo aos desse periodo.
demais casos. Dentre as formas agudas, destacam -se o üeo e a Quando isso ocorre, suspeita-se de complicações cirúrgicas,
pseudo-obstrução colônica aguda. tais como formação de abscessos e coleções, deiscências de su-
turas, hemorragia e lesões vasculares. Outros fatores também
devem ser investigados e corrigidos quando presentes, des-
• rLEO tacando-se distúrbios eletrollticos, metabólicos, endócrinos
e infecções locais, ou a distância. O emprego de analgésicos
Caracteriza-se pela hipomotilidade acentuada do trato gas- opioides, antidepressivos, antagonistas de canais de cálcio, fe-
trintestinal na ausência de obstrução mecânica ao trânsito, sen- notiazinas e anti-histamlnicos pode também contribuir para
do habitualmente consequente a um procedimento cirúrgico, o agravamento do quadro. Nos quadros de instalação tardia,
principalmente quando realizado na cavidade abdominal. Pode com rápida progressão dos sintomas e dor acentuada em có-
também ocorrer em situações clinicas diversas, destacando-se: lica, deve-se pensar em obstrução mecânica, que pode surgir
doenças neurológicas; infecções graves, abdominais ou não; em até I % dos pacientes nos primeiros 30 dias após a cirurgia
infarto do miocárdio; distúrbios metabólicos como: descom- abdominal.
pensação diabética, uremia, hipoparatireoidismo e distúrbios
eletrolíticos; pancreatite aguda; cólica ureteral.
O üeo pós-operatório é considerado uma resposta fisioló-
• Prevenção e tratamento
gica à cirurgia do abdome, tendo-se evidências de que a inci- A prevenção do íleo paralltico depende da técnica cirúrgica,
são cirúrgica, a manipulação das alças e o derrame de conteú- devendo-se evitar grandes incisões e a manipulação excessiva
do irritante sobre o peritônio ativem vias neuronais e liberem das alças, preferindo-se, se possível, a via laparoscópica. O tra-
mediadores inflamatórios que inibem a motilidade intestinal. tamento é basicamente suportivo, envolvendo a correção dos
Supõe-se que o mecanismo fisiopatológico envolva a ativação distúrbios mencionados anteriormente, a reposição de água e
do eixo hipotalâmico-hipofisário, de neurônios adrenérgicos e eletrólitos IV e o uso criterioso de sonda nasogástrica em ca-
liberadores de óxido nítrico, peptldio intestinal vasoativo (VIP) sos de distensão do abdome e vômitos. Há uma tendência em

514
Capitulo 49 I Pseudo-obstrução Intestino/ 51 5

se reintroduz.ir dieta líquida oral mais precocemente, respei- a ausculta de ruldos hidroaéreos. A febre pode estar presente,
tando-se sempre a tolerância do paciente. A substituição total associando-se às doenças de base. No entanto, quando essa se
ou parcial dos analgésicos opioides no período pós-operatório acentua, e quando surgem sinais de irritação peritoneal ou rigi-
por anti-inflamatórios não esteroidais ou por anestesia epidural dez abdominal, deve-se supeitar de isquernia ou perfuração.
prolongada aplicada ao nível torácico tem beneficio preventivo Uma vez instalada a s.lndrome, o acúmulo de gases, pro-
comprovado. Por outro lado, os trabalhos cientlficos não são duzidos pela flora colônica ou deglutidos pelo paciente, leva
uniformes quanto à demonstração da eficácia na redução do à distensão do cólon. Segundo a lei de Laplace, a tensão na
fleo com o incentivo à deambulação precoce do paciente ope- parede intestinal depende do diâmetro da alça e de sua pres-
rado, salientando-se, contudo, sua importfulcia comprovada são interna (tensão = diâmetro x pressão intraluminal). Sendo
ao prevenir atelectasias, tromboses venosas e pneumonias. Da assim, o ceco, submetido a maior tensão, devido ao seu maior
mesma forma, é questionável o uso de goma de mascar após a diâmetro, e também por apresentar parede menos espessa, é
cirurgia, apesar da segurança dessa prática. A base teórica para o segmento mais propenso a sofrer ruptura. Os estudos mais
tal prática está no estímulo vagai e na liberação de hormônios recentes sugerem que o risco de ruptura torna-se considerável
intestinais através da refeição-simulada (sham feeding) pro- quando o diâmetro cecal atinge 12 em, principalmente se a di-
porcionada ao se mascar a goma. Apesar de serem amplamen- latação já dura alguns dias. No entanto, são citados casos em
te utilizados no tratamento de náuseas, os procinéticos, como que a perfuração se deu com diãmetros menores, assim como
eritromicina, domperidona, metodoprarnida e cisaprida, não casos em que a distensão atingiu o dobro desse valor, havendo
mostraram eficácia no restabelecimento do trânsito intestinal. recuperação total. Sugere-se, mesmo, que a duração da dilata-
Mais promissores têm sido os estudos realizados com neostig- ção seja mais importante para determinar esse risco do que o
mina, um inibidor da acetilcolinesterase, e alguns novos anta- tamanho total atingido pelo ceco. Ocorrendo perfuração, sur-
gonistas periféricos seletivos de receptores opioides J.l, como a gem os sinais de peritonite, quando então a mortalidade atinge
meti.lnaltrexona e o alvimopam. cifras superiores a 5096, não só pelo quadro abdominal, como
também pelo estado geral precário do paciente e pelas comor-
bidades habitualmente presentes.
• PSEUDO-OBSTRUÇÃO AGUDA DO CÓLON O quadro radiológico caracteriza-se por distensão colônica,
principalmente dos cólons direito e transverso, que apresen-
(SrNDROME DE OGILVIE) tam diãmetro superior ou igual a 9 em, podendo haver nlveis
hidroaéreos. O delgado costuma apresentar dilatação devido
Apresenta denominação incorreta, uma vez que os dois casos à incompetência da papila ileal, pela deglutição de ar pelo pa-
descritos por Si r William Heneage Ogilvie, em 1948, referiam- ciente ou por peritonite. A presença de ar no retossigmoide
se a pacientes com quadro clinico cr6nico reco"ente sugestivo permite o diagnóstico diferencial com quadros de obstrução
de obstrução co Iônica. Nesses pacientes. à laparoto mia, não se mecânica, mas isso nem sempre ocorre. Em caso de dúvida
demonstrou obstrução mecânica do intestino, mas sim uma quanto ao diagnóstico diferencial, principalmente quando não
invasão tumoral do plexo celíaco, o que provocara, segundo se vê ar no cólon distai, pode-se realizar enema com contraste
esse autor, um predomínio do tônus parassimpático visceral hidrossolúvel ou colonoscopia, sempre com bastante cuidado
pela desnervação simpática decorrente da lesão. Supõe-se, hoje, devido ao risco de perfuração. A tomografia computadorizada
que os pacientes eram portadores de tumores primariamente helicoidal apresenta excelente acurácia diagnóstica nesses ca-
pulmonares. sos, com sensibilidade e especificidade acima de 9096, sendo de
Essa sindrome caracteriza-se por sinais e sintomas, habitu- grande valia também na detecção de complicações.
almente transitórios e reversíveis, de obstrução do cólon, sem Os exames laboratoriais podem mostrar alterações hidrele-
causa mecânica. ~pouco frequente, acometendo geralmente trolíticas e metabólicas, além de leucocitose discreta, condições
pacientes hospitalizados e com idade superior a 50 anos. A etio- comuns em pacientes com doenças que requerem tratamento
logia é obscura, ligando-se às mais diversas condições clínicas, hospitalar.
destacando-se: pós-operatório, insuficiência cardíaca conges- O tratamento inicial dos casos mais brandos consiste em
tiva, acidente vascular cerebral, alcoolismo, sepse, infecções correção dos distúrbios hidreletrolíticos, passagem de sonda
abdominais e doença de Parki.nson. Menos frequentemente, nasogástrica nos casos de vômitos, restrição da VOe incentivo
relaciona-se a infarto agudo do miocárdio, politraumatismo, à movimentação do paciente. Deve-se mudar, com frequência,
uremia, distúrbios hidreletrolíticos e queimaduras. Há ainda sua posição no leito, dando-se preferência aos decúbitos laterais
relatos de casos idiopáticos, que não atingem 696 do total. e ao decúbito ventral com travesseiros sob a pelve. ~importante
Sabe-se que sua patogênese provavelmente envolve um de- a suspensão das drogas que possam diminuir o peristaltismo,
sequilíbrio entre os tônus simpático e parassimpático do sis- principalmente narcóticos e drogas com efeito anticolinérgi-
tema nervoso autônomo e, possivelmente, uma diminuição co. O uso de sonda reta! é discutível. Esses cuidados levam à
da liberação de óxido nítrico de neurônios inibitórios e uma regressão da distensão em poucos dias, na maioria das vezes.
excessiva estimulação de receptores opioides J.l periféricos por Deve-se, sempre, monitorar o paciente com exames cllnicos e
opioides endógenos ou exógenos. de sangue e com radiografias simples de abdome diárias ou a
A slndrome caracteriza-se pela distensão abdominal pro- cada 12 h.
gressiva e acentuada, que se instala em poucos dias. Normal- Se o diãmetro de ceco persiste acima de 9 em e não se reduz
mente, ocorre a parada de eliminação de gases e fezes, mas após essas medidas em 72 h, deve-se lançar mão de tratamento
muitos pacientes ainda mantêm a capacidade de eliminar um farmacológico por via venosa. Procinéticos como eritromicina,
pouco de fi atos, podendo mesmo apresentar diarreia. Descon- cisaprida ou metoclopramida já foram usados no passado, sem
forto abdominal e dor difusamente localizada estão quase sem- eficácia conclusiva, todavia. A naloxona, contudo, mostrou ser
pre presentes, muitas vezes associados a cólicas, às vezes acom- útil em alguns casos induzidos pelo uso de opioides. Excelen-
panhadas por náuseas e vômitos. O exame do abdome revela tes resultados têm sido obtidos com o uso da neostigmina, um
timpanismo, com dor leve a moderada à palpação, mantendo-se inibidor da acetilcolinesterase de baixo custo, que atua compe-
516 Capitulo 49 I Pseudo-obstrução Intestino/

tindo com a acetilcolina em sua ligação com essa enzima nos nuição do tônus simpático abdominal, favorecendo -se assim a
locais de transmissão colinérgica. A administração dessa droga atividade procinética do parassirnpático. Resultados prelimina-
resulta assim em maior disponibilidade da acetilcolina na jun- res com a técnica anestésica mostraram resultados semelhantes
ção neuromuscular, aumentando a contratilidade do músculo aos da colonoscopia, porém com menos efeitos colaterais.
liso. Sua eficácia varia entre 53 e 96% dos casos, a maioria dos Nas poucas ocasiões em que há insucesso com todos ostra-
trabalhos mostrando uma taxa de sucesso superior a 80%. tamentos descritos anteriormente, ou quando ocorre mais de
Em vista dos efeitos colinérgicos produzidos, as contraindi- uma recorrência com o tratamento endoscópico, deve-se ava-
cações para o uso da neostigmina incluem: frequência cardíaca liar a indicação de uma cecostomia descompressiva, que pode
abaixo de 60 bpm, pressão arterial sistólica inferior a 90 mmHg, ser realizada por via cirúrgica, percutânea transperitoneal ou
presença de broncoconstrição, acidose, sinais de perfuração in- por via endoscópica. Essa cecostomia pode ser usada ainda em
testinal, creatinina sérica acima de 3 mg/dl, infarto do miocár- casos selecionados de perfuração cecal puntiforme, que pode
dio recente, terapia com betabloqueadores, gravidez e obstrução ocorrer, por exemplo, durante a colonoscopia.
mecânica. A dose usual é de 2 mg, ministrada lentamente (em A presença de sinais de irritação peritoneal, dor abdominal
3 a 5 min) em bolo endovenoso, ou, preferencialmente, em acentuada ou leucocitose progressiva levanta a hipótese de is-
infusão com 100 ml de solução salina, em 1 h. A estimulação quemia acentuada ou perfuração, que ocorre em 3 a 15% dos
parassimpática decorrente de seu uso pode induzir bradicardia, pacientes, necessitando-se então de tratamento cirúrgico, que
sialorreia, náuseas e cólicas abdominais e, menos frequente- em geral implica hemicolectornia direita.
mente, vômitos, assistolia, hipotensão, convul.sões, inquietude, A mortalidade da slndrome situa-se entre 15 e 30%, elevan-
tremor, miose, broncoconstrição e sudorese. do-se até 50% quando ocorre perfuração intestin.al, refletindo
Sendo assim, o paciente deve ser mantido em monitora- a presença de múltiplas comorbidades e o atraso frequente no
mento eletrocardiográfico e pressórico durante, e pelo menos, seu diagnóstico e tratamento.
uma hora após a administração venosa, utilizando-se atropina
ou glicopirolato para tratamento de possíveis efeitos colaterais
colinérgicos, havendo autores que sugerem seu uso profilático • PSEUDO-OBSTRUÇÃO INTESTINAL
rotineiro. A grande maioria dos enfermos responde em alguns
minutos com eliminação de flatos e/ou fezes e diminuição da CRONICA (POIC)
distensão abdominal. Alguns deles necessitam de mais uma
ou duas doses da medicação após 4 h da primeira infusão, no • História eexame físico
caso de aus~ncia de resposta inicial, ou havendo recorrência do
quadro, o que pode acontecer em até 35% dos casos. Os sinais e sintomas desta síndrome, em geral recorrente,
Se o tratamento farmacológico falha e o paciente ainda não variam conforme a localização e a intensidade do acometimen-
tem sinais de irritação peritoneal, deve-se proceder à colonos- to, que pode ir do esôfago ao reto.
copia descompressiva, na qual se aspira o máximo possível de ar A dor abdominal é frequente, ocorrendo não só pela dis-
da luz colônica, diminuindo-se assim sua pressão interna. Com tensão intestinal, mas também por espasmos musculares e pela
ela, pode-se ainda fazer o diagnóstico diferencial com outras hiperalgesia víscera!.
doenças, tais como megacólon tóxico, colite por Clostridium O envolvimento do esôfago pode ser assintomátíco ou pode
difficíle, isquemia mesentérica, neoplasias e vólvulo, sendo ain- manifestar-se por disfagia, dor precordial e regurgitação, ou
da muito útil em caso de dúvidas sobre a presença de obstrução como pirose causada pelo refluxo gastresofágico.
mecAnica. Deve-se lembrar que a colonoscopia traz o risco real A gastroparesia pode apre.sentar-se com vômitos, plenitude
de perfuração, devendo ser realizada com cuidado, utilizando- gástrica e saciedade precoce.
se a mínima insuflação de ar possível à introdução do aparelho. A predominância de acometimento do intestino delgado
A eficácia do método aumenta quando se consegue progredir leva ao supercrescirnento bacteriano e à síndrome de alça cega,
o aparelho além da flexura hepática, a despeito de o preparo havendo esteatorreia, diarreia, distensão abdominal e desnu-
ser realizado apenas com enemas salinos de pequeno volume. trição. O acometimento predominante do cólon manifesta-se
A média de sucesso com o método é de, aproximadamente, por constipação intestinal acentuada, enquanto o estado nu-
70%, havendo recidiva da dilatação em até 40% das vezes e uma tricional do indivíduo tende a ser preservado. Em pacientes
taxa de perfuração de cerca de 3%. Para diminuir a recidiva, a com o intestino difusamente afetado, pode haver alternância
maioria dos autores preconiza a introdução e manutenção de desses sintomas.
uma sonda longa posicionada no cólon direito, o que promove O acometimento urinário simultâneo pode mostrar-se com
uma descompressão mais prolongada. infecções de repetição, disúria e retenção de urina.
A observação de mucosa isquêmica durante a colonoscopia Muitos pacientes apresentam história de laparotomias ex-
não indica, obrigatoriamente, uma laparotomia, já que a isque· ploradoras que não evidenciaram obstrução mecânica, o que
mia pode ser reversível e parcial, ou seja, pode não atingir toda pode, desde então, levar a confusão diagnóstica devido à sus-
a espessura da parede. O sucesso deve ser avaliado clinicamente, peita da participação de aderências nas crises subsequentes. A
não podendo ser visibilizado radiologicamente de imediato, já sintomatologia costuma surgir na infância ou adolescência,
que o diâmetro cecal permanece aumentado, habitualmente, algumas vezes mais tarde, havendo história familiar positiva
logo após o procedimento. Em caso de recorrência, que ocorre em até 30% dos casos.
principalmente quando não é posicionada uma sonda descom- A história clínica do paciente é, sem dúvida, o principal ele-
pressiva na primeira colonoscopia, pode-se repetir mais uma mento para o diagnóstico, devendo guiar os exames comple-
vez a terapia endoscópica. mentares. O quadro típico é de um paciente jovem com meses
Vários estudos mostraram também boa eficácia do trata- a anos de sintomas insidiosos, terminando por apresentar epi-
mento da pseudo-obstrução colônica aguda utilizando-se blo- sódios intermitentes de obstrução intestinal incompleta, com
queio anestésico epidural continuo com bupivacaina ao nível evidências de desnutrição, distensão e dor abdominal, náuseas
do tórax. Tal procedimento promoveria teoricamente a dimi- e vômitos. Podem-se observar, às vezes, alterações neurológicas
Capitulo 49 I Pseudo-obstrução Intestinal 517

ou do trato urinário, bem como evidências de doenças subja- Na POIC primária miopática, podem-se observar, muitas
centes causadoras da síndrome. vezes: dilatação duodenal, acentuada hipocontratilidade, perda
de haustrações e aumento do diâmetro do cólon. Já na forma
neuropática, notam-se contrações abundantes, porém desor-
• Diagnóstico ganizadas e ineficazes, muitas vezes com dilatação leve a mo-
• Exames laboratoriais derada do delgado. A diferenciação segura entre essas formas,
Além dos exames usados na avaliação do estado nutricio- contudo, não pode ser feita comumente pela radiologia.
nal e metabólico do paciente, deve-se solicitar, criteriosamen- A urografia excretora pode mostrar alterações urinárias as-
te, e guiando-se sempre pela avaliação flsica e pela anamnese, sociadas, sendo citada a presença de disfunção da bexiga (me-
a realização de testes para doenças sistêmicas possivelmente gabexiga) em até 85% das crianças com a forma miopática pri-
causadoras de pseudo-obstrução intestinal crônica, tais como: mária da síndrome e em 15% daquelas com a forma neuropática
anticorpos antinucleares séricos (lúpus eritematoso sistêmico, primária.
esclerose sistêmica, poli e dermatomiosite), anti-SCL-70 (es- A tomografia computadorizada helicoidal tem boa indica-
clerose sistêmica), glicemia de jejum (diabetes melito), testes ção quando persiste a dúvida com o diagnóstico diferencial de
de função tireoidiana (hipotireoidismo), sorologia para doen- quadros obstrutivos mecânicos.
ça de Chagas, dosagem de paratormônio e cálcio sérico (hipo-
paratireoidismo), creatinofosfoquinase (doenças musculares), • Manometria
porfirinas (porfirias), lactato e piruvato séricos (doenças mi- Além da manometria esofágica, que tem se mostrado o me-
tocondriais) etc. Na síndrome paraneoplásica do carcinoma lhor método para estudo da motilidade desse segmento, dis-
pulmonar de pequenas células, pode-se detectar a presença de põe-se, em alguns centros especializados, da manometria in-
anticorpos anti-Hu (anticorpo antineuronal nuclear). testinal.
Na POIC, esse exame pode diferenciar os casos de miopatia
• Radiologia (que se caracterizam por ondas peristálticas de pequena ampli-
As radiografias simples normalmente revelam níveis hidroaé- tude) dos casos de neuropatia (com ondas de amplitude nor-
reos e/ou presença de alça sentinela, podendo não haver qual- mal, porém incoordenadas). Nesta última, observam-se ainda
quer alteração em períodos assintomáticos. Raramente, pode anormalidades ou mesmo inexistência da fase III do complexo
haver pneumatose intestinal e pneumoperitônio benigno (sem motor migratório em jejum. Uma resposta motora normal à
perfuração de alça), o que se explica, talvez, pela entrada de ar alimentação denota integridade tanto dos sistemas de controle
no intestino causada pelo aumento de pressão intraluminal e neural quanto da musculatura lisa gastrintestinal. Da mesma
pela presença de bactérias formadoras de gás. forma, alterações dessa resposta podem advir tanto de causas
Os estudos radiológicos contrastados mostram, muitas ve- neurais quanto de musculares. Na presença de dilatação intes-
zes, o acometimento simultâneo de diversos segmentos do tubo tinal acentuada e duradoura, os registros manométricos podem
digestivo, vendo-se normalmente órgãos dilatados, sem evidên- ser inespecíficos, com redução acentuada da atividade contrátil,
cias de obstrução mecânica. Para afastar esta última, e para que o que limita a sua utilização nesses casos.
se planeje adequadamente o tratamento, é importante que se Os estudos científicos têm mostrado ainda a utilidade de exa-
avalie radiologicamente todo o trato gastrintestinal. Deve-se mes de manometria antroduodenal para a avaliação do prog-
ter em mente que indivíduos em estágios iniciais da síndrome, nóstico e da possibilidade de resposta ao tratamento. Sendo
com alterações manométricas e clínicas sugestivas de pseudo- assim, pacientes que apresentem complexo motor migratório
obstrução intestinal, podem apresentar-se inicialmente sem têm boa possibilidade de tolerar dieta enteral, e aqueles em que
dilatação de alças. está presente a fase III desse complexo têm maior possibilidade
Na POIC primária, mais da metade dos pacientes apresenta de resposta ao uso de procinéticos.
alterações da motilidade esofágica, podendo mirnetizar quadros A manometria pode ser utilizada também para detecção de
de acalasia ou espasmo esofágico difuso. segmentos intestinais afetados que devem ser contornados por
Não é incomum a presença de estômagos distendidos e com desvios cirúrgicos. Por exemplo, em casos de acometimento
esvaziamento retardado, e o estudo radiológico contrastado isolado do estômago, a alimentação por jejunostomia pode ser
ajuda a excluir uma causa obstrutiva mecânica para tal, porém considerada. Já quando há dismotilidade acentuada e isolada
sua correlação com o estudo cintigráfico é baixa, permanecen- do cólon, uma ileostomia pode permitir a descompressão in-
do esse último como o método de escolha para o diagnóstico testinal e possibilitar a alimentação do paciente.
de gastroparesia.
A presença de megaduodeno é característica da forma au- • Biopsia intestinal
tossômica dominante de miopatia víscera!, sendo ela muitas Apesar de o diagnóstico da POIC ser baseado no quadro
vezes diagnosticada erroneamente como "síndrome da artéria clínico e radiológico do paciente, algumas vezes a exclusão de
mesentérica superior". obstruções mecânicas pela endoscopia e radiologia não é pos-
Para estudo do delgado, o método radiológico mais acura- sível, devendo-se então recorrer à laparotomia exploradora.
do é a enteróclise, que consiste na introdução de uma sonda Quando a suspeita de urna obstrução mecânica não se confir-
no delgado proxirnal por onde se injeta contraste e ar, permi- ma, devem-se realizar biopsias de espessura total do intestino,
tindo-se estudar a motilidade e a distensibilidade do órgão à colhendo-se material tanto da área dilatada quanto de uma
fluoroscopia. Esse exame, contudo, é bem mais trabalhoso e área de aspecto normal.
desconfortável que o estudo do trânsito intestinal VO, sendo Os fragmentos devem ter pelo menos 2 em por 2 em quan-
pouco usado em nosso meio. do abertos, possibilitando seu exame por colorações habituais
A observação radiológica de diverticulose intestinal difusa (hematoxilina-eosina e tricrômio de Masson) e especiais (técni-
pode estar associada tanto à POIC miopática quanto à neu- ca de coloração pela prata de Smith, imuno-histoquímica para
ropática. a pesquisa de c-kit etc.), a fim de se estudar adequadamente
518 Capftulo 49 I Ps~udo-obstruçllo Intestinal

sua camada muscular, plexo mioentérico e células intersticiais ...


de Cajal. Quadrv49.1 Classificação clinicopatológica
Devem-se avaliar os reais beneficios advindos com a coleta da pseudo-obstrução intestinal
de biopsias por laparoscopia ou laparotomia, já que, a partir
da!, a formação de ader~ncias pode confundir ainda mais o AFECÇOES DA MUSCULATURA LISA
diagnóstico, sobrepondo um fator mecânico ao quadro. • Prim~rias:
A biopsia endoscópica do esôfago e estômago não tem valor a) Familiares:
diagnóstico. Quando há associação de supercrescimento bacte- - Tipo l
riano, a biopsia duodenal pode mostrar áreas de atrofia vilositá- -npo n
ria semelhantes a casos de doença cellaca. Já a biopsia reta! pode - Tipo lll
b) Miopatia visceral esporádica
ser útil no diagnóstico de amiloidose, na doença de Hirschs-
c) Cong~nitas: ti pos I e 11
prung. em que se nota a aus~ncia de neurônios na sub mucosa,
• Se<:und~rias:
e na neuropatia víscera! familiar mais comum, caracterizada a) Esclerose sist~mica progressiva
pela presença de inclusões eosinófilas nos neurônios. b) Distrofia muscular progressiva
c) Polimiosite
• Outros exames d) Síndrome de Ehlers-Danlos
Como métodos de grande utilidade, podemos citar o estudo e) Miopatia mitocondrial
do esvaziamento gástrico por cintigrafia e o estudo do trânsito f) Amiloidose
colônico pela ingestão de marcadores radiopacos, este último g) Outras
de grande valia na avaliação da constipação intestinal. AFECÇOES DO PL.EXO MIOENTtRICO
A diarreia é muitas vezes causada pela estase do conteúdo • Primárias:
intraluminal levando ao supercrescimento bacteriano, o que a) Familiares:
pode ser confirmado com testes respiratórios com hidrogênio - Doença da inclu~o lntranuclear neuronal
- Esteatorreia familiar com calcificações dos gânglios basals e
ou carbono marcados. retardamento mental
Se há sinais de disfunção neurológica, pode ser necessário - Síndrome POLIP (polineuropatia, of'talmoplegla,
realizar tomografia computadorizada do sistema nervoso cen- leucoencefalopatia. pseudo-obstrução Intestinal)
tral, eletromiografia ou testes do sistema nervoso autônomo. - Neuropatia familiar viS<eral com padrão de herança dominante
Em caso de sintomas urinários, devem-se solicitar urografia -Outras
excretora e cistografia retrógrada, pesquisando-se a presença de b) Espor~dicas (degenerativas não Inflamatórias)
dilatações da bexiga ou do ureter, o que sugeriria um distúrbio • Secundárias:
difuso da musculatura lisa. a) Degenerativas inflamatórias:
A radiografia ou tomografia do tórax pode mostrar um cãn- - Paraneopl~sicas
- Infecciosas (doença de Chagas, citomegalovirose, AIDS)
cer pulmonar de pequenas células levando a uma síndrome
- ldiopáticas
paraneoplásica. - Axonopatia isolada
A critério clinico, pode-se indicar ainda a realização de ele-
• Anormalidades do desenvolvimento:
trocardiograma (doença de Chagas), biopsia de músculo e pele a) Aganglionose coiOnica total (às vezes assodada a agangllonose do
(esclerose sistêmica progressiva, doenças musculares) e exames i ntestino delgado)
endoscópicos. b) Distúrbio de maturação neuronal:
- Isolada do plexo mioent~rico
- Com retardamento mental
• Classificação da pseudo-obstrução - Com outras alterações neurológicas
intestinal crônica c) Displasia intestinal neuronal:
- Isolada do intestino
A motilidade digestiva depende da contratilidade da - Com neoplasia endócri na múltip la tipo 11 B
musculatura lisa e da atividade de marca-passo realizada pelas - Com neurofibromatose
células intersticiais de Cajal, sendo ambas ajustadas de forma DOENÇAS ENOOCRINAS E METAB0LICAS
precisa pela inervação intrínseca (sistema nervoso entérico) ou a) Diabetes melito
extrínseca (sistemas nervosos simpático e parassirnpático). b) Hipoparatireoidismo
Pode-se deduzir da( que a POIC pode surgir como conse- c) Hipotireoidismo
quência de anormalidades que afetem esses fatores, isoladamen- d) Porfiria aguda intermitente
te ou em conjunto, como é mostrado no Quadro 49.1. e) Feocromocitoma

DROGAS
Opioides. clonidina, fenotlazinas, antldepreslvos trldcllcos. alcaloldes da
vinca, antiparkinsonianos, isoniazida.• antagonistas de canais de c~ leio,
• MIOPATIAS VISCERAIS laxativos cat~rticos etc.
Caracterizam-se por fibrose, atrofia e degeneração vacuo- MISCELANEA
lar da muscular própria, podendo afetar a musculatura lisa de a) Diverticulose do i ntestino delgado
outros órgãos, como útero, (ris ou bexiga. b) Doença celiaca
As miopatias viscerais primárias familiares parecem serra- c) Byposs jejunoileal
d) Tumores e infartos do sistema nervoso central
ras, caracterizando-se atualmente três tipos, com base nos seg-
e) Doença de Parki nson
mentos acometidos e no padrão de hereditariedade. O tipo I é f) DisfunçAo autonOmica familiar
transmitido por um gene autossômico dominante, acometendo g) Trauma raquimedular
principalmente o duodeno, levando à sua dilatação, além de po- h) Outras causas
der associar-se aínda a aperistalse esofágica, dilatação jejunal,
Capitulo 49 I Pseudo-obstrução Intestinal 519

cólon redundante e megabexiga. Midríase ocorre em mais de idiopática. Dentre os agentes infecciosos envolvidos, podemos
50% dos pacientes. Alguns casos essencialmente assintomáticos citar: o Trypanosoma cruzi da doença de Chagas, o citomegalo-
nessas famílias podem receber o diagnóstico de "megaduodeno vírus, o HIV, o vírus Epstein-Barr e o herpes-zoster.
idiopático" ou "síndrome da artéria mesentérica superior". O Nas neuropatias não inflamatórias degenerativas, observam-
tipo li representa forma autossômica recessiva, envolvendo of- se, dentre outros aspectos: diminuição da população neuronal,
talmoplegia, múltiplos divertículos no delgado, que se apresenta corpos celulares edemaciados, alterações dendríticas, núcleos
dilatado, e atonia gástrica. Os pacientes do tipo IIl apresentam vacuolizados, axônios fragmentados, proliferação das células
dilatação de todo o trato gastrintestinal, desde o estômago até gliais, fibrose do plexo nervoso e hipertrofia da muscular pró-
o reto. Sua forma de transmissão ainda é incerta, sendo prova- pria. Como exemplos, temos a maior parte das neuropatias
velmente autossômica recessiva. esporádicas e familiares.
Os sintomas e o estudo histológico da miopatia primária Em lactentes e crianças, a POIC normalmente resulta de
não familiar são idênticos aos da familiar, ressaltando-se aí a um desenvolvimento anormal do sistema nervoso entérico. Na
dependência da anamnese para diferenciá-las. Há ainda uma maior parte dos casos, os neurônios dos plexos estão presentes
forma congênita de miopatia visceral, habitualmente fatal nos em número usual, porém são qualitativamente anormais, com
primeiros anos de vida. deficiência de neurofilamentos. No outro extremo, há casos em
Dentre as miopatias ligadas às colagenoses, a mais frequen- que se nota a ausência da formação de plexos, ou aganglionose.
te é a da esclerodermia, em que cerca de metade dos pacientes Podemos citar, como exemplos de desenvolvimento anormal, a
apresenta distúrbios motores durante a evolução da doença. doença de Hirschsprung e a estenose hipertrófica do piloro.
O órgão mais acometido é o esôfago, observando-se disfagia e A neuropatia víscera! primária familiar mais frequente é a
refluxo gastresofágico acentuado, com consequente esofagite doença da inclusão intranuclear neuronal, caracterizada pela
e formação de estenose. O intestino delgado é frequentemen- presença de inclusões nos neurônios dos plexos submucoso e
te acometido, o que leva a um quadro de dilatação com estase mioentérico, que sofrem posterior degeneração e desapareci-
intestinal, supercrescimento bacteriano e esteatorreia. Apesar mento, o que pode ser verificado no material obtido através de
da dilatação, as válvulas coniventes dispõem-se junto umas das biopsia reta!. Essa doença é de transmissão autossômica reces-
outras. No cólon, a pressão intraluminal exercida sobre os fo- siva, e os sintomas podem incluir déficit mental e disfunção
cos de deposição de colágeno produz sua protrusão, formando autonômica. Outras formas primárias familiares são citadas
divertículos de óstio amplo. As dilatações colônica e gástrica no Quadro 49.1.
também ocorrem com frequência. Entre as doenças que acometem difusamente o sistema ner-
A dermatomiosite e a polimiosite podem envolver a voso, devem -se ressaltar a doença de Parkinson e a polineuro-
musculatura lisa do trato gastrintestinal além da esquelética, patia diabética. Na primeira, deve-se considerar sempre, além
com os pacientes podendo apresentar disfagia, distensão ab- da doença em si, o uso de drogas de ação anticolinérgica, que
dominal e constipação intestinal. podem agravar a gastroparesia e a constipação intestinal comu-
Na distrofia miotônica, são afetados o esôfago, principal- mente vistas. No diabetes melito, o acometimento do sistema
mente, e, menos frequentemente, o cólon. Nos casos de lúpus nervoso autônomo pode provocar vários sintomas, sendo a
eritematoso envolvendo pseudo-obstrução, descrevem-se como constipação intestinal o mais frequente. Além desta, podemos
achados a dilatação gástrica e duodenal e a diarreia. Acredita-se citar dor abdominal, náuseas, vômito, disfagia leve, diarreia e
que o quadro resulta da vasculite de vasos abdominais gerando incontinência fecal. Chama atenção a gastroparesia diabética,
isquemia intestinal. que pode criar sérios problemas de nutrição e de controle da
As infiltrações da musculatura lisa são bastante raras, ha- glicemia.
vendo dúvida, no caso da amiloidose, se as alterações da moti-
lidade se devem à deposição de amiloide na musculatura ou à
lesão do sistema nervoso. • DROGAS
V árias são as drogas que podem comprometer a motilidade
• NEUROPATIAS VISCERAIS do trato digestivo, seja por exercerem uma ação parassimpa-
ticolítica temporária, como no caso dos antidepressivos, dos
A POIC neuropática pode ser classificada em duas formas: bloqueadores dos canais de cálcio e dos antiparkinsonianos e
a) neuropatias inflamatórias, nas quais o sistema nervoso en- opioides, seja por provocarem lesão neuronal, como os catár-
térico é afetado por um mecanismo de resposta imunitária e ticos, a isoniazida e os alcaloides da vinca.
inflamatória; b) neuropatias degenerativas, nas quais se observa
degeneração neuronal sem resposta inflamatória evidente.
As neuropatias inflamatórias caracterizam-se histologica- • DISTÚRBIOS METABÓLICOS
mente pela presença de um denso infiltrado inflamatório lin-
foplasmocitário envolvendo os axônios e plexos nervosos, es- A constipação intestinal e a distensão abdominal estão fre-
pecialmente os mioentéricos, com subsequente degeneração e quentemente associadas ao hipotireoidismo, sendo o vômito
desaparecimento das células nervosas ganglionares. Ao lado da pouco comum. Alguns casos podem sugerir uma obstrução
resposta imunitária celular, evidenciada pela presença predo- mecânica do delgado ("íleo mixedematoso"), quadro que pode
minante no infiltrado de linfócitos CD4 (T helper) e CD8 (T ser totalmente revertido com a administração de hormônio
supressor), observa-se uma resposta humoral caracterizada por tireoidiano.
anticorpos antineuronais, como os anticorpos antinucleares A pseudo-obstrução como manifestação do hipoparatireoi-
neuronais (ANNA- I) e anti-Hu. Normalmente, essa forma de dismo, ou do feocromocitoma, é muito rara, sendo descrita
neuropatia é secundária a outras doenças, ocorrendo, por exem- em casos isolados. Também cada vez mais raros são os casos
plo, na síndrome paraneoplásica, nas doenças do tecido conjun- de dilatação intestinal e náuseas em pacientes urêrnicos des-
tivo e nas doenças infecciosas, podendo, contudo, ter origem compensados.
520 Capitulo 49 I Pseudo·obstruçiJo Intestinal

Na porfiria intermitente aguda, os pacientes podem apre- IV, não persistindo seu efeito quando usada de forma continua
sentar dor abdominal em cólica, náuseas, vômito e constipação devido à taquifilaxia.
intestinal como consequência da neuropatia que se desenvolve A cisaprida teve um sucesso limitado, de forma geral. tendo
nas exacerbações. sido retirada do mercado por seus efeitos cardiovasculares.
O octreotídio é um análogo da somatostatina de ação pro·
longada. Em doses de 50 1!8 SC, estimula o peristaltismo do
• OUTRAS CONDIÇOES intestino delgado e inibe o esvaziamento gástrico. Sendo as·
sim, deve ser ministrado apenas à noite, pois pode dificultar a
Tumores e infartos do sistema nervoso central podem dar digestão das refeições ingeridas durante o dia. Seu uso parece
origem a distúrbios da motilidade gastrintestinal, uma vez que mais justificado em casos de esclerose sistêmica progressiva,
esta é modulada pela formação reticular ascendente, pelo tron· associado ou não à eritromicina.
co cerebral (núcleo amblguo) e pelo núcleo motor dorsal do Aqueles pacientes que não respondam ao tratamento clinico,
vago. e que tenham alterações segmentares, devem ser encaminha·
O trauma raquimedular pode também levar a anormalidades dos à cirurgia. Deve-se lembrar sempre que, antes de operar, é
da motilidade colônica e anorretal e, menos frequentemente, imprescindivel um estudo adequado, minucioso, do tubo di-
do delgado e do estômago, estas últimas como consequência gestivo, já que o segmento a ser operado pode não ser o úni·
da desnervação simpática decorrente. co ou principal responsável pelos sintomas do paciente. Além
Outras causas de pseudo-obstrução intestinal crônica citadas disso, uma vez realizada a cirurgia, o diagnóstico diferencial
na literatura são diverticulose jejunal, doença cellaca, radiação com obstruções mecânicas causadas por aderências dificulta
e bypass jejunoileal. bastante o seguimento do caso.
O tratamento cirúrgico pode significar urna colectornia para
casos de pseudo-obstrução isolada do cólon, duodenojejunos·
• TRATAMENTO tornia para o megaduodeno, ressecção ou desvio do trânsito de
segmentos disfuncionais isolados, confecção de estornas para
Sendo uma slndrome de causas e manifestações tão varia· nutrição enteral e para descompressão do trato gastrintestinal.
das, procura-se sempre basear o tratamento em diagnósticos Em alguns centros avançados, tem-se realizado o transplan·
individuais precisos. Deve-se tentar descobrir todos os fatores te intestinal em pacientes com acometimento intestinal acen-
causadores relacionados com o quadro, procurando-se atuar tuado, sem doenças de base graves, que dependam de nutrição
naqueles passlveis de correção, o que pode significar uma me· parenteral prolongada, e que apresentem complicações como
!hora significativa para o paciente. perda de acesso venoso central, infecções recorrentes desse
Um exemplo disso é o tratamento das crises de supercres- acesso, ou insuficiência hepática.
cimento bacteriano com antibióticos como levofloxacino, ci·
profloxacino, amoxicilina-ácido clavullnico, riafaximina e me·
tronidazol, muitas veus possibilitando o controle do quadro • LEITURA RECOMENDADA
de diarreia e má absorção nos casos de estase intestinal. O uso Alves, JG & StaJU.iola, IP. PS<Udo-ob<truçio Intestinal Em: Alva, )G & OanJ,
continuo de antibióticos deve ser evitado, pois promove o cres· R. Teraplutica em Gast:roonterologia. Rio de Janeiro, Editora Guanabara
cimento de cepas resistentes sem alterar o curso da doença de Koogan, 2005.
Batlce, M & Cappdl. MS. Adyrwnic Ueus and acute colonlc pseudo-obruuction.
base. Em caso de retomo da diarreia, deve-se instituir novo tra· M.d Clin N Am, 2008; 92:649-10.
tamento, podendo-se ainda usar um esquema de administração Camilleri, M. Oismotility o f lhe snWI intestlne wl colon. Em: Yamada T, Alpen
de antibióticos de 7 a !O dias a cada mês, variando-se a medica· OH, Kaplowitt N tt ai., Ttxtbook ofGastroentcol.>gy, 4th ed., PhUadelphia,
ção a cada vez, naqueles casos de recorrência frequente. ).B. Upplncou Com~y. 2003.
Connor, FL & Di Lorenzo, C. Ouonic Intestinal pseudo-obruuction: :wessment
Devem-se sempre corrigir os distúrbios hidreletrolíticos, and manage.mnL GastTO<nterology, 2006; 130:S29·S36.
tratar as doenças endócrinas e retirar as drogas agravantes por- De Giorgio. R, Sarnelli, G, Corinaldw R. Stanghtllnl, V. AdVllnc<Sln our un-
ventura em uso. dentanding oflhe pathologyof chronlc Intestinal pseudo-obstruction. Gut,
A manutenção satisfatória do estado nutricional deve ser 2004; 53:1549-52.
Delgado-Aros, S & Camiller~ M. Pseudo-obstructlon In lhe cr!tlca!ly 111. Best
urna preocupação constante. Dependendo das condições do Pract Res Clin GasiTO<nterol, 2003; 17:427·44.
paciente, pode-se utilizar desde uma dieta normal VO, até nu- Eisen, GM, Baron, TH, Oominit%. )A et a/. Acute colonlc pseudo-obstructlon.
trição parenteral total. Casos intermediários tendem a tolerar Gaslrointest Endosc, 2002; 56:789-92.
melhores dietas liquidas, com pouco ou nenhum reslduo, pouca Fazel, A & Vcrnc, N. Ncw solullons to an old problcm: acute colonlc pscudo-
obstruction. 1 Clin Gastroentero/, 2005; 39:17· 20.
gordura e sem lactose, com protelnas hidrolisadas e suplemen- Gannon, RH. Current stratcgies for preventlng or amelloratlng postoperative
tação de vitaminas e oligoelementos. ilcus: a multimodal approach. Am 1 llea/th Syst Plaarm, 2007; 64:S8-12.
O uso de estornas pode ser necessário não só para possibi· Kahi, CJ & Rex, DK. Bowel obstruction and pseudo-obstruction. Gastro<nttrol
litar a administração da dieta, como também para permitir a Clin N Am, 2003; 32:1229-47.
Melo. JRC, Procópio, RJ, Polizz.l, RJ. Pscudo·obstruçlo Intestinal Em: Paula-
drenagem de gases e secreções digestivas nos episódios de es- Castro, L, & Coelho, LG. Gastroenterologia. RJo de Janeiro, Mcd.•i Editora
tase (ventostomias). Médica c Científica Ltda., 2004.
Drogas procinéticas têm mostrado resultados pouco satisfa· Perlemuter, G, Cacoub, P, Wecluler, B tt al. Pseudo-obstruction intestinale
tórios até o momento. Ensaios cllnicos com drogas coliné.rgicas chronique secondaire aux connectivitu Gtutromtnol Clin Biol, 2001;
25:251-SS.
e anticolinérgicas, metoclopramida, domperidona, cisaprida, Ramage, JI & Baron, TH. Percutaneous end0$Copic acostomy: a ca~ series.
indometacina, prostaglandinas,lidocalna, serotonina, soma tos· Gasrrointest Endosc, 2003; 57:752-S.
latina e colecistocinina, entre outras, têm sido realizados, sem Saunders, MD. Acute colonic pseudo-obsi1UCI.i on. &.t Praa Ra Clin Ga#n>en-
terol, 2007; 21:671-87.
grande sucesso de urna forma geral. Constitui exceção, talvez. Smilh, OS. w·dllams, CS, Furis, CO. O~gnosls and u-caunent of chronic gas-
o uso da eritromicina em quadros de exacerbação aguda da troparesis and chronic inl<Stínal p-do-obstruction. GastTOtJttnol Qút
gastroparesia diabética, sendo mais eficaz quando ministrada N Am, 2003; 3.2>619-SS.
PARTE VI
Ânus e Reto
so Doenças Anorretais
Flávio Antonio Quilici e Lisandra Carolina Quilici

Em relação à evacuação, devem-se pesquisar mudanças do


• INTRODUÇÃO hábito intestinal quanto à sua forma, o tipo das fezes e frequên -
As doenças anorretais estão presentes em toda a história da cia da evacuação; presença de constipação intestinal, di arreia ou
humanidade, aparecendo seus primeiros relatos na Babilônia descarga intestinal; e o aparecimento de muco e/ou pus junto
e no antigo Egito, há mais de 3.000 a.C. às fezes ou separados delas.
Os hábitos de vida no mundo moderno, porém, parecem Havendo incontinência fecal, avaliar se está relacionada
ter contribuído para que elas adquirissem uma importância com a perda de fezes sólidas, líquidas ou somente a gases e sua
sempre crescente, em especial nas últimas décadas. associação a partos, cirurgias ginecológicas, proctológicas ou
Não há dados epidemiológicos confiáveis sobre sua real in- urológicas.
cid!ncia no Brasil, mas calcuía-se que, aproximadamente, 30% Pesquisar, também, a presença ou não de anorexia, perda
da população brasileira, em algum momento da vida, deverá de peso, histórico pessoal e/ou familiar de pólipos adeno-
apresentar qualquer uma delas, utilizando os mais diferentes matosos colorretais, doenças malignas, enfermidades infla-
tratamentos. matórias intestinais, em especial a retocolite ulcerativa e a
Outro fato importante é que a maioria desses tratamentos doença de Crohn, e atitudes erradas adquiridas em relação
não atuará diretamente nas causas destas enfermidades, não à evacuação.
as eliminará e proporcionará, apenas. um breve alivio dos sin-
tomas. • Exame proctológico
O exame fisico criterioso do doente, sobretudo, do abdome
• Anamnese e das regiões inguinais, deverá preceder o proctológico. 1l im-
A anarnnese detalhada é fundamental para o diagnóstico das portante evidenciar que a inspecção e palpação do ãnus, além
afecções anorretais. Após as questões gerais habituais, a anam- do toque reta!, fazem parte do exame fisico de rotina.
nese deverá ser pormenorizada para as características próprias O exame proctológico completo deverá ser realizado sempre
das doenças proctológicas. que o paciente referir qualquer queixa relacionada com doenças
Os principais sintomas e sinais a serem pesquisados na re- coloproctológicas e nos assintomáticos, pertencentes a grupos
gião anal e perianal são: sangramento, exsudaçào, prurido, pro- de risco, para doenças malignas (Quadro 50.1).
lapso, ardor, tumor e/ou presença de dor. Avaliar, também, a A sala de exame deverá ter uma mesa para se posicionar o
evacuação, a continência fecal, a presença ou ausência de te- paciente e outra para o equipamento necessário: luvas descar-
nesmo e sensação de corpo estranho no reto. táveis, pomada lubrificante, porta-gaze, recipiente para expur-
Com relação ao sangramento anorretal (enterorragia), ava- go do material, anuscópio, retossigmoidoscópio, pinças para
liar suas características quanto à cor, se rutilante (provável ori- biopsias e para limpeza reta), frasco com formo! a 10% para
gem arterial), escuro (provável origem venosa) ou na forma de colocarem-se fragmentos de biopsias.
melena (sangue digerido); sua frequência, quantidade e relação O primeiro objetivo do examinador será o de minimizar as
com o ato defecatório. Todos esses aspectos são importantes preocupações do paciente com relação a este exame, em especial
porque contribuem para localizar sua origem e para orientar nos acometidos de afecções anorretais dolorosas, por causa do
os exames complementares. temor de que ele poderá provocar piora da dor.
A dor anorretal, tanto pode surgir, espontaneamente, sem Nas enfermidades agudas, causadoras frequentes de sofri-
relação com a evacuação, ou durante o ato defecatório, ou após mento, tais como a trombose hemorroidária, a fissura anal ou
a evacuação. Pode ser discreta ou intensa, contínua ou inter- o abscesso anorretal, ele deverá limitar-se, em um primeiro
mitente, latejante ou cortante, e/ou associada à febre e à secre- momento, ao necessário para confirmar o diagnóstico, sendo
ção perianal. completado somente após analgesia da área afetada.

523
524 Capftulo 50 I Doenças Ano"eta/s

- - -T brificação, no orificio anal, aguardando o relaxamento esfinc-


Quadro 50.1 Grupos de risco para câncer colorretal teriano. Em seguida, deverá palpar as seguintes estruturas:
... Espaço interesfincteriano. Assemelha-se a um sulco lo-
Risco b'si<o: pacientes com idade acima de 40 anos. calizado entre os dois esfincteres anais e o anel anorretal, com
Risco m*lio: pacientes com história fa miliar de c3ncer, de adenomas ou a identificação do músculo puborretal na parede posterior do
de sfndromes polipoides adenomatosas. reto. Pedindo-se ao doente que contraia esses músculos em
Risco alto: pacientes com história pregressa de adenomas e/ou c3ncer, e esforço para não evacuar, avaliam-se as alterações da tonici-
portadores de doença inflamatória intestinal crônica. dade muscular .
... Ampola reta!. Deslizando o dedo, lentamente, pelas pa-
redes do reto, podem-se identificar pontos dolorosos, sentir
irregularidades ou endurecimentos, definindo sua localização e
O exame proctológico deverá obedecer à seguinte se- extensão, quando existentes. Na ampola reta!, podem-se encon-
quência: trar fezes, em maior ou menor quantidade, de consistência va-
riável, que devem ser diferenciadas dos achados patológicos
• Posição do paáente ... Estrutu ras extrarretais. Por meio desse toque, avalia-se,
Ela ~essencial para sua realização. As posições mais utiliza- também, a próstata no homem, e o colo uterino na mulher,
das são a genupeitoral e a de decúbito lateral esquerdo. além da possível presença de tumores ou abscessos.
A posição genupeitoral é desconfortável para o doente, po- Terminado o toque reta!, o examinador deverá observar sua
rém permite ótima condição para se realizar a retossigmoidos- luva na busca de materiais aderidos, como secreções purulentas,
copia, pois provoca a queda do cólon sigmoide de encontro à pa- sangue e tipo de fezes existentes.
rede anterior do abdome, retificando sua angulação e facilitando
a passagem do aparelho rígido pelo ângulo retossigmoidiano. • Anuscopia
A de decúbito lateral esquerdo (posição de Sims) é mais utili-
Não há necessidade de qualquer preparo para realizá- la. O
zada por ser mais confortável ao paciente, sobretudo em idosos,
gestantes e pacientes artrlticos. O doente deita-se em decúbito anuscópio, depois de lubrificado, será seguro firmemente pela
lateral esquerdo, com as nádegas projetadas para a margem mão direita do examinador que, com sua mão esquerda, tra-
lateral da mesa de exame, do mesmo lado que se encontra o cionará a nádega direita do paciente, com o intuito de expor
médico examinador. As coxas devem fletir-se sobre o abdome o ânus.
com as pernas formando um ângulo de 90". Nessa posição, o Deve-se introduzir o anuscópio, suavemente, sabendo-se
paciente sente-se menos constrangido e todos os procedimentos que haverá, inicialmente, uma resistência, por causa da con-
anorretais podem ser efetuados em boas condições. tração dos esBncteres anais, mas que, mantendo-se a pressão
para sua introdução, ocorrerá o relaxamento, possibilitando
• lnspecção anal sua progressão.
Para sua realização, é necessária uma boa iluminação. Inicia- O anuscópio alcança, facilmente, o limite superior do canal
se pela inspecção estática seguida pela dinâmica, após coloca- anal, porém seu eixo de introdução deverá ser mudado, logo
rem-se as luvas de proteção. após a sua introdução, da direção anterior para a posterior do
... lnspecção estática. A simples inspecção da região anal ânus, no intuito de evitar o traumatismo da sua parede ante-
e perianal permite diagnosticar com frequência e com alguma rior. Após a introdução, será retirado o mandril do aparelho e,
facilidade: hemorroidas externas, trombosadas e/ou prolabadas, por meio de adequada iluminação, observam-se a mucosa do
hematomas, fissuras, abscessos, orif!cios fistulosos, dermatites, canal anal, de coloração rósea, lisa, brilhante, e a vasculariza-
condilomas etc. Nessa inspecção, avaliam-se o aspecto da pele ção da submucosa.
perianal e a presença de secreção, cicatrizes ou retrações. Nos Sua retirada deverá ser, sempre, lenta e cuidadosa. No limite
doentes que referem incontinência fecal, devem-se observar a inferior do canal anal, existindo a presença de doença hemor-
presença de resíduos fecais e o fechamento completo ou não roidária, essa se projetará para o interior da luz do aparelho e,
do ânus. Afastando-se a pele perianal com ambas as mãos, exa- quando se necessita torná-la mais evidente, deve-se proceder à
mina-se melhor o ânus propriamente dito e assim pode-se ver manobra de Valsalva, por meio do esforço evacuatório. Ao che-
a presença ou não da fissura anal. gar à linha pectlnea, podem-se ver papilas hipertróficas,lesões
... lnspe<:ção dinâm ica. ~realizada solicitando-se ao pacien- fissurárias, orif!cios fistulosos ou criptas inflamadas.
te que faça força para evacuar, quando se podem observar: pro-
lapso de mamilos hemorroidários internos, procidência reta!, • Retossigmoidoscopla
exteriorização de papilas hipertróficas, eliminação involuntária ~ realizada depois da limpeza do reto, por meio da eva-
de fezes etc. Essa inspecção torna-se mais eficiente quando feita cuação estimulada por um enema ou mesmo sem qualquer tipo
após esforço evacuatório, com o paciente sentado no vaso sa- de preparo intestinal, durante a consulta de rotina. Semelhante
nitário e, em seguida, retornando à mesa de exame. ao anuscópio, o retossigmoidoscópio será introduzido com o
mandril, inicialmente em direção anterior (à cicatriz umbilical)
• Palpação e em seguida mudando-se para o sentido posterior, em direção
O examinador deverá realizar apalpação cuidadosa de toda ao osso sacra!. Nesse momento, retira-se o mandril, e a sua pro-
a região perianal, visando a identificar regiões onde a palpação gressão será feita sob visão direta, sem insuflação exagerada de
provoque dor e/ou a presença de áreas amolecidas ou endure- ar e com cuidado, para não aumentar o desconforto do pacien-
cidas, relacionadas com abscessos ou tumorações. te. A passagem pelo ângulo retossigmoidiano dá-se com certa
dificuldade com os aparelhos rígidos; porém, após vencê-lo,
• Toque reta I torna-se fácil sua introdução no cólon sigmoide.
Após a palpação perianal, o examinador deverá introduzir Existindo qualquer tipo de resistência à sua introdução ou
cuidadosamente o dedo indicador da mão direita, após sua lu- qualquer dificuldade de visão de seu lúmen, o exame deverá ser
Capitulo 50 I DoençasAnorrerais 525

parado. A observação é melhor quando feita durante a retirada sistema portal pela veia reta! superior, tributária da veia me-
do anuscópio, devendo-se observar: sentérica inferior.
Em 1963, Stelzner criou o termo Mcorpos cavernosos· para
• O conteúdo do retossigmoide, se est:\ vazio ou com fezes
descrever essa estrutura angiocavernosa que constitui o plexo
(observando suas características); hemorroidário interno do canal anal Esses corpos cavernosos
• A presença de sangue, muco e/ou pus; são sustentados, segundo Thomson, pelas fibras da musculatura
• Se o Júmen intestinal apresenta-se espástico ou esteno- lisa localizada na submucosa do canal anal (descrito por Treitz,
sado; em 1853) e que auxilia, também, a fixá-los nessa localização.
• As características da mucosa - de coloração rósea, su- Esses corpos cavernosos permanecem continuamente preen-
perflcie lisa e brilhante, permitindo a visão do padrão chidos com sangue e murcham apenas no ato evacuatório, para
vascular da submucosa ou se se apresenta inflamada, in- facilitar a passagem das fezes, e, corno consequência, também
tumescida e/ou sangrando fácil ao toque do aparelho; e contribuem para a continência fecal, em especial para gases e
• A presença de ulcerações, lesões polipoides ou vegetantes fezes lfquidas.
da mucosa retal
Identificada qualquer afecção anorretal, deve-se medir sua • Plexo hemorroidário externo
distincia em relação à linha pectínea, para definir sua exata Situa-se no espaço subcutâneo do canal anal, abaixo da li-
localização, e biopsiá-la, para confirmação histopatológica do nha pectínea (sentido distai), sendo vascularizado pelos ramos
diagnóstico. Os fragmentos retirados deverão ser colocados terminais das artérias retais inferiores, e drena para a circula-
em recipiente com solução de formo! a 10% e encaminhados ção sistêmica (veia cava inferior), pelas veias retais inferiores,
para exame. tributárias das veias pudendas e ilíacas internas.
As complicações da retossigmoidoscopia (hemorragia ou Ambos os plexos se comunicam, por apresentarem anasto-
perfuração) são raras. moses arteriovenosas entre si.
Há indicação de se prosseguir a propedêutica, em especial
com a colonoscopia, nos enfermos que: • Etiopatogenia
• Apresentarem perda de sangue pelo ânus ou nas fezes; A natureza da doença hemorroidária não é, ainda, com-
• Tiverem resultado positivo no teste de sangue oculto nas pletamente conhecida. Vários fatores são importantes na sua
fezes; etiopatogenia:
• Apresentarem presença de pólipos ou alterações infla- .,.. Veia varicosa. Representada pela dificuldade do esva.zia-
matórias da mucosa retossigmoidiana; mento sanguíneo do canal anal no ato defecatório, com con-
• Sentirem dor abdominal, diarreia e/ou constipação in- gestão e dilatação dos corpos cavernosos.
testinal; .,.. Degenerativa. Presença de prolapso anormal do plexo
• Possuírem antecedentes pessoais e/ou familiares de doen- hemorroidário interno, durante a evacuação, por deficiência
ças neoplásicas; de sua fixação pela musculatura longitudinal da submucosa
• Forem pertencentes a grupo de risco para câncer color- (músculo de Treitz).
retal (ver Quadro 50.1). .,.. Mecllnica. Caracterizada pelo excessivo esforço defecató-
rio e/ou pela dieta pobre em resíduos (fibras) e pouca ingestão
de llquidos, que pode acarretar o endurecimento das fezes e
• DOENÇA HEMORROIDARIA aumentar ainda mais o esforço evacuatório.
.,.. Hiperplasia vascular. A presença de hiperplasia dos cor-
~afecção das mais frequentes. sendo, porém, impossível pre- pos cavernosos do canal anal que poderá ocasionar sua dila-
cisar sua real prevalência. Incide em ambos os sexos, em todas tação e aumento.
as raças e idades, com maior incidência na quarta década de .,.. Hemodinll mica. Pela presença das comunicações arterio-
vida, ocorrendo raramente na infância e adolescência. venosas, muito calibrosas, na submucosa do canal anal, facili-
A doença hemorroidária surge quando há congestão, dilata- tando o aumento e dilatação dos corpos cavernosos.
ção e aumento dos corpos cavernosos do canal anal formando .,.. Disfunção do esflncter anal interno. Hiperatividade do
grandes emaranhados vasculares, submucosos e/ou subcutâ- esfíncter anal interno do ânus com hipertonia ocasionando
neos, flexíveis, que se enchem de sangue, constituindo os ma- distensão dos corpos cavernosos.
milos hemorroidários. Na etiopatogenia da doença hemorroidária, é importante
considerarem-se, também, seus fatores desencadeantes e agra-
vantes.
• Anatomia Os agravantes estão relacionados com hábitos defecatórios
A vascularização da região anorretal é constituída por uma errôneos, tais como: insistência em evacuar todos os dias, es-
rica rede de arteríolas e vênulas que se comunicam diretamente, forçar-se para defecar em um determinado horário por con-
formando os corpos cavernosos e chamados de plexos hemor- veniência ou forçar o esvaziamento total do conteúdo reta! de
roidários, um interno e outro externo no canal anal. uma só vez.
Seus fatores desencadeantes são: constipação intestinal, abu-
• Plexo hemorroidário interno so de laxativos (em especial, os catárticos), diarreia crônica,
Localiza-se no espaço submucoso do canal anal, acima da gravidez (pelo aumento da pressão intra-abdominal), e a posi-
linha pectlnea (sentido proximal), sendo formado por uma rede ção blpede do ser humano.
de vasos sanguíneos calibrosos. Evascularizado pelos três ra- Não há remissão espontânea para a doença hemorroidá-
mos terminais da artéria reta! superior, dois à direita (um an- ria; urna vez manifestada e sem tratamento, sua evolução é
terior e outro posterior) e um lateral esquerdo. Drena para o progressiva.
526 Capftulo 50 I Doenças Ano"etais

terno. Esse mamilo ínterno é subclassificado, de acordo com a


• Classificação presença ou ausência de seu prolapso para o exterior do canal
A classificação mais utilizada está relacionada com a locali- anal, em:
zação do mamilo hemorroidário no canal anal e com a presença .,.. 1!l GRAU. Mamilo hemorroidário interno que não prola-
ou não de seu prolapso. ba pelo canal anal quando da evacuação ou aos esforços (Fi-
Os mamilos podem ser: internos, externos ou mistos no gura 50.2);
canal anal. Apresentam consistência amolecida e forma abau- .,.. 2° GRAU. Quando ele prolaba através do canal anal duran-
lada. Devido à ramificação arterial da retal superior, pode haver te o esforço evacuatório, exteriorizando-se pelo ânus, porém
três mamilos internos, de localização anterior direita, posterior retraindo-se, espontaneamente, cessado esse esforço (Figura
direita e lateral esquerda, denominados principais, e os demais, 50. 3);
quando existentes, são ditos secundários (Figura 50.1). .,.. 3° GRAU. Mamilo que prolaba à evacuação e/ou aos esfor-
ços e não retorna espontaneamente, necessitando ser recoloca-
• Mamilo hemorroidário interno do digitalmente para o interior do canal anal (Figura 50.4);
O mamilo hemorroidário situado acima da linha pectínea, .,.. 4o GRAU. Mamilo interno permanentemente prolabado
na parte interna ou proximal do canal anal, é chamado de in- pelo canal anal (lado externo), sem possibilidade de ser reco-

Figura 50.1 Esquema da localizaçao no canal anal dos três mamilos hemorroidários internos principais: anterior e posterior direitos e lateral
esquerdo.

Figura 50.2 Visão à anuscopia, acima da linha pectínea ou proximal Figura 50.3 Mamilo hemorroidário interno de I" grau, prolabado para
a ela, de mamilo hemorroidário interno de l• grau que não prolaba à o exterior do canal anal ao esforço evacuatório, porém retraindo-se,
evacuação ou aos esforços. (Esta figura encontra-se reproduzida em espontaneamente, cessado esse esforço. (Esta figura encontra-se re-
cores no Encarte.) produzida em cores no Encarte.)
CapftuloSO I DoençasAnorretais 527

Figura 50.4 Presença de mamilos hemorroid~rios internos de 3• grau, Figura 50.6 Presença de mamilos hemorroid~rios externos (abaixo da
prolabados para o exterior do canalanalao esforço evaruatório, porém linha pectínea ou distai a ela) no canal anal. (Esta figura encontra-se
não retornando. espontaneamente. cessado esse esforço, e necessitan- reproduzida em cores no Encarte.)
do ser recolocados digitalmente. (Esta figura encontra-se reproduzida
em cores no Encarte.)

Figura 50.5 Mamilo hemorroid~rio interno de 4• grau prolabado, per- Figura 50.7 Presença de mamilos hemorroid~rios, internos e externos,
manentemente, para o exterior do canal anal, sem possibilidade de chamados de mistos. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores
ser recolocado para seu interior. (Esta figura encontra-se reproduzida no Encarte.)
em cores no Encarte.)

locado para o interior do canal anal (Figura 50.5). Alguns auto·


res limitam-se a classificar os mamilos internos em três graus,
• Quadro clínico
unificando o 3° e o 4° graus. A enfermidade hemorroidária pode ser assintomática e só
diagnosticada ao exame físico. Porém, a maioria dos enfermos
• Mamilo hemorroidário externo apresenta diferentes sintomas e sinais, com vários graus de in-
O mamilo localizado abaixo da linha pectínea, no anoderma tensidade. São eles: sangramento, prolapso, exsudação perianal
(porção externa ou distai do canal anal), é denominado externo e desconforto anal.
(Figura 50.6). Caracteriza-se por dilatações dos vasos subcutâ-
neos do anoderma, formando um abaulamento de consistência • Sangramento
mole, indolor e, às vezes, de coloração vinhosa. ~ o principal sinal, além de ser o mais frequente, e, às ve-
z.es, o primeiro a manifestar-se. O sangue pode ser observado
• Mamilo hemorroidário misto somente no papel higiênico durante a higiene anal e/ou gote-
Na existência, concomitante, de mamilos internos e externos, jando ou ocorrendo em jato no vaso sanitário durante e/ou
a doença hemorroidária é chamada de mista (Figura 50.7). imediatamente após a evacuação. Caracteriza-se pela sua cor
Essa classificação é importante para orientar a escolha dos vermelho-rutilante.
vários tratamentos existentes para a doença hemorroidária, Está associado à passagem de fezes endurecidas pelo canal
objetivando sua melhor eficácia. anal que podem traumatizar o mamilo hemorroidário ou pelo
528 Capftulo 50 I Doenças Ano"etais

tipo de higiene anal utilizado pelo enfermo, como, por exem- tites, papilites ou abscessos), doenças inflamatórias, tumores
plo, o uso de papel higiênico. benignos ou malignos do canal anal e tumores retais prolaba-
Esse sangramento ou enterorragia é, com frequência, inter- dos benignos.
m itente e, não raro, a principal causa da consulta médica. Ele
é esporádico, em geral acontecendo em crises curtas de dias,
pouco volumoso e relacionado com a evacuação. Essa perda
• Tratamento
sanguínea, discreta e contínua, quando frequente, pode acar- O tratamento da doença hemorroidária depende de haver
retar anemia ferropriva. A enterorragia volumosa causada pela sintomas e de seu tipo e gravidade. A que não ocasiona sinto-
doença hemorroidária é rara. mas ao paciente não necessita de tratamento específico, mas
Por serem bastante similares, é fundamental diferenciar esse somente de cuidados higiênico- dietéticos.
sangramento originado da doença hemorroidária daquele oca- Para o sucesso do tratamento da doença hemorroidária, é
sionado pelos tumores colorretais, pelas doenças inflamatórias fundamental que o médico tenha conhecimento adequado da
intestinais, pela fissura anal etc. sua fisiopatologia, de suas várias formas de apresentação clinica,
grande familiaridade com a anatomia do canal anal, habilidade
• Prolapso técnica e, sobretudo, experiência e competência com as várias
Caracteriza-se pela exteriorização do mamilo hemorroidário técnicas para sua abordagem.
interno, para fora do canal anal, durante o ato evacuatório ou
durante as atividades fisicas. Ele deve ser diferenciado da papila • Tratamento clínico
anal hipertrófica prolapsada, do pólipo reta! baixo que se exterio- O tratamento clinico pode ser indicado quando a doença
riza pelo canal anal e da procidência reta! que se caracteriza pela hemorroidária acarreta sintomas discretos e esporádicos ao pa-
protrusão de todas as camadas do reto para o exterior do ânus ciente, com longos períodos de acalmia. Está indicado, também,
(no prolapso, há apenas a exteriorização da mucosa reta!). nas gestantes com doença hemorroidária não complicada, em
especial no terceiro trimestre. Em doentes terminais, cirrót i-
• Exsudação perianal cos, cardiopatas graves ou com importante comprometimento
Corresponde à umidade da pele perianal causada pela pre- do estado geral.
sença de muco nessa região, decorrente, sobretudo, da irritação Ele compreende os seguintes cuidados:
da mucosa dos mamilos hemorroidários internos prolabados. .,. Medidas higiênico-dietéticas. Orientar os hábitos eva-
Acompanha-se, em geral, pela dermatite e pelo prurido anal. cuatórios do paciente, tais como o fato de evacuar sempre que
sentir desejo. Provocar amolecimento das fezes e diminuição
• DeS<onforto anal do tempo de trânsito intestinal, evitando o trauma local e o
Durante ou após a evacuação, pode haver uma pressão anal, esforço evacuatório. É importante a proibição do uso de laxa-
definida pelo paciente como um desconforto, porém sem dor tivos, em especial dos catárticos. Orientar a utilização de urna
anal, porque a simples presença de doença hemorroidária não dieta rica em fibras (farelos, germe de trigo etc.) na dose diária
dói. de 20 a 30 g, também incluindo verduras cruas e cozidas, legu-
A presença de dor no canal anal concomitante à doença mes, frutas (mamão, laranja com bagaço etc.). Indicar a inges-
hemorroidária ou é causada pelas suas complicações, como a tão abundante de líquidos (aproximadamente 2 t/dia) e evitar
trombose vascular (endoflebite), o hematoma, ou pela presença bebidas alcoólicas, pimentas e condimentos pela ação irritante
concomitante de outras enfermidades dolorosas dessa região, sobre a mucosa do canal anal.
como a fissura anal, a infecção perianal ( criptite, papilite ou Nos pacientes com constipação intestinal, devem-se acres-
abscesso), as lesões inflamatórias ou tumorais. centar auxiliares da evacuação, tais corno: rnucilagern, rnetil-
celulose e semente de plantago.
.,. Cuidados locais. Deve-se proibir a utilização de papel
• Diagnóstico higiênico para limpeza anal, substituindo-o por banhos de as-
E realizado por meio de anamnese pormenor izada dos sin- sento com água morna .
tomas e sinais anteriormente mencionados, além da avaliação .,. Medicação tópica. É indicada para aliviar o desconforto
dos hábitos evacuatórios e alimentares dos pacientes, do uso de local, fazendo-se uso de pomadas e/ou supositórios à base de
laxativos, da existência de doenças anteriores ou de cirurgias anestésicos e anti-inflamatórios.
no trato digestivo. Deve-se questionar, também, a existência .,. Drogas vasoativas. A administração oral de drogas va-
de doenças gastrintestinais nos familiares. soativas na doença hernorroidária está indicada para comple-
Nas enferm idades agudas e dolorosas, como na trombose mentar o tratamento clínico e, muitas vezes, também, nas crises
hemorroidária, o exame proctológico deverá limitar-se ao mí- de agudização.
nimo necessário para confirmar o diagnóstico, sem agravar o
sofrimento do paciente. • Tratamento cirúrgico
O exame proctológico deverá seguir a sequência indicada O tratamento curativo da doença hernorroidária é cirúr-
anteriormente. gico. No entanto, para a obtenção de bons resultados é ne-
cessária a combinação de uma indicação cirúrgica criteriosa,
• Diagnóstico diferencial de técnica operatória apurada e de cuidados pós-operatórios
Visto que para os leigos, sob a designição de "hemorroi- adequados.
das", é incluída, com frequência e erroneamente, uma gran- Vários métodos terapêuticos podem ser utilizados, desde os
de variedade de doenças anorretais, é importante proceder-se, mais conservadores aos mais radicais.
com especial cuidado e atenção, ao diagnóstico diferencial da O tratamento cirúrgico tem como objetivo a realização de
doença hemorroidária com as seguintes enfermidades: proci- um procedimento que seja de execução simples, que acarrete
dência reta!, papila anal hipertrófica, hemangiomas perianais, mínima ou nenhuma dor, que permita urna evacuação fisio-
condiloma, plicomas, fissura anal, processos infecciosos ( crip- lógica, tenha baixa rnorbidade e mínima mortalidade, além de
CapftuloSO I DoençasAnorretais 529

apresentar rápida recuperação, possibilitando o precoce retorno • Dor anorretal;


do enfermo às atividades diárias, com baixo custo e sem neces- • Sangramento anal;
sitar de hospitalização. • Infecção local;
Pacientes portadores de outras doenças anorretais conco- • Fissura residual; e/ou
mitantes e com indicação cirúrgica, tais como: fístula, fissura, • Recidiva dos sintomas.
papila hipertrófica etc., podem ser operados na mesma abor-
Segundo Reis Neto e Quilici, em um trabalho prospectivo
dagem, na sua maioria.
e randomizado, com três métodos ambulatoriais para o trata-
mento de pacientes com mamilos hemorroidários internos de
• Tratamento ambulatorial de hemorroidas internas
2° grau (crioterapia, fotocoagulação e ligadura elática), ficou
~procedimento que não necessita de anestesia, permitindo
evidenciado que todos foram eficazes, com alta taxa de cura
o tratamento de vários mamilos hemorroidários internos em
dos sintomas. Em vários enfermos deste estudo, realizou-se o
uma mesma sessão, podendo-se, inclusive, associar diferentes
tratamento simultâneo, de mais de um mamilo, em uma mes-
métodos em um mesmo paciente.
ma sessão, sem influenciar os resultados ou a incidência das
Entre os métodos terapêuticos mais utilizados, para o trata-
complicações.
mento ambulatorial das hemorroidas internas, estão:
Nossa preferência de abordagem ambulatorial em portado-
• Escleroterapia; res de doença hemorroidária interna é:
• Crioterapia;
• 12 grau: crio terapia ou fotocoagulação;
• Fotocoagulação; e
• 22 grau: fotocoagulação ou ligadura elástica;
• Ligadura elástica.
• 3° grau: ligadura elástica; e
~ Esclerote rapía. Foi um método muito utilizado em ma- • 4• grau: ligadura elástica ou hemorroidectornia (gram-
milos hemorroidários internos de 1• e 2• graus. ~de realização peamento).
simples, com boa eficácia quando bem indicado. Consiste na in-
jeção perivasal de óleo fenolado a 5%, cranialmente ao mamilo, • Técnicas de hemoffoidedomia
provocando sua fixação à submucosa, por fibrose, que impede Nos enfermos que apresentam mamilos hemor roidários ex-
a estase sanguínea no plexo hemorroidário varicoso. ternos ou mistos, a melhor opção é a hemorroidectornia. Este
~ Crioterapia. O congelamento com nitrogênio foi um mé- procedimento pode ser realizado em ambulatório ou com o
todo idealizado por Fraser e Grill, em 1967, em substituição à paciente hospitalizado. Em nosso serviço, somente indicamos a
escleroterapia para hemorroidários internos de 1• e 2• graus. hospitalização para a cirurgia na doença hemorroidária mista de
Baseia-se no fato de toda célul a, ao ser submetida a um rápido grandes proporções em que para sua realização seja necessária
e intenso congelamento, ter solidificado seu líquido intracelular a anestesia por bloqueio ou em situações especiais do enfermo.
que rompe a membrana celular, provocando sua destruição. Quando realizamos a hemorroidectornia, sempre indicamos o
Essa técnica consiste na aplicação sobre o mamilo hemorroi- uso de antibioticoprofilaxia.
dário interno de nitrogênio líquido, à temperatura de - 196°C Durante a dissecção dos mamilos hemorroidários, é impor-
negativos, por meio de uma haste metálica, durante 2 min, tante a correta delimitação do plano anatômico entre eles e o
provocando sua necrose por congelamento. esfíncter anal interno, pois sua lesão poderá acarretar graus
~ Fotocoagulação. É um método muito prático e de feitura variáveis de incontinência fecal.
rápida, para a abordagem dos mamilos hemorroidários internos O uso rotineiro da esfincterotomia é preconizado por alguns
de 1• e 2• graus, que foi desenvolvido por Nath e colaboradores, autores, por julgarem que haverá menor dor pós-operatória
em 1977. Utiliza-se um aparelho de raios infravermelhos que, pela diminuição do espasmo muscular. Esta não é a nossa ex-
aplicado sobre a mucosa e submucosa, provoca suas necro- periência e, por isso, só a executamos nos casos em que há hi-
ses pela evaporação dos líquidos intracelulares, consequente à pertonia esfincteriana pela concornitãncia de fissura anal.
coagulação de suas proteínas. Esses raios devem ser aplicados ~ Hemorroidectomia aberta . Existem várias técnicas des-
ao redor do mamilo interno que se pretende tratar, como uma critas para a hemorroidectomia denominada abe.rta. Seu prin-
coroa em seu ápice, produzindo vários pontos de necrose que cípio básico é a excisão de todo o mamilo hemorroidário com
ocasionam uma fibrose até a submucosa, a qual impedirá o ligadura do seu pedfculo vascular, mantendo-se a área de dis-
aporte sanguíneo ao plexo vascular varicoso. Os raios infraver- secção aberta para a sua cicatrização por segunda intenção.
melhos são gerados neste aparelho por uma lãmpada halógena A descrita por Milligan e Morgan (1937) é a mais utilizada
de wolfrãnio, alimentada com 15 volts, e o calor gerado em sua pelos cirurgiões. A cicatrização da ferida operatória se faz por
extremidade atinge aproximadamente, 1000 centígrados posi- segunda intenção e, em geral, acontece entre 3 e 4 semanas.
tivos na mucosa e 60° positivos na submucosa. Um princípio técnico é fundamental na hemorroidectornia
~ Ligadura elástica .~ método de feitura bastante simples, aberta: a manutenção de pontes cutaneomucosas intactas entre
seguro e de baixo custo para o tratamento de mamilos hemor- os locais de excisão dos mamilos {áreas cruentas), evitando-se a
roidários internos de 2• e 3• graus e, em casos selecionados, retirada excessiva de anorderma e, desta maneira, diminuindo-
para mamilos de 4• grau. Ele é o método ambulatorial mais se o risco de estenose anal pós-operatória.
utilizado na atualidade. Foi idealizado por Blaisdell, em 1954, A técnica aberta é de feitura rápida, segura, eficaz e com
e largamente difundido por Baron, a partir de 1962. Consta bons resultados quando bem executada.
de um aparelho aplicador de anéis de borracha que traciona o ~ Hemorroídectomía fechada. Seu princípio é o fechamen-
mamilo hemorroidário interno para dentro dele, permitindo to das feridas operatórias com sutura contínua, tendo como
colocar em sua base um anel elástico, sempre longe da linha vantagens a cicatrização mais rápida (2 semanas), com pouca
pectínea (5 mm), provocando sua necrose por isquernia. secreção local e menor incidência de defeitos cicatriciais. Foi
A incidência de complicações com esses métodos ambulato- idealizada por Ferguson (1959).
riais para tratamento das hemorroidas internas é pequena. Em ~ Hemorroidectomia por grampeamento. Objetiva redu-
nossa casuística, ela é de 6% e caracterizada por: zir o prolapso hemorroidário mediante a excisão de uma faixa
530 Capftulo 50 I Doenças Ano"etais

transversal de mucosa localizada entre a ampola reta! e o canal • Diagnóstico


anal proximal, com anastomose mucomucosa mecânica. Com ~ simples, fácil e realizado pela inspeção do ânus, onde ob-
esta técnica, faz-se a interrupção das ramificações terminais serva-se a presença de processo inflamatório agudo nos plexos
das artérias hemorroidárias com consequente redução do fluxo hemorroidários, caracterizado por uma tromboflebite com in-
sanguíneo para os corpos cavernosos e ressecção do prolapso tenso edema, necrose e/ ou ulceração.
mucosa. Como este local tem poucos receptores sensoriais, a Nos casos em que se realiza a cirurgia de urgência, o exame
dor pós-operatória é, em geral, mínima. Está indicada para os retossigmoidoscópico pré-operatório é dificultado e o cirur-
portadores de hemorroidas internas de 3• e 4" graus e contrain- gião deverá completar a propedêutica proctológica no intrao-
dicada nos enfermos com trombose hemorroidária. Deve-se peratório, após a anestesia, pelo risco de doença concomitante
enfatizar que esta técnica não é indicada para os pacientes por- grave.
tadores de doença hemorroidária externa e de plicomas.
.,.. Complicações pós-operatórias das hemorroidecto- • Tratamento
mias. As mais importantes são: O edema intenso que a trombose hemorroidária acarreta
é irredutível e qualquer manobra para reduzi-lo, mesmo sob
o Dor; analgesia, pode agravar o processo inflamatório.
o Sangramento; Seu tratamento é, sobretudo, cirúrgico, pois o tratamento
o Fecaloma; conservador é demorado, permanecendo o enfermo muito in-
o Retenção urinária; comodado com os sintomas e, com frequência, impossibilitado
o Estenose anal; para suas tarefas diárias. No entanto, o receio de complicações
o Fissura anal; e pós-operatórias, sobretudo de estenose anal ou de sepse peria-
o Infecção da ferida operatória. nal, tem levado alguns cirurgiões a adotar o tratamento conser-
vador. Ele é feito por meio de banhos de assento mornos, bolsa
• Trombose hemorroidária quente perianal, uso de analgésicos e inflamatórios tópicos, na
forma de pomadas, e parenterais, auxiliares da defecação, como
Alguns pacientes podem apresentar estase sanguínea, aguda mucilagens e fibras, e repouso ffsico.
e volumosa, nos plexos hemorroidários, tanto externos quan- Optado pelo tratamento cirúrgico, a técnica operatória a ser
to internos, que, com frequência, evoluem para um processo empregada deverá ser aquela na qual o cirurgião tenha maior
inflamatório endoflebítico, desencadeando uma trombose he- experiência. A hemorroidectomia na fase aguda da trombose
morroidária (Figura 50.8). hemorroidária tem apresentado resultados muito bons quando
Quando a trombose hemorroidária é extensa, também pode são respeitadas as bases técnicas para as cirurgias proctológicas.
ser chamada de pseudoestrangulamento hemorroidário. Carac- A cirurgia nesta fase é segura e curativa, tendo como vantagens:
teriza-se por apresentar, além do processo inflamatório endofle- rápido alivio dos sintomas; cura dos mamilos hemorroidários;
bítico, intenso edema e necrose. Sem tratamento correto, pode diminuição do tempo de recuperação do enfermo; e menor
evoluir para ulceração e dor intensa da região afetada. período de inatividade do paciente. Os cuidados e as compli-
cações pós-operatórias são as mesmas da cirurgia da doença
• Quadro clínico hemorroidária não trombosada.
Seu aparecimento é abrupto. Causa, frequentemente, dor
local intensa, contínua e latejante, que impede as atividades • Hematoma perianal
cotidianas dos enfermos. Há, também, importante edema lo-
cal e sensação de tenesmo reta!. Poderá haver secreção perianal O hematoma perianal é uma coleção sanguínea subcutânea
com mau cheiro associado, ou não, ao sangramento do ma- (extravasai) decorrente da ruptura de um ou mais vasos da
milo trombosado. Poderá provocar dificuldade evacuatória e pele perianal. Os hematomas ficam confinados ao anoderma,
retenção urinária. não ultrapassando a linha pectínea em direção à mucosa do
canal anal.
~ uma das doenças anorretais mais comuns, apresentan-
do alta incidência em todas as faixas etárias e sem preferência
quanto ao sexo. Tem aparecimento abrupto, caracterizado pela
presença no anoderma do canal anal de um ou mais nódulos
dolorosos de tamanhos variados e que, na sua maioria, tem a
coloração azulada (Figura 50.9).
A etiologia dos hematomas perianais está associada a várias
causas, tais como: constipação intestinal; diarreia; esforço eva-
cuatório; exercícios ffsicos exagerados e maus hábitos higiêni-
cos, como a limpeza anal com papel.
• Quadro clínico
A dor local é o principal sintoma, de aparecimento abrupto,
com intensidade variável, frequentemente contínua e que rara-
mente se altera com a evacuação. Essa dor costuma permanecer
por 2 a 3 dias consecutivos, quando, então, tende a diminuir,
concomitante à dissolução do hematoma, que acaba por desa-
Figura 50.8 Presença de trombose hemorroidária com extenso pro- parecer após 7 a 1Odias.
cesso inflamatório endoflebítico e intenso edema locai. (Esta figura Os hematomas perianais, em especial os com nódulos maio-
encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) res que 2 em, permanecem, em geral, por um período maior
Capitulo 50 I DoençasAnorrerais 531

riação no epitélio do anoderma, ela pode acarretar dor intensa


e espasmo anal com dificuldade evacuatória.

• Anatomopatologia
Caracteriza-se por uma lesão ulcerada linear situada no ano-
derma do canal anal, que raramente ultrapassa a linha pectínea
e a anocutânea. Sua localização predominante é na região pos-
terior do canal anal, correspondendo a 85,5% em nossa casuís-
tica. A fissura anterior ocorre em cerca de 10,5% dos enfermos
e a simultaneidade de ambas, anterior e posterior, em 4% deles.
sendo sua localização lateral rara.
Essas localizações estão relacionadas com fatores anatõmi-
cos do canal anal, tais como, a elasticidade reduzida em a.lgu-
mas de suas regiões. sobretudo na comissura posterior, fato
Figura 50.9 Visão de hematoma perianal como nódulo no anoderma
que impede sua adequada dilatação à evacuação, e a vascula-
do canal anal de coloração azulada. (Esta figura encontra-se reprodu- rização menos intensa, também na região posterior, que pode
zida em cores no Encarte) ocasionar isquemia ou dificuldade de cicatrização nesta região
do canal anal.
A fissura anal pode acarretar um processo inflamatório lo-
e, após dissolverem-se, podem resultar em um excesso de pele cal, em cerca de 30% dos enfermos, e este fato pode provocar
perianal, denominado plicoma residual. alterações secundárias, tais como edema e/ou infecção discreta,
As vezes, pode ocorrer ulceração da pele que recobre o he- que levam à formação de um plicoma sentinela na borda da pele
matoma, e essa ruptura provoca a eliminação espontânea dos e de uma papila anal hipertrófica na linha pectínea. Quando
coágulos extravasais, aliviando de imediato seus sintomas. Este simultâneas, os enfermos são portadores da "trfade fissurária•
sangramento perianal, no entanto, pode preocupar o paciente, (Figura 50. 10).
fazendo-o procurar orientação médica. Com o tempo. a lesão fissurária vai se aprofundando no
anoderma, até alcançar o músculo esfincter anal interno, que
• Diagnóstico passa a ser seu assoalho. Isso agrava a dor local, acarretando o
A anarnnese é bem característica, com o paciente referindo a espasmo esfincteriano reflexo contínuo e responsável pela di-
presença de um ou mais nódulos dolorosos na região perianal, ficuldade evacuatória subsequente.
de aparecimento abrupto. A infecção da lesão pode ocorrer em qualquer momento e
À inspeção estática, observa-se um ou mais nódulos, dolo- estender-se para os tecidos adjacentes, formando um abscesso
rosos ao toque, de tamanhos variados, em geral de cor azulada. interesfincteriano ou perianal. Quando esse abscesso drena es-
O exame proctológico deverá ser completo, embora, em alguns pontaneamente, produz uma fistula baixa.
enfermos, a dor o impeça. Nesses casos, ele deverá ser comple-
tado após a melhora dos sintomas.
• Etiopatogenia
• Tratamento
Embora controversa, apresenta vários fatores que são cau-
Pela tendência de os hematomas perianais dissolverem-se ou
romperem-se espontaneamente, seu tratamento é conservador, sais, desencadeantes e agravantes.
objetivando a diminuição da dor local, a eliminação do nódulo
(hematoma) e evitando sua recidiVlL Prescrevem-se banhos de
assento momos, analgésicos e anti-inflamatórios tópicos e orais,
correção da higiene anal e auxiliares da evacuação.
Os nódulos maiores, com dor anal intensa e que não dimi-
nuem após 48 h de abordagem clinica, devem ter tratamento
cirúrgico. A excisão do hematoma perianal poderá ser feita
em regime ambulatorial, sob anestesia local. As complicações
pós-operatórias são raras, os cuidados da ferida cirúrgica são
simples (limpeza local e uso de pomada analgésica tópica) e a
recuperação do enfermo é rápida.

• FISSURA ANAL
Abordaremos neste tópico, somente, as fissuras anais ines-
pecUicas associadas a traumas do anoderma e hipertonia do
esfl.ncter anal interno reflexa (estímulo simpático). Sua incidên-
cia é universal, benigna, acometendo ambos os sexos e todas as
faixas etárias. Das enfermidades proctológicas, porém, poucas Figura 50.1O Lesao ulcerada posterior acompanhada por plicoma
causam tanta dor e sofrimento, a despeito do seu pequeno ta- sentinela e papila hipertróftca Onterna) caracterizando a 'tríade ftssu-
manho. Mesmo na fase aguda, quando não passa de mera esco- rária~ (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
532 Capftulo 50 I Doenças Ano"eta/s

"' Fator tra umático. 1:. considerado o mais importante e re- ... Sangramento. A lesão fissurária produz um sinal comum,
lacionado com o esforço evacuatório, a constipação intestinal o sangrarnento anal, de cor vermelho-rutilante, sempre rela-
crônica, a passagem de fezes endurecidas ou diarreicas, o uso cionado com a evacuação, podendo ocorrer por meio do seu
de papel para higiene local que pode produzir uma ruptura do gotejamento no vaso sanitário, visível no papel higiênico ou
epitélio de revestimento do ânus, ou seja. a lesão fissurária. Essa depositado nas fezes. 1:. mais frequente na fissura aguda, dimi-
lesão provoca a estimulação das terminações sensoriais do ano- nuindo com a fissura c.rOnica. Esse sangrarnento associado à
derma do canal anal, levando à continua excitação reflexa do dor no ânus costuma preocupar o enfermo e induzi-lo a pro·
esfincter anal interno, acarretando espasmo e, em consequên- curar auxilio médico .
cia, sua hipertonia. Essa hipertonia do esfincter anal interno é ... Irritação perianal. Poderá haver irritação perianal asso-
bem caracterizada na eletromanometria anorretal. ciada ou não ao prurido local, resultantes da presença de se-
A passagem das fezes pelo canal anal, durante o ato defe- creção advinda da eliminação de muco pela lesão fissurária
ca tório, produz a distensão das fibras musculares lisas desse inflamada.
esfincter e estimula a sensibilidade dolorosa local. A conscien- .,. Infecção local. Na fissura anal, às vezes, surge uma com-
tização da evacuação dolorosa inicia um mecanismo reflexo, plicação - a infecção do leito fissurário - resultante de um
tanto voluntário quanto involuntário, de inibição da evacuação, processo inflamatório pela passagem das fezes. Essa infecção
provocando o ressecamento das fezes, que, quando expelidas do leito fissurário poderá atingir as criptas anais e, como con-
endurecidas, podem traumatizar ainda mais o anoderma. Este sequência, contaminar as glândulas mucossecretoras anais
fato agrava a lesão fissurária, dificultando sua cicatrização. (glândulas de Chiari), originando um abscesso perianal. Esses
... Fator anatômico. No quadrante posterior do canal anal, abscessos quando drenados, espontaneamente ou não, permi-
há um ponto de fraqueza chamado "espaço de Brick", formado tem a formação de uma fistula perianal. Realmente, no exa-
pela confluência das fibras do músculo esfincter ana.l interno e me proctológico de muitas fistulas anais, pode-se identificar
das fibras transversas do músculo esfincter anal externo, local o processo inflamatório como tendo iniciado em uma fissura
onde pode haver a ruptura do anoderma durante o ato eva- anal cicatrizada.
cuatório. Quando o ânus se abre para a passagem das fezes, é
nesse ponto onde há a menor distensibilidade, tornando-o mais • Classificação da fissura anal
vulnerável ao trauma, fato que justifica a maior incidência da I! classificada, de acordo com a duração de seu quadro cli-
lesão fissurária na região posterior do canal anal. nico, em aguda ou crônica.
"' Fator vascular. A comissura posterior é menos vascu- ... Fissura anal aguda. Caracteriza-se por uma lesão em for-
larizada, quando comparada às outras regiões do ânus, como ma de fenda, estreita e superficial, sem elevação das bordas e
demonstraram diversos autores, tais como, Klosterhalfen et aL, com curto período de sintomas, variando de dias a 2 ou 3 me-
por meio de dissecções anatõmicas em 85% dos casos; Schouten ses {Figura 50.11).
et ai., pela avaliação do fluxo sanguíneo da sua circulação com ... Fissura anal crônica. À medida que a fissura anal apresen-
o uso de "ecodoppler a laser'" e Klug et ai. (apud Quilici, FA), ta sintomas por períodos prolongados ou recidivantes, a lesão
torna-se mais profunda, com bordos bem definidos e salientes,
por meio da medida da pressão parcial de oxigênio do canal
caracterizando sua fase crônica, em geral com mais de 6 meses
anal. Essa redução do fluxo sanguíneo pode levar à isquemia da
de duração. Nesta, há perpetuação da hipertonia do esffncter
região posterior, contribuindo para o aparecimento da fissura
anal interno e, algumas vezes, podem-se até observar as suas
anal, em seu quadrante posterior com maior frequência. Deve-
fibras musculares transversais no fundo da ulceração de colo-
se salientar que a hipertonia esfincteriana nos pacientes com ração branca (Figura 50.12).
fissura anal também reduz o fluxo sanguineo na linha poste-
rior do anoderma. 1:. por isso que a esfincterotomia, reduzindo
a pressão anal, melhora a vascularização na região posterior e
possibilita a sua cura.

• Quadro clínico
O quadro clínico da fissura anal caracteriza-se por:
... Dor a na I. Seu principal sintoma é a dor anal intensa, pe-
netrante e aguda, do tipo latejante ou em queimação, durante e
após as evacuações. Ela produz a sensação de estar rasgando ou
cortando o ânus de forma aguda durante a passagem das fezes.
Muitas vezes, essa dor se estende de forma espasmódica até a
região genital, às costas ou aos membros inferiores, podendo
manter-se por horas depois da evacuação. A dor apresenta in-
tensidade máxima durante ou imediatamente após a evacuação
ou a distensão do canal anal, pela grande sensibilidade do ano-
derma a estímulos dolorosos, em vista de suas inúmeras termi-
nações nervosas e frequente exposição das fibras do músculo
esfincter anal interno pela lesão.
... Obstipação intestinal. O receio da defecação doloro-
sa causada pela "dor antecipada" faz o paciente não evacuar,
adiando a defecação sempre que possível e, com isso, induzindo Figura 50.11 LesAofissurclria do canal anal em formadefenda.estreita
a obstipação e, em consequência, o uso abusivo de laxativos, e superficial de localização posterior (aguda). (Esta figura encontra-se
ambos agravando seu quadro doloroso. reproduzida em cores no Encarte.)
Capftulo SO I DoençasAnorretais 533

~ Doenças sexualmente transmissíveis (Dsn. O mesmo


acontece com as lesões provocadas pelas doenças sexualmen-
te transmissíveis, como as ulcerações da sífilis primária e as
herpéticas.
~ Doenças inflamatórias intest inais. Doenças inflama-
tórias, tais como a doença de Crohn e a tuberculose, podem
também causar lesões fissurárias no canal anal que necessitam
ser diferenciadas da fissura anal.
1> Pru rido anal. As lesões causadas pelo prurido anal tam-
bém podem confundir-se com a fissura anal. Essas lesões dife-
rem da fissura anal por apresentar, com frequência, ulcerações
mal delimitadas, com as bordas pouco definidas ou grosseiras,
não respeitando o canal anal, sem localização preferencial e sem
hipertonia esfincteriana. Não doem e têm intensa exsudação
(purulenta ou fétida) e incômodo anal.
Nos casos duvidosos, os exames histopatológicos e/ou so-
rológicos são necessários, pois eles fazem o diagnóstico dife-
rencial, bem como naqueles diagnosticados como fissura anal
e que não respondem ao tratamento. A biopsia local também
deve ser realizada.

• Tratamento
Na Antiguidade, Hipócrates (460 a.C.), para diminuir a dor
Figura 50.12 Fissura ulcerada com bordosbem definidos. com expo- da fissura anal, recomendava o tratamento local com banhos de
sição das fibras brancas transversais do músculo esfíncter anal interno
(crônica). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) água quente e a proibição de pimentas na dieta. Não obtendo
melhora, indicava sua cauterização com ferro em brasa.
A cauterização local com solução de nitrato de prata, ou por
meio de injeções esclerosantes, foi utilizada até recentemente,
O exame histopatológico da fissura anal nesta fase mostra assim como as dilatações digitais forçadas, todas com resulta-
infiltrado inflamatório crônico inespeclfico com áreas necró- dos insatisfatórios.
ticas, além de tecido fibrótico na sua base.
• Tratamento clínico
Atualmente, na presença de fissura anal aguda, quando a hi-
• Diagnóstico pertonia do músculo esfíncter anal interno não é muito intensa,
Seu diagnóstico é, com frequênóa, fácil e simples. Na anam- propõe-se o tratamento conservador. Para tal, atua-se sobre as
nese, a queixa de dores anais intensas, durante e/ou imediata- causas da dor da fissura, obtendo-se, em consequência, o rela-
mente após a defecação, do tipo latejante e/ou em queimação, xamento anal e a cicatrização da lesão.
já permite essa suspeição. A introdução de dieta rica em fibras e água em quantidades
Mediante o afastamento das nádegas e da exposição cuida- adequadas para manter as fezes macias e bem formadas e au-
dosa do canal anal para inspeção, observa-se lesão ulcerada no xiliares da defecação, tais como sementes de plantago e muci-
anoderma, de forma elíptica, medindo, em geral, 10 a 20 mm lagens, estão indicados. Proíbe-se o uso de papel higiênico na
de extensão, no eixo longitudinal do canal anal. Pode haver limpeza local, condimentos, bebidas alcoólicas e a utilização
associação, ou não, de plicoma sentinela. A fissura anal, em de laxativos catárticos.
geral, é única. Nos casos em que são múltiplas ou localizadas Na fase aguda, os banhos de assento em água morna produ-
fora da linha média, deve-se afastar sua relação com afecções zem o relaxamento do esffncter anal interno, melhorando sig-
sistêmicas de manifestação no canal anal. nificativamente a dor e o espasmo reflexo com alívio imediato.
O exame digital do ânus é, também, muito doloroso e o to- Emprega-se a aplicação de pomadas tópicas, que são superio-
que reta!, com frequência, só é possível após analgesia local. Ao res ao uso de supositórios, para combater a dor, o prurido e a
realizá-lo, deve-se observar a presença ou não de papila hiper- infecção. Pode-se associar o uso de anestésicos endoanais, na
trófica e verificar a intensidade do espasmo esfincteriano. forma de enemas. Evita-se o emprego de pomadas contendo
~importante lembrar que o exame proctológico completo corticoides, por possuirem propriedades inibidoras da prolife-
deve sempre ser realizado na procura de enfermidades anor- ração celular que alteram a cicatrização e epitelização.
retais associadas, em especialmente nos pacientes idosos, po· Ainda com o objetivo de evitar seu tratamento cirúrgico,
rém, apenas, após analgesia local ou posteriormente, quando que, apesar de simples, não é isento de complicações, novas
da melhora do quadro doloroso. terapêuticas têm possibilitado a cicatrização de até 70% das
fissuras anais agudas, segundo nossa experiência e semelhan-
• Diagnóstico diferencial te à dos dados da literatura. ~ a denominada • esfincterotomia
Algumas enfermidades anorretais podem assemelhar-se, química", que visa ao relaxamento esfincteriano temporário,
morfologicamente, à fissura anal, sendo importante realizar apenas para permitir a cura da fissura, sem a ruptura perma-
seu diagnóstico diferencial. As principais são: nente da função esfincteriana normal.
~ Carcinomas do canal anal. O diagnóstico diferencial com Os conhecimentos da fisiologia do canal anal e dos meca-
os carcinomas do canal anal, embora de incidência rara, é mui- nismos de controle da contração muscular lisa permitiram a
to importante. manipulação farmacológica do tônus esfincteriano. O relaxa-
534 CopftuloSO I DoençosAnorretols

mento da musculatura lisa anal é inibido por estimulação dos • Esfincterotomio posttrior
plexos entéricos não colinérgicos e não adrenérgicos, de recep- ~realizada no próprio leito da fissura anal A técnica, descri-
tores muscarlnicos parassimpáticos, de beta-adrenorreceptores ta por Eisenhammer ( 1951 ), consiste em seccionar-se o músculo
simpáticos e pela inibição da entrada de cálcio na célula. O esfincter interno do ânus, por meio de uma incisão na linha
bloqueio da liberação dos receptores da acetilcolina ocasiona média da parede posterior do canal anal, diretamente no leito
inibição da contração do músculo esffncter interno do ânus, da fissura, deixando a ferida aberta para cicatrização por se-
inibindo seu espasmo e consequente hipertonia. gunda intenção.

• Óxido nftrlco • Esfincterotomio /oterol


Foi estudado por O'Kelly et ai. (apud Quilici, FA), demons- Essa técnica preserva a ferida fissurária, realizando a esfinc-
trando ser ele o neurotransmissor que medeia o reflexo ini- terotomia anal na região lateral do ânus. A técnica, descrita por
bitório retoanal. Com este efeito, tem-se empregado seu uso Parks (1975), consiste na secção parcial do músculo esfincter
para a esfincterotomia química, em especial nas fissuras agudas. anal interno, por meio de uma incisão, de 2 em de extensão, na
Utiliza-se a pomada tópica de glicerila trinitrato (GTN) a 0,2%, pele da região posterolateral esquerda do canal anal, distante
2 vezes/dia, durante o mínimo de 4 semanas, ou a solução cre- cerca de 2 a 3 em da linha pectínea, e. sob visão direta, faz-se a
mosa do dinitrato de isossorbida a 1 ou 2%, 3 vezes/dia, tam- esfincterotomia, em uma extensão de 1 a 2 em, com posterior
bém durante 4 semanas. O óbice desse tratamento é a cefaleia fechamento da pele.
moderada que pode ocorrer em, cerca de, 20% dos pacientes e Outra possibilidade técnica para a esfincterotomia lateral foi
a hipotensão ortostática que pode surgir em até 5% dos casos. publicada, originalmente, por um cirurgião brasileiro, Milton
Ambas melhoram, apenas com a suspensão do uso da droga. César Ribeiro ( 1958). Ele propôs a realização de uma pequena
incisão (0,5 em) na pele, também localizada na região posterola-
• Nifedipino teral esquerda do ânus, pela qual o cirurgião aborda o músculo
A administração da difedipino oral, um bloqueador dos ca- esfincter interno do ânus "às cegas". O músculo esfincteriano
nais de cálcio, também diminui a pressão anal, podendo levar é identificado por meio do toque do dedo indicador da mão
à cura da fissura anal. ~ utilizada na dose de 20 mg, 2 vezes/ esquerda, que reconhece, também, o degrau existente entre os
dia, por 8 semanas. esfincteres interno e externo do ânus. Após essa identificação,
realiza-se a secção do esffncter anal interno, por meio de bisturi
• Toxina botulínico de lâmina fria ou de tesoura. O leito fissurário não é atingido e
Essa toxina provoca uma desnervação quimica do esfincter sua cicatrização acontece após 8 a 14 dias. Essa técnica, porém,
anal interno, impedindo sua contração efetiva e permitindo a ficou conhecida, em todo o mundo, como sendo de outro au-
cura da fissura. ~ administrada por meio de injeções com 20 tor, Notaras, que a copiou e publicou somente em 1969, porém
U de toxina botulinica (volume total de 0,4 m t ) no interior com maior divulgação.
do esfincter interno, em uma única sessão. Essa técnica não Essa técnica da esfincterotomia lateral, por ser fechada, tem
requer hospitalização e é bem tolerada. Suas vantagens são a a vantagem de proporcionar maior conforto ao paciente, rápida
ausência dos riscos inerentes aos procedimentos cirúrgicos e cicatrização, menos dor e ausência de secreção mucosa.
a incidência reduzida de incontinência, que, quando ocorre, é Em nossos enfermos com fissura anal crônica, temos utiliza-
transitória, desaparecendo ao redor de 6 meses. A desvantagem do essa intervenção, em ambulatório, sob anestesia local, com
é seu alto custo. acesso anal em região lateral esquerda, subcutâneo-mucosa,
sem remoção da lesão fissurária. Apresenta baixa incidência
• /ndoromino de dor e complicações pós-operatórias e há precoce retorno
A ação do esffncter anal interno é estimulada pela inervação do paciente às suas atividades diárias
simpática dos alfa-adrenorreceptores. Sua inibição pelo uso de
seu antagonista, a indoramina, em dose única de 20 mg, po- • Crioteropio
derá provocar o relaxamento esfincteriano pela diminuição da Outra opção, mais recente, com bons resultados, é a ·es-
pressão do canal anal e a cura da fissura. fincterotomia fisica•, em que fazemos o congelamento do leito
fissurário com nitrogênio Uquido a - 196"C, durante 2 min. A
• Tratamento cirúrgico crioterapia produz uma esfincterotomia anal interna parcial
Como há recorrência dos fatores desencadeantes da fissura por agente fisico e promove a cicatrização da lesão fissurária
anal, tais como, endurecimento das fezes, hipertonia esfincte- em, aproximadamente, 2 semanas.
riana e tensão emocional, a lesão, com frequência, torna a abrir,
dificultando uma nova cicatrização. Por isso, na fissura anal crô- • Fissurectomla eesfinderotomio
nica, cujo componente fisiopatológico principal é a hipertonia A esfincterotomia anal interna, associada à fissurectomia
intensa do músculo esfincter anal interno, a melhor conduta (excisão da ferida fissurária), foi descrita por Gabriel (1919).
é a cirúrgica. Ela tem como objetivo a eliminação dessa hiper- Está indicada, somente, na fissura anal infectada, quando é ne-
t.o nia, por meio de uma esfincterotomia anal interna parcial, cessário realizar-se a remoção da lesão fissurária e do tecido
com cura definitiva da fissura. infectado circundante, incluindo a região afetada das criptas
Os seus resultados pós-operatórios fazem-na uma das opera- anais, permanecendo a ferida cirúrgica aberta para cicatriza-
ções mais gratificantes aos pacientes e cirurgiões. pelo desapare- ção por segunda intenção, semelhante ao tratamento dos abs-
cimento rápido dos sintomas, alta porcentagem de cura (cerca cessos perianais.
de 98% dos casos), baixa morbimortalidade e com incidência
de complicações menor que 5%. • P6s-operot6rlo dos esfinderotomios
As técnicas cirúrgicas para a esfincterotornia parcial mais O pós-operatório é conduzido com anti-inflamatórios ad -
utilizadas são: ministrados por via oral, mucilagens e/ou fibras e cuidados
Capftulo SO I DoençasAnorretais 535
locais com banhos de assento com água morna, pomada anti-
inflamatória e analgésica, além da proibição do uso de papel ---------------~---------------
Quadro 50.2 Afecções criptoglandulares: etiopatogenia
higiênico para limpeza local, uso de bebidas alcoólicas e de
alimentos condimentados. 1. Criptite
Trauma na cripta anal
2. Absc•sso a norretal
Contaminação da glândula anal
• PROCESSOS INFLAMATORIOS EINFECCIOSOS 3. Fístula anorretal
Drenagem do abscesso
Os processos inflamatórios e/ou infecciosos acometem, com
frequência, a região anorretal, independentemente da idade ou
do sexo do enfermo. Têm como fatores predisponentes seu es-
tado geral, a presença de doenças associadas, como o diabetes A criptite e o abscesso perianal, portanto, são as fases agu-
melito, ou enfermidades que alteram seu sistema imunológi- das e, a fistula, a fase crônica de um mesmo processo infecàoso
co, tais como, a AIDS, os linfomas, a leucemia, ou, mesmo, os anorretal (Quadro 50.2).
pacientes transplantados ou submetidos à quimioterapia e à
radioterapia. • Papilites
A fase aguda de um processo inflamatório da papila anal
• Etiopatogenia poderá acarretar o aumento de seu volume, com alargamen-
Suas causas mais frequentes são: to de sua base, em decorrência do edema e da congestão. De
• Doenças intestinais. Processos inflamatórios e/ou infec- acordo com a duração desse processo, ela poderá cronificar-se,
ciosos podem ocorrer na região anorretal decorrentes de en- originando a papilite crônica, em geral com aumento do seu
fermidades sistêmicas que acometem os intestinos, tais como, tamanho e, por isso, denominada papila bipertrófica.
doença de Crohn, retocolite ulcerativa, tuberculose intestinal
e actinomicose • Quadro clinico
• Traumas. Lesões anorretais provocados por empalamen- Seus sintomas são geralmente vagos e relatados pelo pacien-
tos, corpos estranhos (osso de galinha, espinha de peixe etc.), te como um incomodo anal, discreto ardor ou, mesmo, dor na
quedas a cavaleiro sobre o canal anal, agressões sexuais etc. região anal, que pioram com a defecação. Quando o tamanho
podem ocasionar processos infecciosos desta região, por vezes da papila ultrapassar 10 mm, ela poderá prolabar à evacuação.
com alta morbidade. Esse fato confunde-se com doença hemorroidária.
• Complicações pós-ope ratórias de cirurgias anorretais.
A falta de cuidados pós-operatórios, tais como, a limpeza local, • Diagnóstico
com as feridas cirúrgicas realizadas no canal anal pode causar Na fase aguda da papilite, seu diagnóstico é realizado pelo
quadros infecciosos, às vezes graves, desta região. toque reta!, no qual se palpa, na região da linha pectínea, a pre-
• Doenças malignas. Tumores, como o carcinoma, o lin- sença de formações mamelonadas, únicas ou múltiplas, sensí-
foma etc., podem manifestar-se como lesões infecciosas anor- veis ao toque. A anuscopia, poderá se ver e confirmar a presença
retais. dessas papilas edemaciadas e congestas, em geral com volume
• Radioterapia. As lesões actínicas provocadas pela irradia- aumentado (Figura 50.13).
ção pélvica e/ou perineal também podem ocasionar processos
infecciosos anorretais.
• Criptoglandular. A inflamação da região criptoglandular
do canal anal é a causa mais comum dos processos infecciosos
anorretais. Por ser a mais importante e frequente, responsável
por cerca de 80% de todas as infecções anorretais, será o que
abordaremos com mais detalhes. No entanto, a maioria dos con-
ceitos que serão relatados valerá para as suas demais causas.

• Infecções criptoglandulares
As infecções anorretais de origem criptoglandular têm como
seu fator desencadeante o traumatismo local, como, por exem-
plo, a passagem de fezes endurecidas pelo canal anal, por quadro
diarreico intenso ou pelo uso de papel higiênico para limpeza
local. Esse trauma poderá acarretar uma lesão com solução de
continuidade nessa região, propiciando um processo inflamató-
rio e sua consequente invasão por microrganismos da microbió-
tica colônica, originando um processo infeccioso agudo local.
Quando a inflamação/infecção acometem as papilas anais,
originam as papilites e, quando acometem as criptas anais, cau-
sam as criptites.
Se, durante a criptite, esse processo alcançar também o dueto
de uma das glândulas anais, poderá contaminá-lo, com forma-
ção de um abscesso perianal. Havendo ruptura desse abscesso, Figura 50.13 Visão à anuscopia de papilas anais edemaciadas, con-
espontaneamente ou por drenagem cirúrgica, isso poderá oca- gestas e aumentadasde tamanho. (Esta figura encontra-se reproduzida
sionar uma flstula perianal. em cores no Encarte.)
536 Capftulo 50 I Doenças Ano"etais

As papilas hipertróficas, pelo tamanho que podem atingir, ~ importante acompanhar a evolução do enfermo, pois,
poderão exteriorizar-se pelo ânus, à evacuação, facilitando seu não havendo melhora do quadro clínico, no máximo até 7 dias
diagnóstico. Entretanto, o diagnóstico diferencial das papilites, de tratamento clínico, deverá ser indicada a cirurgia. Nestes
especialmente da papilite hipertrófica (crônica), deverá ser feito casos, deverá realizar-se a exploração das criptas anais com
com a doença hemorroidária e os pólipos retais prolabados. A estilete cirúrgico, sob anestesia local ou bloqueio medular. As
diferenciação se faz pelo aspecto característico das papilas e sua criptas que estiverem pérvias à introdução do estilete deverão
localização na linha pectínea do canal anal, junto às bordas das ser cauterizadas ou ressecadas. Havendo a presença concomi-
criptas anais e nas bases das colunas de Morgagni. tante de plicomas perianais, papilas hipertróficas ou mamilos
hemorroidários, eles poderão ser ressecados no mesmo ato
• Tratamento cirúrgico.
Na fase aguda da papilite, seu tratamento é clinico, por meio
de anti-inflamatórios orais, de pomadas ou supositórios anal-
gésicos e anti-inflamatórios, calor local por bolsa quente e/ou
• Abscessos
banhos de assento em água morna Nestes casos, deve-se auxi- Os abscessos são processos infecciosos agudos, supurativos,
liar a evacuação, sobretudo nos pacientes idosos, que são fre- caracterizados por coleções purulentas na região anorretal. Sua
quentemente constipados, por meio de dieta rica em fibras etiologia principal é a criptoglandular, pela infecção de uma
e/ou com uso de mucilagens, plantago e proibindo-se a higiene cripta anal e consequente contaminação glandular.
anal com papel. As glândulas anais, também chamadas de glândulas de
O tratamento cirúrgico é indicado, somente, para a papilite Chiari, localizam-se no canal anal, no espaço existente entre
hipertrófica (crônica) que causa sintomas importantes. Consiste os músculos esfincterianos anais, interno e externo. Elas são em
na sua ressecção, que poderá ser efetuada, sob anestesia local, número de oito a doze, e seus duetos desembocam nas bases
em regime ambulatorial ou em ambiente hospitalar. das criptas anais. ~por esses duetos que ocorre a contaminação
glandular, originária de uma criptite preexistente. A infecção
glandular pode espalhar-se, do espaço interesfincteriano do
• Criptites canal anal às mais variadas direções adjacentes. A classifica-
A cripta anal predispõe-se aos traumatismos no canal anal ção dos abscessos é feita, conforme sua localização anatômica,
por causa de sua forma anatômica e da fragilidade de suas pa- em perianais, isquiorretais, submucosos, interesfincterianos e
redes, fatos que facilitam a infecção. pelvirretais (Figura 50.14).
Suas principais características são:
• Quadro clínico .,. Abscessos perianais. São os de diagnóstico, em geral,
Caracteriza-se por desencadear desde discreto ardor até dor mais fácil, os mais frequentes, menos agressivos e de tratamento
na região anal. Essa dor, quando intensa, é do tipo pulsante e cirúrgico mais simples.
contínua, piorando à evacuação, sendo, às vezes, acompanhada .,. Abscessos isquiorretaí s. Propagam-se ao lado oposto
da eliminação de secreção perianal de muco ou mesmo purulen- pelo espaço retroesfincteriano e, quando drenados, originam
ta, nas formas mais graves. Poderá ocorrer, também, a sensação as fistulas denominadas"em ferradura", tornando seu trata-
de peso no canal anal e de evacuação incompleta. mento cirúrgico mais complexo. Nesses casos, deve-se sempre
diferenciá-los das doenças inflamatórias, como da doença de
• Diagnóstico Crohn anorretal.
Poderá ser realizado se, à inspeção anal, houver a presença .,. Abscessos submucosos. São processos infecciosos, em
de secreção de muco ou de pus. O toque reta! contribui pouco geral, pouco agressivos. Provocam, com frequência, um abau-
para o diagnóstico, pois a dor que acarreta provoca contratura lamento na mucosa da ampola reta! e, por isso, podem ser diag-
esfincteriana reflexa, que dificulta o exame proctológico. nosticados ao toque reta!. Seu tratamento cirúrgico é realizado
A anuscopia, quando possível, ou seja, quando a dor duran- pela via transanal.
te sua realização for suportável pelo enfermo, poderá mostrar
congestão, enantema e edema em uma região da linha pectínea.
A passagem do anuscópio pelo canal anal poderá, também, pro-
vocar a eliminação de pus pela cripta infectada, o que poderá ser
observado durante esse exame. A retossigmoidoscopia deverá,
sempre que possível, completar o exame proctológico, permi-
tindo avaliar a presença de enfermidades concomitantes.
Seu diagnóstico diferencial deverá ser efetuado com as ou-
tras infecções do canal anal.

• Tratamento
As criptites agudas, com frequência, têm regressão espon-
tânea. Entretanto, as mais intensas levam o paciente a procu-
rar atendimento médico. Seu tratamento é clínico, na maioria
dos pacientes, mediante antibioticoterapia oral (ciprofloxacino,
500 mg oral, 2 vezes/dia, durante 7 dias), pomadas ou suposi-
tórios analgésicos e anti-inflamatórios, calor local com bolsa
quente e banhos de assento em água morna. Deve-se, também,
auxiliar a evacuação com dieta rica em fibras e/ou com plantago, Figura 50.14 Localização esquemática dos abscessos anorretais. (Esta
mucilagens, além da proibição da higiene anal com papel. figura encontra-se reproduZida em cores no Encarte.)
Capitulo 50 I DoençasAnorrerais 537

" Abscessos interesfincterianos. Seu diagnóstico e tra- O diagnóstico diferencial dos abscessos criptoglandulares
tamento cirúrgico são, com frequência, mais complexos por- deve ser feito com os originários de outros processos infecciosos
que eles envolvem e dissecam o plano intermuscular da região originados por doenças como carcinoma epidermoide do canal
anorretal. anal, doença de Crohn anorretal e tuberculose perianal
" Abscessos pelvirretais. Pela sua localização, acima dos
músculos elevadores do ânus e abaixo da reflexão peritoneal, • Tratamento
são os mais dif!ceis de diagnóstico e de tratamento cirúrgico. O tratamento dos abscessos anorretais é essencialmente ci-
Fe.Uzmente, são os abscessos menos frequentes. rúrgico. Os abscessos, depois de diagnosticados, deverão sem-
Os abscessos anorretais podem, também, ser classificados, pre ser drenados de imed.iato.
de acordo com a sua profundidade no canal anal, em superfi-
ciais, como os perianais e isquiorretais, e em profundos, como • Drenagem simples
os submucosos, os interesfincterianos e os pelvirretais. Uma de suas opções operatórias é a drenagem simples da
coleção purulenta, por meio da incisão do local do abscesso,
• Quadro clfnico para permitir sua ampla drenagem, impedindo o fechamento
A dor é o sintoma mais importante e caracter!stico, sendo, prematuro da ferida e, com isso, a sua recidiva
em geral, continua e latejante, de intensidade variável de acor- Nos processos superficiais e pequenos, essa drenagem pode
do com o volume da coleção purulenta, piorando à deambu- ser realizada, sob anestesia local, ambulatorialmente. Já nos
laçào, ao sentar-se e até mesmo à evacuação. Sintomas como abscessos profundos e amplos, ela deverá ser efetuada, sob blo-
febre, calafrios, tenesmos reta! e urinário e tumoração perianal queio medular, em centro cirúrgico. A ferida cirúrgica na pele
associam-se, frequentemente, ao quadro clinico. deverá permanecer aberta até a total .limpeza pós-operatória da
cavidade do abscesso. Outra opção é sua drenagem orientada
• Diagnóstico pela ressonância magnética.
~ realizado pela inspeção que, nos abscessos superficiais, Ocorrendo a cicatrização total do abscesso, o paciente será
pode revelar os sinais flogísticos de tumoração, hiperemia, dor considerado curado.
e calor local (Figura 50.15) e pela palpação perinal que, nos Entretanto, com frequência (90% dos casos), depois da dre-
abscessos purulentos profundos, permite notar sua flutuação nagem simples do abscesso, haverá a persistência de um trajeto
e seus limites perianal ou intrarretal (fistuloso) entre a cripta infectada (orif!cio interno) e o local
Nos abscessos profundos, a inspeção e a palpação podem da drenagem perianal do abscesso (orificio externo), caracteri-
nada revelar. Ao toque reta!, podem-se palpar abaulamentos zando uma fistula perianal Pelo orifico externo, poderá ocor-
bastante dolorosos. A anuscopia costuma nada revelar; no en- rer eHminação, continua ou não, de secreção purulenta, o que
tanto, em alguns enfermos, poderá observar-se a presença de exigirá nova cirurgia para a correção desta f!stula.
secreção purulenta no reto. A retossigmoidoscopia deve sempre
ser realizada para avaliação de doenças concomitantes. Nos en- • Drenagemefistvlotomio
fermos com dor intensa, o exame proctológico terá de ser reali-
Outra tática operatória para o tratamento cirúrgico dos abs-
zado sob analgesia, de preferência em centro cirúrgico. cessos anorretais consiste em realizarem-se, em um mesmo ato
Naqueles pacientes com diagnóstico diflcil ou duvidoso,
operatório, a drenagem do abscesso e a pesquisa da cripta in-
deve-se efetuar ressonância magnética pélvica, exame padrão-
fectada ou do seu orificio interno, origem do abscesso cripto-
ouro para demonstrar a presença de abscessos e/ou trajetos
glandular. Sendo identificada essa cripta ou seu orificio interno,
fistulosos. A tomografia computadorizada e a cintigrafia não
deve-se efetuar uma ampla abertura de todo o trajeto fistuloso,
apresentam a mesma especificidade diagnóstica.
desde a cavidade do abscesso até a cripta infectada no canal anal,
com sua curetagem, deixando-se a ferida operatória aberta até
sua completa cicatrização. Com esta tática, pretende-se evitar
a recidiva do abscesso ou a necessidade de nova cirurgia para
a correção da flstula residual

• P6s-operat6rio
O uso profilático de antibióticos como rotina é muito impor-
tante, sendo administrados previamente à drenagem cirúrgica
dos abscessos, à exceção dos pacientes imunocomprometidos,
debilitados, idosos ou diabéticos etc., quando os antibióticos
deverão ser utilizados como terapia (ciprofloxacino oral ou
parenteral).
Analgésicos e anti-inflamatórios orais ou parenterais são,
também, sempre empregados. Auxilia-se a evacuação com dieta
rica em fibras e/ou mucilagens.
Os cuidados locais pós-operatórios são fundamentais para
a cura. Indicam-se curativos diários, inicialmente até 5 veus/
dia, com limpeza exaustiva da ferida operatória de drenagem,
mediante sua lavagem com água corrente e sua proteção com
gazes e pomadas analgésicas e anti-inflamatórias, até sua cicatri-
Figura 50.1s Abscesso anorretal caracterizado pela presença de 1\J· zação total. Associam-se banhos de assento com permanganato
moraçao perianal. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no de potássio, na diluição de 1:40.000, como solução antisséptica,
Encarte.) após cada evacuação, nos primeiros 7 dias de pós-operatório.
538 Capftulo 50 I Doenças Ano"etais

São também classificadas, conforme a sua localização no


• Fístulas perianais canal anal, em interesfincterianas., transesfincterianas, extra-
São caracterizadas por um ou mais trajetos que comunicam esfincterianas e supraesfincterianas (Figura 50.17).
o canal anal e/ou o reto (mucoso) ao períneo (cutâneo). No ca-
nal anal, é onde se localiza o oriflcio interno do trajeto da ffstula
e, no períneo, o orifício externo (Figura 50.16).
A etiologia da fístula anorretal é, também, criptoglandular
em 80% dos enfermos decorrente da drenagem (ruptura) es-
pontânea de um abscesso.
Nas fístulas perianais, pode haver um ou vários orifícios
(externos e/ou internos) em variadas localizações no canal anal
ou, até mesmo, vários trajetos fistulosos relacionados com uma
ou múltiplas criptas anais infectadas.

• Classificação das fístulas anorretais


A flstula é denominada completa quando é possível reconhe-
cer seu oriflcio externo (cutâneo), o trajeto fistuloso e o oriflcio
interno, geralmente na cripta anal comprometida. Não sendo
identificado um dos orifícios, a fistula é denominada incom-
pleta. Quanto à profundidade do seu trajeto fistuloso, super-
ficial ou profunda. Estas fistulas são chamadas de simples ou
complexas, de acordo com o tipo de seu trajeto fistuloso, com Figura 50.16 Visão de uma fistula perianal. vendo-se seu orifício in-
o número de orifícios (internos ou externos) e com a muscu- terno junto~ linha pectínea e o externo na região cutanea do canal
latura esfincteriana envolvida. anal. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)

A B

c o
Figura 50.1 7 A. B. C e D. Esquema segundo a localização das fístulas anorretais: interesfincteriana em A. transesfincteriana em B. supraesfinc-
teriana em C e extraesfincteriana em D.
CapftuloSO I DoençasAnorretals 539
• Quadro dínico excisão e a da fistulectomia onde reafiza-se a ressecç:ão de todo
Os pacientes referem, frequentemente, dor anorretallatejan- o trajeto da flstula, incluindo o orificio externo e o interno com
te, com a presença ou não de um abscesso anorretal prévio. O a cripta infectada correspondente e a ferida é deixada aberta até
sinal mais comum do quadro clinico da fistula é a eliminação a sua cicatrização total, por segunda intenção.
de secreção purulenta perianal, relativamente indolor. A dor Em ambas, a identificação cuidadosa do trajeto fistuloso é
ou a febre poderão estar presentes nos casos de fistulas com fundamental, podendo ser reafizada com estilete ou, mais rara-
recidiva do processo infeccioso supurativo. mente, com injeção, em seu orificio externo, de água oxigenada
À inspeção perianal, pode-se constatar a presença de um ou de corante como o azul de metileno.
ou mais oriffcios externos, com bordas endurecidas, que, em .,. Pós-operatório. Os cuidados pós-operatórios das flstulas
geral, localizam-se próximo ao canal anal. Os situados a mais perianais são os mesmos adotados para a cirurgia dos absces-
de 5 em da linha pectínea são raros. sos anorretais.
Nas fistulas superficiais, pode-se palpar o trajeto fistuloso
subcutâneo, entre seu orificio externo e o canal anal. Ao toque • Gangrena gasosa
retal, bidigital, pode-se identificar o tecido fibroso na região
anorretal. Essa compressão palpatória, com frequência, permite ~ uma das complicações mais temidas dos processos infec-
a salda de secreção pelo orificio da fistula e pode causar algum ciosos anorretais. Caracteriza-se pela sua alta morbimortafida-
desconforto ao enfermo. de, especialmente em pacientes debilitados, imunocomprometi-
Em alguns pacientes, é possível reconhecer o oriffcio inter- dos e diabéticos. Sua principal causa é nos enfermos submetidos
no da f!stula pela anuscopia, inclusive com a safda de secreção à drenagem insuficiente de abscessos ou consequente à falta de
purulenta. A exploração instrumental do trajeto fistuloso, com cuidados locais no pós-operatório de cirurgias anorretais.
estilete, deverá ser extremamente cuidadosa para não provocar A gangrena gasosa ocorre quando os processos infeccio-
dor ou falso trajeto, induzindo a erro quanto à localização da sos anorretais espalham-se para fora de seus limites anatômi-
cripta comprometida. cos e invadem o períneo, atingindo a gordura, as fáscias e os
músculos adjacentes, e, não raro, alastram-se para as nádegas,
• Diagnóstico coxas, região inguinal, parede abdominal e espaço retroperi-
g estabelecido, com certa facilidade, pela história e pelo exa- toneal (Figura 50.18).
me fisico do paciente. A fistulografia (de menor especificidade) Esses processos têm especial predileção, entretanto, para
não tem grande vafia. A ultrassonografia endorretal apresenta se estender à região anterior ao períneo, alcançando, com fre-
boa especificidade, porém o padrão-ouro é a ressonância mag- quência, a genitália do paciente. Quando o escroto é atingido
nética da pelve. pela infecção, denomina-se s(ndrome de Fournier.
Esse processo supurativo necrosante é causado pela asso-
• Diagn6stico diftrenciaf ciação de vários microrganismos da microbiótica colônica, em
Deverá ser reafizado com todas as enfermidades especificas
ou não que ocasionam fistulas anorretais e com os tumores
desta região.

• Tratamento
Muito embora a preferência do tratamento das f!stulas anor-
retais seja cirúrgica, em algumas flstulas complexas sua corre-
ção pode acarretar o risco de sequelas, como as alterações da
continência fecal e dificuldade cicatricial, como as estenoses
anais. Este fato é relevante, especialmente para as fistulas da
doença de Crohn.
Para abordagem conservadora, podemos utilizar a cola de
fibrina (selante) injetada no seu trajeto, possibilitando a sua
cicatrização. As vantagens são não provocar danos à muscula-
tura esfincteriana e, como consequência, nenhum risco de in-
continência fecal. Ela apresenta rápida cicatrização, sem odes-
conforto do pós-operatório tradicional. O mecanismo de ação
destes selantes, biológicos ou sintéticos, é formar um coágulo
no trajeto fistuloso, servindo de suporte para a neoformação
vascular, possibilitando a proliferação fibroblástica e formação
de colágeno, elementos fundamentais para a cicatrização das fe-
ridas fistulosas. O material biológico combina um concentrado
de fibrinogênio e trombina, misturados somente no momento
da sua aplicação. Por serem autólogos, não oferecem o risco de
contaminação viral. Os melhores resultados com o selante são
obtidos nas flstulas interesfincterianas e transesfincterianas de
origem criptoglandular de trajeto longo (maior que 3,5 cn).

• Tratamento cirúrgico Figura 50.18 Gangrena gasosa originária de abscesso anorretal.


Há duas opções táticas para as cirurgias das fistulas: a téc- atingindo. além do períneo. o escroto. caracterizando a síndrome de
nica da fistulotomia onde faz-se a abertura do trajeto sem sua Fournier. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ
540 Capitulo 50 I Doenças Anorretals

especial os bacilos anaeróbios e as bact~rias gram-negativas, • Etiopatogenia


responsáveis pela sua alta morbimortalidade. Quando sua ori-
gem é, primariamente, causada pelo Clostridium perfringens, Ambos estão, diretamente, relacionados com a fal~ncia da
seu quadro é ainda mais fulminante e grave. fixação do reto na pelve. Sob o ponto de vista cirúrgico, os me-
canismos de fixação do reto são:
• Quadro dínico
Seu inicio é caracterizado pelo aparecimento de uma celulite • Meios de suspensão formada pelo peritônio pélvico, me-
perineal de rápida evolução, com crepitação, manchas escuras sentério vascular e seus vasos;
(pela necrose) e invasão para as regiões vi:tinhas. O paciente • Meios de fixação pela fáscia pélvica; e
apresenta sintomas retais vagos e súbita e intensa deterioriu- • Meios de sustentação formada pelos músculos elevadores
ção do estado geral, com sinais de toxemia grave. do ânus, esflncter anal externo e fáscia perineal.

• Diagnóstico • Etiologia do prolapso mucoso


A identificação da gangrena gasosa do perlneo, em geral, não A etiologia mais comum do prolapso mucoso ~ o afrou-
é dif!cil pelas suas características locais e pela rapidez evolutiva xamento da fixação da mucosa na submucosa do reto, possi-
do quadro clinico. Este fato é fundamental para iniciarem-se bilitando seu desliumento. Pode ser ocasionada por: doença
as medidas terapêuticas emergenciais necessárias para tentar hemorroidária de ) 0 grau; hipotonia esfincteriana senil; diar-
diminuir sua alta morbimortalidade. reia crônica; constipação intestinal grave; esforço defecatório
excessivo e/ou fraqueu relativa da musculatura do assoalho
• Tratamento pélvico.
Deverá sempre ser emergencial, utiliundo-se antibiotico-
terapia de amplo espectro, reequilibrio hidreletrolltico e várias • Etiologia da proci~nda reta I
operações subsequentes para desbridamentos, radicais e agres- Está diretamente relacionda com o enfraquecimento da
sivos, de toda a área gangrenada ou necrótica (Figura 50.19). musculatura do assoalho pélvico. Para esse enfraquecimento,
Há necessidade de repetirem-se os desbridamentos da fe- são descritos vários fatores predisponentes: constipação intes-
rida gangrenada por vários dias e, às vezes, mais de uma ve:t tinal grave; diarreia crônica; mesocólon longo; posição inade-
no dia- Em casos mais graves, associa-se a derivação fecal por quada para defecação; esforço evacuatório excessivo; parasitoses
meio de uma sigmoidostomia, que impede o trânsito intestinal retais; prolapso genital; multíparas; desnutrição grave; e pólipos
pelo canal anal, facilitando a limpeu local da ferida perineal. na região retossigmoideana.
Alguns cirurgiões costumam associar o uso de câmara hiper- Martin e cols. admitiram como causa inicial da procidên-
bárica de oxigênio nas áreas com a gangrena gasosa causada cia retal a presença de um mesoc6lon longo, que permitia uma
por infeccção anaeróbica. mobilidade anormal retossigmoideana e sua invaginação. Se-
ria essa invaginação a causa do enfraquecimento dos meios de
fixação retal.
• PROLAPSO MUCOSO EPROCIDENCIA RETAL
O prolapso mucoso caracteriza-se pela exteriorização somen- • Quadro clínico
te da mucosa do reto pelo ânus, enquanto a procidência reta), Caractema-se pela presença da eversão ou "salda" de "algu-
pela eversão e protrusão de todas as camadas retais pelo canal ma coisa a, em geral chamada de "hemorroidasa, pelo ânus do
anal. A procidência retal é, também, chamada por vários auto- paciente. Nos enfermos com prolapso mucoso, há exterioriu-
res de prolapso total e o prolapso mucoso, de prolapso parciaL ção pelo canal anal somente da mucosa (prolapso parcial) e, nos
Ambos, prolapso e procidência, podem estar presentes em com procidência retal (prolapso total), ocorre a exteriorização
qualquer fase da vida humana, sendo, porém, mais frequentes em de todas as camadas do reto ao esforço evacuatório. Em alguns
seus extremos. Há pequena predominância no sexo feminino. pacientes, essa exterioriução pode acontecer, até mesmo, após
movimentos simples, como a deambulação. Os enfermos Wor-
mam que costumam recolocar, digitalmente, para o interior do
reto, esse prolapso ou procid~ncia, após cada eversão.
O quadro clinico apresenta: exterioriução da mucosa; in-
continência fecal; desconforto local; sangramento e/ou exsu-
dação perianal. Em geral, há, também, secreção de muco e,
raramente, dor local. A dor acontece quando há um processo
inflamatório na mucosa prolabada que dificulta sua redução
para o interior do canal anal.
A este quadro, pode associar-se, também, certo grau de in-
continência fecal, causada pela hipotonia dos esf!ncteres anor-
retais da continência e pela diminuição ou perda da angulação
anorretal. Outra causa para essa incontinência seria, segundo
Parks (1975), a desnervação esfincteriana decorrente da tração
do nervo pudendo provocada pela exterioriução do reto.
Suas complicações mais frequentes são: processo inflama-
Figura so.19 Desbridamento radical e agressivo de toda a área gan-
tório na mucosa evertida; edema local; escaras na mucosa ex-
grenada e necrótica do períneo e regiões vizinhas. (Esta figura encontra- terioriuda; hemorragia; ruptura da mucosa; estrangulamento
se reproduzida em cores no Encarte.) mucoso; suboclusão ou obstrução intestinal e peritonite.
CapftuloSO I DoençasAnorretais 541

sistentes, podem ser feitas injeções de substâncias esclerosantes


• Diagnóstico na submucosa do reto.
~.essencialmente, clínico, por meio de anamnese criteriosa No adulto, ele deverá ser corrigido de acordo com suas cau-
e dos exames flsico e proctológico cuidadosos. sas, podendo-se utilizar diferentes técnicas cirúrgicas; entre as
A inspeção estática evidencia, com frequência, um ânus en- mais utilizadas, a de Delorme. Uma nova opção para sua corre-
treaberto e hipotônico. A exteriorização da mucosa já poderá ção, nos casos em que o prolapso não apresenta grande exten-
estar presente. Caso contrário, solicita-se que o enfermo faça são, é a cirurgia por grampeamento (técnica de Longo).
força, como que para defecar, e o prolapso ou a procidência reta! Em relação à procidência reta!, sempre que as condições
poderá, então, exteriorizar-se pelo canal anal. Na procidência gerais do enfermo permitirem, seu tratamento será cirúrgico.
reta!, esse esforço provocará a protrusão de todas as camadas Em geral, a operação tem como objetivo a correção, de forma
do reto, que apresenta um pregueamento radial (circular), em isolada ou associada, dos seguintes fatores: encurtamento do
geral de 3 a 4 em de extensão, de superficie irregular, às vezes fundo de saco peritoneal; impedimento da invaginação do re-
edemaciada e com ulcerações ou sufusões superficiais (Figura tossigmoide por meio da sua fixação ou suspensão; reforço da
50.20). musculatura do assoalho pélvico e/ou diminuição do diâme-
A procidência reta!, às vezes, pode atingir grande tamanho, tro do canal anal.
com eversão de todo o reto e até do cólon sigmoide, com 30 em Com o desenvolvimento da cirurgia videolaparosc6pica,
ou mais, de extensão. Nas mulheres, poderá haver concomi- essa correção pode ser realizada, também, por essa tática, com
tância de cistocele, uterocele e/ou retocele. excelentes resultados. Alguns cirurgiões têm realizado a fixa-
Quando o prolapso mucoso ou a procidência reta! apresen- ção do retossigmoide ao sacropromontório por meio do uso
tam exteriorização (eversão) de pequeno tamanho, é impor- de material sintético (telas), como uma faixa de 15 a 20 em de
tante diferenciá-los. Para tal, deverá ser solicitado ao enfermo extensão com 4 a 5 em de largura que abraça esse segmento in-
que faça o esforço defecatório no próprio vaso sanitário ou na testinal, com bons resultados. Nos idosos que não apresentam
posição de "cócoras" antes de ser examinado. Outros diagnós- condições cirúrgicas ou nos que, após a fixação do reto, persiste
ticos diferenciais serão com as enfermidades que também se a incontinência fecal no pós-operatório (depois de, aproxima-
exteriorizam pelo ânus, como doença hemorroidária, papila damente, 6 meses), estará indicada a cerclagem anal por meio
anal hipertrófica, tumores benignos e malignos etc. de fio não absorvível, circundando todo o canal anal, ao nível
A realização da retossigmoidoscopia é importante para ex- dos esfíncteres anais (técnica de Thiersch).
cluir a presença de doenças concomitantes, especialmente o
câncer reta! ou os pólipos.
• INCONTINÊNCIA FECAL
• Tratamento Incontinência fecal é a perda da capacidade voluntária de
O prolapso na infância é tratado, conservadoramente, por reter o conteúdo intestinal. Pode ser parcial quando ocorre
meio da regularização do hábito intestinal, pela terapêutica perda de gases e fezes de consistência líquida, e total quando
antiparasitária e/ou pela correção da desnutrição. Quando per- há perda de fezes formadas.
O número de doentes portadores de incontinência fecal ten-
de a aumentar como consequência do aumento da longevidade
humana e tem grande importância porque piora a qualidade de
vida destes pacientes que acabam, com frequência, afastados do
convívio social ou, até mesmo, isolando-se voluntariamente.

• Etiopatogenia
A incontinência fecal é resultante do enfraquecimento e/ou
destruição, total ou parcial, da musculatura pélvica, podendo
associar-se a: neuropatia do nervo pudendo; alterações do ân-
gulo anorretal (com a idade, ele torna-se mais obtuso); sequelas
de traumas cirúrgico ou consequente a doenças inflamatórias.
Outro fator a considerar é a alteração sensorial da mucosa re-
ta! que ocorre no processo de envelhecimento no idoso e/ou
pelo uso prolongado e abusivo de laxativos que provocam a
degeneração neuronal da mucosa reta!. Ambos causam a perda
de sensibilidade para a presença de fezes na ampola reta!, não
havendo a contração dos músculos da continência voluntária,
ou seja, do esfíncter anal externo, dos elevadores do ânus e do
puborretal.

• Quadro clínico
Caracteriza-se pela incapacidade de retenção fecal volun-
Figura 50.20 Procidência retaI com exteriorização pelo canal anal tária. Em suas fases iniciais, a incapacidade é para gases e fe-
de todas as camadas do reto com pregueamento circular da mucosa zes líquidas (incontinência parcial). Os casos mais avançados,
que é sua característica. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores quando há perda de fezes formadas, são chamados de incon-
no Encarte.) tinência total.
542 Capftulo 50 I Doenças Ano"etais

Ambos ocasionam problemas sociais, econômicos e psicoló- condições ffsicas e operatórias dos pacientes. V árias técnicas
gicos aos enfermos, de maneira mais ou menos importante. de esfincteroplastias para reconstrução da musculatura anor-
A história clínica é de grande importância, pois permite esta- retal e outras tantas de anoplastias poderão ser utilizadas para
belecer o grau da incontinência e o quanto ele prejudica as ativi- sua correção.
dades cotidianas do enfermo. Devem-se questionar o tempo e o
modo de aparecimento da incontinência fecal, se há consciência
da vontade evacuatória, urgência defecatória e as características • ESTENOSE ANAL
das fezes, além da frequência de sua ocorrência.
A estenose anal é uma alteração da fisiologia do canal anal
caracterizada pela dificuldade de sua abertura durante o ato
• Diagnóstico defecatório. Origina-se nas deformidades anatômicas do ânus,
A inspeção da região perianal pode demonstrar a presença com consequente diminuição de sua elasticidade e/ou de seu
de fezes ou de escaras. A inspeção estática do ânus permite a diâmetro circunferencial (Figura 50.22).
observação da forma do canal anal, a presença de cicatrizes Sua importância está no grande desconforto e dor à eva-
e/ou a existência de algum grau de hipotonia anal esfincteriana cuação que provoca nos pacientes, sobretudo quando ocorre
(Figura 50.21). no pós-operatório de cirurgias anorretais, constituindo-se a
A inspeção dinâmica do canal anal pode evidenciar o pro- iatrogenia mais temida pelos cirurgiões. Apresenta incidência
lapso mucoso, a procidência reta! ou, até mesmo, o abaula- pequena na população em geral, não havendo prevalência en-
mento perineal. tre sexo e faixa etária.
O toque reta! permite a avaliação da tonicidade dos músculos
esfincterianos e sua capacidade de contração, para fechar e abrir
o ânus. A retossigmoidoscopia deverá ser, sempre, realizada
• Etiopagenia
para afastar enfermidades que alteram o hábito intestinal e que A estenose anal tem várias causas. As principais são: pós-
possam contribuir para essa incontinência fecal. operatória (iatrogênica); congênita; neoplásica; traumática e
Para a adequada avaliação da incontinência fecal, realizam- inflamatória.
se exames, especializados e precisos, tais como, defecograma, Sua causa mais frequente é a iatrogênica, consequente a ci-
manometria anorretal e/ou eletromiografia. rurgias anorretais realizadas sem os cuidados técnicos neces-
sários e pelas ressecções extensas da pele perianal, que podem
acarretar cicatrizes defeituosas e alterar a configuração anatômi-
• Tratamento ca do canal anal. Dentre as cirurgias anorretais que propiciam
A maioria dos enfermos com incontinência fecal é trata- o aparecimento da estenose anal cicatricial, estão hemorroidec-
da com medidas conservadoras, de acordo com sua etiologia tomia, fistulectomias e excisões de condilomas perianais.
e de suas condições ffsicas. Pode-se utilizar o retreinamento Nas hemorroidectomias, particularmente quando se utiliza
da evacuação (biofeedback) e/ou a estimulação elétrica anal. a técnica aberta, nas quais as feridas cutâneas cicatrizarão por
Esse tratamento não cura o paciente, porém melhora seus sin- segunda intenção, essas áreas precisam de cuidados especiais;
tomas. caso contrário, é neste local que poderá ocorrer a estenose anal
A indicação do tratamento cirúrgico varia de acordo com cicatricial. Havendo incisões cutâneas muito amplas, as pontes
a causa da incontinência, da intensidade dos sintomas e das de anoderma entre elas poderão tomar-se estreitas e insuficien-
tes, originando a estenose.
Ela poderá ocorrer, também, como complicação pós-ope-
ratória das cirurgias de fistulas e/ou abscessos perianais, quan-
do houver excisão mucocutânea excessiva. O mesmo é válido
para a eletrocauterização de condiloma acuminado perianal
extenso.

Figura S0.21 1nspeção estática do canal anal demonstrando discreta


abertura do anus e caracterizando a hipotonia esfincteriana anal. (Esta Figura 50.22 Canal anal apresentando estenose anal cicatricial. (Esta
figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
CapftuloSO I DoençasAnorretals 543

• Quadro clínico sinusal crônica, eventualmente abscedada e secretante. Esta


cavidade não possui parede própria, sendo, portanto, um pseu-
Os principais sintomas observados são: dor ao evacuar e docisto, e é reacional ao processo inflamatório com formação
dificuldade defecatória. A intensidade da dor é variável e dire- de tecido de granulação decorrente da presença de pelos no
tamente proporcional ao calibre do canal anal e à presença de seu interior. Foi descrita por Anderson e Hodges (1847), sen-
lesão fissurária no anoderma. Ela ocorre durante o ato defeca· do sua denominação pilonidal derivada do latim: pilus - pelo
tório, piorando após este, podendo prolongar-se por horas. e nidus - ninho.
A dificuldade à defecação caracteriza-se pelo esforço neces- Incide, preferencialmente, em adultos jovens do sexo
sário para a eliminação das fezes. Este fato leva ao uso frequente masculino (proporção de 2:1), na raça branca e em indivíduos
de laxativos, agravando ainda mais sua dor (pela mudança do hirsutos.
pH das fezes que os laxantes ocasionam).
Pode haver, também, perda de sangue rutilante à evacuação
e eliminação de fezes de pequeno calibre (em fita). • Etiopatogenia
Há várias hipóteses para explicar sua etiopatogenia adqui-
• Diagnóstico rida. Entre elas:
~ feito pelo quadro clínico e pelas modificações anatômicas • A doença pilonidal seria resultado da sucção de pelos
do canal anal, observadas à sua inspecção. Os critérios para o da pele para o subcutâneo por pressão negativa das ná-
diagnóstico da estenose anal cicatricial são definidos pelas se- degas, formando uma cavidade recoberta por tecido de
guintes alterações do canal an.al: deformidade anatômica do granulação, com pelos aprisionados em seu interior, que
ânus (modificando sua configuração normal); diminuição de atuariam como corpo estranho (Patey e Scarff);
elasticidade do canal anal; diminuição do seu diâmetro cir- • Causada pelo atrito da região interglútea, provocado pe-
cunferencial; solução de continuidade no anoderma (fissura los movimentos de deambulação e/ou por traumas locais
pós-cicatricial); e fibrose no anoderma, em forma de barra, lo· que propiciariam a justaposição de pelos em feixes. Estes
calizada na região posterior e/ou anterior, que possibilita uma migrariam, por sucção, para o tecido celular subcutâ-
configuração triangular ao ânus. neo, por causa da pressão negativa que se forma no teci-
O exame proctológico nos pacientes com estenose anal (to· do subcutâneo da região, pelo estiramento da pele, nos
que reta!, anuscopia e retossigmoidoscopia), embora impor- movimentos de sentar e levantar, aliados à elevação da
tante na propedêutica de todos os pacientes, com frequência fáscia sacrococdgea (Brearley).
acarreta dor e nem sempre é realizado no momento da con-
sulta. Os enfermos com estenoses importantes serão submeti- • Quadro clínico
dos a esse exame sob analgesia, muitas vezes durante a própria
cirurgia corretiva. A fase aguda da enfermidade caracteriza-se pela presença
de tumoração sacrococdgea associada a dor intensa e febre,
indicativas de processo supurativo abscedado. Na crônica, o
• Tratamento enfermo relata a presença de tumoração na região sacrococ-
Nas alterações cicatriciais do canal anal que acarretam dis- cígea, em geral acompanhada por oriflcio único ou múltiplo,
cretas modificações anatômicas e fisiológicas, pode-se realizar com secreção e dor. Pode haver, também, eliminação de pelos
o tratamento clinico por meio de dilatações, digital e/ou instru· por orifícios da lesão. Alguns enfermos relatam ter ocorrido
mental (com velas de Hegar), progressivas e periódicas. algum trauma local, antecedendo os sintomas.
Nas deformidades cicatriciais em que há tecido fibroso en-
volvendo a pele, o subcutâneo, a mucosa e, às vezes, alcançando • Diagnóstico
parte do anel esfincteriano, tomando o canal anal inextensível
e deformado, o tratamento clinico é de pouco valor e sua cor- ~ realizado pela história clínica e pelos achados ao exame
reção é cirúrgica. Bsico da região sacrococdgea, pela presença de tumoração
A técnica operatória para correção da estenose cicatricial por subcutânea de forma, tamanho e consistência variáveis, de
meio de um (ou mais) enxerto de retalho retangular de pele, acordo com a fase em que se encontra a enfermidade.
colocado sobre a área fibrótica, previamente excisada e suturada Na maioria, há um orificio primário, em geral de pequena
à mucosa reta!, descrita por Sarner, apresenta bons resultados. dimensão, situado na linha interglútea. Outros orifícios secun-
Seu maior problema é o tempo necessário para a cicatrização dários podem estar presentes, nesta mesma linha ou lateral-
da ferida operatória, de 4 a 6 semanas. Quilici e Reis Neto ela- mente a ela, com ou sem eliminação de secreções purulentas
boraram uma nova técnica cirúrgica para a estenose anal cica- ou mucossanguinolentas, ou com a presença de pelos saindo
tricial (anoplastia) com a utilização de dois ou mais retalhos de seu interior (Figura 50.23). Estes achados caracterizam a fase
pediculados, cutâneo e mucoso, no canal anal após excisão do crônica da doença pilonidal.
tecido fibroso cicatricial. Um fato significativo dessa técnica é Algumas vezes, ele manifesta-se na forma de um abscesso
a feitura dos retalhos, cutâneo e mucoso, que., inseridos sobre a sacrococcígeo, que pode ou não drenar espontaneamente.
área excisada de fibrose cicatricial, permitem uma cicatrização O diagnóstico diferencial deve ser feito com as seguintes
mais rápida e mais eficaz. enfermidades: fo.liculites, hidroadenite supurativa, fistula ano r-
reta! e tumores benignos e malignos da região.

• DOENÇA PJLONIDAL • Tratamento


~ uma infecção na região sacrococcígea e manifesta-se de O tratamento da doença pilonidal sacrococcígea é, essencial-
várias maneiras, em especial pela formação de uma cavidade mente, cirúrgico. Várias técnicas são utilizadas para a cura da
544 Capftulo 50 I Doenças Ano"eta/s

calor, pela umidade e pela contaminação por fezes, podendo


ocasionar uma dermatite, com inflamação que ocasiona o pru-
rido anal

• Etiopatogenia
A s dermatites perianais, a despeito da patogenia diversa,
têm manifestações clinicas semelhantes, sendo o prurido anal
seu sintoma mais evidente. Nos casos de etiologia conhecida,
o tratamento especifico cura a enfermidade e soluciona o pru-
rido anal. Entretanto, em geral, a dermatite é inespedfica e seu
tratamento é realizado mediante abordagem local com medi-
camentos tópicos e conduta higiênica e dietética

• Quadro clínico
Figura 50.23 Orifícios da doença pilonidal na regi~ sacrococcígea
com a presença de pelos saindo de seu interior (doença na fase Manifesta-se de maneiras variáveis, continuamente ou com
crônica). (Esta fogura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) períodos de acalmia e paroxismos, geralmente mais intensos à
noite. A intensa necessidade de coçar-se pode provocar escoria-
ções na pele, agravando a le.s ão e perpetuando o prurido.

lesão, todas objetivando a retirada dos pelos e do tecido de gra-


nulação que a circunda A ferida resultante poderá ficar aberta,
• Diagnóstico
cicatrizando por segunda intenção, ou ser fechada por meio de A inspecção perianal poderá evidenciar uma pele normal ou
suturas ou plásticas com retalhos cutâneos. Nossa preferência revelar um simples eri tema da região, com ou sem exsudação.
é pela utilização de duas técnicas operatórias, ambas de grande Na presença de uma dermatite perianalliquenificada (crôni-
simplicidade e de fácil execução. O critério de escolha se dá de ca), o prurido anal poderá ser intenso e provocar insônia, an-
acordo com a fase de manifestação da doença: siedade e depressão.
.,. Doença pilonidal na fase aguda. Há, em geral, a pre-
sença de abscesso na região sacrococdgea e utilizamos a téc-
nica denominada de incisão simples, com abertura de toda a
• Tratamento
tumoração e curetagem do tecido de granulação do subcutâ- Abordagem higiênico-dietética com remoção de todo agente
neo. Apresenta a vantagem de preservar os tecidos inflamados, irritante ou sensibilizante da região anal. Corticosteroides tó-
permitindo sua rápida cicatrização. picos, preferencialmente na forma de creme, para não agravar
.,. Doença p ilonidal na fase c.r ônica . Optamos pela excisão a maceração da pele, devem ser usados em pequena quanti-
da lesão, em que efetuamos a sua completa ressecção, incluindo dade, só no local lesado, por curto período e não de maneira
todos os trajetos fistulosos presentes e identificados. continua. Na fase inflamatória aguda, indica-se um ou dois
Ambas são técnicas abertas e a ferida cicatriza por segunda banhos de assento diários de permanganato de potássio na di-
intenção. Podem ser realizadas em ambulatório ou com curto luição de 1:40.000, em água morna. Na presença de prurido
periodo de hospitalização (8 a 12 h), sob anestesia locorregio- anal intenso, podem-se indicar anti-histamínicos orais para
nal ou até mesmo local. seu alivio. Estão contraindicados os tratamentos locais mistos
Suas vantagens são: indicação em todos os casos; preservação de antimicóticos e antirnicrobianos, o uso de cáusticos tópicos
da fáscia e do perióstio sacra!; preservação do tecido normal e antibióticos orais.
circunvizinho à lesão; minimo desconforto pós-operatório e Outro cuidado deverá ser o de lavar a região perianal após
baixa recidiva (ao redor de 796) tanto na fase aguda como na cada evacuação, com água e, eventualmente, sabonete neutro,
crônica. enxugando-a cuidadosamente com toalha de algodão.~ impor-
Os curativos pós-operatórios são muito importantes e de- tante proibir o uso de papel higiênico, para limpeza ou mesmo
vem ser realizados, diariamente, com limpeza da ferida com para enxugar o â.nus, a ingestão de alimentos condimentados, de
antissépticos tópicos e sua proteção com gaze umedecida para pimentas, de bebidas alcoólicas e de laxativos. Corrigir a obesi-
evitar aderência e contribuir para a hidratação da ferida.~ fun- dade, caso presente, evitar que o paciente permaneça sentado
damental, também, que se faça a raspagem ou a retirada dos por longos períodos e faça atividades que possam traumatizar
pelos circunvizinhos à lesão, periodicamente, até sua completa a região perianal, como cavalgar e andar de bicicleta.
cicatrização.

• HIDRADENITE SUPURATIVA
• PRURIDO ANAL
~ doença crônica, recidivante, da pele e do tecido celular
As doenças dermatológicas da região anal e perianal, no subcutâneo, caracterizada pela formação de abscessos e trajetos
adulto, são causa frequente de consulta ao dermatologista, ao fistulosos, acometendo, inicialmente, as glândulas sudorlpa-
clinico geral e, não raro, ao coloproctologista e serão abordadas ras apócrinas. A hidradeníte supurativa localizada nas regiões
mais adiante neste capitulo. perineal, inguinal e glútea é pouco frequente, porém ocasiona
As condições de normalidade da pele na região anal e pe- intenso sofrimento aos enfermos, com repercussões psicológi-
rianal são facilmente deterioráveis por falta de ventilação, pelo ca, familiar e profissional.
Capftulo SO I DoençasAnorretais 545
Foi descrita pela primeira vez pelo cirurgião francês Velpeau
(1839) e feita sua associação às glândulas sudoríparas por
Verneuil (1854).
As glândulas sudoríparas apócrinas são glândulas tubulares
compostas, situadas no tecido subcutâneo profundo, maiores
e muito menos numerosas do que as écrinas, em íntima rela-
ção com os folículos pilosos. Sua localização é restrita, princi-
palmente, ao dorso do pescoço, axilas, aréola mamária, região
inguinal, púbis, nádegas, regiões perianal e perineal, incluindo
vulva e escroto, e coxas. Seus duetos excretores desembocam no
folículo piloso ou diretamente na pele, perto dele. Só se ativam
na puberdade, regredindo gradualmente com a idade, sendo,
dessa maneira, consideradas glândulas sexuais, com produ-
ção de 5-alfa testosterona-redutase e com secreção espessa e
de composição complexa (protoplasma).

• Etiopatogenia
Havendo oclusão do orificio glandular por tampão queratí-
nico, pode ocorrer infecção secundária que, com sua ruptura,
provocará a propagação da infecção aos tecidos e glândulas
adjacentes. A influência de fatores genéticos (doença autossõ-
mica dominante), alterações imunológicas ou dos hormônios
sexuais ainda são controversas. Figura 50.24 Hidradenite supurativa com a presença de vários abs-
cessos e orifícios fistulosos perianais, perineais e nas nádegas. (Esta
figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
• Quadro clínico
A enfermidade tem curso crônico e recidivante. Os pacien-
tes apresentam vários orificios fistulosos nas regiões perineal, • TRAUMA ANORRETAL
inguinal, glútea, na raiz das coxas, no escroto ou na vulva,
com queixa de supuração crônica e dor. Há endurecimento Os ferimentos anorretais podem acontecer por contusão,
da pele e do tecido celular subcutâneo e palpam-se nódulos denominados de trauma fechado, e/ou por lesão penetrante ou
hipodérmicos e trajetos fistulosos múltiplos e serpiginosos. perfurante, chamados de trauma aberto. Causam lesões intrape-
As cicatrizes deixadas pelos abscessos e flstulas têm aspecto ritoneais, perianais e/ou perineais, podendo afetar o reto intra
de queloide. e/ou extraperitoneal, bem como a sua vascularização.

• Diagnóstico • Etiologia
É feito essencialmente pelo seu quadro clínico, que se carac- Os traumatismos anorretais são classificados, de acordo
teriza pela presença de vários orificios fistulosos nestas regiões, com a sua origem, em os de causa acidental, os iatrogênicos,
com endurecimento da pele e celular subcutâneo e supuração os criminosos, provocados por autoerotismo ou por objetos
crônica (Figura 50.24). deglutidos.
Seu diagnóstico diferencial será com a furunculose, a tuber-
culose, o linfogranuloma venéreo, a actinomicose, o cisto pilo- • Traumasacidentais
nidal, a doença de Crohn, os abscessos e as ffstulas perianais. Os mais comuns são os provocados por acidentes de trân-
sito, sobretudo os de motocicletas e bicicletas. No entanto, os
acidentais, em ambiente de trabalho ou domiciliar, por "queda
• Tratamento a cavaleiro" sobre muro, telhado, ou sobre objetos pontiagudos
O tratamento clinico com antimicrobianos é utilizado no etc., são muito importantes por ocasionar traumatismos anor -
combate da infecção local, porém é ineficaz para a erradicação retais e/ou fraturas dos ossos da bacia com laceração do reto.
da moléstia. Os traumas pelo disparo acidental de armas de fogo, e mais
Sua excisão cirúrgica é a única opção para a cura definitiva. raramente com arma branca, são menos frequentes.
Deverá ser ampla e radical, incluindo toda a área comprome-
tida, com margem segura e profundidade suficiente, até atingir • Traumas iatrogênicos
os tecidos normais e, sempre que possível, preservando a pele A iatrogenia pode ocorrer devido a vários procedimentos
perianal. De acordo com a extensão e complexidade das áreas médicos, em especial os proctológicos, tocoginecológicos, uro-
cruentas resultantes dessa excisão, a excisão poderá ser tratada lógicos, endoscópicos e radiológicos. O trauma ginecológico
pela sutura primária, pela cicatrização por segunda intenção pode acontecer durante as cirurgias de dilatação e de curetagem
ou pelos enxertos livres de pele, imediatos ou tardios, após o uterina ou de urna episiotomia extensa durante o parto vaginal.
controle da infecção. Os proctológicos podem resultar de procedimentos como di-
Sua recidiva pode ocorrer, segundo a literatura, entre 5 e 30% latação de estenose anastomótica, inflamatória ou tumoral do
dos enfermos, independentemente do método optado para o reto, ressecção local de turnoração reta! ou durante a realização
tratamento da ferida resultante. de biopsias. Os urológicos durante as prostatectomias, no mo-
546 Capftulo 50 I Doenças Ano"etais

mento da enucleação da próstata e mais raramente durante sua aproximadamente, 109 a 1011 por grama de fezes, sendo algumas
ressecção transuretral. A perfuração do reto durante a introdu- de alta morbidade.
ção de sonda uretra! é rara. Lesões iatrogênicas no reto podem, Suas consequências clínicas estão diretamente relacionadas
também, ocorrer durante a realização de retossigmoidoscopia com a anatomia da região destes traumas e os cuidados tera-
rígida ou na colonoscopia devido a manobras intempestivas, pêuticos específicos a cada um deles.
dilatação de estenose e/ou nas polipectomias em reto intrape- Quando a lesão é perfurante, em reto intraperitoneal, há
ritoneal, em especial de adenomas vilosos. extravasamento do conteúdo fecal para a cavidade abdominal,
ocasionando uma peritonite estercorácica (bacteriana) extre-
• Traumas de origem criminosa mamente grave.
Os traumas ditos criminosos acontecem, geralmente, nos Os ferimentos do reto extraperitoneal e do canal anal, no
assaltos com agressão sexual; nos ferimentos intencionais por entanto, raramente atingem a cavidade abdominal. Contudo,
arma de fogo ou por arma branca. como também estão em contato direto com o conteúdo fecal,
podem ocasionar quadros infecciosos importantes e, caso não
• Traumasprovocados por autoerotismo haja tratamento adequado, evoluem, com frequência, para a
Traumatismos anorretais ocorrem em pacientes com al- formação de graves abscessos pélvicos e/ou perianais. Quando
teração do comportamento sexual, sobretudo homossexuais atingem os espaços pelvirretais e/ou retrorretal, caracterizam-
masculinos, e são causados pela introdução, via anorretal (em- se pela dificuldade diagnóstica e por quadro toxêmico de alta
palamento), dos mais variados objetos, tais como, vibrador, morbimortalidade.
lâmpada, frasco de fluido de isqueiro, frasco de desodorante
(Figura 50.25), bico de esguicho, cabo de vassoura, vela, garrafa,
ovo, copo, caneta e legumes (cenoura, pepino etc.).
• Quadro clínico
Uma anamnese pormenorizada e criteriosa é fundamental
• Trauma por objetos deglutidos para se estabelecerem o quadro clinico e o diagnóstico do pa-
O trauma reta! pode originar-se de objetos deglutidos, na ciente com lesão anorretal. Estando ele alerta e cooperativo,
sua maioria, inadvertidamente. Os adultos, em especial os que poderá ser questionado a respeito das circunstâncias do trauma.
usam dentadura, não percebem pequenos fragmentos, de osso Entretanto, se o paciente apresenta politraumatismo e/ou lesão
de galinha, espinha de peixe ou prótese dentária, e as crianças cerebral, pode haver impossibilidade de comunicação. Sendo
podem deglutir pequenos objetos como moedas, agulhas, alfi- assim, é necessário, sempre que possível, o depoimento de uma
netes ou pregadeiras. testemunha que tenha assistido à cena, para a composição da
Contudo, h á pacientes com distúrbios psiquiátricos, que história. O relato do tipo e modo do ferimento, além do tem-
deglutem objetos de propósito, como agulhas, parafusos, pre- po decorrido do ato até o atendimento médico, é importante
gos, grampos etc. para a sua avaliação.
Todos eles podem ferir o reto ou o canal anal ao sair junto Nas lesões criminosas com agressão sexual ou por autoe-
com as fezes, no momento da defecação. No entanto, o trau- rotismo, as informações, em geral, são dificeis de obter e, não
ma mais frequente pelos objetos deglutidos é a perfuração do raro, até escondidas pelo paciente, pois o fato acarreta gran-
intestino delgado e, quando isso ocorre, em 75% das vezes, a de constrangimento. Isso ocasiona demora no diagnóstico e o
lesão acontece na sua passagem pela válvula ileocecal. agravamento do quadro clínico, piorando o prognóstico.
Com relação ao empalamento, a maioria dos enfermos, so-
bretudo os homossexuais masculinos, não confirma a histó-
• Fisiopatologia ria da introdução de objetos pelo ânus, a não ser quando esse
A microbiótica colorretal normal é o principal fator da mor- fica retido no reto e/ou cólon sigmoide. Quando admitem o
bimortalidade das lesões traumáticas anor retais. Ela é com- fato, com frequência, negam que tenha sido voluntário, crian-
posta, nos adultos, por uma grande população bacteriana de, do narrativas envolvendo acidentes fantásticos, com detalhes
engenhosos.
Os principais sintomas relacionados com o trauma anorretal
são: dor, tenesmo reta! e sangramento.

