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ABP

Associacão

Brasileira de
Psiquiatria
Nota: A medicina é uma ciência em constante evolução. A ' medida que novas pesquisas e a

experiência clínica ampliam o nosso conhecimento, são necessárias modificações no trata-


mento e na farmacoterapia. Os organizadores/coautores desta obra consultaram as fontes
consideradas confiáveis, num esforço para oferecer informações completas e, geralmente,
de acordo com os padrões aceitos à época da publicação. Entretanto, tendo em vista a pos-
sibilidade de falha humana ou de alterações nas ciências médicas, os leitores devem confir-
mar estas informações com outras fontes. Por exemplo, e em particular, os leitores são acon-
selhados a conferir a bula de qualquer medicamento que pretendam administrar, para se
certificar de que a info1111ação contida neste livro está correta e de que não houve alteração
na dose recomendada nem nas contraindicações para o seu uso. Essa recomendação é parti-
cula1111ente importante em relação a medicamentos novos ou raramente usados.

D424 Depressão [recurso eletrônico] : teoria e clínica /


Organizadores, João Quevedo, Antônio Geraldo da Silva.
- Dados eletrônicos. - Porto Alegre: Artmed, 2013.

Editado também como livro impresso em 2013.


ISBN 978-85-65852-34-0

1. Psiquiatria. 2. Depressão. 1. Silva, Antônio Geraldo da.

CDU 616.89-008.454

Catalogação na publicação: Natascha Helena Franz Hoppen, CRBl0/2150


1
TEORIA E CLÍNICA

JOÃO QUEVEDO •ANTÔNIO GERALDO DA SILVA


ORGANIZADORES

Versão impressa
desta obra: 2013

2013
© Artmed Editora Ltda., 2013

Capa
Tatiana Sperhacke
Preparação do original
Rafael Padilha Ferreira
Leitura final
André Luis de Souza Lima
Coordenadora editorial
Cláudia Bittencourt
Gerente editorial
Letícia Bispo de Lima
Projeto e editoração
Armazém Digital®Editoração Eletrônica - Roberto Carlos Moreira Vieira

Reservados todos os direitos de publicação à


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90040-340 - Porto Alegre, RS
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sob quaisquer fo1111as ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação,
foto cópia, distribuição na Web e outros), sem pe11nissão expressa da Editora.

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SAO PAULO
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IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
João Quevedo
Psiquiatra. Doutor em Ciências Biológicas - Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Gran-
de do Sul (UFRGS). Professor Titular de Psiquiatria da Universidade do Extremo Sul Catarinense
(Unesc). Pesquisador lA do CNPq. Diretor Acadêmico do PROPSIQ.

Antônio Geraldo da Silva


Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria e em Psiquiatria Forense pela Associação Brasileira de Psi-
quiatria (ABP-AMB-CFM). Doutoramento em Bioética pela Universidade do Porto - CFM. Presi-
dente da ABP. Professor de Psiquiatria do HUCF - Unimontes. Psiquiatra da Secretaria de Saúde
do Distrito Federal. Diretor Acadêmico do PROPSIQ.

Acioly Luiz Tavares de Lacerda em Psiquiatria do Hospital das Clínicas (HC)/


Psiquiatra. Doutor em Ciências Médicas pe- UFMG. Membro do Instituto Nacional de Ciên-
la Universidade Estadual de Campinas (Uni- cia e Tecnologia (INCT) de Medicina Molecular.
camp). Pós-doutorado pelo Neurochemical
Brain Imaging Laboratory e pelo Neuroima- Bruno Lima
ging Laboratory, University of Pittsburgh, Es- Psiquiatra. Médico colaborador do Programa
tados Unidos. Professor Adjunto Livre-docente de Transtornos Afetivos (Gruda) do Instituto
do Departamento de Psiquiatria da Universida- de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Fa-
de Federal de São Paulo (Unifesp). culdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (IPq-HCFMUSP).
Antonio Lucio Teixeira
Neurologista e Psiquiatra. Mestre e Doutor em Cassio M. C. Bottino
Biologia Celular pela Universidade Federal de Psicogeriatra. Professor Livre-docente pelo De-
Minas Gerais (UFMG). Livre-docente em Psi- partamento de Psiquiatria da FMUSP. Coorde-
quiatria pela Unifesp. Professor Associado de nador do Programa Terceira Idade (Proter) do
Medicina Interna e Neurologia da Faculdade IPq-HCFMUSP.
de Medicina da UFMG.
Christian Kieling
António Alvim-Soares Psiquiatra. Mestre e Doutor em Psiquiatria pe-
Psiquiatra da Infância e Adolescência. Mestre e la UFRGS. Professor do Programa de Pós-gra-
Doutorando em Medicina Molecular na UFMG. duação em Ciências Médicas: Psiquiatria da
Preceptor do Programa de Residência Médica UFRGS.
Autores

Daniela Valadão Rosa Fábio Gomes de Matos e Souza


Fisioterapeuta. Especialista em Neurociência Médico. Professor Associado de Psiquiatria da
e Comportamento pela UFMG. Mestre e Dou- Universidade Federal do Ceará (UFC). PhD em
tora em Farmacologia Bioquímica e Molecular Psiquiatria pela Universidade de Edimburgo.
pela UFMG. Coordenador do Grupo de Estudos em Trans-
tornos Afetivos (GETA)/UFC.
Debora Marques de Miranda
Médica. Professora Adjunta do Departamento Fernando Portela Câmara
de Pediatria da UFMG. Doutor em Ciências pela UFRJ. Professor Asso-
ciado da UFRJ.
Elie Cheniaux
Psiquiatra. Mestre e Doutor em Psiquiatria pe- Francisco Lotufo Neto
lo Instituto de Psiquiatria da Universidade Fe- Professor Associado do Departamento de Psi-
deral do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ). Pós- quiatria da Faculdade de Medicina da USP.
-doutor pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de
Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (CO- Gislaine Z. Réus
PPE) da UFRJ e pela Pontifícia Universidade Biológa. Doutora em Ciências da Saúde pela
Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Profes- Unesc.
sor Associado na Faculdade de Ciências Médi-
cas da Universidade do Estado do Rio de Ja- Helena Mendes Abelaira
neiro (FCM/UERJ). Docente do Programa de Bióloga. Mestre em Ciências da Saúde pela
Pós-graduação em Psiquiatria e Saúde Mental Unesc. Membro do Laboratório de Neurociên-
do IPUB/UFRJ. cias na Unesc.

Elisa Brietzke Humberto Correa


Psiquiatra. Doutora em Psiquiatria pela UFR- Psiquiatra. Mestre em Psicofa11nacologia pe-
GS. Professora Adjunta do Departamento de la Université Louis Pasteur-França. Doutor em
Psiquiatria da Unifesp. Coordenadora Cientí- Fa1111acologia e Fisiologia pela UFMG. Pós-
fica do Programa de Reconhecimento e Inter- -doutor em Genética Molecular pela Universi-
venção em Indivíduos em Estados Mentais de té Paris-Decartes, França. Professor Titular de
Risco (Prisma) da Unifesp. Pesquisadora do Psiquiatria da UFMG.
Laboratório Interdisciplinar de Neurociências
Clínicas (LINC) da Unifesp. lves Cavalcante Passos
, Médico. Residente de Psiquiatria do Hospital
Erica Panzani Duran de Clínica de Porto Alegre (HCPA), UFRGS.
Psicóloga. Especialista em Terapia Cogniti-
va pelo Núcleo de Terapia Cognitiva da Bahia lzabela G. Barbosa
(NTCBA) e em Terapia Comportamental Cog- Psiquiatra. Mestre e Doutora em Neurociências
nitiva em Saúde Mental pelo Programa de An- pela UFMG. Psiquiatra do Instituto de Previdên-
siedade do IPq-HCFMUSP. Docente do curso de cia dos Servidores do Estado de Minas Gerais
Aprimoramento e Especialização em Terapia (IPSEMG) e do Hospital Mater Dei. Preceptora
Comportamental Cognitiva em Saúde Mental da Residência de Psiquiatria do IPSEMG.
do Programa de Ansiedade do IPq-HCFMUSP.
Juliana Fernandes Tramontina
Fabiana Saffi Psiquiatra. Doutora em Psiquiatria pela UFR-
Psicóloga. Especialista em Psicologia Hospita- GS. Professora Adjunta do Departamento de
lar e em Avaliação Neuropsicológica e em Psi- Clínica Médica - Psiquiatria na Universidade
cologia Jurídica. Mestre em Ciências pelo De- Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
partamento de Psiquiatria da FMUSP. Psicólo- (UFCSPA). Coordenadora do Serviço de Eletro-
ga do IPq-HCFMUSP. convulsoterapia do Hospital Mãe de Deus.
Autores

Kalil Duailibi fessora Adjunta de Psiquiatria da UFRGS. Su-


Psiquiatra. Professor e Coordenador de Psi- pervisora da Residência Médica em Psiquiatria
quiatria da Universidade de Santo Amaro do HCPA. Pesquisadora do CNPq.
(Unisa). Professor Titular de Psicopatologia do
Márcio Gerhardt Soeiro-de-Souza
Instituto de Psiquiatria e Psicanálise da Infân-
cia e Adolescência de São Paulo (IPPIA). Psiquiatra. Pós-graduando no HCFMUSP. Mé-
dico colaborador do Programa de Transtornos
Leonardo Gazzi Costa Afetivos (Gruda) do IPq-HCFMUSP.
Médico. Residente de Psiquiatria no HCPN
Marco A. Romano-Silva
UFRGS.
Professor Titular de Psiquiatria da Faculda-
Ligia Mucci de de Medicina da UFMG. Pesquisador lA do
Psiquiatra. CNPq. Coordenador do INCT de Medicina Mo-
lecular.
Lívia Hartmann de Souza
Mercêdes J. O. Alves
Psiquiatra. Especialista em Psicoterapia de
Orientação Analítica pelo Centro de Estudos Médica. Especialista em Psiquiatria pela ABP-
Luís Guedes (CELG)/UFRGS. Doutoranda em -AMB-CFM. Professora Assistente de Psiquia-
Psiquiatria na UFRGS. tria, aposentada, da Faculdade de Ciências
Médicas de Minas Gerais. Psiquiatra da Uni-
Lucas C. Quarantini dade de Tratamento de Queimados do Hospi-
Psiquiatra. Mestre em Neurociências pela UF- tal João XXII! da Fundação Hospitalar do Esta-
BA. Doutor em Ciências pelo Departamento do de Minas Gerais.
de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina
Mireia Sulzbach
(Unifesp). Visiting Research Fellow, Harvard
School of Public Health. Professor Adjunto do Psiquiatra. Especialista em Terapia Cognitivo-
Departamento de Neurociências e Saúde Men- -comportamental. Mestre e Doutoranda em
tal e do Programa de Pós-graduação em Medi- Psiquiatria pela UFRGS.
cina e Saúde da UFBA.
Mychelle Morais-de-Jesus
Luciana Reis Pereira Psicóloga. Mestra em Medicina e Saúde pela
Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria pela UFBA.
ABP-AMB. Pós-graduanda em Geriatria e Ge-
Pedro Vieira da Silva Magalhães
rontologia na Unifesp.
Psiquiatra. Doutor em Psiquiatria pela UFRGS.
Maila de Castro L. Neves Pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e
Psiquiatra. Doutora em Medicina Molecular Tecnologia Translacional em Medicina (INCT-
pela UFMG. Preceptora da Residência de Psi- -TM).
quiatria do HC-UFMG.
Rafaela Araujo Lima
Marcelo Pio de Almeida Fleck Acadêmica de Medicina. Pesquisadora do Cen-
Psiquiatra. Mestre e Doutor em Ciências Mé- tro de Transtornos de Humor e Ansiedade do
dicas pela UFRGS. Professor Associado do De- Serviço de Psiquiatria do Complexo Hospi-
partamento de Psiquiatria e Medicina Legal da talar Universitário Professor Edgard Santos
UFRGS. Pesquisador IC do CNPq. (COMHUPES)/UFBA.

Mareia Kauer-Sant'Anna Renato Daltro de Oliveira


Psiquiatra. Doutora em Bioquímica pela UFR- Acadêmico de Medicina. Pesquisador do Cen-
GS. Pós-doutora em Transtornos do Humor pe- tro de Transtornos de Humor e Ansiedade do
la University of British Columbia (UBC). Pro- Serviço de Psiquiatria do COMHUPES/UFBA.
Autores

Ricardo Alberto Moreno nos de Humor, Laboratório de Neurociências,


Psiquiatra. Professor Doutor em Medicina do LIM27, IPq-HCFMUSP.
Departamento e Instituto de Psiquiatria do
HCFMUSP. Diretor da Unidade de Transtornos Salma Rose lmanari Ribeiz
do Humor (Gruda). Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria Geriátri-
ca pela ABP. Doutoranda em Psiquiatria pela
Ricardo Barcelos-Ferreira Universidade de Duke e FMUSP. Médica Pes-
Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria Geriá- quisadora do Programa Terceira Idade do IPq-
trica. Doutorando em Psiquiatria pela FMUSP. -HCFMUSP.
Pesquisador Colaborador do Programa Tercei-
ra Idade (Proter) do IPq-HCFMUSP. Vice-coor- Thaís Rabanea de Souza
denador do Departamento de Psiquiatria Geri- Psicóloga. Especialista em Neuropsicologia
átrica da ABP. pelo Centro de Diagnóstico Neuropsicológi-
co (CDN). Pós-graduanda no Departamen-
Rodrigo Machado Vieira to de Psiquiatria e Psicologia Médica da Uni-
Psiquiatra. Mestre em Bioquímica pela UFR- fesp. Professora no Curso de Especialização
GS. Doutor em Psiquiatria pela USP. Professor em Neuropsicologia do CDN. Pesquisadora no
do Programa de Pós-graduação em Psiquiatria, Laboratório Interdisciplinar de Neurociências
USP. Coordenador do Programa de Transtor- Clínicas da Unifesp.
'
A Associação Brasileira de Psiquiatria tificamente desafiador; em que a produção
(ABP), que por meio da parceria com a do conhecimento em Psiquiatria é o objeti-

Artmed Editora possibilitou a produção vo maior.
deste livro. A nossos familiares, em especial nos-
Ao Instituto Nacional de Ciência e Tec- sas esposas e nossos filhos, que compre-
nologia Translacional em Medicina (INCT- enderam os momentos de ausência desti-
-TM/CNPq), que provê um ambiente cien- nados à conclusão desta obra.
,
E um prazer ler e estudar em um livro que lizam corticoides) e uma doença especí-
nos instiga a refletir sobre um dos diag- fica (transtorno depressivo). Como mui-
nósticos mais prevalentes e custosos para tos pesquisadores sobre o tema, defendo a
o indivíduo e a sociedade - a depressão. ideia de que o termo técnico mais adequa-
Ainda mais em uma época que existe uma do ao diagnóstico da doença depressão é
clara tendência a quase só se diagnosticar melancolia. Infelizmente, com o domínio
transtorno bipolar. Qualquer melhora em de classificações com pouca base psicopa-
um paciente com depressão corre o ris- tológica, somos levados a esse tipo de si-
co de ser interpretada como um sinal de tuação. O termo melancolia, quando exis-
transtorno bipolar; e, por incrível que pa- te em um sistema classificatório, é apenas
reça, a ausência de melhora também pode para um subtipo.
ser entendida como sinal de bipolaridade. A história da moderna classificação
O transtorno bipolar se transformou em dos transtornos do humor começou a ser
uma grande panaceia diagnóstica do iní- delineada quando, em 1899, o psiquiatra
cio do século XXI. alemão Emil Kraepelin divide as doenças
Mas a depressão unipolar existe e é mentais graves em duas categorias: de-
o transtorno do humor mais prevalente. mência precoce (hoje esquizofrenia) e in-
Os pacientes com depressão relatam que sanidade maníaco-depressiva (hoje trans-
seu humor vital deprimido não mais de- torno do humor). Dessa maneira, Kraepe-
pende de seu controle: é de qualidade di- lin categorizava as descrições anteriores
ferente daquelas situações normais, per- de ''folie circulaire'' e de ciclotimia, desen-
tence a outra categoria de sentimentos. volvidas pelos franceses Falret e Bailla-
Tanto assim que pessoas com depressão ger em meados do século XIX. A descrição
conseguem "sentir'' tristeza e apontam, kraepeliniana é tão completa que até hoje
com precisão, as diferenças existentes en- os taxonomistas psiquiátricos se baseiam
tre tristeza e depressão. nela para propor novas subcategorias pa-
A confusão que cerca a palavra ''de- ra os transtornos do humor.
pressão'' é o fato de ela ter três significados. A depressão é uma condição exclusi-
Serve para descrever ao mesmo tempo uma vamente humana e, por conseguinte, seu
alteração do humor (tristeza), uma síndro- diagnóstico se faz com base nas caracte-
me (p. ex., depressão em pessoas que uti- rísticas clínicas que evidenciam as altera-
Apresentação

ções no humor do indivíduo e que o levam do pensamento, cujo conteúdo é empo-


a vivenciar mudanças qualitativas em su- brecido, e concentração prejudicada.
as funções afetivas, cognitivas e intelec- O livro Depressão: teoria e clínica, or-
tivas. ganizado por João Quevedo e Antônio Ge-
O exame psíquico é a parte mais im- raldo da Silva, traz aos leitores uma visão
portante da entrevista com o paciente de- científica e clínica desse diagnóstico com-
primido. Retardo psicomotor é a caracte- plexo e muitas vezes negligenciado. Os or-
rística que mais chama a atenção: ele se ganizadores desta obra reuniram pesquisa-
apresenta sem movimentaçao esponta-
• - h
dores e estudiosos para nos apresentarem
nea, imóvel, com mímica facial reduzi- os principais pontos científicos e atuais do
da, o olhar distante e apreensivo, de mo- conhecimento a respeito do transtorno. Es-
do que casos graves podem ser confundi- te livro, dividido em 20 capítulos, aborda
dos com síndrome catatônica. O humor temas como diagnóstico, história do con-
é permanentemente depressivo e, ape- ceito, dados epidemiológicos atualizados,
sar de seu retraimento, do distanciamen- psicopatologia, neurobiologia, modelos
to sociofamiliar e da expressão carrega- animais, tratamentos farmacológico e psi-
da, o paciente nega estar deprimido. Um coterápico, eletroconvulsoterapia, estimu-
questionamento mais cuidadoso o levará lação magnética transcraniana, psicoedu-
a expressar seus sentimentos de profunda cação, suicídio, depressão na infância e na
tristeza, de incapacitação, de impotência, senectude, entre outros, que demonstram
tudo dito com dificuldade, com fala len- a atualidade da obra e o cuidado dos or-
ta e monótona, evidência de lacunas mnê- ganizadores, que se traduzirão no sucesso
micas, respostas curtas e demoradas. Ru- do livro.
minações sobre perdas, culpas variadas,
morte e suicídio são comuns. Com seu Antonio Egídio Nardi
olhar perdido e sua dificuldade de evoca- Professor Titular de Psiquiatria,
ção, o paciente pode apresentar bloqueio Universidade Federal do Rio de Janeiro
Depois de Transtorno bipolar: teoria e clí- mais profissionais que atuam em saúde
nica, publicado em 2009, e junto com mental.
Transtorno de pânico: teoria e clínica, a Dominar a "teoria'' subjacente aos
ideia de produzir um conjunto de publi- conceitos básicos da fisiopatologia e da
cações sobre os transtornos mentais mais psicopatologia do transtorno depressivo
comumente encontrados no dia a dia da é requisito indispensável a uma prática
clínica e da pesquisa sob o enfoque tan- "clínica'' direcionada ao correto diagnós-
to da teoria como da clínica ganhou cor- tico e ao tratamento de excelência. Teo-
po, constituindo-se em um desafio para os ria e clínica se encontram, assim, quando
próximos anos. Depressão: teoria e clínica estamos ante os pacientes, seu sofrimento
surge naturalmente nesse contexto. e sua necessidade de pronta recuperação.
A importância da temática ''depres- Nesta obra, demos especial atenção
são'' dispensa maiores argumentos, uma às estratégias terapêuticas, sejam as bio-
vez que se trata de um dos transtornos lógicas (far1nacológicas e não far1nacoló-
psiquiátricos mais prevalentes e inca- gicas) ou as psicoterapêuticas, cuja aplica-
pacitantes. Os pacientes com depressão ção em conjunto, no melhor interesse dos
não são objeto de preocupação e atenção pacientes, deve ser o objetivo de quem tra-
apenas da psiquiatria, também o são das ta depressão.
demais especialidades médicas e dos de- Boa leitura!

Os organizadores
1. Depressão ao longo da história ........................................................................... 17
Thaís Rabanea de Souza, Acioly Luiz Tavares de Lacerda
2. Epidemiologia do transtorno depressivo maior ................................................... 29
Leonardo Gazzi Costa, Pedro Vieira da Silva Magalhães
3. Psicopatologia e diagnóstico da depressão .......................................................... 39
Elie Cheniaux
4. Neurobiologia do transtorno depressivo maior ................................................... 49
Márcio Gerhardt Soeiro-de-Souza, Rodrigo Machado Vieira
5. Modelos animais de depressão ............................................................................ 57
Gislaine Z. Réus, Helena Mendes Abelaira, João Quevedo
6. Tratamento far111acológico da depressão ............................................................. 67
Marco A. Romano-Silva, Debora Marques de Miranda,
Daniela Valadão Rosa, António Alvim-Soares
7. Psicoterapia
, cognitivo-comportamental na depressão ......................................... 83
Erica Panzani Duran, Fabiana Saffi, Francisco Lotufo Neto
8. Psicoterapia interpessoal no manejo da depressão .............................................. 97
Marcelo Pio de Almeida Fleck, Lívia Hartmann de Souza
9. Psicoeducação e tratamento da depressão ........................................................ 107
Antônio Geraldo da Silva, Fernando Portela Câmara
1IJ. Distimia............................................................................................................. l 15
Bruno Lima, Ricardo Alberto Moreno
11. Suicídio ............................................................................................................. 125
Humberto Correa, Maila de Castro L. Neves
12. Depressão e condições médicas gerais .............................................................. 133
Renato Daltro de Oliveira, Rafaela Araujo Lima,
Mychelle Morais-de-Jesus, Lucas C. Quarantini
Sumário

13. Depressão e comorbidades psiquiátricas ........................................................... 145


Kalil Dualibi, Luciana Reis Pereira, Ligia Mucci

14. Depressão e dor ............................................................................................... 155


Fábio Gomes de Matos e Souza
15. Depressão bipolar.............................................................................................. 169
lzabela G. Barbosa, Antonio Lucio Teixeira

16. Depressão gestacional e pós-parto .................................................................... 179


Mireia Sulzbach, Ives Cavalcante Passos, Elisa Brietzke,
Mareia Kauer-Sant'Anna

17. Depressão na infância e na adolescência ........................................................... 197


Christian Kieling

18. Tratamento da depressão em idosos ................................................................. 207


Cassio M. C. Bottino, Ricardo Barcelos-Ferreira, Salma Rose Imanari Ribeiz
19. Terapias biológicas não farmacológicas I - Eletroconvulsoterapia..................... 217
Mercêdes J. O. Alves, Antônio Geraldo da Silva, Juliana Fernandes Tramontina
20. Terapias biológicas não farmacológicas II -
. 1açao
est 1mu - magne't"1ca t ranscran1ana
. .............................................................. .233
Mercêdes J. O. Alves, Antônio Geraldo da Silva
,
I11clic(! ....................................................................................................................... ~4~
Thaís Rabanea de Souza
Acioly Luiz Tavares de Lacerda

INTRODUÇÃO cional, consolidada com as contribuições


de Sócrates (Atenas, 469 a.C.-399 a.C.),
O termo depressão é relativamente novo viabilizou a transferência do entendimen-
na história, tendo sido usado pela primei- to da doença do âmbito divino para a na-
ra vez em 1680, para designar um esta- tureza, inaugurando, assim, o modo cien-
do de desânimo ou perda de interesse. Em tífico de pensar.
1750, Samuel Johnson incorporou o ter-
mo ao dicionário. O desenvolvimento do
conceito de depressão emergiu com o de- ANTIGUIDADE EIDADE MÉDIA
clínio das crenças mágicas e supersticio-
sas que fundamentavam o entendimento Atribui-se a Hipócrates (Cós, 460 a.C.-370
dos transtornos mentais até então. Desse a.C.) e seus seguidores a diferenciação en-
modo, a história do conceito de depressão tre medicina e filosofia, bem como a tran-
tal como o concebemos na atualidade tem sição da explicação da doença centra-
seu início no século XVII. Entretanto, sua da em termos sobrenaturais para termos
origem pode ser inferida a partir das men- científicos e, ainda, a superação da teo-
ções de alterações de humor ao longo da ria cardiocêntrica de Aristóteles (Estagira,
história, sobretudo nas referências ao es- 384 a.C.-Atenas, 322 a.C.), a qual consi-
tado conhecido como melancolia. 1 derava o coração como o centro das emo-
As primeiras descrições de estados ções humanas, descrevendo o cérebro co-
de alteração do humor podem ser encon- mo o ''centro'' das funções mentais e, por-
tradas nas escrituras bíblicas e na mito- tanto, de suas patologias. Com base no
logia. A visão pré-socrática do homem, conceito dos quatro fluidos - bile, fleug-
compartilhada de modo geral por gre- ma, sangue e bile negra -, Hipócrates de-
gos, hebreus, egípcios, babilônios e per- senvolveu seu entendimento das doenças
sas, compreendia o adoecimento físico e como manifestação de um desequilíbrio
mental a partir de uma narrativa mítica entre esses fluidos e também seu mode-
e religiosa, atribuindo a uma entidade di- lo dos quatro humores - colérico, fleug-
vina a etiologia de todos os males. A pas- mático, sanguíneo e melancólico -, que,
sagem da narrativa mítica ao discurso ra- segundo ele, explicariam a regulação das
Ouevedo & Silva (orgs.)

emoções e a formação do caráter dos in- vo provocaria as doenças. Galena prefe-


divíduos. Fundamentado nesse modelo, ria utilizar o termo humor melancólico, ou
Hipócrates formulou a primeira classifi- sangue melancólico, a bile negra e susten-
cação nosológica dos transtornos mentais tava que o humor, ou o sangue melancó-
registrada na história: descreveu e no- lico, poderia ocorrer em diferentes partes
meou a melancolia, a mania e a paranoia. do corpo e, portanto, não estaria restrito
A etimologia do termo melancolia - me- ao cérebro, como postulado por Hipócra-
lan significa negro, e cholis, bile -, revela tes. Galena classificou a melancolia em
a visão de Hipócrates: o quadro clínico da três tipos, com base na localização do cor-
melancolia - em que se observava aversão po onde supostamente estaria concentra-
à comida, falta de ânimo, inquietação, ir- do o desequilíbrio: no cérebro, na corren-
ritabilidade, medo ou tristeza que perdu- te sanguínea ou no estômago. Enfatiza-
ravam por longo período - seria resultan- va, ainda, que, embora cada caso tenha
te de uma intoxicação do cérebro pela bi- as suas especificidades, o medo e a falta
le negra. Hipócrates diferencia, ainda, a de ânimo eram os sintomas cardinais. Na
doença melancolia da personalidade me- época, os tratamentos indicados eram o
lancólica. 2 uso de plantas medicinais como helébo-
Em sua obra Problemata, Aristóteles ro, meimendro, mandrágora e beladona,
corrobora o modelo proposto por Hipó- e de purgantes para a eliminação da bi-
crates e acrescenta que, enquanto o exces- le negra. z,3
so de bile negra resulta em estados graves No século V (476 d.C.), ocorreu a
de doença mental, uma quantidade me- queda do Império Romano do Ocidente,
nor ou um desequilíbrio menos acentuado marcando o fim da Antiguidade e o iní-
resulta em um temperamento melancóli- cio da Idade Média. O pensamento gre-
co. Aristóteles sustenta que existe uma re- co-romano, incluindo as suas contribui-
lação da inspiração, do brilhantismo e da ções para a ciência e para a medicina, é
realização com a melancolia. 3 abandonado e substituído por uma visão
O século II a.e. marca a ascensão do religiosa edificada sobre a ubiquidade de
Império Romano. A despeito da submis- uma entidade divina e um modelo mani-
são total das cidades gregas, as ideias hi- queísta. Os transtornos mentais passam
pocráticas continuam orientando a for- a ser inseridos na demonologia da épo-
mação e a atuação dos médicos na An- ca. O monge lonnes Cassianus introduz
tiguidade. Nesse momento histórico, o ter1110 acídia, palavra de origem grega
destacam-se as contribuições de Gale- que significa ''estado de descuido'', para
na (Pérgamo, 128-Roma, 201), que rea- designar estados variados de apatia, pre-
firma a teoria dos quatro humores postu- guiça, indolência, negligência e enfraque-
lada por Hipócrates, associando os qua- cimento, de modo que essa palavra pode
tro elementos (ar, fogo, terra e água) com ser considerada um termo medieval para
fluidos (bile amarela, bile negra, fleug- a melancolia. São Gregório Magno (Ro-
ma e sangue), qualidades (quente, úmi- ma, 540-604) inclui a acídia entre os se-
do, frio e seco) e humores (colérico, fleug- te pecados capitais, logo, sujeito à peni-
mático, sanguíneo e melancólico). Segun- tência. São Tomás de Aquino (Roccasec-
do Galena, citado por Cordás 2 e Radden, 3 ca, 1225-Fossanova, 1274), apesar de
o balanço entre os fluidos e as qualida- seu profundo moralismo, demonstrou-se
des formaria os traços do temperamento mais benevolente com os melancólicos. Is-
de um indivíduo e as suas predisposições, so porque a vitória sobre a acídia trazia o
enquanto um desequilíbrio significati- contentamento, a maior de todas as virtu-
Depressão

des, que expressava a união mística com


. " .
IDADE MODERNA
Deus, e, portanto, a perntenc1a para o pe-
cado da acídia foi atenuada. Essa postura O final da Idade Média inaugurou a Ida-
perdurou até 1233, quando teve início o de Moderna, consagrando o início de um
período de Inquisição na Igreja Católica, intenso e significativo movimento social,
uma época em que se condenava à mor- cultural e intelectual: o Renascimento.
te tanto os mais proeminentes intelectuais Não há consenso sobre a cronologia desse
que ousavam refutar os dogmas religiosos momento histórico; estima-se que abran-
quanto os doentes mentais, seja por moti- ja os séculos XIY, XV e XVI. A visão reli-
vos heréticos, seja por motivos demono-
. . ,
g1osa e man1que1sta que marcou o pensa-
lógicos. Encurralados pela Igreja Católi- mento medieval é convertida em uma vi-
ca, muitos pensadores encontraram refú- são humanista, e a doença mental passa a
gio no mundo árabe, onde as principais ser compreendida prioritariamente a par-
obras científicas e filosóficas greco-roma- tir de uma perspectiva biológica, filosófi-
nas foram traduzidas e continuaram sen- ca e psicológica. Na era moderna, teste-
do aprimoradas. A teoria galênica dos hu- munha-se o período de transição da per-
mores continuou prevalecendo no âmbito cepção da melancolia baseada no modelo
do entendimento da doença mental, sen- humoral galênico para a ciência moder-
do a melancolia o transtorno psiquiátrico na, na qual a alquimia é substituída pe-
mais frequentemente identificado. Nes- la química e os humores são substituídos
se contexto, destaca-se o pensador persa por nervos. Dentre as principais contribui-
Avicenna (980-1037), cujos escritos re- ções, sobressai-se a obra do italiano Mar-
velam como a teoria humoral e as descri- sílio Ficino (1433-1499), intitulada Três
ções greco-romanas dos sintomas da me- livros da vida, na qual ele apresenta o seu
lancolia viajaram da Europa Ocidental pa- aprendizado sobre as causas e curas das
ra o mundo árabe. Avicenna defende que doenças e oferece aconselhamentos sobre
a presença anormal de bile negra é pro- saúde e bem-estar. Ficino elabora sua te-
vocada por um processo de superaqueci- oria acerca da melancolia com base em
mento e sedimentação e postula uma lis- fundamentações astrológicas, sobretudo
ta de sinais e sintomas da melancolia que relacionando o quadro com o planeta Sa-
vão desde desconfortos físicos até dese- turno, e ressalta o achado de Aristóteles,
quilíbrios mentais, como medos irracio- estabelecendo uma relação entre geniali-
nais, prejuízo no julgamento, falsas cren- dade e brilhantismo com melancolia. In-
ças e percepções distorcidas da realida- fluenciado pelas ideias de Ficino, Robert
de. Outra importante contribuição nesse Burton (1577-1640) elabora uma obra
período é a obra do médico árabe Ishaq clássica, intitulada A anatomia da melan-
Ibn Imran, intitulada Melancholia, em que colia (1621), um dos primeiros livros de
se encontra uma descrição dos principais psiquiatria escritos em inglês. Nessa obra,
sintomas da doença, como o mutismo, a Burton enfatiza que o quadro clínico da
imobilidade, distúrbios do sono, agitação, melancolia deve ser diferenciado da lou-
desânimo, choro e risco de suicídio. Ain- cura, à qual hoje atribuímos o nome de
da na Idade Média, a freira alemã Hilde- mania, e aponta para o fato de que um
gard (1098-1179) foi pioneira ao apontar paciente pode exibir um ou outro quadro
a melancolia em seus estudos sobre cau- em momentos diferentes, observação per-
sas e curas para as doenças, assim como tinente que remete ao quadro que hoje é
diferenças na manifestação desta entre denominado transtorno bipolar. Ele dife-
homens e mulheres. 3 rencia também a melancolia positiva, co-
Ouevedo & Silva (orgs.)

mo fonte de sabedoria e inclinação poéti- para o campo da medicina. O médico es-


ca, religiosa e filosófica, do estado melan- cocês William Cullen (1710-1790), pio-
cólico, uma doença crônica, caracterizada neiro no emprego do termo neurose, refu-
por um estado de humor melancólico per- ta essa visão mecânica do homem e funda-
manente, caracterizado pela presença de menta suas teorias sobre saúde e doença
medo, sofrimento e enfado, que deixa o mental por meio do sistema nervoso. Sua
indivíduo pesaroso, embotado, preguiço- teoria da melancolia como um desequi-
so, inquieto e inapto ao trabalho. Burton líbrio entre diferentes partes do cérebro,
reconhece ainda a natureza clínica da do- que resultaria no comprometimento de
ença e faz menção ao suicídio. As referên- faculdades cognitivas como o julgamento
cias à etiologia da depressão são difusas e e a articulação de ideias, suplantou a teo-
misturam aspectos sobrenaturais, fatores ria dos humores galênica vigente até en-
hereditários e fatores ambientais e com- tão. O sistema de classificação nosológica
portamentais, como alimentação, absti- proposto por Cullen descrevia a melanco-
nência sexual e ignomínia. Por fim, Bur- lia como uma insanidade parcial, causada
ton defende enfaticamente que nenhum por um grau de torpor na atividade do sis-
homem está livre da melancolia. Muitas tema nervoso que afetava tanto a sensa-
das concepções terapêuticas propostas no ção quanto a volição. Cullen foi profun-
livro são ainda consideradas relevantes, damente influenciado pelo filósofo John
como as postulações sobre os conflitos Locke (1632-1704), que defendia as ex-
mentais e os mecanismos de repressão. 3 -5 periências como fonte de conhecimento,
Ainda na Renascença, merecem ser sendo o cérebro o órgão responsável pela
mencionadas
, as contribuições de Teresa organização e integração das impressões
de Avila, ou Santa Teresa (1515-1582), e ideias, de modo a transformá-las em co-
por sua habilidade na distinção entre a nhecimento, sendo a loucura entendida
melancolia e os estados mentais relacio- como uma falha nesse processo. 4
nados; e Timothie Bright (1550-1615), Immanuel Kant (1724-1804), proemi-
que publicou, em 1568, o Tratado da me- nente filósofo metafísico, também contri-
lancolia, uma das primeiras publicações buiu com uma proposta de classificação dos
sobre transtornos mentais fundamentada transtornos mentais, separando-os do qua-
em conceitos médicos consistentes, que dro de retardo mental e identificando três
também inspirou a obra de Burton. O tra- entidades nosológicas principais: melanco-
balho de Bright descreveu a distinção en- lia, mania e insanidade. Ele descreve ainda
tre os estados de melancolia corpóreos e a hipocondria, de modo semelhante a como
os estados espirituais caracterizados por é descrita na atualidade, como uma for1na
um grande sofrimento associado a senti- de manifestação da melancolia. 3
mentos pecaminosos. 3 No século XIX, o termo melanco-
O século XVIII assinala a ascensão do lia e as elucubrações relacionadas perde-
racionalismo e o início do Iluminismo. As ram sua valência no panorama científico.
abstrações dedutivas são substituídas pe- O termo depressão, por sua vez, emergiu
la fundamentação empírica. Trabalhos de definitivamente e consolidou-se nas déca-
grandes anatomistas, como o médico ale- das seguintes como entidade nosológica
mão Her1nann Boerhaave (1668-1738), independente. Desde então, a edificação
promoveram a substituição da teoria dos da teoria da depressão, fundamentada na
humores por um modelo de funcionamen- investigação científica e na observação
to mecânico e hidráulico, oriundo da mi- clínica, que sustenta as práticas médicas,
gração da filosofia mecânica de Newton tem evoluído.
Depressão

Em um momento histórico marca- físicas e psicológicas. Defendia que a psi-


do pelo fim da Revolução Francesa e pelo quiatria deveria ser baseada em descri-
auge da Revolução Industrial, observam- ções precisas das diferentes manifestações
-se importantes transformações no campo clínicas, livre de teorias ideológicas, fun-
da psiquiatria. Em 1827, quando Johann damentada em uma rigorosa observação
Christian August Heinroth (1773-1842) é e complementada pelo criterioso esforço
nomeado professor de ''medicina psíqui- de delimitação das características típicas
ca'' na Universidade de Leipzig, surge a e de sua respectiva classificação. Com es-
primeira disciplina de psiquiatria em uma sa postulação, revolucionou a abordagem
universidade. Uma relevante contribuição metodológica de sua época. Sua influên-
de Heinroth foi sua visão holística da in- cia para os pesquisadores e teóricos que
teração entre mente e corpo, que o levou o sucederam, e para a psiquiatria de um
a cunhar o termo psicossomática. Heinro- modo geral, é inegável. 3 ,4,6
th descreveu o estado de melancolia pura Esquirol, brilhante discípulo de Pi-
como uma paralisia da disposição acom- nel, sustenta que a psiquiatria deve ser
panhada por depressão. Após sua morte, consolidada como uma medicina mental e
. ,
entretanto, muitos anos se passaram ate que, portanto, a compreensão dos trans-
que a disciplina fosse ministrada nova- tornos psiquiátricos deve ser baseada em
mente. Os acadêmicos pareciam se opor pressupostos neurobiológicos (anatomia
veementemente a ela, pois se mostravam cerebral). Em 1838, publica a obra Des
avessos à noção de que a psiquiatria, vista Maladies Mentales, considerada o primei-
como um aglomerado de ideias elusivas, ro marco divisor antes de Kraepelin. Es-
pudesse se consolidar como uma especia- quirol propõe uma alteração do conceito
lidade médica. 2,4 de melancolia de Pinel, descrevendo-a co-
Na primeira metade do século XIX, a mo uma perturbação das emoções e não
relevância das contribuições da psiquiatria do intelecto e dividindo-a em lipemania
francesa é notável. Dentre as grandes per- e monomania, primeira aferição conheci-
sonalidades reveladas, destacam-se os no- da na história para a divisão entre trans-
mes de Philippe Pinel (1745-1826) e Jean- tornos do humor (lipemania) e transtor-
-Etienne Dominique Esquirol (1772-1840). nos do juízo (monomania). O ter1no lipe-
Ao defender a humanização no tratamen- mania perdurou na França por um tempo,
to, Pinel revolucionou a abordagem da mas não se estendeu à Inglaterra ou à Ale-
doença mental. Em 1801, publica o Trate manha e, embora não tenha sobrevivido,
Médico-Philosophique sur Ealiénation Men- configurou-se como um indicativo da mu-
tale ou la Manie, considerado um marco dança do termo melancolia para depres-
na história da psiquiatria. Pinel definiu a são. Outra importante contribuição de Es-
melancolia ou, como ele postulou, delí- quirol foi a proposta de sistematização do
rio sobre um assunto exclusivo, como uma tratamento da melancolia, abrangendo o
for1na parcial de insanidade caracteriza- treinamento adequado dos médicos que
da por um único ou um limitado núme- atuavam em hospitais psiquiátricos. 2,4
ro de delírios. Ele descreveu como princi- Outro importante nome que merece
pais sintomas da melancolia a taciturnida- ser citado é o do psiquiatra norte-america-
de, um ar meditabundo, a desconfiança e no Benjamin Rush (1745-1813). Homem
a busca da solidão. Identificou causas psi- pragmático e cientista empírico, Rush foi
cossociológicas, uma variedade de confi- considerado o pai da psiquiatria norte-
gurações nervosas individuais e experiên- -americana e dedicou seus estudos à reti-
cias de vida, bem como predisposições rada do caráter misterioso e supersticioso
Ouevedo & Silva (orgs.)

que revestia a doença mental até então, es- poentes Karl Jacobi (1775-1858); e, de
forçando-se para colocar as doenças men- outro, a ''escola psiquista'', que atribuía às
tais no mesmo paradigma das doenças de perturbações emocionais o embasamento
outras especialidades médicas, atribuindo das perturbações anímicas. Em 1845, pu-
ao cérebro o substrato biológico dos trans- blica o Tratado sobre patologia e terapêu-
tornos mentais. O trabalho de Rush em re- tica das doenças mentais, um verdadeiro
lação à melancolia influenciou estudiosos marco na história da psiquiatria. De mo-
além da fronteira de seu país, como Esqui- do geral, ele defendia que o cérebro era o
rol, por exemplo. Considerando as ideias órgão afetado na loucura e que as doen-
de Cullen e Kant, Rush descreve a melan- ças mentais seriam, pois, doenças do cé-
colia como uma insanidade parcial e, fun- rebro. A classificação proposta por Jaco-
damentado no princípio de que a razão é bi resultava em basicamente três estados
central em todo transtorno mental, acres- que, em geral, sucediam um ao outro con-
centa que, embora a concepção do qua- forme a progressão da doença: estado me-
dro seja de fato ampla, a melancolia está lancólico, que poderia ser seguido por es-
mais associada com a presença de falsas tados de exaltação ou mania e, finalmen-
crenças ou delírios do que com sentimen- te, pelo estado de demência crônica. Sua
tos ou emoções como medo ou tristeza. proposta de classificação ficou conhecida
Rush introduziu ainda o termo tristema- como a teoria da psicose única e, segun-
nia, que substitui o termo hipocondria, do essa concepção, a melancolia configu-
existente até então para designar formas rava-se como o estágio inicial da doença
de insanidade vinculadas a delírios sobre mental. 3 ,6
si mesmo, coisas ou condições; e substi- A evolução do pensamento de Emil
tuiu o termo melancolia por amenomania, Kraepelin e Sigmund Freud consolidou
referindo-se à presença de delírios acerca definitivamente a transição da psiquiatria
do resto do mundo que envolve o pacien- vitoriana do século XIX para a psiquiatria
te. A influência de Rush ultrapassou fron- moderna no início do século XX. A influên-
teiras e séculos, porém os termos usados cia marcante desses dois nomes também
por ele não sobreviveram. 3 ,7 inaugurou uma divisão nas práticas em
Os achados de um personagem cen- saúde mental: de um lado, a psicanálise,
tral no cenário da psiquiatria alemã, Wi- alicerçada em fundamentos psicológicos;
lhelm Griesinger (1817-1868), conside- e, de outro, a psiquiatria científica, funda-
rado por muitos como um dos pais da mentada em bases neurobiológicas. A se-
psiquiatria biológica, também merecem gunda teve um impacto muito mais sig-
destaque, especialmente por sua grande nificativo no desenvolvimento da prática
influência na obra de Kraepelin. A Grie- em psiquiatria e uma influência maior nas
singer é creditado o feito de colocar a psi- definições da síndrome depressiva, utili-
quiatria alemã em uma posição de proe- zadas tanto no Manual diagnóstico e esta-
minência na segunda metade do século tístico de transtornos mentais 8 quanto na
XIX, lugar anteriormente ocupado pela Classificação internacional das doenças. 9 O
França. Tal feito pode ser atribuído à su- conceito de depressão desenvolvido pela
peração das ideias conflitantes que divi- psicanálise, por sua vez, contribuiu para o
diam a psiquiatria alemã do início do sé- desenvolvimento das psicoterapias e para
culo XIX em duas vertentes: de um lado, as representações da depressão encontra-
a ''escola somática'', que relacionava os das na arte e na literatura. 4
• A •
transtornos mentais a processos organ1- Profundamente influenciado pelas
cos, tendo como um de seus maiores ex- ideias de Griesinger e pela psicologia ex-
Depressão

perimental de Wilhelm Max Wundt (1832- No contexto da psiquiatria científi-


1920), Emil Wilhelm Magnus Georg Krae- ca da primeira metade do século XX, des-
pelin (1856-1926) apresentou, em 1899, o tacam-se outros nomes que influenciaram
mais forte conceito taxonômico vigente no os psiquiatras de sua geração: o psiquia-
panorama da psiquiatria mundial. Ele pos- tra britânico Aubrey Lewis, que defendeu
tulou categorias de doenças mentais de uma visão unidimensional da depressão,
acordo com o grupo de sintomas e a pro- afirmando que a divisão entre depressão
gressão da doença. Sua mais importante endógena e reativa ou neurótica e psicó-
contribuição foi a divisão das psicoses en- tica era arbitrária, e que a depressão seria
tre condições caracterizadas por altera- uma doença única; Adolf Meyer, psiquia-
ções de pensamento que podem resultar tra suíço, contemporâneo de Kraepelin,
em deterioração e que requerem trata- que criticou a postulação deste, susten-
mento contínuo, que denominou demen- tando que havia muitas formas de depres-
tia praecox (demência precoce); e altera- são que não se enquadravam na categoria
ções do humor não deteriorantes, geral- única da psicose maníaco-depressiva pos-
mente episódicas e passíveis de remissão, tulada por Kraepelin, e sugeriu, em 1905,
que denominou de psicose maníaco-de- que se eliminasse o termo melancolia e
pressiva. O termo demência precoce re- se adotasse definitivamente o termo de-
feria-se a um quadro psicótico associado pressão, a fim de ressaltar os propósitos
a um processo de deterioração cognitiva médicos; Ugo Cerletti, psiquiatra e neu-
progressiva edemência) que ocorria em rologista italiano, que, em parceria com
indivíduos jovens (precoce), cujo prog- Lúcio Bini, definiu com sucesso os parâ-
nóstico tendia a ser pior quando compa- metros necessários para a aplicação de
rado ao da psicose maníaco-depressiva. eletricidade diretamente no couro cabelu-
Sua conceituação dicotômica contrapu- do e iniciou o uso de estímulo elétrico pa-
nha-se à teoria da psicose única de Grie- ra a indução de convulsão com fins tera-
singer. A proposta de Kraepelin de dividir pêuticos, desenvolvendo, assim, a eletro-
as doenças mentais em duas entidades, convulsoterapia (ECT), a qual se tornou
transtornos afetivos e psicoses esquizofrê- a base das intervenções biológicas indica-
nicas, for111ou as bases do entendimento das para o tratamento dos transtornos psi-
da doença mental por mais de um século. quiátricos durante as décadas de 1940 e
Embora com o passar dos anos os trans- 1950. Inicialmente utilizada para o trata-
tornos psiquiátricos tenham sido cada vez mento da esquizofrenia, observou-se que
mais compreendidos como um continuum a ECT também poderia ser eficaz no trata-
e não como entidades completamente se- mento de sintomas depressivos e manía-
paradas, a concepção de Kraepelin conti- cos. A ECT continua sendo um tratamento
nua fundamentando os principais manu- biológico de excelência até os dias de ho-
ais de referência para a classificação de je, sendo ainda considerada o tratamen-
transtornos mentais até os dias de hoje. to mais eficaz para episódios de depres-
A depressão era entendida, nesse contex- são grave. 4,l 3, 14
to, como parte do curso da psicose manía- Em 1917, Sigmund Freud15 (1856-
co-depressiva. Kraepelin atribuiu a etiolo- -1939) publica o artigo "Luto e Melanco-
gia da doença a fatores hereditários, dan- lia''. Nele, em primeiro lugar, afir1na que
do maior ênfase aos fatores internos do irá esclarecer alguns tópicos sobre a natu-
que aos externos, e observou ainda que as reza da melancolia, alertando para as li-
mulheres eram mais suscetíveis a eles do mitações de suas conclusões. Em segun-
que os homens.4 , 10-12 do, pontua que a melancolia pode assu-
Ouevedo & Silva (orgs.)

mir várias formas clínicas e que algumas Radó (1890-1972), psicanalista húnga-
dessas formas podem ter afecções somáti- ro, distinguiu a neurose depressiva - for-
. " .
cas e outras ps1cogen1cas, e que suas con- ma menos grave, na qual o paciente tem
siderações estão vinculadas à observação consciência de sua baixa autoestima - da
de casos de natureza psicogênica indiscu- melancolia - forma mais grave, com pre-
tível. Freud sugere a presença de uma dis- sença de delírios de autoacusação, que se
posição patológica e distingue os traços aproxima da depressão psicótica. Otto Fe-
mentais da melancolia, os quais incluíam nichel (1898-1946), psicanalista vienen-
desânimo profundo, perda da capacidade se, sob a tutela de Radó, defendeu que
de amar, inibição de toda e qualquer ativi- a depressão seria um aspecto comum à
dade, diminuição da autoestima, autorre- maioria das formas de neurose e que a
criminação e autoenvilecimento e expec- persistência de um grau leve de depressão
tativa delirante de punição. Ele postula seria um prenúncio de que uma depressão
que, na melancolia, acontece um empo- mais grave poderia se desenvolver, suge-
brecimento e esvaziamento do próprio rindo, portanto, um continuum dos esta-
ego, que resulta em um delírio de inferio- dos de depressão entre neurose e psicose.
ridade, principalmente moral, que é com- Outros nomes, como o de Karl Abraham,
pletado por insônia e pela recusa em se René Spitz e Melanie Klein, também me-
alimentar. Sugere que a tendência a adoe- recem destaque. 2,4
cer de melancolia está vinculada à predo- A partir da década de 1960, além
minância do tipo narcisista de escolha ob- das psicoterapias psicodinâmicas, as abor-
jetal. Ele também aponta para a tendên- dagens cognitivas e comportamentais des-
cia ao suicídio e, ainda, para a tendência pertaram o interesse e também passaram
da melancolia em se transformar em ma- a exercer influência sobre o entendimen-
nia. O ter1no depressão propriamente di- to e o tratamento do comportamento de-
to é utilizado de modo descritivo, e não pressivo. Dentre elas, destaca-se a terapia
como um quadro clínico ou uma catego- cognitivo-comportamental (TCC), desen-
ria nosológica. Freud inaugura a prática volvida pelo psicólogo norte-americano
primordialmente terapêutica baseada em Aaron Beck. A TCC sustenta que a origem
fundamentos psicodinâmicos que predo- e a manutenção dos sintomas depressivos
minou na psiquiatria moderna da primei- estão associadas à presença de pensamen-
ra metade do século XX. Se, por um lado, tos e crenças disfuncionais e não de for-
a orientação psicanalítica enfraqueceu os ças inconscientes, como defendia a tradi-
laços da psiquiatria com a medicina expe- ção freudiana. Inúmeros ensaios clínicos
rimental e com as demais ciências biológi- controlados comprovam a eficácia da TCC
cas, por outro, fez importantes contribui- no tratamento da depressão leve e mode-
ções, como o aumento do insight clínico, rada.17-19
o desenvolvimento sistemático de defini- A influência da primeira e, especial-
ções do comportamento e da doença e a mente, da segunda guerra mundial resul-
diminuição do estigma social associado tou na expansão da influência e na popu-
ao transtorno menta1.11,12,1s,16 larização da psiquiatria - e na posterior
A influência da orientação psica- expansão do diagnóstico de depressão. O
nalítica na psiquiatria ocidental atin- sucesso dos psiquiatras no tratamento de
giu seu ápice na década de 1960 e per- soldados que desenvolveram transtornos
durou até a década de 1970. Nesse perío- mentais em decorrência da guerra elevou
do, alguns nomes se destacaram: Sandor o status da psiquiatria a um patamar se-
Depressão

melhante ao de outras especialidades mé- conhecida como hipótese noradrenérgica


dicas. A atuação dos psiquiatras deixou de (5HT).4,21
estar restrita aos asilos ou hospitais psi- Em 1951, Herbert Hyman Fox e Har-
quiátricos. O adoecimento e o sofrimento ry L. Yale comprovaram o efeito tubercu-
mentais dos soldados, acrescidos dos bons lostático da iproniazida, a qual passou a
resultados obtidos com a intervenção psi- ser largamente utilizada no tratamento da
quiátrica, favoreceram a superação do es- tuberculose, diminuindo de forma signifi-
tigma social associado à doença mental. cativa a mortalidade nos Estados Unidos.
A popularização do trabalho dos psiquia- Em 1952, Ernst Abert Zeller observou que
tras, incentivada pelos meios de comuni- a iproniazida era um inibidor da enzima
cação, aumentou o interesse, a procura e monoaminoxidase (MAO), e estudos sub-
o consumo de produtos e serviços de saú- sequentes demonstraram a relação entre a
de mental pela população geral. Esse ce- administração da iproniazida e o aumen-
nário culminou com a explosão do merca- to dos níveis de serotonina no cérebro e
do de saúde mental observada na segun- na melhora do humor. Em 1957, Nathan
da metade do século XX. 4 S. Kline apresentou os resultados de suas
Apesar do serendipismo que mar- pesquisas com a iproniazida, acumulando
cou o estabelecimento da psicofarmacolo- evidências científicas sobre seus efeitos
gia como estratégia de primeira linha no antidepressivos. Surgia, assim, o primeiro
tratamento dos transtornos mentais, essa grupo de medicamentos antidepressivos,
disciplina trouxe importantes contribui- que ficaram posteriormente conhecidos
ções para o entendimento dos substratos como inibidores da MAO (IMAO). Essa
neurobiológicos de diferentes transtornos classe de antidepressivos foi rapidamen-
mentais, incluindo a depressão. Ainda na te introduzida na prática clínica e larga-
década de 1950, o psiquiatra suíço Ro- mente utilizada para o tratamento da de-
land Kuhn (1912-2005) descobriu aciden- pressão. Todavia, sua ascensão foi tão rá-
talmente o efeito antidepressivo específi- pida quanto seu declínio. A gravidade dos
co da imipramina, molécula com proprie- efeitos colaterais observados levou à reti-
dades anti-histamínicas, anticolinérgicas rada da maior parte dos IMAOs do merca-
e sedativas, no tratamento da síndrome do em nível internacional e culminou com
depressiva. Kuhn descobriu a utilidade a ascensão dos ADTs. 22
clínica da administração do antidepressi- Confor111e descrito previamente, na
vo tricíclico. 20 A partir dessa descoberta, década de 1950 registrou-se uma verda-
outros antidepressivos tricíclicos (ADTs) deira revolução na psicofarmacologia e na
foram desenvolvidos, como a amitripti- psiquiatria com a introdução, na prática
lina, a desipramina e a nortriptilina, to- clínica, dos principais grupos de agentes
dos com diferentes propriedades far1na- psicoativos utilizados até os dias de ho-
cológicas. Entre elas, a inibição da recap- je. Por esse motivo, a década de 1950 é
tação de noradrenalina (NA) parecia ser frequentemente considerada a "década de
a mais importante, reforçando a hipóte- ouro'' da psicofar111acologia mundial. No
se proposta por Joseph Jacob Schildkraut, que concerne ao grupo dos antidepressi-
em 1965, de que a depressão seria o resul- vos, a descoberta dos efeitos antidepressi-
tado de um déficit central de NA. De acor- vos da iproniazida e da imipramina mar-
do com a teoria, a deficiência de NA resul- cou uma nova era no tratamento da de-
taria em depressão, enquanto seu exces- pressão, e a ECT deixou de ser a única
so resultaria em mania. Essa teoria ficou alternativa de tratamento biológico eficaz
Ouevedo & Silva (orgs.)

disponível. A visão psicanalítica predomi- prescrito no mundo e com maior número


nante na psiquiatria da primeira metade de publicações científicas. 22
do século XX criticou veementemente os A partir da década de 1980, teste-
avanços da psicofarmacologia, argumen- munhou-se um expressivo desenvolvi-
tando que o uso de psicofármacos inviabi- mento das neurociências, viabilizado pe-
lizaria a descoberta dos conflitos psicoló- lo rápido desenvolvimento de tecnologias
gicos subjacentes à depressão. Porém, tais que possibilitaram a avaliação estrutural,
avanços possibilitaram a desejável reapro- funcional e molecular do cérebro in vivo.
ximação da psiquiatria com a neurobiolo- Tais avanços levaram à elucidação de di-
gia e, assim, com as demais áreas da me- ferentes mecanismos neurais subjacen-
dicina. 16,22 tes ao comportamento humano e amplia-
Entre 1969 e 1970, os farmacologistas ram substancialmente as possibilidades
russos Izyaslav P. Lapin e Gregory E de investigação das síndromes psicopa-
Oxenkrug postularam a hipótese serotonér- tológicas. Assim, o progresso tecnológi-
gica da depressão, em oposição à hipótese co e o desenvolvimento de psicofárma-
noradrenérgica vigente até então. A hipóte- cos aproximaram a psiquiatria da neu-
, .
se serotonerg1ca sustentava que a presença robiologia e consolidaram o processo de
de um déficit de serotonina na fenda sináp- elevação da psiquiatria ao mesmo pata-
tica em certas regiões do cérebro era uma mar que as demais especialidades médi-
das causas bioquímicas das síndromes de- cas. A exploração da biologia da mente
pressivas. 23 alterou fundamentalmente a conceituali-
Os IMAOs e os ADTs, como descrito zação de doença mental, a prática da psi-
anteriormente, foram descobertos aciden- quiatria e o treinamento dos futuros pro-
talmente, graças a minuciosas observações fissionais. 7,24,25
de alguns pesquisadores. A demonstração Estudos recentes têm sugerido que
da eficácia das primeiras classes de anti- a elevação dos níveis de monoaminas na
depressivos constituiu-se em fonte de evi- fenda sináptica não parece ser o mecanis-
dência robusta acerca das alterações neu- mo farmacológico que medeia a melhora
roquímicas na depressão, inaugurando um clínica, ou pelo menos não é o mecanismo
novo movimento na farmacologia e na psi- final relacionado à melhora clínica. A ele-
quiatria: o desenvolvimento intencional vação dos níveis de monoaminas na fen-
de substâncias capazes de agir na neuro- da sináptica desencadearia uma série de
transmissão. Em 1974, alicerçado na hipó- alterações neuroquímicas intracelulares
tese serotonérgica da depressão, um grupo capazes de provocar modificações na ex-
de pesquisadores patrocinados pela indús- pressão gênica, o que se traduziria em um
tria far1nacêutica desenvolveu uma molé- aumento da síntese de fatores neurotrófi-
cula capaz de inibir de forma seletiva e po- cos e consequentes efeitos na neuroplas-
tente a recaptação da serotonina, a fluo- ticidade (p. ex., aumento da neurogênese
xetina. Surge o primeiro inibidor seletivo no núcleo denteado, aumento da sobrevi-
da recaptação de serotonina (ISRS), uma da e arborização neuronal). Essas altera-
classe de antidepressivos que popularizou ções neurobiológicas parecem ser críticas
o tratamento far111acológico da depressão para o efeito terapêutico dos antidepres-
a partir de uma considerável melhora no sivos. Embora o desenvolvimento de no-
perfil de tolerabilidade quando compara- vas classes de antidepressivos tenha tra-
da com os IMAOs e ADTs. Rapidamente, a zido indiscutíveis avanços na tolerabili-
fluoxetina tomou-se o antidepressivo mais dade desses fár1nacos, não houve avanço
Depressão

em termos de eficácia quando compara- tria como especialidade médica, visto


das com os chamados antidepressivos de que, pela primeira vez na história dessa
primeira geração, de modo que o futu- especialidade, se discute um diagnóstico
ro da psicofarmacologia parece depender com validade determinada e com meca-
de uma migração de mecanismos de ação nismos fisiopatológicos e etiológicos am-
''mais superficiais'', em nível sináptico, pa- parados por evidência científica robusta.
ra mecanismos intracelulares. Em outras Essa nova abordagem baseada em uma
palavras, da neurotransmissão para a ex- perspectiva neurológica e psiquiátrica
pressão gênica. 22 permitirá o desenvolvimento de ensaios
Com a consolidação definitiva da clínicos em populações específicas para
psiquiatria como especialidade médica no avaliar os padrões de resposta a diferen-
século XIX, impôs-se o desafio de mudan- tes estratégias terapêuticas. Abre-se tam-
ça do paradigma diagnóstico dos transtor- bém a perspectiva do desenvolvimento
nos mentais, exatamente como ocorreu de abordagens preventivas e terapêuticas
com outras especialidades médicas. Os centradas na correção de alterações neu-
avanços nas neurociências registrados nas robiológicas subjacentes, ampliando de-
últimas décadas têm se mostrado promis- finitivamente os horizontes do diagnósti-
sores, lançando bases para um paradigma co e do tratamento psiquiátricos. 27
fisiopatológico do diagnóstico psiquiátri-
co. Nesse contexto, pesquisas envolvendo A

indivíduos com depressão têm apresen- REFERENCIAS


tado um papel de destaque. Baseado em
descrições de Gaupp (1905), o grupo li- 1. Rousseau G. Depression 's forgotten genealo-
gy: notes towards a history of depression. Hist
derado pelo pesquisador K. Ranga Rama Psychiatry. 2000;11(41Pt1):71-106.
Krishnan lançou o conceito de depressão 2. Cordás TA. Depressão: da bile negra aos neu-
vascular (inicialmente descrita como de- rotransmissores, uma introdução histórica. São
pressão arteriosclerótica) ou, mais preci- Paulo: Lemos; 2002.
samente, depressão isquêmica subcorti- 3 . Radden J. The nature of melancholy: from Aris-
cal (OIS). Tal termo descreve um processo totle to Kristeva. New York: Oxford University;
2000.
específico, análogo ao recentemente des-
4. Lawlor C. From melancholia to prozac: a his-
crito para a demência vascular isquêmi-
tory of depression. New York: Oxford Universi-
ca, preenchendo requisitos para validade ty; 2012.
diagnóstica. A OIS tem uma descrição clí- 5 . Nicol WD. Robert Burton 's anatomy of melan-
nica com critérios diagnósticos bem esta- choly. Postgrad Med J. 1948;24(270):199-206.
belecidos: pode ser identificada por meio 6 . Pereira MEC. Griesinger e as bases da "Primeira
de exames laboratoriais (imagens de res- psiquiatria biológica". Rev Latinoam Psicopatol
Fundam. 2007;10(4):685-91 .
sonância magnética); pode ser claramen-
7. Cunningham MG, Goldstein M, Katz D, O'Neil SQ,
te diferenciada de outros transtornos
Joseph A, Price B. Coalescence of psychiatry, neu-
mentais; não é associada a fatores fami- rology, and neuropsychology: from theory to prac-
liares; e os achados de ressonância mag- tice. Harv Rev Psychiatry. 2006;14(3):127-40.
nética podem influenciar o prognóstico 8. American Psychiatric Association. Manual diag-
longitudinalmente. 26 nóstico e estatístico de transtornos mentais:
DSM-N -TR. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2002.
O conceito de OIS certamente re-
presenta um marco na evolução do con- 9. Organização Mundial de Saúde. Classificação
de transtornos mentais e de comportamento da
ceito da depressão como entidade noso- CID-10: critérios diagnósticos para pesquisa.
lógica em particular e na própria psiquia- São Paulo: Artes Médicas; 1993.
Ouevedo & Silva (orgs.)

10. Ebert A, Bãr KJ. Emil Kraepelin: a pione- 20. Bossong R ln memory of Roland Kunn (1912-
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and psychopharmacology. Indian J Psychiatry. narzt. 2008; 79(9):1080-6.
2010;52(2) :191-2. 21. Domino ER History of modem psychopharmaco-
11. Green MR Schizophrenia revealed: from neu- logy: a personal view with an emphasis on anti-
rons to social interactions. New York: Norton; depressants. Psychosom Med. 1999;61(5):591-8.
2003. 22. López-Muiíoz F, Alamo C. Monoaminergic neu-
12. Jackson SW. Melancholia and depression: from rotransmission: the history of the discovery of
hippocratic times to modern times. New Haven: antidepressants from 1950s until today. Curr
Yale University; 1986. Pharm Des. 2009;15(14):1563-86.
13. Alves M J. Eletroconvulsoterapia: introdução, 23. López-Muiíoz F, Alamo C, editors. Neurobiology
histórico, definição, indicações e contraindica- of depression. Florida: CRS Press; 2012.
ções. Rev Debates Psiquiatr. 2011;1(1):24-7. 24. López-Ibor JJ, Gaebel W, Maj M, Sartorius M,
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rapy: Part I. A perspective on the evolution ter: John Wiley and Sons; 2002.
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(1905- 1920). Rio de Janeiro: Imago; 2006. Lu- 26. Taylor WD, Steffens DC, Krishnan KR. Psychia-
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17. Beck AT. Depression: causes and treatment. Phi-
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rapy: a review of meta-analyses. Clin Psychol Yudofsky SC, Hales RE. Compêndio de neuropsi-
Rev. 2006;26(1):17-31. quiatria. São Paulo: Artes Médicas; 1996.
Leonardo Gazzi Costa
Pedro Vieira da Silva Magalhães

INTRODUÇÃO porte sejam conduzidos. 1 Esses entrevista-


dores têm a necessidade de entrevistas es-
O diagnóstico comunitário das taxas de truturadas, já que não têm o treinamento
risco em uma determinada população é e a capacidade para avaliar a significância
um dos principais objetivos de estudos clínica de respostas a perguntas abertas.
epidemiológicos. 1 Essa pesquisa deve ser Logo, uma questão importante a avaliar
baseada em amostras populacionais, mi- nesses estudos é a validade dos diagnós-
nimizando os vieses de seleção que estão ticos. A comparação da performance do
sempre presentes ao se estudar apenas instrumento utilizado pelos entrevistado-
aqueles casos que buscaram tratamen- res nos grandes estudos comunitários com
to. 2 As evidências epidemiológicas devem entrevistas clínicas é vital para a compre-
fornecer uma medida de magnitude da ensão dos resultados obtidos.
doença, da sua distribuição na população Neste capítulo, será apresentada
e uma composição de fatores de risco as-
.- . .
uma visao panoram1ca e uma revisao cri-
,/\ - ,

sociados. Além de consequências para a tica dos principais inquéritos epidemio-


saúde pública, tais evidências podem ser lógicos realizados em amostras popula-
utilizadas a fim de associar a ocorrência cionais representativas, com enfoque nos
de uma doença com fatores genéticos, psi- grandes estudos relatados nos últimos 10
cológicos, sociais e ambientais. anos, dentre eles, especialmente, os rela-
Um importante desafio ao se des- tos do World Mental Health Survey Initia-
crever a epidemiologia dos transtornos tive (WMHSI).4
do humor está relacionado às alterações
dos quadros nosológicos e dos sistemas ..
de nomenclatura da psiquiatria ao lon- PREVALENCIA
go dos anos. Isso por si só tem resulta-
do em taxas altamente variáveis para to- Prevalência refere-se à proporção da po-
dos os transtornos do humor. 3 Realmen- pulação afetada em algum intervalo de
te, a definição de caso é fundamental para tempo especificado. As duas estimativas
estudos epidemiológicos, já que a utiliza- de prevalência mais utilizadas são apre-
ção de entrevistadores leigos é necessária valência durante a vida (a proporção da
para que estudos comunitários de grande população com história de doença até o
Ouevedo & Silva (orgs.)

momento da avaliação) e a prevalência tar que, na World Health Survey, condu-


nos últimos 12 meses (a proporção da po- zida pela Organização Mundial da Saú-
pulação afetada nos últimos 12 meses an- de, a prevalência de episódios depressivos
tes da avaliação). 5 nos últimos 12 meses foi de 3,2o/o; 9 nes-
Uma revisão sistemática da literatu- se grande levantamento, com 60 países e
ra sobre a prevalência de depressão entre mais de 245 mil participantes, entretan-
1980 e 2000 incluiu 18 estudos. 3 A ''me- to, não foram excluídos episódios devido
lhor estimativa'' sobre prevalência de de- a outros transtornos do humor. Esses da-
pressão maior (DM) encontrada foi de dos muito provavelmente refletem a me-
4,1 %, nos últimos 12 meses, e de 6,70/o, lhor fonte disponível de informação sobre
durante a vida. Uma dificuldade na inter- a prevalência de DM em acordo com os
pretação dos resultados foi o emprego de sistemas diagnósticos correntes.
entrevistas estruturadas diversas e crité- A idade de início dos transtornos do
rios diagnósticos diferentes desde o DSM- humor tem sido tradicionalmente aferida
-111 até o DSM-IY. de forma retrospectiva. Isso porque qua-
Embora informações diretas da pre- se inexistem estudos com coleta suficien-
valência da depressão não existam na temente frequente de dados para estimar
maioria dos países, os dados disponíveis a incidência dos transtornos. 10, 11 Assim, a
sugerem variabilidade nas taxas de pre- melhor estimativa de idade de início da
valência. Um dos primeiros estudos reali- depressão provém de grandes estudos po-
zados comparando o diagnóstico feito pe- pulacionais. Um método atualmente utili-
lo DSM-111 em 10 amostras de diferentes zado é a curva de idade de início da doen-
países que empregou o Diagnostic Inter- ça, uma curva que mostra a probabilidade
view Schedule demonstrou uma variação cumulativa de ocorrência de um transtor-
nas taxas ao longo da vida que foi de 1,5 no durante a vida em função da idade.
(Taiwan) até 190/o (Beirut), assim como A curva de idade de início é de interesse
uma taxa de prevalência de DM nos últi- tanto porque per111ite fazer projeções de
mos 12 meses variando de 0,8 (Taiwan) risco quanto porque ajuda na compreen-
até 5,8% (Christchurch, Nova Zelândia). 6 são da variação no risco de aparecimento
O WMHSI é o grande inquérito que do transtorno ao longo da vida.
comparou dados transnacionais da epide- Na replicação do National Comorbi-
miologia da DM. 7 Essa grande série de es- dity Survey, os transtornos do humor tive-
tudos populacionais tem a vantagem e a ram uma tendência característica na ida-
posição única de ter avaliado quase 90 mil de de início. Após uma baixa prevalência
pessoas com uma ferramenta comum com no final da adolescência, há um aumen-
validade demonstrada dentro do estudo. 8 to linear até a meia-idade, com um de-
Foram avaliadas amostras representati- clínio posterior. 11 Os achados do WMHSI
vas populacionais de 18 países, incluindo apoiam essa tendência. Esses dados foram
o Brasil. A taxa média de prevalência du- confirmados recentemente por um estudo
rante a vida e nos últimos 12 meses foi de follow-up do Epidemiologic Catchment
evidenciada como de 14,6 e 5,5%, respec- Area (Fig. 2.2). 12
tivamente, em 1O países de alta renda, e
de 11,1 e 5,90/o em 8 países de média e
baixa renda (Fig. 2.1). No Brasil, a taxa FATORES ASSOCIADOS
de prevalência nos últimos 12 meses foi
evidenciada como sendo de 10,40/o e, du- Estudos com amostras representativas
rante a vida, 18,40/o. 7 Também vale rela- da população geral são essenciais para a
Depressão

25

20

-
~ 14,6o/o
-; 15 11, 1%
·-
u
e
-C'O
<Q)

~ 10
....
a..

Países de alta renda Países de baixa e média renda

Figura 2.1
Prevalência da depressão maior em países de baixa e média renda .
Fonte: Adaptada de Bromet e colaboradores.7

0°/o 10°/o 20°/o 30°/o 40°/o 50°/o 60°/o 70°/o 80°/o 90°/o 100°/o
Qualquer transtorno
mental
Qualquer transtorno
de ansiedade
Outro transtorno
do humor
Qualquer transtorno
por uso de substância

Cardiovascular

M usculoesq uelético

Respiratório

Dor crônica

Câncer

Diabetes
,
Ulcera

Figura 2.2
Proporção do aparecimento de novos casos de depressão maior de acordo com a fa ixa etária.
Fonte: Adaptada de Eaton e colaboradores. 12
Ouevedo & Silva (orgs.)

identificação de subgrupos de risco, bem tornos mentais e casamentos subsequen-


como de componentes específicos na ca- tes encontrou efeitos de compensação em
deia causal que leva à doença. 1 Enquanto diferentes idades de matrimônio. Trans-
impressões clínicas estimulam a pesquisa tornos mentais foram positivamente asso-
em fenomenologia e tratamento, achados ciados com casamentos precoces (menos
epidemiológicos podem apontar aborda- de 18 anos) e negativamente associados
gens promissoras para o entendimento de com casamentos em idades superiores. 15
processos patológicos. 13 Da mesma forma, indivíduos casados e
Tradicionalmente, inquéritos epide-
. . , . -
com transtornos psiquiatricos sao mais
.
miológicos têm revelado maior risco de propensos a se divorciarem. 16
depressão em mulheres. Em uma revisão Uma limitação importante dos es-
sistemática de estudos epidemiológicos tudos prévios era desconsiderar o poten-
predominantemente realizados no século cial de confusão pela coocorrência dos
passado, as mulheres tiveram, em média, transtornos, bem como o potencial de que
. , .
duas vezes mais chance de ter um episó- os transtornos mentais e o proprio casa-
dio depressivo do que os homens. 3 Essa mento interajam mutuamente por meio
diferença foi confir111ada no WMHSI, em de compensação ou de reforço. A evidên-
15 dos 18 países avaliados. Mesmo nas cia do WMHSI sugere que os transtornos
três exceções (Bélgica, Alemanha e Chi- mentais contribuem para reduzir o tem-
na), as mulheres apresentaram taxas mais po de casamento por meio da redução da
altas que os homens. O caso mais curioso probabilidade de casamento e do aumen-
é o da China, onde a prevalência foi baixa, to da probabilidade de divórcio. Esses da-
sendo maior em homens na faixa etária dos diferem de dados prévios devido ao
entre os 35 e os 49 anos. 14 Esse achado, fato de se ter considerado apenas trans-
mesmo que não tenha sido explicado até tornos com início anterior à idade do pri-
o momento, tem se repetido em estudos meiro casamento como preditores de ca-
. , .
naquele país. Nos países de alta renda, a sarnento, e apenas transtornos com inicio
razão de chance variou de 1,6 a 2, 7; em anterior à idade do divórcio como predito-
países
, de baixa renda, variou de 1, 9, na res de divórcio. Isso diminui a possibilida-
lndia e na Colômbia, até 2,6, no Brasil. 7 de de que os resultados encontrados cor-
A investigação das relações entre de- respondam a uma causalidade reversa. 17
pressão (e outras doenças psiquiátricas) e Essas associações provavelmente refletem
estado civil tem sido complicada pelo fato dois fatores inter-relacionados. Primeiro,
. ., .
de essas relações poderem ser recíprocas. que pessoas com transtornos psiquiatricos
Isso é relevante para estudos transversais, sejam mais propensas a dificuldades em
já que a associação entre as doenças men- relações interpessoais; segundo, que difi-
tais e o divórcio podem parcialmente re- culdades em outras áreas da vida, como
fletir a influência prévia das dificuldades desempenho no trabalho e outras limita-
do matrimônio. Entre as doenças mentais, ções extrafamiliares, tenham efeitos se-
por exemplo, a fobia específica, a depres- cundários na capacidade de cumprimen-
são e o uso abusivo de álcool estão asso- to das expectativas dentro de um papel fa-
ciados em maior proporção a populacio- miliar.17
nal de risco atribuível tanto para redução Em relação à faixa etária, a revisão de
de casamentos como para aumento do Somers e colaboradores3 encontrou uma
número de divórcios. prevalência basicamente estável entre os
O único estudo que examinou asso- 18 e os 64 anos. Entretanto, os achados
ciações entre uma grande gama de trans- apresentaram grande variabilidade, mes-
Depressão

mo em uma mesma faixa etária. Dados vezes mais predispostos à depressão do


mais recentes do WMHSI esclareceram al- que aqueles com alto nível educacional.
gumas questões em relação a essa associa- No Japão e na China, um padrão inverso
ção, mas ainda com enorme variação de foi encontrado, com o menor nível educa-
acordo com o país. 18 Em seis países de al- cional tendo o menor risco. 7
ta renda e no Brasil, indivíduos entre 18 Dados de estudos epidemiológi-
e 34 anos apresentavam de 3 a 5,5 vezes cos prévios apresentam alguns resulta-
mais risco de sofrer de depressão do , que dos contraditórios em relação à associação
aqueles com mais de 65 anos. Na India e entre raça e DM. No National Health and
na Ucrânia, indivíduos jovens estavam as- Nutrition Examination Survey III, condu-
sociados com baixo risco. A faixa etária de zido de 1988 até 1994, 8.449 indivíduos
35 a 49 anos esteve mais associada com foram entrevistados. 20 Esse estudo encon-
risco aumentado, especialmente na Nova trou uma maior prevalência nos partici-
Zelândia, nos Estados Unidos e no Brasil. pantes brancos. Indivíduos brancos e me-
. . . . , .
xicano-americanos tiveram um inicio sig-
.
A faixa etária de 50 a 64 anos envolve um
período de transição entre atividade labo- nificativamente precoce de depressão
ral ativa e aposentadoria em muitos paí- quando comparados com negros. Nesse
ses. Comparado com indivíduos com mais mesmo estudo, evidenciou-se que pessoas
de 65 anos, esse grupo apresentou um ris- que viviam na pobreza tinham uma pre-
co aumentado de depressão em oito paí- valência de depressão SOO/o superior. Es-
ses de alta renda e no Brasil. 7 Especifica- ses novos dados encontrados indicam que
mente no Brasil, os grupos de faixa etária a prevalência da depressão difere signifi-
for1nados por indivíduos de 18 a 34, 35 a cativamente entre raça e etnias, mas que
49 e 50 a 64 anos tiveram maiores chan- essas taxas comparativas dependem do ti-
ces de ser classificados como um caso ati- po de depressão. Indivíduos afro-america-
vo de depressão do que o grupo com faixa nos e mexicano-americanos apresentaram
etária acima de 65 anos. 19 maiores taxas de prevalência de distimia
No WMHSI, 18 a prevalência de de- ao longo da vida, enquanto indivíduos
pressão durante a vida foi maior nos paí- brancos apresentaram maiores taxas de
ses de alta renda (Fig. 2.1). Os indivíduos prevalência de DM.
com baixo nível socioeconômico que res-
ponderam ao estudo na França, na Ale-
manha, na Nova Zelândia e nos Estados COMORBIDADE
Unidos tinham aproximadamente duas
vezes mais chance de desenvolver depres- A presença de comorbidades é caracterís-
são quando comparados àqueles indivídu- tica entre os transtornos do humor e um
os no grupo de alto nível econômico. Nos subproduto do sistema diagnóstico psi-
países de baixa e média renda, em compa- quiátrico corrente. 13 O estudo das comor-
ração, a renda não foi significativamente bidades é relevante para elucidar os pro-
relacionada com depressão. 7 cessos subjacentes que levam à ocorrência
Similar1nente, entre os países não conjunta desses múltiplos transtornos. 21
asiáticos, o baixo nível educacional foi Um exemplo corrente é a investigação
associado à depressão apenas em Israel, atual entre os elos que relacionam a de-
nos Estados Unidos, no México e na Ucrâ- pressão e comorbidades clínicas com esta-
nia. Esses achados para, países asiáticos dos pró-inflamatórios. 22 Em parte, deve-
são mais complexos. Na India, indivíduos -se essa promissora linha de pesquisa aos
com o menor nível educacional eram 14 achados de grandes estudos epidemioló-
Ouevedo & Silva (orgs.)

gicos que demonstram inequivocamente a tal primário como prevenção de episódios


associação de depressão com doenças clí- depressivos. 25
nicas crônicas. 23 Como já mencionado, a prevalência
A maioria dos respondentes em gran- de episódios depressivos é substancial-
des inquéritos epidemiológicos com histó- mente maior em indivíduos com doen-
ria de DM também tem história de um ou- ças crônicas (e vice-versa, conforme a Fig.
tro transtorno psiquiátrico (Fig. 2.3). 5 Isso 2.3). No WHO WHS, a prevalência de epi-
é especialmente verdadeiro para transtor- sódios depressivos nos últimos 12 meses
nos de ansiedade, transtornos relaciona- foi de 3,20/o em participantes sem comor-
dos ao controle de impulsos e transtor- bidades clínicas, e de 9,3 a 230/o em pa-
nos relacionados ao uso de substâncias. cientes com doenças crônicas. 9
Dados retrospectivos sobre idade de iní-
cio revelam também que, em uma mino-
ria dos casos, a depressão é temporalmen- INCAPACIDADE
te primária. 5 Um bom exemplo dessa rela- ,
ção de comorbidade é o do transtorno de E amplamente difundido o impacto da DM
ansiedade social. Os dois transtornos são em ter1nos de incapacidade no mundo. A
frequentemente comórbidos e, em um es- depressão tende a causar problemas em di-
tudo longitudinal recente, o aparecimen- versas áreas do funcionamento, incluindo
to do transtorno de ansiedade foi signifi- educação, estabilidade de relacionamen-
cativamente mais precoce e foi um fator tos, emprego e sucesso financeiro. 26 Uma
de risco substancial para desenvolvimen- questão que tem aparecido, entretanto, é
to do episódio depressivo. 24 O caso de- a do efeito de comorbidades. Tem sido de-
monstra as possibilidades de se inves- monstrado consistentemente que o núme-
tir no tratamento de um transtorno men- ro de comorbidades por si só já é capaz de

100°/o
90°/o
80%
70%

60°/o

30%
20% llllliiiijj;
-
llllliiiijj;

1o -- 19 20 -- 29 30 -- 39 40 -- 49 50 -- 59 >59

Figura 2.3
Prevalência de comorbidades psiquiátricas e gerais com o transtorno depressivo maior.
Fonte : Adaptada de Kessler e colaboradores.18
Depressão

diminuir significativamente a percepção me um escore global de saúde (Fig. 2.4). 9


de saúde de um indivíduo. 27 Como a de- Na replicação do National Comorbidi-
pressão é altamente comórbida com outras ty Survey, escores individuais foram cal-
condições, uma questão importante é ob- culados em um modelo levando em con-
servar qual proporção da incapacidade de- ta o número e o tipo de comorbidade. 27
corre da depressão e qual proporção decor- Nesse modelo, que considerou a preva-
re de suas comorbidades. Assim, estudos lência, a depressão foi o único transtor-
mais recentes têm investigado a contribui- no mental entre os cinco maiores contri-
ção individual de diferentes transtornos na buintes para prejuízos à sociedade, junta-
carga de doenças associadas. 27-29 mente com outros transtornos dolorosos.
No WHO WMH, a depressão teve Os resultados do WMHSI foram muito si-
maior impacto na saúde que outras condi- milares, com a depressão sendo o quinto
ções clínicas; esse estudo evidenciou que, maior contribuinte para incapacidade no
quando a depressão é comórbida com nível da sociedade, em países em desen-
doenças crônicas, também há um signifi- volvimento, e o quarto em países desen-
cativo aumento na incapacidade confor- volvidos (Quadro 2.1). 29

-30

-25--~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

-20--~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~- -~~~~~~- -~~~~~



-15--~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~ •
-10+-~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

• • •
-5--~~~~~---~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

o--~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Angina Artrite Asma Diabetes Depressão Depressão Depressão Depressão Depressão
e angina e artrite e asma e diabetes

Figura 2.4
Estimativa do impacto negativo da depressão maior na percepção da saúde e quando na presen-
ça de comorbidades clínicas.
Fonte: Adaptada de Moussavi e colaboradores.9

QUADRO 2.1 As cinco maiores causas individuais de carga causada por doença em
países desenvolvidos e em desenvolvimento

Países em desenvolvimento Países desenvolvidos

Dor crônica Dor crônica 1


Doença cardiovascular Doença cardiovascular 2
Cefaleia e enxaqueca Artrite 3
Artrite Depressão maior 4
Depressão maior Cefaleia e enxaqueca 5

Fonte: Adaptado de Alonso e colaboradores. 29


Ouevedo & Silva (orgs.)

