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Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-87930-48-0
1. Generalistas. 2. Psiquiatria. 3. Sintomas. 4. Tratamento. I. Título. II.
Assunto. III. Santos, Mikkael Duarte dos. a.
CDD 616.89
CDU 616.89
FUNDAMENTOS DA PSIQUIATRIA
PSIQUIATRIA CLÍNICA
Síndromes do Humor
6. Depressão Maior e Depressão Persistente
7. Crise Suicida
8. Transtorno Bipolar
Síndromes Psicóticas
16. Esquizofrenia
17. Transtorno Psicótico Breve
18. Transtorno Esquizofreniforme
19. Transtorno Delirante
20. Transtorno Esquizoafetivo
21. Psicose Relacionada ao Uso de Substâncias Psicoativas
Síndromes Somatoformes
22. Transtorno de Sintomas Somáticos
23. Transtorno de Ansiedade de Doença
24. Transtorno Conversivo
25. Transtorno Factício
26. Transtornos Dissociativos
Síndromes Neurocognitivas
27. Demências
28. Delirium
Síndromes do Neurodesenvolvimento
29. Deficiência Intelectual
30. Transtorno do Espectro Autista (TEA)
31. Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade
Síndromes Obsessivo-Compulsivas
32. Transtorno Obsessivo-Compulsivo
33. Transtornos Relacionados ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo
(TOC)
Síndromes Psicomotoras
37. Agitação Psicomotora
38. Catatonia
39. Transtornos do Movimento Induzidos por Medicamentos
Síndromes Relacionadas ao Uso de Substâncias Psicoativas
40. Transtornos Relacionados ao Uso de Álcool
41. Transtornos Relacionados ao Uso de Cocaína e Crack
42. Tabagismo
Insônia
46. Insônia
Condutas Rápidas em Psiquiatria
47. Condutas Rápidas em Psiquiatria
TERAPÊUTICAS EM PSIQUIATRIA
Psicoterapias
55. Psicoterapias
Autor e Editor-Chefe
Mikkael Duarte dos Santos
Mestre em Saúde da Família pela Universidade Federal do Ceará.
Residência médica em Psiquiatria pela Secretaria de Saúde de Sobral.
Graduado em medicina pela Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte.
Preceptor no programa de Residência Médica de Psiquiatria em Sobral.
Professor e coordenador de psiquiatria e do internato de saúde mental das
faculdades de medicina da UFC e UNINTA. Interconsultor de psiquiatria na
Santa Casa de Misericórdia de Sobral. Psiquiatra assistente da unidade de
internação psiquiátrica no Hospital Dr. Estevam Ponte. Psiquiatra assistente
no CAPS II do município de Sobral.
Autores
Alice Aguiar Teixeira
Formada em Medicina pela Universidade Federal do Ceará, 2009-2014.
Residência médica em Psiquiatria pela Escola de Saúde Pública de Sobral-
CE, 2015-2018. Especialização em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental
pelo Instituto Cognitivo, Santa Maria-RS (em curso).
4. UNIDADE DE ACOLHIMENTO
Fonte: Brasil13.
7. CONSULTÓRIOS NA RUA
Numa história mais recente sobre os dispositivos de saúde mental no Brasil,
os consultórios na rua foram instituídos pela Política Nacional de Atenção
Básica em 2011, com o objetivo de promover cuidado e acesso à saúde para
pessoas em situação de rua.
A Portaria n. 122, de 25 de janeiro de 2011, definiu diretrizes de
organização e funcionamento das equipes de consultório na rua,
considerando todo o aparato jurídico-legal que rege as assistências em
saúde na atenção básica. Esses dispositivos devem oferecer à população em
situação de rua ações compartilhadas e integradas aos Centros de Saúde da
Família e Centros de Atenção Psicossocial.
Os CRs (consultórios na rua) podem ser divididos em: modalidade I,
formada por uma equipe de no mínimo quatro profissionais, com médico e
mais três profissionais de nível médio ou superior (não deve haver mais de
dois profissionais de nível médio); modalidade II, com equipe de no
mínimo seis profissionais , com médico e outros cinco profissionais (não
exceder o total de três profissionais de nível médio); modalidade III,
formada por equipe proporcional ao da modalidade II, acrescida de um
profissional médico. Os horários de atendimento deverão se adequar às
demandas da população.
Entre as categorias e os profissionais da saúde que podem compor o CR,
destacamos o enfermeiro, o psicólogo, o assistente social, a terapeuta
ocupacional, o médico, o agente social, o técnico ou auxiliar de
enfermagem e o técnico de saúde bucal. Só deve haver no máximo dois
profissionais de cada categoria.
Esses dispositivos centralizam-se na assistência a pessoas com situações
clínicas específicas e de saúde mental, decorrentes da situação de rua, que
os expõe a fatores de risco para o desenvolvimento de doenças e
transtornos.
8. CONCLUSÃO
A saúde mental é uma área muito complexa e extensa do conhecimento. A
reestruturação do modelo de cuidado, para além dos serviços e ancorada no
dia a dia das relações, pede uma rede assistencial com base territorial e
comunitária que não categorize ou reduza a existência humana, mas que
seja viva e construída coletivamente como campo de saberes múltiplos. Isso
implica uma mudança da cultura antimanicomial, implantação de serviços
com necessidade de inovação e invenção de estratégias alinhadas ao
cuidado em liberdade, como preconiza a RPB.
Referências
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Diário Oficial da União, 16 nov. 2018.
17. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 121, de 25 de janeiro de 2012. Institui a Unidade de
Acolhimento para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras
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30. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 52, de 20 de janeiro de 2004. Institui o Programa
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SIGLAS
3. TIPOS DE CLASSIFICAÇÕES
3.1. CID-10
A Classificação Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde, na sua décima edição, ou simplesmente
CID-10, é um instrumento lançado em 1990, elaborado pela
Organização Mundial da Saúde (OMS), utilizado em todo o
mundo, e engloba todas as áreas da Medicina. Sua função é
monitorar a incidência e a prevalência de doenças. No Brasil, é o
sistema classificatório adotado pelo governo e amplamente
utilizado em relatórios médicos e laudos. Na versão da CID
utilizada oficialmente na atualidade, a CID-10, foi realizada uma
cooperação com a Associação Americana de Psiquiatria, a fim de
que a CID-10 tivesse características confluentes com o DSM-IV,
havendo uma linguagem comum internacional.
Na Psiquiatria, há um capítulo específico, o “F”, no qual as
patologias psiquiátricas foram classificadas, assim como foram
estabelecidos critérios para essas classificações. As categorias da
psiquiatria da CID-10 estão listadas no Quadro 2.
Vale ressaltar que a versão mais atual da CID é a CID-11, que
foi apresentada oficialmente em maio de 2019, com previsão para
entrar em vigor em 2022. Uma de suas principais mudanças foi a
retirada do “transexualismo” da lista de transtornos mentais, que
agora passa a ser considerado incongruência de gênero e passa a ser
descrito no capítulo de condições relacionadas à doença sexual e
não mais no capítulo de doenças mentais, comportamentais ou do
neurodesenvolvimento. Na mesma linha, o transtorno de identidade
sexual na infância, na CID-11, passou a ser descrito como
incongruência de gênero na Infância.
4. DSM-5
O DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais) é um guia elaborado pela American Psychiatric
Association (APA) para auxiliar que o diagnóstico seja realizado
precisamente, a fim de guiar o tratamento correto das mais diversas
patologias psiquiátricas. É uma importante ferramenta, tanto para
clínicos, como para estudantes e pesquisadores. Além disso, é uma
ferramenta que pode ser utilizada para facilitar a coleta de
informações estatísticas, com o objetivo de estabelecer taxas de
mortalidade, prevalência e incidência.
Sua primeira edição, o DSM-I, foi lançada em 1952, tendo 5
novas versões após a primeira. No entanto, a primeira versão que
contemplou critérios diagnósticos foi o DSM-III, lançado em 1980.
O manual se limita a descrever as manifestações clínicas dos
transtornos, sem abordar a fisiopatologia ou o tratamento
específico, pois ele não é um tratado, e, sim, um manual
diagnóstico. O DSM-IV utilizava um sistema classificatório
multiaxial, que consiste no registro de 5 tipos de informações
diferentes (vide Quadro 3).
Transtornos Depressivos
Transtornos de Ansiedade
Transtornos Dissociativos
Transtornos Alimentares
Transtornos da Eliminação
Transtornos do Sono-Vigília
Disfunções Sexuais
Disforia de Gênero
Transtornos Neurocognitivos
Transtornos da Personalidade
5. ESTRATÉGIAS PARA
ELABORAÇÃO
DIAGNÓSTICA
O principal caminho para chegar a um diagnóstico psiquiátrico
começa com a coleta de uma história clínica completa, por meio de
curiosidade e respeito pela história do paciente. A entrevista
psiquiátrica deve ser feita com perguntas abertas, sem muita
interferência do entrevistador, sem julgamentos, havendo a livre
expressão psicopatológica do paciente.
O diagnóstico é realizado agrupando certos sinais e sintomas,
objetivando a formação do diagnóstico sindrômico, em que não é
considerado a doença específica, mas patologias com sintomas
afins. Esse tipo de categoria diagnóstica agrupa doenças com sinais
e sintomas em comum, que constituem uma síndrome. Por
exemplo, se em um paciente o que mais chama a atenção na
história clínica são alucinações e/ou delírios, podemos classificá-lo
inicialmente com uma síndrome psicótica. Após essa classificação
inicial, é importante saber o que diferencia, dentro de uma
síndrome, as diferentes doenças que a compõem. Fatores como
tempo e gravidade dos sintomas, prejuízo funcional associado ao
quadro, possibilidade de quadros orgânicos não psiquiátricos ou
outros sintomas associados são, todos esses, alguns elementos
fundamentais da investigação para chegarmos a um diagnóstico.
Nesse ponto, a possibilidade diagnóstica se reduz a um número
limitado de doenças e podemos pensar em diagnóstico diferencial
(ou em hipóteses) de forma cautelosa, razoável e criteriosa a partir
do diagnóstico diferencial com outros transtornos da mesma
síndrome.
A partir desse ponto em que foi realizado o diagnóstico
diferencial com outros transtornos da mesma síndrome, chegamos
ao diagnóstico nosológico. Este consiste na taxonomia de
fenômenos patológicos, ou seja, transtornos e doenças. Assim, o
clínico pode chegar ao diagnóstico nosológico e direcionar melhor
sua conduta terapêutica. Para aprofundamento desse tópico, sugere-
se a leitura do capítulo “Avaliação Psiquiátrica”.
Referências
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In: Compêndio de psiquiatria: ciência do comportamento e
psiquiatria clínica. 11. ed. Porto Alegre: Artmed; 2017. p.
290-299.
2. American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5. Porto Alegre:
Artmed; 2014.
3. McGorry P, Van Os J. Redeeming diagnosis in psychiatry:
timing versus specificity. Lancet. 2013; 381(9863): 343-345.
doi:10.1016/S0140-6736(12)61268-9.
4. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e Semiologia dos
Transtornos Mentais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2019.
5. Organização Mundial da Saúde. CID-10 Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde. 10a rev. São Paulo: Universidade de
São Paulo; 1997.
6. World Health Organization. ICD-11 – The ICD-11
Classification of Mental and Behavioural Disorders.
Diagnostic Criteria for Research. Geneva: WHO, 2018.
7. Gomes de Matos E, Gomes de Matos TM, Gomes de Matos
GM. A importância e as limitações do uso do DSM-IV na
prática clínica. Rev. Psiquiatr. Rio Gd. Sul [Internet]. 2005
Dec [cited 2020 Aug 24]; 27(3): 312-318.
https://doi.org/10.1590/S0101-81082005000300010.
SIGLAS
Responder com Deve ficar claro na entrevista que há limites, contudo, sem se
hostilidade ou agressão exaltar e sem entrar em discussões acirradas com o paciente.
Frases curtas como “uhum”, “sei”, “estou entendendo” podem dar maior
Reforço
ritmo à entrevista.
2. ANAMNESE PSIQUIÁTRICA
A história clínica psiquiátrica ou anamnese psiquiátrica nos fornece os
elementos para a formulação diagnóstica, caracterização da personalidade
do indivíduo, potenciais e fraquezas. Será dada importância aos sintomas
objetivos, vivência subjetiva do paciente, cronologia dos fenômenos,
reações do paciente ao fazer seus relatos.
A critério do entrevistador, sugerimos um roteiro que pode ser utilizado
como base das consultas; contudo, muito cuidado, pois ater-se com excesso
a um cronograma enrijecido nos distrai do que realmente importa: o sujeito.
No modelo de entrevista centrado no paciente temos graus variados de
sofrimento, e a referência da entrevista é o mundo de experiências vividas
por ele. É também uma oportunidade explícita da busca pela aliança
terapêutica (empatia, confiança e disponibilidade para a mudança).
a. Identificação
Perguntar sobre o nome, como gosta de ser chamado, sexo,
escolaridade, naturalidade e procedência, estado civil, grupo étnico,
profissão.
b. Queixa principal
Importante observar quem encaminhou, de quem foi a iniciativa de
buscar ajuda e com que objetivo, por meio de descrição breve. Em alguns
casos, o paciente formula bem a queixa principal, o que pode ajudar ao
entrevistador, mas outras vezes sequer admite que existe efetivamente um
problema.
É proposto que o insight (percepção do doente sobre a doença) não seja
um fenômeno categórico e unidimensional, mas com vários níveis de
intensidade e dimensões diferentes.
e. História pessoal
Pode ser desmembrada da seguinte maneira:
I. História pré-natal e nascimento: informações sobre a gestação, o
parto e as condições do nascimento, incluindo peso, icterícia, distúrbio
metabólico.
II. Infância e desenvolvimento: comportamentos e hábitos da
infância, se tinha bons relacionamentos, hábitos do sono, alimentação,
desenvolvimento neuropsicomotor, linguagem, controle esfincteriano,
desempenho escolar, temperamento, medos.
III. Adolescência: interesses, atividades na escola, relacionamento
com os familiares e os colegas, sexualidade, uso de álcool, sentimentos
relacionados a essa fase, delinquência etc.