• Dor
I?. o mais importante. O trauma isolado anorretal provoca
dor contínua, às vezes latejante, localizada nas áreas envolvidas:
períneo, canal anal, reto e/ou abdome.
Nas lesões do reto intraperitoneal, a dor localiza-se no ab-
dome, em geral, na região infraurnbilical. A dor difusa pelo
abdome é rara; no entanto, sua presença caracteriza um qua-
dro de peritonite generalizada e grave. Ela é, com frequên-
cia, intensa, contínua e acompanhada com sinais de reação
peritoneal.
Quando há lesão da linha pectínea, a dor localiza-se no ca-
nal anal, inicia-se no momento do trauma e piora com as eva-
cuações.
Figura 50.25 Empalamento por autoerotismo: objeto (desodorante) A dor poderá ser discreta ou inexistente, somente nos en-
sendo retirado do reto pela via transanal. (Esta figura encontra-se re- fermos com pequenas lesões do reto extraperitoneal ou em-
produzida em cores no Encarte.) palados.
CapftuloSO I DoençasAnorretais 547
• Tenesmo retal
Pode ocorrer nesses traumatismos, especialmente na pre-
• Tratamento
sença de abscesso anorretal ou de empalamento. A abordagem de todo paciente com traumatismo está pa-
dronizada em três fases de atendimento:
• Sangramento 1') Está indicada apenas para os pacientes graves, em geral os
Acontece quando há lesão de canal anal e/ou da mucosa politraumatizados, nos quais se utilizam todos os cuidados
retal. Tem como características a cor rutilante e sua perda em para manutenção da vida.
pequena quantidade. As hemorragias copiosas são raras, es- 2') Inicia-se a fase da avaliação das lesões anorretais, após es-
tando associadas, sobretudo, à presença de abscesso, piorreia tar o paciente com seus dados vitais regulares e mantidos,
e/ou mucorreia em venóclise, com sondagem nasogástrica e vesical. Deve-se
identificá-las se são isoladas na região anorretal ou se asso-
• Diagnóstico ciadas a outros traumas, tais como do períneo, pélvicos
e/ou abdominais, envolvendo ou não outros órgãos. O fato
:B necessário realizar-se um minucioso exame fisico. No de não serem restritas ao reto e ao canal anal agrava seu
paciente politraumatizado, são imperativos os procedimentos
prognóstico.
para manutenção da vida. 3•) Efetuados os procedimentos diagnósticos, passa-se à sua
O paciente com trauma anorretal deverá ser submetido aos
terapêutica, realizada, em geral, por meio de cirurgia para
exames descritos a seguir.
reparação e/ou desbridamento do ferimento.
• Exame abdominal Nos traumas anorretais, não há o tratamento ideal. O que
Na palpação abdominal, a constatação de irritação abdo- ocorre é a busca da melhor conduta terapêutica, cirúrgica ou
minal com rigidez da parede e descompressão brusca dolo- não, para os diferentes ferimentos, de cada enfermo.
rosa, além da presença de febre e sinais gerais de toxemia, faz Os fatores mais importantes que influem no tratamento
o diagnóstico de peritonite bacteriana. A febre não é sintoma são:
frequente, porém, quando presente e alta (acima de 39"C), é
• Estado geral e idade do paciente;
indicativa de quadro infeccioso grave. • Localização e extensão do trauma;
• Exame proctológico • Número de lesões e sua proximidade;
• Conteúdo intestinal no momento da lesão;
:B fundamental para a avaliação dos ferimentos anorretais. • Tempo decorrido entre o trauma e a terapêutica;
Todos deverão ser submetidos à inspecção estática e dinâmica
• Presença de choque ou instabilidade hemodinâmica;
do ânus e períneo, ao toque reta!, à anuscopia e à retossigmoi- • Presença de contaminação peritoneal;
doscopia. Na maioria, por causa da dor local, há necessidade
• Lesão mesenterial do cólon ou do reto; e
de realizá-lo sob analgesia e, de preferência, em centro cirúr-
• Presença de ferimentos em múltiplos órgãos.
gico, para ser cuidadoso e completo. A presença de sangue
na ampola retal, sua perda pelo canal anal ou sua presença No trauma anorretal, o emprego de antibioticoterapia é con-
na luva, após o toque reta!, é sinal de lesão anorretal. A pre- duta obrigatória. São utilizados os antibióticos de largo espec-
sença de muco e/ou pus indica a existência de abscesso ou de tro, sendo nossa opção as associações com ação nas bactérias
ffstula na região. anaeróbias e gram-negativas. Deve ser realizada, também, a
profilaxia do tétano.
• Exame ginecológico edotrato urinário Havendo traumatismo retal, é importante saber se o feri-
Pela possibilidade da associação das lesões anorretais com mento é extraperitoneal, intraperitoneal ou de ambos os tipos.
órgãos adjacentes, realiza-se rigoroso exame ginecológico e do Quando há lesão concomitante, as condutas para o trauma se-
trato urinário, concomitante ao proctológico. rão individualizadas para cada um dos segmentos comprome-
tidos, como descritas a seguir:
• Exames por imagem
~ Radiologia simples de abdome. Deverá ser realizada • Trauma no reto intraperitoneal
sempre em três posições: ortostática, decúbito horizontal dor- Nos pacientes com diagnóstico, ou mesmo à suspeita de
sal e de cúpulas frênicas. ~importante para avaliação da pre- trauma no reto intraperitoneal, está indicada a laparotornia
sença de pneumoperitônio, nas perfurações cólicas e do reto exploradora para sua confirmação, sua avaliação e, se possível,
intraperitoneal. Pode diagnosticar, também, fraturas dos os- o reparo cirúrgico do ferimento. Confirmado o trauma no reto
sos da bacia e fornece a localização de objetos introduzidos intraperitoneal, as várias técnicas operatórias que podem ser
no reto. empregadas para seu reparo são:
~ Radiologia contrastada de cólon. Nos primeiros mo-
• Sutura primária da lesão do reto intraperitoneal e feitura
mentos da suspeita de lesão anorretal, ela é contraindicada,
de sigmoidostomia (terminal ou em alça) de proteção;
pois pode provocar o extravasamento do contraste pelos fe-
• Sutura primária do ferimento do reto intraperitoneal sem
rimentos perfurantes, agravando-os. Passada a fase aguda do
colostomia de proteção; ou
trauma, poderá ser realizada, com os cuidados ne.cessários, para
• Ressecção do segmento de reto com o ferimento e reali-
identificar trajetos fistulosos.
zação de sigmoidostomia terminal proximal com fecha-
~ Ecografia, tomografia e/ou ressonância magnética
mento do reto distai, pela técnica de Hartrnann.
(abdominal e/ou perineal). São muito importantes para detec-
tar-se a presença de hematomas ou abscessos anorretais, depen- De acordo com a literatura, a melhor conduta é a sutura pri-
dendo da gravidade e da dificuldade de cada caso. O diagnóstico mária da lesão com reavivamento prévio de suas bordas. Con-
de corpo estranho no reto também poderá ser observado. tudo, para realizá-la, são necessárias as seguintes condições:
548 Capitulo 50 I Doenças Ana"etals

• O ferimento deverá ser menor que a metade da circun- Entretanto, estará indicada a laparotomia exploradora sem-
ferência do reto; pre que o cirurgião não estiver seguro de que o trauma no reto
• Deverá apresentar boas condições locais de vasculari- extraperitoneal manteve a integridade peritoneal.
zação;
• Paciente jovem e em bom estado geral; • Tl'iluma no canal anal
• Ausência de lesões múltiplas ou próximas; Nos ferimentos restritos ao canal anal, também é preciso
• Ausência de lesão de órgão adjacente; definirem-se sua profundidade e extensão.
• Curto período de tempo transcorrido entre o trauma e a A lesão anal pode ser superficial, quando não atinge o es-
cirurgia (menor que 6 h); e fincter anal externo, e profunda, quando o atinge e/ou o ul-
• Ausência de sinais de peritonite bacteriana. trapassa.
• A colostomia de proteção deverá ser realizada sempre Quando o ferimento anal compromete menos da metade
que ocorrer uma das seguintes condições: do esfincter anal externo, é considerado pequeno. Entretan-
• Longo período de tempo transcorrido entre o trauma to, quando atinge mais da metade desse esfincter e/ou com-
reta! e a realização da cirurgia (mais de 12 h); promete, também, órgãos adjacentes, como vagina, uretra ou
• Presença de peritonite fecal; bexiga, é extenso.
• Lesões do tipo explosivas,lacerantes ou amplos ferimen- Nas lesões do canal anal, superficiais e/ou pequenas, a con-
tos estrelares; duta será o desbridamento da ferida, com remoção dos tecidos
• Destruição tecidual com hematoma intramural extenso; não viáveis, sutura para reconstrução anatômica da musculatura
• Traumatismo na vascularização mesentérica; do esfincter externo (quando necessária), associando-se uma
• Presença de grande hematoma retrorretal ou retrope- área perianal (cutãnea) de drenagem.
ritoneal; e São necessários o acompanhamento rigoroso desses cura-
• Lesões de múltiplos órgãos. tivos e a observação minuciosa da presença de áreas de necro-
se e/ou gangrena na ferida operatória, pois, quando presente,
A intenção desta colostomia, dita de "proteção H, é a deriva- devem-se indicar novos desbridamentos até o ferimento per-
ção do trânsito fecal da área reparada do ferimento, com o intui- manecer limpo, vascularizado e sem infecção.
to de diminuir a morbimortalidade das possíveis complicações Nas lesões do canal anal extensas e/ou profundas, a tera-
pós-operatórias, tais como, deiscência ou flstulas da sutura. pêutica, em geral, será em três etapas cirúrgicas:
Nossa opção é pela colostomia terminal em cólon sigmoi-
de, sempre que poss.lvel, e, após 2 ou 3 meses, estando a sutura 1') Faz.-se o desbridamento do ferimento, com remoção dos
Integra, confirmada pela radiologia contrastada do reto, efetua- tecidos não viáveis, e realiza-se uma área de drenagem cutâ-
mos a reconstrução do trânsito intestinal com o fechamento nea. Associa-se a essa limpeza uma colostomia terminal,
se possível no cólon sigmoide proximal, para derivação do
da colostomia.
trânsito intestinal;
Com relação à drenagem da região do segmento reta! sutu-
2') Completada a cicatrização da ferida operatória do canal anal,
rado ou seccionado, poder-se-á &zé-la com o intuito de diag-
geralmente 2 a 3 meses após a primeira intervenção, reali-
nosticar precocemente as possíveis complicações locais, embora
z.a-se uma esfincteroplastia anal, para reconstrução esfinc-
sabendo que essa drenagem não as impeça Nossa conduta, no
teriana e preservação da continência fecal. O enfermo ainda
entanto, é pela colocação de drenos somente nas regiões con-
deverá permanecer com a colostomia derivativa; e
taminadas pelo trauma, onde poderá haver a.c úmulo de secre-
3') Passados mais 2 ou 3 meses, estando a função esfincteriana
ções, sempre após limpeza exaustiva dessas áreas, lavando-as
normalizada, finalmente efetua-se a reconstrução do trânsito
com soro fisiológico.
intestinal, por meio do fechamento da sigmoidostomia.
• Tl'iluma no reto extraperitoneal
• Empalamento
O tratamento das lesões retais extraperitoneais foi, duran-
Em relação aos objetos introduzidos no reto, é importante
te anos, por meio da realização de uma colostomia proximal
conhecer alguns cuidados para sua remoção pelo ânus, para
(sigmoidostomia) para a derivação do trânsito fecal. O advento evitar a laceração do canal anal e/ou do reto durante esse pro-
dos antibióticos e o melhor conhecimento da fisiopatologia dos cedimento. Esses cuidados são:
ferimentos infectados alteraram este procedimento.
Por isso, havendo uma ou mais lesões no reto extraperito- • Escolha da melhor posição, se litotomia ou de Sims (de-
neal, devemos, de início, separá-las em: cúbito lateral esquerdo), de acordo com o objeto a ser
.,. Pequena, ún ica e superflclal. A lesão do reto extrape- removido;
ritoneal pequena é a que tem até 3 em de extensão, única e • Lubrificação do segmento intestinal distai e do canal
superficial, ou seja, atinge até a camada muscular circular do anal;
reto, sem lesá-la. A conduta nessas lesões será sua limpeza, • Delicadeza de movimentos nas manobras para sua re-
reavivamento das bordas e sutura primária, sem necessidade tirada; e
de colostomia de proteção. • Bloqueio anestésico (se necessário).
.,. Extensa, profunda e/ou múltiplas. O ferimento exten- Não se devem administrar laxativos, bem como usar ene-
so é aquele maior que 3 em, profundo - ou seja, que agride mas, pois a evacuação forçada poderá provocar lesão intestinal
ou mesmo ultrapassa a camada muscular circular do reto - pelo próprio objeto.
e/ou múltiplo. Tendo o cirurgião diagnosticado a integridade Copos, jarros, garrafas etc., quando empalados no reto, por
peritoneal, faz.-se o desbridamento da lesão e sua sutura ou a apresentarem uma abertura em uma de suas extremidades e
reparação muscular, associando-se uma sigmoidostomia, na um espaço vaz.io interno, podem provocar pressão negativa
fossa iliaca esquerda, sem necessidade de exploração da cavi- em seu interior e, como consequência, poderão ficar aderi-
dade abdominal. dos à mucosa retocólica, por causa da aspiração desta mucosa
Capitulo 50 I DoençasAnorretais 549

para o interior do recipiente. Por isso, para sua retirada pela


via transanal, é necessário colocar um cateter ou sonda até a
extremidade do objeto, onde há vácuo, e, por meio de injeção
de ar, produzir-se uma pressão positiva, conseguindo-se sua
liberação. Outra possibilidade é perfurar o fundo do objeto
para soltá-lo.
Em alguns casos, não há possibilidade da retirada do objeto
através do ânus e, para tal, é necessário fazer uma laparotomia
para sua extração por meio da ordenha do objeto em direção
ao reto, até atingir o can al anal. Quando isso não é possível,
deve-se extraí-lo por meio de uma colotomia. Realizando-se
essa colotomia com sua consequente colorrafia, haverá, tam-
bém, alto risco de deiscência dessa sutura, por causa da con-
taminação, devendo-se considerar a necessidade da feitura de
uma colostomia derivativa de proteção
Figul'll 50.26 Lesao ulcerada do canal anal irregular. com margem de-
• Complicações finida e endurecida, de d1ficil cicatrização, caracterizando aleucoplasla
As principais complicações do tratamento dos ferimentos perianal (Esta fogura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
anorretais são:
.. Gangrena gasosa. ~ consequência da infecção local, em
geral por anaeróbios, por causa de lesão indevidamente dre-
nada, limpa, desbridada e acompanhada. O quadro mimetiza geral de dificil cicatrização (Figura 50.26), que, quando biopsia-
a slndrome de Foumier, apresentando alta morbirnortalidade. das, apresentam, ao exame histopatológico, áreas de metaplasia
Nestes casos, é necessária a reintervenção cirúrgica de urgência, com hiperqueratose, com ou sem displasia.
com amplo desbridamento cirúrgico. .. Tratamento. Excisão local da ulceração e acompanha-
.. Deiscê ncia e fístula. Podem ocorrer quando é realizada a mento pós-operatório até sua completa cicatrização.
sutura primária dos ferimentos, sem observação das condições
necessárias a esse procedimento. • Condiloma acuminado
.. Absce sso peria nal e/o u pélvico. A conduta é sua drena- ~ enfermidade causada pelo virus do papiloma humano
gem imediata e ampla. (HPV), grupo Papova, com prevalência de transmissão por
A feitura de desbridamentos extensos nos traumatismos contato sexual, de alta incidência e com localização nas regiões
perianais e/ou pélvicos pode ocasionar, depois de cicatriza· genital, perineal e retal Quando lesão benigna, será abordada
dos, estenose anal Os traumatismos extensos da musculatura ainda neste capítulo com as DST.
pelvirretal podem ocasionar, também, incontinência, tanto a ~considerada afecção pré-maligna, pois pode degenerar,
gases quanto a fezes. Após o tratamento do trauma, com sua embora raramente, para o carcinoma epidermoide perianal. O
completa cicatrização e constatada a incontinência, haverá a condiloma acuminado associado ao carcinoma epidermoide é
necessidade da reconstrução d a musculatura esfincteriana le- também denominado tumor de Buschke-Lõewenstein.
sada (esfincteroplastia). .. Quadro clin ico. Há queixa de crescimento de um tumor
verrucoso, com áreas endurecidas, desconforto, umidade na
região e odor característico, ocorrendo, raramente, ulceração
• TUMORES DO CANAL ANAL e sangramento.
.. Diagnóstico.~ feito pela presença perianal de lesão ver-
O canal anal é embriologicamente complexo e sede de tumo- rucosa, geralmente múltipla, e, quando extensa, poderá ter
res diversos. Têm grande importância por sua morbirnortalida- área de transformação maligna (carcinoma epidermoide) ( Fi-
de e pela relação com a continência fecal devido à proximidade gura 50.27). O exame histológico (biopsia) confirma o diag-
com os esfincteres anorretais. nóstico.
.. Tratamento. Deverá ser o mesmo dos tumores epidermoi-
des do canal anal, relatados, a seguir, neste capítulo.
• Tumores pré-malignos do canal anal
• Leucoplasia • Tumores malignos do canal anal
!l uma lesão pré-maligna caracterizada por ulceração su-
perficial de diversas formas e tamanhos, podendo ocorrer na A incidência de lesão maligna no ânus é baixa - de 1 a 2%
mucosa de transição da boca (gengiva) e na do ãnus. ~mais co- dos tumores do trato digestivo- e apresenta, na maioria, bom
mum no sexo masculino e ocasionalmente associada a retardo prognóstico. Segundo a classificação histológica proposta pela
na cicatrização de feridas perianais pós-operatórias, tais como: Organização Mundial da Saúde, cerca de 80% dessas neoplasias
hemorroidectomia, fissurectomia e ressecção de condilomas. são do tipo epidermoide, subdivididas em tumores espinoce-
Embora sua simples presença não represente uma condição lulares ou de células escamosas, basaloides (cloacog~nicos) e
maligna, há sempre a possibilidade de haver displasia com o mucoepidermoides.
risco de desenvolvimento de carcinoma epidermoide. Os demais 2006 incluem: adenocarcinomas originários da
.. Quadro clínico. Consiste em sangramento, geralmente mucosa do tipo reta! que pode invadir o canal anal, das glân-
rutilante (vivo), prurido e secreção perianal. dulas anais ou das fistulas anorretais preexistentes; linfomas;
.. Diagnóstico.~ realizado pela presença de ulcerações su- melanoma; sarcoma de Kaposi; doença de Bowen; e doença de
perficiais no canal anal, de tamanho e formato variados, em Paget (Quadro 50.3).
550 Capftulo 50 I Doenças Ano" etais

e, menos, pela via hematogênica. Sua progressão direta aos


músculos esfincterianos, à parede reta! e à pele perianal é pre-
coce em mais da metade dos pacientes. A invasão da mucosa
vaginal é mais comum que a da loja prostática. Nos tumores
avançados, pode haver invasão dos ossos do sacro, cóccix e pa-
redes laterais da pelve. Metástases inguinais estão presentes em
20% dos enfermos e metástases a distância ocorrem em cerca
de 10%, principalmente para fígado e pulmões, por ocasião do
diagnóstico.
Algumas enfermidades inflamatórias crônicas predispõem
seu aparecimento, como a doença de Crohn, a retocolite ulce-
rativa e as fístulas anorretais.
.,. Quadro clínico. Suas manifestações clinicas são incarac-
terísticas e, não raro, atribuídas à doença hemorroidária, re-
tardando, na maioria das vezes, seu diagnóstico. Os sintomas
mais frequentes são: sangramento, dor, prurido e presença de
nódulo anal de forma e tamanho variados ou de ulcerações de
margens irregulares e endurecidas.
O sangramento, geralmente vermelho-rutilante (vivo), em
Figura 50.2 7 Condiloma gigante do canal anal com extensa área de pequena quantidade, ocorre durante a evacuação, ocasionado
carcinoma epidermoide. (Esta figura encontra-se reproduzida em co- pela ulceração.
res no Encarte.) A dor relaciona-se à infiltração tumoral e, inicialmente,
associa-se às evacuações. Com seu crescimento, ela torna-se
persistente e, às vezes, insuportáveL Com frequência, o exame
T- proctológico só é possível sob analgesia. Pode haver inconti-
Quadro 50.3 Tumoresmalignos docanal anal nência anal e secreção com odor fétido.
Com certa frequência, a linfadenopatia inguinal é seu pri-
1. Epidermoide s: meiro sinal. Os nódulos são endurecidos, indolores, tendendo à
Espinocelulares (escamosos), coalescência. O paciente pode confundir invasão inguinal com
Basaloides (cloacogênicos), e
Mucoepidermoides. hérnias. O edema de membro inferior pode ocorrer pelo blo-
2 . Ad enocarcinomas:
queio venoso causado pelo tumor ao nível dos vasos femorais
Glandulas anais, e, em geral, é unilateral.
Fístulas anorretais, e .,. Diagnóstico. Nas fases precoces, esses tumores podem
Mucosa retal. apresentar-se como lesões papulosas, com tamanhos variados
3. Melanomas e endurecidos, fixas ou não aos planos musculares. A falta de
4. Sarcoma de Kaposi um componente vascular, sua localização abaixo da linha pec-
S. Doença de Bowen t!nea e a frequente fixação do nódulo aos planos mais profun-
6. Doença de Paget dos permitem distingui-los facilmente de um mamilo hemor-
roidário.
O aspecto mais comum, à inspecção, porém, é o de lesão ul-
cerada de bordas elevadas, irregular, granulosa, que, ao toque,
Sua concomitância com doenças benignas do canal anal se mostra sangrante, dolorosa e endurecida (Figura 50.28).
é muito comum, além de poder ocasionar lesões, facilmente O diagnóstico diferencial com fissura anal crônica pode ser
confundidas com essas afecções. Por isso, deve-se proceder a realizado não só pela inexistência da dor após a evacuação (típi-
cuidadoso exame proctológico, pois esses tumores podem ser
diagnosticados precocemente, ainda com dimensões reduzidas
pela facilidade de acesso da região, permitindo melhor prog-
nóstico.

• Carcinoma epidermoide do canal anal


Os tumores espinocelulares ou escamosos são os mais fre-
quentes entre os carcinomas epidermoides do ânus, represen-
tando entre 80 e 85% deles. Originam-se no epitélio pluries-
tratificado queratinizado do canal anal. Sua maior incidência
está entre a 5• e a 7• décadas de vida, com predomínio no sexo
masculino.
Os basaloides ou doacogênicos ocupam o segundo lugar em
incidência (15 a 20%) e são originários do epitélio de transição
existente no canal anal, sendo, por isso, pouco diferenciados.
Têm maior incidência após a 4• década, sem predominância
de gênero. Figura 50.28 Lesão ulcerada do canal anal, ampla, irregular com bor-
Os tumores epidermoides do canal anal se propagam, com das elevadas (carcinoma epidermoide). (Esta figura encontra-se repro-
frequência, por continuidade e/ou por metástases linfáticas duzida em cores no Encarte.)
CapftuloSO I Doenças Anorretals 551

cada fissura), como pela localização atípica da ulceração, pois,


em aproximadamente 8096 dos casos de fissura anal, a lesão é
posterior, enquanto, no câncer, pode ocorrer em qualquer po-
sição. O plicoma sentinela é raro no câncer do canal anal.
Nos casos mais avançados, as lesões são ulcerovegetantes
extensas, avançam para o períneo, com secreção malcheirosa e
intensa dor, não só para evacuar como para urinar e andar.
Nas lesões infiltrantes, o comprometimento esfincteriano
anorretalleva à estenose progressiva. Quando o tumor inva-
de a pele perianal, há um aspecto característico denominado
"pele-de-laranja": a pele torna-se brilhante, endurecida e fina-
mente granulosa. O estudo histopatológico, através de biopsias
da lesão (sob analgesia), confirma o diagnóstico e sua origem
epitelial.
.,. Tratamento. Para o tratamento, é fundamental estabe-
lecer.
Figura 50.29 Ulceraçao de bordas elevadas. irregular e granulosa
• Sua posição em relação à linha pectfnea; de canal anal (adenocarcinoma invadindo o canal ana O. (Esta figura
• Sua extensão circunferencial; encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ
• O grau de infiltração aos planos profundos; e
• O comprometimento linfático locorregional e dos linfo-
nodos inguinais. " Quadro cHnlco. O prurido crônico generalizado constitui
Acadeia linfática in guina! interna é a primeira a ser invadida manifestação inicial inespeclfica, com intensidade variável, às
(15 a 3096). A disseminação venosa é menos frequente e ocorre vezes é intenso, podendo preceder em meses os sinais especí-
comumente nos tumores avançados. Sua abordagem deverá ser ficos do tumor, tais como, sangramento e dor local
multidisciplinar, sempre que possível, envolvendo: cirurgião, .,. Diagnóstico. Sua lesão característica é o nódulo ou placa
clínico, oncologista etc. nódulo-infiltrativa, eritematosa ou eritematopigmentada com
Seu tratamento-padrão é com radioterapia pélvica associada fundo em geleia. Pode ser lesão isolada ou múltipla. Progride
à quimioterapia (esquema de Nigro, modificado). A necessi- para o aparecimento de tumores de cor vermelho-castanha,
dade da ressecção da lesão residual pós-radioterapia é pouco com dimensões variáveis e que ulceram com frequência (Figura
frequente. As cirurgias alargadas, como as amputações abdo- 50.30). O diagnóstico deverá ser pelo exame histológico obtido
minoperineais, estão limitadas aos casos de falha na rádio e na pela biopsia da lesão.
quimioterapia. .,. Tratamento. A radioterapia associada à quimioterapia
constitui o tratamento de escolha para o linfoma fungoide
• Adenocaránoma do canal anal (cutâneo). Nas lesões residuais à radioterapia, faz-se suares-
O adenocarcinoma é um tumor raro no canal anal e se ori- secção cirúrgica.
gina: quando a mucosa reta! atinge o ânus; nas glândulas anais
(Chiari); nas glândulas apócrinas ou em f!stulas anorretais crô- • Melanoma
nicas, preexistentes. O melanoma ou melanoblastoma é tumor maligno de ori·
Em vista da ausência de barreira epitelial, os adenocarci- gem ectodérmica que acomete, frequentemente, a pele e a retina
nomas do ânus podem provocar metástases precocemente e, e, raramente, o canal anal, embora seja sua terceira localização
por isso, seu prognóstico é pior que o dos adenocarcinomas
mais comum. Incide na faixa etária da S• e 6• décadas de vida
colorretais.
.,. Quadro clínico.~ semelhante ao dos tumores epidermoi- e tem a mesma distribuição por gênero. Há mau prognóstico
des do canal anal. tendo como principais sintomas: sangra-
menta vermelho-rutilante, geralmente associado a defecação,
dor e prurido.
.,. Diagnóstico. Os adenocarcinomas do ânus são, com fre-
quência, confundidos com afecções benignas, principalmente
com a doença hemorroidária. Seu aspecto mais comum, à ins-
pecção, é a ulceração de bordas elevadas, irregular e granulo-
sa (Figura 50.29). Ao toque, apresenta-se sangrante, dolorosa,
endurecida e fixa aos planos profundos.
.,. Tratamento. ~ cirúrgico e, quando avançado, faz-se a am-
putação abdominoperineal do canal anal e do reto associada à
ressecção ampla dos tecidos perirretais.

• Linfoma
~doença maligna relacionada com a proliferação neoplási-
ca de células do sistema linfoide-reticular e rara no canal anal.
O linfoma fungo ide é a forma que afeta primariamente a pele.
Atinge, preferencialmente, adultos masculinos, acima dos 40 Figura 50.30 Lesao vegetante extensa de cor vermelho-castanha
anos de idade, com sobrevida média de 5 anos, quando não exteriorizando-se pelo canal anal (linfoma). (Esta figura encontra-se
tratada. reproduzida em cores no Encarte.)
552 Capftulo 50 I Doenças Ano"eta/s

Figura 50.32 Lesao plana e vermelho-escura de canal anal (Kaposi).


CEsta figura encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ
Figura 50.31 Melanoma perianal caracterizado por tumor polipoide
com pigmentação escura. (Esta figura encontra-se reproduzida em
cores no Encarte.) • Doença de Bowtn
O carcinoma intraepitelial de células escamosas foi descri·
pela sua alta malignidade e rapidez com que metastatiza para to por }ohn Templeton Bowen (1912) e é raro. Suas áreas de
linfonodos. predileção são: face, tronco e mãos. A de localização perianal é
"' Quadro clinico. Manifesta-se comumente com sangra· rara, sendo comum sua associação com outros tumores. Inci·
mento, dor e nódulo perianal identificado pelo paciente. de, principalmente, na 6' década, sem predominância entre os
"' Diagnóstico. O exame ffsico oferece poucos sinais e sin- sexos. Vários autores classificam a doença de Bowen como um
tomas que contribuem para o seu diagnóstico, devendo-se, po· carcinoma epidermoide intraepitelial, com tendência de infil·
rém, sempre pesquisar adenopatia inguinal e hepatomegalia. tração intraepid~rmica e de crescimento muito lento; a longo
O tumor polipoide é o mais frequente. mas pode ser plano ou
prazo, 3396 dos pacientes podem desenvolver um carcinoma
ulcerado. Caracteriza-se pela pigmentação escura da lesão (Fi· invasivo com metastatização locorregional e a distância. Alguns
gura 50.31 ), que ocorre em até 6096 dos casos (devido Apresença autores sugerem que essa doença representa a manifestação
intracitoplasmática de melanina). Quando não apresenta sua cutânea de uma predisposição ao carcinoma
pigmentação característica, pode retardar o diagnóstico, sen· "' Quadro clinico. Prurido, umidade da região perianal e
do os sintomas imputados a doenças benignas do canal anal queixa de desconforto anal. Sangramento é raro
O estudo histológico por meio de biopsias permite a compro· "' Diagnóstico. Constitui-se de lesões eczematosas desca·
vação diagnóstica. mativas de limites nltidos. com polimorfismo, eritematosas e
"' Tratament o. ~ cirúrgico, mediante amputação abdo- raramente ulceradas ou com pseudofissuras (Figura 50.33). Ao
minoperineal do canal anal e do reto, quando se objetiva a exame histológico, observam-se células com hiper e paraquera-
cura. Como a maioria dos pacientes. porém, já apresenta, no tose, e as células de Bowen, de núcleo grande, hipercromático,
momento do diagnóstico, metástases a distância para fl.gado, com um halo não corado que as diferencia da célula de Paget.
pulmões e/ou gânglios, a amputação só deverá ser indicada A biopsia deve ser múltipla para confirmar o diagnóstico e ex·
a~s rigoroso _estadiamento da neoplasia. Associam-se quúnio
duir a presença de carcinoma epidermoide invasivo, psorlase
e ununoterap1a. ou doença de Paget.

• Sarcoma de Kaposi
~um sarcoma da pele de crescimento lento, originário das
células endoteliais. Atualmente, é diagnosticado, com frequên-
cia, em pacientes com AIDS, podendo ocorrer não só na pele,
como em qualquer local do trato gastrintestinal, ai incluído o
canal anal e a pele perianal.
"' Quadro clinico. As lesões do sarcoma de Kaposi são, com
frequência, assintomáticas.
"' Diagnóstico. Presença de várias lesões pequenas e sepa·
radas, de 5 a 20 mm de diâmetro, de cor púrpura ou negra as·
sintomáticas (Figura 50.32). A biopsia deve ser realizada para
confirmar o diagnóstico.
"' Tratamento. Por causa do imunocomprometimento dos
pacientes com AIDS, a terapia daqueles com sarcoma de Ka-
posi ~mais paliativa e, na maioria das vezes, sem qualquer tra·
tamento. No entanto, como essas lesões são muito senslveis à Figun~ 50.33 Lesao ulcerada e eczematosa descamativa. de limites
rádio e à quimioterapia, em casos selecionados elas poderão nítidos, polimorfa e eritematosa de canal anal (Bowen). (Esta figura
ser empregadas. encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
CapftuloSO I DoençasAnorretals 553
.,. Tratamento.~ cirúrgico, com ressecção ampla da lesão,
com margens seguras para sua radicalidade e acompanhamen- • DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSfVEIS
to rigoroso dos pacientes pela possibilidade de associação de ANORRETAIS
outros carcinomas. Nos casos avançados, deverá realizar-se o
mesmo tratamento do carcinoma epidermoide. As doenças sexualmente transmissíveis (DST) constituem
um grupo de enfermidades endêmicas, de múltiplas causas, as
• Doença de Paget quais incluem as venéreas, conceituadas como infecciosas, pro-
~um adenocarcinoma intraepitelial de localização perianal vocadas por agentes rotineiros das estruturas genitais humanas
rara. James Paget (1884) descreveu a doença como sendo da que, pelo menos no início da doença, determinam sintomas
aréola mamária que poderia preceder o carcinoma da mama. e sinais na esfera genital. A Organização Mundial de Saúde
Sua manifestação extramamária é pouco comum e pode ocorrer (OMS) calcula que 350.000 novos casos de DST ocorram dia-
em regiões como bolsa escrota!, pênis, vulva, axila, pelve, boca, riamente no mundo.
coxas e nádegas. Segundo vários autores, a maioria dos pacien- Essas moléstias apresentam um número crescente de enti-
tes com essa afecção pode apresentar um carcinoma associado, dades clínicas e sindromes cujo traço comum é a transmissão
resultantes de respostas diferentes ao mesmo estimulo carci- durante a atividade sexual, sendo divididas em três grupos em
nog~nico. Quando a lesão dérmica degenera, é definida como relação ao contato sexual: as essencialmente transmitidas por
um carcinoma in si tu, ou seja, intraepitelial, podendo, a longo ele, as de transmissão frequente e as de contágio eventual.
prazo, evoluir para cãncer invasivo envolvendo as glândulas O estigma da promiscuidade sexual acompanha as DST des-
apócrinas, com metástases para linfonodos e outros órgãos. Na de os tempos mais remotos. Escritos biblicos tratam a gonor-
forma anal, afeta adultos dos 30 aos 70 anos, particularmente reia como impureza, e a própria sifilis, em 500 a.C., já tinha o
na 6' década, com predomínio do sexo feminino. significado de amor imundo. Ao tempo das invasões romanas,
.,. Quadro clfnico. Prurido anal, exsudação serossanguino- eram chamadas de Morbus indecens, e os soldados, para sua
lenta perianal provocando sensação de umidade, dor e/ou des- prevenção, já usavam um preservativo feito de tripa de carneiro
conforto perianal. O sangramento é menos frequente denominado camisa-de-vênus.
.,. Diagnóstico. Seu diagnóstico clinico é dificil, pois as Até há pouco tempo, alguns aspectos epidemiológicos ca-
lesões são frequentemente confundidas com as de dermatite racterizavam-nas: eram basicamente relacionadas com prosti-
eczema tosa. A doença de Paget perianal (Figura 50.34) carac- tuição, predominantes no sexo masculino, na faixa etária dos
teriza-se por lesão eczematosa, plana, de margens nítidas, com 20 aos 30 anos e apresentavam relação inversa com a escolari-
polimorfismo, úmida, eritematosa, às vezes esbranquiçada, en- dade e com o nível econômico. Entretanto, as grandes trans-
durecida, com tamanho variável de 0,5 a 15 em de extensão e formações socioeconômicas, em escala mundial, nas últimas
sua ulceração é rara. décadas, ocasionaram profundas modificações no comporta-
Ao exame histológico, encontram-se as células de Paget, em mento sexual e o ressurgimento das DST, em caráter end&nico,
anel de sinete, contendo uma mucoproteina, a sialomucina, as- com características clinicas e epidemiológicas diferentes. No-
sociada à hiperqueratose e acantose. Dada a frequência da sua vas doenças, como a sindrome da imunodeficiência adquirida
associação com o carcinoma reta! ou perianal, é importante um (AIDS), foram descritas e foram incluídas enfermidades dfs-
rigoroso exame proctológico. pares, como a amebfase e a hepatite B, no grupo das DST, em
.,. Tratamento. A doença de Paget pode permanecer sem populações cada vez mais jovens, à custa, principalmente, do
sinais de malignização por anos, e não existe terapia especifica. componente feminino. A prostituição perdeu sua importância
A melhor opção, quando existe malignização, é cirúrgica, com na transmissão, sendo substituída pela ligação eventual e pelo
ressecção local de toda a lesão perianal. Quando há recidivas homossexualismo masculino. Deixaram de ter importância a
frequentes, indica-se a amputação do canal anal e do reto, se- escolaridade e o nível econômico. O modo de transmissão e
guindo-se os critérios de radicalidade oncológica. os fatores epidemiológicos das DST implicam a possibilidade
de os pacientes estarem contaminados por mais de urna delas,
obrigando a investigação clinica e laboratorial de maneira mais
complexa, além do aumento de sua atipia clínica. Nesses pa-
cientes, são importantes o controle epidemiológico e o acom-
panhamento tera~utico.
Nas relações sexuais anais (sodomia), homo ou heterosse-
xual, uma flora intestinal mista e abundante é colocada em
contato com a mucosa uretra!, ocasionando uretroprostati-
te. Tornam-se frequentes o condiloma acuminado, a sffi!is, o
cancro mole, o herpes simples genital e a gonorreia, todos de
localização anal. O contato oroanal (anolinguismo), hétero ou
homossexual, cria condições da transmissão de arneblase, sal-
monelose, shigelose, hepatite B etc.
Nos paises ocidentais, a relação sexual anal é o vetor mais
comum de transmissão das DST anorretais, que são classifica-
das, de acordo com a sua localização, em:
• Perianais: lesões infecciosas ou inflamatórias, especificas
ou não, entre a região sacra, o sulco interglúteo, o perineo
Figura 50.34 Lesão eczema tosa, plana, de margens nítidas. com po- anterior até a fúrcula vaginal e a margem anal;
limorfismo, úmida. eritematosa e com ulcerações rasas no canal anal • Anites: afecções do canal anal; e
(Paget). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) • Proctites: afecções do reto.
554 CopftuloSO I DoençosAnorretols

um carcinoma epidermoide: o tumor de Busch.ke-Lõewenstein,


• Condiloma acuminado como descrito no item dos tumores anorretais neste capitulo.
O condiloma acuminado tem etiologia em um DNA vírus, Seu diagnóstico diferencial é com o condiloma plano da sífilis
pertencente ao grupo Papova, o Papillomavirus humano (HPV), secundária e algumas neoplasias benignas e malignas anorre-
autoinoculável, que tem como transmissão mais comum o con- tais .
tato sexual direto, havendo, porém, outras possibilidades de .,. Tratamento. Para as lesões pequenas. aplicação local diá-
contaminação não venéreas. Em alguns casos. a infecção con- ria de agentes citotóxicos, como a podofilina a 20% em solução
dilomatosa, cuja incidência vem aumentando nos últimos anos, alcoólica, ácido tricloroacético a 90% ou 5-fluoruracila a 5%,
pode apresentar displasia e transformação maligna. Seu período em creme, até seu desaparecimento, e nova observação após
de incubação varia de 2 semanas a 8 meses, com média em torno 4 semanas. Por serem substâncias potencialmente tóxicas, essas
de 3 meses. No entanto, a existência de lesões subcllnicas per- aplicações devem ser efetuadas sob controle médico.
mite aos portadores um estado de latência por muitos anos. Nas lesões extensas, o uso local de métodos destrutivos, como
Atinge, na mulher, a vagina, os grandes lábios e o perineo, crioterapia, Jaserterapia e eletrofulguração, sob anestesia local,
incluindo o canal anal, e, no homem, o pênis. a região perianal em ambulatório, apresenta bons resultados. Nos condilomas
e o ânus. Seu aparecimento, no reto, está relacionado com o gigantes, pode haver necessidade de excisão cirúrgica sob anes-
sodomismo e, na cavidade oral, à prática sexual oropeniano- tesia peridural. ê importante lembrar que as eletrofulgurações
anal. ê mais comum entre homossexuais masculinos. Ocorre, em áreas extensas ou repetitivas podem ocasionar estenose anal.
tamb~m. em indiv!duos imunocomprometidos, mesmo sem O tratamento imunológico à base de autovacinas ainda não de-
história de relação anal, como naqueles submetidos a trans- monstrou resultados satisfatórios. ê importante ressaltar que o
plantes de órgãos. tratamento é, por vezes, longo, cansativo e frustrante, para mé-
.,. Quadro clinico. O condiloma acurninado da região per ia- dicos e pacientes, com recidivas frequentes. Essas dificuldades
na! e do canal anal caracteriza-se por uma ou múltiplas lesões devem ser explicadas ao paciente Jogo no início do tratamento,
de aspectoverrucoso, que podem desaparecer espontaneamente para não haver desgaste na relação médico-paciente. Devem-se
ou evoluir, fundindo-se nas bases, até formar grandes massas proibir as relações sexuais até a cura da afecção, e o tratamento
vegetantes, semelhantes à couve-flor, avermelhadas ou esbran- requerer avaliação cJJnica do(s) parceiro(s).
quiçadas. A autoinoculação pode ocorrer, observando-se as
chamadas lesões em espelho, que aparecem em ambos os lados
da região perianal. Pode haver um desconforto perianal, pro- • Gonorreia
porcional ao tamanho e ao número das lesões, associado ou não Também chamada de blenorragia. seu agente etiológico é a
com secreção, prurido e, mais raramente, com sangramento. bactéria Neisseria gonorrhoeae, um diplococo intracelular gram-
.,. Diagnóstico. ê clínico, pela simples inspecção quando negativo aeróbio (gonococo) descrito por Albert Neisser (1879).
se observa a presença de lesões verrugosas típicas no perineo, De transmissão essencialmente por contato sexual, apresenta
canal anal e/ou reto (Figura 50.35). A anuscopia é necessária alta incidência epidemiológica e período de incubação entre
para localizar lesões no canal anal e a retoscopia, para as no reto.
2 a 10 dias.
A histopatologia confirma o diagnóstico nos casos duvidosos. A gonorreia anorretal é comum em mulheres e homosse-
Recentes técnicas de detecção do v!rus HPV confirmaram a xuais masculinos.
existência de infecções microscópicas do condiloma acumina- .,. Quadro clfnlco. A gonorreia anorretal é frequentemente
do, o que explicaria a dificuldade da sua erradicação. assintomática. Quando presentes, os sintomas e sinais são de
Quando o condiloma é de grandes proporções, denominado uma proctite inespeclfica e, isoladamente, insuficientes para o
gigante, é importante avaliar a pre.sença, associada à lesão, de diagnóstico. No entanto, em alguns pacientes, pode produzir
uma criptite aguda purulenta associada a uma proctite intensa,
geralmente restrita ao reto baixo, com ulcerações rasas da mu-
cosa e abundante secreção mucopurulenta, às vezes acompa-
nhada de sangue, e com tenesmo. Há casos extremos de sepse
gonocócica (entre 0,5 e 3%), causada pela sua disseminação
hematogênica e caracterizada por artrite, pericardite, endocar-
dite, infecção da orofaringe, epididimite, estado febril, mal-estar
generalizado e lesões cutâneas em forma de pústulas, mais acen-
tuadas nos membros, podendo, raramente, evoluir com menin-
gite, denominada slndrome de Waterhouse-Friderichsen.
.,. Diagnóstico. A inspeção da região perianal, apesar de bá-
sica nos pacientes com história de sodomia, pode nada revelar.
O toque reta! é, com frequência, doloroso, com a presença de
pus ou sangue na luva. A anuscopia e a retossigmoidoscopia
podem mostrar intenso enantema da mucosa do canal anal e
do reto, com graus variáveis de friabilidade e de secreção pu-
rulenta ou, raramente, sanguinolenta e, nos casos mais graves,
a presença de ulcerações (Figura 50.36).
Não é raro encontrar pacientes com normalidade endoscó-
pica, nos quais o diagnóstico se faz por meio do quadro clinico
Figura 50.35 Múltiplas lesões perianais de aspecto verrucoso (con· e achado laboratorial que é realizado mediante bacterioscopia
dlloma acuminado). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores direta pelo método de Grame da cultura em meio de lhayer-
no EncarteJ Martin do material obtido da secreção anorretal.
CapftuloSO I DoençasAnorretais 555

Figura 50.37 Sífilis primária do canal anal apresentando-se na forma


de pápula eritematosa (cancro duro). (Esta figura encontra-se repro-
Figura 50.36 Gonorreia de canal anal ocasionando abundante se- duzida em cores no Encarte.)
creção mucopurulenta perianal. (Esta figura encontra-se reproduzida
em cores no Encarte.)

Seu diagnóstico diferencial deverá ser efetuado com as in-


fecções inespecíficas ou com as provocadas por Salmonella,
Yersínía ou Shígella.
"'Tratamento. Utiliza-se a penicilina benzatina, na dose de
2.400.000 UI IM, semanalmente, durante 2 semanas. Nos pa-
cientes alérgicos à penicilina, faz-se a substituição pela eritro·
micina ou tetraciclina VO, na dose de 500 mg, de 6 em 6 horas,
durante 15 dias. Para confirmação da cura, todos os pacientes
devem ser reexaminados após 7 dias do término do tratamen-
to. O risco de transmissão é alto e a contaminação do parceiro
sexual ocorre em mais de 90% dos casos, devendo ser proibidas
as relações sexuais.

• Sífilis
Seu agente etiológico é o Treponema pallidum, espiroqueta
aeróbia, com período de incubação de 2 a 6 semanas após o
contato sexual. Essencialmente venérea e endêmica nos cen-
tros metropolitanos, com incidência crescente, sobretudo, em
homossexuais masculinos, a sífilis acomete principalmente o
sistema vascular, com edema e proliferação endotelial e infil-
tração perivascular, após a inoculação do trepo nema Figura 50.38 Sífilis primária do canal anal com lesões ulceradas, de
tonalidade vermelha forte, fundo liso, margens não proeminentes e
• Quadroclínico indolores. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Desde o início, a sífilis é infecção sistêmica. Depois da pene-
tração do treponema, que se multiplica já no local da inoculação,
a disseminação ocorre em horas, pela circulação sanguínea e um endurecimento. Decorridos 10 dias da contaminação, pode
linfática. Caracteriza-se por três estágios clínicos sequenciais: associar-se adenopatia inguinal bilateral, dura, indolor e não
"' Sífilis primária (aguda). li a fase na qual há os sinais e inflamatória
sintomas localizados da doença. Quando a lesão inicial é anor- "' Sífilis secundária (subaguda). lí a fase clínica sistêmica,
reta), acomete, principalmente, a região perianal através da pele que se dá entre I e 2 meses após a fase localizada, quando essa
e, raramente, o canal anal ou a mucosa reta!, atingindo os lin- não foi tratada corretamente. O treponema entra na circulação
fonodos regionais após 10 dias. A inspecção, no local da ino- e multiplica-se, disseminando-se por todo o corpo, ocasionando
culação, observa-se uma pápula eritematosa, geralmente única, um exantema epidérmico generalizado com lesões chamadas
indolor, base dura, chamada de cancro duro (Figura 50.37), que de roséolas, mais acentuadas nas regiões plantares e palmares.
sofre necrose isquêmica e origina uma ulceração vermelha forte, Surgem pequenos pontos maculares de cor cúprea, opacos, sem
fundo liso e com acantose na epiderme das suas margens, que prurido, que são facilmente confundidos com reação alérgica.
não são proeminentes (Figura 50.38). Essas lesões também aparecem nas mucosas, disseminadamen-
Seu sintoma é um discreto incômodo na região perianal, te, e, por não possuírem camada córnea, são mais infectantes
com certo grau de umidade pelo exsudato da ulceração sifilíti- que as cutâneas.
ca Essa lesão desaparece espontaneamente, após 1 ou 2 meses, Nessa fase, pode ocorrer o condiloma plano sifilítico na re-
sem deixar cicatriz, podendo ficar em seu lugar um eritema e gião perianal (Figura 50.39), com secreção de odor fétido, ex-
556 Capitulo 50 I Doenças Ano"etals

• Donovanose
E infecção bacteriana crônica, pouco contagiosa e de evolu-
ção progressiva, com destruição da área genital, classificada, em
geral, como venérea. Seu agente causal descoberto por Charles
Donovan (1905) é o Donovania granulomatis. Com os conhe-
cimentos atuais, esse agente foi definido como uma bactéria
grarn-negativa do gênero Klebsie/la e denominada Calymmato-
bacterium granulomatis. Seu período de incubação varia entre
8 e 80 dias. A doença é conhecida, também, como granuloma
venéreo ou tropical.
.,. Quadro clínico. A enfermidade começa com nódulos
subcutâneos múltiplos ou isolados, que ulceram através da pele,
inclusive perianal, produzindo lesões indolores, que sangram
com facilidade, aumentam gradativamente e são, quase sem-
pre, associadas a infecções secundárias, com tecido necrótico
Figura 50.39 Condiloma plano da sífilis secund.iria perianal. (Esta fi. na base das úlceras, intensa secreção purulenta e odor fétido,
gura encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ formando pústulas. Associa-se adenopatia inguinal, igualmente
com secreção fétida.
.,. Diag nóstico. l! feito mediante as características clinicas da
tremarnente contagioso, associado ao enantema e à friabilidade lesão, que se inicia como um nódulo subcutâneo que ulcera e
da mucosa reta!. ocasiona uma lesão granulomatosa exuberante, vegetante e que,
.,. Sífilis terciária (crôn ica). I! sua fase tardia, de 2 a 5 anos progressivamente, alastra-se por coalescência e autoinoculação,
após a sistêmica, sendo, contudo, rara, dado o tratamento pré- preservando o aspecto ulcerovegetante (Figura 50.40).
vio ou a autoimunidade (3096 dos casos) que leva à cura espon· A extensão do processo inflamatório ocasiona fibrose dos
tânea. Pode manifestar-se como: tecidos, que, quando acomete o canal anal, pode levar à este-
• Forma tegumentar, com lesões nodulares na derme (go- nose (diagnosticada ao toque reta!), semelhante à encontrada
mas sifillticas); no linfogranuloma venéreo.
• Forma cardiovascular com estreitamento do óstio das As biopsias permitem o diagnóstico histológico, caracte-
coronárias, insuficiência da válvula aórtica e aneurisma rizado por extensa acantose e denso infiltrado dérmico, com
da aorta torácica; plasmócitos e histiócitos. Os corpúsculos de Donovan, carac-
• Forma neurológica, tanto meníngea, parenquimatosa terísticos da enfermidade, são encontrados no interior dos rna-
quanto congênita, com paralisia e ataxia locomotora; ou crófagos.
• Como lesões ósseas e viscerais. .,. Tratamento. As tetraciclinas e as gentarnicinas são os
antibióticos mais eficazes. A tetraciclina é a primeira escolha,
• Diogn6stico na dose de 500 mg VO, de 6 em 6 horas, durante, no mlnimo, lO
Para o diagnóstico, é importante evidenciar que a sífilis apre- dias. A gentamicina deverá ser usada na dose de 80 mg ( l mg/
senta mais sinais que sintomas, e o paciente pouco se queixa, kg de peso corporal) IM, de 12 em 12 horas, pelo mesmo perlo-
tendo que ser rigorosamente examinado, incluindo o exame do. O paciente deverá ser acompanhado, semanalmente, até a
proctológico completo. cicatrização das lesões, com cura prevista ao redor de 3 sema-
O diagnóstico é confirmado, na fase primária, mediante o nas. Em casos de lesões muito extensas, devem-se extirpá-las
exame direto da secreção perianal em campo escuro, com im- cirurgicamente.
pregnação pela prata, coloração pelo Giemsa ou pela tinta da
China, todas possibilitando a identificação das espiroquetas,
ou mesmo por meio de biopsias das lesões para exame histo·
patológico.
A sorologia pela floculação (VDRL) ou da reação de comple-
mento (Wasserman) positivam-se na fase secundária; por não
serem específicas, dá-se preferência à prova FTA, com antígenos
treponêmicos (IgM) de alta sensibilidade e especificidade.
A diferenciação diagnóstica é feita com a fissura anal, o con-
diloma acuminado e o carcinoma anorretal.

• Tratamento
Penicilina benzatinica, na dose semanal de 2.400.000 unida-
des IM, durante 4 semanas. Como segunda opção, eritromi-
cina ou tetraciclina, na dose de 500 mg VO, de 6 em 6 horas,
durante 15 dias.
Os pacientes e seus companheiros sexuais devem ser acom-
panhados e orientados, necessitando-se de abstenção sexual du- Figura 50.40 Donovanose com nódulos subcv!Aneos múltiplos nas
rante o tratamento. Os pacientes assim tratados devem tomar- regiões perianal e petineal (Esta figura encontra-se reproduZida em
se soronegativos em 12 semanas, caso não haja reinfecção. cores no Encarte.)
Capitulo 50 I Doenças Anorrerais 557
.,. Quad ro clinico. A lesão inicial é uma infecção granuloma-
• Cancroide tosa no local da inoculação, que quase sempre passa despercebi-
Também denominado cancro mole, é causado por pequenas da. f observada com o aspecto de vesícula, erosão, exulceração
bactérias aeróbias (cocobacilos) gram-negativas chamadas de ou pápula (Figura 50.42). Sua propagação é linfática, estenden-
Haemophilus ducreyi, descritos por Ducrey (1889). Seu período do-se aos linfonodos regionais e causando adenites (abscessos).
de incubação é curto (entre 2 e 7 dias) e autoinoculável, sendo Essa adenopatia abscedada drena espontaneamente, formando
considerado como doença essencialmente venérea. vários oriffcios fistulosos, com secreção de pus espesso e fétido,
.,. Quadro clinico. A lesão anal inicial é representada por caracterizando o estágio avançado da enfermidade.
mácula, vesícula ou pústula, que rapidamente se rompe, evo- A lesão inicial pode ocorrer no canal anal ou no reto, quando
luindo em 2 a 3 dias para ulceração dolorosa, rasa, com bordas inoculada diretamente na mucosa reta! por relação sexual anal.
bem delimitadas. escavadas, fundo purulento, base mole, ge- Pode ocasionar grave comprometimento regional, em especial
ralmente múltipla e localizada na genitália externa, podendo, no reto, com adenopatia perirretal, da cadeia illaca profunda
também, ser encontrada no ânus (Figura 50.41). e hipogástrica. Pode haver, também, comprometimento dos
Por vezes, apresenta adenopatia inguinal, denominada gânglios inguinais superficiais.
«bubão•, geralmente unilateral, de aspecto supurativo (amo- Existe dor anal, por vezes intensa e febre. O comprometi-
lecido e tumefato). As lesões cancroides não desaparecem es- mento dos linfonodos regionais evolui com a formação de ffs-
pontaneamente como as da sífilis. tulas, estenoses e abscessos perianais. A proctite apresenta-se
.,. Diagnóstico. O quadro clinico do cancroide perianal é com inflamação aguda da mucosa, ulcerações e secreção mu-
fundamental para o diagnóstico, pois os exames complementa- cossanguinolenta ou mucopurulenta fétida, acompanhada de
res para confirmar a presença do agente etiológico apresentam tenesmo. Evolui para estenose de extensão variável, com obs-
alta incidência de falso-negativos. O exame bacterioscópico e tipação e fezes finas. São frequentes as fistulas retovaginais. A
a cultura da secreção são muito utilizados. O teste imunológi- adenopatia inguinal é bilateral e supurativa.
co de intradermorreação, conhecido como teste de Ito-Reens- .,. Diagnóst ico. O quadro clínico de lesão ulcerada perianal,
tierna, apresenta positividade somente após 12 dias do início com adenopatias satélites. comprometimento sistêmico com
da enfermidade. lesões granulosas nos Unfonodos que evoluem para abscessos
Seu diagnóstico diferencial deverá ser feito com a sífilis. o perianais, f!stulas e estenoses anorretais, associados à história
linfogranuloma venéreo e a donovanose. de relação sexual anal, é indicativo de linfogranuloma venéreo .
.,. Tratamento. Tetraciclinas na dose de 500 mg VO, de 6 em Devem-se realizar o exame bacteriológico direto, o teste intra-
6 horas, durante 10 dias. O cuidado local faz-se com limpeza dérrnico de Frei (inoculação de cultura da secreção purulenta
das lesões. 2 a 4 vezes/dia, com solução antisséptica, como o das lesões) e o teste imunológico de fixação de complemento.
permanganato de potássio, na diluição de 1:40.000. Quando positivos, confirmam a doença, sendo necessários de
Não se deve incisar e drenar a adenite, pois, dessa forma, 12 a 40 dias para sua positividade depois do aparecimento da
prolonga-se seu tempo de evolução. Pode-se esvaziá-la através lesão inicial. f importante saber que esses testes podem falhar
de punção com agulha e aproveitar o material para exame. em mais de 3096 dos pacientes.
O diagnóstico diferencial do linfogranuloma venéreo anor-
• Linfogranuloma retal deverá ser feito com o cancroide, a sífilis, a doença de
Crohn, a tuberculose, o carcinoma e o abscesso crlptico.
Doença sistêmica, de transmissão essencialmente venérea, .,. Tratamento. Tetraciclinas na dose de 500 mg VO, a cada
causada pelo Chlamydia tracomatis, bactéria intracelular com 6 horas, no mínimo por 20 dias. Esse tratamento deve ser iní-
predileção pelos linfonodos. f grarn-negativa, com período
de incubação de 7 a 10 dias, também denominada doença de
Nicolas-Favre-Durand.

Figura 50.41 Lesão inicial de cancro mole com pústulas no canal Figura 50.42 Unfogranuloma venéreo com lesões granulomatosas
anal (cancroide). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no perianais, grande ulceraç~o e secreç~o purulenta. (Esta figura encontra·
Encarte.) se reproduzida em cores no Encarte.)
558 Capitulo 50 I Doenças Ano"etals

ciado imediatamente após a suspeita do diagnóstico. As ade-


nopatias e os abscessos devem ser drenados, porém os proce-
dimentos cirúrgicos devem ser bem avaliados e restritos. Nas
fistulas perianais e retovaginais, fazem-se ressecções econômi-
cas e cuidadosas, tendo-se que associar, posteriormente, plásti-
cas reconstrutivas. As estenoses anorretais poderão ser tratadas
com dilatações e, em casos extremos, com derivação do trânsito
intestinal por meio de colostomias ou, até mesmo, amputação
do reto e canal anal.

• Herpes simples genital


O herpes simples genital pertence ao grupo das doenças ve-
néreas frequentemente transmitidas por contágio sexuaL Pela
liberação sexual de hoje em dia, vem apresentando um crescen-
te aumento. Por ser praticamente incurável e sujeito a recidi-
vas, tem grande importância. Foi descrito por Richard Morton Figura 50.44 Ulcerações perianals do herpes simples genital. (Esta
{1694) e reconhecido como virose em 1941, sendo causado por figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
vírus DNA pertencentes à famllia Herpes viridae, subfamOia
Alphaherpesvirinae, na qual se incluem os Herpesvirus homi-
nis {HVH). Estes apresentam dois tipos antigênicos: o HVH infecção inicial e manifesta-se, quase sempre, no mesmo lugar,
1, encontrado principalmente em lesões dos lábios, faces e re- com os mesmos sintomas e sinais.
giões expostas à luz solar, e o HVH 2, observado nas regiões O herpes simples genital, embora seja doença benigna, pode
genitais e considerado como doença sexualmente transmissível. ser grave e até fatal em pacientes imunocomprometidos.
Estímulos variados, como febre, traumas mecânicos, tensão "" Diagnóstico. ~ clinico e precedido de rigorosa anamnese.
emocional, baixa imunidade e infecções diversas, provocam A presença perianal das lesões vesiculares agrupadas umas em
sua recorrência. torno das outras, as ulcerações ou as crostas fazem o diagnós-
.,. Quadro clinico. Cerca de 24 h depois do contágio sexual tico. Impõe-se a pesquisa de doenças sexualmente transmis-
anal, surgem as primeiras manifestações, com lesões eritema- síveis associadas, como a sífilis e o cancroide. O diagnóstico
tosas acompanhadas de ardor, prurido e dor. Sobre essa lesão sorológico, mediante a fixação do complemento do HVH 2,
eritematosa, aparecem vesículas agrupadas (Figura 50.43 ), umas deixa a desejar. Nos centros mals avançados, os métodos diag-
em tomo das outras, por 4 a 5 dias; após isso, ulceram na re- nósticos utilizados são o imunológico (lgM) ou a cultura viral
gião periana.l ou no canal anal {Figura 50.44) e formam crostas, em células embrionárias humanas, ambos de alta sensibilidade
havendo reparação entre 2 e 3 semanas. e especificidade.
Às vezes, acompanha-se de febre., cefaleia, mal-estar e mial- ""Tratamento. Visa a minimizar os efeitos, o tempo dedu-
gias. Em 75% dos casos, observam-se adenopatias inguinais ração e o e.spaço entre as crises, pois é ineficaz para a cu.ra.
ou femorais e, em 15%, há inoculação extragenital, como em Consiste no uso do agente antiviral aciclovir (inibidor da poli-
nádegas, dedos e olhos. merase do DNA vira!) VO na dose de 200 mg, 4 a 6 vezes/dia
A existência de infecções subclínicas permite aos portadores e tópico (diretamente sobre as lesões herpéticas) com pomada
um estado de latência por muitos anos e explica o porquê de a 5%, também com 4 a 6 aplicações por dia, no período de 5 a
um paciente, há muito convivendo com parceiro(a) único(a) 10 dias (até a remissão dos sintomas). Quando falha a resposta
sem herpes, possa manifestar a enfermidade após anos de re- terapêutica oral, pode utilizar-se o aciclovir intravenoso.
lacionamento. A recorrência tem a mesma história natural da
• Candidíase
~ uma infecção causada por um fungo oportunista, Can-
dida albicans, que vive como comensal na mucosa do sistema
digestivo, e sua incidência, nos últimos anos, vem aumentando.
Apresenta fatores predisponentes, como a gravidez, o diabe-
tes, a imunodepressão e o uso prolongado de corticoides e de
antibióticos de amplo espectro. Atualmente, aceita-se como
doença frequentemente transmitida pelo contágio sexual e que,
com baixa frequência, acomete a região perianal, o canal anal
e o reto .
.,. Quadro clínico. Na pele da região perianal, pode produzir
lesões intertriginosas, com eritema, maceração e exsudação com
intenso prurido (Figura 50.45). No canal anal e reto, caracteriza-
se pela presença de proctite purulenta com placas brancas sobre
mucosa enanternatosa e edemaciada, com secreção do tipo "leite
coalhado". Sua disseminação ocorre por via hemática, poden-
Figura 50.43 Herpes simples genital com vesículas perianais agrupa- do ocasionar, em pacientes portadores de enfermidades gra-
das, localizadas na regõao perianal. (Esta figura encontra-se reproduzida ves, em geral imunocomprometidos, endocardites, meningites
em cores no Encane.) e/ou septicemias, comumente fatais.
Capitulo 50 I DoençasAnorrerais 559

Figura 50.46 l~s vesiculares endurecidas, de superficie lisa, translú-


cidas e umbilicadas. caractetlsricas do molusco contagioso. (Esta ftgura
encontra-se reproduzida em COfes no EncarteJ

Figura 50.45 Candidíase com lesões intertriginosas, com eritema, • Síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS)
maceraçao e exsudação localizadas na regiao perlanal. (Esta figura
encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) A AIDS é, na atualidade, o maior problema de saúde pú-
blica mundial, em vista de seu contágio fácil, rápida expansão
e disseminação descontrolada, além de ser considerada uma
.,. Diagnóstico. As manifestações clinicas, com prurido in- DST de transmissão frequente pelo contato sexual, sobretudo
tenso e secreção esbranquiçada e espessa, na região perianal e pelo contato anal. ~ uma doença infecáosa grave provocada
no canal anal, são tfpicas. O exame citológico da secreção pode pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), pertencente à
confirmar a presença do fungo. Se o exame a fresco for negativo, famJlia dos Retrovírus, subfamília dos Lentivírus, tendo sido
sob suspeita clínica, deve-se realizar a cultura da secreção. isolados, até o momento, dois tipos de vírus RNA: o HIV 1 e o
.,. Tratamento. Para uso local (perianal), a violeta de gen- HIV 2, com perfodo de incubação variando de alguns meses a
ciana em solução aquosa a 2% apresenta grande eficácia e baixo vários anos. Apresenta grande variação genética, grande capa-
custo, podendo ser aplicada pelo próprio paciente ou, quando cidade de replicação e ação citolítica para as células que infecta
necessário, no consultório médico. Associa-se a nistatina VO, com cepas de díferentes virulências. Pode ser encontrado no
na dose de 500.000 UI, 3 vezes/dia, por 10 dias. No acometi- organismo humano, tanto no meio extra como no intracelular.
mento do canal anal e do reto, emprega-se, também, nistatina Depois de penetrar na célula, o HIV perde o envoltório e o seu
tópica, na forma de creme. A anfotericina B é utilizada nas RNA é liberado no citoplasma celular. A transcriptase rever-
formas disseminadas, por via parenteral. sa transcreve o RNA em DNA, e este genoma vira! integrado,
denominado pró-vírus, pode permanecer latente durante pro-
longado período. Fatores ainda mal conhecidos ativam o pró-
• Molusco contagioso vírus e dão inicio à s!ntese dos componentes virais (protease)
~ uma infecção da pele, sobretudo de localização genital, que produzirão novos HIV. O ciclo completa-se com alise da
considerada, eventualmente, como de transmissão sexual, au- célula hospedeira e a liberação dos vírus capazes de infectar
toinoculável, causada por um poxvirus {Juliusberg, 1905), que outras células. No sistema hematopoético, o tropismo mais
apresenta um período de incubação de 1 semana a 6 meses. Sua acentuado dos HIV é para os linfócitos T indutores {TH), que
ocorr~ncia é mundial, com maior incidência na infância e no representam 60 a 80% das células T circulantes. Nessas células,
adulto sexualmente ativo. estão presentes receptores específicos, denominados CD4, que
.,. Quadro clínico. Caracteriza-se pelo aparecimento na pele, partiápam do reconhecimento dos antígenos e são essenciais à
inclusive perianal, de erupções vesiculares endurecidas tfpi- manutenção da competência imunológica humana. Os macró-
cas, de superfície lisa, translúcida e com umbilicação central fagos são capazes de fagocitar o HIV, mas são refratários ao seu
(Figura 50.46). Tem crescimento rápido, podendo atingir até efeito citopatogênico, permitindo que o vírus sobreviva e possa
10 mm. Em geral, é assintomático ou pode produzir discre- ser transportado pela corrente circulatória a diversos órgãos,
to prurido. Apresenta involução natural em até 2 meses, sem como os pulmões, o cérebro e o trato digestivo.
deixar cicatriz. As prinápais alterações imunológicas encontradas na AIDS
.,. Diagnóstico. Seu diagnóstico é pelas suas características são causadas pela penetração dos vírus HIV nos linfócitos TH,
clínicas, que tornam fácil sua identificação. O exame histopato- com sua destruição, impossibilitando a manutenção da com-
lógico de uma vesícula biopsiada confirma o diagnóstico. petência imunológica, além de bloquear os receptores CD4,
.,. Tratamento. ~realizado pela curetagem das vesículas, de- impedindo o reconhecimento dos antígenos para as outras in-
vendo-se alertar o paáente para a possibilidade do apareámento fecções. Dessa maneira, os individuos, depois de contaminados
de novas lesões pelo curso natural da infecção, durante vários me- pelo vírus da AIDS, têm o reconhecimento dos outros antíge-
ses. Como o molusco contagioso involui espontaneamente, não nos prejudicados e se tornam incapazes de combater células
se justifica qualquer tratamento que possa causar ácatrizes. neoplásicas, fungos, protozoários e outros vírus.
560 Capftulo 50 I Doenças Ano"etais

A epidemiologia da AIDS é cosmopolita, disseminada por significativo da sua incidência em nosso meio. Afeta ambos os
todo o planeta e se transmite pelo esperma, nos contatos sexu- sexos, na mesma proporção, em todas as idades, com máxima
ais, pelo sangue e hemoderivados, nas transfusões, ou pelo uso entre a 2' e a 4' décadas, e com prevalência para a raça branca.
compartilhado de agulhas de injeção de tóxicos venosos, além Apresenta quadro clínico variável, com frequência crônico e
da via transplacentária. Outras maneiras de contaminação, os com ritmo evolutivo incerto, ocasionando importantes reper-
humores corpóreos, são acidentais. cussões biopsicossociais.
Desde sua primeira descrição, em 1979, por Weisman e Got- Suas manifestações anorretais e perianais são frequentes, em
tlieb, tem-se mantido mais restrita aos denominados "grupos geral associadas à doença no cólon e/ou reto, em cerca de 70%
de risco": homens ho mo e bissexuais, heterossexuais promíscu- dos enfermos, e com as formas ileais em 30%. Ocorrem como
os, usuários de drogas injetáveis, pacientes transfundidos com o primeiro sinal da doença em cerca de 4% dos enfermos, po-
sangue e hemoderivados, filhos gerados de mães com HIV ou dendo preceder qualquer sintoma intestinal em muitos anos.
viciadas em drogas injetáveis, e parceiros sexuais de pacientes O curso evolutivo dessas lesões anorretais é variável, podendo
portadores de HIV. regredir ou evoluir, com consideráveis modificações das estru-
.,. Quadro clínico. S complexo, pois inclui as manifestações turas do canal anal, independentemente da presença e/ou da
causadas pelo HIV e pelas infecções associadas. A OMS elas· intensidade das lesões intestinais.
sifica as várias formas clinicas da AIDS como: assintomática,
infecção aguda, linfadenopatia persistente, manifestações sistê-
micas, neurológicas e neoplásicas e infecções relacionadas com
• Quadro clínico
a AIDS. Nem todas as formas clínicas estão presentes em todos As lesões anorretais da DC manifestam-se como plicomas,
os pacientes e podem não ocorrer consecutivamente. O sarco- escoriações, fístulas, abscessos, estenoses, fissuras e/ou ulcera-
ma de Kaposi, relacionado com a AIDS, tornou-se epidêmico, ções no canal anal. Os sintomas mais comuns são dor, em espe-
sendo a lesão inicial em 30% dos enfermos. cial às evacuações, ardor, secreção purulenta que suja a roupa,
.,. Diagnóstico. O diagnóstico laboratorial inclui a pesquisa prurido e/ou incontinência! anal. Os plicomas são frequentes,
do HIV ou dos anticorpos anti-HIV, sendo os mais utilizados, apresentando-se inflamados e edemaciados, com 1 a 2 em de
em nosso meio, o ELISA, com especificidade de 99,8%, e, para tamanho (Figura 50.47). Costumam provocar incomodo, às
confirmação de resultados duvidosos, o teste de W estern blot e vezes até dor e dificuldade na higiene anal. Podem persistir
a imunofluorescência (IF). Confirmado o diagnóstico, efetua-se por 10 anos ou mais. Em geral, são acompanhados de ulcera-
uma avaliação da quantidade de HIV presente no plasma (carga ções anais (Figura 50.48), fístulas (Figura 50.49) e/ou papilites
vira!) e do sistema imunológico do paciente, por contagem das (Figura 50.50).
células TH (CD4), além da identificação das possíveis infecções As lesões fissurárias ou ulceradas são comuns e caracteri-
ou neoplasias associadas. zam-se pela presença de ulcerações amplas, atípicas e profun-
O diagnóstico diferencial deverá ser feito com: imunodeficiên- das no anoderma, localizadas em qualquer quadrante do ânus,
cias congênitas ou adquiridas; terapias com imunossupressores; únicas ou múltiplas, de margens irregulares e edemaciadas, en-
neoplasias malignas e quadros infecciosos graves. durecidas ao toque. São, geralmente, indolores pela ausência
.,. Tratamento. A terapia anti-HIV baseia-se na contagem de hipertonia do esfíncter anal interno.
das células TH (CD4), na quantidade de vírus presente no pias·
ma (carga vira!) e/ou na situação clinicado enfermo. Assim,
todos os pacientes com AIDS e com a doença manifesta (sin-
tomáticos), ou os assintomáticos, porém com contagem de TH
(CD4) menor que 500 céls./mm3, devem ser tratados. Aqueles
com contagem de TH (CD4) acima de 500 céls./mm' devem ser
tratados somente se tiverem carga vira! superior a 30.000 cópias
de RNNmf. As drogas disponíveis para o tratamento são re-
guladas pelo Ministério da Saúde, Programa Nacional de DST
e Aids (2008, 7' edição) e fornecidas através do SUS (medica-
mentos de alto custo). A terapia combinada de drogas tem como
objetivo controlar melhor a replicação vira!, diminuindo a sua
carga e reduzindo a seleção de drogas resistentes ao HIV.

• DOENÇA DE CROHN ANORRETAL


Sua etiologia é desconhecida e os estudos epidemiológicos
atuais sugerem não haver um agente transmissível responsável.
Há trabalhos indicando a influência de fatores genéticos como
predisponentes (relacionados com a transmissão multigênica).
Os fatores patogênicos mais importantes da doença de Crohn
(DC) estão relacionados com inativação do sistema imunológi-
co da mucosa de todo o trato digestório, com aumento de sua
permeabilidade e alterações do conteúdo intestinal. Tem maior
incidência nas populações de regiões mais industrializadas, que
ingerem pouca fibra, fumam muito e usam anticoncepcionais Figura 50.47 Plicomas perianais inflamados e edemaciadosda doen·
VO. Apesar de serem precários os dados de estatística sanitária ça de Crohn de canal anal. (Esta f!Qura encontra-se reproduzida em
no Brasil, a literatura nacional vem registrando um aumento cores no Encarte.)
CapftuloSO I DoençasAnorretais 561

Os abscessos decorrentes da DC são extremamente dolo-


rosos, evoluindo com febre alta e não diferindo da maioria
dos processos supurativos anorretais. Podem drenar esponta-
neamente, desestruturar o canal anal e perlneo (Figura 50.51),
podendo atingir o escroto ou os grandes lábios vaginais, pro-
vocando grave quadro séptico.
As fístulas anorretais, com frequência, são complexas, apre-
sentando orifício externo único ou múltiplo. Em geral, ocasiona
importante incomodo perianal, alterando a qualidade de vida
dos enfermos, em especial quando essas fistulas são retovagi-
nais (Figura 50.52).
A escoriação e maceração da pele perianal e do perfneo não
são próprias da enfermidade, mas consequência da diarreia e da
infecção secundária por bactérias e fungos. Estas lesões podem
ocorrer concomitantes ou em sequência, ocasionando a des-
truição anatômica e funcional do canal anal, podendo evoluir
Figura 50.48 Doença de Crohn anorretal com ulceração fissuroide para a estenose anal cicatricial e a suboclusão.
local ização anal atípica (lateral equerda). (Esta figura encontra-se re-
produzida em cores no Encarte.)
• Diagnóstico
O diagnóstico da DC anorretal é clinico e facilitado quando
se tem o conhecimento prévio de o paciente ser portador desta

Figura 50.49 Fístula complexa da doença de Crohn com dois orifí- Figura 50.51 Processo supurativo extenso da doença de Crohn, en-
cios externos, trajeto em 'ferradura' e ulceração posterior. (Esta figura volvendo todo o perfneo, desestruturando o canal anal. (Esta figura
encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)

Figura 50.50 Papilas hipertróficas exteriorizadas no canal anal em Figu ra 50.52 Estilete colocado no trajeto fistuloso existente entre
enfermo comdoença de Crohn. (Esta figura encontra-se reproduzida o reto e a vagina, em paciente com doença de Crohn. (Esta figura
em cores no Encarte.) encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
562 Capftulo 50 I Doenças Ano"eta/s

enfermidade. Entretanto, quando estas lesões são as primeiras


manifestações da enfermidade, o diagnóstico pode tornar-se
muito dificil.
Manifestações extraintestinais da enfermidade, também,
poderão estar presentes, tais como: artrites não supurativas,
pioderma gangrenoso, eritema nodoso etc.
Alguns achados, à inspecção do canal anal, são sugestivos: le-
sões múltiplas, fissuras de localização lateral, flstulas complexas
e ulcerações amplas e profundas, todas de diflcil cicatrização.
Sua confirmação é dada pela presença, ao exame histopatológi-
co, de reação inflamatória granulomatosa não caseificante. De-
ve-se ressaltar, porém, que os fragmentos obtidos por biopsias
nem sempre fazem o diagnóstico definitivo, sendo necessário
associar-se a história clinica com os achados macroscópicos e,
até mesmo, o teste terapêutico.
Confirmado o diagnóstico da DC anorretal, deve-se proce-
der à investigação completa do trato digestório. O exame da Figura 50.53 Fístulascomplexas anorretais pela doença de Crohn com
cavidade oral e a esofagogastroduodenoscopia deverão, sem- comprometimento extenso dos esfíncteres, submetidos à limpeza dos
pre, ser realizados. A radiologia contrastada digital do delga- vários trajetos e à feitura da anodação com sedenho (drenos de pen-
do (trânsito intestinal) ou o exame da cápsula endoscópica e a rose). (Esta figura encontra·se reproduzida em cores no EncarteJ
colonoscopia completarão esta avaliação. Nos enfermos com
lesões fistulosas complexas, a ressonância magnética contribui
para sua avaliação e extensão.
será sua fistulotomia e curetagem. Nos processos supurativos
O diagnóstico diferencial é feito, em especial, com a tuber-
culose, a retocolite ulcerativa perianal, o herpes simples, o can- extensos, com grave desfiguração estrutural (anatômica e fun -
cro sifilítico, as ulcerações específicas (clamldia, ameba etc.) e cional) do canal anal, a preferência é realizar, somente, drena-
o carcinoma. gem e limpeza das le.sões, tentando preservar ao máximo a pele
perianal e os esfíncteres anais. Nas fistulas perianais crônicas,
com comprometimento amplo dos esfincteres, deve-se proce-
• Tratamento der somente à limpeza do trajeto e à feitura da anodação de seu
O tratamento é clinico, exceção feita às lesões supurativas trajeto pela técnica do sedenho (Figura 50.53).
(abscesso). Os riscos de uma cicatrização lenta da ferida cirúr- ~importante ressaltar que, nas fissuras e ulcerações da DC, a
gica associada ao risco de iatrogenia dos esfíncteres da conti- cirurgia está contraindicada, pois, ao contrário de melhorá-las,
nência anorretal justificam a preferência para esse tratamento estas são agravadas e colostomia derivativa pouco alivia essas
conservador. O uso tópico de soluções antissépticas, como o afecções. Quando há manifestações da DC no cólon associadas a
permanganato de potássio na diluição 1:40.000, para limpeza lesões anorretais, a ressecção cólica não cura as do canal anal.
das lesões ou como semicúpios costumam auxiliar na melhora.
A mesalazina (ácido 5-aminossalicllico) é empregada tanto por
via entérica (oral), na dose de até 2,4 a 4,8 g/dia, quanto tópica • DOENÇAS DERMATOLÓGICAS PERIANAIS
(retal), na forma de supositórios e enemas. Associam-se tam-
bém corticosteroides convencionais (glicocorticoides), como As doenças dermatológicas da região anal e perianal, no
a prednisona, por via enteral e tópica (retal), na dose entre 20 adulto, são causas frequentes de consulta ao dermatologista,
e 60 mgldia, ou os novos corticoides, de ação exclusiva tópica, ao clinico geral e, não raro, ao coloproctologista.
como a budesonida, utilizada na forma de enemas retais, na A pele é composta, anatomicamente, por três partes: a epi-
dose de 9 mgldia, durante 8 a 16 semanas. O uso de antimi- derme, de estrutura eminentemente celular, de fina espessura
crobianos apresenta bons resultados, cicatrizando 60 a 7096 das e constituída das camadas, de fora para dentro, córnea, gra-
lesões. Emprega-se o metronida:rol, na dose oral de 20 mglkg, nulosa, espinhosa e basal ou germinativa; a denne ou cório,
2 ou 3 vezes/dia, durante 60 a 90 dias, ou o ciprofloxacino, na formada por tecido conectivo, com fibras colágenas, elásticas
dose oral de 1,0 a 1,5 gldia, pelo mesmo período. e reticulares, vasos e nervos; e a hipoderme ou subcutineo,
As drogas imunoativas, como a azatioprina (pró-droga) caracterizada pela presença de tecido gorduroso. As condições
ou seu radical ativo, a mercaptopurina, na dose oral de 100 a de normalidade da pele na região anal e perianal são facilmente
150 mgldia, ou a ciclosporina, na dose oral de 2 a 5 mgldia, e deterioráveis por falta de ventilação, pelo calor, pela umidade
o metotrexato, na dose parenteral de 25 a 50 mg por semana, e pela contaminação por fezes, podendo ocasionar uma der-
também são empregadas com bons resultados. matite, definida pela presença de um processo inflamatório
Nas lesões anorretais graves e/ou extensas, os melhores re- ou infeccioso.
sultados, inclusive com a sua cicatrazação, são obtidos com as De acordo com sua etiologia, são chamadas de:
terapias biológicas que utilizam um aAntiTNFa, o infliximabe,
por infusão endovenosa, ou o adalimurnabe se. • primárias: quando são dermatites provenientes da pró-
pria pele perianal; e
O tratamento cirúrgico está indicado na presença de absces-
so perianal, com incisão e drenagem, em ca.ráter de urgência, • secundárias: quando são lesões de outros órgãos ou siste·
transformando-o, com frequência, em urna f!stula simples, que mas que se manifestam por alteração da pele perianal.
pode ser controlável clinicamente e mais tolerável aos pacientes. A despeito da patogenia diversa, suas manifestações clinicas
Nessa drenagem, identificando-se um trajeto fistuloso pequeno são frequentemente semelhantes, estando o prurido anal pre-
e superficial, com orificio interno ainda no canal anal, a conduta sente na maioria delas, de maneira variável, contínua ou com
Capitulo 50 I Doenças Anorrerais 563

períodos de acalmia e paroxismos, geralmente mais intensos à


noite. A necessidade de coçar-se pode provocar escoriações na
pele, agravando a lesão e perpetuando o prurido. Enfermidades
coloproctológicas ou ginecológicas podem estar envolvidas,
bem como reações metabólicas ou psicológicas. Em todos os
casos, portanto, são necessários anamnese criteriosa, exame clí-
nico, proctológico, ginecológico e dermatológico completos e,
quando indicadas, uma investigação laboratorial complementar
e biopsia das lesões.
Nos casos de etiologia conhecida, o tratamento específico
cura, frequentemente, a enfermidade e soluciona a lesão der-
matológica. Entretanto, em geral, a dermatite é inespedfica e
seu tratamento, realizado mediante abordagem local com me-
dicamentos tópicos e conduta higiênica e dietética

• Doenças dermatológicas primárias Figura 50.54 Dermatite perianal aguda e superf1cíal com eritema pe-
rianal. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ
• Dermatite de contato
~ o mecanismo básico que proporciona o quadro derma-
tológico mais comum de reação inflamatória da região anal e
perianal. Caracteriza-se, inicialmente, pela presença de eritema
e, com sua evolução, pode apresentar edema, infiltração, vesi-
culação, secreção, crostas, escamas e liquenificação. De acordo
com a presença ou predominância das lesões, o quadro pode
ser agudo, subagudo ou crônico. Com sua cronicidade e em
decorrência da coçadura, surge liquenificação e, às vezes, me-
lanodermia regional e perda de pelos.
Sua etiologia pode resultar do contato com substâncias irri-
tantes, o que é denominado dermatite por irritante primário, ou
por desenvolvimento de sensibilização à substância não irritan-
te, chamado de dermatite de contato por sensibilizante.
A dermatite de contato por irritação primária desenvolve-se
súbita ou gradualmente pela exposição ao irritante, de acordo
com a concentração deste, o tempo de ação e a tole.rância indi-
vidual. Umita-se à área constatada, e o simples afastamento da
substância responsável determinará a melhora do quadro. Suas Figura 50.55 Dermatite de contato perianal complicada por Infecção
causas perianais mais frequentes são: uso de papel higiênico, secundária estafilocócica decorrente de escarificação por coçadura
perfume, sabonete, desodorante, talco, pomada ou pó antimi- local. (Esta figura encontra-se reproduZida em cores no Encarte.)
cótico; trauma local durante a higiene do ânus com material
inadequado; ingestão de alimentos condimentados, pimentas
ou álcool; passagem frequente de fezes liquidas, abuso de laxati-
vos de contato e contato através das roupas Intimas ou não, com escroto ou à região vulvar, particularmente nos casos de longa
náilon, seda, raiom, laicra, corantes de tecido ou borracha duração ou por tratamentos impróprios. O prurido anal, nessa
A dermatite de contato por sensibilização alérgica surge pelo fase, tem um começo gradual ou abrupto, manifestando-se, ge-
desenvolvimento de um estado de sensibilização que pode ocor- ralmente, pelo desejo de coçar, com maior intensidade à noite.
rer em algumas semanas ou somente depois de alguns anos. Esse sintoma é, por vezes, intermitente, podendo persistir por
Estabelecido o quadro, a reação cutânea perianal surgirá após longos períodos com grande intensidade.
algumas horas da nova exposição. Entretanto, toda a pele está A fase crônica pode apresentar uma dermatite perianalli-
sensibilizada. Essa dermatite pode ser causada por alergênios quenificada, caracterizada por um espessamento cutâneo co-
químicos ou imunológicos, tais como as reações a sulCas, anti- berto por pedaços brancos macerados (Figura 50.56), o qual
bióticos (neomicina, penicilina etc.), antissépticos, antimicó- pode atingir progressivamente a pele adjacente. Nessa fase, o
ticos (Figura 50.54) e anestésicos. prurido anal é intenso, podendo provocar insônia, ansiedade
e depressão.
• Quadro clinico ediagnóstico A infecção secundária pode surgir como complicação da
O quadro inicial pode ser agudo, fundamentalmente erite- fase aguda exsudativa ou por coçadura na crônica. ~causada
matoso, e a inspecção perianal revelará um simples eritema da por bactéria piogênica (estafilococos ou estreptococos) ou pe-
região, com ou sem exsudação. las bactérias intestinais.
Sua evolução é para uma dermatite subaguda, dita ecu-
matosa. Apresenta-se, à inspecção, como lesões congestivas, • Tratamento
microerosivas ou exsudativas, raramente vesiculares, escoria- ~ realizado mediante abordagem local com medicamentos
ções provocadas pela coçadura da região (Figura 50.55) e com e conduta higiênica e dietética. Remove-se todo agente irri-
formação de rágades perianais direcionadas ao canal anal. Em tante ou sensibilizante, procurando-se esclarecer o paciente.~
alguns casos, podem estender-se às nádegas, ao perineo, ao importante notar que, nas dermatites de contato crônicas, de
564 Capitulo 50 I Doenças Anorretals

• Uquen simples a6nico


~ uma neurodermatite circunscrita de evolução crônica e
progressiva, mais comum em mulheres e em indivíduos de etnia
oriental. Há predisposição individual e fatores desencadeantes;
entre outros, picada de inseto e fricção de roupa.

• Quadro dínka ediagn6stka


Caracteriza-se pela presença de uma placa liquenificada,
com acentuação dos sulcos, espessamento da pele e aumento
da pigmentação (Figura 50.58). O prurido é intenso e, com a
evolução, aumenta gradualmente a liquenificação. Os locais
de localização preferencial são as regiões cervical posterior, sa-
cra!, genital, e os membros, atingindo, eventualmente, a região
perianal e perineal. O prurido inicial provoca coçadura, e esta
acarreta a liquenificação que o exacerba, formando um circulo
vicioso, com agravamento progressivo do quadro.
Figura 50.56 Dermatite de contato crOníca com espessamento cut~
neo cobefto por pedaços brancos macerados (liquenifiCaçAo). (Esta
figura encontra-se reproduZida em cores no Encarte.)

longa duração, depois de instituído o tratamento, as alterações


cutâneas regridem lentamente.
Corticosteroides tópicos, preferencialmente na forma de
creme, para não agravar a maceração da pele, devem ser usados
em pequena quantidade, só no local lesado, por curto período e
não de maneira contínua. Na fase inflamatória aguda, indica-se
um ou doís banhos de assento diários de permanganato de po-
tássio na diluição de 1:40.000, em água morna. Na presença de
intenso prurido anal, podem-se administrar anti-histamínicos
para seu alívio. Estão contraindicados os tratamentos locaís
místos de antimicóticos e antimicrobianos, o uso de cáusticos
tópicos e antibióticos orais.
Lavar a região perianal, após cada eva.cuação, com água e,
eventualmente, sabonete neutro, enxugando-a, cuidadosamente
com toalha de algodão. Proibir o uso de papel higiênico, para
limpeza ou para enxugar o ãnus, de alimentos condimentados,
de pimentas, de bebidas alcoólicas e de laxativos. Corrigir a Figura 50.57 Dermatite seborreica perianal com eritema e escamas.
obesidade, caso presente, evitar permanecer sentado por longos (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
períodos e atividades que possam traumatizar a região perianal,
como cavalgar e andar de bicicleta, fazem parte das medidas
preventivas a serem tomadas com o enfermo.

• Dermatite seborreica
~comum, crônica, recorrente, não contagiosa, e se localiza
preferencialmente em áreas onde há maior desenvolvimento
das glândulas sebáceas, o que sugere a exist~ncia de uma dis-
função sebácea, associada ou influenciada por outros fatores,
inclusive fúngicos, ligados à patogenia. Atinge particularmente
o couro cabeludo, a face, o sulco nasogeniano, a região retro-
auricular, porções medianas do tórax, a região axilar, pubiana,
genital e perianal.

• Quadro dfnko ediagn6stico


Caracteriza-se pela presença de escamas com discreto erite-
ma, que é acompanhada de prurido. O quadro é crônico, com
períodos de melhora e de agravamento (Figura 50.57), provo·
cados por perspiração, calor, fricção e fatores psicossomáticos.
A obesidade parece favorecer seu aparecimento.

• Tratamento
Uso local de corticoides tópicos, na forma de creme. Nos
quadros em que há reação inflamatória intensa, utilizam-se,
simultaneamente, banhos de solução de permanganato de po· Figura 50.58 líquen simples crônico perianal. (Esta f19ura encontra-se
tássio na diluição de 1:40.000. reproduzida em cores no Encarte.)
CapftuloSO I DoençasAnorretals S6S
• Tratamento
Aplicação tópica de corticosteroides na forma de creme; nos
casos graves, infiltrações intradérmica.s de corticoides, 1 vez/
semana. Eventualmente, podem-se administrar antiprurigino-
sos sistêmicos. ~ importante esclarecer ao paciente que evite
coçar-se, no intuito de interromper o círculo vicioso que agrava
o quadro da doença.

• lntertrigo
As condições de falta de ventilação, de calor e umidade na
região perianal podem ocasionar essa dermatite, mais comum
no verão. Ela é agravada por obesidade, transpiração excessiva,
roupas justas, falta de higiene e ocupações sedentárias.

• Quadro clfnko ediagn6stico


Caracteriza-se por eritema, maceração, fissuração e esco-
Figul'lll 50.60 Psoríase perianal com placas eritemoescamosas bem
riação (Figura 50.59). O prurido é variável, em geral mais in- limitadas e escamas secas. (Esta figura encontra-se reproduzida em
tenso à noite. Frequentemente, atinge o perineo, o escroto ou coresno Encarte.)
a vulva.

• Tratamento
estado emocional, o prurido e a queimação atingem intensi-
~ fundamental combater suas causas e evitar a coçadura, dade variável.
para impedir a liquenificação e progressão da dermatite. A con-
duta é sintomática, com banhos de solução de permanganato • Tratamento
de potássio, na diluição de 1:40.000, e creme de corticosteroi- Apesar da falta de medicamentos para sua cura definitiva,
des tópicos.
o uso tópico de corticoides possibilita o controle da enfermi-
• Psoría.se dade.
Sua etiologia é desconhecida, atingindo ambos os sexos, par-
• Vrtiligo
ticularmente na 2' e na 3' décadas de vida. Raramente, é encon-
trada em crianças e indivíduos da raça negra. Está relacionada Leucodermia adquirida que surge, geralmente, em vista da
com uma queratinização defeituosa, provavelmente em virtude diminuição da melanina, na 2' década da vida. Sua causa é des-
de um distúrbio enzimático das células epidérmicas, não afe- conhecida; ocasionalmente, há ocorrência familiar. Pode per-
tando os órgãos internos. manecer estacionária por anos ou progredir, atingindo áreas
extensas.
• Quadro dfnko ediagn6stico
São lesões caracterizadas por placas eritemoescamosas • Quadroclínkoediagn6stico
bem delimitadas, com escamas secas (Figura 50.60), distribui- ~ caracterizado por manchas hipocrômicas, depois acrô-
ção quase sempre simétrica, e afetando inclusive as regiões micas, marfineas, de limites nítidos e, em geral, com bordas
perianal e genital. A existência de tais placas em outras loca- hiperpigmentadas, com forma e extensão variáveis (Figura
lizações, como dobras inguinocrurais, cotovelos, joelhos, pal- 50.61), não pruriginosas. Há predileção pelas seguintes áreas:
moplantares e dorso, faz seu diagnóstico. A evolução é crônica, periorbital, maleolares, punhos, pernas, mãos, pescoço, geni-
com períodos de exacerbação e de acalmia. De acordo com o tália e perianal.

Figura 50.59 1ntertrigo perianal com rnaceraçAo, fissuração e esco- Rgul'lll 50.61 Vitiligo perianal e perineal com manchas hipocrOmicas
riação da pele. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no En- de limites nítidos e bordas hiperpigmentadas. (Esta figura encontra-se
carteJ reproduzida em cores no EncarteJ
566 Capftulo 50 I Doenças Ano" etais

• Tratamento
Obtêm-se resultados favoráveis pela aplicação local de cor -
ticosteroides tópicos, na for ma de creme.

• Acanthosis nigrans
Dermatite melanodérmica, com manchas hipercrômicas,
por aumento da melanina.

• Quadro dínko ediagnóstico


Há o tipo benigno, com maior incidência na infllncia e boa
evolução, e o maligno, associado a cãncer interno, ocorrendo
geralmente após os 40 anos de idade. Apresenta manchas de cor
castanho-escura, com liquenificação e vegetação em áreas inter-
triginosas, tais como: axilas, pescoço, dobras inguinocrurais e
região perianal (Figura 50.62). O diagnóstico é histopatológico,
com hiperqueratose, acantose e aumento da melanina.
Figura 50.63 Doença de Darier, com crescimento anormal da pele
perianal, queratinização e aspecto verrucoso. (Esta figura encontra-se
• Tratamento reproduzida em cores no Encarte.)
A forma benigna não necessita de tratamento. Na maligna,
associada a cãncer interno, é fundamental realizar completa
investigação, particularmente do trato gastrintestinal.
• Quadro dínko ediagnóstico
• Doença de Darier Caracteriza-se por erupções papuloesbranquiçadas, de super-
Também chamada de queratose folicular, é uma dermatite ffcie lisa, brilhante e cor vermelho-violácea, pruriginosas, de cur-
genética primária da pele que pode afetar a região perianal. so crônico (Figura 50.64), podendo comprometer as mucosas.

• Quadro dínko ediagnóstico • Tratamento


Caracteriza-se pelo crescimento anormal da epiderme, com Corticosteroides tópicos, na forma de creme ou de infiltra-
queratinização precoce e acantólise. Na região anal, pode ma- ções intradérmicas, nos quadros graves. O prurido pode ser
nifestar-se por formaçõesvegetantes verrucosas (Figura 50.63), aliviado com anti-histamínicos VO.
com frequência infectadas secundariamente. O diagnóstico ba-
seia-se nos achados macroscópicos cutâneos e é corroborado • Pênfigo
pela histologia por biopsias locais. Compreende um grupo de dermatites de etiologia desconhe-
cida, relacionadas, provavelmente, com reações autoirnunes.
• Tratamento Caracteriza-se por erupções bolhosas, decorrentes de alterações
Está baseado no uso oral de vitamina A (retino!). patológicas das pontes intercelulares da camada de Malpighi,
com diminuição ou perda da união entre as células. Essa con-
• Líquen plano dição constitui a acantólise.
De etiologia desconhecida, a maioria dos casos ocorre após
os 30 anos de idade. Tensões nervosas ou estados emocionais • Quadro dínko ediagnóstico
alterados, como a síndrome do intestino irritável, podem atuar Na fase inicial, surgem manchas eritematosas, sobre as quais
como seus fatores desencadeantes. Quando acomete a região se desenvolvem bolhas que, geralmente, são flácidas e se rom-
perianal, deve ser diferenciado da leucoplasia e da sífilis secun- pem com facilidade. Com a evolução da doença, as bolhas tor-
dária, por meio de biopsias. nam-se evidentes, sendo substituídas por eritema e descamação,

Figura 50.62 Acanchosis nigrans perianal com manchas hipercrõmi- Figura 50.64 Líquen plano com erupções papuloesbranquiçadas, de
cas, liquenificação e vegetação intertriginosa. (Esta figura encontra-se superfície lisa, brilhante e corvermelho-viol~cea. (Esta figura encontra-
reproduzida em cores no Encarte.) se reproduzida em cores no Encarte.)
CapftuloSO I DoençasAnorretals 567

Figura 50.66 k.ne vulgar perianal com a presença dos comedOes


(cravos). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ

medida tópica é limpeza, com água morna e sabonete neutro,


várias vezes no dia. A cirurgia é eficiente e consiste na extra-
ção dos comedões com extrator apropriado e na drenagem das
lesões pustulosas.

• Histiocitose
Figura 50.65 Pênfigo perianal com eritema e descamação. atingindo o ~doença de causa desconhecida, relacionada com a altera-
períneo. (Esta fogura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) ção do sistema reticuloendotelial. Acomete, sobretudo, adoles-
centes; quando ocorre em crianças, porém, é, frequentemen-
te, grave.
atingindo o perlneo (Figura 50.65). Há contínua sensação de
• Quadro clfnico ediagn6stico
ardor e calor, febre irregular e sensibilidade ao frio exagerada.
O diagnóstico é citológico, revelando células epiteliais acanto- As lesões cutãneas são erosões ou úlceras localizadas na boca,
liticas no material obtido por raspagem da lesão. na genitália e na região perianal (Figura 50.67). Pode haver
diabetes insípido, febre e leucocitose. A histopatologia revela
• Tratamento granuloma formado por histiócitos, células gigantes tipo corpo
estranho, e eosinófilos.
Corticoterapia, com administração oral de prednisona- 40 a
I00 mg, por dia - até o controle das manifestações, quando então
se reduz, gradativamente, essa quantidade até a menor dosagem
de manutenção. As medicações tópicas têm pouca influência na
evolução da doença, porém são indicadas para melhorar o bem-
estar do paciente. Empregam-se banhos de assento com solução
de permanganato de potássio, na dilllição de I:40.000.

• Acne vulgar
Enfermidade de causa desconhecida. Há aumento de ta-
manho e atividade da glãndula sebácea, formando-se massa
vermiforme de queratina e sebo que obstrlli o foliculo pilosse-
báceo, constituindo o comedão (cravo). Bactérias, aeróbias e
anaeróbias, podem-se desenvolver nos comedões, ocasionando
reações inflamatórias e pústulas.

• Quadro clfnico ediagnóstico


Caracteriza-se pela presença dos comedões (cravos), bem
como pelas pústulas e, eventualmente, cistos e abscessos (Figura
50.66). Localizam-se nas áreas de maior número de glãndulas
sebáceas, como face, ombros, porções superiores do tórax e,
com certa frequência, na região perianal. Eventualmente, atinge
as regiões glúteas, onde deixa cicatrizes indeléveis.

• Tratamento
Deve ser orientado para eliminar e prevenir os comedões, Figura 50.67 Histiocltose perianal com erosões e ulcerações múlti-
evitar e reduzir a infecção, exacerbações e recidivas. A primeira plas. (Esta fogura encontra-se reproduZida em cores no EncarteJ
568 Capftulo 50 I Doenças Ano"eta/s

• Trotamento
~ cirúrgico, com ressecção das lesões, associada à radiote-
rapia.

• Craurose
Lesão cutânea, de etiologia desconhecida, denominada, tam-
bém, líquen escleroso ou atrófico. As localizações mais frequen-
tes são nuca, ombros, genitália e região perianal.
• Quadro dfnkoediagn6stico
Caracteriza-se por lesões brancas atróficas, isoladas ou agru-
padas com rolha córnea central (Figura 50.68). Deve ser di-
ferenciada da leucoplasia e da doença de Paget, por meio de
biopsia.

• Trotamento
Uso de corticosteroides tópicos na forma de creme ou mes- Figura 50.69 Tinha crural perianal com lesões eritemoescamosas.
mo por meio de infiltrações intradérmicas. bordas nítidas ating1ndo ambas as nádegas. (Esta figura encontra-se
reproduzida em cores no EncarteJ

• Doenças dermatológicas secundárias


• Micoses
• Candidfose
Micose abordada anteriormente.

• Tinhacrural
Micose superficial comum no homem e rara na mulher.
Atinge a face interna da coxa ou da região glútea com frequen-
te comprometimento bilateral e propagação para as regiões
perianal e do perineo. Pode ser causada pelo fungo Epidermo-
phyton.
11> Quadro clínico e d iagnóstico. As lesões são eritemato-
escamosas, com bordas nítidas onde se observam, às veus, pe-
quenas vesículas (Figura 50.69). As afecções antigas tornam-se
escuras e liquenificadas, por causa do prurido.
11> Tratamento. Emprego local de antifúngicos sob forma
líquida.
Figura 50.70 Blastomicose sul-americana perianal apresentando le·
• Blastomicose são verrucosa. vegetante e bem delimitada. (Esta figura encontra-se
Causada pelo fungo Paracoccidiodes brasiliensis que habita reproduzida em cores no Encarte.)
saprofitamente a natureza e que pode infectar a região peria-
nal pelo contato, durante a higiene local, sendo doença mais
11> Quadro clínico e diagnóstico. As formas clínicas da blas-
do meio rural.
tomicose são as seguintes: tegumentar,linfática, visceral e mista.
As lesões cutâneas, incluindo as perianais, são muito variadas
e polimorfas. Encontram-se pápulas, nódulos, úlceras, vegeta-
ções, placas papulosas e abscessos. Normalmente, existe mais
que um tipo de lesão. Sua quantidade é também variável, desde
úníca até centenas (Figura 50.70). O diagnóstico laboratorial é
feito mediante a demonstração do fungo no material colhido
por raspagem ou pela biopsia da lesão.
11> Tratamento. Para a blastomicose sul-americana, há duas
medicações ativas: as sulfas e a anfotericina B.

• Actinomkose
Encontrada nas regiões tropicais e subtropicais, atingindo,
principalmente, trabalhadores rurais. Em nosso meio, a doen-
ça é determinada por um actinomiceto aeróbio, o fungo No-
cardia brasiliensis.
11> Quadro clínico e diagnóstico. As lesões são represen-
tadas por nódulos, gomas e ffstulas, drenando material seroso
Figura 50.68 Craurose perianal com lesões brancas atróficas da pele ou seropu.rulento; a temperatura local pode estar ligeiramente
e rolha córnea central. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores elevada, sendo característica a dureza, geralmente lenhosa, da
no EncarteJ pele (Figura 50.71).
Capitulo 50 I Doenças Anorretais 569

Figura 50.71 Actinomicose pe.-ianal caracterizada por lesões nodu-


lares. ukeradas. com fistulas. !Esta figura encontra-se reproduzida em
cores no Encarte.)

.. Tratamento. As sulfas têm ação em doses altas, durante


vários meses. Os modernos antibióticos, antifúngicos, anfote-
ricina B e nistatina não têm mostrado efeito. Figura 50.73 Escabiose provocando dermatite na região perianal e
glútea. com lesões secundárias pela escarificação por coçadura. (Esta
• Esporolricose figu ra encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Micose profunda, comum em nosso meio, de evolução suba-
guda ou crônica, causada pelo Sporotrichum schenckí. O fungo
introduz-se no organismo humano por inoculação direta na preferencialmente, em região de pilificação, com as seguintes
pele e, eventualmente, nas mucosas. localizações eletivas: púbis, nádegas, axilas, espaços interdigitais
.. Quadro clfnico e diagnóstico. Apresenta-se com múl- e cintura. Extremamente comum há alguns anos, sua frequência
tiplas lesões cutâneas papulonodulares, ulceradas, verrucosas vem diminuindo. S transmitida por contato pessoal.
ou mistas (Figura 50.72) . O diagnóstico laboratorial é feito pela .. Quadro clfnico e diagnóstico. Acarreta intenso prurido,
cultura da secreção ou do raspado da lesão, e, a partir do s• dia, principalmente noturno, e pode provocar lesões secundárias
é possfvel encontrar colônias do fungo. por escarificação e afecções piodérmicas (Figura 50.73).
.. Tratamento. O iodo constitui o tratamento especifico da .. Tratamento. Realizado por meio de banhos, com água e
esporotricose. S administrado por via oral, como iodeto de po- sabão de coco, deixando-se o corpo ligeiramente úmido, e de
tássio, iniciando-se com doses de 1 g e aumentando-se, gradu- solução alcoólica de benzoato de benzila a 30%, repetindo-se
almente, até atingir 6 g, no adulto. A dose deverá ser mantida o mesmo procedímento por 4 dias consecutivos, sempre mu-
até a cicatrização das lesões. dando a roupa por outra limpa.
• Escabiose • lnfe<dosas
Ocasionada por lesão dermatológica provocada pela presen-
ça do parasito Sarcoptes scabiei hominis na região perianal, mas, • Infecções bocterionas
.,. SIFILIS, DONOVANOSE, CANCROIDE, LINFOGRANULOMA.
Abordados anteriormente neste capitulo.
.. TUBERCULOSE. As lesões cutâneas da tuberculose resultam
da colonização do bacilo de Koch na pele ou de processo de hi-
persensibilidade a foco tuberculoso ativo localizado em outro
local do organismo. No primeiro caso, as lesões são bacillferas
e, no segundo, não. O contato inicial com o bacilo de Koch
ocorre, quase sempre, na infância. A prirninfecção tuberculosa
pode ocorrer na pele, mas é excepcional.
.. Quadro clfnico e diag nóstico. Os tipos cllnicos dele-
sões são relacionados, até certo ponto, ao estado imunológico
do indivíduo. Quando a lesão é resultante da inoculação di-
reta do bacilo sobre a pele, desenvolve-se o complexo primá-
rio tuberculoso: a lesão inicial é pápula ou papulopústula no
ponto de inoculação do bacilo, evoluindo, lentamente, para
ulcerações regulares de bordas elevadas. Essas lesões podem,
também, evoluir, transformando-se em verrucosidades (tuber-
Figura 50.72 Esporotricose perianal. com múltiplas lesões papulono- culose verrucosa) ou formando abscesso cavernoso. Quando
dulares e verrucosas. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores na região anal, podem ser resultantes da propagação à junção
no Encarte.) cutaneomucosa da infecção em portadores de tuberculose in-
570 CapftuloSO I DoençasAnorretals

Figura 50.75 Dermatite actínica perianal causada por irradiação do


Figura 50.74 Tuberculose perianal com a presença de abscessos ca· períneo posterior para o tratamento de tumor uterino. (Esta figura
vernosos e grande secreç~o. (Esta figura encontra-se reproduzida em encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ
cores no Encarte.)

testinal, caracterizando-se por lesões ulceradas. São manifesta-


ções de hipersensibilidade a distância por foco de tuberculose
(Figura 50.74).
O diagnóstico é confirmado pelo exame bacteriológico com
isolamento e identificação do bacilo de Koch. A histopatologia
pode fornecer subsídio para o diagnóstico, particularmente pelo
achado de granuloma tuberculoide e necrose de caseificação.
Havendo a suspeita ou confirmado o diagnóstico, deve-se pro-
curar foco de tuberculose interno e verificar hipersensibilidade
tuberculinica.
.,. Tratamento. Em indivíduos com boa imunidade, pode Figura 5 0.76 Doença de Behçet perianal e perineal caracterizada por
ocorrer a cura espontânea na fase inicial. O tratamento da tu· múltiplas ukerações e pústulas. (Esta fogura encontra-se reproduzida
berculose cutânea é semelhante ao da interna, indicando-se o em cores no Encarte.)
esquema trlplice: estreptomicina na dose diária de 1 g, por 30
dias, e administração da associação isoniazida (400 a 600 mgl
dia) e paraminossalicilato (10 a 20 gldia), durante 6 meses. Frequentemente, apresenta uma colite que, também, ocasio-
na múltiplas úlceras de aparência e extensão variáveis localiza-
• lnfrcções rirais das em qualquer região do intestino grosso, às vezes envolvendo
11> HERPES SIMPLES, MOLUSCO CONTAGIOSO. Abordados an- até o íleo terminal.
teriormente neste capítulo.

• Doenças ginecológicas • LEITURA RECOMENDADA


A leucorreia provocada por infecções ginecológicas, como,
Aronoft JS, Korelitz, Bl, Sohn, B, Ky, A, Cobcn, FS. Anon>etal Crohn's O~
por exemplo, as causadas pela candidJase, tricomoníase ou Surgical and Medicai ManagemenL Blodrog>, 2000; 13:95· 105.
gonococdase, podem originar uma dermatite secundária pe- Arruda-Alves, PR. Vieira, MfF, Habr-Gama, A. Exame proctológico - t.!cnica.
rianal. Em: Laudana, AA. Gastrenterologia Cllnica. Slo Paulo, Santos Co., 1990.
Beck, DE & Wexner, SO. Fundamentais of Anorectal Surgery. PhUadelphia,
McGraw-Hill, 1999.
• Lesõesactínicas Bonardi, RA & Oliveira Jr, O. Doença de Crohn Anorretoperineal. Em: Habr-
São dermatites ocasionadas pela irradiação do perineo (Fi- Gama, A. Doença l.nnamatória Intestinal. Atheneu, Solo Paulo, 1997.
gura 50.75) durante o tratamento radioterápico de algumas Cintron, JR, Park, JJ, Orsay, CP et a/. Repalr of fi.s tulas-ln-ano uslng fibrin
neoplasias uterinas, prostáticas ou retais. adhesive: long-term follow-up. Dll. Colon Rectum, 2000; 43:944-50.
Commiuee on Trauma Research. Washington, O.C., National Academy Press,
1,1985.
• Doenças sistêmicas Cooney, TG & Ward, IT. AIDS and medicai problems. Phlladelphia, W.B.
As enfermidades sistêmicas, tais como diabetes melito, ane- Saunders. 1997.
mia ferropriva, doença de Behçet, doença de Hodgkin, e pa- Cordeiro, F. Tratamento cinl'8ico em regi..u ambulatorial da fissura anal cr6nica
por esfincterotomia lateral interna subcutllnta. Tese de Mestrado, Unicamp,
cientes imunocomprometidos pela AJDS ou pós-transplantados Campinas, 1989.
também podem apresentar dermatites perianais. Corman, ML Colon and Rectal Surgery, 6'" J.B. Phlbdelphia, Uppincott,
2008.
• Doença de Beh{et Crtl2, GMG. Coloproctologj.a, Propedlutlca Geral {I), Pro~wtlca Nosológica
(ll) e Tera~tia (111). Rio de Janeiro, Rev!nter, 1999-2000.
Caracteriza-se por pústulas cutâneas, artropatias e lesões Denis, 1- Practical Proctology. Paris. Oaniel-Brunet, 1994.
ulceradas múltiplas, localizadas nas regiões bucal, genital e no Gordoo, PH & Nivatvongs. S. Principies and Practlce of Surgery for lhe Colon,
canal anal (Figura 50.76). Rectum and Anus. S.. LoWs, QMP, 3.., 2004.
CapftuloSO I DoençasAnorretais 571
Kcighlcy, MRB & Williams, NS. Surgcry ofthc Anus, Rcctum and Colon. Lon- Quilici, FA. Doenças Anorretais. São Paulo, Lemos, 2002.
don, W.B. Saundcrs, 2,., 2003. Quilic~ FA, Cordeiro, F, Quilici, LCM. Doenças Anorretais. Em: Galvão-Alves,
Klosterhalfen, B, Vogel, P. Rixen, H, Mittermayer, C. Topography o f the inferior J, Dani, R. Terapêutica em Gastroenterologia. Rio de Janeiro, Guanabara
rectal artery: a possible cause of chronic primary anal fissure. Dis Colon Koogan, 2005, p. 299-327.
Rectum, 1989; 32:43-52. Quilici, FA, Cordeiro, F, Quilici, LCM. Afecções Anorretais. Em: Moraes-Filho,
Maria, G, Cassctta, E, Gu~ O. A comparison o f botulinum toxin and salinc for jPP. Tratado das Enfermidades Gastrintcstinais c Pancreáticas. São Paulo,
thc trcatmcnt of chronic anal fissurc. N Engl f Med, 1998; 338:217-20. Roca, 2008, p. 1037-81.
Ma:tier, WP, Levien, OH, Luchtefeld, MA, Scnagore, Aj. Surgery ofthe Colon, Quilici, FA & Reis Neto, jA. Tratamento da fissura anal aguda. Rev As>oc Paul
Rcctum and Anus. Philadelphia, WB Saunders, 1995. Med,i974,84:111 ·2.
Miranda, SML. Fissura anal: esfinctcromia quimjca ou cirúrgica? Em: Catro, Quilici, FA, Reis Neto, )A. Atlas de Proctologia. São Paulo, Lemos, 2000.
LP, Savassi-Rocha, PR, Lacero P, A, Conceição, SA. Tópicos em Gastro· Quilici, FA. Reis Neto, ] A, Cordeiro, F, Reis jr, jA. Afecç6es Proctológicas. Em:
enterologia- Avanços em Coloproctologia. Rio de Janeiro, Medsi, 2001, Petroianu, A, Pimenta, LG. CUnica e Cirurgia Geriátrica. Rio de Janeiro,
p. 453-66. Guanabara Koogan,l999,p. 383-401.
Nahas, P, Nahas, SC, Sobrado jr, CW. Fissura Anal. Em: Pinotti, HW. Tratado Ramos, JR & Mesquita, RM. Uso de cola de fibrina no tratamento da flstula
de Cllnica Cirúrgica do Aparelho Digestivo. São Paulo, Atheneu, 1994, anal: há evidências d~ sua real eficácia?. Em: Catro, LP, Savassi-Rocha, PR,
p. 1113-7. La~.ro P A, Conceição, SA. Tópicos e.m Gasrroenterologia - Avanços em
Parks, AG. Anal fissure. Proc R Soe Med, 1975; 68:681-5. Coloproctologia. Rio de janeiro, Mcdsi, 2001, p. 447-52.
Passos, MRL. Doenças Sexualmente Transmissíveis. Rio de Janeiro, Cultura Reis Neto, JA. Variações Técnicas das Hemorroidectomias. Em: Cirurgia de
Médica, 3"', 1999. Aparelho DigeStivo- Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Rio de janeiro, Ro-
Passos, MRL, Almeida, GL. DST & Diagnóstico Diferencial. Rio de Janeiro, be, l99 1.
Revinter, 2002. Reis Neto, JA. Incontinência anal. Em: Souza, VCT. Coloproct ologia. Rio de
Pitt, J, Craggs, MM, H enry, MM, Boulos, PB. Alpha- 1 adrenoceptor blo- janeiro, Mcds~ 4"', 1999.
ckade: potential new treatment for anal fissures. Dls Colon Rectum, 2000; Reis Neto, JA. New Trends in Coloproctology. Rio de Janeiro, Revinter, 2000.
43:800-3. Reis Neto, jA, Quilicl, FA, Cordeiro, F, Reis jr, jA. Open ver<us semi-open hae-
Quilici, FA. Tratamento cirúrgico da estenose anaL Anais ALAP, 1975, morrhoidectomy: a randomiscd trlal. Int Surg, 1992; 77:84-90.
1:103-7. Ribeiro, MC. Esfincterotomia subcutâneo-mucosa no tratamento da fissura
Quillcl, FA. Tmtamento cirúrgico da est~nose anal. Análise dos resulUJdos. Tese anal: técnica original. Rev Med Cir S4o Paulo, 1958; 18:399-416.
de Mestrado, Unicamp, 1986. Sarner,JB. Plastic rellef of anal stenosis. DisCo! Rutum, 1969; 12:277-80.
Quilici, FA. Ferimentos do Reto: Tratamento e Complicações. Em: Margarido, Schouten) WR, Briel, f\V, Boerma, MO, Auwerda, JJA. Pathophysiological as·
NF, Saad )r, R. Cecconello, I, Martins, )L, Paula, RA, Soares, LA. Compli· pects and clinicai outcome ofintra-anal application ofisossobide-dinitrate in
cações em Cirurgia. Robe, São Paulo, 1993. patients with chronic anal fissure. Dis Colon Rutum, 1995; 38:1149·449.
Quilici, FA. Coloproctologia: estórias da história. Rev Br Coloproct, 1994, Sobrado Jr., CW. Doença hemorroidária: ligar, grampear ou cortar?. Em: Catro,
14(1}:43-5. LP, Savassi-Rocha, PR, Lacero P A, Conceição, SA. Tópicos em GaslrO-
Quilici, FA. Tratamento Atual das Hemorróidas. Em: Dani, R. A Gastroente-- enterologia - Avanços em Coloproctologia. Rio de Janeiro, Medsi, 2001,
rologia Hoje c Amanhã. FAPEGE cd, 1996. p. 415·15.
QuUici, FA. Trauma Colorretal. Em: Moreira, H. Coloproctologia- Atualidades. Wolf, BG, Fleshman, JW, Beck, DE. Wexner, SD. ASCRS Textbook of Colon
Fundo Byk, São Paulo, 1996. and Rectal Surgcry. New York, Springer, 2007.
PARTE VIl
Fígado
51 Conduta Diagnóstica em
Pacientes com Doença
Hepatobiliar
Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo,
Evandro de Oliveira Souza, Raul Carlos Wahle, Taiane Costa Marinho e
Leonardo Reu ter Motta Gama

que se abrem nos sinusoides hepáticos. Revestindo os sinusoi-


• IMPORTANCIA des, encontramos as células endoteliais típicas e as de Kupffer
(células do sistema reticuloendotelial, capazes de fagocitar 9996
O figado ocupa posição anatômica estratégica, entre a cir-
das bactérias que chegam via sistema porta). Entre as células
culação portal e a sistêmica, assumindo importante papel nos
endoteliais e os hepatócitos. existe o espaço de Disse, que apre-
sistemas de defesa orgânica e execução de diversas funções me- senta ligação direta com a drenagem linfática. As substâncias
tabólicas. Pesa de 1.200 a 1.500 g e representa, em geral, cerca de do plasma movimentam-se livremente pelo espaço de Disse
1/50 do peso corpóreo. Caracteristicamente, é perfundido por devido aos grandes poros do revestimento endotelial.
sangue proveniente da veia porta, cujos ramos se prolongam O fluxo de sangue que atravessa os sinusoides hepáticos vindo
até as veias hepáticas. Recebe ainda suprimento a partir da ar- do sistema porta chega a 1.100 mt por minuto, e a 350 mt a par-
téria hepática, rica em ol' porém pobre em solutos. Esta dupla tir da artéria hepática, com um total aproximado de 1.450 ml/
irrigação leva à ocorrência de um sistema ti pico de circulação, min. A pressão na veia hepática é próxima de O mmHg, e a da
conferindo ao órgão: 1. heterogeneidade funcional, traduzida veia porta, em média, 9 mmHg, demonstrando a baixa resistên-
por hepatócitos morfologicamente semelhantes, porém funcio- cia ao fluxo de sangue, resistência esta que se altera nos casos
nalmente diversos, segundo se encontrem dispostos nas wnas de cirrose hepática, consequência da fibrose dos sinusoides, ou,
periportais e perivenosas do ácino hepático; 2. elevada capa- mesmo, bloqueio completo e destruição da arquitetura hepática,
cidade metabólica de produtos intermediários, gerando oferta elevando a pressão portal até 20 a 40 mmHg.
de solutos para órgãos distantes. como cérebro, coração, rins e Todas essas caracteristicas conferem importância a esse vas-
músculos; 3. capacidade de participar da circulação êntero- to sistema de condução e distribuição responsáve.l pelas trocas
hepática, através da qual secreta substâncias que, posteriormen- de substâncias entre sangue e elementos hepáticos. A partí.r de
te, serão excretadas através da bile. seu inicio de distribuição peri-hilare subcapsular, forma ramos
A execução funcional desses passos é realiz.ada a partir de pe- de primeira, segunda e terceira ordens, responsáveis também
quenas e múltiplas unidades funcionais e um sistema sofisticado pela manutenção de rnicroarquitetura do fígado. Todo esse
de interfaces formando a microanatomia do figado humano. sistema drena o sangue dos sinusoides hepáticos para v~nulas
Toda essa arquitetura depende ainda de um sistema continuo hepáticas terminais, sublobulares, as quais se reúnem forman-
de anastomoses entre lâminas formadas pelos hepatócitos e os do as veias hepáticas.
espaços sinusoidais, os quais guardam relação com a oferta de Por sua vez, a artéria hepática contribui com 25% do fluxo
sangue (artéria hepática e veia porta) e complexo sistema de hepático sanguíneo, voltado à adequada perfusão do parênqui-
canais biliares de drenagem. ma hepático, encerrando sua distribuição através das arterlolas,
as quais terminam nos sinusoides ou nas veias hepáticas. Essa
distribuição também ocorre ao penetrar em dúctulos e duetos
• ANATOMOFISIOLOGIA DO F[GADO NORMAL biliares, participando, assim, da perfusão do sistema biliar.
Na dependência desses aspectos hemodinâmicos, definem-se
O lóbulo hepático (LH) é considerado unidade funcional bá- topograficamente wnas, sendo a zona I periporta (responsável
sica, sendo cilindrico, com vários millmetros de comprimento pelo metabolismo energético, liberação de glícose e utilização
e 0,8 a 2 mm de diâmetro, constitu!do de lâminas hepatocelu- de aminoácidos, formação de ureia, colesterol e bile), a zona
la.res em torno da veia central, que se ligam às veias hepáticas, 2 intennedidria (maior captação de sais biliares e geração da
e estas à veia cava. Cada lâmina tem a espessura aproximada fração de bile canalicular dependente de sal biliar), e a wna
de duas células adjacentes, encontrando-se entre estas os cana- 3 perivenosa (captação de glicose e lipogênese, formação de
l!culos biliares, que formam os duetos biliares terminais (que glutamina, cetogênese). Resumidamente, o flgado exerce pa-
se originam no septo entre os lóbulos hepáticos). Nos septos, pel no metabolismo: dos carboidratos (armazenar glicogênio,
encontramos pequenas vênulas portais e arteriolas hepáticas, converter galactose e frutose em glicose, manter níveis normais
575
5 76 Capftulo S 1 I Conduta Diagn6stlca em Pacientes com Doença Hepatobi/iar

de glicemia); da gordura (oxidação beta dos ácidos graxos para T- - - - -


produção de colesterol, sendo 8006 deste convertidos em sal bi- Quadro 51.2 Caracterfsticas da membrana llepatocelular
liar e fosfotipldios); da conversão de carboidratos e proteínas em
gordura; das proteínas (desaminação de aminoácidos, formação 1. Composta por finas petkulas lipídk011rotekas unidas por interaç66
de ureia para eliminação da amônia, produção de protelnas plas- não covalentes
máticas); dos fatores de coagulação (fibrinogênio, protrombina, 2. Envolve os hepató<itos, definindo limites entre citosol e espaço
fator VII, globulina); além disso, tem função no armazenamento extracelular
de vítaminas (A, De B12), na metabolização de drogas e hormô- 3. Composta por 54% de proteínas, 36% de lipfdios e 10% de
nios, e na excreção de bilirrubina (ffgado no processo digestivo carboidratos
e na excreção de substâncias pela bile) (Quadro 51.1). 4. Mostra-se Impermeável b passagem de moléculas hidrossolúvels
Além dessa tipica organização vascular e celular, há outros S. Moléculas protelcas se voltam à catalisação de reações voltadas à
componentes, os quais estão representados pelos hepatócitos e síntese de ATP.IIgandg.se ao citoesqueleto, à matriz extracelular e h
células adjacentes
suas organelas, duetos biliares e estroma de sustentação, todos
inter-relacionados anatômica e funcionalmente. 6. Cerca de 13% da sua superllcie é ocupada por microvilos voltados
à secreção biliar, enquanto 50% contêm desmossomos. moléculas
Os hepat6citos são poligonais em sua forma e medem 20 a juncionais, enquanto 37% interagem com o sangue e secretam
30 J.Un de diâmetro, arranjados em coluna de uma célula. Aque- prot~nas plas~tkas
les que se situam próximo aos espaços portais distribuem-se de
forma continua, interrompida apenas pela penetração dos vasos
ou duetos biliares que deixam o espaço portal. Seu citoplasma
está envolvído por uma membrana, denominada hepatocelu-
lar (Quadro 51.2). T'- - - - -
São essas membranas que atuam no encerramento de or- Quadro 51.3 Características das mitocôndrias
ganelas, tais como mitocôndrias (Quadro 51.3), retículos
endoplasmáticos rugoso e liso, além do aparelho de Golgi 1. Organelas respiratórias que constituem 20% do volume
citoplasmático dos hepató<itos
(Quadro 51.4),1isossomos (Quadro 51.5), peroxissomos (Qua-
2. Variam de forma e tamanho, encerram duas membranas diferentes
dro 51.6) e núcleo. estrutural e funcionalmente
Toda essa estrutura depende da integridade anatômica e 3. Atuam conservando energia, oxidando ATP a partir de atuaçlo do
funcional da matriz. extracelular, representando cerca de 5-10% oxigênio
do peso do flgado normal, cerca de 30% da massa proteica 4. Encerram enzimas respons.iveis pelo ciclo do kido trkarboxl11co,
total, constituída de moléculas de colágeno (Quadro 51.8), de síntese e <»<id&Çao de kidos graxos da fosforilação olddativa,
enquanto os restantes 70% são constituldos de glicoprotelnas gluconeogênese e concentrações intracelulares de cákio
(Quadro 51.9). Atuam regulando e modulando funções dos he- S. Exercem papel na resposta celular a estímulos ambientais tóldcos
patócitos, ao promover coesão e indução de polarização entre
células, comunicações intercelulares e expressão gênica.

T
----T-
Quadro 51.1 Modelo do zoneamento metabólico
Quadro 51.4 Caracterlsticas dos retículos endoplasmáticos rugoso,
liso e do aparelho de Golgi
(heterogeneidade fundonal) do ádno hepático
Retículo •ndoplasm~tico rugoso (RER)
Síntese, translocaçjo e disponibilidade de proteínas, de Upides, da
Zona periportll
compartimentalizaçlo do núcleo, transporte nudeocitoplasmátlco e
llg&Çao com !.\minas
Metabolismo oxidativo en•rgoitico
OxidaçAo de 'cidos graxos Retículo endoplas~tico liso
Cklo do 'ddo dtrico Síntese de líquidos. detoxificação, armazenamento e liberação de Ca''
Cadela respiratória Aparelho de Golgi
Metabolismo de carboidratos Glicólis• Recebe material do RER. processa e fosforila glicoprotefnas. mas adiciona
Gllconeogênese srntese de gllcogênio a partir da lípídes e glicoprotefnas secretoras, atuando na glicosilaçlo, sulfat&Çao
Sfntese de lactato glicose de tirosina, clivagens proteolftlcas. ordenando lisossomos e membranas
Degradação do glicogênio a glicose plasmáticas
Oegradaçiio do gllcogênio a lactato
Metabolismo d• llpfdios Cetoginese
Sfntese de colesterol Sfntese de 6cldos graxos
M• tabolismo d• amlno,cidos O.toxificaçlo da am6nla
ConversAo para glicose Formação de glutamlna T
DegradaçAo de aminOOcidos Metabolismo de xenobióticos
Formaçlode ureia Mono-oxigen&Çao
Quadro 51.5 Caracterlsticas dos lisossomos
Uso de glutamina Formaçlo de ~ddo mercaptúrico
Glkuronidação 1. Disponibilizar protefnas processadas no aparelho de Golgi
Metabolismo d• prot•çio
2. Encerram mais de SO enzimas hidrolitkas, em PH 4,5·5,0 e uma bomba
Perolddação de glutation
de transporte ativo que encerra H'·ATPase. mantendo acidificadas
ConjugaçAo de glutation
essas organelas
Formaçlo de bil• 3. De seu funcionamento, participam também grupos de enzimas
Excreçao de 'ddo eólico manose-6-fosrato, participando do transporte unidirecional de
Excreçao de bilirrubina hidrolases
----------------------
Capftulo 51 I Conduta Diagn6st/ca em Pacientes com Doença Hepatobiliar 5 77

- ... As lesões que se estabelecem sobre essas estruturas consti-


tuem-se na base das doenças hepatobiliares, as quais se tradu-
Quadro 51.6Caracterfstícas dos peroxissomos
zem por manifestações agudas ou crônicas, sindromes colestá-
1. Envolvidos por duas membranas, dotadas de 3.000 a 4.000 poros, a ticas ou não diagnosticadas através de sintomas e sinais típicos,
externa conectada ao RER achados do exame físico, expressão laboratorial, ou através de
2. Encerram nucléolo, matriz fibrosa e complexa de DNA, proteína métodos de imagens e estudo histológico, os quais serão co-
ribonuclear, cromocentros e cromatina perinuclear mentados adiante.
3. Atuam na codificação e síntese de proteínas, na dependência de RNA
riboss6mico e RNA transferidor e na duplicação de cromatinas como
parte da replicação celular
4. Transporte nucleocitoplasma bidirecional~ valendo-se de enzima
• SINTOMAS ESINAIS T[PICOS DE
(GTPase) DOENÇAS HEPATOBILIARES
Algumas doenças podem cursar assintomáticas durante lon-
gos anos. Este comportamento pode ser observado nas hepati-
tes crônicas ou na colangite esclerosante primária, e na cirrose
• OUTRAS ESTRUTURAS biliar primária, bem como em afecções metabólicas, como he-
mocromatose hereditária, ou na doença de Wilson, mesmo nas
As células sinusoidais são representadas por: 1. endote/iais, fases cirróticas. Outras vezes, expressam-se por quadro agudo,
fenestradas e responsáveis pela formação de uma barreira en- traduzido por adinamia, náuseas, vômito, febre., calafrio e ma-
tre sinusoides e espaço de Disse; 2. células de Kupffer, de for- nifestações sistêmicas típicas, tal como se observa nas hepatites
ma estelar, grandes, móveis e responsáveis por fagocitose de aguda vira! e autoimune. Ascite, encefalopatia ou distúrbios
células mais velhas, tecidos tumorais, vírus, parasitos e bac- da coagulação ocorrem nas fases descompensadas da cirrose,
térias; 3. lip6citos ou células de !to, precursores inativos dos mas podem constituir sinais de instalação rápida nas necroses
fibroblastos, mais numerosos nas áreas pericentrais, encerram fulminantes do parênquima hepático, típicas da redução da re-
gotículas de gordura ricas em retículo endoplasmático rugo- serva funcional parenquimatosa. A avaliação desses pacientes
so. Contêm actina e miosina, produzem colágenos tipos I, III, obedece a uma sequência típica (Quadro 51.7).
IV e laminina, além de inibidores das metaloproteinases; 4.
células pit, linfócitos NK, atuantes contra células neoplásicas
ou proteínas virais. • ASPECTOS DO EXAME F[SICO
O espaço de Disse estende-se entre hepatócitos contíguos,
encerrando lipócitos, microvilos dos hepatócitos e plasma. A icterícia é um sinal importante na suspeita de doença he-
Além disso, contém fibras de reticulina, com diâmetro entre patobiliar. Pode evoluir silenciosamente ou acompanhada de
5 e 10 J.I.ID. Tem a função de condução da linfa formada no fí- sinais típicos agudos, como náuseas, vômito e adinamia, como
gado a partir da filtração do plasma originário dos sinusoides. ocorre nas hepatites virais. Também pode ser encontrada na-
Continua-se pelo espaço de Mal!, tendo seu livre fluxo facilita- queles doentes que cursam com febre, calafrio e prurido, com-
do por fibras colágenas, as quais penetram junto com vênulas portamento observado nas obstruções de vias biliares intra- ou
e arteríolas na placa limitante. extra-hepáticas (Capítulo 52). A sua acentuação com rápida
O sistema de canais biliares intralobulares tem 1 a 2 Jlm progressão, quando acompanhada de aranhas vasculares, des-
de diâmetro, dispostos entre hepatócitos, os quais se ligam às
membranas de sua porção a picai. Distribuem-se pelos lóbulos,
penetrando nos canais de Hering. Esses duetos são, portanto,
estruturas típicas voltadas para a secreção e condução da bile ---------------..----------------
Quadro 51.7 Comportamento diante de suspeita de
no interior do parênquima até o intestino. São representados doença hepatobílíar
pelos: 1. colangíolos, revestidos por células epiteliais, com nú-
cleos ovais; 2. duetos interlobulares, com diâmetros entre 15 e I. Identificação de fatores de risco
80 llm, revestidos também por células epiteliais que repousam Caracterlzaçao dos as/HCfos demogr6ficos (Idade_ suo e raça)
sobre a membrana basal, e envolvidos por tecido colágeno; 3. Importante, pois determinadas doenças são mais comuns entre
duetos septais, também revestidos por células colunares epite- os jovens (hepatites virais), enquanto outras entre os mais idosos
(câncer). Por sua ve:t. mulheres são mais afetadas por processos como
liais e envolvidos por feixes colágenos. hepatite autoimune e cirrose biliar primária, enquanto homens pela
O sistema linfático, por sua vez, volta-se à drenagem de linfa hemocromatose hereditária e colangite esderosante primária
dotada de elevado teor proteico, a partir do espaço perissinusoi- 11. História familiar
dal de Disse e dos espaços portais, assumindo disposição periarte- Extremamente importante na caracterização de doenças herdadas,
rial, alargando-se seus diâmetros quando em tomo de veias porta como hemocromatose hereditária, doença de Wilson, deficiência de
e tubulárias dos duetos biliares, até atingirem gânglios celíacos, tt·1-antitripsina, fibrose cística etc.
ligamento falciforme, gânglios paresternais, e aqueles dispostos 111. Hábitos pessoais
Nestes casos, se mostram importantes as histórias de alcoolismo,
ao longo da gástrica esquerda e mediastinais posteriores. ingesta de fármacos, uso de drogas ilicitas parenterais,
Além disso, o fígado tem ricas inervações parassimpática e comportamento sexual promíscuo, parceiro sexual portador de
simpática. Essas últimas fibras formam um rico feixe perivascu- hepatite pelo vírus Bou C, tran.sfusões de sangue ou cirurgia pretéritas
lar, envolvendo também células perissinusoidais e hepatócitos. IV. História de surtos ictéricos pregressos
Fibras nervosas parassimpáticas ou colinérgicas, por sua vez, Pode indicar hepatite de evolução insidiosa, coledocolitíase (sempre
inervam ramos extra-hepáticos e intra-hepáticos da artéria he- acompanhada de dor abdominal, febre e calafrios) ou obstrução biliar
nos casos de cirurgia biliar prévia. Esse comportamento pode também
pática, veias porta e hepática, participando das junções rígidas
ser observado em pacientes com colangite esclerosante primária
dos duetos biliares.
578 Capftulo 51 I Conduta Diagnóstico em Pacientes com Doença Hepatobiliar

T-
Quadro 51.8 Testes bioquímicas úteis na avaliação de doenças hepatobiliares

Testes bloquímlcos Valores nonnais lesão hepatoCI!Iular Colestase

Aspartatoaminotransferase (5-40UVt) >SxLSN < 3xLSN


Alanina-aminotransferase (5· 35 UVt) >10xLSN < 3xLSN
Bilirrubina total (O.S-1 mg/dt) >15XL$N >20xLSN
Bilirrubina direta (0,2·0.4 mg/dl) <10xLSN > 15 xLSN
Fosfatase alcalina (35-150 UI/i) > 3 x LSN >4XLSN
Gamaglutamiltransfera.se (10-48 Ul/l) > 3 x LSN > 5xLSN
Albumina (3,5-5,0 gli) N exceto cirrose N
Tempo de protrombina (1 2-16") Alargado. Não responsivo à vitamina K Alargado. Responsivo à vitamina K

Ooensas metabólicas leite Inicial Teste de confinnação leite definitivo

Hemocromatose Ferritina sérica fndice de saturação fndice Fe/idade ~ 2


> 400 jig/l 55%
Deficiência de a-1-AT > Nível sérico a-1-AT FenótipoPI Biopsia hepática com glóbulos
PAS (X) positivos
Doença de Wilson Ceruloplasmina CuU:CuS Biopsia hepática
< 10mg/dl > BOjig/24 h Cu > 50 j.lg/g de tecido seco
lSN = limite superior normal; a.·l-AT = a.·l·antjtripsina; Cu= cobre; Fe =ferro; CuU =cobre urinário; CuS= cobre sérico; N =normal.

nutrição, eritema palmar, ginecomastia, atrofia testicular, perda caracterizarão as doenças autoímunes (Quadro 51.10), e o com-
de pelos corpóreos, petéquias, hematomas, edema periférico e portamento da coagulação sanguínea (Quadro 51.11) poderá
ascite, é mais observada na cirrose, em decorrência da redução ser indicativo de diferentes formas de doenças hepatobiliares,
da população de hepatócitos. participando juntamente com outras provas que quantificarão
Circulação colateral abdominal e torácica, ascite e edema, a reserva funcional do órgão (Quadro 51.12).
esplenomegalia e hemorroidas traduzem existência de hiper-
tensão portal. Outras manifestações fisicas são a contratura de
Dupuytren e o aumento de volume das parótidas, identificados
em alcoólatras. Pele bronzeada, artropatia, testículo doloroso
- T-
e reduzido de volume, além de sinais de insuficiência cardíaca Quadro 51.9Testes ímune-sorológícos úteis na avaliação de
são identificados em doentes com hemocromatose hereditária. doenças hepatobílíares
Distúrbios da movimentação, tremores, espasticidade, rapidez,
disartria são próprios do envolvimento neurológico na doença Hepatites vlrals Aguda Cr6nlca
de Wilson. Enfisema faz parte do quadro clínico de pacientes A Anti·VHA lgM
com deficiência de a-1-antitripsina. AgHBs, AgHBe, Anti·AgHBc 1- AgHBs (+) ONAVHB (+)
B
Icterícia, colúria, acolia, prurido cutâneo, febre e calafrio são lgM eONAVHB 11 - AgHBs (+) AgHBe (-)
identificados, sobretudo, nas colestases intra- ou extra-hepáti- ONAVHB (-)
cas. Também tais sinais são típicos de pacientes submetidos à 111 - AgHBs (+) AgHBe (-)
ONAVHB (+)
cirurgia hepatobiliar ou transplante de figado, cursando com
estenose de anastomose biliodigestiva, seguindo fenômenos de o AgHBs (+), Anti·VHO lgM (+) AgHBs (+) Anti.VHO lgG (+)
rejeição, ou naqueles com doença venodusiva por transplante c RNAVHC(+) RNAVHC(+)
de medula óssea. RNAVHE (+) RNAVHElgG (+)
A palpação abdominal pode evidenciar hepato e/ou esple- G RNAVHG (+) RNAVHG(+)
nomegalia, como na forma hepatosplênica da esquistossomose. + = positivo;- = negativo.
Metâstases hepáticas e hepatocarcinoma podem ser palpáveis,
assim como outras tumorações. O estudo da direção da cor-
rente sanguínea na circulação colateral no abdome permite
classificá-la. Ascite é identificável pelos sinais de macicez mó-
vel e do piparote.
---------------T---------------
Quadro 51.10 Anticorpos nas doenças hepáticas autoimunes

Ooensas htpáticas autolmunes Autoanticorpos


• EXPRESSÃO LABORATORIAL
Hepatite autoimune
Pacientes com lesão hepatocelular ou doença colestática po- Tipo I Anti núcleo e/ou antimúsculo liso
Tipo li Antimicrossomal fígado-rim
dem ser avaliados através do emprego de múltiplos testes. Os
(Anti·LKM-1)
testes bioquímicas poderão expressar agressão hepatocelular e Tipolll Antígeno solúvel de fígado
a etiologia das doenças metabólicas (Quadro 51.8). Cirrose biliar primária Anti mitocôndria
Testes irnune-sorológicos definirão os marcadores das he- Colangite eseclerosante primária p-ANCA (60%)
patites virais {Quadro 51.9), anticorpos não órgãos específicos
Capftulo 51 I Conduta Diagn6st/ca em Pacientes com Doença Hepatobiliar 5 79

---------------~---------------
Quadro 51.11 Comportamento da coagulação sanguínea
• MÉTODOS DE IMAGENS
Nos últimos anos, diferentes métodos de imagens ganharam
Síntese reduzida dos fatores de coagulação acesso na avaliação diagnóstica das doenças hepatobiliares,
Menor massa de hepatócitos funcionantes
Deficiência de síntese ou absorção de vitamina K (esteatorreia) sobretudo o ultrassom (US), com ou sem Doppler colorido;
Síntese reduzida dos inibidores da coagulação tomografia computadorizada (TC), com ou sem portogra-
Produção de proteínas anormais fia (TCPG}; ressonância magnética (RM); colangiografia por
Maior atividade fibrinolítica RM (CRM); colangiografia endoscópica retrógrada (CER) ou
Clareamentro reduzido de ativadores de fibrinólise a transparieto-hepática (CTPH}; e mapeamento com enxofre
Proporção reduzida de inibidores de fibrinólise
coloidal, marcado com tecnécio (Wfc) ou índio ( 111 ln) (Qua-
Reduzido clareamento hepático de fatores ativados de coagulação
dro 51.13).
Coagulação intravascular disseminada (multifatorial)
As Figuras 51.1 a 51.13 exemplificam o alcance dos métodos
Anormalidades plaquetárias
de imagem no diagnóstico das doenças hepatobiliares.

-~-
Quadro 51 .12 Provas de quantificação da reserva funcional parenquimatosa

Sítio Substrato Função Técnica

Citosol Galactose Galactoquinase (Fosforilação) Injeção endovenosa para saturação do sistema enzimático responsável pela eliminação
Microssomo Aminopirina N·demetilação Aminopirina marca com 1'C, administrada VO. Resultado a cada 2 h, traduzido pelo
(Cit P450) desaparecimento da radioatividade plasmática
Cafeína N-demetilação Correlacionam-se clearances sérico e da saliva
Interferência da idade e fumo com o resultado da prova
Concentrações séricas dos metabólitos de lidocaína (MEGx) reduzem-se na cirrose
avançada
Antipirina Hidroxilação/Metilação Vida média ultrapassa 30 h na cirrose grave

-~-
Quadro 51.13 Métodos de imagens no estudo das doenças hepatobiliares

Doenças hepatobiliares Avaliação Inicial Avaliação complementar (se necessária)

Colestase US - definindo árvore biliar Se dilatados ou lesão suspeita da árvore biliar ou hepática
TC - doença parenquimatosa ou massa CRM para definição da sede da lesão
CTPH ou CER. se necessário atuação terapêutica
Doença parenquimatosa us Doppler colorido ou RM, se anormalidade vascular é suspeitada
Caracterização de massa hepática
Maligna(?) USou TC - com ou sem biopsia dirigida TCPGou RM
Benigna(?) USou TC - eritrócitos marcados com 99fC US intraoperatório
USou TC - com aspiração RM ou angiografia
Mapeamento com gálio ou com eritrócitos marcados com 1111n

Figura 51.1 Ultrassom evidend ando volumosa lesão isoecogênica no Figura 5 1.2 Tomografia computadorizada evidenciando. na fase sem
lobo hepático direito (setas) promovendo distorção e compressão das injeção de contraste intravenoso, volumosa lesão hipodensa no lobo
veias hepáticas média e direita. hepático direito, segmento VIII.
Figura 51 .6 Ressonância magnética com imagem ponderada em T1,
axial, evidenciando discreto hipossinal da volumosa lesão hepát ica de
Figura 51 .3 Tomografia computadorizada na fase pós· injeção de con· lobo direito definida ao ultrassom e à tomografia computadorizada.
traste intravenoso, fase precoce (arterial), demonstrando impregnação
intensa e homogênea de volumosa lesão hepática, exceto a área da
cicatriz central. Mesmo caso da Figura 51.2.

Figura 51 .4 Tomografia computadorizada na fase pós-injeção de con· Figura 51.7 Ressonância magnética com imagem ponderada em
traste intravenoso, fase venosa portal, demonstrando a lesão do lobo T2, axial. evidenciando d iscreto sinal da lesão hepática, porém com
direito já com menor impregnação do que o parênquima hepático hipersinal da cicatriz central. A lesao estabelece contato e comprime
circundante. Mesmo caso da Figura 51.3. as veias hepáticas média e direita.

Figura 51 .5 Tomografia computadorizada. na fase tardia pós-injeção Figura 51.8 Angiorressonância magnética axial após injeção in trave·
de contraste intravenoso, demonstrando que a lesão se tornou l)(ati· nosa do gadolinio, evidenciando lesão com sinal semelhante ao do
camente isodensa em relação ao parênquima hepático circundante. fígado circundante, a qual está em contato com as veias hepáticas e
Mesmo caso anterior. a cava inferior.
Figura 51.9 Angiorressonancia magnética axial após injeção intra- Figura 51 .12 Ressonancia magnética com sequência ponderada em
venosa do gadolínio com sinal semelhante ao do fígado circundan- Tl (spin echo), com imagem em plano axial. A lesão do lobo esquerdo
te, mostrando leve compressão sobre as veias hepática direita e cava apresenta-se hipointensa em relação ao parênquima hepático circun-
inferior. dante, com ligeira impressão sobre ramo portal esquerdo.

Figura 51.1 OTomografia computadorizada do ffgado, pré-injeção de


contraste in travenoso, mostrando lesão hipodensa no lobo esquerdo,
com discreta compressão do ramo esquerdo da veia porta.

Figura 51 .13 Ressonãncia magnética com sequência ponderada em


Tl (spin echo), com imagem em plano sagital. Lesão hipointensa no
lobo esquerdo no segmento lateral 11.

Figura 51 .11 Tomografia computadorizada do fígado pós-injeção de


contraste intravenoso, não se promovendo grande impregnação da lesão
presente no lobo esquerdo, a qual mantém praticamente as mesmas
características do parênquima adjacente.
582 Capftulo 51 I Conduta Diagnóstico em Pacientes com Doença Hepatobiliar

• LESÕES HEPÁTICAS FOCAIS • lesões benignas


Expressam-se, em geral, sob forma de nódulos sólidos ou Entre estas se incluem, sobretudo, cistos simples, hemangio-
de aspecto cístico. Constituem achado frequente, sobretu- ma cavernoso, hiperplasia nodular focal, adenoma hepatocelu-
do a partir do emprego fácil e generalizado do ultrassom e lar, pseudotumor inflamatório. Características clínicas e de ima-
da tomografia computadorizada de fígado. A caracterização gens são vistas, respectivamente, nos Quadros 51.14 e 51.15.
dessas lesões e o diagnóstico histológico preciso, na maioria
das vezes, têm sido possíveis associando-se outros métodos • lesões malignas
de imagem, tais como ressonância magnética, angiografia de
tronco celíaco e, sobretudo, biopsia percutânea dirigida. São Entre estas se incluem, sobretudo, o carcinoma hepatocelu-
representadas predominantemente por lesões benignas ou lar, o colangiocarcinoma e as lesões metastáticas. Características
malignas, as quais merecerão, neste capítulo, considerações clínicas e de imagens são mostradas, respectivamente, nos Qua-
em separado. dros 51.16 e 51.17, e exemplos, nas Figuras 51.14 e 51.15.

T-
Quadro S1.14 Características clínicas das lesões hepáticas focais benignas

lesóts hepáticas Caracterfstlcas dfnlcas


Cistos simples Incidem em torno de 2·7%da população, sendo isolados ou múltiplos, assumindo diâmetros variáveis. Sintomas tlpicos
são dor surda no hipocôndrio direito e epigástrio, e sensação de massa abdominal palpável
Hemangioma cavernoso Incide em torno de S·i'% da população, sendo isolado ou múltiplo, com diâmetro variável. Evolução, em geral,
assintomática, constituindo, na maioria das vezes, achado incidental. Sua presença pode traduzir-se pela queixa de
dor no hi pocôndrio direito e epigástrio. Febre e h ipotensão arterial com sudorese podem ser identificadas caso exista
ruptura intraperitoneal. Mais comum entre pacientes do sexo feminino
Hiperplasia nodular focal Trata-se do tumor benigno mais frequen temente identificado no homem. Surge em consequência de uma malformação
vascular, apresen tando-se como lesão sólida, com limites em geral precisos, de localização subcapsular. Pode assumir
evolução a.ssintomática ou ser diagnost icada após queixa d e dor surda no hipocõndrio direito ou epigástrio, sendo ou
não palp ável ao exame físico. Mais frequente entre mulh eres
Adenoma hepatocelular Mais frequente entre m ulheres que u saram ou ainda u sam anticoncepcional oral. Pode fazer parte do quadro de
glicogênese tipo I, ou identificado naqueles em uso de esteroides androgênicos. Dotado de potencial tendência à
transfonnação maligna, o que reforça a indicação do tratamento cirúrgico
Pseudotumor inflamatório Forma rara de apresentação de lesão hepática focal, de patogênese desconhecida. Mais comum entre mulheres,
exteriorizando-se pela presença de dor abdominal, acompanhada de febre. A biopsia percutãnea difusa a define bem, e
a terapéutica envolve antibioticoterapia e, excepcionalmente, a remoção cirúrgica

T-
Quadro 51.15 Características aos métodos de imagens das lesões hepáticas focais benignas

Cistos simples• US- Nódulo anecoico ou hipoecoico


TC- Contornos são bem definidos. Tem valor de atenu ação baixo igual ao da água (0·1 O UH)
Não sofre impregnação do contraste endovenoso
RM - Apresenta-se hipolntenso em T1 e hiperintenso e homogêneo em T2. Não sofre realce pós-injeção de gadolfnio
Hemangioma cavernoso• US - Em geral, apresenta-se hiperecogênico, mas pode ser hipo ou isoecogênico, com forma regular ou lobulada
TC - Hipodenso em relação ao figado normal. Pós·injeção do contraste endovenoso sofre impregnação periférica, com
realce progressivo em direção ao centro da lesão. Pode se identifica r fibrose central
RM - Caracteristicamente hipointenso em T1 e h iperi ntenso em T2, mesmo nos tempos de eco (TE) longo
Hiperpla.sia nodular focal US - Em geral, apresenta-se iso ou discretamente hipoecoico, sem ou com cicatriz central
(Figuras51.1 a51.9) TC - Lesão com margens bem delimitadas, sofrendo impregnaçãio intensa na fa.se arterial, com desaparecimento
(lavagem) rápido do contraste. permanecendo tardiamente (fase de equilibrio) a cicatriz central
RM - Lesão hiperintensa ou isointensa em T1 e com discreto hipersi nal em T2, com cicatriz central exi bindo si nal
hiperintenso
Adenoma hepatocelular' US- Lesão heterogênea ou homogênea com áreas centrais ou periféricas de hemorragia ou infarto
TC- Nódulo homogêneo, iso ou hipoatenuan te na fase pré, tornando-se h iperi ntenso, com ou sem halo periférico, na
fase pós-injeção de contraste endovenoso
RM - Sinal variável, dependendo da presença de gordura ou de focos de hemorragia. Pós-injeção de gadolfnio, tem o
m esmo comportamento descrito na TC
Pseudotumor inflamatório• US - Lesão bem delimi tada, hi poecoica

*Serão comentados com fotos nos capitulas correspondentes.


US: ultras5om; TC: tomografia computadorizada: RM:ressonância magnética.
Capftulo 51 I Conduta Diagn6st/ca em Pacientes com Doença Hepatobiliar 583

--------------------------------··--------------------------------
Quadro 51.16 Características dínica.sdas lesões focais malignas hep~ticas

Carcinoma hepatocelular Pequeno rumor ( < 2,0 em) - em geral, evolui assintomático, sendo mais frequentemente diagnosticado
durante seu rastreamento, rastreamento através de ultrassom ou tomografia computadorizada de pacientes
cirrótlcos
Grande rumor(> 3,0-4,0 em). Predomina em pacientes do sexo masculino alcoólatras, fumantes e, sobretudo,
nos portadores dos vírus B ou C da hepatite. Traduz-se clinicamente pelo aparecimento de dor contínua em
abdome superior, anorexia, astenia e emagrecimento. Ascite. hemorragia digestiva alta e Icterícia podem ser
observadas
Colangiocarcinoma Não é muito frequente. Segundo sua localização, divide-se em intra·hepático ou periférico e hilar ou distai. A
expressão clínica depende de sua expressão topográfica, variando desde dor abdominal forte, em cólica ou
surda, e febre, nos tipos h ilar e distai, por icterfcla, colúría, acolia fecal e sinais de colangite. Mais comum entre
50 e 70 anos. Presente, sobretudo, em portadores de colangite esclerosante primária, fibrose hepática, doença
de Caroli, cisto de colédoco, fígado policístico, ou nos ponadores de complexo de von Meyenburg
Metástases Observadas, sobretudo, no câncer colorretal. Metástases sincrônicas ocorrem em 15-30%, e essa mesma
frequênda é observada ao fim de 3 anos da ressecção do tumor primário. Os casos não tratados sobrevivem
apenas 6-18 meses e 25 meses com lesão solitária. Hepatectomia pode ser realizada em apenas 1O% dos casos,
com mortalidade em tomo de 1-2%, com significativa proporção deles permanecendo livres da doença por
mais de 20 anos. Predominam nos homens, que se queixam de dor no abdome superior ou podem cursar com
massa palpável. lcterlcia e sinais de irressecabilidade podem ser obervados. Essas mesmas características são
observadas nos tumores de pâncreas, de pulmão, neuroend6crinos e GIST

-----------------------------·-----------------------------
Quadro 51.17 Características aos métodos de imagens das lesões hep~tica.s focai.s malignas
Carcinoma hepatocelular Pequeno rumor ( < 2,0 em) - predomina irrigação venosa e, por vezes, arterial
(figuras 51.10 a 51 .15) US -Lesão hiperecoica (diferenciar do hemangioma) ou hipoecoica, com origem halo periférica, presente,
sobretudo, em fígado cirrótico. Representado por nódulo solitário e, menos frequentemente, múltiplo
TC - lesão hipodensa. Alguns são hipovasculares
Características %
Defeito de perfusão
Presente 64
Ausente 36
RM- Características %
T1 (A)T2 (B) 13
T1 (A) T2 (NO) 44
T1 (B)T2 (A) 6
T1 (ND)T2 (A) 6
T1 (A)T2 (H) o
T1 (I)T2(N0) 31
Colangiocarcinoma' US - Lesão hipoecoica única ou multifocal (periférica). Mesmo aspecto no tumor distai ou no hilar, podendo
assumir aspecto cisticoou polipoide intraductal. Atrofia loba r ou segmentar. Dilatação de vias biliares a
montante
TC - lesão densa, com baixa captação pós-<:ontraste e intensa reação desmoplásica em torno do tumor.
Demais características semelhantes às do US
RM- Lesão hipointensa e hipocaptante do contraste, sofrendo impregnação tardia. Demais caracterlsticas
semelhantes às do USe da TC
Metástases• US - Lesões hipoecoicas em alvo, hipovasculares em 50% dos pacientes. Únicas ou múltiplas
TC - lesões hipodensas com impregnação periférica pós-injeção de contraste, sendo este eliminado
rapidamente. Podem comprimir vasos. Sensibilidade diagnóstica aumenta com portografia
RM - lesões hipointensas em Tl, com moderado hipersinal em T2. Procurar diferenciar de outras lesões;
quando muito vascularizadas, são mais bem definidas após injeção de gadolinio
•Serão comentados com fotos nos capítulos correspondentes.
A = hiperintenso; B = hipointenso; NO = nâo definido.
584 Capitulo 5 I I Conduta Dlagn6stlca em Pacientes com Doença Hepatoblliar

Figura 51 .14 Fase parenquimatosa da arteriografia hepática pós- Figura 51 .15 Fase parenquimatosa da arteriografia hepática pós-
injeção de lipiodol, evidenciando, pelo menos, quatro grandes nódulos injeção de lipiodol, evidenciando um grande e múltiplos pequenos
tu morais hipervasculares, tipicos do carcinoma hepatocelular. nódulos hipervascvlares, tfpicos de carcinoma hepatocelular.

e C da hepatite. Este último vírus pode ser ainda caracteriza-


• ESTUDO HISTOLOGICO do pela técnica de PCR. Marcadores espedficos, como CEA
O valor do estudo histológico na investigação das doenças e alfafetoproteina, são úteis para a caracterização, respectiva-
hepatobiliares encontra-se bem definido. Essa caracterização mente, de carcinoma metastático e hepatocelular, assim como
realiza-se através da análise de um pequeno fragmento de figa· testes de biologia molecular, identificando genes hipoexpressos
do, obtido a partir de biopsia hepática empregando-se agulha. ou hiperexpressos.
O espécime obtido representa aproximadamente 1:50.000 do
volume total do órgão, o que pode representar um risco poten-
cial de erro de amostragem, menos importante nos casos em • LEITURA RECOMENDADA
que ocorre comprometimento parenquimatoso difuso (hepatite
&ker. AI.. Liver c:hemistry. Em: Kaplowitt, N. Uvtr and Btliary DlseAs<. 2th
aguda ou crônica vira! ou não, e/ou cirrose hepática). ed., Baltimorc. \\f"illi.uns & \\f"llkins, 1996.
Há limitações do procedimento, como: 1. obtenção de biop- Bodily, KO & Fitt, G. Approac:h to the patients with suspccted üver clisea#.
sia subcapsular, sem representatividade da profundidade do Em: GrendeU, JH, ~uaid, KR. Friedman, SL. Currtnt Dtt~gnosu and
parênquirna; 2. possibilidade de punção de macronódulo, o Treatmmt in GastrOenttro/qgy. Londres, Prentice-Halllntermtíonallnc.,
qual exibe estrutura similar à do flgado normal, dificultando o tst ed., 199S.
Fan, GG & Steer, CJ. CeUular biology of the nonnalliver. Em: Bacon, BR,
diagnóstico de cirrose (esse inconveniente é evitado desde que O'Gndy, JG, Di Bisuglie, A.\4, Lake, IR (ed.). Comprdltmi.,. OintMI He-
a punção seja realizada sob visão laparoscópica); 3. punção do p<Jtology. Londres, Mosby Elsevler, p. 17, 2006.
tecido fibrótico denso, gerando espécime de pequena extensão Friedman, LS, Martin, P, Muilcn, SJ. Liver function tests and the objective
e pouco representativo; 4. biopsia obtida das cercanias de uma evaluation of the patients with liver dlsftse. Em: Zaldm, O & Boytr, TO.
Hepatology. A Tatbook of Uver Disteut, 3rd ed., Phlladelphla, Saunders
lesão neoplásica; S.limitação eventual na separação entre coles· Co., 1996,
tase intra· e extra-hepática; 6. análise de material mal preparado Howdle. PD. History and physical examinatioru. Em: O'Grady,JG, Oi Bisceglie.
(artefatos) e de pequeno tamanho. AM, Lake, JR (ed.). Comp,.htnslve CllniMI Htpatology. Londres. Mosby
Além disso, o hepatologista deve se lembrar de que nem Elsevier, p. 61,2006.
sempre o estudo histológico do fígado leva ao diagnóstico Imperial, JC & Keeffe, EB. Laboratory tests. Em: O'Grady, JG, Oi Biscegüe.
AM, Lake,JR (ed.). Comp,.htnsive CllniMI Htpatology. Londres. Mosby
completo. Para evitar esse inconveniente, recomenda-se que Elsevicr, p. 73, 2006.
os aspectos morfológicos sejam avaliados através de múltiplas Katz, N & Jungermann, K. Mctabolic hctcrogcnclty of thc llvcr. Em: Tavoloni,
colorações, não se restringindo apenas ao uso da hematoxilina- N & Berk. PD. Htp<Jtic Transpor/ and 81/e Sttretlon. Nova York. Raven
eosina (HE). Ampliando-se essa exigência na rotina, devem-se Press. 1st ed., 1993.
incluir também colorações como Masson, para avaliar fibras de Klatskin, G & Conn, HO. lhe normal ilver. Em: Klatskln, G & Conn, HO. Hís-
top<Jthology of tht Líver. Nova York. Oxford Unlverolty Press, 1993.
reticulina, e PAS com diástase, visando a identificar glóbulos Luxon, BA.. Functions of the liver. Em: Bacon, BR, O'Grady, JG, DI B!sceglie.
intracitoplasmáticos em hepatócitos periportais, como se ob- A.M, I.ake, JR (ed.) . Comp,.htnsivt CliniMI Htpatology. Londres. Mosby
serva na s[ndrome de defici~ncia de Cl· l -antitripsina. Depen- Elsevier, p. 43, 2006.
dendo de cada caso, usa-se o azul-da-prússia (Gomori) para Portmann, BC. D<velopment and anatomy of the normall!ver. Em: O'Grady,
identificação de hemossiderina, o Perls para evidenciar depósito JG, Di Bisceglie. A.\4, Lake. IR (ed.). Comprthtnsl... CllniMI Htp<Jtology.
Londres, Mosby Elsev!er, p. I, 2006,
de ferro, rodanina para caracterização da presença de cobre, e Shedoc.k, S & Dooley, J. Assessment oflivtr function. Em: Sherloc.k, S & Dooley,
vermelho-sirio para tecido colágeno. Métodos de hibridização j. Diseases ofti!. UvtT atul Billary Systtm, I Oth ed., Oxford. Blaclcwdl Sei·
in situ são utilizados para citomegalovirus e para os virus B, D ence.1997.
52 A Icterícia como Síndrome:
Não Colestática e Colestática
Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo,
Evandro de Oliveira Souza, Leonardo Reu ter Motta Gama,
Celso Marques Raposo Júnior, Cristiane Maria de Freitas Ribeiro,
Naisa Oliveira A/vim Mattedi, Lucas Cagnin, Fábio Rosa Moraes,
Raul Carlos Wah/e

Icterícia significa coloração amarelada de pele e mucosas, con- P-450. Ela se liga fortemente à albumina plasmática, a fim de
sequente ao acúmulo de bilirrubina no soro e tecidos. Repre- ser transportada para o polo sinusoidal do h epatócito, e a liga-
senta sinal clfnico de extrema importância no diagnóstico e ção é do tipo covalente, ocorrendo em dois locais, sendo um
estadiamento das doenças hepatobiliares, podendo ocorrer de alta e outro de baixa afinidade (Figura 52.1).
também como consequência de doenças extrínsecas a essas Alterações na forma e função dos eritrócitos e situações que
estruturas. Manifesta -se clinicamente quando os ruveis séri- interferem no seu transporte levam a um aumento da oferta do
cos de bilirrubina excedem 2,5 mgldl , no adulto, e 8 a 9 mgl pigmento, resultando em hiperbilirrubinernia indireta. Assim,
dl , no neonato. a hemólise congênita ou adquirida, considerada como principal
As síndromes ictéricas podem estar ou não associadas à co- causa de icterícia não colestática, as deficiências nutricionais
Jestase. As não colestáticas são causadas pela maior oferta de que cursam com hipoalbuminemia, drogas que competem com
bilirrubina ao fígado, por deficiência de captação pelo hepa- a bilirrubina no seu local de menor afinidade de ligação com a
tócito, ou por defeito no seu transporte extracelular e/ou na albumina, as slndromes que determinam baixo débito cardíaco
conjugação, caracterizando-se por hiperbilirrubinemia indireta.
De forma inversa, quando ocorre por déficit na excreção hepa-
tocitária, existe predominio da bilirrubina direta.
A colestase, por sua vez, consiste em uma alteração da for- Hemoproteínas dos eritr6<:itos Outras hemiproteínas
mação e excreção da bile, alteração que pode estar localizada (± 70%) (Fígado ± 30%)
desde o hepatócito até a ampola de Vater. Compreende a gran-
de maioria das síndromes ictéricas, e há importância na reali-
zação precoce do diagnóstico etiológico e introdução da tera-
pêutica adequada. A colestase é classificada em intra-hepática I
e extra-hepática. Bilirrubina indireta

Liga-se à albumina
• ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS
• Icterícia não colestática Complexo conduzido no plasma

O acúmulo de bilirrubina no plasma e tecidos resulta de


alteração ou bloqueio nos processos de metabolização, que in- Hepatócitos em d iferentes passos
cluem as fases de formação, transporte, captação, conjugação
e excreção do pigmento. Assim, ao final de 120 dias, as he-
mácias senis são fagocitadas pelo sistema reticuloendotelial, 1. Permeação e transporte transmembrana valendo-se de u m ânion
principalmente do baço, onde a hemoglobina é degradada a orgânico transformador;
heme, monóxido de carbono e bilirrubina sob ação da enzima 2. Difusão pelo citosol por ligand inas conjugando-se no ret ículo
hemioxigenase. Essa bilirrubina formada é dita indireta ou não endop lasmático valendo·se da enzima g licuroniltransferase;
conjugada e tem como propriedades ser lipossolúvel, atraves- 3. Forma-se então mono e diglicuronídeos de bilirrubina< exportados
sar facilmente as membranas lipoproteicas (em particular. a pelo canal biliar, valendo-se de uma proteína transportadora MRPl
barreira hematoliquórica) e não ser excretada pelos rins. A sua (deficiência responsável pela síndrome de Dubin·Johnson).
produção diária é de cerca de 300 mg, sendo 70 a 75% prove-
nientes do sistema reticuloendotelial e os restantes 25 a 30% do Figu ra 52.1 Formação, metabolismo e excreção da bilirrubina (Udofsky,
heme hepático e de hemoproteínas, sobretudo do citocromo 2000).