-
CONCLUSAO EPERSPECTIVAS parar informações sobre o meio ambien-
PARA ODSM-5 te, assumindo que patógenos ambientais
podem causar transtornos, e que os genes
O desenvolvimento de entrevistas diag- influenciam a suscetibilidade aos patóge-
nósticas totalmente estruturadas, há mais nos. A abordagem de interação gene-am-
de três décadas, tornou possível a estima- biente cresceu a partir de duas observa-
tiva da prevalência de transtornos men- ções: primeiro, que transtornos mentais
tais específicos na população geral. 1 Des- têm causas ambientais; segundo, que as
de então, a epidemiologia psiquiátrica pessoas mostram heterogeneidade em sua
vem progressivamente avançando. Os de- resposta às causas. 30 Essas interações tor-
senhos de estudo vêm se tornando cada nam ainda mais difícil o uso de fenótipos
vez mais complexos, agregando maior tec- comportamentais confiáveis, e isso é mais
nologia, com amostras representativas da um problema dos sistemas diagnósticos
população da maior parte do mundo. Já atuais. Além disso, alguns autores têm
é possível falar em epidemiologia transla- apontado a possibilidade de um diagnós-
cional em psiquiatria. 6 Modelos mais inte- tico dimensional de depressão mais con-
ressantes e complexos, que adotam a inte- dizente com a realidade dos sintomas. 33,34
ração gene-ambiente em psiquiatria, vêm Essas são dificuldades para qualquer siste-
tomando lugar também pelo poder dos ma classificatório puramente baseado em
estudos populacionais, como nos já clás- sintomas.
sicos relatos de Caspi e Moffitt. 30 No momento em que este capítulo
,
E possível argumentar que o maior está sendo escrito, a quinta edição do Ma-
desenvolvimento da epidemiologia da de- nual diagnóstico e estatístico de transtor-
pressão na última década foram os diver- nos mentais, da American Psychiatric As-
sos relatos do WMHSI. Essa série de in- sociation, encontra-se em suas fases finais
quéritos populacionais teve o grande mé- de preparação. Um ponto com implica-
rito de alcançar, na medida do possível, ções para a epidemiologia da depressão é
uma uniformização do diagnóstico de a eliminação do critério de exclusão para
DM. A discrepância dos instrumentos e o luto. 35 A questão tem sido debatida nas
limiares em diferentes culturas era um melhores revistas médicas e na imprensa
grande impeditivo para a compreensão de leiga, e o maior temor parece ser ''o diag-
diferentes taxas de transtornos psiquiátri- nóstico automático de indivíduos enluta-
cos e mesmo para que se estimasse o im- dos com transtorno depressivo maior''. 36
pacto da depressão ao redor do mundo. 31 A motivação por trás de tal mudança é o
Tais avanços metodológicos, como fato de existirem muito poucas diferen-
o uso de entrevistas confiáveis em amos- ças entre indivíduos enlutados e aqueles
tras representativas em diversos países de que passaram por outros eventos estres-
todo o mundo, têm elucidado em parte a sares graves, 37 embora nem todos os au-
questão sobre o tamanho dos prejuízos ge- tores concordem com a consistência de
rados pela depressão. 9 Outra grande con- tal evidência. 38 A eliminação de um cri-
tribuição dos estudos populacionais tem tério de exclusão inevitavelmente aumen-
sido explorar relações causais e gene-am- tará a prevalência da depressão na popu-
biente em psiquiatria. 3 o,32 Interações ge- lação. O efeito dessa modificação sobre a
ne-ambiente ocorrem quando o efeito da prevalência, a carga de incapacidade e o
exposição a um ambiente patógeno sobre uso de serviços de saúde indubitavelmen-
a saúde de uma pessoa é condicionado te será investigado em uma próxima onda
por seu genótipo. Assim, busca-se incor- da epidemiologia psiquiátrica.
Depressão

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Elie Cheniaux

-
INTRODUÇAO sintomas são os mesmos, não importando
se ela é primária ou secundária.
O ter1no ''depressão'' está associado a três Por fim, o termo "depressão'' pode
diferentes significados. Em primeiro lugar, ser empregado ainda para designar um
ele pode referir-se a um sintoma ou queixa. transtorno mental: o transtorno depressi-
Nesse caso, "depressão'' equivale a "triste- vo maior (episódio único ou recorrente),
za'', ou "humor triste''. A tristeza pode es- no DSM-IV-TR; 2 ou o episódio depressivo
tar presente em situações patológicas, mas e o transtorno depressivo recorrente, na
é, antes de tudo, um sentimento humano CID-10. 3
nor1nal. Assim, em função de uma perda,
decepção ou qualquer evento desagradá-
vel, uma pessoa pode ficar triste, mas, na ASPECTOS PSICOPATOLÓGICOS DA
grande maioria das vezes, isso não está re- SÍNDROME DEPRESSIVA
lacionado a uma doença mental.
"Depressão'' pode representar tam- Funções afetivo-volitivas
bém uma síndrome psiquiátrica. Define-
-se síndrome como uma associação de si- A síndrome depressiva está relaciona-
nais e sintomas que evoluem em conjun- da a alterações em praticamente todas
to, provocada por mecanismos vários e as funções mentais, mas são mais afeta-
dependente de causas diversas. 1 Dessa das as funções afetivo-volitivas. Tradicio-
for1na, a síndrome depressiva pode ser nalmente, as alterações do humor ou do
classificada como primária ou secundária. afeto são consideradas as mais importan-
A depressão primária (genuína, idiopáti- tes na depressão (assim como na mania),
ca ou essencial) caracteriza-se pelo des- o que classifica o transtorno depressivo
conhecimento de sua causa. A depressão maior (TDM) como um transtorno do hu-
secundária, por sua vez, é associada a fa- mor. Todavia, mais recentemente isso tem
tores causais bem definidos, como subs- sido questionado, e as alterações relacio-
tâncias exógenas (p. ex., medicamentos nadas à energia vital e à atividade psico-
anti-hipertensivos) ou uma condição mé- motora têm sido apontadas por alguns au-
dica geral (p. ex., hipotireoidismo). Sen- tores4,5 como sendo, na verdade, as fun-
do a depressão uma síndrome, os sinais e damentais.
Ouevedo & Silva (orgs.)

Tabela 3.1
Alterações psicopatológicas mais típicas da síndrome depressiva
Funções psíquicas Alterações psicopatológicas

Funções afetivo-volitivas

Afetividade exaltação afet iva


rigidez afet iva

Conação hipobulia/abu lia


insônia ou hipersonia
diminuição da libido
diminuição ou aument o do apetite
negativismo
ideação suicida
Psicomotricidade hipocinesia/acinesia ou hipercinesia

Funções cognitivas

Atenção hipoprosexia ou rigidez da atenção

Senso percepção hipoestesia


ilusões catatímicas
Memória hipomnésia de f ixação
hipomnésia de evocação
hipermnésia seletiva
alomnésia
Fala e linguagem oligolalia/mutismo
bradilalia
hipofonia
hipoprosódia/aprosódia
aument o da latência de resposta

Pensamento curso alentecido


perseveraçao-
ideias deliroides de ruína, culpa, negação ou hipocondríacas
Inteligência baixo desempenho intelectivo
Imaginação diminuição da c riat ividade

Outras funções

Apa rência descuidada

Atitude lamuriosa
indiferente
Orient ação alopsíquica passagem do tempo alentecida
desorientação apát ica
Consciência do eu diminuição da consciência de existência do eu
despersonalização
Pragmatismo diminuído/abolido
• •
Prospecção pess1m1smo
Consciência de morbidade parcial/ausente
Depressão

Na Tabela 3 .1, estão listadas as al- litativa: a rigidez afetiva. Esta se carac-
terações psicopatológicas mais comuns teriza pela perda da flexibilidade na ex-
na síndrome depressiva. Entre as fun- pressão afetiva. 13 O deprimido mantém-se
ções afetivo-volitivas, incluem-se a afeti- longamente triste, e seu estado de humor
vidade, a conação e a psicomotricidade. é pouco ou nada influenciado pelos even-
Na depressão, observa-se com frequência tos que o cercam, mesmo os positivos.
(mas nem sempre, como veremos adian- O termo ''depressão'' está relaciona-
te) um aumento da intensidade ou da du- do à ideia de que algo está alterado para
ração da tristeza, o que pode ser chamado menos, para baixo. Se não há uma redu-
de exaltação afetiva. 6 ção na intensidade da expressão afetiva, o
A psicopatologia descritiva caracte- que então está para baixo na depressão?
riza-se por uma significativa falta de uni- A resposta é a conação, que representa a
for1nidade quanto aos conceitos e termos atividade psíquica direcionada à ação e
utilizados. 7 Com relação à classificação compreende os impulsos e a vontade. 13
das alterações do afeto na depressão e na Há uma diminuição ou abolição global
mania, isso é particularmente verdadeiro. da conação: hipobulia ou abulia, respec-
Diversos autores8 -10 usam o termo ''hiper- tivamente. O paciente apresenta fraque-
timia'' para designar a alegria (ou irrita- za, desânimo ou falta de energia; perda
bilidade) patológica da síndrome manía- da iniciativa, da espontaneidade e do in-
ca e o termo "hipotimia'' com referência teresse pelo mundo externo; indecisão e
à tristeza da síndrome depressiva. Isso dificuldade de transfor111ar as decisões em
se apoia principalmente em Kurt Schnei- -
açoes.
der, 11 que criou o conceito de personali- A hipobulia e a abulia correspondem
dade hipertímica (incorporada ao chama- ao que classicamente se chamava de tris-
do espectro bipolar), cujas características teza vital. De acordo com a classificação
incluem uma leve e duradoura elevação de Max Scheler, os sentimentos psíquicos
do humor. Contudo, Nobre de Melo, 8 fiel distinguem-se dos sentimentos vitais. Os
à etimologia, assinala que "hipertimia e primeiros não são localizados no corpo e
hipotimia correspondem, respectivamen- são reativos. Por exemplo, ficar triste se
te, ao aumento e à diminuição da inten- algo de ruim acontece, ficar irritado quan-
sidade e duração dos afetos''. Assim, coe- do se é contrariado, etc. Já os segundos
rentemente com essas definições, Alvim12 são corporais, difusos e não reativos. São
defende que ''hipertimia'' é o termo mais exemplos de sentimentos vitais as sensa-
adequado para designar qualquer estado ções de bem-estar, mal-estar, vigor, desâ-
de exaltação afetiva, seja para o polo da nimo, fome, sede e fadiga, além do or-
alegria ou para o da tristeza. O problema gasmo.14 Na depressão, a tristeza psíqui-
de se designar a tristeza patológica da de- ca comumente está presente, todavia, a
pressão como hipotimia (e não como hi- tristeza vital parece ser mais característi-
pertimia ou exaltação afetiva) é a estar ca da síndrome. Alguns pacientes, inclusi-
aproximando do estado de embotamento ve, conseguem distinguir um tipo de tris-
afetivo, que ocorre, por exemplo, na es- teza do outro.
quizofrenia, e no qual, diferentemente da Outras alterações quantitativas da
depressão, há uma diminuição da expres- conação, relacionadas a impulsos especí-
são afetiva. 6 ficos, podem ser observadas em pacientes
Na síndrome depressiva, além da com depressão. Frequentemente há insô-
alteração quantitativa da afetividade, a nia, que pode ser inicial (dificuldade de
exaltação afetiva, há uma alteração qua- conciliar o sono) ou ter1ninal (o indivíduo
Ouevedo & Silva (orgs.)

acorda cedo demais e não consegue voltar ansiedade, 10 mas, algumas vezes, pode in-
a dor111ir). Contudo, também pode ocor- dicar a ocorrência de um estado misto, no
rer hipersonia, principalmente em crian- qual sintomas depressivos e maníacos são
ças e adolescentes, que representa um au- concomitantes.5
mento do tempo total de sono. A perda
da libido é bastante comum. Quanto ao
apetite, ele costuma estar diminuído, mas Funções cognitivas
também pode estar exacerbado, o que
acarreta uma redução ou um aumento do Os quadros de depressão ocorrem sob lu-
peso, respectivamente. cidez da consciência. Todavia, a atenção
Há ainda alterações qualitativas re- está frequentemente prejudicada. Pode
lacionadas à conação: o negativismo e os ocorrer hipoprosexia, que é a diminuição
comportamentos e pensamentos suicidas. global da atenção: 15 o indivíduo não con-
O negativismo representa uma resistência segue concentrar-se em nada (hipotenaci-
não deliberada, imotivada e incompreen- dade), mas também, por desinteresse, fica
sível às solicitações externas. 15 O depri- alheio ao ambiente e, consequentemente,
mido, por falta de interesse ou de ener- pouco desvia sua atenção diante do surgi-
gia, não coopera com o exame médico, mento de novos estímulos externos (hipo-
não responde às perguntas da entrevista mobilidade). Em alguns casos, diferente-
e, em casos mais graves, fica em mutis- mente, ocorre rigidez de atenção, e o in-
mo. O risco mais grave em um paciente divíduo fica tão intensamente aderido a
com depressão é o suicídio, que constitui determinadas lembranças dolorosas que
um desvio em relação aos impulsos de au- ignora tudo mais (hipertenacidade com
topreservação. 6 O indivíduo quer morrer hipomobilidade da atenção). 6,16
para obter alívio para o seu sofrimento ou Com relação à sensopercepção, ocor-
porque perdeu a esperança em um futu- re hipoestesia, ou seja, os estímulos são
ro melhor. Pode haver desde meramente percebidos com menor intensidade. 8 As-
pensamentos de que a vida não vale a pe- sim, a comida parece insossa; as cores,
na até tentativas concretas de tirar a pró- mais opacas; os sons, pouco vibrantes,
pria vida. etc. Eventualmente, encontram-se ilusões
Frequentemente se observa hipoci- catatímicas: o estado afetivo de tristeza
nesia (inibição, retardo ou alentecimento ou medo causa a defor1nação de uma per-
psicomotor): uma diminuição generaliza- cepção. Um exemplo disso seria o indiví-
da dos movimentos voluntários, que ficam duo erroneamente identificar um som de
mais lentos e menos frequentes. O extre- tiros a partir de ruídos corriqueiros. 17
mo da hipocinesia é a acinesia (ou estu- Alterações da memória comumen-
por), encontrada em casos mais graves de te estão presentes. Como consequência
depressão ou com características catatôni- da dificuldade de concentração e do de-
cas.10 A psicomotricidade fica abolida, ou sinteresse em relação ao ambiente, ocor-
seja, o indivíduo fica imóvel durante lon- re hipomnésia de fixação (ou anterógra-
gos períodos, algumas vezes dias segui- da), que é a diminuição da capacidade de
dos, e, em função disso, pode até morrer registrar novas informações, de formar
de inanição. Alternativamente, alguns pa- novas lembranças de longo prazo. Quan-
cientes com depressão apresentam hiper- do a inibição psíquica é muito intensa, há
cinesia eexaltação ou agitação psicomoto- também hipomnésia de evocação eou re-
ra). Nesses casos, o aumento da atividade trógrada), ou seja, diminuição da capaci-
psicomotora costuma estar relacionado a dade de recuperar lembranças que foram
Depressão

anteriormente armazenadas. Muitas ve- Outras funções psíquicas


zes há hipermnésia seletiva: determina-
dos fatos dolorosos ou desagradáveis são Os pacientes em depressão com frequên-
recordados com excessiva frequência, in- cia apresentam uma aparência descuida-
tensidade ou riqueza de detalhes. Alom- da. Muitas vezes deixam de tomar banho,
nésias, uma alteração qualitativa da me- escovar os dentes, pentear os cabelos, fa-
mória, também podem ser observadas. zer a barba (homens) ou depilar as per-
Nesse caso, algumas lembranças são de- nas (mulheres). É comum a preferência
turpadas pelo indivíduo e tornam-se ina- por roupas escuras. A atitude pode ser la-
dequadamente carregadas de tristeza, ruí- muriosa, com o paciente queixando-se o
na ou autorreprovação. 16 tempo todo de seu sofrimento, ou indife-
Alterações da fala ou da linguagem rente, quando ele se volta excessivamente
são frequentes. A pessoa com depres- para dentro de si e ignora o ambiente e as
são normalmente fala pouco eoligolalia outras pessoas. 6
ou laconismo) e, em casos com caracte- Pode ocorrer uma desorientação
, • A • •
r1st1cas cataton1cas, apresenta mutismo. alopsíquica, principalmente quanto ao
Além disso, fala em um volume baixo (hi- tempo, como consequência de um esta-
pofonia) e devagar (bradilalia), podendo do de apatia e desinteresse. Além disso,
haver um aumento da latência pergunta- a pessoa tende a ter uma vivência subjeti-
-resposta. 9 Algumas vezes, ocorre dimi- va da passagem do tempo alentecida: pa-
nuição ou perda da modulação afetiva da ra ela, as horas custam muito a passar. 15
fala: hipoprosódia ou aprosódia, respec- Uma alteração fundamental na de-
tivamente. pressão é em relação à consciência da
Quanto ao pensamento, há alente- existência do eu, que representa a cons-
cimento do curso eou inibição do pensa- ciência de estar vivo, de existir plenamen-
mento), o que corresponde à bradilalia. 15 te, de estar fisicamente presente. Assim,
Pode ocorrer, como uma alteração da for- por definição, a consciência da existên-
ma, perseveração: o sujeito, em seu dis- cia do eu está diretamente relacionada
curso, sempre volta aos mesmos temas aos sentimentos vitais. Na depressão, co-
negativos ou desagradáveis, ou não con- mo já visto, está presente a tristeza vital,
segue sair deles. Com relação ao conteúdo e, con.s equentemente, há diminuição da
do pensamento, nos casos de depressão consciência da existência do eu. Esta po-
psicótica, podem ser encontradas ideias de até estar abolida, nos casos em que há
deliroides (ou delírios secundários), que ideias deliroides de negação. 14 Alguns pa-
decorrem diretamente da alteração do cientes com depressão apresentam vivên-
humor. Entre os temas dessas ideias de- cias de despersonalização euma alteração
liroides incluem-se ruína ("estou na misé- da consciência da identidade do eu), isto
ria, não tenho dinheiro nem para comprar é, vivências de estranheza quanto a si pró-
comida"), culpa (''a segunda guerra mun- prios ou à sua própria identidade. 13
dial começou por minha causa''), negação O pragmatismo, a capacidade de rea-
(''os meus órgãos apodreceram, pararam lizar o que se planeja, costuma estar pre-
de funcionar'') e hipocondria (''tenho cer- judicado. O pessimismo é outra caracte-
teza de que estou com câncer''). 15 rística marcante da depressão. Por fim, a
E, ainda em relação à cognição, o consciência de morbidade pode estar pre-
indivíduo deprimido apresenta um baixo servada, mas, em alguns casos, está di-
desempenho intelectivo 18 e uma diminui- minuída ou mesmo abolida. Alguns pa-
ção da criatividade. 9 cientes acreditam que o seu sofrimento
Quevedo & Silva (orgs.)

se deve a uma doença física, e não men- episódio depressivo maior. Como pode ser
tal, enquanto outros, apresentando ideias observado, o quadro clínico tem de durar
deliroides de culpa, julgam que não estão pelo menos duas semanas e devem estar
doentes, estão, na verdade, sendo castiga- presentes no mínimo cinco de uma lista
dos por Deus, em função de seus terríveis de nove sintomas. Além disso, um desses
pecados. 6 cinco sintomas tem de ser necessariamen-
te humor deprimido ou perda do interes-
se ou ,do prazer.
DIAGNÓSTICO DE TRANSTORNO E importante ressaltar que tanto o
DSM-IV-TR2 como a CID-10 3 permitem
DEPRESSIVO MAIOR
que um episódio depressivo seja diagnos-
ticado na ausência de humor deprimido
Características básicas do (que corresponde à tristeza psíquica na
transtorno depressivo maior classificação de Max Scheler). Isso pode
acontecer desde que haja perda do inte-
O TDM caracteriza-se pela ocorrência de resse ou do prazer, no DSM-IV-TR, 2 ou, no
uma síndrome depressiva, a qual se apre- caso da CID-10, 3 perda do interesse ou do
senta em episódio único ou de forma re- prazer e energia diminuída ou fadiga ex-
corrente. Essa síndrome depressiva é pri- cessiva (sintomas esses mais relacionados
mária, ou seja, embora se conheçam di- à tristeza vital).
versos fatores etiológicos relacionados a O DSM-IV-TR2 apresenta, ainda, cri-
ela (como os genéticos, os bioquímicos, térios diagnósticos relacionados à presen-
etc.), sua verdadeira causa é desconheci- ça de sofrimento subjetivo ou prejuízo só-
da. Em outras palavras, não se consegue cio-ocupacional significativo e à exclusão
identificar uma doença sistêmica ou cere- , .
de sintomas man1acos concomitantes e,
bral ou uma substância exógena que, por ainda, de uso de substâncias, presença de
si só, possa explicar o surgimento do qua- condições médicas gerais ou luto que pos-
dro depressivo. Assim, o diagnóstico do sam explicar melhor a ocorrência dos sin-
TDM é eminentemente clínico, não po- tomas depressivos.
dendo ser for1nulado ou confirmado por Para a for111ulação de um diagnós-
meio de exames laboratoriais. Estes só são tico do TDM, de acordo com o DSM-IV-
úteis para se descartar a possibilidade de -TR, 2 é necessária a ocorrência de um ou
uma depressão secundária (ou orgânica). mais episódios depressivos maiores, con-
Além disso, nunca houve um epi- figurando, respectivamente, o ''transtor-
sódio maníaco, hipomaníaco ou misto no depressivo maior, episódio único'' ou
na história clínica do paciente, pois, ca- o "transtorno depressivo maior, recorren-
so contrário, o diagnóstico adequado se- te''. O DSM-IV-TR2 estabelece também cri-
ria o de transtorno bipolar. Dessa forma, térios para diferenciar o TDM do transtor-
o TDM pode ser classificado como depres- . , .
no bipolar e dos transtornos ps1cotlcos,
são unipolar. , . , .
como sera VIsto na prox1ma seçao.
-

Critérios para o diagnóstico de Diagnóstico diferencial


transtorno depressivo maior
Em primeiro lugar, o TDM precisa ser dis-
A Tabela 3.2 apresenta os critérios do tinguido da tristeza nor111al. A intensidade
DSM-IV-TR2 para o diagnóstico de um não é um critério útil, já que um quadro
Depressão

Tabela 3.2
Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para episódio depressivo maior

A) No mínimo cinco dos seguintes sintomas estiveram presentes durante o mesmo período de
2 semanas e representam uma alteração a partir do funcionamento anterior; pelo menos um
dos sintomas é (1) humor deprimido ou (2) perda do interesse ou prazer.
Nota: Não incluir sintomas nitidamente devidos a uma condição médica geral ou alucinações
ou delírios incongruentes com o humor.
1. humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, indicado por relato subjetivo
(p. ex., sente-se triste ou vazio) ou observação feita por outros (p. ex., chora muito).
Nota: Em crianças e adolescentes, pode ser humor irritável.
2. acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na
maior parte do dia, quase todos os dias (indicado por relato subjetivo ou observação feita
por terceiros)
3. perda ou ganho significativo de peso sem estar em dieta (p. ex., mais de 5o/o do peso cor-
poral em 1 mês), ou diminuição ou aumento do apetite quase todos os dias.
Nota: Em crianças, considerar incapacidade de apresentar os ganhos de peso esperados.
4. insônia ou hipersonia quase todos os dias
5. agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observáveis por outros, não mera-
mente sensações subjetivas de inquietação ou de estar mais lento)
6. fadiga ou perda de energia quase todos os dias
7. sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada (que pode ser delirante), qua-
se todos os dias (não meramente autorrecriminação ou culpa por estar doente)
8. capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se, ou indecisão, quase todos os dias (por
relato subjetivo ou observação feita por outros)
9. pensamentos de morte recorrentes (não apenas medo de morrer), ideação suicida recor-
rente sem um plano específico, tentativa de suicídio ou plano específico para cometer sui-
cídio
8) Os sintomas não satisfazem os critérios para um episódio misto.
C) Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento so-
cial ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
D) Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., droga de
abuso ou medicamento) ou de uma condição médica geral (p. ex., hipotireoidismo).
E) Os sintomas não são mais bem explicados por luto, ou seja, após a perda de um ente queri-
do, os sintomas persistem por mais de 2 meses ou são caracterizados por acentuado prejuízo
funcional, preocupação mórbida com desvalia, ideação suicida, sintomas psicóticos ou retardo
psicomotor.

Fonte: American Psychiatric Association. 2

depressivo pode apresentar um nível leve teza normal não melhora com o uso de
de gravidade e uma tristeza normal po- antidepressivos e não cursa com os cha-
de ser extremamente intensa. Ter ou não mados sintomas somáticos ou vegetativos
uma relação temporal com um evento de (tais como alterações do apetite e dope-
estresse também não serve para essa dife- so, do sono, da libido, da energia vital e
renciação, pois, embora uma tristeza nor- da psicomotricidade, e, ainda, piora ma-
mal em geral ocorra como uma reação a tinal). Além disso, na depressão, em opo-
uma perda ou frustração, frequentemen- sição ao que acontece na tristeza normal,
te a depressão é desencadeada por algum há uma perda da reatividade do humor e,
acontecimento dessa natureza. Além dis- assim, mesmo que eventos positivos ocor-
so, em contraste com a depressão, a tris- ram, o indivíduo em nada melhora. 19,2º
Ouevedo & Silva (orgs.)

Para ser formulado o diagnóstico de Um diagnóstico diferencial impor-


um TDM, precisam ser descartadas, por tante, e muitas vezes difícil de ser feito,
meio da anamnese clínica ou de exames é entre o TDM e os transtornos psicóticos.
complementares, as diversas causas de Na depressão, pode haver sintomas psicó-
depressão secundária ou orgânica. Entre ticos, como delírios e alucinações. Mais
elas, incluem-se o uso de anti-hiperten-
. . , .
comumente, esses sintomas ps1cot1cos, se
sivos (bloqueadores de cálcio, reserpina, presentes, são congruentes com o humor,
propranolol, clonidina), propiltiouracil, isto é, apresentam uma temática típica de
metoclopramida, contraceptivos hor1no- depressão (ruína, culpa, negação, hipo-
nais, álcool, benzodiazepínicos e cinarizi- condria). No caso de serem delírios, são
na; quadros de abstinência a estimulantes ideias deliroides ou delírios secundários,
(cocaína, anfetamina, metilfenidato); in- que decorrem da alteração do humor. 6 To-
fecções, como sífilis cerebral, Aids e mo- davia, em consonância com a concepção
nonucleoses (influenza, etc.); distúrbios atual de que não existem sintomas especí-
endócrinos ou metabólicos, como hipo- ficos da esquizofrenia, o DSM-IV-TR2 ad-
tireoidismo, hipertireoidismo, doença de mite a ocorrência, nos transtornos do hu-
Addison, hiperparatireoidismo, hipopara- mor, de sintomas psicóticos incongruentes
tireoidismo, hiperprolactinemia, hipercal- com o humor. Assim, ideias delirantes de
cemia, deficiência da vitamina B1 ou B12, perseguição não relacionadas à temática
pelagra e doença de Cushing; além de aci- depressiva (delírios primários, portanto)
dente vascular cerebral (à esquerda), mal e, inclusive, sintomas de primeira ordem
de Parkinson, carcinoma de pâncreas, es- de Kurt Schneider (como o roubo ou a im-
clerose múltipla, epilepsia e lúpus eri- posição do pensamento), 11 antes conside-
tematoso sistêmico. Diferentemente do rados exclusivos da esquizofrenia, podem
TDM, a depressão secundária costuma estar presentes no TDM.
apresentar um curso contínuo, não cícli- Se não é o tipo de sintomatologia psi-
co, e, em geral, não está associada a uma cótica, então o que diferencia o TDM de
história familiar de depressão. 19,zo um transtorno psicótico, quando um mes-
O que distingue o TDM do transtorno mo paciente apresenta tanto uma síndro-
bipolar, segundo o DSM-IV-TR,2 é a ocor- me depressiva como delírios ou alucina-
rência, neste último, de um episódio ma- ções? Se a duração dos sintomas depressi-
níaco, hipomaníaco ou misto. Um episódio vos é breve em comparação ao tempo da
depressivo maior está presente em ambos doença, os diagnósticos de esquizofrenia,
os transtornos mentais, obrigatoriamente transtorno esquizofreniforme e transtor-
no primeiro e muito frequentemente no se- no delirante são os mais adequados, em
gundo. Todavia, o diagnóstico de um mes- detrimento do diagnóstico de TDM. No
mo paciente pode mudar durante o curso entanto, o DSM-IV-TR2 lamentavelmente
de sua doença, o que, por sinal, não é na- não define de for1na precisa o que repre-
da raro. Por exemplo, pode ter havido um senta ,esse ''breve''.
total de cinco episódios afetivos, todos eles E especialmente mais complicado o
de depressão; até esse momento, o diag- diagnóstico diferencial com o transtorno
nóstico correto, de acordo com os critérios esquizoafetivo, visto que este tem limites
do DSM-IV-TR, 2 é o de TDM. No entanto, muito pouco nítidos, não apenas com os
se mais tarde o paciente apresenta um sex- transtornos do humor, mas também com
to episódio afetivo, e este é de mania, hipo- a esquizofrenia. 21 De acordo com o DSM-
mania ou misto, transtorno bipolar passa a -IV-TR, 2 para ser formulado o diagnósti-
ser o diagnóstico mais adequado. co de transtorno esquizoafetivo (e não o
Depressão

de TOM), os sintomas depressivos estive- o primeiro na vida do indivíduo. Todavia,


ram presentes por ''uma porção substan- na depressão, os prejuízos cognitivos ten-
cial'' da duração total da doença e houve dem a desaparecer ou, pelo menos, me-
um período em que a síndrome depressi- lhorar quando o estado de eutimia é res-
va e sintomas de esquizofrenia foram con- taurado, o que em geral não acontece na
comitantes, mas, por pelo menos duas se- demência (embora haja demências rever-
manas, com os sintomas psicóticos ainda síveis, como aquelas decorrentes de dis-
presentes, os sintomas depressivos deixa- túrbios metabólicos ou endócrinos). Além
ram de ser proeminentes. disso, na demência, faltam os sintomas
O TOM precisa também ser distin- somáticos da depressão, como as altera-
guido dos transtornos de ansiedade. Isso ções do sono, do apetite, da libido, de psi-
pode ser particularmente problemático, já comotricidade e da energia vital. 19,20
que a depressão pode cursar com ansieda-
de e os transtornos de ansiedade podem
ser acompanhados de sintomas depressi- Controvérsias sobre o conceito
vos na chamada síndrome de desmorali- de depressão maior
zação (o paciente sente-se triste e isola-se
em função das limitações em suas ativida- O diagnóstico psiquiátrico nas classifica-
des sociais ou ocupacionais impostas pe- ções atuais baseia-se na descrição da sinto-
lo transtorno de ansiedade). Além disso, a matologia e não em conhecimentos sobre
comorbidade entre depressão e um trans- a etiopatogenia, e, em função disso, é con-
torno de ansiedade é frequente, e ambas siderado pouco válido. Em outras palavras,
as condições respondem ao uso de antide- a grande maioria dos transtornos mentais
pressivos. Contudo, alguns elementos clí- que constam no OSM-IV-TR2 e na CI0-103
nicos podem ajudar nessa diferenciação. muito provavelmente não correspondem
Embora a insônia inicial possa ocorrer a doenças reais. 22,23 Assim, na psiquiatria,
tanto nos transtornos de ansiedade como são comuns os questionamentos sobre os
no TOM, a insônia terminal é particular- limites entre uma categoria nosológica e as
mente sugestiva de depressão. Nos trans- demais, e sobre os limites entre uma cate-
tornos de ansiedade, a reatividade do hu- goria nosológica e a nor111alidade.
mor é maior. Por fim, o curso da doença, Nesse sentido, alguns autores 24 con-
mais cíclico na depressão, e a história fa- sideram que a depressão recorrente e o
miliar também podem ajudar na formula- transtorno bipolar, separados no OSM-IV-
ção mais correta do diagnóstico. 19,20 -TR, 2 representam, na verdade, uma úni-
Outro diagnóstico diferencial impor- ca entidade clínica: a doença maníaco-de-
tante é em relação a demência. Nos qua- pressiva, conforme descrita por Kraepe-
dros clemenciais frequentemente há sinto- lin25 na virada do século XIX para o XX.
mas depressivos, e a depressão costuma Outra questão controversa refere-se
cursar com alterações cognitivas (quan- ao TOM ''com características melancóli-
do essas alterações são mais intensas, em cas'', uma subclassificação da depressão
especial em idosos, fica caracterizada a encontrada no OSM-IV-TR. 2 São incluí-
chamada pseudodemência depressiva). dos entre os sintomas de melancolia, co-
Outro complicador na distinção entre as mumente chamados também de somáti-
duas síndromes é o fato de que o início cos ou vegetativos, os seguintes: anedonia
do processo demencial da doença de Al- (perda da capacidade de sentir prazer),
zheimer muitas vezes é precedido por um diminuição da reatividade do humor, pio-
episódio depressivo em idade avançada, ra matinal, insônia terminal, inibição ou
Ouevedo & Silva (orgs.)

agitação psicomotora, anorexia ou perda 9. Paim 1. Curso de psicopatologia. 11. ed. São Pau-
lo: Pedagógica e Universitária; 1998.
de peso, culpa excessiva ou inadequada
e ''qualidade distinta de humor depressi- 10. Sá Jr LSM. Fundamentos de psicopatologia: ba-
ses do exame psíquico. Rio de Janeiro: Atheneu;
vo'' (esta última, uma alteração claramen- 1988.
te relacionada ao conceito de tristeza vi- 11. Schneider K. Psicopatologia clínica. 3. ed. São
tal, uma tristeza vivenciada no corpo, di- Paulo: Mestre Jou; 1978.
ferente da tristeza psíquica). 12. Alvim CE Vocabulário de termos psicológicos e
Uma crítica que se faz aos critérios psiquiátricos. Belo Horizonte: Sociedade Pesta-
do DSM-N-TR2 para o diagnóstico de TOM lozzi de Minas Gerais; 1971.
é que eles são excessivamente inclusivas 13. Scharfetter C. Introdução à psicopatologia geral.
2. ed. Lisboa: Climepsi; 1999.
e identificam amostras de pacientes mui-
14. Jaspers K. Psicopatologia geral. Rio de Janeiro:
to heterogêneas. Diante disso, alguns au- Atheneu; 1987.
tores26,27 defendem que a melancolia seja 15. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e semiologia
classificada como um transtorno do humor dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed;
independente, pois ela tem uma psicopa- 2000.
tologia distinta e, além disso, está relacio- 16. Cabaleiro-Goas M. Temas psiquiatricos: algunas
nada a anor1nalidades endócrinas (como o cuestiones psicopatologicas generales. Madrid:
Paz Montalvo; 1966.
aumento dos níveis plasmáticos do corti-
17. Alonso-Fernández E Fundamentos de la psiquia-
sol) e a uma resposta típica a terapêuticas tria actual. 3. ed. Madrid: Paz Montalvo; 1976.
biológicas (antidepressivos e eletroconvul-
18. Sims A. Sintomas da mente: introdução à psico-
soterapia). Assim, essa nova categoria no- patologia descritiva. 2. ed. Porto Alegre: Artmed;
sológica, a melancolia, nasceria com uma 2001.
validade maior do que o atual TOM. 19. Hales RE, Yudofsky SC, Gabbard GO. Tratado de
psiquiatria clínica. 5. ed. Porto Alegre: Artmed;
2012.
A
20. Sadock BJ, Sadock VA. Compêndio de psiquia-
REFERENCIAS tria: ciência do comportamento e psiquiatria clí-
nica. 9. ed. Porto Alegre: Artmed; 2007.
1. Bevilacqua F, Bensoussan E, Jansen JM, Spínola 21. Cheniaux E, Landeira-Fernandez J, Lessa TL,
E, Castro E Manual do exame clínico. 12. ed. Rio Lessa JL, Dias A, Duncan T, et al. Does schizo-
de Janeiro: Cultura Médica; 2000. affective disorder really exist? A systematic re-
2. American Psychiatric Association. Manual diag- view of the studies that compared schizoaffec-
nóstico e estatístico de transtornos mentais: tive disorder with schizophrenia or mood disor-
DSM-IV-TR. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2002. ders. J Affect Disord. 2008;106(3):209-17.
3. Organização Mundial de Saúde. Classificação 22. Hyman SE. Neuroscience, genetics, and the fu-
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CID-1 O: critérios diagnósticos para pesquisa. 2002;35(2-3):139-44.
São Paulo: Artes Médicas; 1993. 23. Kendell RE. Clinicai validity. Psychol Med. 1989;
4 . Benazzi E Is overactivity the core feature of hy- 19(1):45-55.
pomania in bipolar II disorder? Psychopatholo- 24. Goodwin FK, Jamison KR. Doença maníaco-de-
gy. 2007;40(1):54-60. pressiva: transtorno bipolar e depressão recor-
5. Cheniaux E. A mania ansiosa ou depressiva de rente. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2010.
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Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011 . Melancholia in Latin American studies: a dis-
7. Cheniaux, E. Psicopatologia descritiva: exis- tinct mood disorder for the ICD-11. Rev Bras Psi-
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8. Nobre de Melo AL. Psiquiatria. 3. ed. Rio de Ja- classification of mood disorders. J Affect Disord.
neiro: Guanabara Koogan; 1981 . 2008; 105(1-3): 1-14.
Márcio Gerhardt Soeiro-de-Souza
Rodrigo Machado Vieira

INTRODUÇÃO ativas (álcool, drogas, inibidores do apetite,


antidepressivos), a alteração dos ritmos bio-
O transtorno depressivo maior (TDM) é lógicos e eventos adversos precoces. Desta-
uma doença que acomete cerca de 121 mi- cam-se, na neurobiologia do IDM, os acha-
lhões de pessoas no mundo e é uma das dos associados a alterações em sistemas de
principais causas de perda de anos produ- neurotransmissão, especialmente de mono-
tivos ao longo da vida, segundo a Organi- aminas, e, mais recentemente, os sistemas
zação Mundial da Saúde (OMS). 1 Atual- glutamatérgico e melatonérgico, além de
mente, considera-se que o TDM é uma do- alterações neuroendócrinas centrais e peri-
ença de causa multifatorial, resultante da féricas, bem como neuroimunes, com con-
integração de uma série de fatores de ris- comitantes alterações estruturais e bioquí-
co biológicos, psicológicos e sociais asso- micas no cérebro (Fig. 4.1). Tais alterações
ciados a eventos estressores. O IDM é, no também envolvem mudanças na regulação
presente, considerado a segunda causa de de cascatas intracelulares, na expressão gê-
maior incapacitação entre todas as condi- nica e em fatores neurotróficos, todos dire-
ções médicas em indivíduos entre 15 e 44 tamente envolvidos na modulação de me-
anos de idade. 1 Também está associado a canismos neuroprotetores e de resiliência
uma ampla gama de alterações em inúme- celular. Neste capítulo, é apresentada uma
ros sistemas, como o emocional, o cogniti- visão geral atualizada das evidências neuro-
vo, o psicomotor, o neurovegetativo, o neu- anatômicas e dos marcadores centrais e pe-
roendócrino e o neuroquímico, relaciona- riféricos implicados, bem como estudos já
dos a alterações em inúmeros networks que replicados na neurobiologia do IDM, que
envolvem diversas áreas cerebrais. incluem estudos de estresse celulai; imuno-
Da complexa interação de processos lógicos, neuroquírnicos e genéticos associa-
biológicos (resposta ao estresse, fatores neu- dos à doença.
rotróficos), psicológicos (personalidade e
relacionamentos pessoais), ambientais (die-
ta, álcool, ritmos biológicos) e genéticos re- ACHADOS NEUROANATÔMICOS
sultaria o quadro clínico do IDM. Dentre os
fatores de risco ambientais para o transtor- O sistema límbico é a unidade responsá-
no, destacam-se o uso de substâncias psico- vel pelas emoções. Foi James Papez quem
Ouevedo & Silva (orgs.)

Desregulação da
neurotransmissão cerebral
(p. ex., noradrenalina,
serotonina, dopamina)
Quadro clínico de TOM:
- alteração do humor
- sintomas cognitivos
Alterações - sintomas
Estresse
+
Vulnerabilidade
neuroendócrinas,
A '
neuroanatom1cas
- -
neurovegetativos
sintomas álgicos e
e autoimunes inflamatórios
genética
- disfunção
,.
da neuro-
genese e estresse
oxidativo
Alterações de cascatas
intracelulares, expressão
gênica e fatores neurotróficos

Figura 4.1
Modelo integrado da cadeia de processos biológicos implicados no quadro depressivo: implica-
ção interligada dos estresses biológicos e ambientais.

primeiramente associou esse sistema a um malias no fluxo sanguíneo cerebral em re-


importante papel na modulação das emo- pouso e metabolismo de glicose em múlti-
ções, em 1930, quando descreveu o ''siste- , do CPF e outras estruturas lím-
plas áreas
ma da emoção'' como uma importante via bicas. 4 E importante ressaltar que o CPF
conectando um grupo de estruturas cere- corresponde a um volume de 40 a 50%
brais (cíngulo anterior, hipocampo, hipo- do total do cérebro humano. Ainda, que
tálamo e núcleo talâmico anterior). 2 Es- anor1nalidades na ativação da amígdala
se sistema envolve inúmeras outras áreas, nesse tipo de estudo têm sido associadas
como amígdala, hipocampo, área tegmen- também à severidade do TDM. 4 Outros
tal ventral, e interage diretamente com o estudos revelam que alterações no tama-
córtex pré-frontal (CPF), área classica- nho da amígdala no TDM podem ocorrer
mente envolvida na neurobiologia das em pacientes não medicados (menor vo-
emoções. O CPF, a amígdala e o hipocam- lume). 5 Pacientes com múltiplos episó-
po são as estruturas cerebrais mais estu- dios depressivos apresentam redução no
dadas em relação ao TDM. Estudos com volume do hipocampo, 6 sendo que a me-
ressonância magnética demonstram que lhora clínica dos episódios depressivos no
pacientes com o transtorno apresentam TDM tem sido associada, em diversos es-
uma redução global do volume cerebral tudos, à reversão dessas alterações pato-
em comparação a controles, especifica- lógicas. 7 Outros estudos, utilizando a téc-
mente com reduções no cíngulo anterior, nica de tomografia computadorizada por
córtex orbitofrontal, hipocampo, putame emissão de fóton único (SPECT), não de-
e caudado, com maior diminuição de vo- monstraram resultados consistentes no
lume associada a maior tempo de doen- TDM. Os achados sugerem, sobretudo,
ça. 3 Estudos de tomografia por emissão que essas alterações, em sua maioria, po-
de prótons (PET) também revelam ano- dem ser reversíveis, associadas ao estado
Depressão

clínico e neurofisiológicas em algumas es- pressivos tende a reverter esse fenômeno.


truturas, enquanto tendem a ser irreversí- Além disso, uma resposta aumentada des-
veis e caracterizadas como um traço per- se eixo a fatores estressares altera o con-
sistente em outras áreas. Nas regiões mais trole do hormônio liberador da corticotro-
associadas a alterações caracterizadas co- fina. 10 As consequências neurobiológicas
mo um traço da doença, as alterações me- do estresse biológico continuado ou in-
tabólicas parecem relacionar-se mais dire- termitente (no caso dos episódios de hu-
tamente com as anor1nalidades anatômi- mor) durante a infância e sua associação
cas descritas na fisiopatologia do TOM. 4 com depressão já foram estudadas, mas
Estudos mais recentes com radioligantes ainda não são totalmente conclusivas. Pa-
em imagem de receptores com PET e res- cientes com TOM com história de abuso
sonância magnética funcional podem pro- físico apresentam aumento da resposta
ver importantes informações em ques- do eixo HHA a estresses psicológicos 11 e
tões-chave como atividade de receptores, menores níveis de corticotrofina e corti-
neurotransmissão e outros correlatos bio- sol no teste da supressão por dexameta-
lógicos em neuroimagem no TOM. sona; entretanto, tal dado não é encontra-
do em indivíduos saudáveis com história
, , de abuso infantil. 12 Os principais estudos
EIXO HIPOTALAMO-HIPOFISE-ADRENAL na área têm focado na avaliação desde a
EESTRESSE BIOLÓGICO clássica e amplamente descrita hiperativi-
dade do eixo HHA até estudos mais recen-
No TOM, têm sido amplamente descritas tes, que avaliam a associação entre a ati-
alterações na regulação do eixo endócrino vidade do fator liberador de corticotrofi-
hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), bem na (CRF), produzido no hipotálamo, com
como demonstrada a presença de disfun- a resposta ao estresse em humanos e mo-
ções no metabolismo tireoidiano e no me- delos animais, e também em pesquisas
tabolismo do hormônio de crescimento. clínicas com moduladores desses recepto-
Ainda, anormalidades do sono, dos rit- res. Achados como hiperativação dos re-
mos circadianos, do sistema imune e alte- ceptores CRF1, possível diminuição da ati-
rações da morfologia e da fisiologia cere- vação dos receptores CRF2 e alteração no
bral estão associadas aos diversos mode- eixo HHA estão diretamente associados
los de estresse descritos no TOM. 8 aos mecanismos implicados em compor-
Inúmeros estudos descrevem hipera- tamentos ditos depressivos. Assim, com-
tividade do eixo HHA. Essa alteração tem postos tendo estes sistemas como alvo po-
sido descrita em torno de metade dos pa- dem representar avanços na terapêutica
cientes deprimidos e pode ser causada pe- do TOM.
lo estresse crônico, reduzindo, dessa for-
ma, a inibição do eixo e aumentando os
glucocortocoides no cérebro e periferia. MECANISMOS IMUNOLÓGICOS
No TOM, por exemplo, a desregulação
desse eixo está associada a resposta anor- Ao longo da última década, novas des-
mal ao teste de supressão da dexameta- cobertas no estudo da neurobiologia do
sona e a elevados níveis de cortisol ba- TOM apontaram para o envolvimento de
sal. Esses achados no TOM têm sido asso- processos inflamatórios e interações imu-
ciados com anormalidades funcionais ou noneuronais na patogênese da doença.
com apoptose dos neurônios do hipocam- Tais dados são conhecidos como hipóte-
po, s,9 sendo que o uso crônico de antide- se das citocinas na depressão. 13 A bipó-
Ouevedo & Silva (orgs.)

tese das citocinas recebe suporte pela al- cidada. Estudos futuros sobre essa asso-
ta comorbidade com doenças inflamató- ciação, bem como sobre os efeitos das di-
rias como esclerose múltipla, HIY, doença ferentes classes dos antidepressivos na
inflamatória intestinal e artrite reumatoi- função imune e na secreção das citocinas,
de, bem como pela alta prevalência de e ainda sobre os efeitos clínicos dos anta-
sintomas depressivos em indivíduos uti- gonistas das citocinas, podem trazer no-
lizando imunossupressores como o inter- vas respostas e perspectivas para o desen-
feron-alfa. I3,I4 Citocinas representam um volvimento de moduladores específicos e
grupo heterogêneo de moléculas mensa- para a utilização dos antidepressivos tra-
geiras que são produzidas por células do dicionais.
sistema imune, como linfócitos e macró-
fagos, sendo distinguidas entre anti-in-
flamatórias e pró-inflamatórias. A produ- NEUROOUÍMICA
ção de citocinas pode ocorrer em diversas
áreas cerebrais por células gliais, como as- Inúmeros estudos nas últimas décadas têm
trócitos e microglia em áreas como hipo- demonstrado um papel-chave das monoa-
campo e hipotálamo. Is Desde o primeiro minas, em especial serotonina (5-HT), do-
trabalho sobre esse assunto, descrevendo pamina (DA) e noradrenalina (NA), na fi-
uma associação entre depressão e ativa- siopatogenia e no tratamento do TDM.
ção das células T, foram observados inú- Junto com a acetilcolina (ACh), essas mo-
meros achados demonstrando o aumento noaminas exercem efeitos modulatórios
dos níveis de citocinas pró-inflamatórias em inúmeras atividades corticais e sub-
nos transtornos depressivos. Is Em espe- corticais e estão envolvidas na regula-
cial, inúmeros estudos têm reforçado um ção do humor, na atividade psicomoto-
papel-chave para as citocinas pró-inflama- ra, no apetite, no sono e na cognição. Ini-
tórias interleucinas 1 e 6 (IL-1, IL-6) e fa- cialmente, as monoaminas constituíram
tor de necrose tumoral alfa (TNF-a). Se- a principal hipótese envolvendo os neu-
guindo o mesmo raciocínio, sabe-se que rotransmissores cerebrais. Com relação
a inflamação é acompanhada de aumento ao sistema serotonérgico, diminuição da
na produção de radicais livres, e já foi re- 5-HT cerebral, down-regulation dos recep-
portado que, na depressão, existe aumen- tores 5-HTlA e up-regulation dos recepto-
to dos níveis de peroxidação lipídica, e res 5-HT2I3 são os achados mais replica-
oxidação de DNA (8-0HdG). I6,I 7 E impor- dos na literatura do TDM. Por décadas, a
tante observar que o tratamento com an- hipótese serotonérgica da depressão mo-
tidepressivos nem sempre é acompanha- tivou a pesquisa sobre a etiologia da de-
do por uma redução nas concentrações de pressão em estudos clínicos e modelos
citocinas pró-inflamatórias, ainda que se animais testando paradigmas. Da mesma
sugira a presença de efeitos imunomodu- forma, inúmeros antidepressivos tradicio-
latórios indiretos a partir de alterações no nais têm como alvo principal a inibição da
sistema serotonérgico, como modificações recaptação de serotonina. A visão atual é
na atividade do receptor serotonérgico de que as alterações no sistema serotonér-
pós-sináptico e no transportador de sero- gico seriam consequência de um processo
tonina. Is Sobretudo, apesar de inúmeras de estresse celular em vez de ser a princi-
evidências embasando o papel das citoci- pal etiologia. Ia Além disso, o dado de que
nas na neurobiologia do TDM, seu exato menos de 600/o dos pacientes alcançam re-
papel na fenomenologia dos quadros de- missão com o uso dos atuais antidepressi-
pressivos ainda precisa ser mais bem elu- vos fala a favor de que o entendimento da
Depressão

fisiopatologia da depressão, assim como a cluem regulações em nível molecular e ce-


maneira de tratá-la, precisam ser repen- lular que contribuem para mudanças na
sados, potencialmente envolvendo outros eficácia sináptica e para a melhora da re-
alvos que não as monoaminas. Alterações siliência celular. Além da teoria monoa-
nos níveis de 5-HT e NA na fenda sináp- minérgica do TDM, outros alvos associa-
tica na depressão também parecem asso- dos a cascatas de sinalização intracelular,
ciar-se a sintomas de ansiedade, impulsi- à modulação da expressão dos genes, a
vidade e queda de energia. Já a DA esta- níveis de fatores neurotróficos, tais como
ria associada aos aspectos de motivação o fator neurotrófico-derivado do cérebro
e volição, envolvendo ativação do córtex (BDNF), mostram-se fundamentais em es-
pré-frontal e de áreas límbicas (Fig. 4.2). tudos neuroquímicos visando elucidar as
Alterações na sensibilidade e no número bases neurobiológicas do TDM. Ainda, no-
de receptores podem estar associadas ao vas abordagens terapêuticas envolvendo
mecanismo antidepressivo na terapêutica agentes que provem conceitos além das
do TDM. monoaminas como alvo podem ajudar a
O desafio das pesquisas atuais sobre diminuir a alta prevalência de casos refra-
o mecanismo de ação dos antidepressivos tários aos tratamentos convencionais (ba-
é determinar exatamente o que produz a sicamente compostos por antidepressivos
resposta terapêutica. Os principais me- monoaminérgicos) e o tempo de latência
canismos que estão sendo estudados in- para o início da atividade antidepressiva

Noradrenalina Serotonina
Ansiedade
Irritabilidade

Energia Impulsividade
Interesse Humor,
Emoção,
Funções
Cognitivas
Sexo
Motivação Apetite
Agressão

Motivação
Volição

Dopamina

Figura 4.2
Modelo monoaminérgico da depressão.
Ouevedo & Silva (orgs.)

(tal como recentemente observado com Postula-se que tais mutações alteram a
moduladores glutamatérgicos avaliados excitabilidade celular ao permitirem um
pelo grupo do National Institute of Men- maior influxo celular de cálcio, entretan-
tal Health [NIMH]),19 assim podendo re- to ainda não está claro exatamente como
presentar um importante avanço em ter- difere em nível celular a funcionalidade
mos de saúde pública e benefício para os desses canais na depressão e no transtor-
que sofrem com essa doença devastadora no bipolar. Além disso, fatores ambientais
e incapacitante. modulam a atividade de genes (epigenéti-
ca) que conferem diferentes suscetibilida-
, des à depressão entre indivíduos, sendo
GENETICA esta uma área promissora em desenvol-
vimento para estudos genéticos no TDM.
A herdabilidade da depressão foi estima- Novas tecnologias no campo de genética
da em 40 a SOO/o, sobrando espaço para molecular e genômica também podem ge-
a interferência de fatores socioambien- rar novos conhecimentos na área.
tais. Angst, em 1966, na Suíça, e Perris,
no mesmo ano, na Suécia, apresentaram,
independentemente, os primeiros estu- -
CONCLUSAO
dos sistemáticos em famílias, demons-
trando agregação familiar das alterações Estudos neurobiológicos em modelos ani-
do humor, encontraram maior frequência mais e em humanos fornecem uma série
de pacientes do TDM entre os parentes de de evidências que, quando integradas,
depressivos unipolares. Inicialmente, os permitem uma visão das anormalidades
genes mais estudados pelos pesquisadores fisiopatológicas envolvidas na etiopatolo-
foram polimorfismos no gene transporta- gia do TDM. Os principais achados são:
dor de serotonina. 8 Ainda que os grandes diminuição da neurotransmissão mono-
estudos de associação (Genome-Wide As- aminérgica, baixos níveis de BDNF, au-
sociation Studies - GWAS) não tenham mento de citocinas inflamatórias, desre-
demonstrado a presença de genes candi- gulação do eixo HHA, alterações corticais
datos com alta significância no TDM, po- e subcorticas, alterações funcionais cere-
dem-se citar alguns genes com relativa re- brais e identificação de alguns genes para
presentatividade quando vistos de forma maior risco. A integração de todos esses
isolada. Atualmente, os genes que mais se dados permite concluir que o TDM é uma
destacam em estudos de associação são doença sistêmica fortemente associada a
adenil ciclase 3 (ADCY3), galanina (GAL) um estado pró-inflamatório deletério ao
e o gene que codifica um subtipo de canal equilíbrio fino da atividade neuronal nor-
de cálcio de baixa voltagem subtipo al- mal que, se não tratado adequadamente,
fa ( CACNAl C). 20,21 A associação do CAC- pode evoluir para neurodegeneração.
NAl C com diagnóstico de transtorno bi- Estudos examinando a combinação
polar é um dos achados mais consisten- de fatores genéticos, moleculares e de neu-
tes em estudos genéticos de associação de roimagem visando identificar associações
larga escala. 22 -24 Assim sendo, a tendên- entre esses sistemas poderiam aumentar o
cia atual é investigar o papel desses acha- entendimento dos mecanismos neurofisio-
dos em mutações dos canais de cálcio na lógicos e, como consequência, possibilitar
neurobiologia dos transtornos do humor. que se pense de maneira mais adequada
Depressão

em novas abordagens terapêuticas. Rela- REFERÊNCIAS


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neurotróficos e alterações em regiões ana- 1. World Health Organization. Mental health: de-
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.- . , .
na transm1ssao monoam1nerg1ca que, Jun-
. 5. Hamilton JP, Siemer M, Gotlib IH. Amygdala vo-
tamente com os glicocorticoides, induzem lume in major depressive disorder: a meta-analy-
sis of magnetic resonance imaging studies. Mol
modulação nas respostas imunes. Além Psychiatry. 2008;13(11):993-1000.
disso, estudos têm indicado como técni- 6. MacQueen GM, Campbell S, McEwen BS, Ma-
cas de neuroimagem podem ser usadas cdonald K, Amano S, Joffe RT, et al. Course of
no diagnóstico e como medidas especí- illness, hippocampal function, and hippocampal
ficas podem ajudar a distinguir TOM de volume in major depression. Proc Natl Acad Sei
USA. 2003;100(3):1387-92.
transtorno bipolar. 3o,31 Como consequên-
7. Neumeister A, Wood S, Bonne O, Nugent AC,
cia, tais medidas integradas poderiam fa- Luckenbaugh DA, Young T, et al. Reduced hip-
cilitar o diagnóstico mais preciso e preco- pocampal volume in unmedicated, remitted pa-
ce, além de um tratamento mais adequa- tients with major depression versus control sub-
do. 32 Outros pontos importantes incluem jects. Biol Psychiatry. 2005;57(8) :935-7.
o desenvolvimento de estudos avaliando 8 . Lee S, Jeong J, Kwak Y, Park SK. Depression re-
search: where are we now? Mol Brain. 2010;3:8.
a regulação genética dos circuitos neurais
descritos neste capítulo; o estudo de no- 9. Heuser I, Yassouridis A, Holsboer E Dexame-
thasone suppression test and diagnosis of me-
vos alvos terapêuticos potencialmente re- lancholia. Arch Gen Psychiatry. 1982 39(10):
levantes, como os sistemas opioide, glu- 1218-9.
tamatérgico, purinérgico, endocanabinoi- 10. Lopez-Duran NL, Kovacs M, George CJ. Hypotha-
de e neuropeptídeos. Além disso, novos lamic-pituitary-adrenal axis dysregulation in de-
avanços têm ampliado o conhecimento pressed children and adolescents: a meta-analysis.
Psychoneuroendocrinology. 2009;34(9): 1272-83.
e adicionado potencial relevância clínica
11. Heim C, Newport DJ, Heit S, Graham YP, Wil-
no TOM na área da cronobiologia, relógio cox M, Bonsall R, et al. Pituitary-adrenal and au-
biológico, genes e sistema melatonérgico. tonomic responses to stress in women after se-
Em suma, os avanços recentes no conhe- xual and physical abuse in childhood. JAMA.
cimento acerca da neurobiologia do TOM, 2000;284(5) :592-7.
além do clássico paradigma das monoa- 12. Newport DJ, Heim C, Bonsall R, Miller AH, Ne-
meroff CB. Pituitary-adrenal responses to stan-
minas, podem ajudar no desenvolvimen- dard and low-dose dexamethasone suppres-
to de novos e melhores tratamentos para sion tests in adult survivors of child abuse. Biol
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Ouevedo & Silva (orgs.)

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Gislaine Z. Réus
Helena Mendes Abelaira
João Ouevedo

INTRODUÇÃO Modelos animais são ferramentas


importantes na investigação da etiologia
A depressão é um transtorno psiquiátri- e do progresso da depressão, bem como
co cuja neurobiologia ainda é pouco co- para o desenvolvimento de alvos terapêu-
,
nhecida, e são poucos os pacientes com ticos eficazes para o transtorno. E impor-
esse transtorno que respondem aos trata- tante salientar que, apesar de os modelos
mentos existentes. Nesse sentido, muitas animais ajudarem muito no entendimen-
pesquisas têm sido realizadas, sendo que to dos transtornos psiquiátricos, eles en-
seu avanço está relacionado ao desenvol- volvem algumas limitações; em animais,
vimento de modelos animais das doenças por exemplo, não se podem observar sen-
humanas. Como em todas as condições timentos de tristeza, culpa ou ideias suici-
clínicas, a aproximação entre a doença e das, sintomas essencialmente humanos. 1
as ações de medicamentos corretivos em No entanto, alguns critérios foram esta-
animais de laboratório é essencial para o belecidos para a validação de um modelo
desenvolvimento de terapias eficazes. animal. Eles estão descritos na Tabela 5.1.

Tabela 5.1
Critérios para a validade de um modelo animal de depressão
Critérios Manifestações

1. Face As manifestações comportamentais devem ser similares aos


sintomas observados em pacientes com depressão.

2. Constructo As alterações fisiopatológicas que ocorrem em pacientes com


depressão, como alterações no eixo HPA e em neurotransmis-
sores e atrofia hipocampal também devem ocorrer nos ani-

mais.

3. Preditiva As alterações comportamentais devem ser revertidas por trata-


mentos efetivos (p. ex., antidepressivos e eletroconvulsoterapia).
Ouevedo & Silva (orgs.)

Com base nos critérios de validade, nas a três meses) a diferentes estressares
muitos modelos animais de depressão fo- (p. ex., privação de água e de comida, ex-
ram e ainda estão sendo desenvolvidos. posição a baixas temperaturas, isolamen-
Tais modelos incluem engenharia gené- to, entre outros) exibem déficits compor-
tica, lesões cerebrais e manipulações am- tamentais, como alterações no sono e com-
bientais. A Tabela 5.2 mostra alguns mo- portamento anedônico. Com relação a
delos de depressão e os critérios de vali- parâmetros moleculares, que estariam re-
dade de cada um. lacionados à validade de constructo nesse
modelo animal, já foram observadas alte-
-
MODELOS ANIMAIS DE DEPRESSAO -
rações no eixo hipotálamo-hipófise-adre-
nal (HHA). Geralmente, animais submeti-
-
MANIPULAÇOES AMBIENTAIS dos a um protocolo de estresse exibem au-
mento nos níveis de cortisol e no peso da
Estresse crônico moderado glândula adrenal; 4 alterações em lipídeos e
proteínas; diminuição na atividade de en-
Um dos principais sintomas da depressão zimas antioxidantes; e, também, aumento
em humanos é a anedonia, ou seja, a dimi- de citocinas pró-inflamatórias. 5 ,6
nuição no interesse ou prazer em ativida- Nos últimos anos, muitos pesqui-
des diárias. Além disso, sabe-se que even- sadores focam as neurotrofinas, as quais
tos estressares ao longo da vida são fato- estão envolvidas na plasticidade celular
res preditivos na etiologia da depressão. z,3 - a exemplo do fator neurotrófico-deri-
De acordo com essas características, mui- vado do cérebro (BDNF) -, como um al-
tos pesquisadores usam o modelo animal vo de suma importância na neurobiolo-
de estresse crônico moderado para o estu- gia e no tratamento da depressão. Em so-
do da neurobiologia da depressão, bem co- ro, assim como em cérebros post mortem
mo para elucidar novos alvos terapêuticos de pacientes com o transtorno, já foram
para o seu tratamento. De fato, ratos sub- relatados níveis diminuídos dessa neuro-
metidos por longos períodos (de três sema- trofina. Por sua vez, o tratamento com an-

Tabela 5.2
Modelos animais de depressão e seus critérios de validade
Critérios
Modelo
Face Constructo Preditiva

Testes do nado forçado e +


suspensão da cauda

Estressares crônicos (p. ex., estresse + + +


crônico moderado, isolamento social
e desamparo aprendido)

Privação materna + + +
Lesões (p. ex., bulbectomia olfatória) + + +
Estimulação do sistema imune (p. ex., + + +
endotoxinas e citocinas pró-inflamatórias)
Depressão

tidepressivos mostra efeitos positivos, na Em animais desamparados, já fo-


maioria das vezes aumentando a expres- ram observados diminuição no peso e au-
são e os níveis totais de BDNE 7 Níveis di- mento na atividade motora; agitações são
minuídos de BDNF, assim como atenua- bem comuns, além de redução na libido,
ção em neurogênese, foram encontrados déficits cognitivos e alterações no sono.
em cérebros de animais expostos a proto- Quando a preferência pela sacarose é tes-
colos de estresse. 8 Inclusive, animais no- tada nesses animais, observa-se compor-
cautes para o BDNF foram mais suscetí- tamento anedônico. Na maioria das ve-
veis a desenvolver comportamento do tipo zes, os resultados do modelo de desampa-
depressivo quando submetidos a estressa- ro aprendido levam a um comportamento
res crônicos. Entretanto, resultados opos- de tipo depressivo, o que também é obser-
tos já foram mostrados por outros autores, vado na clínica. 10 Desse modo, o mode-
. ,
os quais sugerem que um aumento nos ni- lo apresenta uma boa validade de face, o
veis de BDNF em animais pode ser rela- mesmo se verificando quanto à preditiva.
cionado a um mecanismo, compensatório De fato, animais a ele submetidos respon-
em resposta ao estresse. E importante no- dem a antidepressivos tricíclicos, inibido-
tar que muitas das alterações encontradas res da recaptação de serotonina e de mo-
em animais expostos a procedimentos de noaminoxidase, bem como a eletrocon-
. . . , .
estresse, as quais constituem os criterios vulsoterapia. 11 A resposta antidepressiva
de face (como anedonia) e de constructo desses fármacos é encontrada 2 a 3 dias
(como no eixo HPA e em neurotrofinas) após o início do tratamento.
- são revertidas por diversas classes de Alterações neurobiológicas foram
antidepressivos clinicamente efetivos (p. observadas após o desamparo aprendido.
ex., fluoxetina e imipramina), o que de- Depleção de noradrenalina e serotonina,
monstra a validade preditiva desse mode- assim como alterações nos receptores NE~
lo animal. de noradrenalina e SHTlB de serotonina
no hipocampo, também foram relatadas.
Porém, a administração crônica de anti-
Desamparo aprendido depressivos reverteu as alterações nos re-
ceptores NE~ e SHT1B. O eixo HPA parece
O modelo animal do desamparo aprendi- exercer um importante papel nesse mode-
do foi descrito primeiramente por Over- lo animal. De fato, animais com antago-
mier e Seligman, 9 e desde então vem sen- nismo em receptores de glicocorticoides
do amplamente utilizado por diversos apresentam aumento da vulnerabilidade
pesquisadores a fim de investigar a ação ao desamparo aprendido. Além disso, ní-
de fármacos antidepressivos, bem como veis elevados de glicocorticoides e de ho-
alterações moleculares relacionadas à de- mocisteína - os quais são encontrados em
pressão. Nesse modelo, os animais são pacientes com depressão - foram relata-
expostos a um estímulo aversivo, geral- dos em animais submetidos ao modelo do
mente choques elétricos incontroláveis. E, desamparo aprendido. 12
quando submetidos a uma sessão de tes-
te, apresentam maiores latências de fuga,
esquiva ou não aprendizagem dessas res- Privação materna
postas - o que caracteriza o desamparo
- . .
- em comparaçao a animais que nao re-- Sabe-se que há forte relação entre o es-
ceberam choques ou receberam choques tresse e a depressão. Algumas situações
controláveis. traumáticas ou estressaras no início da
Ouevedo & Silva (orgs.)

vida estão entre os fatores de risco mais comportamentais e/ou resposta a antide-
importantes para o desenvolvimento des- pressivos nesse modelo.
ta. Além disso, alguns fatores estressan-
tes, como separação e abuso sexual, au-
. . . . ,
mentam o risco para um pr1me1ro ep1so- Privação do sono
dio depressivo, o qual pode ocorrer anos
após o evento estressar. Alguns autores na Sabe-se que o sono é muito importante
década de 1950 demonstraram que crian- para manter as funções homeostáticas. A
ças que ficavam longos períodos longe privação de sono é um estressar que pode
dos pais, em hospitais ou orfanatos, aca- levar a alterações tanto no sistema nervo-
bavam desenvolvendo sintomas depressi- so central (SNC) quanto no periférico. 15
vos. Os mesmos efeitos foram observados Embora a privação do sono não seja ainda
em primatas; no entanto, a presença de um modelo de depressão bem estabeleci-
uma figura materna pode controlar tais do, muitos estudos mostram que ela alte-
comportamentos. Algumas pesquisas re- ra importantes vias relacionadas ao estres-
latam alterações no eixo HPA e no sistema se. Aumento nos níveis de RNA mensagei-
serotonérgico como cruciais na relação de ro para a interleucina-1~ - uma citocina
fatores estressantes que desencadeariam pró-inflamatória -, além de no cortisol,
transtornos psiquiátricos na vida adulta. foram constatados em roedores após es-
Nesse sentido, há também o modelo ani- tes terem sido manuseados delicadamen-
mal de privação materna, que é bastante te com as mãos, a fim de que não dormis-
útil para o estudo da depressão, bem co- sem. Além disso, a aplicação do método
mo para avaliar a eficácia de antidepres- da plataforma - que consiste em colocar
sivos. Esse modelo consiste em afastar a camundongos em plataformas submer-
mãe de perto dos filhotes por algumas ho- sas em água, de modo que, ao dormirem,
ras durante os primeiros dias de vida. Na caiam na água e então voltem a ficar acor-
vida adulta, esses animais privados dos dados - per1nitiu observar um aumento
cuidados maternos apresentam alterações de estresse oxidativo no hipocampo após
comportamentais e bioquímicas, as quais 72 horas de privação do sono. Após 96 ho-
são encontradas em pacientes com de- ras, foi constatada também diminuição na
pressão. Corroborando esses dados, ratos proliferação celular. Alguns testes clássi-
privados dos cuidados maternos mostra- cos - como o teste da esquiva inibitória e
ram comportamento do tipo depressivo o teste do labirinto aquático, usados pa-
no teste do nado forçado, tiveram aumen- ra avaliar parâmetros cognitivos em ani-
to dos níveis de glicocorticoides e dimi- mais - mostraram déficits na memória e
nuição em neurotrofinas (p. ex., BDNF e no aprendizado, comportamento agressi-
neurotrofina-3 [NT-3]). 13, 14 No entanto, o vo e hiperatividade em roedores subme-
tratamento com antidepressivos em ani- tidos a privação do sono. Alguns neuro-
mais privados dos cuidados maternos foi transmissores, como a dopamina e a se-
capaz de reverter comportamentos do ti- rotonina, encontram-se alterados após a
po depressivo, promovendo um aumento, privação do sono, tendo sido relaciona-
de neurotrofinas e neurogênese. E impor- dos a alterações comportamentais. Priva-
tante notar, entretanto, que há algumas li- ção do sono por curtos ou longos perío-
mitações no modelo animal de privação dos alterou a expressão gênica de vários
materna; alguns grupos de pesquisa, por fatores de transcrição e genes que codi-
exemplo, não têm encontrado alterações ficam neurotransmissores e proteínas en-
Depressão

volvidas em processos metabólicos e plas- MODELOS ANIMAIS DE


ticidade celular. 16 Comportamento anedô- DEPRESSÃO - LESÕES
nico foi detectado em ratos submetidos à
privação do sono paradoxal. 17 Outro estu- Bulbectomia
do, por sua vez, mostrou que animais pri-
vados do sono paradoxal foram mais sen- A bulbectomia olfatória (BO) bilateral re-
síveis a tratamento com os antidepressi- sulta em alterações comportamentais e
vos imipramina e fluoxetina. Apesar de o endócrinas, além de alterações no sistema
protocolo de privação do sono ainda ter li- imune e em neurotransmissores, sendo
mitações como modelo animal de depres- que muitas delas simulam as alterações
são, ele apresenta alguns dos critérios pa- observadas em pacientes com depressão
ra a validade de um modelo animal, a sa- maior. 20 O sistema olfatório em ratos for-
ber, as validades de face e constructo. ma uma parte da região límbica, incluindo
a amígdala e o hipocampo, responsáveis
por funções como memória e emoção e
Alteração de fotoperíodo que sabidamente apresentam morfologia
e atividade alteradas em pacientes com
Mais recentemente, foi proposto que mani- depressão. Após a BO, nota-se uma dege-
pulações no período claro/escuro em ani- neração de neurônios do bulbo olfatório,
mais podem caracterizar um novo mode- mas também de outras áreas, como hipo-
lo animal de depressão. 18 Nesse modelo, campo, córtex, amígdala, locus ceruleus e
camundongos ativamente noturnos foram núcleos da rafe. As alterações nessas regi-
expostos a longos períodos de luz artificial ões cerebrais provavelmente levam a uma
(22 horas) por dia durante um período de disfunção nos sistemas noradrenérgico e
duas semanas. Esses animais desenvolve- serotonérgico, que são observadas após a
ram comportamento anedônico e aumento bulbectomia. 21 Com relação a parâmetros
na atividade motora. De for1na sistemática, comportamentais em animais com BO, já
com as alterações comportamentais, tam- foram demonstrados aumento no caniba-
bém ocorreu aumento nos níveis de corti- lismo e em comportamentos exploratórios
costerona no sangue e uma diminuição nos e locomotores, diminuição na atividade
níveis de BDNF no hipocampo. Caracteri- sexual, comportamento anedônico e défi-
zaram-se, assim, as validades de face e de cits cognitivos. Em níveis celulares, pode-
constructo. Entretanto, esse modelo deve -se observar uma redução no número de
ser averiguado quanto à validade prediti- sinapses e arborização dendrítica em neu-
va, já que o tratamento com o antidepres- rônios corticais e hipocampais. Além dis-
sivo imipramina foi capaz de prevenir ape- so, foram encontradas reduções nas con-
nas algumas dessas alterações comporta- centrações de serotonina e noradrenalina
mentais e fisiológicas. 19 Ratos com hábitos em cérebro de roedores submetidos à BO.
diurnos desenvolvem comportamento do Alterações no sistema imune são bastante
tipo depressivo quando submetidos a con- evidentes nesses animais. De fato, estudos
dições experimentais de diminuição no fo- relataram que muitas dessas alterações,
toperíodo. Por sua vez, o tratamento com o tanto comportamentais quanto celulares,
antidepressivo bupropiona reverteu o com- foram revertidas por diversas classes de
portamento depressivo desses animais no antidepressivos utilizadas na clínica. As
teste do nado forçado, mas não o compor- alterações comportamentais, em neuro-
tamento anedônico. . . . ,
transmissores e no sistema imune apos a
Ouevedo & Silva (orgs.)

BO, permitem que se conclua que esse po- pró-inflamatórios, tais como as interleuci-
de ser um bom modelo animal de depres- nas (IL-1, IL-2 e IL-6) e o fator de necrose
são, já que apresenta as validades de face tumoral (TNF). No entanto, o tratamento
e constructo. Quanto à validade preditiva, com antidepressivos diminuiu os níveis de
diferentes classes de antidepressivos tera- IL-4 nesses pacientes.
peuticamente efetivos revertem as altera- Há registros de críticas a modelos
ções comportamentais e moleculares cau- animais de depressão que envolvem o sis-
sadas pela BO, o que permite atribuí-la a tema imune, em virtude de ainda haver
esse modelo. dificuldades em entender a complexidade
das vias de comunicação entre o sistema
-
MODELOS ANIMAIS DE DEPRESSAO -
imune e o cérebro. Apesar disso, alguns es-
tudos vêm sendo desenvolvidos. 22 Em roe-
MANIPULAÇÕES QUÍMICAS dores, a administração de endotoxina, um
componente da parede celular de células
Estimulação do sistema imune gram-negativas, levou a alterações com-
portamentais similares às vistas em huma-
Recentemente, diversos estudos dedicam nos, como anedonia e distúrbios do sono -
especial atenção ao papel do sistema imu- que são relacionados à validade de face - e
ne na depressão. As citocinas, que são me- alterações neuroendócrinas - que compre-
diadores inflamatórios, interagem com endem a validade de constructo. Já o trata-
vias relacionadas a esse transtorno, in- mento com os antidepressivos desipramina
cluindo metabolismo de neurotransmisso- e fluoxetina reduziu a anedonia nesses ani-
res, funções neuroendócrinas e plasticida- mais. Na Tabela 5.3, são apresentados al-
de neural. Pacientes com depressão apre- guns modelos de depressão e seus efeitos
sentam níveis elevados de mediadores nas validades de face e de constructo.