IV. Idade adulta: trabalho (o tipo da atividade, interrupções, nível de
satisfação, dificuldades relacionadas às competências), casamento, vida
sexual (experiências sexuais, dificuldades de se relacionar, contracepção,
abortos), situação socioeconômica (moradia, fontes provedoras dos
recursos, planos e projetos futuros).
f. História familiar
Colher informações sobre os pais, os irmãos (especificar a ordem
cronológica do nascimento), os filhos, os avós. Sexo, idade, nível
profissional, problemas psiquiátricos e clínicos na família. Observar história
de adoção, suicídio, violação de leis, padrões sociais, nível de interações
familiares entre cada integrante da família.
g. Personalidade pré-mórbida
Notificar as preocupações excessivas com ordem, limpeza,
pontualidade, o estado de humor habitual, a capacidade de expressar os
sentimentos, a maneira como se expressa habitualmente, o nível de
desconfiança e competitividade, a capacidade para executar planos e
projetos e a maneira como reage quando se sente pressionado. É importante
observar as mudanças de personalidade com a doença.
j. Súmula psicopatológica
Avaliar a apresentação geral, a atitude, a consciência, a atenção, a
orientação, a linguagem, o pensamento, a sensopercepção, a afetividade, a
inteligência, a memória, a volição, a psicomotricidade, a consciência do Eu
e o insight. Para aprofundamento desse tópico, sugere-se a leitura do
capítulo “Exame mental”.
k. Exames complementares
Devem ser excluídos diagnósticos clínicos que possam justificar
alterações do comportamento. Exames comumente realizados, em geral,
guiados por suspeitas clínicas são os bioquímicos, os citológicos, as
sorologias, análise do líquor cefalorraquidiano, hemograma, eletrólitos,
TSH, dosagem de vitaminas B12, metabólitos, hormônios, exames de
neuroimagem e neurofisiológicos.
2. Queixa principal
“Desisti de viver.”
6. História familiar
Afirma que pai e familiares paternos têm diagnóstico e
acompanhamento psiquiátrico devido a quadros depressivos.
9. Súmula psicopatológica
b. Apresentação geral
Vestes próprias, malcuidado, com higiene precária.
b. Atitude
Cooperativo, inibido.
c. Consciência
Alerta.
d. Atenção
Normovigil e hipotenaz.
e. Orientação
Orientado autopsiquicamente e desorientação (abúlica) temporal.
f. Linguagem
Bradilálico.
g. Pensamento
Curso: bradipsíquico.
Forma: conexo.
Conteúdo: niilista.
Juízo de realidade: não delirante.
h. Sensopercepção
Aparentemente sem alterações.
i. Afetividade
Humor: hipotímico.
Afeto: hipomodulado.
j. Inteligência
Adequada para a escolaridade.
k. Memória
Imediata: preservada.
Recente: amnésia por desatenção (?).
Remota: preservada.
l. Volição
Hipobúlico.
m. Psicomotricidade
Bradicinético.
n. Consciência do Eu
Menos-valia.
o. Insight
Presente.
Referências
1. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. 3. ed. Porto Alegre:
Artmed; 2019.
2. Zuardi AW, Loureiro SR. Semiologia psiquiátrica. Medicina (Ribeirao Preto Online) 1996 mar.;
29(1): 44-53.
3. Pereira TC. Roteiros da entrevista clínico-psiquiátrica – diretrizes teórico-metodológicas: “a
rotina estabelecida pela tradição e pelos costumes”. Tubarão 2010 dez.; 10(3): 683-704.
4. Kaplan HI, Sadock BJ. Compêndio de psiquiatria. Porto Alegre: Artmed; 2017.
5. Nordgaard J, Sass LA, Parnas J. The psychiatric interview: validity, structure, and subjectivity.
Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci (2013) 263:353–364.
6. Strain J, Shenoy A. The Psychiatric Interview. The Journal of Clinical Psychiatry 2014;
75(e959). 10.4088/JCP.bk09171.
O exame mental (EM), também chamado de exame do estado mental,
exame psíquico, exame psicopatológico ou exame psiquiátrico, seria o
equivalente, na psiquiatria, ao exame físico da clínica geral. O EM é um
procedimento semiológico complexo que exige apropriado treinamento
prático e conhecimento teórico, embasando-se em um campo do
conhecimento denominado psicopatologia. O objetivo deste capítulo é
explanar conceitos básicos necessários para a realização do EM e abordar
os aspectos psicopatológicos.
Apesar de, didaticamente, o exame mental ser posicionado após a
história clínica, ele se inicia ao primeiro contato com o paciente (antes
mesmo de se obterem dados da identificação) e é realizado durante toda a
entrevista, devendo ser feito de maneira cuidadosa e minuciosa, com uma
escuta paciente e atenta aos dados da observação direta, como ocorrências
fisiológicas (rubor facial, tremor, sudorese), gestos, comportamentos e sons,
entre outros.
No momento da entrevista psiquiátrica, tudo o que é dito pelo paciente
deve ser incluído na anamnese, já o que é visto pelo examinador deverá ser
descrito no exame mental. Dessa forma, expressões como “o paciente
refere” ou “o paciente relata” devem ser inseridas na história clínica, ao
invés do EM. No exame psicopatológico, serão descritas as funções mentais
do paciente, estando estas alteradas ou não. Além disso, é interessante
descrever em que condições se realizou o exame, ou seja, se foi na casa do
paciente, no ambulatório ou na enfermaria e se havia algum acompanhante
com ele.
É importante ressaltar que a sintomatologia psiquiátrica pode ser
intermitente, ou seja, pode mudar de um momento para outro, constituindo
então um novo exame psíquico. Nesses casos, um exame mental isolado
pode nos informar muito pouco. O examinador pode lançar mão, nesses
casos, de tornar o EM mais amplo, realizando mais de um exame, com
intervalos de horas ou dias entre um e outro.
De maneira geral, a abordagem aos sintomas psíquicos respeita uma
divisão da vida psíquica total em várias funções psíquicas elementares
individuais. Essa divisão do psiquismo em diferentes faculdades
(consciência, afetividade, orientação, atenção etc.) é um recurso artificial
com o objetivo de facilitar a descrição do EM. Fazer essa divisão é uma
prática de uso corrente no dia a dia, podendo-se, inclusive, acrescentar às
anotações do EM uma súmula psicopatológica. Os componentes do exame
mental podem ser melhor visualizados no quadro a seguir e serão discutidos
um a um no decorrer do capítulo. Com relação à súmula psicopatológica,
ela será mais detalhada ao final deste capítulo.
1. APRESENTAÇÃO
Diz respeito à aparência física do paciente. De maneira geral, a aparência é
a primeira função psíquica que o examinador analisa, e o seu exame é um
recurso importante para o diagnóstico e para conhecer o indivíduo como
pessoa. Deve-se descrever seu aspecto geral, que é expresso pelo corpo e
pela postura corporal, pelas vestes, pelos adornos (chapéu, óculos, joias
etc.), pela higiene (incluindo cabelo, dentes, unhas e barba) e marcas
corporais (como cicatrizes, tatuagens e queimaduras).
A aparência de um paciente, em geral, pode estar bem cuidada ou
desleixada. Nesse caso, pode apresentar a higiene corporal prejudicada,
roupas sujas ou rasgadas, mau odor, cabelos despenteados e bastante
compridos, barba por fazer, prejuízo da higiene oral com dentes em mau
estado de conservação ou até mesmo ausentes, unhas sujas e compridas.
Outra forma de classificação seria: aparência adequada, bizarra ou
exibicionista. Uma aparência bizarra (ou excêntrica ou extravagante) seria
destoante do usual daquele ambiente ou cultura em que o indivíduo está
inserido. Quando um paciente tem um aumento na libido ou um
comportamento sedutor, pode usar roupas muito curtas ou decotadas ou
expor excessivamente partes do seu corpo, sendo caracterizada uma
aparência exibicionista.
2. ATITUDE
A atitude avalia de que maneira o paciente se porta diante do examinador.
Alguns pacientes vão se apresentar amistosos e cooperativos, outros vão se
mostrar mais desconfiados (suspicazes), hostis ou indiferentes. É
importante ressaltar que a atitude do paciente com relação ao examinador
pode variar ao longo da entrevista. No quadro a seguir são descritos
exemplos de atitudes que o paciente pode manifestar durante uma
entrevista.
Tenta ocultar sintomas ou fatos de sua vida com algum intuito (p.
Dissimuladora
ex.: receber alta hospitalar).
Exige, de forma insistente, aquilo que julga ser seu direito, mesmo
Reivindicativa
se inadequado.
3. CONSCIÊNCIA
Antes de discutir as alterações da consciência, é necessário explicar alguns
conceitos. A palavra consciência é derivada do latim “conscio” e significa
compartilhar o conhecimento daquilo com mais alguém ou deter a
sabedoria. Para a psiquiatria, trata-se de uma função mental subjetiva e
seria o estado psíquico que nos possibilita a percepção do ambiente
(realidade), do mundo interior (self) e da interação entre os dois.
Durante uma entrevista, quando avaliamos o nível de consciência, em
geral encontramos o estado vigil, que compõe um aspecto quantitativo da
consciência. Estar vigil significa estar alerta, desperto, com o sensório
claro, e representa um espectro da ativação da consciência em dois polos
opostos, o estado lúcido, em que o indivíduo está completamente alerta,
funcional, e em oposição a ele estão o sono e o coma.
Já o self, que também é chamado de consciência do eu, é outro aspecto
central da consciência e será melhor abordado mais adiante.
4. ATENÇÃO
A atenção é uma função mental a qual apresenta a capacidade de concentrar
a atividade mental sobre um objeto em particular. Pode ser conceituada
como a direção da consciência, ou seja, o estado de concentração da
atividade psíquica sobre determinado objeto. A atenção nos permite
selecionar, filtrar e organizar informações. Se não houvesse uma seleção, a
quantidade de informações externas e internas que chegaria à mente seria
muito grande, de modo que deixaria a atividade psíquica inviável.
A atenção interfere em outras funções mentais, como a memória, sendo
de suma importância tanto para fixar informações novas quanto para evocar
antigas.
A atenção tem forte associação com a consciência. Quando não está
alerta, a atenção fica prejudicada. Contudo, mesmo com o nível de
consciência normal, pode existir alteração da atenção. Além disso, a
atenção auxilia a consciência, aumentando o seu rendimento e fazendo com
que os conteúdos mentais sejam processados de maneira mais competente,
além de ser imprescindível para que algo se torne consciente.
6. MEMÓRIA
A memória pode ser entendida como sistemas de armazenamento múltiplos,
sendo essencialmente imprescindível para o funcionamento cognitivo geral
e demais funções cerebrais superiores. É uma função cognitiva
caracterizada por representações mentais duradouras, adquiridas por meio
de aprendizados, que posteriormente exercem influência sobre o
pensamento, as vivências e os comportamentos do indivíduo. A capacidade
específica de memorizar relaciona-se com vários fatores, entre eles o nível
de consciência, a atenção e o estado emocional (interesse afetivo) pelo
assunto. Também são importantes para o processo de memorização os
contextos, como lugar, momento, companhias, tipo de atividade, fase da
vida etc.
O processo mnêmico pode ser resumido em três etapas: a capacidade de
fixação, conservação e evocação. A primeira consiste na capacidade de
trazer material novo ao reservatório da memória. A segunda se refere à
retenção dos elementos fixados, capaz de vir à consciência em ocasiões
apropriadas. O processo de retenção da memória é mais efetivo quando há
repetição do seu conteúdo e maior associação das informações conservadas
a outros elementos já existentes na memória. A terceira diz respeito a, em
dado momento, trazer conteúdos já armazenados na memória à consciência.
As três áreas estão sujeitas a transtornos.
As memórias podem ser classificadas da seguinte maneira: memória
imediata (ou de curtíssimo prazo), memória de curto prazo (ou recente) e
memória de longo prazo (ou remota), as quais abordaremos separadamente
a seguir.
• Memória imediata: tem a duração de segundos a pouquíssimos
minutos. É muito frágil e possui uma capacidade limitada. Está mais
relacionada à atenção do que à memória.
• Memória de curto prazo: dura de minutos a poucas horas e tem
uma capacidade de armazenamento limitada. Memória de trabalho
(ou operacional): é o armazenamento informações, por período de
tempo limitado, para a prática de tarefas cognitivas. Tem a função de
gerenciar informações em tempo real, guardando elementos
pertinentes para a execução da tarefa por um período de alguns
segundos ou minutos. Um exemplo disso é quando conseguimos
repetir, quase que de imediato, uma sequência de dígitos, como um
número de telefone.
7. SENSOPERCEPÇÃO
Para entender melhor o que é a sensopercepção, seria interessante definir
primeiro o que é sensação e o que é percepção. A sensação é um fenômeno
passivo causado por estímulos externos ou internos, que podem ser físicos,
químicos ou biológicos variados, os quais produzem alterações nos órgãos
receptores, estimulando-os. Toda sensação é integrada a informações
provenientes de outras vias sensitivas e de conhecimentos prévios do
indivíduo, que surge no campo da consciência na forma de uma imagem
perceptiva, ativamente construída. Já a percepção é um fenômeno ativo,
psíquico, central e subjetivo. É um acontecimento consciente, que decorre
da integração dos estímulos sensoriais parciais e de sua associação às
representações. Está ligada à identificação, ao reconhecimento e à
discriminação dos objetos. É a interpretação das sensações. Assim, é
possível dizer que a sensopercepção envolve a capacidade de sentir e
reconhecer as informações captadas do meio interno e externo, sendo,
portanto, uma ferramenta indispensável para a elaboração daquilo que
considera ser a realidade.
Com relação às representações (ou imagens representativas), elas são
impressões sensoperceptivas extraídas da memória, que tomam forma no
campo da consciência, reapresentando um conteúdo do passado que vai ser
novamente visualizado, mas dessa vez na mente. Nesse processo de
revivescência, as imagens representativas se assemelham muito às imagens
perceptivas (reais), visto que vão ativar novamente as mesmas regiões
cerebrais, responsáveis pelo processamento sensorial. No entanto,
fenomenologicamente, elas diferem em alguns pontos essenciais, como
pode ser visto na Quadro 4.
Aparece e desaparece
Estabilidade Pouco mutável no tempo.
com facilidade.
Representação
Percebida no espaço externo. Percebida no espaço interno.
no espaço
Elementos insuficientes,
Imagem detalhada e
Completitude imagem incompleta e com
completa.
poucos detalhes.
Alucinações gustativas e
Recusa sistemática de alimentos.
olfativas
8. LINGUAGEM
A linguagem é um tipo de processamento simbólico fundamentado em
signos fonéticos e gráficos (geralmente definidos culturalmente), que
funciona como uma ponte entre o pensamento e o mundo externo. A
linguagem tem diversas funções; dentre elas podemos citar: comunicação,
suporte do pensamento, expressão das emoções, indicação e descrição das
coisas e transmissão de conhecimentos.