585
586 Capftulo 52 I A /cterfcia como Sfndrome: Não Colestdtica e Colestdtica

e a nutrição parenteral prolongada no recém-nato, todas são


condições em que ocorre icter ícia com predomínio da fração
---------------·---------------
Quadro 52.11cterícia não colest~tica
consequente ~maior
não conjugada (Quadro 52.1). Também defeitos hereditários, oferta de bilirrubina
como síndromes de Lucey-Driscoll, Crigler-Najjar tipos I e li
e de Gilbert, determinam icterícia com predomínio da fração I - Hemólise
indireta por ausência ou deficiência da atividade da UDP- 1. Conglnltas
glicuroniltransferase (Quadro 52.2). A icterícia fisiológica do Anormalidades do membrana eritrocitório
neonato, por sua vez, relaciona-se com a imaturidade do siste- - Microesferocitose hereditária
- Eliptocitose hereditária
ma irnunoenzimático do fígado e deficiência da ligandina. Algu- - Estomatocitose hereditária
mas doenças metabólicas traduzem-se por hiperbilirrubinemia Hemoglobinopotios
à custa da elevação da fração conjugada, tal como ocorre nas - Anemia falei forme
síndromes de Dubbin-Johnson e Rotor. Apesar desse compor- - Talassemia
Alterações enzimáticas
tamento bioqulmico, não são consideradas como colestáticas,
pois, caracteristicamente, são normais os níveis séricos de fos- 2.Adqulrldas
Autoimunes
fatase alcalina e gamaglutamiltransferase (Quadro 52.3). - Primária
- Secundária
- Drogas
• Icterícia colestática - Hepatopatia crônica
- Infecção
A captação da bilirrubina pela membrana sinusoidal do he- - Doença do colágeno
patócito é dependente da sua concentração sérica, de sua força - ldiopática
de ligação com a albumina, do fluxo sanguíneo do sinusoide, Fragmentação eritrocitório
dos mecanismos de difusão passiva e da existência de substân- - Valvulopatia
- Malária
cias captadoras e transportadoras. ~facilitada pela presença de
J.Outras
fenestrações na membrana plasmática das células sinusoidais, o
Hematomas
que permite a passagem de proteínas para o espaço de Disse e o
11 - Redução do t ransporte de bili rrubina
acoplamento do complexo albumina-bilirrubina à membrana Insuficiência cardíaca congestiva
hepatocitária. Uma vez no interior do hepatócito, o pigmento Choque
liga -se à ligandina, proteína que participa ativamente de seu Hipoxia
transporte para o rnicrossomo, facilita sua difusão para o re- Desidratação
Hipoalbuminemia
tículo endoplasmático e impede seu refluxo para o sinusoide. Nutrição parenteral p ro longada

·-
Por sua vez, a conjugação ocorre no microssomo hepático, sob

Quadro 52.2 Defeitos hereditários como causas de hiperbilirrubinemia indireta

Lucey·Driscoll Crigler·Najjar I Ctigler·Naüar 11 Gllbert

Herança Autossômica recessiva Autossômica dominante Autossômica dominante


Defeito metabólico Reduzida atividade da Ausência de atividade da Acentuada redução da Atividade reduzida de
UDP-glicuroniltransferase UDP-glicoroniltransferase UDP-9Iicuroniltransferase UDP-9Iicuroniltransferase
Quadro clinico Icterícia por maisde 1 semana Icterícia acentuada Icterícia moderada Assintomático
no neonato a termo kernicterus (impregnação kernicterus é raro Icterícia discreta
dos núcleos da base)
Diagnóstico Suspensão do aleitamento Ausência de resposta ao Resposta ao fenobarbital Através do teste de restrição
materno fenobarbital calórica
Tratamento Transplante hepático Fenobarb ital, fototerapia, Não se mostra necessário
reasseguramento emocional reasseguramento emocional

Dubln·Johnson
·-
Quadro 52.3 Causa.s metabólicas de hipe~bilirrubinem ia conjugada

Roto r

Herança Autossõmica recessiva consanguinidade Autossõmica recessiva


Defeito metabólico Reduzida excreção da bilirrubina Excreção biliar reduzida
Quadro clinico Assintomático ou icterícia s-em prurido Icterícia sem prurido
Diagnóstico Colecistograma oral e colangiografia venosa negativos Colecistograma oral positivo
Fígado de cor escura Fígado de coloração norma l ~ biopsia. Curva de excreção da
Desaparecimento inicial lento da curva da BSP, com e levação BSP com desaparecimento lento, sem elevação secundária
secundária Não existe. Desnecessário
Biopsia mostra f igado com p igmento típico
Evitar estrógenos
Tratamento Evitar esttógenos Não exi ste. Desnecessário
Capftulo 52 I A lcterfcla como Sfndrome: Ndo Colestd tlca e Colestdtlca 587
a ação da enzima UDP-glicuroniltransferase, com os grupos O citoesqueleto, por sua vez, é formado pelos microtúbulos e
carboxila das cadeias laterais do ácido propiônico sendo es- microfilamentos que envolvem o canalfculo biliar. Os primeiros
terificados com o ácido glicurôn.ico, resultando na formação são constituídos de tubulina, uma proteína polimerizada, e têm
de mono e diglicuronfdio de bilirrubina. O pigmento passa a a função de secretar albumina e lipoproteínas. Já os microfila-
ser, então, transportável at~ o polo canalicular do hepatócito, mentos, constituídos de actina, envolvem os canalfculos e têm
onde é excretado para a bile através de processo ativo, com a a função de manter o tônus e a integridade das microvilosida-
participação do complexo de Golgi e dos lisossomos, sob forma des, sendo responsáveis por sua atividade contrátil, em nível
de complexo micelar juntamente com colesterol, sais biliares e canalicular na colestase. São estes os mais lesados na colestase.
fosfolipídio. Tem a característica de ser hidrossolúvel, o que o Nessa situação, ocorre edema dessas estruturas, com canse-
toma facilmente excretável pelos rins. Uma vez no intestino, quente hipertrofia e hipocontratilidade, levando à dilatação
ao nível do Oeo terminal e cólon, a bilirrubina sofre degradação canalicular e estagnação da bile.
pela ação da flora bacteriana local, transformando-se princi- São definidos três tipos de ves{culas de membrana: 1. homo-
palmente em urobilinog!nio, cuja maior parte é reabsorvida gêneas, idênticas em tamanho, atuantes no transporte de proteí-
pela mucosa intestinal, ganha a circulação êntero-hepática e nas; 2. similares, constituídas por membranas do mesmo tipo,
retoma ao flgado, enquanto pequena fração é eliminada jun- diferindo no tamanho e densidade da protelna carreadora; 3.
heterog~neas, compostas de membranas altamente diferentes,
tamente com as fezes.
com transportadoras distintas para o mesmo substrato. A atu-
A bile, formada principalmente por ácidos biliares, lecitina, ação dessas veslculas no transporte e na secreção da bile rela-
colesterol e bilirrubina, tem a função de excretar substâncias ciona-se com a presença de enzimas, como Na', K'-ATPase, ou
lipossolúveis, participar no processo da digestão e exercer papel bomba de trocas Na•-K•, ou de cálcio dependente de Ca' -ATPa-
imunológico, na medida em que transporta IgA para o intesti- ses e das forças de fluxo direcional, certamente ligadas à parti-
no.~ armazenada e concentrada na vesfcula biliar e e.liminada cipação de outros cofatores, organelas e nucleotldios.
para o duodeno através da ampola de Vater. A sua produção O complexo de Golgi está relacionado com a secreção e trans-
por complexo sistema de transporte localizado no hepatócito porte de lipoproteínas, e com as veslculas de transferência, in-
e nas células epiteliais biliares depende do estabelecimento de vaginações da membrana que têm função de transporte de vá-
gradientes osmóticos entre o sangue, as células hepáticas e o rias substâncias.
espaço intercelular, bem como do livre movimento de água e Na colestase intra-hepática, ocorre um desequilíbrio entre os
solutos através das membranas canaliculares. O substrato ul- gradientes osmóticos que participam do processo de secreção
traestrutural de sua formação é denominado aparelho secretor biliar, levando à alteração na fluidez da membrana plasmática,
da bile, constituído pela membrana sinusoidal do hepatócito, redução da atividade da Na•, K•-ATPase, com consequente au-
complexo juncional, retículo endoplasmático liso, citoesquele- mento de síntese das enzimas ai localizadas, tais como fosfatase
to, vesículas de membrana plasmática e do complexo de Golgi, alcalina, gamaglutamiltransferase e 5-nucleotidase. Em geral,
os quais serão descritos a seguir. relaciona-se com alteração nos sistemas de transporte e secre-
A membrana sinusoidal corresponde a cerca de 70% da su- ção da bile pelos hepatócitos, ou com um processo obstrutivo
perflcie hepatocitária e é responsável pelo transporte bidirecio- das vias biliares intra-hepáticas (Quadro 52.4).
nal de várias substâncias; entre elas, sais biliares, bilirrubina, Colestase extra-hepática (CEH) significa obstrução mecâ-
colesterol e outros ãnions orgânicos. Possui em sua superficie ni.ca ao fluxo normal da bile, localizada em algum ponto entre
receptores para a enzima Na•, K•-ATPase, enquanto a cana- a emergência do dueto hepático comum e a ampola de Vater.
licular tem a função de excretar bile e solutos para os canalf- Pode originar-se na própria árvore biliar ou ser extrínseca a ela,
culos biliares. Tem composição lipídica, portanto resistente à ter caráter benigno ou maligno, instalação aguda ou crônica,
ação detergente dos ácidos biliares. Sua superficie de absorção como se observa nos casos de tumores ou estenose benigna de
é aumentada pela presença dos microvilos. colédoco, ou, ainda, ser transitória, a exemplo do que ocorre
O complexo juncional representa uma diferenciação da nos casos de migração de cálculos (Quadro 52.5).
membrana celular, cuja função é manter a un.ião entre as célu-
las, compondo-se de três zonas: 1. de união mdxima, localizada
entre o canallculo biliar, o espaço intercelular e o sangue, regula
T
o fluxo de água e solutos através da membrana canalicular; 2. Quadro 52.4 Principais causas decolestase intra-he~tíca•
intermediária, onde se inserem os microfilamentos, dispostos 1- Metabólicas
ao longo do canallculo; 3. de comunicação celular, que permite 1. Com /~Jilo h~potoc~/ular
a passagem de pequenos constituintes celulares entre hepató- - Hepatite por vlrus
citos, sendo cálcio-dependente. Alterações na sua integridade -Hepatite autolmune
-Álcool
acarretam aumento da permeabilidade do espaço intercelular
-Drogas
e canaliculo sinusoidal, com consequente regurgitação de água, -Doenças colest átlcas crônicas, ducto~nlcas
solutos e dos componentes da bile, principalmente sais bilia- - Cirrose biliar primária (CBP)
res, bilirrubina, colesterol e lipoprote{nas, para o interior dos - Colangite esclerosante primária (CEP)
hepat6citos e para a corrente sanguínea. Como consequência, -Após transplante ortotóplco de flgado
esses pacientes evoluem com icterícia e prurido, resultantes da 2. S~m LHdo H~potoc/tllrla
-Gravidez
deposição de bilirrubina conjugada e de sais biliares na pele. Já - Transinfecciosa
o acúmulo de colesterol tecidualleva à formação de xantomas -Período pós-operatório
e xantelasmas, frequentes nas colestases crõnicas. -Recorrente Benigna
O ret(cu/o endoplasmáHco liso é a sede da biotransforma- 11 - Mecânicas
ção das drogas, exercendo a função de oxidação mista com a - TumorM primários e metastáticos
presença do citocromo P-450. Contém a 7-hidroxilase e a gli-
curoniltransferase.
588 Capftulo 52 I A /cterfcia como Sfndrome: Não Colestdtica e Colestdtica

---------------T ---------------
Quadro 52.5Causas maiscomuns de colestase extra-hep~tica*
opiáceos endógenos e compostos serotonína-slmile. Mostra-se
caracteristicamente difuso; entretanto, a grande maioria dos
pacientes refere predomínio nas regiões palmar e plantar, so-
I - Congênitas bretudo no período noturno. Pode ser intenso e desesperador,
1. Atresia das vias biliares levar a escoriações, a infecção secundária e ser fator desenca-
2. Dilatação cistica das vias biliares (cistos de colédoco)
3. Colangite esderosante primária deador de distúrbios psicológicos. ~de pior controle nos por-
11 - Adquiridas
tadores de colestase crônica (cirrose biliar primária, colangite
1. Coledocolltfase esclerosante primária, colestase induzida por drogas, hepatite
- Primária autoimune e doença hepática alcoólica).
- Secundária A dor praticamente inexiste na colestase intra-hepática.
- Residual
- Recidivante Quando está presente, é do tipo surda, em peso e constante. ~
2. lnflamat6rlas mais comum na colestase extra-hepática, tipo cólica, localizada
- Cirrose biliar primária (C8P) preferencialmente em hipocôndrio direito, podendo irradiar-
- Colangite esderosante primária (CEP) se para dorso e ombro direitos e epigástrio, como ocorre na
- Estenose cicatricial iatrogênica
- Pancreatite crônica
colelitíase, coledocolitíase e nas doenças pancreáticas. Quando
se associa afebre e calafrio, caracterizando a triade de Charcot,
3. Neopl6s/cas
- Síndromes híbridas (hepatite autoimune + CBP + CEP) é sina.! patognomônico de colangite.
- Primária (pâncreas, vesícula biliar, papila duodenal, duetos A hepatomegalia é mais frequente na colestase extra-hepá-
biliares) tica, sendo o ligado de consistência endurecida à palpação e,
- metastática
por vezes, doloroso, sobretudo na coexistência de colangite e
4. Formos Atfp/cas
abscessos. A vesícula palpável, distendida e tensa, pode signi-
•Todas merecerão considerações em capítulos específicos deste livro. ficar tumor da região periampular, sinal clássico de Courvoi-
sier-Terrier, consequência de urna vesícula hidrópica, devido
a cálculo irnpactado no seu infundíbulo, ou síndrome de Mi-
rizzi (ver Capítulo 80). Esplenomegalia ocorre apenas nos casos
decorrentes de doenças colestáticas crônicas, como na cirrose
• MANIFESTAÇÕES CLfNICAS biliar primária e na colangite esclerosante, como consequência
da hipertensão portal.
Nas síndromes não colestáticas, os pacientes podem ser Nas colestases benignas crônicas, ocorre má absorção de vi-
assintomáticos, apenas apresentando leve icterícia em algum taminas A, D, E e K, totalmente dependente dos sais biliares,
momento da vida, como na maioria dos defeitos hereditários levando a déficits nutricionais, com osteodistrofia, osteoporose
(Quadro 52.2) e nas causas metabólicas (Quadro 52.3). No en- e hipoprotrombinemia. Há, ainda, esteatorreia, que resulta da
tanto, podem apresentar quadros gravíssimos, com acometi- deficiente digestão das gorduras, sendo proporcional ao grau de
mento neurológico (kemicterus), consequente à impregnação icterícia. O metabolismo do cobre encontra-se prejudicado, uma
dos núcleos de base, e morte neonatal, como na síndrome de vez que, quase em sua totalidade, o metal absorvido é excretado
Crigler-Najjar tipo I e na beta-talassemia grave, traduzida pela juntamente com a bile e elimínado nas fezes (Figura 52.2).
hidropisia fetal, causando elevados índices de mortalidade nos
recém-natos. Não cursam com colúria, acolia fecal ou prurido.
A hepatomegalia em geral é observada nos quadros hemoliti-
Colestase
cos, nos quais, caracteristicamente, os doentes também podem
exibir úlceras maleolares, cálculos biliares, dores articulares,
deformidades ósseas e anemia.
Suspeita-se clinicamente de colestase na presença de icterí- Acúmulo de produtos biliares: Redução intestinal de ácidos
cia, hipocolia/acolia fecal e prurido, associados à elevação dos biliares com má-absorção de
Bilirrubina
níveis séricos de fosfatase alcalína, gamaglutarniltransferase e Ácidos biliares Gordura
5-nucleotidase, em desproporção com os níveis séricos das arni- Substâncias pruritogênicas Vitaminas A, O, E, K
notransferases. Paralelamente, elevam-se os valores da fração Lipídios Cálcio
conjugada da bilirrubina, mais acentuados nas formas crôni- Cobres
cas. A colestase pode ser de instalação abrupta ou insidiosa e, Enzimas hepáticas
quando associada a dor, febre, calafrio, perda ponderai e idade
avançada, sugere neoplasia maligna. l
O prurido, termo derivado do latim prurire, é atribuído à Esteatorreia
deposição de sais biliares na pele. Sua patogênese, porém, não Emagrecimento
está completamente estabelecida, pois não existe correlação en- Cegueira noturna
tre os níveis séricos e teci duais de ácidos biliares e a gravidade Osteomalacia
do processo. Segundo algumas teorias, a secreção deficiente de Astenia
ácidos biliares pode levar à lesão hepática, induzindo a produ- Fraqueza neuromuscular
ção de pruritógenos, substâncias que atuariam, então, sobre o Tendência hemorrágica
sistema nervoso central ou periférico, provocando a sensação
do prurido. Outras teorias levantam a hipótese de que o pruri- Figura 52.2 Manifestações clínicas da síndrome colestática (lidofski,
do depende, na sua instalação, da participação patogenética de 2000, modificado).
Capftulo 52 1 A lcterfcla como Sfndrome: Não Colest6tica e Colestdtlca 589
O acúmulo crônico de lipídios, sobretudo do colesterol, leva
à formação de xantomas, principalmente localizados na região
• laboratoriais
palmar, abaixo dos seios, no tórax, dorso, pescoço e ao redor As icterícias não colestáticas traduzem-se, em geral, por
dos olhos, quando é denominado xantelasma. As lesões tube- hiperbilirrubinemia indireta, exceção feita às sindromes de
rosas aparecem mais tardiamente nas superficies extensoras e Dubbin-Johnson e Rotor. Quando está associada a anemia,
pontos de pressão. reticulocitose, fragilidade eritrocitária, aumento do ferro sérico,
O desenvolvimento de cirrose e de insuficiência hepática da concentração da fração 2 da desidrogenase láctica, de elevada
processa-se de forma insidiosa, acompanhada desde o inicio contagem de reticulócitos e baixa dos valores de haptoglobina,
por icterlcia e, posteriormente, evoluindo com acentuação da traduz ocorrência de doença hemolítica.
pigmentação amarelada da pele, acrescida do aparecimento Nas icterícias colestáticas, há hiperbilirrubinemia à custa
de ascite, edema de membros inferiores e hipoalbuminemia. da fração conjugada, e esta é acompanhada de aumento dos
A intensidade do prurido tende a aumentar, sendo, muitas níveis séricos das enzimas canaliculares, fosfatase alcalina, ga-
vezes, critério de indicação de transplante ortotópico de fí- maglutamiltransferase e 5-nucleotidase. Na presença de lesão
gado. Os distúrbios da coagulação tomam-se, cada vez mais, hepatocelular, há elevação das arninotransferases, diminuição
vitamina K-dependentes. Na fase terminal, ocorre encefalo- da atividade de protrombina e hipoalburninemia. A leucocitose
patia hepática. é frequente nas colangites e neoplasias. O colesterol sérico to-
A depender da causa e do tempo de instalação da colestase, tal está elevado nas colestases extra-hepáticas e diminuído nas
ocorrem repercussões sistêmicas importantes, principalmente icterícias hemolfticas (Figura 52.3).
sobre as funções hepática e renal. Além disso, o acúmulo de bile
no interior da árvore biliar leva a um estado de hipertensão,
com consequente dilatação das vias biliares intra e extra-he- • Métodos de imagens
páticas, hepatomegalia, reduzido aporte de sais biliares para o O ultrassom (US) é o primeiro exame a ser solicitado, sendo
intestino, prejudicando a etapa relacionada com a emulsificação esclarecedor nas s!ndromes ictéricas. Trata-se de método não
das gorduras, redução da absorção dos triglicerfdios, gerando invasivo, de fácil execução e ausente de complicações. Orienta
esteatorreia, além de déficits nutricionais. Como consequên- a sequência diagnóstica e terapêutica. Nas colestases, permite
cia da alteração da homeostase intestinal, ocorre translocação definir quadros obstrutivos da via biliar, presença de litlase co-
bacteriana, com ascensão contínua de bactérias, principalmente ledociana ou textura e existência de lesões expansivas do parên-
gram-negativas, ricas em endotoxinas para a árvore biliar, com quima hepático, veslcula biliar ou ampola de Vater e pâncreas.
o ligado colestático, tendo, em decorrência do precário poder As limitações da ecografia estão principalmente na detecção de
de clareamento do seu sistema reticuloendotelial, sobretudo das cálculos pequenos localizados na porção distai do colédoco,
dlulas de Kupffer, capacidade de detoxilicar. Assim, atinge a bem como nas outras doenças tumorais desse segmento. A se-
circulação sistêmica e leva à endotoxemia, podendo desenca- quência diagnóstica leva em conta a presença (colestase extra-
dear complicações sépticas, coagulação intravascular dissemi- hepática) ou não (colestase intra-hepática) de dilatação das vias
nada (CIVD) e insuficiência renal (Figura 52.1 ).
biliares intra-hepáticas. Um avanço importante no auxO.io ao
Apresentações atípicas se expressam sob duas situações clf-
diagnóstico foi a ultrassonografia endoscópica, útil principal-
nicas: a. colestase intra-hepática da gravidez, observada no ter-
mente no diagnóstico e estadiamento de tumores de colédoco e
ceiro trimestre da gestação, geralmente involuindo cerca de
na detecção de pequenos tumores dos canais biliares, pâncreas
2 semanas após delivramento; b. transinfecciosa, identificada
e da papila de Vater (Figura 52.3).
nos infectados, sobretudo em hipovolêmicos, e cursando com
baixa perfusão hepatocelular; c. no período pós-operatório,
relacionado com lesões induzidas por anestesias, isquemia he-
patocelular, transfusões sanguineas, sem evidências de lesões História cHnka e exame fisico
necróticas hepatocelulares, que se traduzem por hipertransa-
minasemia. Bilirrubina total e fração direta 1'
Fosfatase alcalina
Gamaglutamíltranslerase
• ASPECTOS DIAGNÓSTICOS Aminotranslerases

J
• Clínicos Não Sim l
Exigem-se uma precisa anamnese e adequado exame IIsi- Ultrassom - tomografia
co. A definição da época do surgimento dos sintomas e sinais
mostra-se importante. Assim, icterícia no recém-nato leva a
l Avaliar hemólise ou
não colesti\tica
_,!.
I I
ou colangiorressonâncla

pensar nas formas hereditárias e anomalias do desenvolvimento I Via biliar dilatada J l Via biliar dilatada
das vias biliares. No adulto jovem, são mais comuns proces-
sos infecciosos agudos e crônicos do ligado e vias biliares, que,
quando presentes nas mulheres de meia-idade, sugerem cir-
l
-1-.
IdentifiCar sede da
obstrução
J
I
....±.
Sorologia para hepatote voral
Outros marcad()(es
rose biliar primária, enquanto, nos homens em tomo dos 10 a Biopsia he~tKa
40 anos, associados a febre e calafrios, despertam a suspeita de
colangite esclerosante primária. Nos pacientes que se encon-
I ,J,
Tratament~ ~ndosc6pko
ou corurglco
J
tram além dos 40 a 50 anos, referindo dor abdominal cursando
febre ou não e astenia, torna-se necessário pensar em doença Figura 52.3 Resumo dos aspectos diagnósticos na icterfcia coles-
neoplásica maligna (Figura 52.2). tática.
590 Capitulo 52 I A /cterfcio como Sfndrome: Ndo Co/estdtlca e Colestdtico

A tomografia computadorizada, por sua vn, pennite definir


com maior precisão lesões parenquimatosas presentes no figa- Achados comuns a colestase extra-hepática
do, vesícula biliar e pâncreas, especialmente se for utilizada a Trombas biliares em canalículos
Pigmento biliar em hepatódtos ou células de Kupffe<
tomografia helicoidal, método que combina a emissão contínua
de raios X em um tubo de rotação helicoidal e o processamen- Achados • sugestivos• de obstrução biliar
to das imagens realizado por computadores de alta velocidade, Degeneraçlo plumosa dos hepatócitos
permitindo a reconstrução tridimensional de imagens da área Edema do espaço portal
em estudo. Com esse método, é possível detectar tumores pe- Proli feraç~o de duetos biliares
Fibrose periductular
quenos (de 1 em) e fornecer suas relações anatômicas com os
vasos sanguíneos (Figura 52.3). Achados "diagnósticos" de obstrução biliar
A co/angiografia por ressonância nuclear magnética (CRM), Infarto biliar
método não invasivo, fornece imagens similares às obtidas pela Lago biliar
colangiografia endoscópica retrógrada ou transparieto-hepã- Neutrófilos em lúmen de duetos interlobulares
Trombas biliares em duetos interlobulares
tica, sem que seja necessário uso de contraste oral ou intrave-
noso. Revela elevada acurãcia na detecção de dilatação biliar
ductal, com sensibilidade de diagnóstico de coledocolitíase va- Figura 52.4 Anormalidades vistas à biopsia hepática na icterícia co-
riando entre 71 e 100%. Tem importância na identificação de lestática (Udofski et oi. 2000).
estenoses não inflamatórias do dueto biliar comum, colelitíase,
tumores pequenos do pâncreas, colangiocarcinoma, ampulites,
tumores de papila de Vater, estenoses inflamatórias de colédoco
terminal, além de esclarecer a situação precisa da árvore biliar • ASPECTOS TERAP~UTICOS
intra-hepática na colangite esclerosante primária ou doença de
Caroli (Figura 52.3). • Icterícia não colestática
Co/angiografia transparieto-hepática (CfPH) representa mé- Em recém-natos, está indicada a fototerapia, e, quando há
todo invasivo, não isento de risco, voltado à punção percutâ-
altos níveis de bilirrubina indireta, a exsanguineotransfusão
nea da árvore biliar, através de agulha de Chiba, com injeção tem indicação formal a fim de se evitar o desenvolvimento de
de contraste. Indicada nos casos em que há dilatação das vias kerniderus. Tentativa de reverter o quadro baseia-se na ad-
biliares intra-hepáticas, sobretudo quando dispostas acima do ministração do fenobarbital, indutor da síntese e atividade da
hilo hepático, permitindo definir o local e a natureza da obstru- UDP-glicuroniltransferase, principalmente quando há ausência
ção. A realização desse método exige antibioticoterapia prévia, ou diminuição da atividade dessa enzima. Por sua vn, o trans-
adequadas condições de coagulação, lembrando que a equi- plante de ligado deve ser realizado nos portadores da síndrome
pe cirúrgica deverá estar pronta para a execução de qualquer de Crigler-Najjar tipo L
medida terapêutica que, logo após, se faça necessária. Através As icterícias hemoliticas podem representar um quadro ex-
desse método, nas doenças malignas irressecáveis, é possível o cessivamente grave. Não raro, em função das hemotransfusões
estabelecimento de drenagem interna-externa e implante de e da lise eritrocitária, tais pacientes cursam com complicações
próteses metálicas autoexpansíveis. como líúase biliar, risco maior de infecção pelos vírus B e C
Co/angiografia endoscópica retrógrada (CPER) é realizada da hepatite e intensa deposição hepatocelular de ferro, com
através da injeção de contraste na via biliar após cateteriza- cirrose macronodular por hemocromatose secundária, cau-
ção da papila de Vater por via endoscópica. Tem indicação sa de insuficiência hepática e hipertensão portaL Não raro, os
no diagnóstico diferencial da colestase, da dor abdominal alta pacientes desenvolvem hipertensão pulmonar, insuficiência
de origem desconhecida, da síndrome pós-colecistectomia e cardíaca direita, vindo a falecer por falência de múltiplos ór-
no estudo das pancreatites agudas e crônicas. Sua indicação gãos. Em alguns casos, como na P-talassemia, deverão ser es-
torna-se cada vez menor, suplantada pela acurãcia e ausência plenectomizados.
de invasividade da CRM. Mostra-se, no entanto, útil para to-
mada de atitudes terapêuticas como papilotomia, retirada de • Icterícia colestática
cálculos, implante de dreno nasobiliar ou de próteses metâlicas
O tratamento clínico visa, sobretudo, a combater o pruri-
autoexpansíveis.
do, muitas vezes desesperador e incapacitante. Para tal, devem
Biopsia hepática estâ Indicada nos casos em que há dúvida
ser administrados fármacos que agem ao nível central, como
diagnóstica e no estadiamento das doenças crônicas do ligado. o fenobarbital e os antagonistas opioides, ainda não disponí-
A forma mais frequentemente realizada é a biopsia percutânea veis para uso rotineiro (Quadro 52.6). Mais frequentemente,
às cegas, de fácil realização e de baixo custo, executada à beira os doentes devem ser manipulados através dos quelantes dos
do leito, com o inconveniente de não permitir a vistoria da su- sais biliares, como colestiramina, e ácido ursodesoxícólico. Os
perficie hepática, nem biopsiar áreas especificas. A realização déficits nutricionais podem ser minimizados com a adminis-
do procedimento guiado por US tem indicação quando se de- tração de dieta rica em trigliceridios de cadeia média e repo-
seja puncionar pequenas lesões nodulares sólidas, ou, ainda, sição vitamínica.
nos casos em que o paciente não tenha condições clínicas de O tratamento endoscópico (CPRE) estará indicado quando
ser submetido à anestesia. Na via Iaparoscópica, há a vantagem existir coledocolitíase, com ou sem sinais de colangite hiper-
de estudar macroscopicamente o parênquima hepático, defi- tensíva. Nesses casos, deve-se proceder à papilotomia e retirada
nindo a presença ou não de hipertensão portal e de tumores dos cálculos. Outra indicação reside na obstrução da via biliar
dispostos sobre o peritônio. Resumo desses aspectos está ex- por neoplasia irressecável, visando à colocação de próteses. Essa
presso na Figura 52.4. mesma atitude pode também ser realizada valendo-se da CTPH.
Capftulo 52 I A /cterfcla comoSfndrome: Não Co/estática e Co/estática 591

--------------------------------~--------------------------------
Quadro 52.6 Terapêutica farmacológica do prurido naicterfcia colestática (Lidofski, 2000)

Fármacos Condução Eficácia Efeitos adversos


Anti·histamfnicos
Difenidramina, hidroxizina 25·50 mg, 6/6 h Pouco eficazes Sonolência
25mg,8/8h
Colestiramina 4-6 g, 30 min antes das refeições Benéfica em muitos pacientes Constipação
Má-absorção interfere com absorção de outros
med icamentos
Hepatotoxiddade potencial interfere com
metabolismo de fármacos
Ácido ursodesoxicólico 10· 15 mg!kg/dia Benéfico em cirrose biliar p rimária Sintomas opioides
Colestase da gravidez
Naltreoxone 50mg/dia Benéfico em cirrose biliar primária

A escolha de qualquer dessas modalidades baseia-se na dispo- Oliveira e Silva, A de, Mdo, CRR, Almeida, FAS, Amaral, CHA. D' Albuquerque. LAC.
Sfndromes que determinam alterações na função excretora biliar em recém·
nibilidade material e humana, nos serviços e no técnico mais nascidos, crianças e adultos. Em: Oliveira e Silva, A de & rtA1buquerque,
habilitado à manipulação de qualquer delas. LAC. Slndromes IcltriCAS, i ' ed., São Paulo, Fundo Editorial BYK, p. 29·
Na presença de neoplasias obstruindo a via biliar, a ressecção 35, 1996.
tem indicação formal. Quando a neoplasia for irressecável, a Olive1ra e Silva, A de, Meniconi, MT. Copstein, JL-M, Santos Jr, ED, Mancero.
terapêutica baseia-se na realização de cirurgia paliativa, através JMP, Quireze Jr, C, Paula Filho, U, D'Albuquerque, LAC. Colestase e.xtra-
hepitica. Em: Sfndromes lttérlcas, 1.• ed., Slo Paulo, Fundo Editorial BYK,
de anastomose biliodigestiva. Em alguns casos de litíase intra-
p. 70-108, 1996.
hepática, está indicada hepatectomia regrada. Portadores de Oliveira e Silva, A de, Rosa, H, Carvalho, HA, Ferreira, ACS, Melo, CRR,
cirrose biliar primária ou secundária ou síndromes híbridas D~buquerque, LAC. Colestase intra-hepática. Em: Oliveira e Silva, A de
(hepatite autoimune + CEP ou CBP) deverão ser levados ao & D'Albuquerque, LAC. Sfndromes Ictéricas, 1.• ed., São Paulo, Fundo Ed!·
transplante de ffgado. torial BYK, p. 36·69, 1996.
Oliveira e Silva, A de, Santos, TE, Cardoso, ES, Teixeira, ACS, Marques, CP,
D'Albuquerque, LAC. Metabolismo da bilirrubina e síndromes que de-
terminam hiperbilirrubinemia indireta. Em: Oliveira e Silva, A de &
• LEITURA RECOMENDADA D'Albuquerque, LAC. Síndromes Icttricas,i.' ed., São Paulo, Fundo Editorial
BYK, p. 13·28, 1996.
Chowdhury, JR & Chowdhury, NR. Bilirrubin metaboüsm and its disorders. Pereira Lima, J & Pereira Lima, ). Diagnóstico diferencial das icterícias do
Em: Kaplowitz, N . Liver and Biliary Dise.ase, 2nded.• BaJtimore, Williams & adulto. Em de Mattos, AA & Dantas, W. Comptndio de Htpatologia. São
Wilkins, p. 154·70, 1996. Paulo, Fundo Editorial BYK. p. 87·99, 1995.
Gaüzzi Filho, ) & Antuiia, IT. Metabolismo da bilirrubina e seus distúrbios Sherlock, S & Dooley, ). )aundice. Em: Sherlod<, S & Dooley, ). Distam of
hereditários. Em: de Manos, AA & Dantas, W. Compl.ndio de Hepatologia. the Uver and Büiary System, lO"' cd., Oxford, Blacwcll Scicncc, p. 201· 16,
São Paulo, Fundo Editorial BYK, p. 15-29, 1995. 1997.
Lidofski, SD. )aundice. Em: Bacon, BR, O'Grady, )G, Di Bisceglie, AM, Lake, JR Silveira, TR. Icterícia na intancia. Em: de Manos, AA & Dantas, W. Compéndio
(ed.}. Comprehensive Clinicai Hepatology. Londres, Mosby; 2000, p. 51. de Hepatologia. São Paulo, Fundo Editorial BYK. p. 100·25, 1995.
Lidofski, SD. Jaundice. Em: Fddman, M , Fried.Jna.n, M, Brandt, LJ. Gasrrfntes- Suchy, F). The use membrane vesicles to study hepatic transport. Em: Tavo-
rinal and Liver Dísea.s~, VoJ. 1, Saunders-Eisevier, Ph.iladelphia, PA, 2010, loni, N & Berl\, PD. Hepatic Transport and Bile Secretion. Physiology and
p. 32.3 . Pathophysiology. Nova Iorque, Raven Press, p. 211-24, 1993.
Neuberger, J& FarrantJ M. Cholestatic liver disease. Em: Williams, R, Port- Suchy, F) & Shneider, BL. Neonatal jaundice and cholestasis. Em: Kaplow-
mann, B, Tan, KC. 1he PracticeofLiver Transplantation, l§led., Edimburgo, íl2, N. Uver and Biliary Dise<1se, 2'' ed., Baltimore, Williams & Wilkins,
Churchill Livingstone, p. 29-34, 1995. p. 495-510,1996.
53 Hepatite Aguda Viral
Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo,
Evandro de Oliveira Souza, Leonardo Reuter Motta Gama,
Celso Marques Raposo Júnior, Naísa Oliveira A/vim Mattedi,
Lucas Cagnin, Gerusa Náximo de Almeida, Flávia Costa Cardoso,
Raul Carlos Wah/e

A hepatite aguda vira! representa a causa mais comum de doen- por Hollinger, em 1994. Comentaremos, em seguida, certas
ça hepática infecciosa, ictérica ou não, no Brasil. Causada, pelo peculiaridades de alguns desses vírus.
menos, por cinco vírus A, B, C, D e E, traduz-se por sintomas, O v{rus A é um vírus RNA, pertencente à famllia Picorna-
sinais cünicos e laboratoriais superponíveis nas diferentes etio- viridae, a qual inclui os enterovírus e rinovírus. Tem a forma
logias. Divergem, no entanto, no que diz respeito às caracterís- icosaédrica, com 28 nm de diâmetro, seu genoma é de fita única,
ticas dos agentes etiológicos, tendência evolutiva, estratégias de composto de 30% de RNA e 70% de proteínas, senso positivo,
manipulação e, inclusive, na incidência das formas fulminantes, e encerra 7,48 kbRNA. Produz uma poliproteína com 22,27
quando muitos pacientes deverão ser conduzidos ao transplante resíduos de aminoácidos, relativamente estável ao calor, e é
de fígado. Outros virus podem infectar o fígado, mas este ór- inativado quando exposto a autoclave, radiação ultravioleta,
gão não é nem o local primário de suas replicações, nem o seu formalina e iodo. Existe apenas um serotipo e quatro genótipos.
alvo principal. Nessa condição, incluem-se o citomegalovírus, Seu período de incubação se situa entre 14 e 50 dias. A víremia
o herpes simples, o Epstein-Barr, o vírus da febre amarela e da não ultrapassa 7 dias, daí porque a transmissão parenteral é rara.
dengue, assim como outros flavivírus. Ainda contam-se os ví- Não evolui para hepatite crônica, embora raríssimos casos com
rus do sarampo, da rubéola, da influenza e do herpes genital, essa evolução tenham sido descritos.
capazes de causar hepatite de gravidade variável, os quais não Revela-se diretamente citopático, transmitido pela rota oral-
merecerão considerações neste capítulo. fecal, replicando no intestino, indo ao fígado, valendo-se do
sistema venoso portal, onde replica, atingindo por essa via o
intestino, sendo então eliminado pelas fezes.
• AGENTES VIRAIS MAIS FREQUENTES O vírus B é um vírus DNA, pertencente à família Hepadna-
virus com vírion completo, a partícula de Dane tendo 42 nm
Os vírus das hepatites humanas representam um grupo de de diâmetro, com genoma circular, composto de dupla fita de
patógenos dotados da capacidade de causar necrose em hepa- DNA com aproximadamente 3.200 pares de base de exten-
tócitos e inflamação no figado. Na maioria das vezes, tais casos são. Tem quatro aberturas de leitura, codificando o envelope
são devidos à participação dos virus A, B, C, D, E, definidos (preS/S) sintetizadora do AgHBs, core (precore/core) respon-
como hepatotrópicos. A taxonomia, os genótipos e serótipos, sável pela formação do AgHBc, a DNA polimerase, catalisado-
as propriedades dos vírions, dos genomas e biológicas estão ra da replicação vira!; e uma proteína X, que parece implicada
representados nos Quadros 53.1 a 53.4, segundo foi proposto na replicação de outros vírus, como o vírus da AIDS (HIV).

. --
Quadro 53.1 Taxonomia, genótipos eserótipos dos vírus humanos hepatotrópicos
Vírus das hepatites humanas
AspKtos
A B D
Família Picornaviridae Caliciviridae ou Togaviridae Hepadnaviridae Flaviviridae Delraviridae
Gênero Hepatovírus Indefinido Orthohepadnavirus Indefinido Deltavírus
Espécies Vírus da hepatite A Vírus da hepatite E Vírus da hepatite B Vírus da hepatite C Vírus da hepatite O
Genótipos 7 3 5 >6 3
Serótipos

592
Copftufo 53 I Hepatite Agudo Viro/ 593
- T
Quadro 53.2 Propriedades dos vírus humanos hepatotrópicos

Vírus das hepatites humanas


Propriedades
A B D
Form a Esférica Esférica Esférica Esférica Esf érica
Tamanho (nm) 28 32 42 38-50 43
Envelope mo Nao Sim Sim Si m
Simetria capsfdica lcosaédrica lcosaédrica lcosaédrica Desco n hecida lcosaédrica
Proteinas cap sfdicas 3
l ocal da montagem Citoplasm a Desconhecida Citoplasma Desco nh ecida Citoplasma

- T
Quadro 53.3 Propriedades dos genomas dos vírus hepatotrópicos humanos

Vírus das hepatites humanas


Propriedades
A 8 D
Ácido nucleico RNA RNA DNA RNA RNA
linear ou circular Linear Linear Circular linear Circular
Sentido 1 1 NO 1
Tamanho (KB) 7,5 7,8 3,2 9,4 1,7
Segmentado Não Não Não Não Não
l ocais de replicação Citoplasm a Desconhecido Núcleo Desconhecido Núcleo

NO = Não definido..

---------------------------------T ---------------------------------
Quadro 53.4 Propriedades biológicas dos vírus hepatotrópicos humanos

Vírus das hepatites humanas


Propriedades
A 8 D
Trtu los m áximos 10M/gm 109·'0/mt 10'-7/mt 1 0'~"/mt

Transmissão Oral-fecal Oral-fecal Parenteral!sexual Parenteral Parenteral


Cronicidade Não(?) Não Sim Sim Sim
Oncogen icidade Não Não Si m Si m (?)
Curso fulminante Raro Gestação Raro Raro Incomum
Sorologia
Antígeno Sim• Sim• Não Não Simt>
Anticorpo Sim• Sim• Simt> Sim~> Simt>
Ácido n ucleico Sima..b Sim..b Simt> Sim~> Simt>
Vacina comercial Sim Não Sim Não Não

a= Nas fezes; b = No sangue.

Apresenta quatro subtipos antigênicos: adw, ayw, adr e ayr, transativador transcripcional. Inicia sua ação deletéria sobre o
que mostram distribuição geográfica peculiar. Variações do figado ao se ligar às membranas dos hepatócitos replicando via
genoma geram as mutações que podem ocorrer nas regiões transcrição e produção de RNA pregenôrnico, gerando nucleo-
do core, pré-core, pré-S, ou no gene da polimerase ou no X, capsídio, polimerase e partículas ccc (closed circular) DNA em
as quais podem induzir à hepatite fulminante, reduzir a res- nível nuclear após envelopamento de proteínas; suas expressões
posta ao interferon, facilitar a perpetuação da doença ou a sua dependem de elementos eis e trans promotores de pré-Sl, pré-
recorrência após transplante hepático. A parti.r da atuação da $2 e X, reguladas pela metilação de ilhas CpG identificada em
proteína HBX, tem atuação oncogênica se associando à evo- figados humanos dos portadores desse agente. Nestes, a lesão
lução para o carcinoma hepatocelular, ao atuar como potente hepatocelular induzida se relaciona com linfócitos T citotóxi-
594 Capftulo 53 I Hepatite Aguda Vira/

cos, ao reconhecer antígenos específicos em associação com A partir daí, foi clonado, e classificado como um RNA vírus
antígenos HLA classe I, causando apoptose de hepatócitos in- da família Flaviviridae, mantendo 29% de homologia com o
fectados. ~transmitido pelo sangue, por via sexual, por agulhas VHC. Sua detecção em soro ou outros fluidos e tecidos depende
contaminadas e verticalmente da mãe para o filho, com período do emprego de reação em cadeia de polimerase (PCR), técni-
de incubação entre 14 e 90 dias. ca sem sensibilidade e especificidade bem definidas. A partir
O v(rus C é um vírus RNA pertencente à família Flaviviri- da proteína E2 do envelope do seu genoma, empregada como
dae, composto de genoma de fita única, com aproximadamen- antígeno, utiliza-se o método de ELISA para identificação de
te 10.000 nucleotídios em sua composição. Tem apenas uma anticorpos específicos.
abertura de leitura, replicando através de uma RNA polimerase Tudo indica que sua transmissão seja predominantemente
codificada pelo gene NS 5B. Apresenta seis grupos filogenéticos parenteral, existíndo dúvidas quanto à importância das rotas
e seis genótipos principais, com inúmeras variantes. Os genóti- oral e sexual. Período de incubação, porcentagens de formas
pos 1b e 4 são os mais agressivos, associados à baixa resposta ao sintomáticas e evolução para cronicidade ou existência de por-
tratamento com interferon, e o resultado deste tratamento é tadores assintomáticos são aspectos que não se encontram ain-
melhor com os portadores de genótipos 2a e 2b. Os vírus RNA da bem definidos. Tem sido identificado entre 0,4 e 1,6% dos
mostram misturas heterogêneas de genomas mutantes, decor- doadores voluntários de sangue, em associação com 15% dos
rência de taxas elevadas de erro na replicação do RNA. Isso portadores crônicos do VHC, em 20% dos doentes com cir-
constitui as quasiespecies, cuja importância reside no fato de rose criptogênica, em 26 a 31% dos dialisados e, finalmente,
que elas respondem heterogeneamente ao interferon-padrão ou em 9 a 24, 43,6 e 31% dos transplantados de coração, fígado
peguilado. Uma menor heterogeneidade favorece a terapêutica e rim, respectivamente. Apesar desses avanços, não se definiu
antiviral, e vice-versa. A quantidade de partículas C no sangue ainda se se trata de um vírus realmente hepatotrófico, sendo
circulante é muito menor do que a observada na infecção pelo recomendável pesquisá-lo naqueles pacientes que apre.sentam,
vírus B. Atualmente, o vírus C é o maior responsável pelas he- sobretudo, hepatite pós-transfusional do tipo não A- E. Apesar
patites pós-transfusionais. Assim, o contágio pode ser feito por desse aspecto, sabe-se que está associado a hepatite aguda, e a
sangue transfundido, por agulhas contaminadas e, significativa- lesão hepatocelular instalada é, na maioria das vezes, de leve
mente menos do que na hepatite B, e quase negligenciável, por intensidade. Este fato tem levado alguns autores a insistirem
contato sexual, ou de forma vertical. Curiosamente, entretanto, em que raramente existem formas mais graves de necrose hepa-
no maior número de casos de hepatite crônica por vírus C o tocelular com esse vírus. Entretanto, a participação do vírus G
contágio não é identificado, constituindo a chamada infecção foi advogada na insuficiência hepática fulminante. Nestes raros
esporádica. O vírus C é considerado um vírus oncogênico, as- casos, é possível que a presença do vírus G pudesse ser conse-
sociando-se à instalação do carcinoma hepatocelular. quente ao uso de sangue contaminado, empregado durante a
O vfrus D é um pequeno vírus RNA, com seu genoma com- terapêutica de urgência pré-transplante de f!gado.
posto de fita única. Pode replicar de maneira autônoma, mas,
em geral, necessita, para tal, da presença do B, de quem usa,
para exercer tal função, o excesso da proteína proveniente do
• Vírus da hepatite TT
AgHBs, levando a que cursem com dupla infecção. Assume Asemelhança do vírus GB-C, o vírus da hepatite TT recebe
distribuição característica em indivíduos residentes em países essa denominação em referência às iniciais TT do paciente in-
do Mediterrâneo, Oriente e da região Amazônica, tais como fectado em que esse agente foi identificado pela primeira vez.
Colômbia, Venezuela e Brasil, com a co infecção sendo respon- Inicialmente, foi caracterizado como pertencente à família dos
sável pelo advento de hepatite aguda. Parvovirus (não envelopados). Logo em seguida, passa a ser
O v(rus E, por sua vez, é um vírus RNA, sem envelope, ente- definido como sendo um DNA-vírus, com genoma circular,
ricamente transmitido, similar aos pertencentes à família Gali- de sentido negativo, encerrando 3.739 pares de base, fazendo,
civiridae, tendo seu genoma com 7,5 kb, codificando proteínas então, parte da família dos circivírus humanos. Sua identifica-
estruturais e não estruturais, com oito diferentes genótipos sen- ção em sangue tem sido realizada através da técnica PCR, a qual
do identificados em diferentes regiões da África, Ásia, Oriente tem limitações, pois subestima a prevalência da infecção, já que
Médio e América Central, assim representados: tipo 1 em Bur- tem sua atuação baseada na presença de anticorpos, com melhor
na, 2 no México, 3 na América do Norte, 4 na China, 5, 6 e 7 na capacidade de detecção dos genótipos 2 e 3, não do 1.
Europa e 8 na Argentina, com uma outra variante descrita entre No início, acreditava-se que a forma de infecção mais co-
austríacos. Transmissão pessoa-pessoa é a regra; no entanto, mum era após a transfusão de sangue e de derivados. Tem sido
reservatórios animais, como suínos, têm sido identificados (o identificado diversamente: entre 1 e 10% (EUA e Europa), 7 e
que poderia significar que a hepatite por vírus E seria uma zo- 14% (Ásia), e em 62% dos brasileiros doadores voluntários.
onose). Apresenta um período de incubação de 2 a 9 semanas, Sua positividade também tem sido observada entre 24 e 45%
em média de 40 dias. A infecção por este agente no Brasil não dos portadores crônicos do VHC e em 47% dos portadores
parece ser comum. de insuficiência hepática fulminante não A- G. A sua frequên-
cia varia, conforme se considerem categorias de pacientes, tais
como os toxicômanos intravenosos, os homossexuais e prosti-
• AGENTES VIRAIS MENOS FREQUENTES tutas, e indivíduos não incluídos nessa classificação (5 a 13% X
4,5% ). Existem evidências de que a contaminação não se pro-
cessa intraútero, mas pode ocorrer pós-parto. Ela também pode
• Vírus da hepatite G se dar através da rota oral-fecal, diferindo, todavia, das hepatites
Esse agente vira! foi identificado em 1955, a partir da ín- virais A e E, pela possibilidade aparente de evoluir para doença
jeção do sangue de um cirurgião em um sagui. As iniciais do hepática crônica, o que não acontece com as hepatites A e E.
cirurgião, GB, foram utilizadas para a denominação do agente. Aumenta sua prevalência após transplante hepático de 10 para
Isolaram-se dois tipos GBV-A e GBV-B em animais de experi- 20%. Casos comunitários têm sido descritos, ampliando-se a
mentação, e o GBV-C, ou simplesmente G, em seres humanos. presença do TTV com o aumento da idade. O vírus apresenta
Copftufo 53 I Hepatite Agudo Viro/ 595
tendência ao hepatotropismo, comprovado por: 1. são 1Ovezes se celular. Na hepatite crônica, o mecanismo de lesão depende
mais elevados os títulos no tecido hepático do que no sangue; 2. de linfócitos T citotóxicos que atacam o complexo molecular
existe paralelismo entre infecção e necrose hepatocelular, tra- composto por antígenos virais e HLA (de histocompatibilidade)
duzida pela elevação dos valores séricos de aminotransferases: dispostos na superficie do hepatócito. ~possível que outros fa-
3. existe paralelismo entre clareamento vira! e normalização tores intervenham, como lesão celular por citocinas. Na hepatite
dos valores enzimáticos. por vírus C, o mecanismo de lesão celular não é bem entendido,
A maioria dos indivíduos com ITV é constituída por por- mas acredita-se que também seja imunológico. Não se sabe se
tadores assintomáticos, com pequena proporção desenvolven- o vírus é citopático. ~ possível, adernais, que uma exagerada
do hepatite aguda. Há dúvidas sobre o papel causal na doen- variação de proteínas do envelope vira! facilite uma evasão à
ça crônica do figado, não existindo evidências de que o vírus resposta imunológica do hospedeiro, levando à persistência da
possa causar carcinoma hepatocelular. Esses aspectos levam a infecção pelo vírus C.
uma interrogação sobre a real capacidade de esse vírus lesar
o figado.
Desde a descoberta do TIV, vários vírus com pequeno ge- • ASPECTOS ANATOMOPATOLOGICOS
noma DNA foram descritos no Japão. Esses vírus foram deno-
minados Sanban, Yonban e TIV -similar minivírus. Nenhum A hepatite aguda vira! é uma doença difusa necroinflama-
deles provou, até o presente, provocar doença em humanos. tória do figado, que, em geral, evolui com menos de 6 meses
de duração. Pode ser histologicamente não distinguível da he-
patite crônica, o que toma o tempo de doença um critério di-
• MECANISMOS DE LESÃO CELULAR ferenciador muito importante, além do que as maiores modi-
ficações são lobulares e não de espaços portais. Caracteriza-se
Aceita-se que a magnitude da lesão celular, nas hepatites por comprometimento panlobular, acentuada celularidade e
agudas, dependa da carga vira! e da capacidade de multiplicação pleomorfisrno de hepatócitos e necroses focais. Degeneração e
do agente vira!. Por sua vez, tem importância a resposta des- eosinofilia ou corpos apoptóticos e balonizados dos hepatócitos
pertada pelo hospedeiro, classificada como: 1. não específica, levam à necrose lítica. A regeneração traduz-se pela presença
dependente da participação de interferon, complemento e lin- de mitose e/ou multinucleação dos hepatócitos, com variações
fócito NK; 2. de células killer, como neutrófilos e macrófagos, de tamanho, forma e qualidade de coloração dos hepatócitos.
as quais requerem anticorpos para sua atuação; 3. especificidade O infiltrado inflamatório é constituído por células sinusoidais
exercida pelos linfócitos T citotóxicos (CfC). Esses mecanismos ativadas, sobretudo de Kupffer, enquanto nos espaços portais
atuam visando a eliminar o agente vira!, precipitando alise ce- predominam linfócitos, plasrnócitos e eosinófilos, com poucos
lular. Quando essas respostas se revelam eficientes e precoces, neutrófilos. Casos mais graves traduzem-se por necrose multi-
propiciam a cura sorológica e restituição total do parênquima, lobular, em ponte ou submaciça Colestase citoplasmática ou
não facilitando a instalação de estado de portador ou de hepa- íntracanalicular faz parte do quadro.
tite crônica. Além desses efeitos, o vírus pode lesar a célula do
hospedeiro ao interferir diretamente com o seu maquinismo,
ou exercer toxicidade a partir de seus produtos. • ASPECTOS DIAGNOSTICOS
Na hepatite por vírus A, a lesão do hepatócito provavelmente
decorre de citotoxicidade mediada por células imunocompe-
tentes. Uma resposta imune exagerada pode gerar a hepatite
• Etiológicos e sorológicos
fulminante. Na hepatite por vírus B, o dano maior é causado Encontram-se sumariados no Quadro 53.5.
pela reação do hospedeiro. A resposta imunológica é mediada Os marcadores virais constituem chave importante para o
por células e dirigida contra o antígeno core, que se expressa na diagnóstico das hepatites, razão pela qual devem ser bem co-
superflcie do hepatócito. A reação elimina o antígeno e o hepa- nhecidos.
tócito. No estado de hospedeiro sadio, a resposta imunológica O anti-VHA IgM é um indicador de hepatite aguda por
é inadequada e há tolerância ao vírus. Esse estado de tolerância vírus A. Aparece precocemente e persiste por 3 a 6 meses. O
pode ser ultrapassado a qualquer momento, com a emergência anti· VHA IgG é marcador de infecção passada, prestando-se
de clones de células T reativas levando à inflamação e à necro- mais para inquéritos epidemiológicos.

-------------------------------T -------------------------------
Quadro S3.5 Diagnóstico sorológico das hepatites agudas virais

Marcadores sorológlcos

Significados An1l·AgHBC Anti·VHC Anti·YHE Anti·YH


An1l·YHA AgHBs AgHBe
(lgM) (lgG) (lgM) (lgG) RNA VHC lgM lgM
Hepatite A +
HepatiteS + + +
Hepatite C ± +
Hepatite E + +
Hepatite O + + + +
596 Capftulo 53 I Hepatite Aguda Vira/

O antígeno de superficie do vírus B (AgHBs) corresponde à ral, náuseas, vômito, anorexia, artralgia e febrlcula. Icterícia
proteína do envelope do vírus B. Indica infecção aguda ou crô- colestática faz parte do quadro, acompanhando-se de colúria,
nica. Quando desaparece do soro, significa clareamento vira!. acolia fecal e prurido, mais comum entre idosos. Essa forma de
O anti-HBc, ou AcHBc (anticorpo anticore do vírus B), é apresentação mostra-se mais leve na C e mais florida na A e na
uma proteína que circunda o DNA do vírus B. Por sua vez, é B, sendo as manifestações extra-hepáticas mais comuns nesses
cercada pelo AgHBs na partícula viral completa, ou parti cuJa de dois tipos. Predomina, no entanto, a evolução assintomática,
Dane. Há três formas: a IgG, a IgM e a total. A positividade da expressa algumas vezes apenas por manifestações gastrintesti-
total indica contato presente ou passado com o vírus B. A IgM nais sutis, em geral não valorizadas. A recuperação se processa
indica infecção aguda, ou reativação do virus na dependência entre 2 e 8 semanas. A evolução para a cronicidade traduz-se
de imunossupressão. Pode positivar-se também no curso de he- pela ausência de sinais e sintomas típicos, caracterizada apenas
patite crônica, significando uma reagudização. O anti-HBc IgG pela persistente elevação de níveis séricos de aminotransferases
representa infecção passada, ou, quando associada ao AgHBs, e expressão sorológica típica. Nas fases iniciais, além da icterícia,
sinaliza o estado de portador crônico. O antígeno "c», AgHBc, notam-se outros sinais, hepatomegalia dolorosa e, eventualmen-
não é secretado no soro. te, esplenomegalia. Necrose maciça ou submaciça revela-se por
... AgHBe e o AcHBe (antlgeno e anticorpo •e• do vrrus colestase acentuada, distúrbios de coagulação e da consciência,
8). O antígeno "e" faz parte do core viral e indica replicação. insuficiência renal, pré-coma e coma hepático, sinais de exaus-
Pode ser detectado na hepatite aguda e na replicação viral no tão funcional do parênquirna hepático, definido como hepatite
curso de hepatite crônica. Quando presente em doente crôni- aguda fulminante (Capítulo 56). A hepatite A costuma invo-
co e associado ao AgHBs, ajuda a indicar tratamento antiviral. luir rapidamente na criança, mas pode demorar a resolver no
Seu anticorpo surge quando há resolução da hepatite aguda, ou adulto (hepatite aguda prolongada), sem que isso tenha uma
quando cessa a fase replicativa em hepatite crônica. significação ominosa. As hepatites por vírus B, C e D podem
O AcHBs, ou anti-HBs, é o anticorpo contra o antígeno de cronificar, mas a por vírus A nunca o faz. O vírus E manifesta-
e
superfície do vírus B. um anticorpo neutralizador e indica se, sobretudo, em epidemias, mais comumente em países em
infecção jugulada, ou resulta de vacinação contra hepatite B desenvolvimento. O curso clínico assemelha-se ao da hepatite
bem-sucedida, sobretudo se em título superior a 10 mUI!ml . e
A. responsável por elevada mortalidade entre grávidas, so-
.,. DNA polimerase do vírus B. Indica presença do vírus B. bretudo aquelas que estão no terceiro trimestre de gestação. O
e pouco sensível. diagnóstico é comprovado pela presença de anti-VEH 1gM (e
.,. Ensaios de hibridização. Utilizam várias técnicas e de- IgG para fins epidemiológicos) e testes de hibridização para o
terminam partes específicas do DNA do genoma do vírus B. VHE RNA. Não há relato de evolução para a cronicidade.
São bastante sensíveis e detectam o DNA no soro em faixa de
1,5 a 20 pg!rnl. Excelentes para distinguir uma fase replicativa
da não replicativa . • ASPECTOS LABORATORIAIS
.,. Ensaios bDNA (branched-chain DNA). São testes mui-
to mais sensíveis do que os anteriores e indicam replicação Classicamente, em qualquer dos tipos de hepatite aguda
viral . viral, ocorre elevação de níveis séricos de arninotransferases,
.,. Testes por PCR (polymerasechainreaction) do DNAvi- sempre acima de 500 a 1.000 UI/l, com valores maiores de
ral. São extremamente sensíveis para detectar o DNA do vírus. alanina-arninotransferase (ALT). Acentuam-se também as con-
Essa elevada sensibilidade acaba por tornar esses testes pouco centrações plasmáticas de gamaglutamiltransferase e, sobretu-
confiáveis em separar estados replicativos e não replicativos, do, de fosfatase akalina, principalmente nas formas colestáticas.
porque algum DNA será sempre surpreendido. Há uma ele- Hiperbilirrubinemia, quando presente, ocorre sempre à custa
vada relação entre a positividade desses testes e a presença de da fração direta, em geral não ultrapassando 20 mgldl. São
AgHBs no soro. normais a atividade e tempo de protrombina, mesmo naque-
O teste ELISA para hepatite C detecta a presença de anti- les mais acentuadamente ictéricos. Agravamento da icterícia
corpo em duas regiões do genoma do vírus. li muito sensível, e alargamento do tempo de protrombina significam sempre
mas pouco específico, com relativamente grande incidência necrose hepática mais extensa, que pode acompanhar-se de
de falso-positivos. O anticorpo detectado não é um anticorpo hipoglicemia e baixa síntese do fator V. Recomenda-se a repe-
neutralizador, isto é, não significa imunidade, cura da doença. tição de provas bioquímicas a cada 15 dias, até que ocorram
O teste recombinante RIBA é menos sensível do que o anterior, normalização dos parâmetros laboratoriais e a seroconversão
mas é mais específico. Outros testes para diagnosticar o VHC antigênica. O diagnóstico etiológico será sempre confirmado
são o bDNA quantitativo para o RNA do vírus C e o PCR O pela sorologia, conforme já foi explicitado.
C-RNA pode ser pesquisado no soro e no tecido hepático e
constitui o padrão-ouro no diagnóstico da hepatite C.
A hepatite por virus D é diagnosticada por teste ELISA, que
• Diagnóstico diferencial
determina anticorpo contra o vírus D tanto no soro quanto no Os vírus não hepatotrópicos primariamente infectam outros
plasma. Esses anticorpos são das classes IgM (fase aguda) e IgG órgãos e tecidos, antes de envolverem o figado como parte de
(infecção crônica). Há teste tipo PCR para surpreender oRNA uma infecção disseminada. Essas hepatites são causadas por
do vírus D no soro e no tecido hepático. vírus Epstein-Barr, citomegalovírus, herpes simples, varicela-
A hepatite E é pesquisada por teste ELISA, que detecta o zoster, adenovírus, vírus do sarampo e da rubéola. Menos fre-
anticorpo ao virus E. quentemente, são responsáveis os vírus da febre amarela, das
febres de Lassa, Marburg, ebola e dengue, além dos reovírus,
rotavírus, hantavírus, injluenza (síndrome de Reye), paramo-
• Sintomas e sinais xivírus (hepatite de células sinciciais gigantes), e, talvez, o ví-
Os vírus A, B, C, D, E costumam apresentar o mesmo cur- rus da imunodeficiência humana. A febre Q pode simular uma
so clínico, que se traduz pelo aparecimento de mal-estar ge- hepatite viral.
Copftufo 53 I Hepatite Agudo Viro/ 591
sobretudo no período em que os doentes evoluem ictéricos.
• TERAPEUTICA Recomenda-se suspensão de medicações hepatotóxicas e de
ingesta alcoólica, além de uma dieta nutritiva, mas respeitan-
• Medidas preventivas do a tolerância do paciente. Internação hospitalar encontra-se
São fundamentais, nas hepatites virais A e E, de transmissão indicada quando ocorrem distúrbios hidreletroliticos em con-
oral-fecal, a melhora das condições de higiene e saúde, sobretu- sequência de vômitos incoercíveis, ou hipoprotrombinemia
do de saneamento básico, e de conservação e manipulação de (40 a 50%), e nos casos que evoluem para a forma fulminante,
alimentos, e o monitoramento dos pacientes já infectados. Es- traduzida pelo aparecimento de encefalopatia dentro de 8 se-
pecificamente nos casos das hepatites B, C e D, é indispensável manas do início da icterícia. Esses deverão ser avaliados para
melhorar a qualidade das hemotransfusões, privilegiar doado- um eventual transplante de fígado (Capítulo 77).
res voluntários e negativos para aqueles agentes virais. Deve-se
promover orientação aos grupos de risco, combater as ativida- • Tratamento medicamentoso (interferon a)
des homossexuais promíscuas e alertar a população quanto a
parceiros sexuais contaminados. Os narcoadictos devem ser Cerca de 5% dos pacientes com hepatite aguda vira! B evo-
exaustivamente informados sobre a utilização de agulhas e se- luem por mais de 12 semanas com sinais clínicos, laboratoriais
ringas descartáveis e de uso próprio, individualizado. e sorológicos que traduzem persistência da doença e replicação
Encontram-se bem definidos os candidatos à imunização, vira!. Certamente, são os que tendem para a hepatite crônica.
através de vacinas, disponíveis no comércio, contra os vírus Visando a encurtar a evolução daqueles doentes com esse curso
das hepatites A e B (Quadros 53.6 e 53.7). Da mesma forma, protraído da doença, alguns têm sido tratados com interferon
há esquemas vacinais especiais para situações específicas (Qua- ex nas doses de 3 ou 10 MU, 3 vezes/semana, durante 3 meses,
dros 53.8 e 53.9). o que permitiu a recuperação e interrupção do processo em
todos os casos assim manuseados.
A hepatite crônica desenvolve-se em 60% ou mais dos pa-
• Medidas de suporte cientes cursando com hepatite aguda pelo vírus C. Cerca de
São comuns a todos os tipos de hepatites virais. Baseiam-se 50% desses evoluirão com doença estacionária, não progressi-
exclusivamente no repouso nas fases sintomáticas da doença, va, enquanto a outra metade caminhará insidiosamente para

- ... - ...
Quadro 53.6 Candidatos à imunização contra hepatiteviraI A Quadro 53.7 Candidatos à imunização contra hepatite viral 8

Vacina para hepatite A. víNs Inativado Vacina para hepatite 8, re<omblnante

Imunização de rotina Imunização de rotina


Crianças vivendo em comunidade de alto risco Todos os recém-natos
Grupos de risco Crianças não vacinadas até idade de 11 anos
Trabalhadores deslocados para regiões endêmicas Grupos de risco
Homossexuais masculinos com múltiplos parceiros Indivíduos com múltiplos parceiros sexuais
Utilizadores de drogas parenterals ilícitas Parceiros sexuais de contatos com indivíduos AgHBs
Transfusões de fator VIII Homossexuais masculinos ativos
Indivíduos expostos a primatas não humanos Utilizadores de drogas parenterais ilícitas
Stoffs de unidades intensivas de recém-natos ou excepcionais Trabalhadores deslocados para regiões endêmicas (> 6 meses)
Risco> de hepatite fulminante Expostos a sangue e derivados
> 30 anos com hepatopatia crônica Clientes ou stoffs de comunidades fechadas
Pacientes com insuficiência renal crônica
Ri,s co > de t ra nsmissão Pacientes recebendo concentrados dos fatores de coagulação
Manipuladores de alimentos

...
Quadro 53.8 Dosagense esquemas de vadnação anti-hepatite vira I A(intramuscular)

Esquema Esquema
HA VRIX* (2-18A) VAQTA* (2- 27 A)
(meses) (meses)

Crianças 720 ELISA Oe6-12 25 U/mt Oe 6-18


U/0,5 ml
ou
360 ELISA 0,1 e6-12
U/0,5 ml
(>18A)
Adultos 1.440 U/1 ,o mt Oe6-12 50 U/mt Oe6-12
A = Anos; U = Unidades.
598 Capftulo 53 I Hepatite Aguda Vira/

-------------------------~------------------------
Quadro 53.9 Dosagens e esquemas de vacinação anti-hepatite vira IB(intramuscular)

Vadnas para h~patlte B


Grupos Esquemas (meses)
R~(omblvax HB® Eng~rix B*

Mães AgHBs (2) 0-2,1 2:4e6-18 2,5 mg/0,5 mt 10mg/O.S mt


Mães AgHBs (1) Nascimento <12 h: HBIG;
12:2e6
5,0 mg/0,5 mt 10mg/0,5 mt
Crianças (1-10 anos) 0,1 "2 e4-6 2,5 mg/0,5 mt 10mg/O.S mt
Adolescentes (11-19 anos) 0,1 2:2e4-6 5,0 mg/1 0,5 mt 10 mg/10,5 mt
Adultos (2: 20 anos) 0,1 "2 e4-6 10mg/1,0mt 20mg/1,0mt
lmunossuprimidos adultos 0,1 e6 40 mg/1,0mt 40mgn,omt

HBIG =gamaglobulina hiperímune; h= horas.

cirrose, dentro de 20 a 25 anos. Visando a impedir essa tendên- sitivo, antes do aparecimento dos sintomas?; 2. por ocasião do
cia, existem 11 estudos controlados empregando interferona Ct pico de elevação da ALT?; 3. quando os títulos do RNAVHC
ou ~. na condução desses pacientes. Resultados encontram-se estão declinando?; 4. ou, mesmo mais tarde, após esperar o
discriminados no Quadro 53.10. Um estudo por metanálise de- clareamento espontâneo do RNAVHC, de forma que apenas
monstrou uma resposta completa das transaminases em 69% os pacientes virêrnicos sejam tratados?; S. persistem também
dos pacientes que receberam interferon contra apenas 29% dos dúvidas se aqueles com genótipos 2 ou 3 deverão ser tratados
controles. Embora esses resultados pareçam reconfortantes, obedecendo ao mesmo esquema proposto para aqueles com
é preciso que se note que apenas uma pequena proporção de hepatite crônica?; 6. e, sobretudo, indaga-se sobre qual atitude
casos de hepatite aguda por vírus C são sintomáticos, e menos deverá ser tomada naqueles usuários de drogas intravenosas,
ainda são reconhecidos clinicamente. ou com infecção concomitante pelos HIV ou VHB?
Mais recentemente, procurou-se avaliar a eficácia da inter-
ferona peguilado o. 2b (1,5 ~glkgfsemana), administrado por
24 semanas a pacientes alemãs. Os resultados obtidos foram
similares àqueles com interferon padrão, com índices de res- • LEITURA RECOMENDADA
posta virológica ultrapassando 90%. Barreiros, AP, Sprinzl, M, Rosset, S et a/. EGF and HGF leveis are increased
Apesar desses avanços, persistem dúvidas sobre a manipula- during ac.tivc HBV infcctjon and cnchancc survival signallng through cx-
ção desses pacientes, a propósito de qual o momento de iniciar traceUular matrix interactions in primary human hepatocytes. Int JCancer,
a terapêutica: 1. quando o paciente tomou-se RNAVHC-po- 2009; 124:120·9.
Déjean, C, Berthouc, P, Ceclllon, S., Berthou.x. F. Le point sur le vírus de l'he-
patite G. Prl!5st Medie<~le, 1999; 29:1483-7.
Dienstag, )L. Hepatitis B vírus infection. N Eng I Med, 2008; 359:1486-500.
El-Serag, H. Look, ASF, Thomas, DL. The Dawn of a new era: transform-
---------------~--------------- ing our domestic responsive to hepatitis B & C. Gastrotntuology, 2010;
Quadro 53.1 OResultados dos estudos controlados na terapêutica 138:1225·30.
com interferon a e~ em padentes comhepatite aguda vira IC Esteban, JJ. Treatment of acute vira! hepatitis. Em: Soyer, T & BisseU, DM.
Postgraduate Course. Vlral Htparitis A to F: An Update. lhe AmerJcan As-
Entre 1991 e 1996, são 11 os estudos publicados. sendo 8 randomizados, so<iation for theStudy ofLiver Dlseases, Chicago, p. 266-77, 1994.
tratados 453 pacientes. Feld, JJ & Heathcote, E). Hepatitis caused by other viroses. Em: Feldman, M,
Friedman, LS, Brandt, L). Gastrointeslinal and liver disease, vol. 2, Saunders/
Difícil avaliar a dose ideal e a duração da administração, e nem todos com Elsevier, p. 1343-50, Philadelphia, 2010.
resposta sobre erradicação vira I. Gcrbcr, MA & Thung, SN. Pathology of acutc and chronic viral hcpatitis and
São 3 os estudos com interferon ~.administrado por via endovenosa, the new classification. Em: Boyer, T & Bissell, DM. Postgraduate Caurst.
empregando-se doses entre 3 e 6 MU,3 x/semana, com duração de 2-3 Viral Htpatitis A to F: An Update. lhe American Assodation for the Study
semanas. em apenas um dos estudos, utilizou-se a via subcutânea para ofLiver Disease, Oücago, p. 29-40, 1994.
aplicação do medicamento na dose de 1O MU/dia/18-58 dias. Halasz, R, Berkholt, L, Lara, C et ai. Relation between GB virus Clhepatitis G
São 7os estudos com interferon a2a ou 2b, exclusivamente aplicado por virus and fulminant hepalic failure may be secondary to treatment with
via subcutânea, com doses de 3 MU, 3 x/semana, 12-24 semanas. contaminated blood andor blood products. Gut, 1999; 41:274-8.
Na maioria dos estudos, comprova·se controle da infecção, com cessação HoUinger, FB. The five viruses: A perspective. Em: Soyer ,T & BisseU, DM.
da replicação viral em 40-60% dos pacientes. Postgraduate Course. VIra! Hepatitis A to F: An Update. lhe American As-
soclatlon for the Study ofLlver Diseases, Chicago, p. 1-20, 1994.
Há dúvidas, no entanto, na definição do momento exato a ser iniciada a
Jnoue, K, Yoshiba, M, Yosuyanagi, H, Otsuka, T, Sekiyama, K, Fujta, R. Chronic
administração de interferon parece que o início mais precoce leva a que
sejam geradas menos quasispecies, o que justifica o aceitável índice de hepatitis A with persistent vital replications.l Med Viro~ 1996; 50:322-4.
cura. Kwo, PY et al. Acute hepatitis E by a new isolate acquired in the United States.
Mayo Clin, Proc, 1997; 72:1133-6.
Existe i ndefinição sobre a importância de certos fatores preditivos, tais Lampertico, P, Rum~ M, Romeo, Reta/. A multicenter randomized controUed
como genótipo ou carga vira I, ou se influenciariam a evolução desses
rrial of recombinant interfe.ron alfa 2B in patie-nts with acute - transfusion
pacientes
- assodated hepatitis C. Hep<>tology, 1994; 19:19-22.
MV: Milhões de unidades. Lemon, SM & Thomas, DC. Vaccines to prevent viral hepatitis. N Engi I Med,
1997;336:196·204.
Copftufo 53 I Hepatite Agudo Viro/ 599
Manns, MP, Potthoff, A,Jatckcl, E. Wodmeycr, H. Trcatment of acute hepatitis Purcell, RH. Newly diseovered "Hepatitis" viruses. AGA Spring Postgraduate
C. Em: Marcellin, P (ed.). Managtment ofpatienl$ with viral htpotiti.!. Paris, Course Syllabus, p. 65-9. Washington, DC, May 10-11, 1997.
APMAHV, p. 65; 2004. Tagle, M. de Medina, M, Schilf, ER. Vira) hepatitis A e E. Em: Bacon, BRB.
Marccllin, P. Hepatitis B e D. Em: Baeon BRB, O'Grady, JG, Di Bisccglic, AM, O'Grady, JG, Di Bisceglie. AM. Lake. JR. Comprehtnsive Clinicai Hepato-
Lake, JR. Comprthensive Clinicai Htpatology. Londres: Elsevier Mosby, /qgy. Londres: Elsevier Mosby, 2006. p. 205.
2006. p. 213. Thung, SN & Gerber, MA. Acute hepatitis vs. chronic hepatitis. Em: Thung,
Oliveira e Silva, A de, Soares Tojal, L, de Omena, AMA et al. Hepatitis agura SN & Gtrber, MA. Diffmntial Diag..osi.! in Pathology. Uver Di.!ordtrs. New
vira!. Em: Dani, R (ed.). Gastrotnttrologia Essencial. Rio de Janeiro: Editora York, Igaku-Shoin, 1995.
Guanabara Koogan, 2006. p. 533. Vivekanandan, P, Thomas, D, Torbenson, M. Methylation rcgulates hepatitis B
O mata, M, Yokosuka, O, Takano, S et a/. Resolution of acute hepatitis after vira! protein expression.JJD, 2009; 199:1286-91.
therapy with natural beta interferon. Lat~cet, 1991; 338:914-5. Vivekanandan, P, Thomas, D, Torvenscn, M. Hepatitis B vira! DNA is methy-
Pawlotsky. IM. Coaquerel, L, Durante!, D et ai. HCV research 20 years after lated in liver tissues. I Vira/ Hepatol, 2008; 1$:103-7.
Discovc.ry: A s·ummary ofthe 161ll international symptosium on hepatitis Wedmeyer, H, Jackel, E. Wiegand, I et al. Whom? When? How? Another
C virus and rclated viruses. Gastroenterology, 2010,138:6-12. piecc of evidencc for carly treatment of aeute hepatits C. Hepato/qgy, 2004,
Peters, M. Vira) hepatitis: Mechanisms of cell injury. Em: Boyer, T & Bissell, 39:1201.
DM. Postgraduate O>urse. Vira! Hepatiti.s A to F: An Update. The American Wu. JF, Wu, T~ Chen, CH tl al. Serum leveis of interleukin-12 perdkt early
Assoclation for Study of Liver Diseases, Chicag~ p. 21-8, 1994. spontaneous hepatitis B virus e antigen seroconversion. Gastrotnurology,
Poynard, T, Leroy, V, Cohard, M et ai. Meta-analysis of interferon randomized 2010; 138:165-72.
trials in the treatment of viral hepatitis C: Effects of dose and duration. Zaaijer, HL, Borg. F, Cuypers, HTM era/. Comparison of methods for detection
H"f'atology, 1996; 24:778-9. ofhepatits B vírus DNA. f Clin Mleroúiol, 1994; 32:2088-91.
54 Hepatite Vira I Crônica
Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo,
Evandro de Oliveira Souza, Leonardo Reuter Motta Gama,
Celso Marques Raposo Júnior, Cristiane Maria de Freitas Ribeiro,
Naisa Oliveira A/vim Mattedi, Lucas Cagnin, Maria Elizabeth Colore Neiva,
Gerusa Máximo de Almeida, Raul Carlos Wahle

Manifestações de agressão hepatocelular traduzidas, sobretudo, Aproximadamente, 500.000 desses pacientes morrerão ao ano
por elevação de níveis séricos de arninotransferases persistin- em consequência da instalação de cirrose e carcinoma hepato-
do por 6 ou mais meses, conduzem ao diagnóstico de hepatite celular, e outros 40.000 de hepatite aguda fulminante em todo
crônica. A confirmação alicerça-se, no entanto, em um padrão o mundo.
histológico bem definido, em geral heterogêneo, e também em As vias clássicas de infecção pelo VHB relacionam-se ao
expressão clinico-laboratorial variável. contato com sangue infectado ou secreções corpóreas. Nessas
condições, o agente penetra o corpo via mucosas ou soluções
de continuidade cutâneas, vias abertas, como consequência do
• ASPECTOS ETIOLÓGICOS uso de agulhas, ou de seringas contaminadas, ou via oral. A
detecção do antígeno de superfície (AgHBs) no sangue pode
Diferentes agentes ou doenças podem levar a que pacientes ocorrer em 4-10 semanas pós-contato. A transmissão sexual
evoluam com hepatite crônica. Neste capítulo, estudaremos se mostra prevalente, predominando entre homossexuais
apenas as formas relacionadas aos vírus B, D, C e G, com a masculinos, mas, também, identificada entre heterossexuais.
evolução do processo podendo desaguar na cirrose e no carci- Por sua vez. a via perinatal mostra-se responsável por 90%
noma hepatocelular (Quadro 54.1). dos casos de mães que são AgHBe positivos, mas essa via de
contaminação pode se dar durante o parto, o u no período
pós-natal, pelo contato estreito materno-recém nato. Essa
• INFECÇÃO PELO VfRUS DA HEPATITE B evolução também se identifica entre crianças e adolescentes,
O vírus da hepatite B (VHB) é um hepadnavírus, circular, via escovas de dentes ou barbeadores e mesmo brinquedos
envelopado, que replica via RNA, usando transcriptase rever- contaminados.

·-
sa. A infecção crônica induzida por esse agente atinge 400 mi-
lhões de pessoas em todo o mundo, predominando, sobretu-
do, entre habitantes da Ásia e África, onde a transmissão se
processa mais frequentemente por via vertical (materno-fetal), Quadro 54.2 Fatores predisponentes à evolução para hepatite crônica B
mas, também, horizontal, comportamento observado entre
crianças, adolescentes e adultos. Os fatores predisponentes que 1.1dade do início da Recém-natos não imunizados 90...100%
contribuem para tal evolução estão dispostos no Quadro 54.2. infecção Recém-natos imunizados 10...20%
Crianças 20...30%
Adultos 5- 10%
2. Sexo - estado de Homens: 5- 10% se tornam crônicos
---------------· ---------------
Quadro 54.1 Etíología das hepatites crônícas
portador do AgHBs Mulheres: 1- 3% se tornam crônicos
3. Outros relacionados Idade mais avançada ao diagnóstico
ao portador Gravidade da doença, surtos recorrentes de
Vira I Tipos B, O, C, G necrose hepatocelular (flores), normalização
sustentada de alanina·aminotransferase (ALT)
ldiopática Criptogênica
Autoimune 4. Estado imunológico Mais frequentemente observada em pacientes
com câncer, submetidos a quimioterapia, nos
Induzida por fármacos Oxifenisatina, metildopa, isoniazida, dialisados e portadores de síndrome de Down,
nitrofurantoína, aspirina, fenilbutazona, de linfomas ou leucemias
sulfonamida, dantrolene e outros
S. Relacionado ao vírus Replicação durante seguimento, variante e
Metabólica Doença de Wilson genótipos do VHB, coinfecção com VHD,
Deficiência de a+antitripsina VHC e HIV, ingesta alcoólica excessiva, fumo,
Alcoólica contaminantes ambientais como atlatoxina

600
Capftulo 54 I Hepatite Vira/ Crónica 601

• ASPECTOS CL[NICOS • Definições de estágios evolutivos


Classicamente, 60-70% dos infectados pelo VHB não ma-
e critérios diagnósticos
nifestam quadro clinico agudo bem definido, evoluindo de Encontram -se discriminados no Quadro 54.3 e os padrões
forma subclínica. Cerca de 5-10% destes desenvolvem in- de marcadores sorológicos nas diferentes fases da infecção no
fecção crônica, traduzida pela persistência sérica do AgHBs, Quadro 54.4.
O comportamento evolutivo também guarda relação com a
bem como de outros marcadores virais, tais como o AgHBc e expressão de diferentes genótipos, dassíficados de A· H, segun-
AgHBe, ou DNA VHB identificados no sangue e também no do diferenças identíficadas na sequência do DNA. Assumem
fígado. Fatores predisponentes a essa evolução encontram-se distribuição geográfica variável (Quadro 54.5), tendo caracte-
discriminados no Quadro 54.2. Nesses pacientes, persistem rísticas específicas (Quadro 54.6).
no soro, pelo menos por 6 meses, esses produtos virais. Não
raro, alguns são anti-AgHBe e DNA VHB positivos, tradução - T
da presença de um v{rus que sofre mutações, que ocorrem nos Quadro 54.3 Definições ecritérios diagnósticos usados na infecção
genes precoce, assim como na região promotora do core, além pelo vírus da hepatite 8 (Keefe et a/., 2004)
do gene tirosina- metionina- aspartato - aspartato (muta-
ção YMDD). Nessa fase crônica, são comuns níveis séricos Definisões de estágios evolutivos Critérios diagnósticos
elevados de alanina-aminotransferase (ALT) e gamaglutamil-
Hepatite crônica 1. AgHBs (+) > 6 meses
transferase (GGT), bem como são normais as concentrações Doença necroinflamatória 2. DNA VHB sé rico> 1o•cópias/ml
das globulinas, de bilirrubina total e sua fração direta, da al- de fígado 3. Persistentes ou intermitentes
bumina e a atividade de protrombina Na maioria das vezes, elevações sé ricas de AST ou ALT
4. Biopsia compatível (escore ~ 4)
os pacientes referem sintomas inespecíficos, tais como dor
Subdivide-se em: 1. AgHBe (+), Anti·AgHBe (-)
abdominal, digestão lenta, flatulência, anorexia, náuseas e fa-
2. AgHBe {-}, Anti·AgHBc (+)
diga fácil. Não se identificam sinais físicos, tais como aranhas
Estado de portador AgHBs 1. AgHBs (+) > 6meses
vasculares, palma hepática, icterícia ou ginecomastia, e, ex- inativo 2. AgHBe (-}, Ant~AgHBe (+)
cepcionalmente, exibem hepato e/ou esplenomegalia. Pode, Infecção persistente 3. DNA VHB sé rico < 1O' cópias/mt
no entanto, haver manifestações extra-hepáticas da doença, peloVHB 4. Níveis persistentes> de ALT e AST
Sem doença S. Biopsia hepática com escore
como artralgia, púrpura de Henoch-Schõnlein, glomerulo-
necroinflamatória necroinflamatório ( < 4)
nefrite, derrame pleural, pericardite, edema angioneurótico Hepatite resolvida 1. História prévia de hepatite aguda
e anemia aplástica. Cerca de 10% apresentam cura sorológica Infecção prévia sem evidência ou crônica
espontânea, permanecendo alguns com o AgHBs, tornando- bioquímica, histológica ou 2. Presenças dos anti-HBc ou anti-HBs
se anti-AgHBe e anti-AgHBc IgG positivos. O curso clínico virológica de doença ou 3. AgHBs e AgHBe negativos
infecção vira I em atividade 4. ONAVHB(-)
ou história natural da hepatite vira! se encontra discriminado
S. Valores n ormais de AST e ALT
na Figura 54.1.

I lnfecç~o aguda I
t +
Recuperaçao Perinatal ou I
I 10-70% da criança
t
I I Adulto
t
Recuperação
99%

lnfecçao crônica Infecção crônica


I 3Q-90'l6
I
I I 1%
I
I
I Leve - '
Moderada - Intensa I I Estádio de portador inativo I
I 0,02·0,2%/ANO
Cirrose
I 2·1%/ANO I
+ +
I Descompensaçào
2-4%/ANO II Carcinomia hepatocelular
2-4%/ANO I
'
I Morte ou transplante
3%/ANO I
Figura 54.1 Curso clínico ou história natural da hepatite vira! B(Fattovich, Zag ni, Scatollini, 2004).
602 Capftulo 54 I Hepatite Vira/ Crónica

--------------------------T·--------------------------
Quadro 54.4 Padrões comunsde marcadores sorológicos nas diferentes fases da infecção pelo vírus da hepatite B

Diferentes maradores sorológlcos

Anti-AgHBc

Fases da lnfec~o AgHBs Anti-AgHBs lgM lgG AgHBe Anti-AgHBe

Período de incubação + +
Infecção aguda + + +
Convalescença ou recuperação
Com imunidade + + :1: +
Janela imunológica ou recuperação
Sem imunidade + :1:
Portador crônico
(~ 6meses) + + :1: +
(s 6 meses) + + :1: +
Imunização pós-vacinação +

+a Presente;- :: Ausente;~= Maior ou igual; S =Menor ou igual.

T- T-
Quadro 54.5 Distribuição geogrMica dos diferentes genótipos do vírus Quadro 54.6Caracteristicas especiais dos genótipos
da hepatite B(Keefe et ai., 2004) do vírus da hepatite B

Genótipos Dlstribulsão geogrifica 1. Seroconversão AgHBe para anti-AgHBe nos mais jovens e portadores
do genótipo C
A América do Norte, Europa Oriental, India e África 2. Genótipos A e Bresponderam melhor à terapêutica com interferon a
BeC Ásia 3. Seu papel, do ponto de vista de evolução da doença hepática, requer
o Europa Ocidental, Oriente Médio, India estudos mais aprofundados
E África Ocidental, África do Sul 4. Pouco pesquisado na prática clínica diária. Oneroso, controverso e de
incerta importância
F Américas do Sul e Central
G Estados Unidos e Europa
H América Central e Califórnia

T dependentes, ou independentes, voltado contra o AgHBc. Na


dependência desse processo, emergem mutações, comporta-
mento que se traduz por positividade do AgHBe, DNA VHB
• Mecanismos patogenéticos e hipertransaminasernia, gerando lesões histológicas típicas.
Essencialmente, aceita-se que, diante da presença do VHB, Assim é que a maioria dos pacientes com hepatite crônica pelo
disparem-se duas respostas a partir do sistema imunológico VHB entra em uma fase inativa, gerando o AgHBe que é clarea-
dos portadores. A mais importante delas é a destruição das cé- do, ocorrendo seroconversão para anti-AgHBe, com nível baixo
lulas albergadoras do vírus, via apoptose. A outra vertente se ou indetectável do DNA VHB. Nesses, mostra-se baixo o risco
baseia no reconhecimento dessas células, promovendo-se seu de progressão para doença hepática grave e de evolução para o
clareamento a partir de linfócitos T citotóxicos competentes. carcinoma hepatocelular, com risco de que aqueles imunode-
Uma terceira perspectiva se relaciona com o efeito citoprotetor primidos possam cursar com reativação da doença. Os pacientes
exercido a partir de hiperexpressões de fatores de crescimento são mais propensos ao desenvolvimento de formas mais gra-
epidérmico (EGF) e dos hepatócitos (HGF), na busca de ativar ves quando infectados na infância ou adolescência, sobretudo
fatores de regeneração. No entanto, pode ocorrer escape dos aqueles do sexo masculino que cursam com AgHBe positivo,
hepatócitos infectados, mediado pela molécula de adesão CD95, com títulos elevados do DNA VHB, ou que se encontram coin-
contribuindo para instalação de um fenótipo de resistência. fectados pelos vírus das hepatites D e C, ou pelo HIV.
A ineficácia nessa atuação exercida pelos mecanismos corpó- U1timamente, aceita-se que a infecção persistente pelo vírus
reos de defesa gera quatro fases cronológicas, típicas da infecção da hepatite B relaciona-se ao comportamento de fatores gené-
crônica pelo VHB, baseadas no comportamento do AgHBe/ ticos do hospedeiro. O alicerce clinico dessa hipótese se baseia
anti-AgHBe, nível de replicação viral e valores séricos de alani- na comprovação de que são pacientes do sexo masculino, e pa-
na-aminotransferase. Essas fases incluem imunetolerância, imu- rentes em primeiro grau das mulheres infectadas, que exibem
neclareamento, baixa ou ausência de replicação (fase inativa do maior chance de desenvolver sequelas crônicas, tais como cirrose
portador) e, finalmente, de reativação. A duração dessas fases é e carcinoma hepatocelular. A relação com esse comportamen-
extraordinariamente variável e grandemente influenciada pela to foi inicialmente atribuída a variantes genéticas em genes do
inter-relação vírus-hospedeiro, correlacionando-se morbidade complexo maior de histocompatibilidade (MHC), aos genes não
e mortalidade com esses aspectos. Esse comportamento tam- MHC, codificadores do fator a de necrose tumoral, e ao receptor
bém se correlaciona com o poder de ataque exercido por células 1 estrogênico. Outros pesquisadores propõem que essa evolução
Capftulo 54 I Hepatite Vira/ Crónica 603

se alicerce na resposta imune adaptativa, com fracas respostas


exercidas por células T CD4, específicas do vírus da hepatite B.
• Aspectos clínicos do VHD
Ampliam-se esses conceitos com a identíficação de 11 polimor- Varia desde o estágio de portador crônico assintomático
fismos denucleotídeo único localizados nas regiões HLA-DPA1 até aquele em que cursa para doença progressiva. Em outros,
e HLA-DPB1, sendo de risco maior a não resolução do pro- pode se manifestar sob forma aguda benigna ou assumir um
cesso (DPA1*0202 = DPBt•osol e DPA1*0202- DPBt•0301), aspecto avassalador de hepatite fulminante. Essa última evo-
enquanto os voltados à resolução da produção do clareamento lução se observa na coinfecção, quando ambos os agentes são
exibem oshaplótipos (CDPA1*0103-DPB1*0402 e DPAI•Ol03- inoculados no mesmo momento, ou na superinfecção (quando
DPB1*040l). Certamente, a esses marcadores incorporam-se o VHD é inoculado naqueles já com doença hepática crônica
fatores virológicos e imunológicos, ao mesmo tempo em que se causada pelo VHB).
ampliam as perspectivas de novas formulações de drogas alvos, Importante ressaltar que, nos indivíduos que fazem uso de
ou geração de novas formulações de vacinas. Assim, será possí- drogas injetáveis, a infecção pode ter curso bifásico, dependen-
vel prevenir ao mesmo tempo em que ampliam a capacidade do te do estado de coinfecção, estes com risco maior de evolução
sistema imunológico em bloquear a replicação desse agente. para doença crônica, ocorrendo inexorável e progressiva insu-
ficiência hepatocitária.

• INFECÇÃO PELO V[RUS DA HEPATITE • Aspectos diagnósticos


DELTA (VHD) Baseiam-se no emprego de método de radioimunoensaio,
Este agente se comporta como um vírus defeituoso quere- tendo um comportamento típico expresso pela presença de:
quer a função auxiliadora do VHB, ou de outro hepadnavírus, 1. anti-VHD IgM transitório e de apresentação retardada ocor-
atuando como auxiliador, uma exigência para que se processe rendo no curso de hepatite aguda autolimitada, com a persis-
sua secreção e disponibilidade. Apresenta-se como um vírus tência se correlacionando com nível de replicação e gravidade
de genoma RNA, de fita única, tendo seu envelope envolvido da doença hepática; 2. altos títulos de anti-VHD IgG estão pre-
por outro proveniente do VHB e de algumas de suas proteínas. sentes na forma crônica; 3. aqueles co infectados com VHB na
:B endêmico na bacia Mediterrânea, afetando principalmente doença aguda cursam com anti-AgHBc IgM e, quando existe
crianças e adultos jovens. Mostra-se prevalente também em superinfecção, são elevados os valores de RNA VHD, com su -
algumas regiões da América do Sul, como no Brasil, sobretu- pressão de marcadores de replicação do VHB, inclusive sendo
do no delta do Rio Purus e na Colômbia, restrito, portanto, à anti-AgHBc IgM negativos.
Amazônia Ocidental. Nessas regiões subtropicais, permanece
e se comporta como um reservatório importante, comporta-
mento relacionado com ausência de programas de vacinação • INFECÇÃO PELO V[RUS DA HEPATITE C(VHC)
anti-VHB, com a principal rota de transmissão ocorrendo por
via inaparente, ou percutânea. Esse comportamento leva a que Estima-se que no mundo existam cerca de 180 milhões de
5% daqueles portadores do VHB o sejam também do VHD, indivíduos cronicamente infectados pelo VHC, constituindo
chegando a cerca de 15 milhões de pessoas no mundo porta- problema significativo de saúde pública, sobretudo para habi-
dores desses dois agentes. Também se mostra prevalente no tantes dos países ocidentais. O agente responsável é um RNA
leste europeu e norte da Africa vírus, cujo genoma é composto por 10.000 nucleotídeos em ex-
tensão, com uma única abertura de leitura codificada por uma
proteína maior, clivada em outras menores, por proteases virais
• Mecanismos patogenéticos e do próprio hospedeiro, as quais constituem a própria estru-
A patogênese do processo de lesão hepatocelular induzi- tura do vírus (proteínas estruturais do core E1 e E2), comple-
da pelo VHD se relaciona com o efeito lesivo despertado por tada pelo maquinário replicativo desse agente, as proteínas não
linfócitos T citotóxicos, os quais atuam ao reconhecer antí- estruturais NS2, NS3, NS4, NS5. A última dessas é responsável
genos de histocompatibilidade classe I, o que acontece mais pela sua migração transmembrana, penetração hepatocitária e
frequentemente sobre hepatócitos albergadores do AgHBe, ligação aos ribossomos, replicando através de uma enzima de-
cujo clareamento depende dos níveis elevados de interleucina pendente de RNA polimerase.
12. Esses acontecimentos cursam com níveis séricos elevados A presença desse agente nos hepatócitos dispara uma série
de alanina-arninotransferase, cujo comportamento evolutivo de eventos intracelulares, modulados via receptores específicos,
depende também da participação lesiva exercida a partir das resultando em produção aumentada de interferon a e ~, me-
atuações do fator a de necrose tumoral e do interferon y. Essa diadores da resposta antiviral despertada no hospedeiro. São
evolução, no entanto, apenas ocorre quando a carga do VHB essas duas moléculas que ativam transdutores de sinais pela
se mostra elevada, o que se expressa sorologicamente por ele- via Janus-cinase, ativando também a transcrição em células
vados níveis séricos de DNA VHB. Isso também sucede ao ní- infectadas e não infectadas, essas limitadoras da disseminação
vel intra-hepático. célula a célula, com uma poliproteína ácida composta de 3.000
Com a associação VHB/VHD, o espectro da doença estende- aminoácidos, passando a ser processada por proteases virais e
se desde portadores assintomáticos até doentes que apresen- do próprio hospedeiro. Produzem-se assim dez diferentes po-
tam forma grave de hepatite, cirrose e carcinoma hepatocelular lipeptídios, tendo a serina NS3 papel essencial na replicação, ao
(CHC). Na maioria das vezes, cursa de forma aguda benigna e mesmo tempo em que se envolve na evasão da resposta exercida
autolimitada. Por sua vez, naqueles com mutações do geneS, pelo hospedeiro, levando à persistência da infecção vira!.
bem como acontece em ratos transgênicos, a agressão hepato- Também desse processo de replicação participa uma en-
celular gera hepatócitos com aspecto em vidro fosco, encerran- zima, RNA polimerase, codificada pelo gene NS5B, pronto a
do gotículas de gordura que envolvem o núcleo, sendo essas evoluir sob forma mutante. Variabilidade nessa sequência gera,
formações denominadas células em mórula. pelo menos, 6 diferentes genótipos predominando no Brasil,
604 Capftulo 54 I Hepatite Vira/ Crónica

Anictérica
80%

Cirrose hepática
(carcinomia hepatocelular)

lcterlcia I t Hepatite crônica 1 t


~----~2~~------~~ ~----~8~~~----~~
Hepatite aguda Progressão de hepatite crônica a cirrose 1oa 30 anos (6 meses)

Figura 54.2 Curso clínico ou história natural da hepatite viral C

no Japão e na Austrália, os 1, 2 e 3 na África, o 4 no Egito e o hepática com finalidade de: 1. avaliar o grau das lesões necroin-
6 no Oriente Médio. São todos hepatotróficos, replicando em tlamatórias (A0-3); 2. estadiar a fibrose (F0-4); 3. identificar
primatas não humanos e entre os humanos, não sendo citopá- cofatores que contribuem para evolução crônica, tais como,
ticos diretos, porém com a lesão hepatocelular, como vimos sinais de doença hepática alcoólica ou de esteato-hepatite não
anteriormente, sendo imunemediada via linfócitos T -helper alcoólica e sobrecarga de ferro, definidos se valendo do escore
(CD4) e T citotóxicos que se envolvem no reconhecimento de METAVIR. Mais recentemente, tem sido proposto avaliá-los
antígenos virais dispostos em superfícies celulares, atuando em usando o método de elastrografia por impulsos (FicroScan),
conjunto com proteínas do complexo MHC classe 1. com a elasticidade hepática sendo mensurada por ondas ul-
trassonográficas. Ressalte-se que o estudo histológico possibi-
• Aspectos clínicos do VHC lita identificar ainda agressão de duetos biliares e existência de
agregados linfocitários e follculos linfoides, além de esteatose
A infecção aguda pelo VHC, na maioria das vezes, cursa as- macro e microvesicular, além de ser possível, em futuro pró-
sintomática e sem precipitar o aparecimento da icterícia. Cerca ximo, definir a expressão de certos genes ou do micro -RNA,
de 50-80% desses pacientes, no entanto, evoluem para hepatite abrindo-se perspectiva para definir, valendo-se desses marca-
crônica, metade dos quais não manifesta sintomas, enquanto dores, a previsão sobre resposta ao tratamento com interferon
os outros apresentam sintomas inespecíficos, tais como aste- peguilado e ribavirina.
nia, mal-estar geral ou náuseas. Esses terão um curso clínico e
história natural típicos, conforme expresso na Figura 54.2, com
fatores influentes sobre índice de progressão para cirrose e car-
cinoma hepatocelular, traduzindo as tendências apresentadas
• INFECÇÃO PELO VfRUS DA HEPATITE G(VHG)
na Figura 54.2 e no Quadro 54.7. Neste território, parece interessante fazer um relato histó-
rico. Este vírus foi identificado em 1955, a partir da injeção do
• Aspectos diagnósticos sangue de um cirurgião em um sagui. As iniciais do cirurgião,
GB, foram usadas para a denominação do agente. Em 1995,
A doença revela-se bioquimicamente por elevação persis- cientistas dos Laboratórios Abbott, retomando estudos inicia-
tente e flutuante dos níveis séricos de ALT e AST. Diante da dos na década de 1960 por Deinhardt, valendo-se de um soro
suspeita clínica, se pesquisa no sangue a presença do anti-VHC. daquele cirurgião GB, clonaram e sequenciaram dois vírus, de-
Positiva implica a busca de identificação do RNA VHC (técnica nominados, então, GBV -A e GBV-B. O primeiro, quando in-
PCR), seguida da determinação da carga vira! e do genótipo, jetado, infectava pequenos saguis, mas não causava hepatite.
sobretudo quando se busca iniciar o tratamento específico para Por sua vez, o segundo provocava hepatite aguda autolimitada
tais pacientes. Complementa-se esse início se valendo da biópsia naqueles primatas. Nenhum deles, no entanto, foi encontra-

.,._ do ulteriormente em outros seres humanos, permanecendo


ainda inexplicável de que forma o cirurgião se infectou com
eles. Logo em seguida, outro vírus foi descoberto e isolado em
Quadro 54.7 Cofatores influentes sobre índice de progressão para individues com comportamento de alto risco para hepatite,
cirrose (Aiberti et o/., 2004) valendo-se da técnica de PCR por transcrição reversa, logo de-
signado de GBV -C. Concomitantemente, em outro laboratório,
Etnicidade foi descrito um quarto agente, isolado de pacientes portado-
Virem ia de base res de hepatite não A-E, nomeado HGV. Subsequentemente,
comprovou-se que tanto este quanto o GBV -C eram variantes
Genótipo lb
de um mesmo vírus, rarissimamente encontrando-se associados
Quasispecies
a hepatite. Apesar dessa comprovação, cerca de 10 a 20% dos
Idade ao diagnóstico
pacientes com hepatite não A-E estão infectados pelo GBV -C/
l munogenética (Polimorfismo do gene IL28B)
HGV, responsável por pequena, porém distinta, proporção de
Sobrecarga de ferro casos de hepatites pós-transfusionais, causando doença hepá-
Esteatose hepática tica aguda leve, gerando discreta elevação dos nfveis séricos de
Coinfecçáo com HIV ou vírus da hepatite B aminotransferases. Forma mais agressiva verifica-se entre he-
Obesidade e resistência à insulina modialisados, e a sua presença tendo sido descrita em 6% dos
Falta de resposta à terapêutica antiviral pacientes com hepatite crônica anteriormente definida como
Hiporregulaçáo de genes hepáticos estimulados pelo interferon
criptogênica e, em alguns japoneses, evoluindo como forma
fulminante da doença.
Capftulo 54 I Hepatite Viro/ Crónico 605
de alanina-aminotransferase, bem como co infecção com VHD
• CLASSIFICAÇÃO HISTOLÓGICA DAS HEPATITES ou VHC e associação com síndrome metabólica. Desses, 3%
CRONICAS VIRAIS cursarão com sinais de descompensação da cirrose ao ano, com
sobrevida de 5 anos sendo de apenas 14-28%, bem diferentes
A partir de 1981, tomando por base critérios que incluem dos 84% identificados naqueles sem sinais de descompensação
inflamação, necrose, fibrose e modificação da arquitetura, as hepatocelular.
alterações histológicas passaram a ser graduadas e definidas Objetiva-se o bloqueio dessa tendência evolutiva através
através de sistema de escore que define atividade inflamatória da administração de drogas que reduzam morbidade e mor-
(Quadro 54.8) e intensidade da fibrose ou presença de cirrose talidade, ao promoverem o clareamento do AgHBe, com se-
(Quadro 54.9). roconversão para anti-AgHBe, gerando normalização do valor
sérico de ALT e desaparecimento do DN A VHB avaliado pela
técnica de hibridização (dot blot). Necessário que o fárma-
• Aspectos terapêuticos co provoque involução histológica da hepatite crônica, típi-
• Hepatite crônica pelo VHB co comportamento observado naqueles que se encontram na
Preocupa nesses pacientes com hepatite crônica pelo VHB a fase imunoativa da infecção crônica. Encontra-se, sobretudo,
presença das formas replicativas do DNA VHB, definidas como indicado o tratamento naqueles em que a seroconversão es-
cccDNA (covalentely closed circular), mantidas viáveis desde o pontânea não ocorreu e que se encontram em torno de 35 ou
início da contaminação no núcleo dos hepatócitos infectados, no início dos 40 anos de idade. Também assim deverão ser
dotados de longa vida média, com interferências ou análogos conduzidos aqueles que cursam com reativação da agressão
nucleosídicos se mostrando incapazes de inibir a persistente vi- hepatocelular, sobretudo os pertencentes ao sexo masculino,
remia, pois essas moléculas cccDNA atuam como reservatório, ou que portam genótipo C, fazendo uso abusivo de etano!, com
promovendo consistente replicação do genoma vira!, responsá- história familiar de carcinoma hepatocelular ou coinfectados
vel pela recorrência do quadro inflamatório após interrupção com HIV, VHC ou VHD.
da terapêutica. Nesses doentes, também ocorre emergência de Uma vez iniciada a terapêutica, medidas de monitorização
quasispecies com seleção de diferentes mutantes em resposta da resposta precisam ser adotadas, segundo o seguinte esque-
imunológica despertada pelo hospedeiro, cujos hepatócitos têm ma: l. mensuração dos títulos de VHB DNA e ALTa cada 12
vida média entre 30 a 100 dias. semanas e de AgHBe/Anti-AgHBe a cada 24 semanas; 2. a
Assim é que, nos adultos portadores do VHB, 40 -70% têm negativação desses marcadores orienta para a interrupção da
evidência de replicação vira!, sendo AgHBe e DNA VHB posi- farmacoterapia após 6 a 12 meses; 3. monitorização periódica
tivos, 15-20% dos quais desenvolvem cirrose dentro de 5 anos, obrigatória dos AgHBe e DNA VHB a cada 4-6 meses, pois
com incidência anual em tomo de 0,7%. Fatores de risco para uma recorrência é possível com a interrupção da terapêuti-
que ocorra essa evolução incluem, além da presença desses mar- ca, o que nunca deverá ser feito naqueles que são cirróticos.
cadores, idade avançada, níveis séricos elevados e persistentes Atuando-se dessa forma, tenta-se retardar a evolução para um
possível carcinoma hepatocelular, embora não se tenha ainda
definido a estratégia de rastreamento desse tipo de neoplasia
- 'Y nesses pacientes. As opções terapêuticas a serem empregadas
na condução desses infectados se encontram expostas logo
Quadro 54.8 Si.stema de escore para definir atividade
em seguida.
necroinflamatória na hepatite crônica
• lnterferons peguilados
Escore
Disponíveis sob duas apresentações: a2a (Pegasys1;) ou a2b
(graus) Atividade portaVperiportal Atividade lobular (Pegintron®), nas doses recomendadas, respectivamente, de
o Nenhuma ou mfnima Nenhuma 180 mcg e 100 mcglsemana, durante 6 meses. Não podem ser
1 Inflamação portal (HCP) Inflamação sem necrose
administrados em cirróticos, sobretudo quando se encontram
em fase de insuficiência hepática, pois, nesses, o risco de cla-
2 Necrose periférica leve Necrose focal e corpúsculos
acidófilos reamento rápido dos AgHBs, AgHBe e DNA VHB pode induzir
3 Necrose periférica moderada Intensa lesão celular
o aparecimento de necrose hepatocelular extensa e morte.
(HCA moderada) local Essa modalidade terapêutica tem sido recomendada como
4 Necrose periférica intensa Lesão inclui necrose em ponte primeira linha de tratamento para aqueles que são portadores
de hepatite crônica AgHBe negativos. Essa forma se caracteriza
pela tendência à evolução progressiva da lesão hepatocelular,
relacionada à abolida expressão do AgHBe. Tem pior prog-
- ... nóstico, pois são raros os índices de clareamento espontâneo,
com prevalência preocupante se ampliando pelo mundo. Assim
Quadro 54.9 Sistema de escore para fibrose e cirrose
conduzidos durante 48 semanas, 28% evoluem com níveis de
Escore
DNA VHB abaixo de 10.000 cópias, enquanto 8,7% eliminam
(graus) Fibrose o AgHBs, comportamento observado 3 anos após a interrup-
ção da administração, quando tratados pacientes com menos
O Nenhuma de 40 anos de idade. Essa evolução se relaciona à potente ati-
1 Espaços portais alargados, fibróticos vidade imunomoduladora despertada pela sua ação antiviral,
2 Septos porta-porta ou periportais, com arquitetura preservada sem que os pacientes desenvolvam resistência ao fármaco. Al-
3 Fibrose com distorção da arquitetura, sem cirrose guns afirmam que essa evolução seja melhor naqueles doentes
4 Cirrose provável, ou bem definida
portando alguns fatores preditivos definidos como positivos
(Quadro 54.10).
606 Capftulo 54 I Hepatite Vira/ Crónica

---------------· ---------------
Quadro54.1OPossfveis fatores preditivos positivos relacionados à
jam preferencialmente tratados pela administração de análogos
nudeos( t)ídeos (ANIT), vários deles já disponíveis no mercado
resposta ao interferon peguilado o:2a em pacientes com hepatite brasileiro, conforme se verá a seguir.
crônica B, AgHBe negativo
• An6/ogosnucleos(t)ídeos (ANIT)
Nívei s sé ricos elevados de ALT pré-tratamento Entre esses, incluem-se larnivudina, adefovirdipivoxil, ente-
Baixo n ível sé rico de DNA VHB pré-tratamento cavir, telbuvidine e tenofovir, usados em monoterapia ou com-
Doença hepática ativa
binados com interferons peguilados. Naqueles pacientes com
Contaminação com o VHB ocorrendo na idade adulta
reserva hepática preservada, os cinco medicamentos citados
são administrados oralmente por tempo indeterminado, e a
Curta duração da infecção
suspensão prematura podendo ocasionar elevação dos níveis de
Anti-H IV e anti-VHD negativos
DNA VHB com reativação da h epatite. Outros inconvenientes
Sexo feminino gerados por esses fármacos são toxicidade renal, mitocondrial
Estilo de vida heterossexual e muscular, cada um deles merecendo considerações em sepa-
rado neste capítulo.
.,. LAMIVUDINA. Administrada na dose de 100 mg!dia, pro-
move clareamento sustentado de DNA VHB em 80%, do AgHBs
Preocupação com esses pacientes que são tratados através em 20%, com normalização dos valores de alanina-aminotrans-
da administração de interferon peguilado ocorre, sobretudo, ferase em 67% e melhora histológica em 70%. Preocupante se
quando aqueles assim manipulados cursam com vigorosa res- mostra a recorrência do DNA VHB em 90% dos pacientes após
posta imunológica, gerando aumento de carga vira!, causando suspensão da terapêutica. Encontra-se definido que os bons
exacerbações inflamatórias agudas, visando a promover o clare- resultados são obtidos naqueles pacientes que são AgHBe e
amento do DNA VHB. Traduzem-se esses surtos por elevação DNA VHB positivos, reduzindo-se naqueles AgHBe negativos
acentuada dos níveis séricos de arninotransferases, hiperbilirru- e DNA VHB positivos, ou seja, que exibem mutação pré-core.
binemia e queda dos valores da atividade de protrombina e fator A boa tolerância e o efeito antivira! marcante têm levado a que
V, associados ao reaparecimento sérico do anti-AgHBc lgM. Tal esses pacientes sejam assim manuseados, mesmo quando se
comportamento relaciona-se à acentuada necrose induzida nos encontram em estágio final da cirrose. Além disso, torna-se
hepatócitos, na dependência da resposta induzida pelos linfóci- recomendável a permanência de seu uso tanto no pré- quan-
tos T voltada contra hepatócitos que albergam o AgHBe. Essa to no pós-operatório imediato daqueles doentes submetidos
evolução pode ser grave, tendo também sido observada quando ao transplante de figado, pois se revela eficaz no clareamento
existe reativação espontânea ou induzida naqueles com hepatite do DNA VHB e seroconversão AgHBe para anti-AgHBe e do
crônica ou em uso de medicações imunossupressoras e imuno- AgHBs para anti-AgHBs. Esses marcadores sér icos podem
moduladoras, tais como quimioterápicos, drogas antirrejeição voltar a reaparecer uma vez suspensa a administração da la-
e/ou corticosteroides. Também esse fenômeno ocorre quando rnivudine, preocupando, sobretudo, a emergência de cepas
existe indução de variação nos genótipos virais, motivada por mutantes.
mutações em diferentes sítios precore, core e da polimerase .,. ADEFOVIRDI PIVOXIL Tem sido proposto que seja admi-
DNA VHB, ou quando existem infecções superimpostas pelos nistrado na dose de 10-30 mgldia por 48 semanas, sendo ca-
vírus das hepatites A, C, Dou HIV. paz de promover redução acentuada dos títulos de DN A VHB
O dominio desses conhecimentos serve para reforçar que, (> 3,5logs,o> com seu clareamento em 21% dos casos. Observa-
se valendo de interferon peguilado a2a ou 2b, deve-se buscar se também negativação do AgHBe em 12% e normalização de
tratar pacientes cursando com a forma compensada da doença. valores de ALTem 48%, tendo a vantagem de mostrar-se ativo
Prudente, portanto, não administrá-lo àqueles com carga vira! naqueles resistentes à larnivudine. Recomenda-se, no entanto,
muito elevada, ou cirróticos cursando com reserva hepática que os pacientes recebam acompanhamento rígido da função
mais baixa, expressa por hiperbilirrubinemia, hipoalbuminemia renal, pois sinais de agressão glomerular podem ser observa-
e hipoprotrombinemia. São esses pacientes que, por ocasião do dos. Alguns pacientes assim conduzidos poderão apresentar
clareamento do DNA VHB, desenvolvem surtos de necrose acidose lática, e os obesos, com peso corpóreo acima de 20%
submaciça ou maciça do figado, levando ao aparecimento de do normal, têm risco maior de cursarem também com sinais
ascite, de confusão mental, de peritonite bacteriana espontânea, de hepatotoxicidade.
de encefalopatia hepática e óbito. Além disso, a resposta e a efi- .,. ENTECAVIR. Revela-se como um inibidor seletivo da po-
cácia terapêutica aos interferons peguilados podem ser afetadas limerase do DNA VHB. Preconizam-se doses de 0,5 a 1,0 mgl
pelo desenvolvimento de efeitos colaterais clínicos adversos, tais dia, mostrando-se eficazes em cerca de 80% daqueles assim
como febre, calafrios, dores musculares, insônia, depressão, adi- tratados, exibindo excelente tolerância. A sua administração
namia e exames laboratoriais expressivos, mostrando anemia, deve estender-se entre 24 e 48 seman as, promovendo redu-
leucopenia, neutropenia e plaquetopenia. Preocupa, também, ção do título de DNA VHB e normalização do valor sérico
o aparecimento de psoríase, de hiper ou hipotireoidismo, de da ALT. Desses doentes, 3% desenvolvem hipertransamina-
hipertensão arterial, de dores precordiais e arritmias, alterações semia. Constitui-se em uma população especialmente sensível
essas que, se preexistentes, podem se exacerbar durante o tra- aqueles que são AgHBe negativos, anti-HBe positivos e DNA
tamento. São comuns também infiltrados pulmonares, pneu- VHB, além de 7 x 10s cópias/ml . Esses, conduzidos durante
monias e pneumonites. Na dependência da intensidade des- 48 semanas, cursam com baixa do DNA VHB de - 5,04 logs,
sas complicações, ocorre baixa aderência dos pacientes, que se 78% com normalização de valores de ALT, 1% evoluindo com
expõem a doses subótimas; lembrar que a resposta terapêutica hipertransaminasemia.
está também relacionada com a var iação genética individual e .,. TELBUVIDINE. Deve se.r administrado na dose de 400 mgl
desenvolvimento de cepas virais resistentes. Visando a limitar dia, durante 48 semanas, induzido a redução de 3,6-4,0 logs 10 do
esses inconvenientes, torna-se prudente que esses doentes se- DNA VHB, com seu clareamento e do AgHBe sendo observado
Capftulo 54 I Hepatite Vira/ Cr6nlca 601
em 28% dos pacientes assim conduzidos, com o inconveniente
de geração de mutações em 21% deles.
""nNOFOVIR. Recomendável ser administrado na dose de
"'
Quadro54.12 Fatores de risco para desenvolvimento da
resistênda aos an~logos nudeos(t)fdeos (ANID
300 mgldia, durante 48-52 semanas, propiciando seroconversão
doAgHBeem 21%, DNA VHBindetectávelem 74%enormali- I. Altos títulos de ONA VHB e dos nlvels ~ricos de ALT
zação de nível sé rico de ALTem 69%. Naqueles que são AgHBe 2. lndke de massa corpórea elevada
negativos, o DNA VHB é clareado no mesmo perlodo em 91%, 3. Terapia prévia com an.ilogos nucleos(l)ldeos
com normalização dos valores de alanina-aminotransferase em 4. Transmissão de mutantes resistentes aos f~rmacos em novos pacientes
77%, com índices de resistência nos pacientes mono infectados infectados
sendo ainda desconhecidos .
.,. CLEVUDINE. t um análogo pirimidlnico capaz de inibir a Zoutim & Locamim. 2009.
polimerasedo DNA VHB, eficatem marmotas e bem tolerado
por voluntários saudáveis e com AgHBe positivos. Tratados
durante 28 dias em doses diárias variáveis de 10, 50, 100 ou
200 mg, tiveram redução de 2,48logs dos níveis de DNA VHB, "" NÃO RESPOSTA PRIMÁRIA. Definida pela incapacidade de
mantendo resposta sustentada por mais de 6 meses, sem efeitos reduções de 1-log10 cópias/ml ou 1,0 log 10 UI/ ml nas primeiras
colaterais adversos sérios.
12 semanas de tratamento, relacionada a: a. falta de aderência
""ENTRICITABINE. Trata-se de um análogo nucleosfdico com
à tomada da medicação; b. resposta subótirna - efeito farma-
atividade antiviral contra os vírus da hepatite B e da irnuno-
cológico; c. deve-se mudar a terapêutica por drogas mais po-
deficiência adquirida. Preconizam-se doses de 100,200 ou 300
tentes. Tem sido mais observada (10-20%) naqueles tratados
mgldia por 48-96 semanas, causando perda de AgHBe em 40%
daqueles assim conduzidos. Cerca de 6% desenvolvem resistên- com adefovir, exigindo-se que esse fármaco seja substituído
cia à d roga, mesma evolução observada naqueles que são anti- por tenofovir ou entecavir. Esse comportamento é raramente
AgHBe positivos e cursando com baixa dos títulos dos DNA observado naqueles conduzidos por lamivudina, telbuvidina,
VHB (> 2logs,0 ), facilitando o desenvolvimento de mutações, entecavir ou tenofovir.
com taxa de resistência de 18%. "" RESPOSTA PARCIAL Quando exíste incapacidade em decli-
nar a carga vira! ao nível recomendável (< 1.000 cópias/me ou
• Emergênciade resistlnciaaos andlogos nudeos(t)ídeos (ANff) 200 UUml), com DNA permanecendo detectável sem resposta
Inicia-se pela indução de mutações no gene polimerase, se- histológica ao fim de 24 semanas de terapêutica. Valendo-se
guida pelos aumentos na carga vira! e nos nfveis de alanina- de Entecavir* ou Tenofovir*, esse fenômeno não se observa
aminotransferase (ALT) semanas ou meses após o início da em, respectivamente, 33, 26 e 74% daqueles que são AgHBe
terapêutica, com progressão da doença hepática. A incidência positivos e negativos, comportamento sobretudo observado
anual cumulativa de resistência com ANST está representada naqueles com carga vira! elevada Essa evolução pode ser iden-
no Quadro 54.11. tificada com qualquer dos ANST, exigindo-se sempre emprego
Esse comportamento da resistência se relaciona a fatores de de drogas mais potentes na busca também de não induzir resis-
risco, conforme expresso no Quadro 54.12. tência cruzada, o que nos leva à combinação na administração
desses fármacos.
• Comodefinir os asptetos cHnkos da resistinàa .,. REBOUNDVIRAL Traduz emerg!ncia de resistência vira!
Deve-se, durante o tratamento, buscar determinar títulos traduzida por> 1,0 log 10 UI/ml , comum na resistência fenotí-
de DNA VHB a cada 3 meses. A falência da terapêutica se tra- pica ou emergência de mutações resistentes. Diante dessas con-
duz por: dições de resistência, são necessárias adaptações da terapêutica,

"'
Quadro S4.11 1nddência cumulativa anual de resistência aos an~logos nucleos(t)fdeos

R.slstMda em anos de terapia


ExprHsa por percentagens

1' 2' 3' 4' s• 6'

Drogas Popula~lo Anos

Lamlvudlna 23 46 ss 71 80
Telbuvldlna AgHBe(+) 4,4 21
Telbuvudlna AgHBe (-) 2,7 8,6
Adefovlr AgHBe (-) o 6 18 29
Adefov1r Resistente a lamivudlna >20
Tenofovlr o o
Ent.ec.avlr Noiws 0,2 0,5 1,2 1,2 1.2
Entec.avlr Resistente a lamivudina 6 IS 36 1,2 SI 57

Zoulim & locaminl 2009.


608 Capftulo 54 I Hepatite Vira/ Crónica

---------------· ---------------
Quadro 54.13Adaptações da terapêutica à resistênda cruzada
tais como discriminadas no Quadro 54.13. Essa situação deve
ser identificada o mais precocemente possível, valendo-se da
monitorização dos níveis de DNA VHB, antes que se desen-
Resistênda Adapta\Ões da terapêutica volva hipertransarninasemia.
lamivudina Adicionar tenofovir ou adefovir dipivoxil • Estratégias de tratamento
Adefovirdipivoxil Substituir por tenofovir e uma s~unda droga, Podem ser adotadas de forma prática segundo exposto nas
lamivudina ou entecavir, ou telbuvidine ou
tenofovir com entecavir
Figuras 54.3 e 54.4.
Os resultados obtidos com essas opções estão expostos segun-
Telbuvidine Adicionar tenofovir ou adefovirdipivoxil se tenofovir
do os fármacos usados, avaliando a melhora histológica, a norma-
não for disponível
lização de ALT, a negativação do AgHBe e a redução dos níveis
Entecavir Ad icionar tenofovir
de DNA VHB, conforme mostrado nas Figuras 54.5 e 54.6.
Tenofovir Não tem sido descrita resistência primária, podendo
haver cruzada, sendo recom endável adicionar, após • Novas drogas em desenvolvimento
genotipagem, entec.avir, telbuvidine, lamivudine
ou entricitabine São poucas as novas drogas em desenvolvimento visando a
tratar pacientes com VHB. No entanto, permanece a pesquisa

AgHBe positivo
t
DNAVHB
! ~
I Alamina-aminotransferase
I < 101cópias/MI I
t
I Elevada
I I Normal
I
'
Sem tratamento
Monitorar a cada
4-6 meses

I '
Normal I
t
Biopsla hepática Blopsla hepática
Hepatite crônica ou Inflamação. fibrose, hepatite
cirrose crônica
t t
Adefovir - I I
I Lamivudina
I Adefovir - lamivudina ou
mterferon

Figura 54.3 Recomendações para tratamento de hepatite crônica B AgHBe positivo. Doença compensada.

AgHBe negativo
J
ONAVHB

< .O'<~I•Wml 4
l
< 10 cópias/m e

Alamina-aminotransferase

f
~
f
'
Sem tratamento
monitorar a cada
4-6meses
Elevada Normal
t
'
Biopsia hepática
Hepatite crônica sem
Biopsia hepática
Inflamação ou
cirrose fibrose
t t
Adefovir - Lamivudina Adefovir - Lamivudina
I entecavir ou interferon I I entecavir ou interferon I
Figura 54.4 Recomendações para tratamento de hepatite crõnica B AgHBe negativo. Doença compensada.
Capitulo 54 I Hepatite Vira/ Crónica 609

• Lamivud ina • Adefovirdipivoxil o Entricitabine


• lnterferon peguilado Cl Entecavir
120

100

80

% 60

40

20

o
Me lhora Normalização de Negativação Baixos níve is
histológica ALT AgHBe DNA VHB
Figura 54.5 Hepatite crônica viral B. Resultados do tratamento em pacientes AgHBe positivos.

• Lamivudina • Adefovirdipivoxil O Ent ricitabine

• lnte rferon peguilado Cl Entecavir

Melhora histo lógica Normalização de ALT Baixos níveis DNA VHB


Figura 54.6 Hepatite crônica viral B. Resultados do tratamento em pacientes AgHBe negativos.

voltada a entender na intimidade mecanismos de patogênese formação do nucleocapsídeo. Outras se impõem como candi-
e resistência, na busca de identificar e interferir, nos diferentes datas, ao buscar a modulação da resposta inata e adaptativa, ao
mecanismos patogenéticos. Assim tem sido proposto tratá-los ativar células dendríticas, ou que deverão atuar na capacidade
valendo-se de pequenas moléculas que impeçam o acesso do de replicação de mutantes VHB. Selecionam-se assim moléculas
agente vira! aos hepatócitos. Com esse objetivo, se pesquisam que permitam a adoção de medidas terapêuticas personalizadas
atuações dos peptídios pré-Si, isolados ou combinados aos aná- a cada indivíduo, ampliando a supressão e o clareamento vira!,
logos nucleos(t)ídeos, prevenindo a infecção de novos, e clarea- prevenindo a eclosão de resistência e suas complicações.
mento dos hepatócitos infectados. Outros agentes definidos A falência da terapêutica instituída e a evolução para cir-
como candidatos se voltam ao bloqueio e processamento do rose, com sinais de insuficiência hepatocelular, hipertensão
cccDNA, modificando sua regulação epigenética. Também têm portal ou carcinoma hepatocelular, indicam que esses doentes
sido gerados fármacos que se envolvem na encapsulação e for- devam ser conduzidos pelo transplante de figado, represen-
mação do capsídeo, bem como moléculas heterocry-pirimidinas tando cerca de 5-10% dos candidatos a serem submetidos a
têm sido experimentalmente empregadas. Também se buscam esse tipo de tratamento, cujas indicações nas hepatites B, C e
fármacos que atuem na dimerização do AgHBc, prevenindo a D encontram-se expressas no Quadro 54.14. As perspectivas
---·
61 O Capitulo 54 I Hepatite Viro/ Cr6nico

2- DNA VHB < tO' cópias/ml ou< 2.000 UI/ ml e VHD


Quadro S4.141ndicações de transplante de ligado em padentes RNA negativo e/ou anti-VHD IgM negativo. Para esses,
com hepatite aônica ou drrose pelos vírus das hepatites 8, CeO propõe-se monitorizar níveis séricos de aminotraosfe-
rases a cada 6 meses, enquanto marcadores virais, tais
1- Qualidade de vida como VHD RNA ou HVD lgM a cada t2 meses.
Astenla 3. HBV DNA C!: tO' cópias/ml ou 2.000 Ullml e VHD RNA
Sunos repetidos de encefalopatia negativo e anti-VHD IgM não reagente. Deverão ser
Infecções recorrentes tratados segundo algoritmo de monoinfectados AgHBe
11 - Gravidade da doença e/ou anti-AgHBe (Figuras 54.3 e 54.4).
Albumina sérlca < 2,5 gldt
Tempo de protrombina > 5• (alargado)
Bilirrubina sérlca > 5,0 mg!dt • Coínkcção VHBIHIV
Slndrome hepatorrenal Nestes pacientes, ocorre aumento da replicação do VHB,
Peritonite bacteriana espontanea gerando formas mais graves de doença hepática, com baixas
Sangramento por hipertensão portal taxas de seroconversão para anti-AgHBs. anti-AgHBe e tltu-
los elevados de DNA VHB. Preocupantes também são aqueles

---·
Quadro 54.15 Perspectivas evolutivas da infecção pelo vlrus
da hepatite 8 pós-transplante de ligado (8erenguer, 2008)
1. Sem efetivas terapêuticas profiláticas, VHB recorre em 15-90% dos
que cursam com VHB oculto, forma expressa por DNA VHB
em títulos baixos e AgHBs não reagente. Em qualque.r dessas
expressões, a resposta ao tratamento com interferon a é menor,
com risco maior de evolui rem com síndrome da reconstrução
imune (TARV), gerando necrose hepatocelular extensa e redu-
ção da capacidade de slntese hepática. Do ponto de vista prático,
segundo orientação do Ministério da Saúde do Brasil, deverão
casos, mais comuns naqueles AgHBe e DNA VHB positivos. ser tratados aqueles pacientes com as seguintes características:
2. Essa história muda com administração no intra e no pós-operatório de 1. com evidências de replicação vira! (AgHBe positivos, DNA
doses elevadas de HBIG (gamaglobulina hiperimune anti-VHB). Assim VHB C!: to• cópias/ml ou> 2.000 UUml), além de hipertran-
se redu~em os lndices de recorrência para 17-38%. Esta, quando ocorre,
leva lo cirrose em 2 anos de pós-operatório. Outras limitações existentes saminasemia; 2. sem evidências de replicação vi.ral, porém com
ao seu uso são: (1) algumas reinfecções com perda do enxerto; (2) fibrose Ft a F4, ou sem fibrose, mas com atividade necroinfia-
terapêutica onerosa ultrapassando a R$25.000-30.000 reais/ano. matória C!: 2 (Metavir); 3. com cirrose; para esses, o tratamento
3. Outra dificuldade na imunização com HBIG reside no fato de que em será definido de acordo com a contagem de linfócitos T -CD4' ,
alguns ocorre resposta ineficaz: indução de baixos titulas de anti-HBS segundo Quadros 54.t6 a 54.t8.
(< 100 UVl), além de superprodução de mutações.
4. Alternativas terapêuticas ao HBIG devem ser: (a) início de terapêutica • Hepatite aônica peloVHC
antivirat com lamivudina (100 mg!dia) ou adefovir diplvoxit A infecção crônica é observada em mais de 60% dos infec-
(10 mg!dla) e continuação no pós-operatório; (b) assoclaçlo desses
análogos nucteosldicos. com baixas doses de HBig (400- 2.000 UI/mês). tados pelo VHC. A manipulação terapêutica destes pacientes
5. A terapêutica com vacinas mostra resultados disparatados. é complexa, pois, muitas vezes, evoluem assintomáticos e de
forma lenta, eventualmente de maneira rápida_ No entanto, cer-
6. Retransplante se mostra raro e deve ser evitado de realizar-se na
fase mais avançada da cirrose hepática ou naqueles com hepatite ca de t 0% desenvolvem cirrose após 20 anos e t 0%, carcinoma
colestátlca fibrosante. hepatocelular no período. Essa tendência poderá ser abortada
caso se consiga promover a supressão da replicação vira! e a mo-
dulação da resposta imune. Para tal, ainda são utilizados alguns
fármacos, cujos objetivos são o dareamento viral e a indução de
imunidade mantida, perene, contra o vírus. Atualmente, têm
evolutivas no pós-operatório dos portadores do vírus B são sido tratados com associação interferon peguilado a2a ou 2b,
descritas no Quadro 54.t5. associados à ribavirina como proposto na Figura 54.7, obede-
cendo à orientação segundo genótipo do paciente_
• Coinftcçõo VHB/VHD Essa orientação se baseia na comprovação de que: 1. interfe-
O diagnóstico se confirma pela detecção de anticorpos anti- roos representam citocinas naturais que têm um amplo espectro
VHB IgG e IgM. O primeiro já pode ser identificado no sangue de propriedades antivirais, antitumorais e imunomoduladoras.
entre 2 e 4 semanas de infecção, evoluindo com baixos títulos, São proteínas produz.ídas naturalmente pelo corpo como parte
até clareamento ao fim de 2 anos. Persistência do segundo (IgM) de sua resposta defensiva à ação lesiva exercida por v!rus, bacté-
traduz vi remia. Esquemas terapêuticos propostos na condução rias e células tumorais. Visando a proporcionar tais beneficios
desses pacientes se apresentam em número reduzido, e os re- e maior disponibilidade corpórea, propõe-se administração do
sultados são pouco convincentes. Recentemente, o Programa tipo peguilado a2a ou 2b, por via subcutânea, em dose única
Nacional para prevenção e controle das hepatites virais no Brasil semanal pelo perlodo de 6-12 meses. Com essa nova fórmula,
(em 2009), considerando aqueles pacientes que são anti-VHD a ampliação de resposta vira) sustentada foi possível, pois se
total positivos, cursando com DNA VHB C!: tO' cópias/ml ou mostra capaz de degradar o mRNA vira!, tomando posslvel a
> 2.000 Ul/ml , propõe que eles sejam tratados com a associação indução de uma protelna cinase que fosforila e inativa o fator E,
de interferon peguilado e lamivudina por 48 semanas, seguindo (E,F), pré-requisito para inicio de síntese proteica. Promove-se
trb opções em função da carga viral: assim uma otimização biológica se comparado a protelnas na-
1. DNA VHB C!: to• cópias/ml ou 2000 UUml e VHD RNA tivas, não peguiladas, com a comodidade de ser necessária sua
positivo e/ou anti-VHD IgM reagente. Para esses. deve-se administração para infectados crônicos pelo vírus da hepatite
considerar interferon convencional na dose de 9 milhões C. a apenas uma vez por semana, também por via subcutânea;
de U por via subcutênea em dias alternados, ou seja, 3 2. amplia-se a sua eficácia se combinado à ribavirina (1 - ~-D ­
vezes por semana: ribofuranosil-tH- 1,2,4-triazol-3-carboxamida), molécula não
Capftulo 54 I Hepatite Vira/ Crónica 611

---------------T--------------- ---------------T---------------
Quadro 54.16 Tratamento de pacientes assintomáticos coinfectados Quadro 54.18 Tratamento de pacientes assintomáticos coinfectados
HIVNHB e contagemde linfócitos (HD4+) > 500 células/mm3 HIVNHBcom LT-C04 < 350 e500 células/mm 3

Assintomiltims com Status clinico-imunológico Tratamento de escolha Comentários


Lf-CD4+ > SOO
células/mm' 1' escolha Alternativa Assintomáticos e virgens Tenofovir + lamivudina
de TARV + ITRNN ou IP/n
HBe positivo lnterferon o. Tenofovir + Lamivudina Assintomáticos já tratados Substituição ou inclusão Adefiniçao
+ ITRNN ou IP/n com TARV de tenofovir + deverá ser dada
HBE Ag negativo e DNA Monitoramento com lamivudina no esquema por médicos
VHB > 2.000 Ul/ml ou DNA VHB a cada antirretroviral com experiência
1O' cópias/m/ 6 meses no manejo de
antirretroviral ou
ITRNN = Nucleotfdeos da transcriptase reversa; IP/rc = lnlbldores de protease referência em
potendallzados com ritonavir. genotipagem
VHB DNA < 2.000 Ul/ml Monitorar VHB DNA
ou 1O' cópias/mt

TARV =Terapia antirretroviral; rTRNN = Nucleotídeos da transc(iptase reversa; IP/n =


- T lnibidores de protease p:>tendalizados com ritonavir.

Quadro54.17Tratamento de pacientes assintomáticos coinfectados


HIVNHBecontagem de linfócitos (T-CD4+) entre 350 e 500 células/mm 3

Assintomiltims com LT-CD4• (NS 5B) e da e.x pressão de proteínas estruturais do virus da he-
entre 300 e SOO célulu/mm' 1' esmlha Comentários patite C. Atua também bloqueando a proliferação de linfócitos
VHB DNA > 2.000 Ul/mt lnerferon o ou tenofovir Caso a contagem
T in vitro e aumentando secreção de citocinas Th1 e redução de
ou 10' cópias + lamivudina + ITRNN de LT-CD4' Th2, com estratégia proposta de tratamento que está disposta
ou IP/n esteja próxima a no Quadro 54.18, enquanto cuidados ou vigilâncias maiores
500 células/mm',
pode-se optar
durante o uso combinado desses dois fármacos estão discri-
poriFNo. minados no Quadro 54.19.
VHB DNA > 2.000 Ul/mt Tenofovir + lamivudina
ou 10' cópias e presença + ITRNN ou IPht • Fatores predítivos de resposta ao tratamento com interferon
de cirrose hepática peguilodo a2o ou 2b
VHB DNA < 2.000 Ul/mt Monitorar VHB DNA Estão expostos no Quadro 54.20.
ou 1O' cópias/ mt
Recentemente, surgiram novas perspectivas quanto a certos
fTRNN = Nudeotídeos da transcriptase reversa; IP/n: = lnibidores de protease marcadores genéticos indicadores de quais pacientes respon-
potencializados com ritonavir. derão à terapêutica clássica envolvendo interferon peguilado
a. Entre estes, incluem-se os que exibem polimorfismos de nu-
cleotídeo único em região IL-18B codificadora de interleucina-
28B ou interferon lambda 3. Também a interleucina IL-28 se
higroscópica, solúvel em água e pouco solúvel em álcool, de- encontra envolvida nessa resposta, codificando superfamília
vendo ser tomada na dose de 15 mglkg de peso e em tot al de da IL- 10, interferons tipo III ou À, disparando sinais via JAK1/
800-1.200 mgldia, distribuída em duas tomadas. Tem ação an- STAT. Abre-se uma perspectiva importante, com impacto so-
tiviral e imunomoduladora, promovendo, quando combinada bre o prognóstico e as novas estratégias terapêuticas, selecio-
ao Pegasys<~> ou ao Peg-Intron<», inibições de replicação do RNA nadoras de fármacos indutores de mutações com resistência e
subgenômico, do RNA VHC dependente da RNA polimerase ausência de resposta ao esquema institufdo. Além disso, será

Hepatite crônica C
f
Determinar genótipo
~ f l
l Genótipos 2 ou 3 I Genótipo 1 Genótipos 4, sou 6
f f
Biopsia hepática Biopsia hepática
1 f f
lnterferon peguilado lnterferon peguilado lnterferon peguilado
+ + +
Ribavirina 800 mg/ dia Ribavirina 1,0 a 1,2 g/dia Ribavirina 1,0 a 1,2 g/dia
(24 semanas) (48 semanas) (48 semanas)

Figu ra 54.7 Estratégia proposta de tratamento da hepatite crônica viral C com interferon peguilado e ribavirina (Pawlotsky. 2004).
612 Capftulo 54 I Hepatite VIra/ Cr6nlca

T
Quadro 54.19 Cuidados ou vigílancías maiores durante ouso combinado • PERSPECTIVAS: FUTUROS ANTIVIRAIS
de interferon peguílado e ribavirina Acredita-se que o genoma do VHC é dotado de extrema
complexidade, com genes codificando prote!nas estruturais,
1. Presença de reaçOes psiquiátricas, tais como depressão, ideias ou os quais se combinam com o core e o envelope para formar a
tentativas de suiddio pret~ritas ou na vigência do tratamento. estrutura da partícula e das prote!nas não estruturais voltadas à
2. Presença de etevaç6es progressivas dos nfveis séricos de alanina· replicação. Pensando nesses fatores, os futuros fármacos deve-
aminotransferase. rão ser altamente efetivos e ser administrados por via oral, sem
3. Presença de infiltrado pulmonar, pneumonite, pneumonia ou induzir efeitos colaterais indesejáveis, comprometendo a qua-
dispneia. lidade de vida daqueles assim conduzidos. Além disso, devem
4. Presença de distúrbios endócrinos como hiper ou hipoglicemia, estar voltados a interferir sobre os passos que se estabelecem
hipercolesterolemia ou hipertrlglkeridemia, hiper ou hipotireoidismo.
durante o ciclo de vida desse agente infeccioso, tais como:
5. ExacerbaçAo de doença autoimune e da psorlase.
6. Presença de fenômenos de hlpersenslbilidade. tais como urticária,
angioedema, broncos pasmo e anafilaxla. • lntemalização viraI
7. Presença de eventos cardlovasculares. tais como hipertensão, Relaciona as participações de diferentes moléculas dispostas
arritmias. insuficiência cardiaca congestiva, infarto do miocárdio. na superfície dos hepatócitos, tais como COSI, removedores do
8. Presença de mielossupressão, com valores de neutrófilos, plaquetas e receptor B tipo 1 (SR-Bl), molécula 3-não integrina especifica
hemoglobina abaixo, respectivamente, de 1.500 células/mm•, 90.000 das célula.s dendríticas (L-SIGN ou CD290L), receptor de lipo-
células/mm' e 12 gfdt.
proteina de baixa densidade (LO L-R) e, finalmente, receptor
9. Presença de distúrbios oftalmológicos, tais como lesões hemorrágicas
e algodonosas da retina, edema de papila, perda da visão.
de asialoglicoprote!na (ASGP-R), além de ICAM-3, molécula
de adesão intercelular figado-linfonodo especifico, promotoras
1O. Presença de efeitos teratogênicos pertencentes à atuaçao da
ribavirina. Não tratar grávidas, pois nao há definiçao de esse fármaco da internalização do VHC.
ser eliminado pelo leite materno. Também deve ser administrada
com cuidado naqueles com cleoronce de creatinina < 50 mt/min ou
quando creatinina sérlca > 2 mg/dt.
• Processamento virai pós-translacional
Nesta fase, o genoma VHC sofre translação e clivagem, for-
mando as proteínas E! e E2 glicoproteínas do envelope, p7 gera-
dora de canais iônicos na membrana do ret!culo endoplasmáti-
co, além das NS3, NS4A, NS4B, NS4B-NSSA e NSSA-NSSD.
T
Quadro 54.20 Fatores preditivos de boa resposta ao tratamento com • Replicação viraI
interferon 2a ou 2b recombinante padrão em padentes com hepatite
cronica pelo vírus C Nela se encontram envolvidas proteínas virais, componen-
tes celulares e RNA formando um complexo, na dependência
F•tores lig~os •os pacientes
de atuações de NSSB-RNA dependente e RNA polimerase. São
Sexo feminino atuantes na síntese e disponibilidade das novas partículas virais,
Idade jovem na dependência de atuação de NS3 helicase.
Contaminaç.lo nlo transfusional
Ausência de déficit Imunológico
Ausência de consumo excessivo de álcool • Liberação vira I
F•tores lig•dos à doença Origina-se e estabelece-se no interior dos hepatócitos, mais
Infecção recente precisamente no retículo endoplasmático e aparelho de Golgi,
Baixos nfvels séricos de gamaglutamlltransferase
Ferritína babca onde se processa a maturação e ocorre exportação dos v!rions
Concentração s~rka baixa de pró-colágeno tipo 111 maduros para o espaço pericelular.
Ausência de cirrose Baseando-se no desenvolvimento dos sistemas, replicam as
Fatores ligados ao vlrus pseudopartículas e de virus infectantes, tornou-se possível não
Viremla baixa(< 0,35 x 10"genomas/ml) apenas o entendimento dos diferentes passos envolvidos no ci-
Genótipo n!o 1b clo vira! como vimos anteriormente, identificando anticorpos
neutralizadores, novas drogas alvos atuando em diferentes pas-
sos da cinética vira!, as quais serão comentadas a seguir:
1. inibidores de enzimas virais, tais como, de helicase NS3
possível personalizar a conduta, valendo-se de diferentes mo- em avaliação pré-cl!nica, de polimerase (IIK-003, JTK-
léculas antivirais. 109, NM-283, HCV-796 e R-803): a. de p7 (derivados
Também o polimorfismo genético da região promotora do de imunosugar de cadeia alquillonga; b. de ribozimas
receptor-I de interferon se associa com a evolução da tera- (Hepatazyme); c. de oligonucleot!deos antisense (ISIS-
pêutica com interferon em pacientes com hepatite crônica C. 14803); d. baseada em RNA, como siRNA e aRNA (fase
pré-clínica); e. de protease serina NS3 (BILN-2061);
Possivelmente, esse comportamento guarda relação com inter- VN950 e CSH503034; f. de glicosidase (Celgosivir) e UT-
ferência que exerce sobre moléculas envolvidas no clareamento 231 B; 2. ativadores imunes não específicos como albufe-
vira!, existindo evidências de que dois polimortismos de nucleo- ron e interferons Omega e gama por via oral; 3. indutores
tídeo único, sobretudo o ts379 2323 em MAPKAPK3 (cinase de interferon oral como ímiquimod e sesiquimod; 4. dos
envolvida nas respostas mitogênicas), que se encontra hiperex- ligantes de receptores Toll-/ike como ANA245 (satoribi-
pressa, inibem o gene da transcrição envolvido na transcrição, ne), ANA975 e Adilon; S. análogos nudeosíd.icos, como
inibindo a atividade antiviral induzida pelo IFN-a. levovirin e ciramidine; 6. inibidores de IMPDH como
Capftulo 54 I Hepatite Vira/ Crónica 613

VX-947 (merimepodib) e rnicofenolato mofetil; 7. anti- tem se baseado em um novo membro pertencente a essa classe
virais de amplo espectro, como amantadina e rimantadi- de medicamentos, VX-950 ou telaprevir, um reversível seleti-
na); 8. outros imunemoduladores como dicloridrato de vo, de ingesta oral, atuando como inibidor de protease VHC
histamina, timosina alfa-1, IL-10, IL-12; 9. imunização NS3/4A, enzima requerida para que ocorra replicação vira!.
passiva HCig e, finalmente; 10. vacinação terapêutica: Assim conduzidos, definiu-se redução de, pelo menos, 2log,0
a. administrando El; b. El-E2; c. proteína de fusão do em 28 pacientes tratados com telaprevir. Naqueles com títulos
core encerrando NS3-NS4-NSS e; d. vacina sintética IC41 mais elevados, a dose de 750 mg ao dia baixou títulos em 4,4
(Quadros 54.21 a 54.23). log 10 e clarearam definitivamente o agente, com alguns agindo
Baseiam-se seus desenvolvimentos e aplicabilidades nos di- breakthrough vira!, relacionado à seleção de variantes virais
ferentes passos que estão envolvidos no ciclo vital do VHC, que expressam menor sensibilidade ao fármaco. Tal compor-
eventos ordenados de formas independentes, tais como: tamento e a necessidade de estimulação de, pelo menos, uma
centena de genes resultando em efeitos imunomoduladores
levaram a que tais pacientes fossem conduzidos valendo-se de
• PERSPECTIVAS MAIS SÓLIDAS ATUAIS associação com interferon-a 2a peguilado e ribavirina. Ba-
seados nessa combinação, já foram realizados dois estudos
No momento, em uso clínico bem definido em seres hu- randomizados cujos resultados estão discriminados nos Qua-
manos, a terapêutica-alvo antivirus da hepatite C (STAT-C) dros 54.24 a 54.27.

-----------------------------~·------------------------------
Quadro 54.21 Tipos de f~rmacos ecompostos com v~rias fases de desenvolvimento clínico

FasMde
de~nvolvlme nto
Tipos d~ "rmams Compostos dínlco Comentários
lnibidores de enzimas virais
(pequenas molécul as)
lnibidores de helicase NS3 I e pré-clínica Desenvolvimento de um agente sem dose definida ainda
lnibidores de polimerase NS58 JTK.Q03 I e li Inibe replicação em cultura de células
JTK·109 Pré-clínica Inibe replicação em cultura de células interrompida
NM-283 I e li < 4,5 log 10 do RNA VHC em 4 semanas associada ao PEG IFN
HCU 796 I Atividade antivi ral em cultura de células
R·803 1-> 11 Pobre de disponibilidade
lnibidores de P7 Derivado imuneglicídio 11 Eficaz em diarreia vira I bovina. Indefinido no VHC
Ribozimas Hepatazyme I e li Toxic.idade em animais. Interrompido
Oligonucleotídeos antisense ISIS-14803 11 Pré-clínica < 1 log 10 em humanos > ALT (transitório)
síRNA e eíRNA Pré-clínica Hípoexpressão pós-translacional de genes. Múlti plos fármacos
em avaliação
lníbídores de protease NS3 BILN·2061 Pré-clínica Cardiotoxicidade animal. Eficácia em humanos.
1-> 11 Dose ideal (?)
VX·950 11 < Precoce de 2 1og ,.. Necessário associar PEG IFN e ribavírina.
SCH 5034 1-> 11 < 1 log 10 em monoterapía. Potencial iza com PEG IFN
lníbídores de gl icosídade Celgosivir 11 Bloqueia maturação de vírions ineficaz em < log 10
Ut·231 b 11

PEG IFN = lnterfeton pegoilado;<= Redução;>= Aumento.

-~
Quadro 54.22 Tipos de fármacos ecompostos com várias fases de desenvolvimento clínico

Fases de
dHenvolvimento
Tipos de "rmams Compostos dfnlco Co~ntárlos

lmuneativadores inespecíficos Albuferon Ineficaz em < log,0


(interferons) Omega Atividade antiviral similar a IFN 1. Efeitos colaterais similares
Gama Ineficaz
lndutores orais de interferon lm iqui mod Pré-clínica Aprovado para uso tópico em dermatologia
Resiquimod 11 Sem efeito antivi ral ou indução de citocina
l igantes de receptores Toll·like ANA245 (isatoribi ne) Análogo nucleosídico oral. Resposta Th 1
ANA975 Híper·regula agonista TLR-7. Reduz log,0
Pró-d roga isatoribine. > biodisponibilidade oral
Actilon 18 Agonista TLR-9 com sequências repetidas CpG < log, 0• Induz síntese
de IFN. Estudos em fase 11 pa ra recorrentes e não respondedores
614 Capftulo 54 I Hepatite Vira/ Crónica

--------------------------------T --------------------------------
Quadro 54.23 Tipos de fármacos ecompostos com váriasfases de desenvolvimento clínico

Fases de
desenvolvimento
Tipos de fárma(I)S Compostos clínico Coment.irios

Análogos nucleosídicos Levovirin Retardado desenvolvimento. Absorção e li beração indefinidas


Viramidine 111 Pró-droga da RBV captação hepática dominante. Trials com PEG IFN
em evolução
IMPOH VX-497 (Merimepodib) lnibidor específico da IMPDH. Sem hemólise. Trials com PEG IFN e RBV
em evolução
Micofenolato mofetil Combinado a PEG IFN. Estudo em evolução
Atividade de amplo espectro Amatadina Trials em evolução com PEG IFN e/ou RBV em •virgens• e não
respondedores
Rimantadina =
Trials amantadina
Outros imunomoduladores Dicloreto de histamina Ativa dor NK. Trials com PEG IFN e RBV em não respondedores
Timosina al lle 111 Associada a PEG IFN ou isolada em não respondedores
IL-10 lle 111 < ALT não interfere na fibrose. <Inflamação. > log 10
IL-12 lle 111 Falta de significado antiviral. Toxicidade significativa
Imunização passiva lgVHC lle lll Trio/. Pós·T x F
Vacinação terapêutica E1/E2 Pré-clínica e I Previne infecção em chimpanzés
NS3- NS4-NSS Fase I Combinada com adjuvante. >Resposta CD4•. CDS'
IC41 11 Induz resposta T helper

T- - T-
Quadro 54.24 Esquema eresposta ao tratamento com esem tela previr Quadro 54.26 Grupos, esquemas propostos eresposta viraI sustentada

Tempo Resposta viral Tempo Resposta vira I


Grupos Esquemas propostos (semanas) su.stentada (%) Grupos Esquemas propostos (semanas) sustentada(%)

1 (N=75)com IFNPa2a + RBV + PLAC 12 41 I (T12 PR24) TPV + IFNPa2a + RBV 12 69


controle IFNPa2a +RBV 36 II(T12PR12) TPV + IFNPa2a + RBV 12 60
2 (N= 17)sem IFNPa2a + RBV + TPV 12 35 111 (T12 P12) TPV + IFNPa2a 12 36
controle
IV(PR48) PLAC + IFNP + RBV 12 46
3 (N=79) IFNPa2a + RBV + TPV 12 61
IFNPa2a + RBV 12 Hézode et oi., 2009.
4 (N=79) IFNPa2a + RBV + TPV 12 IFNPa2a =lnterferon peguilado a2a (180 mcg/semana); RBV =Ribavirina (1.()()().1.200
IFNa2a + RBV 36 67 mg/dia);TPV =Telaprevir (1.250 mg (1• dia) e 750 mg, 8/8 ho<as, nos dias seguintes).

McHutchinson et oi.. 2009.


IFNPcx.2a • lnterfêron pegullado tt2a (180 mcg/sei"'''\CCna}; RBV • Ríbavirma (1.000.1.200
mgfdia); TPV a Telaprevir (1.250 mg (1 ' dia) e 750 mg. 8/8 hora~ nos dias seguintes).

---------------T ---------------
Quadro 54.27 Efeitos colaterais nos dois estudos segundo grupos
T Grupos
Quadro 54.25 Frequência de nfvel indetectável do RNA VHC
durante eapós tratamento (%) Prove 1 (norte-americano) Prove 2 (europeu)

Efeitos Grupo com Grupo sem Grupo com Grupo sem


Grupos
(l))aterais TPV (%) TPV(%) TPV(%) TPV(%)
Semanas(%) 2 4
Rash 59 41 52 35
4a 11 59 81 81 Prurído 14 59 35
12 a 45 71 68 80 Náuseas 53 29 42 40
24a 57 57 71 Vômitos 22 12
48a 47 65 Di arreia 36 28 27 28
24 a (após tratamento) 41 35 61 65 Anemia 33 27 21 19

McHutchinson et oi., 2009. McHutchinson et ai. 2009; Hézode, 2009.


Capftulo 54 I Hepatite Vira/ Crónica 61 5

de inflamação e fibrose leve ou ausente, e tendência à progres-


• Prove 1 (estudo norte-americano) são mais rápida de sua doença histológica inexiste. Tem sido
Resultados expostos nos Quadros 54.24 e 54.25. recomendado que a manipulação terapêutica desses pacientes
deva ficar restrita à motivação dos pacientes, avaliada em fun-
ção do tempo de duração da infecção, da idade dos pacientes
• Prove 2 (estudo europeu) (não tratar maiores de 65 anos de idade), dos portadores do
Resultados expostos nos Quadros 54.26 e 54.27. genótipo 1 e com títulos séricos elevados do RNA VHC. Mais
recentemente, definiu-se que essa decisão também deverá ser
tomada com melhor conhecimento sobre a história natural e o
• GRUPOS ESPECIAIS EDE PORTADORES significado desse comportamento bioquímico. Tem essa última
atitude a busca de predizer a evolução da doença. Frise-se, no
DE COMORBIDADES GRAVES entanto, que relatos convincentes quanto à condução desses
pacientes com administração isolada dos interferons a2a ou 2b,
• Grupos especiais em infectados crônicos com ou, ainda, combinada com ribavirina, são inexistentes. lndefi-
nição ainda existe quanto ao comportamento com relação ao
vírus da hepatite C curso desses, em função da expressão hepática de certos ge-
A discriminação desses grupos se encontra disposta no Qua- nes, tais como IU8B, de outras citocinas, do polimorfismo de
dro 54.28, os quais merecerão descrição, em separado, a seguir: MAPKAPK3, IFNARI, IFNAR2, JAKI, tirosinacinase 2,
STATl, além das cinases, MAPKAPK2 e MAP cinase p38.
• Crianças
Nos EUA, a prevalência é de 0,2 e 0,4%, respectivamente, • Usuários de drogas injetáveis
para crianças com menos de 12 e entre 12 e 19 anos de idade. Cerca de 80-90% dos pacientes são anti-VHC positivos. A
No início, essa forma de contaminação nessa faixa etária ocor- opção de terapêutica deve envolver uma relação adequada mé-
ria a partir de hemotransfusões e, embora baixa, observada em dico-paciente e do grupo interdisciplinar envolvido na condu-
menos de 5% dos pacientes, pode ocorrer durante a gestação. ção dos pacientes. Tratados com interferon alfa e ribavirina, o
Apesar desses baixos índices em população norte-americana índice de aderência à conduta situa-se entre 33 e 96% e tole-
socioeconomicarnente elevada, ela pode atingir 14,5% dos des- rância e eficácia em torno de 20-36%. Recomendável sempre
validos habitantes de Camarões. Tais crianças deverão ser tra- que estrategicamente se preserve a sua individualidade, ma-
tadas com associação de interferon a2a e ribavirina, pois elas ximizando cuidados contínuos e prevenindo reinfecção, com
têm: 1. índices de respostas virológicas sustentadas tão altos eficácia do interferon peguilado a2a ou 2b, isolados ou combi-
quanto adultos; 2. toleram bem a associação de fármacos; 3. nados à ribavirina, sendo maiores do que os conduzidos com
são melhores respondedoras quando apresentam forma leve da interferon-padrão.
doença; 4. não deverão assim ser conduzidas quando tenham
menos de 2-3 anos de idade; S. na dúvida sobre esse aspec- • Alcoolistas
to recomendável, que se programem estudos randomizados, Diferentes pesquisadores têm demonstrado prevalência do
abrindo-se perspectivas para conduzi-los pela administração vírus da hepatite C variando entre 11 e 46% daqueles com do-
dos interferons peguilados a2a ou 2b, sob forma de monotera- ença hepática alcoólica. Esses índices são confirmados pelas
pia ou combinada com ribavirina naqueles mais velhos (acima positividades séricas do anti-VHC e do RNA VHC, população
de 10 anos?). em que não estão incluídos pacientes de risco maior, tais como
hemotransfundidos ou narcoadictos. Tem-se definido que in-
• Níveis séricos normais de aminotransferases gesta de álcool acima de 50 gldia aumenta em 34% a intensidade
Este comportamento tem sido observado em 30% dos porta- da fibrose hepática, e, entre esses, são maiores os títulos de RNA
dores do vírus da hepatite C, com cerca de 40% deles cursando VHCséricos e de emergência de quasispecies, com mais baixos
com valores de alanina-aminotransferase que não ultrapassam índices de resposta à terapêutica instituída. Nessa população,
duas vezes o limite superior normal. Em geral, têm baixo grau ainda não há definição quanto à eficácia do interferon peguilado
a2a ou 2b, isolados ou combinados à ribavirina.