Tabela 5.3
Diferentes tipos de modelos animais de depressão e seus
efeitos sobre parâmetros das validades de face e constructo
Validade de face Validade de constructo

Citocinas
Atividade Eixo pró-infla- Volume
Tratamento Anedonia motora Peso HHA Neurotrofinas matórias hipocampal

Estresse crônico t t -!, t t


Privação materna t t t
Desamparo aprendido t t t t
Bulbectomia olfatória t t t t
Privação de sono t t t -!, t t
Depressão

MODELOS PREDITIVOS DE O TNF é de fácil uso, tem boa repro-


ATIVIDADE ANTIDEPRESSIVA dutibilidade e é muito usado para a sele-
ção de novos fár1nacos antidepressivos.
Testes do nado forçado No TNF, diversas classes de antidepressi-
vos diminuem o tempo de imobilidade pe-
Um dos testes mais utilizados pelos pes- lo fato de aumentarem o tempo de nado
quisadores para investigar novos fár1na- e/ou escalada. Com relação aos efeitos an-
cos antidepressivos é o teste de natação ti-imobilidade, sabe-se que fár111acos que
forçada (TNF), descrito primeiramente alteram a neurotransmissão noradrenérgi-
por Porsolt e colaboradores. 23 Esse teste ca (p. ex., imipramina) aumentam o com-
foi desenvolvido como um modelo ani- portamento de escalada, enquanto fár-
mal de depressão que tinha o objetivo de macos que alteram a neurotransmissão
mensurar os efeitos de compostos antide- serotonérgica (p. ex., fluoxetina, sertrali-
pressivos em ratos. Nele, coloca-se o rato na, paroxetina e citalopram) aumentam
em um cilindro com água, do qual o ani- o tempo de nado. O nado é definido co-
mal é incapaz de sair. Inicialmente, os ra- mo os movimentos horizontais, e a escala-
tos tentam escapar; porém, acabam ado- da, como os movimentos verticais do ani-
tando uma postura de imobilidade, o que mal que escala as paredes do cilindro com
marca um comportamento passivo, carac- suas patas. Os efeitos de antidepressivos
terizado por ausência de movimentos, ex- no TNF são relativamente efetivos, já que
ceto os necessários para que seu focinho não aumentam a atividade motora espon-
seja mantido acima do nível da água (Fig. tânea, ao contrário de psicoestimulantes
5. IA). O teste consiste em duas exposi- como a anfetamina e a cocaína. Além dos
ções ao nado. A primeira exposição é de efeitos antidepressivos de fármacos ava-
15 minutos; a segunda, de 5 minutos, é liados pelo teste do nado forçado, pode-se
realizada 24 horas após a primeira. também avaliar comportamentos do tipo

A B

Figura 5.1
Teste do nado forçado (A) e teste de suspensão da cauda (B).
Ouevedo & Silva (orgs.)

depressivo: por exemplo, já foi demons- REFERÊNCIAS


trado que animais submetidos a um pro-
tocolo de privação materna aumentam o 1. Nestler EJ, Hyman SE. Animal models of neuro-
psychiatric disorders. Nat Neurosci. 2010;13(10):
tempo de imobilidade no TNE
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3. Willner P. Validity, reliability and utility of the
Semelhante ao TNF, há o teste de suspen- chronic mild stress model of depression: a
10-year review and evaluation. Psychopharma-
são da cauda (TSC). Enquanto aquele po- cology (Berl). 1997;134(4):319-29.
de ser utilizado tanto em ratos quanto em 4. Fortunato JJ, Réus GZ, Kirsch TR, Stringari
camundongos, este pode ser aplicado ape- RB, Fries GR, Kapczinski F, et al. Effects of be-
nas nos últimos. No TSC, as caudas de ca- ta-carboline harmine on behavioral and physio-
mundongos são anexadas e suspensas por logical parameters observed in the chronic mild
stress model: further evidence of antidepressant
uma fita adesiva (Fig. 5.lB). O tempo que properties. Brain Res Bull. 2010;81(4-5):491-6.
o animal permanece imóvel em um inter- 5. Lucca G, Comim CM, Valvassori SS, Réus
valo de seis minutos é interpretado como GZ, Vuolo F, Petronilho F, et al. Effects of chronic
uma medida de comportamento do tipo mild stress on the oxidative parameters in the rat
depressivo. brain. Neurochem Int. 2009;54(5-6) :358-62.
,
E importante salientar que ambos os 6. You Z, Luo C, Zhang W, Chen Y, He J, Zhao Q,
et al. Pro- and anti-inflammatory cytokines ex-
testes, TSC e TNF, são considerados mo- pression in rat's brain and spleen exposed to
delos preditivos de atividade antidepres- chronic mild stress: involvement in depression.
siva, e não modelos animais de depressão Behav Brain Res. 2011;225(1):135-41.
- já que não possuem as validades de fa- 7. Mao QQ, Xian YF, Ip SP, Tsai SH, Che CT. Long-
ce e de constructo. -term treatment with peony glycosides reverses
chronic unpredictable mild stress-induced de-
pressive-like behavior via increasing expression
of neurotrophins in rat brain. Behav Brain Res.
-
CONCLUSAO
2010;210(2) :171-7.
8. Ibarguen-Vargas Y, Surget A, Vourc'h P, Le-
man S, Andres CR, Gardier AM, et al. Deficit in
Embora existam muitos modelos animais BDNF does not increase vulnerability to stress
de depressão, alguns que inclusive apre- but dampens antidepressant-like effects in the
unpredictable chronic mild stress. Behav Brain
sentam todas as validades preditivas, de- Res. 2009;202(2):245-51.
senvolver um modelo adequado que mi-
9. Overmier JB, Seligman ME. Effects of inescapable
metize todos os sintomas do transtorno shock upon subsequent escape and avoidance res-
ainda é um desafio. Apesar disso, os mo- ponding. J Comp Physiol Psychol. 1967;63(1):28-
delos atualmente existentes - mesmo que 33.
em diferentes graus - vêm contribuindo 10. Takamori K, Yoshida S, Okuyama S. Availabili-
ty of leamed helplessness test as a model of de-
para o melhor entendimento da neurobio-
pression compared to a forced swimming test in
logia da depressão, além de oferecer no- rats. Pharmacology. 2001;63(3):147-53.
vos alvos far1nacológicos para o seu tra- 11. Malberg JE, Duman RS. Cell proliferation in
tamento. adult hippocampus is decreased by inescapable
Depressão

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sychopharmacology. 2003 ;28(9):1562-71. pharmacol Biol Psychiatry. 2009;33(6):960-6.
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14. Rüedi-Bettschen D, Zhang W, Russig H, Ferger 2011;63(3):191-6.
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Marco A. Romano-Silva
Debora Marques de Miranda
Daniela Valadão Rosa
António Alvim-Soares

INTRODUÇÃO por fim, a fase de manutenção, na qual


se busca evitar a recorrência do episódio
O transtorno depressivo maior (TDM) depressivo e manter o retomo completo
provoca significativa morbidade e mor- ao funcionamento pré-mórbido. Para tan-
talidade, afetando indivíduos de todas as to, é recomendado manter o antidepres-
idades e raças. Antes do início do uso de sivo na mesma dose em que a remissão
qualquer medicamento, um plano de tra- dos sintomas foi alcançada. Ainda que a
tamento abrangente deve ser desenvolvi- duração de tal etapa não possa ser gene-
do e implementado, levando-se em consi- ralizada, no tratamento do primeiro epi-
deração a segurança do paciente, comor- sódio depressivo, a medicação deverá ser
bidades clínicas e psiquiátricas, bem como mantida por cerca de 6 a 9 meses, ao pas-
estressares psicossociais que possam estar so que, em quadros recorrentes, um perí-
presentes e influenciar a evolução do tra- odo mínimo de três anos deve ser consi-
tamento. derado. O tratamento continuado por 5 a
Costuma-se dividir o tratamento de 1O anos, ou mesmo indefinidamente, é re-
um episódio depressivo em três fases: comendado àqueles pacientes que já apre-
aguda, de continuação e de manutenção. sentaram três ou mais episódios depressi-
Com duração estimada entre 6 e 12 se- vos ao longo da vida, ou pelo menos dois
manas, a fase aguda corresponde àquela episódios em um período de cinco anos.
entre o início do tratamento e a remissão Os antidepressivos constituem a pri-
dos sintomas. A simples resposta ao tra- meira linha de tratamento para os episó-
tamento não é um resultado adequado, dios depressivos de moderados a graves,
uma vez que sintomas residuais são fato- podendo também ser empregados nos ca-
res de risco para recidiva, que acontece- sos mais leves. Até a presente data, ne-
rá com 50 a 85% dos indivíduos, e pre- nhuma classe de antidepressivos mos-
ditores de resultados negativos a longo trou-se superior às outras, ainda que pos-
prazo. A fase aguda é seguida pela fase sa haver pequenas diferenças em alguns
de continuação, com duração média de 4 subtipos clínicos de depressão. Dessa for-
a 9 meses, cujo objetivo principal é pre- ma, alguns fatores devem ser considera-
servar a remissão do quadro, prevenindo dos para a escolha da medicação, como,
eventuais recaídas que possam ocorrer. E, por exemplo, a história de tratamentos
Ouevedo & Silva (orgs.)

anteriores, as preferências do paciente, a seguiram, tornou-se amplamente popular


presença de comorbidades clínicas, o per- devido à quantidade relativamente menor
fil de efeitos colaterais, a história familial de efeitos adversos, à segurança em su-
de resposta, a experiência do clínico com perdosagem e ao fácil uso quando com-
o fármaco e também o custo e a disponi- parada com medicamentos previamente
bilidade da medicação. disponíveis, como ADTs e IMAOs. Além
Em casos de não resposta, a otimi- dos ISRSs, vários IRSNs têm sido utiliza-
zação da dose do medicamento é um pri- dos com o objetivo de produzir um per-
meiro passo razoável, desde que os efei- fil de atividade similar aos ADTs enquan-
tos colaterais sejam toleráveis e o limite to propiciam, também, a taxa terapêutica
superior da dose da medicação não tenha que fez os ISRSs tão populares. Diversos
sido atingido. Outra estratégia é a troca medicamentos com novas abordagens
para um antidepressivo da mesma classe têm sido introduzidos, mas como ISRSs e
farmacológica ou para um de classe dife- IRSNs, esses agentes atuam primariamen-
rente. Outras alternativas secundárias in- te por meio da modulação do transporte
cluem o uso de lítio, de hormônio tireoi- de serotonina e de noradrenalina.
diano ou de antipsicóticos de segunda
geração, bem como a combinação de anti-
depressivos de diferentes classes. Inibidores seletivos da
recaptação de serotonina
ANTIDEPRESSIVOS Como o próprio nome diz, os inibidores se-
letivos da recaptação de serotonina (ISRSs)
Existem várias classes de antidepressivos levam à inibição da bomba de recaptação
disponíveis para o tratamento do TOM. de serotonina. Todavia, acredita-se que sua
Elas incluem antidepressivos de primeira ação terapêutica se deva à dessensibiliza-
geração, como os tricíclicos (ADTs) e os ção dos autorreceptores 5-HT1A pré-sináp-
inibidores da monoaminoxidase (IMAOs), ticos, levando a um aumento da libertação
bem como os de segunda geração, como de serotonina para a fenda sináptica. Ape-
os inibidores seletivos da recaptação de sar de partilharem o mesmo mecanismo de
serotonina (ISRSs), os inibidores da re- ação e terem perfis terapêuticos e de to-
captação de serotonina e noradrenalina lerabilidade semelhantes, apresentam pe-
(IRSNs), os antagonistas do receptor de quenas diferenças farmacodinâmicas. Des-
serotonina do tipo 2 (5-HT2), a bupropio- se modo, a fluoxetina também atua sobre
na e a mirtazapina. Apesar de pouca evi- a recaptação de noradrenalina e sobre re-
dência para maior eficácia dos antidepres- ceptores 5-HTzc· A sertralina pode inibir a
sivos de segunda geração comparados recaptação de dopamina, além de ter uma
com os de primeira, eles são comumen- reduzida atividade sigma. Já a paroxetina
te prescritos devido ao perfil favorável de apresenta atividade anticolinérgica e inibe
efeitos colaterais. Além disso, mirtazapi- a óxido nítrico sintase, e, em doses mais
na, dentre outras classes de antidepres- elevadas, também a recaptação de nora-
sivos de segunda geração, é considerada drenalina. A fluvoxamina tem atividade
um antidepressivo de primeira linha. sigma significativa, ao passo que o citalo-
A era ''moderna'' dos antidepressivos pram e o escitalopram são os mais seletivos
começou em 1987, com a introdução da ISRSs, ainda que o citalopram apresente
fluoxetina, que, como outros ISRSs que se uma pequena atividade anti-histamínica.
Depressão

Diversos trabalhos na literatura evi- -se aos dos ISRSs, somados ao potencial
denciam a superioridade dos ISRSs em aumento dos níveis pressóricos.
comparação ao placebo no tratamento
do TOM. Além disso, esses medicamentos
apresentam eficácia comparável à de ou-
tras classes de antidepressivos, especial-
Inibidores da monoaminoxidase
mente ADTs. ISRSs são geralmente mais
bem tolerados do que os ADTs, levando Os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs)
a menores índices de abandono do trata- foram os primeiros fár111acos para trata-
mento. Além disso, são mais seguros, cau- mento da depressão. Introduzidos na dé-
sando menos efeitos colaterais anticoli- cada de 1950, foram extensivamente usa-
nérgicos e menor toxicidade cardiovas- dos pelas duas décadas que se seguiram. O
cular. Os efeitos colaterais descritos são: uso desses medicamentos diminuiu subs-
disfunção sexual, alterações de peso e so- tancialmente devido aos efeitos adver-
no, agitação, fadiga, boca seca, distúrbios sos, à interação com alimentos e à intro-
gastrintestinais, osteopenia, risco aumen- dução de novas classes de antidepressivos.
tado de sangramentos e dores de cabeça. Esses fármacos são eficazes no tratamen-
Além disso, uma complicação comum é a to da depressão maior e, particularmente,
síndrome de retirada, que ocorre de 24 a no transtorno depressivo com característi-
72 horas após a interrupção do uso e pro- cas atípicas, bem como nos transtornos bi-
voca ansiedade, insônia, irritabilidade, polares e para tratamento dos casos de de-
entre outros sintomas. pressão fármaco-resistente.
A MAO é uma enzima crítica para are-
gulação dos níveis de neurotransmissor por
catabolizar monoaminas endógenas (p. ex.,
Inibidores da recaptação de noradrenalina, serotonina e dopamina) e
serotonina e noradrenalina aminas
, exógenas (p. ex., dieta de tiramina).
E encontrada por todo o corpo, mas é alta-
A eficácia de venlafaxina, desvenlafaxina e mente concentrada no fígado, nos rins, na
duloxetina, classificadas como IRSNs, tem parede intestinal e no cérebro. A MAO tem
sido demonstrada em diversos estudos dois subtipos: isoenzima A (MAO-A) e iso-
controlados com placebo em pacientes enzima B (MAO-B). A MAO-A é encontra-
com depressão. Em estudos individuais, da predominantemente no trato intestinal,
esses fármacos mostraram-se tão eficazes no fígado e em neurônios adrenérgicos pe-
quanto os ISRSs no tratamento do TOM. riféricos (glândula adrenal, vasos arteriais).
Para a venlafaxina e, talvez, a des- A MAO-B é encontrada principalmente no
venlafaxina (metabólito ativo primário cérebro e no fígado. Contudo, ambos os iso-
da venlafaxina), uma inibição da recapta- tipos são encontrados em todas as áreas
ção de noradrenalina clinicamente signi- mencionadas. Uma vez que 800/o da MAO
ficativa pode não ser alcançada com do- intestinal é MAO-A, esta isoenzima é res-
ses terapêuticas menores. A desvenlafaxi- ponsável primariamente pela degradação
na difere, primariamente, da venlafaxina da tiramina, assim, a inibição da MAO-A é
em dois aspectos: não é metabolizada por associada à reação ao queijo.
CYP2D6 e sua biodisponibilidade é cerca Inibidores MAO podem ser classifi-
de duas vezes a do fár1naco parente. Os cados quanto a reversibilidade e seletivi-
efeitos colaterais dos IRSNs assemelham- dade para MAO-A ou MAO-B:
Ouevedo & Silva (orgs.)

a) Inibidores não seletivos para MAO: fe- boxetina normalmente é bem tolerada ou
nelzina, isocarboxazida e tranilcipro- mais bem tolerada que IMAOs e ADTs, e

mina. apresenta menor taxa de interrupção .
b) Inibidores seletivos para MAO: selegili-
na é seletivo para MAO-B; clorgilina é
seletivo para MAO-A. Outras classes
e) Inibidor reversível de MAO: moclobe-
mida. Mirtazapina
,
Recentemente, o sistema transdér- E um antidepressivo de segunda gera-
mico selegilina, ainda não disponível no ção usado para tratamento da depressão
Brasil, tem renovado o interesse por es- maior. Seu efeito antidepressivo deve-se a
se grupo de fármacos, pois oferece a van- vários mecanismos, incluindo o bloqueio
tagem potencial de eliminar restrições de de a 2-adrenoceptores e o aumento na
dieta. transmissão serotonérgica. A mirtazapi-
na bloqueia seletivamente os autorrecep-
tores a2 pré-sinápticos centrais e heteror-
Inibidores da recaptação receptores. O bloqueio desses receptores
de noradrenalina aumenta a transmissão noradrenérgica
e serotonérgica. Além desses, têm-se ob-
Um exemplo clássico dessa classe de subs- servado bloqueio de alta afinidade de re-
tâncias é a reboxetina, que age ligando-se ceptores de serotonina do tipo 2 (5-HT2)
ao transportador de noradrenalina (NAT) e do tipo 3 (5-HT3 ), embora a ligação a
e bloqueando a recaptação de noradrena- 5-HT1A e 5-HT3 seja fraca. Também tem
lina extracelular para o terminal sinápti- ação como antagonista potente de recep-
co, com baixa afinidade para outros trans- tores de histamina, central e periferica-
portadores ou receptores. mente, o que pode explicar alguns efeitos
A dosagem recomendada pela Fede- sedativos. Age, ainda, como antagonista
ração Mundial das Sociedades de Psiquia- de a 1-adrenoceptores periféricos, o que
tria Biológica (WFSBP) 1 é a dose inicial pode resultar em hipotensão ortostática.
começando entre 4 e 8 mg/dia, em adul- Esse antidepressivo tem ainda proprieda-
tos, e entre 8 e 12 mg/dia como dose pa- des anticolinérgicas resultantes de efeito
. , .
drão. Em relação à ação antidepressiva na antagonista em receptores muscarinicos.
depressão unipolar, estudos mostraram O bloqueio de receptores 5-HT2 e 5-HT3
que a reboxetina foi menos eficaz que ou- contribui para as propriedades ansiolíti-
tros antidepressivos de geração mais no- cas e de melhora do sono. Foi observada
va. Não obstante, ela tem sido usada pa- redução da latência, aumento do tempo
ra tratamento de diversos transtornos psi- total e eficiência do sono em um período
quiátricos além da depressão maior, como de duas semanas em voluntários saudá-
depressão sazonal, transtorno de défi- veis e em indivíduos com depressão.
cit de atenção/hiperatividade (TDAH),
transtorno de ansiedade generalizada,
bulimia. Os efeitos colaterais incluem bo- Bupropiona
ca seca, constipação, dor de cabeça, ton- ,
tura, sonolência, sudorese excessiva e in- E um antidepressivo de segunda geração
sônia. Entretanto, como a maioria dos que age por meio da inibição da recapta-
antidepressivos de terceira geração, a re- ção de dopamina e noradrenalina e, di-
Depressão

ferentemente de outros antidepressivos, bora ainda não tenha passado da Fase III
não tem efeito direto na neurotransmis- nos Estados Unidos. De maneira geral, pa-
são serotonérgica. Tem um perfil de to- rece ser bem tolerada, sem diferença sig-
lerabilidade favorável, com efeitos míni- nificativa na taxa de descontinuação com-
mos na função sexual, incidência de so- parada com placebo. Um efeito adverso
nolência similar ou menor que placebo e preocupante é a elevação das transamina-
efeito favorável nos parâmetros de peso ses hepáticas. Outros estudos são necessá-
corporal, fatores que contribuem para a rios para avaliar se as elevações de transa-
adesão ao tratamento. Recentemente, foi minase observadas ou a eficácia aparente-
recomendada pela American Psychiatric mente modesta nesses testes pode limitar
Association2 como opção de tratamento a utilização desse agente.
farmacológico de primeira linha para de-
pressão na maioria dos pacientes.
Uma recente metanálise multitrata- Trazodona
mento de 12 antidepressivos de segunda
geração (citalopram, duloxetina, escitalo- Aprovada pela Food and Drug Adminitra-
pram, fluoxetina, fluvoxamina, milnaci- tion (FDA) 3 em 1981, é inibidor do trans-
pran, mirtazapina, paroxetina, reboxeti- portador de serotonina e antagonista dos
na, sertralina e venlafaxina) mostrou que receptores de serotonina do tipo 2A e 2C
a bupropiona tem efeito similar, em ter- (S-HT2A e 5-HT2c); é, também, antagonis-
mos de taxa de resposta edefinida como ta dos receptores de histamina Hl e a 1-
a proporção de pacientes que têm redu- -adrenérgico. Embora sintetizada na dé-
ção de SOO/o no escore basal das escalas cada de 1960, a trazodona não tem sido
de depressão de HAM-D ou Montgomery- largamente usada como antidepressivo,
-Asberg [MADRS], ou que tenham escore em parte porque doses diárias divididas
aumentado no Clinicai Global Impression em duas vezes têm sido recomendadas,
Improvement [CGI-I] em oito semanas), em parte porque altas doses têm um perfil
à maioria dos outros antidepressivos, sen- de tolerabilidade menos favorável. Ambos
do superior à reboxetina, e tendo perfil de os fatores foram significativamente resol-
aceitação favorável. vidos com a introdução da apresentação
de liberação controlada.
Em um dos estudos com a formu-
Agomelatina lação prolongada por seis semanas, 412
, indivíduos com depressão maior recebe-
E um agonista de receptores de melatoni- ram trazodona titulada para uma média
na MTl e MT2 e um antagonista de recep- de dose máxima de 310 mg ou placebo.
tores de serotonina do tipo 2C (S-HT2 c). Ao fim do estudo, a trazodona demons-
Sua ação resulta em aumento das concen- trou diminuição estatisticamente signifi-
trações de noradrenalina e de dopamina cativa na Escala de Hamilton para Depres-
no córtex pré-frontal, com efeitos míni- são (HDRS-17).
mos no peso corporal e na função sexual.
Por meio do agonismo de receptores MT,
promove o sono, de maneira similar ao Benzodiazepínicos
hipnótico ramelteon, tendo efeito correti-
vo sobre os distúrbios do sono observados Em virtude de seu rápido início de ação
na depressão maior. A agomelatina está e por reduzirem a ansiedade, a insônia e
disponível na Europa há vários anos, em- a agitação em alguns pacientes, os ben-
Ouevedo & Silva (orgs.)

zodiazepínicos têm sido largamente em- O papel dos ácidos graxos ômega-3
pregados em associação aos antidepressi- na depressão ainda requer maiores evi-
vos no tratamento da depressão. Em uma dências, já que, em boa parte dos traba-
metanálise, o uso combinado de antide- lhos, foram empregados como terapia ad-
pressivo e benzodiazepínico foi associado juvante no tratamento desse transtorno.
a taxas de resposta superiores ao uso iso-
lado de antidepressivos (63 versus 38%).
' exceção de alguns triazolo-benzodia-
A ESTRATÉGIAS DE POTENCIALIZAÇÃO
zepínicos, como o alprazolam, os ben-
zodiazepínicos não apresentam ação an- Psico estimulantes
tidepressiva, não sendo, dessa forma,
recomendados para o uso isolado na de- Em virtude de seu efeito sobre a transmis-
-
pressao. são dopaminérgica, os psicoestimulantes
metilfenidato e dextroanfetamina têm si-
do utilizados como estratégia de potencia-
Erva-de-são-joão lização ao tratamento com antidepressi-
vos, sobretudo em pacientes com quadro
O emprego da erva-de-são-joão (extrato de intensa fadiga e apatia. Com caracte-
de hypericum perforatum) no tratamento rísticas farmacológicas distintas dos tra-
da depressão ainda é tema de grande con- dicionais psicoestimulantes, o modafinil
trovérsia, sobretudo pela grande hetero- tem se mostrado promissor na melhora de
geneidade dos métodos empregados nos sintomas depressivos residuais, sobretu-
estudos, bem como pelos resultados con- do fadiga e sonolência diurna. Para tan-
flitantes. Dessa forma, seu uso não é re- to, doses que variam de 100 a 400 mg/dia
comendado para o tratamento da depres- podem ser empregadas.
são, sobretudo em casos graves. As doses
empregadas variam de 300 a 1.800 mg/
dia e especial atenção deve ser dada ao Tri-iodotironina
perfil desfavorável de interações medica-
mentosas, já que é um importante indutor Diversos trabalhos mostraram a eficácia
do metabolismo de fármacos via CYP 3A4. da tri-iodotironina (T3) em potenciali-
zar e acelerar a resposta em pacientes em
uso de ADTs e ISRSs. As doses emprega-
S-adenosil-metionina e das variam de 25 a 50 µ,g/ dia, com boa to-
ácidos graxos ômega-3 lerância. Ainda que os mecanismos subja-
centes aos efeitos terapêuticos sejam des-
Diversos estudos têm demonstrado a efi- conhecidos, acredita-se que a T3 atue na
cácia terapêutica da S-adenosil-metioni- - -
" . por açoes em receptores
expressao genica
na (SAM) no tratamento da depressão, em nucleares ou ligados à membrana celular.
doses que variam de 800 a 1.600 mg/dia.
De ocorrência natural, seus níveis encon-
tram-se diminuídos no líquido cerebros- Lítio
pinal de pacientes com depressão. A SAM
é doadora de metil na síntese de diversos O lítio é um dos agentes mais antigos e
componentes biologicamente ativos, como mais usados como estratégia de potencia-
fosfolipídeos, catecolaminas e serotonina. lização. Para resposta adequada, a litemia
Depressão

deve ser mantida entre 0,6 e 0,8 mmol/L. ponderam ao tratamento combinado, as-
As doses empregadas variam de 600 a sim como a eletroconvulsoterapia (ECT).
1.200 mg/dia de carbonato de lítio.

Depressão com
Antipsicóticos de segunda geração sintomas melancólicos e
depressão com sintomas atípicos
Dados atuais suportam o uso de antipsi-
cóticos de segunda geração (ASGs) co- Nos casos de depressão com sintomas me-
mo estratégia de potencialização do tra- lancólicos, parece haver certa vantagem
tamento, com maiores evidências para dos IRSNs e ADTs sobre os ISRSs. Especial
o aripiprazol, a quetiapina e a combina- atenção deve ser dada ao risco aumenta-
ção olanzapina-fluoxetina, aprovados pe- do de suicídio nessa população de pacien-
la FDA para tal finalidade. Especial aten- tes, casos em que a ECT também se mos-
ção deve ser dada ao perfil de efeitos cola- tra uma boa opção.
terais metabólicos desses fármacos. No tratamento do TOM com sinto-
mas atípicos, os IMAOs apresentam efi-
cácia superior aos ADTs. Alguns trabalhos
Pindolol envolvendo ISRSs e bupropiona também
mostraram resultados satisfatórios.
É um antagonista parcial dos autorrecep-
tores 5-HT1A somatodendríticos. Há evi-
dências de que, quando administrado em Depressão com ideação suicida
conjunto aos ISRSs, pode acelerar o iní-
cio de ação e levar ao aumento da eficá- O risco de suicídio deve ser avaliado no
cia terapêutica em doses de 2,5 mg três início e ao longo de todo o tratamento.
vezes ao dia. Caso o paciente apresente ideação suici-
da, uma observação próxima se faz ne-
cessária e, em certos casos, a internação
CASOS ESPECIAIS psiquiátrica pode ser imprescindível. O
tratamento farmacológico deve ser pron-
Depressão com sintomas psicóticos tamente instituído, evitando-se o uso de
antidepressivos que aumentem o grau de
A presença de sintomas psicóticos acom- ativação do paciente. Além disso, como
panhando o quadro depressivo é uma forma de reduzir o risco de autoextermí-
causa frequente de falha no tratamento. nio, fatores potencialmente modificáveis,
Nesses casos, a combinação de antide- como ansiedade, insônia, agitação, sinto-
pressivos e antipsicóticos tem se mostrado mas psicóticos e abuso de substâncias, de-
superior ao tratamento com qualquer um vem ser tratados.
dos dois de forma isolada. Até a presen- Alguns autores recomendam a asso-
te data, parece não haver superioridade ciação de antipsicótico ou benzodiazepí-
dos antipsicóticos de segunda geração em nico ao tratamento. Mais recentemente,
relação aos de primeira geração em ter- em uma análise retrospectiva de estudos
mos de eficácia no tratamento da depres- envolvendo pacientes com TOM, uma as-
são psicótica. A potencialização com lítio sociação entre o uso de lítio e menores ta-
pode ser útil em pacientes que não res- xas de suicídio foi identificada. Naqueles
Ouevedo & Silva (orgs.)

com risco elevado ou em que uma respos- ambas, medicação antidepressiva e cog-
ta rápida é almejada, o uso de ECT deve nitiva, pode complicar o manejo de efei-
ser ponderado. tos e eventos adversos, particularmente
complicações gastrintestinais. A exceção é
quando há suspeita de demência, embora
Pacientes idosos não confirmada, em paciente idoso depri-
mido, caso em que o tratamento com ini-
O envelhecimento é acompanhado de bidor da colinesterase (p. ex., donepezil,
inúmeras mudanças farmacocinéticas e galantamina, rivastigmina) ou com anta-
farmacodinâmicas que podem influenciar gonista de memantina (NMDA) pode ser
a ação dos antidepressivos. Além disso, a justificado, dependendo da gravidade da
polifarmácia, comum em idosos, aumenta doença.
o risco de vários efeitos adversos.
Os ISRSs são os antidepressivos de
escolha em idosos, em virtude de sua efi- Pacientes com comorbidades clínicas
cácia e melhor tolerabilidade. Todavia,
deve-se ter especial atenção ao risco au- Ao se tratar um paciente com sintomas
mentado de sangramento no trato gas- depressivos e comorbidades clínicas, es-
trintestinal, fraturas e hiponatremia que pecial atenção deve ser dada ao maior ris-
podem advir com o uso de tal classe de co de efeitos colaterais e às interações me-
medicamentos. dicamentosas. Na escolha do medicamen-
Os pacientes idosos são particular- to a ser empregado, é prudente evitar a
mente sensíveis à sedação, à hipotensão polifar1nácia, procurando beneficiar-se de
e aos efeitos anticolinérgicos dos ADTs, possíveis efeitos colaterais, como sonolên-
os quais podem incluir agitação, confu- cia e aumento do apetite. Dependendo do
são, alucinações e prejuízo da atenção e quadro clínico, a avaliação das funções
memória. Dessa forma, por apresentarem hepática, renal e cardíaca é mandatária.
perfil de efeitos colaterais menos inten- Quando os sintomas depressivos são
sos, as aminas secundárias nortriptilina e acompanhados de dor neuropática ou mi-
desipramina são os ADTs de escolha nes- grânea, a duloxetina e os ADTs são boas
sa população. opções. Em pacientes com quadros abdo-
Embora a depressão geralmente se- minais funcionais, ISRSs e ADTs têm sido
ja caracterizada como transtorno do hu- empregados com êxito. Naqueles com in-
mor, há aumento do reconhecimento de sônia, o clínico pode lançar mão da mir-
que é também um transtorno cognitivo tazapina, ao passo que, nos pacientes com
para muitos idosos. A comorbidade entre queixa de fadiga, a bupropiona pode ser
depressão e declínio cognitivo é uma pre- considerada.
ocupação clínica particular, estando asso-
ciada a maiores taxas de resultados adver-
sos para saúde física, estado funcional e Depressão perinatal
mortalidade. No geral, não se inicia um ,
tratamento farmacológico específico pa- E definida como a depressão que aconte-
ra sintomas cognitivos em pacientes de- ce com pelo menos um episódio depressi-
primidos agudos quando o dano cogniti- vo maior durante a gestação ou nos pri-
vo é consistente com o transtorno depres- meiros seis meses após o parto. Os riscos
sivo apresentado. Além disso, começar de uso de antidepressivos devem ser con-
Depressão

trabalançados com aqueles associados a rem grande letalidade em overdose e efei-


transtornos psiquiátricos não tratados e tos colaterais importantes. A fluoxetina é
que podem afetar adversamente a gestan- o único fármaco aprovado pela FDA para
te e o embrião/feto. o tratamento da depressão na criança e no
De maneira geral, os ISRSs são con- adolescente. Ainda que os antidepressivos
siderados seguros para uso durante a ges- tenham sido associados a um pequeno au-
tação. Todavia, ainda que de maneira con- mento na ideação suicida, não há nenhu-
. - ' .
troversa, a expos1çao a paroxet1na no pri- . ma evidência de que possam efetivamen-
meiro trimestre parece estar relacionada te aumentar o risco de suicídio. Para de-
a malformações cardíacas. Além disso, al- pressão moderada a grave, os benefícios
guns trabalhos associaram o uso de ISRSs potenciais do tratamento medicamentoso
a um aumento no risco de parto prema- superam os riscos potenciais.
turo e hipertensão pulmonar persistente
do recém-nascido. Recém-nascidos expos-
tos a tais fármacos no final do terceiro tri- PERSPECTIVAS FUTURAS
mestre podem apresentar sintomas carac-
terísticos de uma síndrome de retirada. Receptores de neurocininas
Boa parte dos ADTs foi classificada pela
FDA como categoria D para uso na gesta- Os receptores de neurocininas tipo 1 e 2
ção, denotando evidência positiva de ris- (NK-1, NK-2) exercem sua ação por meio
co ao feto. A ECT também é recomenda- de neurocininas NKA, NKB e substância
da como opção de tratamento para o TOM P. Substância P é o ligante natural do re-
durante a gravidez. ceptor NK-1, altamente expresso em regi-
Mulheres com depressão pós-parto, ões cerebrais relacionadas à resposta ao
além de demorarem mais para responder estresse, e apresenta ampla colocalização
às intervenções farmacológicas, necessi- . . ,
com neurotrasms1ssores monoam1ner-
tam, por vezes, de doses mais altas. Todos gicos. Baseando-se em observações pré-
os ISRSs são excretados no leite humano, -clínicas promissoras de que antagonis-
ainda que em diferentes proporções. Se mo de NK-1 ou deleção do gene resulta
uma paciente deseja amamentar enquan- em aumento da neurogênese hipocampal
to em uso de tal medicação, ela deve ser e expressão de fator neurotrófico deriva-
orientada a entrar em contato com o pe- do do cérebro (BDNF) (como observado
diatra caso a criança apresente sedação, com antidepressivos), essa estratégia pa-
náuseas, dificuldade de sucção ou outros rece promissora para o tratamento da de-
sinais de toxicidade. pressão. Entretanto, dados de testes clíni-
cos têm desapontado; em uma análise de
cinco testes com duração de oito semanas
Depressão na infância (n = 2.526), não foi constatado benefí-
e na adolescência cio do antagonista NK-1 (aprepitant) ver-
sus placebo.
Nessa faixa etária, a depressão nem sem-
pre é um transtorno fácil de reconhecer,
ainda que possa afetar cerca de 3 a So/o Receptores sigma
da população jovem. Segundo alguns tra-
balhos, os ADTs não mostraram eficácia Os receptores sigma são uma família de
superior ao placebo, além de apresenta- proteínas encontradas em alta concentra-
Ouevedo & Silva (orgs.)

ção em regiões cerebrais límbicas e neu- agonistas DOR em Fase II de desenvolvi-


roendócrinas relacionadas à depressão. mento para depressão maior, AZD-2327 e
Os ligantes naturais para esses receptores AZD-7268.
ainda precisam ser elucidados, embora
dimetiltriptamina, neuroesteroides e es-
fingolipídeos tenham sido propostos. De Fatores neurotróficos
maneira similar, a função exata desses re-
ceptores ou como eles exercem os efeitos Os mecanismos celulares e moleculares
antidepressivos per1nanecem não esclare- subjacentes à atrofia neuronal e à perda
cidos, embora estejam descritos como mo- celular têm sido áreas de interesse para
duladores de glutamato, serotonina e sis- pesquisa, embora eles não sejam comple-
temas neurotróficos. Um número de anti- tamente elucidados. Estudos postmortem
depressivos usados atualmente age nesses em vítimas deprimidas de suicídio, bem
mesmos receptores, e ligantes de sigma como paradigmas de estresse crônico em
têm mostrado efeitos relacionados à ati- roedores, mostram redução da expressão
vidade antidepressiva em animais. O li- de fator neurotrófico, incluindo níveis di-
gante sigma igmesina foi avaliado em tes- minuídos de BDNE Em contrapartida, ad-
tes com humanos e, após um teste inicial- ministrações crônicas de antidepressi-
mente promissor, duplo-cego, não houve vos, incluindo ISRSs e IRSNs, aumentam
benefícios quando comparado com grupo- a expressão de BDNF no hipocampo e no
-placebo. córtex pré-frontal de roedores. Estudos
postmortem também mostram níveis au-
mentados de BDNF no hipocampo de pa-
Receptores opioides cientes que estavam em tratamento anti-
depressivo na época do óbito. A hipótese
Opioides são normalmente relacionados neurotrófica é fundamentada por estudos
aos seus efeitos nos receptores µ,-opioides: comportamentais demonstrando que a in-
indução de analgesia, produção de eufo- fusão de BDNF no hipocampo de roedores
ria e predisposição para dependência. En- é suficiente para produzir efeitos antide-
tretanto, o sistema do receptor d-opioide pressivos e que as respostas antidepressi-
(DOR) tem ganhado atenção recentemen- vas são bloqueadas em camundongos mu-
te como alvo para terapia antidepressi- tantes para receptor de tirosina quinase
va. Os ligantes naturais do DOR são leu e B (TrkB). Relata-se também a diminuição
met-encefalina, e a sinalização por meio da atividade de Akt no cérebro de indiví-
dessa via resulta em pouca analgesia e duos com depressão que cometeram suicí-
praticamente nenhum dos efeitos de re- dio. Além de ser regulada por Akt, GSK-3
forço ou depressão respiratória observa- é o alvo principal da sinalização canônica
dos com a ativação de receptores µ,. Co- de Wnt. Vários estudos recentes demons-
mo os ligantes de encefalina são pouco tram papel da sinalização Wnt na depres-
biodisponíveis, pouco se sabe dos efeitos são e na resposta antidepressiva.
do agonismo de DOR até ligantes serem Wnt são glicoproteínas secretadas
identificados, e desde então vários des- por meio de receptores frizzled (Fz) e são
ses compostos têm demonstrado efeitos cruciais para o desenvolvimento embrio-
ansiolíticos e antidepressivos em estudos nário normal. Foram descritos 19 ligan-
com animais. Atualmente, existem dois tes Wnt e 10 receptores Fz, que acoplam
Depressão

em três cascatas de sinalização: a via ca- trolado demonstrou vantagem significa-


nônica Wnt/Fz/GSK-3, a polaridade celu- tiva da gepirona como monoterapia para
lar planar e a sinalização Wnt/Ca2 +. Na tratamento da depressão maior. Essa me-
via de sinalização canônica, a fosforila- dicação está na Fase III de desenvolvimen-
ção de GSK-3 resulta na estabilização da to nos Estados Unidos, e testes positivos
~-catenina. A translocação da ~-catenina adicionais são necessários para aprovação
para o núcleo e a associação com TCF/ da FDA.
LEF (transcription factor T-cell factor/lym-
phoid enhancer factor) resulta na regu-
lação de genes alvo Wnt. O rompimen- Vilazodona
to da via canônica tem sido associado a
transtornos do neurodesenvolvimento e Com base em dois registros de testes posi-
. ., .
neurops1qu1atr1cos. tivos de Fase III, a vilazodona foi a única
medicação antidepressiva nova a ir para
o mercado nos Estados Unidos em 20I I.
Ritmo circadiano Ela é um potente inibidor da recaptação
de serotonina e agonista parcial do re-
Em humanos e outros mamíferos, ritmos ceptor de serotonina do tipo IA (5-HT1A).
circadianos são gerados por um relógio No primeiro teste de Fase III, uma popu-
interno, localizado no núcleo supraquias- lação de 329 indivíduos teve uma redu-
mático (SCN) do hipotálamo. Clinicamen- ção de I2,9 (±0,8) pontos com vilazodo-
te, sabe-se que terapia por luz é o trata- na versus redução de 9,6 (±0,8) pontos
mento de escolha para depressão sazonal, (p = O,OOI) na MADRS. Taxas de remis-
condição que a alçou ao posto de aplica- são não foram relatadas. De maneira ge-
ção clínica de maior sucesso dos conceitos ral, os efeitos adversos mais comuns são:
de ritmo circadiano em psiquiatria. Entre- diarreia, náusea e dor de cabeça. A taxa
tanto, observa-se que quantidade de so- de descontinuação foi de 9 ,3o/o por efeitos
no reduzida é relevante para efeitos anti- adversos comparada com 4,9% do grupo-
depressivos e que antidepressivos usados -placebo. Parece que a vilazodona é um
atualmente e estabilizadores do humor antidepressivo eficaz com perfil de tole-
afetam a ritmicidade circadiana. Novos rabilidade e segurança comparável ao de
fármacos podem surgir das vias de regu- outros antidepressivos de primeira e se-
lação do ritmo circadiano. gunda geração.

Gepirona ER Ketamina
Tendo sido estudada por seus efeitos na O sistema glutamatérgico e os mecanis-
ansiedade por mais de 20 anos e, recente- mos moleculares relacionados à plastici-
mente, em estudo para depressão maior, dade sináptica e neuronal surgiram como
a gepirona ER é uma azapirona relacio- componentes-chave de uma nova geração
nada à buspirona que age como agonis- de modelo da depressão e terapêutica an-
ta de receptores de serotonina do tipo IA tidepressiva. Em um novo conceito clíni-
(5-HT1A) e requer apenas uma dose diá- co, tendo como alvo o sistema glutama-
ria. Um ensaio clínico randomizado con- térgico, relatou-se o primeiro achado de
Ouevedo & Silva (orgs.)

resposta antidepressiva rápida usando ke- nidades distintas para diferentes trans-
tamina, antagonista do receptor NMDA. portadores. Os compostos mais estudados
Os efeitos antidepressivos observa- são brasofensine (NS-2214), dichloropa-
dos proveem uma razão para investigar ne (RTI-111, 0-401), diclofensine (Ro-8-
antagonistas NMDAR e outros modulado- 4650), indatraline (Lu-19-005) e tesofen-
res do sistema glutamatérgico como no- sine (NS-2330). Um início de ação mais
vos alvos para o desenvolvimento tera- rápido é a expectativa principal em rela-
pêutico na depressão. Além do antago- ção aos TRls. O principal objetivo desses
nismo NMDAR, a ketamina potencializa antidepressivos é estabelecer maior eficá-
a transmissão de glutamato nos recepto- cia em termos de resposta e taxa de re-
res AMPA (a-amino-3-hydroxy-5-methyl-4- missão, enquanto mantêm um perfil favo-
-isoxazolepropionic acid receptors) e tem rável de tolerabilidade devido à ação sele-
efeito inibitório adicional nos receptores tiva nos transportadores de monoaminas.
muscarínicos de acetilcolina. Receptores Até o momento não há TRI no mercado,
NMDAR, AMPAR e kainato são receptores sendo que a maioria deles está em proces-
ionotrópicos que se localizam ao longo do so de testes pré-clínicos.
sistema nervoso central e exercem papel
principal no processo de sinalização de si-
. , .
napses exc1tator1as.
-
CONCLUSOES
Vários estudos relatam que a ketami-
na e outros antagonistas NMDAR aumen- Novas vias vêm sendo investigadas, levan-
tam a sinalização glutamatérgica no cór- do ao desenvolvimento de novos medica-
tex de roedores, potencialmente por meio mentos que, no entanto, chegam à popu-
da inibição de interneurônios GABAérgi- lação ainda com lentidão, o que contribui
cos e subsequente desinibição de neurô- para a manutenção da alta prevalência da
nios piramidais corticais. O aumento da doença e seu impacto socioeconômico pa-
atividade em sinapses piramidais gluta- ra o indivíduo, a família e a sociedade.
matérgicas por ketamina pode ser consis- Entretanto, nos últimos 20 anos, a farma-
tente com a observação de aumento da cologia da depressão já apresentou saltos
plasticidade sináptica cortical. Estudos de importantes, com melhora da eficácia do
neuroimagem em humanos sugerem que tratamento e menos efeitos colaterais. A
doses subanestésicas de ketamina resul- necessidade do longo tempo de tratamen-
tam no aumento da atividade cortical, in- to ainda resulta em baixa adesão, urgin-
cluindo as regiões do córtex pré-frontal e do o desenvolvimento de fármacos com
o córtex cingulado anterior. propriedades que permitam menor núme-
ro de doses e redução do tempo de trata-
mento, o que ainda são perspectivas dis-
Inibidores da recaptação tripla tantes, que podem surgir de mecanismos
alternativos como, por exemplo, a via glu-
Inibidores da recaptação de serotonina, tamatérgica. Outro ponto importante no
noradrenalina e dopamina, mais conhe- tratamento da depressão é que tratamen-
cidos como TRls, são uma classe de an- tos não farmacológicos, como a ECT, apre-
tidepressivos em desenvolvimento com o sentam indicação bem estabelecida e im-
objetivo de inibir seletivamente os trans- prescindível em casos específicos. Ampla
portadores de serotonina, noradrenalina expansão do rol de fármacos ainda será
e dopamina. Durante os últimos anos, vá- necessária para o tratamento personaliza-
rios compostos foram estudados com afi- do dos pacientes com depressão.
Tabela 6.1
Resumo do perfil farmacológico dos principais agentes antidepressivos
Dose Náuseas/ Efeitos Inibição de
Mecanismo usual Anticoli- Insônia/ Hipotensão gastrin- Disfunção Ganho colaterais enzimas
, .
Fármaco de ação (mg/dia) nerg1co Sedação agitação postural testinais sexual de peso específicos hepáticasª

lmipramina IRN>IRS 75-300 ++ + - ++ - + ++ ECG; RLC 1A2, 2C19,


206, 3A4
- - - -
Amitriptilina IRN>IRS 75-300 +++ +++ ++ +++ - + +++ ECG; RLC 1A2, 2C9,
2E1

Nortriptilina IRN 50-200 + + + + - + + ECG;RLC 2C8, 206,


2E1,
- - - -
Clomipramina IRS + IRN 75-300 +++ + + ++ - ++ ++ ECG;RLC

Maprotilina IRN 75-225 ++ ++ - ++ - + ++ RLC


-
Tranilcipromina Irreversível 30-60 + + ++ ++ + ++ + SS;CHP 2A6,2C19
Moclobemida RIMA 300-600 + - + - + ++ - 1A2, 2C19,
206
-
Fluoxetina IRS 20-60 - - ++ - ++ ++ - Osteopenia 1A2, 286,
2C8, 2C9,
2C19, 2D6,
3A4.

Fluvoxamina IRS 100-300 - - ++ - +++ ++ - Osteopenia 1A2,


2C19
-

Paroxetina IRS 20-60 + + ++ - ++ ++ + Osteopenia 1A2, 286,


2C9, 2C19,
2D6
oC1)
- = Inexistente ou pouco significativo, + = Leve, ++ = Moderado, ++ + = Significativo. HAS - hipertensão arterial; EEH - elevação de enzimas hepáticas; RLC- redução do "'C
.....
C1)
limiar convulsivo; SS - síndrome serotonérgica; ECG - alargamento OT; CHP - crise hipertensiva; IRS - inibição da recaptação de serotonina; IRN - Inibição da recaptação de (/)
(/)
noradrenalina; IRD - inibição da recaptação de dopamina; RIMA - inibição reversível da MAO; a - Em negrito, os de maior intensidade. Dl •
o
(continua)
p
e:
C1)
Tabela 6. 1 (continuação) <
C1)
o..
Resumo do perfil farmacológico dos principais agentes antidepressivos o
~
CJ)
Dose Náuseas/ Efeitos Inibição de -·
<
-e.e......o
Q)
Mecanismo usual Anticoli- Insônia/ Hipotensão gastrin- Disfunção Ganho colaterais enzimas
, .
Fármaco de ação (mg/dia) nerg1co Sedação agitação postural testinais sexual de peso específicos hepáticasª
-
(/)

Sertralina IRS 50-200 - - ++ - ++ ++ - Osteopenia 1A2, 286,


2C8, 2C9,
2C19, 206,
3A4
Citalopram IRS 20-40 - - ++ - ++ ++ - Osteopenia 1A2, 286,
2C19, 206
Escitalopram IRS 10-20 - - ++ - ++ ++ - Osteopenia 206
Venlafaxina IRS>IRN 75-375 - - ++ - ++ ++ - HAS 286, 206,
3A4
Desven lafaxina IRS>IRN? 50-200 - - ++ - ++ ++ - HAS
Duloxetina IRS+IRN 60-120 - - ++ - ++ ++ - HAS 206
- -
Mirtazapina 5-HT2 + 15-45 - ++ - + + - ++ Oiscrasia
,
1A2, 3A4
5HT3 + a. 2 sangu1nea
Bupropiona IRO+IRN 300-450 + - + - + - - RLC 206
- - -

Trazodona 5-HT2 + 150-600 - ++ - + + ++ + Priapismo ?•


a. 2 > IRS
Agomelatina M + 5-HT2c 25-50 - - - - + - - EEH ?•

- = Inexistente ou pouco significativo, + = Leve, ++ = Moderado, ++ + = Significativo. HAS - hipertensão arterial; EEH - elevação de enzimas hepáticas; RLC - redução do
limiar convulsivo; SS - síndrome serotonérgica; ECG - alargamento OT; CHP - crise hipertensiva; IRS - inibição da recaptação de serotonina; IRN - Inibição da recaptação de
noradrenalina; IRO - inibição da recaptação de dopamina; RIMA - inibição reversível da MAO; a - Em negrito, os de maior intensidade.
Depressão

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Erica Panzani Duran
Fabiana Saffi
Francisco Lotufo Neto

INTRODUÇÃO tituindo uma rede estruturada e inter-re-


lacionada de crenças.
No início de 1960, a terapia cognitiva Pensamentos automáticos negativos
começou a ser desenvolvida. Sua forma influenciam as interpretações de experi-
mais conhecida foi criada por Aaron T. ências atuais, as previsões sobre eventos
Beck, com diversas refor1nulações sendo futuros ou as lembranças de fatos passa-
acrescidas depois. 1 Essa terapia recebeu a dos e afetam o comportamento. Estão as-
contribuição da terapia comportamental sociados a diminuição do interesse pelas
e dialoga com as neurociências e outros atividades em geral, ansiedade, culpa, in-
ramos do conhecimento científico, sendo decisão, dificuldade para se concentrar,
utilizada para tratar diversas patologias e perda de apetite e do sono, que caracte-
problemas humanos. rizam, por exemplo, uma depressão. Con-
forme o comportamento disfuncional se
desenvolve, os pensamentos automáticos
MODELO COGNITIVO DA DEPRESSÃO ficam mais intensos e mais frequentes, do-
minando os pensamentos racionais. For-
Na perspectiva de Beck, os processos cog- ma-se, desse modo, um círculo vicioso:
nitivos influenciam as respostas afetivas, quanto mais comportamentos disfuncio-
comportamentais e as reações fisiológi- nais ocorrem, maior a ocorrência de pen-
cas. Nos transtornos psiquiátricos, a infor- samentos negativos e mais forte a crença
mação que o indivíduo recebe do meio é sobre sua veracidade e, quanto mais pen-
processada de forma distorcida, fruto de samentos negativos, maior a crença sobre
pensamentos automáticos distorcidos ou sua realidade e mais comportamentos dis-
disfuncionais. Pensamentos automáticos funcionais se instalam.
não surgem ao acaso, eles têm relação A diferença entre os pensamentos
, . . ,
com a história de vida e com a aprendiza- automat1cos e as crenças centrais e que as
gem de cada pessoa. Estas formam cren- últimas ocorrem em um nível mais pro-
ças em uma estrutura chamada esquema fundo, são rígidas e generalizadas e for-
cognitivo. Os esquemas são padrões cog- madas pela interação com o mundo e com
nitivos estáveis que influenciam a avalia- outras pessoas, ou seja, por meio da edu-
ção e a categorização das situações, cons- cação, dos modelos aprendidos e das ex-
Ouevedo & Silva (orgs.)

periências traumáticas. 2 Já os pensamen- cesso'', ou que ''ser amado é essencial pa-


tos automáticos são específicos a deter- ra a felicidade'', uma experiência que re-
minadas situações e fazem parte do nível sulte em fracasso ou rejeição pode facili-
mais superficial da cognição. As regras e tar o aparecimento de emoções negativas,
crenças são sensíveis à ativação de fontes como o humor depressivo (Fig. 7.1).
primárias, como o estresse, e frequente- Uma imagem interessante para en-
mente levam a estratégias interpessoais tender a hierarquia dos conceitos do mo-
ineficazes. 3 delo cognitivo é a de uma árvore com
Beck identificou as distorções cog- uma grande copa. Quando se olha de lon-
nitivas mais comuns: inferência arbitrá- ge, vê-se apenas as folhagens. Isso repre-
ria (conclusão antecipada e com poucas senta a emoção, o comportamento
, e as
evidências), abstração seletiva (tendência respostas fisiológicas. E o que é aparente.
da pessoa a salientar apenas seu mau de- Chegando mais perto, consegue-se visua-
sempenho), supergeneralização (tendên- lizar o tronco com todas as suas ranhu-
cia a considerar que um evento ou desem- ras e marcas. O tronco representa os pen-
penho negativo ocorrerá outras vezes) e
, . -
sarnentos automat1cos, que estao no n1-
,

personalização (atribuição pessoal geral- vel mais básico da cognição, portanto só


mente de caráter negativo). se tem acesso a eles ao se aproximar. Lo-
Em suma, no modelo cognitivo, as go abaixo do tronco estão as raízes. Elas
crenças centrais ou os esquemas com- são as crenças. Estão presentes, mas não
põem o sistema de valores e são necessá- aparentes. As mais superficiais são as in-
rios ao funcionamento normal, pois au- termediárias e as mais profundas, as cen-
xiliam na previsão e dão sentido às ex- trais. Para ver as raízes da árvore é preci-
periências. Quando disfuncionais, são so cavoucar a terra. Do mesmo modo, pa-
avaliações globais, absolutistas e genera- ra acessar as crenças é necessário ir além
lizadas que permanecem cristalizadas e da superficialidade, daquilo que se mostra
rígidas, apesar de imprecisas. Um grande em um primeiro momento. Sem as raízes
problema é que são aceitas sem questio- , - . - .
a arvore nao vive, e nao existe uma pes-
namento. soa sem crenças.
Como desdobramento das crenças Esse modelo sugere que, na depres-
centrais, entre esses dois níveis (pensa- são, tal como em outras situações clínicas,
mentos automáticos e crenças centrais) os esquemas referentes à doença são es-
estão as crenças inter111ediárias: pressu- truturas estáveis que se tornam latentes
postos, regras e atitudes que interferem em períodos sintomáticos. Podem perma-
no modo como a pessoa enxerga deter- necer inativos por um grande período de
minada situação e, portanto, influenciam tempo, sendo ativados por estímulos con-
seus sentimentos e comportamentos. 4 Al- sistentes com o seu conteúdo. 5
guns pressupostos tornam-se contrapro- A predisposição para a depressão po-
ducentes, operando como regras rígidas, de ser aumentada pela existência desses
extremadas e resistentes à mudança. Um esquemas negativos desenvolvidos pre-
pressuposto disfuncional em si não é sufi- cocemente e mantidos até o momento na
ciente para alterar o comportamento ou o vida da pessoa. Segundo Beck e colabo-
humor de uma pessoa, mas pode tornar-se radores, 6 a criança aprende a construir
um problema se, e quando, um evento crí- a realidade por meio das suas experiên-
tico confirmar sua validade. Dessa forma, cias precoces com o meio, especialmente
para alguém que acredita que "seu valor ' vezes es-
com as pessoas significativas. As
pessoal depende inteiramente de seu su- sas experiências precoces levam a criança
Depressão

Experiências precoces
(p. ex., crítica e rejeição dos pais)

Formulação de suposições disfuncionais


(A menos que seja amada, sou inútil)

Incidentes críticos
(eventos e perdas)

Ativação de pressupostos

Pensamentos automáticos negativos

' r

Depressão

Figura 7.1
Modelo da terapia cognitiva na depressão.

a aceitar atitudes e crenças que posterior- rar suas dificuldades e resolver seus pro-
mente provarão ser mal-adaptadas. blemas.
Esses esquemas mal-adaptativos têm Para explicar esse funcionamento
. .,... . . psicológico na depressão, o modelo cogni-
origem em experiencias que as crianças
percebem como dolorosas e que podem tivo pressupõe, além dos esquemas e dis-
gerar dificuldades para enfrentar situações torções cognitivas, um terceiro elemento
e problemas na vida adulta, enquanto os básico: a tríade cognitiva. 1,2
esquemas adaptativos surgem a partir das O conceito de tríade cognitiva é a
vivências saudáveis e positivas da criança formulação de ideias e crenças sobre:
e contribuem para seu desenvolvimento
saudável. 7 Uma vez ativados, os esquemas 1. si mesmo, na qual a pessoa tende a
mal-adaptativos dão origem às distorções ver-se como inadequada ou inapta;
cognitivas, influenciando o conteúdo dos 2. suas experiências, visão negativa do
pensamentos, que se tornam pessimistas, mundo, incluindo relações interpes-
catastróficos, negativos e autorreferentes. soais, trabalho e atividades; e
Quanto mais ativos estão os esquemas, 3. visão negativa do futuro, o que pare-
mais surgem distorções cognitivas que ge- ce estar cognitivamente vinculado ao
neralizam para várias outras situações. grau de desesperança, favorecendo o
Assim, fica mais difícil o paciente supe- surgimento de sintomas depressivos.
Ouevedo & Silva (orgs.)

Esse padrão leva o paciente a ter diferentes transtornos psiquiátricos. Re-


uma postura rígida,
, negativa e irrealista sultados positivos verificados por estudos
das situações. E essa tríade cognitiva de científicos conduzidos por pesquisadores
baixa autoestima, desesperança e desam- da área delinearam procedimentos que se
paro que forma a ''vulnerabilidade cogni- mostravam mais eficazes no tratamento
tiva''.1,8 de alguns transtornos. Muitos transtornos
A pessoa deprimida tende a ver o mentais tiveram seus procedimentos de
mundo através de uma lente que a faz in- tratamento pela TCC sistematizados sob a
terpretar igualmente as suas interações forma de manuais de tratamento, o que
correntes de forma negativa, quer porque facilita a pesquisa e o treinamento de te-
percebe o mundo como fazendo solicita- rapeutas. 9,lo
ções excessivas ou colocando obstáculos Algumas estratégias são comuns a
insuperáveis para os seus objetivos de vi- todos os procedimentos utilizados na TCC
da, quer porque interpreta as suas inte- dos transtornos psiquiátricos. São elas:
rações com o meio como perdas ou fra-
cassos. Assim, os pacientes com depressão • Educação sobre o transtorno e a terapia.
acreditam e agem como se as coisas es- • Definição de problemas e objetivos.
tivessem piores do que realmente estão. • Técnicas cognitivas e comportamen-
Na visão negativa do futuro, observam as tais.
projeções que fazem para sua vida, ante- • Utilização de tarefas de casa entre as
cipando dificuldades e insucessos que im- consultas.
plicam sofrimentos e privações. • Utilização de escalas e diários para
Essa forma de interpretar os even- monitorar comportamentos, pensa-
tos e as expectativas funciona como uma mentos, sentimentos, atividades e sin-
espécie de propulsor de comportamentos tomas.
depressivos que, por sua vez, ratificam, • Orientação da família a respeito do tra-
, . - .
apos novas 1nterpretaçoes, os sentimentos tamento.
pessoais de inadequação, de baixa autoes-
tima e de desesperança. 3 Além disso, a TCC foca em objeti-
A depressão agrava o processamen- vos e tem duração determinada. A tera-
to da informação, e a pessoa fica depen- pia, geralmente com frequência semanal,
dente dos esquemas idiossincráticos nega- deve ser encerrada quando a maioria dos
tivos. As autoverbalizações e os diálogos sintomas predominantes tiver sua intensi-
internos são totalmente dominados pe- dade reduzida significativamente e causar
la tristeza, elaborando as experiências de grau de interferência mínimo na rotina de
forma negativa e antecipando resultados vida do paciente. Nessa fase, faz-se a re-
desfavoráveis para seus problemas. A de- visão das técnicas aprendidas e orienta-se
sesperança toma essas distorções cogniti- para sua prática contínua, garantindo-se,
vas mais intensas, e a morte pode ser vista assim,
, a manutenção da melhora clínica.
como alívio para a dor e o sofrimento ou, E importante o alerta para recaídas, escla-
ainda, como saída diante de uma situação recendo-se de forma realista os possíveis
percebida como insuportável. Daí o risco desencadeantes para cada paciente e des-
aumentado de suicídio. 1,3 tacando o novo aprendizado para lidar e
Em suma, as contribuições impor- confrontar com uma eventual nova situa-
tantes da terapia cognitivo-comportamen- ção difícil. As consultas podem ser espa-
tal (TCC) vieram da atuação clínica, dos çadas ao longo de um período, até a alta
estudos e tratamentos de pacientes com propriamente dita.
Depressão

PROCESSO TERAPÊUTICO/PSICOTERAPIA do de defesa, role-play, desafio à autocrí-


tica, entre outros.
A TCC propõe uma avaliação biopsicosso- Contudo, o intuito do terapeuta cog-
cial do paciente usando estratégias multi- nitivo é, principalmente, auxiliar o cliente
facetadas das seguintes categorias: estra- a identificar e a corrigir as distorções cog-
, . . . .
teg1as comportamentais e cogn1t1vas para nitivas e os pensamentos automáticos dis-
alterar a forma como as pessoas agem e funcionais, ajudando-o a pensar e a agir
pensam em deter1ninadas situações e es- de modo mais realista e adaptado sobre
tratégias cognitivas projetadas para mu- seus problemas psicológicos.
danças duradouras das crenças centrais, A empatia é um dos pontos essen-
sempre com o objetivo de engajar o pa- ciais da abordagem terapêutica na TCC. O
ciente na mudança. terapeuta deve olhar o mundo do pacien-
Assim, centenas de técnicas diferen- te com os olhos dele (isto é, ter um inte-
tes podem ser usadas pelos terapeutas, de resse genuíno por sua vida e sofrimento).
acordo com as necessidades do pacien- Os passos do processo terapêutico nes-
te para a reestruturação cognitiva. Algu- se modelo são apresentados no Quadro 7.1.
mas delas são: evocação de pensamentos A realização de entrevistas no iní-
e pressupostos, psicoeducação do modelo cio do processo, psicoterápico é essencial
cognitivo e do transtorno, psicoeducação para a TCC. E a partir dessas entrevistas
para diferenciar pensamentos de emo- que se pode reconstituir, em termos cog-
ções, registro de pensamentos disfuncio- nitivos, a história do sujeito. Na entrevis-
nais, exame e constatação das distorções ta, coletam-se os dados de modo minucio-
cognitivas, seta descendente, levantamen- so, para detectar quais são as experiências
to de evidências, prós e contras, advoga- relevantes para aquela determinada pes-

1 Realizar uma avaliação do caso para formular os problemas do paciente em termos cognitivos
e identificar qual tratamento/técnica é mais apropriado para estabelecer metas.
2 Identificar quais fato res da psicoterapia favorecem resu ltados positivos. A cada sessão, deve-
-se realizar uma avaliação do andamento da terapia.
3 Explicar ao paciente o modelo cogn it ivo, o que são pensamentos automáticos e como identi-
ficá-los. Quando o terapeuta identif ica, com o paciente, pensamentos disfuncionais, deve aju-
dá-lo a modificá-los, o que acarreta alívio dos sintomas.
4 Conceituar as dificuldades, em termos cognitivos, considerando: dados de infância, proble-
mas atuais, crenças centrais, crenças e regras condicionais, estratégias compensatórias, situ-
ações vulneráveis, pensamentos automáticos, emoções e comportamentos (compartilhando,
quando necessário, esses dados com o paciente).
5 Identificar com o paciente se os pensamentos automáticos são funcionais (condizentes com a
situação) ou disfuncionais (com conteúdo distorcido).
6 Ensinar um método de análise dos pensamentos disfuncionais para transformá-los em realis-
, .
tas e ute1s.
7 Após o alívio dos sintomas, o foco principal do tratamento passa , a ser as crenças (intermedi-
árias e centrais), principalmente aquelas que são disfuncionais. E importante ressaltar que a
modificação profunda de crenças mais fundamentais torna os pacientes menos propensos a
apresentar recaída no futuro. 1
Ouevedo & Silva (orgs.)

soa. O terapeuta deve ''montar uma histó- O atendimento em grupo não consis-
ria'' da vida do paciente, desde seu nasci- te apenas em juntar pessoas com caracte-
mento (ou mesmo até antes dele) até os rísticas semelhantes, mas em agrupar pes-
dias atuais. soas com objetivos comuns. O profissional
Quando o paciente se depara com que coordena o trabalho em grupo deve
um problema, é importante que ele per- ter base teórica e conhecimentos especí-
ceba que o obstáculo não é uma situação ficos sobre o processo grupal, bem como
impossível, mas sim uma solução inapro- um referencial teórico a seguir. As vanta-
priada para aquela determinada situação. gens em se trabalhar com grupo são: maior
Nessas ocasiões, é imprescindível que re- possibilidade de observação das interações
conheça quais são os sentimentos e os estabelecidas e dos comportamentos inter-
pensamentos relacionados à dificuldade, pessoais; o grupo pode ser um espaço ade-
ou seja, qual é a interpretação que o sujei- quado para aprender a se relacionar; pode
to atribui a ela. O fato não pode ser muda- oferecer uma melhor relação custo-eficá-
do, o que se pode mudar são os sentimen- cia; permite que os participantes identifi-
tos e comportamentos por meio da mu- quem problemas semelhantes em seus pa-
dança de crenças eou seja, o significado res; previne sobre situações ao ouvi-las de
dado aos fatos). outros; proporciona maior possibilidade
Durante o processo terapêutico, vá- de dar e receber feedback sobre a forma de
rias técnicas são utilizadas na sessão, com se relacionar; possibilita o surgimento, no
o intuito de levar o paciente a identificar cenário, de mais soluções para os proble-
, . ,.., .
pensamentos automat1cos, emoçoes, situ- mas apresentados. Outra vantagem é que
ações e a resolver problemas, entre ou- o trabalho em grupo proporciona aos seus
tros. A TCC tem uma forma didática, na membros fazer observações sobre outros
qual o paciente assume uma postura ativa membros, que são aceitas com mais facili-
no tratamento. dade do que se fossem feitas pelo coorde-
O objetivo dessa abordagem é que, nador do grupo. 12
com o tempo, o paciente não necessite No trabalho em grupo, deve-se, pri-
mais da ajuda do terapeuta e possa en- meiramente, definir o contrato de tra-
frentar suas dificuldades sozinho. O pa- balho daquele grupo particular eou seja,
ciente deve realizar as técnicas durante quais são as regras, o tempo de duração
as sessões com o terapeuta, e sozinho, em e os objetivos), e integrar os componen-
seu dia a dia. tes, por meio de técnicas específicas, para
a formação do grupo. Os passos seguintes
são os mesmos do modelo de atendimen-
Terapia cognitivo-comportamental to descrito anteriormente, adaptados, no
em grupo 11 entanto, para o trabalho em grupo. Várias
das técnicas apresentadas podem ser uti-
A terapia em grupo normalmente ocorre lizadas em grupo; algumas podem tornar-
em instituições em função da grande de- -se até mais eficazes, pois permitem o sur-
manda de atendimentos versus a escassez gimento de ideias que um determinado
de profissionais. Em outras ocasiões, ela é paciente não poderia vislumbrar sozinho.
uma opção para pacientes que têm dificul- Quando um participante levanta um
dades nos relacionamentos interpessoais, tema, essa discussão deve ser comparti-
pois, nesse tipo de abordagem, pode-se lhada pelo restante do grupo. Por exem-
trabalhar déficits gerados nesse contexto. plo, em um grupo for1nado por pacientes
Depressão

internados em uma enfermaria especiali- O Programa de Prevenção a Reincidência


zada em tratamento de transtornos do hu- Penitenciária é composto por 10 encon-
mor e transtornos de ansiedade, um dos tros estruturados, nos quais pensamentos
participantes relata que é professor de tai automáticos, crenças, situações de risco,
chi chuan. Nesse momento, o terapeuta soluções de problemas e cadeia compor-
deve correlacionar essa informação com tamental são trabalhados.
o restante do grupo, questionando, por A terapia cognitiva para prevenção
exemplo, se algum outro membro já pra- de reincidência penitenciária, ao ser im-
ticou, se alguém tem interesse na ativida- plantada em duas unidades prisionais, di-
de, se o participante que se diz professor minuiu o escore na Escala de Medo de Ava-
da técnica poderia dar uma aula para os liação Negativa nos participantes da pes-
demais e se os outros pacientes gostariam quisa, e aqueles que reincidiram no prazo
de participar. Por fim, o grupo reproduz de 12 meses foram os sentenciados com es-
situações do cotidiano e os componentes core maior nessa escala. Pode-se dizer que
interagem entre si como o fazem fora des- a redução no escore da Escala de Medo de
sa situação delimitada. 11, 13 Avaliação Negativa está associada com um
aumento da autoestima, pois os partici-
pantes passaram a se sentir mais seguros,
Terapia cognitivo-comportamental mais confiantes e sem tanto receio da opi-
em instituições nião dos outros. Em relação à reincidência
penitenciária, não foi observada diferen-
A TCC pode ser usada em vários tipos de ça entre os que participaram do programa
instituição. A seguir será relatado o exem- e os que não participaram. Os participan-
plo de um trabalho desenvolvido com tes do grupo-controle apresentaram dimi-
uma população prisional. O trabalho tera- nuição na Escala de Estresse e Fuga Social,
pêutico teve o objetivo de reduzir a reinci- apesar de não terem sido submetidos à te-
dência prisional dos participantes. rapia, tendo apenas sido submetidos às en-
Há, no sistema prisional paulista, uma trevistas inicial e final. Isso pode ser devido
carência de intervenções específicas pa- ao fato de que, por estarem em ambiente
ra as pessoas abrigadas por essa institui- hostil, mesmo não participando da terapia
ção. A terapia cognitivo-comportamental cognitiva, tiveram a oportunidade de ser
para prevenção de reincidência peniten- ouvidos, de contar sua história para pes-
ciária baseou-se na proposta de Marlatt e soas realmente interessadas. A TCC, nes-
Gordon 14 para dependentes de drogas/ál- sa população específica, necessita da com-
cool e foi adaptada para a população pri- panhia de outros serviços para diminuir a
sional. O objetivo da proposta é anteci- reincidência, bem como de uma maior du-
par e prevenir a reincidência após o início ração da intervenção. 15
de uma tentativa de mudança de hábito,
bem como ajudar o indivíduo a recuperar-
-se de um deslize ou de uma ''caída'' de OUTRAS PSICOTERAPIAS COM BASE NA
uso de drogas antes de esta se transfor- TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL
mar em uma recaída plena; entre outros.
A partir dessa intervenção, os sentencia- Terapia construtivista
dos podem identificar as distorções cog-
nitivas, corrigi-las e, consequentemente, Na concepção construtivista, o sofrimen-
não se envolver mais em atos antissociais. to psicológico provém das interpretações
Ouevedo & Silva (orgs.)

cognitivas que muitas vezes são incompa- borativa, na qual cliente e terapeuta são
tíveis com a emoção vivenciada em uma igualmente "especialistas'' em sua explo-
determinada situação. São os esquemas ração conjunta, sendo que o cliente pos-
emocionais, construídos desde a infân- sui maior conhecimento das disposições
cia, que levam a essas interpretações. A e limitações de seu sistema de significa-
concepção construtivista enfatiza a parti- dos e o terapeuta oferece habilidades es-
cipação dos esquemas emocionais no de- peciais na facilitação do processo de mu-
senvolvimento do indivíduo, sendo que dança humana. Como consequência, a te-
toda a forma de emoção é vista como ba- rapia torna-se uma busca colaborativa e
sicamente adaptativa. Assim, pouquíssi- respeitosa de um sistema de significados
mas vezes a emoção poderá apresentar- pessoais, revisado e ampliado. 20
-se de maneitra equivocada. Equivocados O terapeuta construtivista deve
estarão os pensamentos ou o entendi- construir uma ponte (emocional) den-
mento desenvolvido a respeito da vivên- tro da experiência subjetiva do cliente, na
cia emocional. As disfunções e os distúr- tentativa de procurar ''experimentar'' os
bios emocionais surgem quando a pes- frequentes e idiossincráticos significados
soa não se sente autorizada a reconhecer, que este atribuiu aos eventos que cons-
sentir ou até mesmo validar determina- tituem o seu mundo pessoal. 20 Para isso,
das emoções. 16 as técnicas focalizam as narrativas que o
Dessa forma, não serão as emoções cliente faz, permitindo, assim, que ele e o
em si a fonte do sofrimento, mas os pen- terapeuta construam juntos novos signifi-
samentos tidos a respeito dessas mes- cados, agora não tão limitados pelos sig-
mas emoções que se constituem na fonte nificados emocionais anteriores, mas fa-
de grande parte das disfunções psicológi- vorecidos por significados mais amplos e
cas.17 Portanto, o indivíduo torna-se de- atualizados. 18 Com esse papel, o terapeu-
sorientado quando a síntese dialética en- ta pode tornar-se uma figura de apego ou
tre essas duas fontes de informação ("co- de vinculação. Muitos clientes esperam,
ração'' + "cabeça'') apresenta-se de forma nessa nova interação, uma relação que re-
contraditória, incompatível ou inconsis- produza os aspectos similares das intera-
tente, já que as construções de significa- ções desenvolvidas anterior1nente, com as
do não levam em consideração a experi- tradicionais dificuldades e peculiaridades,
ência corporal-imediata que está sendo e, por isso, o vínculo desenvolvido na re-
vivida. 18 Nesse contexto, a crise psicológi- lação terapêutica torna-se um importante
ca é indicativa de um processo ainda ina- instrumento de trabalho.
cabado, sendo, portanto, entendida como Observar o tipo de vínculo que se es-
aspecto positivo. O objetivo, nessa psico- tabelece entre terapeuta e paciente per-
terapia, é a desorganização dos significa- mite o trabalho de ressignificação do mo-
dos limitantes que fazem com que o pro- do pelo qual esse paciente se relaciona e a
cesso de mudança fique estagnado. Surge interferência disso em seu quadro clínico.
daí um velho ditado que afirma serem os Torna-se óbvio, dessa forma, que o vín-
psicoterapeutas construtivistas desorgani- culo desenvolvido entre o profissional e
zadores previamente orientados. 19 o cliente é uma ferramenta extremamen-
Do mesmo modo que nos outros ti- .
te importante " .
para o processo terapeut1-
pos de terapia cognitiva, o terapeuta co. Por isso, quanto mais rápido esse vín-
construtivista também tem um papel ati- culo for construído, mais rápido os sinto-
vo. A diferença ocorre na postura cola- mas diminuirão. 20
Depressão

Terapia cognitiva processual 21 •22 cas utilizadas são da terapia cognitiva e de


outras abordagens, como cadeira vazia, 2s
Recentemente foi desenvolvida uma no- seta descendente, 26•27 exame das evidên-
va for111a de fazer a TCC para facilitar a cias, 28 advogado de defesa, 29 reversão de
mudança de crenças nucleares disfuncio- pensamento, 30 seta ascendente, 2 3, 29 de-
nais. Inspirada no romance de Franz Ka- senvolvimento de esquemas positivos29 e
fka, O processo, a principal técnica da te- diário de afirmações positivas. 31 E, como
rapia cognitiva processual (TCP) simula tarefa de casa, o paciente prepara um re-
um processo judicial. curso juntando elementos, durante a se-
A base racional para a proposta da mana, que confirmem a crença positiva
TCP é que esta pode ser útil ao permi- que foi encontrada na seta ascendente no
tir que os pacientes tornem-se conscien- final do julgamento.2 4
tes das crenças sobre si mesmos (autoa- Do mesmo modo, o autor for1nulou
cusações) e, diferentemente do processo uma conceituação de caso com os mesmos
de Joseph K., personagem principal do li- componentes da TCC convencional, a fim
vro, engajem-se em um processo constru- de tornar o modelo cognitivo mais fácil de
tivo para desenvolver crenças mais positi- ser entendido pelos pacientes. Nesse mo-
vas e funcionais, ajudando os pacientes a delo, as cognições podem ser avaliadas em
reduzirem a adesão às crenças nucleares três níveis; em um nível mais superficial,
negativas e emoções correspondentes. 22 encontra-se o primeiro nível, que consis-
Formulada pelo psiquiatra e psicote- te dos pensamentos automáticos, das emo-
rapeuta Irismar Reis de Oliveira, a técni- ções e do comportamento; no segundo ní-
ca de Registro de Pensamento com Base no vel, as regras, os pressupostos subjacentes,
Processo, conhecida como ''Processo'', foi os comportamentos de segurança e as es-
, . , . .
desenvolvida a partir de outra técnica que trategias compensator1as; em um tercei-
se baseia na reversão de sentença, criada ro nível, mais profundo, encontram-se as
para lidar com pensamentos automáticos crenças centrais. Nesse diagrama, identi-
. ''sim,
d o tlpo . mas... '', que, por sua vez, b a- ficam-se mecanismos de perpetuação da
seou o Registro de Pensamentos com Base crença central. Essa conceituação é reali-
na Reversão de Sentença (RPBRS), no qual zada em parceria com o paciente para al-
o paciente deprimido tende a usar a estru- terar a percepção sobre suas cognições, e
tura da frase para se desqualificar, como: como suas crenças centrais podem ser ati-
"Consegui sair de casa, mas ainda é muito vadas ou criar novas estratégias e crenças
difícil''. A técnica de reversão de sentença centrais mais positivas e reais. 22
consiste em fazer o paciente usar a mesma Segundo Oliveira, 22 o objetivo prin-
estrutura, porém em ordem inversa, como: cipal da TCP é identificar e mudar os pen-
')\inda é muito difícil, mas con.segui sair de samentos automáticos, substituindo-os
casa''. Essa técnica ajuda o paciente a flexi- por avaliações alternativas funcionais;
bilizar sua for1na de pensar, ganhando um o paciente pode notar progressivamen-
sentido mais positivo. 23 Assim, o paciente te alterações nos outros níveis, como, por
aprende a avaliar suas crenças disfuncio- exemplo, a ativação da crença central po-
nais por meio da combinação da reversão sitiva. Isso é considerado um passo impor-
de sentença e de sua atuação própria como tante para obter resultados mais duradou-
promotor e advogado de defesa. 24 ros na terapia. Nesse sentido, para mensu-
O julgamento é, portanto, incorpora- rar as cognições, ele criou o Questionário
do em um formato estruturado, e as técni- de Distorções Cognitivas (CD-Quest, sigla
Ouevedo & Silva (orgs.)

em inglês) para quantificar a frequência e mentas com outras pessoas, e geralmente


intensidade das distorções do paciente ao seu conteúdo é amplo e difuso, com um
longo da semana. nível significativo de disfuncionalidade. 34
Recentemente foi realizado um estu- Segundo essa teoria, as crianças
do que concluiu que o "Processo'' ajuda os aprendem a construir a realidade por meio
pacientes a reduzirem de forma constru- de experiências precoces com o ambien-
tiva a autocrítica, mudando a crença cen- te, especialmente com outras pessoas sig-
tral negativa e suas emoções correspon- nificativas. Sendo assim, os EIDs desenvol-
dentes. Esse estudo demonstrou uma re- vem-se quando o ambiente não satisfaz as
dução altamente significativa no apego à necessidades fundamentais para seguran-
crença central negativa. 32 Apesar de ain- ça, estabilidade ou previsibilidade, nutri-
da haver poucos estudos clínicos testando ção, amor e atenção, aceitação e elogio,
sua eficácia, a TCP está passando por en- empatia, limites realistas e validação de
sentimentos e necessidades. As ' vezes, es-
saios clínicos em uma série de transtornos
psiquiátricos, a fim de se solidificar como sas primeiras experiências levam as crian-
. , .
uma teoria propria. ças a aceitar atitudes e crenças que, mais
tarde, se mostram maladaptativas. 34,35
De acordo com Young e colaborado-
Terapia focada em esquemas res, 36 esses esquemas são dimensionais,
ou seja, têm diferentes níveis de gravida-
Jeffrey Young, terapeuta cognitivo e alu- de e abrangência. Quanto mais grave o es-
no de Aaron Beck, colaborou, na década quema e quanto maior o número de situa-
de 1990, para o desenvolvimento da tera- ções, mais fácil ativá-lo. Além disso, quan-
pia focada em esquemas, a qual comparti- to mais grave o esquema, mais intenso e
lha os elementos que caracterizam a tera- duradouro é seu efeito negativo.
pia cognitiva. Enfatizando a confrontação,
a experiência afetiva, o relacionamento te-
rapêutico como um veículo de mudança e Terapia de ativação
as discussões sobre experiências iniciais da comportamental
vida, aborda em profundidade os proces-
sos inconscientes, com o objetivo de iden- A ativação comportamental (AC) é um
tificar e superar a evitação cognitiva, afeti- tratamento breve e estruturado para a de-
va e comportamental. 33 pressão, o qual visa ativar os comporta-
Trata-se de uma terapia que amplia mentos dos pacientes de maneiras especí-
significativamente a tradicional cognitivo- ficas, para aumentar experiências gratifi-
-comportamental. Combina elementos da cantes em suas vidas. Todas as técnicas de
TCC, da teoria do apego, da Gestalt, das AC são usadas com o objetivo de aumen-
relações objetais, construtivistas e psica- tar a ativação e o engajamento no mundo.
nalíticas em um modelo conceitua! de tra- Para esse fim, a AC também se concentra
tamento rico e unificador. Além disso por em processos que inibem a ativação com-
meio da observação clínica, Young iden- portamental, como fuga e comportamen-
,
tificou um subconjunto de esquemas que tos de esquiva. E baseada na premissa de
chama de esquemas iniciais desadaptati- que o problema na vida dos indivíduos
vos (EID), que são 18 esquemas em cinco vulneráveis é a redução de sua capacida-
domínios. Os EIDs são for1nados por me-
, . - -
marias, emoçoes e sensaçoes corporais, . de de experimentar a recompensa positiva
de seus ambientes, levando aos sintomas
relacionados a si próprio ou aos relaciona- e comportamentos classificados como de-
Depressão

Domínios Esquemas iniciais desadaptativos

Desconexão e rejeição 1. Abandono/instabilidade


2. Desconfiaça/abuso
3. Privação emocional
4. Defectividade/vergonha
5. Isolamento social/alienação
Autonomia e desempenho 6. Dependência/incompetência
prejudicados 7. Vulnerabilidade
8. Emaranhamento/se/f subdesenvolvido
9. Fracasso
Limites prejudicados 1O. Merecimento/grandiosidade
11. Autocontrole/autodisciplina insuficientes
Orientação para o outro 12. Subjugação
13. Autossacrifício
14. Busca de aprovação/reconhecimento
Supervigilância e inibição 15. Negativismo/pessimismo
16. Inibição emocional
17. Padrões inflexíveis/crítica exagerada
18. Caráter punitivo

pressão. A fim de aliviar a depressão, a AC terapeuta, elabora uma lista de metas e


assume que os clientes devem ser guiados atividades para a semana e, em seguida,
a ter comportamentos que permitirão en- observa, em cada dia, se as tentou ou não
contrar ou produzir prazer, melhorando a e se atingiu seu objetivo na atividade. O
qualidade de vida, de for1na a obter re- terapeuta quer, nessa abordagem, ativar
compensas melhores. 37 os comportamentos funcionais da pessoa
Nesse sentido, a AC constrói seu ali- com depressão. 38
cerce no trabalho de quatro importantes Já a resolução de problemas, segun-
pioneiros: Charles Ferster, Peter Lewin- da fase do tratamento, é um dos pilares
sohn, Lynn Rehm e Aaron Beck. Enquan- da AC e tem um histórico bem-sucedido
to Ferster centrou-se na teoria subjacente de evidências para tratamento da depres-
à análise comportamental da depressão, são. Nessa abordagem, o paciente defi-
Lewinsohn estendeu a teoria e desenvol- ne os problemas, estabelece metas para o
veu métodos comportamentais de trata- tratamento e depois implementa técnicas
" . " ,.
mento para ela, Rehm sublinhou a im- terapeut1cas que tem suporte emp1r1co no
portância do reforço no tratamento da tratamento de vários problemas ou défi-
depressão e Beck incluiu a ativação com- cits de habilidades. 37,38
portamental como parte integrante da Grande parte do trabalho na terapia
TCC para a depressão. 37 acontece fora do consultório do terapeu-
A primeira fase do tratamento con- ta. A cada semana, terapeutas e clientes
siste em monitorar atividades e progra- trabalham em conjunto para desenvolver
mação. O paciente, juntamente com seu tarefas de ativação para serem concluídas
Ouevedo & Silva (orgs.)

entre as sessões, bem como buscam solu- ajudar os clientes a atingirem seus valo-
cionar todos os entraves à ativação que res e metas.