O objeto de estudo da linguagem são as palavras, enquanto as ideias são
o objeto de estudo do pensamento (que será discutido mais à frente).
Toda língua ou idioma possui um elemento chamado prosódia, que é
constituída pela musicalidade, pela entonação e por inflexões da fala, além
da gesticulação. É a alma do discurso!
9. PENSAMENTO
O pensamento constitui uma atividade psíquica subjetiva e a sua expressão
é exteriorizada por meio da linguagem e da psicomotricidade. É um
processo constituído por dois componentes: o associativo (que conecta as
ideias de modo passivo e estabelece relações significativas entre as imagens
perceptivas, representativas e imaginativas, por meio de semelhança, de
contraste ou de contiguidade no tempo ou no espaço) e a tendência
determinante (a qual ordena e direciona ativamente o pensamento a uma
certa finalidade, de acordo com os interesses e necessidades do indivíduo).
Os elementos cognitivos do pensamento são divididos em três
atividades fundamentais, são elas: a elaboração de conceitos, a formação de
juízos e o raciocínio.
• Conceito: é expresso por uma única palavra que consegue identificar
atributos ou qualidades mais gerais e essenciais de um objeto ou
fenômeno. Está relacionado à abstração e à generalização. Por
exemplo: “flor” e “vermelha” são conceitos.
• Juízo: promove uma relação entre dois ou mais conceitos, por meio
de um ato da consciência de afirmar ou negar algum atributo ou
qualidade a um objeto ou a um fenômeno. Por exemplo: “a flor é
vermelha”.
• Raciocínio: é o processo de relacionar juízos. Da mesma maneira
que a ligação entre conceitos permite o desenvolvimento de juízos, a
ligação entre juízos conduz desenvolvimento de novos juízos. Sendo
assim, o raciocínio e o próprio pensamento se originam. Por
exemplo: “todo animal é mortal”; “o meu cachorro é um animal”,
logo “o meu cachorro é mortal”. Um raciocínio pode ser indutivo
(do particular para o geral), dedutivo (do geral para o particular), ou
analógico (de um particular para outro particular).
Outra forma de se avaliar o pensamento é por meio do seu curso, forma
e conteúdo. O curso é o modo como o pensamento flui, isto é, sua
velocidade e seu ritmo ao longo do tempo. Caracteriza-se pela quantidade
de ideias que vêm ao pensamento e pela velocidade com que as ideias
passam pelo pensamento; dessa forma, o curso pode ser rápido
(taquipsíquico), normal (normopsíquico), lentificado (bradipsíquico) ou
estar completamente bloqueado.
A forma do pensamento, por sua vez, consiste em sua estrutura básica,
sua “arquitetura”. Está relacionada a como o paciente concatena as ideias,
em que sequência, se segue ou não as leis da sintaxe e da lógica. O normal é
que a produção do pensamento seja lógica (coerente e coesa) e que seja
clara e de fácil compreensão. Para detectar as alterações formais do
pensamento, deve-se permitir que o entrevistado desenvolva livremente as
suas respostas, evitando-se perguntas fechadas, como “você se sente bem ou
mal?”. Já o conteúdo do pensamento são as ideias propriamente ditas, sua
conexão ou não com a realidade, refletindo ou não aspectos reais do mundo
externo ou interno. As ideias prevalentes, em função de sua carga afetiva,
ocupam a maior parte do conteúdo do pensamento do indivíduo no
momento do exame. O conteúdo do pensamento expressa as preocupações
do paciente, que podem ser ideias supervalorizadas, ideias delirantes,
delírios, preocupações com a própria doença, problemas alheios, obsessões,
fobias etc. Alguns autores consideram o delírio uma alteração do conteúdo
do pensamento, mas neste capítulo ele será discutido na sessão sobre juízo
de realidade.
11.2. Delírio
Segundo Karl Jaspers (1883-1969), as ideias delirantes, ou delírio, são
juízos patologicamente falsos. O delírio não é uma dúvida nem uma
impressão, para o paciente é um fato repleto de extrema convicção interior.
Quando um delírio é instalado, as demais funções psíquicas são afetadas,
influenciando o comportamento do paciente e levando a uma alteração
significativa em sua personalidade (quebra na funcionalidade). Vale
ressaltar que não é a falsidade do conteúdo que faz um juízo ser um delírio,
mas sim a justificativa que o indivíduo usa para aquela crença que
apresenta, o tipo de evidência que lhe assegura que as coisas são assim. De
acordo com Jasper, existem quatro características que servem para avaliar o
discurso e que, do ponto de vista prático, são muito importantes para a
identificação clínica do delírio: 1. convicção extraordinária – o paciente
defende sua crença com afinco, não tendo a menor dúvida sobre a
veracidade dela; 2. ininfluenciabilidade pela experiência ou por
argumentos sensatos – é impossível modificar o delírio pela experiência
objetiva, por provas explícitas da realidade, por argumentos lógicos,
plausíveis e aparentemente convincentes, e o delírio é considerado
irredutível, irrefutável; 3. impossibilidade do conteúdo – teoricamente é o
aspecto mais evidente do delírio, porém, do ponto de vista psicopatológico,
o aspecto mais frágil; isso porque o fato que o paciente relata pode ocorrer
realmente; por exemplo, um paciente que tem delírios de ciúme e sua
mulher realmente o trai. Portanto, é necessária investigação com familiares
ou amigos para avaliar melhor esse fator; 4. produção associal – deve ser
uma crença idiossincrática em relação ao grupo cultural do paciente. Em
geral, o delírio é uma crença limitada a apenas uma pessoa (a qual destoa
fortemente se comparada com seu meio cultural) e não costuma aproximá-
la a um grupo ou uma comunidade; trata-se de uma informação fora do seu
cotidiano ou contexto social.
O delírio é muitas vezes vivenciado como algo evidente; o paciente
tem a certeza de que as coisas acontecem exatamente daquela forma,
segundo o seu juízo delirante.
12. AFETIVIDADE
A afetividade é uma atividade do psiquismo que constitui a vida emocional
do ser humano. Ela é contínua no tempo, pois não se pode deixar de sentir
afetos. Trata-se de um termo genérico que tenta definir uma variedade de
vivências afetivas. Os tipos de vivências afetivas são: humor (estado de
ânimo), emoções, sentimentos, afetos e paixões.
• Humor: tradicionalmente, o humor é definido como o estado
emocional interno e continuado do paciente. É a tonalidade de
sentimento predominante e mais constante. O humor pode oscilar
entre os polos da alegria, da tristeza e da irritabilidade, assim como
entre a calma e a ansiedade.
13. VOLIÇÃO
A volição, ou vontade, é uma função psicopatológica complexa, a qual se
relaciona com a esfera instintiva, afetiva e intelectiva. Consiste basicamente
no ato de intencionar, avaliar, julgar, analisar e decidir algum pensamento
ou ação. É um processo psíquico de escolher uma entre diversas
possibilidades de ação; é uma atividade consciente de direcionamento
sofrendo influência de fatores cognitivos e socioculturais.
As vivências volitivas dividem-se em quatro etapas: intenção (ou
propósito), deliberação (ou análise), decisão e execução. A primeira fase, a
intenção, representa uma tendência para a ação; a segunda, a deliberação,
consiste na ponderação a respeito das possibilidades de ação, analisando-se
os aspectos positivos e negativos, bem como as possíveis consequências
dessa atitude; a terceira fase, a decisão, seria quando o sujeito opta por uma
dessas possibilidades de ação; quando o projeto motor é executado para
realizar o ato que foi mentalmente aprovado; ocorre, então, a quarta e
última fase, a de execução.
14. INTELIGÊNCIA
A inteligência pode ser entendida como o conjunto de habilidades
cognitivas de um indivíduo, que está relacionada à competência de resolver
problemas, por meio de compreensão da situação, formulação e testagem de
hipóteses. Também está ligada à habilidade de adequação, de síntese e
crítica, de abstração e generalização, de distinção entre o que é essencial e o
que é secundário, de lidar com conceitos, julgar e raciocinar, e de utilizar o
pensamento de forma competente e bem-sucedida.
A avaliação dessa função, de forma empírica na situação de entrevista,
envolve uma estimativa do nível de desempenho intelectual esperado, em
função da escolaridade e do nível sociocultural. No momento da entrevista,
verificamos se o sujeito é capaz de usar e compreender conceitos, metáforas
e analogias, bem como a adequação de seus juízos e raciocínios e a riqueza
de seu vocabulário. Obter informações a respeito do rendimento estudantil
ou profissional, sobre como a pessoa lida com situações adversas do dia a
dia e sobre sua conduta social podem ter mais valor do qualquer teste. A
avaliação psicodiagnóstica, por meio de testes específicos de inteligência,
deve ser realizada quando for observada na entrevista a presença de déficits
específicos.
14.1. Alterações da inteligência
15. PSICOMOTRICIDADE
A psicomotricidade é a capacidade de projetar o modelo psíquico
consciente ou inconsciente para a ação, responsável pela discriminação dos
movimentos a serem realizados em determinada tarefa.
16. CONSCIÊNCIA DO EU
Da mesma forma que existe uma consciência em relação aos objetos e ao
meio circundante, existe a consciência do eu, que pressupõe a tomada de
consciência do próprio corpo e mente. As dimensões do Eu e suas
principais alterações são as explicadas a seguir.
• Existência do Eu (ou vitalidade do Eu): é a sensação de estar vivo,
de existir inteiramente, de se sentir fisicamente presente de fato. No
tocante a suas alterações, a consciência da existência do Eu pode
estar reduzida ou aumentada. Se reduzida, o paciente vai relatar que
suas sensações corporais, seus sentimentos, suas lembranças ou sua
motivação estão menos intensos (como na depressão); se aumentada,
ocorre uma exacerbação do sentimento vital (como na mania).
17. INSIGHT
• O insight, também chamado de consciência de morbidade, se refere
à percepção do indivíduo sobre seu estado de saúde. Dizemos que o
insight está presente quando o paciente consegue reconhecer que
determinadas vivências ou comportamentos seus estão alterados, por
meio da noção que há uma doença está acometendo-o e que se trata
de um transtorno mental, não físico. Pacientes com consciência da
morbidade possuem melhor adesão ao tratamento, visto que é de se
esperar que quem não se ache doente não queira se tratar.
SIGLAS
• EM Exame Mental
• RNC Rebaixamento do Nível de Consciência
Síndromes do Humor
Nesta seção reunimos as manifestações patológicas do humor que o
generalista deve se habituar com o diagnóstico e manejo, seja pela
importância epidemiológica, seja pela sua importância clínica. Além das
principais nosologias – depressão maior, depressão persistente (distimia)
e transtorno bipolar – incluímos também a crise suicida. Essa, a crise
suicida, apesar de presente nesta seção, não é provocada apenas pelas crises
de humor, como veremos no capítulo que trata sobre o tema; contudo, as
doenças do humor são as patologias psiquiátricas mais implicadas no
suicídio.
As polarizações do humor caracterizam-se pela saída do paciente do seu
tônus afetivo basal normal (a eutimia) e a migração, de forma consistente,
por vários dias, a maior parte do tempo, para os polos depressivos –
distimia e hipotimia (depressão) – ou para os polos maniformes –
hipomania e mania. Há também pacientes que, de forma contra intuitiva,
experimentam sintomas dos dois polos simultaneamente, condição
conhecida tradicionalmente como episódio misto. O DSM-5 prefere adotar
a nomenclatura “características mistas”. Exemplo: um paciente que
preencha critérios para um episódio maníaco com características mistas
deve ter os critérios para mania satisfeitos e, pelo menos três sintomas do
polo oposto (depressão), devem estar presentes simultaneamente.
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
O estado melancólico é reconhecido desde os tempos de Hipócrates. O
próprio termo “melancolia” significa “bile negra”, de acordo com a
teoria humoral difundida na Grécia Antiga. Foi só durante o Iluminismo
que tal estado foi caracterizado como uma “neurose”, termo empregado
de forma pioneira por William Cullen. Apenas no século 19 o termo
“depressão” surge, pela primeira vez, com um sentido mais próximo ao
atual, e por volta de 1860 a palavra começa a aparecer nos dicionários
médicos. Philippe Pinel classificou a “melancolia” como doença e
destacou a predisposição desses pacientes a cometerem suicídio.
O assunto que abordaremos aqui é de extrema relevância, visto que
o transtorno depressivo maior (TDM) foi considerado pela Organização
Mundial da Saúde como o “mal do século” e afeta aproximadamente
264 milhões de pessoas no mundo inteiro. Trata-se de uma doença que
se comporta como um sequestrador, que além de roubar a vitalidade de
sua vítima, a faz acreditar que não existe solução para seus problemas,
quando, na verdade, a chave para sair do cárcere encontra-se em suas
mãos. A tarefa do médico psiquiatra e do psicólogo, ambos em ação
conjunta, é fazer com que o paciente entenda que pode ser ajudado e
que, com o tratamento correto, a doença pode ter sua resolução.
Para entendermos melhor com o que estamos lidando, é preciso
saber que a depressão maior está dentro do conjunto de transtornos do
humor unipolares (em contraste com os transtornos de humor
bipolares). É caracterizada pelo DSM-5 como a presença de humor
triste, vazio ou irritável em associação com alterações somáticas e
cognitivas, causando algum nível de prejuízo à pessoa afetada, com
duração igual ou superior a duas semanas, não ultrapassando dois anos
de forma ininterrupta (critério este que se faz presente para o
diagnóstico de depressão persistente ou distimia, explicitada mais
adiante neste capítulo). Para fechar o diagnóstico de transtorno
depressivo maior é preciso que o paciente apresente pelo menos 5
critérios destes listados a seguir, sendo obrigatória a presença de pelo
menos um dos dois primeiros critérios:
3. ASPECTOS SOBRE
EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA
A depressão é considerada mundialmente a maior causa de
incapacitação e, segundo a Organização Mundial da Saúde, em 2030,
projeta-se que será a enfermidade mais prevalente no planeta. Um
estudo populacional realizado em São Paulo estimou que 10,6% da
população brasileira apresentava um episódio depressivo ao longo de
12 meses. A depressão é responsável pela maior parte dos suicídios,
sendo que 2/3 das ocorrências de tal fenômeno são cometidas por
portadores de depressão.