Quadro 54.28
- .-
Grupos especiais em infectados crônicos com
• Esteatose hepática não alcoólica
Trata-se de um subgrupo de pacientes que cursam associa-
damente com obesidade, diabetes melito tipo 2 e fibrose he-
vírus da hepatite C pática, quadro que é mais grave quando eles estão infectados
pelo vírus da hepatite C. Dados relativos à evolução e melhor
Grupos especiais
opção terapêutica nesses pacientes não se encontram ainda dis-
1. Crianças
poníveis na literatura. Sabe-se, no entanto, que merecem urna
2. Níveis sé ricos normais de aminotransferases monitorização clínico-laboratorial mais rígida, pois são propen-
3. Usuários de drogas injetáveis sos a cursarem com cirrose e até carcinoma hepatocelular em
4. Alcoolistas fase mais precoce de sua evolução. Visando a evitar que assim
5. Esteatose hepática não alcoólica evoluam, exige-se que todos eles reduzam o peso corpóreo e
6. Hemofílicos tenham tratado doenças associadas, tais como diabetes melito,
7. Talassêmicos hipertensão arterial e hiperlipidernias.
8. Reclusos
9. Hepatite aguda
• Hemofllicos
No Brasil e, certamente, em todo o mundo, os hemofilicos
10. Expressão de hepcidina
tratados com concentrados de fatores de coagulação, antes de
616 Capftulo 54 I Hepatite Vira/ Cr6n/ca

1991-1992, foram infectados pelo vírus da hepatite C. Todos T


cursam com distúrbios da coagulação sanguínea, o que limita Quadro 54.29 Portadores de vírus da hepatite C
a realização de biópsia hepática. Tratamento combinado, inter- exibindo comorbidades graves
feron a padrão e ribavirina, leva à negativação do RNA VHC
em cerca de 3596, com efeitos colaterais incidindo em aproxi- 1. Colnfecção com HIV-1
madamente 7096 deles, abrindo perspectivas para que sejam 2. Coínfecção com VHB
conduzidos pelo interferon peguilado a2a ou 2b, isolados ou 3. Críoglobullnemla e cirrose
combinados à ribavirina, sem que resultados de sua eficácia
4. Autolmunldade
encontrem-se ainda disponíveis na literatura.
S. Cardlopatas
• Talassêmlcos 6. Nefropatas
Entre estes pacientes, submetidos a múltiplas transfusões 7. Míelossupress3o
sanguineas, a prevalência da infecção pelo VHC é muito alta. 8. Neuropsíqulátricas
Caracteristicamente, eles podem apresentar múltiplos episó- 9. Pulmonares
dios de hepatite aguda e elevada morbimortalidade em con- 1O. Críoglobullnemla miSla
sequéncia da tendência evolutiva da doença hepática crônica 11. Transplante de flgado
que apresentam, agravada pela maior deposição hepatocelular 12. Elevados nfwls sangulneos d~ colesterol
de ferro. lndice de resposta vira! sustentada observada pós- 13. Outras exp<Ms6es de comorbidades
tratamento com interferon a padrão em monoterapia atinge
2896 e, combinada à ribavirina, entre 46 e 7296, respectivamente
entre paciente.s ingleses e asiáticos, experiência ainda indefinida
com interferon peguilado a2a ou 2b, isolados ou combinados
à ribavirina. • Comorbidadesgraves em infectados crônicos
• Redusos
com vírus da hepatite C
Nos EUA, cerca de 38 a 3996 dos reclusos do sexo masculino Este é um capítulo importante que envolve a vida de por-
são anti-VHC positivos, sem definição sobre a viabilidade de tadores infectados crônicos com vírus da hepatite C, exibindo
tratá-los ou qual o indice de resposta a qualquer modalidade comorbidades graves (Quadro 54.29), as quais merecerão con-
terapêutica. siderações em separado.

• Hepatite aguda • Coinfecção comHIV-1


Clareamento espontâneo do vírus da hepatite C ocorre em Essa eventualidade representa um grande problema de saúde
cerca de 10-2596 dos indivíduos com infecção aguda. A maioria pública. fndice de prevalência da coinfecção se situa entre 7 e
desses pacientes cursa de forma assintomática, com período de 57%, ultrapassando 8096 nos usuários de drogas ilicitas, 2% nos
incubação de 6-28 e média de lO semanas, sendo menos graves homossexuais e 15,296 nos bissexuais, e 9896 dos infectados são
aqueles com baixa carga vira! e genótipo não 1. Controle desse hemofilicos. Nesses, é maior o risco de evolução para cirrose,
quadro naqueles evoluindo com hipertransaminasemia deverá com indice de mortalidade de 17,596 maior para coinfectados,
ser feito pela administração subcutânea precoce e em doses ele- mais elevado naqueles com contagem de CD4 menor do que
vadas do interferon a padrão sob forma de monoterapia, não 500 células x I OPfl., idosos e alcoolistas e carga vira! elevada do
existindo ainda relatos quanto à eficácia do interferon peguilado vírus da hepatite C. Esses cursam com perspectiva maior de
a2a ou 2b, isolados ou combinados à ribavirina. evoluírem para carcinoma hepatocelular, em idade mais tenra.
O interessante nesses pacientes se prende ao comportamento São de risco maior para progressão mais rápida de infecção pelo
dos portadores crônicos do vírus da hepatite Bque cursam com HIV-I aqueles com elevadas concentrações de IgA e ~1 micro-
infecção aguda (superinfecção) pelo VHC. que se traduz por: globulina e contagem de CD8, cursando com hipoalburnine-
1. supressão da replicação do vírus da hepatite Bexpressa em li- mia. Manipulação pré-transplante envolve antivirais altamente
nhagens especiais de cultura celular; 2. redução na expressão em ativos (HAART) e interferon a sem definição ainda quanto aos
hepatócitos do AgHBs ou, inclusive, encerramento da doença interferon peguilado a2a ou 2b, isolados ou combinados à ri-
hepática crônica que apresentavam após clareamentro vira!. bavirina, com a realização do transplante de figado não sendo
possível em alguns centros de hepatologia.
• Expmsõode hepcidino
Hepcidina é um peptídio composto de 25 aminoácidos pro- • Co infecção com VH B
duzidos no figado, representando o produto do gene HAMP. Não existem, no momento, guias de orientações ou algo-
A expressão desse hormônio é estimulada em resposta aos li- ritmos conclusivos na literatura que respondam à terapia de
possacarldios e na presença de interleucina 6, uma citocina consenso nesses pacientes. No entanto, a Secretaria de Vigilân-
inflamatória. Atua também na hiporregulação da ferroporti- cia em Saúde do Ministério da Saúde no Brasil recomenda: 1.
na, comportamento mediado a partir de vilos dos enterócitos, em casos de AgHBe reagentes, os pacientes devem ser tratados
macrófagos reticuloendoteliais e hepatócitos, o que confere a segundo esquema clássico de interferon peguilado a2a ou 2b,
ela papel importante na homeostase do ferro. Seus nlveis sé- associados à ribavirina, independentemente do genótipo do
ricos se associam com intensidade dos depósitos desse metal VHC. por 48 semanas.
no ffgado, os quais se encontram significativamente aumen-
tados em portadores do vírus C em fase de hepatite crônica, • Crioglobulinemia e cirrose
associando-se de forma significante com a idade mais avançada Cerca de 4096 dos infectados pelo vírus da hepatite C cursam
dos pacientes e de forma menos rígida com níveis séricos de com crioglobulinas sé ricas, poucos com sinais clínicos de crio-
aminotransferases. globulinemia, com risco maior para que desenvolvam cirrose,
Capitulo 54 I Hepatite Vira/ Cr6nfca 617

gamopatia monoclonal, artrite, glomerulonefrite e linfomas. • Neuropsiquiátricas


São pouco responsivos ao interferon a 2a, obtendo-se melhor Quadros depressivos, ideias e tentativas de suiddio são dis-
pespectiva de tratá-los pela administração isolada de interferon túrbios neuropsiquiátricos que acompanham pacientes com
peguilado a2a ou 2b ou combinada à ribavirina. Certamente, hepatite crônica e cirrose viral C. tratados com interferon a
serão pacientes que merecerão uma mais rígida monitorização padrão ou interferon peguilado a2a ou 2b, associados à ribavi·
dos aspectos bioquímicos do ligado e da mie.lossupressão. rina.ll recomendável que esses pacientes sejam, então, subme-
tidos à avaliação de suas condições neuropsiquiátricas previa-
• Autoimunidade
mente a instituições dessas medicações. Nos casos mais graves,
Cerca de 1 a 2% dos pacientes com hepatite crônica C e recomenda-se a interrupção da administração dos fármacos,
tratados com interferon a , sobretudo aqueles com anticorpo
ao mesmo tempo em que se promove assistência psiquiátrica
antiperoxidase, desenvolvem hipo ou hipertireoidismo. Tais
especializada.
modificações desaparecem com suspensão da medicação ou
adoção de terapêuticas específicas. Autoanticorpo antinuclear • Pulmonares
também pode ser encontrado nesses pacientes, ao mesmo tem-
po em que o uso do imunomodulador pode agravar outras ll baixa a preval!ncia da fibrose pulmonar em noives infec-
tados pelo vfrus da hepatite C. Sintomas pulmonares, incluindo
doenças autoimunes, tais como, psorlase, diabetes tipo l, lúpus
dispneia, infiltrado pulmonar, pneumonia e pneumonite, têm
eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, hepatite autoimune
e outras. Recomendável que tais pacientes nessas condições, sido observados quando da administração de interferon pegui·
atualmente, não sejam ainda tratados com interferon peguilado lado a2a ou 2b isolados ou combinados à ribavirina. Nesses,
a2a ou 2b, isolados ou combinados à ribavirina. essa terapêutica deverá ser descontinuada.

• Cardiopatas • Crioglobulinemla mista


Percentual importante de portadores do vírus da hepati- Definida também como tipo li, em 70% dos pacientes de-
te C foi infectado durante cirurgia cardíaca, sobretudo quan- corre da presença do vlrus da hepatite C, podendo cursar as-
do submetidos à revascularização do miocárdio, com ou sem sociada à glomerulonefrite membranoproliferativa, gerando
circulação extracorpórea, porém recebendo transfusões san- proteinúria com sindrome nefrótica, hipertensão arterial e in·
guíneas no intra e no pós-operatório. Esses podem cursar no suficiência renal Mais raramente, mostra-se responsável pela
correr dos anos com eventos cardiovasculares, tais como hi- instalação de neuropatia periférica, de linfomas e presença de
pertensão arterial, arritmias supraventriculares, insuficiência altos títulos de fator reumatoide.
cardlaca congestiva e infarto do miocárdio. Tais distúrbios,
embora não se constituam em contraindicações formais, de- • Transplante de figado
verão ser monitorados mais rigidamente., durante tratamento Os objetivos, quando são tratados pacientes com hepatite
com interferon peguilado a2a ou 2b, isolados ou combinados crônica ou cirrose induzida pelo virus da hepatite C, são: I.
à ribavirina, buscando debelar o aparecimento de anemia ou impedir a progressão para cirrose expressa à biopsia hepática
elevação de valores séricos de triglicérides, colesterol, ou causar (escore de fibrose 5 ou 6); 2. impedir a descompensação hepá-
exagerada retenção hídrica. tica comprovada pelo aumento no escore Child-Turcotte-Pugh
para 7 ou mais e os consequentes aparecimentos de varizes
• Nefropatas esofagogástricas hemorrágicas, ascite, slndrome hepatorrenal,
Prevalência elevada de vfrus da hepatite C identifica-se em peritonite bacteriana espontânea, encefalopatia hepática e/ou
candidatos ao transplante de rim, sobretudo naqueles em curso carcinoma hepatocelular. Quando essa tendência inexorável se
mais longo de hemodiálise, desenvolvendo mais rápida progres- observa, deverão ser conduzidos pelo transplante de ligado.
são para cirrose. Esses, quando têm um novo órgão implantado, Reinfecção do novo ligado é a regra nesses pacientes com
apresentam risco maior de disfunção renal se tratados com as·
manifestações clínicas, sendo de expressão variável, estenden-
sociação de interferon peguilado a2a ou 2b e ribavfrina, embora
do-se desde au~ncia de sintomas com valores séricos normais
existam relatos de resposta aceitável quando tratados pelo uso
de alanina-aminotransferase, à progressão para cirrose ou he-
combinado desses fármacos. No entanto, alguns recomendam
patite colestática acentuada, com resultados desapontadores
que deverá ser evitado o uso de ribavirina naqueles com clea-
pós-retransplante. Tentativa de reversão dessa tendencia se
rance baixo de creatinina, quando a dose deverá ser reduzida
para I 00 a 300 mg. via oral por dia. baseia na administração precoce, já na fase aguda da infecção,
de interferon peguilado a2a ou 2b padrão combinado à riba-
• Mlelossupressão virina pelo período de 6- 12 meses, com resultados menos pro-
Pacientes tratados com interferon-padrão ou interferon pe- missores naqueles com o genótipo 1.
guilado a2a ou 2b isolados ou combinados à ribavirina podem A evolução dessa infecção em ligados transplantados tem
cursar, em geral, com redução nas contagens no sangue peri· apresentação variável, podendo assim ser expressa: a. fase agu -
férico de eritrócitos, leucócitos, neutrófilos e plaquetas. Essas da ou lobular; b . fase crônica; c. fase de hepatite colestática fi .
alterações são mais evidentes naqueles com doença hepática brosante; d . de variante autoimune, características expressas,
avançada, sendo a anemia mais frequente quando em uso de respectivamente, nos Quadros 54.30 a 54.33.
ribavirina. Cerca de 20-25% evoluem com esse comportamento,
sendo estas a razão principal de reajustes de doses naqueles tra· • Elevados níveis sanguíneos de colesterol
tados com Pegasys8 . Consegue-se a reversão do quadro através Pacientes cursando com hipercolesterolemia, sobretudo os
da administração subcutânea de Granulokine• e da trombo- mais velhos (> 60-65 anos}, fumantes, obesos e hípertensos
citopenia pela embolização radiológica parcial do baço. Dessa arteriais cursam com maior risco de instalação de doença co-
forma, promove-se o resgate e restabelecem -se os valores para ronariana e morte. A redução desse risco ocorre com controle
além de 190·200.000 plaquetas, ampliando-se as chances de farmacológico, gerando diminuição em 30% dessa tendência
tratamento dessa população mais grave de pacientes. evolutiva nefasta. Estatinas mostram-se como fármacos efica-
---·
618 Capitulo 54 I Hepatite Viro/ Cr6nico

recebam jluvostatina, na dose de 20-30 mg por dia, ou lovos-


Quadro S-4.30 Fase aguda ou lobularde infecção do ffgado tatina, promotoras de inibição da replicação vira!, via depleção
transplantado. Expressões de pirofosfato geranil geranil pirofosfato, com baixa dos nfveis
séricos de AST e da carga vira! ao fim de 6-12 meses .
• Surge comumente entre 4 e 12 semanas, podendo ser detectada~
entre I O e 14 dias de pós-operatório
• Desarranjo lo bula r, hipertrofia das células de Kupffer, apoptose
hepatocelular, linfocitose sinusoidal moderada, moderado Infiltrado
• LEITURA RECOMENDADA
portal (mononuclear), esteatose macrogoticular perlportal e Bader, T, Fazill, J, Madhoun, Meta/. Fluvastatin inhibitis hepatic C rcpllcatlon
hepatocltárla, além de colangite linfocitica e alterações reaclonais do in hwnans. Am f Gastn>etllcrol, 2008; /03:1388-9.
epitélio biliar, as quais, quando presentes, são moderadas e focais,
Barreiros, AP, Sprinzl, M, Rosset, S et a/. EGF and HGF leveis are increased
evidenciando-se reação imune com presença de llnf6cltosT helper
Turingactive HBV infection and enhancesurvival signalingthroughextra-
(tipo 1), definindo expres.Oes h isto patológicas
cellular matrix intera.:tíons in primary human hepatocytes. Int I Canttr,
• São elevados nfveis séricos de RNANHC 2009; 124:120-9.
Berenguer, M. IUsk o( extended critcria donors in hepatitis C viruJ.positl""
redplents. L/Yor Tronspl, 2008; 14:545-SSO.


Quadro S-4.31 Fase crônica de reinfecção do ffgado
Chang. T-T, Gish, RG,deMan, T ttal.A comp:arisonofenteavirand lamivudine
for libeAg-positive chronlc: hq>at!tls B. N Engf I Med. 2006; 354:1001.
De Denus, S, Spinl<r, SA, Mill<r, K tt aL Statins and liv<r toJCiclty: a mm-
analy>i.s. Pllarmaa>tNnlPY, 2004; 24:58-4-91.
transplantado. Expressões Oemetri.s, AJ. Evolution of hepatítis C virus in liver allografts. Uver Ttanspl.
2009; I 5:535-541.
• Surge comumente entre 6 e 12 meses de pós-operatório Ocmetris, AJ & Sebagh, M. Plasma cell hepatitis in livcr allogral\s: variante of
• Inflamação portal crônica. agregado linfoide periportal, atividade rejec.tion or autolmmune hepatitls! Uver Transpl, 2008; 14:150-S.
necroinflamatórla ductular são frequentes, enquanto perivenullte Di Bis.:eglle, AM. Hepatltls C. llm: Bacon, BR, O'Grady, )G, DI Blsceglle, AM,
central e lesão ductal são raras expressões histopatológlcas Lake, JR (ed.). Comprehenslve C/inirol hepatology.Londres? Mosby Elsevler
• Baixos os nlvels séricos de RNANHC 2006; p. 235.
Oienstag, JL. Hepatítls B vlruslnfeetlon. N Eng/1 Med, 2008; 359:1486-500 .
• Não existe relação entre dano hepatocelular e genótipo vira I
EI-Serag, H,Lok, ASF, Thomu, DL. The clawn of new era: transforming our do-
mestic response to hepatltles B & C. Gasll'oenterology, 2010; 1.1<9:1225-30.
Fattovich. G, Bortolotti, F. Dona to, F. Nature history of chronic hepatitis B:


Quadro S-4.32 Fase de hepatite colemtica fibtosante na
especaJ enphasís on dlsu..o progresion and prognostlc foetors. I Htpolol•
2008; 4&335-52.
Feld, JJ, Nanda, S, Huans. Yet aL Hepatic gene expresi6n during trntmml wlth
infecção do ffgado transplantado. Expressões peginterferon and ribavtrin: ldentify!ng molecular palhway> for trcatmmt
response. Htpawlogy, 2007; 46: I 548-63.
Fisicaro, P, Valdatta, C. Massari, MetaL Antiviral intrahepatic T-cell responses
- Instala-se comumente já no primeiro ano de transplante em pacientes
com altas doses de lmunossupressores e com elevados nfvels séricos de can be restored by bladdng programmed death -1 patway in chronic bepatitis
B. Gastrocn~rology, 2010; 138:682-93.
RNANHC (> 3~SO milhões UVml)
Foresli<r, N, Reesink, HW, Weegink. CJ ti al. Antiviral activity of telaprevir
• Lesão hepática se relaciona diretamente com a agressão vira I, durante o (VX-950) and peglnterferon alfa-2a in patients with hepatltls. Htpatology,
maciço processo de replicação 2007; 46:640 .
• Extensa dilatação e degeneração hepatocelular, coles ta se, hipertrofia Forestier, N, Reesink, HW, Weeglnk, CJ tt ai. Antiviral activity o( telaprevlr
das células de Kupffer, necrose hepatocelular, fibrose expressiva e (Vx-950) and peglnterferon alf\t-2aln patlents wilh hepatitls C. Gastroen-
reação Imune com presença de linfócitos T helper (tipo 2) são expressões terology, 2007; 46:640-8.
histopatol6gfcas Gao, M, Nettlcs, R.E. Bclema, M et al. Chem.ical genetics stratcgy identifies a.n

--·
HCV NSSA inhlbitor with a potente clinicai dfect. Naturt, 2010; doi: I~
1033 Naturc 08960, 1-5.
<;., D, Fdby, J. Thompson, AJ. Genetic variation in 11.2$8 predkts bepatltls C
tteatment-induced vinl cleannce. Natun. 2009; 461:359-401.
Quadro S-4.33 Variante •autoimune" de infecção do figado transplantado Gish, RG. Current ~~ oCHIIV with p<gylated interferon. Em: Wrighl. TI.
Rocky, DC (ed.). Uwr D1uase: From Bmdt to &dsidL AASLD, 2004. p. 75.
fúdziyannis, S) & Sevastíano, S. Treatment ofHbeAg - negath-e chronlc: hepa-
• Forma agressiva de Infiltrado de interface por plasm6citos e atividade
titis B. Em: Arroyo. V, Navua, M, Forns, X. BaW!er, R, Sânchez-Fueyo. A,
necrolnflamat6ria perívenular
Rod~) (ed..). UpdJJte In Treatmmt ofliva Disease. Barcelona: Ars Medica,
• Representa uma variante autoimune ou indica rejeição aguda ou atual 2005. p. 235.
hepatite autoimune, ou combinação dessas possibilidades? Henderson, LM, Pate~ S, Giordano, TP tt a/. Stalin therapy and serum
• ExpreS.Oes hlstopatol6gicas típicas se associam com nfvels sé ricos transaminases among a cohort of HCV-infected veterans. Dlg Dls Sei,
elevados de gamaglobulina, sobretudo da lmunoglobulina G, maior 2010,55:190-5.
frequência de cirrose, de antfgeno leucocltárlo OR3 e anticorpo Hézode, C, Forestier, N, Ousheiko, G et al. Telaprevir and peginterferon with or
antlmúsculo liso, resultante do disparo executado pelo VHC em without for chronic 11CV lnfection. N Engl I Med, 2009; 360:2839.
pacientes geneticamente suscetíveis (7) Hézode, c, f"Orestler, N, Oushelko, G t1 ai. Thlaprevlr and peglnterferon wlth o r
• A maioria vem a falecer de insuficiência hepatorrenal ou em wilhout ribavlrin for chronlc infectlon. N Engl 1 Med. 2005; 360:1839-50.
consequêncla da hipertensão portal que se Instala Hoofnagle, )H. A step forward in therapy for hq>at!tis C. N Eng Med, 2009;
360:1899.
lloeje, UH. Yang, HJ, Su, J t1 al. Predicting cirrosis risk baseei on lhe levei of
curculating hepatiw B vlruJ 1oad. Gastrocnterology, 2006; 130:678-86.
usem bloquear a formação do colesterol no figa do ao inibir a Kamatani, YM, Wattanapokayakít, S. Ochi. H et aL A genome-wide usocb·
3-hidroxi-3-metilglutaril coenzima A, gerando, ao mesmo tem- tion study ickntlJies vulantsln lhe HLA-OP locus associated with chronlc
hepatitis B In Aslans. NatiiTt Gtntt, 2009; 41:591-5.
po, receptores específicos de LDL. Apesar desse beneficio, cerca Kapadia, SB & Chísarl, FV. HCV RNA replication ís ~ted by bo"ed gen-
de 0,2-2,796 dos pacientes sem doença hepática, assim condu- nylgenerylatlon and fitty ac.id. Prot Nad Acad Sd, USA, 2005; 7:2561-6.
zidos, evoluem com hipertransaminasemia. Mesmo exibindo Kessel, A & Toubi, E. Chronic HCV - related immunity: A con~uence of vira!
essa tendência, tem sido proposto que infectados pelo VHC persistente and iymphotroplsm. Curr Med Chem, 2007; 14:517-54.
Capitulo 54 I Hepatite Virol Cr6nlca 619

Kwnar, M, Chamhan, R. Gupta. N eJ aL Spontanc<)Uslncn:U<S In alaline ami- Minist~rio da Saúdo - Secretaria de Vigillncia em Saúde. Protocolo clinico
notransferue le>-ds in asymptomatic chronic hq>atitis B vírus - infec:ted e cliutrizes ~ticas para o tntamento da hepatik vira! a6nlca B e
patlenu. Gastrocnlero/ogy, 2009; 136:12n-80. coinfccçio, 2009.
Lai, CL. Shouval, O, Lok. AS tt aL Enteavír versus amivudine for patíents with Pawlotsky, JM. Oinical virology ofhepatitis C. E= Man:e11in, P (ed.). Manage-
HbeAg-neg&tive chronic bepatitis B. N Engll Mtd, 2006; 3.54:1011. ment ofpatienu wilh vital hepatitis. Paris, APMAHV; 2004, p. 21.
Lal, CL & Yuen, ME. Tr..tment of HbeAg- positlve ebronlc B patients. Em: Ramirez, S. Perez. Od-Pulgar, S, Foms. V. Vtrology and patogenesis ofhepatitis
Arroyo, V, Navasa. M, Foms, X, Bataller, R, Sânebex-Fueyo, A, Rodés J C vírus rc:currence. Llwr Ttansp~ 2008; 14:S27-S39.
(td.). Update in T,.,tmmt of Uver Dlsto.Je. Barcelona: Ars Medi.., 2005. Ramirez. S, Perez· Oei-Pulgar, S, Forns. X. VttOiogy and patogenesis ofhepatitis
p. 227. C víru• rc:currence. Llwr Ttansp/, 2008; 14:S27-S35.
Lam~n. M. NJH Consensus statement on management of hepatitis B. Am Rauch, A, Kutalik. Z, Dcscombes, P el aL Genetic variation in IL280 is assoei·
Farnll Pllytlc, 2009; 80:885. ated with chronlc hepatltls C and trcatmcnt failure: a genome aSJOCiatlon
Lau. GK, Plrarvlsuth, T, Lu~ KX et ai. Peginterfcron alfa-2a, lamlvud1ne, and study. Gastrocnterology, 2010; 138:1338-45.
lhe combination for HbeAg-positive ebronic hepatitís B. N Engl f Med, Reesink, HW. Zeuzem, S, Weegink. C) el a/. Rapid decline of viral RNA in
2005; 35.2>2682. hepatitis C patients treated with Vx-950: A phase I, placebo-controlled,
Lau, GK & YE D. Novel insights into lhe a.ssociation between HLA-OP variants randomized 4tudy. Gastroent<rology, 2006; 131:997-1002.
and persistent hepatitis B vírus infection: A genome-wide a.ssociation study. Sarrazin, C. Rouzler, R, Wagner, F <I ai. SCH 503034 a novel hepatítls C v!rus
Go.Jtroentero/cgy, 2010; 138~94-6. protease inhibitor, plus pegylated inkrferon e1-2b for genotype I nonre-
~w. YF & Chu, CM. Hepatitis B vírus infcction. L4n<d , 2009; 373:582-92.
spondcrs. Gastroenterofogy, 2003; 132:1270..8.
Schiavon, LL, Carvalho-Filho. RJ, Narciso-Schiavon, JL t1 ai. YKL-40 and
Uaw, YF, Gane, E. Leung. N tt ai. 2-year GLOBE trial ruults: telbuvidine is
hyaluronic acid (HA) as non invasive marlcers ofliver fibrosis in lúdney
superior to lamivudine in patients wilh ebronlc hepatltis B. Gastromtm>-
transplant patients with HCV ebronic infection. Scand f GasttO<ntm>/,
logy, 2009; 136:486-95.
2010; 45:615-61.
Lin, T), ~0. LY, Chou, JM d aL Serum prohepacidin leveis eorrdate wilh
Segarra-Newnham, M, Parra. O, Martin Cooper, EM. Eddectiveness and heto-
hepalic iron stores in ebronic hepatitis C patients. Hepato-GasttO<nterol,
tox.iàty of statinis In men seropositíve for hepatitís C vírus. Pharmaco-
2009; 56:1146-51.
Locamin~ S, Bartholomeusz, A, Shaw, T. Molecular antiviral targets for hepati-
rherapy, 2007; 27:845-SI.
Sung, FY, Jung, CM, Wu, CF t1 ai. Hepatitis B vírus core varianu modify natural
tls Ovlrus: Impllcatlons of escape mutants, covalently dostd circular DNA
coursc of vira! infecUon and hepatocellular carcinoma progrtsion. Gastrotrl-
and vtral genotypes. Em: Arroyo, V, Forns. X, Garcla-Pagan, JC. Rodés, J
terology. 2009; 137:1687-97.
(ed.). Progn.ss in lhe Treatmenl of Liver DistiUts. Barcelona: Ars Medica,
Suppiah, V, Moldovan, M, Ahlenstiel, G el a/.JL 28B is associated with response
2003. p. 81. to chronic hepatítls C lnterferon-alpha and rlbavirin lherapy. Nal Gtntl,
Locarnin~ S, Q1, X, Arterburn, S et al. lncidcnce and prtdlctors of emergence
2009; 1100·4.
o( adefovir resistant HBV during four years of adefovir dipivoxll (AOV)
Tanaka, Y, Nlshlda, N, Susíyarna, M ti a/. Genome-wlde assoclatlon of)L288
lherapy for patients with chtonic hepatitis B (CHB). f Hepalol, 2005; 41: wilh response to pegylated interferon-alpha and ribavírina lherapy for
Suppl 2:17. Abstn.ct. chronlc hepatitls C. Nat Gcnet, 2009; 41:1105-9.
Lol<. ASF & McMahon, BJ. Chronic hcpatitis 8: update of recommendations. Tenney, DJ, Rose, RE, Baldlck. CJ ct aL Long-term monltorlng shows hepatitls
Htpatology, 2004; 39:857. B resistance to entecavir In nucleosldc-naive patients 1s tluougl> 5 yean of
Mucdlin, P. Hepatitis B and O. Em: Bacon, BR. O'Grady, JG, Oi Bisceglie. therapy. Htpatology, 2009; 49:1503-14.
A.\<1, Lake, )R (ed.). ComprehensiW! Oinic.al Htpalo/ogy. Londres: Moshy Thio, CL, Gao X. Gotdert, JJ t1 a/. HU.-Cw" 04 and hepatitis C vírus persbtent.
Ehev1er 2006; p. 213. 1 Viro~ 2002; 76:4792-7.
Marce!Un, P, Bonino, F, Lau GKK tt ai. Sustained response of hepatitis B e Thio, CL & lhomas, DL lnt<rleuldn-28b: A key piece of the hepatitis C vlrus
anUgen-negative patients 3 years after treatment wilh peglnterferon alfa-la. reeovery puz.zle. Gastroenterolbgy, 2010; 138:1240-3.
Gastrocnterology, 2009; 136:2169. lhomas, DL. Thio, CL, Martin, MP tt a/. Genetic variation in IL28B and spon-
MarceWn, P, Chang. TT, Um, SG el aL Long-terrn efficacy and ..Cety of adefovír taneous dcarance ofhepatltls C vlrus. Natur., 2009; 468:798-801.
dlpivoxUfor lhetr.. tment ofhepatitis Be antigen-posltive ebronic bepatitis Tsukada, H, Occhi, H, Mae.kawa, T ti ai. A Polymorphism in MAPKAPK3
O. Hepatology, 2008; 48:750-8. affec:ts response to interferon therapy for ebronic hepalitis C. GasttO<nttro-
Maret.Uln, P, Heathcote. EY, Buti, Mel ai. Tcnofovir dlsoprosll fumarate versus logy, 2009; 136:1796·805.
adefovlr duplvoxyl for ebronic hepatitis O. N Engl I Med, 2008; 2442-55. Vallet-Piebard. A & Pol, S. Trcatment of ebronic bcpatitis C in spoclal popula·
Me Caughan, GW, Shackel, NA, Bertolino, P, Bowen, OG. Molecular and cellular tion. Em: MarceWn, P (ed.). Managtmenl ofpalitnts with viral lu!patitis.
aspecu ofhepatitis C vírus rcinfcction aiter liver transplantation: how lhe Paris: APMAHV. 200>1. p. 137.
oarly phase 1mpacts on outcomcs. TrrmsplanUttfon, 2009; 87:1105-11. Villet, S, BUiioud, G, Puchoud, C tt al. ln vitro ebaracterization of vlral fitness of
Me Hutch1nson, JG, Bartcnsahlager, R, Patil, K, Pavvlotsky, JM. lhe faze of fu. therapy-resistant bepat!tls B variants. GastroerUerology, 2009; 136:168-76.
ture hepatítis C antiviral drug development: "'cent biolog!cal and virologic Wciland. O. T"'atment o( ebronk hepatitis C in non-respondcrs. Em: Marcel-
advances and their translation to drug dovelopment and cUnieal practice. Un, P (td.). M41U1gcrtent ofpatimrs with viro/ hepatim. Paris: APMAHV.
I Hepal#l, 2006; 44:411. 2004. p. 75.
Me Hutebinson, JG, Everson, GT, Gordon, SC. Telapn:vír wilh intuferon Wursthom, K. Lutgehetmann, M, Oandri. M t1 aL Peginterferon Cl2b plus
anel rlb&vlrln for ebronic HCV genorype I lnkcdon. N Engl I Mtd, 2009; adcfovir inducc Sorong cccDNA decline and HBgAg rtduction in pat1enu
360:1827. wíth chronlc bepatlt!s B. Htpatology, 2006; 44:675-84.
Me Hutebinson, )G, Lawitz, EJ, Shiffinan, ML et ai. Peginterferon alfa-lb or Yano, H. lnhibitory functlon ofinterferon in hepatocarcinogcncsis. Oncolbgy,
alfa l a w!th r!bavirin for treatment ofhepatitis C infeetlon. N Engl/ Mtd, 2008; 1:22.
2009; 361:580-93. Yim, HJ & Lok, AS. Natural hlstory of ebronic hcpatitis B vírus infectlon: what
Me Huneblnson, JS, Oanenschlager, R, Patc~ K, Paclotsky, JM. lhe face of fu- wc kncw in 1981 and what we known in 2005. Hepatology, 2006; 43:A 173·
turo hepatitie C antivira! drug development: recent biologicaland virologic 181.
advanees a.nd their translation to drug dcvclopmcnt and clinicai practicc. Zoulim, F & Locarnlnl, S. llepalitis O v!rus rcsistance to nudeos(t)lde, analo-
1 llcpatol, 2006; 44:411-21. gucs. GasttO<ntcrology, 2009; 137:1593-608.
ss Hepatite Crônica Não Vira I
Luiz de Souza e Silva Júnior, Verônica Desirée Samudio Cardozo,
Evandro de Oliveira Souza, Raul Carlos Wahle, Taiane Costa Marinho,
Leonardo Reuter Motta Gama, Celso Marques Raposo Júnior,
Naisa Oliveira A/vim Mattedi, Lucas Gagnin, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin,
Paula Hugueney Cruz, Maiza da Silva Costa, Adávio de Oliveira e Silva

A primeira classificação de hepatite crônica data de 1969. A A HAI relaciona-se com a resposta exacerbada exercida pe-
partir de então, outras e diversas definições têm sido propos- Jos linfócitos B, gerando elevação acentuada dos níveis séricos
tas, sendo a última e mais bem aceita aquela organizada em de IgG e intensa infiltração de plasmócitos em espaços portais,
Cancun, México, durante o Encontro Internacional para Es- com indução de fibrose, cirrose hepática e até carcinoma hepa-
tudo do Fígado, em 1994. A hepatite crônica foi definida, en- tocelular. Essa tendência pode ter sua evolução mais lenta com
tão, como síndrome clínico-patológica decorrente de múltiplas o uso de imunossupressores, como prednisona ou azatiopri-
etiologias, caracterizada por diferentes estágios de inflamação na, mas, também, pode assumir, ao longo dos anos, inexoráve.l
e necrose hepatocelular. Por sua vez, conceituou-se que a cro- evolução, apenas abortada naqueles pacientes submetidos ao
nicidade associa-se à persistência de atividade inflamatória, transplante de f!gado, aspectos esses que serão considerados
traduzida por e.levação de níveis séricos de aminotransferases neste capítulo.
por mais de 6 meses. As causas dessa tendência evolutiva se Nos últimos anos, busca-se definir qual é o gatilho do desar-
encontram no Quadro 55.1 e serão comentadas isoladamente ranjo imunológico verificado em linfócitos TCD4• e CD8+, os
neste capítulo. quais infiltram o fígado, associados a plasmócitos, com geração
de anticorpos séricos. Alguns autores acham que este gatilho é
acionado a partir da participação de vários fármacos (estatinas,
• HEPATITE AUTOIMUNE (HAI) anticorpos monoclonais, interferona ~). toxinas e agente infec-
ciosos. Dessa forma, sensibilizam-se os indivíduos predispostos
Representa uma doença inflamatória crônica hepatocelular, geneticamente a desenvolver a hepatite autoimune, evolução
relacionada com a ruptura dos fenômenos da autotolerância, que se relaciona com a presença de curtas sequências antigêni-
desregulados entre jovens, afetando, em geral, pacientes do cas comuns, frequentemente encontradas nesses agentes dispa-
sexo feminino, que cursam com hepatite agressiva de interfa- radores, responsáveis pela quebra da autotolerância periférica
ce, identificada em crianças ou adultos jovens, com 20% dos que normalmente apresentam. Como consequência, instala-se
casos acometendo indivíduos com mais de 60 anos de idade. resposta exacerbada contra antígenos expressos no fígado, sufi-
Testes sorológicos, indispensáveis para o diagnóstico, incluem ciente para induzir uma agressão de natureza autoimune, a qual
o anticorpo antinuclear (ANA), anticorpos antimúsculo liso pode ocorrer sem existência de prévia lesão hepatocelular. Essa
(SMA) e anticorpos para rnicrossomo de fígado e rins tipo 1 evolução relaciona-se com o recrutamento que o fígado seletiva-
(anti-LKM-1). mente realiza, induzindo a apoptose de linfócitos TCD8+ após
uma resposta imune. Nesse processo de sequestro dessas célu-
las, ocorre hiperexpressão de citocinas e moléculas de adesão,
iniciando-se e perpetuando-se assim a agressão hepatocelular.
T A partir desses acontecimentos, surge a perspectiva do adven-
Quadro 55.1 Causas de hepatite crônica nãovira I to de novos agentes terapêuticos bloqueando especificamente
essas vias. Nessa cascata, é importante também a atuação das
• Hepatite autoimune células T reguladoras, moduladoras da proliferação de CD8• e
• Doença de Wilson supressoras da produção de IFNy.
• Hemocromatose genética Esses avanços nos conhecimentos permitiram a identifica-
• Deficiência de al-antitripsina ção de diferentes expressões de hepatite autoimune. Assim, a
• Fi!rmacos HAI tipo 1 traduz-se pela presença no soro de autoanticor-
• In gesta alcoólica excessiva pos antinuclear, antimúsculo liso e antiactina, geradores de
• Colangite esclerosante primária formação de imunocomplexos causadores de lesões submem-
branosas em hepatócitos, facilitando fenômenos ADCC e lise
• Pós-transplante de fígado
celular. Associam-se, por regulação genética, ao HLA de classe

620
Capitulo 55 I Hepatite Cr6nica Não Vira/ 621

11, sendo mais prevalentes os haplótipos HLA DR3 e DR4 na !ores séricos normais de ferritina e de saturação de transferrina
Europa e nos Estados Unidos, e HLA DR13.01 no Brasil e na em pacientes que não fizeram uso de drogas hepatotóxicas. São
Argentina, em pacientes que cursam com baixos níveis de fator esses que têm valores sanguíneos normais de alfa-1-antitripsina
4 do complemento. e ceruloplasmina e que apresentam lesões histológicas típicas,
A HAI tipo 2 aparece, na maioria das vezes, ainda na infân- tais como necrose periférica, lesão inflamatória lobular, necro-
cia com o autoanticorpo antimicrossomal figado-rim presente, se em ponte, hepatócitos em roseta e plasmócitos infiltrando o
cujo antígeno pertence à família do citocromo-mono-oxigenase figa do, sem agressão aos duetos biliares. Critérios diagnósticos
P450 li D6 (CyP2D6), o qual surge na superficie dos hepatóci- internacionais reforçam que, para que tal se confirme, deve-se
tos dispostos em cinco sítios diferentes. Alguns desses pacien- empregar um escore proposto pela Associação Internacional
tes podem portar o autoanticorpo anticitosol hepático (LCl), para Estudo do Fígado, discrimínado no Quadro 55.2.
com o anticorpo antirreceptor de asialoglicoproteína (ASPG-R) Existe uma predisposição genética determinante do início
podendo ser identificado em qualquer dos outros tipos de he- e progressão dessa doença, conforme discriminado no Qua-
patite autoimune. Por sua vez, a HAJ tipo 3 é identificada pela dro 55.3.
presença do anticorpo antiantígeno solúvel do fígado (SLNLP), Deve-se frisar que, em qualquer desses pacientes, doenças
exibindo forte tendência de progressão para cirrose hepática. autoimunes concorrentes podem obscurecer ou ofuscar a pre-
Nos últimos anos, tem-se observado que portadores dos an- sença de hepatite autoimune. Nos adultos, relata-se, sobretudo,
tígenos antirnicrossomal figado e rim, e também do anticitosol esclerose sistêmica e polimiosite, neurite multiplexa e síndrome
hepático, são mais jovens e exibem maior atividade inflama- pluriglandular tipo 3, autoimune. Uma síndrome sequencial
tória e elevados valores séricos de bilirrubina e aminotransfe- pode ser observada quando pacientes que cursam com hepatite
rase. Estes cursam com índice maior de apresentação aguda autoimune, alguns anos depois, desenvolvem colangite escle-
e maior prevalência de cirrose. Os mais idosos são, em geral, rosante primária. Essa evolução se observa em crianças, mas
antinúcleo-positivos. também em adultos. Similaridades entre as duas condições in-
A confirmação do diagnóstico de hepatite autoimune baseia- cluem parâmetros clínicos e bioquimicos e baixa frequência do
se: 1. na ausência sérica dos marcadores dos vírus das hepatites haplótipo HLADR4. Outros parâmetros relevantes: I. doença
B e C; 2. na inexistência de ingesta alcoólica excessiva; 3. nos va- inflamatória intestinal mais comum na colangite esclerosante

----------------------------T ----------------------------
Quadro 55.2 Sistema de escore recomendado para diagnóstico de hepatite autoimune

Autoantfcorpos
Aspectos dfnlcos Escore Escore
Tftulos

Sexo: Masculino o FAN,A.Mlou KLM·1


Feminino +2 > 1:80 +3
Doenças imunológicas +1 1:80 +2
Aspectos epidemiológicos 1:40 +1
Hemotransfusão/drogas < 1:40 < 1:40 o
Sim -2 A.MA
Não + 1 Presente -2
lngesta de álcool (Ajuste/Quantidade) Ausente o
-1 Aspectos histológicos
-2 Necrose periférica +3
2 Hepatite lobular
Anti·VHA (lgM) -3 Necrose em saca-bocados +2
AgHBs ou Anti-HBc (lgM) -3 Rosetas +1
RNAVHC -3 Plasmócitos +1
Anti·VHC -2 Lesões em duetos biliares (leves) -1
Outros marcadores virais -3 Alterações graves em duetos b iliares -3
A.spectos laboratoriais Resposta terapéutica
HLA 88 OR3 ou OR4 +1 Completa +2
Globuli na, lgA ou 1gB Recorrênci a +3
2 x normal +3 Ineficaz -2
1,5· 2 x normal +2 Parcial o
1, 1· 1,S x normal +1
1,1 xnormal o
FA.:ALT
< 3xnormal +2
> 3xnormal -2
Diagnóstico Antes d a terapêutica Depois da terapêutica
Definitivo >1S >17
Provável 1Q-1S 12-17

FA = Fosfatase alcalina;ALT = Alanin.a·.aminotransferase; FAN =Fator antinuclear; KLM·l =Anticorpo antiffgadoHso; AMA= Anticorpoantimitocõndria;
AML= antimúsculo liso.
622 Capftulo 55 I Hepatite Cr6nica Não Vira/

---------------· --------------- ---------------·---------------


Quadro 55.3 Predisposição genética à hepatite autoimune Quadro 55.4 Aspectos terapêuticos iniciais da hepatite autoimune

Origens Hapl6tipos Intervalos Prednisona isolada Prednisona e azatioprina


Europeus e norte-americanos HLADRB1 ' 0301, D-301 01, DR52, (semanas) (mgldia) Prednisona Azatloprina
DRB1 0401 (DR4)
Japoneses e argentinos DRB1'0404 (DR4) 60 30 50
Mexicanos DRB1 '0404 (DR13) 40 20 50
Brasileiros HLADRB1 ' 13 e HLADR'8103 30 15 50
4 20 10 50
Uso perene e contínuo 20 10 50
Contra indicações Doença óssea leucopenia
autoimune, acompanhada de modificações histológicas biliares; relativas Psicose Anemia
Obesidade Plaquetopenia
2. coagulopatia, hipoalbuminemia, hepatite periportal e presen· Diabetes Gravidez
ça do HLADR3 na hepatite autoirnune. A predileção quanto à Hipertensão arterial Malignidade
distribuição do gênero é interessante e não totalmente explicá- Glaucoma Hepatite co Iestática
vel, mas alguns dados merecem registros: a. doença se mostra Catarata Doença veno·oclusiva
Hipertensão arterial Pancreatite
autolimitada nas mulheres e progressiva nos homens, fato não Depressão Mielossupressão
confirmado por todos os pesquisadores; b. mulheres exibem Necrose vascular Doença veno-oclusiva
melhor resposta à terapêutica irnunossupressora; c. crianças femoral
com colangite esclerosante primária dominante não respon- Hepatite colestática
dem bem à terapêutica imunossupressora, sendo significativo
mencionar que a sobrevida de 10 anos reduz-se de 100 para
65% quando predominam sinais histológicos e radiológicos de
agressão biliar. Mais preocupante ainda é a intensificação do compensada.~ recomendável o acompanhamento clinico des-
desajuste imunológico que apresentam quando concomitan- ses pacientes, conforme discriminado no Quadro 55.5.
temente evoluem com outras doenças autoirnunes, tais como: Admite-se a falência da terapêutica quando: a. níveis séricos
vitiligo, tireoidite, diabetes melito dependente de insulina, ur- de aminotransferases e de bilirrubina encontram-se acima dos
ticária pigmentosa, hipoparatireoidismo, doença de Crohn ou valores do pré-tratamento; b. a atividade histológica apresenta-
de Addison, e plaquetopenia. se mais acentuada; c. existe desenvolvimento de sinais de des-
A HAI diagnosticada em suas fases iniciais tem excelente compensação, como ruptura de varizes esofagogástricas, as cite,
prognóstico, uma vez que se promova a remissão da ativida- encefalopatia e/ou carcinoma hepatocelular.
de inflamatória do fígado, com administração associada de Recorrência ou relapso define-se quando: a. o nível sérico de
corticosteroide e azatioprina, segundo discriminado no Qua- aspartato -aminotransferase encontra-se maior do que 3 vezes
dro 55.4. o valor normal, associado à acentuação da hipergamaglobuli-
Define-se que houve remissão da doença quando o nível nemia; b. comprova-se que a hepatite de interface e a fibrose
sérico de aspartato-aminotransferase encontra-se abaixo de 2 são mais intensas que a inicial.
vezes o valor de referência, ao mesmo tempo em que os valores Em virtude dessas limitações, torna-se recomendável que
de bilirrubina e gamaglobulina estão normais, e a histologia de esses pacientes sejam manuseados, indefinidamente, com pred-
controle se apresenta normal ou próxima ao normal, ou, ain- nisona nas doses de 7,5 a 10 mgldia, associada à azatioprina na
da, se traduz pela inatividade da cirrose mantida em sua forma dose de 50-75 mglkgldia.

---------------------------------· ---------------------------------
Quadro 55.5 Acompanhamento clínico de padentes com hepatite autoímune

Antes do Durante tratamento, Sem remissão, Com remissão, Remissão pós-terapêutica,


Examts
tratamento cada 4 semanas cada 3·6 meses cada 3 semanas (4 x) cada 1·6 meses
Físico + + + +
Biopsia hepática + ±
Hemograma + + + + +
Aminotransferases + + + + +
GGtransferase + + +
Gamaglobulina + + +
Bilirrubina + + + + +
Coagulograma + + + + +
Autoanticorpos + ±
Função tireoide + ±

GGtransferase : Gamaglutamiltransferase.
=
+ =sim;-= não; :t talvet.
Copftufo SS I Hepatite Cr6nlco Ndo VIra/ 623
Naqueles doentes com manifestações colaterais graves, refe- hepatoesplenomegalia, 40-6096 têm cirrose compensada ou des-
rentes ao uso combinado de prednisona e azatioprina, é reco- compensada, 20% mostram varizes esofagogástricas e 5096 ma-
mendável redução com reescalonamento das doses, evitando- nifestações autoimunes extra-hepáticas, situações que agravam
se administrar esses medicamentos em doentes com intensa a evolução pós-operatória. Conceitua-se hoje que, nesses, o im-
citopenia, doença maligna associada, rash cutâneo e infecções, plante de um novo flgado permitirá uma sobrevi da mais longa,
com risco maior naqueles com deficiência da enzima tiopuri- além dos 90% em IOanos. O transplante também se impóe, uma
nametíltransferase e, certamente, no advento de gravidez. Nes- vez que os pacientes desenvolvam sinais clfnicos e laboratoriais
sa última eventualidade, existem riscos de malformação fetal de agravamento. A sobrevida de 5 anos chega a ultrapassar
e naquelas grávidas com anticorpos anti-SLA/LP e RO/SSA, 90%, mas descreve-se risco maior de evoluírem com surtos de
ou com síndrome antifosfolipídios, 9% delas evoluindo para rejeição, ou de recorrência da doença, facilmente controladas
complicações maternas graves. Nessas gestantes, recomenda- pela administração de corticosteroides. Essa última tendência
se a redução da dose de azatioprina, pois a placenta se mostra pode ocorrer em 20 a 3096 dos doentes, traduzida por elevações
como a única barreira protetora aos efeitos lesivos exercidos dos nfveis séricos de aminotransferases e de gamaglobulina e
pelos metabólitos 6-tioguaninanucleotldios. Não se recomenda positivação de autoanticorpos. Confirma-se pelo encontro de
formalmente interromper a terapêutica nessas mulheres, pois alterações histológicas, como hepatite portal com plasmócitos
tal comportamento, quando adotado, se associa à reativação da e acentuada atividade inflamatória de interface. Tem sido re-
doença e consequente hiperatividade do sistema imunológico, lacionada essa tendência à imunossupressão inadequada, mais
presente e detectado logo após o parto. comum entre receptores HLADR3 positivos recebendo figado
Em casos nos quais inexista resposta bioqulmica, ou diante de doador HLADR3 negativo, sobretudo naqueles com hepatite
da existência de efeitos colaterais graves com uso desses fárma- autoimune do tipo I, ou que estavam evoluindo no pré-opera-
cos, deve-se valer de drogas opcionais no tratamento da hepatite tório com atividade necroinflamatória intensa, ou expressavam,
autoimune, conforme disposto no Quadro 55.6. no fígado, a forma fulminante da doença. Naqueles que exibem
Alguns autores ressaltam que essas últimas opções farma- essas caracterfsticas específicas, mostra-se maior o retorno da
cológicas são medidas empíricas, traduzem o desespero de cli- doença após o transplante.
nicos e pacientes, não são isentas de risco. Além disso, não se
encontram definidas claramente as doses e esquemas a serem
empregados. Nesses doentes, o custo-beneficio deve ser anali- • DOENÇA DE WILSON
sado, sobretudo quando se sabe que o procedimento ainda não
se encontra consagrado, nem definida a população-alvo a ser Descrita por Samuel Alexander Kinnier Wilson em 1912, é
tratada com esses imunossupressores. Acresce que a eficácia considerada doença de herança autossômica recessiva, secun-
está ainda indefinida e repleta de riscos, tais como: 1. evolução dária a um defeito genético ligado ao cromossomo 13, com um
com efeitos colaterais graves; 2. do ponto de vista financeiro, gene-candidato, designado ATP7B, presente, naquele cromos-
os medicamentos são cerca de 10 vezes mais onerosos do que a soma, na região onde se situa o locus do retinoblastoma. Tem
combinação terapêutica clássica, com o agravante de que pode recebido as denominações de degeneração hepatolenticular,
postergar erroneamente a realização do transplante de flgado, ou doença de Wilson. Caracteriza-se pelo depósito excessivo
que será apenas executado em fases mais avançadas, ou seja, de cobre em vários órgãos e tecidos, resultante da redução da
no momento em que cerca de 30-80% dos doentes apresentam excreção deste metal pela bile. Os principais tecidos acometidos
são fígado, cérebro, hemácias, rins, córnea. Tem caráter familial,
sendo a prevalência variável no mundo, com a consanguinidade
contribuindo para sua instalação.

Quadro 55.6 Drogas opcionais no tratamento da hepatite autoimune
A etiopatogenia da doença permanece obscura, mas sabe-se
que, nesses pacientes, o gene ATP7B codifica uma enzima trans-
portadora de cátions, a adenosina trifosfatase, que se expressa
Drops Dom Aç6ft no Bgado, nos rins e na placenta. Encontra-se ainda indefinida
onde se localiza essa proteína no hepatócito, supondo-se que
Clclospo<lna 5-6 mg/kg/dla Inibe liberaçJo de linfocinas
Suprime el<J)an>Jo donal
seja na rede trans-Golgi. Mutações que nesse gene se instalam,
de linfócitos T he/pere resultam em transtornos do transporte do cobre do figado para
expressao de receptores a bile, e consequente acúmulo do metal nas células parenquima-
dell·2 tosas do flgado, com o mRNA sendo encontrado em coração,
Tacrollmus 3 mg (2 vezes/dia) Inibe gera~o de linfócitos músculos, cérebro, pulmões e pâncreas.
T citotóxicos e síntese de A idade do aparecimento desses distúrbios se mostra variá-
ácidos nucleicos
vel, ocorrendo predominantemente entre 15 e 20 anos. Existe
Micofenolatomofetil 1 g (2 vezes/dia) Reduz prolifera~ o de um caso de paciente que, por ocasião do diagnóstico, tinha 76
linfócitos T cltotóxicos
anos. Esses distúrbios podem ser observados entre extremos de
6-Mercaptopurina 1,5 mglkg/dia Metabólito ativo da
azatioprina, que inibe
6 e 50 anos de idade. No entanto, a exteriorização sob formas
sínteses do DNA e da inosina de insuficiência hepática aguda fulminante ou hepatite crôni-
monofosfato-desidrogenase ca ocorre mais frequentemente entre 8 e 18 anos, com cirrose
Ácido 13-15 mg/kg/dia Altera expres>Jo HLA-~ inibe podendo ser identificada já antes dos 15 anos. Esses doentes
ursodesoodcólico IL-2 e 4 e interferona y e cu.rsarn com mal-estar generalizado, anorexia, sintomas ab-
reduz prod~o de óxido dominais vagos, artralgias, amenorreia, puberdade retardada
nítrico
e icterícia discreta. Nessa fase, não se identifica o anel de Kay-
Budesonlda 3 mg (3 vezes/dia) Segunda gera~o de ser-Fleischer, e a biópsia mostra infiltrado expandindo espaços
cortlcosteroides. com baixa
disponibilidade sistêmica portais, necrose periférica e fibrose, com ou sem regeneração
nodular. A apresentação clínica pode revelar-se também através
624 Capftulo 55 I Hepatite Cr6nica Não Vira/

de manifestações neurológicas ou psiquiátricas, exteriorizando- lamina e observar se a taxa do cobre urinário se eleva, sem que
se, em mais de 33% dos casos, em pacientes que são crianças, tenha especificidade bem definida. Associação desses aspectos
adolescentes ou adultos jovens. O acometimento neurológico tornou possível que diferentes pesquisadores em Leipzig, em
traduz-se principalmente por anormalidades da fala, deglutição, 2001, construíssem um escore diagnóstico, conforme exposto
coordenação, tremor de extremidades e da cabeça, corioatetose, no Quadro 55.7.
riso espástico, déficit de atenção. Podem ocorrer também altera- Objetiva-se no tratamento desses pacientes tomar atitudes
ções psiquiátricas, isoladas ou associadas aos quadros hepático que reduzam os estoques corpóreos teciduais de cobre, reco-
e neurológico, como mania, ansiedade, depressão, esquizofrenia mendando-se diminuir a ingesta de alimentos que contenham
e psicose, não sendo infrequentes crises de hemólise, tubulo- elevados teores do metal, tais como moluscos, legumes, cogu-
patias renais e, principalmente, a presença do anel comeano melos, noze.s, chocolate e fígado. Nesse momento, já nas fases
de Kayser-Fleischer, completando o quadro clínico complexo iniciais do tratamento, pode haver certa acentuação dos sinto-
dessa doença metabólica. Não infrequentemente, desenvolvem mas, quando a D-penici/amina, um quelante de cobre, passa
hipercalciúria e nefrocalcinose, arritrnias, cardiopatia, disfun- a ser administrada. Esse comportamento provoca um grande
ção autonômica, fibrilação ventricular e morte. balanço negativo inicial, consequente à mobilização intensa
Do ponto de vista laboratorial, diante da suspeita de doença dos depósitos do metal, podendo gerar a eclosão de sintomas
de Wilson, deve-se pesquisar o nível sérico de ceruloplasmina, neurológicos. Esse fármaco deve ser administrado na dose de
que, em 90% dos pacientes, está abaixo de 20 mg%, exigindo- 1-2 g!dia, 1 h antes ou 2 depois das refeições. Caso ocorra exa-
se, como atitude imperativa, mensurar a excreção urinária de cerbação dos sinais e sintomas clínicos, exige-se redução dessa
cobre, geralmente superior a 100 mg/24 h, sendo a normal até dose, sobretudo quando se acentua a proteinúria, que alguns
30 mg/24 h, não sendo esse considerado como o melhor teste pacientes mostram, consequente à síndrome nefrótica que eles
diagnóstico. Quando possível, deve-se definir a concentração têm. Além disso, são frequentes deficiência de piridoxina, in-
de cobre no tecido hepático seco, em geral com valores acima terferência com formações de colágeno e elastina, muitas ve-
de 50 mg!g de tecido, habitualmente ultrapassando 250 mg!g, zes sem precipitar manifestações cutâneas típicas. Preocupa
enquanto em pessoas normais não atinge 10 mg!g. também a eclosão de manifestações imunológicas, tais como
O anel de Kayser-Fleischer, identificado em pacientes com plaquetopenia, lúpus eritematoso sistêmico, nefrite complexa,
baixos níveis séricos de ceruloplasmina e cobre urinário alto, pênfigo, ulcerações orais, miasteniagravis, neurite óptica e sfn-
praticamente define o diagnóstico. Em geral, está presente em drome de Goodpasture, ocorrendo cerca de 90 dias após início,
pacientes com manifestações neurológicas e em 50% daqueles exigindo-se interrupção do uso do remédio, pois há risco de
com doença hepática. Frise-se que a sua ausência, sobretudo hepatite fulminante.
quando se considera um paciente jovem, sem evidência de obs- Doentes com manifestações colaterais próprias da intole-
trução biliar, porém evoluindo com alterações do metabolis- rância, alternativamente, podem ser tratados pelo trientine, na
mo do cobre, não afasta a possibilidade de doença de Wilson. dose de 1,0 a 1,5 g!dia, também um quelante do cobre, o qual,
Caso existam dúvidas, recomenda-se administrar D-penici- embora seja eficiente, produz balanço negativo, traduzido por

--------------------------T --------------------------
Quadro 55.7 Sistema de escore diagnóstico de doença de Wilson

Sinais e sintomas típicos Outros testH

Anel de Kayser·Aeischer Escore Cobre hepático (sem colestase) Escore


Presente 2 > 5 x LSN (> 250 IJg/g)
Ausente o 50-250 IJg/ g
Sintomas neurológicos Normal (< 50 IJg/g) -1
Graves 2 Rodonina positiva
Moderados 1 (Grânulos)•
Ausentes o Cobre urinário (sem hepatite aguda)
Ceruloplasmina sérica Normal o
Normal(> 0,2 g/t) o 1-2 x LSN
0,1 -0,2 gll 1 > 2 xlSN
<0,1 glt 2 Normal mas> 5 x LSN (pós-DP)
Coombs negativo: anemia hemolftica Anilllses das mutações cromossômicas
Presente 1 2mutações 4
Ausente o 1 mutaçao 1
Sem mutações o
Escore total Avaliação
4ou mais Diagnóstico firmado
3 Diagnóstico possível, mais testes necessários
2 ou menos Diagnóstico improvável

•caso disponível, cobre hepático quantitativo; LSN = Umite superior normal; OP = 0-penicilamina.
Capitulo 55 I HepatiteCr6nica Não Vira/ 625
progressiva redução da cupriurese, mantendo esses pacientes desse distúrbio ainda permanece obscura, sendo, no entanto,
clinicamente bem, com a sobrevida descrita para aqueles assim mais prevalente entre ocidentais europeus, descendentes de an-
conduzidos da ordem de 2 a 15 anos. cestrais nórdicos célticos. Merece, por ocasião do diagnóstico,
Ausência da resposta a essas opções leva a que os pacientes ser diferenciada de outras doenças relacionadas à sobrecarga
sejam tratados com sulfato ou acetato de zinco, variáveis de 75 a de ferro, assim classificadas: 1. familiares ou hereditárias - não
250 mg/dia, com possibilidades de promover balanço negativo relacionada ao HFE, expressa nas formas juvenil ou neonatal,
de cobre e reequillbrio funcional. No entanto, após suspensão sendo autossômica dominante predominante entre habitantes
da administração, alguns doentes faleceram em consequência das ilhas Solomon; 2. anemias com sobrecarga de ferro - indi-
da instalação de necrose maciça do fígado. Esta complicação, vidualizada na ta/assem ia sideroblástica ou hemolíticas crôni-
no entanto, foi raramente descrita. cas; 3. por sobrecarga dietética; 4. ou identificada naqueles com
Outra perspectiva reside na administração do tetratiomoli- hepatite vira! C, doença hepática alcoólica e esteato-hepatite
bedato de amônia, administrado na dose de 60-100 mg/dia, em não alcoólica.
duas tomadas, sendo até os dias de hoje empregado em pequeno Acomete geralmente homens que se encontram em torno
número de doentes. Atua interferindo com a absorção intes- da quinta década, de vida, mais raramente mulheres após a
tinal do metal, além de formar complexos com o cobre sérico menopausa, com manifestações clínicas variáveis, traduzidas
e torná-lo não tóxico.~ necessária maior experiência com sua por acometimento multissistêmico, dependente do acúmulo do
administração antes de consagrá-lo como arma importante do metal em vários órgãos e tecidos. As principais manifestações
arsenal terapêutico. Na falência dessas medidas, e nos casos de são artropatia, hiperpigmentação cutânea, sinais de hepatopa-
hepatite fulminante que não melhoram com a terapia medi- tia crônica, insuficiência cardfaca, diabetes, impotência sexual
camentosa proposta, deve-se indicar o transplante de fígado, e hipogonadismo. As agressões hepatocelulares variam desde
visando à reversão das graves manifestações decorrentes da alterações dos níveis séricos de aminotransferases (AST, ALT),
precária síntese hepatocelular, com a taxa de sobrevida de 1 até sinais de franca insuficiência parenquimatosa. Esses extre-
ano sendo de 79%, com o implante de um órgão que expresse mos serão evitados, se o diagnóstico e a instituição da terapêu-
a mutante ATP7B, por um órgão que expressa o produto nor- tica correta forem estabelecidos precocemente. A doença deve
mal da proteína do gene da doença de Wilson podendo corri- ser aventada em todo paciente com cirrose de etiologia obscura,
gir o defeito no metabolismo de cobre. Entretanto, a reversão principalmente do sexo masculino e acima de 40 anos, cursan-
das manifestações extra-hepáticas da doença não é observada do com diabetes melito ou não, com a incidência de carcinoma
em todos os casos, e há pacientes vivos entre 2,5 e até 20 anos hepatocelular variando de 15 a 20%, sempre que cirrose já se
de pós-operatório. encontre instalada.
Diante dessa grave tendência evolutiva, torna-se recomen- O diagnóstico é baseado nos aspectos clínicos, bioquímicas
dável que se promova nos parentes mais próximos o rastrea- e histológicos. Nos achados laboratoriais, observa-se aumento
mento da doença, baseando-se nas dosagens do cobre sérico e discreto do nível sérico das aminotransferases e do ferro; o nível
urinário, do nível sanguíneo da ceruloplasmina e, se possível, de saturação de transferrina é significativo quando se encon-
pela mensuração dos depósitos hepáticos do metal e definindo- tra acima de 50%, para mulheres, e de 60%, para os homens,
se o sequenciamento genético do gene mutante ATP7B para podendo a ferritinemia estar elevada ou normal. A histologia
início mais precoce das adequadas recomendações dietéticas, identifica, nas fases iniciais, deposição de ferro nos hepatócitos
medicamentosas e monitorização progressiva. periportais, sem quase nenhum comprometimento das regiões
centrolobulares, com posterior acúmulo no lóbulo, duetos bilia-
res e células de Kupffer. Raramente, se observa necrose celular
• HEMOCROMATOSE GENÉTICA ou infiltrado inflamatório, com tendência evolutiva inexorável
para hepatite crônica e cirrose, se os doentes não são adequa-
~ urna das doenças metabólicas do fígado mais comuns, damente tratados. Outros métodos utilizados no diagnóstico
identificadas na prática da hepatologia. Foi descrita pela pri- são a ressonância magnética e a tomografia computadorizada
meira vez em 1889, por Von Recklinghausen, em necropsias de abdome, com ou sem mensuração hepática de ferro, ambas
de indivíduos cirróticos do sexo masculino, cursando com a sem sensibilidade suficiente para rastreamento de pacientes as-
maciça deposição de ferro nos hepatócitos. Trata-se de doença sintomáticos. Recomendável que essa sequência de avaliações
genética, herdada de forma re,cessiva autossômica, consequente seja feita nos familiares de primeiro grau de pacientes porta-
à mutação gênica instalada no braço curto do cromossomo 6, dores desse distúrbio metabólico, ou em indivíduos que sejam
comportamento observado em 70% dos pacientes com antíge- surpreendidos em exames de rotina com elevação dos valores
no de histocompatibilidade HLA A3. Um gene candidato para de AST, ALT, hepatomegalia ou astenia. São esses que, diag-
a hemocromatose foi chamado HFE (antigamente HLA-H). A nosticados em fases iniciais, deverão ser submetidos à rápida e
principal mutação disponível para avaliação do gene da HFE é segura remoção de ferro, com seguimento vigilante dos resul-
resultante da substituição da tirosina por cistina no aminoácido tados da terapêutica adotada, buscando-se adotar algoritmos
282 na alça alfa 3, abolindo a ponte dissulffdica nesse domínio, de condução (Figuras 55.1 e 55.2).
sendo denominada C282Y. Frise-se que cerca de 85% desses O tratamento consiste em reduzir os estoques corpóreos
pacientes são homozigóticos para essa mutação, com 40 a 70% de ferro, através da realização semanal de flebotomias de 450
desenvolvendo manifestações orgânicas típicas da sobrecarga mf (200-250 mg de ferro), até os estoques se exaurirem, o que
de ferro. A segunda mutação é marcada pela substituição do ocorre, em média, por volta de 1-3 anos. O monitoramento deve
ácido aspártico pela histidina na posição H63D. Contribui para ser feito pela determinação da taxa de hemoglobina, que deve
a hemocromatose hereditária em pequena porcentagem (1,5%), estar abaixo de 11 gf%, e a ferritina abaixo do, ou no, limite in-
em geral em pacientes heterozigóticos para C282Y e H63D. ferior da normalidade. Outra alternativa de manuseio naqueles
A doença caracteriza-se pelo aumento na absorção intestinal sem doença isquêmica do coração é manter a continuação das
do ferro e seu consequente acúmulo no fígado, pâncreas, cora- sangrias, desde que o hematócrito pré-sangria esteja acima de
ção, suprarrenais, testfculos, pituitária e rins. A etiopatogenia 35%, buscando manter o nível sérico de ferritina abaixo de 50
626 Capftulo 55 I Hepatite Cr6nica Ndo Vira/

A causa da doença hepatocelular é desconhecida, aceitando-


se atualmente que existe no homozigótico PiZ um bloqueio no
final dos estágios de processamento de a ,-AT, resultando em
seu acúmulo no retículo endoplasmático dos hepatócitos onde
sofre polimerização aberrante, não sendo degradada. Formam-
se então agregados geradores de inclusões solúveis intracelula-
res, indutores de intensa resposta autofágica dos hepatócitos,
com consequentes lesões mitocondriais e excessivas expressões
de caspase (proteases mediadoras de morte celular), causando
hepatite crônica e cirrose. Nas crianças, esse processo se exa-
cerba na dependência de infecções frequentes, complementadas
NL • Nom\al: ~ • MaJor. 1ST • lndoc:e de saturaçio tran$lema.
por fatores adicionais genéticos e ambientais. Desse processo,
Figura 55.1 Hemocromatose genética (HG). LAlgoritmo de condução participa no retículo endoplásmico uma série de chaperones
(Tavill2001). (mediadores de autofagia celular seletivos para a degradação
de proteínas citosólicas alteradas nos lisosornas) disparadora
de um processo ordenado de glicosilação, com formações de
pontes de enxofre, as quais, em conjunto, daí migram para o
aparelho de Golgi, para membranas plasmáticas e vesículas.
I Genótipo Assim, a a ,-AT é secretada como uma glicoproteína de 35 kDa,
em índice aproximado de 34 mglkgldia, induzindo conjuga-
.J, .J, ção com ubiquitina, sendo exportada para ser degradada em
Heterozigótico proteossomos. Quando não excretados e se avaliando por meio
C282YfH630 de microscopia eletrônica, é identificada sob forma de glóbulos
C282YfC282Y
ou heterozigótico
C282Y ou não
PAS positivos, diástase resistente.
.,J. .J,
O tratamento inicial da deficiência de a, -AT é apenas sin-
tomático. A amamentação materna parece ser importante, ao
Idade > 40 anos
Idade > 40 anos
ou
menos até 1 ano de idade, assim como se crê que diminua as
Ferritina < 1.000 manifestações de doença colestática. Suplementação de vitami-
Ferritina > 1.000
ALT/ AST ML
ALTfASTt nas lipossolúveis, quando necessária. Evitar tabagismo, direto
J, .,J. ou indireto.
Excluir outra O tratamento farmacológico envolve: 1. administração de
doença hepática Flebotomia Biopsia
chaperones; 2. experimentalmente, hepatócitos de ratos expos-
ou
hematológica
?-+ r-
terapêutica hepática tos às presenças de glicerol e ácido 4-fenilbutlrico cursam com
nfveis aumentados de secreção de a ,-AT, acentuando os níveis
biopsla?
plasmáticos em 20 a 50%; 3. também fenilbutarato de sódio
e/ou cidoexamida, um inibidor de translação de proteina, e,
Ml • alteradas.
finalmente, só a administração de lactasina leva à restauração
Figura 55.2 Hemocromatose genética (HG). 11. Algoritmo de condu· do transporte e secreção; 4. alternativamente, valendo-se ex-
ção (Tavill2001 ). perimentalmente da administração de inibidores de glicosida-
se e monosidase ou da administração intravenosa de a ,-AT,
nem sempre possível de ser realizada, consegue-se bloquear
).1g/L. Recomendável evitar ingesta de suplementos de vitami- o distúrbio instalado. A terapêutica substitutiva com a ,-AT
na C e, uma vez atingidos esses resultados, devem-se espaçar purificada é a única medida aprovada pela FDA para a doen-
as sessões para cada 30 ou 60 dias. O uso de quelantes, como ça pulmonar associada. Este tratamento não beneficia.rá um
a deferroxamina, mostra-se ineficaz.. O prognóstico depende paciente hepatopata porque a doença não resulta de uma per-
da da função da a ,-AT, mau processamento dessa substância.
basicamente da época do diagnóstico e início do tratamento,
Outra tentativa até agora aparentemente pouco útil foi usar
com sobrevidas longas em pacientes precocemente diagnosti- chaperones, como o ácido fenilbutlrico visando a aumentar a
cados e tratados. A evolução para insuficiência hepatocelular secreção de a ,-AT. Entretanto, nenhum aumento significativo
implica a realização do transplante de flgado, com a sobrevida da a ,-AT foi observado.
de 1 ano sendo de 50-60%. As manifestações clinicas, por sua vez, relacionam-se com
a faixa etária dos pacientes, com doença hepática sendo a rea-
tividade para 10-20% dos homozigóticos portadores do alelo
• DEFICIENCIA DE a-1-ANTITRIPSINA 2 (Pi22). No recém-nato, a apresentação mais comum traduz-
se por quadro de colestase, que geralmente regride até os 6
Alfa-1-antitripsina (a,-AT) é uma glicoproteína com ativi- meses de vida, com evolução para doença hepática já na in-
dade antiprotease, sintetizada primeiramente no reticulo endo· fância, nos primeiros meses de vida, evidenciada por icterícia
plásmico dos hepatócitos, mas também produzida em fagócitos e hepatomegalia, excepcionalmente, em idade mais ava.nçada;
mononucleares e neutrófilos. Tem a função de inativar elasta- esse jovem paciente apresenta ascite, hepatoesplenomegalia,
se, tripsina e outras enzimas proteollticas. Deficiência sérica varizes hemorrágicas, manifestações próprias daqueles com
se deve às várias mutações gênicas com combinações homo e cirrose hepática. São nesses que cursaram com hepatite neo-
heterozigóticas gerando alto risco de sua retenção em hepa- natal, que, quando adultos, entre 20 e 50 anos, vai predominar
tócitos e células pulmonares, gerando enfisema pulmonar ou o quadro respiratório de enfisema pulmonar e, naqueles mais
doença hepática. idosos, o de hepatite crônica, cirrose hepática e/ou de carci-
Capitulo 55 I Heporite Cr6nica Não Vira/ 627

noma hepatocelular. Mais raramente, são encontradas mani- entretanto, sugere-se reação de hipersensibilidade ou ação
festações cUnicas de doença respiratória e hepática, associadas lesiva exercida por um metabólito. Os achados morfológicos
nessa faixa etária. são variáveis, podendo predominar hiperplasia de células
Identificação e confirmação diagnóstica baseiam-se em ní- de Kupffer e infiltrado linfoplasmocitário, seguidos, poste-
vel s~rico baixo de a ,-AT, confirmam o diagnóstico em recém- riormente, de necrose em ponte e nódulos de regeneração.
natos ictéricos ou naqueles com hepatite crônica, ou cirrose, Os sintomas instalam-se dentro de 7 a 180 dias de uso, com
traduzindo-se histologicamente por acentuada necrose perifé- período médio de 90 dias a partir da administração. São
rica dos hepatócitos, presença de glóbulos intracelulares PAS pacientes que referem adinamia, desconforto abdominal,
positivos e a ,-AT identificada por imunoperoxidase, predomi- mal-estar geral e, nos casos mais graves, letargia e icterícia.
nantemente naqueles que são genótipos PiZ ou PiSZ. O reconhecimento precoce da agressão exige interrupção da
Recém-natos devem receber leite materno. Polimerização exposição e, nos casos de insuficiência hepática, tratamento
dessa prote[na anormal (a,-AT) tem sido bloqueada valendo- suportivo e intensivo, sem administração de corticoide.
se de chaperones, moléculas competitivas, na tentativa de se 2. Nitrofurantolna constitui outra droga capaz de causar lesão
impedir a formação do acúmulo dos agregados de proteínas hepática crônica. A evolução é assintomática, mas tradu.z.ida
mutantes nos hepatócitos. Falência dessa atitude leva a que, do bioquimicamente por alterações de nfveis séricos de AST
ponto de vista evolutivo, defina-se que: 1. apenas uma minoria e ALT, com a frequência da lesão hepatocelular sendo de
de crianças portadoras da doença são levadas ao transplante 1:3.000 pacientes expostos, cerca de 33-67% evoluindo para
de figado, sendo importante que elas, em geral no momento hepatite crônica, o que já se observa após 6 meses de exposi-
de serem assim conduzidas, ainda sejam jovens, sem doença ção. Cerca de 90% dos agredidos são mulheres acima dos 40
pulmonar ou insuficiência renal, não diferindo o per e pós- anos de idade, com mortalidade em torno de 8%. Relatam,
operatório do observado em pacientes na mesma faixa etária, em geral, astenia, fadiga, mal-estar, náuseas, anorexia e vô-
porém com insuficiência hepática ou hipertensão portal, de mito. Icterícia e hepatomegalia são identificadas nos casos
outra causa; 2. adolescentes ou adultos, no entanto, mostram graves. Deve-se a lesão a um fenômeno de hipersensibilidade
tendência a evoluírem com complicações, tais como hemorragia que, histologicamente, se traduz por necrose periférica e em
digestiva, ascite, edema, encefalopatia, distúrbios da coagula- ponte, hepatite crônica e cirrose em 20% dos expostos. Esses
ção, peritonite bacteriana espontânea, encefalopatia e smdrome cursam com hipertransaminasemia e hipergamaglobuline-
hepatorrenal e com menor incidência de enfisema pulmonar. mia, incluindo-se também positividade de autoanticorpos
Obrigatoriamente nessa fase, esses doentes deverão ser con- (antinúcleo e antimúsculo liso). A terapêutica envolve sus-
duzidos ao transplante de fígado, que, quando bem-sucedido, pensão da administração, excepcionalmente indicando-se
faz com que o nível sérico e tecidual de a ,-AT retorne ao nor- corticoide.
mal e a sobrevida de 5 anos ultrapasse 80%. 3. Dantro/ene, um derivado da hidantoma, é capaz de causar
Uma grande esperança para esses doentes repousa na tera- lesão hepática principalmente em mulheres com mais de
pia gênica, esperando que se consiga uma substituição genética 30 anos de idade que utilizam dose igual ou superior a 300
para a deficiência de a,-AT. mgldia, com incidência que varia de 0,8 a 1,9%. Casos fa-
tais relacionam-se ao uso prolongado desse fármaco, com
os sintomas iniciando-se entre 1 e 6 meses, com período as-
• FARMACOS sintomático fazendo parte do quadro. lcterlcia é observada
em 50%, e morte em 28%, causada por hepatite crônica ou
O figado desempenha papel fundamental no metabolismo de insuficiência hepática fulminante. A recuperação histológica
fármacos e se constitui alvo frequente de lesões decorrentes da ocorre em 1-5 meses após interrupção de seu uso, restando
ação lesiva exercida por eles e seus metabólitos, que haviam sido sinais de cirrose inativa. Não há indicação de corticoidete-
ministrados com intenção terapêutica. Essa evolução se traduz rapia.
evolutivamente desde a instalação de discretas manifestações de 4. Isoniazida, droga usada rotineiramente no tratamento da
colestase e necrose hepática até formas mais graves, tais como tuberculose, induz aparecimento de alterações hepáticas
hepatite aguda, insuficiência hepática fulminant.e e até doença variadas, expressando-se desde simples elevações de níveis
hepática crônica. Essa evolução última, motivo de nossa pre- séricos de AST e ALT e hiperbilirrubinemia até alterações
ocupação nesse capítulo, ocorre entre 5,7 e 33%, com 2 a 3% histológicas que se estendem desde a necrose lobular fo·-
deles requerendo admissão hospitalar. São mais susceptíveis os cal até necrose periférica, excepcionalmente sendo maciça
idosos, por apresentarem reduzida atividade do sistema enzi- multilobular. São menos frequentes hepatite crônica grave
mático citocromo P450 e reduzida excreção renal, com maior e cirrose. A descontinuação do fármaco é a terapêutica de
tempo de circulação. Também as mulheres são particularmente escolha, com o mecanismo da lesão parecendo ser por idios-
predispostas, a mesma tendência observada naqueles indiví- sincrasia.
duos com depleção dos estoques de glutation nos hepatócitos. S. Propiltiouraci/, agente antitireoidiano, que raramente cau-
O mesmo mecanismo é também observado entre desnutridos, sa hepatite crônica. Quando ocorre, existe uso prolongado,
alcoólatras crônicos e com smdrome da imunodeficiência ad- com os pacientes referindo sintomas como anorexia, astenia,
quirida. Nestes, a incidência de hepatite crônica, resultante dos artralgia e hepatomegalia. Laboratorialmente, revela-se por
efeitos lesivos por certos fármacos, mostra-se preocupante e elevação de níveis séricos de AST, ALT, fosfatase alcalina
merecerá comentários de forma isolada: e bilirrubina total São baixos os títulos de autoanticorpos
1. Alfametildopa, droga anti-hipertensiva, introduzida para uso (antinúcleo e antimúsculo liso). Histologicamente, se tra-
clínico em 1960. Evolução de agressão hepatocelular cursa duz por alargamento de espaços portais, necrose periférica
desde quadro típico de hepatite aguda at~ cirrose, incidin- e fibrose, com ou sem regeneração nodular. A terapêutica
do mais frequentemente em mulheres obesas, além dos 50 envolve descontinuação do medicamento e administração
anos de idade. O mecanismo etiopatogênico é desconhecido; de corticosteroídes.
628 Capftulo 55 I Hepatite Cr6nica Não Vira/

6. Oxifenisatina foi empregada durante anos como laxante de ferase se observa em 90% dos casos, sempre acompanhado de
uso amplo e baixo preço. A partir de 1971, passou a ser iden- macrocitose. Abiópsia hepática, observam-se, dependendo do
tificada como causa de hepatite aguda e crônica, algumas estádio, algumas peculiaridades, como infiltrado inflamatório
vezes de grave intensidade, evoluindo para cirrose. As mu- constituído por polimorfonucleares, corpúsculos de Mallory,
lheres são afetadas quatro vezes mais que os homens, rela- esteatose, podendo apresentar esclerose da veia centrolobular,
tando que fizeram uso deste fármaco pelo período de 12-36 com ou sem nódulos de regeneração. O tratamento se baseia
anos, com média de 9 meses. Os pacientes referem astenia, na interrupção da ingesta do álcool e boa nutrição, além de
mal-estar, anorexia, náuseas e icterícia, evoluindo com ele- medidas de suporte. Em casos mais avançados, já cirrotizados,
vação de níveis séricos de ASTe ALT, cerca de 50-70% de- tem sido indicado transplante hepático, devendo ser realizado
les evidenciando anticorpos (antinúcleo e antimúsculo), e apenas para aqueles com, no mínimo, 6 meses de abstinência,
30% com células LE positivas. Anatomopatologicamente, a e amplo apoio psiquiátrico associado.
lesão traduz-se por necrose periférica e em ponte, fibrose e
regeneração nodular. Esta evolução se relaciona a fenômeno
imunológico, tipo hipersensibilidade. A interrupção do me- • COLANGITE ESCLEROSANTE PRIMÁRIA
dicamento leva a desaparecimento dos sintomas, regressão
da agressão histológica, com permanência de leve fibrose. A colangite esclerosante primária é uma forma de doença
7. Diclofenaco, derivado do ácido fenilacético, pode causar he- biliar menos comum que a cirrose biliar primária e a hepatite
patite, sempre acometendo mulheres acima dos 65 anos de autoimune, porém mais frequente que as sindromes híbridas.
idade, que referem icterícia após 3-11 meses do início da Diferentemente do observado nas outras doenças hepáticas au-
terapêutica. Todos os casos evoluem com elevação de níveis toimunes, tem predileção pelo sexo masculino (2:1), não exis-
séricos de AST, ALT e de bilirrubina. Necrose em ponte tindo uma explicação plausível que justifique esse comporta-
pode ser identificada, relacionando-se com fenômeno de mento preferencial.
autoimunidade. A terapêutica envolve suspensão da droga De etiologia desconhecida, o processo inflamatório é pre-
e medidas de suporte. dominantemente linfocitário, com toda evolução relacionada
8. A evolução para hepatite crônica pode também ser obser- com a agressão que essas células causam sobre o epitélio dos
vada entre pacientes em uso crônico de sulfonamidas, clo- duetos biliares, alvos dos linfócitos T CD8+, o que lhes confere
metacina, halotano, paracetamol e aspirina, drogas que potencial patogenético. Tudo indica que essa evolução guarde
merecem ser lembradas como causadoras de lesão hepa- relação com uma resposta imunológica TH2 pró-inflamatória
tocelular prolongada. Tal tendência relaciona-se ao fato de exacerbada, sendo a natureza do alvo ainda incerta. São eles
que as drogas e/ou os xenobióticos são lipofílicos, absorvi- que evoluem com expansões dos espaços portais ocupados por
dos no trato gastrintestinal, requerendo ser transformados linfócitos CD8+, dispostos ao nível das células epiteliais dos
em compostos solúveis a serem eliminados na urina e na duetos biliares. uma forma de expressão dependente de uma
bile. Nesse processo, se encontram envolvidos o sistema resposta à hipersecreção de citocinas originárias da flora bacte-
misto de oxidase ou mono-oxigenase presente no reticulo riana intestinal anormal que apresentam. Em geral, cursam, em
endoplásmico do hepatócito, complexos citocromo c-re- associação, com aumento significativo da relação CD4+:CD8+
dutase e P-450, estando duas fases envolvidas na biotrans- no sangue periférico, como consequência de uma acentuada
formação. São mais suscetiveis as crianças ou os idosos, as redução de células CD8+, comportamento relacionado à pre-
mulheres, os portadores de doença renal ou hepática, os sença de TNFa e baixas respostas proliferativas a mitógenos.
infectados pelo HIV, bem como os obesos ou desnutridos, São elevados os níveis séricos de IL-8 e IL-1 Oe IgG. com cerca
os alcoolistas ou aqueles que exibem um polimorfismo ge- de 60-70% deles sendo anticorpos anticitoplasma de neutró-
nético. filos (p -ANCA) positivos. Epifenômeno dessa cascata infla-
matória se traduz pela identificação de outros autoanticorpos
inespeclficos, tais como antinúcleo (7-77%), anticardiolipina
• IN GESTA ALCOÓLICA EXCESSIVA (4-66%), antirnúsculo liso (13-20%), antiperoxidase tireoidia-
na (16%) e fator reumatoide (15%). Toda essa complexidade
Ingesta alcoólica excessiva se constitui em uma das princi- depende ainda da participação de alguns alelos do complexo de
pais causas de doença hepática crônica em todo o globo. Mos- histocompatibilidade (HLA) e de polimorfismos, que também
tra-se mais frequente em grupos socioeconômicos mais baixos, se identificam em genes reguladores da resposta imunológica,
mas presente também naqueles em classes afluentes. Nesses tais como ICAM -1 e CR5A32. Apesar dessas evidências, alguns
pacientes, o etano! excessivamente ingerido pode causar des- ainda não aceitam que existam provas irrefutáveis de que o
de quadro benigno de esteatose hepática até cirrose e carcino- sistema imune-humoral exerça qualquer interferência na pa-
ma hepatocelular. O sexo feminino mostra-se mais propenso togênese da colangite esclerosante primária. Outros definem
em relação à ingesta, com a evolução para a doença hepática que tal evolução se relaciona com a presença de espécies de
crônica geralmente sendo observada entre homens quando a Helicobacter, de citomegalovírus, de reovírus tipo 3, bactérias
dose ultrapassa 40 a 80 gldia por mais de 5 anos. Esses núme- e até fungos como Cândida.
ros são bem mais inferiores para as mulheres, 20-30 gldia; elas Clinicamente, esses pacientes cursam com surtos de dor ab-
caminham para as complicações graves em tempo mais curto dominal em cólica, no andar superior do abdome ou hipocôn-
de etilismo. Fatores predisponentes a essa evolução nefasta são drio direito, acompanhada de febre, astenia, calafrios, icterícia,
de ordem genética, nutrição deficiente e associação com vírus prurido, colúria e acolia, tendo-se hoje a ce.rteza de que cerca
das hepatites B ou C. de 20-25% dos que apresentam essas características as desen-
Na hepatite crônica do alcoólatra, os exames bioquímicas volveram mesmo quando existia comprometimento apenas
não diferem muito dos das outras hepatopatias, porém com al- de pequenos duetos biliares. Achados comuns são hepatome-
gumas peculiaridades. predominando o nível sérico de AST so- galia e esplenomegalia identificadas ao exame físico, respecti-
bre as taxas de ALT. Aumento de valores de gamaglutarniltrans- vamente em 44-55% e 20-30% dos casos em diferentes séries.
Capitulo 55 I Hepatite Cr6nica Não Vira/ 629

Hipertensão portal se instala progressivamente, com 2-4% dos plantados, sendo reconhecida em tomo de 8 a 12, ou 25 me-
doentes cursando com ascite, enquanto 2,6-6% sangram por ses de pós-operatório, expressando-se histologicamente por
varizes esofagogãstricas rotas, varizes que são identificadas em atividade necroinflamatória e, algumas vezes, por infiltrado
7-36% deles. inflamatório portal constituído de plasmócitos e fibrose, com
O quadro laboratorial é de colestase, traduzida por elevação potencial evolutivo até cirrose. Em alguns, se expressa labo-
sérica dos níveis de bilirrubina total e da fração direta, além da ratorialmente por elevação de níveis sanguíneos de fosfatase
fosfatase alcalina e da gamaglutamiltransferase. A hlstopato- alcalina, sem que perda do enxerto faça parte da perspectiva
logia pode se expressar sob forma de hepatite auto imune, so- evolutiva desses pacientes.
bretudo quando acomete crianças, antes que elas exibam sinais Recentemente, alguns grupos têm descrito um tipo particu-
úpicos de colangite esclerosante primária, quando ainda a co- lar de disfunção tardia do enxerto, identificado em pacientes
langiografia endoscópica retrógrada ou por ressonância mag- cursando com aspectos sorológicos e histológicos tlpicos de
nética mostram-se normais. Farmacologicamente, esses doentes hepatite autoimune, sem que essa doença fosse a causa de seu
têm sido conduzidos de forma errática, imprecisa, baseando-se transplante de ligado. Essa evolução se relaciona com infecções
nas administrações de ácido ursodesoxicólico em dose mais ele- induzidas por citomegalovírus, virus Epstein-Barr ou parvoví-
vada, D-penicilamina e opções ainda mais ineficazes, tais como rus, os quais precipitam mecanismos, tais como estimulo po-
emprego de penicilamina, prednisona, azatioprina, colchicina, liclonal, aumento e indução de expressão de anúgenos classes
pentoxifilina, nicotina oral, metotrexate e até dclosporina A e I e li do sistema HlA, interferindo também com células imu-
tacrolimus (FK 506). De forma alternativa e desesperada, alguns nerreguladoras. Difere do ponto de vista anatomopatológico
têm tentado bloquear o aparecimento de surtos de colangite, da rejeição celular, recebendo a denominação de hepatite au-
realizando dilatações endoscópicas com balão e implante de toimune e de novo instalada 2 a 4 anos de pós-operatório.
próteses, por via radiológica ou endoscópica, visando a reduzir
as incidências de febre, calafrios e queda do estado geral. Aque-
les assim manuseados deverão ser tratados profilaticamente e,
após o procedimento, receber ciprofloxacina por via oral ou pa- • LEITURA RECOMENDADA
renteral.lrracionalidade maior na condução de tais pacientes é Alla, V, Abraham, J, Slddlqul, J tt ai. Autoimmune hepatiti.s triggered by statins.
a realização de hepatectomias, visando a ressecção de estenoses I G.utroentuol, 2006; 40:757.
biliares e colangiocarcinoma. Vale lembrar que a terapêutica Allen, Kj, Gurrin, LC. Corutantlne, CC et al. lron·overload-relatcd dlsease in
definitiva apenas é possfvel com o transplante de flgado. Essa HFE hcrcdhary hemod>romatosi.s. N Eng I MeJ, 2008; 358'.221 -30.
Bac:on, BR. Hemocluomatosls. Em: Baron, BR. O'Grady, JG, Di Bb«slie. AM,
modalidade deverá ser empregada, sobretudo, naqueles que já Lakt, IR (cd.). ComprthtJUivtCJirtiaú HtpalOÚJ8y. Loodres: Elsevier Mosby,
apresentaram hemorragia digestiva alta por ruptura de varizes 2006. p. 341.
esofagogãstricas, ou gastropatia hipertensiva portal, asdte intra- Betquist, A, Said, K. Broom~ U. Changes 0\'<'r 20-year period in lhe clinicai
tável, com ou sem peritonite bacteriana espontânea, episódios p~ntations of prlmary scluosing cbolangitis in Swcden. Sauul I Castro-

recorrentes de colangite bacteriana, encefalopatia hepática e tntuol, 2001; 41:88.


Beutler, E. Iron storage diseue: facts, fiction and proguss. Bk>od Cells Moi
consumo muscular progressivo. Assim conduzidos, a sobrevi- Dis, 2007; 39:140-7.
da de 5 anos atinge 80 e 40%, respectivamente, naqueles sem Borroz. Y, Fern,ndez, MC, Peliet, G tt a/. Idiosincratlc drug-lnduccd llverln·
ou com colangiocarcinoma incidental identificado no intrao- jury (DILI): foUow-up In a cohort of patlents identified in 24 tcrtlary care
peratório ou no flgado explantado. centres in Spain./ Hepatol, 20 10; 52:5440.
Preocupante e também trágico nesses pacientes é que cerca Canva, V, Piottc, s. Aubert, JP et ai. Heterozygous M3M malton al -antilrypsln
dcficlcncy assoclated wlth end·stage liver dis<:asc: case report and rcvlcw.
de 14% deles evoluem no pós-operatório com lesões periductais
Clin Chem, 2001; 1490-6.
e cicatriz fibrótica em casca de cebola peribiliar, relacionadas Ci~Ui. NE, Tanurl, U, Mello, ES et ai. Successful t reatmcnt of de no\'0 autolm-
com a reconstrução em Y de Roux. Dif!cil nesses pacientes é mune hepatitis and cirrhosís afiei' pedlatric liver transplantation. Ptdíatr
diferenciar se tal evolução, inclusive traduzida pelos apareci- Transplllnt, 2006; 10:371-6.
mentos colangiográficos de wnas de estenoses, subestenoses e Cullen, S & Cbapman, RW. lhe mcdical management of primary scluosing
dilatações na árvore biliar presentes em 20-25% deles, decorre cholang!tis. Stmtn Llwr Dis, 2006; 26:52.
Czaja, A~ Autoimmw>ell""r clis<a<e. Curr Opin Gastroentm>l, 2007; 23:255.
de lesões arteriais isquêmicas próprias das anastomoses bilia- Cuja, A) & Carpent~r, HA. Distinctive clinicai pbenotype and trutment
res realizadas ou instala-se em seguida aos repetidos surtos de outcome of type I autoimmune hepatitls in lhe eldedy. Hep~W>k>gy, 2006;
colangite bacteriana que os pacientes podem apresentar, pro- 43:532.
motores de redução funcional parenquimatosa progressiva. Deugnicr, Y & 1\uUn, 8 Pathology o f hcpatlc ir<>n ovcrl0<1d. World I Castn><n·
Tal evolução leva a que alguns precisem ser retransplantados, uro~ 2001; 13:4755·60.
Dhalluin-Vcnlcr, V. Bes.se.n, C, Dimct, S et al. lmatinib mesylate-induoed acute
pois essa evolução pode traduzir recorrência da colangite es- hepatitis with autoimmune features. Eur J Castroenlerol Hepatol, 2006;
clerosante primária. 18:1235.
Gans, T. Molecular control of iron transport. f Am Soe Neprhol, 2007;
18:394·400.
• POS-TRANSPLANTE DE FrGADO Goldbetg. AXC. Blttencourt, PL, Oliveira, LE et a/. Autoimmunc hepatltls ln
Bru.il: An ovcrvlcw. Scamlf Immuno~ 2007; 66:208.
Gurrin. LC. Osbornc, NJ, CoiUillntlne, CC et aL The natural history of ..rum
De frequência incomum, tem sua história natural e signi- iron índias for HFE Cl82Y homozygosity associateci with heredjtary ttemo-
ficado clinico indefinido, desconhecido. De etiologia indefini- chromatosis. Castroentero/ogy, 2008; IJ5:194S-52.
da, aventa-se que decorra de condições associadas, tais como Ktrkat, N, Hadz.ic. N, Davíes, ET et aL De-oovo autoimmune hepatitís after
toxiddade por fármacos, repercussão de infecção sistêmica livertraruplantatlon. l.ana41998;351:409-13.
ou consequência de fatores hemodinãmicos. A maioria dos Krasinskas, AM, Yao, Y, Randhawa, P et aL Helia>bacter pylori may play a
contributory role in the path~nesi.s of primary sclerosing cbolangitis.
casos não parece progredir, podendo melhorar com o correr Dig Dis Sd, 2009; 52:2265·70
do tempo, porém com possibilidade de evoluir para perda do Krawin, EL. Autolmmune hepatitis. N Eng I MM, 2006; 354:54.
enxerto como resultado de evolução da hepatite crônica que Kulaksit, H, Rudolph. G, Kloeters-Piachky, P, Sauer, P et ai. Blllary Candlda
apresentam. Observa-se aproximadamente em 10% dos trans- lnfcctions in primary scleroslng cholangitls.J Hepatol, 2006; 45:111.
630 Capftulo 55 I Hepatite Cr6nica Não Vira/

Lapicrrc, P. Béland, K, Alvarcz, F. Pathogcncsis of autoimmunc hcpatitis from Phalak, P. Bonkovsky, H, Koedley, K Hereditary hemochromatosis time for
break of tolerance to immune-mediated hepatocyte apoptosis. Tran.slat targcted scrcerung, Ann lntern Med, 2008; 149:270-2.
Res, 2007; 119:107. Pohl, J, Ring, A, Stremmel, W, Stich, A. The role ofdominant stenoscs in bacte-
Lavncrs, MH, van Oijcn, MGH, Prcnk, M, Drcnth, JPH. Optimal trcatmcnt in rial infec.tions ofbilc ducts in primary sclerosing cholangitis. Eur I Gastro-
autoimmunc hcpatitis. Prcdnisonc or azathioprinc? Results of a systcmatic enterol Hepat.ol, 2006; 18:69.
rcvicw. I Hepato~ 20 I O; 52:5426. Regev, A, Guagueta, C, Molina, EG tt a/. Does the heterozygous state of alpha-1
Longhi, MS, Hussain, MJ, Mitry, RR et ai. Functional study ofCD4+ CD25+ antitcypsin defic.ienc.y have a role in chronic.liver diseases? Interim result.s
regulatory T cells in health and autoimmune hepatitis. J Immunol, 2006; of a largc-case-control study. }PGN, 2006; 43:530-S35.
176:4484. Salcedo, M, Vaquero, J, Bailared, R tt a/. Response to steroid in dt novo autoim-
Ma, Y, Bogdanos, OP, Hussain, MJ tt a/. Polyclonal T-cell associated with disease mune hcpatitis after livcr transplantation. Hepawlogy, 2002: 35:349-56.
activity in autoimmunc hcpatitis typc 2. Gastroemerology, 2006; 130:868. Schnunm, C, Herkel, J, Beuers, U t t ai. Pregnancy in autoimmune hepatitis:
Mcnon, KVN & Wicsncr, RH. Primary sclcrosing cholangitis. Em: Bacon, BR, outcome and risk factors. Am I Gastroenterol, 2006; 101:556.
O'Grady, JG, Di Bisccglic, A."', Lakc, JR (cd.). CompreMnsive Clínica/ He- Sttenberg, KK, Cogiswile, ME, Chang, JC et ai. Prevalence ofC282Y and H630
pat.ology. Londres: Elscvicr Mosby, 2006. p. 289. mutations in the hemochromatosis (HFE) gene in the Uruted States. /AMA,
MieU-Vergani, G & Vergani, D. De-novo autoimmune hcpatitis followingliver 2001; 285:2216-22.
transplantation in adults. I Hepatol, 2001; 35:464-70. Syn, WK, Nightingale, P. Grinson, B et ai. Natural history of unexplained chro-
Morgan, TR & Frcnch, SW. Alcoholic liver discasc. Em: Bacon, BR, O'Grady, nic hcpatitis aftcr livcr transplantation. Liver Transpl, 2007; 22:984-9.
JG, Oi Bisceglie, AM, Lake, JR (ed.). Comprehensivt Clinicai Hepatology. Talwalkar, JA & Lindor, KO. Primary sclerosing cholangitis. Inflamm Bowel
Londres: Elscvier Mosby, 2006. p. 311. Dis, 2005; 11:62-72.
Nakhlch, RE, Krishna, M, Kcavcny, AP et ai. Rcvicw of3 cases of morphologic Tavill, AS, American Association for the study of Liver diseases, American
hcpatitis Uver transplant patients not relatcd to discasc rec.u.rrence.. Transpl College of Gastroenterology, American Gastroenterological Asssocia-
Proc, 2005; 37:1240-2. tion. Diagnosis and managemcnt ofhemoch.romatosis. Hepatology, 2001;
Norris, S. Drug and toxin-induced liver discase. Em: Bacon, BR, O'Grady, JG, 33:1321-8.
Oi Bisceglie, AM, Lake, ]R. Ccmprehtnsive clinicai htpatology. Londres: Tischcndorf, JJ, Hccker, HH, Krugcr, M et ai. Charactcrization, outcomc, and
Mosby Elsevicr, 2006; p. 495. prognosis in 273 patients with primary sclerosing cholangitis: a single center
o•Mahonny. CA & Vierling. JM. Etiopathogenesis of primary sderosing cho- srudy. Am I Gattroenterol, 2007; 102:107.
langitis. Semln Uver Di.s, 2006; 26:3. Uribe, M, Chavez-Tapia, NC, Mendez-Sanchez, N. Pregnancy and autoimmune
Oliveira e Silva, A de, Porta, G. Mulheres com coJa.ngite esderosante primária. hepatitls. Ann Hepatol, 2006; 5:187.
Em: Oliveira e Silva, A de & Porta, G. Rio de Janeiro, Editora Revinter, Weissmüller, TI, Wedemeyer, J, Kubicka, S et ai. lhe challenges in primary
20 I O, p. 65-76. sclerosing cholangitis - Aetiopathogenesis, autoi.rn.munity. management
Olymnyl, J, Trender, D, Ramm, GA et a/. Hereditary hemochromatosis in post- and malignancy. I Hepatol, 2008; 48:S38-S57.
HFE era. Hepatology, 2008; 48:99!-1 001. Yeoman. AO, \Vestbrook, RH, Bernal, PM ti aL Prognosis of acute severe au.
Pet2, W, Sonzogn~ A, Bertaru, A ti ai. A cause of late grafi dysfunction after (Oimmune hepatitis. I Hepatol, 2010; 52:5434.
pediatric liver transplantation: de novo autoimmune hepatitis. Transpl Pro 4
zum Büschenfelde. KHM. Autoimmune hepatitis: •Hepatitis sui gener~ I Ht·
ceed, 2002; 34:1958-9. pato/, 2003; 38:130.
56 Hepatite Aguda Fulminante
Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo,
Evandro de Oliveira Souza, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin,
Paula Hugueney Cruz, Taiane Costa Marinho,
Maria Juliana Louggio Cavalcanti, Maria Elizabeth Ca/ore Neiva,
Arnaldo Berna/ Filho, Raul Carlos Wahle

Hepatite aguda fulminante (HAF) define-se como síndrome • lnsufiàência hepática subfulminante
clínica, grave, que se caracteriza por sua súbita instalação, em
pacientes com flgado previamente normal, ou em alguns por- Traduzida como de instalação aguda, complicada por coma
tadores de doença hepática crônica. Em geral, assume evolu- hepático, que se instala entre 2 semanas e 3 meses do apare-
ção rápida, levando à insuficiência hepatocelular, traduzida cimento de icterlcía, sempre acompanhado dos comemorati-
por hlpoglicemia, falência de múltiplos órgãos, coagulopatia e vos clínicos tlpicos, identificados nos pacientes que cursam
distúrbios do sistema nervoso central, estes representados por com flgado devastado pela necrose hepatocelular severa que
letargia, sonolência e coma. O índice de mortalidade chega a apresentam.
80'J6. Vem ocorrendo uma reversão nessa triste história natural
com o advento do transplante de figa do, a sobrevi da atingindo
80-9096 dos pacientes transplantados. Os aspectos evolutivos e • lnsufiàência hepática hiperaguda,
terapêuticos serão comentados neste capitulo. aguda ou subaguda
Essa é a forma mais recentemente proposta de conceituação
• CONCEITUAÇÕES DA srNDROME da hepatite aguda fulminante. Baseia-se no tempo de instala-
ção de sinais neurológicos caracterlsticos da falência cerebral,
A conceituação original de hepatite aguda fulminante foi respectivamente entre Oe 7, 8 e 28 ou de 29 dias a 12 semanas,
feita por Lucke & Mallory, em 1946. Descreveram que ela se com índices de sobrevida de 36, 7 e 1496. Caracterlsticas destes
caracterizava «pelo agudo aparecimento de icterícia progressi- subgrupos estão dispostas no Quadro 56.1.
va, redução volumétrica do fígado e coma hepático. Todos os
doentes cursavam com alargamento do tempo de protrombina,
hlpertransarninasemia, além de aumentos nos valores sanguí- • DIVERSAS ETIOLOGIAS
neos de bilirrubina, nitrogênio e amônia, com insuficiência he-
pática grave instalando-se dentro de 8 semanas desde o inicio Diversas etiologias responsáveis pela instalação de hepati-
do quadro clinico". te aguda fulminante encontram-se discriminadas no Quadro
Cerca de 65 anos após, apresentaremos os avanços obtidos 56.2.
com o diagnóstico mais precoce e terapêuticas modernas, vol-
tados à interrupção da avassaladora evolução, que pode ser
observada nessa doença, sobre a qual diferentes grupos de pes-
quisadores estabeleceram diferentes conceituações, baseando-
• HEPATITES AGUDAS VIRAIS MAIS FREQUENTES
se no intervalo do tempo entre o aparecimento de icterícia e a A hepatite pelo vírus A representa a causa mais frequente de
instalação da encefalopatia, conforme discriminado adiante. hepatite aguda fulminante, com incidência maior entre expos-
tos ao virus em fase mais avançada da vida. Observa-se entre
• lnsufiàência hepática fulminante 0,01 e 196 dos infectados, diagnosticada pela presença sérica do
Indicativa de necrose parenquimatosa extensa grave, ocorre anti-VHAlgM, com sobrevi da média em tomo de 4096. Essa é
na ausência de doença hepática preexistente. Acompanha-se a melhor evolução entre pacientes com doença induzida por
sempre de coma, estágios IIl ou IV, observado dentro de 8 se- vírus hepatotróficos. Um escore prognóstico desenvolvido para
manas do inicio clinico da hepatite. Mais recentemente, esse essa forma de doença inclui quatro aspectos tradutores de maior
conceito foi modificado e aplica-se desde que o tempo de ins- gravidade: alanina-aminotransferase < 2.600 Ul/t, creatínina
talação do quadro neurológico ocorra dentro de duas semanas > 2,0 mgldt e necessidade de assistência ventilatóría sob entu·
a partir do aparecimento da icterlcia. bação orotraqueal, e uso de drogas vasopressoras.
631
632 Capftulo 56 I Hepatite Aguda Fulminante

-----------------------------~-----------------------------
Quadro 56.1 Características dos subgrupos dos pacientes com hepatite aguda fulminante

Subgrupos de insuficiinda hepática


Caracteristlcas
Hlperaguda Aguda Subaguda

Encefalopatia Sim Sim Sim


Duração da icterícia (dias) 0-7 8-28 29-71
Edema cerebral Comum Comum lnfrequente
Tempo de instalação Prolongado como agudo Prolongado como hiperagudo Menos prolongado
Bilirrubina Menos elevada Elevada como subaguda Elevada como aguda
Prognóstico Moderado Ruim Ruim

~- te desconhecido associado). O diagnóstico é confirmado pela


Quadro 56.2 Diversas etiologias da insuficiência hepática fulminante presença séricados anti-HBclgM e anti-VHD!gM e RNAVHC,
quando esses outros agentes participam da lesão hepatocelular.
Hepatites agudas virais mais frequentes Essa evolução relaciona-se ao rápido clareamento dos AgHBs,
• Hepatite pelo vírus A (VHA) pré-SI e pré-S2 e o precoce aparecimento de seus anticorpos,
• Hepatite pelo vírus B (VHB)
• Hepatite pelo vírus C (VHC)
quando tipicamente tais marcadores tornam -se indetectáveis
• Hepatite pelo vírus O (VHD) no soro. Essa evolução é mais comum entre aqueles que exibem
- Coínfecç~o com VHB frequentes mutações no gene precore/core. Forma fatal de he-
- Superinfecç~o com VHB patite aguda fulminante pode ocorrer naqueles pacientes que já
• Hepatite pelo vírus E cursavam com hepatite crônica, ou encontravam-se recebendo
Hepatites por outros agentes virais doses elevadas de quimioterápicos ou irnunossupressores e que
Hepatite autoimune são AgHBs positivos. Estes podem apresentar desde a forma
Hepatites qulmicos assintomática da doença até sinais clinicas e laboratoriais con-
• Envenenamento pela amaníta Phafoide e solventes industriais dizentes com exaustão funcional do parênquima hepático. São
• Toxicídade pelo acetaminofeno e halotano
• Reações ídíossíncráticas a outros fármacos
dúbios os resultados expostos na literatura voltados à manipu-
- lsoniazida com rifampicína, trimetoprima com sulfametoxazol, lação desses pacientes, valendo-se de análogos nucleosídicos.
barbitúricos, acetamínofeno, alfametildopa, tetraciclinas, O papel do VHC na hepatite aguda fulminante é controver-
quinolonas, amiodarona, anti-inflamatórios n~o hormonais, so em diferentes séries avaliadas. Mostra-se como responsável
antidiabéticos orais, antirretrovirais por índices baixos nos EUA e na Europa, variando de Oa 12%,
Misceldnea porém mais elevado entre asiáticos, em que atinge 43-59%.
• Rejeiç~o híperaguda ao flgado transplantado
• Pós-cirurgia baríátrica
Por sua vez, a frequência descrita de coinfecção ou superin-
• lsquemia hepática fecção de pacientes positivos para RNAVHC (PCR) e AgHBs
• Gestaclonal evoluindo para hepatite aguda fulminante estende-se, por sua
• Doenças linfoproliferativas vez, entre 18 e 47%, sendo mais elevada entre asiáticos, em que
• Síndrome de Budd-Chiarí atinge 43-59%.
• Anormalidades vasculares cardíacas
• Pós-esforço fisico excessivo sob condições adversas Hepatite pelo vfrus E ocorre sob forma epidêmica em
Metabólicas (prevafentes em crianças} pai.s es em desenvolvimento, sobretudo afro-asiáticos. Nesses,
• Sfndrome de Reye a hepatite aguda fulminante caracteristicamente ocorre 9 vezes
• Mitocondríopatias mais entre grávidas do que entre homens e não gestantes. Tem
• Galactosemia gravidade maior naquelas que se encontram no terceiro trimes-
• Tirosinemia hereditária tipo 1 tre da gestação.~ causada por um vírus não envelopado de 32
• Doença de Wilson
• Protoporfiria eritropoética nm, de transmissão oral-fecal, com período de incubação de
• Hemocromatose neonatal 209 semanas, média de 40 dias, incidindo mais frequentemente
Indeterminados ou críptogenéticas em pacientes entre 15 e 40 anos de idade, com índice de casos
fatais atingindo 0,2 a 4% na população geral, podendo atingir
8%, quando gestantes são acometidas.

Estima-se que, no mundo, trezentos milhões de indivíduos • HEPATITES POR OUTROS AGENTES VIRAIS
são portadores do AgHBs, com cerca de 1% evoluindo com
hepatite aguda fulminante. Essa forma grave de necrose do pa- A infecção disseminada pelo vírus do herpes simples pode
rênquima hepático observa-se em diferentes situações, como: ser identificada no soro pela técnica HSVDNA, valendo-se de
1. pacientes que se apresentam apenas com infecção pelo VHB; reação em cadeia de polirnerase; é capaz de levar à instalação
ou 2. quando existe coinfecção pelo VHC e VHD; 3. menos de hepatite aguda fulminante, exigindo realização urgente de
frequentemente, quando se superimpõe um outro agente viral transplante de f!gado. ~ recomendável que estes pacientes, no
desconhecido. A prevalência respectiva dessas condições entre pós-operatório imediato, recebam altas doses de antivirais. En-
italianos se situa em 39% (infecção única pelo VHB), 25% (coin- tretanto, frise-se que, mesmo assim sendo tratados, taxas subs-
fecção pelo VHC), 23% (coinfecção pelo VHD) e 13% (agen- tanciais de morbirnortalidade têm sido observadas. Em crian-
Copftulo 56 I Hepatite Aguda Fulminante 633
ças, a doença ocorre mais comumente nas primeiras 2 semanas
de vida e, quase sempre, associada a doença sistêmica.
• Hepatites químicas
Outros agentes virais, tais como citomegalovirus, adenoví- As hepatites agudas medicamentosas cito!Iticas lembram
rus, varicela e parvovfrus B19, podem precipitar necrose extensa clínica e laboratorial mente as virais. Quando sintomáticas, re-
do parênquima com hepatite aguda fulminante, mais frequen- velam -se pela presença de sintomas inespecificos como astenia,
temente observada em imunodeprimidos. Essa evolução pode anorexia, rash cutâneo, vômito, ictericia ou não e, mesmo entre
também ser vista na presença de echovfrus, dos vírus do saram- os assintomáticos, pela elevação dos nlveis séricos de alanina-
po, NHV -6, da leptospirose, da febre amarela, da dengue, na aminotransferase. Histologicamente, expressa-se por necrose
febre de !assa e SEN-V, na doença causada pelo vírus Epstein- hepatoàtária, predominantemente difusa, acompanhada de
Barr, que também pode ser identificado nesses pacientes, em infiltrado inflamatório lobular e portal constituldo por poli-
geral cursando com anemia hemolltica e slndrome hemato- morfonucleares, linfócitos e eosinólilos. Quando essa agressão
fagocítica. Autores japoneses mostraram que pacientes com acentua-se e torna-se mais extensa e difusa, instala-se encefalo-
hepatite aguda pós-transfusional causada por esse DNA-vfrus, patia, evolução neurológica que costuma ocorrer em menos de
com estrutura genômica similar à dos parvo vírus, podem evo- 15 dias desde o aparecimento de icterlcia. Esse comportamento
luir para insuficiência hepática fulminante. Entretanto, ainda se observa mais frequentemente entre aqueles em uso de drogas
é diffcil definir com precisão sua participação na indução da de ação hepatotóxica previsível, como o paracetamol, ou idios-
necrose maciça dos hepatócitos. Para que se conheçam os de- sincráticas, identificadas naqueles em uso de anti-inflamatórios
talhes fisiopatológicos, necessita-se ainda de melhores sistemas hormonais, ou recebendo anestésicos halogenados, tais como
de marcadores de antígenos e de anticorpos, além da realização halotano, entlurano e metoxiflurano. Mais recentemente, essa
de estudos experimentais infectando chimpanzés ou outros ani- evolução tem sido observada em doentes tratados com leveti-
mais suscetíveis. Tal como estamos, inexistem evidências cien- racetan, sinvastatina-ezetimiba, bicalutamide, sunitinibe, flu-
tíficas válidas documentando a replicação viral intra-hepática darabina-ciclofosamidalrituximabe.
ou evidenciando uma resposta excessiva desenvolvida por lin- Preocupantes entre esses pacientes, são aqueles com hepa-
fócitos T citotóxicos, ou, ainda, a ação de citocinas capazes de tite aguda fulminante induzida pelo acetaminofeno, nos quais
promover a agressão hepatocelular extensa que alguns desses a toxicidade medicamentosa se identifica entre 36 e 72 h após
pacientes apresentam. ingesta inadvertida, ou como tentativa suicida, sempre asso-
Em torno de 40% dos portadores de paramixovirus apre- ciada ao uso combinado de doses elevadas de álcool. Cursam
sentam -se com insuficiência hepática sub aguda, enquanto os rapidamente com edema cerebral com hipertransaminasernia
outros 60% evoluem com hepatite crônica ativa não responsiva variável entre 800 UUl a 8.850 Ul/l e bilirrubina sérica total
à corticoterapia. Esse tipo de agressão ao figado assume aspecto entre 10 mgldl e 24 mgldl. Confirma-se o diagnóstico pela
peculiar à microscopia eletrônica, ao serem identificados, no identificação de adutos AP AP-Cys presentes na circulação.
citoplasma dos hepat6citos, partículas pleomórlicas de 150-250 Este quadro grave também é observado entre aqueles que
nm, filamentos e outras partlculas de 14-17 nm, com espículas consomem mais de 50 g de cogumelo do gênero Amanita
perifericamente expostas, lembrando nucleocapsldio de para- phalloides, quando a hepatite aguda fulminante instala-se 4-8
dias após a ingesta, precedida pelo aparecimento de vômito e
mixovfrus, posslvel agente etiológico responsável pela agressão.
diarreia. Também essa evolução se observa entre manipuladores
Outros pesquisadores, no entanto, afirmam que essa evolução
de solventes industriais e agentes químicos, tais como letrado-
não se relaciona a um único tipo de agente etiológico e não sig- reto de carbono, tricloroetflico e 2-nitroproprano.
nifica obrigatoriamente prognóstico reservado. No entanto, na
descrição dos primeiros casos dessa entidade, 50% dos acome-
tidos vieram a falecer em lHP, enquanto os outros 50% foram • MISCELANEA
conduzidos ao transplante de figado e sobreviveram.
• Rejeição hiperaguda ao fígado transplantado
• Hepatite autoimune
Este quadro é observado quando a barreira ABO é violada.
Esse tipo representa menos de 5% dos casos de hepatite agu- Nesses casos, anticorpos pré-formados presente.s na circulação
da fulminante. Em geral, o diagnóstico do distúrbio imunoló- do receptor no periodo pré-transplante dirigem-se contra antí-
gico já era previamente conhecido, identificado em pacientes genos expressos em células endoteliais do flgado transplantado.
do sexo feminino jovem, portadoras de autoanticorpos séricos Como consequência, instala-se fixação e ativação do comple-
(antimúsculo liso, anticitosol hepático, anti-LKM-1 e FAN). mento, ocorrendo também progressão para IHF.
Eles podem, no entanto, faltar e o diagnóstico pode se base- De etiologia desconhecida, afeta gestantes que se encontram
ar em aspectos histológicos e em uso de corticosteroides. Em no terceiro trimestre de gestação.
uma fração menor, se define por ocasião da instalação de um A tireotoxicose identifica-se em pacientes com hipertireoi-
quadro que se traduz por apresentação subaguda, com nlveis dismo, em consequência da maior demanda metabólica que
séricos em geral não muito elevados de aminotransferases ou apresentam e da hipoxia centrolobular relativa; pode evoluir
de bilirrubina. Ocorre em consequência da perda da tolerância com sinais típicos de isquemia hepatocelular grave, com hiper-
contra proteínas teciduais autólogas, denominadas autoanticor- bilirrubinemia e elevação dos valores séricos de aminotransfe-
pos. A destruição celular maciça se observa quando linfócitos rases e fosfatase alcalina. Associadamente, esses pacientes po-
Te B autorreativos são impropriamente regulados, linfócitos dem exibir, nas formas mais graves, febre, dellrio, taquicardia,
esses responsáveis pela tolerância aos antígenos que são pró- hipotensão, vômito e diarreia. Histologicamente, evidenciam-se
prios dos indivíduos. Em qualquer situação em que indivíduos acentuada inflamação hepática, esteatose, necrose hepatocitária
suscetíveis sejam expostos a um agente disparador (ambien- extensa, vacuolização de hepatócitos, presença de glicogênio
te, vírus, fármacos) de autorreatividade a antígenos hepáticos, nuclear, com ou sem cirrose. A não interrupção dessa evolução,
produzem-se necrose inflamatória hepatocelular e exaustão através da administração de propiltiouracil, hidrocortisona e
funcional parenquimatosa. propranolol, pode levar à instalação de quadro de HAF.
634 Capftulo 56 I Hepatite Aguda Fulminante

drio direito, identificando-se massas hepáticas aos métodos de


• Pós-drurgia bariátrica
imagens ou infiltração sinusoidal microscópica à histologia.
Essa evolução nefasta pode se instalar após cirurgia bariá-
trica. Uma vez que a gordura víscera! (omental e mesentérica)
atua como mediadora da sindrome metabólica, sendo conside-
• Síndrome de Budd-Chiari
rada fonte de moléculas, geração de citocinas proinflarnatórias Caracterizada pela obstrução ao fluxo venoso hepático de
e adipocinas, promove, após cirurgias, sobretudo pelas técnicas drenagem, situada em pequenas e grandes veias hepáticas ou
de Scopinaro e Fobi Capela, um acesso maior dessas moléculas segmentos sub hepáticos da veia cava inferior.lnstala-se quan-
via drenagem venosa portal. Como consequência, ocorre ex- do existem lesões tumorais invasivas desse território (carci-
cessivo acúmulo herpático de lipídios, precipitando excessivo noma hepatocelular, de rins ou adrenais, liomiossarcomas ou
estresse oxidativo, peroxidação lipídica e disfunção mitocon- mixomas, hiperplasia nodular focal volumosa, cistos hepáti-
drial, ou intensa inflamação. Nesses pacientes, e certamente cos ou doença hidatldica alveolar). Relaciona-se também com
naqueles predispostos (dependência genética?), a doença cur- síndromes protrombóticas, fibrose ou estenose por membrana
sa com nec.rose hepática maciça, colapso difuso do arcabouço congênita, ou até uso de anticoncepcionais orais em pacien-
reticuUnico, aproximação de estruturas vasculares, metaplasia tes com deficiências de protel.nas S e C, mutações do fator V
ductular regenerativa, múltiplos aglomerados de hepatócitos e do gene da protrombina. Tem sido descrita em associação
remanescentes, intensa atividade inflamatória, colestases intra- com doenças inflamatórias, tais como venulite granulomatosa,
celular e canalicular difusas e siderose graus 111 ou IV. doença de Behçet, abscesso arnebiano e como intercorrência
evolutiva das doenças inflamatórias intestinais. Consequên-
cia dessa modificação hemodinâmica, traduz-se por aumento
• lsquemia hepática da pressão sinusoidal responsável por congestão hepática, hi-
Redução ou interrupção da perfusão sanguinea aos hepa- pertensão portal e linfática. Dependendo da extensão desses
tócitos precipita quadro de isquemia. Esse comportamento se eventos, são mais ou menos intensas dor abdominal surda de
observa nas lesões de artéria hepática e veia porta, e em pacien- forte intensidade, localizada no h ipocôndrio direito ou andar
tes com insuficiência cardíaca. Em qualquer dessas situações, o superior do abdome, ascite e hemorragia digestiva alta. Todas
baixo fluxo consequente à redução na pressão de perfusão leva cursam com elevações de níveis séricos de aminotransferases,
à necrose hepatocelular. Esse comportamento também se iden- garnaglutamiltransferases e a gravidade pela redução da sl.ntese
tifica naqueles com arritmias graves, com doença venoclusiva, hepatocelular (hiperbilirrubinemia, hipoalbuminemia, hipo-
no choque hipovolêmico e em outros estados de baixo débito. protrombinemia, com lNR alargado e fator V baixo). Todos
Também pode ser observada em paciente que faz uso de dro- esses aspectos bioqulmicos se relacionam com congestão hepá-
gas hipotensoras, ou de cocaína (com resultantes infartos de tica, focos hemorrágicos e extensão da necrose hepatocelular.
miocárdio, dos rins e isquemia hepática), ou em pós-colapso Confirma-se o diagnóstico, não apenas pelos aspectos histoló-
vascular seguindo-se ao uso de heroína; nessa eventualidade, gico-laboratoriais, mas também pela identificação do obstáculo,
sempre acompanhada de sofrimento pulmonar. valendo-se de ultrassonografia com Doppler, angiorressonância
magnética ou angiotomografia computadorizada.
• Gestacional
Duas formas de apresentação de hepatite aguda fulminante • ANORMALIDADES VASCULARES CARDrACAS
podem ser identificadas em gestantes, uma expressa sob for-
ma de plaquetopenia (síndrome HELLP) própria daquelas em São requerimentos básiccs para funcionamento do flgado o
excessiva produção de tirosina-cinase-1 (sftl ), um fator an- adequado fluxo sangul.neo e a boa oferta de oxigênio. A redu-
tiangiogênico gerador de distúrbio placentário, disfunção en- ção da perfusão sanguínea, arterial e/ou venosa portal costuma
dotelial, hipertensão e proteinúria. A outra se relaciona à dis- induzir a hipóx:ia centrolobular, gerando necrose hepatocitá-
função mitocondrial consequente a distúrbios de ~-oxidação ria, congestão sinusoidal e colestase. Esse processo é mais fre-
de ácidos graxos materno-fetais gerando infiltração gordurosa quentemente observado entre pacientes infectados, hipotensos
microvesicular, que se acompanha de insuficiência hepatoce- (choque) e portadores de insuficiência cardíaca congestiva e
lular. Esta é observada mais no terceiro trimestre de gravidez, com manifestações respiratórias. Eles desenvolvem elevação
em torno de 34,5 semanas, média de 28-39 semanas. Tais pa- dos valores séricos de aminotransferases, bilirrubina total e
cientes cursam com edâmpsia, prenhez gemelar, o concepto é desidrogenase lática, podendo, com o agravamento hemodi-
feto masculino, sendo mais comum entre nullparas. Não infre- nâmico, evoluir para HAF.
quentemente, desenvolvem necrose hepática com hemorragia
intraperitoneal, exigindo embolização da artéria hepática, em
caráter de urgência. • PÓS-EXERCrCIO FrSICO EXCESSIVO
SOB CONDIÇOES ADVERSAS
• Doenças linfoproliferativas
Alguns casos de doença hepática aguda com expressão leve
Doenças linfoproliferativas, tais como, infiltração leucêmica, ou moderada têm sido descritos em pacientes que realizam um
ou durante invasão metastática maciça, geram isquemia e défi- grande esforço Bsico. As formas mais graves também ocor-
cit funcional hepatocelular ocasionado pela maciça presença de rem. A patogênese do processo relaciona-se com exercido fl-
células tumorais, capaz de ser acompanhada de hepatite aguda sico excessivo, sob condições adversas, tais como temperatura
fulminante. Quadro semelhante se observa também em porta- e umidade elevadas, e, possivelmente, uso concomitante de
dores de câncer de mama, melanoma, próstata e pulmão. Todos ecstasy. A baixa perfusão sanguinea hepatocelular e a condição
cursam com volumosa hepatomegalia e dor forte no hipocôn- de hipermetabolismo geram degeneração microvesicular dos
Capitulo 56 I Hepatite Aguda Fulminante 635

hepatócitos centrolobulares, causando congestão, hemorragia ma, com comprometimento associado de rins, coração e sis-
e presença de hemoss.iderina, além de sinais de colestase. Isso é tema nervoso central.
acompanhado por elevação dos valores séricos de arninotrans-
ferases, alargamento de tempo de protrombina e aumento do • Doença de Wilson (DW)
IN R. Rabdomiólise ocorre em 25% dos doentes, acompanhada
de insuficiência renal Na maioria dos casos, observa-se reso- Também denominada degeneração hepatolenticular. Doen-
lução dentro de semanas a poucos meses. Casos mais graves ça metabólica genética, autossômica recessiva, que se caracte-
são tratados pelo transplante de fígado, com maus resultados riza por deposição de cobre em diferentes órgãos, como rins e
precoces e tardios. olhos, mas, sobretudo, no cérebro e no figado. Neste último, o
excesso do metal leva ao aparecimento de hepatite crônica, fi-
brose ou cirrose e até IHF. Nesta última forma de apresentação,
• DOENÇAS METABÓLICAS ocorre lesão extensa, com deterioração acentuada da função
hepática.~ chamada de forma fulminante da DW. Laboratorial-
(PREVALENTES EM CRIANÇAS) mente, se expressa por baixos níveis séricos de cobre e de fosfa-
tase alcalina, além de elevadas concentrações de cobre na urina
• Síndrome de Reye de 24 h. Os doentes evoluem com valores aumentados de ami-
notransferases e das proporções fosfatase alcalina:bilirrubina
Trata-se de uma doença rara que se instala predominante- total e aspartato aminotransferase:bilirrubina total, abaixo de
mente em crianças, com história de ingestão de aspirina, visan- 2,0 e acima de 4,0, respectivamente. Quando presente, a ane-
do a combater sintomas gripais. A patogênese é multifatorial, mia hemolltica é Coombs-negativa. Os pacientes muitas vezes
relacionada possivelmente à predisposição genética, envolven- apresentam história familiar e podem evidenciar anel corneano
do anormalidades de enzimas mitocondriais, sem que evolução de Kayser-Fieischer, identificado pela lâmpada de fenda. Exige·
mais grave se correlacione com níveis séricos de salicilatos. se diagnóstico precoce, com realização, em caráter de urgência,
Traduz-se histologicamente por esteatose microgoticular, de transplante de fi gado. Quando não conduzidos dessa forma,
sem infiltrado inflamatório, quadro que precede o aparecimento a mortalidade atinge 100%.
da hepatite aguda fulminante, expressa níveis muito elevados O curso prodrômico varia de 5 dias a 7 semanas, sem que
de bilirrubina, ultrapassando a 15 mg!dl, acompanhada de en- a verdadeira duração possa ser rigidamente precisada. Todos
cefalopatia e síntese hepatocelular comprometida. exibem sinais histológicos de grave inflamação, com expansão
de espaços portais e necrose periférica. Distribuição celular
• Mitocondriopatias parenquimatosa, cirrose, acúmulo hepatocitário de cobre e em
septos periportais, colestase, todas essas alterações podem ser
Mitocôndrias encerram mais que uma cópia de DNA, repli- evidenciadas.
cação e codificação dependente de genes nucleares. Depleção
nessas cópias leva ao aparecimento de distúrbios mitocondriais,
gerando depleção energética dessas organelas intracelulares • Protoporfiria eritropoética
que afetam a cadeia respiratória, de oxidação e transporte de Doença genética de herança autossômica recessiva, depen-
ácidos graxos, e deficiências de acilcoenzima desidrogenase ou dente de defeito na enzima ferroquelatase, resultando na ex-
das cadeias longas e curtas de 3-hidroacilcoenzima A. Como cessiva deposição de cristais birrefringentes de protoporfirina
essas alterações podem precipitar evolução para hepatite aguda nas células parenquimatosas do figado. Quando ocorre de for-
fulminante, é necessário que haja transplante de figado. ma excessiva, pode causar exaustão funcional do parênquima
hepático e leva fatalmente à morte, evolução que poderá ser
• Galactosemia interrompida caso os doentes sejam submetidos a transplan-
te de fígado. Esses pacientes transplantados podem exibir, no
Doença rara, de herança autossômica, consequente à defi- pós-operatório imediato, disfunção autonômica traduzida por
ciência de galactose-1-fosfato uridiltransferase. Nessas crian- dor abdominal, hipertensão, taquicardia, retenção urinária,
ças, ocorre, após introdução do leite de vaca na alimentação, constipação, náuseas e vômitos. Cursam ainda com neuropa-
acúmulo hepático de galactose-1-fosfato, gerando esteatose, tia periférica, manifesta por paresia e paralisia, parestesias e
proliferação periportal de duetos biliares e deposição de ferro. extremidades dolorosas. O sistema nervoso pode apresentar-se
Persistência na ingestão desse leite leva ao aparecimento de comprometido, com estado mental preservado. Pode ocorrer
fibrose e cirrose hepática. ~ necessário o diagnóstico precoce, paralisia progressiva com degeneração axonal de nervos moto-
baseado na detecção de substâncias redutoras na urina e ativi- res, evoluindo para mioclonia e coma. Hemólise intraoperatória
dade baixa da enzima em eritrócitos, antes que haja instalação faz parte do quadro.
de hepatite aguda fulminante.
• Hemocromatose neonatal
• Tirosinemia hereditária tipo 1 Trata-se de doença grave e geralmente fatal.~ consequente
Também uma doença herdada de forma autossômica reces- à maciça e rápida deposição de ferro no flgado, precipitando
siva, consequência de funcionalidade comprometida da hidro- a instalação de quadro de HAF no período neonatal. O trans-
lase do fumarilacetoacetato. O gene dessa enzima se localiza no plante é a única forma de terapêutica eficaz, acompanhando-se,
braço curto do cromossomo 15, com geração de mutações le- no entanto, de risco elevado de insucesso. Nesses pacientes, a
vando a formações de compostos altamente reativos, tais como distribuição do metal nos órgãos se assemelha ao que ocorre
maleilacetoacetato e fumarilacetoacetato e succinilacetona, que, na hemocromatose genética, com envolvimento também do
depositando-se no ffgado, geram necrose maciça do parênqui- pãncreas, miocárdio e baço.
636 Capitulo 56 I Hepatite Agudo Fulminante

do colapso sinusoidal, morte de células parenquimatosas, com


• Indeterminadas perda da capacidade funcional de síntese pelo flgado. Também
• Criptogenética experimentalmente em ratos, são elevadas as expressões e ativa-
Em cerca de 50% dos casos de crianças com hepatite aguda ções de enzimas sintetizadoras de C4 (LTCH) e de glutation-S-
fulminante, o agente responsável pela necrose maciça do pa- transferase microssomal2, responsáveis pela s.lntese e acúmulo
rênquima hepático não é identificado. Essa frequ~ncia é mais de àsteinilleucotrieno no interior dos hepatócitos. contribuin-
baixa em adultos, definindo-se que essa evolução pode estar do para instalação de hepatite aguda fulminante.
relacionada a etiologias diversas irreconhecíveis induzidas por
infecções, doenças metabólicas, ações lesivas exercidas por
fármacos ou toxinas e/ou geradas a partir de distúrbios imu- • ASPECTOS ANATOMOPATOLÓGICOS
nológicos.
Caracterizam-se pela perda de parte expressiva dos hepa-
tócitos, ou de todos eles, com consequente colapso das fibras
• ASPECTOS PATOGENÉTICOS. de reticulina e aproximação dos espaços portais, sem necro-
se de coagulação, conforme observado nas necroses tóxicas
BIOLOGIA MOLECULAR e no figado isqu~mico. Os sinusoides apresentam-se repletos
de eritrócitos,linfócitos e macrófagos. Infiltração inflamatória
O funcionamento normal de hepatóàtos e células não pa- identifica-se em áreas lobulares e espaços portais. Sinais de rege-
renquimatosas do flgado envolve perfusão sanguínea adequada, neração iniciam-se a partir de hepatócitos periportais, os quais
integridade de organelas presentes no interior dos hepatócitos, se apresentam balonizados, quando são visíveis formações de
bem como da matriz extracelular. Todo esse sistema fundo· neodúctulos e neocolangíolos nos lóbulos colapsados.
na sob a égide de fatores de crescimento, citocinas, proteínas
pró-apoptoicas e antiapoptoicas. Desequillbrio desse ambien-
te ocorre quando hepatite aguda fulminante se instala como
consequência de extensa e universal morte dos hepatócitos e • ASPECTOS DIAGNÓSTICOS
reduzida prolíferação dessas células parenquimatosas e de suas
organelas. Os mecanismos precipitadores dessa devastação não • Clínicos
se encontram ainda completamente esclarecidos. No entanto, ~aceito que, durante quadro de hepatite aguda fulminante,
atualmente se sabe que mantêm similaridades com o observa- ocorra perda de 80-8596 da massa de hepatócitos, precipitando
do em pacientes cursando com choque séptico, síndrome que um estado hipermetabólico dependente da atuação de citoci-
se expressa clinicamente por aspectos de inflamação sistêmica nas, fatores de crescimento, hormônios e mediadores lipldicos.
e progressão para insuficiência funcional de múltiplos órgãos Acentuam-se as concentrações de catecolaminas sanguíneas e
e imunoparesia funcional. Resultado desse comportamento se do consumo corpóreo de oxigênio. Nessas condições, todos
traduz morfologicamente pela morte dos hepatócitos, que pode evoluem com icterícia, febre elevada, vômitos, taquicardia e
ser de origem apoptoica ou necrótica, ou expressa como uma vasodilatados. sobretudo nas fases mais tardias, quando cursam
combinação dessas duas modalidades. com hipoglicemia, insuficiência renal, infecção pulmonar e aci-
A cascata de eventos responsáveis pela precipitação de apop- dose metabólica. Tornam-se irritadiços, desinteressados, com
tose está representada pela presença do neoantígeno M30, for- raciocínio lento, letárgicos e sonolentos. evoluindo com hálito
mado a partir da clivagem proteolltica de citoqueratina 18 na hepático.jlappinge. finalmente, coma hepático. Esse quadro de
posição Asp396 executada pela ação lesiva da caspase 3. Tal encefalopatia estende-se do grau I ao IV (Quadro 56.3).
fenômeno se instala em qualquer membrana das organelas dos
hepatócitos, com a morte dessas células se iniciando pelo en- • Manífestações extra-hepáticas
volvimento lisossomal, consequente a estímulos intracelulares Encontram-se discriminadas no Quadro 56.4.
despe.rtados pela presença de ácidos graxos. radicais livres de
oxig~nio, ceramida, aminas básicas e agentes lisossomotróficos,
aumentando o pH interno da organela, com ativação de caspase • Laboratoriais
3. Concomitantemente, se envolvem membranas externas mi- Todos esses pacientes deverão ser avaliados periodicamente,
tocondriais permeabilizando-as com participações de proteínas segundo parâmetros laboratoriais (Quadro 56.5).
proapoptoicas BH3 de domínio único (Bid, Bim, Puma. Noxa,
Bad, Bik, Bmfou Hrk) ou de multidominio (Bax, Bak, Bok, Bcl-
x,) ou antiapoptoicas (Bcl-xL, Mcl-1, Bcl-w, Bcl-2, Al, Boo). No
predomínio de BH3, instala-se a morte por apoptose celular. T- - - - -
Participam ainda do processo receptores especlficos de TNFcx Quadro 56.3 Classificação da encefalopatia
e ligandes indu toras de apoptose (TRAIL), as quais se asso~iam na hepatite aguda fulminante
na ativação da ligande Faz (CD95/Apo-1) expressa em linfó-
citos e células natural killer (NK) e NKT. De forma sumária, GraiiS AspKtOs dlnlcos evolutMis
pode-se definir que, nessa situação, os pacientes cursam ~om
Consclent~. por~ desatento, incapaódade para realizaçio de
níveis circulantes elevados de Fas, TNFaJTNFRI e JNK. ativa- simples testes aritméticos
ção intra-hepática de caspase e níveis circulantes e teciduais do
11 Letargia, d~sorien~çio. mudanças de personalidad~ flopping
neoantigeno M30, cuja presença orienta para a necessidade de
111 Sonolência. nfvel de consciência deprimido, ainda responsillo a
esses pacientes serem levados ao transplante de flgado. estlmulos dolorosos
Participam ainda desse processo as células hepáticas estelares
IV Coma, agora nlo responsívos a estímulos dolorosos,
que, induzidas por IL-l,levam à produção maior de metalo- decortlcados, com postura de descerebraçAo
proteinases, as quais se precipitam no espaço de Disse, induzin-
Capitulo 56 I Hepatite Aguda Fulminante 637

--------------------------------~--------------------------------
Quadro 56.4 Manifestações extra-hepáticas na hepatite aguda fulminante

Manifestações lnôdênda (%) Patogênese

Edema cerebral > 80% Através de mecanismos vasogênicos, rompe-se a barreira hemoliquórica com extravasamento de plasma ao
líquido espinal. Concomitantemente, circulam toxinas carreadoras de lesão celular, maior captação de água,
com formação de edema e elevação da pressão i ntracraniana. Esse fenômeno é observado apenas nos graus 111
e IV da encefalopatia, quando ocorre perda da autorregulação do fluxo sanguíneo cerebral, com consequente
hipoxia. São pacientes que cursam com hipertensão sistólica, com movimentos não harmônicos dos o lhos e
em postura de descerebração.
Coagulopatia > 90% Instala-se na dependência da reduzida síntese dos fatores de coagulação. Traduz-se, sobretudo, por
alargamento dos tempos de protrombina do INR e de tromboplastina parcial ativada. Reduzem-se o número e
função das plaquetas e atividade do fator V, com aparecimento da circulação dos produtos de degradação do
fibrinogênio (PDF). Tais distúrbios são responsáveis pelos el evados índices de sangramentos d igestivos.
Cardíacas > 90% Dependentes da elevada pressão intracraniana que apresentam, traduzindo-se por reduzida resistência vascular
sistêmica, hipotensão dependente da vasodilatação sistêmica e baixos níveis de substâncias inotrópicas. São
frequentes as arritmias.
Insuficiência renal 40.60% Relaciona-se com a falência hepatocelular causadora de concentrações sé ricas maiores de substâncias
vasoconstritoras e menores das vasodilatadoras. Tem caráter, portanto, funcional, precipitadora de baixa
perfusão renal.lnstala·se, mais frequentemente, naqueles em fai xa etária mais avançada, nos que preenchem
na totalidade os critérios prognósticos King~ College Hospitol, nos hipotensos, infectados, ou em quadro
mais exacerbado de síndrome sistêmica à resposta i nflamatória e com lesão hepatocelular induzida pelo
paracetamol.
Infecção - sépsis 90% Esse índice elevado relaciona-se com: 1. menor capacidade funcional do SRE; 2. baixos níveis circulantes
de fibronectina, opsoninas e quimioatractantes. Predominam organismos gram-positivos, sobretudo
estafilococos e estreptococos e, menos frequentemente, gram-negativos. Cerca de 30% apresentam infecções
porfungos.
Metabólicas 40.50% Traduzem-se, mais frequentemente, por hipoglicemia, hipopotassemia e hiponatremia. Na dependência da
acidose lática, hiperventilam e evoluem com alcalose ou acidose respiratória com elevações da pressão
intracraniana, depressão respiratória e infecção pulmonar.
Pancreatite aguda 25% Hemorrágica e necrotizante. Provavel mente~ de etiologia isquêmica.

-~-
Quadro 56.5 Avaliação laboratorial na hepatite aguda fulminante
• ASPECTOS PROGNÓSTICOS
Pacientes com hepatite aguda fulminante excepcionalmen-
Hematologia te sobrevivem, exceto quando ocorre restauração da massa de
Hemograma completo
hepatócitos funcionantes. Quando esse comportamento não
Bioqufmico
se observa, falecem em alguns poucos dias. Avaliação de pa-
N íveis séricos de glicose, bilirrubina tot al e frações, aminotransferase,
gamaglutamiltransferase, fosfatase alcalina, desidrogenase lática, râmetros clínicos, etiológicos, laborator iais e, sobretudo, da
amilase, albumina, cerulopl asmina, globulina, alfa·fetoproteína, coagulação permite distinguir aqueles que se recuperarão ape·
imunoglobulina, ureia, creatinina nas com medidas não cirúrgicas e os que se tornam candidatos
Metabólica ao transplante de flgado de emergência {Quadro 56.6).
N íveis sé ricos de sódio, potássio, cloro, cálcio, cobre, b icarbonato pH e
gases, ácido lá ti co, concentração urinária de eletrólitos
Coogulogroma
Atividade e tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial
• ASPECTOS TERAPEUTICOS
ativado, fibrinogênio, p laquetas, tempo de lise de euglobulina e
produtos de degradação da fibrina A condução terapêutica desses pacientes exige atitude mui·
Virologia tidisciplinar voltada inicialmente ao equilíbrio e manutenção
Pesquisas do anti-VHA lgM, AgHBs, anti-AgHik lgM, anti-VHD lgM, da estabilidade hemodinâmica. Baseia-se na passagem de son-
anti-VHE lgM, citomegalovírus, vírus Epstein·Barr, herpes simples. da nasoenteral e vesical, acesso arterial, se possível, através do
Nos negativos para esses, rastrear as presenças de parvovírus 819,
implante do balão de Swan-Ganz. monitorização cardiológica,
echovfrus, febre amarela, dengue, Sen-v e lassa
eletroencefalográfica e da pressão intracraniana. Associada-
Culturas
Hemocultura (aeróbia e anaeróbia), ureia, fezes, escarro
mente, devem ser submetidos à entubação endotraqueal, as-
sistência ventilatória e oxigenação adequada aqueles pacientes
com encefalopatia grau III, bem como à descontaminação se-
letiva intestinal, administração de manitol e furosemide, e po-
sicionamento com ângulo cefálico de 20°, visando a mante.r a
A essa avaliação laboratorial, deve associar-se realização pressão intracraniana < 30 mmHg.
de ultrassom e mapeamento do fígado, wm objetivo de defi- A manipulação das complicações extra-hepáticas realiza-se
nir volume e reserva parenquimatosa. Avaliam-se condições segundo discriminado no Quadro 56.7.
neurológicas através de eletroencefalograma e monitorização Falência dessas medidas e progressão para encefalopatia,
da pressão intracraniana. Necessário estudo radiológico do coma, vasodilatação sistêmica, insuficiência hepatocelular e
tórax. pulmonar têm levado a que, em alguns Serviços de Hepato·
638 Capftulo 56 I Hepatite Aguda Fulminante

logia, esses pacientes sejam conduzidos, valendo-se de siste- las de mercaptanas, ácido gama-aminobutfrico, aminoácidos
mas de suporte ao fígado. Experiência nesse campo se iniciou de cadeia ramificada, e ácidos graxos. A inquietação dos pes-
com emprego do sistema de hemodiálise, usando membranas quisadores diante dos precários resultados obtidos leva a que
voltadas ao clareamento da amônia, capaz de melhorar a in- se busque fornecer condições de restauração desses pacientes,
tensidade do distúrbio neurológico, sem redução nos índices conduzindo-os através de perfusão extracorpórea a partir de
de mortalidade. Estende-se essa experiência histórica através um fígado auxiliar proveniente de porco, babuíno ou de cadá-
de realizações de exsanguíneo-transfusões e/ou plasmaférese. ver humano, com resultados precários, o que, no momento,
Avanço maior se consegue com sistema de hemoperfusão em- impede a adoção dessa medida terapêutica.
pregando-se carvão ativado, na busca de remoção de molécu- Ampliam-se os avanços nessa área com o emprego desiste-

·-
ma de diálises, valendo-se de fígados bioativados, absorvedo-
res de moléculas. Inicia-se a experiência com esse método em
2004, com o sistema encerrando coluna de hemoperfusão com
Quadro 56.6 Aspectos prognósticos para realização do transplante carvão e hepatócitos de porco e 2% de células parenquimatosas
de fígado na hepatite aguda fulminante humanas. Avanço técnico com outro dispositivo ocorreu com
hepatologistas, hemodinamicistas, fisiologistas, tratando seus
Klng~ College
pacientes com o "Sistema Recirculante Absorvedor de Molécu-
Aceraminofen las" (MARS), valendo-se de sessões terapêuticas de, pelo menos,
pH < 7,3 (Independente do grau de encefalopatía), ou todos os três dos 6 h, repetidas a cada 24 a 36 h, empregando-se um dialisador
seguintes Graus 111 -IV da encefal opatía de alto fluxo de 150-200 ml /min, dotado de membrana com
TP > 100"ou (INR > 7,n poros de 50 a 60 kDa, impermeável à albumina. Essa proteína
Creatini na sérica > 3,4 mg/dt
está presente no lado oposto da membrana em volume de 600
Não aceram/nofen
TP > 1OOs ou INR > 7,7 (Independente do grau de encefalopatia), ou três
ml a 10%, tornando possível, assim, dialisar moléculas tóxicas
dos seguintes circulantes. Assim tratados, a sobrevivência pós-transplante
o
Idade < 1 ou> 40 anos atinge 94%, reduzindo-se para 77% no grupo não tratado por
Etíologia não A não B, halotano, reação idiossincrática a fármacos,
esse sistema artificial de suporte.
doença de Wilson
Período de icterfcla e encefalopatia > 7 d ias
Recentemente, outro sistema, também se valendo de colunas
TP > 50s ou INR > 3,85 de carvão e resinas trocadoras de ânions, tem sido empregado.
Bilirrubina sérica > 17 mg/ d t Denominado na Europa, Prometeus, dotado de uma mem-
Clichy (não acetamlnofen} brana de 250 kDa, disposta entre dois sistemas, valendo-se da
Idade < 30 anos + Fator V< 20%
própria albumina do paciente em tratamento, com medidas de
ou
Idade> 30 anos+ Fator V< 30%
anticoaguiação sendo necessárias, administrando -se heparina
e citrato. Dados da literatura se baseiam apenas em estudos
TP: tempo de protrombina.
pH: pH do sangue arterial
não controlados ou retrospectivos, surgindo, no entanto, como
perspectiva de conduta para tão graves pacientes.

Complicapies Manipulação terapêutica


·-
Quadro 56.7 Manipulação terapêutica das complicações extra-hepáticas nas hepatites agudas fulminantes

Edema cerebral Admi nistração de quatro unidades de p lasma e transfusão de plaquetas visando a implante do monitor de pressão
intracraniana. Manutenção em ângulo de 20• para monitorizaçâo de perfusão cerebraL Os agitados e encefalopatas devem
ser sedados com fentanil e curarizados. Dúvidas existem quanto à ne<essidade de hiperventilação, visando a manter
perfusâo sanguínea cerebraL Exigência prende-se ao manitol, na dose de 0,5 mg/kg em bolo, infundido em 1O min, de forma
que a osmolalidade não ultrapasse a 320 mOsm. Os não responsivos a essa ati tude devem ser conduzidos pela administração
tiopental e/ou dexametasona.
Coagulopatia Envolve infusão de plasma fresco, quando INR > 1O, e de plaquetas se o número estiver abaixo de 30.000-50.000/mm' .
Cardiovascular Devem ser mantidos com pressão capilar pulmonar entre 12 e 14 mmHg, com pressão anerial média de 50-60 mmHg. Droga
vasopressora envolve noradrenalina naqueles com débito cardíaco elevado e baixa resistência vascular sistêmica, na dose
de O, 1 f!g!kg/min. Alternativamente, devem ser conduzidos pela infusão de esoprotenol (5 mg!kg/ min) ou acetilcisteina
(1 50 mg/ kg/30 min) e manutenção de 150 mg/kg/24 h. Visa-se a manter o consumo de 0 2 > 150 mt (mi n/ m 2) e índice de
extração> 150 m t/minlm' .
Insuficiência renal Manutenção das condições de perfusão renal nos hipovolêmicos, não se administrando antibióticos e antifúngicos
nefrotóxicos. Alternativamente, deverão ser conduzidos pela administração de dopam i na e/ ou prostaglandina.
Hemofiltração, hemodiálise e/ ou plasmaférese, quando necessãrias, deverão ser realizadas.
Mostra-se maisfrequente entre aqueles com i nsufici~ncia renal e em uso de tiopental. Deve-se combater infecção por
S. aureus e fungos segundo culturas e antibiogramas específicos.
Metabólicas Hipoglicemia deve ser vigiada e combatida pela infusão continua de dextrose a 50% a cada hora, se necessãrio. Monitorização
adequada de níveis sé ricos de fósforo e magnésio, com adequada correção. Acidose com pH < 7,1, devendo ser tratada
com infusão de Na HCO,. monitorada a necessidade de regulação atravês da pHmetria, lactacidemia e n ível sérico de sódio,
visando a evitar a hipernatremia.
Hiperpotassemia Deve ser combatida pela administração de resina troca-fons e até hemodiálise.
Pancreatite aguda Envolve restauração de condições hemodinâmicas, sonda nasoenteral e i nfusão de bloqueadores de bomba de p rótons.
Copftulo 56 I Hepatite Aguda Fulminante 639
Alternativa a essa atitude baseia-se no emprego dos siste- T
mas de fígado bioartificiais, valendo-se de bepatócitos promo- Quadro 56.8 Exdusão da lista de transplante de fígado para tratamento
tores de suporte metabólico. Tem sucesso limitado diante da de padentes com hepatiteaguda fulminante
carência ou falta dessas células parenquimatosas em número
viável. Perspectivas surgem agora, a partir do conhecimento Idade acima de 70 anos (relativa)
dos mecanismos moleculares básicos, envolvidos e relaciona- Existência de algumas doenças malignas extra-hep,tias
dos à morte dos hepatócitos. Identificando-se, então, as vias Insuficiência se\fla de múltiplos órglos, tais como rins, coraçlo, pu liMo
de sinalizações responsáveis pela destruição, essas poderão ser Choque séptico nio controlado
então interrompidas, permitindo a restauração funcional dos Morte cereb<al
hepatócitos e de suas organelas lesadas. Um desafio particular
nesse sentido será a capacidade de inibição dos mecanismos
precipitadores de apoptose e necrose, sem inibir o potencial
regenerativo do figado na busca de restaurar suas funções pleio-
trópicas, valendo-se de moléculas especificas. T
Perseguindo o proposto anteriormente pelo grupo aus- Quadro 56.91nsufidênda hepática fulminante. Transplante
traliano de pesquisadores, investigadores da Universidade de de fígado intervivos. Justificativas
Hokkaido, em Saporo, no Japão, propõem uma nova criação de
hepatócitos humanos imortalizados. Para tal, ativam telõmeros 1. Insuficiência hepática fulminante rapidamente progressiva
dessas células, pela introdução da enzima humana telomerase 2. lndice de mortalidade na fila de espera por ffgado de doador cadáver
reverse transcriptase (hTERT), inativação da via pl6/RB ou do entre 40 e 62%
p53, valendo-se de proteínas estruturais E6/E7 provenientes do 3. Insuficiência hepática fulminante entre não transplantados entre 80 e
papiloma vírus humano tipo 16 (HPV16E6/E7 e hTERT), esta- 85%
belecendo duas linhagens celulares HHE6E7T-l e HHE6E7-2. 4. Transplante lntervivos situa-se como alernatlva desde 1992
Essas têm sido injetadas por via subcutânea, não induzindo de-
senvolvimento tumoral, com apenas a primeira linhagem sendo
introduzida por via intraesplênica em ratos com insu.ficiência
fulminante induzida por acetaminofeno. Abrem-se e ampliam-
técnicas que permitem a repopulação do figado, com hepató-
se, assim, as perspectivas de que tais linhagens possam servir
como possível fonte de transplante de hepatócitos. citos maduros ou fetais, melhorando no momento o distúrbio
A inviabilidade dessas novas propostas e a falência das neurológico que apresentam; esse certamente será um novo
medidas anteriormente empregadas e descritas, bem como o capítulo da moderna hepatologia.
aprofundamento da encefalopatia graus lii ou IV, resultam em
indicação de transplante de fígado de emergência. Sobrevida
desses pacientes assim conduzidos amplia-se de menos de 20 • EXISTEM NOVAS PERSPECTIVAS
para 56-9296, segundo diferentes experiências. Respondem e
sobrevivem mais aqueles não infectados e com nível sérico de TERAP~UTICAS?
creatinina normal no perlodo pré-operatório. Evolução pós-
Na impossibilidade de executar tais procedimentos, tem sido
operatória com lndices maiores de mortalidade mais precoce
ocorre quando lndice de massa corpórea do doador ultrapassa proposto tratá-los adotando-se métodos alternativos, como o
a 25 kg/m', um posslvel marcador de esteatose hepática. Essa transplante de hepatócitos, conforme discriminado no Qua-
tendência também se observa quando receptor ou doador têm dro 56. lO.
mais de 60 anos de idade, ou se encontram em ventilação me-
cânica por ocasião da cirurgia e nível sérico de creatinina > 2
mg/dt. Essa tendência também se observa quando se utilizam
enxertos ABO incompatlveis ou de tamanho reduzido. Nesses T
graves pacientes, o risco de retransplante atinge 1396, evolução Quadro 56.10 Insuficiência hepática fulminante. Outra.s alternativas
relacionada a não funcionamento primário do figado, precipi- terapêuticas. Transplante de hepatócitos
tação de estenoses biliares intra-hepáticas, complicações em
geral relacionadas com a qualidade do enxerto ou implante de 1. Devem ser injetados, pelo menos, 300 g de hepatócitos viáveis através
do sistema venoso portal pós-punç3o transjugular
órgão ABO incompatlvel.
2. Adoção dessa modalidade terapêutica baseia-se em:
Recomenda-se que deverão ser excluídos da lista de trans- o. Instalação da falência rápida de múltiplos órgãos
plante de figado para tratamento de pacientes com hepatite b. Rápida instalação de hipertensao lntracranlana e morte dos
aguda fulminante aqueles que apresentam os parâmetros dis- pacientes
postos no Quadro 56.8. c. Prolongado tempo em lista de espera de novo órgão, em torno de
A principal limitação tomada dessa atitude terapêutica se 4-8 dias

relaciona com a baixa oferta de órgãos-cadáveres. Nesse caso, 3. Seu emprego visa a:
deve-se optar pela doação de lobo direito, intervivo, valendo-se o. Remoção seletiva de moléculas neurotóxicas
b. Fornecimento de fatores de crescimento aos hepatócitos nativos
de um parente próximo. Essa medida pode ser aplicada visan-
4. limitação ao sucesso da terapêutica:
do a tratar pacientes adultos e crianças, com justificativas à sua o. Hepatócitos sao originários de flgados não aceitos para transplante
realização estando discriminadas no Quadro 56.9. b. Advento de compliaçOes (48 h após)
Diante desses avanços e premida pela carência de órgãos, a Hipoxemia por embolizaçao pulmonar
busca desesperada de salvar vidas que se encontram no limite Suscetibilidade maior a infecçOes fúngias e bacterianas
consequentes à imunossupressao
tem levado a que sejam conduzidas, valendo-se do transplan- c. Sobrevida ainda curta dos pacientes: entre 2• h e 52 dias
te de células-tronco adultas, ou originárias de medula óssea,
640 Capitulo 56 I Hepatite Agudo Fulminante

- - -'f' Bcmuau, J, Durand, F, Bclghltl. J. Acute bcpatic fallure: A Freoch pcnpcctivc.