possam surgir. A ACT é uma intervenção psicológica
com base empírica; usa a aceitação do so-
frimento e estratégias de meditação jun-
Terapia comportamental dialética tamente com compromisso e mudanças
comportamentais para desenvolver flexi-
A terapia comportamental dialética (TCD) bilidade psicológica. Essa modalidade de
foi desenvolvida para o tratamento de terapia é baseada em uma orientação fi-
clientes altamente suicidas com diagnósti- losófica, denominada contextualismo fun-
co de transtorno da personalidade border- cional, e na teoria de quadros relacionais
line. 39 A terapia consiste em uma série de (teoria sobre linguagem e cognições ba-
habilidades que são ensinadas aos clien- seada na análise do comportamento). Ela
tes para ajudá-los na regulação do humor. ensina a não tentar controlar pensamen-
Uma das habilidades fundamentais utili- tos e sentimentos, apenas observá-los e
zadas na TCD é referida como ''ação con- aceitá-los. Procura ajudar o indivíduo a
trária'', em que os clientes são ensinados ter seus valores claros e a agir para con-
a agir de maneiras que são opostas à ação seguir atingi-los, dando sentido e vitalida-
referente às emoções que eles querem de à sua vida. Encara os processos psico-
mudar. Por exemplo, uma pessoa que sen- lógicos da mente humana como prejudi-
te raiva de um atendente de uma loja po- ciais, levando à esquiva, à fusão cognitiva
de agir de forma oposta, sorrindo e dizen- e à rigidez psicológica, mantendo o sofri-
do em tom caloroso e amigável: "Obriga- mento e impedindo uma solução. A ACT
do, tenha um ótimo dia''. Dessa forma, a tem sido usada com sucesso no tratamen-
TCD é ''ação contrária'' para a depressão. to da depressão.
O impulso na depressão muitas vezes não
, . .
e para agir, mas para escapar ou evitar, a
ativação vai contra essa vontade. 37 Mindfulness baseada
Entretanto, entender o termo "dia- na terapia cognitiva
lética'' é importante, pois este possui di-
,
ferentes significados na filosofia, na his- E um programa baseado na integração da
tória, na política, na literatura e na psi- terapia cognitivo-comportamental com a
coterapia. Para os fins psicoterapêuticos, mindfulness, esta última sendo uma prática
baseia-se em uma visão de mundo dialéti- terapêutica de consciência no presente. Foi
ca que se refere principalmente a um con- desenvolvida com o objetivo de reduzir re-
junto de intervenções fundamentadas em caídas e recorrências para aqueles que são
aceitação e mudanças como importantes vulneráveis a episódios de depressão.
estratégias de tratamento. 40 A partir dessa perspectiva, a aceita-
ção é um pré-requisito para a atenção. Se-
ria difícil para um cliente, por exemplo,
Terapia aceitação e compromisso ser consciente de suas sensações de de-
pressão sem aceitar que elas estão presen-
Desenvolvida por Hayes e colaborado- tes. Para isso, é importante estarem cons-
res, 41 e Saban,42 a terapia de aceitação e cientes e despertos para a experiência do
compromisso (ACT) enfatiza a importân- momento presente. Quando vista a par-
cia de se quebrar padrões de esquiva e as- tir dessa perspectiva, a aceitação pode ser
sumir um compromisso de ação que irá considerada um subconjunto de interven-
Depressão

ções de atenção plena, em que um aspec- 4 . Beck AT, Wright FD, Newman CF, Liese BS. Cog-
nitive therapy of substance abuse. New York:
to da atenção estimula o cliente, sem jul-
Guilford; 1993.
gamento, a aceitar ou permitir que a ex-
5. Riso LP, Toit PL, Stein DJ, Young JE, editors. Cogni-
periência atual se desenvolva. 38 tive schemas and core beliefs in psychological pro-
Nessa abordagem, não são os pensa- blems: a scientist-practitioner guide. Washington:
mentos disfuncionais que causam a recaí- American Psychological Association; 2007.
da na depressão, mas a forma como a pes- 6. Beck AT, Rush AJ, Shaw BF, Emery G. Terapia
soa os processa. Com o uso de exercícios, cognitiva da depressão. Porto Alegre: Artmed;
1997.
o cliente aprende a perceber os primeiros
7. Scribel MC, Sana MR, di Benedetto AM. Os es-
sinais de alteração emocional e, ao mes- quemas na estruturação do vínculo conjugal.
mo tempo, mantém uma perspectiva ade- Rev Bras Ter Cogn. 2007;3(2) .
quada sobre os pensamentos depressogê- 8 . Moore RG, Garland A. Cognitive theory for chro-
nicos que emergem.43 nic and persistent depression. Chichester: John
Wiley & Sons; 2003.
9 . Knaap P, organizador. Psicoterapia cognitivo-
-
CONCLUSAO -comportamental na prática psiquiátrica. Porto
Alegre: Artmed; 2004.
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A TCC é uma abordagem focal que tra- gens atuais. Porto Alegre: Artmed; 2007.
balha com a psicoeducação, com objeti- 11. Delitti M, Derdyk P. Terapia analítico-comporta-
vos bem delimitados e com procedimen- mental em grupo. Santo André: Esetec; 2008.
tos que podem ser aplicados a várias pa- 12. Cade NY. Terapia de grupo para pacientes
tologias psiquiátricas. A intervenção visa com hipertensão arterial. Rev Psiquiatria Clín.
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samentos disfuncionais e crenças centrais,
14. Marlatt GA, Gordon JR. Relapse prevention:
que, de fato, apresentam um embasamen- maintenance strategies in the treatment of
to empírico e uma eficácia no tratamen- addictive behaviors. New York: Guilford; 1985.
to dos transtornos depressivos. Com o in- 15. Lowenkamp CT, Latessa EJ, Holsinger AM. The
tuito de prevenir recaídas, a TCC vem, ao risk principle in action: what have we learned
longo dos últimos anos, agregando no- from 13676 offenders and 97 correctional pro-
grams? Crime Delinq. 2006;52:77-93.
vas estratégias. Como resultado, muitas
16. Greenberg L. Emociones: una guía interna. Bil-
for1nas contemporâneas de TCC incluem bao: Desclée de Brouwer; 2000.
intervenções que ajudam os pacientes a 17. Greenberg LS, Rice LN, Elliott R. Facilitando el
aceitar diversos aspectos de si mesmos, cambio emocional: el proceso. terapéutico pun-
suas experiências, o mundo e outras pes- to por punto. Barcelona: Paidós; 1996.
soas. Neste capítulo, elencamos algumas 18. Abreu CN, Roso M, organizadores. Cognitivis-
terapias com base na TCC. mo e construtivismo. ln: Psicoterapias cognitiva
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Marcelo Pio de Almeida Fleck
Lívia Hartmann de Souza

INTRODUÇÃO escola, a criação da TIP foi influenciada


pelos trabalhos sobre luto, de Freud, bem
A psicoterapia interpessoal (TIP) foi de- como pela teoria do apego, de Bowlby. 2
senvolvida por Gerald Klerman e Myrna Existem alguns conceitos básicos que
Weissman para o, atendimento de pacien- norteiam a TIP. O primeiro deles é o en-
tes deprimidos. E uma terapia focada, bre- tendimento da depressão como um fenô-
ve, que enfatiza a relação entre os sinto- meno complexo e multideterminado, com
mas do humor e as relações interpessoais causas genéticas e ambientais.3 Dessa for-
do paciente. 1 A TIP está entre as tera- ma, a TIP acredita na abordagem pluralís-
pias com eficácia comprovada para o tra- tica da depressão, combinando psicotera-
tamento da depressão. Posteriormente, a pia com medicação, por exemplo. Entre-
TIP foi sendo adaptada ao tratamento de tanto, independentemente de sua causa,
vários outros transtornos. Neste capítulo, a depressão ocorre em um contexto inter-
é apresentada a base teórica da TIP, em se- pessoal e seu início, sua resposta ao tra-
guida, sua técnica é descrita e, por fim, os tamento e seu prognóstico são influen-
dados clínicos mais recentes que compro- ciados pelas relações interpessoais dopa-
vam sua eficácia são apresentados. ciente.2 A TIP utiliza a conexão entre os
fenômenos interpessoais atuais e os sin-
tomas depressivos como foco de trata-
FUNDAMENTOS TEÓRICOS mento, auxiliando o paciente a identifi-
car seus conflitos e a manejá-los de mo-
A TIP foi criada com base em várias pers- do mais adaptativo. Alguns eventos que
pectivas teóricas. A mais influente delas comumente estão associados à depres-
foi a escola de pensamento interpessoal, são são: dissolução de casamento, dispu-
fundada por Adolf Meyer e Harry Sulli- ta que ameaça um relacionamento impor-
van.1 Essa escola vincula o transtorno psi- tante, luto pela morte de um ente querido,
qu1atr1co as expenenc1as soc1a1s e inter-
., • ' •A • • • •
mudança de emprego, diagnóstico de do-
pessoais do paciente, tendo como unidade ença, aposentadoria, entre outros. 3 A ava-
de observação as pessoas e seus relaciona- liação permite ao terapeuta definir uma
mentos, e não só o indivíduo. Além dessa área-problema, que será o foco do trata-
Ouevedo & Silva (orgs.)

menta, entre as quatro que seguem: luto, que é. A ênfase será na busca de um cami-
disputa interpessoal, mudança de papel e nho para sair dos problemas.
déficit interpessoal. A técnica aborda questões interpes-
O segundo conceito básico que nor- soais atuais e não passadas. 1,3 Explora
teia a TIP é o reconhecimento de três par- - . . - . , .
questoes 1nterpessoa1s e nao 1ntraps1qu1-
tes que constituem a depressão: os sin- cas. Reconhece as questões intrapsíquicas,
tomas, a vida social e interpessoal (inte- mas não as aborda diretamente. Da mes-
ração com outras pessoas, o papel social ma forma, reconhece os transtornos ou
assumido) e a personalidade do indiví- traços de personalidade do paciente, en-
duo (padrões duradouros por meio dos tende que eles podem influenciar a res-
quais as pessoas lidam com a vida, co- posta ao tratamento e a relação com o te-
mo se impõem, expressam sentimentos). rapeuta, mas não os aborda diretamente.
A TIP aborda os dois primeiros itens, não Na TIP, o terapeuta procura estabe-
se propondo a tratar a personalidade do lecer uma relação positiva com o pacien-
indivíduo. Mesmo assim, observa-se que te, podendo comunicar-se de forma calo-
o ganho de habilidades interpessoais por rosa, sendo otimista e suportivo. Procura
meio da TIP pode compensar dificuldades fomentar as expectativas positivas do pa-
ligadas à personalidade. Em outros casos, ciente em relação à terapia, acreditando
uma vez esbatidos os sintomas da depres- que os problemas dele são transitórios e
são, as dificuldades previamente atribuí- que serão resolvidos uma vez que a depres-
das à personalidade se dissipam. 1,3 Nesse são for tratada. Nesse sentido, diz-se que o
sentido, a TIP aborda a depressão como terapeuta é um aliado do paciente, não fa-
uma doença clínica que traz limitações ao zendo julgamentos. A confrontação, quan-
paciente e que tem um tratamento defini- do necessária, é gentil e no tempo adequa-
do, inserida, portanto, no modelo médico. do.1 Nessa técnica, o terapeuta tem papel
Os objetivos da TIP são reduzir os sinto- um pouco mais ativo do que o psicotera-
mas da depressão e ajudar o paciente a li- peuta de orientação analítica, inicialmen-
dar melhor com as pessoas e situações de te fazendo as perguntas necessárias para o
sua vida associadas ao início da doença. diagnóstico da depressão, para a elabora-
A TIP trabalha nos níveis consciente ção do inventário interpessoal e para a de-
e pré-consciente. O terapeuta de TIP re- finição da área-problema. Posteriormente,
conhece e identifica as manifestações dos ajudando o paciente a conectar sentimen-
conflitos inconscientes, entretanto, não tos com os comportamentos interpessoais,
aborda essas questões diretamente. 1 A ên- alertando-o para não sair do foco definido,
fase é dada sobre as disputas atuais, as evitando longos silêncios e associações li-
frustrações, as ansiedades e os desejos de- vres. Além disso, é papel do terapeuta aju-
finidos no contexto interpessoal atual. A dar o paciente a explorar opções para suas
TIP objetiva que o paciente mude, e não dificuldades interpessoais, algumas vezes
apenas que entenda sua situação de vida. podendo até aconselhar e sugerir saídas,
A influência das experiências infantis é muito embora se entenda que os resulta-
reconhecida, mas não diretamente abor- dos alcançados são melhores quando as
dada pela técnica. O terapeuta não irá perguntas possibilitam ao paciente descre-
centrar-se na infância, no caráter ou nas ver suas alternativas e fazer suas próprias
defesas psicodinâmicas e origens dos sen- escolhas. O terapeuta não prescreve tare-
timentos (que são entendidos como ma- fas para o paciente executar em casa. O
nifestações da depressão), 3 e menos ain- paciente modifica seu comportamento de
da na busca das razões de o paciente ser o acordo com seu ritmo.
Depressão

A relação terapêutica não é enten- alívio da culpa gerada pelas incapacida-


dida sob o vértice transferencial, ou se- des relativas e transitórias a que o pacien-
ja, como uma reedição das relações pre- te está sujeito em função da depressão.
coces. O terapeuta da TIP não objetiva Nessa fase, avalia-se a necessidade de as-
ser neutro para trabalhar a relação trans- sociar medicamento ao tratamento e ex-
ferencial. A transferência só é trabalhada plica-se ao paciente o que é a depressão,
quando os sentimentos do paciente em re- quais são as opções de tratamento e quais
lação ao terapeuta estiverem interferindo são as expectativas de resposta.
negativamente no processo de tratamen- Uma vez concluída a avaliação, faz-
to. 1 Nesses casos, a estratégia é relacionar -se uma formulação interpessoal para o
a reação do paciente com o terapeuta às caso, ligando a síndrome depressiva às di-
suas relações interpessoais, utilizando a ficuldades interpessoais do paciente. Defi-
relação e os sentimentos com o terapeuta ne-se, dessa forma, uma das quatro áreas-
como um mero exemplo do padrão de res- -problema a ser trabalhada: l, 3
postas do paciente.
1. luto, definido quando a depressão es-
tá ligada à perda por morte de uma
FASES DA TERAPIA pessoa importante
2. disputas interpessoais, quando o que
Sessões iniciais predomina são brigas e discordâncias
com pessoas significativas, em fun-
Nas três primeiras sessões, faz-se a avalia- ção de expectativas diferentes a res-
ção diagnóstica, colhe-se a história psiqui- peito da relação
átrica e o inventário interpessoal e faz-se 3. transição de papéis, quando o pa-
o contrato de tratamento. ciente está passando por alguma mu-
O inventário interpessoal é uma re- dança na vida, por exemplo, novo
visão das relações atuais do paciente, de emprego, divórcio, mudança decida-
seus padrões de funcionamento, suas ex- de, aposentadoria, doença clínica
pectativas mútuas, seus aspectos satisfa- 4. déficit interpessoal, quando não há
tórios e insatisfatórios, seus padrões de nenhuma das outras áreas-problema,
comportamento verbal e não verbal. Mu- e sim uma escassez de vínculos, soli-
danças nas relações próximas são elucida- dão, isolamento social e tédio
das, como, por exemplo, perda de um en-
te querido, filhos saindo de casa, conflitos A área-problema a ser trabalhada é
conjugais ou em outras relações. O inven- definida de maneira consensual com o pa-
tário interpessoal define o contexto em ciente. 3
que a depressão está acontecendo e é a
base para a determinação do foco do tra-
tamento.1,3 Sessões intermediárias
Outra tarefa importante dessa fase
do tratamento é a atribuição do ''papel de O conteúdo dessas sessões dependerá de
doente'' ao paciente, que significa explicar qual área problema foi definida como foco.
a ele que é portador de um transtorno re- No caso do luto, o terapeuta facili-
conhecido, com indicação de tratamento, ta o trabalho de luto, ajudando o pacien-
e que, enquanto estiver doente, estará li- te a tolerar seus sentimentos dolorosos.
mitado para realizar suas tarefas e papéis A aceitação desses sentimentos ajuda a
habituais. 1 O objetivo dessa atribuição é o abrandá-los. É importante reconhecer, fa-
Ouevedo & Silva (orgs.)

lar abertamente e explorar todos os senti- penosa. Mesmo mudanças positivas po-
mentos que o paciente tenha em relação dem ser dolorosas para algumas pessoas.
à pessoa falecida, o que é fundamental, Uma promoção no trabalho, por exemplo,
quando há sentimentos ambivalentes. , E pode carregar consigo a dificuldade em li-
muito importante per1nitir a catarse. E co- dar com o aumento da responsabilidade
mum que o paciente se sinta culpado caso e com a independência. O paciente é aju-
venha a melhorar, encarando a melhora dado a lidar com a mudança, identifican-
como uma traição. Gradualmente o tera- do seus aspectos positivos e encontrando
peuta ajuda o paciente a encontrar novas formas de lidar com os negativos. Deve-se
' trabalhar a dor pela perda do antigo pa-
atividades e novas relações. A medida que
a terapia progride, é comum que o tema pel, as expectativas do paciente em rela-
das sessões migre de discussões relativas ção a ele e o quanto se sente capaz de cor-
à pessoa perdida para os esforços para es- responder a essas expectativas.
tabelecer novos vínculos. Nas sessões pos- No caso do déficit interpessoal, o ob-
teriores, o paciente progressivamente pas- jetivo é reduzir o isolamento social e en-
sa a falar da pessoa perdida de maneira corajar a formação de novas relações. Pa-
menos carregada emocionalmente. ra tanto, é importante revisar as relações
No caso da disputa interpessoal, o prévias, explorar padrões de relaciona-
terapeuta ajuda o paciente a explorar a mento repetitivo, relacionar sintomas de-
relação, a natureza da disputa, identifi- pressivos ao isolamento social, investigar
, . . .
cando alternativas para resolvê-la. Nesses possiveis sentimentos negativos para com
casos, o paciente e a pessoa envolvida têm o terapeuta e procurar paralelos com ou-
expectativas diferentes acerca da relação tras relações. Os pacientes com déficit in-
e não existe comunicação clara a respei- terpessoal podem ter resultados mais po-
to dessas expectativas. As relações se en- bres do que aqueles identificados nas ou-
quadram em um dos seguintes estágios: 3 tras áreas-problema.
renegociação, quando ambas as partes es-
tão discutindo suas diferenças; impasse,
quando a discussão entre ambas as par- Sessões finais
tes cessou e existem emoções guardadas
e ressentimentos; dissolução, quando a Na fase final, o terapeuta ajuda o pacien-
relação se encaminha para o fim em ra- te a reconhecer seus progressos de mo-
zão da não solução dos conflitos. Na re- do a consolidá-los, fortalecendo seu sen-
negociação, o terapeuta ajuda o pacien- so de independência e de competência.
te a encontrar novas formas de comuni- Além disso, ajuda a desenvolver a capa-
cação, de modo a encontrar uma solução cidade de identificar e lidar com sintomas,
para o problema. No impasse, o terapeu- depressivos que por ventura surgirem. E
ta o ajuda a expor os conflitos para pos- importante conversar sobre os sentimen-
teriormente auxiliar em sua solução. Na tos em relação ao final da terapia. Avalia-
dissolução, o terapeuta ajuda o pacien- -se a necessidade de TIP de manutenção.
te a enfrentar o término da relação; nes- Caso o paciente não tenha respondido à
se caso, o foco da TIP pode mudar para terapia, discutem-se outras opções de tra-
transição de papéis. tamento, por exemplo, troca ou início de
No caso da mudança de papel, o ob- medicação, outra modalidade de terapia.
jetivo do tratamento é entender o que es- Nesse caso, é importante deixar claro que
sa mudança significa para o paciente, de o paciente não é responsável pela não me-
modo a compreender por que está sendo lhora, atribuindo-a a falha do método.
Depressão

PSICOTERAPIA INTERPESSOAL jo da depressão. Ao longo dos anos, ela


-
DE MANUTENÇAO foi estudada também para outros trans-
. ., .
tornos ps1qu1atr1cos, como os transtornos
A TIP foi criada para o manejo agudo da de ansiedade, 4 transtorno da personalida-
depressão. Sabe-se, entretanto, que muitos de borderline, 5 transtorno bipolar, 6 entre
pacientes têm uma recaída ou recorrên- outros; a revisão desses estudos, entretan-
cias ao longo da vida. Pacientes com múlti- to, não é o objetivo deste capítulo.
plos episódios ou aqueles que seguem com Metanálises recentemente publica-
sintomas residuais são candidatos a algu- das confir111am o papel da TIP no mane-
ma terapia profilática. A terapia profilática jo da depressão. Em 2011, Cuijpers eco-
mais estudada é a medicação, mas já exis- laboradores7 publicaram uma metanálise
tem evidências comprovando que tanto a avaliando os estudos da TIP como trata-
TIP quanto a terapia cognitivo-comporta- mento de depressão. Os autores partiram
mental (TCC) são eficazes na prevenção de de 10.487 estudos e chegaram a 38 que
recaídas em pacientes com depressão. 3 foram incluídos na revisão, totalizando
A TIP de manutenção segue o mes- 4.356 pacientes. Os critérios de inclusão
mo enfoque da fase aguda, abordando os eram: ensaio clínico randomizado, con-
conflitos interpessoais do paciente. Nessa trolado, com pacientes adultos ou ado-
fase, o objetivo é minimizar sintomas re- lescentes com depressão unipolar ou ní-
siduais e tratar sintomas e conflitos que vel elevado de sintoma depressivo. Foram
surgirem. Como paciente e terapeuta já excluídos estudos que usavam aconselha-
estavam trabalhando juntos na fase agu- mento interpessoal como intervenção. Os
da, os temas de tratamento geralmente estudos foram divididos em quatro gru-
continuam os mesmos. Em outros casos, pos: comparação com tratamento usu-
com o acompanhamento a longo prazo, al ou nenhum tratamento, comparação
surgem novos conflitos e novas áreas-pro- com outras psicoterapias, comparação
blema a serem trabalhados. com farmacoterapia e comparação de tra-
Quanto à frequência, pode variar de tamento combinado (TIP associada a me-
semanal por seis meses ou mensal por pe- dicamento versus medicamento isolado).
ríodos tão longos quanto três anos. Fre- Quando comparada a nenhum tratamen-
quências intermediárias, como a cada 2 ou to ou ao tratamento usual, a TIP foi supe-
3 semanas, também são possíveis. 3 Mesmo rior, demonstrando um tamanho de efeito
assim, combina-se com o paciente de an- (d de Cohen) de 0,52. A comparação en-
temão quanto tempo a terapia deve durar. tre a TIP e outras psicoterapias não mos-
A proposta do tratamento de ma- trou diferença estatisticamente significa-
- , .
nutençao e importante, uma vez que e
,
tiva. Quando comparada à farmacotera-
comum que o paciente se sinta insegu- pia, mostrou resultado inferior. A análise
ro após um episódio depressivo, mesmo dos estudos que compararam farmacotera-
após ter entrado em remissão. A TIP de pia com tratamento combinado (farmaco-
manutenção acompanha o paciente até terapia associada à TIP) não mostrou dife-
que ele recupere a autoconfiança e tenha rença estatisticamente significativa, embo-
a sua melhora bem consolidada. 3 ra tenha havido tendência à superioridade
da combinação, com tamanho de efeito (d
de Cohen) de 0,16. Como tratamento de
EVIDÊNCIAS DE EFICÁCIA
manutenção, a combinação de TIP e far-
Existem inúmeros estudos na literatura macoterapia foi superior à farmacoterapia
comprovando a eficácia da TIP no mane- sozinha na prevenção de recaída.
Ouevedo & Silva (orgs.)

Em outra metanálise publicada em um manual que orientava a condução do


2009, Cuijpers e colaboradores 8 incluí- manejo clínico, de modo a não contaminar
ram 25 ensaios randomizados, totalizan- essa modalidade de tratamento com as psi-
do 2.036 pacientes. A metanálise mostrou coterapias. Como resultado, os autores en-
que a adição de psicoterapia (TIP, TCC e contraram que todos os tratamentos trou-
outros tratamentos psicológicos) à far1na- xeram melhora aos pacientes, sendo que
coterapia é superior à farmacoterapia so- o mais eficaz foi a imipramina associada
zinha, com tamanho de efeito pequeno ed a manejo clínico e o menos eficaz foi o pla-
de Cohen = 0,31), mas significativo. O cebo associado a manejo clínico. Os grupos
grupo de pacientes que recebeu TIP teve que receberam as psicoterapias ficaram em
menor perda de seguimento. A metanáli- posição intermediária, mais próximos, em
se também concluiu que os pacientes dis- ter1nos de eficácia, da medicação. Quando
tímicos se beneficiam menos do tratamen- os dados foram avaliados levando em con-
to combinado do que pacientes com epi- ta a gravidade da doença, a TIP mostrou-
sódio depressivo maior. -se superior em relação à TCC nos pacien-
Em 2010, foi publicada uma meta- tes mais graves.
nálise a respeito do papel da psicoterapia Em 2007, Luty e colaboradores11
(TIP, TCC e outros tratamentos psicológi- conduziram um ensaio clínico randomiza-
cos) no tratamento da depressão crônica e do que comparou TIP e TCC em 177 pa-
da distimia. Cuijpers e colaboradores9 in- cientes com depressão. Os autores encon-
cluíram 16 ensaios clínicos randomizados traram que ambas as terapias são igual-
. . ,
e encontraram que a ps1coterap1a e supe- mente efetivas para o tratamento da
rior à condição controle, com tamanho depressão, alcançando, em média, 550/o
de efeito de 0,23 (d de Cohen), e infe- de melhora nos sintomas depressivos. Ao
rior à medicação eespecialmente inibido- avaliar o subgrupo de pacientes mais gra-
res seletivos da recaptação de serotonina ves, os autores encontraram superiorida-
[ISRSs]), efeito atribuído aos pacientes de da TCC em um dos desfechos secundá-
com distimia. O tratamento combina- rios (porcentagem de melhora pela Escala
do foi superior à farmacoterapia sozinha, Hamilton de Depressão), não houve dife-
com tamanho de efeito de 0,23 (d de Co- rença nos demais desfechos. Esse achado
hen). Os autores encontraram evidências contraria os resultados encontrados por
de que, nessa população, pode ser neces- Elkin e colaboradores.
sário um mínimo de 18 sessões de psico- Quanto a dados brasileiros, em 2001,
terapia. Mello e colaboradores 12 conduziram um
Quanto aos estudos originais que tes- ensaio clínico randomizado que compa-
taram a eficácia da TIP, em 1989, Elkin e rava duas estratégias de tratamento em
colaboradores publicaram um estudo mui- 30 pacientes deprimidos: TIP associada a
to importante conduzido pelo National moclobemida e moclobemida associada a
Institute of Mental Health (NIMH), o De- manejo clínico. Ambas as estratégias fo-
pression Collaborative Research Program ram igualmente eficazes, com tendência
(DCRP) .10 Tratava-se de um ensaio clínico de superioridade da estratégia que incluía
randomizado com 250 pacientes com epi- a TIP. Os autores discutem que o número
sódio depressivo maior que foram aloca- limitado da amostra pode ter contribuído
dos em quatro grupos de tratamento: TIP, para não se ter encontrado diferença de
TCC, imipramina associada a manejo clí- eficácia entre os grupos.
nico e placebo associado a manejo clínico. Um estudo publicado em 2010, por
Para a execução desse estudo, foi criado Murray e colaboradores, 13 mostrou que o
Depressão

tratamento combinado de medicação, TIP medicamentos. Um estudo publicado no


em grupo e terapia ocupacional foi supe- Joumal of the American Medical Associa-
rior ao tratamento apenas com medica- tion (JAMA), em 1999,16 comparou qua-
ção em pacientes com depressão resisten- tro estratégias de tratamento de manu-
te, demonstrando a importância de estra- tenção em idosos: nortriptilina mais ma-
tégias mais complexas no tratamento da nejo clínico mensal, placebo mais manejo
depressão crônica, bem como o papel da clínico mensal, TIP mensal mais placebo e
TIP no tratamento adjuvante. TIP mensal mais nortriptilina. A estraté-
Em relação ao tratamento de manu- gia superior foi a associação de nortriptili-
tenção, Frank e colaboradores14 conduzi- na à TIP, seguida de nortriptilina e manejo
ram um estudo que testou diferentes fre- clínico mensal, seguida de TIP e placebo
quências de TIP de manutenção em 233 e, por último, placebo mais manejo clíni-
mulheres com transtorno depressivo re- co mensal. O mesmo grupo conduziu um
corrente. As pacientes recebiam TIP se- ensaio clínico para estudar o tratamento
manal (associada ou não a medicação) de manutenção em idosos com depressão
até a remissão, para então serem rando- que tinham respondido a paroxetina. 17
mizadas para uma destas três estratégias: As quatro estratégias, combinadas duas
TIP semanal, TIP quinzenal ou TIP men- a duas, eram: TIP mensal/manejo clínico
sal por dois anos. Os resultados do estudo e paroxetina/placebo. Apenas a paroxeti-
mostraram que, quando a TIP é efetiva co- na mostrou-se eficaz na prevenção de re-
mo única estratégia de tratamento na fase caída entre essas estratégias. Os autores
aguda, é também efetiva como tratamen- argumentam que uma das possibilidades
to agudo de manutenção - não havendo para não ter sido encontrada eficácia nes-
diferença entre as frequências semanal, sa população foi o fato de ela ser em mé-
quinzenal e mensal. Por sua vez, nos ca- dia 1O anos mais velha do que a do estudo
sos em que foi necessária a medicação na prévio que mostrou resultados positivos e
fase aguda, a TIP em monoterapia não foi apresentar mais comorbidades clínicas e
eficaz como estratégia de manutenção. dano cognitivo. A respeito da área-proble-
A TIP foi muito estudada em popula- ma, um estudo publicado em 2003, 18 que
ções especiais, tais como em idosos. Nes- avaliou 124 idosos em TIP mensal de ma-
sa população, os resultados são conflitan- nutenção versus manejo clínico usual, mos-
tes, com alguns achados positivos e outros trou que apenas o subgrupo tratado para
negativos. Reynolds 3rd e colaborado- disputa interpessoal teve resposta supe-
res15 conduziram um estudo com 124 ido- rior ao grupo que recebeu manejo clíni-
sos em episódio depressivo com resposta co. Diferença essa que não foi encontrada
parcial a escitalopram. Os pacientes eram quando foram avaliados os subgrupos tra-
alocados para uma de duas condições: es- tados para luto ou transição de papéis. Es-
citalopram associado a TIP e a manejo clí- se estudo traz à tona a discussão da área-
nico ou escitalopram associado a manejo -problema com maior chance de resposta
clínico. Ambos os grupos tiveram resulta- nessa faixa etária.
dos semelhantes, demonstrando não ha- Existem evidências da eficácia da
ver benefício da adição da TIP nessa popu- TIP em pacientes internados. Em 2007, 19
lação. Os autores reforçam que o manejo Schramm e colaboradores publicaram um
clínico é uma intervenção ativa que pro- estudo sobre essa população que mostrou
vê apoio, psicoeducação, reforço de ade- que a TIP associada a medicação foi supe-
são à medicação e manejo comportamen- rior à medicação associada a manejo clí-
tal, não se restringindo à prescrição de nico em 124 pacientes. Os dados de supe-
Ouevedo & Silva (orgs.)

rioridade se confirmaram no seguimento rapy and single pharmacotherapy. Can J Psychia-


try. 2010;55(2):74-81.
dos pacientes.
6 . Frank E, Soreca I, Swartz HA, Fagiolini
AM, Mallinger AG, Thase ME, et al. The role of in-
-
CONCLUSAO
terpersonal and social rhythm therapy in impro-
ving occupational functioning in patients with bi-
polar I disorder. Am J Psychiatry. 2008;165(12):
1559-65.
A TIP é uma terapia breve, manualizada e
amplamente testada para depressão. De- 7. Cuijpers P, Geraedts AS, van Oppen P, Anders-
son G, Markowitz JC, van Straten A. Interperso-
pois da TCC, é a técnica que mais possui nal psychotherapy for depression: a meta-analy-
estudos em depressão. Trata-se de uma sis. Am J Psychiatry. 2011;168(6):581-92.
importante ferramenta que pode ser usa- 8. Cuijpers P, Dekker J, Hollon SD, Andersson G.
da como estratégia única ou combinada. Adding psychotherapy to pharmacotherapy in the
treatment of depressive disorders in adults: a me-
Seu modelo teórico auxilia no entendi-
ta-analysis. J Clin Psychiatry. 2009; 70(9):1219-
mento e no planejamento do tratamento 29.
do paciente deprimido, entendendo a de- 9. Cuijpers P, van Straten A, Schuurmans J, van
pressão como um fenômeno multideter- Oppen P, Hollon SD, Andersson G. Psychotherapy
minado e passível de agregar diferentes for chronic major depression and dysthymia: a me-
ta-analysis. Clin Psychol Rev. 2010;30(1):51-62.
estratégias de tratamento (medicamento-
sa e outras) de forma sinérgica. 10. Elkin I, Shea Mf, Watkins JT, Imber SD, Sotsky SM,
Collins JF, et al. National Institute of Mental Heal-
Mais estudos são necessários pa- th Treatment of Depression Collaborative Research
ra definir quais as características clíni- Program. General effectiveness of treatments. Ar-
cas, psicológicas e cognitivas dos pacien- ch Gen Psychiatry. 1989;46(11) :971-82.
tes que respondem melhor à TIP. Essas in- 11. Luty SE, Carter JD, McKenzie JM, Rae AM,
Frampton CMA, Mulder RT, et al. Randomised
for1nações ajudariam a refinar o critério controlled trial of interpersonal psychotherapy
de indicação da TIP de modo a otimizar o and cognitive-behavioural therapy for depres-
tratamento dos pacientes com depressão. sion. Br J Psychiatry. 2007; 190:496-502.
12. Mello MF, Myczcowisk LM, Menezes PR. A ran-
domized controlled trial comparing moclobemi-
de and moclobemide plus interpersonal psycho-
REFERÊNCIAS therapy in the treatment of dysthymic disorder.
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Comprehensive guide to interpersonal psycho- 13. Murray G, Michalak EE, Axler A, Yaxley D,
Hayashi B, Westrin A, et al. Relief of Chronic or
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2. Schestatsky S, Fleck M. Psicoterapia das depres- randomized, open-treatment trial of an integra-
sões. Rev Bras Psiquiatria. 1999;21(supl):SI41- tive program intervention for chronic depres-
-SI47. sion. J Affect Disord. 2010;123(1-3):243-8.
3. Weissmann MM, Markowitz JC, Klerman GL. 14. Frank E, Kupfer DJ, Buysse DJ, Swartz HA, Pi-
Psicoterapia interpessoal: guia prático do tera- lkonis PA, Houck PR, et al. Randomized trial
peuta. Porto Alegre: Artmed; 2009. of weekly, twice-monthly, and monthly inter-
4 . Stangier U, Schramm E, Heidenreich T, Berger personal psychotherapy as maintenance treat-
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randomized controlled trial. Arch Gen Psychia- 15. Reynolds CF 3rd, Dew MA, Martire LM, Miller
try. 2011;68(7):692-700. MD, Cyranowski JM, Lenze E, et al. Treating de-
5. Bellino S, Rinaldi C, Bogetto. Adaptation of in- pression to remission in older adults: a control-
terpersonal psychotherapy to borderline perso- led evaluation of combined escitalopram with
nality disorder: a comparison of combined the- interpersonal psychotherapy versus escitalopram
Depressão

with depression care management. Int J Geriatr 18. Miller MD, Frank E, Cornes C, Houck PR, Rey-
Psychiatry. 2010;25(11) :1134-41. nolds CF 3rd. The value of maintenance inter-
16. Reynolds CF 3rd, Frank E, Perel JM, Imber personal psychotherapy (IPD in older adults
SD, Comes C, Miller MD, et al. Nortriptyline and with different IPT foci. Am J Geriatr Psychia-
interpersonal psychotherapy as maintenance the- try. 2003;11(1):97-102.
rapies for recurrent major depression: a randomi- 19. Schramm E, van Calker D, Dykierek P, Lieb
zed controlled trial in patients older than 59 ye- K, Kech S, Zobel I, et al. An intensive treatment
ars. JAMA. 1999;281(1):39-45. program of interpersonal psychotherapy plus
17. Reynolds CF 3rd, Dew MA, Pollock BG, Mulsant pharmacotherapy for depressed inpatients: acu-
BH, Frank E, Miller MD, et al. Maintenance tre- te and long-term results. Am J Psychiatry. 2007;
atment of major depression in old age. N Engl J 164(5) :768-77.
Med. 2006;354(1l):1130-8.
Antônio Geraldo da Silva
Fernando Portela Câmara

PSICOEDUCAÇÃO EPRÁTICA MÉDICA ração do paciente e de seus familiares ou


responsáveis, se for o caso. De nada vale
A medicina atual se alicerça na relação mé- a ação médica se o paciente não está con-
dico-paciente, uma relação interpessoal vencido de sua eficácia. Os médicos anti-
entre duas pessoas eou mais, quando se gos costumavam dizer que "um terço da
inclui familiares ou responsáveis), em que cura depende do médico, um terço, do re-
o valor da pessoa, o respeito e a qualida- médio, e o outro terço, do paciente''.
de de vida são elementos essenciais. A ta- O papel do médico no sucesso do
refa do médico não se restringe apenas ao trata.m enta é importante demais para ser
diagnóstico, ao tratamento e à profilaxia, considerado apenas uma questão técni-
mas também ao respeito à ética social, à ca. Pierre-Jean-Georges Cabanis (1757-
cultura e às características pessoais do seu -1808), o filósofo e fisiologista que mui-
paciente. A atitude do médico não é mais to influenciou Schopenhauer e Freud, e
. .. ., . que considerava o cérebro o lugar onde
1mpos1t1va ou autontana, como no passa-
do, mas colaboradora e educativa, procu- a "alma e o corpo se unem'', 1 ilustrou em
rando obter a cooperação do paciente e a um de seus livros algumas anedotas so-
colaboração dos seus. bre como médicos estimulavam a cura de
De nada vale a prática médica se o seus pacientes intervindo em suas psiques
paciente não confia em seu médico ou (que, então, era frequentemente referida
não
, aceita as diretrizes de seu tratamento. como ''imaginação''). Esse assunto, aliás,
E preciso fazer o paciente confiar na pala- já era bem conhecido desde Hipócrates, e
vra e nos procedimentos, o que se conse- foi a principal razão pela qual o misterio-
gue por meio do esclarecimento, adaptan- so fluido magnético de Mesmer foi nega-
do as palavras e imagens à cultura dopa- do como realidade física, da mesma for-
ciente. O médico inicia dizendo o que o ma que as ''curas'' pelo magnetismo ani-
paciente tem, a razão de seus sintomas, mal foram consideradas uma manobra da
o que poderá acontecer se ele não procu- imaginação. 2 Platão ensinava que o pa-
rar o tratamento adequado e, em seguida, pel da psique no tratamento de qualquer
propõe o tratamento e faz as observações doença completava o tratamento médico,
necessárias para tornar a terapia eficaz. uma tradição que continua até os dias de
Com isso, está procurando obter a coope- hoje. Por exemplo, Salcedo e Vaz Leal3 de-
Ouevedo & Silva (orgs.)

finem a atitude psicoterapêutica do médi- lo paciente, exceto em situações emergen-


co como uma droga poderosa, quando ele ciais. Isso é tarefa não apenas do médico,
consegue ir além do biológico na necessi- como também da equipe que participa da
• Ã • •

dade de entrar em contato com o pacien- assistencia ao paciente.


te, permitindo que viva com menos dor
e temor. Nihil novum sub solem (Nada de
novo sob o sol).
-
ADESAO AO TRATAMENTO
A psiquiatria lida com transtornos
mentais e do comportamento para os quais A adesão ao tratamento deve ser vista co-
a simples psicoterapia na maioria das ve- mo uma ''aliança terapêutica'' entre médi-
zes não é suficiente. Sabe-se, hoje, que tais co e paciente. Se o médico for bem-suce-
transtornos têm uma base biológica e só dido na abordagem de seu paciente, este
respondem de maneira eficaz à farmaco- tomará a decisão de levar adiante seu tra-
terapia. Muitos pacientes, além de nega- tamento voluntariamente. Desse modo,
. , .
rem sua doença mental, temem, com jus- o paciente e a parte ativa no tratamento,
ta razão, usar medicamentos considera- e a ele cabe a decisão de seguir adiante
dos ''perigosos'' pela imaginação popular. com base nas informações obtidas. Tam-
Compreende-se aqui a delicada e decisi- bém cabe a ele a decisão de procurar uma
va tarefa do psiquiatra em educar seu pa- segunda opinião, caso ainda se sinta inse-
ciente sobre o tratamento e obter sua ade- guro, e o próprio médico pode oferecer-
-
sao para o mesmo. -lhe essa possibilidade.
A relação médico-paciente é, então, A adesão ao tratamento é um dos
vista como o ponto central e decisório pa- grandes desafios da clínica psiquiátrica.
ra uma boa resolubilidade no tratamento. Por exemplo, Blackwell5 e Van Putten6 en-
Isso se toma mais premente nos dias atu- contraram que de 12 a 250/o dos pacientes
ais, com a complexidade da far1nacotera- hospitalizados não apresentavam boa ade-
pia, que exige do psiquiatra conhecimen- são terapêutica, e essa porcentagem subia
tos especializados em psicofarmacolo- para SOO/o nos ambulatórios. Kelly e Scott7
gia, e os custos da atividade médica, que verificaram que de 35 a 650/o dos pacientes
exige, cada vez mais, menor tempo para ambulatoriais com esquizofrenia ou outras
mostrar eficácia. A psicoeducação torna- psicoses cronicas nao seguiam as prescri-
• A • - • •

-se, portanto, um instrumento valioso na ções médicas. As estatísticas sobre o aban-


relação entre o médico e seu paciente. dono de tratamento de forma geral, in-
Compreende-se que a psicoeducação cluindo o diagnóstico de depressão, s- 12 são
do paciente e seus familiares é parte, inte- alarmantes, e na década de 1990 chegou
grante e necessária ao tratamento. E pre- a um prejuízo de US$ 100 milhões nos Es-
ciso instruir o paciente sobre a realida- tados Unidos. 12 Simon e colaboradores13
de de sua doença e sobre os tratamentos mostraram que aproximadamente um ter-
disponíveis, por que eles são necessários, ço dos pacientes deprimidos interrompiam
bem como sobre a possibilidade de efei- a medicação no primeiro mês de tratamen-
tos colaterais e como manejá-los. Sobre- to, e que somente dois quintos seguiam
tudo, é importante eliminar as crenças de corretamente o tratamento prescrito (in-
que a depressão decorre de uma fraque- cluindo dosagem e tempo de tratamento).
za da vontade ou de um defeito moral. 4 Sabe-se que a depressão afeta a ade-
Uma terapia não deve ser iniciada até que são aos tratamentos de outras patologias
os objetivos e a necessidade de adesão ao e, em função da alta comorbidade desse
tratamento sejam entendidos e aceitos pe- transtorno com outros quadros clínicos,
Depressão

pode-se inferir as consequências da gra- naere e colaboradores 14 encontraram as


vidade de um tratamento antidepressivo seguintes causas de abandono de trata-
inadequado ou da interrupção do trata- mento, em ordem decrescente:
mento no curso de uma patologia grave.
Portanto, a não adesão afeta o rendimen- • Por se sentir melhor (55%)
to terapêutico dos pacientes tanto pela • Por efeitos adversos (230/o)
piora do quadro psiquiátrico em si quan- • Por temer dependência (10%)
to pelo não cumprimento de tratamentos • Por sensação de desconforto (100/o)
específicos, como nas neuropatias, cardio- • Por não melhorar (100/o)
patias, endocrinopatias, nefropatias e ou- • Por fatores culturais (''tenho que me
tros quadros crônicos em geral. curar sozinho'') ou religiosos (9%)
Para estimular a adesão ao trata-
mento, é importante: 4 Outras causas podem ser dificulda-
de de acesso a serviços de atendimento,
1. Enfatizar para o paciente e seus fami- longo tempo entre a marcação da con-
liares o tempo durante o qual a medi- sulta e o atendimento, não participação
cação deverá ser usada e quantas ve- da família, excesso de medicamentos e
zes por dia deve ser tomada. medicamentos caros, falta de suporte so-
2. O paciente deverá esperar 2 a 4 se- cial, etc. De modo geral, quando existem
manas antes de os efeitos benéficos problemas na comunicação, a adesão di-
serem notados. minui, e por isso deve haver comunica-
3. Ressaltar a necessidade de continuar ção aberta entre o paciente e seu médico,
usando a medicação mesmo que se juntamente com uma atenta supervisão
sinta melhor e com disposição. do paciente e um sentimento de satisfa-
4. Deve-se minimizar os custos e a -
çao no que tange as . que tem
' expectativas

quantidade de medicamentos, parti- o médico.


cularmente para os pacientes idosos. A maioria dos pacientes com depres-
são requer um tratamento antidepressivo
O transtorno depressivo é uma con- a longo prazo ou até durante a vida to-
dição crônica que requer a participação da. Esclarecer o paciente sobre essa ne-
ativa do paciente em seu tratamento, cessidade e otimizar a eficácia da tera-
bem como que ele siga o plano terapêu- pia procurando, ao mesmo tempo, mini-
tico por longo período. A principal causa mizar os efeitos colaterais é essencial em
de não adesão deve ser imputada à pró- qualquer fase do tratamento. Efeitos co-
pria doença, pois o transtorno depressivo laterais como insônia ou sonolência, ga-
maior inclui, em sua manifestação, baixa nho de peso, astenia e disfunção sexual
motivação, pessimismo em relação à efi- frequentemente diminuem a adesão do
cácia do tratamento, diminuição da cog- paciente ao tratamento. Identificar e ge-
nição (atenção ou memória), desleixo no renciar esses efeitos colaterais, educando
cuidar de si e possíveis danos emocionais o paciente acerca do seu tratamento e da
autoinfligidos. 4 Além disso, o tratamento importância da manutenção para a remis-
requer tolerância a possíveis efeitos cola- são dos sintomas, auxilia na adesão e re-
terais, o que exige do paciente uma boa duz o potencial de abandono precoce do
dose de motivação e compreensão do tra- antidepressivo. 15
tamento. 4 Por fim, é sempre bom ter em men-
Há outros fatores que concorrem pa- te as sérias consequências das recaídas da
ra a não adesão. Em um estudo, Demytte- depressão, uma doença que, por seu cur-
Ouevedo & Silva (orgs.)

soe duração, tem características de croni- • Forneça ao paciente uma forma de


cidade. As principais dificuldades ocasio- contato imediato no caso de dúvidas
nadas pelas recaídas são: importantes e situações emergenciais
(celular, bipe, etc.), para contato 24
1. Dificuldade para recuperar o nível horas.
anterior de funcionamento • Procure conhecer o paciente, estabe-
2. Perda da autoestima, prejuízo social lecer uma relação de confiança, e em-
e vocacional pregue métodos educativos de acordo
3. Maior dispêndio de recursos financeiros com o perfil do paciente (vídeo, ma-
4. Maior ônus para familiares e cuida- nuais, etc.), no início do tratamento
dores ou a qualquer momento, quando sur-
5. Recuperação mais lenta e incompleta girem dúvidas.
6. Internações mais frequentes • Envolva a família, pelo menos um com-
7. Possibilidade de a doença tornar-se ponente, no tratamento.
mais resistente ao tratamento • Esclareça o paciente o máximo possí-
8. Risco aumentado de danos autoinfli- vel sobre o transtorno e seu tratamen-
gidos e abandono do lar to, utilize a linguagem dele.
9. Alto risco de tentativas de suicídio • Oriente sobre efeitos adversos dos an-
10. Impacto negativo nas relações fami- tidepressivos e os corrija sempre que
liares e sociais possível.
11. Impacto negativo no desempenho • Encoraje o paciente a escrever suas dú-
profissional vidas antes de cada visita médica.
12. Aumento da utilização dos sistemas • Reveja brevemente cada preocupação.
de saúde • Pergunte ao paciente o que ele acha
que causou seus problemas.
A aliança terapêutica entre paciente • Sempre que possível, prescreva o trata-
e psiquiatra ,é, assim, o ponto crítico do mento de acordo com as preferências
tratamento. E preciso que o psiquiatra es- do paciente.
teja atento às preocupações do paciente e • Explique o propósito, a dosagem, os
de seus familiares, bem como às suas ex- efeitos colaterais comuns e as inconve-
pectativas e desejos de cura. niências e como julgar a eficácia de ca-
da tratamento, incluindo sua duração.
• Verifique se o paciente compreendeu a
OBSERVAÇÕES ÚTEIS
, explicação.
PARA A BOA PRATICA • Antecipe situações de má adesão e dis-
cuta a maneira de lidar com os proble-
Em virtude do que foi dito anteriormen- mas comuns.
te e do que a experiência médica ensina, • Escreva o diagnóstico e o tratamento
a boa prática fundamenta-se em algumas para ajudar o paciente a lembrar.
rotinas simples que são intuitivamente se- • Forneça, sempre que possível, material
guidas por muitos médicos e que o profis- escrito e audiovisual.
sional novato pode facilmente sistemati- • Reforce a confiança do paciente na sua
zar em sua clínica. Algumas recomenda- . -
prescr1çao.
ções que podem ser úteis são: • Forneça orientação dietética, sempre
que possível, por exemplo, em relação
• Aumente o número de consultas nas ao uso e abuso do álcool, nicotina, ca-
primeiras semanas de tratamento.
Depressão

feína, medicamentos sem prescriçao,. - sejam urgentes para o momento, princi-


etc. palmente quando o paciente sinaliza des-
• Oriente sobre possíveis interações me- conforto ou constrangimentos diante des-
dicamentosas. sa possibilidade.
• Oriente sobre o tempo de resposta ao As crenças negativas são muito im-
tratamento. portantes e devem ser investigadas du-
• Monte um planejamento do acompa- rante a entrevista, pois elas são um im-
nhamento com objetivos, tempo de portante fator de não adesão. Motivação
seguimento, dificuldades ao longo do é essencial ao tratamento e, mesmo que
. , . , .
tratamento, custos e benefícios, etc. o paciente se mostre apatico, e importan-
te motivá-lo, mostrando-lhe como a do-
ença pode prejudicar sua vida profissio-
DIFICULDADES NO TRATAMENTO nal, amorosa e seus planos futuros. Essa
etapa, que é crítica na adesão, pode en-
Sempre que um tratamento apresenta di- contrar obstáculo no niilismo da pessoa
ficuldades, é natural que o paciente ou deprimida, mas, se ela sente que o mé-
sua família fiquem ansiosos pelo resulta- dico está genuinamente interessado em
do e pressionem o médico com perguntas, seu bem-estar, pode reagir positivamente.
dúvidas e prazos. Em todos os casos, é im- Outros fatores também integram o siste-
portante analisar a situação do doente co- ma de crenças do paciente e o médico de-
mo um todo, levando em consideração ve estar atento a isso, como, por exemplo,
sua história clínica, características de per- opiniões que colhe em fóruns e listas na
sonalidade, relações com a família, o am- internet, opinião de amigos e colegas so-
biente em que vive, sua cultura, peculia- bre medicamentos, etc.
ridades biológicas e história pregressa de Ainda em relação às crenças do pa-
tratamentos e doenças, para então for111u- ciente, um fator se destaca: o medo de to-
lar uma estratégia de abordagem. Outros mar medicamentos acreditando que isso
elementos importantes devem ser consi- possa trazer dependência química. Hoje,
derados pelo psiquiatra, pois são causas essa é uma crença que se dissemina am-
frequentes de abandono ou de não ade- plamente em fóruns da internet e não é
são ao tratamento. raro que o paciente questione seu médi-
Tratamentos anteriores que não ti- co sobre essa possibilidade. Isso desenco-
veram sucesso podem prejudicar o tra- raja o paciente a iniciar e manter o trata-
, , . ,
tamento atual. E importante obter infor- menta, portanto, e importante que o me-
mação sobre medicamentos anteriormen- dico lhe explique a ação do medicamento
te usados, tempo de uso e de resposta e e o tranquilize.
efeitos colaterais. O médico deve esclare- O tempo de latência dos antidepres-
cer seu paciente e familiares sobre o que sivos é um fator que traz ansiedade ao
devem esperar do medicamento, estimar paciente e a sua família, e pode levar ao
o tempo em que a medicação deve come- abandono precoce do tratamento. Os pa-
çar a agir e alertar para possíveis efeitos cientes sempre pensam que vão melhorar
indesejados, sendo que, para tanto, o pro- no dia seguinte ao início do tratamento,
fissional deve colocar-se à disposição
, para por isso, é importante alertá-los para o fa-
atender às queixas e dúvidas. E importan- to de que os efeitos virão a seu tempo, es-
te também evitar condicionar o tratamen- timando um prazo entre 2 e 4 semanas
to a exames desnecessários ou que não para os efeitos começarem a se fazer sen-
Quevedo & Silva (orgs.)

tir. Isso frequentemente tem bons resulta- -


CONCLUSAO
dos e muda a ansiedade do indivíduo pa-
ra uma expectativa positiva. A experiência e a epidemiologia clínicas
Assim, devem-se evitar prescrições ensinam que educar o paciente com de-
posológicas complexas, pois quanto mais
. -
complicada a prescr1çao, menor sera a
, pressão é fundamental para o tratamen-
to bem-sucedido. Quanto mais o paciente
disposição do paciente em seguir as de- é envolvido no tratamento, de forma que
terminações do médico. Estudos mostra- ele se sinta seguro e ganhe entendimento
ram que a prescrição de um medicamento de seu transtorno, melhor será a adesão
quatro vezes ao dia, por 10 dias, é segui- ao tratamento e seu desfecho.
da por apenas 10 a 200/o dos pacientes. 16 O paciente deve adquirir consciên-
Também ficou demonstrado que 30 a SOO/o cia de sua doença e compreender a razão
dos medicamentos recém-adquiridos são de seu tratamento. Uma conversa franca e
descartados. 16 honesta com o paciente e seus familiares
Outros fatores influem na estrutura- contribui positivamente para uma relação
ção de conflitos em relação ao tratamen- de confiança com o psiquiatra. O pacien-
to, embora em menor proporção. Na re- te sente-se seguro ao discutir abertamen-
alidade brasileira, pode acontecer de a te suas preocupações sobre a doença, o
medicação prescrita estar fora das possi- tratamento e suas consequências, e ao ter
bilidades financeiras do paciente, o mé- suas demandas acolhidas. A ideia é esta-
dico deverá levar isso em conta, especial- belecer um compromisso do paciente com
mente no caso das depressões, em que, seu tratamento, a aliança terapêutica.
muitas vezes o paciente terá de tomar o Não há dúvida de que o suporte psi-
medicamento por muitos anos, talvez por coeducacional é essencial para a adesão
toda a vida. Outro fator é a ausência de ao tratamento e para a minimização das
convívio familiar ou, se o doente vive com recorrências, sendo importante ressal-
a sua família, esta se mostrar não partici- tar que somente uma boa adesão fornece
pativa. É importante mobilizar familiares um caminho permanente para a remissão
e amigos como "parceiros'' no tratamento do quadro clínico, mesmo aqueles mais
e orientá-los, sempre que possível. graves.
Enfim, dificuldades sempre existi-
, . ,
rão, e sera sempre importante que o me-
dico explique aos pacientes que eles não
devem desistir do tratamento, e esteja REFERÊNCIAS
aberto e disposto para discutir, qualquer 1. Besançon S. La philosophie de Cabanis: une ré-
dúvida e detalhes sobre este. E importan- forme de la psychiatrie. Paris: Synthelabo; 1997.
te ter em mente que ao mesmo tempo em 2. Deleuze JPE Histoire critique du magnetisme
que diagnostica e trata o seu paciente, o animal. 2e. ed. Paris: Chez Belin-Leprieur; 1819.
médico também está educando-o em re- 3 . Salcedo MSS, Vaz Leal FJ. Factores psicosociales
lação à doença, aos fatores que o fizeram y observancia de las prescripciones farmacológi-
cas en pacientes deprimidos: una contribución
adoecer e que podem mantê-lo nesse es- clínica. Rev Clín Esp. 1993;192:393-9.
tado, e a como ele deve se tratar e procu- 4. American Association of Psychiatry. Recomen-
rar uma existência saudável e tranquila. dações de tratamento para pacientes com trans-
Depressão

tomo depressivo maior, Parte A. ln: American 11. Delgado PL. Approaches to the enhancement of
Psychiatry Association. Diretrizes para o trata- patient adherence to antidepressant medication
mento dos transtornos psiquiátricos, Porto Ale- treatment. J Clin Psychiatry. 2000;61Suppl2:6-9.
gre: Artmed, 2004. 12. Feldman JA, De Tullio P. Medication noncom-
5. Blackwell B. Treatment adherence. Br J Psychia- pliance: an issue to consider in the drug selection
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th chronic mental disorders. Med Care. 1990; th antidepressants in primary care setting, 1:
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8. Johnson DAW. Depression: treatment compliance Clin Psychiatry. 2001;62 Suppl 22:30-3.
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sion in primary care. Gen Hosp Psychiatry. 1992; 2001.
14(4):237-47.
Bruno Lima
Ricardo Alberto Moreno

INTRODUÇÃO ficando a distimia como um transtorno da


personalidade), tanto o DSM-11 (1968) e
O termo "distimia'' tem origem na Grécia o CID-9 (1978) difundiram o conceito do
Antiga e significa ''mau humor''. Desde a transtorno depressivo maior (TDM) crôni-
época de Hipócrates, já se reconhecia um co como uma neurose de caráter, desvin-
grupo de indivíduos com um quadro de culando-o dos transtornos do humor e li-
"melancolia'': temperamento ou caráter gando-o aos transtornos da personalida-
característico da influência ou intoxicação de. 4 Assim, nas décadas de 1960 e 1970,
da ''bile negra'', que seria um dos quatro o DSM-11 incluiu ''Depressão Neurótica'', e
''humores fundamentais'' .1•2 Assim, tais in- a CID-9, ''Neurose Depressiva", mas am-
divíduos seriam mais letárgicos, preocu- bas englobavam tanto os episódios crôni-
pados e inseguros, com tendência ao mau cos como os não crônicos. 2
humor. Galena estabeleceu a melancolia No final dos anos de 1970 se de-
como uma condição crônica e recorrente, monstrou não haver significância clíni-
que poderia ser uma doença primária do ca no diagnóstico de depressão neuró-
cérebro ou secundária a outras doenças. 3 tica, uma vez que o acompanhamento
Em meados do século XIX, porém, desses pacientes evidenciava os mais va-
Kahlbaum descreveu a distimia nos mol- riados diagnósticos nosológicos, tanto de
des como é descrita hoje: tipo de melan- outras modalidades de transtorno do hu-
colia que se expressa de for1na atenuada mor quanto de outras patologias. Os mui-
(no sentido de uma depressão crônica le- tos diagnósticos encontrados fizeram
ve), diferenciando-se da ciclotimia, em concluir que o diagnóstico de depressão
que haveria flutuações leves entre depres- neurótica não possuía características fe-
são e euforia. Persistia, todavia, a dificul- nomenológicas próprias suficientes para
dade em se diferenciar os quadros de de- constituir uma entidade nosológica distin-
pressão menor dos pacientes com tempe- ta. Isso representou um passo importan-
ramento depressivo. 2•3 te no estabelecimento das bases empíricas
Sob a influência de teorias psicanalí- para as diretrizes diagnósticas da distimia
ticas e das ideias de Kurt Schneider (que em seu sentido atual e foi um marco na
propusera a psicopatia depressiva, classi- história dos transtornos do humor. 2,4
Ouevedo & Silva (orgs.)

O diagnóstico de distimia, assim, foi no bipolar, aumentando a evidência para


oficialmente introduzido na década de um transtorno do humor primário. 6
1980, com o DSM-III. Antes disso, a maio-
ria desses pacientes era classificada como
tendo depressão neurótica. Logo, todas EPIDEMIOLOGIA
as depressões crônicas com mais de dois
anos de evolução passaram a ser defini- A distimia é um transtorno relativamente
das como transtornos distímicos, dentro comum, com uma prevalência durante a
da categoria dos transtornos afetivos. 2 E, vida (com ou sem TDM sobreposto) entre
no DSM-III-R, foram reunidas como trans- 3 e 6%. Há evidência epidemiológica de
tornos afetivos tanto a ciclotimia quanto alta comorbidade em pacientes distími-
a distimia. 5 cos, com mais de 750/o deles preenchendo
O Apêndice B (conjuntos de critérios critério para outros transtornos do Eixo I,
e eixos oferecidos para estudos adicio- particularmente TDM, transtornos de an-
nais) do DSM-N, porém, trouxe ainda um siedade e uso abusivo de álcool ou outras
conceito antigo, identificando um grupo substâncias. 7-9 Quando não é devidamen-
de sujeitos com o diagnóstico de transtor- te tratado, o transtorno distímico tende a
no da personalidade depressiva (TPDP), ter uma evolução ruim, com mais de dois
que são diferentes dos pacientes com dis- terços dos indivíduos permanecendo sin-
timia e classificados como transtorno da tomáticos por uma década ou mais. 10
personalidade sem outra especificação. Tais pacientes vivenciam considerá-
O DSM-IV-TR ratifica o TPDP, entretanto, vel incapacitação e prejuízo no convívio
permanece solidificando a distimia como social, procuram com mais frequência por
um diagnóstico psiquiátrico de Eixo I, e serviços de saúde e usam mais psicotró-
traz como sua característica principal um picos.11-13 Além disso, o caráter cumulati-
humor cronicamente deprimido que ocor- vo e persistente dos sintomas depressivos
re na maior parte do dia, na maioria dos muitas vezes resulta em um funcionamen-
dias, por pelo menos dois anos. 6 to global inferior ao de sujeitos com trans-
Essa condição se diferencia do TDM torno depressivo recorrente. 10
pelo fato de os pacientes distímicos se Em crianças, parece ocorrer igual-
queixarem que desde sempre "estiveram mente em ambos os sexos e com frequên-
deprimidos''. E de fato a maioria dos casos cia compromete o desempenho escolar e
se inicia na infância ou na adolescência, a interação social. As crianças e os ado-
provavelmente antes dos 20 anos, ape- lescentes afetados geralmente se mos-
sar de haver um subtipo de início tardio tram irritáveis e ranzinzas, bem como de-
(adultos de meia-idade e idosos), que é primidos, e podem ter baixa autoestima e
muito menos prevalente e bem menos ca- fracas habilidades sociais, sendo também
racterizado clinicamente. pessimistas. 14 Na idade adulta, as mulhe-
A definição central do transtorno res estão 2 a 3 vezes mais propensas a de-
distímico refere-se a um transtorno de- senvolver distimia do que os homens. 15-17
pressivo subclínico crônico (duração mí- Ela é mais comum em pessoas solteiras e,
nima de dois anos), com início insidioso quando acomete indivíduos casados, es-
(geralmente precoce) e curso persistente ses tendem a apresentar relacionamentos
ou intermitente. Na história familiar des- insatisfatórios. 1ª
ses pacientes, é bastante comum haver Esses pacientes não costumam pro-
parentes biológicos de primeiro grau afe- curar ajuda médica psiquiátrica e supor-
tados com depressão unipolar e transtor- tam por um longo período seus sintomas,
Depressão

geralmente se consultando com médicos nóstico é de transtorno depressivo maior


clínicos, com queixas mal definidas como crônico (se todos os critérios para um epi-
mal-estar, letargia e fadiga. Cerca de SOO/o sódio depressivo maior são satisfeitos), ou
desses pacientes, entretanto, não terão o transtorno depressivo maior em remissão
quadro psiquiátrico reconhecido pelos clí- parcial (se todos os critérios para um epi-
nicos.1,4 sódio depressivo maior não são satisfeitos
atualmente). Após os dois anos iniciais de
transtorno distímico, episódios depressi-
DIRETRIZES DIAGNÓSTICAS: DSM-IV-TR vos maiores podem sobrepor-se ao trans-
torno distímico.
Como mencionado, a característica es- Nesses casos (conhecidos como "du-
sencial do transtorno distímico é um hu- pla depressão''), diagnostica-se tanto TDM
mor cronicamente deprimido que ocor- quanto transtorno distímico. Após o retor-
re na maior parte do dia, na maioria dos no ao nível distímico básico eou seja, não
dias, por pelo menos dois anos (Critério mais são satisfeitos os critérios para epi-
A). Em crianças, o humor pode ser irritá- sódio depressivo maior, mas os sintomas
vel em vez de deprimido, e a duração mí- distímicos persistem), apenas o transtor-
nima exigida é de apenas um ano. no distímico é diagnosticado.
Durante os períodos de humor de- O diagnóstico de distimia não é feito
primido, pelo menos dois dos seguintes se o indivíduo já apresentou um episódio
sintomas adicionais estão presentes: ape- maníaco, um episódio misto ou um episó-
tite diminuído ou hiperfagia, insônia ou dio hipomaníaco, ou se os critérios já fo-
hipersonia, baixa energia ou fadiga, baixa ram satisfeitos para transtorno ciclotími-
autoestima, fraca concentração ou dificul- co (Critério E). Um diagnóstico separado
dade em tomar decisões e sentimentos de de transtorno distímico não é feito se os
desesperança (Critério B). sintomas depressivos ocorrem exclusiva-
Os indivíduos podem notar a pre- mente durante o curso de um transtorno
sença proeminente de baixo interesse e psicótico crônico, tal como esquizofrenia
de autocrítica, frequentemente vendo a ou transtorno delirante (Critério F); nesse
si mesmos como desinteressantes ou in- caso, eles são considerados como caracte-
capazes. Como esses sintomas tomam-se rísticas associadas desses transtornos.
uma parte tao presente na sua exper1en-
- •A
Também não é feito o diagnóstico se
cia cotidiana (p. ex., "nasci assim''), em a perturbação se deve aos efeitos fisioló-
geral não são relatados, a menos que se- gicos diretos de uma substância (p. ex.,
jam diretamente investigados pelo entre- álcool, medicamentos anti-hipertensivos)
vistador. ou de uma condição médica geral (p. ex.,
Durante o período de dois anos (um hipotireoidismo, doença de Alzheimer)
ano para crianças ou adolescentes), qual- (Critério G). Os sintomas devem causar
quer intervalo livre de sintomas não du- sofrimento clinicamente significativo ou
ra mais do que dois meses (Critério C). O prejuízo no funcionamento social, ocupa-
diagnóstico pode ser feito apenas se, no cional (ou acadêmico) ou em outras áre-
período inicial de dois anos de sintomas as importantes da vida do indivíduo (Cri-
distímicos, não houve episódios depressi- tério H).
vos maiores (Critério D). A idade de início e o padrão sinto-
Se os sintomas depressivos crônicos mático característico do transtorno distí-
incluem um episódio depressivo maior mico podem ser indicados pelo uso dos
durante os dois anos iniciais, então o diag- seguintes especificadores:
Ouevedo & Silva (orgs.)

1. Com início precoce: este especificador tos de inadequação, perda generalizada do


deve ser usado se o início dos sintomas interesse ou prazer, isolamento social, sen-
distímicos ocorre antes dos 21 anos de timentos de culpa ou preocupação acerca
idade. Esses indivíduos estão mais pro- do passado, sensações subjetivas de irrita-
pensos a desenvolver episódios depres- bilidade ou raiva excessiva e diminuição
sivos maiores subsequentes. da atividade, efetividade ou produtividade
2. Com início tardio: este especificador (o Apêndice B oferece uma alternativa pa-
deve ser usado se o início dos sinto- ra o Critério B, para uso em pesquisas que
mas distímicos ocorre aos 21 anos ou incluem esses itens).
depois.
3. Com características atípicas: este
especificador deve ser usado se o pa- DSM-IV-TR - critério alternativo de
drão sintomático durante os dois últi- pesquisa B para transtorno distímico
mos anos do transtorno satisfaz os se-
. ., . "
Presença, enquanto deprimido, de tres
gu1ntes cr1ter1os:
(ou mais) dos seguintes sintomas:
a) Reatividade do humor (o humor
melhora em resposta a eventos 1. Baixa autoestima, baixa autocon-
positivos reais ou potenciais). fiança ou sentimentos de inade-
b) Duas (ou mais) das seguintes ca-
-
quaçao
, . 2. Sentimentos de pessimismo, de-
racter1st1cas:
sespero ou desesperança
1. Ganho de peso ou aumento 3. Perda generalizada do interesse ou
do apetite significativos do prazer
2. Hipersonia 4. Isolamento social
3. Sensação de peso nos mem- 5. Fadiga crônica ou cansaço
bros (paralisia ''de chumbo'' 6. Sentimentos de culpa ou preocu-
nos braços ou nas pernas) pação acerca do passado
4. Padrão persistente de sensi- 7. Sensações subjetivas de irritabili-
bilidade à rejeição interpes- dade ou de raiva excessiva
soal (não limitado aos epi- 8. Diminuição da atividade, da efeti-
sódios de perturbação do vidade ou da produtividade
humor), que resulta em pre- 9. Dificuldade na produção de pen-
juízo social ou ocupacional samento, refletida pela indecisão
significativo e pelo prejuízo na concentração e
, .
e) Não são satisfeitos os critérios pa- na memoria
ra com características melancóli-
, . " Os sintomas vegetativos (p. ex., alte-
cas ou com caracter1st1cas catato-
rações no sono, no apetite, do peso e na
nicas durante o mesmo episódio. 6 atividade psicomotora) parecem ser me-
nos comuns do que nas pessoas com TOM,
sendo que 10% dos indivíduos com disti-
DISTIMIA VERSUSTRANSTORNO mia desenvolvem TOM no ano seguinte.
DEPRESSIVO MAIOR Em crianças, o transtorno distími-
co pode estar associado com transtor-
Diversos estudos sugerem que os sinto- no de déficit de atenção/hiperatividade,
mas encontrados com maior frequência no transtornos de ansiedade, transtornos de
transtorno distímico podem ser sentimen- aprendizagem e retardo mental.
Depressão

Cerca de 30 a SOO/o dos adultos com DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL


distimia compartilham algumas das ca-
racterísticas polissonográficas encontra- O diagnóstico diferencial para transtorno
das em alguns indivíduos com TDM (p. distímico é similar ao do TDM, já que o
ex., latência diminuída do sono REM, uso de sustâncias, de medicamentos e ou-
maior densidade REM, sono de ondas len- tras doenças clínicas, por exemplo, podem
tas reduzido, prejuízo na continuidade causar sintomas depressivos crônicos.
do sono). Esses indivíduos com anorma- Os sintomas depressivos podem es-
lidades polissonográficas têm, com maior tar relacionados a transtornos psicóticos
frequência, uma história familiar positi- crônicos (p. ex., transtorno esquizoafeti-
va para TDM e podem responder melhor vo, esquizofrenia, transtorno delirante).
aos medicamentos antidepressivos do que Um diagnóstico separado de transtorno
aqueles sem esses achados. distímico não é feito se os sintomas ocor-
O diagnóstico diferencial com TDM rem apenas durante o curso do transtor-
pode ser difícil pelo fato de os dois trans- no psicótico (incluindo as fases residuais).
tornos compartilharem sintoma.s pareci- O transtorno distímico deve ser dife-
dos e porque as diferenças entre os dois renciado de um transtorno do humor de-
em termos de início, duração, persistên- vido a uma doença clínica. O diagnóstico
cia e gravidade são difíceis de avaliar re- é de transtorno do humor devido a uma
trospectivamente. condição médica geral, com características
Em geral, o TDM consiste em um ou depressivas, se a perturbação do humor é
mais episódios depressivos distintos, que considerada uma consequência fisiológica
podem ser diferenciados do funcionamen- direta de uma condição médica geral es-
to habitual da pessoa, enquanto a distimia pecífica, comumente crônica (p. ex., hiper-
se caracteriza por sintomas depressivos paratireoidismo primário). Essa determi-
" . .
cronicos e menos severos, persistentes por nação fundamenta-se na história, achados
muitos anos, o que pode dificultar a distin- laboratoriais ou no exame físico. 6
ção entre a alteração do humor e o funcio- Um transtorno do humor induzi-
namento ''habitual'' da pessoa. Se o apa- do por substância é diferenciado de um
recimento inicial dos sintomas depressivos transtorno distímico pelo fato de que uma
crônicos tem suficiente gravidade e núme- substância (p. ex., droga de abuso, medi-
ro para satisfazer todos os critérios para camento ou exposição a uma toxina) está
um episódio depressivo maior, o diagnós- etiologicamente relacionada à perturba-
tico é de transtorno depressivo maior crô- ção do humor. Pacientes distímicos comu-
nico (se todos os critérios continuam sen- mente preenchem critérios para transtor-
do satisfeitos) ou de transtorno depressi- no por uso de substância eem geral álcool,
vo maior em remissão parcial (se não mais cocaína e maconha). A busca por entorpe-
são satisfeitos todos os critérios). centes é um recurso mal-adaptativo des-
O diagnóstico de distimia pode ser ses pacientes para lidar com seus sinto-
feito após o de TDM apenas se o primei- mas depressivos persistentes. 19
ro foi estabelecido depois do episódio de- É possível, nesses pacientes, haver
. . . , , .
pressivo maior, ou seja, e necessana a au- associação com comorbidade de Eixo II.
sência de episódios depressivos maiores Quando a apresentação de um indivíduo
durante os dois primeiros anos de sinto- satisfaz os critérios para o transtorno dis-
mas distímicos ou se ocorreu uma remis- tímico e para o transtorno da personali-
são completa do TDM antes do início da dade, são dados ambos os diagnósticos
distimia. 6 eos transtornos da personalidade mais co-
Ouevedo & Silva (orgs.)

muns são borderline, histriônica, narcisis- TRATAMENTO


ta, esquiva e dependente). 6
No passado, como a distimia foi muitas
vezes considerada uma característica de
CURSO EPROGNÓSTICO personalidade ou um distúrbio psicológi-
co, esses pacientes eram candidatos ape-
Trata-se de uma condição de início geral- nas a tratamento de longo prazo com psi-
mente precoce e insidioso (ou seja, na in- coterapia psicodinâmica. Atualmente, to-
fância, na adolescência ou no início da davia, o uso de antidepressivos constitui
idade adulta), além de crônico. Em ge- tratamento de primeira linha para esse
ral, os sintomas são de leves a moderados transtorno, principalmente quando asso-
e mais de 75% dos indivíduos com trans- ciado com psicoterapias de evidência re-
torno distímico têm exacerbações que levante na literatura, como a terapia cog-
preenchem critério para um episódio de- nitivo-comportamental (TCC). Estudos
pressivo maior sobreposto, fenômeno co- mostram que de 50 a 60% dos pacientes
nhecido como ''depressão dupla", que é com distimia respondem ao tratamento
nor1nalmente a razão para a busca de tra- com antidepressivos. 2º
tamento. Caso a distimia preceda o TDM, Levkovitz e colaboradores 21 publica-
há uma menor probabilidade de ocorrer ram uma metanálise sobre o uso dos anti-
uma recuperação completa e espontâ- depressivos das diversas classes (inibido-
nea entre os episódios depressivos e uma res seletivos de recaptação de serotonina
maior chance de recorrência. [ISRSs], duais, tricíclicos, inibidores da
Klein e colaboradores18 relataram monoaminoxida.s e) no transtorno distími-
uma média de tempo de 52 meses para co. A farmacoterapia foi significantemen-
recuperação dos pacientes distímicos em te mais efetiva que o placebo no trata-
um estudo prospectivo naturalístico de 1O mento tanto do TDM (n = 44.420) quan-
anos de duração. Ao longo do tempo, a to da distimia (n = 1.454). Nesta última,
probabilidade de melhora foi, contudo, re- o número necessário para tratar (NNT)
lativamente alta, com uma taxa estimada foi aproximadamente de 1 em cada 4,5,
em 740/o. A maior parte aconteceu nos pri- sugerindo que é preciso tratar 4,5 pacien-
meiros três anos de seguimento; após seis tes com antidepressivos em vez de place-
anos, a chance de remissão foi pequena. bo para se obter um paciente que respon-
Em contrapartida, a taxa estimada da ao tratamento.
de recaída desse estudo também foi alta: No total, 177 estudos focaram-se no
, . . . -
71 o/o, indicando que muitos pacientes dis-
t1m1cos que tiveram uma rem1ssao susten-
tratamento do TDM e 17 no da distimia,
cujos pacientes apresentaram resposta ao
tada terão novas fases de depressão crô- tratamento significativamente mais efeti-
nica. Grande parte dos episódios de re- va que o grupo com TDM (RR = 1,75; IC
corrência depressiva se deu nos primeiros de 95°/o = 1,49 - 2,04; p < 0,0001). Por
" , -
tres anos apos a recuperaçao, com o ris-. sua vez, a taxa de resposta ao placebo nos
co caindo substancialmente depois de seis ensaios com pacientes com distimia foi
anos. Esses dados podem ser úteis para o significativamente menor quando compa-
clínico na decisão de até quando esten- rada aos ensaios com sujeitos com depres-
der o tratamento de manutenção da dis- são maior (29,9 versus 37,90/o, respectiva-
timia.18 mente; p = 0,042).
Depressão

Nesse mesmo trabalho de Levko- Outra modalidade de terapia com


vitz e colaboradores, 21 pela metarregres- evidência científica é a terapia interpes-
são, encontrou-se uma diferença estatisti- soal (TIP): as experiências recentes da vi-
camente significativa no risco relativo de da do paciente e seus recursos para lidar
resposta aos antidepressivos versus place- com o estresse são examinados a fim de
bo, ao comparar-se estudos sobre disti- reduzir sintomas depressivos e melhorar
mia e TDM, sugerindo um risco relativo a autoestima. Geralmente tem uma dura-
aumentado de resposta em favor dos an- ção de 12 a 16 sessões semanais e, assim
tidepressivos versus placebo em pacientes como a TCC (que também costuma ter es-
com transtorno distímico versus TDM (co- sa duração), apresenta melhor resultado
eficiente de - 0,113; p = 0,007). Tais evi- se combinada com medicamento antide-
dências reforçam ainda mais, portanto, o pressivo adequado. 23
papel do tratamento farmacológico dessa
condição. 21
Existe a falsa crença de que, por tra- FUTURO: DSM-5
tar-se de um transtorno com sintomas
mais leves, seria necessária apenas a uti- Muitos pesquisadores aguardam por mu-
lização de doses baixas de medicamentos danças no DSM-5 24 acerca da classifica-
antidepressivos. Cabe ressaltar que o tra- ção dos quadros depressivos com relação
tamento medicamentoso segue o protoco- ao tempo de duração dos sintomas: espe-
lo de tratamento das depressões de mo- ra-se que as síndromes depressivas com
do geral. Nesse sentido, a dose do me- mais de dois anos sejam classificadas co-
dicamento deve ser ajustada dentro da mo crônicas. Dessa for1na, a distimia não
posologia indicada e de acordo com a to- configuraria uma entidade separada e tais
lerabilidade e a eficácia, visando a remis- pacientes estariam no grupo dos transtor-
são completa dos sintomas. Por tratar-se nos depressivos crônicos.
de um transtorno de evolução crônica, su- As mudanças propostas para o DSM-
gere-se que o tratamento ''agudo'' deva -524 tornariam o antigo transtorno distí-
ser estendido por pelo menos dois anos, e mico do DSM-IV-TR6 em transtorno de-
o profilático, por vários anos. pressivo crônico, com alterações nos
Na TCC para distimia, são ensinadas critérios D e E. No DSM-IV-TR, 6 era espe-
aos pacientes novas maneiras de pensar, cificada a ausência de qualquer episódio
gerando comportamentos diferentes pa- depressivo maior nos dois primeiros anos
ra substituir atitudes mal-adaptativas que da perturbação (Critério D), e os critérios
lhes causam sofrimento. Busca-se focar no para transtorno ciclotímico nunca podiam
aumento do nível de atividade e do en- ser preenchidos (Critério E). Embora nun-
volvimento em experiências prazerosas, ca tenha havido um estudo de confiabili-
além de se trabalhar técnicas de relaxa- dade usando o DSM-IV-TR para distinguir
mento. Acredita-se que modular compor- o transtorno distímico do TDM crônico, é
tamentos em pacientes deprimidos seja o muito provável que um desenho assim se-
instrumento mais efetivo para a mudança ja pobre em função da probabilidade de
associada aos pensamentos
, e sentimentos haver viés de memória.
disfuncionais. E um programa de terapia Afinal, os pacientes teriam de selem-
de curto prazo, dirigida para questões do brar de como estavam nos dois anos an-
presente, visando sua solução. 22 teriores e se experimentaram ou não por
Ouevedo & Silva (orgs.)

duas semanas ou mais uma mudança no 5. fraca concentração ou dificuldade


padrão do nível sintomático, partindo, em tomar decisões
por exemplo, de 2, 3 ou 4 sintomas , dos 6. sentimentos de desesperança
critérios para 5 ou mais sintomas. E igual-
e) Durante o período de dois anos (um
mente provável que os períodos remotos
ano, para crianças ou adolescentes)
do transtorno ciclotímico também não se-
de perturbação, jamais a pessoa este-
jam seguramente recordados.
ve sem os sintomas dos Critérios A e B
Há, portanto, a proposta de elimina-
por mais de dois meses a cada vez.
ção do especificador de cronicidade da ca-
d) Nos últimos dois anos, há pelo menos
tegoria do TOM recorrente, 24 transferin-
um período de dois meses ou mais,
do esse diagnóstico para o transtorno de-
durante o qual todos os critérios pa-
pressivo crônico: essa já era uma solução
ra um episódio depressivo maior não
proposta em uma postagem anterior do
são cumpridos (ou seja, o episódio atu-
DSM-5, a união do transtorno distímico e
al não é mais bem explicado por um
o TOM crônico na mesma categoria.
transtorno depressivo maior crônico).
Apesar de os estudos que compara-
ram tais diagnósticos não terem consegui- Nota: O transtorno distímico pode pre-
do encontrar diferenças significativas nas ceder ou acompanhar uma depressão
,.. . *
variáveis demográficas, padrões de sinto- cronica grave.
mas, resposta ao tratamento ou história e) Jamais houve um episódio maníaco,**
familiar entre tais entidades, três de um
um episódio misto** ou um episódio hi-
total de quatro estudos utilizaram o DSM- pomaníaco, ** e jamais foram satisfeitos
-111-R para a definição de TOM crônico, os critérios para transtorno ciclotímico.**
uma definição que incluiu indivíduos com f) A perturbação não ocorre exclusiva-
remissão incompleta de TOM, o que po- mente durante o curso de um transtor-
de ter representado um viés, uma vez que no psicótico crônico, como esquizofre-
o conceito no DSM-IV-TR é diferente. 25 -28
nia ou transtorno delirante.
g) Os sintomas não se devem aos efeitos
fisiológicos diretos de uma substância
Critérios diagnósticos para (p. ex., droga de abuso, medicamento)
transtorno distímico (transtorno ou de uma condição médica geral (p.
depressivo crônico) pelo DSM-5 ex., hipotireoidismo).
h) Os sintomas causam sofrimento clini-
a) Humor deprimido na maior parte do camente significativo ou prejuízo no
dia, na maioria dos dias, indicado por funcionamento social ou ocupacional
relato subjetivo ou observação feita ou em outras áreas importantes da vi-
por outros, por pelo menos dois anos. da do indivíduo.
Nota: Em crianças e adolescentes, o
humor pode ser irritável, e a duração Especificar início precoce se este
deve ser de, no mínimo, um ano. ocorreu antes dos 21 anos de idade, ou
b) Presença, enquanto deprimido, de duas início tardio se ocorreu aos 21 anos ou
(ou mais) das seguintes características:
1. apetite diminuído ou hiperfagia
*Proposta de mudança no critério para o diagnósti-
2. insônia ou hipersonia co de transtorno distímico no DSM-s.24
3. baixa energia ou fadiga ** Há propostas de alterações nos critérios diagnósti-
4. baixa autoestima cos desses transtornos listados para o DSM-5. 24
Depressão

após. Para os dois anos de transtorno dis- 2 . Freeman HL. Historical and nosological aspects
tímicos mais recentes, especificar com of dysthymia. Acta Psychiatr Scand Suppl. 1994;
383:7-11.
presença de características atípicas de de- 3 . Cordás TA. Do mal-humorado ao mal do humor:
pressão ou não (conforme os mesmos cri- uma perspectiva histórica. ln: Cordás TA, Nardi
térios do OSM-IV-TR). AE, Moreno RA, Castel S, organizadores. Disti-
mia: do mau humor ao mal do humor. Porto Ale-
gre: Artmed; 1997. p. 15-21.
-
CONCLUSAO 4. Spanemberg L, Juruena MR Dysthymia: histori-
cal and nosological characteristics and its rela-
tionship with major depressive disorder. Rev Psi-
O transtorno distímico é uma importan- quiatr Rio Gd Sul. 2004;26:(3):300-11.
te causa de morbidade, muito prevalen- 5. Kessler RC, McGonagle KA, Zhao S, Nelson
te, que aumenta os custos financeiros e CB, Hughes M, Eshleman S, et al. Lifetime and
a utilização do sistema de saúde. O ris- 12-month prevalence of DSM-111-R psychiatric
co da fusão entre a distimia e o TOM crô- disorders in the United States. Results from the
National Comorbidity Survey. Arch Gen Psychia-
nico na mesma categoria diagnóstica im- try. 1994;51(1):8-19.
plica não se fazer a distinção da elevada 6. American Psychiatric Association. The diagnos-
gravidade implícita na definição do OSM- tic and statistical manual of mental disorders:
-IV para TOM crônico, que exige a presen- DSM-N -TR. 4th ed. Washington: APA; 2000.
ça contínua da síndrome depressiva com- 7. Weissman MM, Leaf PJ, Bruce ML, Florio L. The
epidemiology of dysthymia in five communities:
pleta principal ao longo de um período de rates, risks, comorbidity, and treatment. Am J
dois anos, o que acarreta um risco de sui- Psychiatry. 1988;145(7):815-9.
cídio mais elevado, por exemplo. 8. Wittchen HU, Knãuper B, Kessler RC. Lifetime
A mudança que agora está sendo risk of depression. Br J Psychiatry Suppl. 1994;
proposta para os Critérios O e E, portanto, (26):16-22.
limita-se apenas a diferenciar o episódio 9 . Howland RH. General health, health care utili-
zation, and medical comorbidity in dysthymia.
atual de um TOM crônico ou um de trans- Int J Psychiatry Med. 1993;23(3):211-38.
torno ciclotímico de um transtorno distí- 10. Klein DN, Santiago NJ. Dysthymia and chronic de-
mico, sem depender da história psiquiá- pression: introduction, classification, risk factors,
trica pregressa para saber se um episódio and course. J Clin Psychol. 2003;59(8): 807-16.
depressivo maior ou transtorno ciclotími- 11. Akiskal HS. Dysthymic disorder: psychopatholo-
gy of proposed chronic depressive subtypes. Am
co já existiram potencialmente no passa- J Psychiatry. 1983;140(1):11-20.
do remoto. 12. Akiskal H. Dysthymic disorder and its treatment.
A distimia, configurando ou não uma Encephale. 1993;19 Spec No 2:375-8.
categoria à parte no OSM-5, 24 sempre será 13. Marin DB, Kocsis JH, Frances AJ, Parides M. De-
um marco no estudo das entidades nosoló- sipramine for the treatment of "pure" dysthy-
mia versus "double" depression. Am J Psychia-
gicas da psiquiatria, pois representa a mu-
try. 1994;151(7):1079-80.
dança de paradigma na classificação das 14. Nobile M, Cataldo GM, Marino C, Molteni M.
síndromes depressivas crônicas, que antes Diagnosis and treatment of dysthymia in children
eram tidas como transtornos neuróticos ou and adolescents. CNS Drugs. 2003;17(13):927-
da personalidade e, hoje, são definidas co- 46.
mo transtornos afetivos do humor. 15. Komstein SG. Chronic depression in women. J
Clin Psychiatry. 2002;63(7):602-9.
16. Komstein SG, Schatzberg AF, Thase ME, Yonkers
A
KA, McCullough JP, Keitner GI et al. Gender di-
REFERENCIAS fferences in chronic major and double depres-
sion. J Affect Disord 2000; 60:1-11.
1. Akiskal HS. Dysthymia and cyclothymia in 17. Niculescu AB, Akiskal HS. Sex hormones, Da-
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Affect Disord. 2001;62(1-2):17-31. 2001;58(1): 1083-4.
Ouevedo & Silva (orgs.)