Os transtornos depressivos apresentam alta comorbidade com outros
quadros clínicos gerais, como artrite, lombalgia, problemas
cardiológicos (incluindo infarto agudo do miocárdio), hipertensão
arterial e hipotireoidismo, para citar alguns. Quando isso ocorre,
geralmente há um pior prognóstico para ambos os problemas. Devido a
tal fato, nem sempre é fácil reconhecer um quadro depressivo, pois boa
parte dos sintomas físicos dos pacientes que buscam atendimento
ambulatorial não está associada a processo orgânico de doença. O
diagnóstico mais comum em cuidados primários é o de não doença.
Quanto mais sintomas físicos sem explicação o paciente apresente,
maior a chance de receber um diagnóstico de depressão e maior será
sua incapacidade social e profissional.
Boa parte (cerca de 46%) dos pacientes que sofrem de um episódio
depressivo terão um segundo episódio. Também é alto o número de
pacientes com curso crônico sem remissão dos sintomas. Aqui
deparamos com as diversas modalidades de apresentação da depressão
maior, que pode se configurar como “episódio depressivo maior”
(nomenclatura reservada a um primeiro quadro de depressão
apresentado que preencha os critérios diagnósticos anteriormente
citados; “transtorno depressivo recorrente”, quando o paciente já
apresenta uma recorrência de quadro depressivo maior) “depressão
persistente” ou distimia, quando o indivíduo apresenta sintomas por um
período maior que 2 anos, porém que não preenchem critérios
completos para um episódio maior (explicado posteriormente neste
capítulo).
É interessante mencionar que o TDM é mais prevalente no sexo
feminino. Para ilustrar essa realidade usaremos um estudo transversal
realizado no município da Zona da Mata Mineira, nas Unidades de
Saúde da Família desse mesmo local, em que comparando com a
porcentagem de TDM em homens (9,7%), as mulheres alcançaram a
porcentagem de 21,6% dos casos da população. Acredita-se que o
transtorno depressivo maior seja causado por múltiplos fatores, que em
conjunto ajudam a desencadear essa doença, e alguns eles estão
representados no fluxograma a seguir.
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Logo no início deste capítulo, no tópico em que estávamos discutindo o
caso, foi mencionado que era preciso que o médico que estivesse o
conduzindo soubesse diferenciar bem as patologias, para assim
diminuir a probabilidade de erro diagnóstico. Assim, também foi dito
que o caminho para o acerto do diagnóstico encontrava-se em uma boa
anamnese, delimitando o início dos sintomas, o fator desencadeante
deles – se houver algum – bem como a frequência e por último o
prejuízo causado por eles no dia a dia do paciente. Dito isso, podemos
prosseguir para as demais doenças que fazem parte do diagnóstico
diferencial de TDM e que podem mimetizar os sintomas (Quadro 1).
5. FARMACOTERAPIA
São utilizados antidepressivos (AD) que, apesar da alcunha, não são
utilizadas exclusivamente para transtornos depressivos, mas também
para diversas condições, como quadros patológicos de ansiedade,
transtorno obsessivo-compulsivo, transtornos alimentares etc.
Essas medicações possuem diferentes mecanismos de ação (vide
capítulo “Antidepressivos”), mas com o mesmo objetivo, que seria
aumentar a concentração e/ou a ação da serotonina e de outros
neurotransmissores envolvidos (como dopamina e noradrenalina) nas
fendas sinápticas. Sendo assim, eles têm as subdivisões apresentadas no
Quadro 2.
Iproniazida Brofaromina
Fenelzina Befloxatona
Imipramina Amitriptilina
Clomipramina Nortriptilina
Nefazodona Trazodona
Tianeptina
Reboxetina Viloxazina
Mianserina Mirtazapina
Contraindica maprotilina.
Presença de epilepsia
Cuidado com aumento de dose de bupropriona.
1 Sexo feminino
2 Humor deprimido
3 Culpa/inutilidade
4 Fadiga
5 Perda do apetite/peso
7 Possível estressor
Diminuição da concentração e
8
bradipsiquismo
6. CASO CLÍNICO 2
Ana Júlia, 18 anos, solteira, estudante, veio acompanhada de sua mãe
para o consultório de psiquiatria com queixas de tristeza, desânimo e
desesperança. Quando questionada sobre o início dos sintomas, disse
que sempre foi assim, nem lembrava há quanto tempo (pelo menos três
anos), mas que recentemente notou piora do quadro e resolveu ir ao
médico por insistência da mãe e dos amigos. Quando a acompanhante
da paciente foi interrogada sobre o comportamento da filha, ela afirmou
que Ana Júlia parecia estar triste a maior parte do tempo e não
demonstrava ter alegria, sendo raras as vezes que ela tinha bom humor.
Referiu que a filha também não se alimentava ou dormia direito, e se
referiu a ela como uma pessoa “amarga” com a vida.
7. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
Distimia é uma palavra proveniente do grego que significa “mau
humor”, que foi utilizada durante muitos anos para definir um sujeito
mal-humorado. Por essa razão, a palavra foi apropriada para definir
uma condição clínica relacionada a excesso de irritabilidade e
pessimismo em um indivíduo. Após diversas mudanças de visão sobre
tal apresentação clínica, que incialmente fora encarada como um
transtorno de personalidade, chegou-se à descrição atual, cujo termo foi
modificado para depressão persistente.
A distimia (ou transtorno depressivo persistente) seria o equivalente
ao transtorno depressivo maior, porém cronificado. Nesse caso, os
sintomas devem prevalecer por no mínimo dois anos, ou pelo menos
um ano para crianças e adolescentes. Devido a esse fator temporal
prolongado, é muito comum que o paciente declare “sou assim desde
sempre”, e dificilmente acreditará que tem algum problema de saúde.
Geralmente a busca por auxílio ocorre quando há intensificação dos
sintomas, ou quando o indivíduo é estimulado por familiares e/ou
amigos a procurar auxílio. Essa característica torna o diagnóstico da
doença muito mais difícil.
Assim, de acordo com o DSM-5, a depressão persistente ou distimia
caracteriza-se por ser um humor depressivo persistente, de início
insidioso, que está presente na maior parte do dia, por um período igual
ou maior do que dois anos. Em crianças e adolescentes o tempo para
diagnóstico é menor, podendo ser de apenas um ano. Anteriormente, a
distimia era tida como um distúrbio de personalidade – o que seria uma
condição permanente – e não como uma doença, tratável e curável com
psicoterapia e tratamento clínico.
Devido aos sintomas serem insidiosos e estarem presentes de
maneira crônica, o indivíduo que possui distimia acredita que essa é a
“personalidade” dele, o que o leva a acreditar que é uma pessoa triste e
que vai permanecer assim, não procurando a ajuda médica. O quadro
distímico pode ser tão prejudicial quanto o transtorno depressivo maior.
É importante mencionar que esse distúrbio não apresenta somente o
humor depressivo, como também podem estar presentes outros
sintomas, são eles:
1. Genética.
2. Doença mental prévia.
3. Ansiedade.
4. Estilo de vida.
5. Neuroticismo.
6. Histórico familiar (familiares de primeiro grau).
1. Depressão Maior.
2. Transtorno Bipolar.
3. Distúrbios Psicóticos.
4. Transtornos de Personalidade.
1 Sexo feminino.
2 Queixas depressivas.
3 Tempo de evolução.
7 Visão pessimista.
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
A palavra suicídio deriva etimologicamente do latim sui (si mesmo)
e caedes (ação de matar), podendo ser definida como uma morte
intencional autoinfligida. Relatos apontam que o comportamento
suicida existe desde os tempos mais antigos da humanidade, tendo
mudado apenas a forma como esse ato é visto, sendo considerado
como um evento constituinte da tradição em certas culturas, ou
ainda opção aceitável em outras, a pecado na Idade Média e, no
século XIX, sinal de doença mental.
Atualmente, em uma visão mais abrangente, o suicídio pode
ainda ser representado como todo ato pelo qual um indivíduo causa
lesão a si mesmo, qualquer que seja o grau de intenção letal e de
conhecimento do verdadeiro motivo desse ato.
Pode-se classificar o comportamento suicida em três categorias
distintas: ideação suicida, tentativa de suicídio e suicídio
consumado. A ideação suicida fica em um dos extremos, o suicídio
consumado no outro e a tentativa de suicídio entre eles. Ou seja, a
ideação suicida é compreendida como pensamentos, crenças,
imagens, vozes ou qualquer outra cognição mencionada pelo
indivíduo que se refere a acabar com a própria vida. Já o
planejamento suicida acontece no momento em que o indivíduo, já
possuindo a ideação, planeja detalhes para a realização do ato, como
o método a ser usado, o local, o melhor horário e, em alguns casos,
escrever um bilhete de despedida. A tentativa de suicídio, por sua
vez, é definida por comportamentos autoagressivos não fatais, que
podem deixar sequelas, graves ou não. Por fim, o suicídio
consumado se caracteriza pelo conjunto intencionalidade-
planejamento-ato, podendo se configurar também por meio de
comportamentos altamente danosos, que resultam na morte.
Portanto, ao analisar o suicídio, deve-se pensá-lo como uma
consequência final de um leque maior de situações que põem em
risco a vida, considerando-as como comportamentos suicidas. Ou
seja, não se deve dar atenção apenas ao ato suicida em si, no sentido
final da morte provocada intencionalmente, mas todos os fatores
que precederam aquele ato: as ideações e os desejos suicidas, assim
como os comportamentos suicidas sem resultado de morte iminente,
como, por exemplo, o etilismo crônico grave. Além disso, o
comportamento suicida não necessariamente busca especificamente
a morte como um desaparecimento real do mundo, mas muitas
vezes é uma tentativa de resolver conflitos e sofrimentos nos quais a
existência se encontra, de libertar-se de uma ausência intolerável; a
morte seria apenas uma consequência infortuna.
Para Lucas, o paciente do nosso caso clínico, devemos levar em
consideração todos os acontecimentos que marcaram sua história e
avaliar o objetivo de sua tentativa de suicídio, uma vez que pode
significar essa tentativa de resolver seus conflitos e sofrimentos.
Corrobora com esse pensamento o fato de Lucas ter medo da morte,
apesar das tentativas de suicídio.
Desemprego
Envolvimento na comunidade
Dor crônica, cirurgia recente, doença
terminal
2 Idade de Incidência
3 Estado civil
4 História de separação
5 Abuso de álcool
6 Fator de risco
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
O transtorno bipolar, também conhecido como transtorno afetivo bipolar
(TAB), é uma doença mental comum e caracterizada por alterações graves e
persistentes de humor que envolve períodos de elevação e rebaixamento de
humor intercalados com períodos de remissão. O transtorno bipolar é uma
doença episódica ao longo da vida, apresenta curso variável e resulta em
comprometimento cognitivo e redução da qualidade de vida.
No século XIX, Kraepelin separou as psicoses em dois grupos e
estabeleceu importante distinção nosológica entre a chamada demência
precoce, hoje esquizofrenia, e a psicose maníaco-depressiva (PMD). Em sua
obra, Kraepelin inicialmente dividia a PMD em vários subtipos, porém, em
1899, adotou o ponto de vista unitário e considerou que a PMD abrangia os
estados depressivos e a mania.
O TAB é uma entidade nosológica relativamente nova na classificação
psiquiátrica. Em 1980, foi introduzido como diagnóstico pela primeira vez
com o lançamento da terceira versão do manual estatístico e diagnóstico dos
transtornos mentais da Associação Americana de Psiquiatria e se firmou
como um diagnóstico distinto dos transtornos depressivos unipolares. A
Organização Mundial da Saúde também seguiu com a inclusão do TAB na
décima revisão da Classificação Internacional de Doenças no ano de 1992.
Em 2013, com o lançamento da quinta versão do manual estatístico e
diagnóstico dos transtornos mentais (DSM-5), a classe dos transtornos de
humor foi desmembrada e foram criadas as categorias dos transtornos
depressivos e transtorno bipolar e transtornos relacionados. Essa última
inclui o transtorno bipolar tipo I, transtorno bipolar tipo II, transtorno
ciclotímico, transtorno bipolar induzido por substância/medicamento,
transtorno bipolar relacionado à outra condição médica, outro transtorno
bipolar e transtorno relacionado especificado, e transtorno bipolar e
transtorno relacionado não especificado.
A mania e a hipomania são semelhantes, e ambas têm como
manifestação central um período distinto de humor anormal e
persistentemente elevado, expansivo ou irritável, e aumento anormal e
persistente de energia. Durante esse período, ambas incluem também as
seguintes características conforme o DSM-5:
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O transtorno bipolar é um transtorno mental comum e muitas vezes não é
reconhecido na atenção primária. Até 30% dos pacientes atendidos na
atenção básica com sintomas depressivos e ansiosos podem ter TAB. Os
pacientes com TAB procuram frequentemente atendimento quando estão
deprimidos e é justamente o episódio depressivo a primeira manifestação em
pacientes bipolares, tornando o diagnóstico um desafio. Como então
minimizar erros diagnósticos e diferenciar um episódio depressivo bipolar de
um unipolar?
Primeiro, lembre-se: a característica essencial para o diagnóstico de um
TAB é presença de mania ou hipomania. Os pacientes geralmente são muito
sensíveis e conscientes em relação aos sintomas depressivos, mas não
reconhecem sintomas maníacos ou hipomaníacos. É importante investigar se
o paciente tem ou já teve momentos de aumento de energia, irritabilidade
extrema e aumento de atividade dirigida a objetivos. As mesmas perguntas
devem ser feitas às pessoas próximas, pois o paciente pode ser incapaz de
identificar mudanças em seu próprio comportamento, energia ou humor.
Os critérios diagnósticos para um episódio depressivo maior são os
mesmos na depressão bipolar e no transtorno depressivo maior (TDM), e
não existe um conjunto de sintomas patognomônicos para cada transtorno. O
médico deve, portanto, estar ciente de que sintomas específicos e fatores de
risco têm maior probabilidade de estar associados a cada diagnóstico.
Queixas somáticas, perda de apetite, longa duração dos episódios,
insônia inicial e maior sensibilidade à dor são sugestivas de TDM. Já o início
da doença precoce, histórico familiar de TAB, depressão em período pós-
parto, ansiedade comórbida, ideias suicidas, labilidade, irritabilidade,
sintomas psicóticos, hiperfagia, retardo psicomotor, episódios depressivos
mistos, hipersonia e múltiplos episódios aumentam a chance do diagnóstico
de depressão bipolar.