Em: Airoyo. V, Bosch. ~ Bruix. J, Ginis, P. Vava.sa. M, Rodis, J (ed.). 1/vrapy
Quadro S6.11 1nsufióênóa hepática fulminante. Outras alternativas in Hcpmology. Barceloru; Ars Medica, 2001, p. 149.
Bcrnuau. J, Goudcau, A. Pl>ynard. T et ai. Multivariatc analym of prosnostlc
T•rapia g6nlc:a facto,. in fulminant hcpatitls 8. Hcparology,1986; 6:648·51.
Em int~rrogaçio-> morte de paciente após infecção por adenovírus Bhat, YM. Krasin5kas, A, Craig. FE. Shaw-Stilfel, TA. Acutc livcr failurc: as an
eml)<egado como vetor initial manifestation of inliltrative hematolympboid malignancy. Díg Dis
X•notransp lante Sei, 2006; 51:63·7.
limitaçAo envolve a resposta imune ao órglo doado-> r~j~lçlo Biesel Desthleux, MN, Tissiúes, P. Belll, DC et aL Fulminant üver failure in
hlperaguda via complemento transferência de Infecções vlrais e a cbild with invasive group. A streptoccal infection. Eur I Pediatr, 2002;
d lsssemlnaçâo de retrovfrus para outros membros da equipe médica 162:245·7.
Bismuth, H, Oidier, S, Castaing, O et ai. Orthotopic tiver transplantation in
Implante de hepatócit os • célula s não parenquimatosas no
fulminant and subfulmlnant hcpalitis. Semin Liver Dis,l986; 6:97· 106.
mesent4rlo, epiploon • v•ia port•, v. lendo·se de polimeros
Camc:ron, AM, Ttua, J, Trucll, I et al. Pulminant hcpatic failurc {rom primary
sint4tlcos, porosos, biod•gradáve is
hcpatic lympboma: succcssfultrcatrncnt with orthotopic livcr transplanta·
C"ulaS"tronco progenitor-. tion and cbcmothcrapy. Transplanta/íon, 2005; 80:993·6.
O sucesso r~laciona-se a: aplicação concomitant~ d~ fatores de Camus, C. Lavouc, S, Cacavln, A er al. Molecular adsorbcnt rc:circubún& syo-
c~scimento, estrmulos à angiogênese. aperfeiçoamento de técnicas tem dyalisis in patienu with acute üver failure wbo are asKSSed for li""r
d~ aiol)<eservaçlo. Discutível eficácia. transplantation. lnren.slw c..~ Med, 2006; 32:1817·25.
Casta! do, ET & Cba.rl, RS. U""r transplantatioo for acut<: hcpatk failurc:. H PB,
2006; 8-.29.
Cata!ina, MV, Barrio, J, Anaya. T et aL Hcpatic and systemic hacmodiJwnic
cbanges after MARS in patienu "ith acute on chronic Uvcr failure. Uvtr
'f' lntu, 2003; 23:39-43.
Cbitturi, S & Farrc:U. GC. Herbal hcpatotoxicity: a expanding but poorly defined
QuadroS6.12 1nsuficíênóa hepática fulminante. Medidas terapêuticas problcm. 1 G4Jtroenterol Hcparo/, 2000; 15:1093·9.
de suporte pré-transplante. Coment~rios Demetriou, AP, Brown, RS, DuJuttil, RW et al. Prospective randomlzed. Mul-
ticenter controlled trial of bloartificialliver intracting acute liver failure.
Estudos Ann Surg, 2004; 239: 660·70.
Dhawan, A. Etiology and prognosis of acute tiver failure in children. Lívtr
Outru medidas controlados Comentállos
Tronspl, 2008; 2:580·584.
Sem beneficio na sobrevlda Dougias, DO & Rakela, J. Fulmlnant hepatitis. Em: Kaplowitz, N. Liver and
Hemoperfusâo com +
carvão Reemerge em outros circuitos biliary diJt4Jts. 2ad. ed., Baltlmorc: Williams & Willdns, 1996; 317 ·26.
Extracorpóreos associados a Engclmann, G, Mcyburg. J, Shahbck, N er ai. Rccurrc:nt acute Uvcr fallun: and
hepat6citos mltnchondriopathy in a case ofWoloott· Rallison syndtomc. I lnhuít Mtrab
Dis, 2008; 31:540·6.
Hemoperfuslo com Estudos prelimina<M Evenepoe!. P, Laleman, W, Wllmer, A tr al. Promethcus ~us molecular ad·
resina incondusivos sorbcnto rccirculatlng oystem: 6rst clinic:al dlic:acy and saf<1y dar. In llvcr
Orcuitos extracorpór~ + Estudos lnk ials fallure. IAm Soe Ntphro/, 2003; J4:729A.
Pequenas casulstlcas Fargcs, O, KaW. A.'<, Samud, O trai. Thc use of ABO incompatlblc grafis In
Sistem..s bloartificlals Resultados definitivos esperados liver transplantation: a Ufe saving procedure in highly sclccted patients.
(BALS) Ttansplantallon, 1995; 59:1124-33.
Fisher, RA & Strom, SC. Human hcpatocyte transplantation worldewide results.
+ • Existentes; - •Inexistentes. Ttansplatarton, 2006; 82:441·9.
Fontana, RJ. Acutc llver fallun: duc tO drugs. Sem in Liwr Dis, 2008; 28:175-87.
Fujiwara K & Mochida, S. Etlology and pathophysiology of fulminant hepa-
tic f.allure. Em: Tsujl, T, lilga5hl, T, Zcniya, M, Mcyer zUm BU.s cbcnfeldc,
KH (ed.). Molecular bloloay and lmmunology in hcpatology. Arnsterdan,
Elscvlcr, p. 275, 2002.
Alternativas outras a essas medidas estão discriminadas no Gao, B. Therapeutlc potentlal oflnterleulcin-6 in preventing obesity - and alco·
Quadro 56.11. hol - a.uoclated fauy Uver tnl\5plant failurc:. Alcohol, 2004; .:U:S9.
Caso tais medidas não possam ser tomadas, outras, também Gerlacb, JC. Zcllenger, K, Paturi~ JP. Bioartilicia!livcr systetru: why, what,
wbltc! RDgm Med, 2008; 3:S75-95.
de exceção e de suporte à vida, podem ser adotadas de forma
Giallouralds, CC. Rosenberg, PM, Friedman,l.S. lhe u,..,rin beart failure. Oin
temporária, conforme apresentado no Quadro 56.12. Uvtr Dis, 2006; 6:947·67.
Gill, RQ & St<:rllns. RK. Acutc u,..,, !ailurc:. I Qin c;,n>mttrol, 2001; 33:191.
Gimson, AES, O'Grady, JE. Portmann, B, WUliams, R. Late onset hepalic faOurt.
Clinlc:al scrologlcaland h istologlcal fearurcs. Hepatology, 1996; 6:288·94.
• LEITURA RECOMENDADA Groupe. N, Lacanl, E, Shadritz, DA. Principies o{ therapeulic tiver rcpopulatlon.
Semin Llver Dls, 1999; 19:7· 14.
Aarwal, K, Jones, DE. Burt, AO, Hudson, M, Jarncs, OP. Mctastatlc brcast car· Gugenheim, J, Samucl. o. Rcynes, M et ai. Uver transplantaUon across ABO
clnoma present in a aeute liver faUure and pona.l hypertenslon. Am 1 Ga.s- blood group barrlcr. Lnncet, 1990; 336:519·23.
troenterol, 2002; 97:750· 1. Guicdardi, ME. Leist, M, Gores, GJ. Lysosomcs in eclls death. Oncogene, 2004;
Antoniades, CG, Berry, PA, Wendon, JA, Vergani, O. lhe importance of im· 23:2281·90.
mune dysfunctlon in dctermlning outcomc in acutclivcr fallure. l Heparo~ Gupta, S, Gorla, GR. Iranl, AN. Hcpatocyte transplantation: cmcrglnglnsights
2008; 49:845·61. into mecbanlsms of Uver repopulation and their relevance to potencial
Barshcs, NR, Lec, TC. Balkrishnan, R et aL Risk stntificaú on of adult paúents tberapics. 1 Hepatol, 1999; 30:162·70.
undcrgoln& orthotopic tiver tra.o.splantaúon for fulmlnant hcpatic fallure. Habibullab, CM, S~. IH, Qarnar, A, Taher·Uz, Z. Human fetal bepatocyte
Transplan1a/lon, 2006; 81:195-201. transplantalion in patlents with fulminant bepatic failure. Tra11$plantatlon,
Bat, YM, Kruirukas. A, Craig. FE. Sbaw·Stilfd. TA. Acute liver fallure as an 1994; 58:951-n.
iniúal manifestation ofan infiltnti"" hepatolymphoid malignancy. Díg Dis Hetz. H, Hoeuenecktr, K, Hacber, S tr al. Caspasc dea'-..1 cytokentine 18 and
Sd, 2006; 5 1:63·7. :WS proteasomc: In livcr d~ratlon. 1 Oin Lab Anal, 2007; 21:2n·81 .
Berman, OH, Leventbal, Rl, Gavaler, JS, Cadoff, EM. Oinical dilfe=tiation Hyghcs, RO, Mittry, JR, Ohawan, A. Hepatocyte tra.o.splantatioo In thc UUI·
offulminant wllsonlan hepatitis from othcr causa ofhcpatlc failurc. Gas· ment oíli""r diseue·future "'em bright after celJ. PediaiT Transp/4nl , 2008;
lro<nrero/ogy, 1991; 100:1129·34. 12:4· 5.
Berna!, W, Wendon, J, R ela, M, Heaton, N. Use and outcome of tiver trans- lcbai. P. Afonso, AM, Scbagh, M er a/. Herpes simplex vinu-usoclated acute
plantation in amaminophen· induced acuteliver failure. Htpatology, 1998; liver failure: a difficult d lagnosis with a poor prognosis. Uvcr Th>nsp~ 2005;
27:1050·5. 11:1550·5.
Copftulo 56 I Hepatite Aguda Fulminante 641

Ichai, P & Samuel, D. Etlology and prognosls of fulminant hcpatitis in adults. 0'8rien, A & Williams, R. Rapid diagnosis of Wilson dlsease in acule Uver
Liwr Transp!, 2008; 2:567-579. fallur<: no more waiting for the ceruloplasmin levei. Htpatowg, 2008;
!to, H, Ando, K, W!lkawa, T et ai. Role ofTNF-alpha produood by nonantigen· 48: 12030·2.
specificc:eliJ In a fulmlnant mou.. model f lmmunol, 2009; 182:391·7. O'Grady, J, Schalm, SW, Wrlliams, R. Acuteliver failure: Rcdefining the syn-
)ames, LP. Alonso, EM, Hynan, LS ti aL and the ~tric: Acute Uvcr Faílure dromes. Lancd, 1993; 342:27l·5.
Study Group. Detection of autaminoph<n·protcin adducts in c.hildr<n with O'Grady, JG. Acute Uver failure. Em: Bacon, 8R, O'Grady, JG, Di 8iscegli<.
Kute Uvcr faUure oflndetcrmlnatc cause. PtdiJJJria, 2006; 11-"<616~1. AM, Lak<. IR (cd.). Comprdrensive Cliniall Htpatology. Londres: Mosby
Jhans.JS. Schlbky, Mt.. Lefkovltch, JM, Schwuu, J. Thenpcutic plumaphcre- Eàevier 2006; p. 517.
sis as a bridge to Uver transplantatlon In fulmlnant Wilson cliscau. 1 Oin O'Grady, JG, Alexandcr, CJ, Hayllan, KM, Williams, R. EarUcr identifieation of
Apltcr, 2007; 22:10-<1. prognosis in fulminant hepatic fallure. Gastroenttroklgy, 1989; 97:4.39-<15.
Kf,Uy, DA. ~tric Uvcr clisftse. Em: Bacon, 8R, O'Grady,JG, Di 8isc<glie, O'Grady,JG. Alex.andcr, GJM, Hayllar, KM, WliUams, R. Early indkations of
AM, Lak<, IR (cd.). CcmP'fNnsive Oiniall HetH'to/ogy. Londres: Mosby prognosis in fulminant hepatic fallure. Gastrotnttroklgy, 1989; 97:439-<15.
Elscvlcr, 2006. 409p. O'Mahony, C. Patd, S, Suarez. Jelal. Have US. orthotopic Uvcr tnnsplantation
Kf,Uy, DA. Pcdiatric Uvcr dlsnse. Em: kon, 8R, O'Grady, JG, Di 8isceglie, (OLT) outeomcs for aeuteliver (allure (ALF) lmprovcd in tbe last decade!
At\4, Lak. IR (cd.). CcmprrhtiiSrve Qiniall HetH'tology. Londres: Mosby HetH'wlogy, 2007; 46:492A.
Elscvler, 2006; p. 397. OJi,-.:ira e Silva, A. de, Samudio Cardozo, VO, Silva Rocha, 8, Oliveira Souu,
IGI<y, JE, ~ndor, JC. Wolch, HF, Wdch, CS. Amonia into.úcation tr<atcd by E. O'Albuquerque, LAC. Hepatite aguda fulminante. Em: Alves Msuos, A,
hatmodWysls. N Eng f Med, 1998; 259:1156-61. Dantas Corroa. E8 (cd.). Tratado de Hepatok>gia. Rio de Janeiro: Rublo
K<nid, Mj. Cytokln<S In vira! hepatitis. S<m Llv<r Dis,l999; 19:157-69. 2010;p. 701.
Kumar, M, Satapahy, S, Monza, R t1 ai. A randomiaed eontroUcd trial oflami· Opolon. R, Rapin. IR. Hughet, C ti ai. Negativo failure coma (HFC) trealcd
vudinc to treat acute hepadtls 8. Htpatology, 2007; 45:101. by polyacrylmitrile membrane (PAN) hacmodlalysls (HD). Trt1ru Am Soe
Kuniholm, MH & Nelson, KE. Of organ mcats and bepatitls E vlrus. One pari Artiflnt<rn Organs,l976; 22:701·10.
of alarge puz:r.le solvcd. I Inftcl Dis, 2009; 198:1727·8. Overturf, K, Al-Dhalimy, M, Ou, CN, Finejold, M. Serial transpbntation reveals
Lake. )R. Hcpatoeytc transplantat1on. N Engl I Mcd, 1998; 338: 1463·5. that stem-ceU-Uke regeneratlons potentlal ofadult mouse hcpatOC)'I"'- Am
Larun, FS, Hansen, BA, Eglensen, E ti a/. Corebral blood fiow, oxyg<n me- I Patho/,1997; 151:1273-80.
tabolism and transcranlal doppler sonography during high-volume plas- Palanduz. A, Yildirmark, Y, Thelahn, L et ai. Pulminant hepatic failure and
mapheresls In fulminant li ver failure. Eu r I Grulroenltrol Htpalo~ 1996; auloimmune hemolyllc anemia assoclated wilh Epstein-8arr virus infec·
8:261·5. tion. I lnftcl, 2002; 45:96-8.
Lee, WM. Acetamlnophcn toxJcJty: changlng perccpllons of a soclal!mcdical Paschcr, A, Saucr, IM, Neuha.s, P. Analyals of allogenelc versus xenogencic au-
lssuc. Htpatology, 2007; 46:966-70. xlliary organ perfuslon In liver fallure reveals superior cfficacy of human
Lee, WM, Brown, Kl!, Young. NS ti a/. and the Acute Liver Failure Study Group. livers.lnt I ArllnfOrganlntern Orgaru, 2002; 25:1006-12.
8rief report. No evidence for hepatltis E or parvovirus 8 19 infect:ion in Peterson, 8E, Bowen, WC, Patrene, KD tt aL Bone marrow as a potential sourcc
patlenu wilh aeutcllvcr fallure. Dlg Dls Sei, 2006; 51:1712. ofhepatic oval ceUs. Scitnce, 1990; 284:1168-70.
Lee, WM. Etlologles of aeutellver fallure. S<mln. L/ver Dls., 2008; 28:142-52. Plevris, JN, Schina, M, Hayes, PC. Revlew articl<: the management of acute
Leuierl, CJ & Bcrg, BW. Cllnleal features of non-Hodgkln lyruphoma present· Uver failure. Alimtnt Pharmaco/7her,l998; 12:40S· I8.
ing wlth acute liver fallure: a repor! of 6vc cases and review of publisbcd Pomcrantz, R & Siegdman, ES. MR imaglng of lron depositlonal dlsease. MRJ
Clln North Am, 2002. p. I 05.
experlenee. Arq 1 Grutroenterol, 2003; 98:1641-6.
Levine, RJ, Msynard, SE, Qlan, C <1 a!. Clreulating angiogenic fKtors and tbe
Raman, JS, Kochi, K. Morimatsu, H ti ai. Severe itchornic liver injury after
eardiac s11rgery. Ann Thorac Surg, 2002; 74: 1601·6.
risk of preedampsla. N Engl 1 Med, 2004; 350:762-83.
Rifai, K. Ernest, T, Kretschemer, U ti ai. Prometheus: a new extracorporeal
Leviuky, J, Dlddempudl, AT, Lak<man, FD <I ai. US aeute liver fallure Study
systcm for thc trcatment ofUver faUure. 1 Htpato~ 2003; 39:984-90.
Group. L/ver Transpl. 2008; 14:1498·504..
Riordan, SW & Wtlliams, R. Perspeaives on Uver faUure: past and future. S<mill
Levitsky, J, Thadareddy, A. Lak<man, FA tt ai. Herpes simplex vlrus in acute
Llwr Dls,2008;2-"137-<ll.
livcr faUure. Gastrotnterology, 2007; /J2:752A.
R"'-ts, EA & Schílsky, ML. A praetlce guldeline on Wilson dis<ase. Htpato-
Lindbdmor, MO. Unravding. The mysteries of preeclampsja. Am I ObsttiT
logy, 2003; 37:1475-92.
G;yn«d, 2005; 193>3·4.
Rnwbotham, D, Wendon, ), \\'"illi2nu, R, Acute u,u Wlurt secondary lo hcpalic
Uou, IW & Larson, AM. Role of liver transplantation in acul< li\-er faUure. lnfiltratlon a slngle eenter expcrlencc of 18 cases. Gul, 1998; 42:576-80.
Sem in L/Vf!r Dls, 2008; 2-"201·9.
Rust, C & Gores, GJ. Hepa!oeyte transplantatlon In acute ti- faUure: A newtht-
Ma, KS. Yang. HY, Chtn, Z. Q~ LY. Enhanood expression and activations of rapcutic option for the next mWenluml Llwr Thlnsplantatlorr, 2000; 6:41.
lcukotrlene synthes!J enzymesln D-galaeto/samlnellypopolysat'charidcs- Rust, C & Gores, GJ. Hepa!oeyte transplantatlon In acute liver faílure: a new
lnduood rat fulminant hepatlc faUure model World 1 Gasrtotn1erol, 2008; therapeutic optlon for the next meUinlum. Liver Transpl.ant, 2000; 6:41-3.
14:2748-56.
Sallie, R, Katsiylanna!W, L. Baldwin, O tiaL Failure of slmple blochemlcalln-
Marcos, A, Ham, JM, Fishor, RA ti ai. Emergency Uving related adult-adult trans- dexes to reUably dlfferentlate fulmlnant Wilson's dlstase from other causes
plantatlon for fulmlnant llver fallure. Transplant<lllon, 2000; 69: 2002. offulmlnant hepatie (ailure. Htpa1o/.ogy,l992; 16:1206-11.
Math~ H & Gores, GJ. CeUular and mcchanlsms of Uver lnjury. Gastroentero-
Scremba, E. Sendcrs, C.Jaln, M ti ai. and the Acute Uver Faílure Study Group.
logy, 2008; 134:1641-54. Use of nudeoside analogu<S in HBV-relalcd acuteliver Cailure. Htpt>tology,
McKenzie, Tj, Lillegard, j8, Nyberg. SL Artificial and bioartilicialliver support. 2007;276A.
S<mln L/ver Dls, 2008; 28:210-17. Sherlock, S & Dooley, J. Fulminant hepatlc faUure. Em: Sherlock, S, Dooley,
Mitchell, A & Ddreviere, L Levetlracetan as a possible cause of fulminant Uver I (ed.). Livtr and blliary distase. 10th cd., Oxford: BlaekwcU ScJencc Ud.,
faUure. Nturolog, 2008; 26:685·6. 1997; 104-17.
Mitchell, I, 8ihart, D, Chang, R, Wcndon,J, Williams, R. Earlicr identifieation Squires )r, RH. Acute liver failure in chlldren. Stmln Llvtr Dis, 2008; 28:
of patients at risk from acttamlnophen· lnduced aculelivor failure. Cril 153-66.
Cart Med, 1998; 26:279·84. Squires jr, RH, Shnelder, BL. Buc:uvela.s., Jti nl. Acutc Uvcr faUurc in chlldren;
Moreno·González, E, Garcia, GI, Lolnu, SC, Gómez, SR, González-Pinto, I, the fust 348 patlents In the pcdlarrlc acutc llvcr fallurc study group. 1 Pe·
Hernandez, GGD, )lm~nez, RC. Mafettone, V, P~rez-CerdA, F, Cisneros, AC, diatr, 2006; 148:652-8.
Ibailez. AJ. Uver transplanlation in patients wilh fulminant hepatic failure. Stephan, fL, Kone-Paul,l, Galambrun, C ti ai. Rcaclive haemopbagocytic syn·
Br I Surg, 1995; 82:118·21. drome in children with infiammatorydisorders: a retrospectivo study of24
MucUer, EW, Rockey, ML. Ra•hkln, MC. Sunltlnlb-relatcd fulminant hepatic patients. Rheumatology (Oxford), 2002; 40:1285-92.
failure: case rcport and review of lhe literature. Pharmacotherapy, 2008; Strom, SC. Ray Chowdhury, J, Fox, IJ. Hepatocyte transplantaUon Cor th< treat.
28: I 066·70. mentofhuman dJsease.Stmin Uvtr Dls, 1999; 19:39-48.
Murray, KF, Hadz.ia, N, Wlath, S, 8assett, M, KeUy, D. Drug-rdatcd hepatotoxi- Sundback, CA & Vacanti, JP. Alr.ornatives to Uver lransplantalion: from ht·
clty and acutellver faílure. 1 Prdlatr Gaslrotnlerol Nu~ 2008; 47:395-405. patoeyte transplantation to tissue - <ngineorcd organs. Gastto<nlttology,
Nagald, M & Morlwald, H. lmplicationJ of cytoklnes: roles of tumor neerosls 2000; ll8:438.
factor-alphaln Uver in)ury. Htpt>lol Ru, 2008;38:519-52&. Sussman, NL. Pulmlnant hepatlc faUure. Em: Kaklm, O & Soyer, TO. Htpato·
Navarro, VJ, Senior, )R. Drug-relattd hepaloto.údty. N Engl I Med, 2006; logy.A lutbookofliv<rdisea#. 3rd cd., PhUadelphla: W.B. Saunden Com·
354:731. pany, 1996; 618-50.
0'8rayan, CJ.. Flulg. Jw. Utz, KJ. Blcalutamlde·usoclattd fulminant hepa!o- Takikawa, Y, Enclo, R, Suzuki, K tt ai. Prcdietion ofhepatic c:ncephalopathy deve-
toxicity. PharmtUOthuapy, 2008; 28: 1071·5. lopment in palicnu with..,..... aeute hcpaUU.. Dig Dls Sd, 2006; 51:359.
642 Capftulo 56 I Hepatite Aguda Fulminante

Tan, TC. de Bocr, BW, Lucke, B, Mallory, T. The fulminant form of epidemic Wagner. M. Kauffmann. P, Pickcr, P, Trauncr M. Succcs.sful conscrvativc ma-
hepatitis. Amer I Patlool, 1946; 22:867. nagcment of acute failure foUowing cxertional heat strokc. Eur I Ga.stroen-
Thung. SN & Gerber, MA. Acute hepatitis with massive hepatic necrosis vs terol Hepawl, 2003; 15:1135-9.
toxic necrosis vs shock liver. Em: Thung, SN & Gerber, MA. Difftrentíal Wasmuth, JC, Fischer, HP, Sauerbruch, T. Dumoulin, Ft. Fatalacute liver failure
diagnosis in pathok>gy. Livtr disordtrs. 1st ed., Nova Iorque: Igaku-Shin, dueto reactivation ofhepatitis B following. treatment with fludarabine/
1995; 10- 11. cyclophosphamide/ritoximab for low graded non-Hodgkin's lyrnphoma.
Tillmann, HL, Hadem, J, Lcifcld. L et al. Safe<y and efficacy of lamivudine in Eur I Mt.d Res, 2002; 13:483-6.
patients with severe acute or fulminant hepatitis B, a multicenter experi- Weber, A, Groyer-Picard, MT, Franco, D, Dagher, I. Hepatocyte transplantalion
ence. I Viral Heparol, 2006; 13:256-63. in animal models. Uver Transplantation. 2009; 15:1- 14.
Trey, C. Bums, DG, Saunders, Sj. Treatrnent ofhepatic coma by exchange blood Wendon, j. Circulatory fail ure in fulm inan t h epatic faHure. Em: Arroyo, V,
<ransfusion. N Eng 1 Mt.d, 1996; 274:473-81. Bosch, j, Bruguera, M, Rodés, j, Sanchez-Tapias, jM. Treatment of liver
Tsuruga, Y, Kayono, Y, Matsushita, M, Takahash~ T. Estableshment ofimmorta- dlsease. Barcelona, Masson, p. 125, 1999.
liud human hepatocytes by introduction ofHPV16E6/E7 and hTERT as cell Whitington, PF & Alonso, EM. Fulminant hepatltis in chlldren: evidence for an
sources fo r liver-cell based therapy. Cdl Transplant, 2008; 17:1083-94. unindentified hepatitis v!rus. 1 Pt.diatr Gast.-orerol Nutr, 2006; 33:529-36.
Tuteja, S, Pyrsopoulos,l\'T, Wolowich, WR et ai. Simvastatin·ezeternib-induced Wigg. Aj, Gunson, BK, Mutimer, Dj. Outcomes following tiver transplantation
hepatic failure necessitating liver transplantation. Pharmacotherapy, 2008; fo r seronegative acute liver failure: experience during a 12-year period with
28:1188-93. more than 100 patients. Liver Tmnspl, 2005; 11:27-34.
Umemura, T, Tanaka, E, Ost apowicz, G et ai. Jnvestigation of SEN virus in - Worm, HC, vander Poel, WHM, Brandstatter, G. Hepatitis E: an overview.
fection in patients with acute liver failure a plastic anemia and acute and Microbes Infect, 2002; 4:657-66.
chronic non-A-E hepatitis. I Infect Dis, 2007; 188:1545-52. Yaruaguch~ M, Gabazza, EC. Taguch~ O et al. Decrcased protein C activation in
Valia, DC. Vascular diseases of the üver. Em: Bacon, BR, O'Grady, )G, D i Bis- patlents with fulminant hepatic 6ú.lure. Scand I Gastroenrero/, 2006; 41:331.
cegUe, AM, Lake, JR (ed.). Ccmprehensive Clinicai Hepatok>gy. Londres: Yan, C. Zhou, L, Han, YP. Contribution of bepatic steUate cells and matrix
Mosby Elsevier, 2006. p. 473. metaloproteinase 9 in acute livcr 6ú.lure. Liver Int, 2008; 28:959-71.
57 Cirrose Hepática
Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo,
Evandro de Oliveira Souza, Taiane Costa Marinho,
Leonardo Reuter Motta Gama, Lucas Cagnin,
Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Paula Hugueney Cruz,
Guilherme Tarameli dos S. Cecflio, Maria Juliana Louggio Cavalcanti,
Francisco César Nassar Tribulato, Raul Carlos Wahle

Cirrose hepática resulta da inter-relação entre diversos fatores quente acúmulo de proteínas da matriz extracelular. Desse pro-
etiológicos, que atuam ao longo dos anos, tais como, morte e cesso, participam células endoteliais, células de Kupffer, células
regeneração celular, degradação e formação anormal da matriz estelares e perissinusoidais do espaço de Disse. Na vigência da
extracelular. Trata-se de um processo que se caracteriza por perpetuação da agressão, ocorre capilarização dos sinusoides,
formações de fibrose difusa, além de micro e macronódulos, onde se depositam continuamente larninina, colágeno tipo IV
estabelecendo perversão da arquitetura normal do parênquima. e perlecans. Nessa situação, reduzem-se os microvilos dos he-
O diagnóstico confirma-se por meio de dados clínicos, labo- patócitos, instalam -se modificações fenotípicas das células de
ratoriais, anatomopatológicos, ou valendo-se de métodos de lto, as quais assumem aspecto miofibroblástico. Participam
imagens como ultrassonografia, tomografia computadorizada, ainda do processo fatores liberados de macrófagos ativados,
ressonância magnética, videolaparoscopia ou até pela cintigra- sobretudo IL-1, fator de necrose tumoral, prostaglandinas e
fia. Representa a principal causa de morte em muitas partes do substâncias inflamatórias outras, como fator de crescimento
mundo, comportamento que se relaciona com a participação derivado de plaquetas, além de radicais livres de oxigênio in-
de diferentes causas e manifestações clínicas, gravidade das termediários, responsáveis pela ativação de lipócitos, os quais
lesões histológicas, reserva funcional parenquimatosa e oferta se encontravam quiescentes (Figura 57.1).
de possibilidades terapêuticas.

• CLASSIFICAÇÃO ANATOMICA
• ASPECTOS PATOGENÉTICOS
Baseia-se em alguns parâmetros, mas, sobretudo, no diâme-
A maioria das doenças crônicas do figado associa-se a contí- tro dos nódulos de regeneração e espessura dos septos fibrosos,
nua fibrogênese, resultante da lesão dos hepatócitos, com conse- gerando três tipos de cirrose: a. micronodular, representada por

Fibroblastos portais
Toxinas, colestase,
vírus, autoimunidade, Ativam-se via
estresse
I Células estelares quiescentes e
doenças metabólicas
miofibroblastos

Fatores de crescimento
lntegrinas
Citocinas
Colágenos t

TIMP- 1 t

Colagenase .1.
Radicais livres de 0 2

I Proliferação fibrótica com


regeneração nodular
I
Figura S 7 . 1 Prováveis mecanismos envolvidos na fobrogênese na cirrose hepática.

643
644 CapftuloSl I Ci"oseHepdtlco

nódulos pequenos, com pouca variação de tamanho, uniformes,


com até 3 mm de diâmetro, sendo sempre observados septos
finos de até 2 mm, que os separam e envolvem todo o lóbulo; b.
macronodular, representada por septos de tamanhos variados,
com nódulos atingindo diâmetros entre 3 e 30 mm, multilobu-
lares, com deformação grosseira do figado. Representa evolução
da cirrose micronodular, uma vez que se perpetua a ação lesiva
exercida pelo agente etiológico; c. mista, representada pela co-
existência, em um mesmo paciente, de micro e macronódulos
(Figuras 57.1 a 57.6).

Figura 57.3 Vrsk microscópica de espaço portaI alargado, com septos


fibrosos insulando hepatócitos e originando a regenera~o nodular.
Presença de macro e microvacúolos de gordura. (Esta fJQura encontra-
se reprodulida em cores no Encarte.)

Figura 57.2 Visão de FIQadO explantado. Observa-se cirrose mista do


pomo de vista macrosc6pico, expressa pela presença de macro e micro-
nódulos. (Esta fJQura encontra-5e reproduzida em cores no EncarteJ

T
Quadro 57.1 Classificação etiológica da cirrose hepática
lnfecclo..
Hepatites 8 e D
Hepatite C
Hepatite autoimune
Figura 57.4 Visão microscópiCa de um macronódulo de regener~o
Al<o61ica
envolvido por um processo inflamatório durante hepatite crOnlca virai
Obotruçio biliar C. (Esta figura encontra-se reprodu lida em cores no Encarte)
Colanglte a6nica destrutiva mo supurativa
Colanglte esderosante primária
Atresla de vias biliares
Fibrose clstlca
Hipoplasla lntra-he~tka
Olsplasla artérlo-he~tka (síndrome de Alagille)
Sarcoldose
F'rmacos
Metabólica
Doença de Wilson
Hemocromatose hereditária
De~ciêncla de o,-antltripslna
Galactosemla
Gllcogenoses
Tlroslnemla
Pomtias
Esteato-hepatite nao alco61lca
Cirrose da criança Indiana
Vascular
Slndrome de Budd<hlari
Doença venoclusíva
Telanglectasla hemorrágica hereditária Figura 57 .s Visão microscópica de necrose periférica, com infiltrado
Crlptog,nlco inflamatório do parênquima e formando nódulos. (Esta figura encontra·
se reprodulida em cores no Encarte.)
Capftulo 57 I Cirrose Hepática 645
---------------T---------------
Quadro 57.2características evolutivas nas hepatites crônicas virais

Após diagnóstico, incidência de cirrose induz.ida pelo vírus da hepatite


B se situa entre 8 e 20%, com índice de descompensaçáo hepática ao
fim também de 5 anos sendo de aproximadamente 5%;
2. Na infecção pelo vírus da hepatite D em 5 anos, cirrose se instala
em 70% dos casos, definida em todas as faixas etárias, evolução já
observada em 40% das crianças;
3. Aspecto diverso ocorre com os infectados pelo vírus da hepatite C.
Assim, alguns se tornam cirróticos em menos de 5 anos, evolução
identificada em outros apenas após 20 anos de doença. Forma mais
grave se instala naqueles que foram contaminados já em fase mais
avançada da vida, entre alcoolistas, portadores dos vírus B ou HIV,
narcoadictos e obesos.

Figura 57.6 Visão microscópica da cirrose hepática, com um macro-


nódulo de regeneração envolvido por um espesso septo fibrótico. (Esta - T
figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) Quadro 57.3 Características evolutivas na hepatite autoimune

1. Cerca de 30% dos adultos já se apresentam com cirrose por ocasião do


diagnóstico;
2. Daqueles que, histologicamente, evoluem com hepatite periportal,
• CLASSIFICAÇÃO ETIOLÓGICA necrose em ponte ou multilobular, respectivamente 17 e 82% evoluirão
para cirrose ao fim de 5 anos;
• Infecciosa 3. No entanto, a presença de cirrose não influencia o índice de sobrevida
de 1O anos, que se situa aproximadamente 92%;
A perpetuação, durante alguns anos, de lesão celular imu- 4. Presença de cirrose já se identifica em torno de 50% das crianças ao
nemediada mostra-se responsável pela instalação de hepatite serem diagnosticadas como portadoras de hepatite autoimune, com
crônica e cirrose em portadores dos vírus das hepatites B, D e cerca de 15% delas sendo conduzidas pelo transplante de fígado antes
C, com características dessa tendência evolutiva discriminadas dos 18 anos de idade;
no Quadro 57.2. 5. Cirrose se identifica em 30% dos idosos, com possibilidade de remissão
ocorrendo em 90% deles, quando conduzidos pela terapêutica
imunossupressora.
• Hepatite autoimune
Esta é uma forma de doença que se traduz por inflamação do
fígado de causa desconhecida, que se caracteriza por hepatite
periporta (necrose periférica), proeminente infiltrado inflama-
- T
tório e infiltração dos espaços portais por plasmócitos. Toda Quadro 57.4 Características evolutivas na doença hepática alcoólica
essa evolução se relaciona com citotoxicidade imunecelular,
1. Nas fases iniciais, são pacientes assintomáticos ou que cursam com
mediada por anticorpos, que se dirigem contra proteinas nor-
fadiga discreta;
mais de membranas hepatocíticas, onde autoantígenos especí-
2. Progressão da cirrose traduzida por hipertrofia do lobo esquerdo
ficos encontram -se hiperexpressos, sendo de risco maior a essa do fígado, baço nem sempre palpável, mas já se identificam
evolução pacientes HLA Dr3 e Dr4 positivos. Destes, mesmo aranhas vasculares, edema periférico, ascite, consumo muscular,
tratados com imunossupressores (corticosteroides e azatio- hiperbilirrubinemia, elevações de níveis sé ricos de aminotransferases,
prina), cerca de 36% evoluirão para cirrose dentro de 6 anos a gamaglutamiltransferase, hipoalbuminemia e hipotrombinemia;
partir do diagnóstico, aspecto discriminado no Quadro 57.3. 3. Risco de evolução relaciona-se com ingesta etnica maior do que 50-80
g/ dia e entre infectados com vírus das hepatites B ou C, com carcinoma
hepatocelular incidindo em aproximadamente 15% deles.
• Alcoólica
Mecanismos patogenéticos de agressão hepatocelular em
pacientes com ingesta alcoólica excessiva(> 80 g de etanoVdia)
relacionam-se com predisposição genética, estado hipermeta-
bólico de hepatócitos centrolobulares, em que se acumula mais
• Obstrução biliar
acetaldeído, além de maior produção de colágeno pelas célu- A colangite crônica destrutiva não supurativa é uma doença
las de Ito. Fazem parte desse processo radicais livres de oxigê- crônica do fígado resultante do insulto imunológico desenvolvi-
nio, peroxidação lipídica, reduzidas defesas antioxidantes e de do por linfócitos citotóxicos sobre o epitélio dos duetos biliares,
formação de glutation, e agressão exercida por citocinas, com causando lesão hepatocelular e colestase progressiva. Mais de
ação mediada pelas células de Kuptfer. Na dependência desses 90% desses pacientes são mulheres de meia-idade, portadoras
fatores, os doentes evoluem com lesões necróticas focais dos do anticorpo sérico antimitocôndria, com características evolu-
hepatócitos, inflamação, acúmulo de proteinas celulare.s, estea- tivas para cirrose estando discriminadas no Quadro 57.5.
tose, fibrose e regeneração micro e, menos frequentemente, A co/angite esc/erosante primária é uma doença crônica, de
macronodular, com instalação de cirrose e risco de evolução etiologia desconhecida, cujos aspectos histológicos são repre-
para carcinoma hepatocelular ao fim de 20 ou mais anos, com sentados por inflamação de dueto biliar e fibrose. O diagnóstico
características evolutivas dispostas no Quadro 57.4. confirma-se através da identificação de sinais colangiográficos
646 Capitulo 57 I C/"ose Hepdtica

típicos, como estenose e dilatações de duetos intra e extra-he- T


páticos. Predomina entre homens em tomo dos 30 anos, sendo Quadro 57.7Caracterfsticas evolutivas das duas formas dfnicas
também observada em crianças. Em geral, 5-50% desses pacien- de atresia de vias biliares
tes apresentam colite ulcerativa, com características evolutivas
discriminadas no Quadro 57.6. Tipo embriõnico ou fetal (35'16)
A atresia de vias biliares é uma doença idiopática, represen- 1. Aparecimento precoce sob forma de colestase neonatal;
tada por obliteração completa, localizada ou difusa, dos duetos 2. Sem período livre de colestase após kterida fisiológica;
3. Ausência de remanescentes de duetos bllla~s porto hepotis;
biliares a partir do hilo até o duodeno. Essa obstrução ao livre 4. Anomalias congênitas associadas em 1o-2091o dos casos.
fluxo biliar leva aos aparecimentos de fibrose gradual, destrui- Tipo perin•tal (65'11.)
ção de estruturas biliares intra- e extra-hepáticas. São anormali- 1. Aparecimento mais tardio de colestase neonatal;
dades estruturais associadas à trissomia 18 e ao subtipo B12 do 2. Intervalo livre da icterícia após ictericia fisiológica;
sistema antigênico leucocitário (HLA) humano. Os pacientes 3. Remanescentes de estruturas de duetos biliares na porto hepolis;
são crianças nascidas a termo, com icterícia já presente no se- 4. Sem anomalias congênitas associadas.
gundo dia de vida, exibindo niveis séricos elevados de fosfatase
alcalina (> 600 UI/l), gamaglutamiltransferase (> 100 UU l) e
discretos de aminotransferases (100 a 200 UI/l). A histologia
hepática revela transformação gigantocelular dos hepatócitos, Afibrose cfstica é desordem generalizada das glândulas exó-
proliferação e expansão de espaços portais, proliferação de due- crinas, herdada como padrão autossOmico recessivo, com gene
tos biliares, edema e fibrose portal. Expressa-se sob duas formas defeituoso localizado no meio do braço longo do cromosso-
(Quadro 57.7), com características evolutivas especificas. mo 7q31, produzindo um regulador anormal de condutância
Obrigatoriamente, esses paciente.s devem ser operados pela transmembrana. Todos os doentes cursam com frequência au-
técnica de portoenterostomia de Kasai, cuja falência implica a mentada de antígenos HLA A2, C7, DR2 (DRW15) e DQW6,
realização do transplante de figado, visando a tratar colestase controladores da resposta imune mediada por linfócitos. Nesses
e colangite refratária, não impossível de ser realizado mesmo pacientes, ocorrem produção e acúmulo excessivo de muco,
naquelas crianças que cursam com sindrome poliesplênica, fibrose biliar focal e, eventualmente, cirrose, com hipertensão
anomalias da veia cava inferior, veia porta duodenal e situs in- portal em todos os casos. Cursando dessa forma, e com hiper-
versus abdominal. tensão portal, deverão ser submetidos ao transplante de ligado,
antes que desenvolvam insuficiência pulmonar, quando será
necessário se associarem implantes de coração e de pulmão.
Hipoplasia biliar intra-hepática, de etiologia desconhecida.
T Os recém-natos doentes cursam com sinais de colangite, coles-
Quadro 57.5Caracterfsticas evolutivas na colangite crônica tase e cirrose de rápida instalação, sendo identificadas em porta-
destrutiva não supurativa dores de doenças hepáticas, como deficiência de CL1-antitripsina,
anormalidades cromossômicos, tai.s como sindrome de Down,
1. Prog~ss.\o progressiva para cirrose se caracteriza pelas presenças
pr~s nlstopatológlcas de lesões periportais, proliferação ductular,
ou nas infecções intrauterinas por àtomegalovirus.
ductopenla, septos nt!CioinOamatórios e fib<ose; Displasia artéria-hepática ou s(ndrome de Alagille é doen-
2. Diagnosticada em sua fase lnidal de evoluçA<> naqueles que ça genética, herdada como autossOmica dominante, de pene-
cursam com nivels sbicos elevados de fosfatase alcalina e trãncia variável, com os portadores cursando com rarefação de
gamaglutamiltransferase. comportamento que perdura em tomo de 6 duetos biliares intra-hepáticos, com incidencia de 1:100.000
anos. com sobrevida de S anos em aproximadamente 90'1&, índice que nascimentos. São pacientes com fácies típica e acometimento
se ~uz para 30-709f>naquelescom cirrose;
multissistêmico, traduzido por estenose pulmonar periférica,
3. So~da de 4, 2 e 1,4 anos se Identifica naqueles que cursam com
nivel de bilirrubina S<!rlca sendo, respectivamente, de 2,0, 6,0 e 10.0
lesão ocular com envolvimento do embriotoxo posterior e vér-
mg!dl, com transplante de flgado permitindo sob<evida de 71 - 75'16 ao tebras em asa de borboleta. Colestase inicial faz parte do quadro
fim de 5 anos de pós-operatório. e se traduz por: bilirrubina direta além de 6 mgldl , fosfatase
alcalina e gamaglutamiltransferase ultrapassando, respectiva-
mente, 600 Ulll e 200 Ul/t, bem como hipertransaminasemia
e hipercolesterolemia. O quadro histológico é traduzido por fi-
T brose, ductopenia e cirrose inativa, com aspecto colangiográfico
Quadro 57.6caracterfstlcas evolutivas na colangite de colangite esclerosante primária. A resolução pode ocorrer na
esclerosante primária adolescência, com prognóstico dependendo das malformações.
As indicações do transplante de figado são cirrose e hiperten-
1. Sobrevida média desses pacientes após diagnóstico entre 9 e 17, e são portal, prurido intratável e comprometimento evolutivo.
média de 12 anos; Alguns são operados antes e recebem transplante cardíaco.
2. Cerca de 76'16 ao fim de 6 anos se tornam clrrótlcos e 31% desenvolvem Sarcoidose é uma doença crônica, sistémica, com envolvi-
insuficiência nepátlca. Slo mais graves aqueles com Idade além de SO mento hepático em 60 a 90% dos pacientes, traduzindo-se his-
anos, que cursam com hepato e esplenomegalia;
tologicamente por granulomas não caseosos presentes ao nível
3. Cerca de 6- 30'16 cursam com colanglocarclnoma, carcinoma
hepatocelular e/ou adenocarclnoma de vesfcula biliar ou de cólon ao
do espaço portal. Durante longos anos, eles cursam assintomá-
fim de 1o-30 anos; ticos, alguns evoluindo com destruição progressiva de duetos
4. Antes que atinjam esse quadro evolutivo mais grave, deverlo ser biliares intra-hepáticos. São jovens caucasianos, geralmente
conduzidos pelo transplante de flgado, com sobrevida de 1 e S anos do sexo feminino, que evoluem com cirrose do tipo biliar, e os
sendo, respectivamente, de 90- 97'16 e 85- 88'16. Nesses. existe o risco pacientes são anticorpo antimHocOndria negativos. Progressi-
maior de cursarem com estenoses de via biliar e da artéria nepática vamente, aqueles com mais de 40 anos de idade desenvolvem
ou recorrência da doença após alguns anos de pós-operatório, sendo
necessário conduzl.los pelo retransplante. cirrose, 25% com hipertensão portal e colangite, com perspec-
tivas evolutivas de necessitarem de transplante de ligado.
Capftulo57 I CirroseHepática 647
fígado e gerando quadros anatomopatológicos semelhantes.
• Fánnacos Todos devendo ser conduzidos à semelhança do descrito ante-
Diferentes fármacos e seus metabólitos podem produzir he- riormente para os portadores do gene HFE, antes que cursem
patite crônica ativa e cirrose, sobretudo CJ.-meti/dopa, isoniazida, com diabetes, insuficiência cardíaca congestiva e também com
nitrofurantoína, dantrolone, diclofenaco e alguns outros. His- neoplasia primária do fígado.
tologicamente, essa hepatite se traduz por infiltrado inflama- Deficiência de a.,-antitripsina (a.,-AT), um inibidor de pro-
tório periporta, composto por linfócitos e plasmócitos, e com tease sérica, bloqueadora de elastase neutrofflica, relaciona-se
necrose periférica, existindo ou não granulomas não caseosos, com a mutação que se instala no gene especifico, disposto no
A colestase ductopênica pode fazer parte do quadro, e um as- cromossomo 14q3, com alelo M sendo normal e expressões mu-
pecto de cirrose biliar pode se observar naqueles pacientes em tantes ocorrendo nos alelos Se Z, gerando acentuada deficiência
uso de clorpromazina. Por sua vez, metotrexato e vitamina A, sérica da enzima, causando enfisema pulmonar e doença hepá-
arsenicais e cloreto de vinil podem levar à instalação de fibrose. tica. Forma mais grave entre esses pacientes acontece com os
Cirrose pode ser identificada em pessoas que usam também por que expressam o genótipo PiZZ relacionado com mutação iden-
tempo prolongado coralgil e tamoxifeno, amiodarona, maleato tificada no códon 342, resultando na troca de ácido g!utãmico
de perexilina, cobloqueadores de canal de cálcio, cetoconazol, por lisina. Nessa última eventualidade, as crianças acometidas
griseofulvina, nimesulida,fenilbutazona, ibuprofeno, guinidina cursam com colestase neonatal e, quando adultos, desenvol-
e outros. Relaciona-se essa evolução com a continuada exposi- vem hepatite crônica e cirrose. Essas formas são histologica-
ção, levando a que cursem nas fases mais avançadas com sinais mente definidas pela presença de glóbulos intracitoplasmáticos
de redução funcional da síntese parenquimatosa e hipertensão (PAS+) revelados por imuno-histoquírnica, progressiva evolu-
portal, sendo necessário conduzi-los ao transplante de fígado. ção para a cirrose, expressa sob forma de nódulos regenerativos
envolvidos por espessas faixas de fibrose, com as características
expostas no Quadro 57.8.
• Metabólica A galactosemia é representada por uma série de doenças
A doença de Wilson é um erro inato do metabolismo, ca- transmitidas por herança autossôrnica recessiva, expressão de
racterizado por defeito na excreção biliar do cobre, com con- deficiências celulares de três enzimas, galactose-1-fosfato uri-
sequente acúmulo do metal no fígado, cérebro e córnea. São diltransferase, galactoquinase e uridina difosfato (UDP) ga-
acometidos pacientes jovens, que evoluem com deterioração lactose-4-epimerase. Os defeitos de atividade dessas enzimas
intelectual, tremor, disartria, distonia, anemia hemolltica, he- decorrem do estabelecimento de mutações em aminoácidos,
matúria e amenorreia. A doença hepática manifesta-se por gerando distintas expressões clinicas, que se revelam por des-
insuficiência hepática fulminante, hepatite crônica ativa, e/ou nutrição, retardo e precário crescimento somático, formação
cirrose, compensada ou não, observada, em geral, em pacientes de catarata, doença hepática progressiva, retardamento mental,
que não responderam ao tratamento com penicilamina, trien- resultado de deficiências enzimáticas eritrocitárias, acarretan-
tine ou tetratiomolibdato de amônia. Insuficiência bepatoce- do intolerância à galactose da dieta. Modificações histológicas
lular, tradução de necrose maciça presente nos cirróticos, sem aparecem já nos primeiros 10 a 11 dias de nascimento, traduzi-
ou com hipertensão portal avançada, leva-os ao transplante de das por hepatoesplenomegalia e hipertensão portal, o que pode
fígado, com sobrevida de 1 ano atingindo 79% deles, com me- levá-las a atingir a puberdade, cursando com insuficiência ova-
lhora da qualidade de vida e alguns cursando com regressão riana, déficits menstruais e da fala. A confirmação diagnóstica
dos sintomas psiquiátricos e neurológicos que apresentavam se processa pela excessiva presença urinária de galactose, além
no pré-operatório. de 60 mgldl , exigindo-se mensuração de atividade eritrocitária
A hemocromatose hereditária (HH), doença herdada, rela- de transferase, a qual pode ser caracterizada também por testes
cionada no gene HFE (6 p21.3) identificada pela ocorrência de, genéticos envolvendo cDNA, ou definindo mutações Ql88/2.
pelo menos, duas mutações, gerando pacientes positivos para O tratamento envolve retirada dietética da galactose. Já nas
fenótipos C282Y, H63D, homozigotos ou heterozigotos com- primeiras semanas de vida, identificam-se esteatose, prolifera-
postos. Todos cursam com níveis séricos elevados de ferritina
(> 1.000 nglml) e índice de saturação de transferrina (> 40%),
devendo ser tratados por flebotomias periódicas, até que índi-
ces de saturação de transferrina e de ferritina estejam, respec-
tivamente, abaixo de 5% e de 50 ng/ml. Falência dessa resposta
- .-
Quadro 57.8 Características evolutivas na defidência de
leva-os a cursar histologicamente com excesso de ferro sendo a,-antitripsina (genótipo PiZZ)
depositado nos hepatócitos distribuídos na zona 1 posterior-
mente periporta, gerando fibrose e cirrose hepática. Esse quadro 1. Cerca de 10-15% desenvolverão doença hep~tica sintom~tlca na
é de evolução mais rápida naqueles com esteato-hepatite não infância;
alcoólica e portadores de vírus da hepatite C, com maior pro- 2. Cerca de 5% das crianças acometidas permanecerão ictéricas e
pensão ao desenvolvimento de insuficiência hepatocelular ou, progredirão para cirrose descompensada e morte ao fim do primeiro
ano devida;
até, carcinoma hepatocelular, levando-os a serem conduzidos
3. Cerca de 25% morrerão de complicações de cirrose entre 6 meses e
pelo transplante de fígado. Nos últimos anos, tem-se definido 17 anos de vida, tendo cursado com hipertenslio portal, colestase e
que vários outros genes/proteínas, que não apenas o HFE, estão retardo de desenvolvimento;
envolvidos na regulação da homeostase do ferro. Entre esses, 4. Outros 25% sobrevivem durante anos sem evidências de
incluem-se hemojuvelina, hepcidina (HAMP, 19 q 13.1 ), recep- descompensação hepatocelularou presenças de hemorragia digestiva
tor 2 de transferrina (TfR2) e ferroportina 1 (SLC40Al.2q32). alta, asei te ou síndrome hepatorrenal;
Nesses, existe também um aumento na absorção duodenal do 5. Tentando evitar ou combater complicações advindas, deverão ser
metal, sob forma iônica, com heme, cruzando sob essa forma conduzidos pelo transplante de flgado com receptor adquirindo
a membrana apical, transferindo-se para o sangue através da fenótipo do doador, restaurando concentrações séricas normais de
Q 1-antitripsina.
membrana basolateral, tendo acesso a veia porta atingindo o
648 Capftulo 57 I Ci"ose Hepdtica

ção colangiolar periporta, transformação pseudoacinar, com a cos elevados de aminotransferases e gamaglutamiltransferases
progressão para cirrose podendo ocorrer em 6 meses. de pacientes atendidos em ambulatórios ou consultórios de
As glicogenoses constituem-se em grupo heterogêneo de clínicas privadas; 2. é mais observada entre obesos, sobretudo
doenças, consequentes a distúrbios do metabolismo do glico- naqueles com hipertensão arterial, hiperglicemia, hipertrigli-
gênio, cuja formação e degradação são reguladas por processo ceridemia (> 150 mgldl ) e com valores de HDL abaixo de 40
que envolvem, pelo menos, oito enzimas, cujas deficiências ge- e de 50 mg/dl, respectivamente, para homens e mulheres. São
ram, pelo menos, 12 formas reconhecidas de doenças de arma- estes que demonstram risco maior de desenvolver essa síndro-
zenamento desse carboidrato com apenas três tipos induzindo me plurimetabólica, que traduz resistência à insulina. De me-
evolução para agressão hepatocelular, conforme discrimina- canismo patogenético complexo, instala-se em consequência
do adiante: I. cursam todos com hipoglicernia, acidose láctica, de: 1. redução da oxidação mitocondrial de tríglicerídios; 2.
hiperuricemia, hipofosfaternia, hiperlipidernia, neutropenia e baixa exportação hepática de ácidos graxos e lipídios; 3. síntese
disfunção plaquetária, com desenvolvimento de adenoma he- hepática maior de fosfolipídios e ésteres de colesterol; 4. acen-
patocelular em consequência da hiperglucagonemia que apre- tuadas produções de radicais livres de 0 2; S. hipersecreção de
sentam; 11. evoluem com déficit de crescimento, ausência de leptina e grelina, as quais hiperestimulam células estelares do
hipoglicernia, progressiva fraqueza muscular, aumento volu- fígado e da matriz extracelular. Com história natural indefini-
métrico dos rins, enquanto no flgado evoluem com esteatose, da, tem estabilidade histológica entre 1 e 9 anos de evolução,
septos fibrosos, alguns evoluindo para cirrose; e lll. conhecido comportamento notado em 54% dos pacientes. A cirrose é mais
como amilopectinose ou doença de Andersen, com crianças frequentemente observada na presença de infiltrado inflama-
evoluindo em 3 a 5 meses, com distensão abdominal, sintomas tório, com a sobrevida de 5 a 1Oanos nesses pacientes sendo,
dispépticos, hipotonia, atrofia muscular, com o fígado exibindo respectivamente, de 67 e 59%, mostrando tendência à expansão
depósitos citoplasmáticos PAS positivos, núcleo deslocado por para carcinoma hepatocelular, levando-os a serem conduzidos
inclusões glicogênicas, fibrose e cirrose rnicronodular, não in- pelo transplante de ligado.
frequentemente conduzidos pelo transplante de fígado. A cirrose da criança indiana tem sido também descrita entre
Tirosinemia, desordem do metabolismo dos aminoácidos, norte-americanos e em habitantes de outros países, inclusive
representação do reduzido catabolismo de tirosina, um aminoá- europeus. São acometidos entre 1 e 3 anos, mas também com
cido aromático essencial às sínteses de catecolarninas, melanina 10 anos de idade, predominando no sexo masculino, na pro-
e hormônios tireoidianos. Representada por quatro erros inatos porção 3:1. A doença manifesta-se em três estágios; a. inicial,
autossômicos recessivos definidos pelas seguintes síndromes: expresso por anorexia, irritabilldade, quadro febril, hepatome-
tirosinernia hereditária tipos 1, 2 e 3, e alcaptonúria. São crian- galia e distensão abdominal; b. intermediário, que se traduz por
ças que evoluem com níveis séricos elevados de tirosina (30 mg/ icterícia, esplenomegalia e sinais de hipertensão portal, com
dl ) e excreção acentuada do composto tirosil. A forma aguda cirrose instalando-se entre 1 e 8 meses; e c. tardio, definido por
ocorre já no recém-nato, expressa por vômito, di arreia, anemia, sinais de descompensação expressos por colestase, hemorragia
com morte ocorrendo no primeiro ano de vida por insuficiência digestiva, infecções repetidas, edema, encefalopatia hepática e
hepática. A forma crônica define-se pela presença de hepato- morte. Essa evolução ocorre entre 4 e 6 meses. Fatores patoge-
esplenomegalia, colestase, fibrose pericelular e periporta, além néticos são ingesta de alimentos contaminados por aflatoxina
de cirrose micro e, posteriormente, macronodular, com focos e de leite encerrando cobre. Esse metal é identificado nas biop-
de displasia celular eventualmente complicada por carcinoma sias hepáticas em concentrações que ultrapassam 4.788!-lg/g
hepatocelular. A terapêutica se baseia em medidas dietéticas e, de fígado seco, bem acima dos 1.400 l!g/g presentes em indiví-
nas fases avançadas da doença hepática crônica, por meio do duos normais. Histologicamente, expressa-se por: I. necrose
transplante de flgado. hepatocelular; 2. corpúsculo de Mallory ocupando mais de 15%
As porfirias são, por sua vez, doenças causadas por anor- dos hepatócitos; 3. fibrose pericelular; 4. expansão dos espaços
malidades na síntese do heme, resultado da deficiência de di- portais por células mononucleares e alguns neutrófilos; S. pro-
ferentes enzimas relacionadas com deficiências enzimáticas liferação ductular; e 6. cirrose rnicronodular. Tratados na fase
específicas, herdadas de formas recessiva ou dominante, en- compensada com 20 j.l.g/g/kg/dia de d-penicilamina, reduz-se
volvendo dois grupos dependendo do tecido acometido, tais a mortalidade de 93 para 53% em 18 meses de evolução. Reco-
como eritrócitos ou hepatócitos. Doenças hepáticas resultam mendável terapêutica antioxidante e, para aqueles em estágios
dessa desorganização, cinco delas localizadas exclusivamente mai.s avançados, o transplante de figado pode ser realizado.
nos hepatócitos, em duas outras, de modo combinado, encon-
tra-se comprometida a medula óssea, estrutura lesada apenas
na última delas. São pacientes que cursam com manifestações
• Vascular
clinicas neuropsiquiátricas, cutâneas ou hepáticas. Dessas, a A síndrome de Budd-Chiari instala-se em consequência
mais frequente é a protoporfiria eritro-hepática, na qual o exces- de obstáculo ao livre fluxo sanguíneo secundário a trombo-
so de produção de protoporfirinas não sofre eficaz clareamento se de veias hepáticas ou de veia cava inferior supra-hepática.
hepatobiliar, levando à instalação de agregados insolúveis, que ~ mais frequentemente observada em situações de hipercoa-
se depositam nos duetos biliares, promovendo colestase, fibro- gulabilidade (policiternia rubra vera, hemoglobinúria paro-
se e cirrose micronodular. A conduta envolve transplante de xística noturna e síndromes neoplásicas, deficiências de an-
fígado, com sobrevida e melhor qualidade de vida, porém com titrombina III e proteína C), em mulheres que se encontram
persistência de distúrbios bioquímicos e a recorrência da lesão em uso de anticoncepcional oral, durante ou após a gestação,
hepatocelular podendo ser observada. e na presença de anticorpos anticardiolipina. Pacientes cursam
com volumosa hepatomegalia, ascite tensa, como outros sinais
típicos de hipertensão portal, instalando-se de forma aguda ou
• Esteato-hepatite não alcoólica (EHNA) crônica. Histologicamente, traduz-se por dilatação e colageni-
Tem características típicas que assim podem ser resumidas: zação dos sinusoides, desaparecimento de veias centrolobula-
1. é responsável por cerca de 60 a 80% dos casos de níveis séri- res, lobulação reversa e cirrose. O diagnóstico confirma-se por
Capftulo 57 I Cirrose Hepática 649
meio de ultrassom com Doppler, angiorressonância magnética sanguíneo para o córtex renal em consequência da vasoconstri-
ou tomografia computadorizada e estudo histológico do fíga- ção das arteríolas aferentes, com consequente desvio de sangue
do. Esse mesmo distúrbio de drenagem venosa observa-se na para a medular. Tais modificações resultam em importante di-
insuficiência cardíaca direita crônica. minuição da filtração g!omerular, maior reabsorção tubular de
A doença venoclusiva, por sua vez, é uma síndrome clínica sódio e água e retenção azotada culminando com a síndrome
caracterizada por icterícia, hepatomegalia e ascite, em geral pre- hepatorrenal, um indicativo de mau prognóstico.
sente em pacientes submetidos a quimioterapia com bussulfan, Distúrbios hematológicos são frequentes na cirrose hepáti-
ciclofosfarnida, carmustina e etoposide, associada a irradiação ca, tais como: 1. anemia, multifatorial causada por hemólise,
corpórea total. Instala-se também em alguns pacientes cerca deficiência na síntese de ácido fólico e absorção do ferro, ob-
de 3 semanas após o transplante de medula óssea. O quadro servada sobretudo nos desnutridos; 2. leucopenia e plaquetope-
clínico e histológico assemelha-se aos anteriormente citados, nia geradas a partir do hiperesplenismo; 3. redução na síntese
em consequência da obstrução ao fluxo sanguíneo de deságue dos fatores que compõem o complexo protrombínico (li, VI,
que apresentam. IX, X), representada por baixa na atividade e alargamento no
Telangiectasia hemorrágica hereditária, doença herdada com tempo de protrombina. Em geral, esses cursam também com
caráter autossômico dominante, com frequência estimada de baixos valores séricos de fator V, associadamente responsáveis
1 a 2:100.000 nascidos vivos. Os pacientes exibem telangiecta- pelo aparecimento de sangramentos espontâneos, equimoses e
sias de pele e mucosas, com cerca de 30% apresentando fistulas hematomas presentes ao menor trauma.
hepáticas A-V. Como consequência, eles cursam com dor no Por sua vez, o fígado normal produz cerca de 10 g de albu-
hipocôndrio direito, hepatomegalia e insuficiência cardíaca de mina/dia, nível que se reduz para 4 gldia nos cirróticos. Essa
débito elevado. A angiografia hepática é típica e, histologica- hipoalbuminemia altera a pressão coloidosmótica plasmática, a
mente, traduz-se por estruturas vasculares portais e periportais qual, associada à hipertensão portal e à presença de substâncias
dilatadas, volumosas e com paredes delgadas. Tem tendência vasoconstritoras, leva à menor excreção renal de sódio e água,
a evoluir com fibrose secundária e trombose, e a coalescer for- com formação de ascite. Nessa situação, encontra-se compro-
mando traves até as veias centrais. Desenvolve-se como res- metido o transporte plasmático de diversas substâncias de baixo
posta uma regeneração nodular, formando cirrose atípica, ou peso molecular, dependentes da atuação dessa proteína.
também definida como pseudocirrose, sempre acompanhada As alterações nos aminoácidos plasmáticos, na cirrose hepá-
de hipertensão portal e insuficiência hepatocelular. tica, dependem do grau de comprometimento celular e da ex-
tensão das anastomoses portocavas. Geralmente, as concentra-
ções plasmáticas de citrulina, metionina, tirosina, fenilalanina
• Criptogênica estão aumentadas, e as de leucina, isoleucina e valína, diminuí-
Constitui um grupo heterogêneo, de etiologia desconheci- das. A redução dos níveis séricos desses últimos aminoácidos
da, representando cerca de 5 a 15% das cirroses. São pacien- de cadeia ramificada, os quais são degradados na musculatura,
tes negativos para todos os marcadores séricos, radiológicos e deve-se a uma baixa da insulina - hormônio que acelera a cap-
histológicos que definem as anteriores etiologias. Mecanismos tação desses aminoácidos pela musculatura e ffgado. Também a
patogenéticos são desconhecidos, e, histologicamente, a doença queda da capacidade de síntese hepática leva à incapacidade de
representa-se por ausência de espaços portais, arranjos vascula- conversão de amônia em ureia, ocasionada pela diminuição da
res anormais, septos fibrosos e regeneração nodular. Predomína atividade da carbamoil-fosfato -sintetase e da argininossuccina-
entre mulheres, não infrequentemente nas fases avançadas da to-sintetase, com consequente menor clareamento da amônia
doença, sendo conduzidos pelo transplante de fígado. e geração de hiperamoniemia.
A alta incidência de infecções bacterianas em cirróticos pode
ser explicada pela existência de importantes alterações nos me-
• ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS canismos de defesa contra as bactérias, dependentes da depres-
são funcional do sistema reticuloendotelial e dos granulócitos,
A instalação da fibrose e da regeneração nodular no figado baixos níveis de complemento e dete.rioração da imunidade
acaba por determinar o aparecimento da hipertensão portal, celular. São pacientes que exibem diminuição de alguns cons-
definida pelo aumento dos níveis pressóricos no sistema venoso tituintes do plasma que estão envolvidos com a resposta imune,
portal acima de 5 mrnHg da pressão da veia cava inferior. Com como zinco, albumina e transferrina. A síntese desses aspectos
a instalação desse distúrbio hemodinãmico, forma-se extensa fisiopatológicos encontra-se representada no Quadro 57.9.
rede de circulação colateral, na tentativa de aumentar o retor-
no venoso para a circulação cardiopulmonar e aliviar o sistema
portal, formando-se, assim, desvios da circulação portal para a • MANIFESTAÇÕES CLfNICAS
sistêmica, representados, sobretudo, pelas varizes esofagogás-
tricas. Apesar dessa desestruturação, o fluxo hepático deve ser A magnitude das manifestações clínicas está, obviamente,
mantido, como tentativa de garantir o funcionamento hepáti- na dependência do grau de comprometimento celular hepá-
co, o que se traduz pelo aumento do débito cardíaco com re- tico e da intensidade da fibrose. Alguns pacientes, sobretudo
dução na resistência arteriolar esplâncnica (aumento do fluxo nas fases iniciais da doença, não apresentam quaisquer sinais
sanguíneo para os órgãos abdominais) e acentuação da resis- ou sintomas, o que torna possível dividi-la em: 1. cirrose he-
tência oferecida pelos vasos colaterais. São pacientes que evo- pática compensada, muitas vezes pobre em sinais e sintomas,
luem ainda com anastomoses arteriovenosas intrapulmonares e suspeitando-se da doença pela identificação de alterações fí-
portopulmonares (sistema ázigo-pulmonares, ao nível do hilo sicas, como hepatoesplenomegalia e hipertransaminasernia,
pulmonar), levando à diminuição da pO, no sangue arterial e detectadas durante realização de exames ffsicos e laboratoriais
da afinidade da hemoglobina pelo oxigênio. de rotina. Nesses doentes, mostra-se comum a existência de
Por outro lado, a circulação renal, dependendo do estágio história mórbida pregressa de hepatite sem etiologia definida,
clínico, pode estar alterada, ocorrendo diminuição do fluxo uso crônico de álcool ou sintomatologia vaga, tal como astenia,
650 Capftulo 57 I Ci"ose Hepdtica

--------------------------------T--------------------------------
Quadro 57.9 Esquema simplificado das alterações fisiopatológicas na cirrose

Qu eda da drenagem
íntra-hepátíca línfátíca

l esão
hepatocelul ar
levando à
insuficiência
hep.itíca

Aumento da
..· formação de linfa
portal

(queda no Na urínárío)

epistaxe, edema, lentidão de raciocínio, emagrecimento, sen- (que adquirem forma ginecoide no homem e, na mulher, ten-
do também encontrados febrícula, aranhas vasculares, eritema dem a desaparecer), ginecomastia, atrofia testicular, petéquias
palmar e referências a episódios de diarreia, além de sintomas e equimoses, tremor de extremidades ou jlapping. No abdome,
dispépticos diversos, tais como plenitude epigástrica ou flatu- detectam-se ascite e sinais de circulação colateral, esta podendo
lência. Esses pacientes podem manter-se nessa fase por toda ser: a. tipo porta, rede venosa vicariante localizada nas regiões
a sua vida, vindo a falecer por causas diversas, porém alguns, periumbilical, epigástrica e face anterior do tórax, com fluxo
em poucos meses ou anos, geralmente evoluem para falência do abdome para o tórax; b . tipo cava inferior, formada atra-
hepatocelular e hipertensão portal. Prever essa evolução é mui- vés das veias retais, com o fluxo da mesentérica inferior, por
to dificil, sendo seu curso considerado individual, dependen- contracorrente, atingindo a cava inferior. O fígado pode estar
te de inúmeros fatores, bem como da etiologia da doença; 2. aumentado, de volume, endurecido ou, então, diminuído e não
cirrose hepática descompensada: não raramente, nessa fase o palpável. Esplenomegalia pode ser evidenciada pela ocupação
paciente é levado ao médico por apresentar complicações da do espaço de Traube, ou palpação do órgão abaixo do rebordo
cirrose hepática, tais como ascite, encefalopatia e hemorragia costal esquerdo.
digestiva alta. Em geral, apresenta fraqueza progressiva, perda
ponderai, com evidentes sinais de comprometimento de seu
estado nutricional e diminuição de massa muscular. Pode ha- • ASPECTOS LABORATORIAIS
ver episódios de bacteriernia, com febre causada por bactérias
gram -negativas, necrose celular ou instalação de carcinoma he- Alguns destes estão representados no Quadro 57.10.
patocelular. Comumente, os doentes exibem hálito hepático e O comportamento de alguns outros parâmetros merece ser
icterícia, do tipo hepatocelular ou causada por hiper-hemólise. citado neste capítulo, sobretudo no que diz respeito às proteí-
Ao exame, identificam-se hiperpigmentação da pele (hemo- nas e enzimas séricas, tratadas logo adiante.
cromatose hereditária), dedo hipocrático com unhas esbran- A albumina apresenta composição homogênea, sendo sin-
quiçadas, telangiectasias aracniformes (na face e no tronco), tetizada exclusivamente no fígado; portanto, na cirrose hepá-
eritema palmar, alteração na distribuição dos pelos pubianos tica, encontramos baixos níveis séricos. Em geral, os doentes
Capitulo 57 I Ci"ose Hepdtlco 651

T
Quadro 57.10 Aspectos laboratoriais diagnósticos nas drroses

Etlologlu ~ctos IAbo~torlils

lnfecc.ioSll
H~patites B eO AgHBs e Anti-VHD igM e lgG (sorológicos e no tecido)
H~patit~C RNAVHC (técnica PCR- sorologia e tecido)
Hepatite autoimune Hlpergamaglobullnemia e autoanticorpos séricos especlficos
Obstrução biliar
Cirrose biliar primária Hlpergamagiobullnemia, anticorpo antimitocOndria
Colanglte esclerosante primária VHS elevada e p-ANCA positivo
Flbros~ cfstica Teste de suor
Metabólica
~nça de Wilson Cobre e cetuloplasmina séricos, excreção de CU, nas 24 h, concentração de Cu no fogado
H~mocromatose hereditária índice de saturação da transferrina e ferritina elevados
~lência de a,-AT Nlvet sérico de a,·AT. fenótipo PiZZ
Galactosemia Açúc.lr redutor urinário náo glicose. nlvet eritrocitárlo de galactose-1-fosfato uridil·
transfmse
Glicogenose Acido láctico, glicemia de jejum, nlvel enzimático muscular e h~pático
nroslnemia Nlvel sérlco ~levado de tirosina
Porfirla ~ritro·hepática Nlvel sérlco de porfirinas, vírus das hepatites B e C

CU11 • Cobre urinário.

evoluem com aumento da fração gamaglobulina e uma fusão


beta-gama, consequente a elevados valores das imunoglobu-
• M~TODOS DE IMAGENS
linas. Na cirrose biliar primária, ocorre aumento isolado de Métodos de imagens têm sido empregados, visando à de-
lgM; na alcoólica, de IgG e IgA e, em menor grau, de IgM; e tecção de complicações, como redução volumétrica do figado,
de lgM nas fases iniciais das hepatites agudas. Concentrações sinais de hipertensão portal e carcinoma hepatocelular, segundo
reduzidas de a ,-antitripsina (<de 0,4 mglml de soro) ocorrem a sequência discriminada adiante.
na doença hepática por deficiência dessa proteína. Valores de
alfa-fetoprotelna, proteína oncofetal, encontram-se em níveis
elevados no soro e em baixa concentração (4 a 10,5 ng/ml) nos • Ultrassonografia
indivíduos normais. Pode estar elevada por ocasião da regene- A cirrose hepática é caracterizada por um padrão ecográfico
ração hepática, podendo sugerir hepatite viral, e serve de alerta heterogêneo e grosseiro, com hiperecogenicidade do parênqui-
para os casos com carcinoma hepatocelular. ma, aumento da atenuação sonora e nodularidade na superfl-
As aminotransferases, representadas pela alanina-amino- cie do órgão (sinal mais especifico) (Figura 57.7). Esse mesmo
transferase (ALT) e aspartato-arninotransferase (AST), são en- padrão pode ser visto na infiltração gordurosa, CHC (Figura
zimas intracelulares, sendo a pirúvica exclusiva do citoplasma, 57.8),linfoma hepático e nas metástases hepáticas. A anatomia
enquanto a oxalacética está presente em 70% dessa estrutura, hepática está frequentemente alterada devido à atrofia do lobo
enquanto os outros 30% distribuem-se pelas mitocôndrias. Por- hepático direito (segmentos V e VIII) e do segmento mediai do
tanto, a alteração sérica delas caracteriza agressão e compro- lobo esquerdo (IV}, com hipertrofia do lateral do lobo esquerdo
metimento hepatocelular. No cirrótico, poderemos encontrar (11 e Ill) e do lobo caudado.
valores flutuantes dos seus níveis nas reagudizações da doen- Os sinais ultrassonográficos de hipertensão portal incluem
ça, porém, de maneira geral, permanecendo em torno de 5 ve- esplenomegalia, ascite e presença de circulação colateral por-
zes o LSN (limite superior de normalidade}, predominando tossistêmica (sendo este o sinal ecográfico mais específico). A
valores de AST sobre ALT. recanalização da veia paraumbilical é evidenciada pela US com
Gamaglutamiltransferase (GGT) e fosfatase alcalina (FA), Doppler e está presente em 35% dos casos. Outros plexos veno-
enzimas canaliculares, têm valores alterados em processos de sos demonstrados são: esplenorrenal, retroperitoneal, espleno-
envolvimento do sistema biliar, tal como ocorre na cirrose bi- pe.ritoneal, gástricos curtos, veias mesentéricas, que distalmente
liar primária e colangite esclerosante primária. Valores mais fazem comunicação com a rede venosa da parede abdominal.
elevados de GGT são encontrados na cirrose alcoólica. A trombose da veia porta é sugerida pela presença de imagens
Comumente, os cirróticos cursam com níveis séricos au- ecogênicas intraluminares e confirmada pelo emprego combi-
mentados de bilirrubina direta (ou conjugada), nlvel que se nado com Doppler colorido. O carcinoma hepatocelular pode
relaciona ao grau de reserva parenquimatosa. Diminuição da invadir as veias hepáticas, particularmente a porta e as hepá-
fração esterificada do colesterol total pode ocorrer caso a lesão ticas, determinando uma redução do tluxo, precipitando di-
hepatocelular seja extensa ou grave. Bilirrubinúria e urobilinú- latação desses vasos, comportamento que não é observado na
ria estão aumentadas em pacientes ictéricos. A excreção uriná- trombose não maligna. Esse tipo de neoplasia apresenta padrão
ria de sódio está diminuída na presença de ascite, chegando a ecográfico variável e não específico. Pequenos tumores (< 2 a
casos graves de eliminação menor que 4 mEq de sódio por dia. 5 em) tendem a ser hipoecogênicos e de aparência uniforme,
Pode haver albuminúria e oligúria. enquanto os maiores geralmente são heterogêneos.
652 Capitulo 57 I Cirrose Hepático

neração, ou da fase inicial de desenvolvimento do carcinoma


bepatocelular. Atualmente, aceita-se que a caracterização do
suprimento sanguíneo do nódulo ajudaria na identificação de
lesões malignas. Assim, à medida que aumenta o grau de indi-
ferendação hlstológica, acentua-se a perfusão arterial e diminui
o seu suprimento venoso portaL O contrário ocorre com as le-
sões displásicas. De maneira geral, o carcinoma hepatocelular
apresenta-se como massa solitária (Figura 57.9) ou múltipla
(Figura 57.10), ou sob forma de neoplasia infiltrativa difusa
(Figura 57.11). Ressalte-se que a detecção dessa neoplasia pri-
mária é complicada ou confundida pela presença de nódulos
de regeneração, infiltração gordurosa, fibrose e necrose do pa-
rênquima. Esse método de imagem, nesses casos, apresenta
sensibilidade em tomo de 6396, o que reforça a sugestão de que
tais pacientes sejam avaliados pela ressonância magnética ou
TC helicoidal com dupla varredura, podendo ser biopsiada a
Flgur• 57.7 Ultrassom definindo um padrão heterogêneo e grosseiro, lesão em caso de dúvida (Figura 57.12).
com nodularidade na superlicie do fígado:cirrose hepática.

Flgur• 57.8 Ultrassom de ftgado defini ndo um padrao heterogêneo Figura 57.9 Tomografia computadorizada mosrrando flgado redu·
zido de volume com aspecto heterogêneo do parênquima. Presença
e grosseiro com uma lesão nodular hipoecoica, traduçao da presença de um pequeno nódulo que pode representar desenvolvimento de
de um carcinoma hepatocelular de pequeno diâmetro (2,0 em).
carcinoma hepatocelular de pequeno dia metro.

• Tomografia computadorizada (TC)


Em estágios iniciais de cirrose hepática, mostra-se normal,
porém, com o progresso da doença, identificam-se nodulari-
dades sobre superficie do fígado, com o padrão heterogêneo
do parênquima definido principalmente após a injeção de con-
traste. As alterações anatômicas, atrofia e hipertrofia de lobos, e
os achados para hipertensão portal são os mesmos já descritos
na ultrassonografia. Resultados melhores podem ser obtidos
com emprego da tomografia computadorizada helicoidal, que
permite obter imagens da injeção de contraste desde a fase ar-
terial até a sua passagem para a venosa, amplia.ndo a eficácia
do método. Apesar dessa vantagem, estudos mais amplos são
necessários para otimizar os protocolos de imagem e elucidar a
real importância do procedimento nesses pacientes. Pseudole-
sões que podem ser evidenciadas na fase arterial, causadas por
variações focais de perfusão da artéria hepática, são em geral
esclarecidas na fase venosa, quando alguns tumores mais fre-
quentes são detectados. Figura 57.10Tomografia computadorizada mosrrando ligado hetero·
Na tomografia computadorizada clássica, pode ser impossí- gêneo, evidenciando-se múltiplos nódulos hipervasculares. Esta ima·
vel distinguir lesões nodulares displásicas de nódulos de rege- gemocorreu após in)eçao de lipiodol durante arteriografoa hepática.
Capftulo 57 I Cirrose Hepática 653

Figura 57.13 Angiorressonância magnética de fígado mostrando dis-


tribuição vascular intra-hepática em fígado cirrótico já reduzido. início
de circulação colateral no hilo esplênico.

Figura 57.11 Tomografia computadorizada deixando observar um


aspecto infiltrativo difuso do parênquima hepático. Presença de restos
de contraste no interior da lesão, consequência da injeção de lipiodol
intra-artéria hepática. ú!<~Ji - - - - --.rrrr
t:.W .Jrl'm

*"'"
o.uo ~
'"";""
arJ.»~

Figura 57.1 4 Angiorressonãncia magnética evidenciando figado de


morfologia alterada, com distribu ição rarefeita dos ramos venosos
Figura 57.12 Tomografia computadorizada do fígado mostrando lesão portais e com veias hepáticas direita, média e esquerda presentes.
nodular isolada em lobo esquerdo, possivelmente com dois nódulos- porém irregulares.
satélite.

• Ressonância magnética (RM) bem como suas complicações, como a hipertensão portal, de-
finidas por técnica específica, a angiorressonância magnética
As alterações morfológicas características da cirrose detecta- (Figuras 57.13 a 57.17).
das por esse método assemelham -se às descritas anteriormente.
A ressonância magnética tem sido usada para detectar lesões
hepáticas focais em pacientes com cirrose hepática e, de manei- • Angiografia de tronco celíaco
ra geral, para investigar, de forma não invasiva, as formações O cateterismo seletivo da artéria femoral e do tronco celíaco
vasculares intra e extra-hepáticas. Dependendo da técnica uti- permite uma definição precisa da arquitetura de ramos arteriais
lizada em relação ao tempo (TI e T2) e à densidade do próton, e venosos do fígado cirrótico (Figuras 57.18 a 57.22).
um mesmo tecido pode apresentar diferentes imagens, fugindo
ao nosso objetivo enumerá-las. De maneira geral, a ressonância
magnética nos fornece uma descrição anatômica detalhada e
• Supra-hepatovenografia
informações importantes em relação a lesões focais e difusas do O cateterismo de veias hepáticas assume importância, pois
fígado. Pacientes com cirrose hepática podem ser identificados, as medidas de pressão oclufda (com cateter impactado) e livre
654 Capftulo 57 I Ci"ose Hepdtica

A B

c o
Figura 57.15 Angiorressonancia magnética 3D, com injeção de gadolínio com reconstrução tridimensional. Observa-se recanalização da
veia paraumbilical. A. Visão coronal; B, Visão sagital; C, Visão coronal oblíqua; O, Visão axial. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no
Encarte.)

(com cateter solto na luz do vaso) (Figura 57.23) definirão o tica cirúrgica visando a tratamento da hipertensão portal (Fi-
verdadeiro gradiente hepatoportaL Assim, o nível acima de gura 57.25).
12 mmHg, resultado da diferença entre esses valores, atua como
fator preditivo de risco de sangramento e servirá de orienta-
ção a medidas terapêuticas a serem adotadas nos hipertensos • Endoscopia digestiva alta
portais com varizes de esôfago de médio e grande calibres, com Tem importãncia na definição da p resença de varizes eso-
risco maior de ruptura. fágicas, gástricas (Figuras 57.26 e 57.27) e gastropatia hiper-
tensiva portal (Figuras 57.28 e 57.29). Por meio desse método,
• Angiorressonância magnética identifica-se a sede das lesões hemorrágicas, podendo-se atuar
Técnica de avaliação recente das condições anatômicas do terapeuticamente na interrupção do sangramento adotando·
sistema venoso portal. Tem indicação na caracterização: a. das se medidas como escleroterapia e ligadura das varizes rotas,
mensurações volumétricas de fígado e baço e distribuição da ou injeção de cola biológica no interior das varizes gástricas
vasculatura portal (Figura 57.24); b . e definição sobre terapêu- (Figuras 57.30 e 57.31).
Capftulo 57 I Cirrose Hepática 655

Figura 57.18 Arteriografia de fígado mostrando ainda artérias prati·


camente normais na sua distribuição in tra·hepática. Discreto aumento
Figura 57.16 Angiorressonancia magnética 30,com injeção de gado- do calibre extra-hepático. Fase inicial da cirrose.
linio (coronal), demonstrando acentuada esplenomegalia, observando-
se veias esplênica e porta pérvias, com rarefação vascular intra·hepá·
tica. Evidencia-se, ainda, intensa circulação colateral periesplênica e
através de veia gástrica esquerda, demonstrando a presença de varizes
gástricas e esofágicas.

Figul'll 57.17 Angiorressonãncia magnética 30, com injeção de gadolínio (coronai-MPVR). Demonstração de imagens peroladas do terço
distai, constituindo as varizes esofágicas.
656 Capftulo 57 I Ci"ose Hepdtica

Figura 57.21 Angiografia de fígado demonstrando uma distribuição


irregular do contraste em paciente cirrótico.

Figura 57.19 Arteriografia de ffgado mostrando artérias hepáticas


tortuosas, reduzidas em número em fígado diminuído de volume. Pre·
ocupa nesse paciente a presença de um blush periférico.

Figura 57.20 Venografia de fígado pós-arteriografia, evidenciando


in tensa pobreza venosa e ci rculação colateral.
Figura 57.22 Aspecto mais tard io da angiografia hepática. Observa-
se volumoso blush após injeção de contraste (lipiodol) na artéria he-
pática.
• PROGNOSTICO
Pode assim ser enumerado: 1. sobrevida de 1 e 5 anos após
o primeiro episódio de ascite está estimada, respectivamente, hepático portal (> 12 mmHg) e baixo índice de clareamento
em 50 e 20%; 2. pacientes com síndrome hepatorrenal tipo 2 do verde de indocianina; 6. a sobrevida é mais curta naqueles
falecem dentro de algumas semanas a poucos meses após o pacientes com ingesta alcoólica diária, baixa atividade de pro-
aparecimento de insuficiência renal; 3. para aqueles com ascite, trombina e hipoalbuminemia, além de maiores valores de fos-
icterícia e hematêmese, a sobrevida média de 5 anos situa-se fatase alcalina e bilirrubina total. São mais graves também os
entre 7 e 19%; 4. cerca de 100% das cirroses descompensam- desnutridos, pacientes com idade avançada, ou os que exibem
se ao fim de 1 ano, baixando a sobrevida de 6 anos de 54 para ascite refratária, encefalopatia e hemorragia digestiva alta, tra-
21 %; S. risco maior de sangramento ocorre naqueles doentes dução da baixa reserva parenquimatosa do fígado e do elevado
com varizes de esôfago de grosso calibre, com elevado gradiente grau de hipertensão portal que apresentam.
Capftu lo57 I CirroseHepática 657

P.Y.H.L. = 1215

Figura 57.23 Pressão de supra-hepática em cirrose hepática inicial


(Child A). Observar o baixo nível pressórico, de 12,5 mmHg.

Figura 57.25 Angiorressonância magnética definindo anastomose


esplenorrenal distai pérvia.

Figura 57.24 Angiorressonância magnética definindo redução volu-


métrica do fígado, esplenomegalia e intensa circulação colateral.
Figura 57.26 Visão à endoscopia digestiva alta revelando apenas um
cordão varicoso de fino calibre. Nessa situação, os pacientes, em geral,
não apresentam sangramento por ruptura do pequeno cordão. (Esta
figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
• TERAP~UTICA
• Cirrose hepática não complicada
O diagnóstico precoce e a manipulação do cirrótico em fase
• Cirrose hepática complicada
compensada envolvem a adoção de dieta balanceada e combate Essa situação é identificada em pacientes que, em geral, se
aos fatores etiológicos responsáveis pela evolução da doença. encontram ou não ictéricos, mas exibindo sinais e complica-
Não há indicação para administração de hepatoprotetores ou ções típicas da hipertensão portal, e baixa reserva hepatocelular.
de aminoácidos de cadeia ramificada entre os bem-nutridos e Merecerão considerações em separado:
estáveis. Tem indicação formal o combate à fibrose, voltado à
remoção do estímulo lesivo e à adoção de estratégias específi- • Hemorragia digestiva alta
cas (Quadro 57.11). Esse tipo de complicação incide pela primeira vez em
A falência dessas atitudes significa que os pacientes deverão 12- 30% dos casos, e em 5-61% ao fim de, respectivamente, 1 e
ser conduzidos ao transplante de fígado (Quadro 57.12), exis- 2 anos nos portadores de varizes esofagogástricas e/ou gastro·
tindo contraindicações à sua execução (Quadro 57.13). duodenopatia congestiva. Essa evolução ocorre em consequên-
658 Capftulo 57 I Ci"ose Hepdtica

Figura 57.27 Visão à endoscopia digestiva alta revelando vários cor· Figura 57.30 Visão à endoscopia digestiva alta mostrando, à retro·
dões varicosos com sinais premonitórios de sangramento. (Esta figura versão, inicio de formação de varizes de fundo gástrico. (Esta figura
encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) encontra·se reproduzida em cores no Encarte.)

Figura 57.28 Visão à endoscopia digestiva alta de gastropatia con· Figura 57.31 Visão endoscópica de injeção de histoacril (cola bioló·
gestiva inicial. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no En· gica) em variz de fundo gástrico sangrante. (Esta figura encontra-se
carte.) reproduzida em cores no Encarte.)

cia de redução volumétrica do fígado, distorção da arquitetura


vascular do sistema portal e esplenomegalia.
O manuseio desses doentes envolve algumas fases: 1. pre·
venção do aparecimento dessa complicação; 2. interrupção na
vigência do surto hemorrágico; 3. e, finalmente, bloqueio de
novo surto (Quadro 57.14) .

• Ascíte e repercussões renaí.s


Como consequência da hipertensão portal, baixa síntese de
albumina, associada à hip ertensão linfática e hiperatividade dos
sistemas renina-angiotensina-aldosterona e nervoso simpático,
os pacientes passam a apresentar retenção renal de sódio e água,
com formação de edema de membros inferiores e ascite.
A conduta terapêutica nesses pacientes obedece a certos
princípios, segundo a ascite seja considerada não complicada
(Quadro 57.15) ou complicada (Quadro 57.16).

Figura 57.29 Visão à endoscopia digestiva alta de gastropatia con·


• Encefalopatia hepática
gestiva em fase mais avançada. (Esta figura encontra-se reproduzida A combinação de insuficiência hepatocelular, consequente a
em cores no Encarte.) redução volumétrica do fígado, com a desestruturação da arqui·
Capftulo 57 I Cirrose Hepática 659

--------------------------T --------------------------
Quadro 57.11 Estratégias de tratamento da fibrose hepática
Estratégias (terapêutica atual)
Remoção do estímulo lesivo Mecanismos
Interromper ingesta de álcool e toxinas, descompressão biliar
Flebotomia, quelação (sobrecarga de metal)
Terapêutica antiviral
Agentes anti-inflamatórios Corticosteroides
Prostaglandina
Cokhidna (?)
Estratégias (terapêutica futura)
Controle da ativação de lip6dtos lnterferona y, retinoides
Neutralização de mediadores proliferativos da fibrose Anticorpos antifator de crescimento derivado de plaquetas e jl1
Citocinas recombinantes que se ligam a proteínas
Antagonistas de receptores de dtocinas
Inibição da síntese da matriz l nibidores da prolil 4-hidroxilase
Ampliar degradação da matriz Proteases ex6genas ou end6genas

- T - T
Quadro 57.12 1ndicações dínicas e bioquímicas na cirrose para o Quadro 57.13 Contraindicações para otransplante de fígado
transplante de fígado
Absolutas
A. Doenças hepatocel ulares, criptogi nicas • metaból icas Sepse ativa fora da árvore biliar
Albumina sérica < 2,5 gldt Metástases extra-hepáticas
Encefalopatia hepática AIDS
Tempo de protrombina > 5 s além do controle Colangiocarcinoma
B. Doenças colestáticas Relatívas
Bilirrubina sérica > 1Q-15 mg/dt lnsufici~ncia renal crônica avançada
Prurido intratável Idade > 65 anos (?)
Astenia acentuada Trombose de veia porta
Osteopatia intratável Hipoxemia acentuada (anastomoses intrapulmonares
C. Fatores comuns a ambos os tipos de doenças direita-esquerda)
Sindrome hepatorrenal AgHBs (+)sobretudo AgHBe (+)e DNAVHB (+)
Peritonite bacteriana espontànea recorrente Anastomose portocava prévia (I)
Ascite intratável Cirurgia biliar complexa sobre h ilo hepático
Episódios recorrentes de sepse biliar In gesta ativa de álcool e drogas ilícitas
Episódios recorrentes de septicemia espontânea HIV positívo sem AIDS cHnica
Desenvolvimento do carcinoma hepatocelular Manutenção avançada

tetura vascular, presença de circulação colateral e anastomoses ser identificada naqueles com ou sem doença cardiopulmonar
naturais, cirúrgicas ou radiológicas, constituem-se no substrato intrínseca, tais como obstrução ao livre fluxo aéreo induzido
anatomofuncional para que substâncias proteicas de origem in- pelo fumo. Difere da hipertensão pulmonar, constituindo um
testinal atinjam a circulação sistêmica e alterem o estado men- problema hemodinâmico que se traduz por elevação da pres-
tal desses pacientes. De uma forma simplificada, define-se que são arterial pulmonar ultrapassando a 25 mmHg em repouso.
tal evolução relaciona-se com a presença de neurotoxinas, tais Separação entre ambas obedece a alguns critérios diagnósti-
como amônia, citocinas, benzodiazepínicos "naturais", neu- cos (Quadro 57.18) e a conduta terapêutica a certos princípios
roesteroides, manganês, glutamina- glutamato e substâncias (Quadro 57.19).
dopaminérgicas, responsáveis pelos distúrbios neurológicos
que tais cirróticos apresentam. • Hidrotórax hepático
Conduzi-los do ponto de vista terapêutico inclui impedir o Definido pela presença de derrame (efusão) pleural, ultra-
aparecimento de distúrbios do sono, sintomas extrapiramidais e passando, em geral, mais de 500 mt, identificado em cirrótico
o coma hepático, conforme esquematizado no Quadro 57.17. sem doença cardiopulmonar primária. Predomina entre alcoó-
latras e relaciona-se com transferência de líquido intraperito-
• Síndrome hepatopulmonar- hipertensão pulmonar neal ao tórax por meio de comunicações transdiafragmáticas.
Tem sido observada em cirróticos de qualquer etiologia, cur- Instala-se, sobretudo, no hemitórax direito e apresenta mani-
sando com intensa hipoxemia. São pacientes que evoluem com festações clínicas e laboratoriais, conforme exposto no Qua-
difusão gasosa pulmonar alterada, gerando hipoxemia arterial, e dro 57.20. Para tratá-lo, é recomendável seguir o algoritmo
com evidências de dilatações vasculares intrapulmonares. Pode mostrado no Quadro 57.21.
660 Capftulo 57 I Ci"ose Hepdtica

---------------------------------T---------------------------------
Quadro 57.14 Conduta terapêutica na hemorragia digestiva alta (HDA) do cirrótico (Shahi & Sarin, 1998;North /talian EndoscopicCiub, 1988)

Fases Defini ções

De prevençjo jl-bloqueadores (propranolol) 40-300 mg/dia ou nadolol


Deve reduzir débito cardíaco em 25% do seu índice inicial
Eficaz nas varizes de grande cal ibre
Deve reduzir gradiente hepatoportal para < 12 mmHg
Seguros, pouco onerosos, eficazes na profilaxia
Contra indicações: insuficiência cardíaca congestiva, doença vascular periférica ou pulmonarobstrutiva crônica, asma,
diabetes t ipo I, encefalopatia
Nitratos - eficácia igual à do nadolol. Deve ser medida alternativa
Escleroterapia - reduz a incidência de HDA e amplia a sobrevida nosChild A e B, mas não no C
Ligadura endoscópica - superior à escleroterapia na prevenção ao primeiro surto hemorrágico
Tratamento cirúrgico- não deverá ser empregado

De interrupção Reequilíbrio hemodinãmico


Infusão de drogas endovenosas Doses
Vasopres,sina 0.4fl/min - 08fl/min
Vasopressina + nitroglicerina (ne) Associar NE sublingual ou intradérmica
Terlipressina 2 mg EV cada 4 horas
Somatostatina Injeção em bo/us d e 250 ~Jg/t
Manutenção nas 24 h (250 !Jg/t}
Tratamento endoscópico Escleroterapia ou lígadura

TIPS Na falência das medidas anteriores


Como ponte para transplante de fígado
Derivação cirúrgica descompressiva Anastomose portocava ou mesentérico-cava, se não for possível TIPS
Transplante de frgado Definitivo ~curativo

De bloqueio de novo surto Manter TIPS ou anastomose cirúrgica pérvios


Manter sessões de ligadura endoscópica
P-bloquead ores + nitratos podem ser úteis
Transplante de fígado

----------------------T----------------------
Quadro 57.15 Conduta terapêutica na asdte não complicada do cirrótico (Moreau &Lebrec, 1999)

Não complicada Conduta terapfutlca


M oderad a (não restritiva) Dieta hipossódica (< 3,0 g de sal/día)

Oiureticoterapia: associação em dose única

Início Mais resistente

Furosemida 40mg/dia SG-120 mg/dia

Espironolactona 100 mg/dia 300-400 mg/dia

Definição de resistência terapêutica

Persistência dos edemas

Perda de peso corpó reo< 500 mg/dia

Excreção de NA• urinário< 100 mmolldia

Cfearance de creatinina < 40 mEq/dia

EJevação de níveis séricos de ureia e creatinina


Capftulo 57 I Cirrose Hepática 661

--------------------~--------------------
Quadro 57.16 Conduta terapêutica na ascite complicada do cirrótico (Moreau &lebrec, 1999)

Complicada Conduta terapêutica


Volumosa (restrit iva) Paracentese evacuadora + expansor de volume
< st -> infundirdextran 70
> St -> infundir albumina humana a 20%
Falência dessa t erapêutica (a scite refratária)
Implante de válvula de le Veen
TIPS
Transplante de fígad o
h ritonite baderiana Fatores d e risco
Insuficiência hepática grave (Child 8 e C)
Hemorragia digestiva
Tratamento endoscópico
Protefna na ascite (~ 1,0 g/ll
Surto anterior
Outra i nfecção vigente
Antibioticoterapia p reventiva

Norfloxacino 400-800 mg/dia


Ofloxacino 400mg/dia
Ciprofloxacino 750 mg/semana
Sulfametoxazol-trimetoprima 160-800 mg/5 d ias/semana
Antibioticoterapia curativa
Cefotaxima 2g- 8/8 h

Ceftriaxona 2 g/dia
Amoxicilina 1 g6/6h
Ácido clavulfnico 200mg6/6h
Ofloxacino 400 mg 12/12 h

-------------------------------~-------------------------------
Quadro 57.17 Conduta terapêutica na encefalopatia hepática do cirrótico
(Seymour & Whelan, 1999; Soulby & Morgan, 1999; Bustamante et a/., 1999)

Interrupção do eixo intestino- ;cérebro por meio da remoção proteica envolvendo esvaziamento colônico por clisteres glicerinados (1- 2 vezes/dia), com
ou sem adição de sulfato de neomicina. Deve-se também promover associação de i ngesta de sulfato de neomicina (2- 3 g/dia) com lactulose (20 m l,
2- 3 vezes/dia), sem causar d iarreia.

Combate aos fatores desencadeantes induzidos por doses elevadas de diuréticos, hemorragia digestiva alta, uso de benzodiazepínicos, infecções~ dieta
hiperproteica.

Restauração proteica inicial envolvendo 20 g de proteínas/dia, ascendendo 1O g a cada 3-4 d ias, até tolerância de 0,8- 1,O g!kg de peso corpóreo. Ind uz-
se, assim, a um balanço positivo~ melhorando as condições nutricionais. Deve basear-se na oferta de aminoácidos de cadeia ramificada (vali na, leucina
e isoleucina) constituída por leite ou b ife de soja, proteína t exturizada de soja, lei te de ovelha e peixe congelado. Evite-se in gesta de carne vermelha,
banana e chocolate. Restrinjam-se sódio e água nos hiponatrêmicos e com ascite. Nos alcoólatras ou nos anoréticos, nauseados e em estado
hipermetabólico, promova-se nutrição enteral com baixa presença de aminoácidos aromáticos.

Terapêuticas alternativas de eficácia indefinida envolvem a administração de benzoato de sódio e glutamato carbamoil, visando a reduzir
hiperamoniemia, e de antagonistas benzodiazepínicos (flumazenil) ou erradicação do H. pylori.

Evit em-se as colectomias (morbimortalidade elevada).

Bloqueiem-se, por via radiológica, nos casos refratários as propostas terapêuticas anteriores, as anastomoses portossistêmicas cirúrgicas e o TIPS, que
por acaso tenham sid o construídos. Nesse caso, existe risco maior, g erando elevações da pressão portal. com possível reinstalação d e ascite e surtos
hemorrágicos.

Sobrevida cumulativa dos cirróticos, após primeiro surto de encefalopatia hepática, atinge 2Q-40% e 1 5%, respectivamente ao fim de 1 ano e aos 3 anos
de seguimento. Promove-se reversão dessas expectativas pelo transplante de fígado.
662 Capftulo 57 I Ci"ose Hepdtica

---------------· --------------- ---------------·---------------


Quadro 57.18 Sfndrome hepatopulmonar ehipertensão pulmonar. Quadro 57.20 Aspectos clínicoselaboratoriais do hidrotórax hepático
Critérios diagnósticos (Krowka, 1999; Krowka, 2000) (Strauss & Boyer, 1997, Sahn, 1988, lazaridis et ai., 1999)

Síndrome he patopulmona r Distribuição no tórax (%)


Doença hepática
Hipoxemia arterial
Hemitórax direito 85
PAO, < 70 mmHg ou Hemitórax esquerdo 13
Gradiente d e AAO, > 20 mmHg Bilateral 2
Dilatação vascular intrapulmonar Aspedos labo ratoriais Expressão

Hipertensão pulmonar Contagem de células <1.000 células/mm'


Pressão média de artéria pulmonar (PMAP) > 25 mmHg (em repouso) Concentração de p roteína total <2,5g/dt
Hipertensão portopulmonar Proporção proteína líquida pleural: soro <0,5
PMAP > 25 mmHg e Proporção DHL líquido pleural: soro <2:3
RVP > 120 dynes/s/cm' e Gradiente albumina líquido p leural: soro >1,1 g/ dt
PCPO < 15 mmHg (normal) Concentração amilase líquido pl eural <concentração de amilase
sérica
PA01 ; PresQo parcial de oxigénk> anerlal (ar ambiente);Gradiente de AAO, =- Gradiente
pH 7,40-7,55
de oxigênio arterioalveolar; RVP = Resistênda vascular pul monar; PCPO = Pressão
capilar pulmonar ocluida; PMAP =Pressão na artéria pulmonar. OHl = Oesidrogenase lática.

---------------· ---------------- ---------------·---------------


Quadro57.19Conduta terapêutica na síndrome hepatopulmonar e Quadro 57.21 Algoritmo visando adiagnóstico emanuseio terapêutico
hipertensão pulmonar do cirrótico (Abrams & Fallon, 1997; Tarek et a/., do hidrotórax hepático (lazaridis et a/., 1999)
1997; Krowka etal., 1997; Krowka, 1999)
Hidrotórax hepático
Síndrome hepatopulmonar (sem doença cardiopulmonar primária)
Resultados precários com administração de análogos da
somatostatina, fenilefrina, isoproterenol, indometacina, -> Remição de sódio
plasmaférese, azul de metileno e quimioterapia - p rednisona -> Diurético
-> Toracocentese terapêutica
Novas perspectivas
In gesta de duas cápsulas (500 mg) de alho após café da manhã e jantar.
Ampliar para 3,0 g/dia, caso PAO, sofra incremento de 1O mmHg.
Resultados bons em 40% dos tratados. Em virtude do seu conteúdo de
enxofre, permite melhor atuação sobre tõnus vascular a despeito dos
nlveis de óxido nítrico, melhorando redistribuição do fluxo sanguíneo
+
Seguimento TIPS
pelos 213 médio e superior do pulmão.

Resuttado alvissareíro
+
Melhora Sem melhora
Obtém-se através da embolização radio lógica das comunicações
arteriovenosas. +
Seguimento
+
Avaliar efe1tos dlafragmáticos
Transplante de fígado
Voltado para aqueles com PAO, < 50 mmHg. Acima desse nfve~ a
mortal idade pós-operatória atinge 70%.
+
Presente
+
Ausente

Hipertensão pulmonar + +
Terapêutica te mporária
Administração de i soprotenol em infusão venosa (com bomba).
Terapiutica definitiva
Voltada apenas para aqueles com pressão de artéria pulmonar abaixo Sucesso Insucesso Sucesso
de 40 mmHg. Caso tal cuidado não seja tomado, a mortalidade atinge
70% aos 3 anos de pós-operatório.
+
Seguimento
+
Seguimento
+
Seguimento

Burt, ADCL. Oakley lecture (1993). Cellular and molecular aspects ofhepatic
• LEITURA RECOMENDADA fibrosis./ Patho~ 1993; 170:105-14.
Bustamante, J, RimoJa, A, Ventura, PJ et ai. Prognostic significance ofhepatic
Abrams, GA & Fallon, MB. lhe hepato-pulmonary syndrome. Clin Liver Dis, encephalopathy in patients with cirrhosis./ Hepatol, 1999; 30:890-9.
1997; 1:185-91. Czaja, A. Autoimmune hepatitis. Em: McNally, PR. GI/Liver Secrets, 1". ed.,
Amiri, F. Mctabolic syndromc, insulin resistance and ox:idativc stress: adding Phlladelphia, Hanley & BelnlS Inc., p. 104-21, 1996.
insights to improve catdiovascular prevention. 2009; 27:1352-4. Esses, N & Scheen, Aj. Sujets obéses sans anomalies métaboliques. Ver Med
Blei, AT. Hepatic encephalopathy. Em: Bacon, BR, O'Grady, JG, Di Bisceglie, Liége, 2009; 3:148-57.
AM, Lake, JR (ed.). Comprehensive Clinicai Hepatology. Londres: Mosby Friedman, SL. lhe cellular basis of hepatic fibrosis. N Engl J Med, 1993;
Elsevier, 2006. p. 169. 328:1828-35.
Capftulo 57 I Cirrose Hepática 663
Ginés, P, Quintcro, E, Arroyio, V. Tcrés, J, Brugucno, M, Rimola, A et ai. Com- Narayanan Menon, KV & Wíesner, RH. Primary sclerosing cholangitis. Em:
penS<~ted cirrhosis: natural history and prognostic factors. Htpa~logy,l987; Bacon, BR, O'Grady, JG, Di Bisceglie, Al\1, Lake, JR (ed.). Comprehensive
7:122-8. Clinicai Hepa~logy. Londres: Mosby Elsevier, 2006. p. 289.
Hardy, SC & Klcinman, CE. Cirrhosis and chronic liver faUurc. Em: Suchy, FJ. Norris, S. Orug and to>in-inducesliver disease. Em: Bacon, BR, O'G.rady, JG, Oi
Livcr Diseases in Children, 1". cd., Baltimorc 1994. p. 214-48. Bisceglie, AM, Lake, IR (ed.). Comprehensive Clinicai Hepatology. Londres:
Hashizume. H, Sato, K. Takagi, H ti ai. Primary liver cancers with nonalcoholic Mosby Elsevicr, 2006. p. 495.
stcatohcpatitis. Eur I Gastroenterol Hepatol, 2007; !9:827-34. North Ital.ian Endoscopic Club for the Study and Trcatment of Esophageal Va-
Kelly, DA. Pediatric liver disease. Em: Bacon, BR, O'Grady, IG. Oi Bisceglie, rices. Prediction ofthc first variceal hemorrhage in patients with cirrhosis
AM, Lake, JR (ed.). Comprehensivc Clinicai Hepa~logy. Londres: Mosby ofthe liver and esophageal variees. N Engl I Med, 1988; 319:983-9.
Elsevier, 2006. p. 397. Oliveira e Silva, A de & Porta, G. Mulheres com cirrose biliar primária. Em: Olivei-
Krowka, MJ. Hepatopulmonary syndromes. Gut, 2000; 46:1-4. ra e Silva, A de Porta, G. (ed.). Rio de janeiro: Editora Revinter, 2010. p. 41.
Krowka, MJ. Hepatopulmonary syndrome and portopulmonary hypertension: Oliveira e Silva, A de & Porta, G. Mulheres com colangite esclerosante pri-
diagnostic criteria, pathophysiology and treatment. Em: Arroyo. V. Bosch, miria. Em: Oliveira e Silva, A de & Porta, G. (ed.). Rio de Janeiro: Editora
1. Brugue.ra, M, Rodés, 1. Sánchez-Tapias, JM. Treatmtnt of tiver di•ease. Revinter 2010. p. 65.
Barcelona, Masson; 1999. p. 117. Oli,,.,ira e Silva, A de & Porta, G. Mulheres com hepatite autoimune. Em Oliveira
Krowka, MJ, Porayko, MK, Plevak, DIeta/. Hepatopulmonary syndrome with e Silva, A de & Porta, G. (ed.). Rio de Janeiro: Editora Revinter, 2010. p. SI.
progressive hypox:emia as an indication for Uver transplantation: case re- Poupon, R & Poupon, RE. Primary biliary cirrhosis. Em: Baco~ BR, O'Grady,
ports and literature review. Mayo Clin Proc, 1991; 72:44-1 . JG, Di Bisceglie, AM, Lake, IR (ed.). Comprehensive Clinicai Hepatology.
La.zaridis, KN, Frank, JVI, K.rowka, MJ, Kamath, PS. Hepatic hydrothorax: pa- Londres: Mosby Els<vier, 2006. p. 277.
thogenesis, diagnosis and management. Am J Med, 1999; 107:262-1. Propst, A, Props, T, Zangerl, G, Ofner, O, ludmater, G, Vogel, W. Prognosis and
Lewis, IR & Mohanty, SR. Nonalcoholic fatty liver disease: A review and update. life expectating in chronic li ver di~ase. Dig Dis Sei, 1995; 40:1805-15.
Dlg 00 Sei, 2010; 55:560-78. Sahn, SA. State ofthe art: the pleura. Am Rev Respir Dis, 1988; 138:184-234.
Lucey, MR. Liver transpJantation for alc.oholic tiver disease: past, present, a.nd Seymour, CA & Whelan, K. Dietary management of hepatic enuphalopathy.
future. Llver Trampl, 2007; 13:190-2. Too many myths persist. BMI, 1999; 318:1364.
Maddrey, WC & van Thlel, OH. Liver transplantatlon: An ove-rview. Heparo- Shahi, HM & Sarin, SK. Prevention of first varieeal bleed: an appraisal of current
logy. 1988; 8:948-59. therapies. AIG, 1998; 93:2348.
Marcellin, P. Hepatitis B and O. Em: Bacon, BR, O'Grady, IG, Di Bisceglie, Sherlock, S & Doodley, j . Hepatlc clrrhosis. Em: Sherlock, S & Doodley, J. He-
AM, Lake, IR (Ed.). Comprehensive Clinicai Hepatology. Londres: Mosby patlc Cirrhosis, lOth ed., Oxford, Blackwell Science, 1997. p. 371-84.
Elsevier, 2006. p. 213. Soulby, CT & Morgan, MY. Dietary, management of hepatic encephalopathy
Mihas, AA & Sanyal, A/. Portal hypertension and gastrointestinal hemorrhage. in cirrhotic patients: surgery of current practice in United Kindon. BMJ,
Em: Bacon, BR, O'Grady, JG, Di BiscegUe, AM, Lake, JR (ed.). Comprelten- 1999; 318:1391-8.
sive Clinicai Hepatology. Londres: Mosby Elsevier, 2006. p. 137. Strauss, RM & Boyer, TO. Hepatic hydrotorax. Sem Liver Vis, 1997; 17:227-32.
Mildward-Sadler, GH. Liver cirrbosis. Em: Mac Sween, RNM, Anthony, PP, Tarek:, T, Dai, L, Fallon, M er al. Role of endothelium and nitric oxid synthesis
Scheuer, AJ, Burt, AO, Portmann, BC: Pathology of lhe Liver, 3th ed., Edim- on garücextract induced vasorelaxation. FASEB, 1997; 2:A81.
burgo. Churchill Livingstone, 1994. p. 397-424. Wanless, IR. Vascular disorders. Em: Mac Sween, RNM, Anthony, PP, Scheu-
Moreau, R & Lebrec, O. Prise en change des malades atteints de cirrose ayant er, Pl, Burt, AO, Portmann, BC: Pathology of lhe Líver. 1994 Edimburgo,
une ascite. Gastroenterol Clin Biol, 1999; 23:379. Churcbill Livingstone, p. 535·62.
58 Encefalopatia Hepática
Adávio de Oliveira e Silva, Raul Carlos Wahle,
Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza,
Maria Ermelinda Comi/o, Ana Beatriz de Vasconcelos,
Morcela Mendes Assumpção, Francisco César Nassar Tribulato,
Taiane Costa Marinho, Dan L. Waitzberg

A encefalopatia hepática (EH) é uma síndrome neuropsiquiá-


trica decorrente de complicação da cirrose e das hepatopatias
agudas que se acompanham de necrose celular extensa, causa
de acentuado comprometimento funcional do parênquima. Na
história da Medicina, existem diversas descrições a propósito
da inter-relação fígado-cérebro. Assim, por exemplo, os babi-
lônios (2000 a.C.) correlacionavam o fígado com a alma, vida e
humor. Posteriormente, Hipócrates (410 a 370 a.C.) descreveu
o quadro clínico de paciente com hepatite que "latia como um
cão, não podia ser contido e dizia coisas íncompreensíveis".
Posteriormente, Frerichs, pai da hepatologia moderna, des-
creveu alterações mentais em doentes cirróticos terminais, os
quais evoluíram para coma. Nas duas últimas décadas, com o
aperfeiçoamento dos métodos diagnósticos, principalmente de
imagens, associados ao melhor entendimento funcional hepá-
tico e da história natural da hipertensão portal, houve maior
esclarecimento dos posslveis mecanismos fisiopatológicos da
EH e sua correlação com modificações anatômicas e funcionais
do sistema nervoso central (SNC).
As características, no entanto, da EH são heterogêneas, po-
dendo o paciente apresentar manifestações variáveis, possi-
velmente reflexo de diferentes mecanismos causais. Embora
frequentemente seja mais caracterizada pelos distúrbios do ní-
vel de consciência, pode também se manifestar através de de-
terioração cognitiva, ou pela presença de alterações motoras
em pacientes com nível de consciência normal. Tais aspectos Figura 58.1 Angiorressonancia magnética 30 com gadolínio (corte
corona l). Sinais de fluxo livre através do tronco venoso portal e me·
merecerão considerações neste capítulo.
sentérica inferior. Fígado de tamanho reduzido e volumosa espleno-
megalia.

• FISIOPATOLOGIA
O fígado normal responsabiliza-se pela rnetabolização e
clareamento de substâncias proteicas neurotóxicas, de origem • Amônia
intestinal. Essas substâncias, em consequência da redução da Vários estudos, nos últimos 50 anos, comprovam que 50%
massa dos hepatócitos funcionantes, como ocorre na insuficiên- dos cirróticos com EH evoluem com hiperamonemia, aceitan-
cia hepática fulminante (IHF), ou na cirrose, pela existência de do-se que a concentração necessária para provocar inibição
anastornoses portossistêrnicas (Figuras 58.1 e 58.2), circulam sináptica seja de 0,5 rnmol!g. Urna vez ultrapassada a BHL, a
livremente, ultrapassando a barreira hematoliquórica (BHL), amônia é detoxificada nos astrócitos através da amidação do
causando alterações cerebrais. As substâncias que mais fre- glutamato e formação da glutamina, e baixa dos níveis do mio-
quentemente estão envolvidas na indução da EH merecerão inositol. Esse comportamento bioquírnico observa -se mesmo
comentários, a seguir. naqueles pacientes com encefalopatia subclínica. Recenternen-

664
Capitulo 58 I Encefolopotio Hepdtico 665
---------------T---------------
Quadro 58.2 Argumentos desfavoráveis à participação da
hiperamoniemia na gênese da encefalopatia hepática (Biei eta/., 1996)
• Ausência de mudança no estado mental de cirróticos alimentados com
acetato de amônia;
• Ausência de correlação entre níveis sanguíneos de amônia e graus de
encefalopatia hepática
• Intoxicação aguda por amônia produz convulsões em animais, aspecto
niio observado no homem com encefalopatia hepática.

tesas concentrações séricas elevadas de triptofano, fenilalanina


e metionina, e baixas de valina, leucina e isoleucina. Também
quanto a esse aspecto, existem argumentos favoráveis (Qua-
dro 58.3) e desfavoráveis (Quadro 58.4) à participação dessas
moléculas na gênese da EH.
Figura 58.2 Angiorressonancia magnética 3D com gadolínio (corte
coronal). Fase mais avançada da cirrose hepática, demonstrando-se
acentuação da esplenomegalia e presença de circulação colateral • Mercaptanas e ácidos graxos de cadeia curta
proeminente, com tronco portal pérvio, e mais intensa rarefação dos Essas substâncias interferem no ciclo da ureia e agem em
ramos venosos intra -hepáticos.
ação sinérgica com a amônia, deslocando o triptofano livre da
albumina, potencializando seu efeito neurotóxico e precipi-
tando o desenvolvimento da EH. Essa evolução relaciona-se
também com a participação sinergfstica dos fen6is, gerando
te, tem-se demonstrado que a amônia aumenta a capacidade inibição de atividade da Na•-ATPase (ácido octanoico) e trans-
de ativação do complexo ácido gama-aminobutírico (GABA) ferência rnitocondrial de elétrons (mercaptanas).
e de receptores benzodiazepínicos, causando inibição da neu-
rotransmissão cerebral normal. Esses pacientes também evo-
luem com sintese maior de neuroesteroides moduladores po-
sitivos dos receptores GABA. Esse quadro metabólico torna-se - T
mais grave entre os cirróticos que evoluem com hiponatremia. Quadro 58.3 Argumentos favoráveis à participação do
Apesar dessas evidências, aceita-se que outras substâncias tam- desequilíbrio de aminoácidos plasmáticos na gênese da
bém participem da gênese desse processo, levando a que sejam encefalopatia hepática (Biei eta/., 1996)
listados argumentos favoráveis (Quadro 58.1) e desfavoráveis
(Quadro 58.2) à importância da hiperamoniernia na instalação • Açáo de bactérias intestinais na produçáo de falsos neurotransmissores,
desse grave quadro neurológico. como a octopamina;
• Existência de u m padrão sanguíneo típico do aminograma plasmático:
> Aminoácidos de cadeia aromática;
• Desequilíbrio de aminoácidos plasmáticos o

o < Aminoácidos de cadeia ramificada.


O desequilíbrio de aminoácidos plasmáticos é observado, • Níveis elevados de amônia e de fal sos neurotransmissores determinam
sobretudo, nos cirróticos, que evoluem com níveis séricos e ce- maior permeabilidade de barreira hemo liquórica;
rebrais elevados de aminoácidos de cadeia aromática, e baixos • Produção cerebral mai or desses falsos neurotransmissores a partir dos
de cadeia rarnificada. Dessa forma, eles ultrapassam facilmente aminoácidos de cadeia aromática;
a BHL, agindo como precursores dos falsos neurotransmissores, • Níveis elevados de falsos neuro transmissores também no plasma e
uri na desses ci rróticos.
precipitando o surgimento da EH. Predominam nesses pacien-

- T T
Quadro 58.1 Argumentos favoráveis à participação da hiperamoniemia Quadro 58.4 Argumentos desfavoráveis à participação do
na gênese da encefalopatia (Biei et a/., 1996) desequilíbrio de aminoácidos plasmáticos na gênese da
encefalopatia hepática (Biei et a/., 1996)
- Outras síndromes neurológicas que evolu em apresentando níveis
elevados de amônia n o liquido cefalorraquidiano; • Medidas terapéuticas clinicas não normalizam o aminograma
p lasmático e não revertem o quadro cerebral;
- Administração de amônia a animais produz alterações astrocfsticas
do tipo Alzheimer tipo 11. Modificação tão com um na encefalopatia • Administração intracerebral de octopamina a animais não precipita
hepática do cirrótico; encefalopatia hep ática;
• N ível cerebral elevado de glutamina, um produto derivado do • Mensurações cerebrais de falsos neurotransmissores pós-morte dos
metabolismo da amônia; cirróticos mostram-se normais;
- Melhora da encefalopatia hepática através de medidas redutoras dos • Ausência de correlação entre melhora do quadro n eurológico e infusão
níveis séricos e liquóricos da amôn ia. de drogas dopami nérgicas.
666 Capitulo 58 I Encefalopatla Hepdtlca

• Ácido gama-aminobutírico • EM QUAIS SITUAÇÕES CL[NICAS ESSES


A descarboxilação de glutamato-glutamina leva à formação DISTÚRBIOS METABOLICOS OCORREM
de ácido gama-aminobutlrico (GABA). Gerado no interior das
células do sistema nervoso central, promove a entrada de clore-
NOS CIRROTICOS?
tos, causando hiperpolarização e diminuição da excitabilidade. Durante a história natural da cirrose hepática, ocorre ou
Essa atuação relaciona-se com a sua maior produção intestinal não a participação de fatores precipitantes da geração de EH,
e disponibilidade cerebral de receptores específicos, a partir de os quais se encontram discriminados no Quadro 58.5.
maior permeabilidade da barreira hemoliquórica.

• Metabolismo oxidativo cerebral • FATORES PRECIPITANTES


Distúrbios oxidativos no SNC ocorrem em consequência O desenvolvimento da EH no cirrótico está ligado à presença
das alterações da neoglicogênese e glicogenólise instaladas de diversos fatores precipitantes, causadores da maior oferta de
nas lesões agudas ou crônicas do ffgado, promovendo um substâncias proteicas neurotóxicas ao cérebro, a partir da bai-
desequillbrio na homeostase cerebral pela baixa oferta local xa capacidade de metabolização hepatocelular e das existentes
de glicose. anastomoses portossistêmicas.
Essa evolução neurológica relaciona-se com: I. presença de
hemorragia digestíva alta: quando aproximadamente 100 ml
• Ácido quinolínico de sangue presentes no lúmen intestinal produzem 15 a 20 g de
Tem ação neuroexcitadora, é derivado do triptofano e en- proteínas, as quais, uma vez degradadas pelas enterobactérias,
contra-se elevado no plasma dos cirróticos, estando relacio- geram substâncias neuroativas, como amônia e outras, atuan-
nado com os distúrbios neuropsiquiátricos desses hepatopa- tes como depressoras do SNC. São pacientes que cursam com
tas crônicos. hipovolemia, baixa de perfusão renal e elevação dos níveis sé-
Diante da existência desses múltiplos fatores, atualmente se ricos de ureia, facilmente transformada em amônia; 2. díurétí-
aceita que todas essas substâncias participem de forma sinérgi- cos: os cirróticos evoluem com ascite, necessitando ser tratados
ca, e nunca isolada, na gênese da instalação dos distúrbios da com diuréticos, causa de graves distúrbios metabólicos como
hiponatremia, hiper- e/ou hipopotassemia e alca.lose hipopo-
neurotransmissão que se instalam nesses pacientes.
tassêmica, geradoras da inibição da neurotransmissão cerebral
normal; 3. infecções: a redução da atividade imunológica nas
• Hipertensão intracraniana doenças hepáticas agudas ou crônicas leva ao desenvolvimento
de infecções, principalmente de vias urinárias e respiratórias,
Recentemente, tem-se descrito que edema cerebral com re-
de peritônio e, em menor frequência, do SNC Essa evolução
sultante hipertensão craniana ocorre não apenas nas necroses
está relacionada com a redução da capacidade funcional do sis-
agudas maciças ou submaciças do parênquima, mas, também, tema reticuloendotelial (SRE), não clareamento hepático das
nas doenças crõnicas do figado, geradoras de deterioração neu-
rológica. Essa tendência nos cirróticos observa-se após inserção
do TIPS (anastomose portossistêmica intra-hepática por via
transjugular), também se relacionando com a resposta infla- T'
matória sistêmica que apresentam (Figura 58.3). Quadro sa.s Cirrose hepática com e sem fatores precipitantes
da gênese da encefalopatia hepática
Cirrose com f•tores preciplt•nt•s
• Pelo excesso de produção de produtos nitrogenados
o Diante de lngesta alimentar hlperprotelca nos quadros Infecciosos e
sépticos
o Constipação Intestinal
EDEMA CEREBRAL o Hemorragia digestiva alta
(ASTRÓCITOS)
o Hemotransfusões
o Insuficiência renal (uremia)

• Quando ocorre reduçao do intravascular e isquemia hepática


o Diurese excessiva

o Paracentese volumosa
SINTOMAS EXPANSÃO CEREBRAL
EUROPSIQUIÁTRICOS o Diarreias e vômitos profusos
(INSUFICIÊNCIA
(CIRROSE) IIEPÁTICAAGUDA) o Hemorragia digestiva alta

• Uso de sedativos (barbitúricos e benzodlazepfnicos)


• Hipopotassemia com alcalose metabólica
RESPOSTA INfLAMATÓRIA
SIST~MICA • Pós-drurgias descompresslvas portais e Implante do TIPS
Cirrow sem hitores p,..cipit•nte-s
Agura 58.3 Mecanismos patogenéticos de encefalopatia hepática
• lnsufi~ncia hepatocelular progressiva (exaustao funcional do
na insuficiência hepática aguda e na cirrose. lmpor!Ancia da resposta parênquima)
inflamatória sistêmica.
Capfrulo 58 I Encefafopatla Hepdtlca 667

endotoxinas, diminuída atividade, com baixos nlveis de opso-


nização dos macrófagos, e redução da atividade dos linfócitos
. ----
Quadro 58.7 Diagnóstico nutriàonal do hepatopata crônico
Te B. Nessa situação, acentuam-se o catabolismo proteico e a
produção de substâncias nitrogenadas, com aumento da ureia Valor do fncli~ de risco nullfdon.11l
e amOnia, causas de EH; 4. constipação intestinal: muito fre-
> 100 Ausêncía de desnutrfçAo
quente em cirróticos com ascite e edema de alças, mostra-se
97.5 a 100 levemente desnutrido
como condição favorável à maior produção entérica de subs-
tâncias neurotóxicas, como a amônia. inibidoras do SNC; S. 83,5a97A Moderadamente desnutrido
uso de drogas como hipnóticos e ansiolfticos: em consequência <83,5 Gravemente desnutrido
da redução da reserva funcional hepática e intensa circulação ~-------

colateral, essas drogas não sofrem adequada metabolização he-


pática. Têm, portanto, vida média mais longa, o que facilita sua
ação GABA-érgica, modificadora da neurotransmissão cerebral
Alternativamente, têm sido estudados, medindo-se a do·
e estabelecimento da EH; 6. anastomoses portossistlmicas: a rea-
bra cutânea tricipital (DCT), a circunferência muscular do
lização de cirurgias descompressivas do sistema porta, como
braço (CMB) e a avaliação subjetiva global, ou pelo lndice de
a mesentericocava ou portocava, e o emprego do TlPS favore-
Maastricht (IM), construindo-se, nesse último, urna equação,
cem o desenvolvimento da EH em cirróticos, principalmente
utilizando-se valores plasmáticos de albumina. pré-albumina,
naqueles classificados como CHILD •c•, sobretudo quando
linfócitos totais (LT), e o percentual do peso ideal, conforme
idosos. São esses desvios que facilitam o acesso ao interior da
exposto adiante:
BHL das substâncias proteicas neurotóxicas.
IM= 20,68 - [2,4 x albumina plasmática (g/d t)
- 0,1922 x pré-albumina (mgldl)- 0,00186 x Linfócitos T
• MANIFESTAÇOES CLfNICAS (células/mm3) - 4 e (peso atual/peso ideal)
(22 x altura) (m 2)], de.finindo-se:
A apresentação da EH mostra-se variável, podendo evoluir IM> O a 3 - Pacientes levemente desnutridos.
desde forma subclínica, quando não são identificados distúrbios
IM> 3 a 6 - Pacientes moderadamente desnutridos.
neuropsiquiátricos grosseiros, até coma profundo. Por sua vez.
IM> 6- Pacientes gravemente desnutridos.
nos doentes com IHF as manifestações são mais intensas, com
evolução rápida pa.ra estupor e coma. Diferentemente, os cirró- Esses dados são importantes na construção de esquema die-
ticos que descompensam apresentam distúrbios progressivos, tético que reequilibre os pacientes no ponto de vista neurológi-
que variam desde a perda da memória. mudança do compor- co, sem agravar desnutrição que por acaso eles apresentem.
tamento habitual, alterações da personalidade, deterioração
intelectual,jlapping, demênáa. paraparesia e coma. A gradação
cUnica varia do grau 1 ao 5, como mostra o Quadro 58.6. • ASPECTOS DIAGNÓSTICOS
A avaliação desses pacientes baseia-se não apenas nos dados
• ASPECTOS NUTRICIONAIS clínicos, mas também em aspectos laboratoriais, complementa·
dos pela realização de eletroencefalograma, testes neuropsiquiá-
Preocupam muito esses pacientes, pois cursam com ingestão tricos, potenciais evocados visuais e auditivos, e, mais recen-
dietética inadequada, alterações dos indicadores antropométri- temente, através do emprego da ressonância magnética com
cos, bioqulmicos e clínicos, indicadores de comprometimento espectros copia do encéfalo, além do monitoramento da pressão
nutricional. Essa característica se relaciona ao fato de que esses intracraniana, importante apenas naqueles com lH F.
pacientes, cursando com hepatopatia descompensada. exibem Do ponto de vista laboratorial, define-se que cerca de 50%
excessiva retenção hídrica. com ascite e edema de membros dos drróticos com EH evoluem com nlveis séricos arteriais ele-
inferiores, exigindo-se que sejam avaliados pelo lndice de risco vados de amônia. Esses valores, no entanto, não guardam corre-
nutricional (IRN) calculado pela aplicação da equação: lação com o grau de distúrbio neurológico, reduzindo sua im-
portânáa na avaliação desses paáentes. Por sua vez. a dosagem
IRN = [1,5I9 x albumina plasmática (gldl) + 417 x (peso
da glutamina no liquor é considerada como melhor parâmetro
atual/ peso normal) (esse mais estável nos últimos 6 meses)],
laboratorial para diagnóstico da EH; entretanto, nem sempre
segundo exposto no Quadro 58.7.
possível de realizá-la, pois tais pacientes costumam evoluir com
graves distúrbios de coagulação, o que limita a perspectiva de
realização da punção medular. Mostra-se fundamental a iden-
... tificação de hipoglicemia, causa de importante déficit energé·
tico cerebral. Necessitam ser também definidos os distúrbios
Quadro 58.6 Gradação dínica dos pacientes com encefalopatia hepática hidreletrollticos e ácido-básicos que apresentam, traduzidos por
hipopotassemia, alcalose respiratória ou metabólica e hipona-
Graus Aspectos dfnfcos
tremia, fatores considerados como precipitantes da EH.
Confu~o mental a~erações do humor ou do comportamento e Ao eletroencefalograma. identifica-se lentidão difusa do tra-
déficits nos testes psicométricos çado, principalmente nas faixas alfa e delta. com frequência
2 Sonolb>cia e comportamento inadequado abaixo de 4 H:r.. Deve-se lembrar que esses aspectos também
3 Estupor, obedece a ordens simples. fala desarticulada são observados nos doentes com hipoglicemia, uremia, hiper-
4 Coma, com resposta a estimulos dolorosos capnia e deficiência de vitamina B12•
S Coma, ausência de resposta a estlmulos dolorosos A aplicação dos testes neuropsiquiátricos, como o de cone-
xão numérica de Reitan, quantifica e analisa a função mental
668 Capitulo 58 I Encefofopatio Hepdtico

dos pacientes com EH. Consiste no emprego de fichas com dências que tornam esses métodos de diagnóstico e graduação
sequencias numéricas desordenadas, graduadas segundo cres- da intensidade dessa slndrome neuropsiquiátrica em desvan-
ce.nte nlvel de dificuldade. Analisa o tempo gasto em segundos tagem, pois se alicerçam também na subjetividade, exigindo-
para que o paciente realize a conexão dos números. Diversos se, para tal, critérios mais objetivos, buscando diagnosticá-la e
trabalhos da literatura demonstram correlação entre grau de en- monitorá-la evolutivamente.
cefalopatia, presença de jlapping e teste de Reitan (Quadro 58.8 Foi por isso que pesquisadores tentaram vencer essa limita-
e Figura 58.4). Embora seja considerado o procedimento padrão ção, valendo-se do potencial visual evocado, que se baseia no
para o diagnóstico, tem inconvenientes de baixa especificidade, emprego de flashes de luz como estimulo. Traduz a atividade
para detecção dessa slndrome, sofrendo, sobretudo, influências, do potencial celular pós-sináptíco, refletindo a sucessão de al-
tais como idade, sexo e capacidade intelectual. terações dos potenciais de membranas dos neurônios situados
Mais recentemente, tem-se adotado um lndice resultante no córtex cerebral. .e um método de grande importância no
de um sistema composto de contagem, baseado no estado de diagnóstico da EH subcllnica. A neurotransrnissão também
consciência, sinais eletroencefalográficos, intensidade do jlap- pode ser definida pelo potencial visual auditivo.
ping, concentração arterial de amônia e teste de conexão. Tem A ressonância magnética revela que tais pacientes evoluem
a desvantagem principal de misturar diferentes posslveis me- com sinal de hiperintensidade em Tl, ao nível do núcleo pálido.
canismos patogênicos com manifestações de EH. São tais evi- Esse sinal mostra-se prevalente, sendo mais acentuado naque-
les com baixa reserva funcional e mais elevado nível de pressão
portal (Figuras 58.5 e 58.6). Parece que sua presença depende
do acúmulo cerebral de manganês, sendo incerta sua relação
T com os sintomas neurológicos que os cirróticos apresentam,
Quadro 58.8 Correlação entre grau de encefalopatia, flopping e e desaparece após o transplante de fígado. Quando avaliados
teste de conexão numérica pela espectroscopia empregando 31 P, definiu-se que no pós-
operatório cursam com redução nos niveis de fosfocreatinina
Grau de Teste de cont.do numirica e fosfato inorgânico. Essa técnica não invasiva permitirá definir
tn<tfalo~tll Flapping (segundos) com exatidão, em futuro próximo, quais os metabólitos relacio-
O(ausente) Ausente 15-30 nados com a EH que se encontram alterados ao nível cerebral
l(ltve) Raro 31-50 (Figuras 58.7 a 58.10). Através desse método, se definem quali-
11 (moderado) Frequente 51-80 tativa e quantitativamente os desarranjos metabólicos que ocor-
lll(grave) Continuo 81-120
IV(coma) Sem rondição de pesquisa ln<apaz de ~alizar o teste rem na EH, sobretudo do cirrótico, traduzindo-se por redução
nos valores cerebrais do mioinositol creatinina (mlns/Cr) e de
colina!creatinina (Cho/Cr), bem como de elevação dos valores
cerebrais de glutarnina + glutamato/creatinina (GWCr). Tais
modificações são mais intensas naqueles com doença hepática
crônica mais avançada, reversíveis com a terapêutica medica-
Nome do pacicmc: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __
mentosa, bem como pelo transplante de fígado.
Dala: Tempo para completar: - - - - - - O monitoramento da pressão intracraniana (PIC) não assu-
me importãncia na avaliação da EH nos cirróticos, tendo im-
l'ronlm\rio (NO) Examinador:

Assinatura do paciente: - - - - - - - - - - - - -
fim

00 @ @
0 0 @
0 G8 ... 0 4
LOICIO

0 0 ®
@) 0 @
@ @ B @
@@ @ @ Figura 58.5 Ressonancia magnética de encéfalo em sequência pon-
derada em Tl, demonstrando-se hiperintensidade do sinal em globos
Figura 58.4 Representação do teste de conexão numérica de Reitan. pálidos (sagital).
Capitulo 58 I Encefolopotio Hepático 669

Figura 58.8 Espectroscopia de prótons correspondente a substância


cinzenta bioccipital. identifiCam-se aumentos dos picos de a. ~ e v
glutamato-glutamina (Gix) e redução dos picos de mucoinositol.
Figura 58.6 Ressonância magnética de encéfalo em sequência pon·
derada em Tl, demonstrando-se hiperintensidade do sinal em globos
pálidos (axiaQ.

Figura 58.7 Resson~ncia magnética de encéfalo. Voxel no nível da Figura 58.9 Resson~ ncia magnética de encéfalo. Voxel no nível da
substância cinzenta bioccipital. Técnica probe S. substância branca parietal E. Técnica probe S.

portância apenas naqueles com IHF. quando a elevação de seus de descerebração quando a PIC ultrapassa 30 mrnHg, parâme-
níveis é a principal causa de mortalidade nesses pacientes. A hi- tro importante na indicação do transplante de fígado.
pertensão intracraniana decorre do aumento agudo da permea- Todos esses parâmetros diagnósticos em geral não guardam
bilidade da BHL e dos distúrbios hemodinârnicos e eletro!iticos correlação com o aspecto anatomopatológico cerebral. Assim,
que apresentam. Geralmente, o paciente se encontra obnubila- em necropsias de pacientes com EH, o cérebro pode ser normal
do, com convulsões focais, pupilas fixas, comatoso, com sinais ou apresentar edema difuso do córtex, com ou sem herniação
6 70 Capftulo 58 I Encefafopatia Hep6tica

• ASPECTOS TERAPEUTICOS
Baseiam-se em atitudes bem definidas, que se traduzem por:

• Durante o surto de encefalopatia hepática


Envolvem a adoção de medidas gerais e, sobretudo, bloqueio
de fatores desencadeantes do quadro de EH, tais como exposto
no Quadro 58.9.
Nessa fase, alguns se encontram sob intubação orotraqueal,
corrigindo-se eventuais desequili'brios ácido-básicos, tais como
alcalose ou acidose metabólica ou respiratória, ou eventuais
elevações de níveis séricos de ureia e creatinina. Necessário
que permaneçam com sonda nasoenteral, recebendo sulfato
de neomicina ( 4 a 5 gldia/5 a 7 dias) ou metronidazol (400 a
800 mg!dia, IV). Exige-se mensuração de pressão venosa central
e antibioticoterapia adequada, em geral envolvendo ampicilina
(1 g IV de 8/8 h), isolada ou associada a Imipeném® (500 mg
Figura 58.1OEspectroscopia de prótons cor respondendo à substancia
branca parietal e definindo-se também aumento dos picos de Glx e IV de 6/6 h) ou Vancomicina<» (1 g IV de 8/8 h). Diante de iso-
redução dos picos de mioinositol. lamento de fungos, prescreve-se FluconazoJ® (200 mg IV de
6/6 h) ou Ambisome® (500 mgldia IV). Os doentes necessitam
de avaliação diária, visando a definir a ocorrência de sinais de
nefropatia e ototoxicidade, esta levando à redução da acuidade
do tronco, principalmente naqueles com IHF. Nas hepatopatias auditiva ou à surdez.
crônicas, ocorrem atrofia cortical, alargamento de ventrículos, Se os doentes mostrarem persistência do quadro neurológico
perda neural, proliferação dos astrócitos protoplasmáticos (Al- e risco de cursarem com acentuação de déficits nutricionais, é
zheimer tipo 11) e desmielinização neural, sinais não observados recomendável conduzi-los via infusão intravenosa de aminoá-
em nenhum cirrótico. cidos de cadeia ramificada (valina, leucina e isoleucina), os quais
se encontram presentes em níveis baixos nesses cirróticos, que
evoluem com predomínio dos aminoácidos de cadeia aromática
• DIAGNOSTICO DIFERENCIAL (triptofano, fenilalanina e metionina). Agindo-se dessa forma,
reequilibra-se o pool e se impede a ultrapassagem da BHL por
A EH deve ser diferenciada de alguns distúrbios esses aminoácidos que atuam como precursores dos falsos neu-
neuropsiquiátricos exibidos pelos cirróticos, tais como: 1. hi- rotransmissores. Dessa forma, preenchem-se os requerimentos
ponatremia: uma complicação comum observada principal- energéticos desses pacientes, que se situam em torno de 28 a
mente nos doentes com hipoalbuminemia e ascite, que se en- 40 kcal!kg/dia. Desse total, deve-se administrar uma parte como
contram em uso de diuréticos e submetidos a paracenteses de glicose (4 a 5 g/kg!dia, com limites entre 2,7 gldia). Seguindo-se
repetição. Clinicamente, manifesta-se por sonolência, apatia
progressiva, cefaleia, náuseas e hipotensão arterial, geralmente
quando os níveis séricos se encontram abaixo de 130 mEq/d( ;
2. etilismo agudo: é um problema difícil distingui-lo da EH, ao
manifestar-se sob a forma de delirium tremens, o qual se traduz
por atividade motora contínua e por hiperatividade autonô-
m ica, insônia, alucinações e tremor fino rápido de extremida-
des, sempre acompanhando sinais de neurites periféricas; 3. Fatores d ~ncadeantes
·-
Quadro 58.9 Bloqueio de fatores desencadeantes
de encefalopatia hepática
Bloqueio
encefalopatia de Wernick: comum nos pacientes etilistas com Hemorragia digestiva alta Restauro de condições hemodinâmicas
intensa desnutrição calórico-proteica, secundária à deficiência Uso de drogas vasoativas redutoras da
pressão portal, tais como terlipressina ou
de vitamina B.; 4. degeneração hepatolenticular (doença de Wil-
somatostatina
son): encontrada em pacientes jovens, com história familiar, Ligadura endoscópica de varizes esofágicas
resultante do distúrbio do metabolismo de cobre no SNC ao rotas
nível do putame. Caracteriza-se por movimentos coreatetoides, Injeção de cola biológica em va rizes
gástricas
sem jlapping, com espasticidade; S. psicoses funcionais laten-
Infecções Baseados em hemoculturas, uroculturas,
tes: traduzem-se por distúrbios da personalidade, tais como cultura de líquido ascítico, pleural ou
paranoia e depressão; 6. infecção e sepse, quadro preocupante secreção br6nquica com antibiograma.
que leva a rebaixamento e precipitação da EH, promovendo Administração de antibióticos e
rápida deterioração das condições hemodinâmicas e circulató- antifúngicos
rias desses cirróticos, os quais cursam com aumentado débito Distúrbios hidreletrolíticos Correção de h iper e hiponatremia e
hipopotassemia
cardíaco, circulação portal hiperdinãmica e reduzidos fluxos
sanguíneos, renal e cerebral. Nessas condições, citocinas pró- Distúrbios da coagulação Envolvendo admi nistrações de sangue e
plasma fresco ou fatores sintéticos
inflamatórias e óxido nítrico têm seus níveis secretórios acen-
Fármacos depressores da Interrompendo seu uso
tuados, exacerbando o afluxo de falsos neurotransmissores ao atividade cerebral
interior dos astrócitos.
CopftuloSB I Encefolopotio Hepótico 671

esse esquema, deve-se realizar aumento progressivo da oferta pH através da produção de ácido láctico e acético, promovendo
desses nutrientes. Exige-se monitorar o possível aparecimen- efeito catártico, com aumento da excreção fecal de n itrogênio.
to de hiperglicemia, a qual deverá ser corrigida com insulina Deve ser administrada por via oral, ou através de sonda naso-
simples na dose de 1 UI/10 g do açúcar. gástrica, em doses iniciais fracionadas no total de 60 a 80 gl dia.
Com a progressiva melhora dos pacientes, traduzida por Outros preferem, com o mesmo objetivo, a utilização de lacti-
superficialização e manutenção de contato racional com en- tol. Porém, quando não há resposta à monoterapia com esses
volvidos no tratamento, pode-se interromper a administração dissacarídios, deve-se utilizar a associação com sulfato de neo-
intravenosa dos aminoácidos, passando-se sonda nasoenteral micina e/ou metronidazol nas doses anteriormente propostas.
de fino calibre e valendo-se de bomba de infusão, injetar dietas Em algumas ocasiões, torna-se necessária a limpeza dos cólons
enterais industrializadas, com maior densidade calórica (1,2 a através do emprego de substâncias catárticas, como manitol a
1,5 calorialml ), contendo aminoácidos essenciais e micronu- 20%, sulfato de magnésio ou lactulose, ou valendo-se de ente-
trientes, com teor de sódio inferior ou igual a 40 mEq/dia, sem- roclismas, compostos de soluções glicerinadas associadas ao
pre em pequenos volumes para não ampliar o desconforto que sulfato de neomicina (2 g), 2 ou 3 vezes/dia, tendo efeito bené-
apresentam aqueles com ascite volumosa. fico, principalmente naqueles com HDA. Deve-se ter cuidado
nesses pacientes para não precipitar aumento da osmolaridade
plasmática, hiponatremia ou hipopotassemia graves.
• Fora do surto de encefalopatia hepática Outra opção reside na administração de antagonistas dos
Neste período, visando à restauração das precárias condições receptores centrais de benzodiazep.ínicos, fazendo com que as
nutricionais, recomendam-se legumes e verduras e peixe con- chamadas "endozerpinas" circulantes sejam conduzidas ao ní-
gelado. Do cardápio, não deverão fazer parte carne vermelha, vel dos receptores GABA. O flumazenil tem essas caracteristicas
chocolate, amêndoa, amendoim e goiaba, e os pacientes são e, quando administrado por via intravenosa, promove melhora
orientandos para ingerirem dietas ricas em proteínas lácteas neurológica em 40% dos pacientes com EH grau 4. Outros es-
(leite, iogurtes, queijos, requeijão cremoso) e vegetais (soja, tudos em andamento demonstram a tentativa de reversão do
feijão, grão de bico, frutas secas, nozes, massas, pães integrais quadro neurológico através do uso de fármacos que interferem
e peixe congelado).~ recomendável, então, consumir em tor- na neurotransmissão dopaminérgica e serotoninérgica. A fa-
no de 150 a 200 calorias por dia, em quatro pequenas refeições lência dessas medidas envolve a adoção de atitudes cirúrgicas,
diárias e um lanche noturno. Assim conduzidos, 80% cursam as quais se baseiam na exclusão ou ressecção colõnica, pouco
com redução significativa do nível de amônia plasmática, me- empregadas nos dias atuais, pois apresentam elevada morbi-
lhorando o quociente respiratório, mantendo-se neurologica- dade e mortalidade, em torno de 25 a 50%.
mente estáveis e ampliando o balanço nitrogenado positivo. Infelizmente, alguns desses cirróticos cursam com sinais
Recomenda-se que, para tal, ingiram cerca de 0,25 a 0,75 g de de infecção e sepse promotoras de rápida deterioração das
prote.ínas/kg de peso corpóreo ao dia. Nova perspectiva tera- condições hemodinãmicas e circulatórias, aumentando o dé-
pêutica, mais recente, envolve prescrever a ingesta de cápsulas
bit o cardíaco, provocando maior formação das anastomoses
de probióticos que encerram Bifidobacterium, Lactobacillus
portossistêmicas, evoluindo com baixas expressões dos fluxos
acidophilus, Enterococcus, ou Bacillus subti/is e Enterococcus sanguíneos, renal e cerebral. Nessas condições, citocinas pró-
fecium, por 14 dias. Esses microrganismos vivos não patogê-
inflamatórias e óxido nítrico têm seus níveis secretórios acen-
nicos fermentam açúcares, reduzindo a biodisponibilidade de
tuados, exacerbando o afluxo de outros falsos neurotransmis-
substrat os, criando um ambiente não favorável para o desen-
sores ao interior dos astrócitos. Modificações desses distúrbios
volvimento de bactérias patogênicas, ao gerarem co2 e ácido
ocorrem através de administração de anticorpos anti-TNFa e
láctico. Importante ressaltar que aqueles pacientes inapetentes
podem ser tratados com fórmulas enterais industrializadas, com antibioticoterapia, promovendo-se assim modulação da flo-
ra e da permeabilidade intestinal, atitudes que podem exigir
maior densidade calórica (1,2 a 1,5 callml ), contendo aminoá-
cidos essenciais e m icronutrientes, com teor de sódio inferior associarem-se medidas terapêuticas anteriormente propostas
ou igual ao 40 mEq/dia. neste Capítulo.
Alguns avanços recentes têm se concentrado na manipu- Prudente afirmar que essa complexa arquitetura terapêutica
lação dos cirróticos com encefalopatia hepática envolvendo o não deva ser repetida em vários surtos de EH, exigindo-se, por-
uso de droga bloqueadora do ciclo de ureia, como o acetato de tanto, que tais pacientes devam ser conduzidos ao transplan-
zinco na dose de 800 mgldia, promotora de melhora nos testes te de figado, única modalidade terapêutica curativa definitiva
neuropsiquiátricos desses pacientes. Outros pesquisadores têm para esses doentes classificados como CHILD B ou C, ou seja,
proposto administração de L-omitina-L-aspartato na dose de com reserva hepática precária, expressa também pelo índice do
18 a 27 gldia, enquanto a ampliação da excreção do nitrogênio MELD, em geral além de 25 a 30. Recomendável entender-se
é provocada através do uso de benzoato de sódio (dose de 1O que será prudente que o implante do novo órgão não seja rea-
g/dia), cujo metabólito é o hipurato, que passa a ser excretado lizado naqueles com avançada agressão neurológica, pois auto-
na urina associado ao nitrogênio. Outra droga com ação seme- res japoneses recentemente descreveram que pacientes, nessa
lhante é o fenilbuturato de sódio, empregado na dose de 1Oa fase, já cursavam com lesões das substâncias cerebrais branca
20 g a cada 3 dias, tendo ambos os fármacos o inconveniente e cinzenta, demonstradas em imagens de RM ponderadas em
de aumentar o índice de retenção corpórea de água, agravando T2, todos com degeneração cortical espongiforrne pseudola-
a ascite. Alternativamente, podem ser conduzidos valendo-se minar, atrofia cerebral e cerebelar, perdas miel.ínicas e axonial.
da administração de um fármaco bloqueador do ciclo da ureia, São essas anomalias consideradas como causadas pelo bombar-
como o acetato de zinco na dose de 800 mgldia, promotor de deamento contínuo de substâncias neurotóxicas sobre o cérebro
melhora nos testes neuropsiquiátr icos de pacientes com EH. desses pacientes, gerando recuperação incompleta das funções
~recomendável que todos sejam conduzidos pelo uso de lac- neuropsicológicas após o transplante de figado, presentes em
tulose, um dissacarídio sintético que age no cólon, reduzindo o pacientes já cursando com dano cerebral irreversível.
672 Capitulo 58 I Encefofopotio Hepdtico

n
Krü, & Buttcrworth, Rf. Olencepbalic anel cercbdlar pathology in alcoholle
• LEITURA RECOMENDADA and nonalcobolic pallcnts with end·stage Uver d.isea.oe. H<f>atolcgy, 1997:
26:837.
Bld. AT. Pathogenesls of Mpatic encepb.alopathy. Em Anoyo, V, Bosh, J Bru· LauMnberger, J, HallSSinger, O, Bayer, S et aL Proton magnetic monance spec·
gera. M & Roclb, J: 1hm>py in Iiwr Dis<tUa. Thc pa1hophyslolt>glt:P.l baru troocopy of lhe braln In symptomatic and asymptomatic paticnu with llver
ofthtropy. Barcdona, M&.sson, 1997. cirrbosiJ. Gosln><ntero/ogy, 1997: l12:1610.
Bongaerts, G, Sevorijntn, R, Tunmerman, H. Effect of antíbiotia, p~biotia Lce. JH, Seo, OW, Lee, YS, Klm, ST, M11n, CW, Li.m, TH el oL Proton magnetlc
and problodcs In treatment for hepatic enc:epbalopathy. Med Hypothtses, n:sonancc spectr'*"PY (IH-MRS) findings for thc braín in patienu wlth
2010; 64:64-8. liver cirrhosis ~nect the hepatic functional reserve. Am] Gostroenterol,
Bryan, RN & Barker, P. A new clinicai appllcation ofMR spectroscopy In hepatic 1999: 94:2206.
cncephalopathy. AJNR Am I Neurorodiol, 1998: 19:1593. Matsusue, E, Kinoshita, T, Ohama, E, Ogawa, T. Corebral cortical and white
Cheorghe, L, lacab, R. Vadan, R et oi. lmprovement of hepatic encephalopa· matter lesionsln chronlc hcpatlc encephalopathy: MR-palhologlc correia·
thy uslng a modified h.igh-caloric h.igh-proleln diet. Ron I Gastrotnltrol, tions. AJNR Am 1 Neuroradlol, 2005,26:347.
2005: 14:231-8. Mendonça, RA. Espectroscopia de prótons por ressonância magnttica do c~re­
Conn, HO, Leevy, CM, Vlahcevic, ZR et oL Comparison oflactul<»e and ntomy· bro. Comparaçlo du aequ~ncias de voxel único pms e st<om na avaliaç~o
cin In the treatment of chronic portal-systemic encephalopathy. A do11ble de pacientes clrrótlcos. Tese de Doutorado. UNIFESP, 2005.
blind controlled trW. Gastroenttrology, 1977; 72:513. Moonen, Cf, von Kitnlin, M, van Zljl, PC, Cohen, J, Gillen, J, Oaly, P <1 al.
Conloba, J, Alonso. J, Rovin, A et aL lhe de-.-dopment oflow-grade ~tal oe- Comparion of slnsJe-shotlocaliulion methocls (STEAM and PRESS) for
dema in cirrbosis i.s supported by lhe <VO!ution of l· H magnetic resonance in vivo proton NMR spectroocopy. NMR Biomed, 1989; 2-.201.
abnorrnallt.lcs al\er Uver tnnsplantation.l H~ 2001; 35:598. Naegde, T, Grodd, W, Vlebahn, R tt al. MR imaglng and (I) H spectrosc:opy
Donovan, JP. Schafer, DF. Sbaw Ir. BW, Sorrdl, MF. Cerebral oedema and ínc:re- of braln metabolltesln Mpatic encepbalopathy: tim~ of ~norrnall·
ased lntraennial prcssun: in chronic lh-.:r disease-. lAncei, 1998: JS/:791. ution after Uver transplantation. Rodiology, 2000; 216:683.
Geiwer, A, Etmt. T. Ross. 80 et al. ReversaJ ofhepatic encepb.alopathy after li ver Nlelse~ 8, Ko~12., RL, Kjaergard. U.. Glucid, C Brachied-chain amlno acld•
transplantatlon: a proton MRS study. Hepalo-Gculroent<ro/, 1993; 40:37. for hepatlc encephalopathy. Coehrone Dolabase Sy<l Ver, 2003; 2:COOOOI,
Geiwer, A. Lock. G. Frund, R. Held, P, Hollerbach, S, Andus, T et al. Cerebral ab- 939.
normalities In patients with drrhosis detected by proton magnetic ~sonance Oliveira e Silva, A de, Samudlo Cardozo, VD, Silva Rocha, 8 t1 ai. Eneefalopa·
spectroocopy and magnetic resonancc imagines. I lepalology, 1997; 25:48. tia hepática no clrrótlco. Em: Galvão-A1ves, I (ed.). Rio de Janeiro: Edltora
Hasclcr, LJ. Chronlc hepat.ic encephalopathy: reversal of IH Mrspectra follo- Rublo, 2009, p. 13.
wlng llver tmnsplantation (abstr.). Em: Soclety of Magnetlc Resonance in Oliveira e SUva, A de, Soares Cardoso, E, Telxeita, AC, Mendonça, RAJ Roy, D,
Mediclne, 11"' Annual Scientific Meeting. BerUn, Germany. San Oi ego: Naves Pedroso, MH. Enccfalopatla Hepática. Em: Oani, R (ed.). Gastrcn·
Magnetlc Resonance in Medicine; 1992. p. 1014. toerologia Essencial, 2' ed., RJo de Janeiro. Editora Guanabara Koogan;
Haseler, LJ, Sibbitt Jr, WL, Mojtahedzadeh, HN, Reddy, S, Agarwal, VP, Mc- 2001, p. 496.
Carthy, DM. Proton MR sp«:trOS(:opic measurement of neurometabolites Passos de )eslls, R, Waluberg. DI.. OIMlra e Silva, A de et oi. lnsuficl~ncla
In bepatlc encephalopathy dwing orallactulose therapy. A/NR Am I Ntu· hepática aguda e ct6nlca. Em: Waluberg. DL (ed.). Nutriftl<> Ora~ En·
rorodiol, 1998, /9:1681. terol e Porenltral na I'Tdlia> Cllnica. São Paulo: Editora Atheneu, 2009;
Heaton. RK, Grant, I, Matthews, CG. Dilferences ín neuropsychological test p.IS19.
performance associated with age, education anel su. Nova York. Oxford Ross, BD, Danlelsen, ER, Bluml, S. Proton magnetic resonance spectroocopy:
Univen!ty Prcss, 1986. thc new gol<lstaoclard for dbgnosis ofclinicai and sllbclinical Mpatlc en·
Heyman, JK, Whididd, C), Broek, KE .r aL Dletary proteln lntakes In patlents cepbalopathy? Dig Dis, 1996, 14:30.
with hepadc encephalopathy and cirrbosis: Current practice in NSW and Ross. 80, Jacobson. S, VU!amil, FetaL Subclinical bepatic encephalopathy:
Acr. MuJ 1 Awl, 2006: 188:542-3. proton MR spectroscoplc abnormalities. Rodiology, 1994: 193:457.
Jalan, R, Oamink, SW, Hayes, PC, Wardlaw, JM. Oiagnos!J ofhepadc encepha- Sbawcross. O, Ocu12., NEP, 01 de Dam11nk, SWM, jalan, R. Hcpatic encepha·
lopalhy: wlllfn vivo proton MRS play a role! Hcpatology: 1999; 29:1605. lopathy in Uvcr faillltc. A multlorgan perspective. Em; Arroyo, V. r-orns, X,
Jalan,, R & Wllllams, R. The inflammatory bas!J oflntracranlal hypertenslon In Garcia-Pajá, JC, Rodes, J (ed.). Progress in tbe treatment ofliver dlseases.
acutcllver fa.llure. I Hepoto~ 2001, 34:940. Barcelona, Ars Medlca, p. 5 I, 2003.
Kricgcr, S, Jauu, M, Jansen, O et aL Neuropsychiatrlc proAJe and hyperlntense Tarter, RE, Switala, JA, Arria, A el ai. Subclinical hepaticencepbalopathy. Com·
globus pallidus on Tl -weighted magnetic ~sonance imagesln tiver cirrho· parison be(orc and after orthotoplc liver transplantations. TransplantaliOni
sis. Go$1rotnJerology, l996; l1l:147. 1990;50:632.
59 Ascite Hepatogênica
Adávio de Oliveira e Silva, Evandro de Oliveira Souza,
Verônica Desirée Samudio Cardozo, Briane André Vertuan Ferreira,
Leonardo Reuter Motta Gama, Celso Marques Raposo Júnior,
Naisa Oliveira A/vim Mattedi, Lucas Cagnin, Rafael Hygino Rodrigues Cremonin,
Paula Hugueney Cruz, Francisco Leôncio Dazzi, Raul Carlos Wahle

Depois de 1O anos do diagnóstico estabelecido de cirrose, pelo insuficiência cardíaca. De forma sintética, podemos definir que
menos 50% dos pacientes desenvolverão ascite. Essa evolução toda essa evolução guarda relação com precipitação da redução
guarda relação com a instalação de hipertensão portal, com a do volume sanguíneo central na dependência de substâncias
redução da capacidade de síntese hepatocelular e com a dincul- vasodilatadores, conforme mostrado no Quadro 59.1.
dade que esses pacientes manifestam na manipulação renal de As tentativas de explicação desses distúrbios hemodinâmicos
sódio e água. Esses pacientes estarão predispostos a cursarem e hum orais baseiam-se nas teorias clássicas: a. do subenchimen-
com peritonite bacteriana espontânea, hemorragia digestiva to (underfill), alicerçada na comprovação de que a maioria dos
alta, icterícia e encefalopatia hepática. Além disso, eles exibirão pacientes com cirrose avançada apresenta grande dificuldade
alterações, tais como elevação pressórica sinusoidal, vasodila- em manter o volume líquido extracelular dentro dos limites da
tação sistêmica, vasoconstrição arterial renal, as cite refratária e normalidade. Além disso, o baixo volume intravascular cola-
síndrome hepatorrenal. Também, nessa fase mais avançada da bora fortemente para sequestro de líquido para o interior da
doença, desenvolvem mecanismos compensadores de aumento cavidade peritoneal, com formação de ascite, derrame pleural
do volume intravascular, relacionado com secreção estimulada e acúmulo de liquido no tecido intersticial, além de retenção
de vasopressina, desenvolvem elevada resistência vascular intra- renal de sódio e água, que, eventualmente, os leva a cursar com
hepática, apresentam mudanças na microcirculação esplâncni- hiponatremia dilucional; b. também se propõe que todo o pro-
ca, produção excessiva de linfa nesse território e maior volume cesso se inicia pela expansão do volume intravascular (teoria do
de extravasamento abdominal de plasma. Ativam-se também overflow), quando a avidez renal por sódio e água vai depen-
barorreceptores, sistemas vasoconstritores antinatriuréticos, der mais da maior pressão intrassinusoidal, de modificações
sobretudo renina-angiotensina-aldosterona, sistema nervoso da arquitetura do fígado e da menor população de hepatócitos
simpático e vasoconstritores renais. Paralelamente, dilata-se o funcionantes; c. finalmente, alguns advogam que a tentativa de
leito arterial na busca de reequilibrar esse sistema vasocomu- restauração do equilíbrio das leis de Starling envolvevasodilata-
nicante em desorganização. ção arterial periférica e liberação de mediadores neurormonais,
Embora cursem assintomáticos, desenvolvem distúrbios com o objetivo de melhorar o tônus vascular, essa hipótese mo-
cardiovasculares expressos por débito cardíaco aumentado,
reduzida resistência vascular periférica e hipotensão arterial.
Essa evolução se relaciona com hiporregulação de receptores - T
beta-adrenérgicos, lesões de membranas dos cardiomíócitos, Quadro 59.1 Fatores que contribuem para ainstalação de asdte
dificultando ou bloqueando atuações do complexo entre proteí-
na G estimuladora e complexo ligande-receptor ~ adrenérgico, Prtclplta{ão ela redu{ão do volume
resultando em contratilidade cardíaca anormal, mais graves nos sangufneo central Substlndas vasodllatadoras
ictéricos, cursando com baixas concentrações de membrana
Vasodilatação arterial periférica Prostaglandinas
da enzima adenilatociclase. Concomitantemente, desenvolve-
Capacitância venosa aumentada Falsos neurotransmissores
se aumento dos níveis de AMP dclico, consequência de efei-
tos inibitórios que se processam a partir das atuações do fator Maior pressão capilar esplâncnica Peptídeo vasointestinal
alfa de necrose tumoral e monóxido de carbono, promovendo Anastomoses arteriovenosas Substância P
menores influxo de íons cálcio e funcionalidade dos recepto- Sequestro hídrico extravascular Calicreína-cinina
res canabinoides. Geram -se, então, alterações funcionais dos Sensibilidade aos vasoconstritores Fator natriurético atrial
canais de potássio, alargando o intervalo QT e deprimindo a Baixa pressão oncótica Glucagon
contratilidade cardíaca nesses pacientes. O significado clínico Reduzida contratilidade miocárdica Fator ativa dor de plaquetas
desses distúrbios, em geral, é sublimado, uma vez que neles Aumentada vasopermeabilidade Oxido nítrico
predomina associadamente a vasodilatação periférica, voltada Maior formação de linfa Peptídeo relacionado a calcitonina
à redução da pós-carga, suprimindo as manifestações típicas de

673
674 Capftulo59 I AsciteHepatogénica

--------------------------------T--------------------------------
Quadro 59.2Conceitos de formação de asáte na árrose hepática

Undtrlilling 0'1trflow Vawdilatation


(Sub~ndlirMnto) (Hiperfluxo) (Vasodllatação)

Cl"ose Cl"ose Cl"ose


.1. .1. .1.
Modificação nas forças de Starli ng em vasos
Retenção primária renal de sódio Vasodílataç~o arterial periférica
esplãncni cos
.1.
Ascite Aumentado volume sangulneo Redução do volu me sangulneo efetivo
J. J. J.
Modificações nas forças de Starling em vasos
Redução no vol ume S<lnguíneo efetivo Ativação de hormônios retentores de volume
espiã ncnicos
J.
Ativaç~o de hormônios retentores de volume Asclte Retenção renal de sódio
J. J.
Retenção renal de sódio

derna definida como da vasodilataçiio arterial periférica, com No inicio, ao exame físico, comprovam -se macicez nos flan-
esses conceitos dispostos no Quadro 59.2. cos e sinal do piparote positivo. Esse quadro inicial já é detec-
tado quando, na cavidade peritoneal, existem 2 l de líquido, ou
até menos. A progressão traduz-se por as cite tensa, acentuação
• OUTROS ASPECTOS HUMORAIS ENVOLVIDOS da circulação colateral, além de hérnia umbilical e hidrotórax.
A tendência ao desenvolvimento de bloqueio funcional da veia
O cirrótico apresenta hipervolemia, hiponatremia e déficit cava inferior leva ao edema de membros inferiores. Todos os
de excreção de água, essas alterações provavelmente associadas pacientes evoluem com circulação hipercinética, traduzida por
aos efeitos do hormônio antidiurético (HAD) sobre os recep - hipotensão arterial, aumento do débito cardíaco e fluxo sanguí-
tores V2 (receptores 2 da vasopressina), ao nível dos túbulos neo tecidual aumentado, traduzido por hiperemia de face e
renais. Promove-se assim a liberação de uma aquaporina re- mãos, podendo haver dispneia e cianose, esses quando existe
nal (AQP-2), a partir de uma proteinoquinase dependente de hipertensão pulmonar. Obrigatória a avaliação do sistema de
cAMP (monofosfato cíclico de adenosina), responsável por coagulação sanguíneo, em geral traduzindo-se por alargamento
alterar a permeabilidade do dueto coletor renal, interferindo dos tempos de protrombina e de tromboplastina parcial e do
com a excreção de água livre. Nesse processo, mais recente- INR, baixos níveis séricos do fator V, do fibrinogênio e con-
mente, tem-se atribuído importância à urotensina Il, um oli-
tagem de plaquetas, valores que guardam relação com hipo-
gopeptídio mediador da vasodilatação esplâncnica participan-
albuminemia e hiperbilirrubinemia à custa da fração direta.
do, assim, da redução da filtração glomerular e aumento da Todos expressam síntese hepática reduzida. No início, cursam
retenção renal de sódio, na dependência de seu acoplamento
com níveis séricos normais de ureia e creatinina, os quais pro-
à proteína G, formando óxido nítrico e ativando células da
gressivamente se elevam em paralelo à queda dos valores do
musculatura lisa vascular. Correlacionam-se seus níveis plas-
clareamento de creatinina, em pacientes com concentrações
máticos com o grau de hipertensão portal, formação da ascite
plasmáticas elevadas de renina e norepinefrina.
e negativamente com a pressão arterial média. Tais parâmetros
A punção abdominal revela líquido ascítico transparente ou
modificam-se experimentalmente quando ratos cirróticos são
amarelo-citrino. A concentração de proteína total, de leucócitos
tratados com seu antagonista, o palosuran, reversor dessas mo-
e eritrócitos atinge, respectivamente, menos de 2,5 gldl, 300 cé-
dificações anatomofuncionais do sistema venoso portal. Essa
lulas/mm3e 10.000 elementos/mm3. Valores mais elevados do
inter-relação anatômica fígado-rim pode ser demonstrada nas
Figuras 59.1 a 59.6. que esses traduzem complicações, tais como carcinoma hepa-
tocelular, com ou sem síndrome de Budd-Chiari (trombose
de veia cava inferior), tuberculose peritoneal, carcinomatose
peritoneal ou peritonite bacteriana espontânea. O diagnóstico
• ASPECTOS DIAGNÓSTICOS diferencial é feito através do emprego de métodos de imagem,
Ascite representa o acúmulo de líquido no interior da cavi- mas, sobretudo, pela videolaparoscopia com biopsia dirigida
dade peritoneal, instalando-se de modo súbito, ou desenvol- sobre lesões intra ou extra-hepáticas.
vendo-se lentamente, ao curso de alguns meses, inicialmente Todos esses pacientes cirróticos com ascite devem ser sub-
traduzida pela sensação de flatulência iminente e distensão ab- metidos a exame ultrassonográfico, com ou sem Doppler, ou
dominal. Algumas vezes, a detecção inicial ocorre após um sur- tomografia computadorizada. Essa conduta visa a afastar a pre-
to de necrose extensa do parênquima, tal como se observa na se- sença de diagnósticos de carcinoma hepatocelular (ascite asso-
roconversão do AgHBe pa.ra anti-AgHBe, em surtos infecciosos, ciada a 25% dos casos) e de trombose portal ( contraindicação à
após libação alcoólica ou ingesta de alimentos ricos em sódio e, realização de transplante hepático), e espessamento peritoneal,
sobretudo, após episódio de hemorragia digestiva alta. além de descartar doença renal.
Copftulo 5 9 I Ascite Hepotogénico 675

'1"ll'l
'"""-'
,,.OI •>!>"
01'~1 ltAI'I

"

o,<..UIIW/.lt.l"' "'' _.._........._


t.W.i
f-:~,~.....U..,
-;7~..t!-'......J...........J
J.it~

•1:'1T
ISr.l'Zo
-"'OI <90
01;!1!.JNI

Figura 59.1 Angiorressonãncia de aorta, veia cava, artérias renais e sistema venoso portal. Observar, nesta sequência de oito fotos, a inter·
relaçáo nítida anatômica e, como consequência, funcional do fígado e rins.
676 Capftulo59 I AsciteHepatogénica

Figura 59.4 Angiorressonancia magnética do sistema venoso portal,


mostrando intensa rarefação da vascularização portal intra -hepática.
redução volumétrica do fígado e circulação colateral.