18. Klein DN, Shankman SA, Rose S. Ten-year pros- 23. Markowitz JC, Klerman GL. Manual for interper-
pective follow-up study of the naturalistic cour- sonal psychotherapy of dysthymia. New York:
se of dysthymic disorder and double depression. Cornell University Medical College; 1993.
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28. Yang T, Dunner D. Differential subtyping of de-
pression. Depress Anxiety.2001; 13(1):11-7.
Humberto Correa
Maila de Castro L. Neves

INTRODUÇÃO de fogo, enforcamento e pular de grandes


alturas. Deve-se salientar, entretanto, que
O comportamento suicida abrange um es- tais classificações são meramente descriti-
pectro contínuo de atos que vão desde vas e utilizadas para orientar os estudio-
suicídios completos, passando por tenta- sos, já que todo método suicida pode ser
tivas de suicídio frustradas, planejamen- fatal e todo ato suicida deve ser seriamen-
to, intenção até ideação suicidas. 1 O sui- te considerado, sendo indicador de gran-
cídio completo pode ser definido como de sofrimento.
um ato deliberado executado pelo pró- O suicídio representa uma das 20
prio indivíduo, cuja intenção seja, de for- maiores causas de morte no mundo pa-
ma consciente, a morte, usando um meio ra todas as idades e um importante pro-
que ele acredita ser efetivo. 2 A tentativa de blema de saúde pública. A cada ano, cer-
suicídio seria definida como uma conduta ca de um milhão de pessoas morrem por
que não tem um desenlace fatal, incluin- suicídio em todo o mundo. Segundo a Or-
do qualquer dano autoinfligido executado ganização Mundial da Saúde (OMS), 4 os
deliberadamente com intenção de morte. 2 métodos mais utilizados pela população
A ideação suicida, por sua vez, consiste em geral são pesticidas, armas de fogo e me-
pensamentos de cunho suicida e desejo de dicamentos. Dados da OMS de 2008 mos-
morrer, sem passar ao plano da ação. As tram taxas, no Brasil, de 7,7 mortes por
ideações são mais prevalentes do que as suicídio por 100 mil habitantes em ho-
tentativas de suicídio, e estas, por sua vez, mens e 2,0 em mulheres.4
mais prevalentes que o ato suicida fatal. 3 Estima-se que o número de tentati-
O comportamento suicida pode ser, ainda, vas de suicídio seja de 10 a 20 vezes su-
classificado de acordo com a intenção de perior ao número de mortes. Na popula-
morrer, o método e a letalidade (violento/ ção geral, a prevalência ao longo da vida
não violento) e de acordo com certos as- de tentativas de suicídio é de aproxima-
pectos cognitivos, como impulsividade e damente 3,5%, e a de ideação suicida é
agressividade. Métodos não violentos in- de 16,3%. 5
cluem ingestão de medicamentos e/ ou ve- O ato suicida geralmente ocorre du-
nenos, inalação de gases e cortes super- rante a fase aguda de um transtorno psi-
ficiais; os violentos incluem uso de arma quiátrico.6 Existe uma forte e bem esta-
Ouevedo & Silva (orgs.)

belecida relação entre a presença de psi- DUAL A PREVALÊNCIA DO SUICÍDIO


copatologia, especialmente de transtorno EM PACIENTES DEPRIMIDOS?
depressivo maior, e risco de suicídio. A as-
sociação entre depressão e comportamen- O estudo mais conhecido sobre suicídio
to suicida é, de fato, estreita, sendo este na depressão é, possivelmente, o de Guze
frequentemente considerado um dos sin- e Robins, publicado em 1970.10 Esses au-
tomas ou características da depressão, tores fizeram uma revisão de 17 estudos
tanto nos sistemas nosográficos de clas- publicados até então e mostraram que o
sificação, como na Classificação interna- suicídio era responsável por cerca de 12 a
cional de doenças e problemas relaciona- 600/o de todas as mortes desses pacientes,
dos à saúde, 7 quanto em escalas interna- observando que:
cionalmente reconhecidas para avaliação
dos sintomas depressivos, como a de Ha- a) A porcentagem de mortes por suicídio
milton. 8 na depressão, agregando-se todos os
Sabe-se que a maior parte das pes- estudos, seria de cerca de 150/o. Ou se-
soas que se suicidam tem um diagnósti- ja, cerca de 150/o das pessoas com de-
co psiquiátrico (mais de 950/o), sendo os pressão morreriam por suicídio.
transtornos do humor, em particular a de- b) Nos estágios iniciais da depressão
pressão, o diagnóstico mais frequente- maior, antes que causas naturais come-
mente associado ao suicídio. 9 Além disso, cem a aparecer, as mortes por suicídio
a prevalência da depressão durante a vi- são muito mais do que 150/o.
da é de 20% entre as mulheres e de 1 Oo/o
entre os homens. Dessa forma, em núme- Hoje se sabe que esses resultados
ros absolutos, a depressão é o diagnóstico têm de ser vistos com cautela e que, glo-
que responde pelo maior número de víti- balmente, a mortalidade por suicídio na
mas de suicídio. depressão maior não seria tão grande. Um
Embora seja importante, a associa- estudo realizado por Blair-West e colabo-
ção com o suicídio não é exclusiva da de- radores, 11 calculou que, se essa taxa fos-
pressão, já que vários outros grupos diag- se correta, a mortalidade por suicídio nos
nósticos (p. ex., esquizofrenia, trans- Estados Unidos seria cerca de quatro ve-
tornos relacionados ao uso de álcool, zes maior do que a atualmente observa-
transtornos da personalidade) também da.11 Esses autores encontraram que a ta-
apresentam taxas consideráveis de morta- xa de mortalidade por suicídio seria de
lidade por suicídio. 3,50/o e não de 150/o como se acreditava.
Se, por um lado, ter um diagnóstico Outros pesquisadores encontraram taxas
psiquiátrico é quase uma condição para de 60/o, 12 ou seja, menores do que as clas-
que o suicídio ocorra, por outro, a maio- sicamente aceitas, de 150/o.
ria dos pacientes psiquiátricos nunca irá Como explicar esses achados apa-
se suicidar. rentemente contraditórios? Há várias
Assim, o objetivo deste capítulo é formas. A resposta mais provável é que,
tentar responder às seguintes perguntas: quando se avalia o comportamento sui-
em relação às pessoas com depressão, cida em pacientes deprimidos, não se es-
"quantas vão se suicidar?'' e "quem se sui- tá diante de um grupo homogêneo, e sub-
cida?''. grupos de pessoas com depressão teriam,
Depressão

possivelmente, riscos maiores ou menores ro, crenças religiosas e história familiar.


de virem a cometer suicídio ao longo da Variações genéticas são, pelo menos, par-
vida. Ou seja, o tipo de paciente incluí- cialmente responsáveis pela agregação fa-
do no estudo, como, por exemplo, pacien- miliar do comportamento suicida. Alguns
tes hospitalizados versus ambulatoriais, traços de personalidade, como estratégias
estudos feitos a partir de comunidades, de enfretamento (coping) e variações cog-
a proporção entre o número de homens nitivas, 6 também podem influenciar o de-
versus mulheres selecionados para parti- senvolvimento de comportamento suici-
cipar do estudo, tudo influirá nos resulta- da. Variáveis ambientais estão substan-
dos encontrados. Identificar esses subgru- cialmente implicadas como fatores de
pos ajudará a responder, também, quais risco. História de adversidades precoces
pacientes deprimidos teriam maior risco na vida também é um fator com irrefutá-
de se suicidar. vel efeito. 1

OUEM SE SUICIDA? Gênero e outros fatores


sociodemográficos
A elaboração de estratégias preventivas
eficazes depende do detalhado conheci- Dados epidemiológicos mostram que em
mento dos fatores de risco determinantes todo o mundo, com exceção da zona rural
da morte por suicídio. Esses fatores mui- chinesa, homens se suicidam cerca de três
tas vezes ocorrem em combinações, inte- vezes mais do que mulheres. Inversamen-
ragindo de forma a modificar o risco. A te, as tentativas de suicídio são em média
análise dessas interações pode permitir a três vezes mais frequentes entre as mulhe-
detecção, em um nível mais restrito (in- res. 4 As tentativas entre as mulheres ten-
divíduo ou grupo), de situações especial- dem a ser menos letais, sendo utilizados
mente perigosas. Não existe um fator de métodos menos violentos, e menos asso-
risco específico, tampouco algum fator ciadas ao uso de álcool.
isolado pode predizer o suicídio. Na depressão, as diferenças entre ho-
Alguns fatores aumentam o risco de mens e mulheres podem ser ainda maiores
suicídio para indivíduos da população em no que se refere à taxa de mortalidade por
geral. Segundo Turecki e colaboradores, 1 suicídio, de até 1O suicídios entre os ho-
os fatores de risco podem ser classificados mens para um suicídio entre as mulheres
como proximais e distais. Fatores distais (7 versus 1%) . 13 Esse dado se torna ainda
aumentam a predisposição ao comporta- mais importante quando se recorda que a
mento suicida, e fatores proximais atuam prevalência da depressão maior é cerca de
como precipitantes. 1 duas vezes superior em mulheres.
Os fatores proximais seriam eventos Estudos mostram também que pode
estressares recentes da vida, psicopatolo- haver diferenças, segundo o gênero, em
gias, ideação suicida e desespero. 1 relação à importância dos fatores de ris-
Alguns fatores contribuem de ma- co. Assim, por exemplo, história familiar
neira distal, exercendo um papel discre- de suicídio, uso de drogas, uso de taba-
to, mas significativo, como fatores socio- co e um transtorno da personalidade bor-
demográficos, por exemplo, idade, gêne- derline aumentam em mais de três vezes o
Ouevedo & Silva (orgs.)

risco de suicídio em homens. Nas mulhe- têm um risco duas vezes maior de suicí-
res, uma tentativa de suicídio anterior au- dio do que aqueles que não precisaram
menta em até seis vezes o risco de com- ser hospitalizados; e aqueles hospitaliza-
portamento suicida. Outros fatores impor- dos após apresentarem ideias ou tenta-
tantes nas mulheres são: ideação suicida, tiva de suicídio têm um risco três vezes
a letalidade das tentativas anteriores, hos- maior de morte por suicídio do que aque-
tilidade e poucas razões para viver. 14 les tratados ambulatorialmente. 18 Esses
Eventos estressares de vida têm sig- dados mostram de forma clara a necessi-
nificativa associação com suicídios com- dade de estratificação da população estu-
pletos. Eventos que conferem um estres- dada e permitem estabelecer taxas diferen-
se agudo ou experiências de desmora- tes de mortalidade, segundo a história de
lização, como humilhação pública ou tratamento (hospitalar ou não) do pacien-
rejeições sociais, frequentemente podem te. Assim, pacientes com história de hos-
desencadear atos suicidas. 1 Desemprego e pitalização em hospital psiquiátrico, parti-
dificuldades financeiras também são asso- cularmente quando esta inclui ideação ou
ciados com maior risco. Casamento é um tentativa de suicídio, têm um risco suicida
fator protetor para ambos os sexos, mas maior do que aqueles nunca hospitaliza-
divórcio é um fator de risco apenas para dos, e estes, por sua vez, um risco maior
os homens. 15 Ruengorn e colaboradores16 do que a população geral. Isso signifi-
avaliaram 1.100 indivíduos com depres- ca que uma hospitalização seria um fator
são e encontraram que eventos estressa- "suicidogênico''? Naturalmente que não.
res de vida, uso de álcool, má adesão ao Apenas indica que a hospitalização seria
tratamento, tentativas prévias de suicídio um marcador de risco. Seriam interna-
e uso de antipsicóticos estavam relaciona- dos, por exemplo, pacientes que, por suas
dos a aumento do risco de tentativas de características clínicas ou sociodemográ-
suicídio. 16 ficas (gravidade da depressão, ou pouco
Além do gênero, outros fatores so- suporte social, ou presença de comporta-
ciodemográficos são importantes. Apesar mento suicida recente), seriam de risco.
de taxas crescentes de suicídio entre jo- Em que momento após a saída do
vens, idade superior a 65 anos é um fa- hospital vai ocorrer o suicídio? Estudos
tor de risco. 17 mostram que o risco é maior logo após a
Fatores protetores são menos estu- saída e que a maior parte deles vai ocorrer
dados e incluem: autoestima elevada; la- nos primeiros 30 dias, sendo o risco pa-
ços sociais bem estabelecidos, com famí- ra aqueles que saíram do hospital sem al-
lia e amigos; crenças religiosas e razões ta médica até três vezes maior do que pa-
para viver. 4 ra aqueles que saíram após receber alta. 19
Além disso, diversos fatores sociode-
mográficos, como educação, emprego e
renda, podem modular o impacto da psi- Gravidade da depressão
copatologia no desenvolvimento de com-
portamento suicida. 1 A gravidade do quadro depressivo, ao me-
nos em pacientes hospitalizados, é um
fator de risco para o suicídio. Ou seja,
História de hospitalização psiquiátrica quanto mais grave o episódio depressivo,
maior o risco de suicídio. Um estudo dina-
Pacientes que precisaram ser hospitaliza- marquês, 20 por exemplo, avaliou todos os
dos para o tratamento de sua depressão pacientes que receberam alta hospitalar
Depressão

cuja internação havia sido motivada por 750/o deles) o fizeram no primeiro episó-
depressão, como diagnóstico único, divi- dio depressivo, e que quase 200/o o fize-
didos em depressão leve, moderada e gra- ram no segundo episódio. 22 Ou seja, qua-
ve, segundo a CID-10, entre 1994 e 1999. se 95% dos pacientes com depressão que
Esses indivíduos foram acompanhados se suicidam o fazem no início do transtor-
por seis anos. O risco de suicídio aumen- no, no primeiro (a maioria) ou no segun-
tou gradativamente, se o diagnóstico na do episódio depressivo.
alta havia sido de depressão leve, mode-
rada e grave. 20 Outras características da
depressão, como sintomas psicóticos ou História familiar
características melancólicas, parecem não
estar associadas a maior risco suicida em Hoje se sabe que o comportamento suici-
pacientes deprimidos. da é não somente herdável, mas também
geneticamente transmitido. Além disso,
sabe-se que a transmissão do comporta-
Comorbidades psiquiátricas mento suicida se faz de forma indepen-
dente da transmissão do transtorno psi-
Estudos mostram que, quanto mais diag- quiátrico. Pacientes deprimidos com his-
nósticos comórbidos presentes no pacien- tória familiar de comportamento suicida
te com depressão, maior o risco de suicí- têm, eles próprios, um risco aumentado
dio. Um estudo de autopsia psicológica rea- para suicídio. 2 Além disso, estudos de ge-
lizado em homens, por exemplo, mostra nética molecular mostram que alguns ge-
que abuso/dependência de substâncias e nes emergem como candidatos a estarem
transtornos da personalidade do grupo B associados ao suicídio, principalmente,
(histriônica, borderline e narcisista) au- mas não exclusivamente, alguns genes as-
mentam o risco de suicídio em pacientes sociados ao sistema serotonérgico, como
deprimidos. Além disso, maiores níveis de o transportador de serotonina. 23 De fato,
impulsividade e agressividade também te- as hipóteses neurobiológicas para o com-
riam o efeito de aumentar o risco de suicí- portamento suicida nas últimas décadas
dio nos pacientes com depressão. 21 baseiam-se na interação entre traços ou
estados de prejuízos na atenção, memória
e função executivas, relacionados a pre-
Em que fase da doença juízos no processamento frontotemporal,
depressiva ocorre o suicídio? associados à disfunção serotonérgica. 24

Uma pergunta importante é saber em que


momento do transtorno depressivo have- Tentativa anterior de suicídio
ria maior risco de suicídio. Ou seja, o suicí-
dio tende a ocorrer no início da doença ou Ideação suicida e tentativas prévias pare-
o contrário, por risco cumulativo equanto cem ser fatores de risco comuns a diversas
mais episódios depressivos, maior o risco populações. A probabilidade de ideação
de suicídio)? Um estudo de autopsia psi- suicida se transformar em um planeja-
cológica conduzido por McGirre e colabo- mento parece ser de 340/o, e a probabili-
radores22 avaliou 154 suicídios consecu- dade de um plano levar a uma tentativa
tivos de pacientes deprimidos. Esse estu- é de 720/o. 17 A probabilidade de uma idea-
do mostrou que a maioria dos portadores ção se transformar em uma tentativa não
de depressão que se suicidaram ecerca de planejada é de 26%. Uma ideação passi-
Ouevedo & Silva (orgs.)

va pode rapidamente se transformar em por 16 anos e encontrou taxas de suicí-


ativa. dio de 3,So/o. 25
Uma tentativa prévia de suicídio é,
possivelmente, o maior preditor de uma
nova tentativa e de suicídio. A chance Uso de tabaco
de suicídio em um indivíduo com histó-
ria de tentativa prévia aumenta em 40 ve- Estudos clínicos e epidemiológicos mos-
zes em comparação com a população ge- tram que o uso atual de tabaco (mas não
ral. Após uma tentativa de suicídio, cer- o uso passado) aumentaria o risco de sui-
ca de 1o/o desses indivíduos vai se suicidar cídio. As razões para isso não são claras,
por ano, e até lOo/o deles cometerão suicí- mas se especula que poderiam estar li-
dio em dez anos. 7 gadas a uma menor atividade da enzima
A presença de automutilações tam- monoaminoxidase observada em fuman-
bém parece estar associada a aumento tes. 23
no risco de suicídio. Cerca de 15 a 2So/o
dos pacientes que morrem por suicídio já ..
apresentaram um episódio de automu- CONCLUSOES
tilação no ano anterior à morte e entre
um e dois terços dos pacientes que come- Como visto, muitos são os fatores de risco
tem suicídio têm história de automutila- para o suicídio no paciente com depres-
ção durante a vida. Um estudo acompa- são. A Figura 11.1 apresenta um resumo
nhou indivíduos que se automutilavam dos principais fatores de risco. Deve-se le-

Primeiros
episódios?

Ideias de suicídio
Ideias de morte
Comorbidades
Gravidade da Planos de suicídio
depressão
Tentativa de
suicídio prévia
Hospitalização
, .
previa

História familiar de Fatores


Uso atual • • •
comportamento suicida ps1cossoc1a1s
de tabaco

Figura 11.1
Fatores de risco para suicídio.
Depressão

varem conta, sempre, na avaliação desse da. Alguns instrumentos podem auxiliar a
paciente, se ele apresenta ideação ou pla- decisão clínica, como a Escala de Ideação
nos suicidas, avaliar sua história pessoal e Suicida de Beck (BSI) e a Escala de Inten-
familiar de comportamento suicida, par- ção Suicída de Beck. 27
ticularmente se esse indivíduo já fez uma Dessa forma, as doenças psiquiátri-
tentativa prévia. Há que se avaliar ainda cas são um fator de risco conhecido, e seu
os fatores sociodemográficos, a gravida- tratamento adequado é um dos pilares da
de do quadro depressivo e, naturalmente, prevenção do suicídio. Deve-se conside-
o apoio social que esse indivíduo tem em rar que algumas drogas podem ter espe-
sua comunidade
, (família, amigos, etc.). cial efeito sobre o risco de suicídio. Tondo
E preciso ter sempre em mente que e Baldessarini28 publicaram os resultados
os fatores de risco podem atuar sinergi- de uma interessante metanálise avaliando
camente, aumentando o risco de suicídio. o efeito preventivo do lítio sobre o com-
Assim, um paciente deprimido sem co- portamento suicida em pacientes porta-
morbidade apresentará um risco menor dores de transtornos do humor. O risco de
de suicídio do que um paciente deprimido suicídio foi mais que cinco vezes inferior
com, por exemplo, um transtorno da per- no grupo que recebeu lítio, quando com-
sonalidade do Grupo B, ou que apresen- parado aos que não receberam. O risco de
te uma dependência ao álcool. Um estudo tentativas de suicídio foi 23 vezes menor
muito ilustrativo é apresentado por Brad- nos que usaram lítio. 28
vik e colaboradores. 26 Trata-se de uma co- O impacto psicológico e social do
orte acompanhada por 50 anos na cidade suicídio em uma família e na sociedade
de Lundby, Suécia. Cerca de 3.500 indi- é intangível, e suas consequências indire-
víduos foram acompanhados e, entre ou- tas podem atingir um grande número de
tros fatores, avaliou-se o diagnóstico de pessoas e por um longo período de tempo.
depressão, sua gravidade e a mortalidade Espera-se que este capítulo possa sensibi-
por suicídio. Os autores mostram que ho- lizar membros de equipes de saúde a pre-
mens com diagnóstico de depressão grave venir, identificar e tratar o comportamen-
podem ter taxas de mortalidade por suicí- to suicida.
dio de até 25% (portanto, muito maiores
até do que aquelas clássicas, relatadas em A

1970 por Guze e Robins 10 ), enquanto em REFERENCIAS


mulheres com uma depressão moderada,
1. Turecki G, Emest C, Jollant F, Labonté B, Me-
seria menor do que 1%. chawar N. The development origins of suicidal
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Tentar prevenir que um indivíduo se sui- tável. São Paulo: Atheneu; 2006.
cide é uma tarefa árdua. A avaliação clíni- 3. Mann JJ, Apter A, Bertolote J, Beautrais A, Cur-
rier D, Haas A, et al. Suicide prevention strategies:
ca ainda é o melhor método para identi-
a systematic review. JAMA. 2005; 294(16):2064-
ficar o risco individual de suicídio em um 74.
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avaliação é difícil, solitária e pode variar de [Internet] . Geneva: WHO; c2012 [capturado
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Renato Daltro de Oliveira
Rafaela Araujo Lima
Mychelle Morais-de-Jesus
Lucas C. Ouarantini

INTRODUÇÃO ou sickness behavior, que corresponde ao


surgimento de sintomas como fadiga, al-
Estudos de base populacional apontam a terações do ritmo do sono, menor parti-
existência de uma associação importante cipação em atividades sociais e redução
entre depressão e outras condições médi- do apetite. 1 Por sua vez, a depressão pode
cas não psiquiátricas, que pode ser de 5 a ser encarada como fator de risco tão im-
1O vezes maior em indivíduos fisicamente portante para o desenvolvimento de algu-
doentes quando comparados à população mas doença.s quanto o tabagismo. 2•6 Dessa
em geral. 1 Tal associação torna mais difí- forma, a relação entre depressão e condi-
cil a abordagem da depressão, prejudica ções médicas é geralmente bilateral e traz
a qualidade de vida, compromete o prog- repercussões significativas para o manejo
nóstico dos indivíduos previamente doen- de ambas as enfermidades.
tes e demanda mais recursos dos serviços Este capítulo não pretende esgotar
, ....
de saúde. 1-3 o tema proposto, porem serao apresenta-
O estudo dessa associação per1nite das as evidências de associação entre de-
esclarecer tópicos de natureza biológica ou pressão e diferentes doenças de várias es-
psicossocial sobre a fisiopatologia da de- pecialidades, suas diversas apresentações,
pressão. Muitos estudos mostraram a asso- - -
repercussoes e opçoes terapeut1cas.
/\ .
ciação entre depressão e condições médi-
cas gerais por meio da ativação de citoci-
nas pró-inflamatórias, o que pode ocorrer DEPRESSÃO ECÂNCER
durante a evolução natural de doenças au-
toimunes, infecciosas ou neoplasias,4 ou Estima-se que o transtorno depressivo
pode ser consequência do uso de citoci- maior (TDM) apresente prevalência de
nas recombinantes para tratamento de 10,8% em pacientes com câncer, e esse
neoplasias ou doenças infecciosas como valor pode ser maior se forem considera-
hepatite C. 4•5 Tais citocinas provavelmen- das outras manifestações do espectro de-
te desencadeiam no sistema nervoso cen- pressivo, como distimia e depressão me-
tral (SNC) alterações comportamentais nor. 7 A depressão está associada a maior
semelhantes ao quadro depressivo, des- mortalidade em pacientes com câncer, in-
critas como ''comportamento de doente'', dependentemente do estágio da doen-
Ouevedo & Silva (orgs.)

ça ou sítio tumoral. 8 Sob outra perspec- a tolerabilidade e os efeitos colaterais di-


tiva, também foi demonstrado, por meio ficultam o uso de antidepressivos mais
de um longo estudo de seguimento, que antigos nesses pacientes. Outros estudos
o TDM está associado ao desenvolvimen- mostraram resultados favoráveis com uso
to de câncer, especialmente câncer de ma- do alprazolam, paroxetina e amitriptilina,
ma em mulheres. 9 porém, não compararam tais medicações
A escolha da medicação ideal pode com placebo e, no caso da paroxetina e da
ser guiada pelo perfil de efeito adverso de amitriptilina, os resultados foram avalia-
cada antidepressivo, além daqueles de- dos somente em um tipo de câncer. 7
sencadeados pelo tratamento do câncer. Os estudos disponíveis que avalia-
Devem-se considerar, durante a escolha ram as psicoterapias breves evidenciaram
do antidepressivo, características do pa- melhora de sintomas dolorosos, depressi-
ciente como: resposta prévia a medicação vos e ansiosos, resultando no aumento da
antidepressiva, comorbidades psiquiátri- sobrevida em até 18 meses e na melhora
cas, função cognitiva e sintomas clínicos. da capacidade de enfrentamento. 10
Com a devida atenção a potenciais efei-
tos adversos, especialmente anticolinérgi-
cos, cognitivos e cardíacos, o tratamento -
DEPRESSAO EDOENÇAS
antidepressivo pode ser instituído de ma- CARDIOVASCULARES
neira semelhante ao efetuado em pacien-
tes com depressão e sem câncer. 1 Em in- Estudos apontam que de 17 a 27% dos pa-
divíduos com depressão que apresentam cientes portadores de doenças cardíacas
principalmente sedação e fadiga, pode-se apresentam também depressão maior, 11
recorrer a psicoestimulantes, como o me- e a associação entre depressão e doen-
tilfenidato ou a bupropiona, e, quando há ças cardiovasculares (DCVs) traz um pior
predomínio de alterações gástricas, po- prognóstico para esses pacientes. Foi de-
de-se optar pela mirtazapina. Os pacien- monstrado que portadores de doença is-
tes com inapetência considerável podem quêmica coronariana, por exemplo, que
se beneficiar do uso de mirtazapina ou cursa com sintomas depressivos, apresen-
de antidepressivos tricíclicos (ADTs), que tam, em curto e médio prazos, mortalida-
apresentam como efeito colateral o ganho de pelo menos duas vezes maior. 3 A de-
de peso. 1 Alguns autores ainda enfati- pressão ainda parece agir como fator de
zam a importância de selecionar medica- risco, assim como o diabetes ou o taba-
mentos de ação mais rápida para pacien- gismo, para o desenvolvimento de DCVs. 6
tes com tempo de vida mais limitado, o Muitos mecanismos parecem ex-
que toma os psicoestimulantes uma esco- plicar a relação fisiopatológica entre de-
lha melhor, em detrimento dos ADTs e dos pressão e DCVs. A depressão é associada
inibidores seletivos
, da recaptação de sera- a maiores níveis de citocinas pró-inflama-
tonina (ISRSs). 7 E também preciso evitar tórias e a níveis mais baixos de molécu-
as associações de ISRSs com outras subs- las anti-inflamatórias, criando um con-
tâncias como, por exemplo, warfarina, di- texto favorável para a aterosclerose, que
goxina, procarbazina e cisplatina. 1 é parcialmente mediada pela inflamação.
Estudos controlados testaram a efi- Pacientes com depressão têm maior ativa-
cácia de mianserina, paroxetina, desipra- ção do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal
mina e fluoxetina em pacientes deprimi- (HHA), o que pode contribuir para o de-
dos com câncer, e apenas a mianserina senvolvimento de hipertensão, ateroscle-
mostrou resultados favoráveis. Contudo, rose e lesão endotelial. O baixo consumo
Depressão

de ácidos graxos ômega-3 está associado ISRSs, que causam inibição do sistema ci-
tanto a depressão quanto a doenças do tocromo P450. Recomenda-se iniciar os
coração. Aspectos psicossociais também antidepressivos em doses baixas, pois já
exercem um papel importante: pacientes é possível observar redução de sintomas
com depressão mais frequentemente são depressivos com doses menores do que o
portadores de comorbidades como hiper- preconizado para outros pacientes, talvez
tensão, dislipidemia, diabetes e obesida- pelo acúmulo de metabólitos ativos que
de, e são mais predispostos a maus hábi- seriam excretados pelos rins. 12
tos de saúde, como sedentarismo, dieta
não saudável, tabagismo e não adesão a
tratamentos. 11
-
DEPRESSAO EDOENÇAS INFECCIOSAS
Estudos mostraram que o tratamen-
to da depressão em pacientes cardiopa- Hepatite C
tas apresenta bons resultados sobre os
sintomas depressivos e sobre a qualida- Algumas doenças infecciosas apresentam
de de vida, contudo, não foi possível evi- relação importante com o transtorno de-
denciar melhora na taxa de mortalidade pressivo. Estudos indicam que há alta fre-
desses pacientes. Devido à disponibilida- quência de sintomas depressivos em por-
de de estudos na literatura, sertralina e ci- tadores crônicos de hepatite C. 1 Apesar de
talopram são indicados para o tratamento estudos já evidenciarem a presença do ví-
desses pacientes, porém, é preciso caute- rus e sinais de replicação viral no SNC,
la com o uso simultâneo de anticoagulan- não é possível afir1nar com precisão se es-
tes e ISRSs, uma vez que esse grupo de ses sintomas são decorrentes da ação viral
medicamentos é associado a diminuição ou se indivíduos com hepatite C têm uma
da agregação plaquetária e a aumento do incidência mais elevada de depressão de-
tempo de sangramento. Os ADTs, por sua vido ao impacto do diagnóstico, às preo-
vez, devem ser evitados, visto que apre- cupações com o estado de saúde em longo
sentam efeitos pró-arrítmicos. 11 prazo ou ao grande número de usuários
de drogas injetáveis nesse grupo. 13
O tratamento com interferon-a é,
-
DEPRESSAO EDOENÇA provavelmente, o período de maior risco
RENAL TERMINAL de desenvolvimento de sintomas depres-
sivos nos pacientes com hepatite C crôni-
A doença renal terminal é, dentre as ne- ca, ainda que a eliminação do vírus me-
fropatias, aquela cuja associação com de- lhore a qualidade de vida desses indiví-
pressão é mais estudada. Estima-se que duos.5 Não há evidências que apoiem o
de 20 a 30% dos indivíduos com diagnós- uso profilático de antidepressivos, mas
, . . .
tico de doença renal terminal apresen- e importante pesquisar nesses pacientes
tem transtorno depressivo concomitan- a presença de sintomas depressivos. Os
te. A presença de depressão foi evidencia- ISRSs, especialmente a paroxetina, apre-
da como fator de aumento da morbidade sentam bons resultados no tratamento da
e mortalidade entre indivíduos em trata- depressão secundária ao uso de interfe-
mento dialítico. 12 ron-a, mas, até o momento, são os medi-
Há poucos trabalhos avaliando a efi- camentos mais estudados e, por esse mo-
cácia dos
, antidepressivos nesses indiví- tivo, não devem ser encarados como supe-
duas. E preciso cuidado com interações riores aos demais antidepressivos. Assim,
medicamentosas, especialmente com os a depressão nesses casos pode ser tratada
Ouevedo & Silva (orgs.)

seguindo os mesmo princípios para trata- das mucosas, o que pode facilitar o desen-
mento do transtorno não relacionado ao volvimento de candidíase. 1,16
interferon-a, levando em consideração Entretanto, o tratamento da depres-
efeitos adversos, eficácia e possíveis inte- são nesses pacientes requer atenção es-
rações.14 pecial às interações medicamentosas,
uma vez que podem ocorrer alterações
na excreção ou na absorção de substân-
Aids cias, bem como na indução, na inibição
e na competição do metabolismo pelas
A aids ocupa um lugar de destaque entre enzimas do citocromo P450. A titulação
as doenças infecciosas que repercutem so- progressiva dos antidepressivos pode au-
bre a saúde mental devido ao impacto do mentar a adesão e reduzir a ocorrência
diagnóstico sobre os indivíduos e à ação do de efeitos adversos. Entretanto, a depres-
HIV sobre o SNC. Depois do abuso de subs- são não tratada pode ser tão prejudicial
tância, a depressão é a doença psiquiátrica quanto qualquer interação medicamento-
mais prevalente entre os portadores do ví- sa, uma vez que está associada à não ade-
rus Hiv, porém é difícil definir uma estima- são à terapia antiviral. 16
tiva única da prevalência diante da hetero-
geneidade dos métodos e das populações
estudadas. Sob outra perspectiva, popu-
-
DEPRESSAO EDOENÇAS
,
lações em maior risco para infecção pe- NEUROLOGICAS
lo HIV têm prevalência mais alta de trans-
tornos do humor, de modo que a depres- Traumatismo cranioencefálico
são nesses pacientes pode, muitas vezes,
representar um novo episódio de um A síndrome pós-concussional (SPC) é a
transtorno preexistente. Além disso, sin- sequela mais comum de traumatismo cra-
tomas depressivos também podem decor- nioencefálico (TCE), que caracteriza-se
rer de medicamentos utilizados durante o por uma grande variedade de sintomas,
tratamento da aids. 15 incluindo sintomas psiquiátricos. As rela-
Não há um grupo de antidepressivos ções entre TCE e depressão são comple-
superior aos outros nesses casos, e a esco- xas: ideação suicida, história de depres-
lha do medicamento ideal deve ser guia- são no passado e abuso de substância são
da pelo perfil de efeitos adversos de ca- mais frequentes em pacientes que sofre-
da grupo. Os ISRSs são os mais frequen- ram TCE; a depressão, por sua vez, po-
temente utilizados devido à boa eficácia, de associar-se ao dano neural ou trauma
à baixa prevalência de efeitos anticolinér- psíquico. Alguns autores descrevem sín-
gicos e à menor toxicidade em caso de su- dromes depressivas distintas de acordo
perdosagem. Pode-se recorrer ao metilfe- com o tempo de instalação do TCE: nos
nidato em pacientes refratários a outros
. . . , .
primeiros seis meses pos-trauma, seriam
tratamentos e naqueles em que fadiga e mais frequentes insônia inicial, sintomas
apatia são sintomas mais proeminentes. depressivos de maior intensidade pela
Os ADTs apresentam boa eficácia, mas é manhã e sintomas ansiosos; em períodos
preferível utilizar medicamentos que te- mais tardios, seriam mais frequentes insô-
nham menos efeitos anticolinérgicos, co- nia terminal, perda da libido e déficit de
mo a nortriptilina, já que outros ADTs po- concentração. 1
dem desencadear mais alterações cogniti- A escolha do antidepressivo deve ser
vas e até delirium, além de ressecamento feita levando-se em conta efeitos colate-
Depressão

rais, tais como tremores e maior risco de nesses pacientes é história de depressão
convulsões. Devido a seu perfil de efeitos no passado. 18
adversos, os ISRSs são habitualmente as
substâncias mais indicadas, especialmen-
te a sertralina, que apresenta o maior efei- Doença de Parkinson e
to dopaminérgico, repercutindo bem so- doença de Huntington
bre sintomas cognitivos. 17 Além disso, é
recomendado o estímulo à prática de ati- A doença de Parkinson (DP) apresenta
vidades, terapia ocupacional, psicoterapia uma relação importante com a depres-
e fisioterapia. 1 são e estima-se prevalência de 17% para
TDM e 35% para sintomas depressivos. 19
O transtorno depressivo pode surgir an-
Esclerose múltipla tes das manifestações motoras, e estão em
. . . . , .
maior risco pacientes com inicio precoce
A depressão é uma comorbidade comum da DP, predomínio de rigidez e/ou acine-
entre os pacientes portadores de esclero- sia, sintomas motores predominantes à
se múltipla (EM). Um estudo em amostra direita e disfunção cognitiva. O diagnós-
comunitária evidenciou que a depressão tico pode ser difícil pela grande quanti-
apresenta prevalência de 15, 70/o, em 12 dade de sintomas comuns entre as duas
meses, entre os pacientes portadores de doenças, como anergia, apatia e distúrbio
EM, mais de duas vezes a prevalência ob- do sono, mas instrumentos como o Inven-
servada na população em geral. Os sinto- tário de Depressão de Beck e a Escala de
mas depressivos estão associados, nesses Pontuação de Depressão de Hamilton po-
pacientes, a prejuízos na qualidade de vi- dem ser úteis na prática diária. 1
da e a um maior risco de suicídio, o que A base fisiopatológica dessa associa-
torna fundamental o tratamento desses ção envolve alterações neuroquímicas, co-
sintomas. 18 mo déficit dopaminérgico de vias meso-
O mecanismo fisiopatológico que re- corticolímbicas, hipoatividade noradre-
laciona a depressão e a EM ainda não é , . , .
nergica e serotonergica, e a repercussao
-
bem compreendido, mas alguns fatores psicossocial (perda de emprego, confli-
imunológicos, genéticos, psicossociais e to conjugal, consciência da natureza de-
biológicos desse mecanismo já foram evi- generativa da doença). A abordagem da
denciados. Estudos de neuroimagem, por depressão inclui antidepressivo adequa-
sua vez, mostraram que pacientes com do para cada caso, psicoterapia e eletro-
EM e depressão apresentam com mais convulsoterapia (ECT) .1 Apesar de am-
frequência lesões no córtex pré-frontal, plamente utilizados para tratamento da
no lobo temporal e no fascículo arquea- depressão, em uma metanálise foi de-
do do hemisfério dominante. 18 Atividade monstrado que os ISRSs não apresentam
elevada de citocinas e determinantes psi- maior eficácia quando comparados ao
cossociais, como estratégias de enfrenta- placebo, porém há poucos estudos sobre
mento inadequadas e altos níveis de es- o tema e a maioria deles avaliou amos-
tresse, também podem contribuir para o tras pequenas. 20 O uso de agonistas do-
desenvolvimento de depressão. 1,18 Nos in- paminérgicos no tratamento da depressão
divíduos em tratamento com interferon-~, parece promissor diante dos recentes es-
é importante avaliar a presença de sin- tudos, mas ainda não há evidência sufi-
tomas depressivos, e o preditor mais im- ciente para recomendar essa opção tera-
portante para o surgimento da depressão pêutica.21
Ouevedo & Silva (orgs.)

Epilepsia em até 80% dos pacientes. A doença po-


de ter etiologias muito diferentes, como,
Transtornos depressivos são comuns em por exemplo, adenoma hipofisário outra-
portadores de epilepsia, e os estudos apre- tamentos crônicos com glicocorticoides.
sentam prevalência dessa associação de Alguns fatores de risco para desenvolvi-
1O a SOo/o. Estão em maior risco os pacien- mento de depressão já foram identifica-
tes com epilepsia acometendo estruturas dos: idade avançada, sexo feminino, au-
límbicas, com disfunção do lobo temporal sência de adenoma hipofisário, níveis ele-
ou frontal e com história familiar de de- vados de cortisol urinário e gravidade da
pressão. A depressão pode ainda ter ori- condição clínica. 1
gem iatrogênica, uma vez que substâncias Os corticoides têm receptores no SNC
antiepilépticas, como fenobarbital, po- mais densamente localizados na amígda-
dem causar sintomas depressivos, além de la, no septum e no hipocampo, partes do
ideação e comportamento suicida. Outros cérebro envolvidas no comportamento e
medicamentos apresentam atividade psi- no humor, dentre outras funções. A ação
cotrópica, e sua retirada ou redução pode dessas substâncias no SNC interfere tanto
causar sintomas depressivos. 22 na atividade neuronal pré e pós-sináptica,
A depressão pode ser classificada como nas concentrações de receptores de
nos pacientes epiléticos de acordo com serotonina, promove alterações nos níveis
sua relação temporal com as crises, po- de enzimas que controlam a atividade de
dendo ser ictal, pré-ictal, pós-ictal ou in- . .
neurotransmissores e suprime a neuroge- "

terictal. O transtorno depressivo interictal nese na vida adulta. Entretanto, o hiper-


é o mais frequente, apresentando um qua- cortisolismo sozinho não pode ser respon-
dro variado de sintomas, desde depressão sabilizado por essa associação, uma vez
maior até distimia. que nem todos os indivíduos expostos a
A conduta expectante não é reco- níveis elevados de corticoide cursam com
mendada, nem mesmo nos casos de de- TDM e nem sempre a redução dos níveis
pressão leve, já que esse transtorno dimi- de cortisol é suficiente para remissão do
nui a qualidade de vida e o controle das quadro depressivo. Desse modo, vulnera-
crises, além de aumentar o risco de sui- bilidades individuais, como traços de per-
cídio. Os antidepressivos de primeira es- sonalidade e predisposição genética, são
colha são os ISRSs, devido a seu perfil de importantes para explicar o desenvolvi-
efeitos adversos, mas é preciso atenção mento da depressão. 1
para a interação medicamentosa entre Os sintomas depressivos costumam
esses medicamentos e os antiepilépticos, reduzir progressivamente com o trata-
que podem apresentar níveis mais eleva- mento da síndrome de Cushing, seja por
dos devido à inibição enzimática. 2 3 meio de inibidores da produção de este-
roides, por cirurgia ou por radioterapia. A
associação de inibidores da produção de
-
DEPRESSAO EENDOCRINOPATIAS esteroides e antidepressivos, que parecem
não ter efeito isoladamente, costuma re-
Síndrome de Cushing solver quadros depressivos refratários e
secundários a hipercortisolismo. Há uma
A síndrome de Cushing é um estado de correlação inversa entre níveis plasmáti-
hipercortisolismo crônico no qual a de- cos de cortisol matutino e resolução dos
pressão maior pode ser uma complicação sintomas depressivos. 1
Depressão

Doença tireoidiana 2. a depressão precederia o diabetes ti-


po 2, ou seja, aumentaria o risco de
O transtorno depressivo pode ser encon- desenvolvimento de diabetes, por
trado em cerca de 400/o dos indivíduos meio do aumento da atividade e da
com hipofunção tireoidiana, e a frequên- liberação contrarregulatória de hor-
cia de sintomas depressivos nessas pes- mônios, da alteração no transporte
soas é maior, chegando a SOO/o. As mu- de glicose e do aumento da ativação
lheres parecem mais suscetíveis a essa imunoinflamatória.
associação, principalmente com alenteci-
mento motor e déficit cognitivo leve. 1 Dessa forma, a relação entre diabe-
A ausência de sinais ou sintomas tes tipo 2 e inflamação poderia ser enca-
que ajudem a diferenciar o transtorno de- rada como bidirecional, havendo evidên-
pressivo primário daquele decorrente de cias na literatura que apoiam esse fato. 2
doença tireoidiana toma imprescindível A associação entre diabetes e depres-
a rotina de avaliação da função tireoidia- são traz diversos prejuízos para os pacien-
na na prática clínica da saúde mental, es- tes. Há estudos mostrando que esses indi-
pecialmente em pacientes resistentes ou víduos apresentam menor adesão ao tra-
refratários ao tratamento antidepressivo, tamento, controle glicêmico ruim, maior
nos quais a frequência de hipotireoidismo frequência de complicações, menor qua-
varia de 25 a 52%. 1 lidade de vida, maior custo para serviços
O principal tratamento para a de- de saúde e, por fim, maior risco de morte.
pressão nesses casos é a terapia adequada Apesar disso, muitos casos de depressão
à doença tireoidiana, que promove a re- nesse grupo permanecem sem diagnósti-
dução ou resolução dos sintomas depres- co e tratamento. 2
sivos. Um quadro depressivo moderado O tratamento para depressão, far-
. . , . " macológico ou psicoterápico, mostrou-
ou grave com sintomas ps1cot1cos, catato-
nicos ou ideação suicida pode exigir trata- -se eficiente no controle de sintomas de-
mento com antidepressivos ou antipsicóti- pressivos em pacientes diabéticos, contu-
cos, ou até mesmo ECT, paralelamente ao do não foram encontrados resultados tão
tratamento endocrinológico. 1 consistentes quando se avalia como des-
fecho o controle glicêmico. Dessa forma,
o controle de sintomas depressivos pode
Diabetes melito ser considerado um passo necessário pa-
ra o controle glicêmico, mas não suficien-
Estudos mostraram que diabéticos estão te. Estudos mostraram, porém, que o uso
mais propensos a desenvolver depressão de antidepressivos está associado ao de-
e estima-se que 11 o/o dos pacientes porta- senvolvimento de diabetes e doenças car-
dores de diabetes preencham critérios pa- diovasculares em pacientes portadores de
ra TOM e que 31 o/o sejam acometidos por diabetes tipo 2, independentemente da
sintomas depressivos. Atualmente, duas presença de sintomas depressivos. 24
hipóteses tentam explicar a associação en- Os ISRSs são atualmente considera-
tre essas duas doenças: dos antidepressivos de primeira linha nes-
ses casos, mas é preciso tomar cuidado
1. a depressão no diabetes seria uma com interação medicamentosa, via cito-
consequência do estresse psicossocial cromo P450, entre eles e hipoglicemian-
devido à condição médica crônica; tes orais. Os ADTs dificilmente são utiliza-
Ouevedo & Silva (orgs.)

dos devido a seu perfil de efeitos colate- com LES, com frequências entre 10,8 e
rais, e foi demonstrado que a nortriptilina 39,60/o, taxas bem maiores que na popu-
está associada a aumento do nível glicê- lação geral. Vários fatores podem expli-
mico. Foi demonstrado que psicoterapias, car esses números elevados, como o es-
especialmente terapia cognitivo-compor- tresse causado por uma doença crônica e
tamental (TCC), estão associadas a me- altas doses de corticosteroides comumen-
lhora significativa dos sintomas. 24 te utilizados no tratamento. Na verdade,
pacientes com outras doenças crônicas,
incluindo artrite reumatoide e doença in-
-
DEPRESSAO EREUMATOLOGIA flamatória intestinal, que também são tra-
tadas com corticosteroides, mas não têm
Lúpus eritematoso sistêmico (LES) envolvimento do SNC, mostram taxas de
TOM comparáveis àquelas dos pacientes
Síndromes neuropsiquiátricas são comuns com LES. 27
em associação com o lúpus, ou mesmo O anticorpo anti-P ribossomal está
constituem critérios diagnósticos para a fortemente associado tanto com a psicose
doença, apresentando prevalência de 17 lúpica quanto com a depressão grave. Adi-
a 750/o. Em 1999, o Colégio Americano de cionalmente, transtornos neuropsiquiá-
Reumatologia observou 19 síndromes neu- tricos decorrentes da atividade do LES,
ropsiquiátricas distintas associadas ao lú- como convulsões, meningites assépticas,
pus, dentre elas transtorno de humor, esta- delirium e psicose podem também estar
do confusional agudo (delirium), ansieda- associados com sintomas depressivos con-
de, disfunção cognitiva e psicose. 25 comitantes. De fato, quando se avaliam
O LES neuropsiquiátrico per111anece pacientes hospitalizados com LES ativo, a
como uma manifestação ainda não eluci- frequência de TOM alcança 440/o e os sin-
dada e pode estar relacionado à produção tomas estão significativamente relaciona-
de determinados autoanticorpos. O traba- dos com o envolvimento do SNC, como
lho de Zandman-Goddard e colaborado- calcificações cerebrais observadas na to-
res26 identificou cinco autoanticorpos que mografia computadorizada. 27
parecem estar associados com a ocorrên- Assim, diante de um paciente porta-
cia de TOM no LES: anticorpos contra os dor de LES, é fundamental a atenção a si-
receptores de N-metil-D-aspartato (anti- nais de alterações nos padrões de compor-
-NMDA), antigangliosídio (AGA), antien- tamento e estado geral, visando o diag-
dotelial (AECA), anticardiolipina (ACL) e nóstico dos transtornos psiquiátricos. As
antirribossomo P (anti-P). estratégias atuais de tratamento, com ba-
Os fatores de risco para depressão se em pequenos ensaios, incluem predni-
no lúpus incluem envolvimento direto no sona, ciclofosfamida e substâncias psico-
SNC, como dano direto ao cérebro, trans- trópicas atípicas. Os ISRSs são a primeira
. ., . . linha de tratamento para a depressão em
tornos neurops1qu1atr1cos concomitantes,
administração de corticosteroides e a res- portadores de LES, graças à segurança de
posta do paciente à doença (impacto psico- tolerabilidade. 2s
lógico da doença crônica), mas não se sabe
ainda se esta é uma manifestação direta do
processo patológico ou uma consequência Artrite reumatoide
da disfunção física e psicossocial. 25
O TOM é um dos transtornos psi- O TOM é de duas a três vezes mais comum
quiátricos mais observados em pacientes em portadores de artrite reumatoide (AR)
Depressão

que na população em geral e parece ser sar de essa diferença ser discreta. Ansie-
consequência da experiência de dor crô- dade e redução da vitalidade foram en-
nica e ter relação com a deficiência físi- contradas em pacientes com doença infla-
ca, a duração e a atividade da doença. 28 matória intestinal, independentemente da
O TDM tem sido evidenciado como me- presença dos sintomas gastrintestinais. 1
lhor preditor de incapacidade em pacien-
tes com AR que a atividade da doença. 1 ,
Depressão e AR contribuem para a Ulcera duodenal
diminuição da qualidade de vida e pa-
ra a mortalidade. Vias inflamatórias po- A relação entre úlcera duodenal (UD) e
dem ser o ponto-chave para uma liga- aspectos psicológicos é estudada há dé-
ção entre ambas, e citocinas têm sido cadas. Um estudo envolvendo indivíduos
um dos principais focos da investigação que apresentavam UD identificou que,
nessa área. 29 após seis semanas de tratamento, os pa-
A AR parece estar diretamente as- cientes que apresentaram altos níveis de
sociada a síndromes psiquiátricas clinica- ansiedade não apresentaram cicatriza-
mente significativas apenas em pacientes ção da úlcera, o que não era encontra-
com AR mais grave e incapacitante. Ape- do entre aqueles que apresentaram pre-
sar de alguns autores estabelecerem uma dominância de sintomas depressivos. A
ligação entre o TDM e o quadro clínico, a depressão foi apontada como um dos fa-
maioria dos episódios não pode ser expli- tores de perpetuação dos sintomas dis-
cada por modelos clínicos, ou seja, rela- pépticos em pacientes com UD de início
cionados à doença. 1 recente no segmento de sete anos. Esses
sintomas permaneceram duas vezes maio-
res, em comparação com os pacientes sem
DOENÇAS GASTRINTESTINAIS sintomas depressivos. Uma avaliação por
12 anos demonstrou que as taxas de re-
Doença inflamatória intestinal cidivas de UD estavam mais relacionadas
à presença da bactéria Helicobacter pylori
Os sintomas ansiosos subsequentes aos que os níveis de ansiedade e depressão. O
diagnósticos de retocolite ulcerativa tratamento para H. pylori reduziu as reci-
(RCU) e doença de Crohn (DC) podem divas de 100 para 0,30/o ao ano. 1
ser justificados por um transtorno de ajus-
tamento relacionado à enfermidade gas-
trintestinal vivida pelo paciente. Também Síndrome do intestino irritável
é necessário considerar os sintomas psi-
quiátricos decorrentes dos efeitos adver- A literatura mostra que de 70 a 900/o dos
sos causados pelo corticosteroide, muito pacientes com síndrome do intestino irri-
utilizado no tratamento da DC. Os escores tável (SII) que procuram tratamento
de qualidade de vida desses pacientes es- apresentam alguma comorbidade psiquiá-
tão relacionados com a atividade da doen- trica. Transtornos psiquiátricos não espe-
ça e com a presença de sintomas psiquiá- cíficos têm sido associados à SII, sendo
tricos associados. 1 a depressão e os transtornos de ansieda-
Em geral, pacientes com RCU apre- de e somatoformes as condições mais fre-
sentaram melhor qualidade de vida e me- quentemente diagnosticadas. Relatos de
nos sintomas de ansiedade e depressão, se comorbidades apresentam taxas de 27 a
comparados com pacientes com DC, ape- 290/o de depressão maior, 60% de disti-
Ouevedo & Silva (orgs.)

mia, 19% de esquizofrenia e 440/o de sín- 4 . Capuron L, Miller AH. Cytokines and psycho-
pathology: lessons from interferon-alpha. Biol
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res psicossociais na SII torna mais difícil o
5 . Quarantini LC, Bressan RA, Galvao A, Batista-
tratamento e conduz a um curso mais in- -Neves S, Parana R, Miranda-Scippa A. lnci-
capacitante da doença. Portanto, além do dence of psychiatric side effects during pegyla-
uso de ansiolíticos e antidepressivos, uma ted interferon- alpha retreatment in nonrespon-
der hepatitis C virus-infected patients. Liver lnt.
abordagem acerca dos fatores psicosso-
2007;27(8):1098-102.
ciais é fundamental. 30
6 . Van der Kooy K, van Hout H, Marwijk H, Marten
H, Stehouwer C, Beekman A. Depression and

-
CONCLUSAO
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Depressão

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Kalil Dualibi
Luciana Reis Pereira
Ligia Mucci

-
INTRODUÇAO DEPRESSÃO ETRANSTORNOS
-
DA ALIMENTAÇAO
Todas as patologias psiquiátricas podem
cursar com períodos depressivos, mas os A relação entre TAs e outras doenças men-
transtornos de ansiedade, os transtornos tais tem sido objeto frequente de estudos
da alimentação (TA) e a esquizofrenia são em psiquiatria, principalmente nos últi-
os transtornos que apresentam maior pre- mos anos, em função da maior prevalên-
valência de fases ou períodos depressivos, cia desses quadros, que vêm aumentando
seja durante o curso de algumas crises, se- de forma exponencial.
ja no acompanhamento longitudinal des- No sexo feminino, a prevalência de
sas pessoas. TAs, segundo o National Comorbidity Sur-
A descrição de sintomas depressivos vey Replication (NCS-R), é de 0,90/o para
acompanhando essas patologias foi rela- anorexia nervosa, 1,5% para bulimia ner-
tada já por Emil Kraepelin em relação à vosa e 3,50/o para transtorno de compul-
esquizofrenia, porém tais sintomas sem- são alimentar periódica; entre os homens,
pre foram relegados a um segundo plano, esses índices são menores, com 0,30/o pa-
sem uma atenção maior. Hoje se sabe, no ra anorexia, 0,5% para bulimia e 20/o para
entanto, que podem impactar na evolução compulsão periódica.
e no prognóstico desses quadros, além de Estudos atuais demonstram forte rela-
ser gatilhos de novos episódios. ção entre TAs e outros transtornos psiqui-
O fato de persistirem sintomas de- átricos, principalmente transtornos do hu-
pressivos residuais, ou até mesmo qua- mor, de ansiedade, do controle de impulsos,
dros depressivos completos, em comorbi- da personalidade e abuso de substâncias.
dade com os quadros de ansiedade e os O investimento em estudos sobre
de transtornos da alimentação poderia comorbidades dos TAs tem grande valor,
ser, para estes últimos, um indicador de pois outras doenças mentais podem in-
gravidade, recorrência e pior prognóstico. fluenciar o prognóstico desses transtor-
Ouevedo & Silva (orgs.)

nos, mascarar a presença de sintomas ali- é observada em pacientes com anorexia


mentares e, assim, alterar o planejamento nervosa.
de terapêutica. Uma questão que se impõe na rela-
A associação entre TA e depressão (no ção entre TA e depressão é que não se po-
sentido amplo: sintoma, síndrome e trans- de desconsiderar o estado nutricional de-
torno) está bem estabelecida na literatura, bilitado dos pacientes, o que poderia levar
e a prevalência desses sintomas depressi- a sintomas depressivos secundários à con-
vos é mais alta em todos os tipos de TA. dição orgânica. Estudos mostram que a
A incidência de sintomas depressivos desnutrição pode causar sintomas depres-
ao longo da vida de pacientes com anore- sivos, como alterações neuroquímicas (al-
xia nervosa chega a 980/o, 1 sendo a depres- terações no sistema serotonérgico) e neu-
são maior o transtorno do Eixo 1 (do DSM- roendócrinas (hiperatividade do eixo hi-
-IV) 2 mais observado entre esses pacientes. potálamo-hipófise-adrenal e da tireoide).
Há inúmeros estudos que comprovam A frequente descrição de sintomas
a frequente relação entre essas duas pato- depressivos como baixa autoestima, in-
logias. Em todos os estudos as prevalências satisfação corporal e elevada taxa de sui-
são bem altas. Strober e Katz3 indicam que cídio, assim como os altos índices de co-
entre 25 e 800/o dos pacientes com TA apre- morbidade entre TAs e depressão, tem le-
sentam uma alta prevalência de depressão vado alguns teóricos a defenderem os TAs
quando utilizada a Escala de Hamilton. Em como parte de um suposto espectro de
outro estudo utilizando o mesmo instru- transtornos do humor, como uma forma
mento, em 40, 70/o dos pacientes com anore- atípica de depressão. s,6
xia nervosa e em 23,60/o daqueles com buli- Os transtornos de ansiedade tam-
mia nervosa foi detectada depressão severa bém estão fortemente associados aos TAs,
ou moderada. A frequência de sintomatolo- sendo muito mais frequentes que na po-
gia compatível com depressão na anorexia pulação em geral. A prevalência de pelo
nervosa varia de 20 a 100% e, na bulimia, menos um transtorno de ansiedade va-
entre 11 e 100%. Em estudos recentes, fo- ria de 33 a 83% na anorexia nervosa e de
ram encontradas taxas de 50 a 68% de de- 36 a 750/o na bulimia nervosa. Desses, os
pressão em pacientes com anorexia nervosa mais frequentes são: fobia social (preva-
e de 38 a 63% em pacientes com bulimia. lência de 31 a 55%), transtorno de ansie-
Ainda, estudos de família com pacientes dade generalizada (de 24 a 49%) e trans-
com TA mostram uma proporção alta de pa- torno obsessivo-compulsivo (TOC) (de 21
rentes de primeiro e segundo graus com his- a 62%).
tória de transtorno do humor. A relação entre TA e TOC também é
A grande maioria dos estudos reve- notória e bastante estudada. Atualmen-
la a depressão maior como transtorno do te são encontradas taxas de comorbida-
humor mais frequente nos TAs, contudo, de entre TOC e anorexia nervosa que va-
em estudo recente, Perez e colaborado- riam de 9 ,5 a 350/o, e entre TOC e bulimia
res, 4 ao avaliarem uma população de ado- nervosa variando entre 18,5 e 400/o. 7 ' 8 Por
lescentes, encontraram a distimia como o meio de estudos como o de Godart e co-
transtorno do humor mais frequentemen- laboradores, 9 em 2002, e Halmi e colabo-
te associado à bulimia nervosa. radores, 10 em 2003, demonstrou-se que o
Ainda sobre bulimia, o transtorno TOC antecede o TA em 65 a 88% dos ca-
do humor notadamente relacionado é o sos. Inversamente, até 42% dos portado-
transtorno bipolar, com prevalências va- res de TOC também podem apresentar TA
riando de 2 a 120/o, relação essa que não e, nesses, identificou-se maior gravida-
Depressão

de da doença naqueles que apresentavam A associação entre TA e transtornos


anorexia nervosa e bulimia como comor- da personalidade (TPs) também tem sido
bidades. bastante estudada. Estudos recentes mos-
Outra associação frequente é a de TA tram que a taxa de comorbidade entre
e abuso de substâncias psicoativas. Tam- eles pode variar de 2 7 a 940/o. Dentre os
bém foco de estudos atuais, comprovou- TPs, o borderline é o mais frequente, pre-
-se que há grandes diferenças na preva- sente em 31 o/o dos pacientes com bulimia
lência dos transtornos por abuso de subs- nervosa e em 14% daqueles com anore-
tâncias entre os principais subtipos de TA, xia nervosa. Quanto ao prognóstico de pa-
uma vez que são mais frequentes naque- cientes com tal associação, há discordân-
les em que há episódios de descontrole cia, pois, enquanto alguns autores consi-
alimentar, como na bulimia nervosa e na deram pior curso para o TA, outros não
anorexia do tipo bulímica. Corcos e cola- observam essa relação.
boradores11 demonstraram a estreita rela-
ção entre o abuso de álcool e outras subs-
tâncias e o comportamento impulsivo e,
-
DEPRESSAO EESOU IZOFRENIA
ainda, que a impulsividade é considerada
fator etiológico comum entre TA e abuso Sintomas depressivos foram descritos já
de substâncias. nos primeiros estudos sobre esquizofre-
As substâncias psicoativas mais en- nia. Emil Kraepelin12 foi pioneiro ao for-
volvidas nesses transtornos são: álcool, mular a distinção clínica entre transtor-
derivados de tetra-hidroxicanabinol (can- nos afetivos (na época, doença manía-
nabis e derivados) e estimulantes. Den- co-depressiva) e esquizofrenia (dementia
tre os pacientes que abusam de substân- praecox), baseado em fatores como idade,
cias, as mulheres são mais suscetíveis a tipo de início, sintomas clínicos e curso da
apresentar comorbidade com TAs do que doença. Essa diferenciação básica perdura
os homens, em uma prevalência de 28 a até a atualidade, embora o próprio Krae-
41 %, enquanto eles, em apenas 30/o. pelin, em 1974, tenha admitido que al-
Em relação ao comportamento im- guns pacientes compartilhavam sintomas
pulsivo, citado anteriormente, pesquisas das duas doenças, o que, mais tarde, rece-
mostram que pacientes com bulimia ner- beu de Kasanin, 13 o nome de psicose es-
vosa apresentam prevalência significativa quizoafetiva.
de tentativas de suicídio, uso de substân- O próprio Kraepelin, ao observar pa-
cias, pequenos furtos e atos de autoagres- cientes com dementia praecox, notava que,
são. Esses comportamentos frequente- em algumas fases da doença, esses apre-
mente antecedem o início dos sintomas sentavam sintomas depressivos. Mais tar-
alimentares, o que sugere que a impulsi- de, Bleuler, 14 responsável por desenvol-
vidade é fator de risco para instalação do ver o ter1110 esquizofrenia, que substituiu
TA, e não consequência das perturbações dementia praecox e que expressava a pre-
no comportamento alimentar. Tal com- sença de cisões (schisms) entre pensamen-
portamento impulsivo tem sido tão evi- to, emoção e comportamento, identificou
dente em pacientes com TAs, que estudos uma síndrome melancólica que, em sua
recentes vêm discutindo os sistemas clas- opinião, era a intercorrência aguda mais
sificatórios atuais, como o DSM-Iv,2 que frequente no curso de tal doença.
ainda não valorizam esse sintoma como Contudo, por vários anos, os sinto-
ponto de corte para o diagnóstico dos di- mas depressivos em pacientes com esqui-
ferentes TAs. zofrenia foram deixados de lado, dando-
Ouevedo & Silva (orgs.)

-se ênfase apenas para o estudo dos sin- cótica, demonstrando que esses estão
tomas psicóticos. Em 1951, Eissler15 foi entre os sintomas prodrômicos mais co-
pioneiro ao descrever a síndrome depres- muns.
siva que seguia o episódio psicótico agu- Green e colaboradores18 confirmaram,
do, sendo essa a primeira vez em que se a partir de achados mais recentes da lite-
utilizou o termo ''depressão pós-psicóti- ratura, que sintomas depressivos podem
ca''. Na época, era considerada um qua- ocorrer em todas as fases da doença e de-
dro estável, com duração variando entre ram ênfase ao episódio psicótico agudo co-
semanas e mais de um ano, e seu prog- mo a fase em que tais sintomas são mais
nóstico era considerado favorável. frequentes.
O termo ''depressão pós-psicótica'' Quanto ao curso e prognóstico da
ganhou ainda mais notoriedade quando, depressão pós-esquizofrênica, atualmen-
em 1967, Bowers e Astrachan 16 reforça- te o mito de que a ocorrência de sintomas
ram os estudos clínicos com esquizofre- depressivos é um sinal de bom prognós-
nia nos quais foi apresentada importan- tico vem perdendo sustentação. Estudos
te depressão do humor. Contudo, tais es- longitudinais têm considerado a depres-
tudos tinham um desenho metodológico são como indicador desfavorável de evo-
que permitia grande variabilidade dentro lução da doença e a têm associado a vá-
dos grupos, sendo que a conclusão a que rios aspectos negativos do desfecho clíni-
se chegou foi de que a depressão decor- co, uma vez que vem sendo relacionada
rente de um episódio psicótico agudo ten- com: hospitalizações mais longas, pior
de a ser muito heterogênia. resposta à medicação, pior desempenho
A partir de 1970, os estudos passaram social, maiores taxas de recaída, cronici-
a questionar alguns dogmas introduzidos dade e suicídio.
pelo conceito de depressão pós-psicótica, O risco de suicídio é um fator impor-
até que McGlashan e Carpenter17 notaram tante que deve ser avaliado com caute-
que os sintomas depressivos não eram um la pelo psiquiatra, pois aproximadamen-
fenômeno restrito ao período pós-psicóti- te 1 Oo/o das pessoas com esquizofrenia se
co, já que, na maioria dos casos, haviam suicidam. 19 Isso representa por volta de
se iniciado na fase psicótica aguda, cha- 330/o do total de suicídios cometidos entre
mando atenção para uma maior probabi- doentes mentais. Segundo observação clí-
lidade de depressão após o uso de fenotia- nica, esses pacientes tendem a ser jovens,
zinas (depressão pós-psicótica secundária do sexo masculino e estão nas fases ini-
a neurolépticos). Desde então, diversos ciais da doença. Yarden20 chamou atenção
estudos investigaram a relação dos neu- para uma série de sintomas afetivos pre-
rolépticos na depressão em portadores de sentes no período que antecede o suicídio
esquizofrenia e, de maneira geral, obser- (Tabela 13.1).
vou-se que a maioria dos pacientes apre- Os sintomas depressivos podem ocor-
senta melhora da depressão à medida que rer tanto na vigência da fase psicótica
. . , . .
os sintomas ps1cot1cos rem1tem, mas uma aguda quanto na fase de remissão dos sin-
pequena proporção deles apresenta piora tomas psicóticos. Knights e Hirsch21 ob-
com a regressão do quadro psicótico. servaram que, em estado de surto agudo,
Mais recentemente, os estudos que SOO/o dos pacientes apresentavam sinto-
avaliam pacientes estáveis mostram uma mas depressivos importantes, sendo que
frequência bastante alta de sintomas de- metade deles melhorou em três semanas,
pressivos e estabelecem uma relação en- enquanto a outra metade per1naneceu de-
tre tais sintomas e a descompensação psi- primida. Em outro estudo, Leff e colabo-
Depressão

Tabela 13.1
Sintomas afetivos em suicidas portadores de esquizofrenia
Sintomas afetivos N o/o

Anorexia e perda de peso 16 80


Transtornos motores
- inquietação 9 45
- retardo 9 45
Expressões de desesperança e desespero 13 65
Afirmação verbal de intento suicida 10 50
Delírios de culpa ou de estar fazendo coisas erradas ou de
conteúdo mórbido, alucinações com tema suicida ou
tendo uma natureza condenatória ou acusatória 9 45
Crises de ansiedade 7 35
Fonte: Adaptada de Yarden.20

radores22 observaram que, dos pacien- sódio psicótico ou acompanhar a psicose,


tes com esquizofrenia em surto psicótico, além de torná-la mais grave, de pior prog-
45% apresentaram sintomas depressivos nóstico e com maior risco de suicídio.
que regrediram com a melhora dos sin-
tomas psicóticos. Sendo assim, começou-
-se a considerar a hipótese de que os sin-
-
DEPRESSAO EANSIEDADE
tomas depressivos são uma parte integral
da reagudização dos sintomas psicóticos A comorbidade entre depressão e ansie-
dos pacientes com esquizofrenia. dade é comum. Em comunidades de adul-
Em geral, constata-se que os sinto- tos jovens com depressão, a prevalência
mas depressivos iniciam-se na fase pro- de ansiedade como fator comórbido vai
drômica e se intensificam no início da de 3323 a 51%. 24 Em populações idosas,
descompensação psicótica. Enquanto na as taxas podem variar de 3 a 650/o.
avaliação clínica predominam sintomas Além da comorbidade entre qua-
psicóticos como alterações de sensoper- dros de depressão e ansiedade, há tam-
cepção, juízo, desorganização do pensa- bém aqueles pacientes que preenchem
mento e do comportamento, sintomas de- critérios diagnósticos apenas para depres-
pressivos como humor deprimido, ideias são, porém apresentam sintomas de an-
de menos valia, desesperança, culpa e siedade, sem que se estabeleça, no entan-
ideação suicida não podem ser esqueci- to, um transtorno de ansiedade comple-
dos na avaliação global. to. Estudos mostram que pelo menos 670/o
Embora seja muito difícil separar dos pacientes com depressão maior apre-
sintomas de depressão de sintomas ne- sentaram um ou mais sintomas de ansie-
gativos da esquizofrenia, sendo necessá- dade, quais sejam: agitação, sintomas de
ria uma avaliação clínica criteriosa, essa ansiedade generalizada, sintomas gastrin-
separação se faz necessária, uma vez que testinais (GI), hipocondria, sintomas ob-
os sintomas depressivos podem ocorrer sessivo-compulsivos, anorexia e perda de
no pródromo da doença, ser parte do epi- peso, ataques de pânico e outros.
Ouevedo & Silva (orgs.)

Em estudo prospectivo, que seguiu va (nem sempre reconhecida) no sistema


pacientes por 12 anos, foi observado que, de saúde. Trabalhos epidemiológicos da
na presença de depressão comórbida, as Organização Mundial da Saúde (OMS) 26
taxas de risco de recorrência aumentam demonstram que cerca de 30% das con-
entre 62 e 90o/o no transtorno de ansie- sultas realizadas no atendimento primá-
dade generalizada, na fobia social e no rio apresentam sintomatologia depressiva
transtorno de pânico sem agorafobia. não reconhecida pelos generalistas, o que
Verifica-se a associação entre sinto- dificulta a evolução e encarece o atendi-
mas severos de ansiedade e o aumento mento pelos inúmeros exames solicitados,
das taxas de abandono do tratamento em podendo levar a um comprometimento
quadros depressivos, além da diminuição ainda maior de todo o quadro.
de resposta aguda ao tratamento antide- Estudos clínicos e de comunidade
pressivo e aumento do tempo necessário apontam o transtorno de pânico como o
para a remissão do quadro. provável transtorno de ansiedade mais
Fava e colaboradores, 25 em um tra- comum em comorbidade com depressão.
balho antológico na Harvard Medical A fobia social é associada a diversos
School, demonstraram que um episódio transtornos, incluindo, além de depressão
de depressão maior é muitas vezes prece- e abuso de substâncias, outros transtor-
dido por alguns transtornos de ansiedade. nos de ansiedade. As taxas de depressão
O transtorno de ansiedade social antece- em pacientes com fobia social são altas.
de a depressão maior em 63% dos casos, o Estudos clínicos com pacientes acompa-
transtorno de ansiedade generalizada, em nhados por 13 anos mostram que a fobia
65% dos casos, e o transtorno de pânico, social pode preceder um episódio de de-
em 22% dos casos. pressão maior em até 90% dos casos. 27 Es-
Não se deve esquecer dos transtor- se dado sugere que a fobia ou a ansieda-
nos mistos de depressão e ansiedade, cujo de social podem ser fatores de predisposi-
diagnóstico, pela sobreposição de sinto- ção para um futuro episódio depressivo.
mas, é bastante difícil, principalmente no Quanto ao transtorno de estresse
atendimento primário. Alguns dos sinto- pós-traumático, um grande estudo mostra
mas comuns às duas síndromes são cita- que cerca de 48o/o dos pacientes com esse
dos na Tabela 13.2. Além disso, deve-se diagnóstico desenvolvem um episódio de
considerar os postos e as unidades básicas depressão maior ao longo da vida, fazen-
de saúde como a ''porta de entrada'' dos do com que essa seja a mais comum co-
pacientes com sintomatologia depressi- morbidade do estresse pós-traumático. 28

Tabela 13.2
Sobreposição de sintomas de depressão e ansiedade
Depressão Sobreposição Ansiedade

Humor depressivo Irritabilidade, pânico Hipervigilância


Ruminações do passado Ruminações negativas Preocupação com o futuro
Perda de interesse Preocupação Agorafobia
Lentificação Isolamento social, angústia
Aumento ou perda de peso Agitação
Insônia, diminuição de concentração
Dor crônica, fad iga, sintomas GI
Depressão

A depressão após um trauma é mui- torno de ansiedade social utilizarem o ál-


to comum, particularmente naqueles pa- cool como terapêutica para a ansiedade.
cientes que já tiveram um episódio de- Essas patologias podem ser indepen-
pressivo prévio e naqueles que desenvol- dentes, uma pode ser secundária à outra,
veram o estresse pós-traumático. 29 ou ambas podem ser secundárias a um
O TOC comumente precede um epi- terceiro fator. 32 Independentemente da
sódio depressivo, mas também há evi- causa, cada uma pode influenciar o curso
dências de que pacientes com depressão e o prognóstico da outra, sendo necessá-
. " .
maior têm risco de desenvolver rumina- rio que os programas terapeut1cos que as
ções ou pensamentos obsessivos. 30 conduzem levem em consideração a pos-
sibilidade da coexistência.
Deve-se atentar para a dificuldade de
-
DEPRESSAO EUSO DE
diagnóstico, uma vez que sintomas psiquiá-
" tricos podem ser induzidos pelo uso de
SUBSTANCIAS PSICOATIVAS SPAs e que as informações cedidas pelos
pacientes no primeiro contato com o pro-
O uso e o abuso de substâncias psicoati- fissional de saúde mental podem não ser
vas (SPAs) são frequentes em pacientes confiáveis. 33 Drake e colaboradores34 suge-
com doença mental. Estima-se que de 20 rem a utilização de uma abordagem abran-
a 50% dos pacientes psiquiátricos tam- gente, englobando autoavaliação, dados
bém apresentem transtornos por uso de obtidos na entrevista com o paciente e com
SPAs. Concomitantemente, estima-se que acompanhantes, e fatos observados de sua
até 370/o das pessoas com abuso ou depen- vida. Além disso, o uso de substâncias psi-
dência de álcool têm também outro diag- coativas é com frequência minimizado pe-
nóstico psiquiátrico, como transtorno afe- lo paciente, raramente sendo relatado da
tivo, de ansiedade, psicótico ou da perso- for1na correta.
nalidade. 31
A comorbidade entre alcoolismo e
depressão tem sido descrita desde a An- REFERÊNCIAS
tiguidade. Estima-se que entre 10 e 300/o
dos pacientes etilistas apresentem tam- 1. Alexopoulos GS, Katz IR, Bruce ML, Heo M, Ten
, Have T, Raue P, et al. Remission in depressed
bém depressão. E importante, ainda, lem- geriatric primary care patients: a report from
brar que a associação entre alcoolismo e the PROSPECT study. Am J Psychiatry. 2005;
suicídio é alta. 162(4) :718-24.
Há carência de estudos nacionais que 2. American Psychiatric Association. Manual diag-
avaliem de for111a precisa o uso agudo e a nóstico e estatístico de transtornos mentais:
DSM-N-TR. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2002.
dependência de álcool e outras substâncias
3. Strober M, Katz JL. Do eating disorders and affec-
em casos de tentativas de suicídio. A maio- tive disorders share a common etiology? A dis-
ria desses casos envolve outras doenças senting opinion. lnt J Eat Disord 1987;6:171-80.
mentais associadas, e acredita-se que, em 4. Perez M, Joiner TE Jr, Lewinsohn PM. Is major
cerca de metade deles, haja um transtor- depressive disorder or dysthymia more strongly
no maior do humor associado, como, por associated with bulimia nervosa? lnt J Eat Di-
sord. 2004;36(1):55-61.
exemplo, depressão maior, transtorno bi-
5. Hatsukami D, Eckert E, Mitchell J, Pyle R. Affec-
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Ouevedo & Silva (orgs.)

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sed? Am J Psychiatry. 1984;141(12):1594-7. 1984;6(1):67-82..
Fábio Gomes de Matos e Souza

A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional...
Carlos Drummond de Andrade

-
INTRODUÇAO 3. mistas - como, por exemplo, neuro-
patia diabética, enxaqueca, dor pós-
A dor é um sinal de alerta que ajuda a -herpética e dor do trigêmeo
proteger o corpo de danos nos tecidos. A
International Association for the Study of A dor é responsável por cerca de
Pain (IASP) define dor como ''uma expe- 200/o de todas as consultas médicas, ca-
riência sensorial e emocional desagradá- so em que é o motivo mais frequente pa-
vel associada a dano tecidual real ou po- ra a procura de atendimento médico. A
tencial''. A IASP caracterizou os mecanis- prescrição de analgésicos para o alívio da
mos neurais da dor em cinco eixos: dor corresponde a cerca de 120/o de todas
as prescrições médicas. Nos Estados Uni-
1. local da dor dos, a dor crônica é um problema de saú-
2. sistema fisiológico envolvido de pública, pois atinge mais de 70 milhões
3. padrão temporal e recorrência de norte-americanos. São gastos cerca de
4. intensidade e duração 100 bilhões de dólares por ano devido aos
5. etiologia custos médicos e à perda de rendimentos
e de produtividade provocada pelas do-
Em relação ao local, as dores podem res. A dor é a principal causa de perda de
ser classificadas em: trabalho e é também a principal razão pa-
ra a busca da medicina alternativa.
1. periféricas - como, por exemplo, os- A dor aguda tem alívio esperado den-
teoartrite, artrite reumatoide, dor tro de dias ou semanas. Ela sinaliza um da-
pós-cirúrgica, dor causada por cânce- no real ao organismo ou que situações am-
res, e dores dentais bientais são percebidas como dolorosas.
2. centrais - como, por exemplo, fibro- A IASP define a dor crônica como a
mialgia, dor pós-AVC, esclerose múl- dor que persiste além do tempo nor1nal
tipla e dor provocada por danos na de cicatrização (geralmente com dura-
medula espinal ção superior a três meses). A dor crônica
Ouevedo & Silva (orgs.)