Outros diagnósticos diferenciais, como transtornos de ansiedade,
transtornos da personalidade, TDAH, esquizofrenia, uso de substâncias
psicoativas e condições médicas gerais também devem ser descartados
durante a avaliação clínica de um paciente com hipótese diagnóstica de
TAB.
Os transtornos de ansiedade, além de diagnóstico diferencial, devem
também ser investigados como transtorno mental comórbido. Duas
metanálises recentes de análises epidemiológicas e estudos clínicos
mostraram que a taxa de transtornos ansiosos varia de 35% a 38% em
pacientes bipolares. Além de alta prevalência, os sintomas ansiosos afetam
negativamente o curso da doença e os resultados do tratamento, tendo em
vista que aumentam as taxas de suicídio e abuso de substâncias.
Avaliação clínica criteriosa é fundamental para distinguir transtorno de
ansiedade generalizada (TAG) de TAB. Aceleração do pensamento e
comportamentos impulsivos do TAB podem ser confundidos com sintomas
do TAG.
Assim como os transtornos ansiosos, é alta a prevalência de alcoolismo e
outros TUS em pacientes com TAB4 TUS comórbido dificulta o diagnóstico
e está associado a início precoce dos sintomas de humor, maior risco de
hospitalização, aumento de tentativas de suicídio, declínio cognitivo,
resposta parcial ao tratamento medicamentoso e mudanças entre os polos de
humor.
Substâncias de abuso podem ir além de uma comorbidade do TAB e ser o
desencadeador de episódios maníacos e hipomaníacos. As drogas de abuso
mais comuns incluem os clássicos agentes que causam humor acelerado e
irritabilidade (álcool, anfetaminas, cocaína e alucinógenos, além de
opioides), bem como outros agentes que nem sempre estão relacionados com
esses comportamentos. Além das drogas de abuso, medicamentos também
podem causar mania secundária. As categorias de medicamentos associadas
incluem:
5. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
Atualmente a lista de medicamentos inclui os estabilizadores de humor (lítio
e anticonvulsivantes) e antipsicóticos. As evidências para o uso de
antidepressivos no TAB são controversas. No entanto, é recomendado que
quando usados nunca sejam prescritos em monoterapia.
O carbonato de lítio é amplamente utilizado e continua sendo o padrão-
ouro para o tratamento do TAB. É o único estabilizador de humor que
demonstrou eficácia na prevenção do suicídio. A dose inicial é geralmente
300 mg duas ou três vezes ao dia e aumentos são feitos em 300 mg a cada
cinco dias, com base na resposta e na tolerabilidade do paciente. O objetivo
é atingir um nível sérico terapêutico, que geralmente ocorre com uma dose
de 900 a 1.800 mg por dia.
O tempo esperado do início de ação varia de uma a três semanas e o nível
sérico alvo para tratamento agudo está entre 0,6 a 1,2 mEq/L. A medição
deve ser feita de cinco a sete dias após o último ajuste de dose. Os efeitos
colaterais agudos mais comuns são náusea, diarreia, poliúria, ganho de peso
e tremores. Deve-se estar atento ao agravamento dos efeitos colaterais, pois
são indícios de intoxicação grave. Em longo prazo, o lítio pode afetar rins e
tireoide, e por isso função renal e tireoidiana deve ser medidas no início e a
cada seis meses de tratamento.
Os anticonvulsivantes também têm sido utilizados no tratamento com
base principalmente em evidências seguras de efeitos antimaníacos da
carbamazepina e valproato de sódio, além dos efeitos da lamotrigina como
tratamento de manutenção para reduzir a recorrência de episódios
depressivos. Outros anticonvulsivantes como topiramato e oxcarbazepina
têm eficácia duvidosa no TAB.
O valproato (ou ácido valproico) é comprovadamente efetivo na mania
aguda, mas não tem eficácia bem estabelecida para evitar recorrência de
mania e tratamento da depressão bipolar. Pode ser eficaz nos pacientes com
episódios mistos ou cicladores rápidos. É iniciado geralmente na dose de 500
a 750 mg/dia, mas em casos de mania grave, por exemplo, doses iniciais
mais altas podem ser usadas. A dose é aumentada em 250 mg a 500 mg a
cada três dias, conforme a tolerância do paciente para atingir um nível sérico
terapêutico que geralmente ocorre com 1.500 mg a 2.500 mg por dia. A
medição do nível sérico deve ser feita cinco dias após o aumento de cada
dose, e valores entre 50 e 125 mcg/mL são aceitáveis. Os efeitos colaterais
comuns do valproato de sódio incluem ganho de peso, náusea, vômito, perda
de cabelo e tremores. Devido ao risco de hepatotoxicidade e
trombocitopenia, é recomendado realizar hemograma e testes de função
hepática antes do início do tratamento e regularmente, em especial durante
os primeiros seis meses.
A carbamazepina é aprovada pelo FDA nos Estados Unidos para uso na
mania aguda e também é utilizada nos episódios mistos, já o seu uso a longo
prazo como terapia de manutenção carece de evidências. A dose inicial
recomendada é de 100 a 200 mg/dia em duas tomadas e aumentos de 10 mg
por kg são feitos a cada cinco dias. A dose máxima varia de 800 a 1.200
mg/dia, dividida em três tomadas, e os efeitos colaterais mais comuns são
sedação, queixas gastrointestinais, hiponatremia, leucopenia e reações
cutâneas. A carbamazepina apresenta um perfil ruim de interações
medicamentosas e efeitos colaterais que a colocam como opção de segunda
linha no tratamento do TAB. A droga acelera o metabolismo e reduz níveis
séricos de vários outros psicotrópicos. Os testes de função hepática,
hemograma e sódio sérico devem ser solicitados a cada seis meses.
A lamotrigina é aprovada para uso de prevenção de recaídas de
episódios maníacos e depressivos, retardando o tempo para o aparecimento
de um novo episódio de humor. Também vem sendo usada no tratamento
para depressão bipolar aguda, embora ainda não tenha sido indicada
formalmente para esse fim. A dose inicial de lamotrigina é de 25 mg uma
vez por dia durante duas semanas, que é aumentada para 25 mg duas vezes
por dia nas duas semanas seguintes. A partir dai, são feitos aumentos de 25 a
50 mg a cada uma ou duas semanas, até atingir dose alvo que é de 200
mg/dia, mas pode variar de 100 a 400 mg/dia.
Os efeitos colaterais mais comuns com o uso de lamotrigina são cefaleia,
náusea, tontura, sedação e reações cutâneas. A titulação lenta da lamotrigina
parece reduzir o risco de erupções cutâneas graves que oferecem risco a
vida. O esquema de titulação de dose deve ser ainda mais conservador em
pacientes que já fazem uso de valproato de sódio, uma vez que este aumenta
o nível sérico de lamotrigina.
Os antipsicóticos atípicos ou de segunda geração (ASG) são usados no
manejo dos episódios de mania aguda, nos episódios depressivos e como
terapia de manutenção. Apresentam início de ação mais rápido no controle
dos sintomas maníacos e psicóticos quando comparados aos estabilizadores
de humor e não apresentam necessidade de monitoramento, como lítio,
valproato de sódio e carbamazepina.
Os ASG apresentam perfis farmacológicos distintos, apesar de
compartilharem muitas propriedades. Na tabela a seguir podemos conferir as
doses inicial e máxima, bem como o manejo da titulação de cada ASG
utilizado no tratamento do TAB.
Tabela 1 - Antipsicóticos de segunda geração para o tratamento do TAB
Olanzapina + Fluoxetina
Quetiapina
1 Idade de incidência
2 Tempo de sintomas
3 Humor expansível
6 Aumento de energia
7 Atividades de risco
9 Irritabilidade/agressividade
10 Histórico de família
11 Ausência de insight
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
A ansiedade é uma característica humana que foi selecionada
durante a evolução da espécie. Na pré-história, os mais ansiosos
eram mais cautelosos quando iam procurar alimento para não serem
atacados por predadores. Enquanto isso, os menos ansiosos, por não
tomarem cuidado, ficavam mais expostos à predação. Assim,
quando falamos de ansiedade, estamos nos referindo a uma
característica que faz parte da vida e é um sentimento intrínseco ao
desenvolvimento humano. Ela está associada às mudanças naturais
do desenvolvimento, além de ser um sinal de alerta em caso de
perigo iminente. A ansiedade é uma emoção normal e esperada,
diante de situações novas, desconhecidas ou de perigo. O transtorno
de ansiedade, por sua vez, pode ser diferenciado de uma ansiedade
normal por se apresentar em nível excessivo, persistindo por
períodos além do apropriado, que leva a sofrimento e a prejuízo
funcional.
Como podemos observar no nosso caso clínico, Eduarda está
sofrendo há cerca de 3 anos com uma preocupação exacerbada, que
tem, inclusive, prejudicado seu trabalho. A preocupação excessiva
e persistente é uma característica marcante do transtorno de
ansiedade generalizada (TAG), que é muitas vezes acompanhada de
sintomas físicos e relacionados à hiperatividade autonômica e à
tensão muscular. Dentre esses sintomas, os mais comuns que
podemos citar são: palpitações, sudorese, fadiga, queimação no
estômago, tontura, insônia, dificuldade para relaxar e dores
musculares.
No quadro de TAG os sintomas ansiosos excessivos ocorrem na
maior parte dos dias, por pelo menos 6 meses e são associados a no
mínimo 3 dos seguintes:
1. Sentir-se nervoso(a),
ansioso(a) ou muito 0 1 2 3
tenso(a).
Durante as últimas 2 semanas com
Mais da
que frequência você foi Nenhuma Vários Quase todos
metade dos
incomodado pelos problemas vez dias os dias
dias
abaixo?
6. Ficar facilmente
0 1 2 3
aborrecido(a).
Pontuação:
A pontuação total (0 a 21) é a soma dos itens individuais. Pontuações totais de 5 a 9 indicam
ansiedade leve, provavelmente subclínica, e o monitoramento é recomendado. Pontuações
totais de 10 a 14 indicam ansiedade moderada, possivelmente significativa clinicamente, e
avaliação e tratamento adicionais (se necessário) são recomendados. Pontuações totais de 15
a 21 indicam ansiedade severa, provavelmente significativa clinicamente, e o tratamento
provavelmente é necessário.
8. ASPECTOS SOBRE
EPIDEMIOLOGIA E
ETIOLOGIA
Dentre os transtornos ansiosos, o TAG é o mais comum, tendo a
prevalência ao longo da vida estimada entre 5% a 9% nos EUA. No
Brasil, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS),
aproximadamente 9,3% da população sofre com algum tipo de
transtorno de ansiedade, sendo um dos países com a maior taxa de
prevalência. Estudos epidemiológicos realizados nas cidades de São
Paulo e Rio de Janeiro detectaram a presença de TAG, nos últimos
12 meses, em 2,2% a 3,5% da população e, pelo menos uma vez na
vida, em 5,8% a 6,0%.
O transtorno de ansiedade generalizada acomete duas vezes mais
mulheres do que homens. A idade de início é muito variável.
Enquanto alguns casos começam na infância, a maioria começa no
início da idade adulta, tendo outro pico observado em adultos mais
velhos ou idosos, muitas vezes relacionado a um contexto de
condições crônicas de saúde. A doença tende a apresentar um curso
crônico, com flutuação da gravidade dos sintomas. Quanto mais
cedo o início dos sintomas, maior a chance a doença desenvolver
um curso crônico e ser resistente ao tratamento.
O TAG é o transtorno ansioso mais comumente visto na atenção
primária e corresponde a mais de 50% dos casos dos transtornos
ansiosos. Além disso, está associado a um prejuízo funcional
significativo, semelhante ao transtorno depressivo maior.
Mais de 90% dos pacientes que sofrem com o transtorno de
ansiedade generalizada têm uma comorbidade psiquiátrica
associada. Desses, 48% sofrem de depressão maior. O TAG também
é frequentemente comórbido com outras condições clínicas, como
dores crônicas, cefaleia, síndrome do intestino irritável e distúrbios
do sono.
Vale salientar também a alta associação de transtorno de uso de
substância (TUS) com o TAG. Aproximadamente 35% das pessoas
com TAG se automedicam com álcool e drogas, para reduzir os
sintomas de ansiedade. Esse padrão de uso constitui um risco
aumentado de TUS entre essas pessoas.
Com relação ao curso da doença, alguns fatores podem predizer
a evolução do transtorno. Relações familiares conflituosas, presença
de comorbidades (principalmente depressão maior, transtornos de
personalidade do cluster C e outros transtornos ansiosos) estão
associados a uma menor chance de remissão do TAG. O gênero
também parece afetar a evolução da doença. O sexo feminino está
relacionado a uma menor taxa de remissão; sua vez, as mulheres
que remitem do quadro são menos propensas a recair, em relação
aos homens.
Alguns fatores de risco são bem estabelecidos para o TAG e
incluem: sexo feminino, pessoas viúvas ou divorciadas, múltiplos
fatores estressores na vida, baixo nível educacional, saúde geral
ruim e exposição a adversidades na infância (abuso sexual ou físico,
negligência e problemas parentais como violência, alcoolismo e
abuso de substância).
Sobre a etiologia do transtorno de ansiedade generalizada, suas
causas ainda não foram bem estabelecidas. Fatores genéticos,
biológicos e ambientais parecem ter um papel importante na
patogênese do TAG. Estudos envolvendo gêmeos mostram
evidência de um moderado risco genético para o transtorno, com
hereditariedade estimada em 15% a 20%.
Um construto psicológico conhecido como intolerância à
incerteza – a tendência a reagir negativamente a situações que são
incertas – tem sido evidenciado como uma característica específica
de pessoas com o transtorno de ansiedade generalizada. Embora não
esteja claro se a origem desse construto é ambiental ou genética, foi
observada a redução na intolerância à incerteza como um mediador
importante dos resultados da terapia cognitivo-comportamental
(TCC), fornecendo suporte para seu papel central nesse transtorno.
Estudos de neuroimagem funcional envolvendo pacientes com
transtorno de ansiedade generalizada sugeriram aumento da
ativação dentro de partes do sistema límbico (por exemplo, a
amígdala) e redução da ativação no córtex pré-frontal, com
evidência adicional de conectividade funcional diminuída entre
essas regiões.
9. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Os diagnósticos diferenciais do TAG são vastos e incluem
condições psiquiátricas e clínicas como hipertireoidismo,
feocromocitoma, arritmias, epilepsia do lobo temporal e várias
outras. As doenças clínicas devem ser descartadas a partir de uma
anamnese e exame físico completos, bem como exames para
investigação complementar.