Figura 59.2 Endoscopia digestiva alta. Observar, no sentido horário,


sinais clássicos de hipertensão portal, traduzidos pela presença, em
sequência, de varizes gástricas, varizes duodenais, varizes esofágicas
e, novamente, varizes duodenais. (Esta figura encontra-se reproduzida
em cores no Encarte.)

Figura 59.5 Supra-hepatovenografia evidenciando cateterismo de


veia hepática esquerda; ausência de ramos de 2.• e 3.• ordens, com o
cateter impactado medindo a pressão de veia hepática oclufda.

::l'{o/'fl
t ll , ,

Figura 59.3 Angiografia revelando intensa rarefação de ramos arteriais


in tra-hepáticos. com redução volumétrica do parênquima hepático.

Figura 59.6 Tomografia computadorizada do fígado e baço. após


injeção de contraste intravenoso, definindo redução volumétrica do
parênquima hepático e esplenomegalia.
Copftulo 59 I Ascite Hepotogénico 6 77

• ASPECTOS TERAPEUTICOS M ICROVASCULATURA VA SCULATURA


HEPÁT ICA ESPLÂNCNICA E
SIST~MICA
• Fase de pré-instalação de ascite
A homeostase de sódio em cirróticos sem ascite (Child A) já Aumento dos vasodilatad ores
Redução dos vasodilatad ores
(Óxido nitnco,
se apresenta alterada. Nestes, a oferta de uma dieta encerrando (Óxid o nítrico e Co)
amandamid a e outros)
mais de 200 mmol de sódio por dia modifica a capacidade de
manipulação orgânica desse íon, fenômeno observado, sobre-
tudo, ao nível do túbulo contorcido proximal. Essa avidez por
+
sódio é maior com o paciente em posição supina, sugerindo que A umenlode Vasodilatação d e artéria s
esplâncnica s
os sistemas renina-angiotensina-aldosterona e nervoso simpá- vasoconstritores
Fluxo portal elevado + eleva da
tico encontram-se hiperativos. Nesses doentes, eleva-se também (Endotelina s,
proslanoides e oulros) pressão de capilares inteslinais
a produção de receptores de angiotensina 11, localizados em glo- Débito cardiaco aumentado
mérulos, túbulos e vasculatura renal. O bloqueio desse distúrbio
hemodinârnico intrarrenal tem sido obtido administrando-se
/osartana, na dose de 7,5 mgldia, capaz de produzir acentuada
natriurese sem causar hipotensão sistêmica, nem mudanças no
volume sanguíneo central ou cardíaco. Aspectos práticos dessa
forma de conduta estão expressos no Quadro 59.3.
Nessa fase., já assume importância o sistema endócrino re-
nina-angiotensina, regulador da homeostase e da pressão ar- HIPERTENSÃO
PORTAL
terial, na dependência da presença de angiotensinógeno nos
hepatócitos. A partir daí, é secretado para o sangue onde se
transforma em angiotensina I (ANG I) pela ação da renina
de produção mesangial e cardíaca, posteriormente lisada por
uma ectoenzima denominada ACE, abundante em células en-
doteliais. Gera-se, dessa forma, angiotensina li (ANG li), a
Figura 59.7 Eventos vasodilatadores e vasoconstritores na formação
qual atuará em receptores das células glomerulosas, liberando da ascite.
aldosterona, promovendo reabsorção ávida de sódio e água, e
acentuação da fibrogênese. Participam ainda desse processo
enzimas conversoras da angiotensina, óxido nítrico, receptores
mineralocorticoides, endotelinas 1 e 3, causando vasodilatação
esplâncnica e vasoconstrição intra-hepática, conforme exposto ereção não osmótica de hormônio antidiurético e o hiperaldos-
na Figura 59.7. teronismo que apresentam. Nesses pacientes, a absorção maior
de água instala-se pela presença de hipersecreção de arginina-
• Fase de instalação de ascite vasopressina e síntese menor de prostaglandina.
Diante dessas modificações hemodinârnicas e humorais, to-
A ascite é observada em cerca de 30 a 50% dos cirróticos. A dos os doentes evoluem, na fase inicial do processo, com au -
manipulação terapêutica desses doentes constitui-se em uma mento do volume sanguíneo total e do débito cardíaco, com
exigência clínica, visando, sobretudo, a ampliar a liberação do diminuição na resistência vascular sistêmica total, mantendo
filtrado até os segmentos de diluição do néfron e ramo ascen- normal a pressão arterial. Há sinais de circulação hiperdinâ-
dente da alça de Henle. Procura-se, também, inibir a hiperse- mica, em uma tentativa de redistribuição volumétrica para o
sistema esplâncnico, inibindo a ativação dos barorreceptores
centrais redutores do fluxo sanguíneo renal, com intensificação
da pressão portal sinusoidal.
- .-
Quadro 59.3 Aspectos práticos para administração da /osartana
Nessa fase, a terapêutica vai incluir baixa oferta nutricional
de sódio e água, mesmo para aqueles que não são hiponatrêrni-
cos. É observação comum que responderão melhor à restrição
aos cirróticos em fase de pré-instalação de ascite de ingesta dietética de sódio e diureticoterapia os pacientes
que apresentam níveis séricos de ureia e creatinina abaixo de
1. Angiotensi na 11 atua como potente mediador da hi pertens~o portal 20 mgldf e 1,0 mgldt, respectivamente, e excreção urinária de
i ntra-hepãt ica;
sódio acima de 10 mEq/dia. A manipulação desses pacientes
2. A administração de angiotensina 11 eleva os valores da p ressão portal.
envolve uma sequência de eventos na fase definida como de
Esse acúmulo ocorre porque promove influ~nda contrátil direta sobre
células de lto, reguladoras do fluxo sanguíneo sinusoidal; diurese espontânea, conforme avaliação cllnico -hemodi-
3. A ad ministraç~o de angiotensina 11 estimula secreç~o de aldosterona, nâmica (Quadro 59.4) e metabólica (Quadro 59.5). O trata-
acentuando a dificuldade de manip ulação de sódio e i\gua pelo rim, mento propriamente dito envolve fase de pré-diureticoterapia
reduzindo a natriurese; (Quadro 59.6), seguida daquela definida como de diureticotera-
4. A /osartana atua como antagonista de receptores de angiotensina pia (natriuréticos) (Quadro 59.7), a qual pode acompanhar-se
li, induzindo efeitos vasodilatores sobre artérias e veias renais, de algumas complicações típicas (Quadro 59.8). A tendência
acentuando a natriurese; à hiponatremia dilucional, que os pacientes progressivamente
5. A dose ideal diária de /osartana é de 7,5 mg. desta maneira atuando apresentam, relaciona-se à excreção anormal de água, cuja pa-
de forma segura e efet iva no tratamento da hipertens~o portal dos
togênese encontra-se bem definida (Quadro 59.9), assim como
cirróticos.
as suas manifestações clinicas.
678 Capftulo59 I AsciteHepatogénica

---------------· ---------------
Quadro 59.4 Fase de diurese espontânea avaliação
---------------·---------------
Quadro 59.8 Manuseio dascomplicações da diureticoterapia
(I) -
clínico-hemodinâmica (natriuréticos)

• Pesquisa de icterícia, hepatoesplenomegalia, encefalopatia Complicações Man~Heio


• Pesquisa de edema periférico e spiders (aranhas vasculares cutâneas)
Hlperpatassemlo Suspensão de d iuréticos TCD
• Pesquisa de varizes esofagogástricas Resi na de troca de íons
• Medida diária de d iurese, peso corpóreo em jejum Combate a SHR
• Medida diária de p ressão arterial Hlpopotossemlo Suspensão de d iuréticos TCP
Administração de potássio
• Medida de gradiente hepático-venoso portal
Ampliação de diuréticos TCD
Encdok>p<>tla hepdtlca Suspensão de d iuréticos


Quadro 59.5 Fase dediureseespontânea (li)- avaliaçãometabólica
S/ndrome hepatorrenal
Medidas de controle neurológico
Suspensão de d iuréticos
Medidas de expan são de volu me
Le Veen -> implante do TIPS
• Nívei s sé ricos de b ilirrubina, albumina, atividade de protrombina Hlponatremla dlluclanal Correção deve ser lenta
• N ívei s séricos de renina, norepinefrina, endotelinas A correção deve ser rápida desde que, na fase de pré-transplante,
• Nívei s sé ricos de sódio, potássio, ureia, creatinina a concentração sé rica seja < 120 mEq/(, visando a impedir o
aparecimento de mielinólise pontina central.
• Estudo de sedimento urinário
Acidose metabóliGa grave - Altas doses de espironolactona reduzem a
• N ívei s urinários de sódio e potássio se<reção d istai de H', baixando n íveis de pH sanguíneo.
• Definição do índice de filtração glomerular
• Fração de excreção uri nária de sódio e lftio
= = =
TCP Túbulo contorcido proximal: TCO Túbulo contorcido distai: SHR Síndrome
hepatorrenal .


Quadro 59.6 Fase depré-diureticoterapia (natriuréticos)

• Repouso no leito mostra-se desnecessário


• Restrição h ídrica
Normonatrêmicos, 800-1.000 m t/d ia
Hiponatrêmicos, 60Q-800 mt/dia
·-
Quadro 59.9 Excreção anormal de água na cirrose- patogênese
I. Níveis sé ricos elevados de vasopressina (HAD)
• Hipersecreção não osmótica
• Dieta hipossódica • >Reduzido volume intravascular efetivo (Deme<locidina)
10-20 mEq/dia (500-600 mg/dia) 11. Sínt•s• < d• prostaglandína E2 causada pttlo uso d• droga s anti-
• Se, após essa fase de diurese espontânea (4- 5 d ias), há perda de peso inflamatórias não hormonais
< 2 kg, exigem-se manipu lação com natriuréticos e reforço da medida 111. < AcHso do filtrado ao túbulo contorcido distai
de restrição de sódio
< l ndice de filtração g lomerular renal
> Reabsorção de Na no túbulo contorcido p roxímal


Quadro 59.7 Fase dediureticoterapia(natriuréticos)

• Iniciar com bloqueio de túbulo contorcido d istai


Espirono/actona - 200 mg VO/dia
Esses pacientes costumam evoluir com anorexia, cefaleia,
letargia, náuseas e vômito, convulsões ocasionais, resultantes
• Se, após 3 d ias, a perda de peso for menor do q ue 1 kg
do clareamento (clearance) de água livre abaixo de 6 ml/min.
Espironolactona, 200 mg VO/dia
Tal evolução guarda relação com o emprego excessivo de diu-
+ réticos, realização de paracenteses volumosas, sem expansão
Furosemida, 40 mg VO/dia volumétrica, e administração de análogos da vasopressina, ou
• Se, após 3-4 dias, a d i urese estiver baixa e o peso au mentar: com episódio de hemorragia digestiva alta, ou devido ao uso
OPÇAOA de anti-inflamatórios não esteroides. Durante os últimos anos,
Espironolactona -> 31)0-400 mg VO/dia definiu-se que, nessa situação, os cirróticos deverão ser tratados
+ através da restrição na ingesta hídrica, evitando-se as infusões
Furosemido -> 80 mg VO!dia
de solução hipertônica de NaCl, sempre se interrompendo a
administração dos natriuréticos. Associadamente, aconselha-se
OPÇAOB
o uso dos aquaréticos, envolvendo os antagonistas do receptor
Espironolactona -> 400-600 mg VO/dia V2 (Quadro 59.10), ou de agonistas x-opioides (Quadros 59.11
+ e 59.12). Nessa fase mais avançada da cirrose, acentuam-se as
Bumetanida -> 1- 2 mg VO/dia anormalidades circulatórias (Quadro 59.13).
OPÇAOC Nesses pacientes, passa a assumir importância o endotélio
Tríantereno-> IOQ-300 mg VO/dia vascular, interface exclusiva, estrutura complexa que regula o
+
fluxo e as trocas entre sangue e tecidos. A regulação desse me-
canismo obedece à presença de endotelina e prostaglandinas.
Amilorida-> 10-30mg VO/dia
Mais recentemente, demonstrou-se que os cirróticos têm o fun-
Capftulo 59 I Ascite Hepotogénica 6 79

---------------T --------------- ---------------T


Quadro59.10 Tratamento da hiponatremia dilucional- administração
---------------
Quadro 59.13 Anormalidades drculatórias esplâncnicas, sistêmicas e
de antagonistas da vasopressina (aquaréticos) específicas de leitos vasculares no cirrótico comascite
(Bataller & Uriz, 1999)
• Antagonistas do receptor V2 - derivado benzodiazepínico
(OPC-31260) Circulação esplãncnica
Aumenta o volume urinário e OSMu Pressão maior no sistema venoso portal
Maior potincia que a furosemida Vasodilataçào de artérias esplâncnicas
Aumento da OSMOL0 e NA0 Fluxo venoso portal aumentado
Doses >Volume urinário Vida média Elevada pressão de capilares intestinais
3o-200 mg 2-4 vezes 1-4 h Desenvolvimento de circulação colateral portal
6o-200 mg > 4 vezes 4- 8h Circulação sistêmica
OSM = Osmolaridade urinária; OSMO'-u = Osmolaridade urinária; NA0 = Sódio Baixo volume sanguíneo efetivo
0
urinário. Débi to cardíaco a umentado
Resistência vascular sistêmica total reduzida
Hiperatividade de sistemas vasoativos

---------------T ---------------
Quadro 59.11 Tratamento da hiponatremiadilucional - administração
Hipoten são arterial
Leitos vasculares específicos
de agonístas K-opioides (morfina e derivados) Vasoconstrição renal
Resistência cerebrovascular aumentada
Ef~ltos farmacológicos Vasoconstrição braquial e femoral
• Estimulação dos IJ· receptores Flstulas aneriovenosas pulmonares
Anolgesia, constipação, euforia, depressão respiratório, dependência flsica
• Estimulação dos K·receptores
Anolgesia, ações psicotrópicos, acentuados efeitos aquoréticos
Agonlstas K-op/oldes •
Quadro 59.14 Critérios diagnósticos para definir ascite refratária
• Ketazocina, etilketazocina, bremazocl na, R-84760, E-2078 e U-62,066E (Runyon, 1997; Runyon, 1998; Arroyo eto/., 1996)
• > Fl uxo urinário; < OSMOLJ Excreção de eletrólitos não>
Compllcaçé'>Rs induzidas por diur, ticos
Encefalopatia hepática sem outro fator desencadeante
EFEITOS AQUAR~TICOS
Insuficiência renal funcional com acentuação do nível sérico de
• > Nfveis séricos de VP; > PA; > FGR creatinina em mais de 100% acima dos valores Iniciais
• Cefaleia, ruborfacial, tonturas Hiponatremla (Na sérico < 12S mmolll )
Hipo (< 3 mmolll ) ou hiperpotassemia (> 6 mmollt ) apesar de adoção
de medidas corretivas
Conceituação obedece à ausência de resposta ao tratamento
cionamento desse sistema dependente também da presença de diurético em doses máximas e instituído por 7 d ias:
catecolaminas ou de serotonina e, sobretudo, do óxido nítrico. Espironolactona (400 mg) e furosemida (160 mg)
Esta última molécula, juntamente com endotoxinas geradas a Ausência de resposta terapêutica expressa por:
partir de bactérias intestinais e citocinas, escapa ao metabolis- Perda de peso menor do q ue 200 g nos ú ltimos 4 d ias de tratamento
mo hepatocelular, participando da gênese da ascite refratária. intensivo, e natriurese <50 mmolldia, apesar da diu reticoterapia
Os critérios diagnósticos típicos dessa forma de apresentação
Recidiva precoce da ascite dentro d e 2-4 semanas após paracentese
e a conduta terapêutica estão expostos, respectivamente, nos evacuadora
Quadros 59.14 e 59.15.

---------------------------------T ---------------------------------
Quadro 59.12 Tratamento da hiponatremia dilucional com antagonistas de receptoresAVPV2 e antagonistas K-opioides

• Antagonistas do r~torV2 - derivado benmdla1epfnlco (OPC-31260)

Autor(1') Ano Composto Dose N Resultados

lnoue 1998 OPC-31260 30mgNO t Diu rese e do cleorance de H,O livre


(Dose única) 8 .J. Osmolaridade u rinária
Guya 2002 VPA-985 2S-300mgNO t Diurese, c/eorance de H,O livre, NA, sem efeitos colaterais
(Dose única) 22
Wong 2003 VPA-985 50- 500 mg/dia t Diurese, clearance de H20 l ivre. Desidratação, sede e interrupção da
por 7 dias 44 administração em 27%
Gerbes 2003 VPA-985 1oo-200 mg/dia t Na, baixa osmolaridade urinária e peso corpóreo. Sede naqueles
por 7 dias 60 usa ndo 200 mg/ dia
680 Capftulo 59 I Ascite Hepatogénica

--------------------------------~--------------------------------
Quadro 59.15 Conduta terapêutica temporária no paciente cirrótico com asdte refratária

1. Os pacientes devem ser tratados pela realização de paracentese evacuadora a cada 2 semanas, associada à infusão de albumina a 20%, visando a
impedir o aparecimento de hipovolemia com insuficiência renal.
2. Anastomose peritoneovenosa (válvula de Le Veen). Promove rápida redistribuição do volume intravascular com melhor perfusão renal e acentuação
da natriurese. lnconvenientes: instalação de distúrbios da coagulação (10%), ou obstrução do sistema (20%). necessitando, então, de reintervenção.
3. Drogas vasoativas. Tentativas visando a melhorar a perfusão renal têm sido feitas com a administração de terlipressina (0,5- 1,Omg endovenoso
a cada 4 horas, aumentando para 2 mg a cada 4 horas, em cada 2 a 3 dias, desde que não ocorra redução do nível sé rico de creatinina ou
noradrenalina (0,5 a 3 mg/h em infusão contínua), ou midodrine (7,5 mg via oral, 3 vezes/dia, elevando para 12,5 mg, 3 vezes ao dia, com injeção
subcutânea de octreotíd io na dose de 100 mg. 3 vezes/dia, ampliando para 200 mg, também 3 vezes/dia, se não baixar a concentração de
creatinina), misoprostol e ornipressina (análogo da vasopressina, com ação vasoconstritora sobre vasculatura esplâncnica)1 com ou sem infusão~
associada de albumina, 20-40 g/dia.
4. Hemodiálise e diálise peritoneal. Mostram-se ineficazes, ampliando o risco de instalação de hipotensão grave, infecção e hemorragia. Pode ser útil a
hemodiálise no período pré o u intra·operatório do transplante de fígado.
5. Anastomose portocava intra·hepática (TIPS), visando à redução da pressão intrassinusoidal. Deverá ser aplicada apenas nos Child B, funcionando
como ponte para o transplante de fígado.
6. Transplante hepático, forma de tratamento definitiva dos pacientes com ascite refratária.

A ascite refratária foi definida como "aquela que não pode ser renal. Mostram, então, dificuldade em manipular sódio e água,
mobilizada, ou cuja recorrência precoce (após paracentese tera- com formação inexorável de edema periférico e ascite, a qual,
pêutica) não pode ser satisfatoriamente prevenida por terapêutica progressivamente, torna-se tensa e refratária ao tratamento
apropriada •. A maioria dos doentes com ascite refratária apre- clássico, envolvendo dieta hipossódica e diureticoterapia. Essa
senta acentuada retenção de sódio e grave incapacidade de excre- ausência de resposta deve-se a: 1. hiperatividade do sistema ner-
tar água, esta podendo causar hiponatremia dilucional. O fluxo voso simpático; 2. redução progressiva do volume sanguíneo
renal e a filtração glomerular diminuem acentuadamente. A as- circulante; 3. baixa pressão de enchimento do átrio direito, com
cite não é mobilizada nem com o correto emprego de diuréticos. menor produção de fator natriurético atrial (FNA); 4. vasocons-
Ela também pode ser intratável porque os pacientes desenvolvem trição de arteríolas renais, levando a baixos índices de filtração
sistematicamente complicações com o uso de diuréticos em do- g!omerular e de excreção de sódio urinário; S. associação de hi-
ses corretas. Essas complicações são: encefalopatia; insuficiência potensão arterial, menor resistência vascular sistêmica e elevado
renal induzida por diuréticos; hiponatremia diurético-induzida; débito cardíaco; 6. hiporreatividade arterial a vasoconstritores
hipopotassemia ou hiperpotassemia resistentes às medidas cor- endógenos, como norepinefrina, vasopressina, angiotensina li,
retoras. Convém atentar para a falsa ascite refratária, o médico endotelina-1, tromboxane A,; 7. produção aumentada de vaso-
devendo se certificar se o seu paciente faz correta restrição de dilatadores, como óxido nítrico, prostaglandinas ou glucagon,
sódio, se não está tomando anti-inflamatórios não hormonais ácidos biliares, endotoxinas e/ou urodilatina.
ou se já se instalou peritonite bacteriana espontânea. Não há nenhum tratamento específico para a hiponatremia
A síndrome hepatorrenal incide em 10% desses pacientes, re- dilucional. Tem-se procurado avaliar a eficiência de agentes
lacionada com modificações dos sistemas vasoativos. Tipicamen- aquaréticos (substâncias que inibem a secreção ou os efeitos
te, se instala resistência arterial renal acentuada, acompanhada do hormônio antidiurético), mas ainda não se chegou a uma
devasodilatação arterial da circulação esplãncnica. Definem-se
definição.
os tipos: 1. tipicamente pela rápida instalação da débacle, que se
expressa laboratorialmente por valor de creatinina sérica ultra-
passando a 2,5 mgldt e c/earance de creatinina em 24 h abaixo • Medidas especiais
de 20 ml/min, acompanhados de rápida e progressiva oligúria,
retenção de sódio em TCP e TCD e hiponatremia dilucional, • Paracentese de grande volume associada à infusão de
modificações que se estabelecem em menos de 2 semanas; 2. tais expansores plasmáticos
modificações instaladas no tipo I são observadas mais lentamen- :B realizada com o objetivo de promover homeostase volu-
te, com nivel sérico de creatinina não ultrapassando 1,5 mgldl, métrica, melhor perfusão renal, acentuada natriurese, redução
com índice de filtração g!omerular além de 30 mtlmin, presentes de produção de renina-angiotensina- aldosterona e melhor
naqueles com reserva hepatocelular mais preservada. resposta ao uso de diuréticos. Obtêm-se esses benefícios rea-
Essas tendências inexoráveis acompanham-se de fatores pre- lizando-se paracenteses de grandes volumes (4 a 20 Usessão),
ditivos adversos, tais como: I.ftsicos (ausência de hepatomega- com adequada reexpansão do intravascular infundindo albumi-
lia, estado nutricional precário, hipotensão arterial, icterícia); na humana, Dextrana 70 ou Rheomacrodex nas doses de 1Og,
2. bioquímicos (hiperbilirrubinemia, hipoalbuminemia, hipo- 8 g ou 150 mt, respectivamente, por litro de ascite drenada. Os
natremia, elevação de valores de ureia e creatinina, de ativida- resultados parecem semelhantes. As duas últimas substâncias
des plasmáticas de renina, de aldosterona e de norepinefrina, utilizadas apresentam, no entanto, o inconveniente de uma vida
e baixo valor de sódio urinário). média plasmática mais curta, mas têm a vantagem de ser me-
nos onerosas. Entretanto, trabalhos recentes têm insistido em
que haveria vantagem no emprego da albumina sobre os outros
• OUTRAS MEDIDAS TERAPEuTICAS expansores plasmáticos. Complicações ligadas às punções, tais
como, peritonite bacteriana secundária, hematoma parietal ou
Cirróticos, sobretudo em fase de insuficiência hepatocelu- intra-abdominal e hemoperitônio, são raramente observadas.
lar grave, cursam com síndrome hipercinética e hipoperfusão Mais graves são os estrangulamentos herniários, hiponatremia,
Copftulo 59 I Ascite Hepotogénico 681

hipertensão arterial e insuficiência renal ou encefalopatia hepá- ---------------T---------------


tica. Estas últimas são observadas apenas quando são realizadas Quadro 59.16 Resultados doimplante do TIPS no tratamento de
grandes drenagens, sem adequada reposição volumétrica. Es- cirróticos com asciterefratária esfndrome hepatorrenal
ses aspectos, aliados à necessidade de sessões terapêuticas re-
petidas, às frequentes admissões hospitalares e à incapacidade Foram incluídos 358 pacientes em 14 estudos controlados
em modificar o pobre prognóstico desses cirróticos, limitam a Extremos de idades nos estudos citados: 48- 64 anos
aplicabilidade dessa opção, sabidamente temporária. Cerca de 53% eram pacientes Child B, e 43%, Ch ild C
Em torno de 46% tinham apresentado pelo menos 1 surto de
• Anastomose portocava transjugular (TIPS) encefalopatia, e 42% apresentavam insuficiência renal (creatinina sérica
Visando a evitar os elevados índices de mortalidade que se > 1,5mg/ d t)
seguem à cirurgia de descompressão do sistema porta, têm-se O i mplante do TIPS p roporcionou:
manipulado pacientes através de uma atitude menos invasiva, Redução no g radiente portocava em 100% (20,9 para 10,9 mmHg)
ou seja, pelo implante do TIPS. O procedimento tem-se mos- Redução na p ressão da veia porta em 100% (29,4 para 21,8 m mHg)
trado eficaz no tratamento das varizes sangrantes de esôfago, Desap arecimento parcial ou total em 69% (247 pacien tes)
da ascite refratária e em pacientes apresentando síndrome he- Apenas 10% (36 pacientes) não responderam satisfatoriam en te
patorrenal do tipo 2, ou seja, de lenta instalação.
Tempo de resolução da ascite de 1 a 3 meses
Ocorre a reversão da hipertensão portal porque o método
Diurético pode ser necessário para tratar edema, ou alguns doentes que
propicia aumento tanto do índice de excreção do sódio urinário responderam pior
quanto da filtração glomerular, e reduz a atividade plasmática
Encefalopatia h epát ica ocorreu em 46%, ou seu agravamento em 28%
de renina- angiotensina-aldosterona, com normalização das
Tempo de seguimento variou entre 7,6 e 15,5 meses
concentrações séricas de ureia e creatinína. Recompõe-se, dessa
Disfunção da prótese: p recoce (8%), tardia (27%)
forma, o mecanismo de natriurese, promove-se a diminuição
da p ressão portal, descomprimem-se sinusoides, melhora-se o Mortalidade: menos de 30 dias (12%); mais de 30 dias (40%)
balanço das forças de Starling, reduz-se a produção de linfa he- Probabilidade de sobrevida (> 1 ano): baixa
pática e intestinal, e revertem-se distúrbios hormonais graves,
responsáveis pelo desequilíbrio hemodinâmico. A limitação
do procedimento é representada pelo fato de que cerca de 25
a 32% dos doentes evoluem com encefalopatia, motivada pela A implantação do dispositivo deLe Veen pr oporciona a
diversão maior do fluxo portal e aceleração da insuficiência instalação de uma expansão volumétrica sustentada, supressão
hepática. Na maioria das vezes, diferentemente do que ocorre da síntese exacerbada de renina, aldosterona, norepinefrina e
com o implante de válvula deLe Veen, não há mais necessi- hormônio antidiurético. Dessa forma, restabelece-se a perfusão
dade de usar diuréticos. Apesar desses aspectos, sabe-se que, e o funcionamento renal, com ampliação da diurese e melhor
nos pacientes Child C, a resposta é muito pior, ou ausente; ou controle da ascite.
seja, os doentes com grave redução da reserva parenquimatosa Deve ser evitado seu emprego em pacientes com histór ia de
hepática apresentam resultados precários. Diferentes autores, ruptura de varizes de esôfago e não tratados adequadamente
no entanto, advertem que a inserção do TIPS acentua a circu- pela esclerose endosc6píca, naqueles com insuficiência cardia-
lação hiperdinãmica sistêmíca, aumentando o débito cardiaco ca ou graves distúrbios de coagulação e em hepatopatas com
em consequência do maior volume efetivo circulatório e do grande atividade inflamatória histológica do fígado. Além des-
melhor retomo venoso. Expande-se, portanto, o intravascular, ses parâmetros, níveis séricos elevados de fibrinogênio, fosfata-
perfunde-se melhor a artéria renal e atenuam-se os efeitos va- se alcalina, ureia, gamaglutamiltransferase, bilirrubina e baixa
soconstritores. A sobrevida atuarial aos 6, 12 e 24 meses atinge, atividade de protrombina constituem fatores importantes para
respectivamente, 75, 75 e 63%. Seguramente, funciona como se determinar o prognóstico da sobrevi da imediata desses pacien-
fosse uma "ponte" para a realização do transplante de fígado, tes: quando três ou mais destes se encontram alterados, deve-
pois evita a feitura de quaisquer modalidades de descompressão se contraindicar essa atitude terapêutica cirúrgica, sob risco de
cirúrgica, que costumam ser acompanhadas de elevada morbi- elevado índice de mortalidade pós-operatória.
dade e mortalidade pós-operatória. Além disso, evita a violação Estudos controlados, no entanto, não têm demonstrado be-
da cavidade abdominal, fato que notoriamente aumenta as difi- neficios da anastomose peritoniovenosa, quando comparada
culdades técnicas quando do implante do novo órgão. Ressalte- com a terapêutica clínica convencional ou com as paracente-
se, no entanto, que próteses mal implantadas podem tornar o ses volumosas, com expansão de volume plasmático. Ressalve-
transplante mais dificíl, ou até impossibilitar sua realização. se, entretanto, que o número de readmissões foi considerado
Os resultados do implante do TIPS em pacientes com ascite significativamente mais baixo em pacientes com a válvula de
refratária podem ser apreciados no Quadro 59.16. Le Veen. O índice cumulativo de ascite recorrente situa-se em
torno de 22% aos 3 anos, dependente, sobretudo, da oclusão
• Anastomose peritoniovenosa (válvula de le Veen) do cateter venoso, complicação atenuável com a adição de ti-
A importância do implante da válvula deLe Veen em cir- tânío na confecção da extremidade distai do cateter. A sobre-
róticos é inquestionável, mas o preciso momento de realizá-lo vida atinge 72% ao fim de 2 anos, desde que os pacientes não
é de difícil definição. Não deve ser tão precoce que exponha o apresentem sangramento por varizes, nem peritonite bacteriana
paciente a tratamento cirúrgico desnecessário, quando a ascite espontânea. Recomenda-se que doentes com essas característi-
responde à terapêutica convencional, nem tão tardio que colo- cas, sobretudo antes dos 50 anos, sejam submetidos ao trans-
que em risco a vida do paciente. Encontra-se indicado, sobre- plante de fígado.
tudo, no tratamento da ascite refratária e suas complicações, Atualmente, a aplicação da válvula tem sido reservada para:
como hidrotórax, hérnias umbilicais, incísionais ou inguinais e 1. doentes com ascite refratária; 2. pacientes que não são can-
síndrome hepatorrenal. Na ascite refratária, o uso desse método didatos ideais ao transplante de fígado, por exibirem múltiplas
é limitado por causa de frequentes complicações. cicatrizes abdominais cirúrgicas.
682 Capftulo 59 I Ascite Hepatoglnlca

• Transplante de fígado e combinado fígado-rim ~ ---


Cirróticos hemodinamicamente instAveis evoluem com asci- Quadro 59.18 Estágios funàonais de doença renal crônica
te, e a probabilidade de sobrevida de I a 5 anos após a primeira
apresentação atinge, respectivamente, 50 e 20%. Metade sobre- lndlct ele ftltra(Jo glomtrulu
vive mais de 28 meses, quando se encontra normal a atividade Estágios ~MI (ml/mln) Interpretações
de renina plasmática, ou a excreção urinária de sódio é superior
> 90 Lesão renal com funçAo orgânica
a lO mEq/dl. Outros sinais prognósticos negativos são pressão preservada (IFG normal)
arterial média inferior a 80 mmHg, concentração plasmática 60-90 Leve reduçAo do IFG
elevada de norepinefrina, parênquima hepático com volume 111 30-59 Redução moderada do IFG
reduzido, hipoalbuminemia, elevado gradiente hepatoportal e
IV 15-29 Grave redução do IFG
hiperbilirrubinemia. Nesses, a infecção espontânea do líquido
asdtico representa a complicação mais grave detectada durante v <15 Insuficiência renal
a evolução natural da doença. Observada em IOa 15% desses IFG = fndice de filtra.ç5o gioiMrvlar.
pacientes, leva à morte, em algumas séries, 36 a 90% dos aco-
metidos. Entre os que escapam do primeiro episódio, surtos
de recidiva dentro de I ano atingem 70%. Ocorre tal evolu-
ção porque existe reduzida atividade fagocítica do sistema re-
ticuloendotelial, baixas concentrações de proteína na ascite e envolvendo a administração de Simulecte e inibidores de cal-
menor atividade opsônica. Entre esses doentes, mostra-se maior cineurina. Atenção maior deve se voltar no pós-operatório ao
o índice de hemorragia digestiva alta por ruptura de varizes eso- controle rígido dos nlveis pressóricos arteriais e das condições
fágicas e insuficiência renal funcionante. Todo esse processo se funcionais de ambos os órgãos (fígado e rim), sobretudo quan-
mostra reversível com o transplante de fígado, restaurando uma do diz respeito a pacientes em estágios 3 ou 4 da doença renal
melhor qualidade de vida e ampliando a sobrevida. crônica. Visando a evitar essa limitação, propõe-se técnica al-
Preocupante também se mostra a definição sobre exis- ternativa envolvendo apenas o transplante de fígado, segui-
tência de lesões renais complicadoras da evolução da cirrose do posteriormente do renal, evitando-se a ação deletéria de
(Quadro 59.17). imunossupressores sobre o novo rim, a ser implantado poste-
Nesses casos, exige-se uma participação associativa, envol- riormente. Preocupa nessa opção a carência de órgãos a serem
vendo hepatologlsta, nefrologista, radiologista e anatomopa- doados, mesmo valendo-se de doador vivo, calculando-se que
tologista. Esse time estará envolvido em definir a gravidade da esse tempo de espera possa ultrapassar 5 anos.
insuficiência renal que apresentam os doentes, baseando-se no
índice de filtração g!omerular (Quadro 59.18).
São, em geral, pacientes cujos rins, à ultrassonografia, são • LEITURA RECOMENDADA
hiperecogênicos e menores do que 9 em de tamanho. Existin-
P. Volpin, R. Piovan, O <I al. Acute dfecu ofthe oraladminlstralion o(
do dúvidas quanto a essa característica, é necessário proceder Angeli.
midodrime an alpha·adrenergic agonist on renal hemodynamks and renal
à biopsia renal, e, na existência de distúrbios de coagulação e/ function in cirrhotlc paticnu ucitcs. Hepatology. 1998; 28:937·43.
ou plaquetopenia, deve-se valer do acesso transjugular. Assim Arroyo P~rez. V. Cirrhosis and its complications: Ascites dUutional hypona·
estudados e comprovadas lesões renais definitivas, os pacientes tremia, and hepatorenal syndrome. Em: Galvão Alves, 1(ed.). Temas de
deverão ser submetidos ao transplante combinado figado-rim. AtualizaÇ<Io em Ga~trenterologia. Rio de Janeiro, p. 3, 2005.
Arroyn, V. Fisiopatogenia da ascite na cirrose. Em: Terra, C. Alves de Mattos, A
Eles deverão ser conduzidos em regime de imunossupressão, (ed.). Compllcafllu da Cim>te. Astite e Irnuficitncia Renal. Rio de Janeiro:
Editora Revinter, 2009. p. 25.
Arroyo. V. Pathogenes!J and trutment ofhyponatremia in citrhosiJ. Em: Gal·
vão-AI'-es. I (ed.). Ttma~ de Atuali:af'lo tm Gastmllerologia. Rio de landro:
~ Editora Rubio. 2008. p. 17.
Quadro 59.17 Nefropatias complicadoras da evolução das Arroyo. V, Fernandez. 1. Gln~ P. Pathogen..U and treatment of bcpatorenal
syrubome. Semm. Uwr Dú., 2008; 28:81-95.
doenças hepáticas (Kupin, 2008) Arro}o, V. Femindez. J, Jlm~nez. W. R<nal dysfunction and tbe pathogen..iJ
and treatment olascit., and h<patorenal syndrom< in cirrhosis. Em: Galvio-
Lesão renal aguda Aives, J (ed.). TtmiU tk AluaiiJ:tl{ào em Gast>Ynterologia. Rio de Janeiro:
Uremla pr~·renal Editora Rubio. 2008. p. I.
Sfndrome hepatorrenal tipos I e 11 Arroyo, V, Gin~ P. Genbts, AL et ai. Definition and diagnO$tlC cri~rla of
Necrose tubular aguda r<fratory ascitl• and hcpatorenal syndromt in cirrhosis. Hepa:ology. 1996;
Glomerulonefrite aguda 23:164-75.
Hepatite viraI C associada à crioglobulinemla Arroyn, VF, Ruiz dei Árbol, R. Gin~s, P. Circulatory disfunction in cirrhO$lS. Em:
Arroyn, V, Navasa, M, Forns, X, Bataller, R, Sánchez.Fueyo, A, Rodés, I (ed.).
Sfndrome nefrótlca Update in Treatment ofUvor Dis.ase. Barcelona: Ars Medica, 2005. p. 19.
Glomerulopatla membranosa (hepatite B) Balment, RJ, Song, W. Ashton, N. Urotensin I1 andent hormone wlth new
Glomerulonefrite membranosa proliferativa (hepatite C) functions in vertebrate blood Ouid regulation. Ann NY Acad Sei, 2005;
Glomerulopatla diabética 1{)40:66073.
Nefropatla cr6nica BaWier, R & Urlz, J. Spontaneous circulatory dysfunction in drrhosls: mecha·
lsquemia (slndrome hepatorrenal tipo lf) nisms and consequeru:es. Em: Arroyo. V, Bosch, J, Bruguera, M, Rodés, J,
Glomeruloeielerose diabética Sánchez. Taplu, JM. TrtAr""'nt ofliv<r d~ Barcelona. Masson, p. 73,
Glomerulonefrite avançada por hepatite B e C 1999.
BO)o-er, T. Transjugu!ar intnhepatlc portosystemic shwtt current status. Qu.
Distúrbios eletroliticos troenterolbgy, 2003; 124: 1700.
Hiponatremia Brensing. KA, ~rz, J, Sauerbruch, T. TIPS in hepator<nal syndromc. Em: Ar·
Hipopotassemia royo. V. Bosch, ~ Bruguera, M, R~, 1, Sánchez Tapias, IM (ed.). Tffl2tmtnl
Distúrbios 'ddo·b,slcos of LiYer Dls<ase. Ba.rcelona: Masson, 1999. p. 53.
Acldose tubular renal tipo I Cárdenas A & Ginés, P. Pathogenesis and treatment of dUutional hypona·
tremia in cirrhosis. Em: Arroyo, V, Forns, X, Garcia-Pagàn,IC, Rod~s,
Capitulo 59 I Ascite Hepotogénlco 683
I (ed). PTOfT<$S in lhe trea:menl of liw:r dis.ases. Barcelona. Ars Medica. Kupin, W. Renal disase compUcatlng advan~ Uver disea.se. AASLO. lbe
p. 31,2003. changing Caee ofhepatology. Postgradu..m Couru; 2008. p. 22 I.
Cúdenuc: A & Giná, P. Tmttment ofbypooatremlaln clnhoois. Em: Arroyo, Lafli, G & MMra. F. CompUcation o(cirrbosis: is endothdium guUty! I Htpoltll,
V, Navua, M, Foms, X. Bataller, R. Sánebtt-Fueyo. A, Rodá, I (ed). UpdaU 1999:.10:532-5.
In Trollnunl ofUw:r Disease. Ars Medica: Barcelona, 2005. p. 93. Lange. PA & StoUtr, )K. The hepatopulmonary synclrome. J\nn lntern Meti,
C'tdenu, A, Gi.n b, P, Arroyo. V. Ascit.. hyponatremla, hepatorre.W syndro- 1995: 122:521 -9.
me and •pontaneous bacterial pt:ritonitis. Em: Bacon, BR. O'Grady, JG, Oi Leifeld. L. Oemeos, C, Hcllcr, J et al. Expression ofUrotensln 11 and lu r=p-
Blsceglle, AM, Lake, IR (ed.). Comprehensi"• Clinl<al Htpotology. Londres: tion in human livtr cirrhosu and fulminant hepatic failure. Dig Dis Sei,
Mosby Elsevler 2006; p. I 53. 2010:55:1458-6.
Castells, A, Saló, J, Planas, R, Quer, JC, Gln~, A, Bolx, J, Gln~s, P, Gassul~ AM, Lenz, K. Treatment o( circulatory failure in cirrhosis and management ofthe he-
Ter~s. J, Arrnyo, V, Rodés, J. lmpact of shunt surgcry for varlceal bleedlng patorenal syndrome. Em: Arrnyo, V, Bosch, J, Bruguera, M, Rod~s. J, S:lnchez,.
In lhe natural history of asciles in cirrhosis: A retrospectlve study. Hepa- Tapias, JM. Tn:atme11t ofllver disttJJtJ. Barcelona. Masson, p. 85, 1999.
tology, 1994; 20:584-91. Luca. AI. Pag4n-Garcla, JC, Bosch, J, Wladimirn, ), Gin~s. A, Fern,nde-<, M,
O'Aibuqucrquc, LAC, Oliveira e Silva. A de, Gen:!lnl, T, Miranda, MP, Roldan- Escorscll, A, Arroyo. V, Rod~s. J. Beneficiai effects ofintravenous albumina
Mollna, F. Prngnostic value of preoperative tests In the IW'gi<:al treatment infusion on lhe hemodynarnic aod humoral changes after total paracentuu.
o( ucltes with the implant of Le Veen shuntsln cirrbodcs. Arq. Gastroen- Hepatology, 1995; 753-8.
terol., 1991; 28:124-31. Moore. KP. Wong. F, Ginês, P ~ aL lbe management of ascites In c:irrhosis:
Davis, O. Feng. S, Sung. R~ aL Simultaneous liver-lddney transplantation: rcport on lhe Consensus Conferenu o( the lnternational Ascites Club.
Evaluadon to dcci.sioo oaldng. Ann I T"""J>'ant, 2007; 7:1702-9. Htpolology, 2003, 38'.258.
Durand, F & Valia, O. ASS<SS~mnt of prosnosis of drrhosls. Sónin Uw:r Dis, Moreau. R. Vasoconuritor therapy. lbe hepatorenal synclrome and beyond.
2008, 28:110- 22. Em: Arroyo. V, Foms, X. Garcia-Pagán, JC. Rodes/ (ed). PTOfT<$S Íll lhe
Gadano, A, Hadengue, A, Widmann, 11. Vachiery, F, Moreau, R. Yans. S, Sou- Treatment ofUw:r Dlseasa. Barcdona: Ars Medica. 2003. p. 23.
pison, T, Sogn~ P, Ikgott, C. Durand, F, lkmuau, /. Bdghitl, /, Erlinger, Moreau, R & Lebrec, O. Prbe en charge d.. malades atteints de ciirhose ayant
S, Benharoou, JP, Lebrec, O. Hemodynamics after orthotopic Uver trans- une ascite. Gastroentero/ Clln Blol, 1999; 23:379-87.
plantation: Study o( associated Cactors and long·terrn effects. Hepatology, Navua, M, Forns, X, Bata! ler, R. S4nchez-Fueyo, A, Rod~, I (ed.). Update In
1995: 22:458·65. Treatment ofUver Dlseas<. Barcdona: Ars Mediea, 2005. p. 69,
Gatdlner, SM, March, JE, Kemp, PA et a/. Regional heterogeneity in the he- Oliveira e Silva, A de, Melo, CRR, Santos TE <1 ai. Reversão da slndrome he•
modynamic rcsponses to urotensin li lnfuslon ln relatlon to UT receptor patorrenal após transplante de flgado. Considerações sobre transplantes.
localizallon. Br 1 Pharmaciol, 2006:612-621. Arq Gastrotnttro/, 1997; 34:235.
Genrlllnl, P, Loffi, G, La VUia, G et a/. Asciteo and hepa<orenal syndrome du- Oliveira e Silva, A de, Saroudlo Cardozo, VD, Silva Rocha, B, Oliveira Souza,
rlng cirrbosil: two cntities or the oontinuatlon of the ume eomplication? E, Wahle, RC, D'Aibuquerque, LAC. TIPS na ueite refratária. Em: Terra,
I Hcpatol, 1999; 31:1088-97. C. Alves de Manos, A (ed.). CompllcaÇfle$ da ciTTOst. Ascite e lnsuficltncla
Gerbes, AI. Pathophysiology of ucltes forrnaüon In clrrhosu o( the liver. He- rtnal. Rio de Janeiro: Revlnter Editora, 2009. p. 129.
pato-Gastroentvol, 1991; 38:360-4. Planas, R. Ruiz dcl Àtbol, L. Sollá, R. Cabrera, ). Paracent..IJ-Indueed clrcu-
latory dysfunction. Mechanisms and prevention. Em: Arroyo. V, Bosch,
Gerl>es, AI.. Gulberg. V. Ginb, P ~ aL therapyofhyponatr<mia in cirrosis with
vuopiUSina r=ptor antagonist: a randomlud double-bUnd multicenter
J, Bruguen, M, Rodá, /, Sánebez..Tapia.s. JM: T,.,.mn1 of llw:r diseJua.
Barcdona, Muson, p. 91 , 1999.
trlaL Gastrotnlerology, 2003; 114:933.
Poraylm, MK. lntnvuc:ular volW"D< regulatioo In c:irrhollc padents with func-
Gin~ P, Catdenas, A, Arroyo, V. Rodés, J. Management o(ciirboois and ascites.
tlonal renal faUure. Thuupl Pro<, 1993; 25:1727-9.
N Engll Mtd, 2004; 350:t646.
Ruiz. R. Barrl, YM, )ennings, LW et aL Hepatorenal syndrom•: A proposal for
Girgran, N, Liu, P, Colller, I et al. Haeroodynaroic renal sodium handling.
kidney aftor llver tnnsplantation (KALT). Uw:r Transp~ 2007; 13:838-43.
and neu.rohormonal effects of acute admlnlstratlon of low dose lo.sartana,
Runyon, BA. Management of adult patients with ascites due to clnhosis. H~·
an angioteruina 11 receptor antagonist, in preascltlc cltrh0$IS. Gut, 2000;
patology, 2004; 39:841.
46:114-20.
Runyon, BA. Treatment o( patlents wilh cirrhosis aod ascites. Sem LNtr Dls,
Groszmann, R/. Progression of portal hypertension: an analysls of variants. 1997; 17:249-60.
Em: Arroyo, V, f-orns, X. Garcia-Pagàn, JC (ed.). Progrcu in the treatment Salemo, F. Merli, M, Reggio, O ti ai. Paracentesis plus albumina in drrhosls
of llver dlscases, Barcelona, Ars Medica, p. 3, 2003.
with severe aselrcs. Htpatology, 2004: 40:629·635.
Guevara, M, Gin~ P, Fernandez-Esparrach, C ti a/. Re--ersal of hepatore.W Saoyal, A, Gennnlngs, C, Reddy, KR et aL A randomiud controUed study o(
syndrome (HRS) by prolonged administratlon of ornlpreosin and plasma TIPS verms large volume pancentesis in lhe treatment o( refractory ascit•s.
volume cx.pansion./ Hepaw~ 1998; 27:35-41.
Gastroenterology, 2003:342:1701-17.
Guevara. M. Ginb, P, Fernandtt-Esparrach, G <1 aL Reversibility ofhqntoren&l Song. W. Abdcl-Razik, AE, Lu, W ct aL Urotensln 11 and renal function In the
syndrnme by prolonged administratloo o( omlpresln and volW"Oe cx.pan- rat. J(jdney In4 2006; 69:1360-8.
sloo. Htpatology. 1998; 27-.35. Trebidca.J, Leifelcl, L. Hannenbers. M d aL Hemodynamic effects of Urntensl
Guyader, O, Patat, A, Ellis-G~ EJ, Orayk. G P. Phltl'niGO<Iinamic effects 11 aod its spec:lfic r=ptor antasonist plaosunn In c:irrhotic rau. Htpat<>-
o( a nonpeptlde antidiurelie horrnone V2 antagonlstln drrhodc palients /og)l2008;47:1264-76.
wlth ucltes. Htpolology, 2002; 36:1197. Trevisan. F, Sic:a, G, Malngui. P ~ aL Autonomic dysfunction and hyperdynamlc
Hilalre, S, Labianca. M, Borgonovo, G, Smadja, C. Grange, O, Franco, O. Perit<>- circulation In drrbosis with ascirc.. H<paW/og)ll999; ».1387·92.
nlovc:nous •huntlng oflntractable ueitesln paticnu with clrrhosu: lmpro- Woos. F. Management o( ascit... Em: Sanyal. AJ, Shah, VH (ed.). Porra/ hyper-
vlng results and predictive factors o( Cailure. Surgory, 1993; 113:373. tension. Human Preose. Totowa: New )ency, 2005. p. 301.
lnoue, T, Ohnishl, A, Matsu~ A et ai. lherapemlc and diagnostlc potential of Wong. F, Blei, AT, Blendis, LM, lbuluvath, PJ. A vasopressin receptor anta-
a vasopresslna-2 antagonist for impaired water handllng in cirrhosis. Clin gonist (VPA-985) lmprnfes serum sodium concentration in pallentt wlth
Pltarmacol Ther, 1998: 63:65 I. hyponatremla: a muhlcenter, randomized placebo-controlled trlal. llepa-
)inda), RM & Popc.cu, I. Renal dysfunction assoeiated wilh liver transplanta- to/ogy, 2003: 37:182.
tlon. Postgmd Med 1. 1995:513-24. Wong, P, Pantea, L, Snlderman, K. Midodrine, O<tr<otide, albumina, and TIPS
Kemp, W, Krum, H, Colmao, J et ai. Urntensin 11: A novel vasoactivc mcdiator in selected patíents wilh cirrhosis and type I hepatorenal syndrome. He-
linked to chronic liver disease and portal hypert<nsion. Liver lrtl, 2007: patology, 2004: 40:55.
27:1232·9. Wong. F, Sniderman, K. Llu, P, Blendis, L lbc mechanism ofthelnltlal natrlu-
Knepper, M, Wade. JB, Terris, J ~ aL Renal aquaporins. Ki.dney lrtl, 1996: ......, after transjugular lntrahepatic partosystemicshunl. Gastroenterology,
49:1712-7. 1997; 112:899·907.
60 Síndrome Hepatorrenal e
Síndrome Hepatopulmonar
Heitor Rosa e Américo de Oliveira Silvério

periférica. Segundo essa teoria, a hipoperfusão renal resulta da


S[NDROME HEPATORRENAL diminuição progressiva do volume sanguíneo efetivo, provoca-
do por uma progressiva ativação dos sistemas renina- angioten-
• INTRODUÇÃO sina e nervoso simpático, mediados por barorreceptores. Em
fases avançadas, ocorre também a liberação não osmótica da
Aproximadamente 8% dos cirróticos com ascite são pro- arginina-vasopressina pela neuro-hipófise que contribui para
pensos a desenvolver um tipo especial de insuficiência renal, retenção de água livre. Esse hormônio não participa diretamen-
denominada síndrome hepatorrenal (SHR). Essa sindrome não te do desenvolvimento da SHR, mas é fundamental na gênese
se acompanha de evidências clínicas, laboratoriais e histoló- da hiponatremia dilucional que prenuncia a ocorrência da SHR.
gicas comuns às outras formas de insuficiência renal em pa- Assim, há vasoconstrição não somente na circulação renal, mas,
cientes não cirróticos. Apresenta prognóstico sombrio, sendo também, em outros leitos vasculares (membros superiores e
uma importante causa de óbito nos pacientes que aguardam o inferiores e circulação cerebral). A circulação esplâncnica es-
transplante hepático (TH). capa da ação dos agentes vasoconstritores, podendo persistir
A SHR é uma insuficiência renal funcional que ocorre em uma marcada vasodilatação, provavelmente pelo aumento na
pacientes em fase avançada de insuficiência hepática e hiper- produção local de substâncias vasodilatadoras - como o óxi-
tensão portal. A síndrome é decorrente de uma vasoconstrição do nítrico.
arterial renal na ausência de uma nefropatia subjacente. Essa Nos eventos que surgem logo após a instalação da hiperten-
importante vasoconstrição arterial resulta em diminuição da são portal (HP), a perfusão renal mantém-se em níveis normais
taxa de filtração glomerular, enquanto, na circulação extrar- ou próximos ao normal, tanto pelo aumento na síntese quanto
renal, há um predomínio de vasodilatação arterial, resultando pela atividade de fatores vasodilatadores renais, por exemplo,
em diminuição da resistência vascular sistêmica e hipotensão a produção de prostaglandinas. Essas substâncias promovem
arterial. Embora a SHR ocorra predominantemente em pacien- a vasodilatação das arteríolas aferentes, mantendo o ritmo de
tes com cirrose avançada, ela também pode desenvolver-se em filtração glomerular. Todavia, nas fases avançadas da HP, a
outras hepatopatias associadas a grave insuficiência hepática e perfusão renal pode não se manter, em decorrência de uma
hipertensão portal, como a hepatite alcoólica e a insuficiência extrema diminuição do volume sanguíneo efetivo, causando
hepática aguda ou fulminante. uma ativação máxima dos sistemas vasoconstritores e/ou dimi-
nuição da atividade dos fatores vaso dilatadores renais e, assim,
podendo desenvolver a SHR. Essa vasoconstrição renal já pode
• FISIOPATOGENIA estar presente semanas, ou mesmo meses, antes do surgimento
das manifestações clínicas, ou da elevação dos níveis séricos de
Uma acentuada vasoconstrição renal é o principal elemen- ureia e creatinina.
to na fisiopatogenia da SHR, cujo mecanismo ainda não está Também é válido considerar a vaso constrição renal na SHR
completamente esclarecido. Possivelmente, resulta de inúme- como o resultado de uma relação direta entre o figa do e o rim,
ros fatores, que culminam na diminuição do volume sanguí- e não necessariamente como uma relação patogênica com os
neo efetivo, que, por sua vez. é secundário à vasodilatação es- desequiliôrios hemodinârnicos sistêrnicos. Essa inter-relação
plâncnica e vasoconstrição compensatória do leito vascular poderia ser efetivada por um reflexo hepatorrenal, causando
extraesplâncnico. vasoconstrição renal, ou pela diminuição na síntese ou na li-
Dentre as diversas teorias propostas para explicar a relação beração de um fator vasodilatador renal pelo figado doente.
entre as alterações na circulação renal, a ativação de agentes Entretanto, não há comprovação desse suposto fator vasodila-
vasoconstritores e a presença de alterações hemo dinâmicas sis- tador, e a existência de um reflexo direto hepatorrenal é descrita
têrnicas, a mais aceita é aquela referente à vasodilatação arterial somente em animais, mas não em humanos.

684
Capitulo 60 1 Sfndrome Hepotorrenal e Sfndrome Hepotopulmonar 685
Em aproximadamente 5096 dos pacientes, a SHR desenvolve-
• ACHADOS nrNICOS ELABORATORIAIS se sem que se possa identificar qualquer fator desencadeante,
sendo implicada a própria evolução da doença-base. Os pacien-
A incidência de SHR em cirróticos hospitalizados para o tra-
tes que apresentam ascite de dificü controle e queda progressiva
tamento de ascite varia de 7 a 1596. As manifestações clínicas da
da concentração sérica de sódio são aqueles considerados de
sindrome são decorrentes da combinação de insuficiência renal
alto risco para desenvolverem a SHR Entretanto, em outros,
e alterações hemodinâmicas. Os pacientes que desenvolvem a há uma clara relação cronológica com algumas complicações
SHR. na sua maioria, apresentam disfunção hepática avançada, clínicas, tais como as infecções bacterianas, uso de anti-infla-
sendo os achados periféricos da insuficiência hepática frequen- matórios não esteroides ou intervenção terapêutica, como para-
tes, exceto nos casos de insuficiência hepática aguda e hepatite centese sem reposição volumétrica. Das infecções bacterianas, a
alcoólica. A insuficiência renal pode ter um inicio rápido ou peritonite bacteriana espontânea (PBE) é o fator desencadeante
insidioso, com acentuada retenção de sódio e água, resultando de SHR mais comum. Aproximadamente 3396 dos pacientes
em ascite, edema e hiponatremia dilucional; e anormalidades com PBE apresentam diminuição da função renal na ausência
hemodinâmicas (Quadro 60.1). A presença dos sinais e sinto- de choque e sem uso prévio de antibióticos ne.frotóxicos. Em
mas clássicos da IR não é a regra, e os nfveis de creatinina, ureia, cerca de 1096 desses pacientes, a função renal não se norma-
hiperpotassemia, edema pulmonar e acidose metabólica não são liza após a resolução da infecção, e a metade destes apresenta
tão marcantes quanto na IR de outras etiologias. critérios diagnósticos do tipo I da SHR Nesses pacientes, a
São descritos dois diferentes tipos de SHR. de acordo com administração de albumina na dose 1,5 glkg no momento do
a intensidade e a forma de inicio da insuficiência renal (Qua- diagnóstico e I glkg após 48 h mostrou-se eficaz em reduzir a
dro 60.2). piora hemodinâmica e evolução para SHR. No manejo da as-
Como a SHR é uma forma de insuficiência renal funcional, cite tensa, recorre-se à realização de paracentese total; nessas
as características de urina são as mesmas observadas nos pa- circunstâncias, a administração de albumina na dose de 8 g por
cientes com azotemia pré-renal, ou seja, pequeno volume, baixa litro de ascite removida mostrou-se eficaz em reduzir a evolução
concentração urinária de sódio e um aumento da osmolalidade para SHR Estudos controlados demonstram a superioridade da
urinária e da taxa de osmolalidade urinoplasmática. Em alguns reposição com albumina em relação a outros expansores.
pacientes, essas alterações urinárias podem não estar presentes, A hemorragia digestiva pode precipitar quadros de falência
sendo as características semelhantes às de pacientes com ne- renal após choque hipovolêmico, e, na maioria desses pacientes,
crose tubular aguda. Por isso, essas alterações são consideradas a causa primária é a necrose tubular aguda, não sendo conside-
como critérios menores no diagnóstico. rada como SHR. Por outro lado, a hemorragia pode complicar-
se com PBE. fator precipitante de SHR.
Como citado anteriormente, a hepatite alcoólica pode evo-
luir com SHR; em casos selecionados, a admin.istração de pen-
T toxifilina na dose de 400 mg TID por 28 dias pode reduzir a
Quadro 60.1 Alterações hemodinâmicas encontradas em incidência dessa complicação.
paàentes com síndrome hepatorrenal
FatorH aumentados Fato~s dlmlnuldos • DIAGNÓSTICO
Débito cardlaco Pressão arterial O diagnóstico da SHR é de exclusão, não havendo qual-
Volume sangulneo Resistência vascular slstêmica quer teste comprobatório específico. Para o diagnóstico, deve-
Sistemas vaSO<onstritores Resistência vascular esplãncnica se demonstrar a diminuição do ritmo de filtração glomerular.
P~ssão portal Tendo como ponto de partida a elevação da creatinina, pro-
Shunr portosslstêmico cura-se descartar como causa: hipovolemia (diurético, vômito,
Resistência vascular renal diarreia e hemorragia); presença de infecção em atividade em
Resistência das artérias branquiais e qualquer local, lembrando a grande predisposição à infecção
femorals desses pacientes; uso atual ou recente de drogas nefrotóxicas;
Resistência vascular cerebral doença renal parenquimatosa, necrose tubular aguda ou fator
pós-renal (uropatia obstrutiva). A demonstração de creatini-
na inferior a 1,5 mgldl não significa a ausência de disfunção
renal (Quadro 60.3).
----.
Quadro 60.2 Classificação clínica da sfndrome hepatorrenal
• TRATAMENTO
Slndrom• hepotorrwnal tipo I
A integridade hepática restaura a doença renal funcional;
1. DuplkaçAo dos valores iniciais da creatlnlna sérica a nfveis maJores
assim, o transplante hepático (TxH) é o tratamento ideal para
que 2.5 mgldl; ou
pacientes selecionados. Não obstante, a realização do trans-
2 . Reduç~ de 5096 dos valores inkiais de depu raçA<> de creatinina de
24 h a nlveis menores que 20 mUmin, em menos de 2 semanas. plante nem sempre é possfvel em decorrência da pequena ex-
pectativa de vida dos pacientes com SHR.
Sfndrome htpatarrwnal tipo 11 O TxH no paciente com SHR evolui com maior morbidade
1. A insufidênc.ia renal não apresenta um curso rapidamente e mortalidade precoces que os indivíduos sem SHR pré-trans-
progr~ssivo. Os valores de creatinina sérica perman«~m entre 1,5 e
2,5 mg/dl; ou
plante. Ce.rca de 3396 dos pacientes necessitarão de hemodiá-
2. Redução da depuraç.jo da creatinina de 24 h abaixo de 40 mt/min
lise, em comparação com apenas 596 dos pacientes transplan-
tados sem SHR; mesmo assim, a sobrevida após 3 anos é em
686 Capftulo 60 1 Sfndrome Hepatorrenal e Sfndrome Hepatopulmonar


Quadro 60.3 Critérios propostos pelo /ntemotiono/ Asátes Oub •
Quadro 60.4 Recomendações para tratamento
para odiagnóstico da sfndrome hepatorrenal farmacológico na SHR tipo I
Critérios maior.. • Duração de no mlnlmo S dias e no m~ximo de 14 dias.
1. Baixa taxa de filtraçao glomerular, lndlcada por uma creatínina sérka • Objeti110: redução da creatinina sérlca abaixo de 1,5 mgldt.
> 1,5 mgtdt ou pela depuraçao de creatlnína < 40 ml/min. • Fánnacos e doses recomendados:
2. Auséncia de choque,lnfecçlo bacterlana em curso, desídr.naçao e Terlipreuino: O.S-1 mg. EV, a cada 4 h; pode-se aumentar a dose para
tratamento atual <om drogas nefrotóxlcas. 2 mg de 4/4 h após 2 a 3 dias se nao houver queda dos valores da
3. Auséncia de melhora duradoura da funçjo renal (dlmínulçio na creatinina.
creatinína sérka para 1,5 mgldt ou menos, ou aumento na depuraçao Midodrina: 7.S mg. VO, de 8/8 h. associada ao octreotldlo 100 mg. SC.
da aeatinlna para 40 ml/mín ou mais) após a retirada dos diurétkos e de 8/8 h; pode-se aumentar a dose para 12.5 mg de 818 h e 200 mg de
a expansao do volume plasmltko com 1.5 t de expansor plasmalico. 818 h da midodrína e do octreotldio, respectivamente. após 2 a 3 d ias,
4. Proteinúria. 500 mgldt. se nao houver resposta.
S. Auséncia de evidêndas ultrassonogr~ficas de uropatia obstrutiva ou Norodrenalino em infusa o venosa contínua na dose de O.S-3 mg/h.
de doença parenquimatosa renal. • Albumina humana. ev; na dose de 2Cl-40 gldia (associada a todos os
Crit érios m•nores ou compl•m•nter•s• fánnacos).
1. Volume urina rio, 500 mt/dia.
2. Sódio urínarío, 10 mEqlt .
3. Osmolarídade urinária maior que osmolaridade plasmática.
4. Urina apresentando 50 hemácias por campo de grande aumento. A recorrência da SHR deve ser tratada da mesma forma, sen-
s. Concentraçao de sódio sérlco, 130 mEq/t. do as taxas de sucesso semelhantes às do primeiro tratamento
(Quadro 60.4).
•Esses crlt~rios Mo do necessários, mas estio habitualmente presentes. As informações sobre o uso do shunt portossistêmico intra-
hepático transjugular (TIPS) para o tratamento de pacientes
com SHR são bastante limitadas. Algumas publicações suge-
rem que o TIPS melhora a perfusão renal e a taxa de filtração
torno de 60%. Os pacientes listados, ou candidatos a TxH, g!omerular, além de reduzir a atividade dos sistemas vasocons-
devem ter, se possível, a SHR revertida por medidas farmaco- tritores. Em pacientes com SHR tipo 11, a melhora na perfusão
lógicas antes do TxH. Estudos demonstram que pacientes nos renal está associada a um aumento na excreção renal de sódio
quais a SHR foi revertida previamente apresentam os mes- e melhora na resposta renal ao uso de diuréticos. Em pacientes
mos resultados iniciais dos pacientes que nunca tiveram essa com SHR tipo I, o uso do TIPS está associado a um moderado
complicação. A sobrevida em 3 anos, considerando os casos aumento do fluxo sanguíneo renal e da taxa de filtração g!o-
merular e à redução dos níveis séricos de creatinina em alguns
de SHR e os pacientes transplantados sem SHR, é de, respec-
tivamente, 70 e 80%. (mas não em todos) pacientes. Ainda é incerto se a melhora na
função renal estã associada a um aumento na sobrevida. Além
~fundamental melhorar a função renal e prolongar a sobre-
dessas dúvidas, acresce que o TIPS estã relacionado com uma
vida até que o paciente faça o transplante. Muitos tratamentos
grande frequência de efeitos colaterais, sendo o principal a en-
farmacológicos jã foram utilizados na SHR. Alguns medica- cefalopatia hepática.
mentos têm demonstrado algum sucesso nos pacientes com As derivações peritônio-venosas, em pacientes com SHR
SHR tipo l. O uso de drogas isoladas, como a dopamina e as tipo I, parecem prevenir a progressão da insuficiência renal,
prostaglandinas, tem apresentado pouco ou nenhum efeito mas não prolongam a sobrevida quando comparadas com as
sobre a função renal. Recentemente, o uso de alguns fármacos medidas de suporte. No momento, não hã indicação desse pro-
com atividade vasopressora mostrou -se eficaz na reversão da cedimento na prãtica clínica.
disfunção hemodinâmica e, consequentemente, na melhora Em alguns centros, a hemodiãlise é utilizada para o controle
da função renal. O mais estudado e utilizado é a terlipressina, da azotemia e manutenção do equilíbrio hidreletrolítico nos pa-
um anãlogo da vasopressina, que apresenta taxa de sucesso em cientes com SHR, enquanto aguardam o TxH, mas essa indica-
torno de 75%. Outros fãrmacos utilizados são a midodrina, ção não é rotineira. Muitos pacientes também necessitaram de
um agonista alfa-adrenérgico, associado ao octreot{dio (anta- diãlise após o TxH por um período de tempo variãvel. Estudos
gonista do glucagon) e à norepinefrina. Todos esses fãrmacos não controlados sugerem que a diãlise não é muito eficaz no
devem ser administrados associados à albumina (Quadro 60.4). tratamento da SHR, pois é alta a incidência de paraefeitos gra-
O impacto do tratamento farmacológico na história natural ves, incluindo hipotensão arterial, coagulopatia e sangramento
da SHR ainda deve ser mais bem avaliado, através de estudos digestivo. Além disso, o prognóstico dos pacientes submetidos
prospectivos; todavia, a reversão observada na SHR estã as- à diálise sem TxH é desalentador.
sociada à melhora da sobrevida. Essa terapia é oferecida por, Cabe ressaltar que os pacientes com SHR devem ser encami-
no mínimo, 5 dias até, no mãximo, 14 dias, com objetivo de nhados para o TxH e que, principalmente pela escassez de doa-
reduzir a creatinina para valores inferiores a 1,5 mgldl. Devi- dores, tanto o tratamento farmacológico como o TIPS devem
do a efeitos colaterais importantes, e não infrequentes, essas ser empregados como uma •ponte• para o transplante.
drogas não são indicadas na SHR tipo li. Nesses pacientes, a
piora da função renal de modo rãpido pode caracterizar-se
como SHR tipo I, sendo indicada a terapia farmacológica. Os • PROGNOSTICO
efeitos colaterais mais comuns são eventos isquêmicos, como
angina, infarto do miocãrdio, dor abdominal e isquemias pe- O prognóstico da SHR é reservado. Os pacientes com diag-
riféricas, por isso deve ser evitado em pacientes vasculopatas. nóstico de SHR tipo I apresentam sobrevida média de 2 se-
Capitulo 60 I Sfndrome Hepatorrena/ e Sfndrome Hepatopulmonar 687

manas se não são tratados; os pacientes com SHR tipo li so- estão localizados nas superfícies pleurais e assemelham-se a
brevivem por alguns meses sem terapêutica dirigida. No tipo "aranhas vasculares". Funcionam como um shunt, desviando do
li, a função renal está relativamente conservada, e a principal alvéolo o sangue desoxigenado, podendo justificar a hipoxernia
consequência cUnica é a ascite refratária. No tipo I, os doentes e muitos dos fenômenos fisiológicos observados na SHP.
geralmente apresentam sinais de insuficiência hepática avança- A fisiopatogenia da vasodilatação intrapu.lmonar permanece
da. A piora progressiva de uma ascite e a hiponatrernia anun- incerta; vários mecanismos têm sido postulados para explicá-
ciam a evolução para SH R. A hiponatremia não deve ser tratada la, incluindo um desequilíbrio entre as substâncias vasodila-
de forma rotineira, repondo-se soluções salinas hipertônicas, tadoras e vasoconstritoras normalmente presentes na circu-
pois, além de serem ineficientes, aumentam a retenção de só- lação, resultando em um predomínio das vasodilatadoras ou
dio e água, podendo precipitar o óbito em edema pulmonar. A em aumento na sensibilidade ao nível do endotélio pulmonar
combinação de hiponatremia, uremia e hipotensão é prenúncio a um fator vasodilatador produzido ou não metabolizado pelo
de desenlace fatal. fígado doente, ou em uma hiporresponsividade às substâncias
vasoconstritoras.
Alguns estudos têm demonstrado que o leito vascular de
SfNDROME HEPATOPULMONAR animais ou de pacientes com hipertensão portal é hiporres-
ponsivo a substâncias vasoconstritoras exógenas, incluindo
norepinefrina e angiotensina li. Essa hiporresponsividade pa-
• INTRODUÇÃO rece ser decorrente de uma alteração na resposta pós-receptor,
Os pacientes com cirrose podem apresentar uma grande provavelmente por uma diminuição na atividade dos mensa-
variedade de doenças pulmonares, tais como bronquite crôni- geiros celulares. :e descrito aumento no nível de AMP-cfclico
ca, derrame pleural e complicações ventilatórias secundárias à e GMP-dclico e diminuição no cálcio iônico intracelular em
ascite tensa. Certos tipos de cirrose podem estar associados a animais com hipertensão portal. Essas alterações podem justi-
doenças especificas do pulmão, como é o caso da cirrose biliar ficar a diminuição do tônus vascular e a atenuação da resposta
primária e alveolite fibrosante, ou a deficiência de alfa-1-anti- vasoconstritora pulmonar à hipoxia.
tripsina, e ao enfisema pulmonar. Recentes achados fortalecem a teoria de que o óxido nítrico
A sfndrome hepatopulmonar (SHP) pode ser caracterizada (NO) (anteriormente chamado de fator relaxante derivado do
pela tríade cUnica que inclui doença hepática. anormalidades endotélio) seja o principal agente mediador responsável pela
nas trocas gasosas (aumento no gradiente alvéolo-arterial de vasodilatação intrapulmonar observada na SHP. O NO é um
oxigênio, com ou sem hipoxemia) e a presença de dilatações potente vasodilatador pulmonar, sintetizado via um processo
vasculares pulmonares (Quadro 60.5). Outras anormalidades oxidativo que envolve a conversão da L-arginina em NO e citru-
pulmonares (p. ex., derrame pleural, doença pulmonar obstru- lina, pela ação catalftica de uma famflia de enzimas, as sintetases
tiva crônica) podem coexistir com a SHP, dificultando o seu do NO (NO-S). Estudos com modelos animais demonstram
diagnóstico (Quadro 60.5). que a atividade das NO-S pode ser induzida por endotoxinas
bacterianas e citocinas. A sua s!ntese pelo endotélio vascular é
responsável pelo tônus vasodilatador, sendo importante para
a regulação da pressão sanguínea.
• FISIOPATOGENIA Postula-se que a endotox.emia observada nos cirróticos in-
O diâmetro normal dos capilares pulmonares é de aproxima- duziria, diretamente, a atividade das NO-S ou, indiretamente,
damente 8 a ISIJ.lll. Os pacientes com SHP podem apresentar através da liberação de citocinas, com consequente aumento
capilares com até 500 IJ1ll de diâmetro, localizados preferen- da síntese de NO, e que este seria o mediador responsável pelo
cialmente na periferia e nas bases pulmonares. Essas dilatações estado hiperdinãmico e pela vasodilatação pulmonar observa-
permitem desequilíbrio na relação entre a ventilação/perfusão dos nesses pacientes. Se essa teoria é correta, a inibição da sín-
pulmonar, contribuindo, dessa forma, para a hipoxemia. tese de NO poderia restaurar a capacidade de vasoconstrição
Outras alterações vasculares que foram observadas nos cir- pulmonar em resposta à hipoxia. Certamente, o NO não pode
róticos são as comunicações vasculares diretas entre a artéria explicar todos os achados da SHP nos pacientes com comuni-
pulmonar e as veias pulmonares. Esses canais normalmente cações arteriovenosas anatômicas. Outros fatores angiogêni-
cos podem ser importantes no desenvolvimento das dilatações
vasculares.

- T
Quadro 60.5 Critérios diagnósticos da sfndrome hepatopulmonar • ACHADOS nrNICOS ELABORATORIAIS
Doença hep,tlca A dispneia, que é o sintoma pulmonar mais comum, pode
-Cirrose ser agravada por exercício. Alguns pacientes podem apresentar
- HipertensAo portal nAo clrrótlu platipneia, ou seja, dispneia quando assumem a posição supina,
- Hepatite aguda fulminante
- RejeiçAo de transplante
que é aliviada com o decúbito dorsal, e/ou ortodeoxia, carac-
Hipoxemia
terizada pela dessaturação da oxigenação arterial (hipoxernia
- PaO, < 70 mmHg arterial) maior que 3 mmHg, quando o paciente assume a po-
-Aumento do gradiente alvéolo-arterial de oxigêni o (> 20 mmHg) sição ereta. A presença desses sintomas reflete a gravidade da
Dilatação vascular lnttapulmonor dilatação vascular pulmonar, a qual predominaria nos terços
- Oemonstrada pela ecourdlografia com contraste, cintilografia inferiores de ambos os pulmões.
pulmonar ou anerlografia pulmonar A ortodeoxia é um achado cUnico caracter!stico, mas não é
PaO, = P<essio pordll de oxlgfnlo ortfriol patognomônico da síndrome. Acomete até 8896 dos pacientes
------- com SHP, tanto quando eles se encontram respirando aram-
688 Capftulo 60 I Sfndrome Hepatorrenal e Sfndrome Hepatopulmonar

biente, quanto respirando 0 2 a 100%. Cinco de sete (71,4%)


pacientes com ortodeoxia, acompanhados por 5 anos pela
• DIAGNÓSTICO
Mayo Clinic, apresentaram piora progressiva, e, de.stes, qua- A apresentação cUnica é geralmente pobre, mas a SHP deve
tro faleceram, evidenciando a necessidade de intervenção nos ser considerada em cirróticos com dispneia progressiva, ciano-
estágios iniciais em doentes que demonstram um declínio na se, hipocratismo digital, platipneia e ortodeoxia. ~ importante
oxigenação. lembrar que as manifestações pulmonares podem preceder o
A hipoxemia é um achado clinico relativamente comum nos diagnóstico da doença hepática e que a ortodeoxia e a platip-
pacientes com doença hepática avançada, acometendo cerca da neia não são achados clínicos exclusivos da SHP.
metade dos cirróticos submetidos ao TxH. Entretanto, a inci- As alterações nos gases arteriais são indicadores utilizados
dência de hipoxemia (Pa02 < 70 mrnHg) associada a dilatações para auxíliar o diagnóstico da s!ndrome. As gasometrias arte-
vasculares pulmonares é relativamente incomum, variando de riais obtidas com o paciente em repouso podem evidenciar uma
5 a 24%. A presença de hipoxemia grave (Pa02 < 50 mmHg), Pa02 , < 70 mmHg, ou saturação de hemoglobina < 92%.
em um paciente com hepatopatia, sugere fortemente o diag- A administração de oxigênio em uma concentração de 100%,
nóstico de SHP. com o uso de grampos nasais e adaptador bucal, fornece impor-
Em verdade, a hipoxemia nesses pacientes é multifatorial, tante informação e pode ou não ser realizada com o paciente
sendo causada não só pelas dilatações vasculares intrapulmo- nas duas posições. O Quadro 60.6 resume as resposta.s da Pa0 2
nares, mas também por alterações na difusão alvéolo-capilar à administração de oxigênio a 100% e seus significados.
e por desequilíbrio na relação ventilac;ão/perfusão alveolar A dete.rminação do gradiente alvéolo-arterial permite, de
(VA/Q). uma forma mais acurada, determinar anormalidades na oxi-
A hipoxemia ainda pode ser agravada pela circulação hiper- genação tecidual nos pacientes com SHP, visto que a simples
dinâmica observada nas doenças hepáticas avançadas, ou pelo determinação da Pa0 2 pode subestimar o verdadeiro grau de
exerdcio, pois, com o aumento do débito cardíaco, haverá um déficit de oxígenação. Isso porque, comumente, os cirróticos
menor tempo disponível para o 0 2 alcançar as hemácias no apresentam-se em estados hiperdinâmicos, nos quais a hiper-
centro do capilar pulmonar. ventilação e a taquicardia mascaram urna verdadeira hipoxe-
Não há evidência de correlação entre a SHP e medidas mia, que pode, à custa desse estado híperdinãm ico, estar dentro
bioquímicas de função hepática (tempo de protrombina, al- dos valores bioquúnicos de referência.
bumina, bilirrubina, enzimas hepáticas), nem, tampouco, com As medidas da Capacidade Vital Forçada e do Volume Ex-
a presença de ascite ou sangramento gastrintestinal. Entretanto, pirat6rio Forçado, no primeiro segundo, são essencialmente
normais, ou seja, não existem sinais de obstrução de vias res-
parece haver uma associação direta entre a hipoxemia e o grau
das varizes esofágicas. piratórias ou de restrição (naturalmente, sempre considerando
pacientes sem outras doenças cardiacas ou pulmonares asso-
Dentre os achados de exame f!sico, destacam-se as presenças
ciadas). A medida do Volume Residual também não demonstra
de hipocratismo digital, aranhas vasculares e cianose; todavia,
alteração significativa nessa slndrome.
não são achados constantes. No exame fisico do tórax, nenhuma A medida da difusão de gases. em especial do monóxido de
particularidade é observada em relação à slndrome. carbono, pode estar reduzida, mesmo após correção dos valo-
A presença de aranhas vasculares cutâneas é um achado res obtidos de acordo com a quantidade de hemoglobina. O
frequente e tem forte correlação com a s!ndrome. Essas ara- emprego da técnica de EMGI permite avaliar o papel dos me-
nhas têm sido consideradas como marcadores de envolvimen- canismos básicos que podem determinar hipoxemia arterial
to extra-hepático em paciente com cirrose hepática. Embora na cirrose hepática.
as aranhas vasculares cutâneas possam ser encontradas em O radiograma simples de tórax é normal. A tomografia com-
pacientes não portadores da SHP, há uma correlação entre a putadorizada de tórax pode evidenciar a presença de espessa-
sua presença e a existência de comunicações vasculares intra- mento pleural e de dilatações vasculares pulmonares. Entre-
pulmonares. tanto, esses métodos não acrescem maior esclarecimento na
Alguns autores admitem que a presença de hipertensão por- identificação dessa s!ndrome.
tal associada ao hipocratismo digital e às aranhas vasculares Atualmente, a presença das vasodilatações pode ser con-
cutâneas sugere SHP. firmada pela ecocardiografia com contraste (ECC), cintigrafia
com macroagregados de albumina radiornarcados. ou pela ar-
teriografia pulmonar.
• CLASSIFICAÇÃO
Krowka e Cortese propuseram uma classificação para a SHP,
baseada nos nlveis de oxigenação arterial e nos achados angio- T·
gráficos: Quadro 60.6 Respostas da Pa02 à administração de
Tipo I - pacientes com dilatações pré-capilares difusas que oxigênio a 100% eseus significados
apresentam urna resposta quase normal à administração de
oxigênio a 100%. Nesse tipo, podem ser percebidas finas rami- Resposta (mmHg) Significado
ficações vasculares, lembrando as aranhas vasculares cutâneas. < 100 Presença de um verdadeiro SIPou SIC
Nos casos mais avançados, as dilatações podem assumir um 100.300 Considerar a presença de SIP
aspecto difuso, semelhante a esponja ou manchas, em ambos 300.500 NAo exclui a presença de SIP
os campos pulmonares, principalmente nas bases; >500 Exclui a presença de SIP
Tipo 11 -pacientes com pequenas e localizadas vasodilata-
ções - malformações arteriovenosas - que apresentam pobre PaO, =ptessAo pardal de oxlgfolo orteriol; SIP • shunr lnrrapulmonar; SIC • fhunr
intracatdtaM:o.
resposta ao oxígênio a 100%. Esse tipo é pouco comum.
Copftu/o 60 I Sfndrome Hepotorrenol e Sfndrome Hepotopulmonor 689

Figura 60.1 Ecocardiograma bidimensional com contraste (EGBC) de um paciente com dilatação vascular intrapulmonar. A. C~maras cardía-
cas normaiS. B, Presença de microbolhas no átrio e ventrículo direito. C. OpacifKação tardia, pelas microbolhas. do átrio e do venrrlculo es-
querdo.

A ECC é considerada como o método não invasivo de esco- a seis ciclos cardíacos após o seu aparecimento nas câmaras
lha para a detecção das dilatações vasculares intrapulmonares. cardíacas direitas (Figura 60.1). O seu aparecimento antes do
Pe.rmite excluir a presença de comunicações intracardíacas, terceiro ciclo sugere a presença de comunicação intracardlaca.
quantificar o grau de opacificação do ventrfculo esquerdo e, por A prevalência de ECC positiva (com dilatação vascular intra-
intermédio da ecocardiografia transesofágica, pode localizar o pulmonar) em hepatopatas crônicos é de 5 a 47%.
maior local de dilatações vasculares (lobo superior ou inferior, A cintigrafia pulmonar com macroagregados de albumina
direito ou esquerdo). marcada com 99mTc é outro método utilizado para a detecção
Esse método utiliza indocianina verde, dextrose a 5% ou da vasodilatação intrapulmonar, sendo mais específico que a
solução salina, as quais, quando agitadas, formam microbo- ECC. A maioria dos macroagregados de albumina apresenta
lhas, que são maiores que o leito capilar pulmonar normal díâmetro superior a 20 llffi, sendo, portanto, maior que o diA-
(8 a 15 J..llll). Logo após a injeção dessas substâncias na veia metro do leito capilar pulmonar normal Em condições nor-
antecubital, pode ser detectada a presença das microbolhas, mais, o pulmão capta a maioria dos radíoisótopos, permitindo
que são ecogénicas, nas cãmaras cardíacas direitas. Em condí- a passagem de apenas 3 a 6% dos macroagregados. Na presença
ções normais, essas microbolhas ficam retidas no leito capilar de comunicações vasculares intrapulmonares ou intracardía-
pulmonar. Todavia, em pacientes com dílatações vasculares cas, os radioisótopos não são totalmente captados na circula-
intrapulmonares ou anastomoses broncopulmonares, as mi- ção pulmonar, podendo ser detectados no cérebro, nos rins e
crobolhas podem ser identificadas no átrio esquerdo em três no flgado (Figura 60.2). O método permite quantificar o grau
de dilatação vascular, pela determinação da porcentagem de
radioisótopos que escaparam da circulação pulmonar, e é par-
ticularmente importante para avaliar a contribuição da SHP na
hipoxemia em cirróticos com pneumopatia. Entretanto, esse
método é incapaz de distinguir as comunicações vasculares
intrapulmonares das intracardíacas. além de possuir baixa sen-
sibilidade quando comparado com a ECC.
A arteriografia pulmonar é o mais invasivo dos três méto-
dos e, por essa razão, o menos utilizado (Figura 60.2). Não é
necessária para o diagnóstico, porém pode ser útil na escolha
do tipo de tratamento.

• TRATAMENTO
Nas fases iniciais, a hipoxemia, em pacientes com a SHP,
geralmente responde bem à suplementação de oxigênio, em
fluxo baixo (2 a 4 l /min), através de um cateter nasal. Poste-
riormente, uma suplementação progressivamente maior passa
a ser necessária, e, então, pode-se oferecer o oxigênio através
de cânula transtraqueal.
Vários agentes terapêuticos têm sido utilizados no tratamen-
to da SHP, todavia sem uma melhora substancial. O objetivo da
terapia farmacológica é limitar a vasodilatação pulmonar pelo
uso de substâncias que inibem a vasodilatação ou que poten-
cializam a vasoconstrição.
Figura 60.2 Arteriografia pulmonar evidenciando extensas vasodila- Foram relatados casos de pacientes tratados, com sucesso
tações arteriovenosas. limitado, utilizando análogos da somatostatina, drogas anti-
690 Capitulo 60 I Sfndrome Hepotorrenol e Sfndrome Hepotopulmonor