(não maligna) não é uma sensação unitá- COMO ADOR FOI DESCRITA
ria evocada por uma lesão local, por in- AO LONGO DOS TEMPOS
flamação ou por outra patologia tecidu-
al, mas é um estado complexo modulado A origem do termo pain (em inglês) vem
por fatores genéticos, ambientais, cogniti- do latim - poene - e do grego - poine -
• •
vos e emoc1ona1s. que significa penalidade ou punição. Aris-
A dor crônica é uma condição comum tóteles considerava a dor como um senti-
nos países ocidentais, constituindo um mento, não como uma sensação, e classi-
importante problema de saúde por cau- ficava a paixão da alma como originada
sa do número de pessoas afetadas e dos no coração. Hipócrates referia que ''divi-
crescentes custos econômicos. No entan- num est opus sedare dolorem'' (divino é o
to, pessoas com dor crônica constituem trabalho de aliviar a dor).
um grupo heterogêneo, e as causas de dor Harvey, que descobriu a circulação
têm origens diversas que podem influen- sanguínea, acreditava que o local de per-
ciar as características clínicas. A dor crô- cepção da dor era o coração. Descartes foi
nica é mais comum em mulheres do que o primeiro a divergir do conceito aristo-
em homens. télico e a afirmar que a dor era originada
A percepção da dor envolve aspectos de alterações na pele devido a um estímu-
emocionais, sendo influenciada por fato- lo nocivo, por exemplo, o fogo, indo até
res biológicos e culturais. A dor é conside- o cérebro, descrevendo o que poderia ser
rada uma experiência pessoal e subjetiva, chamado de caminho da dor.
e sua percepção é de caráter multidimen- Em 1840, Müller propôs que a quali-
sional; ela varia tanto na qualidade quan- dade de uma sensação dependia das pro-
to na intensidade sensorial, sendo, ainda, priedades de neurorreceptores cerebrais,
. . . , .
influenciada por variáveis afetivas e emo- e, portanto, tratos sensor1a1s seriam a un1-
• •
c1ona1s. ca maneira de o cérebro receber essas in-

Tabela 14.1
Terminologia da dor
Dor Uma experiência sensorial e emocional não prazerosa associada com dano real
ou potencial ou descrita em termos de tais danos
Alodinia Dor causada por estímulos não nocivos à pele e que normalmente não
causariam dor
Analgesia Ausência de dor com estimulação nociva
Anestesia Ausência de dor em área ou região que é anestesiada

Hiperalgesia Sensibilidade aumentada à estimulação nociva


Hipoalgesia Sensibilidade diminuída à estimulação nociva
Dor central Dor associada com uma lesão no sistema nervoso central (SNC)

Neuralgia Dor na distribuição de um ou mais nervos


Neurite Inflamação de nervo(s)
Depressão

for1nações. Em 1890, Von Frey postulou 2. dor visceral - provocada por disten-
que a percepção de dor devia-se a recepto- são de vísceras, associada a náusea e
,.. .
res localizados em ter111inações nervosas. vomitas.
Bonica introduziu o conceito da dor
como entidade patológica específica e não Dor não nociceptiva: a dor não no-
apenas um sintoma. ciceptiva subdivide-se em:
Atualmente, acredita-se que as sen-
sações dolorosas são transmitidas por 1. Dor neuropática - dor iniciada por
dois sistemas: nervos mielinizados (siste- uma disfunção primária no sistema
ma lento) e nervos não mielinizados (sis- nervoso, sendo causada por uma al-
tema rápido). teração em qualquer parte do SNC ou
do sistema nervoso periférico (SNP).
São exemplos de dores neuropáticas:
MECANISMOS DE PERCEPÇÃO DA DOR a neuropatia periférica, a neuropa-
tia diabética, a dor central pós-AVC,
A percepção de estímulos nocivos pelo or- a dor do trigêmeo e a dor pós-her-
ganismo se dá por meio de circuitos sen- pética. Essas dores podem ser de vá-
soriais que levam essa informação até o rios tipos: queimação, peso, agulha-
cérebro, onde a mesma é percebida como da, formigamento, adormecimento,
dor. Sem o envolvimento de centros ce- etc. A dor neuropática pode ser tem-
, • A • •

rebrais, tal estímulo não é percebido co- pararia, cronica ou persistente e po-
mo dor. Vale ressaltar, portanto, a diferen- de, ainda, não estar associada a qual-
ça entre o dado biológico eo estímulo do- quer lesão detectável.
loroso) e o dado psicológico (a percepção 2. Dor psicogênica - dor em que ne-
de dor). nhum mecanismo nociceptivo ou
As dores podem ser consideradas no- neuropático pode ser identificado.
ciceptivas e não nociceptivas, cujas carac- Na prática, a dor psicogênica é dor de
terísticas estão descritas a seguir. exclusão e pode ser considerada uma
Dor nociceptiva: considera-se dor dor virtual, já que, mesmo em trans-
nociceptiva aquela que resulta da ativa- tornos psiquiátricos como depressão,
ção de nociceptores. Os nociceptores po- existem claras manifestações de alte-
dem ser sensibilizados por estímulos quí-
- , .
raçoes quimicas.
micos endógenos como serotonina, subs-
tância P, bradicina, prostaglandinas e
histamina. Assim, dor nociceptiva é aque- Vias nervosas periféricas da dor
la causada pela atividade em trajetos neu-
rais em resposta a estímulos potencial- Os neurônios aferentes primários que le-
mente danosos - como, por exemplo, dor vam a informação da periferia até os gân-
pós-operatória, dores nas costas e artrite. glios dorsais da medula espinal são de
, ,.. .
E considerada a dor ''normal''. Divide-se tres tipos:
em dois tipos:
1. Fibras A beta, que levam estímulos
1. dor somática - relacionada ao movi- mecânicos não nocivos como vibra-
mento, aliviada pelo repouso, bem ções e pressão leve.
localizada e variável (p. ex., dores ar- 2. Fibras A delta (mielinizadas, que per-
tríticas e dores ósseas) e correm de 12 a 30 metros por segun-
Ouevedo & Silva (orgs.)

do), iniciadas por estímulos mecâ- centros superiores. A velocidade é propor-


nicos ou tér1nicos que produzem a cional à intensidade do estímulo.
sensação de dores agudas e bem lo- Dois feixes de neurônios são respon-
calizadas. As fibras A delta conduzem sáveis por levar os estímulos até o cérebro:
estímulos como pressão intensa e da-
no tecidual. 1. trato espinorreticular - leva o estí-
3. Fibras C (não mielinizadas, que con- mulo do gânglio dorsal até o tálamo
duzem apenas de 0,5 a 2 metros por e o sistema límbico e ao cíngulo an-
segundo), iniciadas por meio de estí- terior e poderia ser considerado co-
mulos químicos. Essa via produz do- mo o "córtex emocional'', pois forne-
res mal localizadas e contínuas. As fi- ce uma tonalidade afetiva ao estímu-
bras C conduzem calor e estímulos lo doloroso; e
, .
qu1m1cos. 2. trato espinotalâmico - os neurônios
do trato espinotalâmico projetam-se
no tálamo ventrobasal, no qual um
A dor e suas vias segundo neurônio leva a infor111ação
até o córtex somatossensorial primá-
As fibras C, as fibras A delta e as simpá- rio, fornecendo, assim, a localização
tico-sensoriais aferentes entram no corno precisa da dor.
dorsal da medula espinal. O corno dorsal
divide-se em várias camadas que consti- A percepção de dor é experimentada
tuem a substância gelatinosa ecamadas I somente quando a informação de ambos
e II). Os impulsos sensoriais atravessam a os trajetos, o emocional e o sensorial, são
medula espinal, ascendendo pelo trato es- integradas. A atenção, as expectativas e a
pinotalâmico excitação modulam a dor.
Mais de 800/o dos nervos aferentes A sensibilização central pode ser ob-
que transmitem impulsos dolorosos são servada quando um limiar doloroso menor
não mielinizados (fibras C), que ascen- causar a percepção de dor. Aumentar a res-
dem cefalicamente por meio de sistemas posta da fibra C a estímulos sensoriais re-
ascendentes múltiplos (SAM), fazendo si- petidos pode resultar em um aumento da
napses no tálamo, no sistema límbico e no sensibilidade da medula espinal.
sistema reticular. O sistema reticular rela-
ciona-se com outra estrutura, o locus ceru-
leus, que possui noradrenalina e está rela- Neurotransmissores envolvidos na dor
cionado à ansiedade e à depressão.
As fibras A delta chegam ao tála- Diversos neurotransmissores estão envol-
mo pelo trato espinotalâmico lateral. Elas vidos na percepção da dor: noradrenali-
transmitem mais rápido e transportam a na, serotonina, substância P, endorfinas e
dor mais aguda, enquanto as fibras C são opioides.
mais lentas e transmitem dores mais si- Seja qual for o tipo de trauma, há
lenciosas ou crônicas. uma ativação do receptor NMDA, com au-
Os canais de voltagem sensíveis ao mento do cálcio intracelular que ativa a
sódio (CVSS) e os canais de voltagem fosfolipase A2, transformando os fosfo-
sensíveis ao cálcio (CVSC) são importan- lipídeos em ácido araquidônico e, final-
tes na propagação da dor. A despolariza- mente, em prostaglandinas.
ção desses canais faz com que os estímu- O trauma também afeta os vasos
los nocivos se propaguem e cheguem aos sanguíneos, produzindo espasmos, ede-
Depressão

mas e aglutinação de plaquetas que se Os tipos de dores mais frequentes


rompem liberando substância P e seroto- em pessoas com 65 anos ou mais são a os-
nina. A micro ou macro-hemorragia libera teoartrite do quadril ou do joelho (580/o) e
serotonina, que provoca vasoconstrição e dor lombar (350/o), 1 sendo a média de lo-
libera mastócitos. Os grânulos dos mastó- cais com dor em idosos superior a quatro.
citos, por sua vez, liberam histamina com Entretanto, muitos pacientes resistem à
vasodilatação e edema. Outras cininas e necessidade de buscar um tratamento pa-
substâncias tóxicas são produtos nocicep- ra dor ou depressão. E, para muitos ido-
tivos que irritam os terminais nervosos, sos, sofrer os sintomas parece ser a coi-
provocando dor. sa mais certa, e segura, a fazer, em vez
de arriscar algo desconhecido apenas pa-
ra aplacar a dor.
Mecanismos da dor crônica

As emoções afetam os mecanismos peri-


-
DEPRESSAO, DOR EDSM-IV
féricos de transmissão da dor pelo siste-
ma límbico, os tratos descendentes para o A dor é extremamente comum em pacien-
como dorsal da medula e os tratos ascen- tes psiquiátricos, especialmente naqueles
dentes para o tálamo e o córtex. com depressão. Pacientes em condições fí-
As projeções noradrenérgicas descen- sicas dolorosas crônicas têm quatro vezes
dentes do locus ceruleus inibem diretamen- mais chances de ter depressão. Além dis-
te a liberação de neurotransmissores dos so, a taxa de condições físicas dolorosas
neurônios primários aferentes. A dor crô- crônicas aumenta com o número de sinto-
nica, em alguns casos, pode derivar da de- mas depressivos.
ficiência de noradrenalina nesse trato neu- Embora extremamente comum, co-
ronal. Da mesma maneira, as projeções se- mo já foi evidenciado, a dor nem sequer
rotonérgicas descendentes do núcleo da é um dos critérios diagnósticos de depres-
rafe inibem a liberação de neurotransmis- são que, no DSM-Iv, 2 faz parte do eixo
sores nociceptivos. A deficiência de sero- de transtornos psiquiátricos. O DSM-IV2
tonina pode ajudar a entender alguns ca- reconhece apenas que, em característi-
sos de dor crônica. Entretanto, a serotoni- cas associadas a depressão maior, podem
na também facilita a liberação de alguns existir '' ... preocupação com a saúde física
neurônios aferentes, tendo, portanto, uma e queixas de dores (p. ex., cefaleia ou do-
ação complexa no que se refere à dor. res nas articulações, abdome ou outras)''.
A porcentagem de pessoas com mais A dor originada a partir de fontes fí-
de 65 anos de idade tem aumentado pro- sicas está classificada no DSM-IV2 como
gressivamente devido ao aumento da ex- transtorno do Eixo III, exclusivamente re-
pectativa de vida - passou de 4, no início servado para condições médicas gerais.
do século XX para 120/o hoje, com proje- Na realidade, a distinção entre os Eixos I
ções de mais de 200/o ao longo dos próxi- e III dos distúrbios da dor não é tão óbvia.
mos 20 anos. A população geriátrica tem Nessas duas categorias, a dor compartilha
um risco aumentado para o desenvolvi- características clínicas, gravidade dos sin-
mento de condições relacionadas com a tomas e incapacidade funcional.
dor. Mais de 600/o dos idosos relatam dor A partir disso, tem-se a seguinte
crônica interferindo nas suas atividades questão: seria o transtorno doloroso, co-
diárias, o que afeta negativamente a qua- dificado pelo DSM-Iv,2 um diagnóstico
lidade de vida. válido? O DSM-IV2 afirma que "...fato-
Ouevedo & Silva (orgs.)

res psicológicos supostamente exercem relacionadas com o transtorno da perso-


papel significativo no início, na gravida- nalidade histriônica.
de, exacerbação ou manutenção da dor''.
O transtorno da dor é considerado agu-
do se tem menos de seis meses ou crônico
-
DEPRESSAO EDOR
se tem duração superior. A dor, no DSM-
-II, 3 era definida como dor psicogênica, Lamentar uma dor passada, no presente,
já no DSM-III-R, 4 como transtorno da dor é criar outra dor e sofrer novamente.
somatoforme e, finalmente, no DSM-Iv,2 William Shakespeare
tornou-se apenas transtorno doloroso. O
clínico deve avaliar se, pelas próprias ca- Embora a dor esteja muito presen-
racterísticas do transtorno depressivo, o te em pacientes deprimidos, ela nem se-
paciente teria a capacidade de julgar os quer é listada como um sintoma de qual-
fatores psicológicos. Não há guias dispo- quer transtorno do humor, e as queixas de
níveis que validem essa hipótese, nem es- depressão e ansiedade são frequentemen-
tudos de campo que confiram confiabili- te marginalizadas na lista de sintomas ne-
, . . ., .
dade a ela. cessarias para cumprir os criterios para
A dor no transtorno conversivo pre- um transtorno doloroso crônico. Na prá-
cisa não ser intencionalmente produzida, tica clínica, as queixas somáticas mais co-
como a do transtorno factício, e não estar mumente associadas com a depressão in-
relacionada com outros transtornos que cluem dor nas costas, no músculo articu-
poderiam explicá-la melhor. O diagnósti- lar e nos membros, bem como distúrbios
co diferencial entre dor psicologicamente do sono, dor no peito, tontura e fadiga. 5
induzida e dor fisiologicamente produzi- Os pacientes com depressão apre-
da na prática clínica é difícil. Por longo sentam um risco quatro vezes maior do
tempo as queixas de dor também foram que pacientes não deprimidos de ter uma

Tabela 14.2
Dor crônica, depressão e ansiedade

Estudo Nacional de Comorbidade ( 15 a 54 anos - 8.098 pacientes


com dores artríticas crônicas versus controles da população geral)
Pacientes Controles

Transtorno do humor 27o/o vs. 10°/o


Transtorno de ansiedade 35% vs. 9°/o
Depressão 20% vs. 9°/o
Transtorno de ansiedade generalizada 7% vs. 3°/o
Transtorno de pânico 7% vs 2°/o
Transtorno de estresse pós-traumático 11% vs. 3°/o

Odds ratio de aumento com a dor crônica: depressão (2,8).


Fonte: Adaptada de Dobscha e colaboradores. 6
Depressão

condição dolorosa crônica física (CDCF), mo modo, se o alívio da depressão melho-


enquanto 69% dos pacientes em clínicas ra a condição dolorosa são questões ain-
de cuidados primários apresentam sinto- da não completamente esclarecidas. No
mas somáticos como dor, deixando, infe- entanto, há evidências crescentes de que
lizmente, a depressão não reconhecida e a depressão e a dor compartilham fatores
não tratada. 7,s genéticos, biológicos e vias de neurotrans-

De todos os diagnósticos do Eixo I do missares.
DSM-rv, os transtornos afetivos são os mais A depressão está associada com a dor
comuns em CDCF se forem usados diferen- independentemente do local de tratamen-
tes métodos para avaliar a frequência de to. A dor é o segundo sintoma somático
depressão nessa condição, como: mais comum na depressão, perdendo ape-
nas para a insônia. Grande parte dos pa-
1. enfoque inclusivo (incluir todos os cientes com depressão apresentam apenas
pacientes a despeito da causa) - a sintomas físicos, sendo que a dor ocorre
proporção será de 3 7% em mais de SOO/o deles. As dores mais co-
2. enfoque etiológico edescartar sinto- muns nesses pacientes são: dores de cabe-
mas não relacionados à dor) - a pro- ça, dor facial, no pescoço, dores nas costas,
porção será de 190/o no peito e dores abdominais, além de do-
3. enfoque substitutivo (substituir sin- res nas extremidades. A doi:; nesses casos,
tomas somáticos por não somáticos) geralmente domina o quadro clínico, ofus-
- a proporção será de 300/o cando outros sintomas depressivos.
Nos quadros depressivos, com as
Pacientes com CDCF e depressão, queixas de dores, ficam aumentadas a in-
além de apresentarem mais ideias suici- capacitação e a utilização de recursos mé-
das, têm também um aumento de 2 a 3 dicos. A comorbidade, ou seja, a coexis-
vezes no número de tentativas e suicídios tência simultânea de mais de uma condi-
completados. Uma metanálise de 12 estu- ção de saúde em um único indivíduo, é
dos mostrou associação de artrite reuma- comum na população em geral e é parti-
toide e depressão, revelando que o tama- cularmente frequente no paciente em cui-
nho do efeito variava linearmente com a dados primários e entre os idosos. A co-
dor. Foi demonstrado também que, quan- morbidade entre depressão e dor é fre-
to maior a gravidade da dor, menor era quentemente associada a altos custos de
a probabilidade de remissão em pacientes saúde e levanta questões que são de inte-
com depressão. resse para a organização dos cuidados de
A prevalência de dor em indivídu- saúde primária e secundária.
os com depressão e a prevalência de de- O grau dos sintomas depressivos no
pressão em pacientes com dor são maiores início do tratamento e durante o período
do que quando essas condições são consi- de tratamento é o maior fator indepen-
deradas individualmente. Quando a dor é dente da intensidade da dor em pacientes
intensa, limita a função, prejudica grave- deprimidos. Entretanto, a intensidade da
mente ou é refratária ao tratamento, está dor está correlacionada à depressão, indo
associada a mais sintomas depressivos e a o odds ratio eou seja, se um paciente tiver
desfechos piores para depressão. Da mes- dor, qual a chance de ter também depres-
ma forma, a depressão em pacientes com são) de 2, na dor leve, para 5 na dor mo-
dor está associada a mais queixas e maior derada e 12 na dor grave.
prejuízo funcional. Se o alívio da dor di- Muitos estudos têm demonstrado a
minui os sintomas depressivos ou, do mes- relação entre sintomas depressivos e doen-
Ouevedo & Silva (orgs.)

ças crônicas, sendo observado que os sin- mulas de dor ascendentes, explican-
tomas depressivos aumentam com o nú- do sucessos de antidepressivos tricí-
mero de doenças crônicas. clicos e duais (ação terapêutica nas
Existe uma relação recíproca entre vias da serotonina e noradrenalina)
depressão e dor. O que vem primeiro, a 2. outras modalidades comuns de trata-
dor ou a depressão? Existem várias alter- mento (p. ex., a estimulação do ner-
nativas para explicar essa relação: vo vago ou a estimulação magnética
transcraniana)
1. a dor pode predispor a depressão 3. alterações do sistema opioide em pa-
2. a depressão pode predispor a dor cientes com depressão
3. pode haver indivíduos que tenham
uma personalidade propensa à dor A desregulação de serotonina e de
noradrenalina no cérebro é associada à
Todavia, está bem estabelecido que a depressão, enquanto as mesmas desregu-
existência concomitante de dor e depres- lações na medula espinal podem explicar
são cria um círculo vicioso no qual uma um aumento na percepção de dor entre
piora a outra. pacientes deprimidos. Esses achados po-
A dor prejudica a resposta ao trata- dem explicar a presença de sintomas emo-
mento da depressão. Além da dor propria- cionais e físicos na depressão.
mente dita, pacientes psiquiátricos podem
. , .
ser 1ncompat1ve1s com seu tratamento e,
adicionalmente, desenvolver dependên- Diferenças entre dor e depressão
cia aos analgésicos e/ou opiáceos.
Existem várias diferenças entre dor e de-
pressão, como, por exemplo, a diferente
Similaridades entre dor e depressão prevalência dos dois fenômenos e os efei-
tos das medicações. Medicamentos opioi-
A relação entre dor e depressão pode ser des nunca funcionaram para o tratamen-
vista como uma relação circular, um cír- to da depressão, bem como a eletrocon-
culo vicioso em que a existência de uma vulsoterapia (ECT) - um método utilizado
pode agravar a outra e vice-versa. Existe em depressões graves com risco de suicí-
um substrato neurobiológico comum em dio - não é eficaz para a terapia da dor
"' .
muitas áreas do cérebro que são estimu- cronica.
ladas tanto pela dor física quanto pela de- O tempo da resposta aos antidepres-
-
pressao. sivos também é diferente. Enquanto no
Frequentemente, a dor é o equiva- quadro depressivo uma resposta é obtida
lente depressivo e, muitas vezes, a depres- geralmente em 4 a 8 semanas, na dor, a
são é externalizada pela dor. Algumas evi- resposta é mais rápida, normalmente en-
dências que revelam o compartilhamento tre 3 e 4 semanas.
dos sistemas neurais da dor e da depres-
são incluem:
Modelo integrado de dor e depressão
1. envolvimento das vias serotonérgi-
cas e noradrenérgicas na regulação A ligação complexa entre a dor e as emo-
do humor e no controle sobre os estí- ções e/ou motivações ressalta a importân-
Depressão

eia das interações dinâmicas entre esses e depressivos e, juntos, estes dois elemen-
outros fatores neuroquímicos e neuroana- tos podem resultar em menos atividade fí-
tômicos para a compreensão dessa rela- sica e ,menor satisfação com a vida.
ção. Considerando-se pacientes que che- E possível que, em vez de serem diag-
gam aos serviços de saúde com queixas de nósticos categoriais distintos, a depressão
sintomas físicos, a dor é o mais comum e a dor façam parte de um mesmo espec-
deles. Entretanto, se os sintomas psicoló- tro de transtornos afetivos e síndromes
gicos forem considerados nesses mesmos somáticas funcionais.
pacientes, a depressão é o sintoma psico-
lógico mais comum.
A interação entre um e outro é de-
-
FIBROMIALGIA EDEPRESSAO
monstrada pela ressonância magnéti-
ca funcional (RMF), evidenciando que Fibromialgia (FM) e depressão podem re-
a dor relacionada com a dor emocional presentar duas manifestações de trans-
ativa circuitos da dor física clássica (p. tornos do espectro afetivo. Elas compar-
ex., substância cinzenta periaquedutal, tilham fisiopatologias semelhantes e são,
ínsula e córtex cingulado anterior), en- em grande parte, orientadas pelas mes-
quanto a dor física em seres humanos mas substâncias com dupla ação sobre os
ativa circuitos de recompensa e motiva- sistemas serotonérgico e noradrenérgico.
cionais (p. ex., nucleus accumbens e área O principal sintoma da FM é a dor espon-
tegmental ventral). Quando estímulos tânea generalizada.
dolorosos de calor foram aplicados em Os critérios diagnósticos do Ameri-
pacientes deprimidos durante RMF, eles can College of Rheumatology9 incluem dor
tiveram, proporcionalmente à sintoma- generalizada e crônica, fadiga, dor inten-
tologia depressiva apresentada, um au- sa em resposta à pressão tátil (alodinia),
mento da atividade da amígdala direita falta de sono reparador, alterações cogni-
. . ,
ao antecipar ou experimentar os estimu- tivas, desconforto abdominal e dor de ca-
las dolorosos. beça. Essa lista também inclui depressão,
Provocação de estados afetivos (de- que é destaque na FM, com uma prevalên-
pressão versus felicidade) em ambientes cia de cerca de 90% para sintomas depres-
de laboratório pioram e melhoram, res- sivos. Tais semelhanças reforçam o concei-
pectivamente, a experiência de dor em in- to de que depressão e fibromialgia podem
divíduos saudáveis e em pacientes com ser apresentações distintas de sintomas de
dor crônica. Por conseguinte, uma pro- uma condição subjacente única.
porção substancial de pacientes com de- Evidências genéticas sugerem que
pressão sofre de dor crônica. A intensida- alguns genes podem resultar em um fe-
de da dor aumenta com a gravidade da nótipo intermediário que aumenta o risco
sintomatologia depressiva. geral de um transtorno psiquiátrico pre-
A dor, por sua vez, leva a uma piora cipitado por um estressar ambiental. As
nos estados afetivos e, eventualmente, à referidas evidências indicam que um po-
prevalência de depressão elevada em pa- limorfismo no gene transportador de se-
cientes com dor crônica. Essas duas con- rotonina (5-HTT), envolvido em depres-
dições trabalham de forma sinérgica ne- são, também pode estar implicado na FM.
gativamente: a depressão reforça a dor Vale ressaltar que a ligação observada en-
crônica e a dor crônica promove sintomas tre FM e depressão não foi encontrada pa-
Ouevedo & Silva (orgs.)

ra FM e qualquer outro transtorno do hu- Os medicamentos com ação seroto-


mor, excluída a depressão. nérgica e noradrenérgica dupla são os mais
A resposta ao estresse agudo envolve utilizados para tratar tanto depressão como
a ativação do eixo hipotálamo-hipófise- FM. Os dois principais exemplos são a ami-
-adrenal (HHA), que é acoplado aos siste- triptilina (tricíclico) e a duloxetina (dual). A
mas autonômico e límbico. Os glicocorti- vantagem mais importante dos medicamen-
coides também são reguladores negativos tos duais relaciona-se à menor quantidade
do eixo HHA, por meio de múltiplas vias de efeitos colaterais que os tricíclicos.
que atuam sobre o hipotálamo e a hipó-
fise. Os efeitos da ativação do eixo HHA
são integrados com o sistema noradrenér- DOR NO CÂNCER EDEPRESSÃO
gico que ativa os sistemas cerebrais envol-
vidos no afeto e que está também envol- Uma linha tênue separa o sofrimento pro-
vido com a antecipação, a precipitação, a vocado por uma neoplasia da depressão.
propagação e a ter1ninação de estresse re- As citocinas recombinantes usadas no tra-
lacionado com a ativação da dor. tamento de neoplasias desenvolvem uma
A indução, pelo estresse, de depres- gama de sintomas que em nada se dife-
são e FM tem sido descrita em termos das renciam da depressão, em que há a ativa-
consequências deletérias de uma respos- ção de citocinas pró-inflamatórias (TNF-
ta aguda ao estresse que persiste por lon- -a, IL-1, IL-6) com o uso de interferon-a.
go prazo, apesar do estressar ter sido re-
tirado.
A presença de depressão melancóli- OUESTIONÁRIOS DE DOR
ca e atípica na FM pode representar uma
progressão da doença, que também expli- Como a dor é subjetiva, os autorrelatos
ca os achados variáveis da função do ei- dos pacientes fornecem a medida mais vá-
xo HHA na FM. Esses subtipos de depres- lida da experiência. Os instrumentos uti-
são estão associados a alterações diferen- lizados para quantificar a intensidade da
tes do eixo HHA; a depressão melancólica dor podem ser classificados em unidimen-
está associada a resposta aumentada de sionais ou multidimensionais. Os cha-
cortisol, enquanto a depressão atípica es- mados unidimensionais analisam apenas
tá associada a secreção diminuída de cor- uma característica, em geral a intensida-
tisol. de. Os multidimensionais avaliam a dor
Poderia haver uma progressão na em mais de uma das dimensões citadas.
FM em que a fase inicial estaria associa- Inúmeros questionários para investigar a
da ao hipercortisolismo induzido pela res- dor foram propostos, entre eles a Escala
posta ao estresse prolongado normal, le- Visual Analógica para Dor (EVA).
vando a maior gravidade da depressão Os instrumentos unidimensionais
melancólica. Ao longo do tempo, essa res- são vantajosos por sua aplicação fácil, rá-
posta do cortisol aumentada é reduzida, pida e de baixo custo. Enquanto os ins-
levando a um hipocortisolismo sugestivo trumentos multidimensionais possuem a
de depressão atípica. Constata-se, de fato, vantagem de avaliar a dor em toda a sua
um aumento da frequência de depressão complexidade (intensidade, localização e
atípica na FM. qualidades afetivas e sensoriais da dor).
Depressão

CONSEQUÊNCIAS DO nérgicas têm propriedades analgésicas di-


SUBTRATAMENTO DA DOR CRÔNICA retas, enquanto fármacos puramente se-
rotonérgicos não têm efeito direto sobre
a dor. Os antidepressivos duais (tanto no-
Existem inúmeras consequências do não
radrenérgicos quanto serotonérgicos) são
tratamento adequado da dor. As mais evi-
os preferidos. As doses para tratamen-
dentes são:
to da dor são aproximadamente a meta-
de daquelas para o tratamento da depres-
1. psicológicas - pelo agravamento de
são. Obviamente a dosagem deve levar em
quadros depressivos e ansiosos
2. fisiológicas - comprometimento dos consideração a faixa etária e os efeitos co-
sistemas imune, cardiovascular, entre laterais observados.
outros A medicação para o tratamento da
3. diminuição da qualidade de vida dor é escolhida com base não apenas na
4. limitação das atividades, causan- intensidade e na gravidade da dor, mas
também em seus mecanismos, nas comor-
do grande impacto sobre adultos em
idade ativa bidades médicas gerais e psiquiátricas,
5. trabalhistas - absenteísmo, subem- nas respostas previas ao tratamento, nos
efeitos colaterais, no risco de toxicidade
prego e desemprego '
nos custos, no risco de não adesão, no ris-
co de uso não indicado da medicação e
na necessidade de manter funções sociais.
TRATAMENTO DA DOR EDA DEPRESSÃO Os tricíclicos e os inibidores da re-
O tratamento da dor e da depressão deve captação de noradrenalina e serotonina
contemplar os aspectos farmacológicos, (IRNSs) potencializam tanto a noradrena-
lina (NA) quanto a serotonina (5-HT) em
psicológicos e sociais. O tratamento deve
ser individualizado, para que uma adesão tratos descendentes de dor. Já os inibido-
apropriada possa ser obtida. res seletivos da recaptação de serotonina
(ISRSs) têm uma ação mais específica em
A falta de recursos estruturais, com
equipes de cuidados primários bem trei- 5-HT e não em NA, o que poderia explicar
nadas, e a ausência de ambulatórios espe- sua pouca eficácia na dor, concluindo-se,
assim, que existe uma sinergia entre NA e
cializados dificultam o acompanhamen-
to dos pacientes com dor e depressão, 5-HT no controle da dor.
gerando uma descontinuidade de aten- Os antidepressivos de ação dual com
dimento. O treinamento da equipe deve atividade noradrenérgica e serotonérgica
ser contínuo, com vistas a obter melhores (p. ex., tricíclicos, venlafaxina, duloxeti-
na e desvenlafaxina) têm eficácia aumen-
resultados.
tada em ambos os tratamentos, tanto pa-
ra depressão como para dor neuropática.
Tratamento farmacológico Os IRNSs demonstraram ser efica-
zes em vários tipos de dores, tanto de pa-
Pacientes com transtorno depressivo maior cientes deprimidos como de pacientes
muitas vezes sofrem de sintomas que in- com dores gerais, dores nas costas (du-
fluenciam a escolha da farmacoterapia loxetina). A venlafaxina e a duloxetina
com antidepressivos. As drogas noradre- demonstraram também ser eficazes para
Ouevedo & Silva (orgs.)

Dor Dor, . Dor com


nociceptiva neuropat1ca depressão

Avaliar riscos
Avaliar riscos ISAS

Trazodona IANS:
Anti-histamínicos Gabapentina
Tricíclicos em Venlafaxina
Zolpidem Topiramato
baixas doses Mirtazapina
Benzodiazepínicos Lamotrigina
Duloxetina
em baixas doses Pregabalina
Desvenlafaxina

ATCs
NSAID: drogas não esteroidais anti-inflamatórias Nortriptilina
COX li : Inibidores da ciclo-oxigenase 2
ISAS: inibidor seletivo da recaptação de serotonina
IANS: inibidor da recaptação de noradrenalina e
serotonina

Figura 14.1
Algoritmo para tratar a dor crônica

a dor neuropática diabética, para enxa- Os antidepressivos seriam eficazes


queca e para síndrome disfórica pré- no tratamento da fibromialgia?
-menstrual.
A gabapentina e a pregabalina, que Uma metanálise com 13 estudos10 demons-
estão estruturalmente relacionadas ao trou que os antidepressivos diminuíram sin-
neurotransmissor GABA (ácido gama- tomas, fadiga e dor e aumentaram o sono
-aminobutírico), mas cujo mecanismo de e o bem-estar. Uma segunda metanálise11
ação é pouco compreendido, podem ali- com 21 estudos, sendo 16 com tricíclicos,
viar a dor crônica ao nível da raiz dorsal mostrou uma resposta de 25 a 370/o com di-
provavelmente pela ação nos canais de minuição de dor e aumento de sono.
cálcio sensíveis à voltagem. São bastan- Em relação à questão se os antide-
te úteis em dores neuropáticas e, se usa- pressivos teriam um efeito antinoceptivo
das precocemente, podem evitar o agra- em pacientes com dor psicogênica/soma-
vamento por prevenir a sensibilização. toforme, uma metanálise de 11 estudos
Depressão

controlados com placebo demonstrou que ticas. Além de serem capazes de detectar
eles diminuíram a dor de forma significa- mecanismos de defesa, como a negação
tiva independentemente do efeito antide- -
e a repressao.
pressivo, mostrando um tamanho de efei-
to razoável (média de 0,48).
Em pacientes com sintomas não ex- Tratamento psicológico e social
plicados ecefaleia, fibromialgia, distúrbios
gastrintestinais), questiona-se se os antide- A máxima atenção deve ser dada às quei-
pressivos teriam um efeito antinoceptivo. xas do paciente para que estratégias de
A resposta é fornecida por uma metanáli- enfrentamento possam ser elaboradas por
se de 94 estudos referindo uma diferença ele. A mudança de foco deve ser incenti-
de 340/o entre a droga ativa e o placebo. 10 vada. E uma mudança de estilo de vida
Qual o papel da maconha no trata- faz parte do tratamento, visando reduzir
mento da dor? O sistema canabinoide po- os estresses ambientais mais associados
de bloquear mecanismos nociceptivos no ao desencadeamento do quadro clínico.
SNC para reduzir dor em FM, bem como Os pacientes devem ser educados na
outros tipos de dores. Entretanto, deve- relação entre dor crônica e depressão, fa-
-se considerar não só o risco de abuso/de- cilitando o manejo dessa comorbidade tão
pendência, mas também o risco de pro- frequente. Avaliar e facilitar o suporte so-
vocar um maior aumento de transtornos cial do paciente é essencial para um trata-
psiquiátricos em jovens (risco elevado de mento bem-sucedido.
surtos psicóticos em jovens com menos de
18 anos).
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lzabela G. Barbosa
Antonio Lucio Teixeira

-
INTRODUÇAO EPIDEMIOLOGIA
Os termos mania e melancolia já eram em- O transtorno bipolar do tipo I tem pre-
pregados, por Hipócrates, por volta de 400 valência de cerca de 1% na população
a.e., para designar alterações do humor mundial, não havendo diferença de dis-
acompanhadas por perturbações do pensa- tribuição do transtorno entre homens e
mento e da psicomotricidade, o que lem- mulheres. O transtorno bipolar do tipo II
bra as descrições atuais do transtorno bi- afeta entre 1,1 e So/o da população mun-
polar. Com efeito, as classificações atuais, dial, sendo mais prevalente no sexo fe-
a saber, o Manual diagnóstico e estatísti- minino. 4
co de transtornos mentais (DSM-IV-TR) 1 e A idade média de início dos sintomas
a Classificação internacional de doenças e situa-se entre 15 e 19 anos, e mais de me-
problemas relacionados à saúde (CID-10), 2 tade dos pacientes apresenta um episódio
baseiam-se, em parte, nesses termos clás- depressivo como quadro inicial. 5 Em um
sicos. 3 clássico estudo prospectivo com tempo mé-
O transtorno bipolar é definido pe- dio de acompanhamento de 12 anos, de-
la recorrência de episódios de mania monstrou-se que pacientes com o diagnós-
(transtorno bipolar do tipo I) ou hipoma- tico de transtorno bipolar do tipo I apre-
nia (transtorno bipolar do tipo II) alter- sentaram alterações do humor em 46,60/o
nados com episódios depressivos. Embo- do tempo, enquanto pacientes com trans-
ra a ocorrência de episódios de mania eou torno bipolar do tipo II exibiram alterações
de hipomania) seja a característica mais do humor em 65,Bo/o do tempo de duração
marcante do transtorno bipolar, os qua- do estudo. 6 Judd e colaboradores6 obser-
dros depressivos são, segundo alguns au- varam, ainda, que os pacientes bipolares I
tores, mais incapacitantes ao paciente. apresentaram, ao longo da vida, três vezes
O objetivo deste capítulo é discutir o mais sintomas depressivos quando compa-
transtorno bipolar, focando no diagnósti- rados a sintomas maníacos ou hipomanía-
co e no tratamento da depressão bipolar. cos, e os pacientes bipolares do tipo II, 3 7
Ouevedo & Silva (orgs.)

vezes mais sintomas depressivos que sinto- Esse fenômeno deve-se, em parte, ao con-
mas hipomaníacos. ceito de ''espectro bipolar'', difundido por
A duração média de um episódio de- Hagop Akiskal e outros autores, que con-
pressivo no transtorno bipolar do tipo 1 é templa transtornos depressivos com episó-
de 15 semanas, 7 sendo que o risco de no- dios breves (i.e., inferior a quatro dias de
vos episódios de humor permanece alto duração) de elevação do humor, episódios
mesmo após 40 anos de doença, com ris- recorrentes breves de curso cíclico, episó-
co de recrudescência dos sintomas até por dios depressivos disfóricos e estados mistos
volta dos 70 anos de idade. 8 como integrantes do transtorno bipolar.
O episódio depressivo no transtorno O conceito de espectro bipolar não
bipolar está associado com elevadas mor- é isento de controvérsias, sendo que uma
bidade e mortalidade. Kessler e colabora- das questões é a própria limitação dos sis-
dores9 mostraram que os dias de traba- temas classificatórios, como o DSM-IV-TR,
lho perdidos por pacientes com transtor- que definem critérios idênticos para a de-
no bipolar decorrem principalmente da pressão unipolar e para a depressão bipo-
gravidade e da persistência dos sintomas lar. O único critério diagnóstico para dife-
depressivos em comparação com os epi- renciar episódios depressivos bipolares de
sódios de mania. Cerca de 300/o dos pa- episódios depressivos unipolares é histó-
cientes apresentam tentativas de suicídio ria de episódio maníaco, hipomaníaco ou
ao longo da vida. 10 A presença de deses- misto.
perança e a gravidade dos sintomas de- Diversos estudos têm sugerido que o
pressivos estão entre os principais fatores transtorno bipolar é comumente diagnos-
preditores de tentativa de suicídio. 11 Des- ticado como transtorno depressivo uni-
taca-se que a mortalidade por suicídio no polar, o que contribui para uma aborda-
transtorno bipolar é nove vezes maior que gem terapêutica inadequada, incluindo a
na população geral. indicação isolada de antidepressivos sob
A expectativa de vida de pacientes bi- o risco de indução de viragens maníacas
polares é menor em comparação à da po- ou mistas. Já o diagnóstico equivocado
pulação geral, em parte, em decorrência de transtorno depressivo bipolar em pa-
dos elevados índices de suicídio e da ele- cientes com doença unipolar contribui pa-
vada frequência de comorbidades clínicas. ra maior prescrição de medicamentos, co-
Aparentemente, a comorbidade no trans-
. . , . .
mo os ant1ps1cot1cos, para o paciente, ex-
torno bipolar é mais regra que exceção. En- pondo-o desnecessariamente a potenciais
tre as comorbidades clínicas mais comuns, efeitos adversos.
destacam-se as doenças endócrino-meta- Possíveis indicadores de depressão
bólicas, como obesidade e diabetes melito, bipolar incluem: 12
e as doenças cardiovasculares. Entre 50 e
70% dos pacientes apresentam também al- a) história familiar de transtorno bipolar
gum tipo de comorbidade psiquiátrica, sa- b) transtorno depressivo iniciado antes
lientando-se os transtornos de ansiedade e dos 25 anos de idade
dependência e/ou abuso de substância. e) presença de episódios depressivos fre-
quentes de curta duração
, d) presença de episódios depressivos gra-
DIAGNOSTICO ves
e) presença de sintomas atípicos, como
O transtorno bipolar tem recebido crescen- hiperfagia, hipersonia e sensação de
te atenção e popularidade nos últimos anos. "corpo pesado'' (leaden paralysis)
Depressão

f) presença de sintomas psicóticos do córtex pré-frontal, principalmente em


região dorso-lateral, córtex orbitofrontal,
Além da avaliação clínica, podem região subgenual e regiões ventrais e dor-
ser utilizados instrumentos de rastrea- sais do córtex anterior do cíngulo. 16·17 Em
mento de transtorno bipolar em pacientes relação ao volume da amígdala, parece
com depressão, como o Questionário de ocorrer variação de tamanho relacionada
Transtornos de Humor (MDQ, do inglês com a idade. Pacientes bipolares na infân-
Mood Disorder Questionnaire), recente- cia e na adolescência apresentam dimi-
mente traduzido e validado para a língua nuição do volume da amígdala, enquanto
portuguesa. 13 O MDQ é um questioná- em pacientes em idade adulta foram evi-
rio de autopreenchimento composto por denciados aumento e hiperatividade des-
13 itens que devem ser respondidos com sa estrutura. 16·17
''sim'' ou ''não''. A presença de pelo menos Há uma possível inter-relação entre
sete itens marcados com ''sim'', associada estresse, alterações de cortisol, de parâ-
a um comprometimento psicossocial mo- metros inflamatórios e dos níveis do fator
derado, define o rastreamento positivo do neurotrófico-derivado do cérebro (BDNF)
transtorno bipolar. Para a população bra- na fisiopatologia do transtorno. O trans-
sileira, o MDQ apresentou sensibilidade torno bipolar está associado com hipera-
de 68, 1 o/o e especificidade de 63%. 13 tividade persistente do eixo hipotálamo-
-hipófise-adrenal (HHA), 18 o que pode ser
observado também em depressões unipo-
FISIOPATOLOGIA lares graves. Pacientes com transtorno bi-
polar tendem a exibir um perfil pró-infla-
Evidências recentes apontam que o trans- matório independentemente da fase da
torno bipolar emerge a partir de uma doença, com aumento de citocinas e/ ou
complexa interação de fatores genéticos moléculas inflamatórias na circulação. 19
e ambientais, determinando disfunção em Os episódios de mania e depressão estão
circuitos cerebrais, comprometimento de associados à exacerbação desse perfil pró-
mecanismos de neuroplasticidade neuro- -inflamatório sistêmico. 19 Alterações simi-
nal e disfunções neuroimunoendocrinoló- lares vêm sendo observadas na depressão
gicas.14 unipolar, sendo que, desde a década de
Estudos indicam que cerca de SOO/o 1990, existe a teoria macrofágica da de-
dos pacientes com transtorno bipolar têm pressão, que propõe que estados inflama-
em sua família algum outro membro aco- tórios seriam causa de depressão.
metido pela doença. 5 Estudos envolvendo O BDNF é o principal fator neuro-
gêmeos monozigóticos e dizigóticos apon- trófico do sistema nervoso central (SNC),
tam uma concordância de 40 a 80% e 1O sendo particularmente abundante na
a 20º/o, respectivamente. Reconhece-se, amígdala, no hipocampo e no córtex pré-
assim, a relevância da contribuição gené- -frontal, áreas envolvidas com a regulação
tica para o transtorno, sendo descrita her- do afeto e de diversos aspectos cognitivos,
dabilidade de até 840/o. 15 como atenção, memória e função executi-
Técnicas de neuroimagem estrutu- va, os quais são afetados no transtorno bi-
rais e funcionais vêm sendo amplamente polar. 20 Metanálises recentes demonstra-
utilizadas para investigar a neurobiologia ram que pacientes em episódios de mania
do transtorno bipolar. Revisões sistemáti- e/ou de depressão têm níveis circulan-
cas da literatura apontam como achados tes reduzidos de BDNF em comparação a
mais consistentes: redução volumétrica controles. 21·22 Como nos casos da bipera-
Ouevedo & Silva (orgs.)

tividade do eixo HHA e do perfil pró-infla- Treatment (BAP) ;25 a primeira linha pela
matório sistêmico, a redução dos níveis de International Society of Bipolar Disorder
BDNF é também encontrada na depressão (CANMAT-ISBD) ; 26 a categoria 1 pelo In-
unipolar, 20 de modo que não é possível di- ternational Consensus Group on the Evi-
ferenciar a depressão bipolar desta a par- dence-Based Pharmacological Treatment
tir do estudo desses biomarcadores. of Bipolar I and II Depression (ICG). 27
Como tratamentos de segunda linha, 23
foram definidos aqueles cuja evidência dis-
TRATAMENTO ponível decorre de estudos pequenos, não
reproduzidos; estudos controlados ou aber-
A depressão bipolar é um quadro de difícil tos; estudos naturalísticos não controlados;
tratamento, envolvendo estratégias far- grandes estudos retrospectivos (caso-con-
macológicas (estabilizadores do humor, trole); relatos de caso e opiniões de especia-
antipsicóticos, antidepressivos), tratamen- listas. Também foram incluídos nesse tópico
tos biológicos não far111acológicos (eletro- as categorias C e D das diretrizes da WFS-
convulsoterapia, estimulação magnética BP;24 a segunda e a terceira linha das dire-
transcraniana) e psicoterapia. trizes do CANMAT-ISBD; 26 os níveis II a IV
As principais diretrizes internacio- das recomendações de BAP; 25 e as catego-
nais, publicadas nos últimos cinco anos, rias 2 e 3 do ICG. 27
para o tratamento de depressão em pa- Segundo a análise das diretrizes, po-
cientes com o diagnóstico de transtorno de-se concluir que o tratamento de episó-
bipolar do tipo I (Tabela 15.1) e do tipo dios depressivos em pacientes com trans-
II (Tabela 15.2) foram consideradas nes- torno bipolar tipo I apresenta como pri-
te capítulo. meira escolha as seguintes opções: lítio,
Segundo o modelo proposto por Ni- lamotrigina ou quetiapina em monotera-
voli e colaboradores23 as diretrizes de tra- pia. 24-27 Como farmacoterapia associada,
tamento foram classificadas nas seguintes pode ser considerado o uso de antidepres-
categorias: sivos, como os inibidores da recaptação
de serotonina (IRSs) ou a bupropiona,
a) primeira linha de tratamento sempre associados a um agente estabili-
b) segunda linha de tratamento zador do humor (p. ex., lítio, valproato
e) tratamentos não farmacológicos ou antipsicótico atípico). 24-27 O emprego
d) não recomendado de antidepressivos no tratamento da de-
pressão bipolar do tipo I deve ser avalia-
Assim, foram definidos como trata- do com cuidado, principalmente devido
mentos de primeira linha23 todas as subs- ao risco de viragem maníaca, de indução
tâncias ou intervenções com eficácia com- de episódios mistos e de ciclagem rápi-
provada a partir de metanálises ou de en- da.28,29 Deve ser considerado o uso de an-
saios clínicos randomizados que tenham tipsicóticos em caso de sintomas psicóti-
mostrado superioridade ao placebo ou su- cos associados, 25 assim como o emprego
perioridade ou equivalência ao tratamen- de eletroconvulsoterapia em casos de psi-
to estabelecido. Foram incluídos nesse tó- cose associada, depressão grave durante
pico as categorias A e B da World Federa- a gravidez ou elevado risco de suicídio. 25
tion of Societies of Biological Psychiatry Diversas substâncias vêm sendo propos-
(WFSBP) ; 24 o nível I da British Associa- tas como adjuvantes ao tratamento da de-
tion of Psychopharmacology and the Ca- pressão bipolar, como modafinila, 24,26,27
nadian Network for Mood and Anxiety pramipexol, 26 ácido ômega-3, 24 N-acetil-
Tabela 15.1
Diretrizes sobre tratamento agudo depressivo de pacientes com diagnóstico de transtorno bipolar do tipo 1

lnternational
British Association of Consensus Group on
Psychopharmacology and the Evidence-Based
World Federation of the Canadian Network lnternational Society Pharmacological
Societies of Biological for Mood and Anxiety of Bipolar Disorder Treatment of Bipolar 1 and
Psychiatry (WFSBP)24 Treatment (BAP)25 (CANMAT-ISBD)26 li Depression (ICG)27

Primeira linha Monoterapia OTP, FLU, OLZ LMT, VPA LMT, Li, VPT, ECr, OTP Li, LMT, OTP Li, LMT, OTP

Terapia OLZ + FLU, LMT + Li; ISRS + (Li ou VPA ou ISRS + (Li ou VPA); OLZ
combinada MDF + TTO atual; N-Acis APA) + ISRS; Li + VPT; Bup +
+ Li ou VPT (Li ou VPT)

Psicoterapia Terapia interpessoal, te- Terapia interpessoal e de


rapia cognitivo-comporta- ritmo social, terapia cog-
mental, terapia familiar nitivo-comportamental,
terapia familiar

Segunda linha Monoterapia CBZ; Li VPT; CBZ; OLZ VPT; CBZ; OLZ; FLX

Terapia Li ou VPT + (SER ou VEN ATC ou VEN + (Li ou VAP ISRS+OTP; LMT + (Li ou Li ou VPT + (SER ou VEN
combinada ou TOP ou INO ou Om- ou APA) VPn; MDF + TTO atual; ou BUP); LMT + TTO atu-
3 ou PAR ou BUP) OU Li + CBZ; Li + PRX; VEM al; QTP + TTO atual; MDF
TTO atual + (IMAO ou le- + (Li ou VPT); IMAO + Li; + TTO atual; AEC + TTO
votiroxina ou GBP) OU ECT; APA + (Li ou VPn; atual; AD + (Li ou VPT ou
IMP + Li ATC + APA; Li ou VPT + APA)
(CBZ + ISRS + LMn

Tratamentos não TTO atual + (ECT ou priva-


farmacológicos ção do sono)

Não recomendado GBP ou ARP como mo-


noterapia
oC1)
"'C
Abreviaturas: AEC, ácido etil-eicosapentaenoico; AD, antidepressivo; APA, antipsicótico atípico; ARP, aripiprazol; ATC, antidepressivo tricíclico; BUP, bupropiona; CLZ, clozapina; .....
C1)
(/)
CBZ, carbamazepina; ECT, eletroconvulsoterapia; FLX, fluoxetina; GBP, gabapentina; INO, inositol; IMAO, inibidor de monoaminoxidase; IMP, imipramina; ISRS, inibidor seletivo (/)
Dl•
da recaptação de serotonina; Li, lítio; LMT, lamotrigina; N-Acis, N-acetilcisteína; MDF, modafinila; OLZ, olanzapina; Om-3, ômega-3; PAR, paroxetina; PRX, pramipexol; QTP, que- o
tiapina; SER, sertralina; TOP, topiramato; TTO, tratamento; VEN, venlafaxina; VPT, valproato; ZPD, ziprasidona.
* Considerar se o risco de suicídio, depressão grave durante a gravidez ou psicose associada for elevado.
p
e:
C1)
<
C1)
o..
o
~
CJ)

<
-e.e......o
Q)

Tabela 15.2
-
(/)

Diretrizes sobre tratamento agudo depressivo de pacientes com diagnóstico de transtorno bipolar do tipo li

lnternational
British Association of Consensus Group on
Psychopharmacology and the Evidence-Based
World Federation of the Canadian Network lnternational Society Pharmacological
Societies of Biological for Mood and Anxiety of Bipolar Disorder Treatment of Bipolar 1and
Psychiatry (WFSBP)24 Treatment (BAP) 25 (CANMAT-ISBD)26 li Depression (ICG) 27

Primeira linha Monoterapia OTP OTP

Terapia PRA + (Li ou VPT);


combinada

Segunda linha Monoterapia VAP AD* Li, LMT, VPT, AD, ZPD OTP; ISRS; PRX

Terapia Li + VPT; AD + (Li ou


combinada VPT ou APA)

Abreviaturas: AD, antidepressivo; APA, antipsicótico atípico; ISRS, inibidor seletivo da recaptação de serotonina; Li, lítio; LMT, lamotrigina; PRX, pramipexol; OTP, quetiapina;
VPT, valproato.
* O uso de antidepressivos de forma isolada deve ser considerado com cuidado somente para pacientes sem história de episódios de mania.
Depressão

cisteína, 24 inositol24 e celecoxibe, 30 embo- f) bilirrubinas


ra mais estudos de eficácia e/ou seguran- g) tempo de protrombina e tempo parcial
. , .
ça seJam necessar1os. de tromboplastina
Apesar da elevada frequência de epi- h) ritmo de filtração glomerular
sódios depressivos associados ao trans- i) urinálise
torno bipolar do tipo II, 7 ainda há poucas j) exame toxicológico de urina
evidências na literatura para o tratamen- k) creatinina
to desses pacientes (Tabela 15.2). Adro- 1) clearance de creatinina de 24 horas (se
ga com maior nível de evidência na litera- existe história de doença renal)
tura é a quetiapina em monoterapia. 24,26 m) honnônio estimulante da tireoide (TSH)
Até o presente momento, existem n) eletrocardiograma (se mais de 40 anos
poucos estudos que tenham avaliado de de idade ou outra indicação)
for1na controlada e sistemática a eficácia o) prolactina sérica
da abordagem psicoterápica no transtorno p) teste de gravidez (se relevante)
bipolar. No entanto, reconhece-se o valor q) índice de massa corporal
de intervenções psicoterápicas sobre o cur- r) reações adversas a substâncias
so e o prognóstico da doença. Entre os pos-
síveis papéis do terapeuta, destacam-se: O tratamento de comorbidades psi-
educação sobre o transtorno bipolar, iden- quiátricas não é contemplado nas diretri-
tificação e abordagem de comorbidades zes internacionais a despeito de mais de
psiquiátricas, identificação e abordagem metade dos pacientes com transtorno bi-
de fatores desencadeantes (p. ex., privação polar apresentar outro diagnóstico psiqui-
, .
do sono) e sintomas subsindrômicos, bem atr1co.
como o incentivo para mudanças positivas
no estilo de vida do paciente e de sua famí-
lia. As for111as de psicoterapia sugeridas co-
-
CONCLUSAO
mo adjuvantes ao tratamento farmacológi-
co incluem: terapia interpessoal (TIP) e de A depressão é a manifestação mais fre-
ritmos sociais, terapia cognitivo-comporta- quente do transtorno bipolar, estando as-
mental (TCC) e terapia familiar. 25 ,26 sociada a significativo comprometimento
Métodos de rastreamento e condu- sócio-ocupacional dos pacientes. A distin-
tas terapêuticas direcionadas a comor- ção em relação à depressão unipolar nem
bidades clínicas, bastante frequentes no sempre é simples, sendo necessário inves-
transtorno bipolar, não são contempla- tigar ativamente a história pregressa de
dos nas diretrizes internacionais. Apenas sintomas maníacos ou hipomaníacos. Em-
o CANMAT-ISBD 26 sugere avaliação inicial bora atualmente existam várias opções te-
e seguimento periódico dos seguintes pa- rapêuticas, o tratamento da depressão bi-
râmetros laboratoriais e clínicos: polar permanece bastante difícil.

a) hemograma completo e contagem de


plaquetas REFERÊNCIAS
b) glicemia em jejum
e) perfil lipídico (incluindo triglicerídeos, 1. American Psychiatric Association. Manual diag-
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Depressão

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Mireia Sulzbach
lves Cavalcante Passos
Elisa Brietzke
Mareia Kauer-Sant'Anna

INTRODUÇÃO e diminuição da libido) podem ser difíceis


de diferenciar daqueles apresentados na
A prevalência de depressão maior duran- depressão. 2 Mesmo quando mulheres com
te a vida é duas vezes mais frequente em risco de desenvolver depressão durante a
mulheres adultas do que em homens. Em gravidez são identificadas, apenas uma
amostras populacionais, a prevalência de pequena parcela delas recebe tratamen-
depressão em mulheres varia entre 7 e to. Um estudo demonstrou o mesmo para
13°/o, sendo uma das principais causas de a depressão pós-parto: somente um terço
incapacidade ajustada por anos de vida. 1 das mulheres com essa condição acredi-
O impacto desse transtorno não se limi- tavam estar deprimidas e 80°/o não rela-
ta apenas à paciente, afeta também seus taram seus sintomas a nenhum profissio-
familiares, amigos, empregadores e a so- nal da saúde. 3
ciedade em geral. Igualmente importantes A depressão bipolar na gestação e no
são as consequências da depressão no perí- pós-parto também não deve ser negligen-
odo perinatal. Neste capítulo, serão abor- ciada, uma vez que a falha no diagnóstico
dados dois grandes transtornos que afe- correto pode levar a um tratamento ina-
tam o sexo feminino durante esse período: dequado, precipitando mania ou hipoma-
a ,depressão na gestação e a depressão no nia, ciclagem rápida e episódios mistos.
pos-parto. Há, ainda, um alto risco para desenvolvi-
Tanto a gravidez como o puerpério mento de psicose puerperal associado ao
são, em geral, períodos a.ssociados a ale- transtorno bipolar, havendo necessidade
gria, sobretudo pela expectativa do re- de tratamento imediato e efetivo. A con-
cém-nascido. Para muitas mulheres, en- sequência mais séria, nesses casos, é o alto
tretanto, a gravidez e a maternidade risco de infanticídio e suicídio entre mu-
podem representar um aumento da vul- lheres com depressão pós-parto. Presença
nerabilidade a transtornos psiquiátricos. de sintomas de hipomania, depressão atí-
Uma das dificuldades em se estabelecer pica, história familiar de transtorno bipo-
o diagnóstico de depressão nesses perío- lar e rápido início dos sintomas depressi-
dos é que os sintomas somáticos da gravi- vos seguindo o parto devem levar à hipó-
dez e do puerpério (p. ex., fadiga, labili- tese de depressão bipolar. 4 Por sua vez, os
dade emocional, dificuldade para dormir transtornos de pânico, obsessivo-compul-
Ouevedo & Silva (orgs.)

sivo e de ansiedade generalizada também se período, obter uma completa história


são ocasionalmente associados com a de- psiquiátrica de episódios prévios e imple-
- , . , .
pressao pos-parto e pioram o prognostico mentar estratégias de prevenção, a fim
dessa condição. 5 de que se possa minimizar a morbidade e
Outra condição comum no pós-par- a mortalidade associadas à doença men-
to é o blues puerperal, que se refere a uma tal perinatal. O reconhecimento precoce
condição transitória caracterizada por de tais condições é importante, visto que,
sintomas como ansiedade, tristeza, de- apesar de apresentarem efeito deletério
créscimo de concentração, insônia e cri- para a relação mãe-bebê em longo pra-
ses de choro. Tais sintomas, porém, são zo, em geral respondem satisfatoriamen-
mais brandos, desenvolvem-se geralmen- te ao tratamento. Vale ressaltar também
te 2 a 3 dias após o parto, atingindo o pi- que o envolvimento do pai do bebê no
co no quinto dia e diminuindo dentro de tratamento demonstrou efeito positivo. 8
duas semanas. Mulheres com essa condi-
ção têm risco aumentado para depressão
pós-parto. 6
- -
DEPRESSAO NA GESTAÇAO
Atualmente, é fato reconhecido que
a suscetibilidade genética, os eventos es- A depressão na gravidez está associada a
tressares da vida e as mudanças hor1no- aumento do estresse, diminuição do su-
nais associadas ao ciclo reprodutivo femi- porte social, ganho de peso inadequado,
nino aumentam o risco de transtornos do uso de substâncias (cigarros, álcool e co-
humor. A gravidez e o puerpério são fases caína), pré-eclâmpsia e aumento no risco
de intensas mudanças hormonais e po- de progressão para depressão pós-parto.
dem representar um momento de vulne- Reconhecer e tratar a depressão durante o
rabilidade para o início ou o retorno dos período antenatal, portanto, irá prevenir
sintomas depressivos. Contudo, nenhum não apenas os desfechos clínicos adver-
fator hormonal, até o momento, foi apre- sos, mas também o desenvolvimento de
sentado consistentemente como um agen- depressão pós-parto. O suicídio é um des-
te causal na depressão pós-parto. fecho da depressão gestacional e seu risco
As consequências, para a mãe e pa- deve ser avaliado. Uma investigação rea-
ra a criança, do desenvolvimento de de- lidada entre 1997 e 1999 apontou o sui-
pressão no ciclo grávido-puerperal po- cídio como uma das principais causas de
dem ser evidenciadas por prejuízo do mortes maternas. Embora não esteja cla-
seguimento do pré-natal, uso de substân- ro se o risco de suicídio é menor ou simi-
cias psicoativas, estresse marital, ideação lar durante a gestação, ele é maior após o
suicida materna, infanticídio e prejuízo nascimento de um natimorto, em adoles-
da relação mãe-filho. A depressão pode centes grávidas e em mulheres com inter-
levar a danos na interação e no víncu- nações psiquiátricas prévias.9
lo mãe-bebê e à irritabilidade direciona-
da às crianças, 5 contribuindo, assim, pa-
ra o surgimento de transtornos da con- Prevalência e incidência
duta, comportamento agressivo e déficit
cognitivo e de atenção no filho. 7 Como a Uma metanálise realizada pela Agency for
depressão é uma das complicações médi- Healthcare Research and Quality1º anali-
cas mais encontradas na gestação, é fun- sou 30 estudos de prevalência e incidên-
damental desenvolver técnicas de rastre- cia de depressão na gestação. Para depres-
amento para alterações do humor nes- são maior isolada, a estimativa final com-
Depressão

binada da prevalência variou entre 3, 1 e a relação entre potenciais fatores associa-


4,9% em diferentes momentos durante a dos e sintomas depressivos.
gravidez. Para depressão maior e menor, O Quadro 16.1, a seguir, mostra os
a prevalência pontual variou entre 8,5 e fatores de risco potenciais para depressão
11 %. Com relação à incidência, o estudo na gestação.
relata que até 14,50/o das grávidas têm um
novo episódio depressivo maior ou menor
durante a gestação. Considerando apenas DEPRESSÃO PÓS-PARTO
o episódio depressivo maior, a incidência
é de 7,50/o. 10 Depressão pós-parto é um tipo mais gra-
Outra metanálise, que avaliou 21 es- ve de depressão do que o blues puerpe-
tudos de prevalência de sintomas depres- ral. Este, em geral, não requer tratamen-
sivos na gestação, identificou taxas de to e é uma reação normal às mudanças
7,4, 12,8 e 120/o para o primeiro, segun- hormonais e ao estresse depois do par-
do e terceiro trimestres respectivamente. to. Embora não haja consenso, a maioria
Nesse estudo, as taxas para os dois últi- dos especialistas considera que a depres-
mos trimestres foram substancialmente são pós-parto pode ocorrer a qualquer
maiores que as observadas na população momento durante o primeiro ano após
feminina em geral. 11 o término da gestação. As propostas pa-
ra o DSM-5 14 sugerem extensão do perío-
do de 4 semanas para 6 meses pós-parto
Fatores de risco nos critérios para diagnóstico de trans-
torno do humor puerperal. Essa mudan-
O American College of Obstetricians and ça adequaria os critérios às evidências
Gynecologists (ACOG) 12 recomenda o ras- de estudos mostrando que a depressão
treamento da depressão durante cada tri- pós-parto no transtorno bipolar tende a
mestre da gestação, visto que se trata de iniciar em duas semanas pós-nascimen-
uma das complicações mais comuns na to, enquanto a depressão unipolar inicia
gravidez. 10 Portanto, é necessária a edu- mais tardiamente, com alta prevalência
cação dos profissionais que trabalham ro-
. . . ,
nos primeiros cinco meses apos o nasci-
.
tineiramente com cuidados obstétricos. mento. Uma paciente que demonstre si-
Em uma revisão sistemática de 57 estu- nais e sintomas de depressão durante o
dos, sobretudo observacionais, identifi- período entre 2 e 4 semanas após o par-
cou-se correlação entre alguns fatores de to deve ser rastreada para depressão bi-
risco e sintomas depressivos na gestação. polar, pois esse diagnóstico é fundamen-
São descritos como fatores de risco a an- tal para o tratamento adequado. 4
siedade materna, eventos negativos na vi- Existe evidência crescente do impac-
da (situações psicologicamente significa- to adverso da depressão pós-parto mater-
tivas como divórcio ou morte de um fami- na no desenvolvimento cognitivo, com-
liar), episódio depressivo anterior, baixo portamental, neurológico e emocional do
suporte social e do parceiro, violência do- recém-nascido. Estresse marital, proble-
méstica e gravidez não planejada. Ansie- mas na relação entre mãe e filho e idea-
dade materna, eventos negativos na vida ção suicida materna também são conse-
e baixo suporte do parceiro foram os fato- quências desse transtorno. 7 Os problemas
res que apresentaram maior força de as- em recém-nascidos podem ser reduzidos
sociação.13 São necessários, entretanto, ou evitados pela prevenção e o tratamen-
mais estudos longitudinais para examinar to precoces da depressão materna. A de-
Ouevedo & Silva (orgs.)

Fator de risco Força de associação em análise bivariada

Ansiedade materna ++++


Eventos negativos na vida ++++
História pessoal de depressão +++
Baixo suporte social +++
Baixo suporte do parceiro ++++
Violência doméstica +
Gravidez não planejada +++
Qualidade pobre da relação com o parceiro + + +
Legenda:+, pequena associação; ++,pequena a média associação; +++,média associação;++++, média
a grande associação.
Fonte: Adaptado de Lancaster e colaboradores. 13

pressão pós-parto pode levar também à primida existe um risco de 40 a 50% de


subnutrição infantil e a outras consequên- que o pai também sofra com depressão. A
cias físicas decorrentes do prejuízo no cui- depressão pós-parto paterna foi associada
dado com o recém-nascido. a desemprego, história psiquiátrica pater-
Mães deprimidas, quando compara- na, discórdia, marital, pais mais jovens e
das a controles, apresentaram três vezes imigrantes. E fundamental o envolvimen-
mais riscos de problemas emocionais sé- to do casal no tratamento da depressão
rios em seus filhos e 1 O vezes mais riscos pós-parto. 8
de prejuízo em sua relação com eles. O
padrão anormal de interação entre mãe
e filho associado à depressão materna le- Prevalência e incidência
va a um círculo vicioso que aumenta a
probabilidade de doença mental, emo- Uma metanálise realizada pela Agency for
cional e de problemas familiares, comes- Healthcare Research and Quality1º descre-
sas crianças tendendo a usar mais os re- ve, para depressão maior, uma prevalên-
cursos de saúde. cia de 1 a 5,90/o em diferentes momentos
Estudos recentes têm destacado ou- durante o primeiro ano do pós-parto. Para
tra condição: a depressão pós-parto no depressão maior combinada com depres-
pai. Foi demonstrado que entre 5 e 240/o são menor, a prevalência variou de 6,5 a
dos pais sofrem de depressão no período 12,90/o em diferentes momentos durante o
pós-natal precoce. Quando a mãe está de- primeiro ano do pós-parto. Com relação à
Depressão

incidência, 14,So/o tiveram um novo episó- lação com o desenvolvimento de depres-


dio de depressão maior ou menor durante são pós-parto. 17 Candidatos hormonais
os primeiros três meses do pós-parto. Ao que parecem ter importância no desen-
considerar apenas a depressão maior, essa volvimento de vulnerabilidade à depres-
taxa fica em 6,So/o. 10 Existe controvérsia sao pos-parto sao, portanto, o estrogen10
- , - A •

sobre haver ou não aumento nas taxas de e a progesterona.


depressão após o tér1nino da gestação. A Infor1nações sobre a associação entre
prevalência para depressão pós-parto pa- sintomas do humor secundários ao uso de
rece ser próxima à relatada para mulhe- anticoncepcional oral e depressão pós-par-
res não grávidas, embora o início de no- to são escassas na literatura, com alguns
vos episódios de depressão seja mais ob- estudos sugerindo tal relação e outros não.
servado nas primeiras cinco semanas de A associação com o número de gestações
pós-parto que em não grávidas-controle. 15 da mãe também é controversa. Situação
econômica e marital, origem étnica, gravi-
dez não planejada, trabalho de parto nor-
Fatores de risco mal ou cesariana não foram consistente-
mente associados à depressão pós-parto. s,7
A depressão pós-parto é causada por uma
combinação de fatores biológicos e psi-
cossociais. Existem evidências prelimi-
-
TRATAMENTO DA DEPRESSAO
,
nares de que os fatores genéticos contri- NO CICLO GRAVIDO-PUERPERAL
buem com um terço da variância etioló-
gica desse transtorno. Ir1nãs de mulheres No tratamento da depressão no ciclo grá-
com depressão pós-parto parecem ter um vido-puerperal, deve-se avaliar cuidado-
aumento do risco de sofrerem de tal con- samente os riscos tanto para o feto quan-
dição.16 Hormônios, como o estrogênio e to para a mãe, assim como os benefícios
. , .
da medicação em cada caso, colocando em
a progesterona, seriam poss1ve1s causas
biológicas, mas os estudos a esse respeito perspectiva também os riscos do não tra-
ainda são controversos. tamento dos sintomas. Não é fácil resolver
O conhecimento dos fatores de ris- essa equação, pois os dados de segurança
co que predispõem a mulher a desenvol- dos fármacos são muitas vezes conflitantes
ver depressão pós-parto ajuda a identifi- e limitados. 18 As incertezas sobre a segu-
car aquelas que estão sob alto risco e po- rança do uso de antidepressivos na gravi-
dem se beneficiar de uma intervenção dez podem ser atribuídas ao rápido desen-
profissional precoce. Em estudo realizado volvimento de novos medicamentos du-
com 1.800 mulheres no pós-parto, iden- rante as duas últimas décadas, ao aumento
tificou-se que os fatores de risco relacio- do uso de antidepressivos entre as mulhe-
nados a alterações hormonais ou a histó- res em idade reprodutiva e à dificuldade
ria de doença psiquiátrica pessoal tinham em realizar estudos prospectivos. 19 Um es-
maior relevância que fatores obstétricos tudo retrospectivo mostrou que, nos últi-
ou psicossociais. O principal fator de ris- mos 30 anos, a taxa de utilização dos anti-
co é a história pessoal de depressão. Alte- depressivos no primeiro trimestre de gesta-
rações do humor no período pré-menstru- ção passou de 1 para mais de 7%. 20
al, blues puerperal, depressão na gestação São abordadas, a seguir, as evidên-
e instabilidade emocional na puberdade cias para utilização dos principais fárma-
são outros fatores que apresentam corre- cos disponíveis para o tratamento da de-
Ouevedo & Silva (orgs.)

pressão uni e bipolar no ciclo grávido- Nas Tabelas 16.2, 16.4, 16.6 e 16.8,
-puerperal. referentes ao período de amamentação,
são mostradas evidências para o uso , de
psicotrópicos durante esse período. E ob-
Orientações quanto à utilização das servado o nível de compatibilidade de ca-
tabelas apresentadas neste capítulo da fármaco com o aleitamento matemo
com base na avaliação dos seguintes cri-
Nas Tabelas 16.1, 16.3, 16.5 e 16.7, refe- térios:21
rentes ao período gestacional, é utilizada
a classificação da US Food and Drug Ad- • Características farmacocinéticas do fár-
ministration (FDA) para o risco de uso de maco
fármacos para o feto: • Dados sobre a excreção de fármacos no
leite matemo
• Categoria A: Estudos adequados e • Número de dias de tratamento em amos-
bem controlados não conseguiram de- tragem, de acordo com a administração
monstrar risco para o feto durante o aguda e crônica
primeiro trimestre da gravidez ee não • Incidência e tipo de efeitos adversos re-
há nenhuma evidência de risco em tri- latados nas crianças amamentadas
mestres posteriores).
• Categoria B: Estudos de reprodução Nesse sentido, cada substância foi
animal não demonstraram risco para o classificada como:
feto e não existem estudos adequados e
bem controlados em mulheres grávidas. • Compatível: quando seu uso durante o
• Categoria C: Estudos de reprodução aleitamento materno é considerado
animal têm demonstrado efeito adver- seguro porque a dosagem infantil re-
so sobre o feto e não existem estudos lativa é menor que 10°/o da dosagem
adequados e bem controlados em se- materna e não foram relatados efeitos
res humanos, mas os benefícios poten- adversos relevantes nas crianças ama-
ciais podem justificar o uso do fár1naco mentadas.
em mulheres grávidas, apesar dos ris- • Para ser usado com cautela: a dispo-
cos potenciais. nibilização dos dados não permite
• Categoria D: Há evidência positiva de uma avaliação do perfil de seguran-
risco fetal humano, com base em da- ça da utilização do fármaco durante
dos de reações adversas ou de estudos a amamentação (p. ex., pequeno nú-
em seres humanos, mas os benefícios mero de pares mãe-criança, impor-
potenciais podem justificar o uso do tância dos efeitos adversos relevan-
fá11naco em mulheres grávidas, apesar tes na criança) ou por causa de um
dos riscos potenciais. possível acúmulo da concentração do
• Categoria X: Estudos em animais ou em psicofármaco durante o uso prolon-
humanos demonstraram anormalidades gado.
fetais e/ ou há evidência positiva de ris- • Contraindicada: o uso durante a ama-
co fetal humano, com base em dados de mentação é contraindicado porque a
reações adversas, e os riscos envolvidos dosagem relativa no lactente é maior
no uso do fár1naco em mulheres grávi- que 100/o da materna, e efeitos ad-
das claramente superam os benefícios versos relevantes foram relatados nas
potenciais. crianças amamentadas.
Depressão

ANTIDEPRESSIVOS e) Pequena redução na idade gestacional,


aumento no risco de parto prematuro,
Inibidores seletivos da risco aumentado para APGAR baixo 24
recaptação de serotonina
Fluoxetina 18123
Os inibidores seletivos da recaptação de
serotonina (ISRSs) são as medicações A fluoxetina é considerada relativamente
psicotrópicas mais prescritas duran- segura e é o antidepressivo mais estudado
te o ciclo grávido-puerperal, e a dosa- para uso na gestação. Há alguns relatos que
gem utilizada em grávidas é semelhante sugerem um pequeno aumento no risco de
àquela administrada em adultos jovens. defeitos septais cardíacos menores. Não há
I

E necessária atenção especial ao fato de evidência de efeitos adversos em longo pra-


que todos os ISRSs são excretados no zo, mas há uma importante limitação nesse
leite materno. tipo de estudo, que é a impossibilidade de
Apesar de, até a presente data, em confirmar a exposição à droga, pois o tama-
experimentos animais os efeitos teratogê- nho da amostra nor1nalmente é muito pe-
nicos não estarem diretamente associados queno para que se calcule o risco associado
ao uso dessa classe de medicamentos, al- aos ISRSs individualmente.
guns estudos clínicos demonstram a asso-
ciação com: 22,23
Paroxetina
a) Principalmente no primeiro trimestre Em alguns estudos epidemiológicos, a pa-
de gestação: roxetina foi associada a um risco aumen-
• malformação cardíaca congênita de tado para anomalia cardiovascular de
septo, especialmente com paroxeti- septo e alteração na adaptação neonatal
na e sertralina23 da criança, porém esses resultados susci-
tam controvérsias. 21
b) Principalmente no terceiro trimestre da
gestação (desaparecem em duas sema-
nas): Sertralina
• sinais neurológicos transitórios
Há estudos que sugerem um aumento na
(tremores, irritabilidade, hiper-re-
incidência de malformação do septo car-
flexia, alteração no sono, choro ex-
díaco associado à administração de ser-
cessivo, cianose)
tralina durante a gravidez, especialmen-
• alterações motoras (aumento do tô-
te no primeiro trimestre, porém os dados
nus muscular)
ainda são controversos. A substância está
• alterações respiratórias e gastrin-
presente no leite materno em níveis rela-
testinais leves 21
tivamente baixos. 21
• hipertensão pulmonar persistente,
principalmente com o uso de pa-
roxetina e após a 20ª semana de Citalopram
gestação; deve-se ressaltar que es-
tudos posteriores não consegui- Com base em relatos de casos, o uso te-
ram reproduzir essa mesma asso- rapêutico de citalopram, ou escitalopram,
ciação24 não parece estar associado a risco aumen-
Ouevedo & Silva (orgs.)

tado para anomalias congênitas, porém sivos serotonérgicos, incluindo a venla-


estudos mais consistentes são necessários faxina, mas não há evidência de que o
para confirmar esses achados. uso desta última durante a gestação de-
termine aumento no risco de malforma-
ções. Os estudos realizados em humanos
Fluvoxamina até o momento apresentam diversas limi-
tações e são inconclusivos a respeito do
Com base em estudos clínicos durante o
potencial teratogênico da venlafaxina.
período gestacional e pós-parto, os ISRSs
Há relatos de casos de galactorreia, com
mais estudados são a fluoxetina, seguida
ou sem hiperprolactinemia, em mulheres
pela sertralina e pela paroxetina e, por-
usando esse antidepressivo. 23
tanto, são as substâncias de uso preferen-
cial durante esses períodos. No entanto,
estudos avaliando a taxa de malfor1na-
ções congênitas quando da exposição aos Duloxetina
ISRSs em geral, após o primeiro trimestre
gestacional, revelaram um aumento des- Os alertas em relação aos possíveis efeitos
ses eventos para a fluvoxamina, especial- neonatais da duloxetina são baseados na
mente a ocorrência de onfalocele; porém experiência de uso de outros IRSNs. 22,23
são necessários mais estudos para avaliar
essa relação.
Outros antidepressivos

Inibidores da recaptação de Bupropiona


serotonina e noradrenalina
Registros de uso durante a gestação têm
Venlafaxina chamado a atenção para uma possível as-
sociação de bupropiona com cardiopa-
Complicações neonatais brandas e tran- tias congênitas, porém estudos são neces-
sitórias foram associadas à exposição no sários para comprovação dessa associa-
terceiro trimestre a todos os antidepres- ção.22,23

QUADRO 16.2 Pontos importantes ao considerar uso


de antidepressivos durante gestação e aleitamento

• Diretrizes sugerem que os ISRSs podem ser usados com cautela durante a gravidez. 22•23
• A fluoxetina, por haver mais estudos, é o ISAS de escolha na gestação. 22•23
• A paroxetina deve ser evitada. 19
• Os ISRSs, em especial a paroxetina, tomados após 20 semanas de gestação, podem estar as-
sociados a um risco aumentado de hipertensão pulmonar persistente no recém-nascido. 25
• Na amamentação, dar preferência à sertralina devido a seus níveis de concentração mais bai-
xos no leite materno. 21
• Citalopram e fluoxetina estão presentes no leite materno em níveis relativamente elevados.21
• Existem evidências consideráveis de que a decisão de não prescrever antidepressivos para
uma mulher que está deprimida, ou suscetível a ter uma recorrência durante a gravidez, pode
gerar riscos maiores para a mulher e seu feto do que os riscos de exposição à medicação. 26
Depressão

Mirtazapina siderável de estudos de exposição fetal


aos ADTs no primeiro trimestre de gesta-
Existem poucos dados referentes ao uso ção sem associação com aumento na taxa
de mirtazapina na gravidez, não havendo de malformações congênitas. Entretanto,
evidência comprovada de segurança em foram observados sintomas de síndrome
seu uso. 22,23 de abstinência nos recém-nascidos. Mais
As Tabelas 16.le 16.2 apresentam estudos com rigor científico são necessá-
informações referentes ao uso de antide- rios.28 No entanto, existe relato de que os
pressivos na gestação e na amamentação, ADTs têm maior índice de toxicidade fatal
respectivamente. que os ISRSs. 25
As Tabelas 16.3 e 16.4 apresentam in-
for1nações referentes ao uso de ADTs na ges-
Antidepressivos tricíclicos tação e na amamentação, respectivamente.

Os riscos da administração de antidepres-


sivos tricíclicos (ADTs) durante a gravidez Benzod iazepínicos
e a amamentação estão mais bem estabe-
lecidos do que os dos medicamentos mais Todos os benzodiazepínicos são classifi-
novos, embora as questões de tolerabili- cados pela FDA como categorias D e X
dade e risco de overdose ainda permane- no que se refere ao risco de seu uso pa-
çam em aberto. Existe um número con- ra o feto durante o período gestacional.

Tabela 16.1
Classificação da FDA do risco do uso de antidepressivos
para o feto durante o período gestacional
Antidepressivo Categorias FDA
ISRSsA B e D X
Fluoxetina
Paroxetina
Sertralina
Citalopram
Escitalopram
Fluvoxamina

IRSNs
Venlafaxina
Duloxetina

Outros
Bupropiona ?•

Mirtazapina

Fonte : Adaptada de Menon.27


Ouevedo & Silva (orgs.)