Apesar de alguns transtornos mentais cursarem de forma
semelhante ao TAG, conseguir diferenciá-los é de suma importância
para manejar corretamente as patologias. No Quadro 2 serão
abordados os principais pontos que distinguem o TAG de outros
transtornos mentais.
TRANSTORNO DE
A ansiedade é restrita à preocupação quanto a ter ou
ANSIEDADE DE
contrair alguma doença grave.
DOENÇA
10. FARMACOTERAPIA
Para os pacientes que escolhem o tratamento medicamentoso, o
mais recomendado na prática clínica é iniciar com algum ISRS ou
IRSN, principalmente naqueles pacientes com depressão comórbida,
visto que eles teriam potencial de tratar as duas condições
simultaneamente. Além disso, essas medicações têm poucos efeitos
colaterais e, em geral, são bem toleradas.
Mas como iniciar a medicação? No geral, recomenda-se iniciar o
antidepressivo na menor dose possível, a fim de evitar efeitos
colaterais, como inquietação. Além disso, é importante sempre
lembrar de comunicar ao paciente que a medicação demora cerca de
2 a 4 semanas para iniciar seus efeitos. Caso o tratamento do TAG
com o antidepressivo seja eficaz, este deverá ser mantido, por, pelo
menos 12 meses, ao invés de 6 meses, como era preconizado em
estudos anteriores.
Tanto os ISRS como os duais são eficazes em reduzir sintomas
de ansiedade e em estudos controlados nenhum agente se mostrou
superior a outro. Os vários efeitos adversos dos antidepressivos
tricíclicos os impedem de ser primeira escolha no tratamento
farmacológico. No entanto, são medicações eficazes e de fácil
acesso no serviço público de saúde.
Com relação aos benzodiazepínicos (BZDs), eles demonstram
eficácia a curto prazo, tendo vantagens no efeito imediato dos
sintomas de ansiedade, podendo também ser utilizados em casos de
exacerbação aguda de ansiedade. Porém, são medicações
problemáticas como monoterapia a longo prazo, devido aos efeitos
de tolerância e dependência, além dos prejuízos cognitivos
associados a seu uso. Dessa forma, o uso de BZDs é mais indicado
no período de introdução dos ISRS ou duais, quando estes ainda não
atingiram o efeito desejado, por conta da latência terapêutica.
Dentre os BZDs mais utilizados, destacam-se o alprazolam, o
lorazepam, o clonazepam e o diazepam. Eles devem ser evitados
nos pacientes que fazem abuso de substâncias, principalmente o
álcool.
Outra medicação de primeira linha indicada no tratamento do
TAG é a pregabalina, uma medicação eficaz tanto no tratamento
agudo, quanto no tratamento de prevenção a recaídas do TAG. Esse
fármaco tem ação ansiolítica rápida, podendo fazer efeito já nos
primeiros dias (aproximadamente 1 semana) de tratamento. Sua
faixa terapêutica vai de 50 a 300 mg/dia, porém, a maioria dos
pacientes vai necessitar de doses maiores que 150 mg/dia. Seus
efeitos colaterais incluem sedação e tontura. A pregabalina pode
tanto ser utilizada em monoterapia para o tratamento de ansiedade
quanto para potencializar a ação de algum ISRS ou IRSN.
A tabela 1 a seguir ilustra as medicações de primeira linha,
trazendo informações sobre dose inicial, faixa terapêutica e
informações adicionais que podem auxiliar o clínico na escolha do
fármaco.
Tabela 1 - Medicações de primeira linha para o tratamento de
ansiedade generalizada
Dose Faixa
Características relevantes selecionadas para o
Medicação Inicial Terapêutica
tratamento de adultos com TAG
(mg) (mg)
Sedação leve
Paroxetina 10 a 20 20 a 50 Sintomas de retirada, se não for feita redução
gradual da dose
Sedação e tontura
Pregabalina 50 50 a 300 Possibilidade de tolerância, dependência e
abstinência
1 Sexo feminino
2 Fator de risco
3 Perturbação do sono
4 Preocupação intensa
5 Tensão muscular
6 Dificuldade de concentração
7 Prejuízo funcional
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SIGLAS
• BZD Benzodiazepínicos
• GAD-7 Generalized Anxiety Disorder 7-Item
• IRSN Inibidor da Receptação da Serotonina e
Noradrenalina
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
O Transtorno de Ansiedade Social (TAS), antigamente denominado de
fobia social, é um distúrbio psiquiátrico comum e debilitante,
caracterizada por um medo acentuado e persistente de uma ou mais
situações sociais (como conversar com um estranho ou com um colega,
ir a uma festa) ou atividades de desempenho (como discursar, comer,
beber em público), resultando em resposta de ansiedade e sofrimento. As
pessoas que sofrem desse tipo de fobia acreditam que quando expostas a
essas situações sofrerão críticas negativas ou serão ridicularizadas,
podendo reagir de forma variável, suportando o fato mesmo com intenso
medo ou chegar a desencadear um ataque de pânico.
Essas dificuldades nas interações interpessoais resultam em
comprometimento em quase todas as facetas da vida diária, incluindo
relacionamentos, trabalho e estudos, havendo até uma maior
probabilidade de abandonar prematuramente a escola, ter menor nível
educacional, manter empregos abaixo do seu nível de qualificação, ter
menor renda e estar em situação de desemprego. Esses pacientes relatam
má qualidade de vida, são mais propensos a tentativa de suicídio e é
mais provável que desenvolvam dependência de álcool e nicotina.
Assim, a fobia social resulta em saúde significativamente negativa, além
de consequências econômicas e funcionais.
O desconforto ansioso em situações sociais ou de desempenho pode
acontecer com qualquer indivíduo, entretanto, quando a intensidade
dessa ansiedade admite um aspecto limitante, com um comportamento
de evitação excessiva, com representação negativa na vida do paciente,
caracteriza-se a fobia social. Uma patologia nova na saúde mental,
reconhecida em meados da década de 1980, seus sintomas deixaram de
ser considerados uma “timidez excessiva” e caracterizaram um
transtorno de ansiedade limitante do funcionamento social e profissional
dos indivíduos.
O diagnóstico é clínico e baseia-se nos critérios do Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition (DSM-5). Para isso
os pacientes devem ter:
3. ASPECTOS SOBRE A
EPIDEMIOLOGIA E A ETIOLOGIA
Estudos indicam que as mulheres (9%) são mais propensas a ter fobia
social e demonstram uma apresentação clínica mais grave em
comparação com os homens (7%). Sugerem que homens e mulheres
com fobia social têm idades de início de manifestações da doença
semelhantes e taxas de procura por tratamento também semelhantes. A
prevalência ao longo da vida pode ser de 13%.
Apesar de se apresentar geralmente na adolescência, no período
inicial de 15 anos, acentuando-se no desenvolvimento e na fase adulta, a
fobia social pode desenvolver-se precocemente na infância,
apresentando comportamentos de esquiva social excessiva, timidez
extrema, recusa em participar de brincadeiras comuns à idade, e se
manter sempre perto dos adultos conhecidos que lhe passam segurança
(núcleo familiar).
Além dos males da própria patologia, há associação de
comorbidades, sendo mais incidente a depressão, que pode ocorrer como
consequência do isolamento social e sentimentos de inferioridade, além
do uso abusivo do álcool e drogas, meio encontrado como redutor,
mesmo que momentâneo, da ansiedade, ocorrendo principalmente
quando o início dos sintomas é na infância ou na adolescência.
Existem muitos caminhos para o desenvolvimento da fobia social,
com uma ampla gama de fatores de risco e proteção tendo influência.
Deriva de importante interação entre fatores ambientais e intrínsecos
ainda pouco esclarecidos. Observa-se que fatores causais e de
manutenção da fobia social podem não ser os mesmos e que diferentes
fatores de risco podem ser mais ou menos influentes em diferentes
idades.
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Outras condições psiquiátricas podem manifestar sintomas semelhantes
aos do TAS, que merecem ser melhor investigados, como as citadas a
seguir.
Transtorno de pânico cursa com ataques de pânico, que consistem
em crises paroxísticas de ansiedade com duração média de 30 minutos,
na qual o paciente apresenta reações somáticas com taquicardia,
sudorese, tremores, sensação de falta de ar, medo de morrer, dentre
outros. Ataques de pânico ocorrem de forma recorrente e inesperada e
não estão relacionados diretamente ou apenas com relacionamento
interpessoal e situações sociais.
Agorafobia tem como grande marca o medo e ansiedade intensos
diante de determinadas situações, nas quais o paciente teme que algo de
ruim lhe aconteça quando permanece em locais fechados ou espaços
abertos, em uso de transporte público, ao sair sozinho de casa, ficar em
filas ou mesmo estando em meio a multidões, podendo, diante disso,
apresentar ataques de pânico. Na agorafobia, os ataques, quando
presentes, são evidentemente esperados, pois ocorrem quando o paciente
se expõe a situações temidas por ele.
Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) é caracterizado por um
comportamento perceptivo distorcido em relação à imagem corporal e
uma preocupação com um defeito imaginário na aparência ou na
inquietação exagerada em relação a imperfeições corporais identificadas.
No TDC, os indivíduos não reconhecem sua imperfeição como mínima
ou inexistente, o que acarreta importantes prejuízos no funcionamento
pessoal, familiar, social e profissional. Esse padrão comportamental é
frequentemente notado em situações sociais, sendo comum esquiva
social e tentativas de camuflagem (com maquiagem, roupas, gestos etc.),
podendo haver isolamento, que se assemelha ao que ocorre na fobia
social, pois esses comportamentos podem se tornar cotidianos,
prejudicando as atividades diárias.
Timidez normal é uma descrição comum para se referir às formas
de constrangimento que o indivíduo pode sentir na presença de outros,
incorporando um enrijecimento comportamental marcado por inibição e
evitação de um grande número de situações sociais, porém, geralmente,
a ansiedade diminui com a repetição dos eventos, como que passando
por uma adaptação, e o desconforto não está relacionado com pânico,
sendo, de certa forma, controlável.
Transtorno de ansiedade generalizada é caracterizado por
preocupação excessiva, persistente e de difícil controle, acompanhada
por alguns sintomas físicos ou psicológicos, causando sofrimento e
prejuízo no desempenho, porém o medo não envolve necessariamente
avaliação negativa por outras pessoas.
Fobias específicas consistem em medos persistentes, irracionais e
intensos de situações, circunstâncias ou objetos específicos, causando
ansiedade e esquiva, sendo possível ser identificado uma situação ou
objeto em particular, como, por exemplo, medo de determinados
animais, de altura ou de tempestades e não em situações sociais ou
relacionadas a desempenho.
5. FARMACOTERAPIA
ISRS (Inibidores Seletivos da Recaptação de
Serotonina) e benzodiazepínicos são eficazes para fobia social, embora
os benzodiazepínicos possam causar dependência física e também
possam prejudicar o pensamento e a memória, faculdades necessárias
para o sucesso da terapia cognitivo-comportamental.
Betabloqueadores podem ser usados para reduzir a frequência
cardíaca, os tremores e a sudorese experimentados pelos pacientes que
estão angustiados ao se apresentarem em público, mas esses fármacos
não diminuem a ansiedade. Podem ser utilizados como sintomáticos em
situações de exposição social. O atenolol (50 a 100mg) e o propranolol
(20 a 40mg) são utilizados 1 hora antes do desempenho.
Estudos mostram que todas as doses de escitalopram (5,10 e 20 mg /
dia) apresentaram aumento significativamente maior na eficácia
comparado ao placebo. Dado o seu perfil de tolerabilidade favorável, o
escitalopram tem uma boa relação risco-benefício, sendo a dose inicial
de 5 mg e a dose terapêutica entre 10 e 20 mg. Outras medicações da
mesma classe podem ser utilizadas, como paroxetina (dose inicial 10
mg, dose terapêutica 20-60 mg), fluoxetina (dose inicial 5 mg, dose
terapêutica 20-60 mg), sertralina (dose inicial 25 mg, dose terapêutica
50-200 mg) e citalopram (dose inicial 10 mg, dose terapêutica 20-40
mg). Podem ser utilizados também os Inibidores Seletivos da
Recaptação de Serotonina e Noradrenalina (ISRSN), a exemplo da
venlafaxina (dose inicial 37,5 mg, dose terapêutica 75-225 mg).
6. TRATAMENTO NÃO
FARMACOLÓGICO
As formas mais eficazes de tratamento para a fobia social consistem em
terapia cognitivo-comportamental (TCC) individual ou em grupo,
acompanhada, quando necessário, de utilização de fármacos adequados.
Nos casos mais graves da doença, a terapia de grupo não é aconselhável,
sendo necessário o acompanhamento individual. A TCC ensina os
pacientes a reconhecerem e controlarem seus pensamentos distorcidos e
suas convicções falsas, assim como os instrui sobre a terapia de
exposição, que consiste em exposição controlada à situação que provoca
medo e ansiedade, sempre com o objetivo de que o paciente aprenda a
controlar os sintomas físicos da ansiedade, com a modificação dos
pensamentos desadaptativos, e o enfrentamento do medo, de modo
gradual, das situações sociais para que retome a tê-las sem o temor
existente.
O tratamento infantil requer, ainda, um acompanhamento com
os pais, para orientações e colaboração no tratamento. Os pais são as
figuras fundamentais no desenvolvimento infantil de habilidades,
principalmente sociais, e, por isso, é necessária a verificação da
influência desses no comportamento da criança.
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
O termo agorafobia vem no grego antigo àγορά, ágora, que significa “praça
pública” associado ao sufixo -φοβία, que significa fobia ou “medo”. Estamos
diante de um caso de agorafobia! Faz-se necessário, para fins conceituais e
diagnósticos, a diferenciação entre Agorafobia e Transtorno do Pânico (TP).
No DSM-5, a agorafobia é caracterizada por medo acentuado e persistente
(≥ 6 meses) ou ansiedade em relação à exposição real ou antecipada,
ocorrendo na maioria das vezes em pelo menos duas de cinco situações
diferentes:
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Um dos principais diagnósticos diferenciais é o transtorno do pânico, pois TP
e agorafobia são condições de apresentação clínica similar, havendo
frequentemente diagnóstico associado de agorafobia ao TP. Ambas as
condições, de agorafobia e TP, cursam com ataques de pânico, porém, em se
tratando de agorafobia, os ataques ocorrem de forma evidentemente esperada,
quando o indivíduo se expõe às situações temidas, enquanto no TP os ataques
ocorrem de forma recorrentemente inesperada. É importante termos em mente
que o diagnóstico de agorafobia não exclui um possível diagnóstico de
transtorno do pânico, ou seja, o diagnóstico de ambos pode ser concomitante.