inflamatórias, alrnitrina ou iníbidores das prostaglandinas, ini-


bidores da NO-S. Até o presente, não há nenhum tratamento
• PROGNOSTICO
farmacológico que, inequívoca e consistentemente, melhore O prognóstico da SHP é reservado com uma mortalidade
a oxigenação e altere a vasodilatação pulmonar associada à de cerca de 40% após 2,5 anos. Apenas o transplante de fi.
SHP. gado oferece uma melhor esperança em casos selecionados.
Ao longo da última década, o TIPS tem se consolidado como De maneira geral, pacientes com PO,, superior a 60 mmHg
um tratamento eficaz em algumas complicações da hiperten- devem receber transplante tão cedo quanto posslvel. Aqueles
são portal, como na prevenção do ressangramento por varizes com PO, inferior a 60 mmHg merecem uma avaliação rigo-
esofágicas e no controle da ascite refratária. O seu uso em ou- rosa pela equipe de transplante, que julgará o risco -beneficio
tras situações associadas à hipertensão portal ainda necessita cuidadosamente. Finalmente, convém insistir em que não há
de estudos controlados. O papel do TIPS no tratamento palia- no momento nenhuma droga que tenha provado ser eficiente
tivo da SHP ainda é controverso. Embora a maioria dos casos por longos períodos.
relatados de SHP que utilizaram o TIPS tenha experimentado
melhora, existem relatos de insucesso dele.
A oclusão de malformações arteriovenosas pulmonares con- • LEITURA RECOMENDADA
gênitas através do uso de cateter transcutâneo proximal à flstula
é um procedimento já estabelecido. Essa técnica é uma opção • Síndrome hepatorrenal
tera~utica para o manejo do shunt arteriovenoso intrapulmo-
nar, dito verdadeiro, como o presente na slndrome de Rendu- Angeli. P. Review artide: prognosis of bepatorrenal syndrome - has it
changed wilh current practicel AUmenL Pharmarol. Thtr., 2004; 20 (Su-
Osler-Weber. Portanto, aplica-se especialmente nos pacientes ppL 3):44-6.
com o tipo II da SHP. Arroyo, V. Cirrbosis and its complications: ascites. dilutional byponat.remia
O emprego destes dois métodos, TIPS e embolização, no and hepatorenal syndrome. Em: Galvão Alves, J. Temas de atualizaçdo em
tratamento da SHP parece ser apenas uma medida paliativa, Ga.stroenterologla, XV Jornada de Gastroenterologia da Santa Cau de MI-
sericórdia do ruo de Janeiro, ruo de Janeiro, p. 3-24, 2005.
servindo como uma ponte para o TxH. Eles devem ser mais bem A<royo, V, Gines, P, Gerbd, A, Dudley, FJ. Gentilini, P, Lafli, G, Reynolds, TB,
avaliados, especialmente nos pacientes com PaO, <50 mmHg, Ring-La....,n, H, Scholmerlch, J. Definition and diagnostic cri teria of re-
que sabidamente apresentam maior morbidade e mortalidade fractory ascltes and hepatorenalsyndrome in cirrhosl.s. Htptllology. 1996;
pós-transplante. 23:164-76.
Bataller, R, Ginb, P, Guevan. M, Arroyo, V. Hepatorenal syndrome. ~mln.
Até pouco tempo atrás, a presença de grave hipoxernia ar- Uwr Dls., 1997; 17:233·47.
terial era contraindicação absoluta ao TxH; todavia, com os Cardenas, A. Hepatorenal syndrome: a dreaded romplication of end-stagellver
relatos de melhora da hipoxemia pós-transplante, a SHP é atu- disea.se. Am.}. C.U"""t<rol., 2005; 100:460-7.
almente considerada uma indicação para a realização do TxH. Ginb. A. Escorsdl. A. GWs, P, Salo, J, funenez, W, Inglada. L. Navasa, M,
Oaria, J, Rimol.t, A, Arroyo. V, Rodes, J. Inci<knce, predictive faGtors, and
A normalização da hipoxernia pode ocorrer em poucos dias ou prognosis of hepatorenal syndrome in cirrbosis. Gastrocnttn>logy. 1993;
demorar até cerca de 14 meses após o transplante. 105:229·36.
A morbidade e a mortalidade após o TxH parecem estar Ginb. P & Arroyo, V. Hepatorenal syndrome./. Am. Soe. Ntphrol., 1999;
aumentadas neste subgrupo de pacientes. Arguedas e colabo- 10:1833-9.
Ginb, P, Torre, A. Terra, C. Guevara, M. Review article: pharmacological treat-
radores acompanharam prospectivamente 24 pacientes, com ment ofhepatorrenal syndrome. Alimtnt. PhamUJccL Thtr., 2004; 20 (Suppl
SHP, submetidos a transplante. Destes, 7 (29%) morreram no 3):57-62.
pós-operatório, 5 dos quais por complicações cardiopulmona- Runyon, BA. Management o( adult patients w ·i th asdtes due to cirrhosls. fie·
res, e todos os óbitos ocorreram dentro de um período de 1Ose- patology, 2004:39:1- 16.
Scbrler, RW, Arroyo. V, Bernardi, M, Epstein, M, He.n riksen, JH, Rodes, J, Pe-
manas depois do transplante. Uma PaO,S 50 mmHg isolada ripheral arterial vuodilatlon hypothesis: a proposal for lhe initiation of re.W
ou em combinação com uma fração de shunt intrapulmonar sodiwn and water retentlon in cirrhosis. Htpa~olbgy. 1988; 8:1151-7.
2: 20%, estimado pela cintigrafia pulmonar com macroagrega- Sort, P, Navasa, M, AmYyo, V, Aldeguer, X, Planas, R, Ruiz-dei·Arbol, L, Castdls,
dos de albumina marcada, foram fortes preditores de mortali- LL, Vargas, V, Sor!ano, G, Guevan, M, Gines, P, Rodes, J. EJI'ect of intnve·
nous albwnin on renal impairment and mortalúy in patienu wilh cirrbosis
dade pós operatória, sugerindo que aqueles pacientes com grave and spontaneo111 t.cterlal petltonltls. N. Eng1. J. Med.. 1999; .341:403·9.
hipoxemia e um significativo shunt intrapulmonar, ca.racterís-
ticas apresentadas pelos pacientes com SHP tipo 11, devem ser
mais bem avaliados no pré-operatório. • Síndrome hepatopulmonar
Não obstante, existem relatos contrários, como o de Kim e Abrams. GA, Jaffc. CC. Hofl'cr, PB, Binder, HJ, Fallon, MB. Oiagnostic utlUty
colaboradores, que compararam as características pré-opera- of contrast ecbocardlography and lung perfusion scan in paticnts wilh he-
tórias e o seguimento após o transplante de 13 pacientes com patopuimonary syndrome. CtUtrO<:ntuology. 1995: 109:1283·3.
Abnuns, GA, Nanda, NC, Oubovsky, EV, Krowka, MJ, Fallon, MB. Use of ma·
SHP e 65 controles, e não observaram diferenças significativas croaggregated albwnln lung perfusion scan to diagnose hepatopulmonary
entre os dois grupos no que se refere a tempo de intubação syndrome: a new approach. Ca.stroenterology. 1998; I 14:305-10.
orotraqueal, permanência na UTI, duração da hospitalização, Agusti, AGN, Roca, J, Rodrlguez-Roisin, R. Mecbanisms ofga. exchange1m-
taxa de complicações pulmonares e sobrevida em 3 meses. Su- pairment in patJents wlth llver cirrhosis. Clin. Chest Med., t 996: 17:49·66.
geriram que a presença de SHP não afeta de forma significativa Arguedu, MR, Abrams, GA, Krowb, M1 Fallon. MB. Pl'O$pectlve evaluatlon
ofoutcomes and predictors of mortality in patienu wilh hepatopulmonary
os resultados do TxH em cirróticos. syndrome undersolng Uver tnnsplantation. Htpatolbgy. 2003; 37:192-7.
Portanto, embora, atualmente o TxH permaneça como a Castro, M & Krowb. M~ Hepatopulmonary syndrome. A pulmonary vuculu
única terapia real para a SHP, a reversibilidade desta slndrome, compUcatJon ofllver diseue. Clin. Chat Med., 1996; 17:3s-48.
após o transplante, ainda não é passível de previsão. Dentre as Crawford, ABH, Regnis, J, Laks, L. Pulmonary vuculu dilatation and dilfu-
sion-dependent impairment of gas exchange in tiver cirrboois. Eur. Rnpir.
perspectivas futuras para o TxH na SHP, caberá uma melhor J., 1995; 8:2015-21.
identificação do subgrupo de pacientes com melhores condi- Ferreira, CAL & Oanl, R. Sfndrome hepatopuimonar: relato de caso. GED,
ções de beneficiar-se depois do procedimento. 1998; 17:1 85·90.
Capftulo 60 I Sfndrome Hepatorrenal e Sfndrame Hepatopulmonar 691
Garcia, E & Silvério, AO. Síndrome hepatopulmonar. Em: Silva, LCC. Condutas Langc, P & Stollcr, JK. Thc hepatopulmonary syndsomc. Effect of Uver trans-
em pneumologia. Rio de Janeiro, Revintcr, cap. 12. p. 785·92, 2001. plantation. Clin. Chest Med., 1996; 17:115-23.
~~~-~~~M~M~~~M~~ Schen, KP. Schoniger-Hekele, M, Fuhrmann, V. Madl. C. Silberhumer, G, Müller,
Rhee. JC. Outcomes in patients with hepatopulmonary syndrome undergo- C. Prognostic significancc of thc hcpatopulmonary syndrome in patients
ing liver transplatation. Transplant. PrO<., 2004; 36:2762-3. with cirrhosis. Ga.troenterology. 2003; 125:1042-52.
Krowka. MJ, Tajik. J, Oickson, ER ti a/. Intrapulmonary vascular dilatations Silvério, AO, Garcia, E. Rosa, H. Síndsomc hepatopulmonar. Em: Mattos, AA
(IPVD) in livcr transplant candidates. Scrccning by two-dimcnsional con- & Dantas, W. Compendio de Hepatologia. 2.• cd., São Paulo, Fundação Byk,
trast-cnhanced cchocardiography. Ches4 1990; 97:1165-70. cap. 44, p. 685-96,2001.
61 Peritonite Bacteriana Espontânea
Angelo Alves de Mattos e Angelo Zambam de Mattos

As infecções bacterianas permanecem como uma das compli- diversas; no entanto, a via hematogênica parece ser a mais
cações mais frequentes e preocupantes nos pacientes com cir- aceita.
rose. A quebra de barreiras mucosas ou epiteliais (trato respirató-
Sendo a hepatopatia crônica, provavelmente, uma das for- rio, trato urinário e a pele) pode servir como porta de entrada
mas mais comuns de imunodeficiência adquirida, no senso para o organismo infectante; contudo, a maioria dos m icrorga-
genérico do termo, não é de surpreender que as infecções bac- nismos que causam a PBE são de origem entérica. Desta forma,
terianas sejam eventos comuns em sua história natural. Quando o principal fator que desencadeia o surgimento da PBE parece
avaliamos 541 internações consecutivas em nosso hospital, dos ser a quebra da barreira mucosa intestinal, e o mecanismo pro-
426 pacientes com cirrose hepática, observamos a presença de posto, a translocação de bactérias entéricas para os linfonodos
infecção em 25% dos casos. Destas, as mais frequentes foram mesentéricos e daí para a circulação sistêmica. Os três principais
infecção do trato urinário, peritonite bacteriana espontãnea mecanismos para explicar a translocação bacteriana, que não
(PBE), broncopneumonia e infecções de pele. No entanto, den- podem ser excluídos em um paciente com hipertensão portal,
tre as infecções que acometem os pacientes com hepatopatia são: alteração da flora intestinal, alteração da permeabilidade
crônica a de maior importância é a PBE. da mucosa intestinal e diminuição das defesas do hospedeiro.
Entende-se por PBE a infecção do fluido de ascite sem Assim, em decorrência da translocação bacteriana, poderá so-
que haja um foco intra-abdominal aparente causador da in- brevir um quadro de PBE devido à incapacidade do fígado em
fecção . remover as bactérias da corrente sanguínea, pois os shunts por-
.!!. importante salientar que, já nas primeiras séries de pa- tossistêmicos, tanto intra quanto extra-hepáticos, permitem que
cientes descritas na literatura, observava-se o que poderíamos as bactérias realizem um "curto-circuíto", fugindo à captação
considerar variantes dessa doença. Assim, em alguns casos, do sistema reticuloendotelial, que provavelmente é o maior
tínhamos quadros em tudo semelhantes à PBE, porém com local de remoção das bactérias.
exame bacteriológico no liquido de ascite negativo (ascite neu- A presença de Hquido peritoneal, de ascite portanto, é par-
trofilica- AN); em outros, tínhamos quadros silenciosos, com te crítica nesta síndrome, sendo condição sine qua non para o
pequena resposta celular no liquido de ascite, embora com cres- surgimento da PBE.
cimento de bactérias quando cultivado (bacterioascite- BA). O liquido peritoneal, que normalmente tem uma atividade
antimicrobiana, perde parte dessa capacidade no doente cir-
rótico, tornando-se, assim, excelente meio de cultura. A opso-
• INCIDENCIA nização, processo que envolve a superfície do microrganismo
invasor com irnunoglobulina ou com o complemento, funda-
A PBE e suas variantes constituem uma complicação que se mental à fagocitose, está prejudicada no cirrótico, podendo ser
desenvolve frequentemente em pacientes cirróticos com ascite, baixo o índice opsônico do fluido de ascite.
principalmente quando de etiologia alcoólica. A sua incidência Também foi demonstrado que a concentração de proteí-
oscila entre 4 e 27%. Têm um prognóstico ainda reservado, va- nas no liquido de ascite é menor naqueles pacientes com PBE,
riando a mortalidade de 20 a 30%, mesmo nas séries mais atuais. havendo uma estreita correlação entre a atividade opsônica, a
Em nosso meio, na última década, a prevalência da PBE girou concentração de proteínas e os níveis de complemento. Assim,
ao redor de 11%, com uma mortalidade de 22%. pacientes com concentração de proteínas no liquido de ascite
inferior a 1 gldl têm maior risco de desenvolver PBE.
Em resumo, poderíamos afirmar que, na patogênese da PBE,
• Patogenia há o envolvimento de bactérias a colonizar uma ascite suscetí-
A patogenia da PBE ainda não está bem estabelecida. As vel à infecção por déficit de sua atividade antirnicrobiana en-
rotas prováveis para que a bactéria chegue ao peritônio são dógena (Figura 61.1).

692
Copftulo61 I ~ritoniteBocterionoEspontdneo 693

Hemorragia digestiva AI!. permeabilidade mucosa Ali. flora intestinal

Bactéria em gânglio linfático mesentérlco

ReSOlução do processo·
' Infecção do 1n110 respiralôno
''Infecção do traiO unnároo

Figura 61 .1 Fisiopatologia da peritonite bacteriana espont3nea.

• DADOS ClfNICOS apresenta, caso não seja tratada de forma precoce, é muito
importante que seu diagnóstico seja feito de forma rápida e
A forma de apresentação c!Jnica da PBE é extremamente pleo- adequada. Para tanto, é fundamental o estudo do líquido de
mórlica, variando desde os pacientes assintomáticos até aqueles ascite, motivo pelo qual todo paciente com ascite admitido
com quadro de peritonite franca. No entanto, a maior parte com· em hospital deva submeter-se à paracentese diagnóstica. Em-
preende aqueles casos com manifestações oligossintomáticas. bora, por motivos óbvios, o esclarecimento diagnóstico esteja
Classicamente, a PBE é caracterizada por febre de início centrado no exame bacteriológico, em decorrência dos resul-
abrupto, calafrio, dor abdominal, sinal de Blumberg presente e tados falso-negativos e da demora em obtermos seu resulta-
diminuição dos ruídos hidroaéreos. Náuseas, vOmito e diarreia do, é importante que tenhamos, a princípio, outros índices
são achados comuns. diagnósticos.
Este quadro se sobrepõe àquele encontrado em um paciente Dos parãmetros bioquimicos, parece-nos relevante a dosa-
com hepatopatia crônica descompensada. gem de proteínas. Os pacientes com níveis de proteínas inferio·
A gravidade dos sintomas parece estar diminuindo nos re- res a 1 gldl, pela dificuldade em destruir as bactérias, parecem
latos mais recentes, presumivelmente em decorrência de um ter 10 vezes mais chances de desenvolver infecção do líquido
maior índice de suspeita clínica e do uso mais rotineiro da pa- ascítico. Assim, sua determinação pode selecionar possíveis
racentese diagnóstica nos últimos anos. candidatos a desenvolverem um quadro de PBE, permitindo,
Com frequência, os pacientes se apresentam com manifes- então, que, nesta população, sejam utilizadas medidas profilá-
tações frustras do tipo febre sem foco definido, encefalopatia ticas, como consideraremos mais adiante.
portossistê.mica, dor abdominal incaracterística, falta de res- Na realidade, o grande parâmetro prático no diagnóstico da
ponsividade da ascite à terapêutica utilizada ou, simplesmente, infecção do lfquido peritoneal parece ser o exame citológico do
um quadro de deterioração c!Jnica. fluido de ascite, através da contagem dos polimorfonudeares
(contagem igual ou superior a 250 células por mm'). Recente-
mente, foi publicado um estudo, sugerindo um papel de im-
• TESTES DIAGNÓSTICOS portância para as fitas que detectam esterases leucocitdrias no
exame de urina, quando estas fitas são utilizadas no exame do
Tendo em vista as manifestações clinicas da PBE serem, Uquido ascftico. Assim, este exame proporcionaria um diagnós-
muitas vezes, atípicas, bem como o prognóstico reservado que tico extremamente ágil de PBE, permitindo o início da antibio-
694 Capitulo 61 I Peritonite Bocteriono Espontélneo

ticoterapia empírica. No entanto, como foi demonstrado que a mes do líquido de ascite revelarem infecção já nos primeiros
contagem automatizada de células, à semelhança do que ocor- 3 dias de hospitalização; caso contrário, é considerada como
re no sangue, proporciona resultados semelhantes ao método nosocomial.
manual clássico, é possível que a utilização de testes de triagem Do ponto de vista prático, consideramos PBE aqueles casos
não ganhe um maior prestígio. Ressalte-se a necessidade dava- em que o exame citológico mostra contagem de PMN superior
lidação destes resultados por outros autores. Da mesma forma, ou igual a 250 células por mml e na ausência de fonte intra-
entendemos ser de interesse um aprofundamento na utilização abdominal de infecção. Consideramos AN aqueles em que não
de técnicas de biologia molecular na avaliação diagnóstica do há crescimento bacteriano na cultura do líquido de ascite, po-
líquido de ascite. rém a contagem de PMN é igual ou superior a 250 células por
Um outro critério que deve ser levado em conta no diagnós- mml, na ausência de fonte intra-abdominal de infecção. Nestes
tico da infecção do líquido de ascite é a diminuição do número casos, não deve haver evidência do uso de antibiótico nos úl-
de PMN com a terapêutica instituída. timos 30 dias que precederam a paracentese e deve ser exclui-
O exame bacteriológico é realmente o gold standard da PBE. da a possibilidade de tuberculose e carcinomatose peritoneal,
~ su.rpreendente o fato de uma única espécie de bactéria causar pancreatite e de ascite hemorrágica. com base em estudos apro-
a infecção em 9096 das situações. Outro aspecto interessante é priados do líquido de ascite. BA é considerada quando um mi-
a baixa população bacteriana nestas situações, havendo uma crorganismo é isolado no líquido de ascite com uma população
concentração média de 1 a 2 bactérias por ml , o que inclusive de PMN inferior a 250 células por mml, sem haver evidência
poderia explicar os frequentes resultados falso-negativos das de fonte de infecção intra-abdominal.
culturas.
A maior parte dos microrganismos responsáveis pela PBE
são integrantes da flora aeróbica normal do intestino; 60 a 80% • DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
são bactérias aeróbicas Gram-negativas. A bactéria que mais
frequentemente é isolada nos casos de PBE é a E. co/i. Bacté- ~ fundamental que a PBE seja diferenciada da peritonite
rias como K. pneumoniae, S. pneumoniae e outras espécies de bacteriana secundária (PBS). Embora ambas possam ser infec-
estreptococos são também encontradas com relativa frequên- ções letais, uma conduta conservadora em paciente com víscera
cia, sendo descrito, no entanto, um espectro muito grande de oca perfurada ou uma conduta cirúrgica em um paciente com
bactérias. PBE são catastróficas.
~ interessante notar que os anaeróbios não têm um papel A PBE ocorre com uma frequência 10 vezes maior do que
de destaque na PBE. embora dominem a flora intestinal, em a PBS. Em 10 a 15% dos pacientes com infecção peritoneal, é
particular os bacteroides. A frequência dos anaeróbios nas cul-
encontrado um foco intra-abdominal de infecção.
turas gira ao redor de 5%. A explicação para isso poderia estar Duas formas de PBS podem ser reconhecidas, dependendo
baseada no fato de esses germes não atravessarem a barreira da existência de perfuração de uma víscera oca (úlcera péptica
mucosa intestinal, não sobreviverem à passagem pela corrente perfurada, ruptura de um divertículo de cólon) ou não (abs-
circulatória ou não proliferarem no líquido de ascite. cesso perinefrítico, apendicite aguda).
A infecção peritoneal com múltiplos microrganismos, ou Clinicamente, não é possível a diferenciação entre a PBE e
com anaeróbios, muitas vezes estará na dependência de uma a PBS. A análise inicial do derrame peritoneal e a resposta de
peritonite bacteriana secundária. determinados parâmetros do líquido de ascite ao tratamento,
Em vista de um terço de pacientes com PBE morrerem em porém, têm mostrado valor para definir se trata-se de PBE ou
até 7 dias após o diagnóstico, a velocidade com que a bacté-
PBS.
ria é identificada pode ser crucial, já que a terapêutica poderá
Peritonite associada a perfuração pode ser identificada com
então ser reorientada. Por outro lado, toma-se fundamental
base na análise bioquimica do líquido de ascite, sendo caracte-
que a sensibilidade das culturas aumente, evitando uma inter-
rupção prematura da antibioticoterapia, com sérios danos ao rizada por preencher, no mínimo, dois dos seguintes critérios:
níveis de proteinas superiores a 1 gldl; de glicose inferiores a
paciente. Em decorrência desses fatores, alguns autores, tendo
o grupo de Runyon como incentivador, apregoam a realização 50 mgldl e atividade de desidrogenase láctica superior ao seu
do exame bacteriológico com inoculação do material coletado limite máximo normal no soro. Este critério peca pela baixa
em frascos de hemocultura. O exame bacteriológico, quando especificidade. No entanto, um antígeno carcinoembrionário
feita a inoculação de 10 ml de líquido peritoneal em meio de na ascite maior do que 5 nglml ou uma fosfatase alcalina no
líquido peritoneal superior a 240 UI/ t apresentam uma elevada
hemocultura, à beira do leito, possibilitaria uma positividade
que gira ao redor de 60 a 90% dos casos. acurácia no diagnóstico da PBS decorrente de perfuração.
Uma amilase elevada no líquido peritoneal pode sugerir a
Parece ser fundamental que a inoculação seja feita à beira do
perfuração de víscera oca. Em regra, a contagem de PMN é mais
leito, já que teoricamente as bactérias poderiam ser destruídas
elevada na PBS. Embora, nestes pacientes, a infecção geralmente
no trajeto do material ao laboratório, em decorrência da refri-
geração inadequada ou pela atividade antimicrobiana endógena seja causada por mais de um microrganismo e com frequên-
continuada do fluido de ascite. cia anaeróbios, o resultado das culturas, sendo tardio, pouco
Quando analisamos a globalidade dos casos por nós avalia-auxilia nesta avaliação. Observe-se que o exame bacterioscó-
dos de PBE e de suas variantes, obtivemos um exame bacterio- pico é mais frequentemente positivo na PBS, demonstrando
lógico positivo em 63% dos casos. múltiplos microrganismos. O isolamento de Candida albicans,
na ausência de candidlase sistêmica ou de intervenção abdo-
minal, é sugestivo de perfuração intestinal.
• DIAGNÓSTICO Na opinião de alguns autores, uma resposta após 48 h de
tratamento, com diminuição do número de PMN e negativação
Recentemente, os termos PBE comunitária e nosocomial do exame bacteriológico, seria de valor na diferenciação entre
têm sido utilizados. A PBE é tida como comunitária se os exa- a PBE e a PBS sem perfuração.
Copftulo61 I ~ritoniteBocterianoEspontdneo 695
Na realidade, esses critérios são utilizados não para indicar sintomáticos. Quando avaliamos a sobrevida de pacientes com
ab initio a necessidade de laparotomia, mas sim para que o bacterioascite, sem a utilização de antibioticoterapia, observa-
clinico decida se deve ou não realizar uma investigação mais mos que ela foi semelhante à dos pacientes com ascite estéril.
detalhada. Nos casos assintomáticos, a paracentese deve ser repetida, sendo
Pacientes com PBS devem receber cobertura com antibió- introduzido o tratamento medicamentoso quando houver um
ticos para anaeróbios em adição à cefalosporina de terceira ge- aumento significativo do número de PMN.
ração antes do tratamento cirúrgico. Embora seja de fundamental importância no tratamento da
PBE a utilização de antibioticoterapia adequada, diversos auto-
res têm demonstrado a importância da função renal como fator
• TRATAMENTO preditivo no prognóstico desses pacientes. Quando avaliamos
mais de 100 episódios de PBE, observamos urna mortalidade
Em reunião do International Ascites Club (IAC), foi esta- de 36 e 6,8% nos pacientes com e sem insuficiência renal, res-
belecido, como consenso, que deveriam ser tratados todos os pectivamente.
pacientes com hepatopatia crônica que tivessem 250 ou mais Baseados no fato de que a PBE pode estar associada a um
polimorfonucleares (PMN) por mm' no liquido de ascite. Pa- déficit da função renal e, ao partirem da premissa de que a ex-
cientes assintomáticos, em acompanhamento ambulatorial, pansão do volume plasmático preveniria esta disfunção, foi rea-
mesmo que com celularidade elevada no liquido de ascite, por lizado um estudo multicêntrico, prospectivo e randomizado,
apresentarem melhor prognóstico, poderiam ser considerados utilizando infusão de albumina endovenosa ( 1,5 glkg de peso no
exceção a esta regra. 1• dia e 1,0 glkgde peso no 3°dia) na profilaxia da insuficiência
A droga de eleição no tratamento é uma cefalosporina de renal desses doentes. Constata.ram não só uma menor presença
terceira geração, preferencialmente a cefotaxima. de hipovolemia e de déficit da função renal, como também uma
A duração usual da antibioticoterapia em infecções graves queda na taxa de mortalidade no grupo que usou albumina,
varia de 10 a 14 dias. Na PBE, a duração do tratamento tem quando comparado ao grupo-controle. Embora se necessite de
sido empírica. A PBE é caracterizada pela baixa concentração outros estudos para confirmar esses achados, é provável que a
de bactérias e pela falta de invasão tecidual ou de um foco de sobrevida desta população de pacientes possa ser aumentada
infecção. Assim, tratamentos de curta duração têm sido ava- com a utilização de expansores plasmáticos. Os pacientes com
liados. Em um estudo randomizado, demonstrou-se não haver bilirrubina elevada (superior a 4 mgldt) e aqueles com déficit
diferença na eficácia do tratamento ou na recorrência da PBE de função renal seriam os mais beneficiados. A utilização de
quando foram utilizados cursos curtos (5 dias) de cefatoxima. expansores plasmáticos sintéticos, comparados com albumina,
Tem sido nossa rotina a manutenção da antibioticoterapia por em um estudo-piloto, não se mostrou eficiente em prevenir a
um período de 7 dias. A dose preconizada é de 2 g de 8/8 h; deterioração hemodinâmica sistêmica.
nos pacientes com creatinina sérica superior a 3 mgldl , o in- Quando um quadro infeccioso, relacionado ou não à PBE,
tervalo de administração pode ser prolongado para 12 h. A leva um cirrótico ao choque séptico, parece mais comum que,
despeito de eventuais variações na conduta, a dose mínima em outras populações de pacientes, sobrevenha uma situação
a ser utilizada seria de 2 g de 12/12 h, e a duração mínima do de insuficiência adrenal relativa e choque refratário associado
tratamento, de 5 dias. a ela. Em cirróticos com choque séptico e insuficiência adrenal
Nos casos de PBE não complicada, que não estivessem em relativa diagnosticada pelo teste da corticotropina, pode haver
uso profilático de quinolonas, baseado no estudo capitaneado beneficio quanto à resolução do choque e quanto à sobrevida
pelo grupo de Barcelona, poderia ser utilizado o olloxacino na quando se utilizam corticosteroides em dose de estresse, em-
dose mínima de 400 mg de 12 em 12 h. Entendem-se por PBE bora mais estudos possam ser necessários.
não complicada aqueles casos em que a creatinina não ultra- No que tange ao tratamento, é importante salientar que a
passa 3 mg!dl, que não tenham sangrado, que não apresentem sobrevida observada nos pacientes com PBE é substancialmen-
encefalopatia portossistêmicagraus ll-IV, sem sepsee sem íleo te mais curta do que aquela relatada em pacientes com cirrose
paralitico. Outra proposta de terapia oral poderia ser com o uso submetidos ao transplante hepático. Assim, esse transplante
de ciprofloxacino. No entanto, o surgimento de um grande nú- deve sempre ser considerado naqueles pacientes que sobrevi-
mero de infecções com bactérias resistentes às quinolonas toma vem a um episódio de PBE.
seu uso discutfvel como droga de primeira linha.
Tem sido descrito, entre outras cefalosporinas, que o cef-
triaxone, em uma dose de 2 g/24 h, é efetivo no tratamento da • PROFILAXIA
PBE. Da mesma forma, a associação da amoxacilina com o ácido
clavulânico parece ser uma opção viável e bastante econômica Como a infecção contribui para piorar o prognóstico dos
no tratamento destas infecções. pacientes hepatopatas, entendemos ser fundamental o estabe-
Seja qual for a droga utilizada no tratamento, assim que o lecimento de medidas profiláticas para evitar sua ocorr!ncia.
microrganismo for identificado, o programa de antibiotico- A prevenção da PBE pode ter maior impacto na sobrevi da dos
terapia, se necessário, deverá ser adequado aos resultados das pacientes com cirrose do que o tratamento daquela compli-
culturas. cação.
A resposta ao tratamento deve ser avaliada pela repetição A PBE, a bacteriemia e outras infecções tendem a ocorrer
da paracentese 48 h após o início do tratamento. Quando este com mais frequ~ncia nos àrróticos após hemorragia digestiva.
foi eficiente, a contagem de PMN deve cair em 25 a 50%, e as Por outro lado, a probabilidade de recorrência da PBE em cir-
culturas tornam-se negativas. róticos é de 69% em 1 ano, e os pacientes com doença hepática
Os pacientes com AN devem ser tratados obedecendo aos mais grave e/ou concentração baixa de proteínas no liquido de
mesmos preceitos aplicados àqueles com PBE. Nos casos de ascite são aqueles que apresentam maior risco de desenvolver
BA, o tratamento deve ser institui do apenas naqueles pacientes um episódio de PBE.
696 Capftulo 6 1 I Peritonite Bacterlana EsponttJn~a

A profilaxia da PBE pode ser resumida da seguinte maneira: tente à meticilina, a adição de vancornicina deve ser considerada
A. Cirróticos com sangramento gastrintestinal recebem anti- quando há falha terapêutica. A dose preconizada é de 500 mg
biótico por 7 dias. Ressalta-se que nas recomendações da de 6/6 h, em infusão lenta, no m!nimo em 60 min.
Associação Americana para o Estudo das Doenças do FI- Na tentativa de buscar uma profilaxia menos dispendiosa,
gado (AASLD), poder-se-ia utilizar uma quinolona por tem sido proposta a utilização da sulfametoxazol-trimetoprima
via parenteral enquanto o paciente estivesse sangrando na prevenção da PBE. Utilizando dose dupla em cinco admi-
de forma ativa. nistrações por semana, foi observada uma menor incidência
B. Cirróticos em recuperação de episódio de PBE recebem de infecção, sem que, com isso, houvesse se constatado a pre-
antibiótico cronicamente até o transplante ou até o de- sença de efeitos colaterais. Em recente estudo por nós reali-
saparecimento da ascite. zado, quando randomizamos uma população de pacientes para
C. Para os cirróticos com ascite e com nfveis baixos de a realização de profilaxia, observamos não haver diferença na
prote!na no líquido ascítico, isto é, abaixo de 1,0 g/dl prevenção da infecção e na sobrevida quando a sulfametoxazol-
trimetoprima foi comparada com o norfioxacino. Assim, ela
(alguns autores consideram 1,5 gldl), a vantagem de se
poderia ser uma opção viável a considerar-se, uma vez que, por
instituir a antibioticoterapia profilática encontra-se in-
definida. ser menos onerosa e por ser disponível gratuitamente na rede
pública, poderia contribuir para maior adesão ao tratamento
Apesar dessa simplificação, alguns comentários são neces- e estender o beneficio da profilaxia a uma maior parcela da
sários. Na reunião de consenso do IAC. ficou acordado que a população. A dose preconizada é de 160 mg de trimetoprima
profilaxia deveria ser sempre realizada nos pacientes cirróti- + 800 mg de sulfametoxazol, 1 vez/dia, por 5 dias na semana.
cos com hemorragia digestiva e naqueles que já tiveram um No entanto, recente estudo sugere que a norfioxacina, ao con-
episódio de PBE. A droga de escolha para a profilaxia foi o trário da sulfametoxazol-trimetoprima, tem importante efeito
norfloxacino. imunológico, tanto ao nível hormonal quanto ao celular, além
Classicamente, a dose preconizada para doentes que apre- do efeito bactericida intestinal amplamente conhecido.
sentaram PBE e para pacientes com baixas taxas de prote!na
no líquido asático é de 400 mgldia, e, para aqueles que apre-
sentaram hemorragia varicosa, de 400 mg 2 vezes/dia, durante • LEITURA RECOMENDADA
7 dias.
Um estudo comparando o papel do norfloxacino e da cef- Angeloni. S. 1..-botre, C. Parente A <1 al. Efficacy of current guidellnes for tbe
triaxona em pacientes com cirrose avançada com sangramento treatmenl ofsponlantous bacterial perilonitis in lhe clinicai pnclke. World
digestivo demonstrou ser esta droga a mais efetiva em prevenir J Gastn>mtm>l, 2008;14:2757-62.
a infecção. Os autores sugerem a utilização de ceftriaxone I gldia Arto)'O. V & Navasa, M. Asdles and spontancous baàcrial peritonitis. Em:
Sdillf. ER. Sorrdl. MF, Madd~y. WC (ech.). Sdtiff's Diseasu of ~ U.er.
durante 7 dias em pacientes com sangramento digestivo e dois
Ph!acklphla. Upplncott· Raven. S27a 568, 2007.
ou mais critérios de gravidade da cirrose, quais sejam: ascite, Conn, HO & Fessel, IM. Spontaneous bactcrial pcritooitis in cirrhosls: varia·
desnutrição importante, encefalopatia hepática e bilirrubina tionson alheme. Mtdlclne, 1971; 50:161-97.
superior a 3 mgldl. Coral. GP & Manos, AA. Renal impaitmenl after spontaneous bacterial perito·
Na publicação do IAC, para os pacientes com um nível de nitis: incidence e prognosls. Can} Gastroenterol, 2003;17:187·90.
prote!nas no liquido de ascite inferior a I g/di, não houve con- Coral, GP, Man os, AA, Damo, DF et ai. Prevalência e prognóstico da peritonite
senso sobre realizar ou não a profilaxia. O uso de antibióticos, bacteriana espontlnea. Arq Gastroentero~ 2002: 39:158·62.
de forma rotineira, nestes casos, poderia favorecer o surgimento Fasolato. S. Angei~ P, Dallagnese, L et ai. Renal failurc and bacteriallnfectlons
de resistência bacteriana. Esta matéria, no entanto, é polêmi- in patients wich clrrhocls: epldemlology and dlnlc:al features. Htpatology,
2007;45:223·9.
ca. Nas recomendações da AASLD, é indicada a profilaxia em
Fernández, J. Del Arbo~ LR, Gómez, C er al. Norfloxacine vt Ceftrlaxone in lhe
tais circunstâncias. Existe estudo que, ao avaliar pacientes com Prophyluis o f lnfections in PatientJ wilh Advanced Cirrhosis and Hemor·
prote!.nas baixas no liquido de ascite, demonstrou que aqueles rbage. Gastroentero14gy, 2006; 131:1049·56.
com hiperbilirrubinemia e com plaquetopenia eram os que ti- Femández, J. Navau M . Gómete 1tt al. Bacterial infecdon in clrrhosls: eplde-
nham maior risco de desenvolver PBE. Talvez, então, seja esta miological changes wilh invuive procedures and norfloxacine propltylax!J.
a população que se beneficiaria com a antibioticoprolilaxia. Hepato/Qgy. 2002; 35:140.8.
Recentemente, foi publicado um estudo controlado com pla- Garcia·Tsao, G. Bacterlallnfectlons and antibiotlcs In cirrhosis. Em: Arroyo,
cebo, demonstrando ser a profilaxia primária com norfloxacino V, Forn.s, X. Garcla-Pagan. I C. Rodés, 1 (eds.). Progre.ss In the trtatrmnt of
liver diseasu. An Medica, Barc:elona. 2003; 43·50.
400 mgldia benéfica em pacientes com ascíte com protefna in-
Gines, P, Cárdenas, A, Arroyo. V, RcxMs, 1. Management of cirrhosis and asc:ltes.
ferior a 1,5 gldl e hepatopatiagrave (Child ~ 9 com bilirrubina
N Engl} Med, 2004; 350:1646·54.
~ 3 mg/dt) ou disfunção renal (creatinina ~ 1,2 mgldl, nitrogê-
Guarner. C. SolA. R. Soriano, G. Risk of a fi.rst community·acquired sponta·
nio ureico sanguíneo~ 25 mgldl ou Na• sérico S 130 mEqll), neous bacterlal perltonlllaln clrrhotlc with low ascitic nuld proteln levcls.
com redução da incidência de PBE e de sindrome hepatorrenal Gasrroenrerology, 1999; 117:414·9.
em I ano e, inclusive, aumentando a sobrevida desses pacientes. Hoefs, JC & Runyon, BA. Spontaneous baderial peritonitis. Dis Mon. 1985;
Um outro estudo recente, comparando a profilaxia primária Jl:l-'18.
com ciprofloxacino 500 mgldia contra placebo em uma popu- Jepsen, P, Vtlstrup, H, MoUer, IK er ai. Prognosis of patients with Uver cir·
lação de cirróticos com ascite com prote!na inferior a 1,5 gldl, rhosis and spontaneous bacterW pcritonitis. HtpatD-Gaslroenrm>l. 2003;
demonstrou redução da incidência de infecções e aumento da .50-.2133-6.
Mattos. AA. Coral. G, Menti, E tt aL lnfcçção bactcriana no padent<O drródco.
sobrevida no grupo-intervenção.
Jlrq G<utn><ntm>l. 2003; 40:11 ·5.
Naqueles casos que desenvolvessem PBE na vigência da anti- Navasa, M. Advan~s in the trtatment of spontaneous bacterial pcritonitis.
biótico-profilaxia, a droga a ser utilizada seria a cefotaxima. No Em: Arroyo. V. Bosch, J, Bruguera. M. Rodés, I (eds.). 7htrapy in liver
entanto, em decorrência de uma maior frequência de bactérias diseaseJ. 7ht pathophydological basis of therapy. Barcelona, Masson S.A.,
gram-positivas, particularmente de Staphylococcus aureus resis· 407 a 410. 1997.
Copftufo 61 I Peritonite Bocteriono Espontaneo 697
Nousbaum,J-8, Cadrancl, J-F, Nahon, Peta/. Diagnostic ae<:uracy ofthcMul- Salcrno, F, Gerbcs. A,Gin~. P, Wong. F, Arroyo, V. Diagnosis, prevention and
tistlx 8 SG reagent strip ln diagnosls of spontaneous bacterlal peritonitis. treatment ofhepatorena/ syndrome In drrhosis. Gut, 2007; 56:1310-8.
Hepatology, 2007; 45:1275-81. Sort, P, Navasa, M, Arroyo, V et al. Efi'ect of intravenous albumina on renal
Ri mola, A, Garcia-Tsao, G, Navasa, Meta/. Diagnosis, trcatmcnt and prophy- impairmcnt and mortality in patients Viith cirrhosis and spontancous bac-
laxis ofspontaneous bacterial peritonitis: a consensus document. f Hepatol, terlal perltonitís. N Engl I Med, 1999; 341:403-9.
2000; 32:142-53. Such,J, Guarner, C, Runyon, BA. Spontaneous bacterial peritonitis. Em: Arroyo,
Runyon. BA. Low-protein concentration asdtie fluld is prcdlsposed to sponta- V. Ginês, P, Rodés, ), Schrier, RW (eds.). Ascitts and renal dysfunction in liver
neous bacterial perítonitls. Gastoenterology, 1986; 91:1343 a 6. dlsease. Massachusens, Blackwell Sclence, 99 a 115, 1999.
Runyon, BA. Management of adult patients with ascites due to cirrhosis. He- Tandon. P & Garcia-Tsao, G. Bacterlal infections, sepse, and multiorgan failure
patology, 2004; 39:841-56. in cirrhosis. Sem Liver Dis, 2008; 28:26-42.
62 Hemorragia Digestiva
Alta no Cirrótico
Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo,
Evandro de Oliveira Souza, Raul Carlos Wahle, Taiane Costa Marinho,
Renato Ferra ri Letrinta, Arnaldo Berna/ Filho, Paula Huhueney Cruz,
Briane André Vertuan Ferreira, Fauze Maluf Filho

Durante a evolução natural da cirrose hepática, ocorrem mo- belecido entre potentes vasoconstritores, como endotelina-1,
dificações anatômicas e anatomofuncionais do parênquima leucotrienos, tromboxane A2, além de outros, e da presença de
hepático e do sistema venoso portal, responsáveis pela drena- moléculas vasodilatadoras, como óxido nítrico, anandamida,
gem do sangue proveniente do trato gastrintestinal, pâncreas, ou monóxido de carbono. Todos atuando sobre m icrovascu-
vesícula biliar e baço, em direção ao fígado. Mensurações de- laturas hepática, esplâncnica e sistêmica, conforme disposto
finem que o fluxo sanguíneo portal é de aproximadamente na Figura 62.1.
1 l por minuto e a pressão média, de 7 mmHg, facilitando o Complicações próprias desse distúrbio apenas instalar-se-
afluxo de cerca de 70% do oxigênio e da totalidade de fatores ão, desde que a pressão portal, mensurável por cateterismo de
hepatotróficos necessários ao perfeito funcionamento do pa- veias hepáticas, ultrapasse 10 a 12 mmHg. Nessa ocasião, de-
rênquima hepático. senvolver ão varizes esofagogástricas e ascite de pequeno ou
Cirróticos cursam com acentuada resistência intra-hepática, grande volume, resistente ou não ao tratamento com diuré-
consequência mecânica da distorção da arquitetura hepática ticos administrados, isolados ou associados às paracenteses.
que eles apresentam, causada por fibrose, formações de nódu- Cada uma dessas formas de apresentação tem características
los, remodelação sinusoidal e oclusão vascular. Associam-se a próprias comentadas Jogo adiante em outros capítulos, e mais
esses eventos um componente dinâmico, dependente da ativa graves nos pacientes com baixa reserva parenquimatosa de fi-
contração de miofibroblastos portais/septais, células hepáticas gado, classificados como Child B ou C.
endoteliais ativadas e as células da musculatura lisa de vênulas Além disso, observa-se que, seguindo-se o desenvolvimento
portais. Também esse comportamento e o do fluxo sanguíneo de hipertensão portal, ocorre abertura de microvasos e de co-
aumentado, que se processa pelo território esplâncnico, têm laterais venosas voltada a descomprimir o território hiperten-
intensidade e magni tude dependentes do balanceamento esta- so para a circulação sistêmica, hipotensa. Formam-se, assim,

DOENÇA HEPÁTICA CRONICA- FIBROSE


I
t
Microvasculatura hepática Vasculat ura esplâncnica e sistêmica

Vasodilatadores reduzidos N<~, anandamida e outros


(Cll, Nll, outros) vasodilatadores
+
Vasoconstritores aumentados
(endotelinas, prostanoides e outros)

Tõnus vascular aumentado Tõnus vascular reduzido

Hipertensão portal

Figura 62.1 Eventos sequenciais precipitando hipertensão portal (Groszmann, 2002).

698
Capitulo 62 I H~morroglo Digestivo Alto no Clrr6tlco 699

Resistência Ruxo portal +

Asclte
Varizes esofagogc\stricas

Circulação hiperdinàmica

Figura 62.2 Eventos sequenciais observados na instalação da hipertensão portal (Grozsmann, 2002).

as varizes esofagogástricas, além de ectasias venosas dispostas renciação do valor entre as duas deve atingir, no máximo, 7 a
também no duodeno, cólon, reto, parede abdominal e retro- 10 mmHg. Observa-se risco maior de cursarem com ascite e
peritõnio. Tais modificações também têm sido descritas em ruptura de varizes esofagogástricas quando essa pressão ultra-
doentes com forma leve de cirrose, com fibrose não cirróti- passa 12 mmHg.
ca (esquistossomose mansônica), fibrose congênita hepática e
doenças autoimunes, tais como colangite esclerosante primária
e cirrose biliar primária, ou nos que evoluem com trombose • IMPORTANCIA DESSES ACHADOS
venosa portal, com, ou sem, transformação cavernomatosa.
Também se formam colaterais em torno da veslcula biliar e HEMODINAMICOS EMORFOLÓGICOS
duetos biliares, as quais podem causar necrose dessas últimas
estruturas, formando áreas de estenose, com dilatações colan- Clinicamente, pode-se definir com bastante certeza que: 1.
giectásicas semelhantes às observadas na colangite esderosante 3096 daqueles pacientes com cirrose compensada têm varizes
primária. Toda essa evolução gera fenômenos hemodinãmicos, esofagogástricas, lndice que se amplia para 6096 naqueles com
conforme exposto na Figura 62.2. a forma descompensada da doença; 2. risco anual de desenvol-
ver novas ectasias venosas é de 896 e de ruptura entre 2 e 7096,
comportamento que depende da gravidade da doença hepática
e do nível pressórico portal; 3. sangram mais aquelas varizes de
• ASPECTOS DIAGNÓSTICOS grosso calibre, azuladas, tortuosas e que apresentam sobre sua
O diagnóstico dessas manifestações se baseia no emprego da superf!cie sinais endoscópicos, como manchas hematodsticas
endoscopia digestiva alta, constituindo-se no método respon- e do vergão vermelho. São mais graves as hemorragias desen-
sável, geralmente, pela primeira caracterização de hipertensão cadeadas a partir da ruptura das varizes de fundo gástrico; 4.
portal. Através desse método, identificam-se varizes esofágicas gastropatia hipertensiva portal tem sido conceituada como uma
de pequeno, médio e grande calibres, lisas ou retillneas. Preo- síndrome relacionada com as modificações da mucosa gástrica,
cupa quando se evidenciam tortuosidade e sinais que indicam observadas entre 7 e 9896 dos cirróticos, sendo responsável por
risco maior de sangramento, como manchas hematoclsticas, ou cerca de 4 a 3896 dos episódios agudos hemorrágicos que tais
sinais de cor vermelha. As varizes subcárdicas, em geral, com- pacientes apresentam, com ressangramento incidindo entre
portam-se como as esofágicas, porém aquelas de fundo cursam 62 a 7596, com outras características típicas encontrando-se
discriminadas no Quadro 62.1.

·---
com mais episódios hemorrágicos, mesmo naqueles pacientes
com baixa pressão portal, com lndice maior de episódios de
ressangramento. Gastropatia hipertensiva portal traduz-se pela
presença do padrão em mosaico da mucosa gástrica, merecendo
preocupação maior quando essas ectasias venosas também se Quadro 62.1 Outras características típicas da ga.stropatia
distribuem pelo duodeno. hipertensiva portal
Vasos intra-abdominais, como veia esplênica, mesentérica
superior e inferior, além do tronco e ramos venosos portais di- 1. Histologicamente, Identificam-se dilatações de capilares e vênulas da
reito e esquerdo, são identificados através da angiorressonãncia mucosa g6strica integra e sem inflamação;
magnética ou angiotomografia computadorizada. São métodos 2. ligadura
Mais comumente observada naqueles submetidos a esderoterapla ou
endosc6pica;
capazes de identificar também perviedade de veias gástricas e 3. São inoperantes tratamentos com drogas antissecretoras. tais como
da umbilical, além de anastomoses espontâneas ou cirurgica- inibidoces de bombas de prótons;
mente construídas, visando a descompressão desses territórios 4. Relacionada~ hlp<ertens.\o portaL o que faz com que tais pacientes
potencialmente hemorrágicos. sejam conduzidos p<elas administrações de 13-bloqueadores, com ou
Mensuração de gradiente pressórico portal, definindo ver- sem nitratos auoclados;
dadeira pressão portal, é obtida através de angiografia inva- S. Na falência da atitude 4, tratá-los através de implante do tlps ou
siva, valendo-se do acesso pela veia jugular com definição de realizaç3o de cirurgias descompressívas clássicas do sistema venoso
portal.
valores conseguidos em veia hepática oclulda e livre. A dife-
700 Capftulo 62 I Hemorragia Digestiva Alta no Ci rr6tico

to de substâncias vasodilatadoras, tais como, glucagon, pros-


• MANIFESTAÇÕES CLfNICAS taglandinas, óxido nítrico, fator natriurético atrial, ácidos bi-
A apresentação clínica da hemorragia digestiva alta depende liares, e vasoconstritoras como endotelinas e tromboxane A2.
da intensidade do sangramento. Hematêmese e melena são os Como consequência, esses pacientes evoluem com alterações
sinais clínicos mais frequentemente observados, acompanhados hemodinâmicas sistêmicas, caracterizadas por hipoxemia arte-
ou não de instabilidade hemodinâmica (lipotimia, taquicardia rial, síndrome hepatopulmonar, aumento do débito cardíaco,
e hipotensão). Nesses pacientes, mostra-se fundamental carac- hipotensão arterial, redução da resistência vascular periférica,
terizar o número e intensidade dos episódios de sangramento, hipoperfusão com acentuada retenção renal de sódio e água,
a reserva funcional parenquimatosa e o uso por esses pacientes típicos do estado hiperdinâmico que apresentam.
de drogas potencialmente hemorrágicas. Geralmente, a ma-
nifestação inicial é de melena, acompanhada de palidez cuta- • Fatores preditivosde sangramento
neomucosa, sinais clínicos de encefalopatia portossistêmica,
com ou sem repercussões hemodinâmicas importantes. A cada • Endoscópicos
novo surto, em consequência da menor perfusão sanguínea 1. Cerca de 65 a 70% dos cirróticos com VEG não sangram
aos hepatócitos, reduz-se a reserva funcional hepática, insta- dentro dos próximos 2 anos a partir do diagnóstico, porém
lando-se ascite, infecções, distúrbios de coagulação, icterlcia e 50% deles poderão falecer no primeiro episódio; 2 . cerca de
insuficiência renal. Na vigência da hemorragia, considera-se o 73-76% desses doentes exibindo VEG de grande calibre e si-
sangramento clinicamente significativo, quando existe neces- nais vermelho-cereja à endoscopia (cherry-red spots) sangram,
sidade de transfusão de pelo menos duas unidades de sangue, versus 6% daqueles que não apresentam esses sinais, embora
ou mais, no período de 24 h, a partir da hora zero ou quando com varizes gástricas presentes. Tais aspectos são vistos na
a pressão sistólica se situe abaixo de 100 mmHg. ou a mudan- Figura 62.3.
ça postura! provoca queda pressórica superior a 20 mmHg,
e/ou a frequência do pulso excedendo 100 bpm, já no início • Métodos de imagens
do atendimento. 1. Através do ultrassom com Doppler, se define que aqueles
Esses graves pacientes merecem ser tratados valendo-se do cursando com um elevado índice congestivo (proporção entre
monitoramento de condições cardiovasculares. São esses que área da veia porta e o fluxo sanguíneo portal) têm maior risco
apresentam circulação sistêmica hiperdinâmica, que se traduz de apresentarem sangramento, bem como a trombose portal,
por débito cardíaco elevado, reduzida resistência vascular peri- e varizes gástricas, com evidências de fluxo hepatofugal con-
férica e hipotensão arterial. Associam-se resposta contrátil sis- figurando também maior risco; 2. funciona como importante
tólica e diastólica comprometida durante estresse, prolongado fator preditivo de sangramento a ultrapassagem de 12 mmHg
intervalo QT e aumento de câmaras cardíacas. São distúrbios do GHP, medido através de cateterismo ao nível de veias hepá-
graves, responsáveis pela instalação de insuficiência cardíaca ticas, traduzindo essa mensuração a verdadeira pressão portal
pós-implante de T IPS, ou de cirurgias maiores e, inclusive, do (Figuras 62.4 a 62.7).
transplante de fígado. Meca.n ismos patogênicos responsáveis
por essa evolução incluem mudanças biofisicas em membra-
nas dos cardiomiócitos, atenuação do sistema ~ adrenérgico • COMO DEFINIR AIMPORTÂNCIADO
estimulador e hiperatividade de sistemas inotrópicos negati-
vos, mediados via GMPcíclica, os quais contribuem para que SANGRAMENTO DIGESTIVO NO CIRRÓTICO
cursem também com síndrome hepatorrenal. Acresce que, não
infrequentemente, aqueles com síndrome metabólica e obesos Esses aspectos foram definidos no encontro de Baveno so-
cursam com elevações de níveis pressóricos arteriais, diabetes bre hipertensão portal, realizado em 1996, e obedece a certos
melito, hiperlipidemia e doença coronariana, mesmo em uso parâmetros:
de betabloqueadores, drogas sensibilizadoras de insulina, es-
tatinas e diuréticos que atuam em túbulos contorcidos próxi- • Significado clínico do sangramento
mos e distais. Além desses distúrbios hemodinâmicos, evoluem
com enfermidades tromboembólicas, resultantes de deficiên- a. Requerimento de duas unidades de sangue nas primeiras
cias de proteínas S e C e antitrombina III, além das presen- 24 h; b. pressão arterial sistólica menor que 100 mmHg, ou fre-
ças de anticorpos an tifosfolipídios e elevadas concentrações quência cardíaca além de 100 bpm e outros sinais de hipovole-
de hemocisteína identificadas no sangue periférico. São esses mia ou choque traduzem quadro hemorrágico grave.
doentes que cursarão com tromboses venosa portal e de veias
profundas, ou com tromboembolismo pulmonar. • Sangramento agudo sem controle dentro de 6 h
a. Administração de quatro ou mais unidades de bolsas de
• ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS sangue; b. incapacidade de elevar a pressão sistólica além de
20 mmHg da medida basal, ou acima de 70 mmHg; c. incapa-
A veia porta se forma a partir da junção das veias mesenté- cidade de redução da frequência cardíaca a menos de 100 bpm;
rica superior e esplênica, com cerca de 70% do fluxo sanguíneo d. eclosão de novo surto hemorrágico expresso por hematême-
hepático derivando desse sistema, rico em fatores hepatotró- se; e. hematócrito abaixo de 27%, ou hemoglobina menor que
ficos. No cirrótico, a hipertensão portal é classificada como si- 9 g!dl. Enquadramento nesses itens exigirá estadiamento da
nusoidal, consequente à desorganização da arquitetura hepá- gravidade da doença hepática, segundo critérios de Child-Pugh
tica causada pela necrose dos hepatócitos, fibrose e formação ou MELO, sendo recomendável associar avaliação da função
de nódulos de regeneração. A essas modificações anatômicas. renal e existência de sinais neurológicos que definam encefa-
associam-se alterações funcionais que levam ao não clareamen- lopatia hepática.
Copftulo62 I Hemorragia Digestivo AltonoCirrótico 701

Figura 62.3 Observar bem, no sentido horário, as varizes esofágicas e gástricas, com sinais premonitórios ou preditivos de sangramento. (Esta
figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)

Figura 62.4 Arteriografia de tronco celíaco mostrando artérias he- Figura 62.5 Portografia arterial evidenciando tronco porta e esplênica
páticas irregulares, tortuosas. porém com distribuição normal até a pérvia, com circulação colateral bem visível.
periferia do órgão.

cromatose pela realização de sangrias; 3. quelação do cobre na


• ASPECTOS TERAPÊUTICOS doença de Wilson; 4; corticoides, azatioprina e outros imunos-
supressores na hepatite autoimune; S. buscando melhorar o
• Profilaxia primária
fluxo biliar com ácido ursodesoxicólico, administrado naqueles
Baseia-se em medidas terapêuticas que melhorem a arquite- com cirrose biliar primária e colangite esclerosante primária;
tura hepática, revertendo a fibrinogênese e suas consequências, e 6. abstinência alcoólica nos etilistas. Ampliam -se esses ob-
valendo-se de: 1. tratamento específico das hepatites crônicas e jetivos ao atuarmos melhorando a produção de óxido nítrico,
suas consequências, induzidas pelos vírus Be C, administrações valendo-nos de estatinas, suplementando tetra-hidrobiopterina,
de interferons peguilados e ribavirina e/ou análogos nucleosí- na busca de inibir o sistema vasoconstritor via COX-l/TXA2,
dicos; 2. depleção dos estoques corpóreos de ferro na hemo- medidas ainda consideradas experimentais.
702 Capftulo 62 I Hemorragia Digestiva Alta no Cirr6tico

Figura 62.6 Venografia hepática com cateter impactado. visando a Figura 62.7 Venografia hepática com cateter livre na luz do vaso. vi·
medir pressão de supra-hepática ocluída. sando a medir pressão de supra-hepática livre.

No entanto, na vida prática diária, deve-se levar em consi· ---------------~---------------


deração que os cirróticos que nunca sangraram, ao apresenta· Quadro 62.2 Profilaxia primária da hemorragia por varizes esofágicas
rem sinais de hipertensão portal, caracterizados por achados com isosorbide-5-mononitrato (IS0-5-MT)
endoscópicos de VEG de grosso calibre com risco iminente de
sangramento (presença de manchas vermelhas e G HP acima de 1. Resultados no cotejamento com propranolol:
12 mmHg), deverão ser tratados profilaticamente com betablo- a. 2 anos - resultados similares (sobrevida e sangramento)
b. 5 anos - índice de mortalidade. Com ISO·S·MT sobretudo de
queadores. Nesses casos, deve-se administrar, VO, proprano- pacientes com <50 anos de idade (Angelico er oi., 1997)
lol na dose inicial de 20 a 40 mg/dia, na tentativa de promover 2. Resultados no cotejamento com nadolol (pacientes com ascite):
redução da pressão portal e vasoconstrição esplâncnica. Acei· a. ISO·S·MT menos eficaz e gerando mais efeitoscolaterais
ta-se que os pacientes se encontram betabloqueados, e poten· b. Sem significãncia estatística quanto à mortalidade
c. ISO·S·MT não deve ser usado (Salerno et oi., 1996)
cialmente protegidos do risco de HDA, quando a frequência
3. Prevenção do ressangramento:
cardíaca é reduzida em 15-20% de seu valor iniciaL Quando a. ISO·SM·T + betabloqueador melhor que:
esse comportamento não é obse.r vado, deve-se ampliar a dose, a1. Escleroterapia em Child C(Villanueva er oi., 1996)
a cada semana, em 1Omg, que pode provocar efeitos colaterais, a2. Escleroterapia + anastomose descompressiva em pacientes
tais como lipotirnia e hipotensão arterial, comportamento que Child B (Feu er o/., 1995)
a3. Não há diferença estatística entre os grupos
se encontra diretamente relacionado com a reserva funcional
4. Outra opção:
hepática e com a existência ou não de miocardiopatia, sobre· Nadolol x nadolol + espironolactona: resultados similares entre os dois
tudo alcoólica. Atuando-se dessa forma, promove-se redução grupos (Abecasiser oi., 1997)
de hemorragia por ruptura dos vasos de grosso calibre em 40%,
principalmente nos pacientes Child A e B. Alternativamente,
aqueles que evoluem com complicações próprias desse fármaco
deverão ser medicados com os nitratos em doses de 20 a 40 mgl
dia (Quadro 62.2). ---------------~---------------
Quadro 62.3 Agentes redutores da resistência intra-hepática
Mais recentemente, advoga-se o uso contínuo de vasodi·
(Turnes, Abraldes, Bosch, 2003)
latadores dotados da capacidade de reduzir a pressão portal,
mantendo a perfusão sanguínea ao figado, melhorando a fim· Doadores de óxido nítrico• lsosorbide-5-mononitrato•
ção hepatocelular. Inconveniente desse uso reside na compro- V-PYRRO/NO
vação de que tais efeitos estendem-se à circulação sistêmica, NCX-1000
promovendo hipotensão arterial e baixa perfusão renal. Entre Agentes antialfa-adrenérgicos• Prazosin'>
essas drogas, incluem-se os doadores de óxido nítrico, agentes Oonidine•
Carvedilol'
antialfa-adrenérgicos, bloqueadores do sistema renina-angio-
Bloqueadores do sistema renina-angiotensina losartan•
tensina e dos canais de cálcio e dos receptores de endotelina, lrbesartan•
conforme apresentado no Quadro 62.3. Bloqueadores dos receptores de endotelina Bosetan
Nessa fase, discute-se o emprego associado da escleroterapia R048-5695
ou da ligadura elástica das varizes esofagogástricas. Embora al- LU 135252
FR139317
guns estudos demonstrem que os pacientes assim conduzidos
evoluem com redução na incidência de hemorragia digesti- Bloqueadores dos canais de cálcio Verapamil'
Nifedipine•
va alta, outros estudos caracterizam índices mais elevados de Nicardipine•
morbidade e mortalidade em relação ao tratamento efetuado
~ Não há dados disponfveis paraseu uso combinado com betabloqueadoces naoseletWos.
na vigência do sangramento, naqueles pacientes manipulados bTestados em humanos.
por via endoscópica.

Copftulo 62 I Hemorragia Digestivo Alto no Cirrótico 703
• Vigênàa dosangramento
Os cirróticos com HDA deverão ser internados na unida- Quadro 62.4 Drogas usadas de forma isolada visandoocontrole da
de de terapia intensiva, monitorados e procurando-se melhor ruptura de varizes esofagogástricas em àrróticos
e mais rápida estabilização hemodinâmica. Para tal, deve-se (McCormick &McCormick. 1999)
conseguir acesso venoso central, através de cateter central ou
promovendo-se dissecção venosa naqueles em que a ativida- Drogas Dosagem eadmlnlstraç!o
de de protrombina se encontre abaixo de 50%, TIP A alar- Somatostatina 250 Jlg /h. l nfusão endovenosa por 5 dias
gado e contagem de plaquetas inferior a 50.000/mm3 • A re-
Octreotidio 50 Jlg/h. l nfusão endovenosa por 5 d ias
posição volêmica deverá ser realizada através da infusão de
Terlipressina 1-2mg em bolo a cada 4 h/ 2dias
fluidos coloides e/ou hemoderivados de acordo com a neces- 1 mg para pacientes com <50 kg
sidade clínica. Exige-se monitoramento laboratorial através 1,5 mg para pacientes entre 50 e 70 kg
do controle seriado de hemoglobina, hematócrito, eletrólitos, 2,0 mg para pacientes com > 70 kg
provas de função renal e de reserva parenquimatosa hepática Terlipressina 1-2 mg em bolo a cada 4-6 h
(albumina, bilirrubinas e parâmetros da coagulação). Todos Nitratos 1O Jlg de nitroglicerina, adesivo trocado após 24 h
os pacientes receberão antibióticos, principalmente as cefa- Vasopressina 20 unidades (US) por 15 mi n (OA U/min)
Infusão intravenosa até 12 h pós-interrupção do
losporinas de terceira geração, sobretudo doentes com ascite, + sangramento
visando-se a profilaxia da peritonite bacteriana espontânea. O
Nitratos 1O )lg de nitroglicerina, adesivo trocado após 24 h
exame endoscópico só deverá ser realizado, após se restaurar
o equilíbrio hemodinâmico, objetivando definir a sede da he-
morragia e promover o tratamento local imediato nos casos
de ruptura de VEG.
Atualmente, no CETEFI, tratamos tais pacientes através da Quaisquer das técnicas endoscópicas empregadas, na com-
administração de terlipressina, um vasoconstritor arteriolar e plementação da terapêutica vasopressora, mostra-se eficaz, pro-
esplâncnico, propiciando potente e rápido efeito, interrom- movendo efetiva e imediata parada do sangramento em 80 a
pendo a HDA por ruptura de VEG. E recomendável aplicar a 90% dos pacientes, permitindo adequado reequilíbrio hemodi-
terlipressina em bolo intravenoso, na dose de 2 mg, seguindo- nâmico e menor volume de hemotransfusão, com redução do
se aplicações a cada 4 a 6 h, reduzindo-se para 1 mg, a cada 4 h, número de episódios de ressangramento nos próximos 5 dias.
caso o sangramento tenha sido interrompido. Atua após trans- Algumas complicações relacionadas com a escleroterapia en-
formar-se em seu metabólito lisina-vasopressina, reduzindo sig- doscópica (EE) chegam a 2-3%, caracterizadas por ulcerações,
nificantemente pressões intravarizes e portal e o fluxo em veia estenoses esofágicas ou ressangramento, que ocorrem até 6 me-
ázigos e nas varizes esofágicas, permitindo o desenvolvimento ses após a parada do tratamento. Por outro lado, a ligadura
do equilibrio hemodinâmico. Atuando dessa forma, reduz a (LE) promove erradicação mais precoce das varizes, redução
mortalidade em pacientes Child-Pugh C, com a vantagem de da incidência de ressangramento e menor extensão em profun-
preservar a função renal, mas com o inconveniente de poder didade da lesão tecidual esofágica. Tem, no entanto, algumas
induzir complicações em caso de choque hipovolêmico grave, desvantagens, tais como índice maior de recorrência, risco de
sendo contraindicada naqueles com coronariopatia e nos que perfuração e estrangulamento de mucosa esofágica, complica-
cursam com arritrnias cardíacas, doença vascular de extremi- ções que estão relacionadas, sobretudo, com a experiência do
dade e com história de prévio acidente cerebral. endoscopista. Nessa técnica, são menos frequentes os espasmos
Na ausência de interrupção da hemorragia ou existência e obstruções esofágicas distais, embora possam ser observados
de contraindicações à terlipressina, deve-se optar pela admi- já nas primeiras semanas.
nistração de somatostatina, um peptídio endógeno que, em O balão de Sangstaken-Blakemore deverá ser empregado
infusão intravenosa contínua, promove vasoconstrição arte- como última opção, ou seja, quando não se consegue a inter-
riolar esplâncnica, reduzindo o fluxo sanguíneo portal e, nas rupção do sangramento ativo em pacientes com instabilidade
colaterais, diminuindo o GHP de forma muito segura. A dose hemodinâmica grave, e diante da indisponibilidade do endos-
utilizada é de 250 J.Lg, intravenosa em bolo, seguida de infusão copista ou das drogas redutoras do GHP. Para que exerça sua
contínua de 250 J.Lg/h, por 2 a 5 dias; induz potente redução eficácia terapêutica, após sua colocação deve-se injetar ar o sufi-
da pressão portal, das varizes e no fluxo ázigo. Na ausência de ciente para mantê-lo fixado no fundo gástrico, promovendo-se
resposta, dobra-se a dose, sendo raros os eventos colaterais in- pressão de 15 a 25 mmHg no dispositivo esofágico. Ressalte-se
duzidos pela terlipressina, devendo se associar a escleroterapia que ele deverá ser mantido implantado não mais do que 24 h.
endoscópica (EE). Esse procedimento permite controle da HDA em 45 a 90%,
Recentemente, como alternativa, temos utilizado um aná- sendo frequentes os surtos de ressangramento precoce, ocor-
logo sintético, o octreotfdio, o qual apresenta vida média mais rendo logo após sua retirada. São comuns complicações como
longa (1 a 2 h), sendo menos oneroso quando comparado à ulcerações isquêmicas da mucosa esofágica, necrose da asa do
somatostatina, esta de vida média mais curta (1 a 2 min). O nariz e perfurações, complicações observadas em 10-20% da-
octreotídio é capaz de promover a interrupção do sangramento queles assim manipulados por mais de 72 h, com mortalidade
em 80- 90% dos casos. Infunde-se uma primeira dose, em bolo, de 70% em algumas séries estudadas, sobretudo quando assim
de 50 a 100 J.Lg/h IV, e continua-se com dose de manutenção de são tratados pacientes Child C.
25 J.Lg/h, por 24 a 48 h. Poucos efeitos adversos são observados,
e a eficácia é semelhante à de tamponamento com balão, uso • Profilaxia doressangramento
de vasopressina, escleroterapia ou ligadura endoscópica (LE) Essas medidas visam a impedir o aparecimento de novos
realizados de emergência, com complicações sendo raramente surtos hemorrágicos e deverão ser tomadas logo após o con-
observadas. A administração de vasopressina, associada a ni- trole da HDA. Baseiam-se na realização de sessões de EE ou LE
tratos, tem sido menos frequente (Quadro 62.4). em intervalos de 15 dias, associadas à administração de dro-
704 Capftulo 62 I Hemorragia Digestiva Alta no Cirr6tico

gas betabloqueadoras, nitratos e/ou octreotídio. Apesar dessas a muscularis mucosae do estômago, sobretudo quando o GHP
medidas, a recorrência do sangramento pode ocorrer cerca de se encontra além de 12 mmHg. A incidência geralmente se
5 dias após interrupção do tratamento, relacionando-se esse acentua ap6s sessões repetidas de EE ou LE das VEGR. Res-
comportamento ao GHP ~ 20 mmHg, concomitância com in- ponsável por 10- 20% das HDA em cirróticos, expressa-se ini-
fecção bacteriana, existência de trombose venosa portal, evo- cialmente sob forma de perdas microscópicas nas fezes, mas
lução em choque, e naqueles Child-Pugh B ou C, e com níveis pode acentuar-se., evoluindo para situação de difícil controle,
séricos elevados de alanina-aminotransferase (ALT). Também aspecto clínico que não raramente se observa também naqueles
pode ser observado em 30-70% dos pacientes no primeiro com colopatia hipertensiva (Figura 62.9). Apresenta resposta
sangramento, ampliando-se, além desses números, a partir de terapêutica baixa à infusão de drogas vasoativas. Nesse caso, a
2 anos após interrupção do sangramento. Advogamos iniciar, terapêutica ideal não cirúrgica consiste no implante do TIPS,
logo em seguida ao primeir o atendimento, a administração do urna prótese metálica, intra-hepática, de 8 a 10 mm, autoex-
propranolol, atitude que reduz esses índices de ressangramento pansível, introduzida por via jugular, que comunica a veia he-
para 10 e 20% nos primeiros 12 a 24 meses, respectivamente. pática com ramo da veia porta. Esse procedimento é realizado
Administram-se, inicialmente,40 mg, com doses variáveis e por radiologista intervencionista, com tempo de duração para
ascendentes que podem chegar a 240 mgldia, dependendo da seu implante variável, entre 90 e 120 min. Mostra-se capaz de
reserva parenquimatosa hepática, aderência do doente ao tra- interromper o sangramento ativo por VEGR ou GHP entre 90
tamento, ou repercussões hemodinâmicas. Mais recentemen- e 100%, ao promover redução de 30 a 40% do GHP em relação
te, tem sido proposto conduzi-los valendo-se de novas opções ao rúvel inicial. Complicações precoces e tardias podem ocor-
farmacológicas redutoras da pressão portal, conforme é mos- rer, tais como encefalopatia hepática, observada em 16 a 20%
trado no Quadro 62.5. dos casos, que costuma se instalar após 24 a 72 h do procedi-
Frise-se que a mortalidade ao fim de 6 semanas da admis- mento; é mais comum em doentes acima de 50 anos de idade,
são ocorre sobretudo naqueles que, ao serem admitidos em sendo de leve intensidade e fácil controle clínico. Insuficiência
vigência do sangramento, encontravam-se em choque hipo- cardíaca congestiva ou edema agudo de pulmão ocorrem ra-
volêmico, ou eram portadores de carcinoma hepatocelular, ou ramente, sendo mais observados em cirróticos alcoólatras com
cursando com encefalopatia hepática, ou infectados, ou clas- miocardiopatia. Outra complicação é a insuficiência renal, pro-
sificados como Child-Pugh B ou C. Também essa evolução se vavelmente instalada pelo uso de grandes volumes de contraste
observa naqueles com alargamento do tempo de protrombina, intravenoso em pacientes com instabilidade hemodinâmica
hiperbilirrubinemia, hipoalbuminemia, rúveis séricos elevados prévia e que fizeram uso anterior de drogas vasoconstritoras,
de ureia e creatinina, e trombose venosa portal. em portadores de nefropatias, podendo ser evitada ao se pro-
mover hidratação adequada durante e após o procedimento.
• Situações especiais Anemia hemolítica surge em 12% dos casos, geralmente nos
• Gastropatía hipertensiva portal (GHP) primeiros 3 a 4 meses, devido à presença da p rótese e aumento
O desenvolvimento dessa complicação é observado em 50% do fluxo local. Obstrução ocorre entre 20 e 40% nos primeiros
dos pacientes cirróticos (Figura 62.8) , e ela é secundária à for- meses, elevando-se para mais de 50% ao final de 12 meses. Vi-
mação de ffstulas AV que se estebelecem entre a submucosa e sando a detectá-la mais precocemente, deve-se proceder à rea-
lização de controle ultrassonográfico com Doppler do TIPS a
cada 3 meses, para avaliação do fluxo e, se necessário, estudo
angiográfico a cada 4 a 6 meses. Ao se comprovar redução do
---------------T--------------- calibre., deve-se promover dilatação, valendo-se de balão de 8
a 10 mm, com colocação de nova prótese. Esse método tera-
Quadro 62.5 Novas opções de drogas l'e{jutoras da pressão portal em
pêutico tem sido utilizado como ponte para o transplante de
cirróticos humanos (Turnes, Abraldes, Bosch, 2003)
figado, ao permitir que pacientes evoluam com melhora do
estado nutricional, redistribuição de volume hídrico, melhor
Agentes farmacológicos Evidfndas dlsponfveis e recomendações
controle do sangramento e da ascite refratária. Essa respos-
Propranolol ou nadolol Recomendável na profilaxia primária e no ta efetiva tem sido mais comumente observada nos cirróticos
ressangramento por ruptura de varizes
Child A ou B, com GHP não muito elevado e reserva funcional
lsosorbide 5-mononitrato Menos eficaz, apresentando mais efeitos
(ISMN) colaterais do que os betabloqueadores. hepática satisfatória.
Não se mostra eficaz naqueles em q ue
há contra indicação quanto ao uso de • Varizes gdstricas
betabloqueadores Ocorrem em 15-70% dos cirróticos com hipertensão portal
Propranolol ou nadalol + Deve ser usado na profilaxia do acentuada, aumentando o risco de sangrarnento com a evo-
ISMN ou carvedilol ressangramento lução da doença. São responsáveis por cerca de 8- 10% dos
Promove redução da GHP, mas amplia a eventos hemorrágicos, representando controle clínico dificil
necessidade de diuréticos. São necessários e mortalidade alta. A terapêutica envolve a administração de
mais estudos para menor definições de
eficácia betabloqueadores, como propranolol, associado ou não a ni-
Prazosin + propranolol Promove redução mais acen tuada no GHP.
tratos, conforme proposto na condução das varizes esofági-
Poucos dados que suportem seu uso cas hemorrágicas. Preferencialmente, deverão ser tratadas por
clínico atualmente são disponfveis sessões de injeção nas varizes de 5 a 8 ml de cola biológica
Espironolactona + nadolol Não reduz GHP ou risco de eclosão do (Histoacryl-Lipiodol), ou implante do TIPS (Figuras 62.10 e
primeiro episódio hemorrágico 62.11). Ressangrarnento será observado apenas nos casos em
lnibidores do No Melhora da hemodinâmica portal e da que a obliteração mostrou-se incompleta, podendo já ocorrer
função renal cerca de 3 a 4 dias após o procedimento. Reações colaterais ao
GHP= Gradiente hepático portal.
procedimento traduzem-se por febre, sem sinais de infecção,
e risco de tromboembolismo. O insucesso dessa opção leva ao
Figura 62.8 0bservar, no sentido horário, varizes esofágicas de grande calibre com sinais premonitórios de sangramento,gastropatia hiperten-
siva, varizes gástricas e. finalmente, as varizes gástricas após injeção de histoacril. (Esta figura encontra-se reproduZida em cores no Encarte.)

Figura 62.9 Observar, em todos os detalhes, os sinais típicos da colopatia hipertensiva portal (ver texto). (Esta figura encontra-se reproduzida
em cores no Encarte.)
706 Capftulo 62 I Hemorragia Digestiva Alta no Cirr6tico

implante do TIPS, ou às cirurgias descompressivas clássicas do hilo hepático, medida útil precedendo a realização posterior
sistema venoso portal, como portocava ou mesentericocava, do transplante de fígado. A descompressão do sistema venoso
naqueles com falência da farmacoterapia. Essas opções atuam portal merecerá considerações em separado.
como pontes para o transplante de fígado, sendo recomendá-
vel que sejam executadas naqueles classificados como escore • Derivações portossistlmkas (descompressão do sistema
Child-Pugh igual ou superior a 7. Assim conduzidos, os refra- venoso portal)
tários às medidas clássicas de controle de hemorragia têm sua As mais conhecidas e utilizadas são as anastomoses por-
sobrevida ampliada entre 1, 2 e 3 anos para, respectivamente, tocava, mesentericocava e esplenorrenal distai, sendo as duas
92, 92 e 86%, acima dos 20 a 60% anotados naqueles pacientes primeiras também chamadas de não seletivas, e a última, de
em que essa terapêutica não foi adotada. seletiva.
De forma resumida, considerando-se as três fases do trata- A anastomose portocava (APC) tem sido amplamente em-
mento não cirúrgico, pode-se concluir que: I. HDA por VEGR pregada e é a técnica laterolateral mais eficaz, em correção da
no cirrótico cessa espontaneamente em 40- 50% dos casos; 2. ascite presente no pré-operatório, sendo utilizada nas situações
a mortalidade no primeiro surto é de 50%, dos quais 30% dos de vigência hemorrágica ou eletivamente após controle do san-
doentes estão hospitalizados; 3. a incidência de ressangramento gramento. A mortalidade é maior na emergência, situando-se
eleva-se para 70% ao final de 2 anos, apesar do tratamento clí- em torno de 19%, com variações dependentes da reserva fim-
nico e endoscópico empregado, com mortalidade de até 80%; cional hepática, tempo operatório, volume de hemotransfu-
4. a profilaxia secundária reduz essas taxas para 50 a 60%, mas são e condições hemodinâmicas. Quando esses resultados são
sem interferir na evolução natural da cirrose hepática; S. o TIPS comparados com o esderoterápico, não se verificam diferenças
é uma alternativa eficaz na emergência do sangramento, porém quanto à mortalidade, porém muitos casos de ressangramento
não representa tratamento definitivo por não interferir sobre após o tratamento endoscópico requerem o emprego de uma
evolução da doença de base; 6. a HDA em cirróticos é urna com- operação de anastomose, inclusive a portocava, com a finalidade
plicação clínica grave que promove agravamento da função he- de controlar a recorrência hemorrágica e de permitir melhor
pática, redução da perfusão renal, incidência maior de infecções preparo para serem levados ao transplante de fígado.
e falência de múltiplos órgãos, limitando o prognóstico do do- Por sua vez, a anastomose mesentericocava foi idealizada
ente. Todos esses aspectos reforçam a necessidade de conduzir como um procedimento alternativo, mais simples e com menor
esses pacientes, na impossibilidade de controle do sangramento risco cirúrgico (Figura 62.12). Consiste na interposição de uma
através das medidas clínicas empregadas, adotando-se técnicas prótese calibrada, variando de 8 a 12 mm, entre as veias mesen-
cirúrgicas (Quadro 62.6) que não envolvam a manipulação do térica superior e cava inferior. Os resultados apresentados são

Figura 62.1 OObservar a sequência empregada para injeção de histoacril sobre varizes gástricas. Observar também a intensa gastropatia
conjuntiva da hipertensão portal, nesse caso controlável pelo implante do llPS. enquanto aguardava transplante de fígado. realizado cerca de
6 meses após (Rgura 62.11 ). (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
Copftulo 62 I Hemorragia Digestivo Al to no Cirrótico 707
similares aos da APC quanto à mortalidade e às complicações
pós-operatórias (ascite, encefalopatia etc.), com o inconvenien-
te de que 30% dos operados evoluem com trombose da prótese
em 2 anos. Apesar disso, tem-se dado preferência a essa técni-
ca em pacientes portadores de ascite intratável, candidatos ao
transplante hepático, considerando que as APC são construí-
das sem manipulação do hilo hepático.
Com o intuito de obter melhores resultados no tratamento
cirúrgico, valendo-se das duas técnicas anteriormente descritas,
idealizaram-se as chamadas derivações portossistêmicas seleti-
vas, procurando-se descomprimir as varizes esofagogástricas e,
ao mesmo tempo, manter o fluxo sanguíneo portal preservado,
baseando-se no fato de que as alterações hemodinâmicas e a
privação do sangue portal possam determinar pior qualidade
de vida e menor sobrevida aos hepatopatas. Respeitando esses
princlpios, pacientes têm sido conduzidos através da anastomo-
Figura 62.11 Fígado cirrótico após ex plante. ObseNarllPS implan ta· se esplenorrenal distai, realizando-se inicialmente a dissecção
do. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.)
da veia esplênica até sua junção com a mesentérica superior,
com posterior anastomose terrninolateral desta na veia renal
esquerda, associando-se à ligadura das veias gástricas, direita
e esquerda, e da gastroepiploica direita. Aqueles assim ope-
- 'f rados mostraram menor incidência de encefalopatia hepática
pós-operatória em relação às operações não seletivas, porém
Quadro 62.6 Modalidades c.irúrgicas empregadas notratamento
com maior frequência de formação de ascite. Devido à maior
de varizes esofagogástricas rotas dificuldade técnica, ao tempo operatório mais longo e, muitas
vezes, à necessidade de habilidade e experiência do cirurgião,
1. Derivações portossistimicas
este, por sua vez, opta por não empregá-la em situações de
Anastomose portocava
emergência.
Anastomose m esentericocava
Anastomose esplenorrenal distai (Warren)
2. Desconexõ&s azigoportais
• Desconexões azigoportois
3. Transecções esofágicas Essas operações foram descritas com o objetivo de dimi-
nu.i r a pressão portal de modo indireto, realizando-se espie-

Figura 62.12 Controle de anastomose mesentericocava por angiorressonância magnética. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no
Encarte.)
708 Capftulo 62 I Hemorragia Digestiva Alta no Cirr6tico

nectomia, associada à ligadura das veias gástricas em seus dois cirurgião. Assim atuando, obtêm-se resultados satisfatórios no
terços proximais e ao redor do esôfago inferior, sem ou com controle do sangramento das varizes esofagogástricas, com uma
ligadura direta dos troncos varicosos. Essa opção não deverá mortalidade semelhante à observada na APC. Nesse procedi-
ser empregada nos cirróticos, pois evoluem no pós-operatório mento, realiza-se abordagem direta das varizes, ao se utilizar
com elevados índices de trombose portal, recorrência hemor- um grampeador mecânico (stappler) para sutura da transecção
rágica e ascite. No Japão, vem sendo utilizada amplamente a esofagogástrica, sem amplas áreas de desvascular ização. Tal
técnica de Sugiura e Futagawa, baseada na realização da desco- modalidade realiza-se através de uma gastrostomia em parede
nexão esofagogástrica por acesso toracoabdominal, associada anterior do estômago. Alguns dados sugerem que, apesar das
à esplenectomia, esofagogastrofundoplicatura e piloroplastia. facilidades técnicas quanto à sua execução, este procedimento
Embora os autores descrevam resultados satisfatórios, tal ex- não demonstrou maior efetividade em relação à escleroterapia
periência não foi repetida no Brasil, o que limitou seu emprego e às anastomoses portossistêmicas no controle de sangramen-
no tratamento dos nossos pacientes. Importante ressaltar que to agudo consequente à ruptura das varizes esofagogástricas.
as desconexões azigoportais devem ser evitadas nos pacientes Apresenta, no entanto, o inconveniente de dificultar o trans-
cursando com ascite, icterícia, hipoalbuminemia e encefalopatia plante de fígado, a ser realizado posteriormente, e acompanhar-
hepática. Nesses, a mortalidade com essa técnica, adotada nas se de elevados índices de subestenose ou de estenose esofágica,
situações de emergência, situa-se em tomo de 13%, enquan- implicando sessões repetidas de dilatações endoscópicas.
to, eletivamente, naqueles com melhor reserva hepatocelular, Baseados na experiência da literatura e nos próprios avanços
atinge 3%, com o inconveniente de, praticamente, inviabilizar obtidos no correr dos anos, recentemente, em 2008, o "Gru-
a realização posterior de transplante de fígado. po Investigações Biomédicas", da Universidade de Barcelona,
construiu um algoritmo aplicado à manipulação de sangra-
• Transecções esafágicas mente agudo das varizes esofagogástricas rotas (Figura 62.13),
Apesar das altas taxas de ressangramento, essas transecções estendendo-se desde a feitura do diagnóstico, à intervenção en-
vêm sendo utilizadas nas situações de emergência por serem doscópica, às drogas vasoativas a serem empregadas e às opções
tecnicamente mais simples e não exigirem maior habilidade do cirúrgicas, conforme explicitado na Figura 62.13.

Suspeita de ruptura de varizes

Terapêutica com drogas vasoativas + Ressuscitação e prevenção


antibióticos profilâticos de complicações

Endoscopia

Varizes sangrantes

Ligadura endoscópica ou
escleroterapia se ligadura
não for possível

Controle de sangramento

Continuar droga vasoativa


por2- 5 dias
Iniciar tratamento por longo prazo

Tamponamento com balão


se incontrolável

TlPS ou cirurgia
descompressiva

Figura 62.13 Algoritmo de manuseio do sangramento agudo de ruptura de varizes esofagogástricas (Bosch ec ai., 2008).
Copftulo 62 I Hemorragia Digestivo Alto no Cirr6tico 709
Grownann, RI & Jensen, JC. Pathophysiology of portal hypertension. Em:
• LEITURA RECOMENDADA Kaplowi1:1, N. U'~r anel Biliary Diseases. 2"' ed.. Baltima«, WU!iams &
WUkins, p. 563·88, 1996.
Abecu!J, R, Kravott, D, Fassio, E er aL Nadolol plus spi.ronobctone vs nadolol Gulley, O, Teal, E, Suvannuankha. A tt al. Deep vein thrombosis anel pulmonary
alooe in lhe prophyluis of lhe first variceal bl«dlng in non-ascitic cirrhotic embolism in cirrhosls patienu. Dig Dis Sc:i, 2008; 3012-7.
patients. Pr<limlnary resuhs of a multictllt<r double-bUnd and radorniud Hubmann, R. Bodlaj. G, Czompo, M tt aL The use ofsdf-expanding metal stents
lrlal. Htpatolbgy, 1991; 26:135A. to treat acute esophageal variceal bleoding. Endoscapy, 2006; 38:896·901.
Abraldes, JG, Rodriguez. Villarupla, A, Grampera, M e1 ai. Simvutatln treat· lwase, H, Maeda, O, Shimada, M tt ai. Endoscopic ablation with cyanoacri·
ment improves liver sinusoidal dysfunction in CCI4 cirrhotic rats. 2007; late glue for isolated gastric variceal bleeding. Gastrointest Endosc, 2001;
46:1040-6. 53:585.
AngcUco, M, Caril, L, Piat, C et ai. Elfects ofisosorbidc· S·mononltrate compa· Jones, R. Ttansjugular intrahepatic portosystemic shunr or paracentesis for
rcd with propranolol on first bleeding and long·term survlvalln cirrhosis. refractory ascltes - whlch is best? Nat Clin Pra<t, 2006; 3:312.
Gastroenterology, 1997; JJJ:I632·9. Kalaitzakis, E, Rosengren, A, Skammevik. T, Bjõmsson, E. Coronary artery
Bassin, L & Grosunann, R). Primary prophylaxis of variceal bleeding. Em: diuase in patlents wlth llver clrrhosls. Dig Dis Sc:i, 2010; 55:467· 75.
Arroyo, V, Bosch, J, Bruix, J, Ginés, J, Navasa, M, Rod~s, J (ed.). Therapy in Uke, JR & Howdle, PD. Gastrlntestlnal hemorrhage and ponal hypenenslon.
Htpatology. Barcelona: Ars Medi~ 2001. p. 23. Em: O'Grady,JG, LaU, JR, Howdle, PD (ed.). O>mprthtnslvt Clinicai Ht·
Bosch, J. Vascular deterioration in cirrosis: lhe big picture./ Clín O.Utroentero~ patology. 2000, p. 6.1.
2007; 41:5247·5253. Matei, V, Rodrigun-Villarupla, A, Deulof~ R <1 aL The cNOS cofactor te·
Bosch, J, Abraldes. )G, Benigotti, A et aL Portal hypenension anel gasttintestinal tnhydroblopterln improves endothelial dysfunetion In llvers of rau with
bleedlng. Stmin u~r Dis, 2008; 2&3-25. CCI4 cirrbosls. Htpatology, 2006; 44:44-52.
Bosch, J, Bcn!gottl, A. Garcia-Pagan, JC. Abrald<sw, JG. lhe management of McCormidt, PAA & MeConnkk, A. A praetieal guide to the management of
portal hlpcrtension: Ratiooal basis avaj)abletreatment and future optiom. oesophageal varlces. Disease Managnt~Lnt, 1999; 57:327·31.
I Htpa~l. 2008, S68.S92. Milhas, AA & Sanyal, Aj. Portal hypertension and gsstrlntestinal bemorrhage.
Bosdl, J, Lebrec, O, )enkins, AS. Development of analogues: Successes and Em: Bacon, BR, O'Grady,JG, DI Blsceglie, AM, Lalte, IR (ed.). O>mprthtn-
fallurcs. Scand I Gastroentcrol, 1998; JJ{tuppl.), 226:3· 13. sivt Ciinlcal Htpatology 2006. Londres: Elsev!er Mosby. p. 137.
Soyer, TO & Hendcrson,JM. Ponal hypenenslon and blecdlng esophageal va- Oliveira e Silva, A de, Mourio, G, O'Albuquerque, LAC. Anastomose portos·
rlce. Em: Z.kln, D & Soyer, TD. Hepatology. A Textbook ofLiver Discas<, sist~mica lntra· hepátlca transjugular. Em: Mineis, M. Gastrenterologia e
3,. od., Phlladelphla, WB Saunders Co., p. 720-63, 1996. Hepatologia, 1.• ed., Slo Paulo, Lemos Editorial, p. 139·45, 1997.
Soyer, TO & Henderson, M. Portal hypertension and bleeding esophageal. Rikkers. LF & Gongllang, J. Surgieal managernent of acute variceal hernorrage.
Em: Zakim, O, Soyer, TD (ed.). Hepatology. A Ttxtbook of Uver Disease. World I Surg, 1994; 18:193·9.
FUadelf.a: WB Saunders Co, 1996. p. 720. Rodriguez-VU!arupla, A, Femandez, M, Bosch, J. Garcia-Pagan, JC. Currtnt
Burroughs, AI<, Planas, R, Svoboda, P. Optimhing emergrncy cart o( upper concepts on Ih< pathophysiology of portal hypertension. Ann Hepatol, 2007;
gsstrlntestlnal blecding in cirrhotics patient.t. Scand I Gastrotntero~ 1998; 6:28-36.
JJ(>uppL), 226:14-24. Salerno, F, Borronl, G, Cauanlga, MetaL Nadolol and Isooorbide· S·rnononi·
Carneiro D'Aibuquerque, LAC. Ribeiro Jr, MAR. Oliveira e Silva, A de. Trata· tral< (15-S·Mn) for preventing blecding in cirrhotics with ascites./ Htpatol,
mento cirúrgico da hipertensão portaL Em: Mattos. AA, Dantas-Coma, 1996; 25:925.
EB. Tratamento Cirúrgico da lúperttnsdo Porra/. Rio de Janeiro: Editora SecwaJd. S. Sritam, PVJ, N-sa. M er aL Cyanoacrylate glue in gutrlc varleeal
Rublo, 2010; p. 460-75. bleeding. End.>scapy. 2002; :U: 851.
O'Amlco, G, Gvcia· Pagan, JC. Luca. A, Bosch, J. Hepatic vein prusure gradient Seo, YS, Kim, YH, Ahn, SH et ai. Oinlcal features and treatmeot outcomet of
rtductions and prevention of variceal bl«dlng in cirrhom: A sisternatic uppu gsstrlntestinal bleeding ln patients with cirrhosls. I Korean Mtd Sc:i,
revlew. Gastroemerology, 2006; 131:1611-24. 2008; 23:635-47.
D'Amlco, G, Garcia-Tsao, G, Plagliaro, L. Natural hlstory and prognostic indi- Sherlock, S & Oooley, ). The portal venous system and portal hypertension.
cators of surviva! in cinhosis: A systematic review ofll8 studies./ Hepa~l. Em: Shcrlock, S & Doolcy, J. Diseasa ofthc Livcr and BUiary System, 10•
2006; 44: 217-31. od., Londre., Blackwell Scicnce, p. 135·80, 1997.
Feu, P, McCormick, PAA. Planas, R et ai. Randon>lzed controlled trlal compa· Tumes, J, Abraldes, JG, Bosch, ). Pharmacology of portal hypertension: Beyond
ring propranololl isosorbide-5-mononitrate vs shunt surgery/sclerotherapy P-blockers. Em: Arroyo. V, Forns, X, Garcia-Pagán,JC, Rod~. J (ed.). Prog·
In the prevention of variceal rebleoding. 1 Htpatol, 1995; 23:695. ress in tht Tr<atment ofLivtr Diseases. Barcelona: Ars Modlea, 2003. p. 13.
Fleckenstein, JF & Oiehl, AM. Complicationsofchronic liver di~. Em: Gren- UOacker, R, Santos, TE, Cardoso. ES, Melo, CRR, O'Aibuquerque, LAC, Oliveira
dell, JH, McQuaid, KR, Friedman, SL. Current. Diagnosis & Trcatment in Gas- e Silva, A de. Angiografia terap~utica nas doenças do flgado. Em: Ângelo
troenterology. Londres, Prentice-Halllnternatlonal, Inc., p. 558·70, 1996. Alves de Mattos e Waldomi.ro Dantas: Compbtdlo de Hepatologla, I .• ed.,
Garcla-Fuster, MJ, Abdalla, N, Fabia CF ti al. Venousthromboembollsm and Fundaçlo Byk, p. 469-83, 1995.
Uvor drrhosls. Rev Esp Enfrrm DI, 2008; 100'.259-62. Wagotsuma, Y, Naritaka. Y, Shitnalulwa. T .r aL Qinieal usefulness of the angio-
Gaskarl, SA, Honar, H, i.«, SS. Therapy insight: Cirrhotic cardiomyopathy. Nat tensls 11 receptor antagonist losananaln patients with portal hypertenslve
Clm Pnlaiu GastNp, 2006; 3:329-37. gastropathy. Htpatogastrotnrnol, 2006; 53:171-4.
63 Cirrose Biliar Primária e
Síndromes de Superposição
Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo,
Evandro de Oliveira Souza, Taiane Costa Marinho,
Celso Marques Raposo Júnior, Naísa Oliveira A/vim Mattedi,
Paula Hugueney Cruz, Lucas Souto Nacif, André Gustavo Santos Pereira,
Raul Carlos Wah/e

Cirrose biliar primária (CBP) é uma doença colestática crônica, truição dos duetos biliares interlobulares intra-hepáticos. A
de origem desconhecida, caracterizada pela destruição dos due- causa da resposta imune anômala não se apresenta ainda total-
tos biliares intra-hepáticos, inflamação portal e fibrose, inexo- mente conhecida, porém anormalidades de imunidade celular e
ravelmente progressiva para cirrose, insuficiência hepatocelular humoral encontram-se envolvidas. Também estudos de famílias
e hipertensão portal. A doença não é muito comum, com sua e de gêmeos têm demonstrado a participação de componente
prevalência estimada em 40 a 150 casos/1.000.000. Noventa por genético na instalação da doença.
cento dos doentes são mulheres, em geral ao redor dos 50 anos. O fígado classicamente detém importante potencial tolero-
Os aspectos evolutivos são interessantes e típicos: 1. a doença gênico ao acesso inevitável de certos patógenos, inclusive das
pode estar presente por até 10 anos antes do aparecimento de células CD4 e CD8+Te seus receptores, as quais a ele chegam
quaisquer sintomas; 2. a sobrevida média atinge 10 a 12 anos, via artéria hepática e veia porta, passando então a reagir com
depois de tomar-se sintomática, e 5 a 6 anos após eclosão da epítopos de autoantígenos rnitocondriais. Desse processo parti-
icterícia; 3. a descompensação afeta 26% dos pacientes depois cipam células dendrfticas que expressam IL-10 de baixa potên-
de 1Oanos de diagnóstico; 4. existe inde.finição a propósito de cia na sua capacidade de recrutar linfócitos, ao mesmo tempo
eventuais benefícios decorrentes das medidas farmacológicas, em que células sinusoidais endoteliais promovem supressão
e a terapêutica definitiva é o transplante de figado. seletiva de expansão de células T produtoras de IFNy e hipe-
rexpressão de IL-4 e CD4+, comportamento relacionado com a
atuação moduladora de células NKT. Ruptura desse fenômeno
• ASPECTOS HISTÓRICOS desempenha um papel central como disparador da colangite
autoimune identificada já no início da cirrose biliar primária.
Foi descrita pela primeira vez em 1851, por Addison e Gull, e Nesses, a ativação antigênica de células CD8+ prepondera, re-
confirmada de forma significativa em 1876, por Hanot. Avanços duzindo a capacidade tolerogênica do fígado, permanecendo,
maiores no conhecimento da doença apenas ocorreram no no entanto, atuantes células T reguladoras específicas (Tregs),
século XX, exatamente em 1950, quando Ahrens et ai. fizeram na busca de perpetuação da autotolerância tanto naqueles com
a primeira descrição compreensiva dos manifestações clinicas hepatite autoimune quanto naqueles com cirrose biliar primá-
típicos e apenas 15 anos mais adiante, em 1965, Rubin et a/., ria. Nessa, são importantes os colangiócitos, os quais expressam
descreveram os aspectos histológicos que traduzem a destruição antígeno B relacionado com linfócitos CD40 e CD95, bem como
dos duetos biliares intra-hepáticos, denominando-a então "co- fator o. de necrose tumoral, interferona-y, IL-1, fator~ de trans-
langite destrutiva não supurativa". Nesse mesmo ano, Walker formação do crescimento. Ao lado disso, produzem também
et ai. associaram à doença a expressão sorológica, valendo-se mediadores inflamatórios, tais como MCP-1 e IL-8, recrutando
de técnicas de imunofluorescência para definir o marcador es- e ativando leucócitos, tendo o potencial de atuar como células
pecífico dessa entidade, o anticorpo antimitocondrial, presente apresentadoras de antígenos, ampliando a capacidade de ins-
em 90% dos pacientes. A evolução nesses conhecimentos serviu talação da lesão teciduaL Tais eventos agressores geram então
para definir que tais eventos predominam entre mulheres, com destruição apoptótica de colangiócitos, dúctulos biliares e de
extremos entre 20 e 80, sendo mais frequente entre aquelas com pequenos duetos biliares intra-hepáticos, resultando então em
40 a 60 anos de idade, com predileção de gênero e faixa etária progressiva ductopenia, colestase lobular obstrutiva, fibrose e,
típica se encontrando ainda indefinida na literatura. finalmente, cirrose.
Alguns autores afirmam que tal evolução geradora da que-
bra da autotolerância depende da participação de gatilhos dis-
• ASPECTOS PATOGEN~TICOS paradores representados por múltiplos agentes infecciosos,
tais como: Mycobacterium gordona e Chlamydia pneumoniae,
Embora a causa precisa da CBP não se encontre definida, Helicobacter pylori, Novosphingobium aromaticivorans e be-
mecanismos imunológicos parecem ser responsáveis pela des- tarretrovírus, aspectos contestados por outros. Mas define-se
710
Capftulo 63 I Cirrose 811/or Prlm6r/a e Sfndromes de Superposlçdo 711

que a suscetibilidade à instalação da doença relaciona-se com veis séricos de bilirrubina total, arninotransferases e fosfatase
predisposição genética, com variações nos alelos imunorregu- alcalina situam-se entre 2,2 e 4 vezes os valores normais. A co-
ladores do sistema HLA classe ll, associados à hiperexpressão langiografia endoscópica retrógrada não mostra alterações, mas
dos CfLA-4 e receptor de vitamina D. Progressão mais rápida a biopsia hepática revela sinais anatomopatológicos típicos. O
verifica-se na presença de alelos HLA-IID RSI •0801, DQA1, exame ultrassonográfico é, na maioria das vezes, suficiente para
0401 a 1 e DQJ31•0402, polimorfismos em IL-113 antagonistas afastar obstrução biliar.
de receptor de interleucina e TNFa.
Esses atuariam como estruturas moleculares ou compostos,
servindo como autoantfgenos responsáveis pela resposta imu- • ASPECTOS ANATOMOPATOLÓGICOS
nológica, induzindo a produção de colatos e levando à perpe-
tuação de autoimunidade. Essa tendência traduz possivelmente As alterações anatomopatológicas mostram similaridades
um comportamento herdado, ou seja, uma predisposição ao es- com as que são observadas na doença doador versus hospedeiro
tabelecimento de uma resposta pró-inflamatória em cascata. e, sobretudo, na crônica do f!gado transplantado. As modífica-
A história natural dessa doença heterogênea é extremamente ções histológicas da CBP caracterizam uma colangite crônica
variável, pois cobre um amplo espectro evolutivo, em que o diag- não supurativa e destrutiva, alterações que são divididas em
nóstico pode ser realizado tanto naquelas doenças assintomáticas quatro estágios, conforme discriminado no Quadro 63.1. De
quanto nas que se encontram na fase intermediária ou no estágio forma resumida, pode-se afirmar que tal evolução se relaciona
avançado. Preocupante nessa evolução é a comprovação de que à destruição progressiva dos pequenos duetos biliares intra-he-
os indices de progressão são diflceis de serem definidos, com al- páticos, com inflamação portal levando finalmente à cirrose.
gumas tendo alterações histológicas leves, enquanto outras evo-
luem rapidamente para cirrose, quando são sintomáticas. Esses
aspectos serão comentados neste capitulo, traduzidos em: • ASPECTOS EVOLUTIVOS
Há cerca de 20 anos, a sobrevida média do paciente sintomá-
• DOENÇA ASSINTOMÁTICA tico atingia apenas 5 anos. Atualmente, se aceita que a doença
se encontra presente já por 10 anos antes do aparecimento de
Levantamentos recentes afirmam que 13% dos pacientes quaisquer sintomas. A sobrevida média é de 10 a 12 anos, após
com CBP encontram-se assintomáticos por ocasião do diagnós- os doentes tornarem-se sintomáticos, e 5 a 6 anos seguindo a
tico, quando consideradas apenas mulheres acima dos 40 anos icterícia. Os assintomáticos seguem o mesmo curso dos sin-
de idade, avaliadas porque referiam serem portadoras de doença tomáticos, apenas com uma diferença, pois sobrevivem, em
da tireoide ou do colágeno, condições muitas vezes associadas média, mais 4 anos que os outros.
à CBP. O diagnóstico também é realizado ao promover-se o Recentemente, índices prognósticos têm sido propostos
rastreamento da doença entre familiares dos pacientes sabi- e validados, baseados no emprego de modelos matemáticos
damente portadores da doença, e na tentativa de identificação complexos e no teste de regressão proporcional de Cox, o qual
de causas de hepatomegalia ou de esplenomegalia, sobretudo permite que múltiplas variáveis clínicas sejam avaliadas simul-
nas mulheres que se encontram na quinta ou na sexta décadas taneamente.
da vida. Essa busca também é aconselhada em pacientes que Os parâmetros estudados (descritos a seguir) são, em geral:
cursam com níveis séricos elevados de fosfatase alcalina e/ou idade em anos. presença ou não de cirrose ou colestase, níveis
gamaglutarniltransferase, detectados durante exames de rotina, séricos de albumina, bil.irrubinas e atividade de protrombina,
e na avaliação de pacientes com títulos de anticorpo antimito- presença de edema.
cõndria acima de 1:40, sendo esses marcadores divididos em 1. MODELO EUROPEU
vários subtipos. O mais especifico para a CBP é o E2, dirigido 2,51 x log, da bilirrubina sérica (J.lmol/ t)
aos componentes E2 do complexo da desidrogenase do piruvato +idade em anos- 20/ 10
e outros complexos enzimáticos. Não são anticorpos específi- + 0,88 se cirrose presente
cos, porém que se comportam como alvos que estão localizados - 0,05 albumina sérica (g! t )
na matriz mitocondrial interna, catalisando a decarboxilação
oxidativa de vários substratos cetoácidos.
~
• DOENÇA SINTOMÁTICA Quadro 63.1 Aspectos anatomopatológicos da cirrose biliar primária

O sintoma mais comum nos pacientes com CBP é a astenía, Estágios AspKtos anatomopatológicos
considerada, no entanto, como inespedfico. O mais típico é Inflamação dos espaços portais envolvendo duetos
o prurido cutâneo, predominantemente noturno e envolven- biliares
do toda a superfície corpórea, acometendo principalmente as Existe destrulç&o mais acentuada dos duetos biliares.
palmas das mãos ou as plantas dos pés. Sua intensidade não se os quais se encontram proliferados
relaciona com a gravidade da doença hepática. Cerca de 90% Identifica-se necrose periférica, com lnRamaçlo
desses pacientes são mulheres que se encontram entre 40 e permeando áreas portais para o Interior do
60 anos de idade, nas quais a doença evolui de forma insidio- parênqulma nepátlco
sa, sem a presença de icterlcia. Nessa fase, encontram-se bem 111 caracterizado por fibrose estendendo-se dos espaços
portais
nutridas, com hepatomegalia; porém, nas fases mais avançadas,
exibem xantomas, xantelasmas e lesões de pele próprias do ato IV Definido como nódulos regenerativos envolvidos por
fibrose
de coçar. A progressão da doença se traduz por desnutrição, Ductopenla
esteatorreia e osteoporose. Do ponto de vista laboratorial, nf.
712 Capftulo 63 I Cirrose Biliar Primdria e Sfnd romes de Superposi ção

+ 0,68 se colestase central presente ---------------~---------------


+ 0,52 se não tratado com azatioprina Quadro 63.3 Diagnóstico diferencial de cirrosebiliar primária
Interpretação - Prognóstico de 5,5 ou mais indica sobrevi da
estimada sem transplante de figado. Menor do que 1 ano; Doenças associadas lnàdênda (%)
2. MODELO CLíNICA MAYO Ceratoconjuntivite sicca 70-90
0,871log, da bilirrubina (mg!dl) Artrite/Artropatia 15-20
- 2,53log. da albumina {g!dl) Esderodermia e variantes 15-20
+ 0,039 idade em anos Esderodermia 3- 4
+ 3,28 log. do tempo de protrombina (s) Cres 7
Raynaud 8
+ 0,859 se edema presente
Doença da tireoide 15-20
Para calcular probabilidade de sobrevida por, pelo menos, Uchen planus 5
T anos, calcula-se SO (*) da tabela abaixo: Acidose tubular renal 60
Câncer de mama Risco 4 vezes maior
T
(anos) 2 3 4 5 6 7
so 0,970 0,941 0,883 0,724 0,774 0,721 0,651

Assim, em pacientes com bilirrubina sérica de 2 mg!dl, a Fazem parte desse quadro evolutivo glomerulonefrite, aci-
sobrevida era de 4 anos; com 6.0 mg!dl, 2 anos; e, além de dose tubular renal, miastenia gravis, vitiligo, púrpu ra trom-
1,0/dl, se reduz para 1,4 ano. bocitopênica, lúpus eritematoso sistêrnico e osteoartropatia
hipertrófica pulmonar.

• DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
• ASPECTOS TERAP~UTICOS
Diferentes formas de doenças colestáticas evoluem com ca-
racterísticas de autoimunidade, podendo ser confundidas com Como a patogênese da cirrose biliar primária mostra-se
CBP (Quadro 63.2). Convém ressaltar que casos anômalos de indefinida, costuma-se ressaltar que não existe enfoque tera-
CBP já foram descritos, e que não apresentam AAM, mas exi- pêutico lógico capaz de melhorar o fluxo biliar, normalizar a
bem fator antinuclear positivo, e são diagnosticados pelo exa- expressão de proteínas do sistema HLA, bloquear o processo
me anatomopatológico de figado. Esses casos podem induzir o inflamatório em hepatócitos e células biliares e reverter a duc-
médico a afastar intempestivamente a CBP e, portanto, levá-lo topenia, a fibrose ou a regeneração nodular. De forma empírica,
a um diagnóstico incorreto. Por outro lado, até 25% dos por- elas têm sido conduzidas pelas administrações de corticosteroi-
tadores de hepatite autoimune podem ter anticorpo antimito- des (prednisolona ou budesonida), visando a reduzir secreções
condrial positivo, assim como alguns doentes com colangite de células TCD4+, IL-1, IL-2, lL-6 e fator ex de necrose tumoral.
esclerosante primária, miocardite ou doença hepática induzida Mais frequentemente, têm sido conduzidas valendo-se de: 1.
por drogas, sendo muito rara a identificação do AAM em pa- Metotrexato - Esse agente antagonista do ácido fólico, dotado
cientes com obstrução biliar mecânica. de atividade anti-inflamatória e imunossupressora, tem sido
usado com sucesso no tratamento da psoríase. Estudos abertos
realizados em pacientes com CBP, nos quais foi administrado
• DOENÇAS ASSOCIADAS na dose média de 7,5 mg/kg de peso corpóreo, mostraram: a)
redução nos níveis séricos de enzimas que avaliam colestase e
Várias doenças podem estar associadas à CBP, sobretudo as das taxas de bilirrubina; b) melhora da astenia e da histologia,
de etiologia autoimune (Quadro 63.3). aspecto evolutivo negado por outros. Q uando recebem doses

-------------------------------~-------------------------------
Quadro 63.2 Diagnóstico diferencial de cirrosebiliar primária

Doenças Aspectos AAM Blopsia hepática

Cirrose biliar primária Mulheres entre 40 e 60 anos. +(95%) Lesão de duetos biliares. Agregados linfoides.
Prurido. Nfveis sé ricos de fosfatase alcalina. Necrose periférica.
Proliferação ductal. Lóbul os intactos. Fibrose. Cirrose.
Colangite esclerosante Homens. Associa-se a retocolite ulcerativa. Negativo ou Proliferação fibrótica ductular. Fibrose ductal.
primária A colangiografia sela o diagnóstico. baixo titulo
5arcoidose colestática Sexos iguais. Negros. Prurido. Negativo Vários granulomas. Leves alterações ductais
Nfvei s séricos >de fosfatase alcalina.
Colangiopatia autoimune Mulheres. FAN positivo(> títulos). Negativo Lesões de duetos biliares. Agregados linfoides.
Elevado nfvel sérico de fosfatase alcalina. Discreta necrose periférica
Reações colestáticas a Hi stória pertinente. Usual dentro de 6 semanas do Negativo Reação mononuclear portal algumas vezes com
drogas inicio da administração. Aparecimento agudo eosinófilos, granulomas, esteatose.

+ = Positivo; AAM = Anticorpo antimitocôndria.


Capftulo 63 I Cirrose Biliar Prim6ria e Sfndromes de Superposição 713

de 15 a 20 mgfkg, cerca de 15% dos doentes desenvolvem rea- de IL-2 e IL-7 e transcrições de IL-2, IL-3, IL-4, IL-5, TNF-a e
ções colaterais, tais como acentuação da fadiga, úlceras na boca, IFN·'(. Efeitos colaterais do primeiro fármaco são nefrotoxicida-
alopecia, mielodepressão e pneumonite, sendo obrigados are- de, neurotoxicidade, hipertensão arterial, hipercolesterolemia
duzir ou interromper o tratamento. Mais recentemente, tem -se e doenças linfoproliferativas, enquanto do segundo incluem-se
sugerido que o metotrexato, associado à colchicina e ao ácido pancreatite, diabetes, intolerância gastrintestinal, reações alér-
ursodesoxicólico, amplia a ação benéfica observada naqueles gicas e imunossupressão. Diante desses inconvenientes, outros
que apenas fizeram uso do sal biliar. 2. Acido ursodesoxic61ico - imunossupressores, tais como sirolimus ou raparnicina, inibi-
Quando administrado a pacientes com CBP, protege os duetos dores do sinal III de mTor e seu derivado everolimus, ou ini-
biliares contra a lesão exercida por ácidos biliares hidrofóbi- bidores de síntese de purinas como rnicofenalato mofetila e de
cos, ajudando na eliminação destes e de outras hepatotoxinas. pirimidina como leflunarnida e seu derivado FX778, têm sido
Como objetivo, tenta-se bloquear a evolução para fibrose, cir- administrados de forma alternativa. Essas ofertas terapêuticas
rose e formação de varizes esofágicas, consequentemente, para se expandem com o emprego de anticorpos monoclonais qui-
a insuficiência hepatocelular, prolongando a sobrevi da livre do méricos humanizados, tais como OK73, alemtuzumab (Cam-
transplantado. A dose recomendada é de 13 a 15 mglkgldia, path IH), natalizumabe, bem como inibidores de receptores
de forma dividida (refeições e hora de dormir). Tratados des- de quirnoquinas ou de citocinas, tais como o recombinante
se modo, ampliou-se a sobrevida dos pacientes seguidos por humano !L-I O, inibidor de TNFa ou de leucotrieno, tal como
cerca de 4 anos, mas a sobrevida foi ligeiramente mais baixa pranlukast, efeitos não exercidos pelos zafirkukast e montelu-
quando os doentes foram comparados com a população geral caste, todos hepatotóxicos. Menos agressivas e atuando como
(controle) ao fim de 10 anos. Estudos controlados randomiza- anti-inflamatórios e antioxidantes, estatinas beneficiam aqueles
dos envolvendo 1.250 pacientes, avaliados através de metaná- com cirrose biliar primária. Recomendável que se evite o em-
lise, não confirmaram o efeito terapêutico benéfico do ácido prego de bezafibrato, um indutor de carcinoma hepatocelular
ursodesoxicólico, enfatizando que seu uso como terapêutica em ratos, bem como de fenofibratos, causa de hepatite aguda
padrão necessita ser reavaliado. Os resultados de quatro estu- colestática e cirrose.
dos controlados estão expostos no Quadro 63.4. Tipicamente, os pacientes evoluem com prurido que é um
Mais recentemente, definiram-se evidências de que o sistema dos mais desagradáveis sintomas apresentados pelos pacientes
renina-angiotensina se encontra hiperexpresso em fígado fibró- com CBP. Interfere nas atividades diárias e com o sono, causan-
tico, tanto de humanos quanto de animais. Nesses, essa evolu- do significativa morbidade. A patogênese é desconhecida. Con-
ção se relaciona com a proliferação de fibroblastos, infiltração siderou-se que se instalava em consequência da impregnação
de células inflamatórias, liberação de citocinas inflamatórias e das terminações nervosas periféricas da pele por sais biliares.
de fatores de crescimento, tais como ~1 de transformação do Atualmente, aceita-se que dependa de um tônus opioidérgico
crescimento, interleucina-1~' proteína 1 quirnioatractante de mais acentuado, e ao nível do SNC. Essa afirmação baseia-se
monólitos e do tecido conjuntivo. Tentativa de bloqueio dessa em: a. presença maior de ligantes cerebrais agonistas de opioi-
cascata de eventos tem-se valido de administração de moexi- des, levando ao aumento do tônus opioidérgico; b. aumento na
pril inibido r de angiotensina tipo li, iniciando-se com dose de neuromodulação e neutrotransrnissão mediadas por opioides
7,5 mg/dia durante 2 semanas, ampliando-se para 15 mgldia na no SNC; c. o prurido pode ser revertido, pelo menos parcial-
manhã e 1 h antes da refeição, sem que se mostrasse qualquer mente, pela administração de antagonistas opioides. Estrate-
beneficio com essa terapêutica, com a maioria dos pacientes gicamente, deverão ser conduzidos segundo exposto na Figura
não conseguindo completar 1 ano de tratamento. 63.1 e no Quadro 63.5.
Atualmente, busca-se mudar essa história, valendo-se de Nos estágios iniciais, há níveis séricos discretamente eleva-
inibidores de calcineurina (ciclosporina A ou tacrolimus), vi- dos de colesterol VLDL e LDL, e mais pronunciados de H DL.
sando a aumentar expressão de fator ~ de transformação do Nas fases avançadas, os pacientes desenvolvem substanciais au-
crescimento, supressor de funções de células Te de receptores mentos de colesterol LDL e reduzidas concentrações de HDL.

---------------------------------~---------------------------------
Quadro 63.4 Resultados de quatro estudos controlados utilizando ácido ursodesoxicólico (AUDC) notratamentodacirrose biliar primária

Efeitos do t ratamento

Duração Dosagens Ausêndadt Mortes Transplante


Aut or(1') Padentes (mtsts) (mg/lcg/dla) Si ntomas Bloqulmlca Histologla resposta tAUDC placebo

Poupon 146 34 13- 15 Prurido melhor .J. BT, FA, AST, .J. ALT, GGT Mel hor 6x 13 NO NO
(P < 0,03) (P < 0,001) (P <0,002) (P< 0,01)
Heathcote 222 27 14 Imutáveis .J. BT, FA, AST, ALT Mel hor Mudança em BT 12 19
(P < 0,001) (P < 0,05) (P < 0,001 )
Lindor 180 50 13- 15 Imutáveis ,J.Bf, FA.AST Sem 21 x43 7 12
(P < 0,004) diferença (P < 0,003)
Combes 151 24 10- 12 .J. Astenia-prurido .j. BT, FA, GGT, ALT, IGM Mel hor Mudança na BT 12 11
(P <0,01) (P < 0,05) BT
Inicial doença (P = 0.001 )

8T = Bilinubina total; FA = Fosfata.se alcalina; AST = Aspartato aminotransferase; ALT = Alanina aminotransferase; NO= Não definido;GGT = Gamaglutamiltransferase.
714 Capftulo 63 I Cirrose Biliar Primdria e Sfndromes de Superposição

1' Linha

Ausência de resposta ou intolerância

2' Linha Rifampicina 150 mg/dia

3' Linha Naltrexone

4' Linha Plasmaférese

5' Linha Transplante de fígado

Figura 63.1 Estratégia de tratamento de prurido na doença crônica do fígado (Meia, Mancuso & Burroughs, 2003).

Fármacos Comentários
-·-
Quadro 63.5 Comentários sobre farmacoterapia do prurido

Colestiramina Agente não absorvível, solúvel em água, que se liga a ácidos biliares, bloqueando sua circulação êntero·hepática.
Administrada por via oral na dose de 2 a 4 g até 16 g/dia (envelopes com 4 g), diluída em água e suco. Reações colaterais
envolvem síndrome hipostênica, constipação, anorexia e esteatorreia, interferindo na indisponibilidade de fármacos como
ácido ursodesoxicólico, tiroxina, digoxina e anticoncepcionais orais.
Colestipol Outra resina trocadora de ânions, polímero que também se liga a ácidos biliares. Bem tolerado na dose de 5 a 30 g/dia, sem
efeitos colaterais gastrintestinais.
Rifampicina lndutor junto com fenobarbital do sistema metabolizador de drogas, promovendo o metabolismo de composto
pruritogênico, modifica a síntese de ácidos biliares no intestino, sobretudo de litocólico. Empregada em dose variável de
300-600 mg (2 a 3 comprimidos), via oral, ao dia.
Naltrexone e outros Naltrexone deve ser administrado na dose diária de 50 mg/dia e nalmefene, 4·1O mg/dia. Reações colaterais são
antagonistas opiosos exacerbações dos sintomas iniciais, com aparecimento de anorexia, náuseas, cólicas, palidez, sudorese, hipertensão arterial.
Ondansetron Experiências pequenas, sem efeitos adversos importantes propostos na administração endovenosa (4-8 mg) ou via oral (24
mg/5 semanas).

Apesar desses valores anormais, o risco de doença arterioes- avançados da doença, há redução significativa da densidade
clerótica não se mostra maior do que o da população em geral. mineral óssea, os doentes evoluem com dores dorsolombares
Deverão ser conduzidos por meio de dieta hipogordurosa e e nas costelas, e com frequentes fraturas espontâneas. A per-
administrações de clofibrate e colestiramina. Excepcionalmen- da média de massa óssea ultrapassa em duas vezes as médias
te, pelo risco de hepatotoxicidade, valendo-se de estatinas nas observadas para idade, peso e sexo em relação a controles não
doses de 10 a 20 mg, VO, à noite ao deitar. hepatopatas. Recomendável diante dessa complicação tomar as
A osteoporose, por sua vez, revela-se como complicação seguintes medidas: a. evitar colestiramina (<absorção de vi ta·
frequente e de mecanismo desconhecido. Mostra-se mais acen- mina D) e corticoideterapia (reduz massa óssea); b. repor vita-
tuada naqueles pacientes profundamente ictéricos. Nos casos mina D2 (50.000-100.000 U/semana) infusões IV de gliconato
Capftulo 63 I Cirrose 81/ior Prlmdria e Sfndromes de Superpos/çdo 71 5

de cálcio (1,5 a 15 mg/dia/12 dias); c. administração de cálcio T- - -


oral (500 mg/2 vezes/dia/tempo indefinido); d. terapêutica com Quadro 63.7Critérios de recorrência de àrrose biliar prim~ria
bifosfato ou fluoreto, sempre assoáada à vitamina 0 2 (promove pós-transplante de figado
estimulação osteoblástica), com valor da administração paren-
teral de calcitonina ainda se encontrando indefinida. 1. Hi>1o/6gir:os
Hipovitaminoses deverão ser combatidas pela administração • Destruição de duetos biliares por granuloma epitelioide
de: a. vitamina A (50.000-150.000 U/semana), desde que nfveis • Colangite e agregados llnfoclticos
séricos se encontrem baixos (atenção com hepatotoxicidade); • Proliferaçjo ductular
b. vitamina K - de preferência, reposição IM, de acordo com • Ruptura de membrana basal dos duetos biliares
atividade de protrombina, tendo sido proposta terapêutica por • Proteina associada ao cobre na ausência de colestase
longo prazo com a forma hidrossolúvel (VO, 5 mgldia). • Rarefaçjo de duetos biliares
Por sua vez, esteatorreia, caracterizada pela perda acentuada 2. Sorológicos
de gordura pelas fezes leva à desnutrição, ao emagrecimento, à • Elevações de tltulos de anticorpo antimitocondrial
astenia e à precária absorção de vitaminas lipossolúveis, como
A, D, E, K. Os pacientes desenvolvem dificuldade de adaptação
visual noturna, agravamento da osteopenia, aumento do tempo
de protrombina e alterações neurológicas, tais como arreflexia,
ataxia e perda de propriocepção. ~·---
Manifestações cutâneas se expressam pela pele seca e espessa, Quadro 63.8 Fatores de risco para recorrênàa de cirrose biliar primária
sobretudo nos dedos, tornozelos e pernas. Há queixas de dores
• Idade avançada do doador e/ou receptor.
frequentes, sobretudo aos mais leves traumatismos, em conse-
• Tempos de lsquemla fria ou quente são controversos.
quência da neuropatia xantomatosa periférica.
• Variante genética em HCAclasse li, interleucina 12, e do receptor Bde
Na hipertensão portal pré-sinusoidal, frequentemente, os interleucina 12.
doentes evoluem com varizes de esôfago. O sangramento diges- • Número menor de mlsmotches HLA·A. HLA· B e HLA·DR entre doador e
tivo que pode ocorrer deve-se não apenas à ruptura dos cordões receptor.
varicosos, mas também a hemorragia consequente a gastropatia • Recorrência em torno de 128 e 62 meses, respectivamente, naqueles
hipertensiva e a úlcera duodenal. Por outro lado, carcinoma que recebem ciclosporina e tacrolimus.
hepatocelular raramente se instala nessa forma de cirrose. • Cerca de 17'!6 daqueles tratados com tracrolimus e prednisona com ou
Falência dessas atitudes traduz-se pelo agravamento do pru- sem micofenolato.
rido, instalação de osteopenia, deficiências de vitaminas lipos- • Expressão aplcal epítelial intensa do anticorpo monodonal murino C
solúveis, desnutrição e evolução com hipertensão portal e sinais 355, naqueles com recorrência precoce.
de insuficiência hepática grave. Esses deverão ser conduzidos
pelo transplante de figa do empregado, sobretudo naqueles que,
no índice proposto pela Cllnica Mayo, já atingiram o escore de
5,0 pontos, quando a expectativa de vida é de I ano ou menos, em níveis séricos de fosfatase alcalina e aminotransferases, não
conforme disposto no Quadro 63.6. influencia sobrevida do paciente ou do enxerto, sem evidências
O prognóstico daqueles assim conduzidos se revela exce- a esse respeito quanto ao uso de corticoide, sendo o retrans-
lente, com lndices de sobrevida, ao fim de 2 e 5 anos, respec- plante poucas vezes realizado.
tivamente de 75 e 68%, com índices de recorrência entre O e
50%, quando 26% deles exibem recorrência, cujos critérios de
definição encontram-se expressos no Quadro 63.7 • SfNDROMES DE SUPERPOSIÇÃO
Fatores de risco para que essa evolução aconteça estão dis-
criminados no Quadro 63.8. Esse termo tem sido empregado com o objetivo de descre-
Recomendável que sejam conduzidos valendo-se de ácido ver casos de pacientes com doença hepática crônica e que exi-
ursodesoxicólico, fármaco que, apesar de promover reduções bem sinais clínicos, histológicos e bioquímicas superponfveis e
pertencentes aos achados clfnicos de diversas entidades. A esse
respeito, existem dúvidas entre pesquisadores quanto a essas
----~
alterações constitufrem simples coincidência ou representarem
Quadro 63.6 1ndicações do transplante de trgado um comportamento híbrido, consequência de um distúrbio
múltiplo de natureza autoimune.
nacirrose biliar primaria
Essas s!ndromes apenas recentemente tiveram um posicio-
lcterlcla acentuada, com bilirrubina sérica além de 10 mg/dt
namento definido no campo da moderna hepatologia. Têm
Asclte lntrat~vel uma base patogênica que as caracteriza como resultantes da
Encefalopatia he~tica
resposta imunológica despertada a partir de antígenos próprios,
Valor sérico de albumina abaixo de 3 gldt acarretando lesão a estruturas e a órgãos-alvo. Nesses pacientes
Consumo muscular geneticamente predispostos, tudo indica que o agente dispa-
Peritonite bacteriana espontanea de repetiçjo radar do processo seja um agente infeccioso, indutor de uma
Osteoporose em progressão resposta quando apresentado aos linfócitos T do hospedeiro.
51ndrome hepatopulmonar Dessa complexa resposta, participam citocinas, as quais, uma
Ruptura de varizes esofagog<lstricas vez secretadas, afetam a imunerregulação. Essas citocinas são
Carcinoma hepatocelular as interleucinas e o fator de necrose tumoral, gerados durante
Prurido lntratável a resposta inflamatória instalada. Dessa forma, desencadeia-se
Letargia acentuada uma cascata de eventos, na qual se encontram envolvidos: 1.
moléculas de adesão; 2. recrutamento e ativação de leucócitos
716 Capftulo 63 I Cirrose Biliar Pr/mdr/a e Sfndrames de Superposição

e mastócitos; 3. maturação de leucócitos. A ação dessas molé- de distúrbio autoimune diferem entre si, sendo dependentes,
culas é regulada por receptores espedlicos, com a resposta in- na primeira slndrome, da ativação de linfócitos B e, na segun-
flamatória de subestruturas celulares específicas dependente da da, das células T.
participação de sinais extracelulares, de apoptose e, sobretudo, Histologicamente, alguns sinais são úteis na diferenciação
de moléculas do sistema HLA. Algumas dessas síndromes serão entre ambas: 1. lesões em casca de cebola (fibrose concêntri-
comentadas neste capítulo. ca periductal), com sinais de colestase e librose, são próprias
da colangite esclerosante primária; 2. necrose periférica acen-
• Cirrose biliar primária e hepatite tuada, librose com presença de septos ativos e passivos, sinais
evidentes de tentativa de regeneração hepatodtica, inflamação
crônica autoimune linfocítica e plasmocitária, e cirrose macronodular com intensa
Essa associação tem sido frequentemente observada, res- atividade são próprios da hepatite crônica autoimune. São pa-
ponsável por algo em torno de 9-1096 das slndromes de super- cientes que, do ponto de vista colangiográfico, apresentam os
posição. São pacientes que exibem um quadro misto cllnlco, sinais típicos de estenose e dilatação de grandes duetos biliares
bioqulmico e histológico pertencente a ambas as condições. intra- e extra-hepáticos. Essa associação tem sido observada em
Caracteristicamente, inicia-se por sinais de colangite crônica crianças, em adolescentes e em adultos jovens. A terapêutica
destrutiva não supurativa, quando predominam colestase e pru- envolve a administração associada de ácido ursodesoxicólico
rido em pacientes do sexo feminino, em torno dos 50 anos de e corticosteroide.
idade, e com anticorpo antimitocondrial (M2) positivo. Alguns
desses casos são controlados inicialmente pela administração de • Colangite autoimune
ácido ursodesoxicólico, mas, em seguida, passam a evoluir com
elevação sé rica de aminotransferases, e tornam-se positivos para Descrita inicialmente em 1987, a partir da observação de
anticorpos antimúsculo liso ou antinúcleo. Nessa ocasião, apre- três mulheres com quadro clínico, laboratorial e histológico de
sentam à biopsia hepática, associadamente, necrose periférica cirrose biliar primária. Caracteristicamente, as três eram anti-
e inliltrado linfocitário e plasmocitário importante, periporta corpo antimitocôndria negativas, e anticorpos antirnúsculo liso
e perisseptal. Os crité.rios típicos diagnósticos representativos e antinúcleo positivas, com vias biliares à colangiografia endos-
da entidade estão representados no Quadro 63.9. cópica retrógrada sem alterações. Tipicamente, são pacientes
As recomendações na condução de tais pacientes incluem: com concentrações mais baixas de IgM e títulos séricos mais
1. terapêutica isolada com corticosteroides ou ácido ursodeso- elevados de anticorpo antinuclear (1:160-1:1.280), com cerca
xicólico não induz; a normaliução bioquímica definitiva. As- de 4596 portando o anticorpo antimúsculo liso. Esse compor-
sim, tomá-los assintomáticos, com regressão dos parâmetros tamento é o inverso do observado naqueles doentes com cir-
en:z;irnáticos, só vai ocorrer com associação das duas drogas; 2. rose biliar primária pura e com antimitocôndria positiva (M2).
essa slndrome pode ser clinicamente reconhecida, uma vez; que Apesar dessas diferenças, os sintomas nas duas síndromes são
se defina resistência à terapêutica com ácido ursodesoxicólico semelhantes, em ambas predominando mulheres com coles-
em pacientes com cirrose biliar primária cHnica, bioquímica e tase clínica e bioquímica, e que, tratadas com corticosteroides,
histologicamente diagnosticada. apresentam rápida normali:z;ação dos valores de arninotrans-
ferases, enquanto os da fosfatase alcalina e gamaglutamiltrans-
ferase apenas regridem com administração associada de ácido
• Colangite esclerosante primária e hepatite ursodesoxicólico.
crônica autoimune
Caracteristicamente, essas slndromes podem ser encontra- • Doença hepática autoimune e neoplasia
das em um mesmo paciente. Todos exibem hipergamaglobu-
linernia e autoanticorpos circulantes inespecllicos, sobretudo Essa associação foi recentemente descrita por autores ingle-
anti músculo liso e antinuclear. Mecanismos efetores geradores ses e observada em portadores de doenças mieloproliferativas
e no câncer de cólon. Pode exteriorizar-se clinicamente por
ocasião do diagnóstico da neoplasia, ou no decurso da doença
hepática, sendo, possivelmente, precipitada pela quimiotera-

Quadro 63.9 Critérios diagnósticos da síndrome cirrose biliar
pia. Estudos histológícos do flgado revelam quadros de hepa-
tite aguda, subaguda ou crônica, cirrose biliar primária e co-
langite esclerosante primária. Sugere-se que seja considerada
primáriae hepatite crônica autoimune
como uma slndrome paraneoplásica. Há necessidade da reali-
Sintomas ou sinais, Inclusive provas bioquimlcas que Indicam doença zação de estudos prospectivos, visando a definir mecanismos
hepática crOnlca com mais de 6 meses de duraç3o. patogenéticos envolvidos e opções de manipulação terapêutica
Aspectos histológkos típicos de hepatite crOnica autolmune. farmacológica.
ConcentraçOes séricas elevadas de gamaglobulina e especifica de lgG.
Presença de autoantloorpos drculantes, sobretudo antlnúdeo,
antlmúsculo liso e antlfogado- rim em títulos iguais ou superiores a
1:40. Além desses, ouuos podem ser também Identificados. • LEITURA RECOMENDADA
Aspectos de comprometimento multissistêmico. com anonnalídades Abdulbrim, AS. Petrovic, LM, Kim, WR d a1. Primary bUiary cirrhosiJ: an
Imunológicas podendo ser encontradas em parentes de primeiro grau.
infectiow clisease cauud by Orlamydja pneumoniat? I Htp<Jtol. 2004;
Presença de haplótipos HLA tipos 8, OR3 ou OR4. 40>.380.
Exclus3o de outras causas de hepatites crOnlcas, tais como Induzidas por Agarwal, K. Jones.OE, Bamndine, MF. Genetic SUSGeptibility to primuy bWary
vlrus ou firmacos. cirrhosls. Eur I Gastrotnrtrol Htp<JIO~ I 999; 11:603.
Resposta • terapêutica com corticoide. Ahrens, EH, Raynt, MA, Kunke~ HG d aL Primary biliary cirrhosl$. Mtdiclne
(Baltimor•), 1950; 29:299.
Capftulo 63 I Cirrose Biliar Prim6ria e Sfndromes de Superposição 717
Angulo, P & Oickson, ER. Methotrexate in lhe treabnent of primary biliary Joshi, EM, Heasley, BH, Chordia, M, McDonald, TL. In vitro rnetabolism of
cirrhosis. Thc hypc and lhe hope. Gastroenterowgy, 1999; 117:492-1. 2-acetylbenzotiophene: relevance to tilulton hepatotoxicity. Chtm Re.s Toxí-
Anonimous. Natalizumabe: AN 100226, anti-4 alpha-integrin monoelonal col, 2004; 17:137.
antibody. Drugs RD, 2004; 5:102. Karnihira, T, Shimoda, S, Nakarnura, M tt ai. Biliary epilheüal cells regula te
Bataller, R, North, KE, Brenner, DA. Polymorphisms and the progression of autoreactive T cells implications for biliary - spedfic diseases. Htpatology.
liver fibrosis: a criticai appraisal. Hepatology, 2003; 37:493. 2005; 41:151.
Beukers, R. de Rave, S, van den Be,rg, JW et ai. Oral pharmacokinetics of cy- Kaplan, MM & Gershwlnn, ME. Primary biUary cirrhosis. N Eng I Med, 2005;
elosporin In patients wilh primary bUiary cirrhosis in patlents wilh or skin 353:1261.
di.seases. Aliment Ph4rmaco/Ther, 1992; 6:459. Kita, H, He, XS, Gershw!n, ME. Autoimrnunity and enviromental factors in lhe
Bianchi, L & Gudat, L. Chronic hepatitis. Em: MacSween, RNM, Anthony, palhogenesis of primary biüary cirrhosis. Ann Med, 2004; 36:72.
PP. Scheuer, PJ, Burt, AD, Portmann, BC. Palhology of lhe liver. Londres, Korioka, D, Egawa, H, Kasahara, M et ai. Impact of human leukocyte antigen
Churchill Livingstone, p. 349, 1994. misrnatching on outcornes ofliving donor tiver transplantation for primary
Bogdonas, DP. Pares, A, Baurn, H et aL Oisease specific cross reactivity between biliary cirrhosis. Liver Tmnsp~ 2007; 13:80-90.
mimicking peptides of heat schocl< protein of mycobacterium gordonae Kouromalis, E & Notas, G. Pathogenesis ofprimary biliary cirrhosis: a unifying
and dominant epitope of E2 subunit of pyruvate de hydrogenase is com- model World I Gastroenterol, 2006; 12:2320.
mom in Spanish but not British patients wilh primary biliary cirrhosis. f Leon. MP, Bassendine. MF, Wilson. JL et ai. lmmunogenicity ofbiliary epithe-
Autcimmun. 2004; 22:353. lium: investigation of antigen presentation to CD4+ T cells. Hepatology,
Bones, PAL & Kaplan, M. Methotrexate improves biochemical tests in patlents 1996; 24:561.
wilh primary biliary cirrhosis who respond incompletely to ursodiol. Gas- Leuchsner, M, Dietrich, CF, You, T et ai. Characterization of patients with
troenterology, 1999; ll7:395·9. primary biliary d rrhosis respondlng to long term ursodeoxycholic acid
Brind. AM, Bray, GP, Portmann, BC, Williams, R. Prevalence and panerns of treatment. Gut. 2000) 46:121·6.
familial dise..,., in primary biliarycirrhosis. Gu~ 1995; 36:615. Lindor, KD. Colchicine and ursodeoxycholic acid for primary biliary cirrhosis.
Charatcharoenwitlhaya, P & Lindor, KD. Current concepts in lhe palhogenesis Emerging results. Gastroenterology, 1995; 108:1592·3.
of primary biliary cirrhosis. Ann Hepato~ 2005; 4:161. Lohse, AW, zum Buschenfelde, KH, Kanzler, FB et ai. Charactcrization ofthe
Charatchatoenwmhaya, P, Pimentel, S, Talwakar, JA et a/. Long-tcrm survival overlap syndrome ofprimary biliary cirrhosis (PBC) and autoirnmune hepa-
and impact of ursodeoxycholic acid treatment for recurrent primary bi- titis: evidence for it being a hepatitic form ofPBC in genetically susceptible
liary cirrhosis, and autoimmu_ne hepatitis after Uver transplantalion. Liver Individuais. Hepatology, 1999; 29:1078-84.
Transp~ 2009; 1S:S25-S34. Lombard, M, Portmannn, B, Neuberger, J et al. Cyclosporin A treatment in
Charatchatchatoenwitlhaya, P. Talwakar, JA, Angulo, P eta/. Moexapril for tre- primary biliary cirrhosis: results of a long·term placebo controlled trial.
atment of primary biliary drrhosis in patients with an incomplete response Gastroenterology, 1993; 104:519.
to ursodexychoüc acid. Dig Dis Sei, 2010; 55:476· 83. Maddison. P, Kiely, P, Kirkham, B et al. Leflunomide in rheumatoid arthritis:
Chazouilleres, O, Wendwn, O, Serfaty, L et ai. Primary, biliary cirrhosis - au· recommendations through a process of consensus. Rheumatowgy (Oxford),
toimrnune hepatitis ovedap syn drome: clinicai features and response to 2005; 41:280.
lherapy. Hepatowgy, 1998; 2&296-301. Maffesoü, M. A viscosidade social. Em: Maffesoü, M (cd.). O instante eterno.
Corpechot, C, Abenavoli, L, Rabahi, Neta/. Biochemical response to ursodeo- São Paulo: Editora Zouk, 2003. 163p.
xycholic: ac:id and long-tcrm prognosis in primary blliary c:irrhosis. Hepa- Marinho, R, Graca, MR, Ramalho, F et a/. Autoimrnune colangitis: case report.
towgy, 2008; 48:871-7. Hepatogastroenterology, 1999; 46:1949-52.
Donaldson, P, Agarwal, K, Crags, A et ai. HLA and interleukin I gene polyrnor- Mason, A, Xu, L, Neuberger, J. Proof of principal studies to assess lhe role of
phisms in pr-imary bi.Uary cirrhosis: assodations with disease prog·ression the human betaretrovlrus in patients w ith prirnary biliary cirrhosis. Am I
and disease susceptibiliry. Gut, 2001; 48:391. Gastroentcrol, 2004; 99:2499.
Duelos· Vallee, JC. Recurrence of autoimmune hepatitis, primary biliary cir· Maz.ariego, GV, Reyes, J, Marino, SR et ai. Wanlng of imrnunosupression in
rhosis and primary sclerosing cholangites after liver transplantation. Acta tiver transplant recipients. Transplantation, 1997; 63:243.
Gastroentero/ Belg, 2005; 68:331. McMichael, J, Lieberman, R, McCauley J et al. Computer·guided randomized
Durazzo, M, Rosina, F, Prernoli, A et ai. Lack of association between seropreva· concentration-controlled trials of tacrolimus in autoimrnunity: rnultiple
lence of Helicobacter pylori infoction and primary biliary cirrhosis. World I sclerosis and primary biliary cirrhosis. Ther Drug Monit, 1996; 18:435.
Gastroenterol, 2004; 99:2499. McNair, AN, Moloney, M, Portmann, BC et a/. Autoimrnune hepatitis overlap-
Fatio, S & Linton, MF. The role offibrates in managing hyperlipidemia: mecha- ping with primary sclcrosing cholangitis in fivc cases. Am] Gastroente.rol.
njsmsof aclion and dinjca] efficacy. Curr Atheroscler Rep. 2004; 6:148. 1998; 93:777-84.
Gershwin, ME. Primary biliary cirrhosis. Em: Vierling, JM, Peters, MG, Howell, Medeiros, JL & Passos, MCF. Cirrose bUiar primária- Sindromes de superpo-
CO (ed.) . Acute and chronlc Hver diseases: immunolog:ic mechanisms and sição. Em: Castro, LP. Savassi-Rocha, PR, Galizzi Filho, J, Lima, AS. Tópicos
lherapy. AASLD, 2005; p . 154. em Gastre.nterologia 9. Rio de Janeiro, Medsi, 1999.
Gluud, C & Christensen, E. Ursodeoxycholic acid for primary biliary cirrhosis. Meia, M, Mancuso, A, Burroughs, AK. Review article: pruritus in cholestatic
Cochrane Database Syst Rev, 2002; 1:CD 000 551. and other llver diseases. Alimtnt Pharmacoi'Iher, 2003; 19::857.
Goulis, J, Leandro, G, Burroughs, AI<. Randomised controlled trial of urso- Moder, KG. Mycophenolatomofetil: new applications for the immunosupres·
deoxycholic-add lherapy for primary biliary cirrhosis: a meta-analysis. sant. Ann Allergy Asthma lmmunol, 2003; 35:258.
Lancei, 1999; 354:1053-60. Murtagh, PA, Dickson, ER, van Darn, GM et ai. Primary biliary cirrhosis pre·
Guy, JE, Qian, P. Lowell, JA, Peters, MG. Rocurrence primary biliary cirrhosis: diction of short·tcrm survival based on repeated visits. Hepawlogy, 1994;
Pretransplant factors and ursooxycholic acid treairnent post -liver transplant. 20:126.
Liver Transpl, 2005; 11:1252-7. Nashan, B. Review of lhe proliferalion inhibitor everolimus. Expert Opin In-
Hagyrnasi, K & Tulassay, z. Genetics of primary biliary cirrhosis. Orv Hetil, vestig Drugs, 2002; 11:1845.
2005; 146:215 l. Neuberger, J. Primary biliary cirrhosis. Em: O'Grady, JG, Lake, JR, Howdle, P D
Hays, T, Rusyn, I, Bums, Am et a/. Role of peroxysome proliferation - activated (ed.). C<>mprehensivt Clinicai Hepatology. Londres: Mosby, 2000, 17.1.
receptor - alpha (PPAR alpha) in bez.afibrate - induced hepatoearcinogen- Neuberger, J, Portmann, B, MacDougall, BR et ai. Recurrence o f primary biliary
esls and cholestasis. Carc-inogenesis, 2005; 26:219. cirrhosis after tiver transplantation. N Eng f i\.fed, 1982; 306:1.
Healhcote, EJ, Cauch-Dudek, K, Walker, V et ai. The Canadian multicenter Obase, Y, Shimoda, T, Matsuse, H et a/. The position of pranlukast, a cyster·
double-blind randomized controlled teia! of ursodeoxycholic acid in pri· nilleukotriene receptor antagonist, in the long-term treatment of asthma.
mary biliary cirrhosis. Hepatology, 1994; 19:1149·56. 5-year follow-up study. Respiration, 2004; 71:225.
Hcalhcotc, J. Autoimmune cholangitis. Gut, 1997; 40:440·2. Olafsson, S, Gudjonsson, H, Selmi, C et al. Antimitochondrial antibodies and
Hendrickse, MT, Rigney, E, Giaffer, MH tt a/. Low-dose methotrexate is ineffec- reactivity to N. aromaticivorans proteins in Icelandic patients with primary
tive in primary biliary cirrbosis: long-tc.rm resuhs of a placcbo controlled biliary cirrhosis and lheir rclatives. Am I Gastroetnerol, 2004; 99:2140.
trial. Gastroenterology. 1999; 117:400- 7. Polson, RJ. Portmann. B, Neuberger, Jet ai. Evidence for disease recurrence after
Jacob, DA, Neumann, UP, Bahra, Meta/. Long-term recurrence of primary liver transplantalion for primary blliary drrhosis. Clinicai and histologica.l
biliary cirrhosls after liver transplantatlon in 100 patients. Clin Transplant, follow-up studies. Gastroenterowgy, 1989; 97:715.
2006; 20:2 11-20. Poupon. RE. Bonnand. AM. Chrétien, Y et ai. Ten~ year survival ursodeoxy·
Jones, DE, Watt, FE, Grove, J et ai. Tumor necrosis factor - alpha promoter cholic acid-treated patients with primary biliary cirrhosis. Hepatology, 1999;
polyrnorphisms in primary blliary cirrhosis. J Hepato~ 1999; 30:232. 29:1668.
718 Capitulo 63 I Cirrose Biliar Primdria e Sfndromes de Superposição

Poupon, RE. Poupon, NR. Salkau. B. lhe UDCA·PBS study group. Unodiol Vergaoi, O, Mieli-Vergan~ G. Autoímmunity after UYet transplantation. He-
for lhe long·term treatment of primary biliary drrhosis. N Eng/J Med. patqlqgy, 2002: 36:271.
1994; JJ0:1342·7. Vemant, JP. O mundo dos humanos. Pandora ou a inven~o cb mulher. Em:
Ravandl. F & O'Brien, S. Alemruzurnab - Expert. Rev. Alttican«r 7hu, 2005; Vemant, JP (ed.). O unlwno, os deuus, os lwmtm. Sio Paulo: Companhia
5:39. das Letras, 200 I, 59p.
Rowindcy, EK. T~tlng the molecular target o f rapamycln (mTor). Curr Opln Vicrling. JM. Futurc treatment options in PBC. S.m Liv<r Dis,ZOOS; 25:347.
Oncol. 2004; 16:564. Vicrling. JM. f-uturc treatment options in PBC. Semin Uvtr Dis, 2005: 28:135.
Rubin, EF, Sehaffner, F, Popper H. Primary biliary clrrbools. Chronic non su- Vogd, A, Strassburg. CP, Manns, MP. Genetic association of vitamin O receptor
polymorphisms with prlmary biliary cirrhosis and autoímmunc hepatltls.
puratlve dcstructivc eholangitis. Am I PaJho/, 1965; 46:387.
Hepatok>gy, 2002: 35: 116.
Rust, C & ~uers. V. Medicaltreatment of primary biliary clrrhosls and primary
Walk<:r, JG, Oonlaeh, O, Roltt, IM etal. Scrological tc$1$ in primary blllary clr-
scleroslng cholangltls. Clln Rev AUerg lmmunol, 2005:28:135.
rhosis. Lanctt, 1965: 1:827.
Sanchez, EQ, Levy, MF, Goldstein, RM et a/. The changlng clinicai presenta-
Warner, FJ, Lubel, JS, McCau&han, GW et a/. Liver fibnosis: a balance ACI!s1
tion of primary biliary clrrhosis after tiver transplantaUon. Transplantatlon,
Clin Sd, 2007: 113: 109· 18.
2003:76:1583-8. Wiesncr, RH, Ludwlg. J, Lindo r, KD et ai. A contiOlled u ial of cyclosporlneln
Sehefner, S, Oeuse, T. Schafer, H et ai. FK n8, a oovelimmunosupressive the ueatment of prlmary blliary clrrhosis. N Eng I Med, 1990; 322:1419.
agent, reduces early adhesion molecule up-regulation and prolongscardiac Wong. PY, l'l>rtmann, B. O'Grady, JG el ai. Recurrence of primary bU!ary dr·
aUograft survlval. Transpllnt, 2005; 18:215. rhosis after Uver transplantation foUowing FI<506- based ímmunossupres-
Sdml, C.lnYetnlz.zl, P, Kffie, EB .r aJ. EpidemloiOSY and pathOS"nesls of prl- sion. 1 Htpalol, 1993; 17:284.
mary billvy drrhosls. I Clin Gastrotnterol. 2004: 38:264. Xu. O, Alegre, ML, Varga, SS et al.ln vitro eharaa<ril:ation offive humanlt.ed
Shlgemat.su, H, Shimoda. S. Nakamura. M t1 aJ. "True" antimitoehondrial anU- OKT3 effector function varlant antibodles. Ctlllmmvnol, 2000; 200: 16.
body-negative primary biliary cinhosis, low sensitive of lhe routlne usays. Yarnarnoto, K & Ge.-.hwin, ME. Primary billvy clrrhosis: solv!ng the enigma.
or both? Clln Exp Immunol. 2004.; 135:154. Em: Tsuj~ T, Hlgashl, T, Zeniya. M, Meyer zum Büschenfelde, KH (ed.).
Su, CW, Wu, JC. Huang. YH et aL Zafirl<ukast induced acute hepatitis. ZJtonghua MolecuiDr biology and lmmunology in htpatology. Adwmces in lhe trralment
Yl Xue Za Zhi (Taipti), 2002: 65:252. of intn:tttablt IJwr disttUtl. Amsterdam: Elsevier, 2002, 239p.
64 Colangite Esclerosante Primária
Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo,
Taiane Costa Marinho, Naísa Oliveira A/vim Mattedi,
Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Paula Hugueney Cruz,
Guilherme Tarameli dos S. Cecílio, Raul Carlos Wahle,
Cristiane Maria de Freitas Ribeiro

Colangite esclerosante primária (CEP) é urna doença hepática maior ocorrência tanto de CEP quanto de RC UI. O curso evo-
crônica, de etiologia desconhecida, caracterizada por fibrose in- lutivo da doença é mais rápido nos portadores de HLA-DR4.
flamatória que oblitera duetos biliares intra- e extra-hepáticos. Apesar dessas evidências que constituem fortes argumentos
Caracteristicamente, os pacientes são homens jovens e apre- favoráveis à doença autoimune, a CEP ainda é rotulada como
sentam estenoses e dilatações das estruturas ductais, evoluindo de etiologia desconhecida.
para estágio avançado de cirrose biliar, com tendência a cursa- Por sua vez, naqueles doentes que evoluem com RCUI asso-
rem exibindo surtos de colangite bacteriana, hipertensão portal ciada, o epitélio colônico torna-se permeável a produtos bac-
e colangiocarcinorna. Retocolite ulcerativa idiopática (RCUI) terianos tóxicos, tais como endotoxinas, as quais, por meio do
e, mais raramente, doença de Crohn estão presentes em, no sistema venoso portal, atingem o fígado, causando pericolangite
mínimo, 7096 dos casos. RCUI em geral se manifesta antes do e lesões de duetos biliares intra- e extra-hepáticos.
início clínico da CEP, mas pode ser diagnosticada simulta- Alguns autores também advogam que tal tendência evolutiva
neamente ou após o início da CEP. Em geral, a RCUI evolui esteja relacionada com participação lesiva de citomegalovírus.
silenciosamente ou com sintomas moderados. A CEP pode estar Correlacionam essa participação ao encontro de corpos de in-
associada a outras enfermidades, como fibrose retroperitoneal, clusão típicos da presença desse agente infeccioso nos duetos bi-
tireoidite de Riedel e síndromes de imunodeficiência, sobretudo liares daqueles com CEP. Aventou-se, contudo não foi posslvel
a AIDS, mas, nesse caso, a colangite esclerosante é secundária. comprovar, que tal desarranjo estivesse relacionado com presen-
História de trauma cirúrgico sobre a árvore biliar ou existên- ça do retrovírus tipo 3, mas com certeza existe a comprovação
cia de neoplasia maligna primária do sistema biliar excluem de que ele está relacionado com anormalidades imuno-humo-
o diagnóstico de CEP. Aspectos clínicos típicos, radiológicos, rais, tais como lúpergamaglobulinemia (elevação da secreção de
histológicos e terapêuticos, incluindo o transplante de fígado, IgM), níveis séricos elevados de imunocomplexos ativadores do
fazem parte da história desses pacientes. sistema do complemento, conforme citado anteriormente em
pacientes com títulos elevados de anticorpos anticélulas endote-
liais colônicas, além de positividade para p· ANCA, antimúsculo
• ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS liso, antinúcleo, anticolônicos e antiespaço portal.
Apesar desses avanços, não se consegue defini r com pro-
A presença de níveis séricos circulantes elevados de imuno- priedade que a CEP seja uma doença autoimune. A principal
globulinas; a identificação de autoanticorpos circulantes não limitação na feitura dessa assertiva relaciona-se com a falta de
organoespecíficos, sobretudo p-ANCA (anticorpo anticitoplas- um autoantígeno específico como alvo das respostas imunes
mático neutrofilico ); a diminuição do clareamento hepático exercidas por células T e B.
de imunocomplexos circulantes; a ativação do complemento
aumentada; a frequência elevada de antígenos do sistema HLA
humano, HLA-B8, DR2, DR3 e DRw52a; a expressão aberrante • ASPECTOS CL[NICOS
de antígenos HLA de classe li nas células epiteliais dos duetos
biliares; os achados histológicos de inflamação das células bi- Diferentemente da cirrose biliar pr imária (CBP), os homens
liares, agredidas por populações de linfócitos; e a possibilida- são mais afetados pela CEP do que as mulheres. São pacientes
de de controle dos surtos de colangite, por meio do emprego jovens, entre 25 e 45 anos, podendo ser a doença encontra-
de imunossupressores, conferem à CEP uma base patogenéti- da entre crianças com menos de 5 anos de idade. Aproxima-
ca autoimune. Outras alterações do sistema imunológico, tais damente 7096 dos pacientes são portadores concomitantes de
como desequilíbrio entre linfócitos T auxiliadores supresso- RCUI, mas o inverso é observado em apenas 5% dos casos. In-
res, aumento na propo rção CD4:CD8 e acentuado número de teressante observar que, embora se aceite que a patogênese de
células B e imunocomplexos circulantes, são identificadas em ambas as doenças - CEP e RCUI - seja desconhecida, as duas
todos os pacientes. Nas famílias desses doentes, também há têm características sorológicas e histológicas que definem uma

719
720 Capitulo 64 I Cofongite Esderosonte Prlmdrlo

evolução relacionada com distúrbios autoimunes. A CEP se brose retroperitoneal, tireoidite, sindrome de Sjõgren, hepatite
expressa clinicamente de duas formas de apresentação discri- crônica ativa, lúpus eritematoso, vasrulite, púrpura tromboci-
minadas adiante. topênica, histiocitose X, pancreatite crônica, artrite reumatoi-
de, doença de Peyronie, bronquiectasia, esclerose sistêmica,
nefropatia membranosa, pseudotumor de órbita, anemia he-
• Doença assintomática molítica, linfadenopatia angioblástica, fibrose dstica, eosino-
Em geral, a CEP é identificada durante avaliação de paciente filia, sarcoidose, nefropatia e doença dos mastócitos. Nesses, a
com RCUI. Nesse caso, evidenciam-se hepatomegalia e nível doença inflamatória intestinal representa preocupação maior,
sérico elevado de fosfatase alcalina (Figura 64.1). A compro- pois, quando diagnosticada em conjunto, a CEP levará ao risco
vação é realizada através da colangiografia endoscópica, ao se- aumentado de adenocarcinoma de cólon e colangiocarcinoma.
rem identificadas áreas de estenose e dilatação na árvore biliar Rastreamento dessas neoplasias exige realização de colonosco-
intra- e/ou extra-hepática. Esse quadro radiológico também pia anual, particularmente entre os pacientes em uso de imu-
pode ser observado naqueles com doença inflamatória intesti- nossupressores, ocasião em que a realização de biopsias seriadas
nal, evoluindo ainda com valores normais de fosfatase alcali- definindo displasia celular de grau elevado exige a execução de
na no sangue periférico. Menos frequentemente, o diagnósti- proctocolectomia total como medida profilática, enquanto da
co realiza-se em exame rotineiro nos chamados check-ups ou neoplasia biliar, valendo-se de tomografia computadorizada.
durante doação sanguínea, ao se detectarem modificações de
concentrações plasmáticas de enzimas como aminotransferases
e gamaglutamiltransferase. • HISTÓRIA NATURAL
• Doença sintomática A história natural desses pacientes é variável, quando se con-
sideram os assintomáticos e os sintomáticos. A sobrevida média
A CEP é uma doença com tendência progressiva. Sintomas varia, de acordo com a população estudada, entre lO e 21 anos.
inespedficos traduzem-se porastenia, anorexia, emagrecimento Baseados em amplas séries, alguns centros de pesquisa têm es-
e outros que são rotulados como típicos, tais como dor surda tabelecido modelos prognósticos, fundamentados em aspectos
ou em cólica no hipocôndrio direito, prurido, icterícia intermi- clínicos, bioquirnicos e histológicos. Tem-se atribuído impor-
tente, hiperpigrnentação cutãnea e xantomas. Febre e calafrios tãncia especial na definição de um escore e são os seguintes os
são menos frequentemente observados, mas podem aparecer parâmetros de gravidade considerados mais importantes: bi-
quando há manipulação invasiva ou radiológica do trato biliar. lirrubina sérica elevada, estágio histológico, presença de esple-
A intensidade da colangite é inversa à da atividade da RCUI. nomegalia e idade avançada. Esse modelo serve para selecionar
Preocupa a evolução para o adenocarcinoma de cólon nesses e estratificar pacientes, auxiliar na determinação do momento
pacientes com doença inflamatória colOnica, e 6 a 30% de to- do transplante e qualificar tratamentos propostos.
dos os portadores de CEP desenvolverão colangiocarcinoma,
em um período de lO a 30 anos de evolução.
• DIAGNÓSTICO
• DOENÇAS ASSOCIADAS A CEP deve sempre ser considerada em pacientes com co-
Várias doenças sistêmicas podem estar associadas à CEP. lestase, sobretudo naqueles que evoluem com RCUI. O diag-
Entre elas, todas autoimunes, incluem-se doença cellaca, fi- nóstico base.ia-se em aspectos laboratoriais, colangiográficos e
histológicos, conforme explicitado adiante.

• Aspectos laboratoriais
Classicamente, os pacientes com CEP evoluem com níveis
séricos elevados de fosfatase alcalina, ultrapassando em 3 a 6
vezes o limite superior normal Valores de bilirrubina são flu-
tuantes entre 3 e lO mg/dt , excepcionalmente ultrapassando
essas taxas. Sendo doença colestática, os pacientes tipicamen-
te evoluem com hipercolesterolemia, hipercupremia, concen-
trações aumentadas de ceruloplasmina e de IgM em 50% dos
acometidos. Ocasionalmente, identificam-se anticorpos anti-
mitocôndria e/ou antinúcleo e p-ANCA positivo, exibindo ou
não doença inflamatória intestinal. Percentual razoável dos
pacientes cursa com eosinofilia, e há, nos surtos de colangite,
leucocitose, acompanhada ou não de desvio para a esquerda
e anemia.

• Aspectos histológicos
Flgur• 64.1 Tomograf.a computadorizada mostrando ligado e baço Embora não seja exigência definitiva ao estabelecimento
com volumes aumentados. em paciente que se apresentou para ava- do diagnóstico de CEP, o estadiamento histológico tem gran-
liaç.\o pré-operatória de cirurgia plástica. Cursava com valores séricos de importância (Quadro 64.1), sobretudo na elaboração dos
elevados de fosfatase alcalina e gamaglutamiltransferase. modelos de sobrevida.
Capftufa64 I CalanglteEsclerosantePrimdrla 721

T
Quadro 64.1 Aspectos histológicos na colangite esclerosante primária

fsúglos Aspectos hlstológicos

I (portal) Hepatite portal elou anormalidades de duetos biliares.


Discreta inflama~o periportal presente ou MO e fibrose.
Espaços portais não expandidos.
N6o essenciais: edema portal e fibrose podem estar
presentes; lesões parenqulmatosas leves ou ausentes.

11 (perlportal) Flbrose periportal com ou sem hepatite perlportal ou


alargamento proeminente dos espaços portais; lâminas
celulares neoformadas. Ambas as condições podem
coexistir. Necrose periférica fibrosante e biliar podem
MO ser identificadas.
Não essendais: edema portal e fibrose. proliferação de
duetos e dúctulos, evidência de fibrose, agregados
linfoides ou colangite pleomórfica.

111 (septaO Fibrose septal ou necrose em ponta. ou ambas.


Não essenciais: os aspectos dos est,gios anteriores.
Presença de necrose em ponte MO é comum. Duetos
biliares intensamente lesados ou ausentes. No
parênquima, necrose periférica fibrosante e biliar.
Deposição de cobre pode estar presente.

IV (clrrótlco) Cirrose biliar.


N6o essenciais: podem ser os mesmos dos estágios
anteriores. mas as alterações parenqulmatosas são mais
intensas do que no estágio 111. A maioria dos duetos
biliares desaparece.
Figura 64.2 Fase inicial Ol da colangite esderosante primária. ObseNa·
se que as alterações em duetos biliares intra-hepáticos são delicadas.
Árvore biliar extra-hepática preseNada. CPER

• Aspectos colangiográficos
~o método diagnóstico de escolha de CEP. Por meio desse
procedimento, define-se que o grau de obstrução é o mais forte
sinal preditivo de instalação de ieterlda, mas não de mortalida-
de ou de indicação para realização do transplante de flgado. A
avaliação colangiográfica estabelece informações importantes
sobre a extensão e gravidade da CEP em duetos biliares maio-
res, enquanto a biopsia avalia melhor a agressão aos pequenos
duetos e ao próprio parênquima hepático.
Classicamente, os aspectos radiológicos traduzem-se por
áreas irregulares de estenoses curtas (0,5 em) ou longas (2,0 em),
acompanhadas de dilatações, situadas na árvore biliar intra
e/ou extra-hepática. Formações diverticulares podem ser iden-
tificadas. Esses aspectos são definidos por colangiografia endos-
cópica retrógrada (Figuras 64.2 a 64.5), ou colangiografia por
ressonância magnética (Figuras 64.6 e 64.7) e/ ou transparieto-
hepática (Figura 64.8).

• Resumo do diagnóstico
O diagnóstico da CEP obedece a três critérios: 1. exclusão de
causas de colangite esderosante secundária; 2. aumento sérico
da fosfatase alcalina além de 3 vezes o limite de referência, por
um período minimo de 6 meses; e 3. achados colangiográficos
compatfveis com o diagnóstico.
O exame anatomopatológico de material colhido por biop-
sia hepática não é sempre necessário, exceto em casos que
exijam avaliação do acometimento de pequenos duetos. En-
tretanto, o estadiamento dos pacientes é indispensável antes
de alocá-los em qualquer regime terapêutico, com o estadia- Figura 64.3 Fase intermediária (li) da colangite esclerosante primária.
menta histológico da CEP dividindo os pacientes em quatro Observam-se alterações em ramos biliares intra-hepáticos com preser·
grupos: vação da árvore biliar extra-hepática. CPER
722 Capftulo 64 I Colangite Esclerosante Primdria

Figura 64.6 Colangiorressonancia magnética mostrando ilhotas da


árvore biliar intra·hepática com arquitetura comprometida; a extensão
do processo não está. porém, bem definida. Colangite esclerosante
primária.

Figura 64.4Fase mais avançada (111) da colangiteesderosante primária


com rarefações da árvore biliar intra-hepática e intensas deformações
intra- e extra-hepáticas dos duetos biliares. CPER

Figura 64.7 Colangite esclerosante primária. Observar que, nas fases


mais tardias da colangiorressonância magnética, ainda não existe uma
definição precisa da totalidade do comprometimento.

Estágio I ou portal - Edema e inflamação portal, proliferação


ductal, lesões que não ultrapassam a placa limitante.
Estágio li ou periportal - Fibrose periportal, inflamação
com ou sem proliferação ductular; pode haver necrose em
saca-bocados.
Estágio III ou septal - Fibrose septal ou necrose em ponte.
Estágio IV ou cirrótico - Cirrose biliar secundária.

• DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Figura 64.5 Fase tardia (IV) da colangite esclerosante primária, com
definição da árvore biliar intra-hepática e acentuada modificação da Imagens falso-positivas, geradas por exames diagnósticos
arquitetura da árvore biliar extra-hepática. CPER colangiográficos, ocorrem em certas situações clínicas que rni·
Capftufa 64 I Calanglte Esclerosante Primdrla 723
esplenomegalia, varizes de esôfago, gastropatia hipertensiva e
ascite; 2. Insufidlncia hepatocelulardefinida pela identificação
de edema, distúrbios da coagulação, osteopenia, deficiência de
vitaminas lipossolúveis, encefalopatia e coma hepático; 3. Co-
/angite, traduzida pelo aparecimento de febre, calafrios, sep-
ticemia e choque; 4. Estenoses isoladas ou múltiplas da árvore
biliar, que levam à instalação de litíase intra- e extra-hepática,
colangiocarcinoma e varizes periostomais nos doentes sub-
metidos à ileostomia ou colostomia, visando ao tratamento
da colite ulcerativa. Essa tendência à transformação maligna
relaciona-se, sobretudo, com a duração, extensão da doença e
aparecimento das modificações celulares colõnicas. Porém, o
risco de malignização se mostra igual entre os portadores de
RCUI que apresentam ou nã.o CEP, sendo, no entanto, mais
elevado naqueles com pancolite, e, no período pós-transplan-
te, relaciona-se com a imunossupressão ou presença de lesão
precoce pré-transplante. Na literatura há dúvidas a propósito
da evolução da CEP em relação à colectomia prévia, pois seus
efeitos só foram avaliados em séries não controladas. De toda
forma, são pacientes que parecem não te.r modificado sua evo-
lução hepatobiliar, apresentando elevada morbimortalidade
peroperatória, relacionada com a presença de cirrose e hiper-
tensão portal.
Como já mencionado, é muito preocupante, nesses pacien-
tes, o desenvolvimento do colangiocarcinoma. Quando se ins-
tala, ocorre rápido decUnio clínico e acentuação da colestase.
Elevam-se os valores séricos de CA19-9 (> 100 U/mt), obser-
vado em 80 a89% dessesdoentescom aneoplasia. Associam-se
Fig ura 64.81nvestigação complementar do paciente das Figuras 64.6 aumento dos títulos de CEA, CASO, CA242 e CA 125. A confir-
e 64.7 por meio da colangiografia transparieto-hepática. mação pode ser obtida por meio de métodos de imagens (Figu-
ras 64.9 e 64.1 O), e extensão do processo neoplásico pode ser de-
finida também pela ultrassonografia (Figuras 64.11 a 64.13).
metizam CEP. Alterações semelhantes podem ser identificadas
na cirrose de outra etiologia, no carcinoma hepatocelular, na
doença policística de figado, na necrose hepática submaciça, • ASPECTOS TERAPEUTICOS
na trombose arterial intra-hepática, no carcinoma metastáti- O enfoque terapêutico dos pacientes com CEP em geral as-
co e, até mesmo, na infiltração leucêmica ou linfomatosa do semelha-se ao da CBP. A diferença reside apenas em que alguns
f!gado. poucos pacientes com CEP, selecionados rigidamente, podem
Do ponto de vista das doenças colestáticas, a CEP deve ser ser manipulados através de terapêutica endoscópica, radioló-
diferenciada da CBP, de lesão induzida por drogas, da ducto- gica ou cirúrgica sobre a árvore biliar, a saber:
penia idiopática do adulto, da sarcoidose, da hepatite alcoólica
e da cirrose de etiologia viral. Outras situações clínicas que
exigem cuidadoso diagnóstico diferencial com a CEP são re- • Terapêutica medicamentosa ou farmacológica
presentadas pela colangiopatia da AIDS. neoplasías dos duetos Nos pacientes com CEP, identificam-se alterações no siste-
biliares, coledocolit(ase, anormalidades conglnitas, amiloidose, ma imunológico. A perpetuação da ação lesiva faz com que a
doença doador versus hospedeiro, rejeiçdo cr6nica de transplan- doença progrida sob forma de inflamação, fibrose e cirrose bi-
te, lesões iatrogênicas das vias biliares, traumatismo, isquemia liar colestática. Com base nesses aspectos, os pacientes têm sido
biliar, colangite que segue a trombose da artéria hepática ap6s manipulados através de agentes imunossupressores, tais como:
transplante de ftgado, e lesão causada pela infusdo de fluxori- corticosteroides, azatioprina e metotrexato (Quadro 64.2).
dine na artéria hepática para tratamento de tumores malignos Tentativas frustradas basearam-se no emprego de antifi-
do flgado. Em todas essas situações, os sinais colangiográficos bróticos, tais como d-penicilamina e colchicina. A limitação a
assemelham-se aos da CEP. Acentuada dilatação a montante, quaisquer dessas medidas reside na incapacidade de esses fár-
presença de massa polipoide ou progressiva formação estenóti- macos interromperem a evolução da doença e, sobretudo, na
ca localizada sugerem a presença de col.angiocarcinoma, tumor possibilidade de causarem efeitos colaterais importantes, tais
observado em cerca de 8 a 10% dos pacientes, com média de como: diabetes, infecções, rarefação óssea, inibição da medu-
sobrevida de 12 meses. la óssea, toxicidade pulmonar, queda de cabelo e acentuação
da fibrose hepática. Os surtos repetidos de colangite e riscos
de septicemia têm levado os pacientes a serem continuamente
• ASPECTOS EVOLUTIVOS tratados com corticosteroides e/ou norfloxacino.
Tentando reverter essa tendência, mais recentemente foi
As complicações encontradas durante evolução da histó- introduzida a terapêutica com ácido ursodesoxic6/ico na dose
ria natural da CEP são a cirrose biliar e suas consequências, de 10 a 15 mglkgldia, por tempo indeterminado. Apesar da
sobretudo: I. Hipertensão portal, traduzida pela presença de existência de estudos randomizados, apenas dois, com peque-
724 Capftulo 64 I Colangite Esclerosante Primdria

Figura 64.9 Ultrassonografia revelando massa hete·


rogênea. de limites imprecisos, ao nível da confluência
dos duetos bi liares direito e esquerdo, caracterizando
um colangiocarcinoma central. Ver dilatação da árvore
biliar intra-hepática.

Figura 64.1OColangiorressonancia magnética confirmando a interrupção,


na árvore biliar intra- e extra-hepática, pelo colangiocarcinoma visto ao ul-
trassom (figura anterior).

Figura 64.11 Observar a extensão do colangiocar-


cinoma, trombosando o ramo direito da veia porta.
Doppler. (Esta figura encontra-se reproduzida em co-
res no Encarte.)
Capftulo 64 I Colangite Esclerosonte Primária 725

Figura 64.12 Ultrassonografia mostrando extensão


extra-hepática de um colangiocarcinoma, definindo
linfonodos comprometidos.

---------------T---------------
Quadro 64.2 Emprego de imunossupressores no tratamento
da colangite esclerosante primária
Prednisona sistêmica ou nasobiliar não modifica evolução.
Azatioprina tem sido empregada em pequeno número de pacientes.
Metotrexato:
Efeito benéfico após 1 ano de tratamento.
Não modifica evolução da doença.
Ciclosporina: respost a inefical.. com ou sem RCUI.

---------------T---------------
Quadro 64.3 Emprego de ácido ursodesoxicólico no tratamento
da colangite esclerosante primária
Administrado durante 1- 2 anos, promove redução dos níveis séricos de
bilirrubinas e enzimas colestáticas.
Figura 64.13 Paciente com diagnóstico confirmado de colangite es-
clerosante primária e colangiocarcinoma associados à retocolite ulce· Promove melhora h istológica e redução tecidual da expressão de HLA·l .
rativa, além de adenocarcinoma de ovário, este evidente ao ultrassom, Ampliação das estenoses em 16% dos seguidos por 3 anos.
como já mostrado.

na amostra de pacientes, definiram que essa droga se mostra • Terapêutica radiológica ou endoscópica
promissora na manipulação dos pacientes com CEP. Apesar das estenoses
de o ácido ursodesoxicólico aparentemente não induzir efeitos
colaterais, recomenda-se prudência naqueles casos com doença A manipulação radiológica ou endoscópica desses pacientes
inflamatória intestinal, pois pode acentuar e agravar os surtos apenas é possível em 10 a 15% deles, nos quais se identificam
de diarreia (Quadro 64.3). estenoses dominantes na árvore biliar intra· ou extra-hepática.
Atualmente, têm sido abandonados os esquemas terapêu- A escolha do acesso ou da técnica a ser empregada envolve:
ticos medicamentosos que envolvem administrações de aza- I. equipe de médicos mais experientes em uma ou outra mo-
tioprina, cidosporina A e metotrexato, surgindo perspectivas dalidade; 2. local e complexidade da estenose. Apesar desses
a conduzi-los pelo tacrolimus. Necessário tratar o prurido, a cuidados, nem a endoscopia nem a dilatação percutânea, com
de.ficiência de vitaminas lipossolúveis e a esteatorreia. Esses pa- ou sem implante de prótese, exercem influência sobre o índice
cientes podem apresentar osteoporose, e, embora não se conhe- de sobrevida. Apesar dessa limitação evolutiva, pode-se afir-
ça nenhum tratamento especifico para essa doença, recomenda- mar com certeza que aqueles assim conduzidos, e tratados com
se usar suplementos de cálcio e de vitamina O (intramuscular), ácido ursodesoxicólico, têm redução dos surtos de colangite e
assim como estrógenos. A vitamina Kestá indicada se o pacien- dos níveis séricos de bilirrubina, fosfatase alcalina e gamaglu-
te apresentar tempo de protrombina e RNI prolongados. tamiltransferase. Deve-se, no entanto, ressaltar que os doentes
726 Capitulo 64 I Cofongite Esderosonte Prlmdrlo

assim manipulados deverão receberciprofloxacino, ser avalia-


dos cuidadosamente no caso de suspeita de colangiocarcinoma,
que surgirá em 10% dos pacientes, incluindo, em alguns casos,
biopsla dirigida e citologia abrasiva.
·---
Quadro 64.5 Fatores preditiYOs de recorrência
da colangiteesclerosante primária
1. Maior incidência do haplótlpo HLA-DR81 ' 08
2. Idade mais avançada do receptor
• Terapêutica cirúrgica 3. Sexo masculino
A cirurgia ortodoxa deverá ser evitada atualmente diante da 4. Coexistente doença Inflamatória intestinal
possibilidade de tratamento definitivo por meio do transplante S. Presença de cólon preservado após transplante
de fi gado. A operação clássica está indicada apenas em pacientes 6. Ocorrência de rejeiçAo celular aguda resistente a esteroide
não cirróticos cursando com acentuada colestase, ou com surtos 7. Ausência de colanglocarclnoma p recedendo o transplante
recorrentes de colangite, causada por estenoses biliares extra-
hepáticas, ou com grave estenose hilar, impossíveis de serem
manipulados por acesso percutâneo ou endoscópico. Impor-
tante salientar que cerca de 25 a 30% dos portadores de CEP
apresentarão colecistolitíase ou coledocolitfase. Se o paciente de 90 dias após o transplante; 3. biopsia revelando c<>langite fi-
apresentar coleclstite, a colecistectomia deverá ser realizada; brosa e/ou lesões fibro-obliterantes dos grandes duetos, com ou
nos casos de coledocolitfase, a esfincterotomia endoscópica sem ductopenia ou cirrose biliar. Torna-se emergência formal
com reti.r ada dos cálculos está indicada. comprovar-se inexistência de estenose ou trombose de artéria
hepática, rejeição ductopênica, incompatibilidade ABO doador-
• Transplante de figado receptor e estenose anastomótica isolada ou não anastomótica
~a opção terapêutica curativa para aqueles com CEP em fase antes de 90 dias de pós-operatório. Alguns fatores preditivos
avançada de cirrose hepática. As principais indicações para ado- de recorrência estão dispostos no Quadro 64.5.
ção dessa medicação são: 1. icterícia sustentada ou progressiva Nesses pacientes com recorrência ou não da doença, os se-
em pacientes sem evidência colangiográfica de estenose ductal guintes fatores preocupam: 1. pode ser observada evolução com
dominante ou presença de colangiocarcinoma; 2. emagreci- surto de colite aguda causada por bactérias, parasitos. infecções
mento, consumo muscular, presenças de surtos hemorrágicos oportunísticas, ou pseudomembranosa. isquêmica ou provo-
repetidos não responsivos às medidas terapêuticas clássicas ou cada pela própria doença inflamatória intestinal exacerbada; 2.
ascite intratável. O Quadro 64.4 apresenta o modelo matemá- instalação de neoplasia de cólon que pode surgir entre Oe 74%
tico de sobrevida para pacientes com colangite esclerosante depois de 11 até 60 meses de pós-operatório. Essa evolução se
primária, adotado pela Clínica Mayo nos EUA. relaciona com imunossupressão ou presença de lesão precoce
A curva atuarial de sobrevida em pacientes submetidos à ci- (displásica), já presente no pré-operatório; 3. evolução com-
rurgia de anastomose biliar digestiva era, respectivamente, de plicada e com recorrência tumoral no figado que pode sobrevir
75 e 55% aos 5 e 10 anos pós-operatórios. Esse índice amplia-se quando o transplante é realizado em pacientes com colangio-
para 89 e 85%, respectivamente, no mesmo perlodo, quando carcinoma diagnosticado no pré-operatório ou no figado ex-
eles são tratados pelo transplante de flgado. A recorrência da plantado (incidental).
doença, no entanto, é observada em 10 a 27% daqueles assim
conduzidos, com reaparecimento ocorrendo entre 6 e 60 me-
ses depois do procedimento. Diagnóstico dessa recorrência • OUTRAS FORMAS DE COLANGITE
traduz-se por: 1. diagnóstico confirmado de CEP no figado
nativo; 2. demonstrações de estenoses biliares não anastomó- ESCLEROSANTE
ticas da árvore biliar intra- e extra-hepática comprovadas mais
Quadros radiológico, histológico. laboratorial e clínico de

--·
colangite esclerosante têm sido definidos entre pacientes tra-
tados com floxuridine intra-arterial ou com formalina, na ma-
nipulação dos cistos hepáticos por Echinococcus. Uma forma
Quadro 64.4 Modelode sobrevida da Ofnica Mayo para paàentes de colangite esclerosante também tem sido identificada após
com colangite esderosante primária transplante de figa do, assim como em consequência de endoar-
terite, de lsquemia do plexo arterial peribiliar e em portadores
O escore de risco, R, para um dado paciente se baseia na soma de: de sindrome de imunodeficiência adquirida, evoluindo com
0,535 log, de bilirrubina sérica (mg/dl) infecção por Cryptosporidium. Nesses casos, entretanto, a co-
+ 0,486 x est6glo h istológico• langite é secundária e não primária.
+ 0,041 Idade (anos)
+ 0,705 se esplenomegalia presente
Probabilidade de sobrevida do paciente em t anos, 5 (t), pode ser
calculada pela equação: • LEITURA RECOMENDADA
S (t) =(50 (t)) .,.,..,.,.,
Alabn.b.l, E. NJshtingale, P, Ganson, 8 <1 ai. A re-evaluation of lhe risk focton
So (t), A probabilidade média de paciente com escore de risco 3,326
sobrevi~r t anos pode ser derivada da seguinte frequfncla:
for the =unmce o( primary sclerosing cbolangitis in liver allosnfis. u-
Tronspl. 2009; 15:330-'10.
t(anos) 1 2 3 4 s 6 7 Alexandtr, J, Lord, YO, Yeh, MM <1 aL Risk factors for t<CUrT<Dce of prima-
50 (t) 0,951 0,91 S 0.871 0,844 0,799 0,751 0,741 ry sclerosing cholangltis after liver transplantation. UV<T TrGtUp/, 2008;
l4::MS-51.
Berqulst, A, Said, K, Broom~. U. Changes of 20-year period in the cllnlcal
•Para ~t,glos 1 e 2, use escore 1; para estágio 3, use escore 2; para estágio 4, use
HCOI'e3.
presentation o( prlmary $Cieroslng cholangitis in Sweden. Samd f Gastro-
entero~ 2007; 42:88.
Capftulo 64 I Calanglte Esclerasante Prlmdr/a 727

Campsen, J, Zimmerman, MA, Trotter, JF ct a/. Clinically recurrent primary Martins, E, Phil, O, Chaprnan, RW. Sclcroslng cholangltls. Cu" Op Gastrotn·
sdci'O$lng cholangitiJ foUowlng !I ver transplantation: a time coursc. Liver lerol, 1996; 12:466-70.
Transpl. 2008; 14:181 ·5. Menon, KVN & Wi.. ner, RH. Primary scleroslng cholangltcs. Em: Bocon, BR,
Dickson, ER, Murtaugh.• PA, Wlesner, RH ti ai. Primary sderosing cholangi· O'Grady, JG, Di Blsceglie, AM, Lake, JR (cd.). ComprtMnsivc clinicai htpa·
tis: Refinerncnt and validatlon of survtval modcls. Gastrotmerology, 1992; toli>gy. Londres: Mosby. 2006, p. 289.
103:1892·901. Meyer Zuro Büscbenfclde, KH. Generalaspects of molecular biology and immu-
Dudos· Vallee, JC & Scbagb, M. Reeu!ffnee of autoimrnune di.scase. primary nology for the treatment o( intractable Uver diseues. Em: Tsujl, T, Higa.shl,
sderc»ing cbollll(lltis, primary biliary cirrhosis, and autoimmune hepalitis T, Ztniya. M, Meyer zum Biiscbenfddt, KH (td.). Molecular biology and
al\er Uver tnnsplantatlon. Uwr Trrmspl, 2009; IS:S25·S34. immunology in hepatology. Amstcrdam: Elsevitr Sclence; 2002, p. 3.
Farges, O. Mo.Jassaane, B, Scbagh, M, Bismuth. H. Primary sderosing cbolangi· MiJú. C. Harrison. JD, Gunson. BK d aL lnllarnmatory bo-..-d dlstase in prlmary
tis: Liv<r tnuuplantatlon or blllary surgory. Surgory, 1995; 117:146-55. sderosing cbolangítis: An analysis ofpatitnts undergoing Uver transplanta·
Farrant, JM. Hayllar, KM, Wllldnson, ML <1 al. Natural bistory and prosnos· tion. Br I Swr, 1995; 82:1114-7.
tic variables in primary sdti'O$ing cbolangítis. Gastroent=logy, 1991; Narumi. S. Robtru, JP, Emond, JC ti al. Uver transplantation for sderosing
100:1710-7. cbolangitis. Htpatology, 199S; 22:451 ·7.
Gruiade~ rw. Recurrence o( primary sderosing cholangilis al\er lh<er tran$·
Neuberger, J, Portmann, B, Macdougall, BR ti al. Recurrenee of primary biliary
plantatlon. Uvor Transpl, 2002; 8:575·81. c.irrhosls al\er Uver transplantation. Eng I Med, 1982; 306: 1· 4.
Hcli%Mrg.JH, Peterson, JM, Boyer, JL lmproved survlval with primary sde-
Oliveira e Silva. A & Porta, G. Mulheres com colangite esclerosante primi·
rosing cbolangítis. A revlew of dinlco-pathologic features an compari-
ri&. Em: Olivcica c Silva, A, Porta, G (td.). Doenças autoimuncs do figa·
son of symptomalic and asymptomatic palients. Gastroenterology, 1997;
do. A preferbcia pelas mulheres. 2010; Rlo de Janelro: Editora Revinter.
92:1869-74.
Klompmakor,IJ, Haagsma, EB, Vervwer, R ti ai. Primary sclerosing cholangítis p.65.
and llver transplantatlon. Scand 1 Gastrotnttrol, 1996; 218:98-102. Pohl, J, Ung. A, Stremme~ W <I ai. The role of domlnant stenoses In bacterial
Lazarldls, KN, Wlesner, RH, LaRusso, NF. Primary sderollng eholangltls. Em: infectlons ofbUe ducts In prlmary sderoslng cholangitis. Stmln Uv<r Dis,
Wolfe, MM (ed.). Thtrapy of dlgtstlve dlsordtrs. Philadelphia: Saunders, 2006;26:3.
2000. Weissmuller, TJ, Wcdemeyer, J, Kubecl<a, S tJ a/. The ehallenges in primary
Lte, YM & Kaplan, MM. Prlmary sderoslng cholangitis. N Eng I Med, 1995; sderosing cholangiUs- retropalhogenesis, autoi.mmunity and malignancy.
332:924·33. I Hepato~ 2008; 48:S38.
Lindor, KD, Jorgensen, RA, Anderson, ML ti ai. Ursodeoxyeholic acid and Wiesner, RH. Primary sclerosing cholangít... Em: O'Grady, jG, Lake, JR, How-
methotrexatc for prlmary sdcroslng cholangltls: A pllot study. AmIGas- dle, PD (cd.). Comprehensive clinicai hepatology. Londres: Mosby, 2000,
troenterol, 1996; 91:511 ·5. p. 18.1.
Ludwig, J, La Russo, NF, Wlesner, RH. The syndrome of primary sclerosing Ve~ A, Moledina, S, Gunson. B et ai. RJsk factors (or recurrence of prima.ry
cholangitis. Prog L/ver Dls, 1990; ~555 ·66. sderosing cholangitis al\cr Uvcr aUogral\. La"«l, 2002; 3601943-4.
65 Hemocromatose Hereditária
Adávio de Oliveira e Silva, Luiz de Souza e Silva Júnior,
Verônica Desirée Samudio Cardozo, Evandro de Oliveira Souza,
Taiane Costa Marinho, Leonardo Reuter Motta Gama,
Celso Marques Raposo Júnior, Naísa Oliveira A/vim Mattedi, Lucas Cagnin,
Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Hilton Muniz Leão Filho e
Raul Carlos Wahle

A hemocromatose hereditária (HH) é uma das mais comuns tino delgado, está presente nas células crípticas, modulando
doenças hereditárías diagnosticadas em populações de descen- a captação de transferrina, ligada ao ferro, para que ocorra
dência europeia, relacionada com o metabolismo do ferro. Foi internalização desse complexo e sejam regulados os estoques
reconhecida inicialmente por Trousseau, em 1865, e por Troi- corpóreos do metal, com a sobrecarga corpórea ocorrendo
sier, em 1871, porém o avanço maior em seu conhecimento nas formas familiares ou hereditárias, adquiridas ou iden-
aconteceu a partir de 1996, quando Feder et a/. identificaram tificadas nas causas miscelâneas, conforme explicitado no
duas mutações no cromossomo 6. A primeira delas resulta da Quadro 65.2.
substituição de tirosina por cistefna no aminoácido 282, defi- Neste capítulo, daremos destaque apenas para a HH rela-
nida como mutação C282Y. A segunda, por sua vez, é conse- cionada com o gene HFE, uma das formas mais comuns de
quência da substituição de aspartato por histidina no aminoá- doenças autossômicas recessivas, com fenótipo bem definido
cido 63, definida como H630. clinicamente, caracterizada por eritropoese normal, elevada
Homozigosidade para mutação C282Y é encontrada na saturação de transferrina e distribuição excessiva pelo parên-
maioria absoluta (85 a 9096) dos pacientes norte-europeus, for- quima de diferentes órgãos. Relaciona-se com a precária pro-
ma clinicamente relevante. Já os restantes 1Oa 1596 se mostram dução e/ou regulação e/ou atividade de hepicidina, gerando
sob a forma heterozigota C282Y/H630. Tais pacientes, quando cinco diferentes distúrbios genéticos (Quadro 65.3).
não adequadamente tratados. evoluem para fases mais graves e
avançadas de doenças hepáticas. Essa forma da doença deve ser
suspeitada em pacientes que cursam com nfveis séricos elevados
de ferro, ferritina e fndice de saturação de transferrina (> 5096). • ASPECTOS PATOGENETICOS
O diagnóstico histológico confirma-se pelo fndice total de fer- A homeostase do ferro é mantida preferencialmente a partir
ro tecidual C!: 1,9, sendo a prevalência entre europeus homo- da sua absorção ao nfvel do intestino proximal, apenas ocor-
zigotos variável entre 1:85 e 1:700 lndivfduos, predominando rendo de forma excessiva no individuo normal, quando existe
entre brancos. A evolução para o carcinoma hepatocelular é deficiência corpórea desse metal. Na HH, entretanto, eleva-
observada em cerca de 4096 dos pacientes. A conduta clínica se a absorção de ferro, especialmente em células parenqui-
envolve a detecção precoce da doença e adoção da terapêutica
matosas do flgado, pâncreas, articulações, testículos, pele e
adequ ada (flebotomia). Essas medidas, se iniciadas antes do
aparecimento de cirrose, restituem ao normal a expectativa de glândula pituitária. Como consequência, há lesão tecidual e
comprometimento funcional desses órgãos. Esses pacientes
vida desses pacientes.
podem cursar com: miocardiopatia, hipogonadismo, disfun-
ção de células das ilhotas pancreáticas, artropatia, fibrose he-
pática, cirrose e até carcinoma hepatocelular, na dependência
• ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS de fatores que afetam a captação, absorção e transferência do
O gene responsável pela instalação da HH tem sido deno- metal (Quadro 65.4).
minado HFE (antigamente, HLA-H), o qual codifica urna mo- Em todo esse processo, encontram-se envolvidas duas
lécula do sistema HLA-1 que requer interação com urna protefnas reguladoras do metabolismo intracelular do ferro.
~2 -microglobulina, no qual têm sido identificadas duas muta- A prímeira delas, um receptor de transferrina, glicoprotefna
ções, uma resultante da troca de cistefna por tirosina na posição dimérica de 190 kd, é responsável pelo transporte corpóreo do
282 (Cys 282 Tyr), e a segunda, de histidina por aspartato na metal por meio do mecanismo de endocitose. A segunda é a
posição 63 (Hys 63 Asp ), com prevalência global das mutações ferritina, cujos níveis séricos se correlacionam com o intenso
estando discriminada no Quadro 65.1. armazenamento intracelular de metal que se observa nesses
ORNA mensageiro (mRNA) dessa protefna HFE tem sido pacientes, sendo as concentrações de ambas as protefnas re-
detectado em todos os tecidos, exceto no cérebro. No intes- guladas por seus respectivos mRNA.

728
Capitulo 65 I Hemocromatose Hereditdria 729
De forma resumida, pode-se definir que, na HH, existem vendo estar envolvidos no mecanismo básico da doença. Por-
defeitos genéticos tanto na captação (receptor de transferri- tanto, quando ocorre sobrecarga do metal no organismo, o
na) quanto no transporte e armazenamento (ferritina) do fer- complexo ferro-ferritina deposita-se nas células parenqui-
ro, sendo aceito, atualmente, que ambos os transtornos são matosas do figado sob forma de aglomerados, denominados
capazes de agir funcionalmente de forma independente, de- siderossomos, distribuídos predominantemente em torno dos
canalículos biliares, onde se coram núcleos de partículas de
ferritina, constituídas por Fe0H2, envolvidas por haloferriti-
na e proteínas desnaturadas ou polimerizadas. Dessa forma,
---------------~--------------- desestabilizam-se os lisossomos, facilitando a liberação de en-
Quadro 65.1 Prevalênda global das mutações do gene HFE
(Merryweather-Oarke, 1997; Powell eta/., 1999) zimas citosólicas mitocondriais e dos microssomos lesados.
Nesses pacientes, a capacidade dos hepatócitos em manter o
Q82Y H63D
ferro sob a forma não tóxica é excedida, levando à formação de
Fe•• com consequente geração de radicais superóxidos (02- ) ,
Testados Frtquênda aléllca

Populações (N) (%) %


-~-
Reino Unido 413 6,4 12,8
Quadro 65.2 Nomenclatura ecausas de doença por
Noruega 94 M 11,2 sobrecarga de ferro (Adams, 1999)
Dinamarca 37 9,5 12,2
Finlândia 38 o 11,8 Formas familiares ou hereditárias de hemocromatose
Hemocromatose hereditária relacionada ao gene HFE
Rússia 154 1,0 10,4
C282Y homozigosidade
Alemanha 115 3,9 14,8 C282YI H63D heterozigosi dade
Itália 91 0,5 12,6 Hemocromatose hereditária não relacionada ao gene HFE
Espanha 78 3,2 26,3 Hemocromatose juvenil
Sobrecarga neonatal de ferro
Gré<ia 196 1,3 13.5
Hemocromatose autossõmica dominante (ilhas Salomão)
Arábia Saudita 118 o 8,5 Outras mutações HFE
África 521 o 2,6 Sobrecarga adquirida de ferro
fndia 215 0,2 8,4 Anemias com sobrecarga de ferro
Ásia 242 o 1,9 Talassemia major
Anemia sideroblástica
Austrália 322' o 0,2
Anemias hemolíticas crônicas
América 228' 0,7 2,6 Sobrecarga dietética de ferro
Conclusões: 1. A frequência da mutação C282Y é maior entre Doença hepática crõnica
indivíduos de origem europeia, sobretudo do Reino Hepatites crônicas virais B e C
Unido, da Irlanda e da costa ocidental britânica, e rara
Doença hepática alcoólica
nas populações indígenas da África, das Américas do
Sul e Central, da Ásia e de ilhas do Pacífico. Esteato·hepatite não alcoólica
Porfiria cutânea tarda
2. A frequência de heterozigosidade é aproximadamente
duas vezes a frequência do HFE. As amostras testadas Sobrecarga de ferro pós-transfusional
foram originárias de várias fontes, não necessariamente Causas miscelâneas
representando a população normal. Sobrecarga de ferro africana
3. Nativos, população não branca. Aceruloplasminemia

---------------------------------~---------------------------------
Quadro 65.3 Principais características de doenças genéticas induzidas por distúrbios do metabolismo do ferro (Deugnier eta/., 2008)

Aparecimento
Doenças genétltas Gents Cromossomos Transmlssio (tempo) Expressão dfnita

Hemocramot6tlaJS
HFE HFE 6p21.3 AR Tardio Articular hepático
Hemojuvelina HIV 1p21 AR Precoce Cardfaco endócrino
Hepcidina HAMP 19q13.1 AR Precoce Cardfaco endócrino
Receptor 2 de transferrina TfR2 7q22 AR Tardio Hepático
Ferropoetina tipo B 5LC40A1 2q32 AD Tardio Articular hepático
Nilo hemocromot6tlcas
Ferropoetina tipo A SLC40A1 2q32 AD Tardio Raro
(HIPO) Ceruloplasminemia Ceruloplasmina 3q23·25 AR Tardio Neurol69ico
(HIPO) Transferrinemia Transferrina 3q21 AR Precoce Hematol69ico

AR = Autossômica recessiva; AO = Autoss6mica dominante.


730 Capftulo 65 I Hemocromatose Hereditária

---------------·---------------
Quadro65.4 Fatores queafetam acaptação, absorção e
• Doença sintomática
transferência do ferro(Lombard, 2000) Apesar da elevada prevalência, é baixa a frequência de diag-
nóstico de HH. Essa falta de adequado reconhecimento pode
Integridade do enterócito ser atribuída à confusão dos sintomas com aqueles próprios de
Composição de ácidos g raxos outras doenças, tais como os observados em cirrose hepática,
Integridade paracelular insuficiência cardíaca congestiva, artrite e diabetes. Deve-se
Estado redox do enterócito
também à incompleta expressão fenotipica em algumas pesso-
Membrana celular e regulação da absorção
as afetadas, sendo condição raramente observada na criança,
Dieta porém já descrita em recém-natos. São pacientes que cursam
Ferro, heme. ácido ascórbico, fi tatos
com pigmentação escura e bronzeada da pele, hepatomega-
Secreções do intestino delgado
lia e hipogonadismo. A evolução da doença, com maior de-
Bile,lactoferrina
Transferrina posição de ferro em todos os órgãos e sistemas da economia
Suco pancreático corpórea, leva ao aparecimento de diabetes, geralmente in-
sulinodependente. Sinais clínicos como pele seca, perda de
cabelo e atrofia testicul ar dolorida, com redução de libido,
fazem parte do quadro. Arritrnias, insuficiência cardíaca e ar-
provenientes da reação de Haber-Weiss, formando-se também tropatia encontram-se presentes nos pacientes precariamente
radicais ferril ou perferril, Estes últimos, por sua vez, podem tratados. Sintomas específicos e a sobrevida na HH, segundo
lesar os ácidos graxos poli-insaturados presentes em fosfolipí· diversas fontes, encont ram-se expressos no Quadro 65.5. As
dios das membranas plasmáticas. Esses pacientes expressam, complicações evolutivas mais graves são observadas naqueles
na membrana dos hepatócitos, maior número de receptores de pacientes em que os depósitos de ferro ultrapassam 20 mg,
transferrina, facilitadores da penetração intracelular de maior e todos os marcadores bioquímicos de sobrecarga do metal
quantidade de moléculas férricas, promovendo maior trans- encontram-se alterados.
crição do gene do colágeno, o pró-colágeno a.,. Como conse-
quência, esses pacientes evoluem com níveis mais elevados
do mRNA. Assim é que nos estágios primários, secundários e • RASTREAMENTO POPULACIONAL
terciários da HH, ocorrem no fígado, respectivamente, depósi-
tos maiores de colágeno tipo Ill, em nível da membrana basal Entre descendentes de norte-europeus, a prevalência es-
(com formações de traves densas de tecido fibrótico, também timada da HH varia de 1:85 até 1:700, enquanto, nos EUA
compostas por moléculas do colágeno t ipo I), presenças de (em habitantes de New England), atinge 1:459, com preva-
citocinas e fatores de crescimento, com o ferro atuando como lência de 1:372 entre brancos. Outros autores definem como
fator responsável pela hepatocarcinogênese, conforme se com- sendo de 1:125- 1:300, recomendando que o rastreamento
prova in vitro e in vivo. da doença se inicie aos 30 anos, pois 50o/o dos homozigotos
desenvolvem sintomas por volta dos 53 anos de idade. Com
base no estudo de 12.258 pacientes da Clínica Mayo, cons-
• MANIFESTAÇÕES CLfNICAS tatou -se que 8 (0,07o/o) tinham saturação de ferro da trans-
ferrina sérica maior do que 62% e ferritina de, pelo menos,
Existe um curso natural relacionado com genótipo e poder 400 J!g/t' (Quadro 65.6). Nessa população, a prevalência de
de penetrância, gerando expressões bioquímicas e clínicas em homozigotos foi de 1:3.000, cerca de 10 vezes menor do que