Tabela 16.2
Compatibilidade dos antidepressivos com a amamentação
Compatibilidade com
Antidepressivo a amamentação Efeitos adversos relatados

ISRSs

Citalopram Não Cólicas, dificuldade na sucção, sonolência


e irritabilidade, insônia; respiração irregular,
distúrbios do sono, hipotonia e hipertonia
Escitalopram Não Enterocolite necrosante
Fluoxetina Não Irritabilidade transitória, distúrbios do sono,
cólica, hipotonia, sedação, dificuldade na
sucção, febre, hiperglicemia e glicosúria,
cianose periférica e ausência de resposta
a estímulos
Fluvoxamina Sim
Paroxetina Sim Irritabilidade, agitação, problemas de
alimentação e nervosismo
Sertralina Sim Hipotonia, sonolência, problemas de ouvido,
problemas de crescimento; síndrome de
abstinência após a cessação do amamentação
(agitação, mamadas ineficazes e com maior
frequência, choro, insônia)

IRSNs

Venlafaxina Sim
Duloxetina Cautela

Outros

Bupropiona Sem dados


Mirtazapina Sim

Fonte: Adaptada de Fortinguerra e co laboradores. 21

Tabela 16.4
Tabela 16.3 Compatibilidade dos ADTs
Classificação da FDA do risco do com a amamentação
uso de ADTs para o feto durante
Compatibilidade com
o período gestacional ADT a amamentação
ADT Categorias FDA Amitriptilina Sim
A B e D X Clomipramina Sim

Am itriptilina Desipramina Cautela

Clomipramina lmipramina Sim

lmipramina Nortriptilina Cautela

Nortriptilina T razodona Cautela

Fonte: Adaptada de Menon. 27 Fonte: Adaptada de Fortinguerra e colaboradores .21


Depressão

Exceto para o tratamento em curto pra- Risperidona


zo e com a presença de extrema ansieda-
de e agitação, esses medicamentos não Em estudos experimentais em animais e
devem ser receitados rotineiramente pa- em poucos estudos clínicos com o uso da
ra mulheres durante a gravidez nem no risperidona durante a gravidez não se evi-
puerpério, pois são secretados no lei- denciou um aumento do risco de anoma-
te materno, podendo produzir sedação lias congênitas, porém mais estudos são
e síndrome de retirada, havendo risco necessários. 31
de desenvolvimento de fissuras labio-
palatinas e de o recém-nascido apresen-
tar uma síndrome conhecida como floppy Clozapina
baby, que consiste em hipotonia, hipoter-
mia, letargia, depressão respiratória e di- A clozapina não deve ser rotineiramente
ficuldades em se alimentar, além da sín- prescrita para mulheres grávidas porque
drome de abstinência caracterizada por há um risco teórico de agranulocitose no
tremores, irritabilidade, hipertonicidade, feto. Ao se diagnosticar uma gravidez na
vigência do uso da clozapina, a mudan-
diarreia, vômito e dificuldade na sucção.
Caso, ainda assim, seja necessário pres- ça para outro fármaco e o monitoramento
crever um benzodiazepínico, preferir, de- cuidadoso devem ser considerados. 25
vido aos seus perfis de meia-vida, o clo-
nazepam e o lorazem. 23 A fim de minimi-
Olanzapina
zar esses efeitos, deve-se observar a sua
retirada gradual. 29 O monitoramento dos fatores de risco pa-
ra diabetes gestacional e ganho de pe-
so, incluindo história familiar, peso e et-
Antipsicóticos nia, deve ser levado em conta. Com ba-
se em estudos experimentais em animais
Haloperido/ e relatos de caso de terapia com olanza-
pina durante a gravidez, não é esperado
Em estudos experimentais com animais ex- um aumento do risco de anomalias con-
postos a haloperidol, ocorreu um aumen- gênitas.31
to no desenvolvimento de embriões anor-
mais. Nos estudos clínicos, porém, não se
identificou um aumento do risco para ano- Antipsicóticos de depósito
malias congênitas. Sua administração du-
rante a gravidez pode causar efeitos extra- Antipsicóticos de depósito não devem ser
piramidais secundários no neonato. 25 rotineiramente prescritos para mulheres
grávidas, pois há relativamente pouca in-
formação sobre sua segurança, e os bebês
Quetiapina podem apresentar sintomas extrapirami-
dais vários meses após a administração do
Os estudos quanto ao uso de quetiapina medicamento. Esses sintomas geralmente
durante a gestação ainda são limitados, são autolimitantes, mas se caracterizam
mas os relatos de caso e estudos de coor- por agitação, aumento ou diminuição do
te, mesmo que com uma amostra peque- tônus muscular, tremores, sonolência, in-
na, não demonstram aumento na incidên- suficiência respiratória severa e dificulda-
cia de malformações. 3o,31 de em se alimentar. 25,31
Ouevedo & Silva (orgs.)

Medicamentos anticolinérgicos Se a mulher não estiver bem ou esti-


ver em alto risco de recaída, deve-se con-
Não devem ser prescritos, exceto para uso siderar a troca gradual para um antipsicó-
de curto prazo e de forma aguda. Em vez tico ou parar o lítio e reiniciá-lo no segun-
disso, as doses do antipsicótico e o inter- do trimestre se ela não estiver planejando
valo entre elas devem sofrer ajuste, ou de- amamentar e se seus sintomas tiverem
ve-se considerar a substituição do antipsi- respondido melhor ao lítio do que a ou-
cótico.25 tros fármacos no passado, ou continuar
As Tabelas 16.5 e 16.6 apresentam com o lítio se ela apresentar um alto ris-
informações referentes ao uso de antipsi- co de recaída e tiver boa resposta ao fár-
, . -
cot1cos na gestaçao e na amamentaçao, - maco.
respectivamente. Outros pontos importantes em rela-
ção ao uso de lítio:

Lítio • Ecocardiografia fetal deve ser ofereci-


da nas exposições ao lítio.
O lítio aumenta a taxa de anomalia car- • Se uma mulher continua tomando lí-
díaca fetal para cerca de 60 em mil, em tio durante a gravidez, os níveis séri-
comparação com o risco de 8 em mil na cos do fármaco devem ser verificados a
população em geral. Estima-se que o lítio cada quatro semanas, depois semanal-
aumente o risco de anomalia de Ebstein mente a partir da semana 36, e, me-
(uma malformação cardíaca, em geral in- nos de 24 horas após o parto, a dose
compatível com a vida) de 1 em 20 mil deve ser ajustada para manter os ní-
para 10 em 20 mil. veis séricos na extremidade inferior do
Essa medicação não deve ser rotinei-
ramente prescrita para as mulheres, parti-
cularmente no primeiro trimestre de gra-
Tabela 16.5
videz ou durante a amamentação (devido
aos altos níveis no leite materno e ao risco Classificação da FDA do risco do
uso de antipsicóticos para o feto
de intoxicação do lactente). 22,23
durante o período gestacional
Se uma mulher fazendo uso de lítio
estiver planejando engravidar e não apre- Antipsicótico Categorias FDA
sentar um alto risco de recaída, sugere-se A B C D X
que ela seja aconselhada a parar de tomar
o fár111aco por causa do risco de malfor- Haloperidol

mações cardíacas no feto. Clorpromazina


Em caso de gravidez confir1nada no Clozapina ?•
primeiro trimestre, se a mulher estiver bem Olanzapina
e não apresentar um alto risco de recaí- Quetiapina
da, sugere-se interromper o lítio gradual-
Risperidona
mente ao longo de quatro semanas, mas
Aripiprazol
deve-se explicar que isso pode não elimi-
nar o risco de defeitos cardíacos no feto. Fonte: Adaptada de Menon.27
Depressão

Tabela 16.6
Compatibilidade dos antipsicóticos com a amamentação
Compatibilidade com
Anti psicótico a amamentação Efeitos adversos relatados
Haloperidol Sim Atraso no desenvolvimento psicomotor
Clorpromazina Sim Atraso do desenvolvimento psicomotor,
sonolência e letargia
Clozapina Não Sedação e agranulocitose
Olanzapina Sim
Quetiapina Cautela
Risperidona Cautela
Aripiprazol Cautela

Fonte: Adaptada de Fortinguerra e co laboradores. 21

intervalo terapêutico, e a mulher deve Anticonvulsivantes


manter ingestão adequada de líquidos.
• As mulheres que tomam lítio devem in- Valproato
formar o hospital, pois precisam ser mo-
nitoradas pela equipe obstétrica durante O uso de ácido valproico na gestação deve
o parto. O monitoramento deve incluir o ser evitado sempre que possível. Duran-
equilíbrio de fluidos, devido ao risco de te a gestação, o valproato está associado
desidratação e à toxicidade de lítio. a uma incidência de 1 a 2o/o de mielome-
• Em trabalho de parto prolongado, po- ningocele lombar e pode levar também ao
de ser apropriado verificar os níveis sé- atraso do desenvolvimento neurológico. A
ricos de lítio. Se possível, suspender o prevalência de defeitos embrionários pa-
uso 48 horas antes do parto para evi- rece ser maior quando o valproato é com-
tar intoxicação do bebê ao nascer. parado a outros anticonvulsivantes.
• Os sintomas de intoxicação do bebê por Caso uma mulher sendo medicada
lítio incluem depressão do sistema ner- com valproato esteja planejando uma gra-
voso central (hipotonia, letargia, hipo- videz ou já esteja grávida, ela deve ser
ter1nia e inversão de onda do ECG). 21 aconselhada a suspender o uso do fárma-
• O lítio é classificado pela FDA para o co. Sempre que possível, um medicamen-
risco de sua utilização para o feto du- to alternativo, geralmente um antipsicóti-
rante o período gestacional como cate- co, deve ser considerado.
goria D. 32 No entanto, caso não haja alternati-
va ao valproato, as doses devem ser limi-
A seguir, é apresentado um fluxogra- tadas a um máximo de 1 g por dia, dividi-
ma (Fig. 16.1) para auxílio na tomada de do e sob a forma de liberação lenta, junto
decisão quanto ao uso do lítio na gravidez. com 5 mg por dia de ácido fálico. 32
Ouevedo & Silva (orgs.)

Usando lítio

Planejando Gravidez no
engravidar 1° trimestre
1 1
Com ou sem 1 1
alto risco Não bem ou com Bem, sem alto risco
de recaída alto risco de recaída de recaída
1
1 1
Aconselhada 1 1 1 1
a descontinuar
Troca gradual Ou se o lítio Interrupção Se sintomas
o lítio por •
. .um, .
for a única gradual do ou risco
1 ant1ps1cot1co alternativa: lítio por de recaída,
1 1 monitoramento quatro continua
dos, níveis
. semanas com lítio no
Se risco Ou troca
ser1cos 2° trimestre
de recaída por
. .um, .
retorna ant1ps1cot1co
lítio no
2° trimestre

Figura 16.1
Fluxograma para auxílio na tomada de decisão quanto ao uso do lítio na gravidez.

Carbamazepina, oxcarbazepina experimentais em animais sugerem que


sim. 22,23,32
e lamotrigina
A lamotrigina não deve ser rotineira-
A carbamazepina aumenta o risco de de- mente prescrita para mulheres que estão
feitos do tubo neural de 6 em 10 mil pa- amamentando, pois há risco de problemas
ra cerca de 20 a 50 em 10 mil e carrega der1natológicos no bebê, como a síndro-
um risco de outras malformações fetais, me de Stevens-Johnson. 25
incluindo problemas do trato gastrintesti- As Tabelas 16. 7 e 16.8 apresentam
nal e anormalidades cardíacas. 25 infor1nações referentes ao uso de anticon-
Se uma mulher usando carbamaze- vulsivantes na gestação e na amamenta-
pina ou lamotrigina está planejando en- ção, respectivamente.
gravidar ou está no curso de uma gravi-
dez não planejada, os profissionais da
saúde devem aconselhá-la a parar de to- Eletroconvulsoterapia
mar esses medicamentos. Se necessário,
um fármaco alternativo, tal como um an- Não há evidência de risco de teratogêne-
tipsicótico, deve ser considerado. 18,25 se mais elevado de eletroconvulsoterapia
A oxcarbazepina é estruturalmente (ECT) na gravidez do que em outros mo-
semelhante à carbamazepina. Não se sa- mentos da vida. Também não há evidência
be, porém, se a oxcarbazepina tem o mes- de que a ECT precipite trabalho de parto,
mo potencial da carbamazepina para au- e tampouco há efeitos descritos de longo
mentar o risco de anomalias, mas estudos prazo sobre o feto ou recém-nascido.
Depressão

Tabela 16.7
são ao pré-natal; nutrição inadequada;
exposição a outras medicações, que po-
Classificação da FDA do risco do uso dem causar danos, na tentativa de ame-
de anticonvulsivantes para o feto . . . ., .
n1zar os sintomas ps1qu1atr1cos; aumento
durante o período gestacional
no consumo de álcool e tabaco; perturba-
Anticonvulsiva nte Categorias FDA ção do ambiente familiar, com desajustes
A B C D X entre o casal; e, consequentemente, pre-
juízo da relação mãe-bebê. Assim, o scre-
Valproato
ening, a prevenção e o tratamento, quan-
Carbamazepina do indicado, para transtornos do humor
Lamotrigina são essenciais para a boa evolução da ges-
Fonte: Adaptada de Menon. 27 tação e do puerpério. O manejo, sempre
que possível, deve ser multiprofissional,
em centros de atenção terciária para aten-
dimento de gestação de alto risco quando
A ECT deve ser considerada para mu- houver suspeita ou confirmação do trans-
lheres grávidas com depressão grave, es- torno do humor.
tados afetivos graves mistos ou mania no Ainda que as evidências apresentadas
contexto do transtorno bipolar, ou, ainda, neste capítulo auxiliem a tomada de deci-
catatonia, caso a saúde física da mãe ou são clínica durante o ciclo grávido-puerpe-
do feto esteja em sério risco. 25 ral, certamente as dúvidas nesse período
são frequentes e variam muito caso a ca-
so, por envolverem um julgamento difícil
-
CONCLUSAO dos riscos e benefícios de um tratamento.
Nessa difícil tarefa, um excelente recur-
A doença psiquiátrica materna não trata- so na hora de prescrever uma medicação
da adequadamente resulta em pouca ade- durante a gestação e o periparto, seja pa-

Tabela 16.8
Compatibilidade dos anticonvulsivantes com a amamentação
Compatibilidade com
Anticonvulsiva nte a amamentação Efeitos adversos relatados
Valproato Sim, com cautela Púrpura trombocitopênica, anemia
(monitorar o nível e reticulocitose
sérico na criança)
Carbamazepina Sim Diminuição do ganho de peso, sedação,
espasmos após a interrupção do aleitamento
materno; disfunção hepática transitória,
sucção pobre; cianose periférica e ausência
de resposta a estímulos
Lamotrigina Não Hiperexcitabilidade do motoneurônio,
irritabilidade e dificuldade na alimentação
Oxcarbazepina Cautela
Topiramato Não

Fonte: Adaptada de Fortinguerra e co laboradores. 21


Ouevedo & Silva (orgs.)

Se uma mulher grávida estava tomando medicamentos com risco de teratogenicidade conhecido
(lítio, valproato, lamotrigina, carbamazepina e paroxetina) no momento da concepção e/ou no pri-
meiro trimestre, os profissionais da saúde devem:

• confirmar a gravidez tão rapidamente quanto possível


• oferecer aconselhamento adequado sobre os cuidados com essa gravidez, a necessidade de
mon itoramento adicional e os riscos para o feto se ela continuar a tomar a medicação
• realizar imediatamente uma avaliação completa com o pediatra do recém-nascido
• mon itorar o bebê nas primeiras semanas após o parto para efeitos adversos, toxicidade de
drogas ou abstinência (p. ex., síndrome floppy baby, irritabilidade, choro constante, calafrios,
tremores, agitação, aumento do tônus, alimentação e sono dificu ltados e, raramente, convul-
sões); se a mãe usou antidepressivos no último trimestre, esses efeitos podem ser resu ltado
da síndrome serotonérgica (toxicidade) e não da abstinência

ra patologias psiquiátricas ou não, é fazer 6. O'Hara Mw, Schlechte JA, Lewis DA, Wright EJ.
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2012 [capturado em 2 ago 2012]. Disponível
em: http://www.reprotox.org.
Christian Kieling

INTRODUÇÃO ra incapacidade (a título de comparação,


acidentes de trânsito, com 5,4o/o, são a se-
O entendimento acerca da depressão na gunda causa mais importante). Além dis-
infância e na adolescência tem se modifi- so, cabe destacar que a depressão atinge
cado significativamente nos últimos anos. entre 49 e 64o/o dos adolescentes que co-
Há não mais do que quatro décadas, até metem suicídio, a terceira causa de morte
mesmo profissionais da saúde mental ain- nessa faixa etária. 2
da questionavam a real existência de epi- Este capítulo enfoca as principais
sódios depressivos entre crianças. Mais particularidades dos transtornos depres-
recentemente, o desenvolvimento de sis- sivos na infância e na adolescência, des-
temas classificatórios com razoável con- tacando os aspectos relacionados à epide-
fiabilidade pern1itiu o estabelecimento de miologia, ao diagnóstico, ao tratamento e
um corpo de evidências mais robusto pa- à prevenção que diferem dos quadros de-
ra a compreensão da depressão no início pressivos que ocorrem na idade adulta.
do ciclo vital. 1
A ocorrência precoce de um episódio
depressivo na vida do indivíduo está asso- EPIDEMIOLOGIA
ciada a uma gama de desfechos negativos
em termos de morbidade e de mortalida- Dados sobre a prevalência de depressão
de, incluindo maior incidência de outros nos primeiros anos de vida são limita-
transtornos mentais, prejuízos na escola, dos pela carência de critérios diagnósti-
no trabalho e nas relações interpessoais, cos apropriados do ponto de vista desen-
bem como maior ocorrência de abuso de volvimental. Os estudos realizados até o
substâncias. 2 Uma recente revisão siste- momento sugerem uma baixa ocorrên-
mática que buscou estimar o impacto das cia de episódios depressivos em pré-es-
doenças em indivíduos entre 10 e 24 anos colares, afetando em média de 1 a 2,5%
de idade no mundo inteiro identificou os das crianças e sem diferenças significati-
transtornos depressivos unipolares como vas entre os sexos. No outro extremo, as
a principal categoria diagnóstica em ter- estimativas de prevalência para depressão
mos de carga de doença - respondendo unipolar no final da adolescência se as-
por 8,2°/o dos anos de vida ajustados pa- semelham àquelas encontradas na popu-
Ouevedo & Silva (orgs.)

lação adulta, com 4 a 9% dos indivíduos sim como para a população adulta, acre-
apresentando um episódio depressivo em dita-se que a incidência e a recorrência
um período de 12 meses. 1,3 de episódios depressivos possam ser me-
Ao longo da adolescência, o ris- diadas ou moderadas por fatores estres-
co acumulado para a ocorrência de um sares como perdas, negligência ou abuso,
episódio depressivo aumenta de 5 para conflitos e frustrações; entretanto, os efei-
20%. 4,s Muitos fatores podem explicar o tos de tais estressares parecem estar con-
aumento na ocorrência de depressão após dicionados sobretudo pelo modo como a
a puberdade. A adolescência constitui um criança interpreta e lida com tais dificul-
período crucial no desenvolvimento, sen- dades.
do marcada pela confluência de mudan- A duração média de um episódio de-
ças biológicas, psicológicas e sociais que pressivo maior entre crianças e adolescen-
podem acarretar uma janela de incidên- tes referidos para tratamento é de aproxi-
cia para transtornos mentais. 6 Com o iní- madamente oito meses. Embora a maioria
cio da puberdade, ocorre um rápido pro- dos jovens se recupere do primeiro episó-
cesso de maturação física e de incremento dio, dados de estudos clínicos e comuni-
cognitivo (com o aumento da capacidade tários sugerem probabilidades de recor-
de pensamento abstrato e de generaliza- rência de 20 a 600/o entre 1 e 2 anos após
ções), bem como de transições sociais e a remissão, chegando a 70% após cinco
interpessoais, com mudanças nas relações anos. 10
escolares ou nos papéis sociais junto à fa-
mília e aos pares. 7 ,
Um dos achados mais consistentes DIAGNOSTICO
na literatura é o aumento na proporção
de mulheres apresentando quadros de de- Embora os sintomas depressivos possam
pressão após a puberdade. Essa discre- ser entendidos como um continuum, é
pância na razão feminino/masculino é ob- preciso uma decisão diagnóstica para de-
servada tanto em estudos clínicos quan- finir a necessidade de tratamento. A Asso-
to naqueles de base populacional, sendo, ciação Americana de Psiquiatria da Infân-
assim, pouco provável que reflita um viés cia e da Adolescência11 recomenda a reali-
de busca ou encaminhamento para trata- zação de perguntas-chave de triagem para
mento. Apesar de as razões para tal dife- depressão (humor triste ou irritável e ane-
rença não serem completamente compre- donia) em toda consulta psiquiátrica.
endidas, sugere-se que alterações hor1no- Assim como em qualquer avaliação
nais tenham um papel relevante nesse de crianças e adolescentes, o estabeleci-
fenômeno, atuando mais no sentido de mento do vínculo e de uma relação de
aumentar a sensibilidade a estressares confidencialidade com a criança ou o jo-
ambientais do que propriamente causan- vem é essencial, e a investigação junto ao
do a depressão per se. maior número de informantes possível
O principal fator de risco para o de- (criança/adolescente, pais, escola) cons-
senvolvimento de transtornos depressivos titui a melhor estratégia para capturar o
é uma alta carga familiar de depressão. 8 quadro psicopatológico subjacente. Ha-
Estudos de adoção, gêmeos e de alto ris- vendo necessidade de priorizar uma das
co corroboram o papel central do compo- fontes de informação, a literatura pare-
nente familiar na etiologia da depressão ce sugerir que sintomas internalizantes de
maior, provavelmente por meio da intera- modo geral - e sintomas depressivos de
ção de fatores genéticos e ambientais. 9 As- modo específico - tendem a ser mais rela-
Depressão

tados pelos pacientes na comparação com mais velhos, sintomas como culpa exces-
cuidadores ou professores. siva, dificuldade para tomar decisões ou
Diversas fontes de evidência apon- ideação suicida têm aplicabilidade redu-
tam para a relevância da inclusão da fa- zida entre crianças mais jovens. Além dis-
mília na compreensão, na prevenção e so, mesmo em adolescentes, a depressão
no tratamento de transtornos depressi- costuma ser menos reconhecida do que
vos. Infelizmente, os critérios diagnósti- em adultos, possivelmente devido a fato-
cos atualmente disponíveis negligenciam res como flutuação de sintomas, reativi-
a importância dessa questão. 1 Recomen- dade do humor e forte irritabilidade. 5 Na
da-se que a avaliação da família leve em Tabela 17.1, estão listados alguns sinto-
consideração diversos fatores sociocultu- mas relacionados aos critérios diagnós-
rais que possam influenciar a apresenta- ticos atuais para episódios depressivos e
ção, a descrição e a interpretação de sin- sua ocorrência relativa conforme as dife-
tomas, não enfocando apenas em pro- rentes faixas etárias. 1
blemas, mas também incluindo aspectos Crianças podem ter dificuldades em
positivos, que poderão ser essenciais no verbalizar seus sentimentos ou podem
planejamento de abordagens terapêuti- até negar que estão deprimidas. Assim,
cas.11 atenção especial deve ser dada a mani-
Apesar dos avanços obtidos com a festações observáveis, como alterações
adoção de sistemas classificatórios opera- no padrão de sono, irritabilidade, que-
cionais (DSM e CID), as dificuldades no da no desempenho escolar e retraimento
diagnóstico de quadros depressivos em social. 11 Para a avaliação longitudinal de
crianças e adolescentes são ainda maio- sintomas do humor, pode ser útil a ado-
res do que as encontradas em adultos. Is- ção de um diário do humor ou de linhas
so ocorre porque os critérios diagnósticos de tempo que lancem mão de aniversá-
atuais foram desenvolvidos para a popu- rios, férias escolares ou feriados como
lação adulta, negligenciando muitas das âncoras. O humor é pontuado de muito
diferenças desenvolvimentais existen- feliz a muito triste/irritado, sendo que
tes entre crianças, adolescentes e adultos situações estressantes e eventuais trata-
(ver Capítulo 3, Psicopatologia e diagnós- mentos também são assinalados. O em-
tico da depressão). prego de linhas de tempo pode ser ex-
No que diz respeito a diferenças etá- tremamente valioso na identificação de
rias, as únicas adaptações do DSM-IV- gatilhos, na avaliação da resposta a tra-
-TR12 para o diagnóstico de um episódio tamentos e na identificação de eventu-
depressivo maior em crianças são as in- ais episódios maníacos ou hipomaníacos
clusões de humor irritável como um dos (sobretudo na diferenciação destes em
possíveis sintomas cardinais e de ausên- relação ao retorno à eutimia). 11
cia de ganho de peso esperado para a ida- No diagnóstico de transtornos depres-
de como um dos marcadores de alteração sivos, pode-se lançar mão de procedimen-
de peso ou apetite. Além disso, o DSM- tos for1nais como entrevistas estruturadas/
-IV-TR12 também reduz de dois para um semiestruturadas ou escalas de avaliação.
ano a duração mínima de sintomas para a Além de entrevistas gerais para a avalia-
caracterização do transtorno distímico. A ção de transtornos mentais na infância e na
CID-1013 não apresenta adaptações relati- adolescência (p. ex., K-SADS e DAWBA),
vas a aspectos desenvolvimentais. instrumentos específicos foram desenvol-
Mesmo que os critérios atuais sejam vidos para a avaliação de sintomas de-
razoavelmente aplicáveis a adolescentes pressivos em crianças e adolescentes.
Ouevedo & Silva (orgs.)

Tabela 17.1
Apresentação de sintomas depressivos conforme grupos etários
Sintoma Pré-escolar Escolar Adolescente Adulto
,
Disforia +++,porem com +++,mais +++,podendo +++
mais variabilidade persistente do apresentar-se

temporal, sendo que em crianças como isolamento
de difícil menores, mas
caracterização ainda variável
, . ,
Anedonia +++,porem + + +, varia, porem +++,podendo +++
variando no tempo menos ao longo manifestar-se
- se
- parece nao do tempo - parece como tédio
divertir muito ou relata não
se divertir

Irritabilidade +++ +++ +++ ++

Alterações
de conduta +++ +++ +++ +
Redução
de energia + ++ +++ +++

Alteração de sono + /- +!- +++ +++

Perda de
peso/alteração
de apetite + + ++ +++

Outras queixas
somáticas +++ +++ ++ +
Delírios Muito raros Muito raros + ++,
aumentando
com a idade

Legenda: +++=comum,+ + = menos frequente,+ =infrequente,+ /- =presença variável


Fonte: Adaptada de Goldman, 2012. 1

Entre as escalas específicas mais uti- atividades escolares, capacidade para di-
lizadas internacionalmente e disponíveis versão, queixas físicas e irritabilidade. A
em versões brasileiras estão o Children's escala inclui 17 itens, toma em média 15
Depression Rating Scale (CDRS) e o a 20 minutos para aplicação, com versões
Children's Depression Inventory (COI). de autorrelato e relato dos pais. O COI,
O CDRS, ou Escala para Avaliação de De- ou Inventário de Depressão Infantil, é ou-
pressão em Crianças, é uma medida ba- tro instrumento frequentemente utiliza-
seada na escala Hamilton utilizada para do. Sua versão original continha 27 itens
adultos, englobando tópicos como humor baseados no Inventário de Depressão de
deprimido, autoestima, ideação suicida, Beck; no Brasil, os estudos de adaptação
Depressão

e validação geralmente fazem uso de uma transtornos depressivos apresentam ao


versão atualizada que pode ser aplicada menos uma comorbidade psiquiátrica,
para indivíduos até os 17 anos. I4 sendo que até 50% dos jovens possuem
Nos últimos anos, observou-se uma dois ou mais diagnósticos concomitan-
proliferação de propostas para capturar tes. Entre os transtornos comórbidos mais
quadros que não fecham critérios para prevalentes estão os transtornos de ansie-
um transtorno do humor pleno. A utiliza- dade, seguidos por transtornos disrupti-
ção do sintoma irritabilidade não episó- vos, transtorno de déficit de atenção/hi-
dica para o diagnóstico de transtorno do peratividade e, em adolescentes, transtor-
humor bipolar em crianças e adolescen- nos por uso de substâncias. II
tes tem sofrido inúmeras críticas na lite- Uma das áreas de maior incerteza
ratura, sobretudo por seu baixo valor pre- na avaliação de um primeiro episódio de-
ditivo para o diagnóstico de transtorno bi- pressivo em uma criança ou adolescen-
polar em idades mais avançadas (sendo te diz respeito à dúvida sobre se o epi-
a irritabilidade crônica mais preditiva de sódio faz parte de um transtorno depres-
depressão unipolar na idade adulta). sivo maior ou de um transtorno bipolar.
Apesar de uma solução para o dile- Alguns fatores de risco para o transtorno
ma de como classificar crianças e adoles- bipolar podem ser úteis, apesar de isola-
centes com humor irritável ainda não es- damente não constituírem elementos sufi-
tar clara com os dados disponíveis até o cientes para uma decisão diagnóstica, en-
momento, é possível que uma nova ca- tre eles estão uma farte história familiar
tegoria nosológica (transtorno disrupti- de transtorno bipolar ou psicose e histó-
vo da desregulação do humor) seja adota- ria de mania ou hipomania farmacologi-
da no DSM-5I5 para contemplar tais indi- camente induzida. II Assim como em rela-
víduos. Cabe ressaltar que tal diagnóstico ção ao transtorno bipolar, a esquizofrenia
não poderá ser feito na presença de um é um diagnóstico raro na adolescência,
episódio depressivo maior. porém também constitui um diagnóstico
Vários outros problemas podem se diferencial a ser considerado, dado que
apresentar com sintomatologia depressi- sintomas depressivos podem acompanhar
va na infância e na adolescência, devendo ou preceder quadros psicóticos. 5 Outro
sempre ser considerados no diagnóstico aspecto que gera dificuldades no proces-
diferencial: luto ou transtornos de ajus- so diagnóstico é a avaliação de sintomas
tamento, transtorno desafiador de opo- depressivos em pacientes com incapacida-
sição, transtornos por uso de substância, des intelectuais ou retardo mental. Dado
hipotireoidismo, anemia, infecções, ne- que esses indivíduos geralmente se apre-
oplasias e doenças autoimunes. De mo- sentam com sintomas em múltiplas esfe-
do inverso, cabe lembrar que a depres- ras, maiores esforços são necessários para
são pode acabar não sendo diagnostica- a identificação de sintomas de humor nes-
da nos casos em que a queixa principal ou sa população de risco. I4
o motivo da consulta são sintomas físicos Assim como em adultos, a avalia-
ou alimentares, ansiedade, recusa escolar, ção de riscos é fundamental em crianças
queda no rendimento acadêmico, uso pro- e adolescentes com depressão (ver Capí-
blemático de substância ou problemas ex- tulo 11, Suicídio). Na população jovem,
ternalizantes. 5 também é importante diferenciar com-
Conforme o contexto clínico, de 40 portamento suicida de comportamentos
a 900/o das crianças e adolescentes com autolesivos, nos quais o objetivo é aliviar
Quevedo & Silva (orgs.)

sentimentos negativos. Esse tipo de com- Psicoterapias


portamento geralmente envolve cortes re-
petitivos, buscando mais o alívio de raiva, As duas técnicas psicoterápicas que pos-
tristeza ou solidão do que o fim da vida. suem evidência de eficácia para o trata-
mento de episódios depressivos em crian-
ças e adolescentes são a TCC e a TIP. Abor-
TRATAMENTO dagens psicodinâmicas também têm sido
amplamente empregadas, mesmo na au-
Todo plano terapêutico para episódios de- sência de ensaios clínicos que tenham
pressivos em crianças e adolescentes de- avaliado esse tipo de intervenção.
ve levar em consideração aspectos desen- Metanálises que buscaram avaliar a
volvimentais, incluindo psicoeducação, eficácia de psicoterapias na população pe-
apoio familiar, avaliação de transtornos diátrica (incluindo 35 ensaios com crian-
comórbidos e de comportamentos de ris- ças e adolescentes17 e 11 ensaios apenas
co. Além disso, dada a natureza crônica com adolescentes18) sugeriram a eficácia
e recorrente dos transtornos depressivos, da TCC em monoterapia, porém com ta-
objetivos claros devem ser estabelecidos manhos de efeito não superiores a 0,3.
em conjunto com o paciente e seus fami- O maior ensaio clínico para adolescentes
liares, não apenas para o tratamento agu- com depressão realizado até o momento
do do episódio atual, mas também para as (Treatment of Adolescent Depression Stu-
etapas de consolidação e de manutenção, dy - TADS) randomizou 439 jovens para
bem como monitoramento e prevenção de uma de quatro opções: TCC, fluoxetina,
novos episódios. combinação TCC + fluoxetina ou place-
De modo semelhante ao manejo da bo.19 Nesse estudo, contudo, não foram
depressão em adultos, episódios leves po- detectadas diferenças em ter111os de res-
dem ter resposta satisfatória apenas com posta entre os grupos TCC e placebo (43
psicoeducação e medidas de apoio diri- e 350/o, respectivamente). Outro gran-
gidas a estressares ambientais. Entretan- de ensaio clínico (Treatment of Resistant
to, para casos em que a sintomatologia é Depression in Adolescents - TORDIA; n
mais intensa, intervenções mais específi- = 334) avaliou estratégias para depres-
cas geralmente se fazem necessárias. - . . , .
sao resistente e sugeriu que o acrescimo
Na população pediátrica, ensaios clí- de TCC ao antidepressivo pode ser bené-
nicos randomizados sugerem a eficácia fico. 20 Um outro papel para a TCC pode
do uso de psicofármacos, terapia cogniti- estar na prevenção de novos episódios,
vo-comportamental (TCC) ou terapia in- como demonstrado em um ensaio clíni-
terpessoal (TIP) - todas essas estratégias, co que sugeriu uma redução de oito ve-
entretanto, apresentam tamanhos de efei- zes no risco de recaída nos primeiros seis
tos apenas intermediários. Dado que os meses. 21
ensaios clínicos realizados com crianças e Um corpo um pouco mais reduzi-
adolescentes fornecem evidências apenas do de evidências também aponta para a
para o tratamento de episódios depressi- eficácia da TIP no tratamento de episó-
vos maiores, o manejo de tra.n stornos dis- dios depressivos em adolescentes. Os en-
tímicos ou depressivos não especificados saios clínicos realizados até o momento
acaba sendo extrapolado a partir da lite- compararam a TIP apenas ao tratamento
ratura disponível para depressão maior. 16 usual, não havendo estudos de qualidade
Depressão

que avaliassem a TIP versus psicofánna- eficácia quanto em relação a efeitos ad-
cos ou placebo. 16 Há uma ideia geral de versos (ver Quadro 17.1). Exceto pelo
que a TIP seja especialmente benéfica pa- emprego de dosagens iniciais mais baixas
ra adolescentes com altos níveis de con- para evitar efeitos colaterais, o uso de an-
flitos interpessoais com os pais, altos ní- tidepressivos em crianças e adolescentes
veis de sintomatologia depressiva ou an- geralmente segue as mesmas doses utili-
siedade comórbida. 22 Intervenções com zadas em adultos.
foco na família também têm a vantagem Uma metanálise que avaliou o uso
de trabalhar questões críticas do contex- de diversos ISRSs, venlafaxina, mirtazapi-
to da criança, surgindo como uma estra- na e nefazodona em 13 ensaios clínicos
tégia promissora nos últimos anos, sobre- randomizados, totalizando 2.910 partici-
tudo em crianças mais jovens. 1 pantes, evidenciou que os antidepressi-
vos foram eficazes no tratamento da de-
pressão maior em crianças e adolescentes.
Psicofármacos Houve uma resposta significativa de 61 o/o
nos pacientes tratados com fármacos ati-
Crianças e adolescentes parecem apresen- vos em comparação com 50% entre aque-
tar um padrão de resposta diferente ao les que receberam placebo (NNT = 10).
observado em adultos no que diz respei- Dados específicos para a fluoxetina suge-
to a antidepressivos - tanto em termos de rem um NNT = 5, o que possivelmente es-

Em 2004, a Food and Drug Administration (FDA) tomou a decisão de incluir uma tarja preta aler-
tando acerca do risco de suicidalidade associado ao uso de antidepressivos entre indivíduos com
menos de 25 anos de idade. Tal iniciativa foi tomada após uma metanálise envolvendo mais de
4.400 crianças e adolescentes sugerir um risco maior de eventos adversos de ideação ou compor-
tamento suicida durante os primeiros meses de tratamento com antidepressivos. O risco desses
eventos foi de 4°/o com inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) na comparação
com 2°/o no grupo-placebo. Mais recentemente, outra metanálise, incluindo mais sete ensaios não
avaliados na revisão inicial, verificou um aumento no risco de comportamento/pensamentos sui-
cidas de 2,5o/o com antidepressivos e de 1,7% com placebo. 23
Baseados no fato de que o número necessário para tratar (NNT) para o tratamento dos transtor-
nos depressivos nessa fa ixa etária é de pelo menos 1O e o número necessário para produzir um
dano (NNH) é de 112, concluiu-se que os benefícios associados ao uso dos antidepressivos supe-
rariam os seus potenciais riscos. Além disso, no ano seguinte à inclusão da advertência da FDA, o
número de prescrições de ISRSs nos Estados Unidos caiu e as taxas de suicídio aumentaram pe-
la primeira vez após 1O anos de queda ou estabilidade. 24
De todo modo, o uso de ISRSs em crianças e adolescentes deve ser cauteloso, atentando para o
surgimento de pensamentos ou comportamentos suicidas e de mudanças inesperadas de com-
portamento, como, por exemplo, insônia, agitação e retraimento social. O conhecimento acerca
das características de tais eventos e uma atitude ativa, buscando mitigar fatores predisponentes,
devem fazer parte de toda estratégia terapêutica. Eventos suicidas tendem a acontecer mais no
início do tratamento (3 a 5 semanas) e entre aqueles que não respondem aos fármacos, tendo co-
mo preditores alta ideação suicida no início do tratamento, maior gravidade do quadro, conflitos
familiares e uso de álcool e/ou drogas.
Quevedo & Silva (orgs.)

tá associado à maior meia-vida do fártna- Estratégias combinadas


co (menor repercussão em casos de baixa
adesão) e à qualidade do desenho dos es- Apesar do número reduzido de ensaios
tudos que avaliaram esse medicamento. 16 clínicos avaliando a eficácia de estraté-
De fato, analisando-se os 1 O estudos da gias combinadas, o emprego de mais de
metanálise citada para os quais havia re- uma estratégia de tratamento geralmente
sultados agrupados de acordo com a ida- é realizado desde o início em casos de de-
de, verificou-se que a resposta aos antide- pressão moderada a grave. Os dois gran-
pressivos foi significativa em adolescentes des ensaios clínicos realizados nos Esta-
(62 versus 49º/o), mas não foi significativa dos Unidos sugerem que tal estratégia
em crianças (65 versus 58º/o), talvez de- pode ser, de fato, benéfica. No TADS, a
vido à alta resposta ao placebo nessa fai- combinação fluoxetina + TCC demons-
xa etária. Nessa metanálise, o único anti- trou melhor resposta na comparação com
depressivo que demonstrou eficácia tanto outras intervenções, sobretudo em termos
em crianças quanto em adolescentes foi a de redução de ideação suicida, de recupe-
fluoxetina. 23 ração funcional e de proporção de remis-
Atualmente, os únicos fármacos apro- sões na semana 12. No mesmo sentido,
vados pela FDA para o tratamento de de- no estudo TORDIA, o acréscimo de TCC
pressão na população pediátrica são a fluo- à troca de medicação esteve associado a
xetina (a partir dos 8 anos de idade) e o es- uma melhor resposta clínica. No estudo
citalopram (a partir dos 12 anos). Outros British Antidepressant and Psychotherapy
ISRSs empregados na prática clínica são a Treatment (ADAPT), 25 a combinação não
sertralina e a fluvoxamina, sobretudo em foi superior à monoterapia com ISRS na
casos de comorbidades com transtornos de semana 28, porém a inclusão de pacientes
ansiedade, para os quais estão aprovados com maior gravidade pode ter influencia-
pela FDA. A paroxetina é pouco utilizada do os resultados (uma análise do subgru-
na população mais jovem, pois demons- po mais grave do TADS também eviden-
trou pouca evidência de superioridade na ciou o mesmo resultado). Em seguimentos
comparação com placebo. 16 de longo prazo os grupos de monoterapia
Outros antidepressivos estudados na e de tratamento combinado parecem con-
população pediátrica incluem a venlafaxi- vergir tanto no TADS (36 semanas) quan-
na, a duloxetina e a bupropiona - estes to no estudo TORDIA (72 semanas). Fa-
dois últimos apenas com estudos abertos tores como seguimento naturalístico não
sugerindo eficácia. No estudo TORDIA, a controlado e remissão espontânea ao lon-
venlafaxina mostrou-se tão efetiva quan- go do tempo, entretanto, tornam tais re-
to outro ISRS no tratamento da depressão sultados de difícil interpretação.
refratária, porém apresentando mais efei-
tos adversos, inclusive suicidalidade entre
aqueles com altos níveis de ideação suici- PREVENÇÃO
da no início do estudo. Não há evidência
de eficácia de antidepressivos tricíclicos A adoção de uma perspectiva desenvol-
no tratamento de depressão em crianças vimental para a compreensão da origem
e adolescentes, pois esses medicamentos e da persistência dos transtornos mentais
não se mostraram mais eficazes do que tem levado à busca por estratégias preven-
placebo em metanálises. tivas para evitar a incidência de episódios
Depressão

depressivos. Estudos sugerem que o trata- 6 . Paus T, Keshavan M, Giedd JN. Why do many
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o que reforça a necessidade de uma avalia- 8. Weissman MM, Wickramaratne P, Nomura Y, War-
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Mais recentemente, metanálises so-
9. Caspi A, Sugden K, Moffitt TE, Taylor A, Craig rw,
bre estratégias preventivas sugeriram que
Harrington HL, et al. Influence of life stress on de-
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risco ecom base em fatores como histó- 5-HTT gene. Science. 2003;301(5631):386-9.
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que estratégias universais para toda uma and natural history of mood disorders. Biol
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população. 5 Tais intervenções, em geral
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empregando técnicas psicoeducacionais Quality lssues, Bernet W, Bukstein O, Walter
e cognitivo-comportamentais, ainda pre- H, et al. Practice parameter for the assessment
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effectiveness trial of interpersonal psychothera-
Cassio M. C. Bottino
Ricardo Barcelos-Ferreira
Salma Rose lmanari Ribeiz

-
INTRODUÇAO O objetivo deste capítulo é fazer uma
revisão da literatura sobre intervenções
Entre os transtornos mentais que ocorrem farmacológicas e não farmacológicas no
em idosos, a depressão é a causa mais fre- tratamento da depressão tardia e sugerir
quente de sofrimento emocional e piora abordagens combinando dados com base
da qualidade de vida, devendo ser reco- em evidências científicas e na experiência
nhecida como um grave problema de saú- clínica, a fim de orientar os profissionais
de pública. 1 O diagnóstico de depressão da saúde que atendem idosos.
maior pode ser menos comum em pessoas
mais velhas, existindo estudos que mos-
tram prevalências consideravelmente me-
-
CONSIDERAÇOES
nores em comparação a populações mais FARMACOCINÉTICAS EM IDOSOS
jovens. 2,3 No entanto, quando instrumen-
tos diagnósticos mais abrangentes são uti- Devido às alterações na eficiência da fun-
lizados, e considerando as condições mais ção hepática, renal e gastrintestinal, os
comuns em idosos, como luto e demên- parâmetros farmacocinéticos dos medi-
cia, as taxas de prevalência atingem de 6 camentos são alterados nos idosos, o que
a 200/o em idosos residentes na comunida- pode afetar a for111a como são utilizados.
de, SOO/o naqueles que vivem em institui- Em particular, a eficiência do metabolismo
ções de longa permanência e 48% nos que de substâncias psicotrópicas diminui com
estão em hospitais. 4- 6 a idade, levando a aumento da meia-vida
Apesar de sua importância clínica, de eliminação, depuração reduzida e ní-
a depressão permanece subdiagnostica- veis plasmáticos elevados, além do aumen-
da e inadequadamente tratada em cerca to da sensibilidade dos receptores. Assim,
de 70% dos pacientes idosos. De acordo os idosos tomam-se mais suscetíveis a uma
com pesquisas de pacientes em unidades série de efeitos adversos, tais como seda-
básicas de saúde nos Estados Unidos, ape- ção, efeitos anticolinérgicos, efeitos extra-
nas 22, 70/o dos pacientes com depressão piramidais e hipotensão ortostática. 8 Esses
receberam prescrição de antidepressivos, efeitos podem ocorrer mesmo em níveis
e apenas 13,7% destes estavam receben- plasmáticos modestos dos medicamentos. 9
do a dose adequada. 7 A sedação é particularmente preocupan-
Ouevedo & Silva (orgs.)

te em idosos devido ao perigo de sofrerem Inibidores da recaptação de serotonina e


quedas, o que pode causar fraturas em pa- noradrenalina (IRSNs) e bupropiona são
cientes, com osteoporose. geralmente bem tolerados. 6
E importante considerar o perfil de
efeitos adversos de antidepressivos ao fa-
zer prescrições para os idosos (Tabela EFICÁCIA DOS ANTIDEPRESSIVOS
18.1). Antidepressivos tricíclicos (ADTs) EM IDOSOS
geralmente não são bem tolerados, com
a exceção de desipramina e nortriptilina. Os estudos que avaliam o prognóstico de
Inibidores seletivos da recaptação de se- depressão em idosos indicam que aproxi-
rotonina (ISRSs) são mais bem tolerados madamente 700/o dos pacientes, tratados
e não têm os efeitos adversos cardiovas- por tempo suficiente e com doses apro-
culares potencialmente graves dos ADTs, priadas, recuperam-se do episódio-índice
porém, apresentam efeitos colaterais gas- de depressão. No entanto, a recomendação
trintestinais e podem precipitar uma sín- é manter pelo menos seis semanas de trata-
drome de descontinuação da serotonina. mento para os antidepressivos atingirem o

Tabela 18.1
Principais antidepressivos e seus efeitos colaterais
Alteração de
Efeitos frequência e
Sedação Hipotensão anticolinérgicos ritmo cardíaco

Amitriptilina + +++ ++ ++++


Amoxapina + ++ ++ ++
Bupropiona OI+ o o o
Clomipramina +++ +++ +++ +++
Desipramina + +I++ + +
Doxepina ++I+++ ++ +++ ++
Fluoxetina OI+ o o o
Fluvoxamina OI+ o o o
lmipramina + ++ ++I+++ ++
Maprotilina ++I+++ ++ ++ +
Nefazodona ++ o o o
Nortriptilina + + ++ +
Paroxetina + o + o
Sertralina OI+ o o o
Trazodona ++ ++ +* +I++
Venlafaxina OI+ o o o
Legenda: O, nenhum; O/+, não usual;+, leve;++, moderado;+++, intenso;++++, muito intenso.
*Exceto para boca seca.
Fonte: Adaptada de Alexopoulos e Salzman; 10 Small e Salzman. 11
Depressão

seu efeito ótimo, sendo que a eficácia deve nos evidências em relação à sua utilização
ser questionada quando não houver respos- nessa população. 14
ta nas primeiras quatro semanas.12 As vantagens da bupropiona incluem
Com relação ao tratamento farmaco- a ativação - podendo ser indicada em pa-
lógico da depressão no idoso, uma revisão cientes idosos com depressão anérgica ou
de ensaios clínicos controlados mostrou com retardo psicomotor significativo - e fal-
que todas as três classes de antidepres- ta de efeitos adversos cardiovasculares, an-
sivos (ADT, ISRS e IMAO) são eficientes ticolinérgicos ou cognitivos. A bupropiona
para o tratamento de pacientes ambula- não causa sedação, mas pode interferir no
toriais, aqueles com doenças médicas co- sono. 14 Sua formulação de liberação prolon-
mórbidas e pacientes hospitalizados. 13 gada demonstrou eficácia semelhante à da
Os ISRSs são atualmente os antide- paroxetina e uma menor frequência de al-
pressivos de escolha para pacientes ido- guns efeitos adversos em idosos. 15
sos. Os efeitos adversos mais frequen- A duloxetina foi avaliada em dois
tes são diarreia, náuseas e perda de pe- estudos multicêntricos, controlados com
so, aumento do risco de fraturas ósseas placebo, que incluíram pacientes deprimi-
(quedas), disfunção sexual, hiponatremia dos que tinham pelo menos 55 anos de
(especialmente em mulheres com bai- idade. Esse medicamento foi significativa-
xo índice de massa corporal ou que usam mente melhor do que o placebo na escala
diuréticos) e aumento do risco de sangra- de depressão de Hamilton, e a probabili-
mento gastrintestinal eespecialmente em dade estimada de remissão para os doen-
pacientes em uso de anti-inflamatórios tes tratados com duloxetina e44, 1o/o) foi
não esteroides ou varfarina). 8 significativamente maior em comparação
Entre os ADTs, a nortriptilina é o com o grupo-placebo (16,1 %). Dor gene-
mais bem tolerado e recebeu considerável ralizada e lombar também melhoraram
atenção no tratamento de doentes idosos. no grupo tratado com duloxetina. 16
Os eventos adversos relatados com nor- A mirtazapina é um antidepressivo
triptilina incluem taquicardia, boca seca, eficaz e seguro em idosos, tem proprieda-
constipação e anor1nalidades do paladar. des ansiolíticas e sedativas que também a
A eficácia e a tolerabilidade dos tornam útil como agente hipnótico. A mir-
ADTs, ISRSs e IMAOs para o tratamento tazapina não está associada com intera-
de idosos com depressão estão relativa- ções medicamentosas ou inibição enzimá-
mente bem estudadas, embora os IMAOs tica e seu efeito adverso mais importante é
possam ser uma exceção. Em outra revi- o ganho de peso. 14 Em dois ensaios clínicos
são de literatura, Salzman e colaborado- randomizados realizados com pacientes
res 14 relataram que os IMAOs foram con- idosos, a mirtazapina foi comparada com
siderados seguros e eficazes para idosos a amitriptilina (n = 115) e com a paroxeti-
deprimidos em um pequeno número de na (n = 246) e apresentou eficácia similar
estudos. Esses autores concluíram que es- à amitriptilina14 e superior à paroxetina. 17
tudos adicionais com IMAOs são neces- O perfil far1nacológico da venlafa-
sários, especialmente em pacientes com xina a torna uma alternativa interessan-
doenças médicas graves e em idosos. te para doentes idosos, devido à peque-
Outros antidepressivos, tais como na possibilidade de interações com outras
bupropiona, duloxetina, mirtazapina e substâncias, à fraca inibição do citocromo
venlafaxina, são considerados eficazes e P450 e ao baixo nível de ligação a proteí-
seguros para o tratamento de pacientes nas do soro. Os resultados de três ensaios
idosos com depressão, mas existem me- duplos-cegos e de quatro abertos confir-
Ouevedo & Silva (orgs.)

maram a eficácia e a segurança da ven- recuperação, 33% ainda estavam depri-


lafaxina em pacientes idosos com depres- midos e 21 o/o haviam morrido. Doenças
são.18 Os efeitos adversos mais frequentes médicas, déficits cognitivos e depressões
são toleráveis e incluem agitação, insônia mais graves estavam associadas a piores
e boca seca no início do tratamento, en- defechos, além de o suporte social ter si-
quanto efeitos adversos mais graves, co- do também um importante fator associa-
mo quedas ou distúrbios do ritmo do co- do ao resultado. 21
ração, parecem ter sido raros. Hiperten- O aumento do risco de recorrência de
são ocorreu em uma fração de pacientes episódios depressivos em idosos faz com
idosos e, geralmente, com doses mais ele- que a maioria desses pacientes sejam can-
vadas do que 150 mg por dia. Dados adi- didatos apropriados para terapia de ma-
cionais sugerem que a venlafaxina po- nutenção com antidepressivos. A utilidade
de também ser eficaz no tratamento de de tal tratamento na prevenção da recor-
outras condições, como ansiedade e dor rência foi estabelecida para a nortriptili-
neuropática. 18 na, particularmente em associação com a
,
E importante ressaltar que o objeti- psicoterapia interpessoal. 22 Esse tratamen-
vo para o tratamento agudo ou de curto to de manutenção também foi apresenta-
prazo sempre deve ser a remissão com- do para evitar quedas no ajustamento so-
pleta dos sintomas. No entanto, estudos cial em pacientes idosos com depressão. 23
adicionais são necessários para examinar Apenas alguns poucos estudos con-
não apenas a eficácia dos medicamentos trolados foram publicados sobre a eficácia
no tratamento dos sintomas depressivos e da manutenção da medicação antidepres-
a tolerabilidade dos antidepressivos mais siva em idosos. A maioria dos especialis-
novos em pacientes idosos. Esses estudos tas recomenda de 6 a 12 meses de farma-
devem também aplicar indicadores auxi- coterapia, após um primeiro episódio de
liares de independência funcional e au- depressão no idoso. A eficácia de um ISRS
toavaliação do bem-estar para ajudar os no tratamento de manutenção de depres-
médicos na escolha da melhor opção de são foi testada em um tratamento de ma-
tratamento para cada paciente. nutenção de dois anos com paroxetina e
terapia interpessoal mensal. Os doentes
com primeiro episódio também se benefi-
Resultados a longo prazo ciaram do tratamento de manutenção de
dois anos, o que desafia a sabedoria con-
O objetivo do tratamento a longo prazo é vencional e a prática do tratamento de
a prevenção da recorrência. Ficar bem é continuação limitado a 6 a 12 meses após
importante, mas permanecer bem é o que a remissão do tratamento agudo. 24
conta. 19 No entanto, o prognóstico pa-
ra pacientes idosos com depressão é re-
servado. Em uma metanálise 20 de 12 es- A resistência ao tratamento
tudos, nos quais os autores relataram o
seguimento de pacientes idosos com de- A noção de resistência ao tratamento é tra-
pressão, na comunidade ou em cuidados dicionalmente aplicada à não resposta (pa-
primários, Cole e colaboradores20 inves- cientes que não apresentam, pelo menos,
tigaram a evolução a longo prazo desses uma redução de 50% dos sintomas). No
pacientes. Os dados obtidos a partir des- entanto, a ausência de remissão de sinto-
ses estudos mostraram que, após 24 me- mas também tem sido considerada como
ses, 330/o dos pacientes tinham atingido uma resposta inadequada ao tratamento. 25
Depressão

Como uma fração significativa dos pacien- a) os sintomas entrem em remissão


tes não atinge remissão apesar do trata- b) os efeitos colaterais pareçam impedir
mento adequado com antidepressivos,26 a qualquer aumento de dose
depressão é um desafio para os clínicos. Al- e) a dose máxima limite seja atingida
cançar a remissão da depressão em pacien-
tes idosos é ainda mais difícil na atenção A otimização da dose e a duração do
primária por causa da complexidade clíni- tratamento permitem que os clínicos dis-
ca exibida por essa população e das limi- tingam entre a resistência e a pseudorre-
tações de cuidados de saúde primários. 27
. " .
s1stenc1a ao tratamento.
A próxima seção descreve as possí- Outra questão a salientar é que pa-
veis estratégias de manejo de resistência cientes idosos com depressão e disfunção
ao tratamento da depressão em idosos. cognitiva estão em risco de abandono do
tratamento por causa das dificuldades de
organização e planejamento da tomada
Estratégia inicial para a gestão dos medicamentos. 25
da resistência ao tratamento Para promover a adesão ao tratamen-
to, os médicos devem considerar os con-
Quando um paciente apresenta depres- textos culturais e sociais dos pacientes nas
são resistente ao tratamento, o diagnós- tomadas de decisões terapêuticas para de-
tico principal deve ser sempre reavaliado, pressão. 25 Intervenções psicoeducacionais
considerando as comorbidades médicas e são uma possível estratégia para melho-
psiquiátricas como as possíveis causas da rar a adesão ao tratamento e o manejo da
falha do tratamento. 26 depressão. 25
As seguintes medidas devem ser ins-
tituídas antes de alterar a medicação:
Estratégias de mudança da medicação
a) melhorar a adesão ao tratamento
b) garantir que o paciente está usando a Foi conduzido um estudo 29 sobre o trata-
dose adequada de antidepressivos mento da depressão em idosos na aten-
e) assegurar que a duração do tratamento ção primária à saúde com base em dire-
é adequada trizes (PROSPECT). As diretrizes indicam
que a medicação deve ser trocada em pa-
Concomitantes condições médicas cientes que não respondem ao fim de seis
são comuns em idosos e podem ter um im- semanas de tratamento e que deve ser tro-
pacto significativo ou serem afetadas pela cada após 12 semanas em respondedores
depressão. parciais. Essa recomendação é consisten-
te com as observações que relatam que os
pacientes idosos com depressão melho-
Estratégias de otimização ram, mas a resposta normalmente leva
mais tempo do que o normal para ser al-
A não resposta por causa do tratamento cançada e requer perseverança. 25
inadequado é conhecida como pseudorre- Especialistas concordam26 que quando
sistência. 28 Quando a remissão não ocorre os pacientes não respondem ao tratamento
após um período adequado de tratamen- e a dose do medicamento é baixa, os clíni-
to, a dose em geral é ajustada gradual- cos devem esperar de 2 a 4 semanas antes
mente até que uma das seguintes situa- de aumentar a dose e o tempo do tratamen-
-
çoes ocorra: to. Quando os pacientes não respondem e
Ouevedo & Silva (orgs.)

a dose é adequada, toma-se aconselhável No entanto, deve ser salientado que uma
uma mudança de medicamento. Da mesma combinação de fár1nacos pode aumentar o
for1na, quando os pacientes são responde- risco de efeitos colaterais devido a intera-
dores parciais, os clínicos devem aumentar ções farinacodinâmicas. 25 Além disso, mu-
a dose e esperar de 3 a 5 semanas antes de danças de medicação podem ser tão efica-
mudar de medicação. Quando os pacientes zes quanto o aumento pela adição de uma
estão utilizando doses elevadas de medica- segunda substância, bem como diminuir o
mento, a duração mais prolongada do tra- risco de quedas e efeitos colaterais. 25
tamento é recomendada (de 3 a 6 semanas, Devido à possibilidade de interações
quando pouca ou nenhuma resposta é ob- medicamentosas e adicionais efeitos se-
servada, ou de 4 a 7 semanas, quando uma cundários indesejáveis, é importante ava-
resposta parcial é observada). Vários fato- liar a eficácia da combinação de psicote-
res clínicos podem influenciar a decisão de rapia e farmacoterapia para a depressão
aumentar ou alterar a medicação, mas não a fim de atingir respostas parciais ou to-
existe consenso para servir como um guia. 25 tais. 25 As combinações antidepressivas
A situação clínica mais comum quan- mais frequentemente utilizadas são des-
do um aumento ou uma combinação de critas na seção seguinte.
medicação é sugerida ocorre quando um
paciente exibe uma resposta parcial a um
antidepressivo e o clínico não quer arriscar INIBIDORES SELETIVOS DA RECAPTAÇÃO
a perda da resposta ao trocar de medica- DE SEROTONINA E AGENTES HETEROCÍCLICOS
mento. No entanto, não há nenhuma evi-
A maioria dos estudos sobre os efeitos da
dência para apoiar a preocupação de que
combinação de inibidores seletivos da re-
as mudanças de medicação conduzam a
uma perda da resposta clínica. Assim, uma captação de serotonina (ISRSs) com agen-
mudança de antidepressivo é recomenda- tes heterocíclicos na depressão refratária
são pequenos ensaios clínicos com adul-
da nesses casos, para atingir a remissão. 25
Em última instância, a utilização de tos jovens.
Os ISRSs interferem no metabolismo
3 ou 4 cursos de antidepressivos está as-
de ADTs, aumentando seus níveis séricos. 28
sociada com respostas positivas em 80 a
90% dos pacientes. 25 Em alguns casos, pa- Apesar de resultados promissores,
ra que a remissão seja atingida, pacientes dados adicionais são necessários para
apoiar uma terapia combinada com ISRSs
e médicos devem trabalhar juntos e man-
ter a perseverança ao longo de várias ten- e ADTs30 em adultos.
tativas e vários medicamentos. Essa abordagem terapêutica de com-
binação requer um cuidado especial pa-
ra os idosos por causa das características
Estratégias de combinação únicas do seu metabolismo e do uso fre-
quentemente simultâneo de muitos medi-
COMBINADO TERAPIA FARMACOLÓGICA camentos, o que aumenta o risco de efeitos
adversos e diminui os efeitos dos fármacos.
A terapia antidepressiva de combinação é
definida como a prescrição de duas subs-
tâncias que apresentam diferentes meca- INIBIDORES SELETIVOS DA RECAPTAÇÃO
nismos de ação. 25 Aproximadamente meta- DE SEROTONINA E BUPROPIONA
de dos pacientes com depressão maior que
são tratados com o aumento ou alteração Combinar os ISRSs com a bupropiona é
da medicação respondem ao tratamento. 28 uma estratégia comumente usada, embo-
Depressão

ra a maioria dos dados sejam obtidos a recidiva quando o tratamento com lítio é
partir de casos-relatos e pequenos ensaios interrompido em idosos.
clínicos abertos. 28 Há alguma evidência Hor1nônios da tireoide têm sido utili-
de redução de efeitos adversos quando a zados há mais de 20 anos como agentes de
bupropiona é adicionada ao tratamento aumento no tratamento da depressão uni-
com ISRS. 28 O ganho de peso foi observa- polar. 28 Embora as doenças da tireoide ocor-
do em tratamento a longo prazo com al- ram em uma pequena fração de pacientes
guns ISRSs, enquanto a perda de peso foi com depressão, o uso de hor111ônios da ti-
observada no tratamento com bupropiona reoide pode ser eficaz em pacientes com de-
em longo prazo. 28 pressão e função tireoidiana norinal.28 No
Estudos duplos-cegos e controlados, entanto, estudos controlados com pacientes
com a bupropiona como agente no trata- idosos não foram encontrados.
mento de depressão refratária em adultos Antipsicóticos atípicos foram avalia-
jovens e idosos são necessários para avaliar dos como agentes de aumento no trata-
os resultados positivos dos ensaios abertos. mento da depressão refratária. A terapia
adjuvante com antipsicóticos atípicos mos-
Estratégias de potencialização trou maiores taxas de resposta em compa-
ração com a monoterapia com antidepres-
Estratégias de potencialização são comu- sivo e placebos, mas também resultou em
mente definidas como a adição de um não maior abandono por causa de efeitos co-
antidepressivo a antidepressivos. 28 Em pa- laterais. 28 O uso crônico de antipsicóticos
cientes que não respondem à terapia far- como agentes de aumento na depressão
macológica de primeira linha, a utilização maior deve ser cuidadosamente avaliado,
de estratégias de potencialização mostrou uma vez que esses fár1nacos são frequente-
uma taxa de resposta de SOO/o. Nos idosos, mente associados a distúrbios metabólicos,
essa estratégia é reservada para casos de sedação, efeitos extrapiramidais e hiper-
depressão maior, que podem ser difíceis prolactinemia. 28 Esses efeitos secundários
de tratar. 28 podem ser particular1nente prejudiciais em
Alguns estudos sugerem possíveis pacientes mais velhos.
preditores da resposta à terapia de repo- Pouco se sabe sobre o efeito de es-
sição. 25 Ansiedade clinicamente significa- timulantes centrais do sistema nervoso
tiva e estresse médico elevado são predi- em pacientes com depressão refratária. 28
tores de maior tempo de recuperação du- Apesar de existir pouco suporte empírico
rante o tratamento. 25 Além disso, altos para isso, a utilização de uma combinação
níveis de ansiedade e maior tempo de re- de ISRS e metilfenidato ou dextroanfeta-
cuperação no tratamento inicial são pre- mina é comum na prática clínica. 28 Em
ditores de recorrência. 25 um pequeno estudo aberto realizado com
Em uma revisão da literatura, 31 os pacientes idosos com depressão, o metil-
autores avaliaram o risco de recaída quan- fenidato mostrou efeitos positivos em au-
do o lítio é interrompido como um agente mentar a ação do citalopram. 32
de aumento no tratamento da depressão
unipolar em pacientes idosos. A taxa glo-
bal de recaídas não pôde ser estabelecida ELETROCONVULSOTERAPIA
em três estudos, mas um aumento de SOO/o
na taxa de recaídas durante os primeiros A eletroconvulsoterapia (ECD no idoso
seis meses de seguimento pôde ser obser- com depressão pode ser uma alternativa
vado. Portanto, parece haver um risco de ao tratamento com antidepressivos. Uma
Ouevedo & Silva (orgs.)

revisão sistemática da Cochrane sobre a da depressão moderada e grave, 28 entre


eficácia e segurança da ECT (em compa- 30 e 40% dos pacientes apresentam qua-
ração com a ECT simulada ou antidepres- dros refratários. 28 O Instituto Nacional de
sivos)30 em pacientes idosos deprimidos Saúde e Excelência Clínica, 28 recomenda
encontrou apenas três ensaios clínicos - que os pacientes com depressão grave, re-
com grandes falhas metodológicas -, de sistente ao tratamento ou recorrente, re-
forma que não foi possível a realização de cebam uma combinação de medicação an-
uma análise quantitativa devido à falta de tidepressiva e terapia cognitivo-compor-
dados provenientes de cada estudo. tamental individual (TCC).
Tendo em vista as características es- Não obstante, as técnicas psicotera-
pecíficas no tratamento dos idosos depri- pêuticas mais utilizadas28 são terapia cog-
midos, um ensaio clínico randomizado é nitiva, TCC, terapia interpessoal (TIP),
necessário para comparar a eficácia da sistema de análise comportamental cog-
ECT com um ou mais antidepressivos. 30 nitiva de psicoterapia (Cognitive Behavio-
Além disso, estudos adicionais são neces- ral-Analysis System of Psychotherapy -
sários em farmacoterapia de continuação CBASP) e psicoterapia cognitiva baseada
e ECT de continuação. 28 na atenção atual plena (Mindfulness-Ba-
sed Cognitive Therapy - MBCT). Pacien-
tes com depressão crônica ou recorrente,
ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA adolescentes, pacientes geriátricos e pa-
TRANSCRANIANA cientes com depressão moderada e grave
podem apresentar maiores benefícios em
A estimulação magnética transcraniana tratamentos combinados.
(EMD foi aprovada pela Food and Drug A terapia combinada esteve associa-
Administration (FDA), em 2008, como da a um benefício um pouco maior em
um tratamento para a depressão resisten- manter a remissão da depressão, quan-
te ao tratamento farmacológico. 28 A EMT do comparada ao uso isolado da medi-
de alta frequência de pulsos repetitivos cação. 28 Porém, a abordagem combina-
(EMTr) é aplicada no córtex dorsolateral da promoveu redução significativamente
pré-frontal esquerdo. O tratamento pare- maior nas taxas de recaída. Além disso,
ce ser mais bem tolerado do que a ECT. 28 o benefício maior do tratamento combi-
A possibilidade de a depressão vascular nado, na prevenção de recaídas, foi en-
de início tardio responder ao tratamento contrado em estudos longitudinais natu-
com EMTr ainda apresenta estudos con- ralísticos, e em pacientes nos quais a me-
traditórios e está sendo mais bem investi- dicação foi descontinuada, sugerindo um
gada. 28 A idade avançada e menores volu- aumento desse benefício em longo prazo.
mes de matéria cinzenta frontal foram as- Alguns estudos analisaram a influên-
sociados com pior resposta à EMTr. 28 cia da estratégia terapêutica combinada,
Esses dados sugerem que estudos adi- comparando o uso simultâneo com o uso
cionais são necessários para avaliar a eficá- sequencial. A for1na simultânea utiliza a
cia e segurança da EMTr como opção de tra- farmacoterapia integrada à psicoterapia
tamento para pacientes idosos deprimidos. cognitiva na fase aguda da depressão, ao
passo que a forma sequencial aplica a far-
macoterapia na fase aguda, seguida da te-
PSICOTERAPIA INTEGRADA rapia cognitiva para os sintomas residuais.
Embora a medicação antidepressiva cons- Houve maior benefício da abordagem te-
titua a primeira indicação no tratamento rapêutica sequencial. 28 De qualquer for-
Depressão

ma, o efeito da TCC parece ser mantido opções de tratamento para pacientes ido-
ao longo do tempo, independentemente sos deprimidos.
se aplicada na fase inicial ou de manuten- Psicoterapia combinada com farma-
ção do, tratamento antidepressivo. coterapia pode ajudar a alcançar a remis-
E importante ressaltar que esse mo- são no tratamento da fase aguda e deve
delo sequencial introduz um novo con- ser considerada para a remissão da de-
ceito na prática terapêutica, podendo re- pressão a longo prazo, ajudando a preve-
presentar um método eficaz para a recu- nir a recaída e a recorrência em idosos.
peração da depressão em longo prazo. 28 O objetivo do tratamento da depressão
Sendo assim, esforços devem ser feitos no em idosos deve ser a remissão completa
desenvolvimento de abordagens mais ba- dos sintomas, com estratégias terapêuti-
lísticas e personalizadas, incluindo supor- cas insistentes e seguras, buscando sem-
te psicoterapêutico e psicossocial ao longo pre que necessário o uso de doses plenas
de todo o tratamento. 28 da medicação antidepressiva. No entanto,
estudos adicionais que utilizem indicado-
res de independência funcional e de auto-
-
CONCLUSAO -percepção do bem-estar são necessários
para ajudar o médico a escolher a melhor
Para a escolha do antidepressivo mais opção de tratamento para cada paciente.
adequado para o paciente idoso com de-
pressão, as comorbidades médicas e psi-
quiátricas, a polifar1nácia, a resposta ao REFERÊNCIAS
tratamento anterior, o perfil de efeitos ad-
versos e as potenciais interações medica- 1. Blazer DG. Depression in late life: review and
mentosas devem ser levados em conside- commentary. J Gerontol A Biol Sei Med Sei.
ração. Os dados atualmente disponíveis 2003;58(3):249-65.
podem orientar o tratamento farmacoló- 2. O'Connor DW. Do older Australians truly ha-
ve low rates of anxiety and depression? A cri-
gico nas fases aguda e de manutenção,
, . . - , .
porem mais pesquisas sao necessarias pa-
tique of the 1997 National Survey of Men-
tal Health and Wellbeing. Aust N Z J Psychia-
ra orientar as estratégias clínicas quando try. 2006;40(8):623-31.
a remissão não for alcançada. 3. Barcelos-Ferreira R, Izbicki R, Steffens DC, Bot-
Estratégias de combinação e poten- tino CMC. Depressive morbidity and gender in
community-dwelling Brazilian elderly: systema-
cialização são relatadas quando a remis-
tic review and meta-analysis. Int Psychogeria-
são não é atingida. No entanto, nenhuma tr. 2010;22(5):712-26.
dessas estratégias tem sido estudada rigo- 4. Chiu E, Ames D, Draper B, Snowdon J. Depressi-
rosamente em pacientes mais idosos com ve disorders in the elderly: a review. ln: Herman
depressão. Estudos controlados são neces- H, Maj M, Sartorius N, editors. Depressive disor-
ders. 3rd ed. Oxford: Wiley; 2009. p. 197-257.
sarios para comparar opçoes terapeuticas,
, • - A •

5. Cummings SM. Predictors of psychological well-


auxiliar na seleção de medicação de acor-
-being among assisted living residents. Health Soe
do com características clínicas individuais Work. 2002;27(4):293-302.
e determinar a duração da combinação ou 6. Bottino CMC. The challenge of treating depres-
da terapia de reposição. sion in the elderly. Int Clin Psychopharmacol.
Além disso, é de grande importân- 2003;18(Suppl. l):S39-S45.
cia a condução de ensaios clínicos rando- 7. Wells KB, Katon W, Rogers B, Camp P. Use of
mizados bem desenhados para avaliar a minor tranquilizers and antidepressant medi-
cations by depressed outpatients: results from
eficácia da ECT (em comparação com um the Medical Outcomes Study. Am J Psychia-
ou mais antidepressivos) e da EMTr como try. 1994;151(5):694-700.
Ouevedo & Silva (orgs.)

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Mercêdes J. O. Alves
Antônio Geraldo da Silva
Juliana Fernandes Tramontina

INTRODUÇÃO A ECT constitui-se em um procedi-


mento médico que usa um estímulo elétri-
Dentre as terapias biológicas não far1na- co para provocar uma convulsão cerebral.
cológicas existentes na atualidade, po- A supressão elétrica pós-ictal parece ser a
de-se destacar a eletroconvulsoterapia, a base de todo o tratamento. 2 Porém, há au-
magnetoconvulsoterapia, a estimulação tores que hoje questionam a necessidade
magnética transcraniana, a estimulação da convulsão para a eficácia da ECT. 3
magnética transcraniana profunda, a esti- Ao longo do tempo, aperfeiçoamen-
, . .
mulação transcraniana por corrente con- tos na sua tecn1ca e em seus equipamen-
tínua (ETCC), a estimulação do nervo va- tos modernizaram e garantiram maiores
go e a estimulação profunda do cérebro. 1 eficácia e segurança à ECT.
Neste capítulo, será abordada a eletrocon- Pacientes portadores de comorbida-
vulsoterapia (ECT). des graves, principalmente cardíacas, im-
pedidos do uso de psicofármacos, prova-
velmente têm na ECT sua única alterna-
ELETROCONVULSOTERAPIA tiva terapêutica. Também para gestantes
trata-se de uma das principais indicações.
A ECT é um tratamento biológico de ex- A descarga elétrica promove uma
celência, indicado para vários transtornos cascata de mudanças em todo o corpo do
mentais, especialmente aqueles em que paciente, que serão apontadas e discuti-
há risco iminente de suicídio com ou sem das neste capítulo.
auto ou heteroagressividade. Classificada pela Associação Médi-
Configura-se como um dos mais anti- ca Brasileira como Procedimento Ambu-
gos procedimentos da prática psiquiátrica, latorial de Porte 3C e regulamentada pe-
sendo comprovadamente seguro e eficaz. lo Conselho Federal de Medicina confor-
Há registros históricos do uso dessa tera- me Resolução CFM número 1640/ 2002, 4
pia por Scribonius Largus, que descreveu, a ECT não tem contraindicação for111al e
no ano 46 a. C., melhora do quadro clínico absoluta, mas pode apresentar riscos au-
de cefaleia após a indução de uma corren- mentados de acordo com as comorbida-
te elétrica de alta intensidade no escalpo, des presentes, exigindo cuidados espe-
utilizando-se de um peixe elétrico. ciais.5
Ouevedo & Silva (orgs.)

HISTÓRICO (TGP - transaminase glutâmico pirúvica,


TGO - transaminase glutâmico oxalacé-
Paracelsus, em 1500, usou cânfora oral tica, e GGT - gama glutamil transpepti-
para induzir crises convulsivas em pacien- dase), subsidiam a escolha da medicação
tes psiquiátricos. Em 1933, Manfred Sakel que será usada.
começou a testar a terapia de choque in- A literatura reporta que a ECT é se-
sulínico em Viena. Em 1934, Ladislas Von gura para pacientes sem cardiopatia. Já
Meduna (1896-1964), acreditando no an- aqueles com história de doença cardíaca,
tagonismo biológico entre esquizofrenia hepática, renal, neurológica, metabóli-
e epilepsia, adotou o método das convul- ca ou de qualquer outra natureza exigem
sões induzidas por cânfora. 6 Em 1938, cuidados adicionais.
Ugo Cerletti (1877-1963) e Lúcio Bini Os exames de imagem, como as ra-
(1908-1964) iniciaram o uso do estímu- diografias simples, as tomografias compu-
lo elétrico para indução de convulsões te- tadorizadas ou a ressonância magnética,
rapêuticas. 7 Em 1940, Bennet foi pioneiro devem ser utilizados de acordo com a his-
no uso do curare durante o procedimento. tória do paciente. Por exemplo: a espon-
Desde então, avanços técnicos e cien- dilite anquilosante cervical, facilmente vi-
tíficos foram somados ao procedimento, sualizada em uma radiografia simples de
como o uso da anestesia e dos bloquea- coluna, dificulta a ventilação e inviabiliza
dores neuromusculares, o posicionamento a passagem de tubo endotraqueal, caso se
dos eletrodos para aplicações unilateraisª faça necessária, durante a ECT.
e medicações coadjuvantes, visando o con- O eletroencefalograma (EEG) é in-
forto e o segurança do paciente. dicado especialmente para pacientes epi-
lépticos. O eletrocardiograma (ECG), por
sua vez, faz parte da rotina mínima dos
-
AVALIAÇAO riscos cirúrgicos e, embora seja um exa-
PRÉ-ELETROCONVULSOTERAPIA me simples, é um excelente instrumento
diagnóstico. O psiquiatra e o anestesista
Quaisquer procedimentos cirúrgicos de- devem ter familiaridade com seu traça-
vem ser precedidos por uma avaliação clí- do, porque a ocorrência de arritmias car-
nico-cardiológica envolvendo exame físi- díacas é frequente durante a ECT. Algu-
co, testes laboratoriais e outros exames mas são fugazes e benignas (bloqueio de
complementares, sempre de acordo com ramo direito do feixe de His), mas outras
a história clínica, a idade e os sintomas podem exigir intervenção rápida (arrit-
apresentados. mias bradicardizantes).
Essa avaliação tem por objetivo o Testes neuropsicológicos são indica-
conhecimento geral do paciente, de ma- dos antes e após a ECT, sempre que o tra-
neira a diminuir riscos e aumentar resul- tamento for eletivo, para estudo das fun-
tados. Os exames laboratoriais constam ções psíquicas, especialmente a memória.
de uma rotina mínima, que pode variar Algumas substâncias, como o lítio, a
de acordo com as particularidades de ca- oxcarbazepina, o ácido valproico e a car-
da paciente. Incluem hemograma (hema- bamazepina, devem ser dosadas antes da
tócrito ou hemoglobina), glicemia, ele- ECT, para evitar convulsões frustras (con-
trólitos plasmáticos e eletrocardiograma. centração plasmática elevada dos anti-
As provas de função renal (ureia e creati- convulsivantes) e confusão mental (lite-
nina), assim como as de função hepática mia acima de 0,5 mEq/mL).
Depressão

-
INDICAÇOES menores riscos em relação aos fármacos,
resposta pobre aos fármacos, preferência
Estudos sobre a ECT, com grandes amos- do paciente, gravidez e lactação; e, como
tras, têm sido patrocinados pelo Consor- indicações de segunda escolha, a ausên-
tium for Research in ECT (CORE). Esses cia de resposta terapêutica, efeitos colate-
estudos norteiam as principais indicações. rais maiores que os da ECT e a deteriora-
A depressão é a melhor indicação, confor- ção do quadro mental.
me mostram as publicações, constituin- A Associação Mundial de Psiquia-
do-se em 80 a 90% dos casos de uso de tria alerta para situações de difícil mane-
ECT, seja por refratariedade ou intolerân- jo, como a catatonia, em que a ECT de-
cia aos medicamentos, seja pelo risco de ve ser considerada como principal opção
suicídio. Um dos estudos que comparou a terapêutica. Esse quadro clínico caracteri-
" . . . , .
za-se como emergenc1a ps1qu1atr1ca, apre-
eficácia da ECT com a amitriptilina mos-
tra vantagem de 870/o para a ECT sobre senta graves anormalidades da ativida-
67% do tricíclico. Um estudo comparativo de motora e pode decorrer de transtornos
entre a eficácia de 40 mg por dia de pa- do humor e esquizofrenia. A ECT também
roxetina (inibidor seletivo da recaptação deve ser considerada, mediante a adoção
de serotonina - ISRS) e a da ECT mostrou de cuidados próprios, nos casos de sín-
resultado também favorável à ECT, de 77 drome neuroléptica maligna que cursam
contra 280/o da paroxetina. 9 com sintomas catatônicos, em episódios
Pacientes idosos, acima de 65 anos, de doença mental grave durante a gravi-
respondem melhor à ECT do que pacien- dez, em idosos com saúde frágil e em qua-
tes jovens. Depressões com sintomas psi- dros resistentes ao tratamento em adultos
• •
cóticos também respondem melhor do Jovens ou crianças.
que aquelas sem sintomas psicóticos (95
versus 840/o).
Em uma revisão sistemática feita no CONTRAINDICAÇÕES
MedLine, buscando ECT, ECT sob narco-
se e eletroconvulsoterapia, foram encon- Não há contraindicações for1nais, mas
trados 255 estudos clínicos randomizados há risco aumentado para situações clíni-
(ECRs) e oito metanálises, 10 os quais mos- cas especiais, classificadas pela American
traram os seguintes resultados: 2 Society of Anesthesiologists (ASA) como
classes III e IV (hemorragia intracraniana,
• depressão maior10-13 outras condições que elevem a pressão in-
• transtorno bipolar12-14 tracraniana, hipertensão arterial sistêmi-
• esquizofrenia não crônica12,1s,16 ca decorrente de feocromocitoma, enfarto
• quadros esquizoafetivos12,1s,16 do miocárdio ou acidente vascular cere-
• quadros esquizofrenifor1nes 12,1s,16 bral [AVC] recentes, insuficiência respi-
• síndrome neuroléptica maligna17,l 8 ratória, glaucoma, descolamento de reti-
• doença de Parkinson19,20 na, tireotoxicose e insuficiência cardíaca).
• epilepsia21,22 As classes I e II da ASA não oferecem ris-
• discinesia tardia23,25 cos maiores porque representam pacien-
tes saudáveis e com doença sistêmica le-
A American Psychiatric Association12 ve, respectivamente. A classe V da ASA,
preconizou como indicações de primeira por representar moribundos, não tem in-
escolha a necessidade de melhora rápida, dicação para ECT. Ver Quadro 19 .1.
Ouevedo & Silva (orgs.)