Fobia específica é uma condição psiquiátrica que pode cursar com ataques
de pânico, entretanto, esses estão relacionados diretamente a temor por objetos
ou situações específicas, e não de forma ampla como na agorafobia. Segundo
DSM-5, se o indivíduo teme apenas uma situação, a fobia específica é o
diagnóstico. A agorafobia também difere de uma fobia específica em termos
das consequências temidas. Se a situação é temida apenas por causa das
respostas esperadas de ansiedade ou pânico, ela se enquadra na categoria de
agorafobia. Se a situação é temida por outros motivos, é mais provável que seja
uma fobia específica.
O transtorno do pânico com agorafobia é um dos grandes fatores de risco
para o desenvolvimento de depressão comórbida. A soma de quadro
depressivo à agorafobia aumenta a probabilidade de ideação e tentativas de
suicídio, bem como uma maior duração dos episódios depressivos.
Aproximadamente metade de todos os pacientes com TP associado à
agorafobia são afetados por depressão, levando a maior comprometimento e
gravidade dos sintomas de pânico.
5. FARMACOTERAPIA
O tratamento farmacológico tem por objetivo a prevenção dos ataques de
pânico, além de reduzir ou eliminar a ansiedade que antecede a exposição às
situações agorafóbicas, diminuindo o impacto da desordem na qualidade de
vida do paciente. Várias classes de medicamentos são usadas para tratar os
sintomas do transtorno do pânico, incluindo inibidores seletivos de recaptação
da serotonina (ISRS), inibidores seletivos de recaptação de serotonina e
noradrenalina (ISRSN ), antidepressivos tricíclicos, inibidores da monoamina
oxidase e benzodiazepínicos.
Os ISRS – como citalopram, escitalopram, fluoxetina, sertralina,
fluvoxamina e paroxetina, além da venlafaxina – são considerados tratamento
de primeira linha, enquanto os antidepressivos tricíclicos – como imipramina e
clomipramina –, os benzodiazepínicos – como alprazolam, clonazepam,
lorazepam e diazepam –, e os inibidores de monoamina oxidase (imao) são
considerados tratamento de segunda linha devido ao seu perfil de efeitos
colaterais associados.
Durante o tratamento inicial com os medicamentos de primeira linha, o
início de ação terapêutica é lento, variando de 4 a 10 semanas, e muitas vezes
requer terapia combinada com benzodiazepínicos. Embora os
benzodiazepínicos tenham propriedades de efeitos ansiolíticos rápidos, estão
associados a potenciais efeitos colaterais, incluindo sedação, comprometimento
cognitivo, risco de tolerância e dependência.
Além disso, pacientes tratados com as drogas de primeira linha já citadas
frequentemente têm um aumento inicial da ansiedade, o que pode ser
prejudicial para a adesão ao medicamento antes mesmo de alcançados os
efeitos benéficos nos sintomas. Estratégias como início com doses inferiores às
mínimas eficazes e associação com benzodiazepínicos no início do tratamento
são válidas para minimizar as incidências desses efeitos adversos.
2 Idade de incidência
3 Caráter de dependência
6 Ataque de pânico
7 Ansiedade antecipatória
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
O termo pânico deriva do nome do deus grego Pã, que, com seus chifres e
pernas de bode, vagava pelos bosques tocando sua flauta. Aos que se
aventuravam em travessias pelas matas sombrias, o medo pavoroso surgia
subitamente e a autoria desse temor era creditada a Pã. Assim como as
vítimas do deus-pastor, Marília do nosso caso padece de um mal súbito,
espontâneo e desesperador, a ponto de fazê-la crer na própria morte. Estamos
diante de um ataque de pânico! Para fins conceituais e diagnósticos, faz-se
necessária a diferenciação entre ataque de pânico e transtorno de pânico
(TP).
O ataque de pânico caracteriza-se como uma crise paroxística de
ansiedade, que tem duração média de 30 minutos (atinge o pico de sintomas
em 10 minutos e menos comumente a crise ultrapassa os 60 minutos de
duração), apresentando, segundo o DSM-5, pelo menos 4 dos seguintes
sintomas:
1. Palpitações, coração acelerado, taquicardia.
2. Sudorese.
3. Tremores ou abalos.
4. Sensações de falta de ar ou sufocamento.
5. Sensações de asfixia.
6. Dor ou desconforto torácico.
7. Náusea ou desconforto abdominal.
8. Sensação de tontura, instabilidade, vertigem ou desmaio.
9. Calafrios ou ondas de calor.
10. Parestesias (anestesia ou sensações de formigamento).
11. Desrealização (sensações de irrealidade) ou despersonalização
(sensação de estar distanciado de si mesmo).
12. Medo de perder o controle ou “enlouquecer”.
13. Medo de morrer.
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O transtorno de pânico, especialmente os ataques, podem mimetizar várias
condições médicas gerais e psiquiátricas (Quadro 1).
Hipertireoidismo Agorafobia
5. FARMACOTERAPIA
O objetivo do tratamento farmacológico inclui a prevenção de ataques de
pânico, reduzir ou eliminar a ansiedade antecipatória às crises, combater a
evitação fóbica e tratar comorbidades como a depressão maior. A tabela 1
ilustra os fármacos de primeira linha para o tratamento de transtorno de
pânico.
2 Idade de incidência
3 História de separação
4 Descarga simpática
5 Tempo de crise
6 Inesperado
7 Recorrência
8 Preocupação pós-crises
10 Sintoma cognitivo
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SIGLAS
• BDZ Benzodiazepínico
• DSM-5 Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
• IRSS Inibidores de Recaptação Seletivos de Serotonina
• TAG Transtorno de Ansiedade Generalizada
• TCC Terapia Cognitivo-Comportamental
• TOC Transtorno Obsessivo-Compulsivo
• TEPT Transtorno de Estresse Pós-Traumático
• TP Transtorno de Pânico
1. CASO CLÍNICO
Renata, 20 anos, universitária, vem para atendimento após ter mudado de
moradia e seu novo endereço ser distante da sua universidade, para a qual
anteriormente era capaz de ir caminhando de casa. Atualmente, Renata tem
que fazer o trajeto de casa para a universidade de carro e relata que não há
outro meio de transporte e ninguém pode levá-la, sendo obrigada a ir
dirigindo. Renata refere que fica “aterrorizada” por ter que dirigir, sobretudo
em rodovias e em horários com muito trânsito. Até mesmo o pensamento de
entrar em um carro leva à preocupação de que pode bater o carro e morrer
em um acidente. Seus pensamentos são associados a um medo intenso e a
inúmeros sintomas somáticos, incluindo taquicardia, náusea e sudorese.
Embora Renata saiba que o medo é irracional e desproporcional, ela fica
extremamente assustada quando dirige em estradas movimentadas, tendo
que estacionar para vomitar com frequência.
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
Fobia é uma espécie particular de medo, palavra que vem do grego phobia e
é, por sua vez, derivada da palavra phobos, nome de um deus grego que
significa “pânico, terror”. Segundo a lenda, esse deus assustava e provocava
medo intenso em seus inimigos por possuir uma face terrivelmente feia.
As fobias são reações exageradas de medo ou ansiedade em situações
circunscritas, que no momento representam pouco ou nenhum perigo real,
provocando uma evitação ou resistência em relação a essas situações. Em
geral, os indivíduos tendem a experimentar ansiedade ou pânico assim que
se defrontam com o estímulo fóbico, sendo esses sintomas limitados à
situação identificada.
Os critérios utilizados para o diagnóstico de fobia específica, de acordo
com o DSM-5, contemplam a existência de um medo ou ansiedade
acentuados acerca de um objeto ou situação (por exemplo, dirigir, alturas,
animais, tomar uma injeção, ver sangue), e quando o indivíduo está diante
deles, quase invariavelmente, há uma resposta imediata. Os sintomas
apresentados pelo indivíduo são desproporcionais em relação ao perigo real
imposto pelo objeto ou situação específica e ao contexto sociocultural, os
quais são ativamente evitados ou suportados com intensa ansiedade ou
sofrimento. O medo, a ansiedade ou a esquiva é persistente, geralmente com
duração mínima de seis meses, e causa sofrimento clinicamente
significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em
outras áreas importantes da vida do indivíduo. Em crianças, esses sintomas
podem ser expressos por choro, ataques de raiva, imobilidade ou
comportamento de agarrar-se.
Situação de exposição pública ou medo de ter um ataque de pânico não
são características de fobias específicas, no entanto, a exposição ao objeto,
animal ou situação fobígena geralmente deflagra um estado de angústia, que
pode chegar a uma crise de pânico.
Os pacientes acometidos por fobias específicas podem sofrer com a
chamada ansiedade antecipatória, que é definida pelo fato de o indivíduo
ficar ansioso ou com medo somente por relembrar o alvo gerador de sua
fobia, apresentando comportamentos de fuga/esquiva para evitar as situações
fóbicas, o que pode causar comprometimento individual e interferir
significativamente na sua rotina diária, no seu funcionamento ocupacional,
nos relacionamentos interpessoais e nas atividades sociais. A evitação fóbica
é a consequência mais importante, devido ao impacto que tem na vida do
paciente, limitando sua liberdade.
Segundo o DSM-5, a fobia específica, pode resultar da associação de um
objeto ou da situação específicos com as emoções de medo e pânico, sendo
ocasionalmente desenvolvida após um evento traumático relacionado ao
objeto ou situação temida. No entanto, muitos indivíduos acometidos não
lembram o evento desencadeador da fobia e, geralmente, reconhecem o
caráter irracional e desproporcional de seus medos, não conseguindo o
controle sobre suas reações.
O diagnóstico inclui tipos distintos de fobia específica: tipo animal, tipo
ambiente natural (por exemplo, tempestades), tipo sangue-injeção-
ferimentos (por exemplo, agulhas), tipo situacional (por exemplo, carros,
elevadores, aviões) e outro tipo (para fobias específicas que não se
enquadram nos quatro tipos anteriores). O aspecto fundamental de cada tipo
de fobia é que os sintomas fóbicos ocorrem apenas na presença de um objeto
específico.
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Em relação às condições psiquiátricas no diagnóstico diferencial de fobia
específica, os transtornos de ansiedade ou humor são muito comuns. Os
médicos devem investigar transtorno de pânico, agorafobia e, até mesmo, a
esquizofrenia, pois os pacientes que a apresentam podem ter sintomas
fóbicos associados às suas psicoses. Entretanto, diferentemente dos pacientes
com esquizofrenia, aqueles com fobia específica têm consciência da
irracionalidade de seus medos e não apresentam sintomas psicóticos.
A diferenciação entre transtorno de pânico, agorafobia, fobia social e
fobia específica pode ser difícil em casos individuais. Em geral, porém,
pacientes com fobia específica tendem a experimentar medo ou ansiedade
imediatamente após entrarem em contato com o estímulo fóbico. Além
disso, a ansiedade ou o pânico na fobia simples são limitados a uma situação
específica; os pacientes, geralmente, não demonstram sintomas quando não
estão diante do estímulo fóbico ou quando não o antecipam.
O transtorno de pânico, por exemplo, não se baseia em uma situação
específica ou em um certo objeto relacionado e, geralmente, ocorre de
repente e espontaneamente. Pacientes com fobia específica podem
apresentar ataques de pânico, mas a presença desses ataques, quando
ocorrem, ligam-se diretamente às situações e/ou objetos temidos. Tomemos
como exemplo um paciente que tenha fobia específica a objetos cortantes.
Caso enfrente alguma situação em que esteja diante de uma faca,
possivelmente cursará (e somente nessas situações) com ataque de pânico,
ou seja, sempre são crises esperadas.
Na agorafobia, embora seja marcada por medo e ansiedade intensos
diante de situações temidas, os sintomas geralmente só ocorrem em
momentos determinados, como, por exemplo, o paciente pode ter medo que
algo de ruim aconteça consigo quando se encontra em locais fechados ou
espaços abertos, em uso de transporte público, ao sair sozinho de casa,
permanecer em filas ou mesmo estando em meio a multidões.
Na fobia social, o foco está no medo de situações sociais, incluindo
aquelas que envolvem avaliação e julgamento de outras pessoas ou apenas o
contato com estranhos, ou seja, os sintomas de ansiedade ocorrem em
situações sociais, como comer ou falar em público, participação em grupos,
conferências e festas.
Outras patologias a se considerar no diagnóstico diferencial de fobia
específica são hipocondria, TOC (transtorno obsessivo-compulsivo) e
transtorno da personalidade paranoide. Enquanto a hipocondria é o medo de
ter uma doença ou contrair doença grave, a fobia específica do tipo doença é
o medo de contrair qualquer doença, independentemente de sua gravidade
real, e esse medo trará reações desproporcionais inerentes às fobias simples.
Alguns indivíduos com TOC podem manifestar comportamentos parecidos
com os de uma pessoa com fobia específica, o que dificulta a diferenciação.
Por exemplo, enquanto pacientes com TOC podem evitar objetos cortantes
porque têm pensamentos obsessivos sobre machucar familiares, os com
fobia específica de objetos cortantes podem evitá-los por medo de se
cortarem. Ainda, o paciente com TOC do exemplo anterior possivelmente
terá comportamento compulsivo compensatório (por exemplo, rezar um pai-
nosso para afastar o pensamento obsessivo). Pacientes com transtorno da
personalidade paranoide têm um medo relacionado a traições de pessoas
próximas ou mesmo de serem perseguidos (sem crenças delirantes) de
alguma forma, por exemplo, o que difere da especificidade do objeto temido
na fobia simples.
As condições médicas não psiquiátricas que podem resultar no
desenvolvimento de uma fobia incluem uso de substâncias
(particularmente, alucinógenos e simpatomiméticos), tumores do sistema
nervoso central e doenças cerebrovasculares. Contudo, nessas condições,
os sintomas fóbicos, quando presentes, estarão acompanhados de alterações
no exame clínico e com dados na anamnese que reforcem as hipóteses de
origem orgânica.