função de quatro estágios: O. quando não existe expressão ge- o número anteriormente comprovado por outros pesquisa-
nética; 1. caracterizado apenas por índices tanto de saturação dores americanos.
de transferrina, quanto de ferritina sérica elevados (mulher Esses fatos somados aos baixos custos do rastreamento, cer-
> 200 JLg/mt'; homem, > 300 JLg/mt'); 2. quando se define pre- ca de US$12,57 por indivíduo, e os riscos que os homozigo-
sença de sintomas típicos, tais como: fadiga crônica e artralgias tos apresentam de evoluir para doenças graves definem que:
e, finalmente; 3. o estágio mais avançado expresso por rniocar- 1. HH é doença subdiagnosticada, e eventos clínicos tardios
diopatia, cirrose e carcinoma hepatocelular; em função desses podem causar risco de vida e tratamentos médicos excessiva-
aspectos, expressa-se a HH sob duas formas de apresentação: mente onerosos; 2. níveis séricos elevados de transferrina séri-
doença assintomática e doença sintomática. ca precedem em 40 a 60 anos o desenvolvimento de sintomas
clínicos, quando assumem história natural bem conhecida; 3.
pacientes assintomáticos devem ser acompanhados, por meio
• Doença assintomática de testes séricos e teciduais que avaliam o metabolismo do fer-
A identificação da doença nesses pacientes assume grande ro. O diagnóstico estabelece-se pela saturação de transferrina
importância, pois, submetidos à remoção do excesso de ferro, > 60% e índice tecidual de ferro> 1,8. Outros critérios bioquí-
evoluem sem lesão de órgãos onde costuma se depositar o me- rnicos adicionais poderão ser acoplados à pesquisa, conforme
ta.!. Restaura-se, assim, a expectativa normal de vida, reduzin- discriminado no Quadro 65.6; 4. pacientes que exibem essa
do-se os índices de morte e, consequentemente, ampliando-se condição bioquímica deverão ser submetidos a sangrias, vi-
a sobrevida. Evolução da doença se verifica em pacientes em sando a remover o excesso de ferro corpóreo. Essa forma de
que o valor da ferritina sérica ultrapassa 300 JLg/t' e 200 JLg/t', terapêutica prevenirá o desenvolvimento de impotência sexual,
com índice de saturação de transferrina além de 55 e 50%, res- insuficiência cardíaca, cirrose e carcinoma hepatocelular, pro-
pectivamente, no homem e na mulher, processando-se então porcionando índice de sobrevida maior do que o atingido pela
o depósito maior do metal em células parenquimatosas. Nesse população cirrótica em geral; 5. no estudo mencionado, apesar
caso, o estadiamento preciso da lesão hepática se processa con· desses cuidados, o diagnóstico de HH foi confirmado no pré-
forme discriminado na Figura 65.1. transplante em 35% dos casos e suspeitado em 30%; 46% apre-
Capitulo 65 I Hemocromatose Hereditdria 731

Sinais de suspeição ou sintomas de HH

~
Dosar ferritína sé rica

> 300 JJ.gll no homem Valor normal


> 200 J.Lg/l na mulher HH improvável

~ ~
Excl uir: Su plementação excessiva de ferro: interromper oferta
Diabetes melito/hiperlipidemia: co ntrole g licolipidêmico
Doença inflamatória ou reumatolde: tratar
Excesso de álcool: inicia r abstinência
Checar presenças de vlrus das hepatites B ou C

~
Reavaliar ferritina e índice de saturação de transferrina

~ ~
lndice de saturação
Ainda elevada
de transferrina > 58%
I I
.L.
US, TC, RM de fígado
Enzimas hepáticas
Teste de mutação genética

Biopsia hepática e estimativa tecidual do ferro

~ ~
Hemossiderose graus I ou 11 Hemossiderose graus 111/IV
Sinais de álcool ou hepatite ~
HFE 282 Y+/-ou-/- HFE C282 Y +/+
lndice de ferro hepático < 1,9 lndice de ferro hepático > 1,9

~ ~
Depletar depósito de ferro Sangrias semanais
Interromper suplementação de ferro Rastrea mento familiar
Interromper in gesta de álcool Interromper ingesta de álcool

US = Ultrassonografia; TC = Tomografia computadorizada; RM = Ressonância magnética.


Figura 65.1 Investigação da sobrecarga de ferro (Lombard. 2000).

sentavam causas adicionais de doença hepática. Procedimentos bolismo do ferro, isso estando indicado entre os 18 e 30 anos
de investigação e rastreamento e o valor presuntivo de testes de idade. Nos familiares mais próximos, sobretudo nos do sexo
laboratoriais encontram-se expressos no Quadro 65.6. Discute- masculino, esses exames deverão ser executados a cada 5 anos,
se a pesquisa de mutações (282Y e H63D) no rastreamento da até que eles atinjam a idade de 15 a 20 anos, processando-se
doença, mas admite-se que o melhor é realizá-la em pacientes periodicamente talvez até que cheguem aos 50 anos, nos casos
com alterações nos testes sorológicos para o estudo do meta- índices (Figura 65.2).
732 Capftulo 65 I Hemocromatose Hereditária

----------------------T ----------------------
Quadro 65.5Sintomas espeáficos esobrevida
na hemocromatose hereditária
M~dia de idade
(anos)

Homens Mulhem Fontes

Rastreados
Idade 37 37 Cruz Vermelha
Proporção O,Q6 0,04 Cruz Vermelha
Expectativa normal de vida 72 78 Tabelas canadeMes
Não rastreados
Aparecimento dos sintomas 54 59 Adamsera/.
Morte
Insuficiência cardíaca 55 60 Adamsera/.
Cirrose 67 72 Adamseral.
Diabetes 68 73 Adamsetal.
Carcinoma hepatocelular 64 69 Adamsera/.

-------------------------------· T-------------------------------
Quadro 65.6 Procedimentos de rastreamento. Valor presuntivo dos testes

Sensibilidade E.spedfiddade SucMSodo


Testes CrltMo diagnóstico Valor de referfncla (S) (E) rastreamento

Capacidade de ligação do ferro Presuntivo 55% 0,92 0,93 50%


não saturado (UIBC)
Saturação de transferrina (ST) Estudos familiares SO%(H)
55% 0,92 0,93 SO% (M)
Ferritina + ferro Estudos familiares 2001Jgl (H) 0,94 0,86 Relação
1501Jgl (M) com sexo
lndice de ferro hepático Estudos familiares 5·0,9
1,9 0,92 0,98 E· 1,0
Ferro corpóreo Ferro renovado l,Og(H) 0,92 0,98 1,0(H)
0,3g(M) 0,3 (M)

Caso índice com • DIAGNOSTICO


C282 OU H630 (+)
• Aspectos laboratoriais
Hemossiderina e ferritina são proteínas armazenadoras de
Parentes menores de 10-1 5 anos ferro, sobretudo ao nível intracelular, com os pacientes devendo
ser rastreados em busca do diagnóstico de HH pela determina-
ção dos níveis séricos de ferritina e da saturação da transferrina,
não se constituindo o ferro sérico isoladamente um marcador
Definir niveis séricos d e ferritina e confiável da doença.
índice de saturação de t ransferrina Laboratorialmente, os pacientes com HH apresentam dis-
cretas elevações de aminotransferases (entre 50 e 100 Ulll ) e de
gamaglutamiltransferase (entre 40 e 650 UI!t.). Todos referem
história clínica compatível com distúrbios do metabolismo do
Se a lterados, ferro. O diagnóstico está confirmado quando a saturação de
seg uir seq uência do Quad ro 65.4 transferrina ultrapassa a taxa de 50% e o nível sérico de ferriti-
na excede 200 )lg/l e ISO !lg/f , respectivamente, no homem e
Figura 65.2 Rastreamento de pacientes de caso índice (Lom bard, na mulher. Esse é um parâmetro que define concentração to·
2000). tal do ferro corpóreo. Níveis de ferritina superiores a 700 )lg/l
Capitulo 65 I Hemocromatose Hereditária 733

se associam com bastante probabilidade à presença de cirrose de sequências FRFSE, FSE, FSPGR e LAV A, ponderadas em
hepática. Essa evolução histológica somente se observa quan- T, e T 2, para a supressão da gordura em placas de cortes múl-
do, pelo menos, 22.000 J.tg de ferro se encontram depositados tiplos. Devem ser obtidas também sequências ponderadas em
por grama de tecido hepático, situação bioquímica já observada Tl com técnicas in-phase e out of phase, com administração de
antes dos 35 anos de idade, mesmo naqueles que não ingerem contraste paramagnético (gadolinio ), de acordo com protocolo
quantidades excessivas de álcool. Em caso de dúvida diagnós- da Universidade de Rennes. ~possível assim quantificar a con-
tica, pode-se recorrer à pesquisa de mutações no gene HFE, centração hepática de ferro, considerando-se normal quando os
utilizando PCR, e, se forem confirmadas as mutações C282Y e depósitos estão abaixo de 37 a 60 J.lmol/g. No entanto, quando
H63D, o diagnóstico positivo fica assegurado. esses valores de depósito de ferro ultrapassam 50 a 300 J.lmol/g,
o método atinge sensibilidade de 84 a 91% e especificidade de
80 a 100%. Além disso, é possível identificar a distribuição he-
• Aspectos histológicos terogênea da deposição do ferro no parênquirna hepático. Nas
A biopsia de figado permitirá não apenas o estudo histoló- formas mais avançadas, as estruturas vasculares portais, a es-
gico, mas também a mensuração da concentração de ferro no plenomegalia e os sinais de hipertensão portal encontram-se
tecido, tornando possível dessa forma calcular o fndice de ferro bem destacados. Essa atenuação não se correlaciona rigida-
hepático. Este parâmetro permite distinguir indivíduos homo- mente com a concentração hepática do metal, mas tem uma
zigotos, heterozigotos e/ou aqueles que cursam com sobrecarga sensibilidade de aproximadamente 60%. Importante ressaltar
secundária de ferro. Essa deverá ser calculada dividindo-se os que esse mesmo aspecto pode ser observado nas glicogenoses e
microgramas dosados de ferro hepático por 58, e o resultado hepatopatias induzidas por amiodarona e agentes quirnioterá-
novamente dividido pela idade do paciente (em anos). Um índi- picos, merecendo que se estabeleça um diagnóstico diferencial
ce superior a 2 indica HH, sendo este teste considerado dispen- entre essas entidades.
sável quando a sobrecarga de ferro for de origem parenteral.
Pacientes com HH desenvolvem fibrose e cirrose em conse-
quência de expansão dos espaços portais e sobrecarga de ferro • TRATAMENTO
em células parenquimatosas, fenômeno também observado
nos alcoólatras, gerando confusão com os aspectos histológicos Ainda é discutível o real efeito benéfico das intervenções
próprios da HH. O achado histológico é, quase sempre, de pro- dietéticas em pacientes com HH, porém tem sido recomenda-
cesso inflamatório característico de uma hepatopatia crônica, do que todos reduzam a ingestão de alimentos ricos em ferro,
porém, quando identificado, recomendam-se pesquisas de ví- como a carne vermelha; devendo-se evitar também suplementos
rus B ou C das hepatites, os quais podem cursar apresentando contendo o metal e encerrando vitamina C. O paciente deve ser
ferritina e índice de saturação de transferrina e de ferro sérico orientado a reduzir ou abolir o álcool, sobretudo aqueles que já
elevados. Ingestão excessiva de álcool representa fator que atua cursam com doença hepática, e a não fazer uso de chás de for-
sinergicamente com o desenvolvimento de agressão hepato- ma regular, já que são, sabidamente, facilitadores do acúmulo
celular, e, nesses casos, histologicamente, se identificam ferro corpóreo de ferro.
em células de Kuptfer, esteatose e infiltrado inflamatório por- Uma vez feito o diagnóstico de HH, com base na história
tal. Esse acúmulo se instala na dependência de maior absorção clínica, em dados bioquímicas do metabolismo de ferro e na
do metal pelas células epiteliais da mucosa duodenal, fazendo biopsia hepática, um programa de flebotomia terapêutica deve
com que o metal que circula livremente sature completamente ser iniciado de imediato, já que a lesão tecidual hepática evolui
a disponibilidade de transferrina. Promove-se assim excessiva rapidamente. Atualmente, alguns autores enfatizam que se deve
deposição tecidual em células de Leydig dos testículos, com proceder rapidamente às sangrias, baseando-se apenas em pa-
produção baixa de testosterona, gerando perda de libido e im- râmetros da bioquímica sanguínea, sem que seja necessário o
potência sexual. Pelo mesmo motivo, desenvolvem-se artrite, estudo anatomopatológico. Cada unidade de sangue removida
condrocalcinose, diabetes, insuficiência cardíaca congestiva e (450 ml) contém 200 a 250 mg de ferro. Um programa típico
arritmias graves, complicações potencialmente reversíveis após prescreve a remoção de uma unidade de sangue (300 a 400 m e)
realização de flebotomias repetidas. por semana. Em pacientes com sobrecarga corpórea de ferro
Portanto, o diagnóstico definitivo do excessivo depósito he- elevada, da ordem de 20 a 30 g, pode haver necessidade de re-
patocitário de ferro realiza-se por meio da biopsia hepática que tirar volume de sangue ainda maior para melhorar a sobrevi da
possibilitará quantificar a deposição do metal e estadiar a gra- dos pacientes, sobretudo quando iniciada na fase pré-cirrótica.
vidade da fibrose e da cirrose, se instaladas. Atuando-se dessa forma, todo estoque do metal acumulado por
5 a 6 décadas desaparecerá dentro de 1 a 2 anos, e.liminando-
se o excesso de ferro presente no fígado, avaliado em mais de
• MÉTODOS DE IMAGEM 400 J.lmol/g de tecido seco, fator de risco ao desenvolvimento
de fibrose, cirrose e insuficiência hepática progressiva. ~ reco-
Sabemos que a biopsia hepática é uma técnica diagnóstica mendável determinar o nível de hemoglobina antes da feitura
invasiva e não pode ser realizada repetidamente como medida de cada sessão, interrompendo a realização por 1 a 2 semanas,
de rotina, especialmente em pacientes cirróticos em quem a caso os pacientes permaneçam anêmicos. Deve-se ainda men-
punção se mostra de risco elevado devido a potenciais com- surar a ferritina sérica e a saturação de transferrina a cada 8 a
plicações. Por esta razão, os métodos de imagem vêm sendo 12 flebotornias, buscando-se mantê-las abaixo de 50 J.lg/1. e 50%,
empregados com frequência para o estadiamento da doença. respectivamente. Atingidos esses índices, esses parâmetros de-
Atualmente, a ressonância magnética é considerada o método vem ser mensurados apenas a cada 3 a 4 semanas.
mais promissor na mensuração dos depósitos de ferro hepático. Embora não existam estudos randomizados e controlados
Valendo-se dessa técnica, define-se a ocorrência da intensidade acerca da real eficácia desse procedimento, sabe-se na prática
do sinal em T2, com figado se mostrando extremamente escu- que a realização de ftebotomias periódicas em pacientes ho-
ro. Recentemente, esse exame tem sido realizado, valendo -se mozigotos com HH em fase precoce da doença hepática e em
734 Capftulo 65 I Hemocromatose Hereditária

---------------·---------------
Quadro 65.7 Prevalência de sinais esintomas na hemocromatose
duzidos é menor quando comparada à de pacientes com cirrose
de outra etiologia, respectivamente, ao fim de 1 e 5 anos, sendo
hereditária. Relação evolutiva com flebotomia (N=2.851 pacientes) de 54 e 33% versus 79 e 69%. Nesse, preocupa a evolução pós-
(McDonnell er ai., 1999) operatória, a qual não pode ser previamente definida, conside-
rando-se a miocardiopatia, complicação que costumam apre-
Terapfuti<a sentar, cursando no pós-operatório com complicações cardíacas
Desaitos (ftebotomia) e infecciosas responsáveis pelos elevados índices de mortalidade
que apresentam. Porém, a confirmação de que foram conduzi-
Sinais I Sintomas Pré-tratamento (%) Melhora(%) Piora(%) dos em fase mais precoce da doença, valendo-se de flebotomias
Astenia intensa 45,5 54,4 17,2
realizadas pré-transplante, pode reduzir os indices das graves
complicações instaladas no pós-operatório.
Dor articular 43,5 9,2 34,0
Impotência ou perda da 25,8 12,7 27,8
libido
PigmentaçAo cutânea 25,7 58,8 4,1 • LEITURA RECOMENDADA
Arritmia cardíaca 23,8 6,2 10,1 Acton, RT, Barton, JC, Passmore, LV tt ai. Relationships of serum ferritin,
Depressão 20,8 40,8 10,3 transferring s.aturation. and HFE mutations and self-reported diabetes in
20,3 22,3 11,9 the hemochromatosis and iron overload screening (HEIRS) study. Diabttts
Dor abdominal
X Care, 2006; 29:2084-9.
Adams, PC. Camaschella, C. Beutler, E, Gordeauk, VR. Genotype and pheno·
rype in hemochormatosis. Gastroenterology, !999; 116:199·202.
Alle.n. KJ. Gurrin, LC. Constantine. CC el ai. lron-ove.rload-rclated descase in
HFE hertditary hemochromatosis. N Eng I Med, 2008; 358:221-30.
estágio pré-diabético determina melhora clinica e expectativa Anderson, GJ & Powell, LW. Hacmochromatosis and control of intestinal iron
normal de vida (Quadro 65.7). absorption. Úlncet, 1999; 353:2089·90.
Procedendo-se à adoção dessa estratégia, mostra-se interes- Asherg, A, Hueem, K, Kannelonning. K, Irges, WO. Penetrance of the
sante comprovar que, a partir de então, alguns pacientes não V282Y/C2824 genotype of the HFE gene. Scand I Gastroenttrol, 2007;
mostram reacúmulo de ferro conforme esperado, sobretudo 420:1073-7.
Bacon, BR. Oiagnosis and management ofhemochromatosis. Gastroenttrology,
aqueles em uso de inibidores de bomba de prótons ou em uso 1999; 113:995-9.
de drogas anti-inflamatórias não esteroides. Importante res- Bacon, BR. Powell, LW, Adams, PC et ai. Molecular medic.ine and hemochro·
saltar o cuidado maior exigido pelos pacientes mais idosos, matosis: atthecross road. Gastroenterology,l999; 116:193·4.
que devem ser sempre avaliados quanto à presença de úlcera Bonkovsky, HL Rubin, RB, Cable, EE tt ai. Hepatic iron concentration: non
invasivc estimation by mcans o f MR imaging tcchniques. RadioWgy. 1999;
péptica, doença colônica e hematúria, condições que podem 212:227-34.
levar à perda de ferro, exigindo-se investigação apropriada para Cribier, B, Chaberini, C, Dali Youcef, N et al. Porphyria cutanea tarda, hepatitis
aqueles que assim evoluem. C, uroporphyrinogens decarboxylasc and mutations ofHFE gene. A case-
Quando a flebotomia terapêutica está contraindicada, adro- contrai study. Dermatology, 2009; 218:15-21.
ga mais utilizada para promover a que! ação do ferro é o mesilato Deugnier, Y, Brissot, P. Loreal, O. lron and the Uver: Update 2008. I Hepatol,
2008; 48:5113-23.
de deferoJUlmina. O ferro quelado é eliminado primariamente Deugnier, Y & ThrUn, B. Pathology of hepatic iron overload. World I Gastro-
pela urina e, em menor quantidade, pela bile, misturando-se entero~ 2007; 13:4755·60.
com as fezes. A droga é injetada lentamente no subcutâneo, em Deugnier, YM, Tavall, AS, Grace. NO. Management controversies in hemo·
geral durante a noite, na dose de 1 a 2 g por dia. Há sugestões chromatosis. Gastroenterology, 1999; 113:202-7.
Ellervik, C, Birgen.s, H, Tybjaeg Hansen, A et aL Hemochromatosis genotypes
de doses maiores, da ordem de 50 mg por kg de peso. A intra- and risk of 31 disease end points: meta·analysis including 66.000 cases ans
venosa pode ser utilizada, mas a infusão tem de ser muito lenta 226.000 controls. Hepawlogy, 2007; 46:1071·80.
para evitar hipotensão. Podem ocorrer transtornos oculares e Falize. L. Guillygomarch's. A, Perrin, M et al. Reversibility of hepatic fibrosis
auditivos, que regridem quando se cessa a terapêutica. O custo é in trcated genetic haemochromatosis. a study of 36 cases. Hepawloy, 2006;
44:472-7.
alto, a quelação de ferro diária não é elevada e não se sabe ainda Ftder, JN, Gnirke, A, Thomas, W et ai. A novel MHC class I -like gene is mutattd in
se a deferoxamina facilita eclosão de infecções fúngicas ou bac- patients with hertditary hemochromatosls. Nat Cc1et., !996; 13:399·408.
terianas. Estudam-se outros agentes queladores de ferro, entre Gandon, Y, Guyader, O, Heautot,JF tt ai. Hemochromatosis: Oiagnosis and
estes o hidroxipiride-4 (composto LI), ainda sem uma conclu- quantification ofliver iron gradient-echo MR imaging. Radiology, 1994;
são definitiva sobre sua eficácia. Da mesma forma, procura-se 193:533·8.
Ganx, T. Molecular control of iron transpor!. IAm Soe Nephrol, 2007; 18:
avaliar a associação flebotomia/queladores de ferro, sobretudo 391-400.
para certos grupos de pacientes como os cardiopatas. Goswanú, T & Andrew, NC. Hereditary hemochromatosis protein HFE, inte-
Por outro lado, cerca de 40% dos pacientes com HH são raction with transferring receptor 2 suggests a molecular mechanism for
alcoólatras. ~ possível que, dessa interação, dependa a insta- mammalian iron sensing. I Biol Chem, 2006; 281:23494·8.
Hahn, JU, Steiner, M, Boching, S et ai. Evaluation of a diagnostic algorithm
lação mais rápida de fibrose e cirrose, forma de doença hepá- for hertditary hemochromatosis in 3500 p atients with diabetes. Diabetts
tica crônica que se encontra associada à presença do CHC em Care, 2006; 29:464·6.
cerca de 90% dos pacientes, a causa de morte de 15 a 30% dos Ioannou, GN, Weiss, NS, Kowdley, KY. Relation ship between transferring·iron
pacientes. Nesse tipo especial de pacientes, exige-se o seguinte: satu.ration, alcohol consumption and the incidence of cirrhosis and livtr
l. definição da presença associada dos vírus B ou C da hepatite; cancer. Clin Gastroenterol HeJ"'U>~ 2007; 5:624-9.
Kowdley, KU, Bonkovsky, HL. Barton, JC. CUnical issues in hemochromatosis
2. suspensão da ingestão alcoólica; 3. monitoramento periódico and liverdisease. Gastroenlerology~ 1999; 116;201·2.
do paciente por meio de ultrassom ou tomografia computado- Limdi, JK & Crampton, )R. Hereditary haemochromatosis. Q I Med, 2004;
rizada e, sobretudo, da dosagem de alfafetoproteína, procedi- 97:315-29.
mentos que devem ser realizados a cada 3 meses. Lombard, M. Hemochromatosis. Em: O'Grady, JG, Lake, JR, Howdle, PD (ed.).
Comprchensive Clinicai Hepatology. Londres. Mosby, 2000, p. 20 I .
A falta de resposta às flebotomias e a evolução para estágios McDonnell SM, Preston BL. ]ewell SA et ai. A survey of2.851 patients with
avançados de doença hepática implicam a realização do trans- hemochromatosis: symptioms and response to treatment. Am JMed, 1999;
plante de fígado. Frise-se que a sobrevida daqueles assim con- 106:619·24.
Capi tulo 65 I Hemocromatose Hereditária 735
Merrywealher-Clarke, AT, Pointon, JJ, Sheraman, JD, Robson, KJ. Global Rouault, TA, Hcdigcr, MA, Andrcw, NA. Hcmochromatosis and iron metabo-
prevalence of putative haemochromatosis mutations. I Mtd Gene~ 1997; Usm. Gastrotlll"rology, 1999; 1/6:194-S.
34:27S-8. TaviU. AS. Screening for hemochromatosis: phenotyping or genotyping or bolh?
Nemelh, E, Valore, IY. Territo, M et al. Hepadin putative mediator ofanemia of Am J Gastroenu:ro~ 1999; 94:1430-2.
inflantllUition, is a typ<: li acutc phasc protcin. Blood, 2003; 2461-3. Turlin, S. Mendler, MH, Morrand, R et a/. Hístologic features of lhe liver
Nichols, L, Dickson, G, Phan, PG, Kant, JA.1ron binding saturation and gcno- in insulin resistance. Associated iron overload. Am T Qin Patho~ 2001;
typc tcsting for hcrcditary hcmochromatosis in patients with liver discase. 1/6:263-70.
Am J Cli11 Patlro~ 2006; 125:236-40. Waalen, J, Felilh, VJ, Gelbart, T, Beutler, E. Screening for hemochromato-
Olynk., JK, CuDen, DJ, Aquilia, S et ai. A popu1ation-bascd study of lhe clinicai sis by measuring ferritin leveis: A more etfec:tive approach. Blood, 2008;
exprcssion oflhe hcmochromatosis gene- N Eng JMtd, 1999; 341:718-24. 111:3373-6.
Pietr1lngclo, A. The ferropoitin disease- Blood C.U Moi, 2004; 32:131-8. Wills, G, Bardsley, V, Fcllows, IW tt ai. Hepatocellular carcinoma and the pe-
Powell, LW: Genetic diagnosis of hemochromatosis: implications for pro- netrance ofHFE C282Y mutations: A cross sectional study. BMC Gastro-
phylaxis and treatment. Em: Arroyo, V, Bosch, J. Bruguera, M, Rod~s. J, errterol, 200S; 1:S-17.
Sánc.hez-Tapia.s, JM (eds.). Treatment of liver di~a~s. Barcelona., Mas- Wordwood, M. HFE mutations as risk faclors in disease. Besr Pracrice and Ha-
son, 1999. ematol, 2002; 15:295-314.
Powell, LW. Díxon, JL, Ramm, GA et a/. Screeníng for hernochromatosís in Yen, AW, Fancher, n. Bow1us, CL. Revisiting hereditary hemocromatosis: CU!·
asymptomatic subjecls with or without a family history. Arch In tem Med, rent concept and progress. Am J Mtd, 2006; 119:391-9.
2006; 166:294-301. Zoller, H, Píetrangelo, A, Vogel, W. Weiss, G. Duodenal metal-transporter
Powcll, LW. Robson, KJ, Kushner, JP et a/. Epidemiology of hereditary hemo- (DMT-1, NRAMP2) expression in patients wilh heredítary haemochro-
chromatosis. Gasrroenterology, 1999; 116:198-9. matosls.l.Ancet,1999; 353:2120-3.
66 Doença de Wilson
Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo,
Evandro de Oliveira Souza, Celso Marques Raposo Júnior,
Naísa Oliveira A/vim Mattedi, Lucas Cagnin,
Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Taiane Costa Marinho,
Leonardo Reuter Motta Gama, Arnaldo Berna/ Filho,
Ana Beatriz de Vasconcelos, Raul Carlos Wahle

A doença de Wilson (DW) denominada também degeneração


hepatolenticular é consequência do acúmulo excessivo de cobre
em hepatócitos. rins, cérebro, olhos, ossos e hemácias. Caracte-
risticamente, predomina entre pacientes jovens, traduzindo-se
pela associação de doença hepática crônica e lesão neurológica
MKanismos Comprovaç6es
·---
Quadro 66.1 Mecanismos de toxicidade tecidual pelocobre

Menor geraçjo de < Conteúdo de antioxidantes (GSH e vitamina E)


dependente de degeneração dos gânglios da base, com presença radicais l ivres > Cl rculaçjo de lipideperóxidos
de anel pigmentado verde-marrom na periferia da córnea (anel > Lesao oxldativa de mitocôndrias
de Kayser-Fleischer). Trata-se de condição autossõmica reces- < Atividade de citocromo a oxidase mitocondrlal
siva, com incid~cia de 1 em cada 30.000 nascidos e variando Concen traçjo de Redist ribuiçlo intracelul ar de cobre mitocondrlal
entre 5 e 30 acometidos por um milhão de pessoas. cobre hepático Respl raçjo mitocondrial anormal
mais elevada > Liberaçjo de cálcio para o citosol
< Prevençjo da les~o mitocondrial e peroxidaçjo
llpldlca na presença de vitamina E
• ASPECTOS ETIOLÓGICOS
<=Menor; > Maior.
O cobre é um dos metais pesados essenciais ao desenvolvi-
mento de certas funções orgânicas, sendo componente de en-
zimas, tais como a lisU-oxidase, necessária ao funcionamento
dos t.ecidos conjuntivos e ao cross-linkingda elastina. Faz parte natos. em pacientes com síndrome nefrótica e naqueles em uso
ainda da superoxidodismutase, removedora de radicais livres; de d-penicilamina. Os mecanismos de toxicidade tecidual por
da citocromoxidase, proteína transportadora de elétrons; da esse metal pesado encontram-se resumidos no Quadro 66.1.
tirosinase, envolvida na formação de pigmentos; e do neuro- O gene que codifica a doença de Wilson recentemente foi
transmissor dopa-~ mono-oxigenase, da tirosinase e da ceru- identificadonobraçolongodocromossomo 13 (pWD,13ql4.3).
loplasmina, essas últimas voltadas às sínteses de tecido conjun- Mutações independentes desse gene têm sido descritas, _po-
tivo, melanina e ao metabolismo do ferro. dendo ser responsáveis por diferentes expressões fenotlp1cas
A in gesta normal diária do cobre situa-se entre 1 e 4 mg, dos da doença. A análise de haplótipos de alelos de marcadores
quais apenas 10% são absorvidos. Normalmente, é encontrado microssatélites determina o estado da doença em familiares
em ostras, amêndoas, amendoins, soja, gelatina e chocolate, dos pacientes (homozigotos, heterozigotos, normais). Todos
sendo o metal absorvido no intestino delgado e transportado os familiares de primeiro grau de portadores de DW devem
no plasma pela albumina, envolvendo-se nas geraçõ~s ?e ~u­ ser examinados. São esses que cursarão com maior avidez pela
tras proteínas, tais como a transcupreína e a alfa-1-anbtnpsma. internalização do metal a partir da participação transmembrana
Dessa forma, o metal é transportado ao ffgado, incorporado da Ctrl e de outras proteínas também carreadoras, tais como,
à apoceruloplasmina para formar a ceruloplasmina, proteína Hah1 e a especifica da DW (PDW). Esta última localiza-se na
que confere uma cor azulada ao plasma, com peso molecular membrana de Golgi, de cujo processo de internalização parti-
de 132-kD, à qual se liga por seis átomos de cobre no sangue cipam glutatiào e metalotioneína, responsáveis pela ligação do
portal, acoplada a histidina. Sobrecarga hepatocelular do cobre cobre com o á toso! e com veslculas secretoras que o conduzem
ocorre de forma adquirida nas doenças colestliticas ou pode ser até o canaliculo biliar, visando a sua excreção.
genética na DW, nosso enfoque neste capl~o. _ .
Assim, pacientes com DW exibem um defe1to de excreçao bi-
liar do cobre. fazendo com que o metal se acumule em lisossomos • MANIFESTAÇOES nrNICAS
hepáticos. Desse modo, eles evoluem com retenção aument~da
hepatocelular, cupremia baixa e nível sérico de ceruloplasmma A DW é uma afecção caracteristicamente identificada entre
reduzido. Esse comportamento também é observado em recém- adolescentes e adultos jovens, não existindo menção de casos

736
Copffulo66 I Doença de Wilson 131
~ e sialorreia. Encontram-se particularmente comprometidos os
Quadro 66.2 Manifestações dínkas da doença de Wilson gânglios da base, com a doença instalando-se de forma aguda,
segundo alguns parâmetros rapidamente progressiva, ou crônica. O eletroencefalograma
(EEG) mostra alterações inespeáficas. Tais distúrl>ios estão re-
lacionados com o hiperfluxo do metal do flgado para o cérebro,
consequência da ação ineficaz da PDW nos neurônios.
Mlnlffltaçits cllnlw Ctnlloplumlna sérica
Anel de Kayser·Fielscher (20 mgldt)
(%) (%) • Manifestações hepáticas
Neurológicas 90 85
Traduzem-se por alterações que vão desde quadro de hepa-
65
tite crônica ativa até cirrose hepática, exprimindo-se por sinais
Hep~tlcas 47
e sintomas ti picos de redução da reserva hepatocelular (Figura
66.1). São pacientes que evoluem com hepatoesplenomega-
lia, icterlcia, aranhas vasculares ou ginecomastia. Fases mais
avançadas são marcadas por aparecimento de ascite, edema
diagnosticados abaixo dos 6 anos de idade e raramente se ma- de membros inferiores e por surtos de infecção espontânea do
nifesta após a quinta década de vida. Ela pode ser diagnosticada líquido ascltico. No paciente com doença avançada, pode ha-
de forma rápida, quando existem sintomas hepáticos ou neuro- ver varizes esofagogástricas, gastropatia hipertensiva e varizes
lógicos associados ao anel de Kayser-Fleischer e baixos níveis anorretais. A evolução para o carcinoma hepatocelular rara-
séricos de ceruloplasmina. Outras formas de apresentação são mente tem sido demonstrada.
definidas por sinais e sintomas tlpicos do ponto de vista neu- Uma forma mais grave se exterioriza sob forma de insuficiên-
rológico e/ou hepático (Quadro 66.2). cia hepática fulminante em paciente previamente cirrótico. Ca-
racteriza-se pela presença de icterícia rapidamente progressiva,
ascite e insuficiência hepatocelular e renal, comumente evoluin-
• Manifestações neurológicas do com hemólise aguda intravascular, resultado do excessivo
O acúmulo de cobre no cérebro pode causar lesão neurológi· acúmulo de cobre intra-hepático. O diagnóstico diferencial in·
ca. Não existe explicação de essa agressão se relacionar com ní- dui a hepatite vital e a necrose maciça hepatocelular originária
veis plasmáticos elevados do metal, ou ser efeito direto exercido de outras causas (Quadro 66.3).
pelos produtos do gene. Tais pacientes evoluem com voz lenta,
disartria, astenia, tremores, incoordenação, ataxia, distonia, es-
pastic.idade, rigidez e. às vezes, convulsões. Geralmente, esses
• Outras manifestações
sinais são observados entre 10 e 50 anos de idade, ou mais. Não Comumente, os doentes evoluem com aminoacidúria, gli·
raro, existe redução na capacidade laborativa, impulsividade, cosúria, fosfatúria e uricosúria, além de reduzida excreção do
comportamento antissocial, paranoia, sinais psicóticos, disfagia ácido p-arnino-hipúrico, resultantes de lesões tubulares, acom-

Figura 66.1 Paciente de 18 anos, do sexo feminino, aPfesentou·se ao serviço com sinais de grave descompensação he~tica e transtornos
neurológicos. Diagnosticou-se doença de Wilson, já cirrotizada, e com hipertensão portal, como se vê na imagem laparoscópica. Tr~ meses
após, a paciente falecia em grave episódio de hemorragia digestiva alta, seguido de insuficiência he~tica fulminante. Cortesia de Renato Dani.
(Esta figura encontra-se reproduzida em cores no EncarteJ
738 Capftulo 66 I Doença de Wilson

--~ informativo útil em estudos familiares e na identificação de


Quadro 66.3 Aspectos típicos observados na lnsufidênàa hepática casos pré-sintomáticos, portadores heterozigotos ou indivf-
fulminante desencadeada na doença de Wilson (Gitlin, 1998) duos não comprometidos.
Além disso, mais de 100 mutações do gene DW foram des-
1. História familiar e consangui nidade entre pêlis ~o relevantes; critas nos últimos anos, na Islândia, Taiwan, Costa Rica, Sicí-
2. sao elevados os níveis de cobre sérico, urin~rio e heP'tico; lia, Reino Unido, EUA, Rússia e Suécia. A caracterização delas
3. 5ao menos pronunciadas as elevações dos niveis de amlnotransferases, ocorre por meio de reação em cadela de polimerase (PCR),
sendo mais acentuadas as de b ilirrubina total, sobretudo da fração com a relação genótipo/fenótipo sendo responsável pela for-
Indireta (100% de especificidade na doença de Wilson); ma de apresentação clinlca, neurológica ou de doença hepática
4. Proporção de fosfatase alcalina sérica/bilirrubina total < 20; aguda ou crônica.
5. Desproporcional aumento de bilirrubina total > 18,0 mg/dl;
6. Proporção de aspartato aminotransferase/alanina-amlnotransferase
>4,0;
• ASPECTOS ANATOMOPATOLÓGICOS
7. Nlvel sbico de fosfatasealcalina < 600 UVl e de aminotransferase entre
100 e 500 UVl; O comprometimento histológico do figa do traduz-se pores-
8. Hemólise intravascular se revela extremamente comum. pectro amplo de lesões. Assim, a fase inicial, identificada como
hepatopatia reativa inespecfjica, é caracterizada por discreto
infiltrado portal mononuclear, com núcleos repletos de gli-
cogênio, sinais esses observados em hepatócitos periportais.
panhadas, na maioria das vezes, por acidose tubular renal. En- Outras formas de expressão são a hepatite aguda fulminante,
tre as expressões de agressão aos olhos, a mais comum delas é a hepatite crônica persistente, a hepatite crônica ativa, acirro-
a presença do anel de Kayser-Fleischer. São pacientes que, em se e o carcinoma hepatocelular. Interessante, do ponto de vis-
geral, cursam também com adinamia, anorexia, dores osteo- ta evolutivo, é a comprovação de que não há correlação entre
articulares, nefrolitiase, anemia hemolltica, osteomalacia, con- a concentração de cobre hepático e a intensidade das lesões
drocalcinose e poliartrite, além de distúrbios endócrinos, car- anatomopatológicas. A definição precisa da presença do metal
diovasculares e cutâneos. em tecido é feita realizando-se colorações especiais pelo ácido
rubeãnico ou rodanina.
Nesse aspecto, mostra-se importante definir que a concen-
• ASPECTOS LABORATORIAIS tração teci dual de cobre no individuo sadio apresenta -se abaixo
de 551-lg/g de tecido seco, enquanto em pacientes homozigotos
ultrapassa 250 11g/g. Resultados falso-positivos podem ocorrer
• Enzimas hepáticas em pacientes com cirrose biliar primária, cirrose da criança in-
Pacientes com DW podem evoluir, quando assintomáticos, diana, doença colestática crônica e no figado do recém-nato.
sem lesão hepática evidente e níveis séricos normais das enzi. Por outro lado, resultado falso-negativo é observado naque-
mas hepáticas. A maioria daqueles com lesão hepatocelular les doentes com DW em tratamento com agentes quelantes
cursa com discreta elevação de valores séricos de aminotrans- (d-penicilamina).
ferases e gamaglutamiltransferase, enquanto os de fosfatase
alcalina costumam ser baixos.
• Terapêutica
• Marcadores do metabolismo do cobre A ausência de tratamento no passado fez com que, inexo-
Em geral, a ceruloplasmina e o cobre sérico apresentam valo- ravelmente, pacientes com DW evolulssem para a morte. Essa
res reduzidos. Assim, no paciente com doença hepática, a con- tendência evolutiva natural mudou a partir de 1956, quando
centração de ceruloplasmina encontra-se abaixo de 20 mgldt. O passaram a ser tratados com d-penicilamina, na dose de 1 g1
diagnóstico de DW confirma-se pela elevada excreção urinária dia VO, ingerida em quatro tomadas diárias, sempre cerca de
de cobre, ultrapassando 100 mg/24 h, a qual pode ser ampliada 30 min antes ou 2 h depois das refeições. Desde que não surjam
após administração de d-penicilamina (500 mg/2 vezes dia). Os efeitos colaterais, tais como rash cutâneo, leucoperúa, plaqueto-
pacientes cursam, em geral, com cu premia em torno de 1.000 penla e proteinúria, a dose deve ser aumentada para 1,5 a 2,0 g1
a 1.500 mg/24 h. dia, já nos primeiros 2 meses de tratamento. E recomendável
Deve-se frisar que 5 a 1796 dos pacientes com DW apresen- administrar 25 mg de piridoxina ao dia, uma vez que a penici-
tam nível sérico de ceruloplasmina entre 20 e 30 mgldt. Nesse lamina tem efeito antipiridoxina.
caso, a confirmação diagnóstica deverá ser feita por meio da O monitoramento da terapêutica deve envolver basicamente
pesquisa do anel de Kayser- Fleischer e/ou biopsia hepática. Na três aspectos: I. no primeiro mê.s, deve-se realizar, a cada 7 dias,
dúvida, deve-se administrar dose de 2,0 mg de cobre radiomar- a contagem de eritrócitos, leucócitos e plaquetas no sangue peri-
cado, contendo 0,3 a 0,5 mC,64 Cu, diluldo em 100 a 150 ml de férico, bem como exame de urina tipo 1, dosagens bioquímicas
suco de fruta, após período de jejum de 8 h. A pesquisa da con- de arninotransferases, gamaglutarniltransferase, bilirrubina total
centração do marcador deve ser feita seriadamente, a cada 48 h, e frações, além de atividade de protrombina, fator V e TIPA. A
e a confirmação da DW ocorre quando não se verifica elevação estabilidade do quadro laboratorial leva tal atitude a ser mensal,
secundária do rúvel sérico de cobre, normalmente observado posteriormente a cada 2 a 3 meses e, finalmente, a cada 6 me-
ao fim de 6 a 20 h. ses; 2. cuprúria de 24 h deve ser mensalmente realizada. Caso
se mostre abaixo de 300 mg/24 h, deve-se inferir emprego de
• Diagnóstico molecular dose inadequada, ou não aderência do paciente ao tratamento;
3. avaliação da presença de sintomas e sinais do comprometi-
Pela identificação de marcadores microssatélites situados mento neurológico, os quais podem exacerbar-se no inicio do
próximos ao gene da DW, pode-se construir um haplótipo, tratamento, com tendência a reversão com o passar dos dias.
Capitulo 66 I Doença de Wilson 739

--------------------------------~--------------------------------
Quadro 66.4 [ndice prognóstico em insuficiência hepática aguda na doença de Wilson

Escore em pontos

Parlmetros o 4

Bilirrubina sérica (mg/dt) <6 6- 9 9-12 12-18 > 18


Nivel séricode A5T (UI/i} < 100 100-1 50 150- 200 200- 30 >300
Tempo de protrombina (prolongado em segundos) <4 4- 8 8-12 12- 20 > 20

Interpretação - Esc01e em pontos> 7 deve-se considerar transplante hepático.

Quando não ocorre resposta benéfica à d-penicilamina, ou se Mais recentemente, outras medidas abrangem: 1. transplan-
existe intolerância ao fármaco, deve-se substituí-lo pelo triente- te hepático de doador vivo, parente e heterozigoto para doença
ne na dose de 1 a 1,5 gldia, dividida em três tomadas. Tem efeito de Wilson, sem que tenha ocorrido recorrência de distúrbio me-
cuprurético menor, porém mostra-se clinicamente eficaz. Sinais tabólico; 2. transplante ortotópico parcial de fígado (APOLT),
de toxicidade são lesões de medula óssea, rim, pele e mucosas. com lobo auxiliar implantado levando a atrofia do nativo, cirró-
Opcionalmente, sobretudo para os intolerantes a qualquer des- tico e regeneração do lobo implantado em 18 meses. Rotula-se
ses dois fármacos, indica-se acetato de zinco VO, na dose de essa atitude como geneterapia, preocupando ainda que exista
50 mg, 3 vezes/dia, entre as refeições. Melhora significativa ocor- com essa técnica risco de transformação maligna de hepatóci-
re em torno de 83% daqueles assim conduzidos, gerando apenas tos mutantes residuais.
efeitos colaterais gastrintestinais leves. Alternativamente, pode-
se optar pela administração de tetratiomolibidato de amônia
VO, na dose de 30 mg, 2 vezes/dia. Essa orientação deverá ser • LEITURA RECOMENDADA
mantida mesmo durante a gestação, com o risco previsível de
a criança nascer com DW de aproximadamente 1:300. Boldo A & Taxcl P. Walson's discas<: followcd by livcr transplant in a 20-ycar·
old female: consideration.s for bone heallh: case report and review of the
Uteraturc. Conn Meti, 2009; 73:73-8.
• Transplante hepático Duartc-Rojo, A, Zepeda-Gomcs, S. Garcia-Leiva. Jet aL Uver transplantation
for neurologic Wllson's disease: Reflections o n two cases within a Mex:ico
Pacientes com evolução para insuficiência hepatocelular e cohon. Rev Gastroenterol M ex, 2009; 74:218-23.
hipertensão portal, na ausência de resposta à administração de Fercnci, P, Gilliam, TC. Gitlln, JD et ai. lntcrnational Symposium on Wilson's
d-penicilamina ao fim de 90 dias, aqueles que evoluem para a and Menkes' Diseases. Hepatology, 1996; 24:952-8.
Gitlin, N. Wllson's diseas<:: the scourse of coppe,r. f. Hepatol., 1998; 28:734-9.
forma fulminante, ou que apresentam hemólise após suspensão Lombard, M & Mieli-Vergani, G. Haemochromatosis Wilsods dise.ase and he-
da terapêutica medicamentosa devem ser conduzidos para o patic enzyme defects in adults. Em: Williams R & Portmann, B (eds.). Liver
transplante hepático. Os que evoluem com encefalopatia deve- Transplantation. Londres: Churchill Livingstone, p. 73, 1995.
rão ser submetidos à hemofiltração ou plasmaférese, enquanto McDiarmid. SV. Liver transplantation for metabolic disease. Em: Busutil, RW
& Klíntmalm, GB (eds.). Transplantation of lhe Liver, 2nd cd., Phíladelphia
aqueles que cursam com cirrose descompensada devem ser ava- W.B. Saunders Company, p. 198, 1996.
liados segundo indice prognóstico exposto no Quadro 66.4. Moini, M, Mistry, P, Schnilsky, ML. Liver transplantation for inheritcd metabolic
Asobrevi da de 1 ano após esse processo terapêutico situa-se disorders of the tiver. Curr Opin Organ Transplant, 20 I O; 15:269· 76.
em tomo de 80%, embora alguns não apresentem melhora dos Ozcay, F, Bayracki, US, Baskin, E et ai. Long·term follow-up of glomerular and
sinais de comprometimento neurológico, apesar da restauração tubular function.s in tiver transplanted patients with Wilson's disease PtdiaJT
Transplant, 2008; 12:785-9.
da função hepatocelular, com o sucesso traduzindo-se também Park, YK, Klm, BW. Wang, H), Klm, MW. Auxiliary partia! orthotopic Uving
pela restauração bioquímica e o retorno ao fenótipo normal, donor tiver tr-ansplantation in a patient wilh Wilson's disease: A case report.
com recuperação total do quadro neurológico. Transpl Proc 2008; 40:3808-9.
Nem sempre, contudo, as equipes dispõem de órgãos prove- 5herlock. S & Dooley, }. Wilson's disease. Em: Sherlock. S & Dooley, J(eds.).
nientes de doadores falecidos. Nessa situação, medidas defini- Discascs of thc Livcr and Biliary Systcm, lOth cd., Londres. Blackwcll S<i·
cncclnc., p.417, 1997.
das como alternativas fazem parte desse armamentário terapêu- 5okol, RJ. Copper and storage diseases. Em: Kaplowitz, N (cd.). Liver and Biliary
tico, conduzindo pacientes por meio de um sistema recirculante Discases, 2nd cd., Baltimorc. Williams & Wilkins, p. 363, 1996.
adsorvente de moléculas, voltado ao suporte extracorpóreo do Tamura, S, Sugawara, Y. Klshi, Y el ai. Living-rclatcd livcr transplantatlon for
fígado em falência. Este método terapêutico é capaz de pro- Wilson's di~. Clin Tm nsplanl, 2005; 19:483-5.
porcionar reequillbrio hemodinâmico e da melhora da anemia Tanncr, MS. Wtlson's diseasc. Em: O'Grady, JG, Lake, JR, Howdlc, PD (cds.).
Comprehensive Clinicai Hepatology, Londres, Mosby. p. 21. 1, 2000.
hemolítica e da insuficiência renal, existindo relatos de que Yoshitoshi, EY, Takada, Y, Oike, F et ai. Long-term outcomes for 32 cases of
alguns se recuperaram de forma perene, sem necessidade de Wilson's disease after living~d onor liver transplantation. TransplantatJ'on,
serem transplantados. 2009; 87:261-7.
67 Doença Hepática Alcoólica
Adávio de Oliveira e Silva, Verônica Desirée Samudio Cardozo,
Evandro de Oliveira Souza, Ana Beatriz de Vasconcelos, Lucas Cagnin,
Rafael Hygino Rodrigues Cremonin, Felipe de Souza Atan,
Celso Marques Raposo Júnior, Naísa Oliveira A/vim Maltedi,
Paula Hugueney Cruz, Raul Carlos Wahle

Abuso e dependência alcoólica são os mais sérios problemas movendo peroxidação de membranas biológicas, com forma-
médicos do mundo industrializado. Entre pacientes hospitaliza- ções de complexo acetaldeído-proteína e de aductos de DNA;
dos, a prevalência dessas condições varia de 25 a 60%, gerando b. exacerbação de estresse oxidativo formando radicais livres de
gastos durante o ano de 1988, nos EUA, em torno de 116 bilhões oxigênio; c. geração de endotoxinas, com maior permeabilida-
de dólares, empregados, sobretudo, em tratar complicações da de da mucosa com liberação e influxo de mediadores inflama-
cirrose. A gravidade do problema também se observa em nos- tórios, tais como TNFcx, IL-1, IL-6 e leucotrienos; d . ativações
so País. Assim, acima de 50% das biopsias de fígado realizadas de células de Kupffer e polimorfonucleares; e. polimorfismo e
em nosso Serviço têm como objetivo definir aspectos próprios indução do Cyp2E 1• Todo esse desarranjo comprova-se a se-
da doença hepática alcoólica (DHA), principal causa de mor- guir, envolvendo:
bidade e mortalidade entre nossos pacientes. A expressão his-
tológica reflete a instalação de lesões agudas, como esteatose e
hepatite alcoólica, ou crônica, tais como hepatite crônica ativa,
• Metabolismo do etanoI
esclerose da veia centrolobular, cirrose e, menos comumente, Embora o álcool ingerido em excesso possa determinar lesão
o carcinoma hepatocelular. em qualquer órgão, o fígado, em virtude de ser o principal res-
Sabe-se, atualmente, que a evolução para a cirrose hepática ponsável pela sua oxidação (80 a 90% em primeira passagem),
ocorre em cerca de 20% dos indivíduos que ingerem acima de é mais suscetível a esse tipo de agressão. Nele, o etano!, após
60 a 80 g de etano! por dia, durante mais de 8 a I Oanos. Essa absorção gástrica e intestinal, é oxidado até acetaldeído, con-
evolução depende da suscetibilidade indivídual, associada a vertido em acetato e, finalmente, em C02, consumindo, para
fatores ambientais, exposição a drogas indutoras enzimáticas, tal, 85% do oxigênio captado pelos hepatócitos. Essas transfor-
ou infecção concomitante pelos vírus das hepatites B e C. São mações bioquímicas dependem da participação de três sistemas
lesadas, assim, as células parenquimatosas e não parenquima- enzimáticos: a. álcool-desidrogenase e aldeído-desidrogenase,
tosas do fígado, com a regeneração, remodelação e reestrutu- enzimas dispostas no citosol; b. sistema microssomal de oxida-
ração completa dependendo de hormônios, de alguns fatores ção do etano! (MEOS), presente no retículo endoplasmático; c.
de crescimento e da perfeita comunicação intercelular. sistema catalase, distribuído pelos peroxissomos.
As mulheres são mais suscetíveis ao desenvolvímento de A presença excessiva do acetaldeído leva a que os pacien-
DHA, e, nelas, a doença instala-se em idade mais baixa, após tes evoluam com lesão de organelas, sobretudo mitocôndrias
mais curto período de exposição e ingestão de doses menores. e microtúbulos, e interrupção do transporte e exportação de
Essa maior predisposição se relaciona à menor massa corpórea proteínas e gorduras. Nessa situação, os doentes desenvolvem
e maior proporção de tecido adiposo que apresentam. Parece balonização de hepatócitos e esteatose. Esses aspectos histológi-
que também guarda relação com a acentuada resposta do seu cos guardam relação não apenas com a agressão às membranas
sistema de defesa aos neoantígenos formados a partir de hepa- plasmáticas dessas subestruturas celula.res, mas também com
tócitos lesados, sendo, entre elas, além disso, mais elevadas a modificações instaladas em receptores que atuam na endocitose
quantidade e disponibilidade de enzimas hepáticas metaboliza- de macromoléculas ao nível hepatocitário. Tal comportamen-
doras do etano!, cursando com níveis séricos mais acentuados to depende da participação de fatores nutricionais, genéticos,
de acetaldeído e radicais de 0 2 livres. imunológicos, da destruição peroxidativa das membranas bio-
lógicas e de agressões vírais, descritas a seguir.

• PATOGENIA • Fatores nutricionais


Do ponto de vísta de patogenia, atualmente se aceita que Recentemente, postulou-se que a ingestão deficiente de
a DHA alcoólica esteja relacionada funcionalmente de forma proteínas, especialmente dos aminoácidos metionina e colina,
resumida a: a. hepatotoxicidade exercida pelo acetaldefdo, pro- estaria implicada na patogênese da D HA. No entanto, a suple-

740
Copftufo 67 I Doença Hepdt/co Alco61/ca 7 41

mentação desses elementos, sobretudo a roedores e babuínos, tada geração de radicais livres de 0 1, a partir de microssomos
mostra-se ineficiente em prevenir o aparecimento de estea- do figado. A comprovação desses fenômenos ocorre em algu-
tose ou fibrose hepática quando existe perpetuação do abuso mas situações experimentais, tais como: 1. o fornecimento de
alcoólico. A má nutrição, sem alcoolismo, não causa cirrose. dieta hipogordurosa acentua a peroxidação lipídica, traduzida
Entretanto, é de esperar que deficiências nutricionais do alco- por elevação nos níveis de 4-hidroxinonenol, aldeído que se
ólatra possam contribuir para a doença do fi gado, além de lesar forma a partir de ácidos graxos poli-insaturados, acentuando
outros órgãos da economia. Por outro lado, o etilismo causa a fibrogênese hepática; ao mesmo tempo em que é reduzida
doença hepática em pessoas bem nutridas, o que dificulta o a atividade do sistema celular de antioxidação, induzindo ao
estabelecimento causal. maior risco de instalação de lesão tecidual e de doenças ma-
lignas; 2. radicais livres, por sua vez, são formados na cadeia
• Fatores genéticos de transporte de elétrons, ao nível mitocondrial e do retículo
endoplásrnlco, e de enzimas oxidantes, tais como oxidase-
A influência de antígenos HLA da classe I na evolução da NADPH, xantina-oxidase e ciclo-oxigena se. Para se protegerem
DHA é matéria controversa na literatura médica. Assim, alguns desses efeitos lesivos, as células recorrem a vários mecanismos
pesquisadores defendem uma associação com os antígenos BS, antioxidantes de defesa exercidos pela superóxido-dismutase,
BS, Bl3 ou B40, aspecto negado por outros investigadores. Em glutation-peroxidase, catalase, a -tocoferol, ácido ascórbico e
uma população homogênea de pacientes portugueses, suge- betacaroteno. Dessa forma, inativam-se radicais peróxidos li-
riu-se que o HLA-BS conferia proteção, enquanto o A28 e o pídicos, hidroperóxidos e outros intermediários de oxigênio.
Bw35 definiam sensibilidade acentuada ao desenvolvimento A importância desses mecanismos patogenéticos na gênese da
de lesões histológicas típicas da agressão induzida pelo etano! DHA não é admitida por todos os pesquisadores.
e seus metabólitos.

• Fatores imunológicos • VfRUS DAS HEPATITES BEC


Ingestão excessiva de etano! leva à redução dos mecanis- Pacientes alcoólatras mostram aumentada prevalência de
mos de defesa imunológica, expressa por granulocitopoese, vírus das hepatites Be C, quando comparados à população em
quimiotaxia, fagocitose e citotoxicidade. Esse quadro de su- geral. Apesar dessa comprovação, alguns acham que o VHB
pressão da imunocompetência agrava-se pelo eventual estado não participa da progressão da DHA, sendo os portadores desse
de desnutrição dos pacientes e da reduzida secreção de fator agente, em geral, caracterizados como bebedores mais mode-
de necrose tumoral pelas células de Kupffer. Os doentes evo- rados, cursando com menor incidência de hepatite alcoólica.
luem com níveis séricos elevados de IgA e de imunoglobulina Em nosso Serviço, considerando diferentes formas de agressão
ativadora de linfócitos B, responsáveis pelo aparecimento de ao figado por álcool, o AgHBs esteve presente em 20,596 dos
hipergamaglobulinemia. casos, anti-AgHBs em 34,596 e anti-HBc IgG em 17,696. Outros
Proteínas heat-shock são sintetizadas em células de mamífe- pesquisadores definem que 2796 de seus pacientes com DHA
ros como resposta protetora à agressão que sobre elas se instala. são anti-VHC positivos, porcentagem que~ reduzida para 596
Têm função de reorganizar proteínas desestruturadas, a partir entre alcoólatras que não apresentam lesão do ligado. Esses da-
do estímulo lesivo exercido quando em temperaturas elevadas dos nos levam a atribuir importância exponencial aos agentes
e na presença de citocinas, radicais livres de 0 2 e aldeídos pro- virais na patogênese da DHA.
duzidos a partir da peroxidação de ácidos graxos poli-insatura-
dos, presentes em membranas biológicas. No caso específico da
DHA, o organismo perde sua capacidade protetora, a proteína • ESPECTRO DA DOENÇA HEPÁTICA ALCOÓLICA
toma-se imuneglobulina, sendo responsável pelo desenvolvi-
mento progressivo da lesão hepática observada nesses pacientes. A agressão aos hepatócitos na DHA manifesta-se sob forma.s
Desse processo, participam também o fator de necrose tumoral clinicas, laboratoriais e histológicas diversas. Mais comumen-
a (FNTa), as interleucinas I (I L-I) e 6 (IL-6), além do fator te, elas se expressam por meio do desenvolvimento de esteato-
~I de transformação do crescimento (TGF~l). São citocinas se, hepatite alcoólica, hepatite crônica ativa, esclerose de veia
geradas a partír de macrófagos e células endoteliais de indiví- centrolobular, cirrose e carcinoma hepatocelular. Relacionado
duos que ingerem grandes quantidades de etano! a longo prazo, com essa tendência evolutiva, pode-se definir que o espectro
promovendo ruptura das comunicações intercelulares e inter- clínico mostra-se variável, cursando desde complicações le-
ferindo na regeneração normal do parênquima. Níveis eleva- ves até outras mais graves, como icterícia, ascite, ruptura de
dos, sobretudo de FNTa e IL-6, são causa de mortalidade em varizes esofagogástricas, encefalopatia, peritonite bacteriana
pacientes com hepatite alcoólica aguda. espontânea, slndrome hepatorrenal e até desenvolvimento de
Também antígenos intracelulares, como os corpúsculos de neoplasia primária de ffgado. Tais aspectos encontram-se re-
Mallory, são capazes de despertar reação por anticorpos e pro- sumidos no Quadro 67.1, características expressas em separa-
mover sensibilização de membranas dos hepatócitos, tornan- do logo adiante.
do-os mais suscetíveis à agressão desenvolvida pelos linfócitos
T citotóxicos, participando, assim, da resposta celular imune-
mediada. • Esteatose hepática
Esteatose hepática em ratos e, mesmo, em primatas sub-hu-
• Destruição peroxidativa das manos ocorre nas deficiências de colina e metionina. Depende
também da menor ingesta de ácido orótico e carnitina, bem
membranas biológicas como da presença de lipoprotefnas circulantes, sobretudo HDL
Esses pacientes evoluem com nlveis celulares elevados de Clinicamente, manifesta-se por hepatomegalia de consistência
dienos conjugados, baixas concentrações de glutation eaumen- variável, muitas vezes aumentada, com o ligado apresentando
742 Capftulo 67 I Doença Hepdtlca Alcoólica

T surda e suportável no hipocôndrio direito, flgado de consistên-


Quadro 67.1 Representação esquemática sobre espe<tro, prevalência cia aumentada, febre e leucocitose. A mortalidade nessa situ-
e tempo de instalação de diferentes expressões de doença hepática ação é elevada, todos evoluindo com neutrofilia, metabolismo
alcoólica (Bode, 2002) alterado de hidratos de carbono, de lipldios e de minerais, ou
de elementos-traços. Apresentam, ainda, síntese aumentada de
proteínas de fase aguda, tais como a proteína C reativa, amiloi-
Prevalência Tempo de ínstalação de e a-1-antitripsina, comportamento mediado pelas linfocinas
FNTa, IL-1 e IL-6.
Do ponto de vista laboratorial, as formas mais graves tradu-
zem-se por: 1. nfveis séricos de bilirrubina total sempre acima
> 2- 3 meses
de 5 mgldl , não raro ultrapassando 25 a 30 mgldl; 2. nfveis
séricos de AST situados entre 100 e 400 UUt . Cerca de 80%
dos pacientes com DHA têm a proporção AST:ALTem torno
<: 2 anos ou de 2, ou mais. Esse comportamento bioqulmico depende de: a.
> S~
<: 3-S anos
menor concentração citosólica dessas enzimas nos alcoólatras
crônicos; b. maior liberação de AST de fontes não hepáticas,
> 10 anos como músculos e eritrócitos; c. menor concentração hepática
IS-3~
(S --> 30 anos) de coenzimas, limitando a capacidade de correção quantitati·
va dessas enzimas no soro. Não há correlação entre nlveis de
aminotransferases e extensão da agressão necroinflamatória; 3.
> 20anos a fosfatase alcalina assume um comportamento variável, com
tendência a nfveis séricos elevados, quando há colestase; 4. a
gamaglutamiltransferase comporta-se como o melhor mar-
cador de DHA, ao lado do aumento do volume corpuscular
médio das hemácias. Indica sempre indução enzimática mi-
crossomal, determinada pelo etano) e seus metabólitos. Não
bordas rombas e superflcie regular. Às vezes, esse aumento de tem valor prognóstico, mas revela-se útil no monitoramento
volume do flgado pode ser doloroso. Quando se associam si- da ingestão alcoólica; S. menor reserva hepatocitária canse-
nais inflamatórios, a denominação é esteato-hepatite. Do ponto quente à maior agressão tecidual; revela-se por níveis séricos
de vista laboratorial, os doentes evoluem com níveis séricos de de albumina baixos, alargamento do tempo de protrombina,
aminotransferases (AST, ALT) normais ou discretamente eleva- trombina e redução do Fator V; 6. a progressão para cirrose,
dos, mas podem exibir taxas até 10 vezes superiores ao normal; indicando atividade, define-se também pelo nível sérico eleva-
sempre há alterações acentuadas de gamaglutamiltransferase. do de procolágeno tipo me, histologicamente, traduz-se fun-
Não se modificam os valores de bilirrubina total e frações da damentalmente por inflamação e necrose focal e difusa, mais
albumina, nem a atividade de protrombina. O aspecto ao ul- acentuada na zona 3 de Rapapport. Um aspecto tlpico é repre-
trassom é tfpico, com figado de textura hiperecoica, grosseira, sentado pela presença de hepat6citos aumentados de volume.
e atenuação de feixes acúst icos posteriores. Anatomopatologi- Em decorrência do acúmulo de água, os lipldios e as proteínas
camente, revela-se pela presença de micro ou macrogotículas que normalmente são excretados ficam retidos, e os hepatócitos
de gordura no citoplasma. Constitui-se em entidade isolada, ou tomam-se frequentemente balonizados; sobretudo na região
pode ser detectada associada à fibrose perivenular, à hepatite centrolobular, o citoplasma mostra· se vesicular ou granular, e
ou à cirrose. A esteatose. em geral, é reversível em alguns dias o núcleo permanece central, não devendo ser confundido com
ou semanas de abstinência, e instala-se em virtude das modi- metamorfose gordurosa.
ficações que acarreta no sistema •redox" dos hepatócitos. oca- Polimorfonucleares (neutrófilos) encontram-se nas vizi-
sionadas pela oxidação do etano! e acetaldeldo. nhanças das células necróticas e se relacionam com os cor-
púsculos de Mallory. Ocorre uma infiltração linfocítica na
• Hepatite alcoólica hepatite alcoólica, a população celular sendo constituída mais
por linfócitos T supressores (citotóxicos) de que por linfóci-
Percentual significativo dos pacientes alcoólatras evolui com tos auxiliadores, o inverso observando-se na fase cirrótica.
hepatite alcoólica (HA), slndrome inflamatória que traduz ne- Sua distribuição intra-hepática é variável, encontrando-se ao
crose hepatocitária. Essa agressão às células parenquimatosas nível da placa limitante, no interior do parênquima, em con-
depende da participação do álcool e seus metabólitos, indu- tato direto com membranas plasmáticas, ou no próprio seio
zindo reação de fase aguda, na dependência de modificações dos hepatócitos. Participam da agressão hepatocitária, junta·
nos índices de secreção de FNTcx, IL- 1 e IL-6. Considerada mente com anticorpos circulantes e células kíl/er (K). A par-
como lesão potencialmente reverslvel, instala-se sobre flgados tir daí, são estimuladas a produção de fibroblastos e a síntese
normais ou já cirrotizados. Para que se perpetue, participam de colágeno.
deficiências nutricionais, que se instalam em indivíduos gene- Corpúsculos de Mallory, por sua vez, são inclusões intra-
ticamente predispostos, cursando com distúrbios ao nfvel do celulares e perinucleares, eosinofilicas, que devem ser distin-
sistema imunológico. guidas de mitocôndrias, e coráveis pela hematoxilina-eosina e
Um grupo de pacientes revela-se pouco sintomátic.o, ou pelo lugol-azul rápido. Há uma divisão desses corpúsculos em
assintomático, mesmo referindo história de ingesta alcoólica tipo 1, quando constituídos de filamentos paralelos, tipo 2, se
excessiva, exibindo hepatomegalia e nlveis séricos de amino- formados por fibrilas orientadas, e tipo 3, representado por ma-
transferases elevados (AST, ALT). Forma mais grave da doen- terial granular e fibrilas dispersas. Formam-se a partir das agres-
ça se expressa pelo aparecimento de icterícia, ascite, sinais de sões exercidas pelo etano! e seus metabólitos sobre filamentos
coagulopatia e. mesmo, encefalopatia, cursando ainda com dor intermediários do citoesqueleto hepatocitário. Acumulam-se
Capftulo 67 I Doença Hepática Alcoólica 7 43

nessas células como resultado de uma ação antimicrotubulina.


Embora o seu encontro não seja essencial para o diagnóstico, a
• Hepatite crônica ativa
presença desses corpúsculos no figado, em maior intensidade, Cerca de 10% dos alcoólatras cursam com hepatite crônica
ocorre nas formas mais graves de hepatite alcoólica. Importante ativa (HCA). Os aspectos histológicos são indistinguíveis da-
frisar que eles estão também presentes em uma série de outras queles da induzida por vírus. A agressão ao figado perpetua-se
doenças, tais como doenças de Weber-Christian e de Wilson, na dependência de mecanismos imunológicos, ou de infecção
cirrose biliar primária, cirrose da criança indiana e por obesi- vira) sobreposta. Adverte-se que, nas formas mais graves de
dade mórbida, carcinoma hepatocelular, e em pacientes que DHA, a prevalência de marcadores do VHB atinge 27%, sen-
usam drogas, como griseofulvina e amiodarona. do o AgHBs encontrado em cerca de 3% dos casos. A presença
O desenvolvimento da hepatite alcoólica acompanha-se, em dos marcadores anti-HBs e anti-HBc não se correlaciona com
geral, de fibrose perissinusoidal, com deposição de tecido co- alterações clinicas, laboratoriais ou histológicas. Também não
lágeno no espaço de Disse. Como consequência, fica compro- afeta a sobrevida Essa elevada incidência de marcadores séri-
metido o intercâmbio de produtos entre hepatócitos e sangue, cos e teciduais correlaciona-se com o uso de drogas parenterais
e eleva-se a resistência sinusoidal, aumentando a pressão in- ilicitas e transfusões sangulneas, estas, em geral, realizadas du -
trassinusoidal. Nesse tipo especial de paciente, as células deIto, rante episódios de hemorragia digestiva alta. Autores italianos
armazenadoras de gordura, presentes nos sinusoides, tomam- sugeriram que os alcoólatras, portadores assintomáticos do
vírus B, apresentam maior risco de desenvolver hepatopatia,
se transicionais e se transformam em fibroblastos produtores
de colágeno e em miofibroblastos. Esses, formados por feixes mesmo quando consomem álcool em quantidade inferior a
80 gldia. Por sua vez, pesquisadores japoneses observaram que
de microfilamentos, sintetizadores de colágeno dos tipos I, III,
os pacientes com carcinoma hepatocelular (CHC) e AgHBs
IV e laminina, são encontrados em áreas perivenulares. Nessa
positivos alcoólatras tinham idade significativamente menor
situação, desenvolve-se necrose hialina esclerosante de veias
que os AgHBs positivos não alcoolistas, sugerindo um papel de
centrais.
cocarcinogênio para o etanoL De uma maneira geral, pode-se
Decisões existem a propósito da estratégia terapêutica a ser
definir que o risco de evolução para esse tipo de neoplasia pri-
adotada nesses pacientes; além disso, existe necessidade de aná-
mária de figado é 5,8 a 8,0 vezes maior, respectivamente, para
lise clínica rígida e de parâmetros bioquímicas que devem ser os alcoolistas moderados e intensos.
mensurados continuamente, construindo assim alguns siste- Por sua vez, cerca de 38 a 54% dos alcoólatras cursam com
mas de escores prognósticos usados na avaliação de pacientes marcadores sorológicos de vírus C, índices que se reduzem para
com hepatite alcoólica, os quais se encontram discriminados 5% naqueles sem doença hepática. Essa evolução se relaciona ao
no Quadro 67.2. claro sinergismo existente entre esse agente e o álcool, predis-
Valendo-se da análise desses resultados, algumas conclusões postos a cursarem com doença hepática mais grave, com idade
têm sido obtidas: 1. sobrevida aos 28 dias de pacientes com mais jovem, cursando com menor sobrevida. Nesses, o risco
MDF > 32 e tratados com placebo atingiu 68%, ampliando-se de evolução para cirrose em tempo mais curto se amplia em 30
para 93% quando conduzidos pela corticoideterapia; 2. quando vezes, sem que tenha sido definida a precisa dose de etano! que
levados em consideração apenas os identificados com escore tais pacientes passam a consumir ao dia, sem torná-los mais
MELD > 11, sobrevida de 30 dias foi de 45%, ampliando-se suscetíveis à agressão. Isso leva a que clínicos e hepatologistas
para 96% naqueles com MELO < 11; 3. pacientes com escore de orientem seus pacientes para que se abstenham mesmo do uso
Glasgow > 9 têm melhor sobrevida quando tratados com cor- de doses moderadas de etanol.
ticosteroides. Sendo, respectivamente, de 78 x 52% aos 28 dias
e de 59 x 38% aos 84 dias, os quais atingiam 78 e 59% aos 28
e 84 dias, quando tratados com corticosteroides, reduzindo-se
• Esclerose de veia centrolobular e fibrose
para 52 e 38% no mesmo período para aqueles tratados pelo Esclerose de veia centrolobular e fibrose constituem com-
placebo. plicação grave observada no decorrer da DHA, associada ao

_..,
Quadro 67.2 Sistemas de escores prognósticos usados na avaliação de paàentes com hepatite alcoólica (O'Shea, Dasarathy & McCullough, 2010)
Interpretações
Denominação dos sistemas Elementos usados nas construções (por prognóstim)

Função discriminante Demadrey (MDFJ MDF = 4,6 (TP pacientes- TP controle + bilirrubina total (mgfdt) Se escore> 32
Escore MELO Escore MELO = 3,8'1og, (bilirrubina em mg/ d t + 11,2' log, (INR)+ 9,6' log, Se escore> 18
(creatinina mg/dt = 64)

Pontos Se escore> 8
Escore Glasgow Esmre*
2 (Calculado dias 7 e 8
da internação)
Idade (anos) < 50 :.50
leucócitos < 15 :!:15
Ureia (mmol/dt) <5 :.:5
Tempo de protrombina < 1,5 1,5·2.0 ;, 2,0
Bilirrubina (mg/ dt) <7,3 7,3·14,6 > 14,6
744 Capftulo 67 I Doença Hepática Alco6/ica

acúmulo do colágeno, que ocorre nos espaços de Disse e em tor-


no dos hepatócitos. Tudo indica que esses processos dependem
• Carcinoma hepatocelular (CHC)
da participação lesiva exercida por lipócitos, sobre células de Classicamente, define-se que o carcinoma hepatocelular
I to, miofibroblastos e macrófagos, os quais são ativados como (CHC) instala-se como consequência de ampla variedade de
resultado da fagocitose de restos celulares. Desse processo, par- alterações genéticas, envolvendo fatores de crescimento e seus
ticipam também as linfocinas FNTa. e IL-1 e estimuladores de receptores, perda de oncogenes supressores tumorais pl6 e
substâncias fibrogênicas e inflamatórias, tais como o fator de p53 e de fatores que controlam interação da matriz extrace-
crescimento derivado de plaquetas, prostaglandinas e as linfo- lular e angiogênese. Tais modificações contribuem para um
cinas IL-8 e IL-1. Estas últimas reduzem a atividade do citocro- processo de múltiplos estágios que estimulam a oncogêne-
mo P-450, aumentam a transcrição de colágenos I, III e IV e de se, gerando a formação de um tumor hipervascular nutrido
intermediários de ol' estimulando a proliferação fibroblástica. pela artéria hepática. Predomina entre homens na proporção
A fibrose perivenular leva à obstrução do tipo pós-sinusoidal, de 4: l em áreas de baixa e de 9: l naquelas de elevada inci-
precipitadora do aparecimento de hipertensão portal, com as- dência, tendência evolutiva mais frequentemente observada
cite, alterações que podem ser notadas mesmo antes de desen-
naqueles pacientes com polimorfismo genético do citocromo
volver-se a cirrose. Essas alterações podem progredir de forma P450 2 e l.
mais pronunciada naqueles pacientes que persistem na ingestão
Nesse processo, encontram-se envolvidos as citocinas pró-
de álcool, mesmo na ausência de hepatite alcoólica.
inflamatórias, tais como interleucina l, fator a. de necrose tu-
moral e interferona y, mediadores solúveis, que também in-
• Cirrose hepática terferem no estresse oxidativo, geração de radicais livres de 0 2
Embora as consequências adversas da ingestão de álcool se- e de malonaldeldo, além da secreção de proteína l a partir de
jam provocadas por quantidades extremamente variadas desse monócitos (MCP-1, ou monocyte chemoattractant protein-1).
agente lesivo, tóxico, relatos descrevem que, para chegar à cir- Uma síntese desses mecanismos que levam a que o álcool atue
rose, seria preciso um aporte diário de 180 g de etano! por um como cocarcinogênico, iniciador, promotor e responsável pela
período de 25 anos, evolução observada em cerca de 8- 20% progressão maligna entre etilistas crônicos está exposta no Qua-
desses etilistas, sendo a quarta causa de morte, nos países oci- dro 67.3.
dentais, entre 25 e 64 anos de idade. Nesses, as lesões pré-malignas expressam-se por modifi-
O mecanismo patogenético é complexo. Alguns atribuem cações genômicas focais, mais frequentes quando presentes
importância à deficiência de colina e metionina, mas suplemen- corpúsculos de Mallory e modificações das células ovais ori-
tações maciças dessas substãncias, a animais de experimentação, ginárias nos espaços portais após longa exposição ao etano!.
não impedem que se desenvolvam as lesões próprias da DHA. Indefinição ainda ocorre com relação às mutações observadas
Mais recentemente, demonstrou-se atenuação da fibrose he- no gene p53 nos nódulos regenerativos desses pacientes, sa-
pática álcool-induzida em babuínos previamente tratados com bendo-se que são mais comuns naqueles com cirrose causada
lecitina. Por outro lado, aceita-se que fibroproliferação hepática, pelas infecções dos vírus das hepatites B ou C, potencialmen-
visível na zona 3, depende de fatores solúveis liberados pelos te responsável pelas lesões neoplásicas que vêm a apresentar
macrófagos, com hiperexpressões de FNTa, IL-1, IL-6, lL-8, fa- mais tardiamente.
tor de crescimento derivado de plaquetas e prostaglandinas. São No caso específico do vírus da hepatite B, alguns autores
eles os responsáveis pela ativação de produtos intermediários confirmam essa associação, enquanto outros a negam. Esse de-
de Ov coparticipantes do processo lesivo. Os doentes evolui- sencontro nos resultados das pesquisas faz com que se exija
rão obrigatoriamente com alterações imunológicas humorais, uma mais precisa investigação sobre o assunto. No entanto,
apresentando hipergamaglobulinemia policlonal, imunecom- tem-se definido atualmente que, na integração aos hepatóci-
plexos circulantes e frações reduzidas do complemento. Do tos desse agente viral, ocorre a produção da proteína AgHbx,
ponto de vista imunecelular, apresentam baixa de linfócitos Te a qual participa assim da hepatocarcinogênese nesses infec-
CD8• circulantes, assim como menores atividades supressoras tados, evolução que é mais frequentemente observada entre
de células K e de NK. Nesses pacientes, o processo de agressão fumantes crônicos.
ocorre de forma difusa, levando à instalação de fibrose, havendo Também tem sido observada, entre alcoólatras, uma elevada
conversão da arquitetura parenquimatosa normal para forma- prevalência do anticorpo antivírus da hepatite C, existindo, nes-
ção de nódulos regenerativos, gerando distinção em: I. micro-
ses pacientes, uma clara correlação entre os desenvolvimentos
nodular, conhecida como portal, septal difusa ou de Laennec,
de cirrose e CHC, e ingestão e consumo diário de etano!. Essa
com os nódulos sendo menores de 3 mm de diâmetro, confe-
evolução é provavelmente relacionada com a ação mutagênica
rindo aspecto granular e superfície do ligado; 2. macronodu-
lar ou pós-necrótica, com nódulos maiores de 3 mm separados induzida pela proteína core que se encontra presente no geno-
ma desse agente vira!.
por espessas faixas de fibrose, gerando retração volumétrica do
parênquima; 3. mista, em que coexistem pequenos e grandes Nesses pacientes, o CHC se apresenta histologicamente bem
nódulos. Em qualquer das formas de apresentação, existe rege- definido. Assim, aquele bem diferenciado se expressa por den-
neração ativa, comprimindo o parênquima circundante, com sidade celular aumentada e fino padrão reticular ou glandular,
veias hepáticas mantendo contato com septos. Fazem parte e esteatose. Por sua vez, aquele moderadamente diferencia-
desse quadro as presenças de esteatose, colestase e siderose. A do assume padrão trabecular, com hepatócitos eosinofilicos,
hipertrofia mitocondrial traduz-se pelo aparecimento de he- núcleos redondos e exibindo nucléolos distintos e citoplasma
patócitos oncocíticos. Não são infrequentes achados típicos eosinoffiico, enquanto o pobremente diferenciado tem padrão
de "displasia de pequenas células", quando agrupamentos de sólido, não trabecular, proporção maior núcleo-citoplasma e
hepatócitos ultrapassam três células de espessura. Não é raro células gigantes mono ou multinucleadas. Já no tipo indiferen-
que depósitos de ferro sejam identificados, assim como cor- ciado, as células malignas proliferam obedecendo a um padrão
púsculos de Mallory e infiltrados inflamatórios. sólido ou medular.
Copftufo 67 I Doença Hepdt/co Alco61/ca 7 45
- -T -
Quadro 67J Álcool na hepatocardnogênese: ativação einativação de pró-carcinógenos

Akool Alcool
~ ~
Merilação ll

Alcool

Iniciação Promoção Progressão

AOH • Alcool desldrogenase; ALOH =Aldeído desidrogenase; CYP 2 e 1 = Orocromo P4SO 2 e 1; CHC •
Carcinoma hepatocelular.

nutricional da dieta, ou da aumentada demanda metabólica


• ASPECTOS TERAPEUTICOS induzida pelo álcool. A esses fatores, associa-se sfndrome de
má absorção, na dependência de agressão direta da mucosa
A melhor terapêutica para um alcoolista é parar de beber,
intestinal pelo álcool e de eventual insuficiência pancreática.
não existindo medicamento que possa reverter progressão da
A reposição nutricional adequada proporcionará redução da
DHA caso o paciente não interrompa o hábito etllico. Com-
morbidade e melhorará a atividade funcional do parénquima
prova-se o efeito bené.fico da abstinencia ao se demonstrar que
hepático. Exige-se suplementação de minerais traços, incluin-
aqueles que adotam esse comportamento melhoraram histo- do vitaminas A, D, tiamina, folato, piridoxina e zinco. Aqueles
logicamente, t~m reduzida a pressão portal, diminuem a pro- inapetentes e não colabora tivos deverão ser conduzidos via ali-
gressão para a cirrose e são maiores os lndices de sobrevida em mentação por sonda nasoenteral durante, pelo menos, 30 dias,
qualquer dos estados em que se encontram. Essas mudanças envolvendo 2.000 kcal/dia ou, inclusive, oferta de suplementos
já se identificam aos 3 meses, em cerca de 66% dos pacientes. por via parenteral. Resultados dessas opções são discutíveis,
A essa atitude, deve-se associar uma suplementação dietética com alguns descrevendo maior tipo de sobrevida, enquanto
composta por baixo teor de gordura insaturada, maior ingesta outros negam essa melhor evolução.
proteico-calórica, oferta de polienilfosfatidilcolina. Atuando-se Experimentalmente, em ratos, têm sido observados efeitos
dessa forma, promovem-se: 1. redução do estresse oxidativo; 2. benéficos quando eles são nutridos com óleos vegetais poli-
melhora do balanço nitrogenado; 3. bloqueio do processo infla- insaturados (soja, girassol, milho e caroço de algodão). Teriam
matório da necrose hepatocelular, promovendo melhora fun. função na promoção de dessaturação e transformação de ácido
cional do parênquima e das provas bioquímicas, com reduções araquidônico, predominante entre os fosfolipldios das mem-
da fibrose e da mortalidade. Essa evolução é menos represen- branas plasmáticas. No que diz respeito à cirrose, nota-se efei-
tativa em pacientes do sexo feminino, preocupando também a to adverso quando o consumo é maior em poli-insaturados.
comprovação de que mesmo naqueles submetidos à terapêutica Estes são responsáveis pela hiperprodução de radicais livres,
comportamental de suporte ou sob tratamento com naltrexone que estão implicados no fenômeno de lipoperoxidação. Em tal
ou nalmefene, opioides antagonistas, os índices de recidivismo situação, torna-se necessária a suplementação de S-adenosil-
ao fim de 1 ano atingem 67 a 81% desses pacientes. L-metionina, por meio do uso de proteínas do ovo, carne e
queijos. Promove-se, assim, maior oferta de glutation, capaz de
proteger o hepatócito de produtos tóxicos exógenos ou endó-
• HEPATITE ALCOOUCA genos. Desse modo, interfere-se nas reações de transmetilação,
protegendo as mitocôndrias da agressão exercida pelo etano! e
Em tomo de 25 a 5096 dos pacientes hospitalizados por he- seus metabólitos. A redução na produção de IL-I e FNT é obtida
patite alcoólica encontram-se desnutridos, em geral ingerindo pela administração de ácido linoleico, abundante em peixes.
menos de 200 kcal por dia. Isso ocorre seja por se encontra- Também bloqueio dessa tendência evolutiva pode ocorrer
rem anoréticos, seja como decorrência direta do baixo valor por meio da administração de fármacos que controlem e supri-
746 Capftulo 67 I Doença Hepática Alco6/ica

mama inflamação do fi gado, reduzam a formação de colágeno, Baseando-se na experiência de condução de pacientes com ar-
estimulem a regeneração hepatocitária e interrompam o proces- trite e doença de Crohn, esses etilistas têm sido conduzidos com:
so de agressão imunologicamente mediada. Esses objetivos são 1. pentoxifilina VO, um inibidor de fosfodiesterase inibidor de
dificeis de conseguir, sobretudo naqueles doentes com fibrose síntese de TNFa e outras citocinas, reduzindo em 40% a morta-
acentuada e arquitetura intra-hepática seriamente danificada, lidade hospitalar daqueles assim conduzidos, porém cursando
mas com alguns merecendo considerações. com maior incidência de slndrome hepatorrenal, causa de 50%
das mortes verificadas em estudo cllnico randornizado.
Mais recentemente, têm sido conduzidos com infliximabe,
• Corticosteroides anticorpo anti-TNF monoclonal quimérico, na dose de 5 mgl
Experiência com esses fármacos data de 39 anos. Assim é kg associada a 40 mgldia de prednisona, cotejados com aque-
que, em 1971, se desenvolveu um estudo controlado com o se- les conduzidos apenas pelo corticosteroide. Foram incluídos
guinte desenho da intervenção terapêutica realizada. apenas aqueles graves pacientes com HA e escore MDF entre
Prednisolona: 40 mg IV/10 dias, com início da redução 32 e 55, sem interferência no lndice de mortalidade. Dose am-
4 mg!dia/1 semana, 2 mgldia/11 dias e, finalmente, 2 mg pliada para 10 mglkg em estudo francês cotejado com pacien-
cada 3 dias/15 dias. Conclui-se mortalidade de 55% (6/ 11) ver- tes tratados com prednisona (40 mg/dia/4 semanas), sem que
sus 77% (7/0) com placebo. houvesse reversão do quadro evolutivo, precipitando infecções
Desde então, mais 13 desses estudos randomizados foram graves. Essa mesma limitação ocorreu com aqueles com esco-
conduzidos, até o ano de 1997, envolvendo 664 pacientes com re MELD > 15 tratados com etanercepte com índice maior de
hepatite alcoólica. Resumo das conclusões pode ser identifica- mortalidade aos 6 meses.
do no Quadro 67.4.
Mais recentemente, tem sido proposto que aqueles com es-
core MDF > 32 (Quadro 67.2), sem hemorragia digestiva alta,
• Terapêuticas alternativas
infecção ativa, pancreatite ou insuficiência renal, sejam con- .,. ESTEROIDES ANABOLIZANTES. Melhorando-se o balanço
duzidos valendo-se de prednisolona (40 mgldia/4 semanas, nitrogenado, estimula-se o anabolismo, contribuindo-se para
reduzida essa dose então por mais 2 a 4 semanas). Autores re- correção da desnutrição e supostamente promovendo-se rege-
velaram que 84,6% dos tratados sobrevivem, evolução obser- neração hepática, sendo administrados sob forma de oxandro-
vada em 65% dos conduzidos pelo placebo. São de risco maior lona (80 mg/dia/30 dias) ou testosterona micronizada, também
aqueles com escore MDF > 54 tratados com esteroides. Assim VO (200 mg/3 vezes/semana). Est udo revisional da Cochrane
conduzidos, visa-se a bloquear os mecanismos imunológicos de não demonstrou efeitos evolutivos benéficos no que diz respeito
perpetuação da doença, reduzir a formação de colágeno do tipo à sobrevida de 6 meses, sendo elevados os índices de trombose
I, melhorar o apetite e estimular a síntese de albumina. portal, contraindicando o seu emprego naqueles com HA .
.,. COLCHICINA. Administrada na dose de 1 mgldia, VO, bus-
ca inibir a produção de colágenos, ampliar a atividade da cola-
• Propiltiouracila (PTU) genase hepática, ao mesmo tempo em que inibe inflamação e
O metabolismo oxidativo do álcool induz a acentuada hi- proliferação fibroblástica. Estudos randornizados do Veterans
poxia centrolobular, em consequência do maior consumo de Affairs e revisional da Cochrane evidenciaram resultados nega-
oxigênio. Esse quadro hipermetabólico é maior nos hepatopatas tivos no que diz respeito à melhora da sobrevida de pacientes
com anemia ou com insuficiência pulmonar, e acentua-se logo com DHA assim conduzidos.
após a suspensão da ingestão alcoólica. :f; possível bloquear e .,. ANTIOXIDANTES. A produção de radicais livres de oxi-
reverter esse processo, em alguns pacientes, com a adminis- gênio promotores de lipoperoxidação ocorre na dependên-
tração de propiltiouracila em diferentes esquemas: 300 mgldia cia de atuações de diferentes sistemas enzimáticos, tais como,
durante 46 dias, 300 mgldia durante 90 dias, ou 300 mgldia CYP2E1 da cadeia respiratória rnitocondrial, xantina oxidase e
durante 180 dias. aldeído oxida se citosólicas. Assim geradas, ligam-se covalente-
mente a proteínas, formando neoantígenos e gerando resposta
anticórpica especlfica. Tenta-se inibir essa evolução agressiva
• Terapia anticitocinas valendo-se da administração de vitaminas A, E, selênio, alopuri-
Baseia-se em dados cünicos e laboratoriais, os quais enfati- nol, desferrioxamina e nacetilcisteína, sem ampliar a sobrevida
zam que portadores de DHA cursam com hiperexpressão do daqueles com HA grave.
TNFa, IL-6 e TGF~, cerca de 25% deles com células TCD8• Nesse item, tem importância S-adenosil-1-metionina, uma
ativadas. O bloqueio dessas moléculas funcionalmente desre- forma ativada da metionina que desempenha papel na transa-
guladas tem sido proposto com o uso de terapia anticitocinas minação e transulfuração, visando a promover metabolismo de
especlficas, na tentativa de restaurar o sistema imunológico. fosfolipídios com equillbrio funcional de membranas plasmá-

.,._ ticas dos hepatócitos. Funciona como doador de radical meti!


voltado a reações bioquímicas, envolvendo metilação do DNA .
Administrado a pacientes com DHA, na dose de 1.200 mgldia,
Quadro 67.4 Sumário crítico dos 14 estudos controlados cotejado com placebo, proporcionou maior sobrevida dos pa-
com corticosteroides entre 1971 e1982 (Porter et o/., 1971; cientes ao fim de 24 meses de tratamento, excluindo-se desse
Ramond et o/., 1972) estudo controlado pacientes CHILD-PUGH C. Náuseas e diar-
reia são os efeitos colaterais mais relatados .
I . Critérios d iferentes de inclusão e exclusão .,. FLAVONOIDES. São dois, a silimarina (silibinina) e o cia-
2. Doses e populações variadas, dispares nidanol-3, removedores de radicais livres de oxigênio e estabi-
3. Diferentes métodos de avaliações estatisticas lizadores de membranas biológicas. Avaliados a longo p razo,
4. Alguns mostraram melhora da sobrevida; outros a negam
comprovou-se que eles não foram capazes de ampliar a sobrevi-
da daqueles assim conduzidos. Porém, alguns autores afirmam
Capftufo 67 I Doença Hepática Alco61/ca 7 47

EnfatiZar abstinência t- Avaliar e lr1ltar Alguns autores acreditam que as limitações do TxF, nesse tipo
COIIlOf'bidades de paciente, baseiam-se nos seguintes motivos: 1. eles sofrem
+ não apenas de doença hepática, mas também cursam com com-
Necessidade de fânnacos
estad•adores e reguladores
de condiÇOes emocionais
e psiquiátricas
!
Estad1ar doença hepática
prometimento cerebral, miocardiopatia, deficiências vitamíni-
cas múltiplas e anormalidades da musculatura. Caso essas al-
terações estejam presentes e sejam clinicamente significantes,
~ ! ! devem contraindicar o procedimento; 2. cerca de 50-75% dos
Esteatose hepática I
Hepatite
alcoólica
J 1 Fibrose
Cirrose
pacientes não conseguem inter romper definitivamente a in-
gestão de álcool. Para aqueles compensados que permanecem
~ ~
~
abstinentes, a sobrevi da ao fim de 5 anos é de 90%, reduzindo-
I Avaliação e intervenção nutricional se para 70% nos que continuam a ingesta
Diante da gravidade da doença, com quadro evolutivo even -
! ~ tualmente dramático, aconselhamos o transplante de ligado
ManipulaçAo tannacológica para os seguintes pacientes: 1. os que evoluem com DHA, forma
Dieta hiperproteica 1. Cort100sterotdes descompensada, sobretudo quando já se encontram abstêmios
ReposiÇão vitaminas, 2. Pr~•ltiouraCII pelo período de 6a 12 meses; 2. os que nunca se submeteram a
3. AnU itOCinas
micfonutrlentes 4 . Esterotdes anaboliZantes tratamento antialcoolismo e apresentam surtos de hemorragia
5. ColchiCina digestiva alta, ascite refratária, síndrome hepatorrenal, sindro-
6. Antioxidantes me hepatopulmonar, peritonite bacteriana espontânea e/ou en-
! + cefalopatia; 3. os residentes em regiões onde há maior disponi-
bilidade de órgãos e não existam, na fila, candidatos portadores
I Considerar estudos controlados I
de doenças com melhor prognóstico pós-operatório, tais como
~ + cirrose biliar primária ou colangite esclerosante primária, por
I Manipular consequências -complicações J ocasião da doação do f(gado; 4. os que desenvolvem carcinoma
~ + hepatocelular. Considerando a população com HA, o lndice
de complicações, no pós-operatório imediato do transplante,
I Considerar transplante de trgado J sobretudo as infecciosas, é maior do que o observado entre
Figura 67.1 Algoritmo terapêutico proposto para manuseio a longo não alcoolistas, mas o resultado a longo prazo assemelha-se
prazo de pacientes com doença hepática alcoólica. ao observado em portadores de cirrose de etiologia não alco-
ólica. Exige-se no pós-operatório que prossiga toda a assisttncia
emocional e de apoio empregada no pré-operatório, e certa-
mente demandará o uso de drogas como naltrexone e outras
que tais fármacos são capazes de melhorar ou bloquear o apare- ainda em avaliação, visando a impedir a recidiva do alcoolismo
cimento de alguns sintomas e melhorar as provas que definem no pós-operatório. Essa preocupação se prende à constatação
agressão hepatocelular, referendando-se que existe risco maior de que o índice de recidivismo se situa entre ll e 49% ao fim
de cursarem com anemia hemolítica quando conduzidos pela de 3 e 5 anos, reforçando-se que, assim conduzidos, mesmo
administração do cianidanol-3. aqueles em vigência de hepatite alcoólica não têm sua evolução
Experimentalmente, tem-se demonstrado que a adminis- agravada após o implante do novo enxerto.
tração dessa lecitina poli-insaturada a babuínos promove o se-
guinte: I . atividade antioxidante, prevenindo a peroxidação
lipídica; 2. atenua depleção de glutatião; 3. bloqueia a preci- • LEITURA RECOMENDADA
pitação da fibrose e acentua a atividade da colagenase; 4. pro-
Bass, NM. Conttoveny. Uver uansplantation for H CC: 1'\uhing the envelope
move reconstituição e estabilização da membrana plasmática beyond Cimente crlterla; Con. Em: Wright. TI., Rocky, DC (ed.). Uva Dl-
dos hepatócitos. Administrada a cirróticos VO, valendo-se de wut from Bmát to &dsld.t. AASLD, Boston; 2004, p. 18 3.
soja, encerrando elevadas quantidades de dilinoleoil fosfatidil- Bode, JC. Assessment o(the m-ertibility and treatmmt of alcoholic Uvtr disease.
colina, não se mostrou capaz após 24 meses de administração r, r,
Em: 1\uji. Higuhi, Zmiya. M, Mcytt zum Büschenfelde. KH (ed.).
da reversão da fibrose hepática que esses pacientes com DHA Mol«ular BúJ/ogy and lmmunology in Htpatology. Amsterdam, Eluvier
Sdence, p. 183, 2002.
apresentavam. Boetticher, NC. Peine. C), Kwo, P ti al. A ramdomiud, double blianded, plau-
Falência dessas medidas e evolução para insuficiência hepá- bo-controlled multlunter trials ofEtanercepte in lhe treatment of alcoholic
tica ou sinais de hipertensão, tradução de instalação de cirrose hepatlt'IS. Gasrrwnterology, 2008; 135:1953-60.
envolvem, sobretudo, conduzir o manuseio de suas compli- Brechot, C, Nalpas, B, Courouce, AM et ai. Evfdence tha[ hepathls B vlrus has
cações ou voltar-se a esse manuseio. Entre elas, é importante a role in Hver c:ell earctnomaln alcoholie llver dl...,ase. N Engl J Mtd, 1982;
306:1384-7.
destacar ascite, sindrome hepatorrenal, peritoníte, hemorragia Brulx. }. Treatment of hepatoceUular carcinoma. Em: Wrlght, TL, Rocky, DC
digestiva e encefalopatia portossistêmica, as quais merecerão (ed.). Uver Dl$taSt: from Btnát ro &dsidt. AASLD, Boston; 2004, p. 172.
considerações em capítulos específicos deste livro. Essa rea- Buffet, C. Le r61e de I~ d'alcool dans le risque de clrrhose chez les malades
lidade se mostra enfatizada no algoritmo voltado à proposta arrcinu d'hemocromato.e g~n~lque. ~ Med, 2002; 31:1255-6.
Burra, P & Lucey, M.R. Uver transpb.ntation alcobol related u..,. dlse&K (de-
teraptutica a longo prazo de pacientes com doença hepática llbentdy) starrlng a hornet's nest! Gu4 2006; 55:1529- 31.
alcoólica (ver Figura 67.1). Coldl, A, Garcla-Rulz, C. Miranda. M. <1 aL Selective glutathlo~ d<pletlon of
mitochondrla by <thanol acnsltypes hepatoeytes to rumor necrools tUtor.
GastTOn<ttrology,1998; 115:1541 -51.
• TRANSPLANTE DE FfGADO (TxF) Fargion, S. Fracanzl, AJ., Plperno, A <1 ai. Prognostie f.tetors Cor hepatocdlulu
carcinoma in genetlc hemochromatosis. Hepawlogy, 1994; .20:1426-31.
Forrest, EH, Evms. CO/, Stewut, S ti al. Analysis oífactors predietiveo( mortal-
Devem ser conduzidos a essa forma de tratamento os pacien- ity In aleoholic hepatltls and derivation and validation of Glasgow alcohollc
tes que não responderam às opções terapêuticas aqui expostas. bepatitis s.:ore. Gut, 2005; 51: 1174·9.
7 48 Capftulo 67 I Doença Hepática Alco6/ica

Forrest, EH, Morris, AJ, Stewart, S et a/. The Glasgow akoholic hepatitis Morto, A, Patcl, K, Bastrom, A et a/. Risks of a range ofalcohol intake on hcpa·
scorc idcntifics paticots who may bcncfit from corticostcroids. Gut, 2005; titis C- rclated fibrosis. Hepatology, 2002; 38:826·34.
51:1743·6. Naveau, S, Chollet-Martin, S, Dharancy, S et a/. A double-blind randornized
Geissler, M, Gesien, A, Wands, JR. Molecular mechanism of hepatocarcino· controlled trial of inflivimab associated with prednisolone in acute alcoholic
gcncsis. Em: Okuda, K, Tabor, E (od.). Liver Cancer, Nova York. Churchill hepatitis. Hepatology, 2004; 39:1790-7.
Livingstonc, 1997; p. 59. Noruke, N, Michika, K, Onji, Meta/. HBV-DNA hybridization in hepato-
Halstcd. CH. Role of nutrition in thc trcatmcnt of alcoholic tiver discasc. Em: cellular carcinoma associated wilh alcohol in Japan. J Mtd Viro/, 1989;
Arroyo, V, Bosch, J, Burgucra, M, Rodés, J, Sánchcz·Tapias, JM. Treatment 28:189-92.
ofLiver Disease. Barcelona, Masson, p. 221·31,1999. O'Shea, RS, Dasarathy, S, McCullough. AJ. Alcoholic tiver disease. Hepawlogy,
limuro, Y. Gallucci, RM. Lustcr, Ml et aL Antibodics to tumor nccrosis factor 2010; 51:307-28.
alfa attenuate hepatic necrosis and inflammation caused by chronic exposure Oz.turk. M. Genetic aspccts of hcpatoccllular carcinogenesis. Se.min Li ver Dis,
to cthanol in thc raL Hepawlogy. 1997; 26:1530-7. 1999; 19:235·42.
lp, EWK & Fong, Y. Hepatocellular carcinoma- Current surgical management. Paris, A & Caballeria, J. Treatment of alcoholic hepatitis. Em: Arrnyo, V. Forns,
Em: Arroyo, V, Forns, X. Garcia-Pagán, JC, Rodes, J (od.). Progress in the X, Garcia-Pagán, JC. Rod~s. J (ed.). Progress it1 the Treatment ofLiver Vise-
Treatment of Li ver Diseases. Barcelona, Ars Medica, p. 297; 2003. ases. Barcelona, Ars Modica; 2003, p. 265.
Kuper, H, 'Iionou, A, Kaklarnan~ E et ai. Tobacco smoking, alcohol consump· Pessione, F, Rarnond, MJ, Peters, L et a/. Five year survival predictive factors
tion and their interaction in lhe causation ofhepatoccUular carcinoma. Int in patients wilh excessive alcohol intake and cirrhosis: effect of alcoholic
I Cancer, 2000; 498-502. hepatitis, smoking and abstinencc. Liver In4 2003; 23:45·53.
Lieber, CS. New prospects for lhe treatment of alcoholic liver disease. Em: Porter, HP, Simon, FR, Pope, CE et ai. Corticosteroid lherapy in severe alcoholic
Arroyo, V, Bosch, J, Burguera, M, Rodés, J, Sánchez-Tapias, JM. Treatment hepatitis. A double-blind drug trial N Eng I Med, 1971; 71:311-21.
ofLiver Disease. Barcelona, Masson, p. 243-57, 1999. Ramond, MJ, Poynard, T, Rueff, B et ai. A randomizcd trial of prednisolone in
Louvet, A, Dia%. E, Dharancy, S, Coevolt, H et ai. Early switch to pentoxifyline patients with severe alcoholic hepatitis. N Eng I Med,1992; 326:507-12.
in patients wilh severe alcoholic hepatitis is inellicie.n t in non-responder Schenker, S & Martin, RR. Treatment alcoholic liver disease. Em: Arroyo, V,
to corticosteroid. I Hepatol, 2008; 18:455-70. Bosch, J, Burguera, M, Rodés, J, Sánchez-Tapias, JM. Treatmtnt of Liver
Luccy, MR. Alcoholic liver disease and transplantation. Em: Arroyo, V, Bosch, Disease. Barcelona, Masson, p. 207-19, 1999.
J. Brugue.ra, M. Rodés, J, Sanchez-Taplas, JM. Tr~tme.nt of Liver DiJ~. Seitz, HK, Preedy, VR, Põschl, G. Antioxidants in the treatment ofalcoholic liver
Barcelona, Masson, p. 183, 1999. disease. Em: Arroyo, V, Bosch, J, Burgue.ra, M, Rodés, J, Sánchez-Tapias, JM.
Mackie, J, Grooves, K, Hoyle. A et al. Orthotopic liver transplantation for alco- Treatmtnt ofUvtr Di.stase. Barcelona, Masson. p. 233-7, 1999.
hollc liver disease: a rerrospecdve anaJysis of survival, recidivism and risk Shaw Jr, BW Controversy. Liver transpl.antation for HCC. Gerting back on t.ra-
factors predisposing to reddivism. Líver TranJPlant. 2001; 7:418-27. ck: Transplantatíon for hepatoma. Em: Wríght, TL, Rocky, DC (od.). Liver
Malhurin. P. Is alcoholic hepatitis an lndication for liver transplantation? Curr Dis.aso: from Bench to Bedslde. AASLD, Boston; 2004, p. 177.
management and outcomes.. Liver Transpl. 2005; 11: S21-S24. Shira.ishi, M, Hiroyasu, S, Nagahama, Metal. Charac-teristics ofhepatocellular
Mato, JM, Caballeria, J, Câmara, J et a/. Treatment of alcoholic liver disease with S. carcinoma in patients with negative virus markers: clinicopathologic study
adenosylmethionine. Em: Arroyo, V. Bosch, J, Burguera, M, Rodés, J, Sánchez. of resected tumors. World I Surg, 1999; 23:301-5.
Tapias, JM. TTMtment ofUver Diseast. Barcelon~ Masson, p. 239-42, 1999. Srisurapanont, M & Jarusuraisin, N. Opioid antagonist for alcohol dependence.
McCiain, CJ. Barve, S) Barve. S et at. Thmor necrosis factor and alcoholic tiver Cochrane Data base Syst Rtv, 2005; CD.001867.
disease. Alcohol Clín Exp Res, 1998; 22:2485-525. Stickel, F, Schuppan, D, Hahn, EG, Seltz, HK. Cocarelnogenic effect of aleohol
McCullough, AI & O'Connor, JFB. Alcoholic liver disease.: proposed recom- In hepatocareínogenesis. Gut, 2002; 51:132-9.
mendations for lhe American College of Gastroenterology. Am J Gastro- Swpahr, L, Rubbia-Brandt, L, Frossar, JL et a/. Combination of steroids wilh
enterology, 1998; 93:2022-36. inJliximabe or placebo in severe alcoholic hepatitis: a randomizod controUed
Menon, KY, Stadheim, L, Karnath, PS et ai. A pilot study of lhe safety and toler· pUot study. 1 Hepato!, 2002; 37:418-55.
ability ofetanercept in patients with alcoholic hepatitis. Am I Gastroenterol, Tarnburro, CH & Lee, HM. Prlmary hepatic cancer in aleoholics. Clin Gastro-
2004; 99:255-160. entero~ 1981; 10:157-77.
Miguet, M, Monnet, E, Vanlemmens, C et a/. Predictive factors of alcohol relapse Veldt, BJ, Laine, F, Gulllygomarc'h, A tt al. Indicatlons ofliver transplantation
after orthotopic liver transplantation for alcoholic liver disease. Gastroen- in severe alcoholic Hver cirrhosis: quantitative evaluation and optimal tim-
terology CUn Blol, 2004; 28:845-51. ing. I Hepato~ 2006; 36:93-8.
Mookerge, RP, Tig, H, Wiliarns, R, Jalan, R. Inlliximabe and alcoholic hepatitis. Yamauchi, M, Nakahara, M, Mae-awa, Y et ai. Prevalence ofhepatocellular car·
Hepatology, 2004; 40:499-500. cinoma in patients with alcoholic cirrhosls and prior exposure to hepatitis
Morgan, TR & French, SW. AlcohoUc liver disease. Em: Bacon, BR, O'Grady, C. Am I Ga.stroentero!, 1993; 88:39-43.
JG, Di Bisceglie, AM, Lake, IR (ed.). Comprehensive Clinicai Hepatology. Zenerman, RK. Uver transplantation for alooholic tiver disease. C/in Liwr Dis,
Londres: Mosby Elsevier 2006. p. 311. 2005; 9:171 -81.
68 Doença Vascular do Fígado
Aécio Flávio Meirelles de Souza, Kátia Valéria Bastos Dias Barbosa,
Fábio Heleno de Lima Pace e Lincoln Eduardo Vil/ela Vieira de Castro Ferreira

• INTRODUÇÃO • SfNDROME DE BUDD-CHIARI


O fígado é ricamente vascularizado, o que o torna pouco A síndrome de Budd-Chiari (SBC) agrupa um conjunto de
vulnerável aos distúrbios circulatórios; no entanto, quando isso alterações anatômicas e fisiológicas decorrentes da obstrução
ocorre, as manifestações clinicas podem apresentar-se de ma- total ou parcial das veias hepáticas ou do segmento terminal
neira variável, dependendo dos vasos sanguíneos envolvidos, da da veia cava inferior, desde sua parte intra-hepática até o átrio
extensão da lesão hepática e da deficiência da perfusão hepática. direito, sendo a trombose o principal mecanismo responsável
As doenças vasculares que acometem o ligado, com exceção da pela obstrução.
trombose de veia porta em pacientes cirróticos, são eventos re- A obstrução do fluxo de saída venoso hepático pode ser clas-
lativamente raros em sua maioria. Este fato concorre para que sificada de acordo com sua localização: veias hepáticas de pe-
as melhores evidências sobre diagnóstico e tratamento dessas queno calibre, veias hepáticas de grande calibre, veia cava in-
doenças sejam embasadas em estudos de coortes prospectivos ferior e as combinações posslveis. São excluldas as doenças do
sobrepondo-se a estudos cllnicos randomizados. pericárdio e a insuficiência cardlaca congestiva. A SBC pode ser
A importância da abordagem adequada das doenças vascula- subdividida em primária - quando relacionada com doenças
res hepáticas recai sobre a significante morbimortalidade re- venosas intrínsecas, tais como trombose e flebite, e secundária
sultante de erros e atrasos no diagnóstico acurado, o que im- - quando causada por compressão ou invasão extrlnseca, por
plica perda do tempo oportuno para se iniciar a terapêutica exemplo tumores, abscessos e cistos.
apropriada.

• Etiologia
• ETIOLOGIAS A trombose venosa em geral ocorre quando vários fatores
As principais etiologias das hepatopatias causadas pelas altera- são combinados: fatores pró-trombóticos herdados ou adqui-
ções circulatórias do fígado estão relacionadas no Quadro 68.1. ridos, outros fatores trombofilicos e fatores locais.
As principais etiologías da SBC estão listadas no Qua-
dro 68.2.
A SBC está associada a fatores trombofilicos em cerca de 75
- - - -T a 85% dos casos, e mais raramente com fatores locais. As desor-
Quadro 68.1 Principais causas das doenças vasculares do figa do dens mieloproliferativas são responsáveis por 35 a 50% dos ca-
sos, síndrome antifosfolipídica por 20%, deficiência de proteína
Síndrome de Budd·Chiari C (lO a 20%), fator V de Leiden (25 a 30%) e hemoglobinúría
Síndrome de obstrução sinusoidal (doença veno-ocluslva) paroxlstica noturna por 5%. Atualmente, a pesquisa de estados
Insuficiência cardíaca congestiva pró-trombóticos associados a SBC e outras doenças vasculares
Hepatite lsquêmica hepáticas não deve ser negligenciada. No Quadro 68.3, estão
Trombose da veia porta listados os principais fatores de risco trombogênicos e sua fre-
Pel~ hepática quência na SBC e na trombose de veia porta.
Aneurisma e trombose da artéria hepática A SBC é mais frequente no sexo feminino, e o uso de est.róge-
Fistulas arterioportais intra-hepáticas nos, contraceptivos orais e a gravidez podem desencadear o seu
Infarto hepático desenvolvimento, embora, em geral, um fator pró-trombótico
Doença hepática induzida por radiação
possa coexistir. A doença mie.loproliferativa latente ~ respon-
Malformações vasculares congênitas
sável por uma fatia importante de casos de trombose rotulados
previamente como idiopáticos. A obstrução membranosa da
749
7 50 Capftulo 68 I Doença Vascular do Ffgado

---------------· ---------------
Quadro 68.2 Principais causas da sfndrome de Budd-Chiari
veia cava inferior é rara no Ocidente, sendo frequente no Japão,
na lndia e na África. Sua origem é controversa, sendo de natu-
reza congênita para alguns, mas o inicio da sintomatologia em
Obstrução não tu moral das VH e/ou da VCI tomo da quarta década de vida e suas características patológicas
Doenças mleloproliferatívas são mais sugestivos de uma causa pós-trombótica.
Hemoglobinúria paroxística noturna
Deficiência de antitrombina 111, p roteína C ou p roteínaS • Fisiopatologia
Mutação do fator V de leiden- Mutação do fator 11- Mutação gene
G20210A
A obstrução aguda das veias hepáticas determina dilatação
sinusoidal, sufusões hemorrágicas e necrose hepatocitária, pre-
Síndrome do anticorpo antifosfolipidico dominantemente na região centrolobular. As manifestações
Anticoagulante lúpico clínicas devem-se à aumentada pressão sinusoidal e à dimi-
Anticorpo antlcardiolipina nuição da perfusão sanguínea sinusoidal. Nos casos crônicos,
Doença de Behçet as lesões se mostram menos intensas, acompanhadas de fibro-
Gravidez
se centrolobular, podendo com a evolução observar-se cirro-
se hepática constituída. Em geral, não há homogeneidade das
Contraceptivos orais
lesões através do fígado, sugerindo que o processo ocorra por
Outros medicamentos: ciclofosfamida, dacarbazina e vincristina etapas sucessivas. Frequentemente, há hipertrofia compen-
Obstrução tu moral das VH e/ou da VCI satória do lobo caudado, em virtude de a circulação fazer-se
Carcinoma hepatocelul ar
principalmente através das veias hepáticas acessórias, que vão
Câncer renal
diretamente deste segmento hepático à veia cava inferior. Esta
hipertrofia pode levar a uma estenose e até a uma obstrução
Câncer de supra-renal da veia cava inferior.
liomiossarcoma da veia cava inferior

Obstrução extrínseca das VH e/ou da VCI • Manifestações clínicas


Tumores hepáticos
A slndrome de Budd-Chiari tem um espectro de apresen-
Cisto hidático, equinococose alveolar
tação clínica muito variável, refletindo o grau da obstrução e a
Abscesso amebiano, abscesso hepático velocidade desta. Acomete mais comumente as mulheres, geral-
Doença policistica mente na terceira ou quarta décadas de vida, podendo ocorrer,
Hematomas traumático ou espontâneo entretanto, em criança ou idoso. É assintomática em cerca de
25% dos casos, sendo descoberta por elevações das aminotrans-
Más formações do VCI
ferases ou por alterações ultrassonográficas. Podem ocorrer dor
Obstrução membranosa e febre que se relacionam com quadro de pilellebite aguda. Em
VH - veia.s hepáticas. virtude da hipertensão sinusoidal, há importante congestão si-
VCI- veia cava inferior. nusoidal centrolobular determinando hepatomegalia doloro-
sa, hipertensão portal aguda e maciça formação de asei te, com
insuficiência renal funcional. Em geral, a doença manifesta-se

·-
bruscamente, com a tríade clássica: dor abdominal, hepatome-
galia e ascite. Icterícia discreta, hipotensão arterial e oligúria
são dados frequentes. Esplenomegalia pode desenvolver-se em
Quadro 68.3 Prevalência de fatores de risco trombogênicos em uma metade dos pacientes.
Em muitos casos, a slndrome se apresenta com um quadro
série de casos de pacientes rotineiramente pesquisados com trombose de
clínico de cirrose hepática, sendo a manifestação principal a
veia porta (TVP) e síndrome de Budd-Chiari (SBC) hipertensão portal, com desenvolvimento de ascite, circulação
colateral e, eventualmente, esplenomegalia. A ascite é de dificil
Fatores de risco TVP SBC
controle, e evolução para óbito pode ocorrer devido às compli-
Doenças mieloproliferativas 30-40% 40-50% cações da hipertensão portal.
Síndrome antifosfolípide 6-19% 4-25% A trombose das veias hepáticas é associada à trombose da
Hemoglobinllria paroxistica noturna 0-2% 0-4%
veia cava inferior em cerca de 20% dos casos e com oclusão da
veia porta em 15%. Na obstrução da veia cava inferior, há acen-
Doença de Behçet 0-31% 0.33%
tuado edema de membros inferiores e formação de circulação
Mutação do fator V de leiden 6-32% 6-32% colateral tipo cavo-cava. Nas obstruções membranosas da veia
Mutação do fator 11 14-40% 5-7% cava inferior, pode haver instalação de carcinoma hepatocelu-
Deficiência da proteína C 0.26% 10-30% lar, cujo mecanismo é ainda obscuro.
Deficiência da protefna S 2-30% 7-20% As bilirrubinas séricas elevam-se tardiamente, mas podem
atingir valores importantes. As aminotransferases situam-se,
Deficiência de antitrombina 0.26% 0.23%
em geral, acima de 5 vezes o limite superior da normalidade e,
Deficiência de plasminogênio 0-6% 0-4% mesmo, acima de 20 vezes. Os fatores de coagulação mostram-
Gravidez recente 6-40% 6-12% se muito diminuídos, em geral abaixo de 50% dos valores nor-
Uso recente de anticoncepcional oral 12% 6-60% mais e em geral inferiores a 30%. A análise do liquido asdtico
Hiper-homocisteinemia 12-22% 37% é útil para o diagnóstico, pois, embora apresente um gradiente
Genótipo TT677 MTHFR 11-50% 12-22%
de albumina> 1,1, tem alta taxa proteica, maior que 2,0 g!f., e
com celularidade inferior a 500 células/mm.
Capftulo 68 I Doença Vascular d o Ffg ado 7 51

• Diagnóstico
Baseia-se na comprovação da obstrução da drenagem venosa
hepática e na avaliação das consequências dessa obstrução sobre
o parênquima hepático. Para tanto, é necessário um alto índice
de suspeição, pois as manifestações clínicas e laboratoriais são
inespeclficas. Pode ser definido com técnicas de imagem não
invasivas, cuja acurácia depende das características clínicas,
duração da doença e localização do coágulo.
.. Ultrassonografia com Doppler colorido. .e o teste de
diagnóstico por imagem mais útil para a pesquisa da slndrome
de Budd-Chiari, com sensibilidade de 85 a 95%. Sinais indiretos
como ascite, hipertrofia do segmento I e modificações hepáticas
variáveis, tais como hepatomegalia nas formas agudas e atrofia
hepática nas formas crônicas, podem ser demonstrados com
este método. A imagem direta dos obstáculos venosos, trom-
bose em particular, raramente é demonstrada. Dados mais es-
peclficos incluem:
Figura 68.1 Sfndrome de Budd..Chiari: trombose da veia he~tica
• dificuldade para visualizar a junção das veias hepáticas direita. Veia ázigos ectasiada. (Cortesia do Dr. Giuseppe 01ppolito -
com a veia cava inferior; UNIFESP- EPM.)
• anomalias das veias hepáticas, como: espessamentos, tor-
tuosidades, estenoses ou dilatação de suas paredes;
• fluxo sanguíneo lento ou abolido nas veias hepáticas ou
um fluxo invertido ou turbulento, e pela demonstração
de veias hepáticas colaterais.
.. Tomografia computadorizada/anglotomografia. Mos-
tra imagens especificas da perturbação da cinética intrapa-
renquimatosa do meio de contraste, associadas às alterações
morfológicas do ligado, em especial hipertrofia do segmento I.
Observa-se opacificação não homogênea do parênquima hepá-
tico, em especial na sua periferia, enquanto a região peri-hilar
e o segmento I se realçam de maneira homogênea, podendo
ser hiperdensos em relação à periferia, que se realça pouco.
Ocasionalmente, podem-se identificar trombos hiperdensos
na veia cava inferior ou nas veias supra-hepáticas. Ascite está
quase sempre presente (Figuras 68.1 a 68.3) .
.. Ressonância magnética. Tem uma sensibilidade e espe-
cificidade de 90%. Demonstra alterações como hepatomegalia,
redução no calibre ou não visualização das veias hepáticas, es-
treitamento luminal da veia cava inferior intra-hepática e ascite. Figura 68.2 Sfndrome de Budd..Chiari: trombose de veias hep~ticas
e hiperuof~a do lobo caudado. (Cortesia do Dr. Giuseppe D'lppolito-
O sinal do parênquima é heterogêneo, estando aumentado na UNIFESP - EPM.)
fase aguda nas sequênàas em T2 e reduzido nas sequências em
Ti e T2 nas fases subaguda e crônica. O realce pós-contraste
é heterogêneo. Pode ainda evidenciar vasos colaterais intra-
hepáticos.
.. Venografia. Permanece ainda o teste de maior sensibili-
dade para o diagnóstico da síndrome de Budd-Chiari. Permite
demonstrar as alterações das veias hepáticas, como obstrução
ou estenoses, e ainda a circulação colateral intra-hepática, a qual
se apresenta com aspecto de "teia de aranha", o que é bastante
característico. No entanto, com o desenvolvimento constante de
novas técnicas de imagem, a venografia tem sido reservada para
os casos em que os testes não invasivos não confirmam o diag-
nóstico e, principalmente, para o planejamento terapêutico.
.. Blopsla hepática. .e um importante procedimento, prin-
cipalmente na forma aguda e subaguda da doença, quando o
diagnóstico não puder ser confirmado pelos meios propedêu-
ticos anteriores. Há congestão centrownal, necrose e áreas de
hemorragias. A cirrose é encontrada nas formas crônicas da
síndrome. .e de grande utilidade prognóstica, pois pacientes
com cirrose definida se beneficiarão pouco das técnicas de re- Figura 68.3 Sfndrome de Budd..Chiari: trombose tumoral da VCI. Realce
vascularização quando comparados àqueles com predomínio heterogêneo do parênqulma he~tico por inver~o do ftuxo portal.
de congestão hepática, sem lesões mais importantes. Deve ser (Cortesia do Dr. Gluseppe D'lppolito - UNIFESP- EPM.)
752 Copftulo68 I Doença VosculordoFfgodo

ressaltado ainda que o processo trombótico por vezes não en- octreotídio (Sandostatin•), deve ser seletivo, pois a pro-
globa todas as veias e, assim, as lesões histológicas podem ser longada diminuição do fluxo sanguíneo esplâncnico in-
focais ou segmentares. duzida pelo sangramento, associada à ação vasoconstriti-
va destes medicamentos, pode provocar a recorrência do
processo trombótico ou aumentar a sua extensão.
• Diagnóstico diferencial • Na profilaxia do sangrarnento por ruptura das varizes
Este é, sobretudo, feito com: esôfago-gástricas ou do ressangrarnento, devem ser uti -
lizados ~-bloqueadores não seletivos como propranolol
• insuficiência cardíaca direita; (Inderal• ) em dose fracionada, pela manhã e à noite. O
• pericardite constritiva; objetivo é manter a frequência cardíaca em níveis entre
• metástases e doença infiltrativa envolvendo o flgado; 56 e 60 pulsações por minuto, ou reduzir os batimentos
• doença hepática granulomatosa; em 25% do basal., sem provocar hipotensão arterial.
• doença hepática veno-oclusiva.

• Tratamento • Abordagem da condição trombótica de base


O racional para a correção da desordem trombótica de base
Os objetivos do tratamento são prevenir a progressão da é a redução do risco da extensão da trombose, evitando sua pro-
trombose, promover a desobstrução venosa e preservar a função pagação para um território ainda não afetado dentro da área
hepática, com a erradicação da congestão centrolobular. As prin- esplâncnica, preservar a circulação colateral e reduzir o risco do
cipais medidas terapêuticas são mostradas no Quadro 68.4.
desenvolvimento de trombose em território extraesplâncnico.
~necessária a compreensão da importância dos fatores trom-
• Tratamento clínico bofílicos basais e o uso da anticoagulação precoce. Em relação à
• Ascite trombose do sistema venoso hepático, a evidência de beneficios
~ tratada pelos meios habitualmente utilizados nos porta- com a anticoagulação é ainda mais convincente. Os principais
dores de hepatopatias crônicas, com dieta hipossódica e uso argumentos a favor são: a alta prevalência de condições trom-
de diuréticos. Em geral, estes pacientes evoluem com ascite bóticas de base, que são sabidamente controladas com anticoa-
de diflcil controle, sendo necessário o emprego de paracente- gulação, e o aumento na sobrevida, com a sua utilização.
ses repetidas, associadas a expansores plasmáticos, preferen-
temente albumina humana, para preservação e normalização • Medicamentosantlcoagulantes
da função renal. As principais medidas terapêuticas anticoagulantes empre-
gadas são a heparina, na fase mais precoce, e os antagonistas
• Hemorragia digestiva devido àhipertensão portal da vitamina K, a longo prazo.
• Durante o sangramento ativo, o tratamento endoscópi-
co com ligadura elástica (preferencialmente) das varizes • Heporioo
esofágicas ou esclerose destas é o de eleição. O uso de A heparina não fracionada é empregada na fase mais preco-
drogas vasoativa.s, como a terlipressina (Glipressin• ) e o ce, especulando-se, atualmente, que a de baixo peso molecular
possa ser empregada com maior eficiência e com menor ris-
co de complicações (como plaquetopenia) em pacientes com
função renal preservada. O objetivo é manter, na fase inicial,
T o tempo de tromboplastina parcial ativada (TIPA) entre 1,5 e
Quadro 68.4 Medidas terapêuticas na síndrome de Budd-Chiari 2,5 em relação ao controle.
Na prática clJnica, a heparinização deve ser iniciada e man-
Tratamento clinico tida da seguinte forma:
Manutençio do estado geral .,. HEPARINA NAO FRACIONADA (LIQUEMINE* 5.000/m t). A
Controle da ascite heparinização deve ser feita endovenosamente, com uma dose
Dieta hlpossódica de ataque seguida por infusão contínua São possíveis dois es-
Diur~tkos quemas: um com doses baseadas no peso do paciente, outro com
Paracenteses
doses empfricas (mais simples e com resultados satisfatórios).
Heparinização com doses baseadas no peso do paciente:
Controle da Insuficiência renal funcional
Uso de antlcoagulantes • Dose inicial de 80 ulkg, endovenosa
Uso de fibrlnolftlcos • Infusão continua de 18 u/kglh
Tratam•nto radiológico
• Dose ajustada segundo resultado de TIPA colhido a
cada 6 h:
Angioplastla com ou sem colocação de próteses
- ITPA < 1,2- novo bolus de 80 ulkg IV, aumento da
Anastomose lntra-hepática transjugular (TIPS)
infusão contínua em 4 ulkglh;
Trat.mento cirúrgico - ITPA entre 1,2 e 1,5 - novo bolus de 40 u/kg, aumento
DerivaçJo portocava laterolateral da infusão em 2 u/kglh;
DerivaçJo mesentérico<ava - ITPA entre 1,5 e 2,3- manter a infusão sem alterações;
DerivaçJo mesentérico-atrial - ITPA entre 2,4 e 3,0- redução da infusão contínua
Derivação ponocava laterolateral com shunr cavoatrial em2u/kglh;
Membranotomla transatrial - ITPA acima de 3,0- interrupção da infusão continua
por 1 h, seguida de redução da infusão contínua em
Transplont• h•p,tico
3 u/kglh.
Capitulo 68 I Doença Vascular do F/gado 153

Após dois resultados de TTPA na faixa tera~utica, o exa- A duração da anticoagulação está diretamente relacionada
me passa a ser realizado a cada 24 h. Se o TTPA sair da faixa com a reversibilidade da causa trombótica de base, sendo, na
tera~utica, retoma-se para o esquema anterior. maioria das situações. prolongada e definitiva. Vale ressalta.r o
Heparinização com doses empíricas: estudo de Murad et al., abrangendo 171 pacientes, que obser-
vou maior tendencia no aumento da sobrevida com a anti coa-
• Dose inicial de 5.000 u endovenosa;
gulação no grupo de pacientes com melhor prognóstico no
• Infusão contínua de 1.250 u/h;
momento do diagnóstico. Pacientes mais graves se beneficia-
• Dose ajustada segundo o resultado do TTPA colhido a
ram, principalmente, de procedimentos invasivos ou tiveram
cada 6 h: evolução desfavorável independentemente do tratamento com
- TIPA < 1,2- novo bolus de 5.000 u IV, aumento da
anticoagulação.
infusão continua em 250 ulh;
- TTPA entre 1,2 e 1,5- aumento da infusão contínua
em 250u/h; • Medicamentos trombolíticos
- TTPA entre 1,5 e 2,3- manter a infusão sem alterações;
Medicamentos trombolíticos como estreptoquinase e uro-
- TTPA entre 2,4 e 3,0- redução da infusão contínua quinase, entre outros, também têm sido usados, de modo lo-
em250u!h; cal e sistêmico, embora sua eficácia a longo prazo seja a.inda
- TTPA acima de 3,0 - interrupção da infusão contínua
incerta. Os melhores resultados são atingidos com trombólise
por I h, seguida de redução da infusão continua em
local, seguida de angioplastia ou colocação de próteses metálicas
250 ulh. para manutenção da patência da veia recentemente trombosa-
Após dois resultados de 'ITPA na faixa tera~utica, o exame da. Devem ser reservados para as formas agudas da slndrome,
passa a ser realizado a cada 24 h. Se o TTP A sair da faixa tera- pois, nas formas crônicas, os !rombos já se encontram forma-
~utica, retoma-se para o esquema anterior. A heparina deve ser dos e não respondem a este tipo de terapia. Quando utilizados,
mantida por um mínimo de 5 dias e não deve ser suspensa até deve-se ter em mente que procedimentos invasivos devem ser
que sejam atingidos níveis adequados de anticoagulação oral. evitados, incluindo a paracentese, pelo risco de sangramento,
Sugestão de preparo da solução de infusão de heparina: o que dificulta mais o seu emprego.
• Soro glicosado 5% - 250 ml
• Heparina standard - 5 ml (25.000 u) • Tratamento por radiologia intervencionista
• I mt (= 20 gotas ou = 60 microgotas) = 100 u
Consiste na angioplastia, isolada ou com a colocação de pró-
Em caso de sangramento importante, o antídoto é o sul- teses metálicas. e nas derivações portossistêmicas intra-hepáti-
fato de protamina. Cada I mg de protamina reverte 100 u de cas transjugulares (TIPS).
heparina. A dose usual é de 50 mg de protamina em infusão Angioplastia - tem sido usada para estenoses que envolvem
venosa de 10 min. segmentos curtos das veias hepáticas por via transcutânea. Ain-
"' HEPARINA DE BAIXO PESO MOLECULAR. Já existem estudos da que uma melhora imediata da obstrução possa ser obtida,
comprovando a eficácia e a segurança de se tratarem tromboses a recidiva é comum. A colocação de próteses metálicas após a
venosas profundas com heparina de baixo peso molecula.r, com angioplastia tem tido sucesso em 80 a 90% dos casos. A inserção
a vantagem da ausência de necessidade de monitoramento da de prótese na veia cava inferior pode aliviar a compressão exer-
dose pelo TTPA, sendo ajustada a dose padronizada de acor- cida pela hipertrofia do lobo caudado, podendo ser seguida, se
do com o peso do paciente. Seu emprego deve ser evitado em necessário, de cirurgia de derivação. A dilatação com balão das
pacientes com função renal comprometida, sendo esta a sua veias hepáticas também pode ser efetiva em alguns pacientes,
maior limitação. embora geralmente múltiplas dilatações sejam necessárias.
Posologias das heparinas de baixo peso molecular: Anastomose portossistêmica intra-hepdtica transjugular
(TIPS) - o objetivo de sua realização é produzir a descom-
Heparina Posologia pressão do segmento hepático congesto, mas apresenta um alto
Nadroxiparina 225 ulkg/dia, subcutânea de 12/12 h índice de obstrução a médio prazo. Seu uso é de grande uti-
(Fraxiparina•) (cada 0,3 cc = 3.075 unidades) lidade na obstrução aguda das veias hepáticas, melhorando a
Enoxiparina (Clexane*) 2 mg/kg/dia, subcutânea, de 12/ 12 h função hepática e atuando como suporte para um tratamento
(cada 0,2 cc - 20 mg) definitivo.
Dalteparina (Fragmin• ) 200 u!kgldia, subcutânea, de 12/12 h
(1 ampola - 10 ml =10.000 unidades) • Tratamento cirúrgico
O objetivo do tratamento cirúrgico é restaurar o fluxo veno-
• Antagonistas da vitamina K so hepático, promovendo a descompressão do flgado. Existem
A anticoagulação a longo prazo é feita com os antagonistas várias técnicas cirúrgicas descompressivas. Sua escolha depende
da vitamina K - varfarina; (Marevan41 5 mg). Este é iniciado
da permeabilidade da veia cava inferior, frequentemente com-
ainda sob o uso da heparina, que é mantida até ser obtido tempo prometida pela hipertrofia do lobo caudado, sendo necessário o
de protombina eficaz, suficiente para produzir anticoagulação,
estudo angiográfico e hemodinâmico pré-operatório. As prin-
medido pelos valores do RNI, que deve ser mantido entre 2 e 3. cipais opções cirúrgicas são:
Em caso de prolongamento do tempo de protombina com RNI
acima dos níveis terapêuticos desejados. pode ser empregada a • derivação portocava laterolateral;
vitamina K. Em caso de hemorragia grave, pode ser utilizado o • derivação mesentérico-cava;
complexo protrombínico total humano (Prothromplex-~) ­ • derivação mesentérico-atrial;
dose 0,6 x o aumento desejado da atividade de protrombina x • derivação portocava laterolateral com shunt cavoatrial;
peso corporal em kg, associado ou não ao plasma fresco. • membranotomia transatrial.
7 54 Capftulo 68 I Doença Vascular do Ffgado

Os resultados globais do tratamento cirúrgico em 5 anos são Este algoritmo é baseado em evidências atuais que têm su-
bons, com sobrevida em torno de 85%. No entanto, a mortali- porte em dois ensaios cllnicos prospectivos - Birmingham, na
dade peroperatória chega a atingir 25%, nos melhores centros. Inglaterra. e Clichy, na França. Nestas coortes, a sobrevida mé-
Muitos fatores estão relacionados com o sucesso do tratamento dia atingiu 85% em 5 anos. Resumidamente, consiste em:
cirúrgico, tais como a natureza da doença subjacente, exten- • Medidas de anticoagulação, tratamento da causa de base
são da fibrose ou a presença de cirrose. O tratamento anticoa- e terapêutica sintomática para as complicações: hiperten-
gulante está indicado após a cirurgia, para evitar a trombose são portal, hemorragia digestiva e ascite;
do shunt, o que ocorre em torno de 38% dos casos, estando • Busca sistemática por estenoses e/ou tromboses venosas
ligado à duração da doença, existência de cirrose e ao tipo de de curta extensão, potencialmente elegíveis para angio-
derivação cirúrgica. plastialpróteses;
Todos os pacientes que se recuperam e mantêm estabilidade • Em pacientes não eleglveis ou com insucesso na angio-
após desenvolvimento da SBC devem ser monitorados para o plastialprótese, a inserção de TI PS deve ser considerada;
surgimento de tumores (incluindo hepatocarcinoma) e trans- • Em pacientes não respondedores a TIPS, o transplante
formação da doença proliferativa de base. hepático deve ser a opção, assim como, precocemente,
para os pacientes em insuficiência hepática fulminante.
• Transplante hepático
Está indicado nas formas fulminantes da sindrome de Budd- • TROMBOSE DA VEIA PORTA
Chiari, naqueles pacientes que se apresentam com cirrose hepá-
tica estabelecida, ou nos casos de falha do tratamento cirúrgico, ~ uma causa pouco frequente de hipertensão portal, sendo
apresentando 70% de sobrevida em 5 anos. Tem a vantagem, devida a um obstáculo localizado na veia porta, levando ao au-
ainda, de promover a cura de várias patologias trombogênicas, mento da pressão no território portal, o qual é transmitido à
como a deficiência de proteína C, Se antitrombina lll, já que o veia esplênica, determinando esplenomegalia. A obstrução da
figado transplantado produz normalmente essas substâncias. veia porta e suas tributárias (TVP) pode estar relacionada com
a invasão ou compressão tumoral ou ser ocasionada por fenô-
• Evolução menos trombogênicos. Progressivamente, pode ocorrer apare-
cimento de neovascularização circulando o obstáculo, denomi-
A evolução é fatal em muitos casos, mas, recentemente, com nada cavemoma ou transformação cavernomatosa da porta, e
a introdução precoce do tratamento anticoagulante e novas que se desenvolve 1 a 12 meses após o inicio da obstrução.
medidas de atendimento médico intensivo, o prognóstico tem O infarto mesentérico é a mais grave complicação da trom-
melhorado. Em muitos casos, pode haver melhora das altera- bose porta, desenvolvendo-se quando o diagnóstico é tardio e os
ções hepáticas, embora a ascite geralmente perdure, com neces- arcos venosos mesentéricos estejam trombosados. O diagnóstico
sidade do uso de expansores plasmáticos rotineiramente, para precoce e a rápida terapia anticoagulante provocam a repermea-
tratamento da insuficiência renal funcional. A recuperação he- bilização do sistema venoso em 2/3 dos casos, o que parece pre-
pática completa pode ocorrer, mas, geralmente, há instalação de venir o infarto mesentérico e mesmo a hipertensão portal.
doença hepática crônica descompensada. Um algoritmo para a Clinicamente, a TVP pode manifestar-se como duas enti-
abordagem da sindrome de Budd-Chiari, baseado em proposta dades distintas: TVP aguda e 1VP crônica, que representam
recente (Diretrizes AASLD, 2009), é sumarizado a seguir. estágios sucessivos de uma mesma doença e que compartilham
causas similares, porém diferem na sua abordagem.
A trombose venosa portal é devido a problemas multifato-
ALGORITMO PARA ABORDAGEM DA SINDROME DE BUDD.CHIARI riais, estando os principais relacionados no Quadro 68.5.
Síndrome de Budd.Chlari

Hepatomegalia dolorosa- Asoíle subita- Fator ltombogênico? • Fisiopatologia


DiagnóstiCO por ultrassonografia com Doppler ou ressonância magnética No início da obstrução aguda da veia porta, há poucos danos
hepáticos devido à compensação feita pelo aumento do fluxo
Tratamento da asclte. da Insuficiência renal, da hipertensão arterial do figado. O sofrimento intestinal está relacionado com
portal portosslstêmlca
a extensão da trombose na parte proxirnal do sistema venoso
Apresentação portaL O envolvimento das veias mesentéricas é associado a
I congestão intestinal, isquemia e infarto, que pode evoluir com
L
Aguda
l
CrOnlca
peritonite.

I I
• Manifestações clínicas
!
Estável
l
Fulminante:
L
Reserva
l
Cirrose A 1VP atinge tanto adultos como crianças, e é assintomá-
clinicamente Encefalopatia hepátíca descompensada tica em 50% dos casos, sendo diagnosticada tardiamente, já
Coagulopatia satisfatória
após instalação do cavernoma portal. As manifestações típicas

1
Anliooagulaçllo O
Angioplasba
Transplante
hepátoco
1
DenvaçliO
portosslstêmíca
I
TIPS+
Transplante
ocorrem em 20% dos pacientes e desenvolvem-se rapidamen-
te com: febre, dor abdominal com irradiação para o dorso, e
lleo paralltico, sem defesa abdominaL Frequentemente, é des-
coberta devido ao sangramento das varizes esofágicas, por es-
TIPS - Derivação hepático plenomegalia, ou de maneira fortuita. Os exames laboratoriais
portOSSlslêmíca demonstram um quadro de resposta inflamatória sistêmica,
Copftufo68 I Doença Vosculordoffgodo 755

---------------~--------------- reforço periférico na fase arterial e ausência de visualização da


Quadro 68.5 Principais causas de trombose da veia porta veia porta. Por outro lado, uma transformação cavemomatosa
em geral indica uma trombose antiga. No caso de realce intenso
Estado s trombogênicos no interior do trombo, deve-se suspeitar de trombo tumoral.
Doença mieloproliferativa primária Sinais indiretos de trombose incluem shunts arterioportais e
Síndrome do anticorpo antifosfol ipídico alterações transitórias na perfusão hepática.
Hemoglobinúria paroxística noturna • Ressonância magnética. As sequências sensíveis a fluxo
Deficiência de antitrombina 111, proteína C, proteína S são úteis para o diagnóstico, identificando o trombo e, por ve-
zes, a circulação colateral. Pode-se ainda diagnosticar a trom-
Mutação do fator V de leiden
bose por meio de angiorressonância.
Mutação do fator 11 G202 1O
• Arteriografia com esplenoportografia de retorno. Só
Hiper-homocisteinemia
é útil em determinadas situações ou no pré-operatório para
Uso de anticoncepcionais visualizar no tempo venoso a situação da trombose e da cir-
Gravidez e pós-parto culação colateral.
Neoplasias
Estados inflamatórios
• Tratamento
Onfalite neonatal, diverticulite, apendicite, colangite, pancreatite,
abscesso hepático, úlcera duodenal, doenças inflamatórias intestinais Tem como objetivo tratar ou evitar a hemorragia digestiva
Lesão cirúrgica do sistema venoso portal e debelar a causa da trombose, quando possível. A terapêutica
Derivação portocava, esplenectomia, TIPS, coleclstectomia,
da hemorragia digestiva é basicamente a mesma da hipertensão
gastrectomia, hepatectomia parcial, transplante hepático portal de origem intra-hepática. No entanto, a diminuição do
fluxo sanguíneo esplâncnico, devido ao sangramento e ao trata-
Neoplasia s de ó rgãos a bdominais
mento vasoconstritor, pode aumentar o efeito da trombose no
Carcinoma hepatocelular, câncer de pâncreas
sistema venoso portal e precipitar uma isquemia intestinal.
Miscelânea Na fase aguda, o uso de anticoagulantes deve ser instituído,
Cirrose terminal, hiperplasia nodular regenerativa, quimioembolização, para limitar a extensão da trombose e permitir a repermeabi-
esderoterapia,linfadenite tuberculosa, akoolização de tumores lização da veia porta, o que é obtido em 80% dos casos. O tra-
hepáticos, candidíase. actinomicose
tamento anticoagulante deve ser feito por pelo menos 6 meses
e mantido se a causa trombogênica não puder ser removida.
O único dado reconhecido atualmente como preditivo para
recanalização da trombose é a extensão do trombo dentro do
mas as hemoculturas são negativas em geral, embora em 20% sistema porta. Em pacientes sem recanalização da veia porta, a
haja manifestações clássicas de septicemia com culturas sanguí- anticoagulação permanente parece evitar novas tromboses do
neas positivas, em geral para bacterioides. Em 10% dos casos de sistema porta sem aumentar o risco ou a gravidade de hemor-
trombose portal aguda, o diagnóstico é feito tardiamente, já no ragia gastrintestinal. Ainda não existe consenso a respeito da te-
estágio de infarto mesentérico. Nestes casos, após manifestações rapêutica anticoagulante para aqueles pacientes com trombose
de dor abdominal persistente, seguem-se lleo paralltico franco antiga. Trabalhos recentes têm sugerido que os anticoagulantes
e hemorragia intestinal e, por vezes, defesa abdominal e líquido podem ser usados com segurança em um grupo restrito de pa-
livre na cavidade abdominaL Acidose metabólica, insuficiência cientes com cavemoma portal, levando em consideração: o risco
renal funcional, ou mesmo necrose tubular aguda e síndrome de de sangramento associado à idade do paciente. Este tratamen-
angústia respiratória podem estar presentes. As provas funcio- to deve ser feito, em geral, naqueles com menos de 50 anos de
nais hepáticas na ausência de cirrose encontram-se normais. idade, com história de tromboses anteriores e presença de um
fator protrombótico. Antibioticoterapia é indicada nos casos
de pileflebite séptica e a drenagem cirúrgica do foco infeccioso
• Diagnóstico deve ser realizada.
Deve ser suspeitado nos casos de dor abdominal, septicemia As experiências relatadas na literatura com outras modali-
de origem abdominal, hemorragia digestiva por hipertensão dades terapêuticas (tromboembolectomia cirúrgica, trombólise
portal, descoberta fortuita de esplenomegalia ou varizes eso- local ou sistêmica e a inserção de TIPS), no tratamento da TVP
fágicas. A confirmação é feita por técnicas de imagem, as quais aguda, são extremamente limitadas. Não obstante, comparados
devem obedecer a um cronograma de custo benefício. com a anticoagulação isolada, os procedimentos invasivos pare-
• Ultrassonografia com Doppler colorido. Permite um cem não ser mais efetivos e, paralelamente, mostram-se menos
diagnóstico acurado, sendo um meio não invasivo e o mais sim- seguros. Nos casos de infarto mesentérico, intervenção cirúrgica
ples para o diagnóstico. Pode demonstrar presença de material do segmento envolvido deve ser feita com presteza.
ecogênico na luz da veia porta, com expansão do seu calibre, ou
ausência de fluxo no seu tronco. Além disso, em certos casos,
há evidência de formações anoveladas ao redor da veia porta, • Evolução
características da transformação cavernomatosa. O exame com A repermeabilização espontânea da trombose raramente
Doppler colorido permite demonstrar ausência de fluxo venoso ocorre. A formação do cavernoma portal com desenvolvimento
mesmo quando o trombo não é visível ao ultrassom. de hipertensão portal é o usual. O desenvolvimento de abscesso
• Tomografia computadorizada/angiotomografia. ~ hepático frequentemente complica a evolução. Isquemia intes-
mais útil para avaliar o provável tempo de formação do !rom- tinal localizada pode ocorrer, com formação de fibrose e este-
bo. Ele é considerado recente, com menos de 10 dias, quando nose intestinal. O tratamento cirúrgico do infarto intestinal e
um material hiperdenso é visível dentro da luz da veia porta. A da peritonite é ainda associado a taxas de mortalidade elevadas,
fase de contraste venoso mostra uma aumentada atenuação do em cerca de 50% dos casos.
7 56 Capftulo 68 I Doença Vascular do Ffgado

taxas séricas das bilirrubinas são fatores de mau prognóstico,


• SfNDROME DE OBSTRUÇÃO SINUSOIDAL com evolução fatal elevada.
A síndrome de obstrução sinusoidal (SOS), antes conheci-
da como doença veno-oclusiva, caracteriza-se pela presença de • Diagnóstico
edema e fibrose subendotelial das veias centrolobulares, pro-
Baseia-se, principalmente, nos dados clínicos. Após trans-
vocando obstrução progressiva das vênulas intra-hepáticas,
plante de medula óssea, dois ou mais dos seguintes eventos,
dilatação sinusoidal e atrofia dos hepatócitos.
ocorrendo dentro de 20 dias, têm sido empregados para esta·
belecer o diagnóstico (Critérios de Seattle):
• Etiologia • bilirrubina sérica superior a 2 mgldl ;
Embora com manifestações clinicas semelhantes àquelas • hepatomegalia dolorosa;
da síndrome de Budd-Chiari, difere desta pela permeabilida- • ganho ponderai, por acúmulo de líquido, superior a 5%
de das veias hepáticas de grosso calibre e principalmente pela do peso basal.
sua etiologia. As principais causas da SOS são apresentadas no Na forma aguda, a ultrassonografia abdominal com Doppler
Quadro 68.6. é útil para afastar uma obstrução trombótica das veias hepáticas
ou da veia cava inferior. A tomografia computadorizada mos-
• Patogenia tra as mesmas alterações de perfusão do parênquima hepático
encontradas na síndrome de Budd-Chiari. A biopsia hepática,
A alteração vascular básica é a lesão do endotélio das vênulas quando as condições de coagulação permitem, pode ser de gran-
hepáticas, causada pela sua destruição direta ou pela inflama- de utilidade. Há fibrose sinusoidal e perivenular, assim como
ção dele, produzindo edema e necrose das paredes venulares, esclerose subendotelial.
com obliteração não trombótica e fibrose do vaso. Há dilatação
sinusoidal, sufusões hemorrágicas e necrose dos hepatócitos,
predominantemente na região centrolobular. A fibrose estende- • Tratamento
se da porção terminal das vênulas até os sinusoides. Arquitetura ~essencialmente de suporte clínico, não havendo terapia
anormal com recanalização das veias e colestase centrolobular específica. Algumas opções incluem infusões de heparina, de
são dados proeminentes nas lesões crônicas. fatores ativadores de plasminogênio ou de prostaglandinas. En-
tretanto, os efeitos colaterais têm limitado o uso destas substân·
cias. T rabalhos encorajadores têm sido encontrados com o uso
• Manifestações clínicas do defibrotídio, uma substância com atividade antitrombótica
A manifestação aguda da doença ocorre, em geral, 2 a 4 se- e fibrinolítica. O emprego de TIPS pode produzir a melhora da
manas após a exposição ao agente tóxico. Há aparecimento de doença hepática e renal, mas a sobrevida a longo prazo é rara.
dor abdominal, ascite, hepatomegalia e icterícia, com progressão O transplante hepático tem sido empregado, principalmente
para cirrose nos pacientes não tratados. As aminotransferases nos casos devidos à intoxicação por alcaloides pirrolidizíni-
encontram-se elevadas e é frequente a presença de insuficiên- cos, em virtude da extensa fibrose encontrada no momento
cia renal. O rápido ganho de peso e o aumento importante das do diagnóstico. Na ausência de terapêutica efetiva, tratamen-
tos profiláticos têm sido propostos, ainda em ensaios clínicos,
utilizando-se ácido ursodesoxicólico, pentoxifilina e infusões
contínuas em baixa dose de heparina após transplante de me·
... dula, apresentando resultados promissores .
Quadro68.6 Fatores etiológicos da síndrome de obstrução sinusoidal

Alcaloides pirrolizidínicos • MANIFESTAÇÕES HEPÁTICAS DECORRENTES


Ingestão acidental de plantas do gênero Crotalaria
DA INSUFICIENCIA CIRCULATORIA
Cereais contaminados
Plantas medicinais: confrei, ervas chinesas A disfunção hepática é uma consequência da insuficiência
Quimioterapia e imunossupressores cardfaca aguda ou crônica, e a frequência e a importância do
Azatioprina, 6-mercaptopurina, nitrosoureia, bussulfan, ciclofosfamida, envolvimento hepático estão intimamente relacionadas com
6-tioguanina, dacarbazina, vincristina a gravidade da insuficiência circulatória. As lesões hepáticas
Irradiação hepática podem ser devidas ao aumento da pressão venosa secundário
Dose superior a 12 Gy à insuficiência cardíaca direita, levando à congestão hepática,
ou em virtude da diminuição do débito cardíaco, produzindo
Preparação para transplante de medula óssea isquemia.
Radioterapia+ quimioterapia
Medica mentos e toxinas
Vitamina A. contraceptivos orais, danazol, arsênico, inseticidas • OFfGADO NA INSUFICIENCIA
Injeção intra·arterial de FUDR
Doença hepática prévia
CARDfACA CONGESTIVA
Doença hepática alcoólica, hepatites Be C. cirrose criptogenética A insuficiência cardíaca congestiva produz estase venosa e
FUOR- S fluoro-2 deoxiuridina. retenção de líquidos, com consequente congestão hepática, he-
patomegalia e alterações laboratoriais não específicas.
Copftufo68 I Doença Vosculordoffgodo 757

• Etiologia
Todas as afecções cardíacas que determinam aumento da
pressão venosa central podem ser responsáveis. Geralmente, o
fígado congesto está associado à estenose mitral ou à pericar-
dite constritiva. Outras causas são enumeradas, tais como cor
pulmonale crônico, cardiomiopatias hipertensivas, cardiopatias
dilatadas e cardiomiopatias isquêmicas. A doença cardíaca de
origem reumática, com estenose mitral e insuficiência tricús-
pide, é responsável por congestão hepática importante.

• Fisiopatologia
O fígado está aumentado de tamanho, apresentando cor
púrpura e superfície lisa. O aumento da pressão venosa central
é responsável pela dilatação das veias supra-hepáticas, ocasio-
nando dilatação das veias centrolobulares e dos sinusoides, pro-
duzindo, assim, aumento da pressão portal e esplenomegalia.
Há sufusões hemorrágicas e necrose hepatocitária na região
Figura 68.41nsuficiência cardíaca congestiva com derrame pericárdico
centrolobular, edema e esteatose dos hepatócitos da região me-
e ectasia da VCI e veias hepáticas.
diolobular, enquanto aqueles situados na região periporta são
poupados. Quase sempre, existe uma fibrose predominante em
região centrolobular e, raramente, uma cirrose se instala.

• Manifestações clínicas e laboratoriais


As manifestações clínicas da insuficiência cardíaca conges-
tiva predominam na maioria dos pacientes, mais do que as da
doença hepática. Dor no quadrante superior direito do abdo-
me, hepatomegalia e sinais de insuficiência cardíaca congestiva
são frequentes. O refluxo jugular é dado importante, embora
inconstante, e a expansão sistólica do fígado é observada em
casos de insuficiência tricúspide grave.
A icterícia é discreta e ocorre em 70% dos casos, sendo mais
importante nas cardiopatias graves. Esplenomegalia é encon-
trada em cerca de 40% dos casos, mas outras manifestações de
hipertensão portal em geral estão ausentes, exceto na cirrose
cardíaca grave assodada à pericardite constritiva. Estes pacien-
tes podem apresentar ascite de grau moderado, CASA normal e
com alto teor proteico, mas outros estigmas de doença hepática
crônica raramente são encontrados.
Os exames laboratoriais são normais ou pouco alterados.
As bilirrubinas elevam-se moderadamente, geralmente em ci- Figura 68.5 Grande dilatação daVCI e veias hepáticas, por fístula ilíaco-
fras inferiores a 3 mg!d(, com predomínio da fração não con- cava, com insuficiência cardíaca congestiva.
jugada. As aminotransferases estão normais ou discretamente
aumentadas, em 5 a 30% dos pacientes, situando-se entre 2 e
4 vezes o valor máximo da normalidade, na maioria das vezes
com predomínio da fração aspartato (AST) sobre a alanina- A biopsia hepática não é fundamental para o diagnóstico,
aminotransferase (ALT). O tempo de protrombina está ligei- além de apresentar alto risco de provocar hemoperitônio.
ramente alargado em 80% dos casos, enquanto a fosfatase alca-
lina e a gamaglutarniltranspeptidase (GGT) estão normais ou
pouco alteradas. Hipoalbuminemia está presente em 30 a 50%
• Tratamento
dos casos, não se correlacionando, no entanto, com o grau de O tratamento deve ser direcionado para a insuficiência
lesão hepática, mas provavelmente com uma absorção intes- cardíaca, o que provoca redução da hepatomegalia e normali-
tinal deficiente. zação dos testes hepáticos, a não ser quando uma cirrose cardía-
ca já se encontre presente.
• Diagnóstico
:a eminentemente clínico. A ultrassonografia pode eviden- • HEPATITE ISQUEMICA
ciar hepatomegalia, dilatação das veias hepáticas e da veia cava
inferior, diferentemente do que ocorre na síndrome de Budd- Hepatite isquêmica é o termo utilizado para caracterizar a
Chiari. A tomografia computadorizada detecta ainda edema necrose hepática difusa, de gravidade variável, produzida pela
periporta e realce heterogêneo e tardio do parênquima hepático hipoperfusão hepática em virtude da insuficiência circulató-
após a injeção do meio de contraste (Figuras 68.4 e 68.5). ria aguda.
---·
758 Copftulo68 I Doença VosculordoFfgodo

isquêmica é resultado da falência de múltiplos órgãos, e o prog-


Quadro68.7 Prinópaís causas de hepatite ísquêmíca nóstico é sombrio. Na insuficiência cardíaca crônica em que já
exista lesão hepática prévia. a superposição de um evento agu-
lnsufid6nda cardíaca com ou sem choqua cardíog..,íco do pode desencadear um quadro de hepatite fulminante, com
Infarto agudo do miocárdio altas taxas de mortalidade.
Cardiomlopatla dilatada
Cor pulmonolt
Embolia pulmonar • PELIOSE HEPÁTICA
Arritmlas cardíacas
~ uma afecção rara, caracterizada pela disseminação não
Hipovolemla
sistematizada no parênquima hepático de cavidades císticas
Hemorragia
repletas de sangue, que se comunicam com os sinusoides, os
Oesidrataçlo quais se encontram dilatados, enquanto outros permanecem
Queimaduras normais.
Crise faldmica
Sapticamla
Obstruçlo aguda e maciça das veias hep;!ticas
• Etiologia
Obstruçlo arterial ~ variada. As principais causas estão no Quadro 68.8.
Transplante hepático
• Manifestações clínicas e laboratoriais
Em geral, é assintomática, sendo descoberta de maneira for-
tuita. Pode determinar hepatomegalia, clínica de hipertensão
• Etiologia portal, às vezes sindrome colestática e, excepcionalmente, he-
A hepatite isquêmica é produzida por patologias variadas e matoma intra-hepático ou hemoperitônio. As alterações labo-
as principais estão relacionadas no Quadro 68.7. ratoriais hepáticas são in especificas.

• Fisiopatologia • Diagnóstico
Três fatores são responsáveis: isquemia, congestão venosa A tomografia computadorizada demonstra múltiplas lesões
passiva e hipoxemia arterial, ocasionando necrose hepatocitá- hipodensas difusas, com realce tardio. Na ressonância magnéti-
ria centrolobular e sufusões hemorrágicas. As lesões histológi- ca, aslesões são hiperintensasem T2 e de sinal variável em Tl e
cas são semelhantes àquelas observadas na congestão hepática nas sequências em densidade de prótons. Apesar dos métodos
crônica, exceto pela ausência de fibrose, havendo regeneração de imagem, o diagnóstico é fundamentalmente anatomopatoló-
hepática com a compensação circulatória. gico. Na forma úpica, os lagos sangulneos sem parede vascular
própria apresentam-se distribuldos aleatoriamente, enquanto,
• Manifestações clínicas e laboratoriais
Nos casos sintomáticos, o quadro clinico assemelha-se àque-
le de uma hepatite aguda vira!, principalmente naqueles devi-
dos a arrítmias cardíacas transitórias. Sua evolução é benigna,
embora possa haver insuficiência hepática grave.

Quadro 68.8 Prinópais causas de pelíose he~tica
A alteração nos testes bioqulmicos é bastante característica
com marcada elevação das aminotransferases, que ocorre 24 a Madia,..ntosas
48 h após o episódio isquêmico, com AST > ALT, podendo atin- Cootraceptillos orais
gir níveis superiores a 100 vezes o limite superior da normalidade, Anabolizantes
com normalização rápida desses exames, em tomo de 3 a 11 dias Corticoides
após a compensação da insuficiência circulatória. Evolução simi- Azatioprina
lar é vista com a desidrogenase láctica. As bilirrubinas séricas são Tamoxifeno
normais ou pouco alteradas, o mesmo ocorrendo com a ativida- Vitamina A
de de protrombina, enquanto a fosfatase alcalina permanece nos
Infecciosas
limites normais. Geralmente, há insuficiência renal funcional,
com elevação das taxas séricas de ureia e de creatinina. Tuberculose
SI DA
Doença de Crohn
• Diagnóstico
Tumor.s hepáticos
Baseado em dados clínicos e laboratoriais. A biopsia hepáti- Adenomas
ca não é necessária. mas, quando realizada, demonstra necrose Hiperplasia nodular focal
centrolobular sem infiltração inflamatória.
Hemopatias
Hemopatlas malignas
• Tratamento e prognóstico Doença das cadelas leves
Se o distúrbio circulatório é estabilizado, a cura é rápida ldiop;!ticas
e completa. Nos pacientes gravemente enfermos, a hepatite
Copftulo68 I Doença Vosculor do Ffgodo 759
nas formas menores, há dilatação importante dos sinusoides,
com infiltração hemorrágica dos espaços de Disse.

• Tratamento e prognóstico
Estão intimamente relacionados com o fator causal.

• ANEURISMA DA ARTÉRIA HEPÁTICA


São formações raras. Situam-se comumente sobre o tronco
da artéria hepática ou de seus ramos principais e, mais rara-
mente, sobre as divisões intra-hepáticas, podendo ser únicas
ou múltiplas.

• Etiologia
As principais causas estão listadas no Quadro 68.9.

• Manifestações clínicas
Os aneurismas podem ser totalmente assintomáticos ou
manifestam-se com dor abdominal, icterícia e hemorragia di-
gestiva. Uma apresentação não usual é a formação de uma
flstula com um ramo da veia porta, ocasionando hipertensão
portal.

• Diagnóstico
O exame clinico é inocente na maioria das vezes, exceto
pela presença de sopro sistólico na área hepática, em alguns
casos.
A radiografia de abdome, às vezes, demonstra calcificações
das paredes aneurismáticas. A ultrassonografia e a tomografia
computadorizada permitem afirmar o diagnóstico (Figura 68.6
A e B). A ultrassonografia com Doppler colorido demonstra
o fluxo sanguíneo turbulento provocado pelo aneurisma. A Figura68.6 A e BAneurisma de artéria hepática trombosado, levando
arteriografia é útil na pesquisa diagnóstica e terapêutica, com à dilatação das vias biliares intra-hepáticas. (Cortesia do Dr. Giuseppe
embolização do mesmo. D'lppolito - UNIFESP - EPM.)

- - - -...-- • Tratamento
Quadro 68.9 Prinàpais causas de aneurisma da artéria hepática
Os aneurismas intra-hepáticos são tratados através de em-
Traumatismos bolização angiográfica, enquanto aqueles da artéria hepática
Acid ental
comum são tratados de modo cirúrgico.
Cirúrgico
Blopsla hepática transparietal
Coiangiografia transparietal
• FfSTULAS ARTERIOPORTAIS INTRA-HEPÁTICAS
Procedimentos radiológicos intervencionistas Colocam em comunicação a artéria hepática e a veia porta,
Aterom•to.. ou os ramos desses vasos.
lnfeccios..
Endocard lte • Etiologia
Tuberculose
As causas são, com algumas exceções, as mesmas dos aneu-
Slfills rismas da artéria hepática. As principais estão listadas no
MiscellnN Quadro 68.10.
Pancreatíte e pseudocisto de páncreas
Lltlase biliar
• Manifestações cHnicas
Perlarterite nodosa
Congênitas São assintomáticas ou, mais raramente, cursam com ma-
nifestações clinicas de hipertensão portal. ~ possível, às vezes,
760 Capitulo 68 I Doença Vascular do Flgada

T
Quadro 68.10 Prindpais etiologias de fistulas arterioportais
• Tratamento
intraparenquimatosas ~.em geral, feito com embolização angiográfica. As fistulas
pequenas, secundárias às biopsias hepáticas, geralmente se fe-
Hepatocardnoma cham espontaneamente.
Doença de Rendu.()sler-Weber
Pós-traumáticas
Aneurismas da artéria he~tica • INFARTO HEPÁTICO
latrog~nicas

Bíopsia he~tica transparietal O infarto hepático determina necrose hepática de exten-


Cirurgia são variável, em virtude da obstrução da artl!ria hepática ou
Radiologia lnterwnclonlsta dos seus segmentos. ~ uma entidade clínica rara, em virtude
ldíopáticas de a vascularização hepática ser feita tanto pela a.rtéria hepá-
tica como também pela veia porta. O infarto hepático pode
ser intraparenquimatoso ou subcapsular, e sua principal com-
plicação é a formação de abscessos hepáticos, ao passo que a
ruptura é rara.
encontrar-se no exame hepático um sopro sistólico ou um so-
pro contínuo com reforço sistólico.
• Etiologia
As principais etiologias estão citadas no Quadro 68.11.
• Diagnóstico
.,.. Ultrassonografia com Doppler colorido. Mostra sinais
indiretos nas lesões de alto débito, demonstrando a dilatação
• Manifestações clínicas
arterial e venosa segmentar, com fluxo pulsátU na veia. Completamente assintomático, ou cursando com dor epi·
.,.. Tomografia computadorizada. Demonstra a opacifica- gástrica ou no hipocôndrio direito, náusea, vômito e icterí-
ção pelo meio de contraste venoso do ramo da veia porta ainda cia. Nas formas graves, há leucocitose importante, enquanto
no tempo arterial, o que faz suspeitar o diagnóstico. Nas fistulas as aminotransferases elevam-se bastante, embora, por vezes,
periféricas, há opacificação precoce segmentar de um território de modo transitório.
triangular portal, com base subcapsular, demonstrada desde o
tempo arterial e que desaparece no momento da parenquimo- • Diagnóstico
grafia portal (Figura 68.7).
.,.. Ultrassonografia. Revela áreas hipoecoicas ou hipere-
.,.. Arteriog rafia. Pouco utilizada atualmente para a confir-
mação diagnóstica. ~. no entanto, indispensável para o pla- coicas inespecíficas.
.,.. Tomografia computadorizada. ~o exame de escolha. As
nejamento terapêutico. Mostra opacificação precoce hepato-
lesões são hipodensas e não se realçam após a injeção do meio
portal de um território portal segmentar triangular na fase
de contraste. Podem ser em cunha ou arredondadas, geralmente
arterial.
periféricas, estendendo-se ati! a cápsula hep;hica, de localização
central ou paralelas aos duetos biliares intra-hepáticos. Com a
evolução, pode haver atrofia do segmento hepático e formação
de coleções dsticas, por necrose dos duetos biliares.

T
Quadro 68.11 Causas principais do infarto hepático

Trombose da artéria hep,tica


Pós-transplante hepático
Hipercoagulabílidade sangulnea
Aterosclerose
Ligadura drúrgica da artéria he~tíca
Colecistectomia vídeolaparoscópíca
Embolia da artéria hepitlca
Endocardíte
Tu moral
Embolizaç:Ao e quimíoembolizaçAo
Aneu risma da arúria he~t ica
Figura 68.7 Flstulas arteriovenosas intra-hepáticas em portadora da
doença de Rendu-Osler-Weber. Formações tubulares na porco hepocis Dissecção da aorta
e lobo direito, algumas com material de emboliZaçAo. Foram realçadas Tox•mia da gr.vídu
na fase arterial precoce após injeção de contraste.
Copftufo68 I Doença Vosculordoffgodo 761

.,. Ressonâ ncia magnética. O infarto hepático aparece Hollingshcad, M, Burkc, CT, Mauro, MA, Wceks, SM, Oixon, RG, Jaqucs, PF.
Transcatheter thtombolytic therapy for acute mesenteric and portal vein
como uma região em cunha, hipointensa em TI e hiperinten- thromhosis. f. Vasc. Interv. Radiol., 2005; 16:651-61.
sa em T2, sem realce após a injeção do contraste. Lee,JKT. Sagel, SS, Stanley, RJ, Heiken, JP. Computcd body tomography with
MRI correlation. 3' cd., Pltiladclphia, Lippineott-Ravcn, 1998.
l.udwig, J, Hashimoto, E. McGill, O, Heerdcn, ]V. Classifieat.ion ofhepatic ve-
• Tratamento nous outflow obstruction: ambiguous terminologyofthe Budd-Chiari syn-
drome. Mayo Clin. Proc., 1990; 65: 51-5.
O tratamento da lesão causal é a principal medida. O diag- McDonald, G, Hinds, M, Fisher, L. Veno-ocdusive disease of the liver and
nóstico diferencial com abscesso hepático é importante, e anti- multiorgan failure after bone marrow transplantation. A cohort study of
bióticos adequados como as quinolonas ou o clavulanato devem 355 patients. Ann. Intu. Med.,l/8:255-61, 1993.
ser usados para prevenir infecções secundárias. Em caso de Murad, SD, Valia, DC, de Groen, PC, Zeitoun, G, Hopmans, IA, Haags-
traumatismo da artéria hepática, está indicada a embolização ma, EB et ai. Determinants of surv'ival and rhe effect of portosystemic
shunting in patients with Budd·Chiari syndrome. Hepatology, 2004;
arterial percutânea. Após os primeiros meses da realização do 39:500-8.
transplante hepático, pode ocorrer trombose da artéria hepá- Plessie,r, A, Sibert, A, Consigny, Y, Haklme, A, Zappa, M, Dennlnger, MH et al.
tica, acarretando lesões isquêmicas da árvore biliar, sendo ne- Airnlng at minimal invasiveness as a therapeutic strategy for Budd-Chiari
cessário frequentemente um novo transplante. syndrome. Hepatology, 2006; 44:1308-16.
Régent, D, Schmutz, G, Genin, G. Imagerie du foie, des voie.s biliaires et du
pancréas. Paris, Masson, 1994.
Rosemberg, PM & Friedman, LS. The tiver in heart failure. Em: Schiff, ER, Sor-
• LEITURA RECOMENDADA rel, MF, Madrey, WC. Diseases of the Uver, 8' cd., Pltiladelphia, Lippincott·
Ravcn, 1999.
Benhamou, JP & Erlinger, S. MaJadies du foie et des voie.s biliaires. 4' ed., Paris, Scbafcr, FO & Sorrell, MF. Vascular diseases of the liver. Em: Slcisenger, MH,
Médecine~Scicnces Flammarion, 2000. Fordtran, JS, Felman, M, Scharscbimidt, BF GastrointestinaJ and Liver Dis-
Bhattaeharyya, M, Makharia, G, Kannan, M, Ahmed. RP. Gupta, PK, Saxcna, R. eases, 7' cd., Philadelpbia, W.B. Saunders, 2002.
Thrombosi., astudyfrom North lndia. Am. f. Clin. Pat/wl., 2004; 121:844·7. Sherlock. S & Dooley, J. Diseases oftk liver and biliary sysum, 11' ed, London,
Condat, B. Pressione. F. Helene Denninger, M, Hillaire, S, Valia, D. Recent portal BlaclcwcU ScicntiJic Publieations, 2002.
or mesenteric venous thrombosis: increased recognition and frequent reca- Valia, OC. Tn:atmcnt ofPortal and Hcpatic Vcnous Obstruction. Em: Arroyo,
nalization on anticoagulant thcrapy. Hepatology, 2000; 32:466-70. V, Bosch, ], Bruix, J, Ginés, P, Navasa, M, Rodés, ]. Therapy in Hepatology,
DeLeve. LO, Valia, D-C. Garcia-Tsao, G. Vascular Disorders ofthe Liver. AASLD Barcelona, Medicina stm Editores, S.L., 2001.
Practice Guidclincs. Hepatology. 2009; 49:1729-64. Valia, DC & Condat, B. Portal vein thrombosis in adults: pathophysiology,
Eapen, CE, VcUssari$, O, Heydtmann, M, Gunson, B, Olliff, S, Elias, E. Favou- pathogenesis and managcmcnt. f. Hepa.tol., 2000; 32:865-71.
rable medium term outcome following hepatic vein recanaUs.ation a.ndlor Zeitoun, G, Escolano, S, Hadengue, A ti ai. Outcome ofBudd-Chiari syndrome:
transjugular intrahepatic portosystemic shunt for Budd-Chiari syndrome. A multivariate analysis offactors related to survival includingportosystemic
Gut, 2006; 55:878-84. shunting. Hepatology, 1999; 30:84.
69 Doença Hepática Gordurosa
Não Alcoólica
Guilherme Santiago Mendes

A esteatose hepática ocorre quando o volume de gordura • EPIDEMIOLOGIA


acumulado no citoplasma dos hepatócitos, especialmente tri-
glicerídios, excede 5% do peso total do fígado. Essa gordura O aumento alarmante de prevalência da DHGNA é paralelo
hepatocitária se acumula sob a forma de macrovacúolos e, em à verdadeira epidemia de obesidade que tem assolado o mundo
menor proporção, microvacúolos. Esse acúmulo de gordu- industrializado e os países em desenvolvimento. Estudos basea-
ra pode ser secundário ao uso de medicamentos, exposição a dos em necropsia estimam a prevalência da DHGNA em 20%.
produtos químicos, desnutrição proteico-calórica ou a cirur- Outros, que se baseiam no diagnóstico por imagem, apontam
gias de derivação jejunoileal. O vírus da hepatite C, genótipo índices de 15 a 30%. Na população obesa (1M C> 30), a preva-
3, também pode produzir esteatose secundária. No entanto, a lência da DHGNA ultrapassa 60% e, entre os diabéticos tipo li,
condição patológica que tem assumido proporções epidêmi- chega a 75%. Um estudo de Dixon et a/. constataram, através
cas é a esteatose hepática dita primária, essencialmente ligada de biopsia hepática realizada no peroperatório de pacientes
à síndrome metabólica. Segundo a Organização Mundial de com obesidade mórbida, prevalência de 95%. Na população
Saúde, a síndrome metabólica pode ser definida pela presen- pediátrica, a prevalência de DHGNA também tem aumentado.
ça de resistência periférica à insulina (glicemia de jejum ele- Esses dados são suficientes para dimensionar a DHGNA, hoje
vada, intolerância à glicose ou diabetes tipo 2), mais dois dos considerada a hepatopatia mais comum do mundo.
seguintes itens: hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia No início dos estudos, a DHGNA era considerada uma
(triglicerídios > 150 mgldl. e/ou colesterol HDL < 36 mg em doença essencialmente ligada ao sexo feminino, mas publi-
homens e< 40 em mulheres), obesidade (índice de massa cor- cações mais recentes têm demonstrado uma prevalência cada
poral > 30 kglm2) e/ou obesidade abdominal (índice cintura- vez maior no sexo masculino. Em um estudo multicêntrico
quadril> 0,90 em homens e> 0,85 em mulheres), microalbu- brasileiro, que incluiu 1.280 pacientes com DHGNA, 53% eram
minúria (> 20 mcglmin). homens.
A literatura tem utilizado o termo doença hepática gor-
durosa não alcoólica (DHGNA) com o objetivo de incluir no
mesmo espectro a esteatose, a esteato-hepatite não alcoólica • FISIOPATOLOGIA
(EHNA), a fibrose e a cirrose decorrentes da progressão da
EHNA. Cabe discutir se a esteatose é, de fato, uma doença, já Embora a patogênese não seja completamente compreendi-
que a grande maioria dos pacientes com impregnação excessiva da, o modelo fisiopatológico que ainda prevalece, proposto por
de gordura no fígado não vai desenvolver EHNA, fibrose ou Day e James em 1998, é o chamado "modelo dos dois golpes"
cirrose. A esteatose constitui, efetivamente, uma condição de (Figura 69.1). Com base nele, haveria duas etapas distintas e
sobrecarga metabólica para o fígado, que pode produzir doen- sequenciais na progressão da esteatose rumo à EHNA.
ça em indivíduos geneticamente predispostos. Assim sendo, o O primeiro golpe seria determinado, a princípio, pelo aumen-
termo ftgado gorduroso não alcoólico (FGNA) poderia ser mais to da resistência periférica à insulina. Diante dessa dificuldade
adequado e menos alarmante para muitos pacientes. de utilização da glicose como fonte de energia, duas condições
Uma outra questão conceitual discutível é o que vem a ser se estabeleceriam - hiperinsulinemia e aumento da atividade
não alcoólico. Embora não haja consenso, a maioria dos auto- lipolítica no tecido adiposo periférico. Em decorrência disso,
res concorda que o limite de consumo alcoólico semanal seja mais ácidos graxos passariam a circular e atingiriam o fígado
de 140 g, o que significa, na prática, cerca de 9latas de cerveja, para serem metabolizados.
8 doses de whisky ou 1,5 I. de vinho. Esse número é baseado No figado, os ácidos graxos procedentes da lipólise, além da-
em estudos experimentais que indicam que o consumo acima queles provenientes da absorção entérica (quilomícrons) e do
de 20 g de etano! por dia, independente de outros fatores, é metabolismo de carboidratos e aminoácidos, podem seguir dois
suficiente para produzir esteatose hepática. caminhos: a oxidação, com consequente formação de corpos

762
Capftulo69 I DaençaHepdticaGordurosa NãoA/co6/ica 763

I Resistência à insulina dativa - mais triglicerídios serão formados por esterificação. Ao


mesmo tempo, a produção de VLDL é inibida, bloqueando-se,
assim, a principal via de excreção hepatocitária de triglicerídios
(Figura 69.3). A consequência disso é o acúmulo de triglicerí-
I Estcatosc dios no citoplasma do hepatócito- a esteatose se estabelece. O
primeiro golpe foi desfechado .
.o. O segundo golpe vem a partir do estresse oxidativo, que ocor-
re em decorrência do acúmulo progressivo de gordura hepa-
IEstresse oxidativo tocitária. A capacidade de oxidação mitocondrial é excedida e
processos de peroxidação lipídica são desencadeados, geran-
~ do formas reativas de oxigênio e elétrons livres. Esses radicais
livres são normalmente inativados por antioxidantes naturais
I Lesão hcpatocclular - glutationa e vitamina E - mas, quando a capacidade de an-
tioxidação é superada, eles podem se envolver em reações quí-
Figura 69.1 Modelo etiopatogénico dos "dois golpeS:. micas que promovem ativação de citocinas. Os produtos da
peroxidação lipídica, como o dialdeído malônico, e as cito-
cinas ativadas (TGF f3, TNF a,, IL 8) estimulam migração de
polimorfonuclear es, formação de corpúsculos hialinos, morte
cetônicos - o objetivo dessa via é a produção de energia para celular e fibrose. O segundo golpe está desfechado e a doença
consumo; a esterificaçáo, com consequente formação de trigli- hepática gordurosa, estabelecida.
cerídios - o objetivo dessa via é o armazenamento de energia. Embora esse modelo patogênico seja convincente para ex-
Esses triglicerídios podem se combinar ao colesterol e fosfoli- plicar a grande maioria dos casos, existem pacientes que não
pídios para formar as lipoproteínas de muito baixa densidade apresentam nenhuma condição metabólica aparente que de-
(VLDL), que se constituem na principal via de excreção de tri- termine aumento da resistência periférica à insulina. Nessas
glicerídios dos hepatócitos (Figura 69.2). situações, deve-se inferir sobre uma potencial síndrome me-
A insulina pode interferir na sequência desses processos mi- tabólica ainda não claramente manifesta - a história familiar
tocondriais. Sua ação determina uma redução da atividade oxi- pode ser contributiva. Outro aspecto a ser considerado é o en-

Tecido adiposo

AA
Glicosc

Quilomicrons trigliccrídios

D colesterol
fosfolipídios

I VLD L Iq excreção

Figura 69.2 Metabolismo hepatocitário dos ácidos graxos.

Tecido adiposo acctil CoA

AA
Glicose

Quilomícrons triglicerídios

I VLDL I q excreção

Figura 69. 3 Papel da insulina no metabolismo hepatocitário dos ácidos graxos.


764 Capftulo 69 I Doença Hep6tlco Gordurosa Ndo Alco6/ica

volvimento de drogas que possam interferir com os processos


mitocondriais de oxidação lipídica, como hormônios (estró- • DIAGNOSTICO
genos e progestógenos), corticosteroides, amiodarona, ácido
valproico, tamoxifeno, tetraciclinas, entre outras. A esteatose • Imagem
decorrente da inibição mitocondrial por drogas é predominan-
Como a maioria dos pacientes é assintomática, o diagnós-
temente microvacuolar.
tico faz-se, muitas vezes, a partir de um achado incidental de
ultrassonografia (US). A US é um método de boa sensibilidade
e especificidade, mas o seu desempenho cai quando o grau de
• HISTÓRIA NATURAL esteatose é mais baixo. Há ainda o problema da subjetividade
Com base em estudos experimentais, estima-se que cerca na interpretação da imagem, o que frequentemente gera discor-
dância entre exam inadores.~ importante ressaltar que a clássica
de 20% dos pacientes com esteatose hepática possam desen-
volver EHNA e, desses, 25% evoluiriam para cirrose hepática. imagem do flgado hiperecogênico não é sinônimo de esteatose
Considerando esses dados, menos de 10% dos pacientes com hepática. Outras condições, como hemocromatose ou doenças
esteatose chegariam a um estágio de doença hepática avança- fibrosantes de outra etiologia, podem produzir aspecto ecográ-
da e insuficiência hepatocelular. Nos EUA, Adams et a/. reali- fico semelhante. A US não é um método que permite graduar
zaram um grande estudo sobre a história natural da DHGNA, a esteatose e nem afirmar o diagnóstico de EHNA.
acompanhando, por 23 anos, 420 pacientes. A ocorrencia de A tomografia computadorizada (TC) é também um exame
cirrose, a taxa de mortalidade geral e o indice de mortalidade bastante sensfvel, tem uma boa correlação com a histologia e
associado à doença hepática foram de 5, 12,6 e 1,6%, respec- pode ser útil na graduação da esteatose. No entanto, sua reali-
tivamente. zação habitual é dispensável na sequência propedêutica- quan-
Os fatores que determinam a progressão da esteatose para do realizada, mostra um figado com densidade mais baixa e
formas mais graves de lesão hepática não estão elucidados. Es- vasculatura proeminente, mesmo na fase pré-contraste. A res-
tudos que dosaram anticorpos contra produtos da peroxida- sonância magnética (RM) tem se mostrado eficaz no diagnós-
ção lipídica evidenciaram que títulos mais elevados estavam tico e na graduação da DHGNA, sobretudo pelo seu recurso
relacionados com as formas mais ativas da doença, indicando que permite distinguir água de gordura. Assim como ocorre
que o grau de estresse oxidativo seja preponderante. Sabe-se com a US, não é possível afirmar o diagnóstico de EHNA com
também que a condição inflamatória crônica que ocorre em base na TC ou na RM.
pacientes com sindrome metabólica pode gerar uma produção
anormal de adipocitocinas e outros fatores proinfiamatórios a • laboratório
partir do tecido adiposo periférico e do próprio figado, alguns
potencialmente estimulantes da fibrogênese. O fato de apenas Os exames laboratoriais que mais frequentemente se alteram
uma minoria dos pacientes desenvolver fibrose hepática indica são a GGT, a TGP e a ferritina.
que a genética tenha papel determinante. A GGT é uma enzima sintetizada pelo flgado, que pode se
A influência da leptina, hormônio produzido pelos adipó- elevar em qualquer situação de sobrecarga metabólica. Essa
citos e que tem papel importante no metabolismo dos ácidos sobrecarga pode ser determinada por álcool, drogas e, frequen-
graxos, também tem sido objeto de estudos. Em humanos obe- temente, excesso de gordura. Sua elevação isolada não permite
sos, os níveis de leptina são habitualmente elevados, provavel- afirmar a existência de lesão hepática.
mente por uma resposta inadequada de seus receptores peri- A TGP geralmente se eleva em níveis discretos, raramente
féricos. Esses níveis séricos elevados poderiam contribuir para atinge 5 vezes o limite superior da normalidade. Proporcio-
o aumento da resistência periférica à insulina e para a maior nalmente, se eleva mais que a TGO, o que é um diferencial em
formação de gordura hepática. relação à doença hepática alcoólica. Nas situações em que já
Hoje admite-se que muitos dos casos de cirrose criptogênica exista fibrose avançada, é comum que a TGO passe a predo-
possam, na verdade, tratar-se de órrose consequente à progres- minar. A elevação de TGP não é diagnóstico de EHNA- ela já
são de EHN A prévia. A ocorrência de carcinoma hepatocelular pode estar elevada mesmo na fase de esteatose.
em pacientes com cirrose por DHGNA está bem estabelecida. A ferritina é uma proteína de fase aguda sintetizada pelo figa-
Embora a prevalência da DHGNA seja provavelmente maior do, que pode elevar-se em situações de estresse metabólico, le-
no sexo masculino, há relatos que apontam o sexo feminino são hepatocelular ou sobrecarga de ferro. Como é frequente sua
como fator de risco para a progressão rumo a formas mais elevação na DHGNA, postulou-se, a princípio, que a associação
graves de hepatopatia. com sobrecarga de ferro pudesse ser uma condição frequente,
mas tal fato não foi sustentado por trabalhos subsequentes. Na
maioria das vezes, a elevação de ferritina não se acompanha de
• APRESENTAÇÃO CLfNICA aumento dos indices de saturação de transferrina - sua eleva-
ção ocorre por estresse oxidativo ou lesão hepatocelular e não
A grande maioria dos pacientes é assintomática. Em cerca de por sobrecarga de ferro.
20% dos casos, pode haver queixas de desconforto e sensação A elevação do nfvel de bilirrubinas não costuma ocorrer, a
de peso no hipocOndrio direito. Raramente, tal sintoma pode não ser em casos de doença fibrosante avançada. Se houver evi-
adquirir proporções de dor mais intensa, em geral em pacien- dências laboratoriais de colestase, outras formas de hepatopatia
tes muito ansiosos. ou colangiopatia devem ser inicialmente consideradas.
O sedentarismo é habitual e elementos da síndrome me-
tabólica podem ser detectados com frequência - hipertensão
arterial, dislipidemia, hiperglicemia, obesidade central, hiperu-
• Exames de exclusão
ricemia. O histórico familiar habitualmente revela mais casos Diante da hipótese diagnóstica de DHGNA, devem-se sem-
de sindrome metabólica. pre realizar exames que afastem outras potenciais condições
Capftulo 69 I Daença Hepdtica Gordurosa NãoA/co6/ica 765

envolvidas. ~rotina realizar marcadores de hepatite C (Anti- • A evolução de pacientes com esteatose hepática rumo à
HCV) e hepatite B (HBsAg. Anti-HBclgG), além de aferir as cirrose ocorrerá em uma minoria deles (estima-se que
reservas de ferro (índice de saturação de transferrina). Pacientes cerca de 5%);
que apresentam hipertransaminasemia devem realizar também • Como ainda não há uma terapêutica medicamentosa de-
marcadores de hepatite autoimune (FAN, ASMA. Anti-LKM, finida, o diagnóstico de histológico de EHNA não tem,
eletroforese de proteínas). A realização de outros exames mais ainda, implicações terapêuticas. A definição de uma dro-
específicos, como ceruloplasmina e alfal-antitripsina, pode ser ga comprovadamente eficaz para o tratamento da EHNA
individualizada, já que a prevalência da doença de Wilson e da pode mudar essa assertiva e justificar a necessidade de
deficiência de alfal -antitripsina é muito baixa biopsias mais frequentes.
O diagnóstico de DHGNA pode, então, ser inferido a partir
Diante dessas ponderações, uma proposta razoável, assumi-
de evidências clínicas, ecográficas e laboratoriais, mas sua con-
da por muitos, é a de reservar a biopsia hepática para situações
firmação e graduação são essencialmente histológicas.
específicas:
• Pacientes que têm diagnóstico provável, mas não apre-
• Biopsia hepática sentam condição clinica de base predisponente (ausência
A necessidade da realização rotineira de biopsia hepática de claros sinais de síndrome metabólica};
para o diagnóstico da DHGNA é tema de controvérsia. De fato, • Pacientes que tenham tido diagnóstico presuntivo, que
a biopsia é o único exame que permite afirmar o diagnóstico, es- tenham cumprido as orientações básicas (perda de peso,
tadiar a DHGNA e estabelecer um prognóstico, já que pacientes atividade fisica, correção da hiperlipemia/hiperglicemia),
com EHNA têm maior risco de progressão para cirrose. mas que mantenham os exames laboratoriais alterados;
Atualmente, o sistema de graduação histológica proposto • Pacientes de grupo de maior risco (obesos, diabéticos,
pelo Nonalcoholic Steatohepatitis Clinicai Research Network, sexo feminino, idade > 40 anos) - nesses casos, o diag-
em 2005, é o mais aceito pela literatura e o mais utilizado pelos nóstico histológico de EHNA e a documentação da maior
patologistas (Quadro 69.1). Esse sistema determina um índice chance de evolução para cirrose podem servir como fa-
de atividade, que varia de Oa 8, e é determinado pela soma dos tores estimulantes à adesão terapêutica.
escores atribuídos ao grau de esteatose, inflamação lobular e
balonização. lndice igual ou superior a 5 permite diagnosticar
EHNA. A fibrose é estadiada à parte. • TRATAMENTO
Embora a biopsia hepática seja o exame ideal para o diagnós-
tico, a sua realização em todos pacientes que, presuntivamente, Não há ainda evidências cientificas suficientes para propor
tenham DHGNA é discutível, por vários motivos: uma droga de escolha para o tratamento da DHGNA. A pre-
tensão terapêutica baseia-se em duas premissas:
• A prevalência da DHGNA na população é muito alta, o
que obrigaria um número enorme de biopsias hepáticas. 1. Diminuir a resistência periférica à insulina, bloqueando
Mesmo sendo um procedimento de custo aceitável e bai- a primeira etapa da sequência patogênica. Com esse objetivo,
xo risco, complicações podem ocorrer; dois grupos de drogas têm sido estudados: biguanidas (metfor-
mina) e glitazonas (rosiglitazona e pioglitazona).
A metformina já foi testada experimentalmente e em peque-
- ... nos grupos de seres humanos, demonstrando-se benéfica. .a
uma droga de custo acessível, com baixo potencial hepatotó-
Quadro 69.1 Sistema de graduação doNonalcoholic xico e deve ser evitada apenas em pacientes com insuficiência
Steatohepatitis Oinica/ Reseorch Network hepática, devido ao risco de produzir acidose láctica. Embora os
resultados preliminares sejam animadores, o número de pacien-
Variável Escore Desaição tes incluídos nos estudos é muito pequeno. Para pacientes com
Esteatose o Menos de S% dos hepatódtos
DHGNA e indícios claros de síndrome metabólica, a metforrni-
na é uma opção interesante - na pior das hipóteses, seria bené-
S a 33% dos hepatócitos
fica para o controle de outras manifestações da síndrome.
33 a 66% dos hepatócitos
A rosiglitazona e a pioglitazona mostraram benefício histo-
Mais de 66% dos hepatócitos lógico em pacientes com DHGNA, mas o volume de pacientes
lnflamaçAo lobular o Sem focos de Inflamação arrolados nos estudos também foi muito pequeno. A troglita-
Menos de dois focos por campo de 200x zona foi abandonada devido ao seu potencial hepatotóxico. O
Dois a quatro focos por campo de 200x custo das glitazonas é bem maior que o da metformina.
Mais de quatro focos por campo de 200x 2. Reduzir o estresse oxidativo determinado pela esteatose,
Balonização o Ausência de balonização bloqueando a segunda etapa da sequência patogênica que leva
Poucas células balonizadas à lesão hepatocelular. Com esse objetivo, já foram tentados o
Muitas células balonizadas ácido ursodesoxicólico (AUDC), as vitaminas C e E, a betaína
Fibrose o Ausência de fibrose
e a acetilcisteína.
la Fibrose perissinusoidalleve em zona 3 O entusiasmo inicial com o AUDC foi arrefecido por um
lb Fibrose perissinusoidal moderada em zona 3 trabalho que não mostrou nenhum beneficio histológico em
lc Fibrose portaVperiporta pacientes com DHGNA que usaram o AUDC em dose terapêu-
Fibrose portaVperiporta e sinusoidal tica por 2 anos. Os dados sobre as vitaminas E e C são muito
Fibrose com septos controversos e não há justificativa para o seu uso rotineiro. A
betaína e a acetilcisteína, por sua pretensa ação antioxidante,
4 Cirrose
foram também propostas, mas sem trabalhos consistentes. O
766 Capitulo 69 I Doença Hepdtlco Gorduroso Não Alco6/ico

rimonabanto, droga que antagoniza receptores canabinoides Albano, E, Moltaran, E, Occhino, G tt aL Review artide: role ofoxidative stress
endógenos, surgiu como promissor no controle da obesidade in the progression ofnonalcoholic steatosis. Alimtnl Pharmtw>IThu, 2005;
22:71-3.
visceral, ma.s seus efeitos colaterais neuropslquicos têm invia- Angulo, P, Keach, JC, Batts, KP. Undor, KD. lndepend~nt predictors of tiver
bilizado o seu uso. 6brosis in patients with non-alcoholic stealohepatitis. Hq>atology, 1999;
Diante disso, o tratamento da DHGNA continua sendo ba- 30:1356~2.

seado em medidas comportamentais: Cald,.,.dl, SH. A pilOI study of a thiuolldinedlone, troslituone, in nonalcoholic
steatohepatitis. Am I GtutTO<nttrol, 2001; 96:519-25.
Redução gradual do peso, pois a perda acelerada pode Chictuó, S & F~l, GC. Etiopathogenesis of nonalcoholic steatohepatitis. .Xm
agravar a sobrecarga hepática de gordura. Esse fato pode Uwr Dú, 2001; 21:27-'11.
ser problemático em pacientes submetidos à cirurgia Choi, S & Diehl, AM. Role of inllammation in nonalcohoUc steatohepatitis.
CIITT Opln GastTO<nt<n>/, 2005; 21:702-7.
bariátrica - aqueles que apresentem indícios pré-ope- Choudury, J & Sanyal, Aj. Clinicai aspects of fatty Uvtr distaK. Scnln Uwr
ratórios de cirrose e hipertensão portal nào devem ser Dú, 2004; 24:349-62.
operados, pois podem descompensar-se gravemente no Cotrim, H, Parise, E, Ldte, N et ai. NonalcohoUc fatty Uver disease
pós-operatório. Por outro lado, pacientes com condições (NAFLD) in Brazil: clinicai and histological protile. I Htpato' 2008; 48
pré-operatórias seguras podem se beneficiar muito da (supL 2):5340.
Day, CP.The potential role ofgene in nonalcoholic fatty Uver dí.oeax. Clin Uwr
cirurgia bariática e apresentar grande involução da ati- Dis. 2004; 8:673·91.
vidade histológica da EHNA; Day, CP & Jarnes, OFW. Steatohepatitis: a tale of two hits? Ga.stro<nt<f!lh>gy,
Atividade fisica, incluindo, além de exercidos aeróbicos, 1993; 114:842·5.
atividades que estimulem ganho de massa muscular. Esse Dixon, JB, Bathal, PS, O'Brien, PE. NonalcohoiJc fatty IJver dlsease: predictors
é um aspecto importante, já que o aumento do percentual of nonalcohoUc steatohepatitis and liver fibroslsln the sev<relyobese. Ga.s-
troenterok>gy, 2001; 121:91- 100.
de massa magra eleva o gasto energético basal, acelerando Elitsur. Y, Lawrence, Z, Wang, R, Durst, PR. Treatment for NASH: the value of
o ritmo metabólico; hlstology. Am I Gastroenttrol, 2005; 100:250· 1.
Dieta, preferencialmente orientada por um nutricionis- z.
Falck-Ytter, Y, Younossi, Marcheslnl, G, McCulough, A. Clinicai fealures and
ta, buscando reduzir drasticamente o índice glicêmico, o natural history of nonalcoholic slealosls syndrome. Stm Liver Dís, 2001;
consumo de carboidratos simples e de gorduras saturadas 21:31-8.
Fargion, S. Hyperferritinemia, iron overload and multiple metabolic alterations
e hidrogenadas. A ingesta de gorduras insaturadas, so- identify patients ai risk for nonalcoholic steatohepallt!s. Am I Ga.slro<nltro~
bretudo de origem vegetal, e de alimentos naturalmente 2001; 96:2443·55.
ricos em antioxidantes, deve ser estimulada; Ghali, P & Lindor, KD. Hepatotoxity of drugs used for treatment of obeslly and
Controle medicamentoso da hiperglicemia, preferencial- its oomorbidities. Sem Uwr DiJ, 2004; 24:389·97.
mente com metformina ou g!Jtazonas; Harison. SA, Ward, JA, Schenlter, S. The role of vitamin Eand C therapy in NASH.
Am I GastTO<nterol, 2004; 99:1362.
Controle medicamentoso da dislipidemia. Nesse aspecto, Hookman, P & Barkin, JS. Current bioohemlcal $ludles of a nonalcoholic fatty
as esta tinas merecem urna consideração à parte. Embora, liver disease aod nonalcohoUc steatohepalitis suggest a new therapeutic
supostamente, devessem ser evitadas em pacientes com approach. Am I Gasrroent<n>l, 2003: 98:2093·1.
hipertransaminasemia, têm baixo potencial hepatotóxico l<l<iner, DE, Brunt, EM, Van Natta, M ttal. Nonalcoholic steatohepatitisdinical
e mostram-se benéficas nos casos em que a elevação de research ndwork design aod vaUdatlon ofan histological scoring system for
nonalcoholic fatty liver disease. Hepatology, 2005; 41:131)-21.
transaminases é motivada pela sobrecarga de gordura. Undor, KD, Ko,..dley, KV, Helhcote, EJ ti ai. UrsodeoxychoUc acld for treatmmt
Diante de um diagnóstico de DHGNA, pacientes com of nonalcoholil: steatohepatitis: results of a randomlud trlaL Htpatology,
hiperlipemia podem ser tratados com estatina. O uso de 2004; 39:110-8.
fibratos, como a genfibrozila, também é desejável, se a Loria, P, Leonardo, A, Carulli, N. Should nonalcoholic fatty Uver di.seau be
hipertrigliceridemia predominar; renamed1 Dig Dis, 2005; 23:12-82.
Matteoni, CA, Younossi, ZM, Gramlich, T <1 ai. Nonalcohollc fa.tty Uver di-
O uso de drogas que auxiliem na perda de peso, como sease: a spectum of dinical and pathological severity. GastrotnltrOiogy,
orlistate, é seguro- o manejo dessas drogas normalmente 1999; 116:1413-9.
é feito por endocrinologistas. A sibutramina teve, recen- Moris, S, Yamasalti, T, Sakalda, I er ai. Hepatocelular can:lnoma with nonalco-
temente, a sua prescrição limitada, por supostos efeitos holic steatohepatitis. I GastroenttrOI, 2004; 39:391 ·6.
cardiovasculares indesejáveis. Inibidores de apetite, como Neuschwander-Tetr~ BA, Bruni, E.\ol, Bacon, BR ti ai. Hlstological imp~
menl in NASH following increased insuline sen.sitivity with PPAR-y Ugand
femproporex, devem ser evitados, inclusive por seus efei- rosiglitazooe for 43 wecks. Hepatology, 2002; 36:379.
tos hepatotóxicos. Ong, JP & Younossi, ZM. Approach to the dlagnosls and l"'atment of nonal-
cohoUc steatohcpatitis. Clin Liver Dis, 2005; 9:617-34.
~importante ressaltar que o paciente com DHGNA é, quase Promrat, K, Lutchman, G, Uwaifo, GT tt ai. Pilot study of piogli1none treatment
sempre, uma vitima de seus maus hábitos de vida. Fazê-lo va- for nonalcoholic steatohepatitis. Utpatology, 2004; 39:188·92.
lorizar a própria saúde e acreditar que uma mudança de rumo Qian, Y & Fan, JG. Obeslty, fatty liver and llver cancer. Hepatobiliary Panc,..al
pode evitar doenças, proporcionar mais qualidade de vida e Dlt Int, 2005; 4:173·7.
fazê-lo mais feliz é o grande desafio do seu médico. Sanyal, A), Mofrad, PS, Contos, MJ. A pllot study of vllamln E versus vltamln
E and pioglitazone for the treatment of nonalcohollc steatohepatls. Clin
Gastroenterol Hcpat~~ 2004; 2:1107-15.
Sass, DA, Chang, P, Chopra, KB. Nonalcohollc fatty llver: a elinlcal review. Dig
• LEITURA RECOMENDADA Dis Sei, 2005; 50:171 -80.
Sherlock. S & Dooley, ). Nutricional and metabollc liver diseases. Em: Sherlock.
Adams. LA & Angulo, P. Treatment of nonalcohoUc steatohepatitis: antioJddants S, Dooley,L(eds.). Diseawojlhe Liverand BillarySystem. Oxford: Bl.ackweU
or insulln scnsltlursr Clin Gastf!lent<rol Hepatol, 2004; 2:1059-60. Scienc:e. 2002:423·452.
Adams, LA, Lymp. TP, Sauver, JS tt ai. The nalural history of nonalcoholic fat- World Health Orgartization. Deiinition, diagnO$iS and dassi.6ation ofdiabetes
ty Uver dioease: a population·based cohon study. Gastro<nteroh>gy, 2005; meUto and its compUations. Repon ofa WHO consultation. Geneva: World
129:113-21. Health Orgmiutlon, Bulletln 1999, p. 1-59.
70 Fígado e Gravidez
José de Laurentys Medeiros e José de Laurentys Medeiros Junior

As alterações hepáticas encontradas na gravidez variam de ma- A GGT pode sofrer decréscimo, determinado pelos estrógenos
nifestações mínimas até quadros fatais para a gestante e/ou e outros produtos gestacionais.
para o feto. O sinal que, habitualmente, alerta para a doença
é a icterícia, em intensidade variável. A incidência de hepa-
topatia que se manifesta nas grávidas é em torno de 1:1.500

Você também pode gostar