Recentemente, foi descoberta uma tar vestido com roupas confortáveis, para
substância (sugadamex) que pode ser usa- propiciar um sono agradável após a ECT.
da para reversão breve do rocurônio edro- O monitoramento cardíaco e respira-
ga não despolarizante que necessita de re- tório é feito com oxímetro de pulso, ECG
versão tardia) a fim de substituir a succi- contínua, estetoscópio pré-cordial, pressão
nilcolina edespolarizante de metabolismo arterial indireta, posicionamento do pa-
plasmático que não exige reversão), quan- ciente e linha venosa pérvia. Cardioscópios
do de sua contraindicação absoluta ou re- modernos monitoram cinco funções vitais
lativa, como em glaucoma. A substância e oferecem maior segurança e controle do
pode mudar a classificação ASA para esses paciente durante o procedimento.
pacientes. 5 O monitoramento eletroencefalográ-
fico é feito com os eletrodos da máquina
de ECT na região escolhida para registro
TÉCNICA2 do EEG. Os cuidados anestésicos implicam
combater ocorrências indesejadas, como a
Antes de ser anestesiado, o paciente deve sialorreia e a secreção brônquica excessi-
ser examinado pelos médicos que farão o va, induzir a antiemese e diminuir a aci-
procedimento. A anamnese segue o mo- dez gástrica. Em situações em que haja di-
delo clássico semiológico e inclui a pes- minuição do esvaziamento gástrico, como
quisa de alergia a substâncias, experiência na gravidez, o jejum deve ser estendido a
prévia com anestésicos e a avaliação dos 12 horas para sólidos, e medicamentos que
exames anterior1nente solicitados. Cuida- acelerem o esvaziamento gástrico poderão
dos pré-anestésicos devem ser adotados, ser utilizados minutos antes da anestesia.
diminuindo a ansiedade do paciente, es- A pré-oxigenação busca uma satura-
clarecendo todas as dúvidas que surgirem ção de oxigênio de 100% ou próxima des-
e conferindo se o jejum orientado (8 ho- se valor, o que garantirá tanto o rebaixa-
ras para sólidos e 4 horas para líquidos mento do limiar convulsivo pela alcalose
sem resíduos) foi devidamente cumprido. gerada como a proteção neuronal.
O paciente deve esvaziar a bexiga A medicação anestésica pode ser
antes de ser anestesiado, evitando-se, as- composta de: etomidato - 0,3 mg/kg de
sim, que, durante a aplicação do estímu- peso; tiopental sódico - 3 a 5 mg/kg de
lo, ele apresente relaxamento de esfincter peso; succinilcolina - 0,5 a 1,5 mg/kg
uretral, ou complicação mais séria, como de peso; e, se necessário, atropina - 0,01
ruptura da bexiga. O paciente deve es- mg/kg de peso. Não há uma uniformiza-

Classe 1 Normal saudável


Classe li Com doença sistêmica leve
Classe Ili Com doença sistêmica grave
Classe IV Com doença sistêmica grave/ameaça constante à vida
Classe V Moribundo/difícil sobrevivência por 24 horas com ou sem operação
Depressão

ção de medicamentos e está a critério de Cargas muito altas são motivo de convul-
cada serviço a escolha desses fármacos. sões frustras, mostrando que nem sempre
Há aqueles que preferem o propofol, pe- uma carga alta significa melhor resultado.
la segurança cardíaca que oferece, ape- Há literatura que sugere regras de cálculo
sar de sua ação anticonvulsivante poten- de carga com base na idade do paciente.
te. Há serviços que usam a lidocaína ve- Atualmente, no entanto, essas regras são
nosa, em membro garroteado acima do mais questionadas do que adotadas.
acesso venoso, para propiciar anestesia Posicionados os eletrodos, com opa-
local da veia e evitar dor durante a infu- ciente anestesiado e relaxado, efetua-se
são do anestésico. Há especulações recen- o estímulo elétrico, com carga, tamanho
tes de que o propofol teria uma ação mnê- e frequência de pulso predeterminados.
mica protetora, mas necessita-se de maio- Embora ainda haja no Brasil o uso de má-
res evidências. quinas de ECT obsoletas, que proporcio-
A ventilação é feita sob máscara, nam ondas senoidais, o Conselho Federal
conjunto ventilatório, até o paciente as- de Medicina prevê a substituição desses
sumir a respiração espontânea, saturando equipamentos antigos por novos, norte-

em torno de 940/o de oxigênio. -americanos ou europeus, que apresen-
A região onde serão posicionados os tam corrente constante e flexibilidade na
eletrodos deverá ser bem lavada e até es- voltagem (Volt), na frequência (Hertz) e
coriada, evitando oleosidade que aumen- no tamanho do pulso, possibilitando es-
taria a resistência à passagem do estímu- tímulos breves (de 0,5 a 2,0 milissegun-
lo elétrico. A higiene mal feita, além de dos) ou ultrabreves (menores que 0,5 mi-
exigir uma carga mais alta para desenca- lissegundo).
dear convulsão, permite a queimadura Convulsões acima de 60 segundos
local, facilitada pela presença de óleo na deverão ser abortadas durante o proce-
pele. dimento, visando evitar riscos desneces-
Os eletrodos serão colocados bilate- sários de edema cerebral. Há fatores que
ralmente (regiões frontotemporal, bifron- contribuem para uma convulsão de quali-
tais ou bitemporais) ou unilateralmente dade. As Tabelas 19.1e19.27 listam os fa-
de acordo com o protocolo adotado. A im- tores que devem ser considerados antes e
pedância de preferência é baixa, variando durante o procedimento.
de 900 a 1.500 Ohms, embora alguns au-
tores proponham até 2.000 Ohms. Impe-
dâncias com valores abaixo de 500 Ohms PARÂMETROS DE DUALIDADE
indicam a possibilidade de problema elé-
trico. Os equipamentos modernos pos- Há sinais importantes que devem ser
suem um sistema de segurança que impe- acompanhados durante o procedimen-
de que, nessas circunstâncias, o estímulo to, pois provam a qualidade da convul-
seja efetivado, evitando um curto-circuito são provocada. Entre eles se destacam
no paciente. frequência cardíaca (FC) bastante eleva-
O limiar convulsivo do paciente deve da, piloereção, sudorese, rubor, secreção
ser encontrado partindo-se de uma carga respiratória alta, relaxamento de esfincte-
inicial mais baixa. Encontrado esse limiar, res e outros de menor relevância.
o estímulo deve ser elevado nas sessões A FC constitui-se em indicador clíni-
subsequentes, de duas vezes e meia este co bastante confiável, sendo utilizada pa-
valor para aplicações bilaterais, e de seis ra verificação da atividade convulsiva in-
vezes para aplicações unilaterais direitas. duzida pelo estímulo elétrico. De maneira
Ouevedo & Silva (orgs.)

Tabela 19.1
Principais fatores que diminuem o limiar convulsivo (LC)
e aumentam a duração da convulsão (DC)

• Sexo feminino - DC
• Adrenalina - DC
-
• Cafeína e teofilina - LC e DC
• Antagonista opioide - LC
-
• Baixo limiar no início do curso - DC
• ECT unilateral d'Elia - DC
~

• Estimulação sensorial - LC
• Psicoestimulantes - LC e DC
• Hiperoxigenação - DC
~

• Reserpina - DC
~

• Abstinência de benzodiazepínicos - LC e DC
• Idade jovem - LC e DC
• Estímulo logo acima do limiar - DC

Tabela 19.2
Principais fatores que aumentam o limiar convulsivo (LC)
e/ou diminuem a duração da convulsão (DC)

• Sexo masculino - LC e DC
• Triptofano - DC
~

• Lidocaína - DC e LC
• Opioides - DC
• Alto limiar convulsivo inicial - DC
• ECT não unilateral d'Elia - LC e DC
• Clonidina - DC
• Benzodiazepínico - DC e LC
• Hipo-oxigenação - DC
• Anestesia geral, propofol - LC e DC
• Anticonvulsivantes - DC e LC
• Idade avançada - LC e DC
• Estímulo muito acima do limiar - DC

geral, o pico da frequência cardíaca refle- Sabe-se que o efeito terapêutico da ECT
te mais fielmente a atividade convulsiva na melancolia, na catatonia e nas psicoses
em estrutura cerebral profunda (diencé- pode ser primariamente subcortical.
falo) do que o fazem o EEG e a atividade Como o pico da FC ocorre entre 1O
motora presente em membro garroteado. e 20 segundos após o estímulo, ele não
Depressão

resulta da liberação de fatores hormonais Thiery, 27 mostra que os homens responde-


como a noradrenalina na corrente sanguí- ram melhor do que as mulheres. E o tercei-
nea, mas reflete o aumento da atividade ro estudo, de Gangadhar, 28 não mostra di-
do sistema nervoso central. As catecola- ferença nos resultados da eficácia da ECT
minas liberadas na circulação periférica comparada à da imipramina, exceto que a
" . ,
se mantem por mais tempo apos estimu-
,
resposta à ECT foi mais rápida e com me-
lo bitemporal do que após o estímulo uni- nos efeitos colaterais.
lateral direito. A metanálise realizada por Pagnin
O hemisfério cerebral direito é mais e colaboradores10 mostrou a superiorida-
adequado, quando comparado ao esquer- de da ECT não só sobre as aplicações si-
do, para desencadear o aumento da FC. muladas e o placebo, como também sobre
Assim, a maior elevação da FC é encon- os antidepressivos tricíclicos, os inibido-
trada após estímulos unilaterais direitos, res seletivos da recaptação de serotonina
e a seguir, após a estimulação bitemporal. (ISRSs) e sobre os inibidores da monoa-
A duração da taquicardia, presumi- minoxidase (IMAOs).
velmente, correlaciona-se com uma maior A ECT promove remissão rápida
generalização da convulsão no cérebro e (34% em duas semanas, 600/o em três se-
talvez uma maior eficácia. manas e 750/o em quatro semanas), o que
Até recentemente acreditava-se que, lhe confere, pelo curto tempo de resposta,
para ser terapêutica, a convulsão provoca- um perfil de eficácia superior a qualquer
da pelo estímulo elétrico deveria ter uma medicamento de ação antidepressiva. 8
duração de pelo menos 25 segundos. Ho- O National Institute for Clinica! Ex-
je, no entanto, se sabe que essa exigên- cellence (NICE) 29 realizou um estudo no
cia não procede e há também autores que qual foram analisados 90 ensaios clínicos
questionam a necessidade da convulsão randomizados e controlados que avalia-
para o êxito terapêutico. 3 ram a eficácia e a segurança da ECT no
tratamento dos transtornos depressivos.
Esse estudo também concluiu que a ECT é
EFICÁCIA mais efetiva do que o tratamento com me-
dicamentos antidepressivos.
A ECT é um procedimento que encontra Alguns autores mostraram que a in-
evidência de eficácia por meio de múlti- tenção suicida é aliviada em 380/o com uma
plos ensaios clínicos, revisões sistemáticas semana de tratamento, em 61 % com du-
e metanálises. as semanas e em 81 o/o ao final do curso de
Há três estudos históricos5 que com- ECT.3º
provam a eficácia da ECT quando compa- Em ampla revisão do UK ECT Review
rada à medicação antidepressiva, como o Group, 31 realizada em 2003, a ECT foi con-
de Greenblatt, 26 que compara a ECT com firmada como mais efetiva, em curto pra-
a imipramina e o placebo. O resultado des- zo, no tratamento da depressão (seis ECRs
se estudo mostra grande vantagem da ECT, comparando com uso de placebo em 256
com 92% de melhora (760/o de melhora pacientes) e mais efetiva do que psicofár-
importante e 160/o de moderada), enquan- macos (18 ECRs, com 1.144 pacientes). 32
to a imipramina tem como resultado 7 40/o Um estudo patrocinado pelo Consor-
de melhora (490/o de melhora importante tiun for Research in ECT (CORE), 33 para
e 25% de melhora moderada) e o place- verificar a eficácia preventiva da ECT de
bo apresenta um resultado surpreendente manutenção em pacientes com depressão
de 690/o de melhora. O segundo estudo, de maior tratados agudamente com a ECT e
Ouevedo & Silva (orgs.)

randomizados para ECT ou far1nacotera- pressivos deram sustentação à melhora


pia de continuação (nortriptilina e lítio), promovida pela ECT, e a ECT de carga al-
concluiu que a ECT isolada não previne ta unilateral não teve maior eficácia do
recaídas e que, em alguns casos, elas esta- que a de carga moderada bilateral, mas os
rão presentes mesmo com a far1nacotera- efeitos nocivos mnêmicos foram menores
pia de continuação. do que os da bilateral. 35 Seu efeito e sua
Com relação à doença de Parkinson, eficácia anticonvulsivante é que fazem da
a melhora dos sintomas extrapiramidais ECT uma boa indicação nos casos de sta-
costuma ser fugaz e vinculada ao curso da tus epilepticus. 22
ECT, piorando tão logo esta seja interrom- Sabe-se que o posicionamento dos
pida. Não é aconselhável suspender ou di- eletrodos, a corrente, a largura da onda
minuir as doses de levodopa durante o ou pulso, a frequência, o tempo de expo-
curso da ECT. 33 sição à eletricidade e o intervalo entre as
A ECT é pouco eficaz, podendo ser aplicações estão envolvidos nos resulta-
prejudicial em quadros de transtorno de dos benéficos e deletérios da ECT. Há ex-
estresse pós-traumático (TEPT), transtor- tensa literatura que mostra a superiorida-
no obsessivo-compulsivo (TOC), trans- de da ECT unilateral direita sobre a bilate-
torno de ansiedade generalizada (TAG) e ral no que se refere aos efeitos colaterais
transtornos da personalidade. 34 cognitivos, especialmente os mnêmicos,
Alguns fatores estão associados a embora sua eficácia seja a mesma. 36 Mais
uma diminuição de sua eficácia. Tais fa- recentemente, o posicionamento bifrontal
tores incluem episódio prolongado de de- dos eletrodos tem ganhado relevância, em
pressão, não resposta ao tratamento com função da similaridade de eficácia e me-
medicação e diagnósticos psiquiátricos co- nores efeitos colaterais cognitivos quando
mórbidos, como transtornos da persona- comparado com o bitemporal e o unila-
lidade.34 teral direito. Estudos mostram que doses
Um estudo realizado no período de moderadas bifrontais equivalem a doses
2001 a 2005, 35 prospectivo, aleatório, tri- baixas bitemporais e a doses altas unila-
plo-cego e controlado por placebo, envol- terais direitas. 37
veu três hospitais universitários, com 750 Teoricamente, ondas com largura
pacientes, para testar a hipótese de que, mínima de 0,3 milissegundo (pulso ultra-
em comparação com placebo, o tratamen- breve) deveriam ser eficazes e causar me-
to concomitante com nortriptilina ou ven- nos efeitos adversos, mas os estudos vêm
lafaxina durante a ECT tem maior eficá- mostrando que elas têm eficácia clíni-
cia em curto prazo sem impacto signifi- ca diminuída ou nula se usadas bilateral-
cativo sobre os efeitos nocivos e reduz a mente. 36 Pacientes que se submeteram à
taxa de recaída pós-ECT, bem como para ECT com pulso ultrabreve em aplicações
testar a hipótese de que a ECT unilateral unilaterais direitas para o tratamento da
direita com dose alta é equivalente em efi- depressão necessitaram de muito mais
cácia à dose moderada na ECT bilateral e aplicações do que aqueles que se subme-
mantém vantagem em relação aos efeitos teram à ECT bilateral com pulsos breves
adversos cognitivos. As taxas de remissão buscando o mesmo objetivo. 38,39 Outros-
nesse estudo foram semelhantes, porém sim, há um ensaio clínico que comparou
mais favoráveis à nortriptilina (630/o nor- o estímulo ultrabreve bifrontal e o ultra-
triptilina, 600/o venlafaxina, e 490/o place- breve unilateral direito e encontrou efi-
bo) quanto à proteção em relação a efei- cácia semelhante, embora o grupo que
tos nocivos cognitivos. Ambos os antide- recebeu aplicações unilaterais direitas
Depressão

tenha preenchido os critérios de respos- Outro achado curioso e ainda não


ta/remissão após um número menor de explicado é o fato de que, na depressão,
aplicações. 40 o fluxo sanguíneo cerebral encontra-se di-
minuído, e a ECT exacerba essa redução,
dado compatível com a pouca atividade
-
MECANISMO DE AÇAO delta frontal no EEG na depressão e me-
nor ainda após a ECT. 2,32 Essa diminuição
Embora seu mecanismo de ação per1na- parece estar relacionada com a boa res-
neça obscuro, a hipótese diencefálica im- posta terapêutica, e esses efeitos podem
plica estimulação das estruturas subcorti- durar de semanas a meses. 29,32
cais que regulam a atividade do eixo hi- Entre as alterações mediatas da ECT,
potálamo-hipofisário, liberando ACTH, destaca-se a indução genética, com modu-
TSH, prolactina, ocitocina e vasopressina. lação da expressão de genes precoces ime-
A convulsão induzida durante a ECT pro- diatos, aumento do mRNA BDNF (brain-
move grande mobilização dos neurotrans- -derived neurotrophic factor) no hipocam-
missores, levando a uma down-regulation po e no córtex parietal piriforme. A ECT
de receptores beta (semelhante à ação promove um aumento da transcrição de
dos antidepressivos) e uma up-regulation mRNA para serotonina, receptores GABA
de receptores SHT2 (contrária à ação dos e tirosina hidroxilase. 2 Essas evidências
antidepressivos). 2,s, 7 de ativação de expressão de mRNA para
Como já foi dito, a supressão elétri- NPY e SS em várias vias neurais, especial-
ca cerebral pós-ictal parece ser a base do mente na formação hipocampal e no pro-
tratamento. sencéfalo límbico, podem esclarecer im-
As alterações imediatas provocadas portantes mecanismos de ação da ECT. A
pela ECT são: aumento das concentra- neuroplasticidade provocada pela ECT é
ções dos neurotransmissores, aumento do constatada por meio da presença das "fi-
neuropeptídeo Y (NPY) nas áreas límbi- bras musgoides'' no hipocampo após o
cas (necessário para a lise da depressão), tratamento. A neuroproteção após a ECT
na região do hilus hipocampal, estriado, é identificada pela robustez do citoesque-
córtex frontal, córtex occipital e na região leto neuronal. O aumento da expressão de
caudal do nucleus accumbens. A ECT in- mRNA para o FGF-2 (basic fibroblast gro-
fluencia beneficamente o ciclo circadia- wth factor) no hipocampo foi demonstra-
no, reduz a neurotransmissão excitatória do por Gwinn e colaboradores41 em 2002.
(glutaminérgica) e aumenta a neurotrans- Esse fator está implicado na diferencia-
missão das monoaminas. Há aumento de ção de progenitores celulares de astróci-
SHT e diminuição da arginina-vasopres- tos e oligodentrócitos, sendo encontra-
sina no hipocampo, aumento de taurina, do na formação de novas sinapses, o que
aspartato e serina no núcleo hipotalâmico prova a neurogênese provocada pela ECT.
paraventricular, modulação de beta e alfa Evidências recentes, por sua vez, indicam
receptores corticais, aumento de recepto- que estes novos neurônios interagem fun-
res N-metil-aspartato no hipotálamo ven- cionalmente e que têm as mesmas carac-
tromedial, na amígdala basolateral e no terísticas anatômicas quando comparados
córtex parietal. 2 aos antigos, vivendo por mais de três me-
Curiosamente, estudos em ratos e hu- ses. A diminuição da apoptose percebida
manos demonstram significativa redução após a ECT deve-se ao decréscimo na ex-
no metabolismo da glicose após a ECT, de pressão do gene blc-Xs (responsável por
correlações clínicas não explicadas. 2,32 marcar a apoptose). 2
Ouevedo & Silva (orgs.)

COMPLICAÇÕES mo suficiente para a ingestão dos com-


primidos. Os diuréticos serão dados com
Embora alguns autores questionem a con- parcimônia. Os de alça, como a furosemi-
fiabilidade dos dados epidemiológicos en- da, devem ser evitados antes da ECT, pe-
contrados, a ECT apresenta uma taxa de lo risco de ruptura de bexiga ou inconti-
mortalidade de 0,002% por sessão e de nência urinária durante a aplicação. Já os
0,01 ºlo por paciente, o que é comparável diuréticos tiazídicos (ação lenta) podem
ao risco associado à anestesia de curta ser ministrados como de costume. Há au-
duração em cirurgias de pequeno porte. tores que recomendam o uso dos diuréti-
Quanto à morbidade, estima-se que haja cos buscando evitar a ocorrência de ede-
uma complicação para cada 1.400 proce- ma pulmonar, mas não menos importan-
dimentos. te, ou até mais, é a hipovolemia abrupta
A ECT é um procedimento bastante provocada por diuréticos de alça.
seguro, e as complicações, que são raras, Pacientes com diabetes tipo II não
de maneira geral estão relacionadas aos devem receber hipoglicemiante oral ou
sistemas respiratório e cardiovascular. As insulina antes da ECT. Para os pacientes
mais frequentes são apneia, insuficiência portadores de diabetes tipo I, que por de-
circulatória e convulsões prolongadas ou finição são dependentes de insulina e cuja
frustras. O risco de hipertensão intracra- glicemia tende a mostrar grandes flutua-
niana durante a ECT é desprezível, e o de ções, a ECT deve ser feita tão logo acor-
eventos tromboembólicos é muito raro. 4 2 dem, sem usar a insulina, ou usando ape-
São comuns as arritmias cardíacas duran- nas meia dose. A outra metade deve ser
te a aplicação da ECT e no período pós-ic- administrada no desjejum, após a ECT.
tal imediato, mas, em sua maioria, são be- Em pacientes com diabetes tipo I, a gli-
nignas e de resolução espontânea. cemia deve ser medida antes e depois da
Uma série de breves alterações no ECT e, em ambos os casos de diabetes,
ECG pode acontecer durante e logo após deve ser monitorada de perto. Em função
a convulsão, incluindo modificação na du- do jejum prolongado de sólidos e líqui-
ração do intervalo PR, do intervalo QT e dos, alguns desses pacientes precisam ter
mudanças no segmento ST e na onda T. A as doses dos hipoglicemiantes ajustadas e
arritmia mais comum nas sessões de ECT devem ter os níveis de glicose plasmáti-
é a fibrilação atrial paroxística de curta ca checados antes de cada tratamento. As
duração. Também podem surgir extras- dosagens de insulina podem ser reduzidas
sístoles atriais e ventriculares, taquiar- ou divididas nos dias em que o paciente fi-
ritmias supraventriculares paroxísticas e zer a aplicação de ECT.
episódios curtos de taquicardia ventricu- Pacientes com asma que fazem uso
lar não sustentada, sem repercussão clíni- de inaladores com broncodilatadores de-
ca ou hemodinâmica. 43 Comorbidades au- vem usá-los pela manhã, pouco antes da
mentam o risco de complicações durante ECT.
e após a realização da ECT. Pacientes com lesão expansiva apre-
Pacientes hipertensos devem manter
. .
sentam nsco muito pequeno na ausenc1a" .
a medicação anti-hipertensiva de uso ro- de sinais neurológicos focais, edema ce-
tineiro, inclusive no dia da aplicação de rebral, efeito de massa e papiledema. De-
ECT, e ela deve ser tomada pela manhã, vem ser avaliados por neurocirurgião pa-
com pequeno volume de líquido, o míni- ra definição do melhor momento para a
Depressão

intervenção cirúrgica para exérese do tu- Aneurismas cerebrais não contrain-


mor (antes ou depois da ECD. A lesão ex- dicam a ECT, mas exigem estratégias que
pansiva com aumento da pressão intra- evitem o aumento da pressão arterial (be-
craniana já foi tida como contraindicação tabloqueadores), para evitar seu rompi-
absoluta à ECT, mas a análise da relação mento durante o procedimento.
custo-benefício de cada caso é soberana
para essa decisão.
Epilépticos não devem suspender o FLUXOGRAMA DA
uso dos anticonvulsivantes antes da ECT, ELETROCONVULSOTERAPIA2
como o devem fazer os não epilépticos
que usam benzodiazepínicos ou estabili- A seguir, é apresentado um exemplo de
zadores do humor com ação anticonvul- fluxograma de ECT (Figura 19.1), adota-
sivante. do em serviços especializados e sugerido
Convulsões prolongadas que se ca- por órgãos regulatórios nacionais e inter-
• •
racterizem em status epilepticus devem ser nac1ona1s.
abordadas com protocolo próprio, o mais
breve possível, antes que haja falência dos
mecanismos fisiológicos compensatórios. TERMO DE CONSENTIMENTO
A evolução do quadro, após 30 minutos LIVRE EESCLARECIDO (TCLE)
de convulsão, não é benigna e leva a hi-
potensão arterial importante com redução A prudência dita que todo procedimento
do fluxo sanguíneo cerebral e provável le- médico deve ser antecedido por documen-
são metabólica ou isquêmica. Trata-se de to que esclareça a sua natureza, seus ris-
• A • A •
1ntercorrenc1a grave, uma emergenc1a cos e possíveis eventos adversos. Cada ser-
neurológica, e seu tratamento deve an- viço deve montar o seu modelo de TCLE,
tecipar o diagnóstico. A hidantoinização onde serão previstas as complicações pas-
é a medida mais promissora e, de modo síveis de ocorrência, o número de sessões
geral, consegue reverter o quadro em 20 a serem realizadas, o nome e o registro no
minutos. Pode ser necessária a infusão de Conselho Regional de Medicina de todos
diuréticos osmóticos e corticoides para os médicos da equipe (psiquiatra, aneste-
evitar que edema cerebral se instale em sista, cardiologista e intensivista, se neces-
decorrência das convulsões subentrantes. sário) e o aval explícito do paciente. Esse
Pacientes anticoagulados (safena- documento deve ser mantido no prontuá-
dos, portadores de fibrilação atrial, porta- rio do paciente. Este poderá receber uma
dores de stents ou próteses valvulares, de via devidamente datada e assinada por to-
trombose venosa, etc.) devem ser moni- da a equipe, caso seja de seu interesse.
torados periodicamente, por meio da ati-
vidade de protrombina com international
normalized ratio (RNI) ou partial throm- TERMO DE RESPONSABILIDADE PARA
boplastin time (PTT), durante o curso -
INTERRUPÇAO DO TRATAMENTO (TRIT)
da ECT, e os antiplaquetários devem ser
mantidos. Aos moldes do TCLE, esse documento regis-
Pacientes portadores de insuficiência tra a vontade e a decisão do paciente de in-
cardíaca congestiva (ICC) devem ser esta- terromper o tratamento, em qualquer épo-
bilizados antes do início da ECT. ca. Também deve ser mantido no prontuário
Ouevedo & Silva (orgs.)

Indicação para ECT

Aval iação Exames Exames


cardiológ ica laboratoriais de imagem
!,~~~~~~~~~~~+--~~~~~~~~~----'

Liberação para ECT


Consentimento
livre e esclarecido
Orientação

Jejum

Medicamentos

Preparação
- Higiene to rácica e frontotemporal
- Colocação de eletrodos para ECG e EEG
- Oxímetro e ca rdioscópio

Anestesia

Passagem
do estímulo

Recuperação sem Complicações Complicações


.1ntercorrenc1a
" . cardíacas respirat órias

Medicação
de rotina
Conduta devida

Sono pós-ictal

Alta
Figura 19.1
Fluxogram a da eletroconvulsoterapia.
Depressão

do paciente e uma cópia deve ser oferecida pertado o interesse da pesquisa. Na última
a este quando for do interesse das partes. década, houve um grande volume de publi-
cações favoráveis a ela, acompanhando os
avanços das neurociências. Também tem si-
ASPECTOS ÉTICO-LEGAIS do alvo do interesse científico em função da
limitação do alcance dos antidepressivos e
Como procedimento médico, a ECT está antipsicóticos de última geração.
respaldada por Resolução do Conselho Fe- Equipamentos de maior complexida-
deral de Medicina (CFM), que deve ser o de, que per111item a individualização do
norte para os serviços especializados. A se- procedimento e oferecem maior seguran-
guir, é apresentada, em sua íntegra, a Re- ça, eficácia e tolerabilidade, têm aberto
solução 1640 do CFM, de 1O de julho de grandes horizontes. Seus resultados são
2002, 4 publicada no Diário Oficial da União. inquestionáveis, sendo que ocupa posi-
ção de destaque na prática médica e nos
. . ., .
meios un1vers1tar1os.
-
CONCLUSAO Apesar da persistência de algumas
dúvidas a respeito do exato mecanismo
A ECT foi mal utilizada no passado, geran- de ação da ECT, sabe-se que há uma nova
do preconceito tanto no meio médico co- regulação da atividade cerebral em con-
mo no não médico, especialmente nos anos dições de maior normalidade fisiológica,
1970. Ainda é subutilizada, mas tem des- sem provocar dano neuronal.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA


~

RESOLUÇAO N". 1.640, DE 10 DE JULHO DE 2002


Diário Oficial da União; Poder Executivo, Brasília, DF, n. 153, 9 ago. 2002. Seção 1, p. 185
Dispõe sobre a eletroconvulsoterapia e dá outras providências.
O Conselho Federal de Medicina no uso das atribuições que lhe confere a Lei nº 3.268, de 30 se-
tembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº. 44.405, de 19 de julho de 1958, e
CONSIDERANDO que a Lei nº. 10.216, de 6 de abril de 2001, assegura os direitos e a proteção das
pessoas acometidas de transtorno mental sem qualquer forma de discriminação;
CONSIDERANDO que as Resoluções CFM nº. 1.408, de 8 de junho de 1994, e nº 1.598, de 9 de
agosto de 2000, versam sobre a assistência aos pacientes psiquiátricos e visam salvaguardar os
princípios ético-profissionais no atendimento aos portadores de transtornos mentais;
CONSIDERANDO que a Resolução CFM nº. 1.627, de 23 de outubro de 2001, define o ato profis-
sional do médico;
CONSIDERANDO as Resoluções CFM nº. 1.363, de 22 de março de 1993, e nº. 1.409, de 14 de
junho de 1994, que normatizam, respectivamente, os procedimentos exercidos pelos médicos
anestesiologistas e pelos médicos que praticam atos cirúrgicos e/ou endoscópicos em regime
ambulatorial;
CONSIDERANDO
, a Resolução CFM nº. 1.246, de 8 de janeiro de 1988, que aprova o Código de
Etica Médica;
CONSIDERANDO o Parecer CFM nº. 43/2001, de 21 de novembro de 2001, acerca do Projeto de
Lei nº. 4.901/2001, de autoria do Senhor deputado federal Marcos Rolim, que propõe a regula-
mentação restritiva da eletroconvulsoterapia e dá outras providências;
CONSIDERANDO a necessidade de se instituir normas relativas ao procedimento da eletrocon-
vulsoterapia, estabelecendo indicações e condições técnicas em que deve ser realizado;
Ouevedo & Silva (orgs.)

CONSIDERANDO o que foi decidido pela Câmara Técnica de Psiquiatria e aprovado em Sessão
Plenária do Conselho Federal de Medicina, realizada em 10.7.02; resolve:
Art.1° - A eletroconvulsoterapia (ECT), como método terapêutico eficaz, seguro, internacional-
mente reconhecido e aceito, deve ser realizada em ambiente hospitalar.
Art. 2° - O emprego da eletroconvulsoterapia é um ato médico, o que faz com que sua indica-
ção, realização e acompanhamento sejam de responsabilidade dos profissionais médicos que de-
la participarem.
Art. 3° - O consentimento informado deverá ser obtido do paciente, por escrito, antes do início
do tratamento.
Parágrafo primeiro - Nas situações em que o paciente não apresentar condições mentais e/ou
etárias necessárias para fornecer o consentimento informado, este poderá ser obtido junto aos fa-
miliares ou responsáveis pelo mesmo.
Parágrafo segundo - Nas situações em que não houver possibilidade de se obter o consentimen-
to informado junto ao paciente, sua família ou responsável, o médico que indicar e/ou realizar o
procedimento tornar-se-á responsável pelo mesmo, devendo reportar-se ao diretor técnico da
instituição e registrar o procedimento no prontuário médico.
Art. 4° - O médico investido na função de direção deverá assegurar as condições necessárias e
suficientes para a realização do procedimento, tais como: instalações físicas, recursos humanos,
aparelhagem e equipamentos tecnicamente adequados.
Art. 5° - A avaliação do estado clínico do paciente antes da eletroconvulsoterapia é obrigatória,
em especial as condições cardiovasculares, respiratórias, neurológicas, osteoarticulares e odon-
tológicas.
Art 6° - A eletroconvulsoterapia só poderá ser realizada sob procedimento anestésico seguindo
as orientações constantes na Resolução CFM nº. 1.363/93.
Art. 7° - O tratamento só poderá ser realizado em local que assegure a privacidade.
Art. 8° - Os aparelhos de ECT a serem utilizados deverão ser, preferencialmente, máquinas de
corrente de pulsos breves e com dispositivo de ajuste da corrente.
Parágrafo único -As máquinas de corrente de ondas sinusoidais e com dispositivos de ajuste da
voltagem deverão ser progressivamente substituídas pelas supracitadas.
Art. 9° - A eletroconvulsoterapia tem indicações precisas e específicas, não se tratando, por con-
seguinte, de terapêutica de exceção.
Parágrafo primeiro - Suas principais indicações são: depressão maior unipolar e bipolar; mania
(em especial, episódios mistos e psicóticos); certas formas de esquizofrenia (em particular, a for-
ma catatônica), certas formas agudas e produtivas resistentes aos neurolépticos atuais; transtor-
no esquizoafetivo; certas condições mentais secundárias às condições clínicas (estados confusio-
nais e catatônicos secundários a doenças tóxicas e metabólicas); certas formas de doença de Pa-
rkinson; pacientes que apresentam impossibilidade do uso de terapêutica psicofarmacológica.
Parágrafo segundo - O uso da eletroconvulsoterapia em crianças e adolescentes até 16 anos de-
verá ser evitado, salvo em condições excepcionais.
Art. 70 - Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE


Presidente do Conselho
RUBENS DOS SANTOS SILVA
Secretário-Geral

Fonte: Conselho Federal de Medicina.4


Depressão

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Mercêdes J. O. Alves
Antônio Geraldo da Silva

INTRODUÇÃO bobina aplicada diretamente sobre o es-


calpo do paciente.
A estimulação magnética transcraniana Ao contrário da eletroconvulsotera-
(EMD é uma nova tecnologia para abor- pia (ECT), desde que respeitadas as nor-
dagem e tratamento de transtornos neu- mas de segurança, essa técnica não causa
ropsiquiátricos que permite a exploração, convulsões e não exige hospitalização ou
a ativação ou a inibição das funções cere- anestesia. O propósito da ECT é a indução
brais de maneira segura, específica, não de convulsão controlada, tida como tera-
invasiva e indolor. Mostra-se um impor- pêutica, e foi desenvolvida em substitui-
tante e promissor instrumento terapêuti- ção à cânfora e ao cardiazol. Já a estimula-
co principalmente para as depressões de ção ou a inibição provocada em deter1nina-
quaisquer etiologias, 1 como sugerem as das áreas corticais pela EMT ocasionariam
evidências atuais. 2 efeitos reguladores ou moduladores. A
Foi e continua sendo aplicada de ma- magnetoconvulsoterapia, por sua vez, ain-
neira experimental em diversas situações da em estudo, é uma técnica que promo-
clínicas. Há vários estudos em andamen- ve as convulsões pelo estímulo magnético
to visando seu uso em outras patologias em frequência bastante elevada (200 Hz).
psiquiátricas (p. ex., transtorno obsessivo- A EMT foi validada como ato médico
-compulsivo, estresse pós-traumático, de- pela Câmara Técnica de Psiquiatria do Con-
pendência química, transtorno de pânico, selho Federal de Medicina em outubro de
etc.) e neurológicas (p. ex., doença de Pa- 2010. Está aprovada pela Agência Nacional
rkinson, esclerose múltipla, tran.s tornos de Vigilância Sanitária (ANVISA) 3 e pelo
dolorosos crônicos, enxaqueca, tinnitus, órgão regulatório norte-americano Food
distonias e acinesias motoras decorrentes and Drug Administration (FDA) 4 para o
de acidentes vasculares cerebrais). Os re- tratamento de depressão, zumbido nas
sultados têm sido encorajadores. 1 orelhas, alucinações auditivas, dor crô-
A EMT é realizada com equipamento nica e mapeamento cerebral para cirur-
capaz de produzir campo eletromagnéti- gias cerebrais. Em 22 de março de 2012,
co da ordem de dois teslas (40 mil vezes o o Conselho Federal de Medicina5 reco-
campo magnético da Terra), por meio de nheceu a EMT superficial como ato mé-
Ouevedo & Silva (orgs.)

dica privativo e cientificamente válido pa- esses fenômenos, atualmente chamados


ra utilização na prática médica nacional, "megatofosfenos'', quando da exposição a
com indicação para depressões uni e bi- um campo magnético aplicado sobre a ca-
polar, alucinações auditivas nas esquizo- beça (estimulação direta da retina). 1
frenias e planejamento de neurocirurgia. Em 1965, Bickford e colaboradores
E manteve a EMT superficial para outras inauguraram a era moderna da estimula-
indicações, bem como a EMT profunda, ção, provocando contrações do músculo
como procedimento experimental. A EMT esquelético em rãs, coelhos e voluntários
é, portanto, um tratamento médico com humanos, usando campo magnético apli-
comprovação científica de eficácia. cado em pulsos únicos. Em 1974, Barker
Nos últimos cinco anos, o Institu- introduziu a EMT usada para fins diag-
to de Psiquiatria da Universidade de São nósticos, e em 1990 deu-se início ao seu
Paulo (USP) tratou com EMT cerca de 3 uso clínico para alívio da acinesia em pa-
mil pacientes com depressão, com boa cientes com doença de Parkinson. 7,s A
resposta em 80% dos casos. equipe de Pascual-Leoni, em 1994, publi-
Essa tecnologia tem sido utilizada cou observações sobre a melhora do hu-
para mapeamento cerebral durante cirur- mor, além da melhora motora, em pacien-
gias neurológicas, para esclarecimento da tes com Parkinson. 8 Mais tarde, em 1993,
funcionalidade de áreas corticais danifi- 1994 e 1995, vários autores descreveram
cadas por tumores ou acidentes vascula- a melhora do humor em pacientes com
res cerebrais e no alívio da dor e espas- depressão. George e colaboradores9 mos-
mos musculares das doenças degenerati- traram, em 1995, que a estimulação de
vas cerebrais. A EMT passou a ser usada alta frequência sobre o córtex pré-frontal
pela neurologia como método diagnósti- esquerdo melhorou os sintomas depres-
co e terapêutico, em substituição ao estí- . . . . '
sivos em seis pacientes resistentes a te-
mulo elétrico direto, por avaliar o tempo rapêutica com medicações e, o mais im-
de transmissão nos tratos musculares sem portante, em um desses pacientes os efei-
causar dor. tos clínicos da EMT estavam associados à
normalização do hipometabolismo pré-
-frontal, como demonstrado pela tomo-
HISTÓRICO grafia por emissão de pósitrons (PET). 10-
12 A evidência atual sugere um efeito anti-
Em 1831, Michael Faraday postulou so- depressivo relevante. 6
bre a transformação da energia elétrica
em campo magnético e vice-versa (lei de
Faraday). Em 1896, D'Arsonval, médico e MAGNETISMO EELETRICIDADE
físico, fez a primeira estimulação magné-
tica do sistema nervoso e relatou a per- O eletromagnetismo consiste na produção
cepção de fosfenos - termo utilizado pa- de campos magnéticos por meio da movi-
ra descrever flashes de luz - pelo paciente, mentação de cargas elétricas e é um fe-
quando este recebeu o estímulo magnéti- nômeno simples. Campos magnéticos al-
co sobre sua cabeça. 6 Naquela ocasião, in- ternados são facilmente produzidos por
. , .
vestigavam-se os passiveis e preocupantes meio de uma corrente elétrica variável. A
efeitos danosos ao organismo provocados bobina primária de um transfor1nador é
pela eletricidade e pelo campo magnéti- um exemplo. A corrente primária na bo-
co. Beer, em 1902, e vários outros auto- bina induz uma corrente secundária no
res, entre 1910 e 1914, voltaram a relatar meio a que se destina. Essa corrente se-
Depressão
,
cundária é paralela, mas oposta, à primá- TECNICA
ria. As correntes elétricas resultantes da
EMT podem ser localizadas. A EMT é aplicada passando-se uma cor-
Os campos magnéticos passam facil- rente elétrica variável no tempo por meio
mente através de isoladores como os os- de uma bobina mantida em contato com a
sos; dessa forma, a corrente induzida den- cabeça. Pode ser de repetição (EMTr), de
tro do crânio por um eletromagneto pode pulso único (EMTp) e de pulsos pareados
ser restrita a uma pequena área. A EMT (EMTpp), ou estimulação de trens de pul-
é justamente a técnica de indução de pe- so (EMTt). A primeira desenvolvida foi a
quenas correntes corticais utilizando um EMTp, mais utilizada para o estudo das
eletromagneto de pulso. vias motoras.
O eletromagnetismo permite um sal- Um estímulo aplicado na área moto-
to através do crânio. Assim, uma bobi- ra primária produz movimento involuntá-
na em for1na de oito, que na verdade são rio de músculos contralaterais, correspon-
duas bobinas circulares separadas, colo- dentes ao conhecido homúnculo de Pen-
cadas lado a lado, aumenta a capacidade field. A menor intensidade de estímulo
de localizar o estímulo. A força do cam- capaz de provocar potencial motor evoca-
po magnético é duplicada no ponto de do (PME) dos músculos-alvo é conhecida
convergência entre essas bobinas. O cam- como "limiar motor'' (LM).
po magnético resultante passa através do A EMTr consiste na emissão de pul-
crânio e induz uma pequena corrente se- sos repetitivos de frequência variável, po-
cundária no córtex, que pode despolari- dendo inibir ou aumentar a excitabilida-
zar os neurônios corticais edependendo de neuronal da área cortical abordada. A
da força da corrente induzida) .13 EMTr de alta frequência (maior que 1 Hz)
A forma da bobina deter111ina as ca- é chamada ''rápida'', e a de baixa frequên-
racterísticas do campo magnético, que, cia (menor que 1 Hz) é chamada ''len-
por sua vez, influenciam na distribuição ta''.16 O uso da EMTr de alta frequência
da corrente secundária. Uma corrente aumenta o fluxo sanguíneo cerebral, me-
cortical amplamente distribuída é produ- dido por meio de PET, associado a aumen-
zida por uma bobina plana; um foco mais to da atividade cerebral. 17 A estimulação
localizado pode ser conseguido com uma de baixa frequência, por sua vez, diminui
bobina em forma de oito. 14 a atividade cerebral. 18
Os equipamentos disponíveis atual- A EMTpp, ou EMTt, consiste na emis-
mente promovem uma despolarização en- são de dois ou mais pulsos pareados, is-
tre 19 e 23 mm abaixo da face da bobi- to é, com pequeno intervalo de tempo en-
na, na junção da substância branca com tre eles.
a substância cinzenta do cérebro. 15 Esses É necessária a localização da área
equipamentos de estimulação magnéti- motora para deter1ninação do LM. Pa-
ca de repetição com alta frequência têm ra tanto, busca-se a área do córtex motor
sistemas de suprimento com maior poder correspondente ao músculo abdutor curto
que per1nitem frequências de até 50 Hz, do dedo polegar contralateral, por meio
produzindo diferenças qualitativas nos de estímulos únicos (EMTp) de intensida-
efeitos que podem ser obtidos. Os equipa- de variável. Localizado o vértex do crânio,
mentos antigos tinham grande limitação e que está no cruzamento do ponto médio
só eram capazes de gerar frequência com entre o násion e o ínion (entre a base do
menos de 1 Hz, em função do tempo re- nariz e a proeminência occipital) com o
querido para acumular carga suficiente. ponto médio entre os dois meatos acústi-
Ouevedo & Silva (orgs.)

cos, direito e esquerdo. A 5 cm do vértex, O número de aplicações depende do


em direção aos meatos acústicos, estão os diagnóstico, da gravidade, da refratarie-
córtices motores direito e esquerdo cor- dade e da cronicidade do quadro. São pre-
respondentes à área desejada dos polega- conizadas, em geral, de 1O a 30 sessões
res. Essas medidas são de probabilidade, em dias subsequentes para a depressão,
portanto a área motora pretendida deve com duração de 10 a 17 minutos cada. 20
ser procurada com pulsos únicos (EMTp) O número de séries (trens) por dia é va-
no ponto determinado por elas e ao redor riável, geralmente sendo utilizados de 20
dele. 1' 2' 6 A menor intensidade de estímulo a 30. Como não há consenso, o critério clí-
capaz de provocar a menor resposta mo- nico deve ser considerado no tratamento
tora do músculo abdutor curto do polegar individual. 1
será considerada o LM, que servirá de re- A neuronavegação é recurso ainda
ferência individual para a intensidade das pouco utilizado na clínica em função do
aplicações da carga magnética durante o custo. Trata-se da obtenção de imagens di-
tratamento. 19 gitais em três dimensões do encéfalo. O
No caso da depressão, a marcação software é carregado com a ressonância
da área a ser estimulada à esquerda (cór- magnética do paciente, per111itindo que a
tex pré-frontal dorsolateral esquerdo - área a ser estimulada ou inibida seja mos-
CPFDLE) ou inibida à direita (córtex pré- trada na tela do computador. A neuronave-
-frontal dorsolateral direito - CPFDLD) é gação per1nite reduzir a imprecisão no en-
feita a partir do hot spot ou ponto do pole- contro da área a ser estimulada ou inibida.
gar definido no córtex motor ede 5 a 7 cm
do hot spot em direção à região frontal,
paralelamente à linha sagital craniana). O
-
INDICAÇOES
córtex pré-frontal possui alguns centíme-
tros de extensão e não há definição exata Neurológicas1•21
sobre qual sub-região deva ser considera-
da o alvo. 2 • acidente vascular cerebral (AVC)
A bobina deverá estar angulada a • afasia
45° em relação aos planos horizontal e • zumbidos
vertical, direcionada à região frontal. • doença de Parkinson
Os pulsos únicos de baixa frequên- • distonia
cia (até 1 Hz) são usados para a inibição • esclerose lateral amiotrófica
cortical e aplicados também em casos de • epilepsia
alucinação auditiva, zumbidos e transtor- • enxaqueca
no obsessivo-compulsivo (em outras áre- • disfasia
as-alvo), assim como na mania e na de- • membro fantasma
pressão, no caso da inibição do CPFDLD. 1 • transtornos dolorosos crônicos (nevral-
Os pulsos repetitivos de alta frequên- gia do trigêmeo)
cia (de 1 a 10 Hz) são usados para a esti-
mulação cortical (máximo de 1.500 pul-
sos por dia, embora haja literatura que 1
Psiquiátricas •21
respalde o uso de até 5 mil por dia) e têm
indicação nos quadros depressivos, de an- • depressão uni e bipolar
siedade e insônias resistentes. •
• mania
Depressão

, , .
• estresse pos-traumat1co de preenchimento rápido, montado com
• transtorno obsessivo-compulsivo perguntas simples como: ''Você tem dores
• alucinações auditivas de cabeça?'', 'já teve alguma convulsão?'',
• transtorno de pânico 'já se submeteu a cirurgia neurológica?'',
• síndrome de Tourette "Possui algum metal na cabeça?'', 1 "Usa
• quadros de ansiedade e clemenciais alguma medicação?'', "Possui neuroesti-
mulador implantado?'' e ''Tem implante
coclear?''.
Por restrições medicamentosas1•2
,
• gravidez e lactação EFICACIA
• insuficiências hepática, renal e cardíaca
• efeitos colaterais dos antidepressivos A eficácia antidepressiva da EMT vem
(ganho de peso, comprometimento da sendo demonstrada há anos. Há muitos
função cognitiva, diminuição da libido estudos relevantes para o tratamento da
e insônia) depressão em animais. Fleischmann eco-
• pacientes imunossuprimidos e oncoló- laboradores,23 em 1995, já comparavam

gicos os efeitos da EMT e da ECT em modelos
• idosos polimedicados animais de depressão, incluindo o teste
de natação de Porsolt. Esse teste mede a
flutuação e o comportamento ativo de ra-
Contraindicações tos colocados em uma piscina. A redução
da imobilidade sugere efeito desinibitório
As poucas contraindicações existentes es- e atividade antidepressiva. Esses autores
tão relacionadas à força magnética pro- constataram aumento da estereotipia pro-
duzida para o estímulo cerebral. Assim, a vocada pela apomorfina (p. ex., diminui-
presença de objeto metálico em qualquer ção do repouso, aumento da locomoção,
região cerebral (clipe cirúrgico, projétil, movimentos repetidos e postura de aler-
etc.) contraindica a EMT, porque esses ob- ta) e redução da imobilidade no teste de
jetos poderiam ser mobilizados de forma natação de Porsolt Encontraram, também,
perigosa e sem controle. que a EMT e a ECT tinham resultados se-
Pacientes portadores de marca-pas- melhantes. 24
sos cardíacos ou em tratamento com bom- Outros estudos em roedores pro-
bas de infusão medicamentosa estão im- duziram efeitos similares nas monoami-
pedidos de se submeterem à EMT. O im- nas cerebrais e em receptores ~-adrenér­
plante coclear induz corrente mesmo gicos. A EMT mostrou-se capaz de in-
quando desligado, portanto, contraindi- fluenciar os receptores de serotonina e
ca a EMT. N-metil-D-aspartato (NMDA). 25 Autores
Diante do relato na literatura da alemães demonstraram que a EMT me-
ocorrência de convulsões durante apli- diava um efeito neuroprotetor contra a
cação dos estímulos magnéticos, 22 é pru- morte neuronal oxidativa em camun-
dente que o paciente informe sobre doen- dongos. Demonstraram também que a
ças e ocorrências sugestivas de afecções EMT aumentava o fator neurotrófico de-
neurológicas. Para tanto, o paciente po- rivado do cérebro (BNDF), assim como
de ser auxiliado por meio de formulário do RNAm de BNDF. 26
Ouevedo & Silva (orgs.)

Os estudos com animais indicam que humor e na depressão), além de ser área
a EMT tem a capacidade de influenciar o de fácil acesso para a bobina de aplicação
comportamento e a bioquímica, incluindo dos estímulos. 1
a regulação da expressão genética, de for- Estudos de imagem funcional de pa-
ma semelhante àquela da ECT e dos anti- cientes com depressão unipolar mostram
depressivos. 27 que a atividade da região pré-frontal, es-
A utilização terapêutica da EMT na pecialmente a esquerda, está diminuída e
psiquiatria baseia-se na hipótese de que tem uma relação linear com a gravidade
haja áreas corticais com atividade neuro- do quadro depressivo (quanto mais grave
nal reduzida ou aumentada em patologias a depressão, menor a atividade cerebral
mentais, confor111e estudos de neuroima- encontrada na região pré-frontal). Já os
gem têm mostrado, que, por sua vez, po- pacientes com depressão bipolar podem
deriam ser normalizadas pelos efeitos ex- apresentar aumento da atividade do lobo
citatórias ou inibitórios das diversas fre- temporal, não seguindo o padrão da de-
quências de estimulação. Há também a pressão unipolar.
hipótese da lateralidade, que postula di- Um estudo de Grunhaus e colabo-
minuição da atividade neuronal pré-fron- radores28 compara os resultados da EMT
tal esquerda na depressão e diminuição com os da ECT em pacientes com depres-
da atividade neuronal pré-frontal direita são sem sintomas psicóticos, mostrando
na mania. 9 eficácia semelhante entre os dois méto-
Os efeitos antidepressivos da EMTr dos. Foram incluídos 40 pacientes que ha-
seriam dependentes da região estimula- viam recebido indicação para ECT. A ECT
da e da frequência utilizada. As evidên- foi executada de acordo com protocolos
cias encontradas atualmente em estudos estabelecidos. A EMT repetitiva foi execu-
controlados indicam que a EMTr de alta tada sobre o CPFDLE. Os pacientes rece-
frequência no CPFDLE e a EMTr de baixa beram 20 sessões (cinco vezes por sema-
frequência no CPFDLD produzem resulta- na por quatro semanas) com 10 Hz (1.200
dos antidepressivos semelhantes. pulsos por tratamento-dia) a 900/o do LM.
O efeito do estímulo, embora apli- A resposta para tratamento estava definida
cado de maneira focal, altera a atividade como uma diminuição de pelo menos SOO/o
de outras estruturas cerebrais por meio de na Escala Hamilton (HRSD), e um escore
efeitos transinápticos. Para maior compre- HRSD final igual ou menor que 1O pontos.
ensão da abrangência da área estimulada, A taxa de resposta global foi de 580/o (23
é relevante notar que o córtex pré-frontal entre 40 pacientes responderam ao trata-
dorsolateral, está localizado no giro fron- mento). No grupo de ECT, 12 responde-
tal médio. E a última área do cérebro a ser ram e 8 não; no grupo de EMTr, 11 respon-
mielinizada e tem a dopamina como prin- deram e 9 não. Assim, pacientes responde-
cipal neurotransmissor. Está conectado ao ram tão bem à ECT como à EMTr.
córtex orbitofrontal, ao tálamo, ao núcleo Ji e colaboradores, 29 em 1998, com-
caudado (gânglios da base), ao hipocam- pararam EMTr a 25 Hz e ECT em ratos e
po
, e às áreas de associação do neocórtex. comprovaram que ambas produziram au-
E compreensível que a região pré-frontal mento da expressão genética precoce ime-
seja a mais estudada para o tratamento da diata em padrões diferentes. A EMTr au-
depressão, por estar conectada às estrutu- mentou a expressão do RNAm de c-fos no
ras límbicas (implicadas na modulação do núcleo paraventricular do tálamo e em re-
Depressão

giões relacionadas com a regularização tam para uma relação distinta entre o
do ciclo circadiano; e a ECT aumentou o BDNF e o sistema serotonérgico. 34
RNAm de s-fos no cérebro, especialmente Há aumento do tumover da dopami-
no hipocampo e no neocórtex. Ambos os na no córtex pré-frontal apenas 1O segun-
procedimentos (EMTr e ECT) aumentam dos após EMT única. A serotonina e o ácido
o limiar convulsivo. 1 hidroxi-indolacético (5-HIM) apresentam-
A EMT atrasa o início do sono REM -se aumentados apenas no hipocampo. 35
em pessoas normais e sabe-se que a re- A estimulação com 5 a 20 Hz da área
dução da latência do sono REM é um dos pré-frontal esquerda provoca aumento sig-
mais robustos marcadores da depressão. nificativo de TSH, enquanto o hor111ônio
A EMT aumenta significativamente o flu- luteinizante (LH), o folículo-estimulante
xo sanguíneo cerebral regional (regional (FSH), o adrenocorticotrófico (ACTH) e a
cerebral blood flow - rCBF) do giro cingu- prolactina per1nanecem inalterados. 9
lado anterior esquerdo em indivíduos de- A EMT crônica promove aumento
primidos quando a bobina é colocada so- significativo dos receptores ~-adrenérgicos
bre o córtex pré-frontal. 30 Sabe-se tam- corticais (up regulation), reduz os recepto-
bém que o rCBF reduzido no cingulado e res serotonérgicos 5HT2 do córtex frontal
nas estruturas límbicas associadas é uma (down regulation), aumenta os receptores
característica da depressão. 5-HT1A no córtex frontal e cingulado e au-
A evidência de ação antidepressiva menta os receptores N-metil-D-aspartato
da EMT de alta frequência vem de um nú- no hipotálamo ventromedial, na amígdala
mero considerável de estudos abertos31 e basolateral e no córtex parietal. 36
controlados. Após 10 dias, a EMT promove au-
Há evidências de que a EMT possa mento intenso do RNAm da proteína glial
provocar virada maníaca em pacientes de- fibrilar ácida (GFAP) no giro denteado hi-
primidos. Em 2001 foram reportados dois pocampal e aumento modesto no córtex. 36
casos por Dolberg e colaboradores. 32
Em 2006, Zanardini e colaborado-
res33 encontraram níveis de BNDF inal- SEGURANÇA EEFEITOS COLATERAIS
terados após EMTr em voluntários sa-
dios e um aumento significativo de sua Em 7 de março de 2008, em Certosa di Pon-
concentração plasmática , após EMTr em tignano, Siena, Itália, ocorreu uma confe-
pacientes deprimidos. E possível que a rência de consenso37 destinada a atualizar
EMT promova um efeito de longo prazo, as diretrizes de segurança para aplicação de
em vez de uma mudança aguda desta EMT com base em pesquisas clínicas.
neurotrofina. Outra explicação seria que Na última década, as comunidades
não ocorrem alterações das concentra- científica e médica tiveram a oportunida-
ções plasmáticas de BDNF em indivídu- de de avaliar o registro de segurança de
os saudáveis, mas apenas naqueles com pesquisas e aplicações clínicas de EMTr.
depressão. Nesses anos, a EMT cresceu de for111a im-
Um estudo recente demonstra que a pressionante e criaram-se novos para-
EMT aguda de áreas corticais pré-frontais digmas de padrões repetitivos. Os avan-
modula aspectos do metabolismo de trip- ços técnicos levaram a projetos de equi-
tofano 5-HT em áreas límbicas em indiví- pamentos e integração em tempo real de
duos saudáveis, e várias conclusões apon- EMT e eletroencefalografia (EEG), tomo-
Ouevedo & Silva (orgs.)

grafia por emissão de prótons (PED e Também houve evidências de latera-


ressonância magnética funcional (IRMf). lidade sobre o sistema imune, sendo que
Além disso, milhares de indivíduos sau- a estimulação do lado esquerdo aumenta
dáveis, bem como portadores de várias e do lado direito diminui os linfócitos cir-
doenças neurológicas e psiquiátricas, fo- culantes.
ram submetidos à EMT, per1nitindo me- Exames de imagem revelaram pro-
lhor avaliação dos riscos relativos. O efei- vas inequívocas de plasticidade neuronal
to colateral mais grave, agudo e mais te- bastante rápida.
mido é a ocorrência de convulsão, porém Houve relato de diminuição da rea-
esta tem sido muito rara. Até o momen- ção vasomotora da artéria cerebral média
to existem 16 casos relatados na literatura em pacientes com AVC. 38
mundial, e a maioria relaciona-se com o A EMT pode provocar sintomas psi-
uso de drogas que rebaixam o limiar con- cóticos, ansiedade, agitação, ideação sui-
vulsivo ou que estão fora dos padrões pro- cida e insônia.
tocolares convencionais. Particular1nente pertinente aos pro-
Foram registrados 1O casos de ges- tocolos de EMT em sessões terapêuticas
tantes que receberam 20 sessões de 1 Hz é a questão da possibilidade de efeitos
no CPFDLD, com um total de 6.000 pul- cumulativos em sessões diárias. Em estu-
sos, em que sete responderam e não hou- dos experimentais em gatos foi compro-
ve qualquer complicação. vado, e é possível que em humanos tam-
Foram pesquisados mais de 80 estu- bém o seja.
dos publicados com 800 crianças saudá- Foram feitas recomendações basea-
veis e 30 com doença neurológica, rece- das principalmente nos dados publicados.
bendo pulsos simples ou pareados, sem As Tabelas 20.1 e 20.2 mostram os dados
qualquer complicação relatada. de segurança consolidados. 37
Confirmou-se o aumento da dopa- Durante a conferência, foi feita a co-
mina no hipocampo e no núcleo cauda- municação, por Y. Ugawa, de que, no Ja-
do após estimulação frontal, e aumen- pão, foram aplicados até 5.000 pulsos,
to do glutamato e da glutamina no local com 900/o do LM sem problemas de segu-
da aplicação e contralateralmente, e, no rança (novamente entendida como apre-
giro do cíngulo, homolateralmente. Teo- ensão) ou outros efeitos colaterais. 37
ricamente, esses efeitos agudos no sis-
tema dopaminérgico podem induzir al-
guns efeitos benéficos nos sintomas da ASPECTOS ÉTICO-LEGAIS
doença de Parkinson.
Não houve evidência de dano neu- O Consentimento Livre e Esclarecido deve
ronal. ser colhido e passar a compor o prontuá-
Foram compilados 13 casos de vira- rio do paciente, assim como o Termo de
da maníaca. Interrupção de Tratamento.
Depressão

Como procedimento médico, a EMT seguir, é apresentada, na íntegra, a Re-


está respaldada por resolução do Conse- solução CFM nº 1986, de 22 de março
lho Federal de Medicina (CFM), que de- de 2012, 5 publicada no Diário Oficial da
ve nortear os serviços especializados. A União em 2 de maio de 2012.

Tabela 20.1
EMTr - Durações máximas seguras expressas em segundos
Durações máximas em segundos
% limiar motor

Hz 100o/o 110°/o 120% 130%

1 > 1.800 > 1.800 360 > 50 > 50


5 > 10 > 10 > 10 > 10 7,6
10 >5 >5 4,2 2,9 1,3
20 2,05 1,6 1,0 0,55 0,35
25 1,28 0,84 0,4 0,24 0,2

Fonte: Rossi e colaboradores. 37

Tabela 20.2
EMTr - Intervalos mínimos seguros expressos em segundos (s)
Intervalos mínimos
::: 110% LM > 110% LM
::: 20 Hz 5s 60 s
(Talvez menos: (Provavelmente menos)
definitivamente > 1 s)
> 20 Hz 60 s 60 s
(provavelmente menos) (provavelmente menos)

Fonte: Rossi e colaboradores. 37


Ouevedo & Silva (orgs.)

-
RESOLUÇAO CFM 1.986/2012
(Publicada no 0.0.U. de 02 de maio de 2012, Seção 1, p. 88)

Reconhecer a Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) superficial como ato médico privativo
e cientificamente válido para utilização na prática médica nacional, com indicação para depres-
sões uni e bipolar, alucinações auditivas nas esquizofrenias e planejamento de neurocirurgia. A
EMT superficial para outras indicações, bem como a EMT profunda, continua sendo um procedi-
mento experimental.
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições que lhe confere a Lei no 3.268, de
30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto no 44..045, de 19 de julho de 1958, altera-
da pela Lei no 11.000, de 15 de dezembro de 2004, e Decreto no 6.821, de 14 de abril de 2009, e
CONSIDERANDO a Lei no 10.216/01, de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os di-
reitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em
saúde mental;
CONSIDERANDO a necessidade da existência de normas brasileiras para a assistência psiquiátri-
ca aos portadores de transtornos mentais, consoantes com os padrões internacionais e que con-
templem a realidade assistencial nacional;
CONSIDERANDO a Resolução CFM no 1.952/10, na qual o Conselho Federal de Medicina adota
as Diretrizes para um Modelo de Assistência em Saúde Mental no Brasil, da Associação Brasilei-
ra de Psiquiatria;
CONSIDERANDO a Resolução CFM no 1.609/00, que estabelece que para serem reconhecidos co-
mo válidos e utilizáveis na prática médica nacional os procedimentos diagnósticos ou terapêuti-
cos deverão ser submetidos à aprovação do Conselho Federal de Medicina, mediante avaliação
feita pelas câmaras técnicas e homologada pelo plenário do CFM;
CONSIDERANDO a aprovação do Parecer CFM no 37/11, em sessão plenária de 6 de outubro de
2011;
CONSIDERANDO, finalmente, o decidido em sessão plenária de 22 de março de 2012,
RESOLVE:
Art. 1a. Reconhecer a Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) superficial como ato médico
válido para utilização na prática médica nacional, com indicação para depressões uni e bipolar,
alucinações auditivas nas esquizofrenias e planejamento de neurocirurgia.
Parágrafo único. Os parâmetros preconizados como seguros para as indicações acima discrimi-
nados são os seguintes:
a) Depressões
Frequência: 10 Hz;
Intensidade: 110% do limiar motor;
Tempo de duração das séries: 5 segundos;
Número de séries: 25;
Intervalo entre as séries: 25 segundos;
Número de dias de tratamento: 20 ou de acordo com avaliação;
Total de pulsos: 25.000;
Local de aplicação: córtex dorsolateral pré-frontal esquerdo
ou
Frequência: 5 Hz;
Intensidade: 120% do limiar motor;
Tempo de duração das séries: 10 segundos;
Número de séries: 25;
Intervalo entre as séries: 20 segundos;
Números de dias de tratamento: 20 ou de acordo com avaliação;
Total de pulsos: 25.000;
Depressão

Local de aplicação: córtex dorsolateral pré-frontal esquerdo


ou
Frequência: 1 Hz;
Intensidade: 80% a 100% do limiar motor;
Tempo de duração das séries: 20 minutos;
Número de séries: 1;
Intervalo entre as séries: não se aplica;
Números de dias de tratamento: 20 ou de acordo com avaliação;
Total de pulsos: 24.000;
Local de aplicação: córtex dorsolateral pré-frontal direito.
b) Alucinações auditivas
Frequência: 1 Hz;
Intensidade: 80% a 100% do limiar motor;
Tempo de duração das séries: 20 minutos;
Número de séries: 1;
Intervalo entre as séries: não se aplica;
Números de dias de tratamento: 1O ou de acordo com avaliação;
Total de pulsos: 12.000;
Local de aplicação: córtex temporoparietal esquerdo.
c) Planejamento neurocirúrgico

Uso exclusivo em serviços de excelência, universitários ou não, com ampla experiência em EMT
acoplada a sistemas específicos de neuronavegação.
Art. 2° A operação de aparelhos de EMT será realizada exclusivamente por médico.
Art. 3fl. O ambiente onde se realiza a EMT deve ser específico e dispor de condições para oferecer
assistência às possíveis complicações, entre elas as convulsões.
§ 1° Para o atendimento de emergência às possíveis complicações são necessários:

a) Equipamentos de emergência indispensáveis na sala de intercorrências


1. Ponto de oxigênio
2. Oxímetro de pulso
3. Máscara de Venturi
4. Máscara laríngea
5. Cânula nasal, máscara para macronebulização
6. Laringoscópio (cabo e, pelo menos, uma lâmina curva e uma lâmina reta)
7. Mandril
8. Tubos para intubação orotraqueal de diferentes tamanhos
9. Ambu
1O. Escalpes, jelcos, seringas e agulhas para administração de medicamentos
11. Esparadrapo
12. Aspirador (portátil)
13. Equipamentos de proteção individual (luvas, óculos etc.)
b) Medicações indispensáveis
1. Analgésicos
2. Diazepam injetável e oral
3. Fenobarbital injetável
4. Hidantal injetável
5. Midazolam injetável
6. Antiarrítmicos
7. Broncodilatadores
8. Soro fisiológico a 0,9%
9. Solução de glicose a 25% e 50%
Ouevedo & Silva (orgs.)

§ia.Garantir os meios de transporte e hospitais que disponham de recursos para atender a inter-
corrências graves que porventura possam acontecer.
Art. 4a. Manter como experimentais:
I - Estimulação Magnética Transcraniana superficial para outras indicações;
li - Estimulação Magnética Transcraniana profunda.
Art. 5º Os assentamentos em prontuário devem contemplar a história da doença atual, curva de
vida com antecedentes familiares, sociais, ocupacionais e pessoais, exame físico, exame mental,
conclusões com o diagnóstico e os fundamentos para a prescrição do procedimento, bem como
exames complementares quando solicitados. O prontuário também deverá trazer, assentados,
acidentes, intercorrência e aspectos evolutivos da terapêutica.
Art. 6t1 Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 22 de março de 2012


ROBERTO LUIZ D'A VILA HENRIQUE BATISTA E SILVA
Presidente Secretário-geral

Fonte: Conselho Federal de Medicina. 5

-
CONCLUSAO zador) e mantê-los para evitar recaída. Pa-
ra pacientes com depressões graves psicóti-
A EMTr é um procedimento desenvolvido cas, a ECT se mostra superior nos estudos.
e aprovado recentemente para várias pa-
tologias e situações clínicas. Seu uso é se-
guro, e a técnica vem sendo aperfeiçoa- REFERÊNCIAS
da. A eficácia é apoiada por revisões sis-
temáticas da literatura, embora ainda não 1. Alves MJO, Mol J, Daker, MY. Estimulação mag-
nética transcraniana. ln: Rocha FL, Hara C, Ra-
haja dados consistentes sobre a duração mos MG, editores. Refratariedade e situações
do efeito e sobre a necessidade de trata- clínicas de difícil abordagem em psiquiatria. Be-
mento de manutenção. Revela-se, assim, lo Horizonte: Folium; 2011 . p. 69-79.
um campo de investigação muito promis- 2. Rosa MA, Rosa MO. Estimulação magnética
sor, com benefícios clínicos em expansão. 1 transcraniana em psiquiatria: manual básico.
São Paulo: Daikoku; 2009.
Contudo, ainda é cedo para saber acu-
3. Brasil. Ministério da Saúde. ANVISA: Agência Na-
radamente todos os possíveis efeitos colate- cional de Vigilância Sanitária [Internet] . Brasília:
rais e os limites de uma exposição segura. MS; c2005-2009 [capturado em 12 ago 2012].
Efeitos cognitivos, por exemplo, foram ob- Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br.
servados, e alterações a longo prazo na fun- 4. U. S. Department of Health and Human Servi-
ção cerebral são teoricamente possíveis. ces. FDA: Food and Drug Administration [Inter-
net] . Silver Spring: FDA; c2012 [capturado em
A eficácia na depressão tem sido de- 12 ago 2012] . Disponível em: http://www.fda.
monstrada em revisões sistemáticas realiza- gov/ .
das nos últimos anos, 39 resultado de técni- 5 . Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM
cas mais adequadas utilizadas nos estudos
,
nº 1986, de 22 de março de 2012 [Internet].
controlados randomizados recentes. E usual Brasília: CFM; 2012 [capturado em 12 ago
2012]. Disponível em: http://www.portalmedi-
empregar a EMTr conjuntamente com psi- co.org.br/resolucoes/CFM/2012/1986_2012.
cofármacos (efeito adjuvante ou potenciali- pdf.
Depressão

6. Rosa MA, Marcolin MA, Pridmore S. Estimula- tor cortex excitability by low-frequency trans-
ção magnética transcraniana na depressão. Rev cranial magnetic stimulation. Neurology.
Psiq Clín. 2002;29(2):90-8. 1997;48(5): 1398-403.
7. Pascual-Leone A, Gates JR, Dhuma A. Induction 19. Pridmore S, Fernandes Filho JA, Nahas Z, Libe-
of speech arrest and counting errors with rapid ratos C, George MS. Motor threshold in trans-
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cranial motor cortex stimulation. Neurology. port and suggested guidelines from the Inter-
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Ouevedo & Silva (orgs.)

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LEGENDA
Inibidores da monoaminoxidase = IMAOs
Inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina = IRSNs
Inibidores seletivos da recaptação de serotonina = ISRSs
Terapia cognitivo-comportamental = TCC
Transtorno depressivo maior= TDM

. . , .
A ant1ps1cot1cos, 189-190
,
Acidos graxos ômega-3, 72 benzodiazepínicos, 187, 189
Adolescência, depressão na, 75, eficácia em idosos, 208-213
197-205 eficácia na fibromialgia, 166-167
diagnóstico, 198-202 eletroconvulsoterapia, 192-193
epidemiologia, 197-198, IMAOs, 69
prevenção,204-205 inibidores da receptação de noradrenalina,
tratamento, 202-204 70
estratégias combinadas, 204 IRSNs, 69, 186
psicofár1nacos, 203-204 ISRSs, 68, 185-186
psicoterapias, 202-203 lítio, 190-191
Agentes heterocíclicos, 212 outros, 70, 186-187
Agomelatina, 71 tricíclicos, 187
Aids, 136 Antipsicóticos, 73, 189-190
Ansiedade e depressão, 149-151 de depósito, 189-190
Anticonvulsivantes, 191-192 de segunda geração, 73
carbamazepina, 192 haloperidol, 189
lamotrigina, 192 olanzapina, 189
oxcarbazepina, 192 olanzapina, 190
valproato, 191 quetiapina, 189
Antidepressivos, 68-72, 166-167, 185-193, risperidona, 189
208-213 risperidona, 189
anticonvulsivantes, 191-192 Artrite reumatoide, 140-141
,
lndice

B diagnóstico diferencial, 119-120


Benzodiazepínicos, 71-72, 187, 189 DSM-5, 121-123
Bupropiona, 70-71, 186, 212-213 DSM-IV-TR, 117, 118
epidemiologia, 116-117
e tratamento, 120-121
Câncer e depressão, 133-134 versus TDM, 118
Carbamazepina, 192 Doença de Huntington, 137
Citalopram, 185-186 Doença de Parkinson, 137
Clozapina, 189 Doença renal terminal e depressão, 135
Comorbidades psiquiátricas e depressão, Doenças cardiovasculares e depressão,
145-151 134-135
ansiedade, 149-151 Doenças gastrintestinais, 141-142
esquizofrenia, 147-149 doença inflamatória intestinal, 141
transtornos de alimentação, 145-147 síndrome do intestino irritável, 141-142
uso de substâncias psicoativas, 151 úlcera duodenal, 141
Doenças infecciosas e depressão, 135-136
D Aids, 136
Depressão hepatite e, 135-136
bipolar, 169-175 Doenças neurológicas e depressão, 136-138
diagnóstico, 170-171 doença de Parkinson e doença de
epidemiologia, 169-170 Huntington, 137
fisiopatologia, 171-172 epilepsia, 138
tratamento, 172-175 esclerose múltipla, 137
com ideação suicida, 73-74 traumatismo cranioencefálico, 136-137
com sintomas atípicos, 73 Dor e depressão, 155-167
com sintomas melancólicos, 73 consequências do subtratamento da dor
com sintomas psicóticos, 73 crônica, 165
e ansiedade, 149-151 descrição ao longo dos tempos, 156-157
e câncer, 133-134 diferenças entre, 162
e comorbidades psiquiátricas, 145-151 e DSM-Iv, 159-160
e doença renal terminal, 135 e psiquiatras, 167
e doenças cardiovasculares, 134-135 fibromialgia, 163-164, 166-167
e doenças infecciosas, 135-136 mecanismos de percepção, 157-159
e doenças neurológicas, 136-138 a dor e suas vias, 158
e dor, 155-167 mecanismos da dor crônica, 159
e endocrinopatias, 138-140 neurotransmissores envolvidos, 158-
e esquizofrenia, 147-149 159
e fibromialgia, 163-164 vias nervosas periféricas, 157-158
e reumatologia, 140-141 modelo integrado, 162-163
gestacional e pós-parto, 179-194 no câncer, 164
Diagnóstico de TDM, 44-48 questionários de dor, 164
características básicas do TDM, 44 similaridades entre, 162
controvérsias sobre o conceito, 4 7-48 tratamento, 165-167
critérios para o diagnóstico, 44 barreiras, 167
diagnóstico diferencial, 44-4 7 farmacológico, 165-166
Distimia, 115-123 psicológico e social, 167
curso e prognóstico, 120 Duloxetina, 186
,
lndice

E tratamento no ciclo grávido-puerperal,


Eletroconvulsoterapia, 192-193, 213-214, 183-184
217-230
Endocrinopatias e depressão, 138-140 H
diabetes melito, 139-140 Haloperidol, 189
doença tireoidiana, 139 Hepatite C, 135-136
síndrome de Cushing, 138 História, depressão ao longo da, 17-27
Epidemiologia do TDM, 29-36 Antiguidade e Idade Média, 17-19
comorbidade, 33-34 Idade Moderna, 19-27
fatores associados, 30, 32-33 Hypericum perforatum, extrato de ver
incapacidade, 34-35 Erva-de-são-joão, 72
perspectivas para o DSM-5, 36
prevalência, 29-30 1
Epilepsia, 138 Ideação suicida, depressão com, 73-74
Erva-de-são-joão, 72 Idosos, tratamento da depressão em, 74,
Esclerose múltipla, 137 207-215
Esquizofrenia e depressão, 147-149 considerações farmacocinéticas, 207-208
Estimulação magnética transcraniana, 214, eficácia dos antidepressivos, 208-213
233-244 resistência, 210-213
resultados a longo prazo, 210
F eletroconvulsoterapia, 213-214
Fibromialgia e depressão, 163-164 estimulação magnética transcraniana,
Fluoxetina, 185 214
Fluvoxamina, 186 psicoterapia integrada, 214-215
Infância, depressão na, 75, 197-205
G diagnóstico, 198-202
Gepirona ER, 77 epidemiologia, 197-198,
Gestação e pós-parto, depressão, 74-75, prevenção, 204-205
179-194 tratamento, 202-204
antidepressivos, 185-193 estratégias combinadas, 204
anticonvulsivantes, 191-192 psicofármacos, 203-204
antipsicóticos, 189-190 psicoterapias, 202-203
benzodiazepínicos, 187, 189 Inibidores, 68-70, 78, 185-186, 212-213
eletroconvulsoterapia, 192-193 da recaptação de serotonina e
noradrenalina (IRSNs), 69, 186
IRSNs, 186
ISRSs, 185-186 da recaptação tripla, 78
lítio, 190-191 da receptação de noradrenalina, 70
outros, 186-187 de monoaminoxidase, 69-70
tricíclicos, 187 seletivos da recaptação de serotonina
gestação, 180-181 (ISRSs), 68-69, 185-186,
212-213
fatores de risco, 181
prevalência e incidência, 180-181 K
pós-parto, 181-183 Ketamina, 77-78
fatores de risco, 183
prevalência e incidência, L
182-183 Lamotrigina, 192
,
lndice

Lítio, 72-73, 190-191 Psicopatologia e diagnóstico da depressão,


Lúpus eritematoso sistêmico (LES), 140 39-48
aspectos psicopatológicos da síndrome
M depressiva, 39-44
Medicamentos anticolinérgicos, 190 funções afetivo-volitivas, 39-42
Mindfulness, 94-95 funções cognitivas, 42-43
Mirtazapina, 70, 187 outras funções psíquicas, 43-44
Modelos animais de depressão, 5 7-64 diagnóstico de TDM, 44-48
lesões, 61-62 características básicas, 44
bulbectomia, 61-62 controvérsias sobre o conceito, 4 7-48
manipulações ambientais, 58-61 critérios para o diagnóstico, 44
alteração do fotoperíodo, 61 diagnóstico diferencial, 44-4 7
desamparo aprendido, 59 Psicoterapia cognitivo-comportamental,
estresse crônico moderado, 58-59 83-95
privação do sono, 60-61 modelo cognitivo da depressão, 83-86
privação materna, 59-60 outras psicoterapias com base na TCC,
manipulações químicas, 62 89-95
estimulação do sistema imune, 62 mindfulness, 94-95
modelos preditivos de atividade terapia aceitação e compromisso, 94
antidepressiva, 63-64 terapia cognitiva processual, 91-92
teste de suspensão da cauda, 64 terapia comportamental dialética, 94
testes do nado forçado, 63-64 terapia construtivista, 89-90
terapia de ativação comportamental,
N 92-94
Neurobiologia do TDM, 49-55 terapia focada em esquemas, 92
achados neuroanatômicos, 49-51 processo terapêutico/psicoterapia, 87-89
eixo hipotálamo-hipófise-adrenal em grupo, 88-89
e estresse biológico, 51 em instituições, 89
genética, 54 Psicoterapia integrada, 214-215
mecanismos imunológicos, 51-52 Psicoterapia interpessoal (TIP), 97-104
neuroquímica, 52-54 de manutenção, 101
evidências de eficácia, 101-104
o fases da terapia, 99-100
Olanzapina, 189 sessões finais, 100
Oxcarbazepina, 192 sessões iniciais, 99
sessões intermediárias, 99-100
p
fundamentos teóricos, 97-99
Paroxetina, 185
Pindolol, 73 a
Pós-parto, depressão ver Gestação e Quetiapina, 189
pós-parto, depressão
Psicoeducação e tratamento da depressão, R
107-112 Receptores de neurocininas, 75
adesão, 108-110 Receptores opioides, 76
dificuldades, 111-112 Receptores sigma, 75-76
e prática médica, 1O7-108 Resistência ao tratamento da depressão em
observações úteis para a boa prática, idosos, 210-213
110-111 estratégia inicial, 211
Psicoestimulantes, 72 estratégias de combinação, 212-213
,
lndice

combinado terapia farmacológica, contraindicações, 219-220


212 eficácia, 223-225
ISRSs e agentes heterocíclicos, 212 fluxograma, 227
ISRSs e bupropiona, 212-213 histórico, 218
estratégias de mudança da medicação, indicações, 219
211-212 mecanismo de ação, 225-226
estratégias de otimização, 211 parâmetros de qualidade, 221-223
estratégias de potencialização, 213 pré-avaliação, 218-219
Reumatologia e depressão, 140-141 técnica, 220-221
artrite reumatoide, 140-141 termo de consentimento livre e
lúpus eritematoso sistêmico (LES), 140 esclarecido (TCLE), 22 7
Risperidona, 189 termo de responsabilidade para
Ritmo circadiano, 77 interrupção do tratamento
(TRIT), 227
s estimulação magnética transcraniana,
S-adenosil-metionina, 72 233-244
Sertralina, 185 aspectos ético-legais, 240-241
Sintomas atípicos, depressão com, 73 eficácia, 237-239
Sintomas melancólicos, depressão com, 73 histórico, 234
Sintomas psicóticos, depressão com, 73 indicações, 236-237
Suicídio, 125-131 contraindicações, 23 7
fatores de risco, 127-130 neurológicas, 236
comorbidades psiquiátricas, 129 por restrições medicamentosas,
fase inicial da doença depressiva, 129 237
gênero e outros fatores psiquiátricas, 236-237
sociodemográficos, 127-128 magnetismo e eletricidade, 234-235
gravidade da depressão, 128-129 segurança e efeitos colaterais,
história de hospitalização psiquiátrica, 239-240
128 técnica, 235-236
história familiar, 129 TIP ver Psicoterapia interpessoal, 97-104
tentativa anterior de suicídio, Transtorno bipolar, 169-175 ver também
129-130 Depressão bipolar
uso de tabaco, 130 Transtornos de alimentação, 145-147
prevalência, 126-127 Tratamento farmacológico, 67-80
antidepressivos, 68-72
T inibidores da recaptação de
Tabaco, uso de, 130 noradrenalina, 70
Terapia, 89-90, 91-94 inibidores de monoaminoxidase,
aceitação e compromisso, 94 69-70
cognitiva processual, 91-92 IRSNs, 69
comportamental dialética, 94 ISRSs, 68-69
construtivista, 89-90 outras classes, 70-72
de ativação comportamental, 92-94 casos especiais, 73-75
focada em esquemas, 92 depressão com ideação suicida, 73-74
Terapias biológicas não farmacológicas, depressão com sintomas atípicos, 73
217-244 depressão com sintomas melancólicos,
eletroconvulsoterapia, 217-230 73
aspectos ético-legais, 229 depressão com sintomas psicóticos,
complicações, 226-227 73
,
lndice

depressão na infância e na ketamina, 77-78


adolescência, 75 receptores de neurocininas, 75
depressão perinatal, 74-75 receptores opioides, 76
pacientes com comorbidades clínicas, receptores sigma, 75-76
74 ritmo circadiano, 77
pacientes idosos, 74 vilazodona, 77
estratégias de potencialização, 72-73 Traumatismo cranioencefálico, 136-137
antipsicóticos de segunda Trazodona, 71
geração, 73 Tri-iodotironina, 72
lítio, 72-73
pindolol, 73 u
psicoestimulantes, 72 Uso de substâncias psicoativas, 151
tri-iodotironina, 72
perspectivas futuras, 75-78 V
fatores neurotróficos, 76-77 Valproato, 191
gepirona ER, 77 Venlafaxina, 186
inibidores da recaptação tripla, 78 Vilazodona, 77

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