Algumas pesquisas sugerem que indivíduos com fobia específica têm
uma probabilidade aumentada de terem doenças físicas e mostram que, além
de estar associada com outros transtornos mentais, dependendo do tipo de
fobia, pode estar associada a um aumento da probabilidade de desenvolver
condições físicas como doenças cardíacas, gastrointestinais, respiratórias,
artríticas, enxaquecas e doenças da tireoide.
2 Idade de incidência
4 Situação temida
5 Ansiedade antecipatória
6 Medo desproporcional
Sabe-se que a imensa maioria dos pacientes com fobia específica não
procura atendimento, pois, evitando o objeto/situação temido, não padecem
de nenhum sofrimento. Todavia, Renata se defrontou com uma circunstância
em que seria inevitável escapar do seu temor. É importante ressaltar que a
fobia simples tem um caráter de ser irrefreável e desproporcional, e isso é o
que traz as limitações do transtorno. Ter “aversão” é totalmente diferente de
ter fobia simples!
A terapia de exposição pode ser indicada para a paciente do caso. Em
paralelo, o clínico pode optar por prescrever um betabloqueador para frear as
reações adrenérgicas da fobia de Renata enquanto ela dirige. O uso de
benzodiazepínicos não seria uma boa opção, pois pode haver
comprometimento de atenção e velocidade de reação, elementos
indispensáveis a condutores de veículos.
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
A maioria das pessoas está sujeita a um evento traumático pelo menos uma
vez na vida, contudo, alguns fatores como ocupação e local de moradia,
definirão a probabilidade de exposição traumática (por exemplo: militares
como Joana são mais propensos a traumas que outras classes de
trabalhadores).
Nessa perspectiva, ser exposto a uma situação traumática não prediz
necessariamente o desenvolvimento de sintomas psiquiátricos. Uma parcela
da população poderá apresentar alguns sintomas de angústia a curto prazo,
que se dissiparão em algumas semanas, na maioria dos casos, sem a
necessidade de qualquer intervenção formal.
Entretanto, uma minoria, daqueles expostos a um trauma, desenvolverá
problemas de saúde mental a longo prazo, incluindo, mas não se limitando,
ao Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), que consiste em um uma
condição que pode se desenvolver após a exposição a eventos traumáticos
extremos, como violência interpessoal, combates, acidentes com risco de
vida ou desastres naturais.
Dessa forma, podemos compreender que o TEPT se desenvolve quando
um evento excede os recursos psicológicos e as estratégias de enfrentamento
do indivíduo, podendo ser entendido como uma interação entre fatores de
exposição, características do evento que ocorreu e fatores de proteção.
Então, obviamente, para o diagnóstico de TEPT é obrigatória a exposição
ao trauma. Conforme o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais – 5. ed. (DSM-5),3 para configurar TEPT, a exposição traumática
deve se enquadrar em um dos itens a seguir (Critério A):
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Muitas condições, além do TEPT, relacionadas a traumas são associadas a
reexperiência, como transtornos do humor (especialmente depressivos), luto
patológico, transtornos de ansiedade, transtornos psicóticos, abuso de
substâncias (particularmente álcool e drogas), transtorno somatoforme,
sintomas psicossomáticos e somáticos (incluindo lesões cerebrais
associadas), transtornos de conduta, mudanças de personalidade e
dificuldades de ajuste na vida pessoal e profissional. Detalharemos nos
parágrafos seguintes.
Lembremos que o TEPT é um transtorno psiquiátrico com forte
componente de ansiedade, dessa forma, outros transtornos de ansiedade
fazem parte de seu diagnóstico diferencial e serão listados a seguir, assim
como suas respectivas particularidades que os diferenciam do TEPT.
5. FARMACOTERAPIA
Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) constituem o
tratamento de primeira linha, com destaque para a paroxetina, a sertralina e a
fluoxetina, produzindo os melhores resultados em ensaios clínicos
controlados. Já a mirtazapina, apesar de apresentar uma eficácia
relativamente alta, não tem demonstrado boa aceitabilidade. A venlafaxina
tem sido utilizada como uma medicação off-label. Os antidepressivos devem
ser iniciados com doses baixas (em geral 50% da dose mínima eficaz) e
subida gradualmente nos dias subsequentes até atingirem as doses usuais
usadas para tratamento de depressão e ansiedade. Em geral, aguardam-se
pelo menos 4 a 6 semanas para avaliação de resposta. Para pacientes que têm
resposta parcial, pode ser tentado aumento da dose até a dose máxima
tolerada. Atingindo-se um platô de resposta parcial, mesmo após otimizada a
dose, pode-se associar tratamento farmacológico adjuvante como
antipsicóticos. Em pacientes com boa resposta à terapêutica, deve ser
mantida na mesma dose por pelo menos um ano antes de tentar retirar a
medicação.
Antipsicóticos atípicos, como a quetiapina, risperidona e aripiprazol, por
vezes têm sido aplicados para controle dos sintomas de reexperiências. Os
benzodiazepínicos também podem ser utilizados ocasionalmente, mas com
cautela, pois os indivíduos que sofrem de TEPT possuem risco aumentado
de dependência. O uso de benzodiazepínicos logo após eventos traumáticos
deve ser evitado.
Para tratamento adjuvante no controle de sintomas residuais de
hiperexcitação e distúrbios do sono (pesadelos), tem sido usada a prazosina,
um antagonista alfa-1 adrenérgico que atua através do bloqueio da atividade
noradrenérgica do sistema nervoso central.
1 Sexo feminino
2 Ocupação de risco
6 Evitação (critério C)
8 Excitabilidade (critéio E)
Joana tem o diagnóstico de TEPT. Note que o quadro aponta para
sintomatologia ansiosa e depressiva, mas todos os sintomas giram em torno
do trauma, sejam os sintomas intrusivos, a evitação ou a excitabilidade. O
clínico deve averiguar a presença de comorbidades como o uso de
substâncias psicoativas ou transtornos ansiosos, pois o tratamento
farmacológico dependerá também disso.
Deve-se orientar a paciente a engajar-se num processo psicoterapêutico e
prescrever um antidepressivo. A intervenção em sintomas como pesadelos
ou reexperiências com prazosina e antipsicóticos, respectivamente, deve ser
feita se houver falência ou parcialidade de resposta ao tratamento de
primeira linha.
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
Este capítulo se dedica a falar de pacientes que cursam com sofrimento
importante e limitações geradas por situações adversas cotidianas, como
desemprego, divórcio ou reprovação acadêmica. Dessa forma, é de se
esperar que os transtornos de adaptação, também chamados de transtornos
de ajustamento (TA), estejam entre os transtornos mentais mais frequentes
na prática clínica.
Mas, afinal, o que são transtornos de adaptação ou ajustamento? Segundo
o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 5ª edição
(DSM-5), os TAs se caracterizam pelo desenvolvimento de sintomas
emocionais ou comportamentais em resposta a um estressor ou
estressores identificáveis. Esses sintomas ou comportamentos devem
ocorrer dentro de três meses do início do estressor ou estressores (Critério
A). O estressor pode ser um único evento (p. ex., o término de um
relacionamento longo), ou pode haver múltiplos estressores (p. ex.,
problemas conjugais e financeiros). Os estressores podem ser recorrentes (p.
ex., repetidas reprovações em uma mesma matéria, desavenças recorrentes
com a família) ou contínuos (p. ex., uma doença dolorosa persistente com
incapacidade crescente, morar em área de alta criminalidade) e podem afetar
um único indivíduo ou uma família inteira, um grupo maior ou uma
comunidade (p. ex., um desastre natural). Alguns estressores podem
acompanhar eventos específicos do desenvolvimento (p. ex., ir para a escola,
deixar ou voltar para a casa dos pais, casar-se, tornar-se pai/mãe, fracassar
em metas profissionais, aposentadoria).
Nesse contexto, os sintomas ou comportamentos advindos do
estressor(es) devem ser clinicamente significativos, conforme pelo menos
um dos seguintes aspectos (Critério B):
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
A maioria dos transtornos mentais ou qualquer condição médica podem ser
acompanhados por TAs. O diagnóstico pode ser adjunto a um outro
transtorno mental apenas se esse último não explicar os sintomas particulares
que ocorrem em resposta ao estressor. Por exemplo, um indivíduo pode
desenvolver um transtorno de adaptação, com humor deprimido, após
reprovação acadêmica, e paralelamente ter diagnóstico de transtorno
obssessivo-compulsivo. Transtornos de adaptação frequentemente
acompanham doenças médicas gerais, podendo ser a principal resposta
psicológica do sujeito.
Na psiquiatria, geralmente há muita sobreposição de sintomas entre os
vários transtornos mentais. Como já mencionado, os TAs fazem parte do
grupo de transtornos relacionados a trauma e a estressores; assim, outras
condições desse grupo entram na lista de diagnósticos diferenciais. A seguir,
descreveremos suas distinções.
Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e transtorno de
estresse agudo: nos transtornos de adaptação, o estressor pode ser de
qualquer gravidade, não sendo necessário atender às exigências, como
gravidade e do tipo, trazidas pelo Critério A do transtorno de estresse agudo
e do TEPT. TAs deverão ser diagnosticados em indivíduos que não tenham
sido expostos a um evento traumático (com as características do critério A
para TEPT), mas ainda assim exibam o perfil sintomático significativo.
Caso estressores precipitem sintomas que satisfaçam critérios para um
transtorno depressivo maior (TDM), o diagnóstico de transtorno de
adaptação não se aplica, pois a gravidade do perfil sintomático do TDM o
diferencia dos transtornos de adaptação.
Como já discutido, uma das principais questões referentes ao diagnóstico
dos TAs está na sua diferenciação das reações normais de estresse, que
entram na lista de diagnósticos diferenciais, pois é natural apresentar uma
perturbação frente a situações adversas, contudo, só podemos definir o
diagnóstico de TAs quando a magnitude de sofrimento exceder o que se
esperaria normalmente, sendo sempre conveniente considerar os aspectos
culturais do indivíduo (p. ex. alterações no humor, na ansiedade ou na
conduta, trazidas no critério diagnóstico B dos TAs), ou quando ocorre
prejuízo funcional. Essa diferenciação é de julgamento puramente clínico.
1 Sexo feminino
2 Idade de incidência
4 Tempo de evolução
6 Risco suicida
7 Evolução autolimita
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
Ainda no século XIX, a denominação demência precoce surge do psiquiatra
Emil Kraepelin para nomear uma condição psicótica que acometia jovens
que cursava com degeneração das cognições e da personalidade. Em 1911, o
psiquiatra suíço Eugen Bleuer sugere a mudança de nomenclatura dessa
condição para esquizofrenia, um neologismo formado por dois radicais
gregos Skhízein (dividir/separar) + Phrén (mente).
A esquizofrenia é a maior causa de psicose e caracteriza-se pelo
aparecimento de disfunções no funcionamento psíquico normal
abrangendo dimensões sociais, relacionamento interpessoal,
comprometimento laboral e perda de produtividade, associado com uma
série de sintomas psicóticos, por um período contínuo, de pelo menos, 6
meses. Agora, acompanhe-me caso descrito acima: um jovem de 18 anos,
referido como uma pessoa “tímida”, que começou a apresentar um
afastamento social importante há mais de 6 meses e culminou na abertura de
sintomas psicóticos francos. Como podemos reconhecer os sintomas e
pensar em esquizofrenia?
Pelo DSM-V, para se firmar o diagnóstico de esquizofrenia é preciso que
o paciente feche 6 (do A ao F) critérios diagnósticos. O critério A para
esquizofrenia afirma que o paciente deve apresentar, por pelo menos um
mês, 2 dos sintomas a seguir (sendo que pelo menos um dos sintomas deve
ser o 1, 2 ou 3):
1. Delírios.
2. Alucinações.
3. Discurso desorganizado.
4. Comportamento desorganizado ou catatônico.
5. Sintomas negativos.
Fatores
- História Familiar De Psicose Ou Esquizofrenia
Genéticos
Fatores Fatores Complicações obstétricas (estresse materno, infecções maternas,
ambientais biológicos deficiências nutricionais, retardo do crescimento intrauterino)
Traumatismo craniano
Histórico de epilepsia
Doenças autoimunes
Filhos de pais mais velhos (> 40 anos) ou mais novos (< 20 anos)
Fatores
Uso de cannabis durante a adolescência
psicossociais
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O diagnóstico diferencial das síndromes psicóticas, na maioria das vezes,
deve ser ponderado durante o primeiro episódio psicótico. O clínico deve
estar vigilante para a possibilidade de condição não psiquiátrica, induzindo
sintomas psicóticos. No quadro 2, listamos elementos que, se presentes, deve
alertar o clínico para possibilidade de causa orgânica da psicose.
Cefaleia intensa
Febre
Convulsões
Sinais neurológicos
Rebaixamento/oscilação do nível de
consciência
Alterações/déficits cognitivos
Início súbito
Idade avançada
Condições Psiquiátricas
Condições Médicas Gerais
Transtorno de Comunicação
5. FARMACOTERAPIA
Os objetivos do tratamento farmacológico vão depender da fase da doença
em que o paciente se encontra. A primeira fase é o tratamento da psicose
aguda, geralmente implementada no primeiro episódio psicótico ou após
uma recaída psicótica importante. Requer atenção imediata da equipe de
saúde e objetiva aliviar os sintomas psicóticos graves e a agitação para
alcançar a remissão parcial ou completa. Sua duração fica em torno de 6
semanas. Boa parte das vezes, nessa fase, é necessária a internação
hospitalar (ver quadro 4).
Fins diagnósticos
Estabilização da medicação
Biperideno 2 mg 2-16 mg
Ziprasidona 40 mg 80-160 mg
2 Delírio (critério A)
3 Alucinações (critério A)
10 Complicações periparto
11 Personalidade pré-mórbida
Referências
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43.
SIGLAS
• DSM-5 Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
• TDM Transtorno Depressivo Maior
• TB Transtorno Bipolar
• TOC Transtorno Obsessivo-Compulsivo
• TEA Transtorno do Espectro Autista
• TEPT Transtorno de Estresse Pós-Traumático
• TCC Terapia Cognitivo-Comportamental
• TPB Transtorno de Personalidade Borderline
• MEV Mudanças no Estilo de Vida
• SEP Sintomas Extrapiramidais
1. CASO CLÍNICO
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
Havia, há várias décadas, um conceito chamado “psicose reativa”, em que
eram descritos casos de uma psicose benigna, de bom prognóstico e que
precisava de um fator traumático para acontecer, sendo os temas dos delírios
apresentados relacionados ao evento desencadeador. Atualmente, esse
transtorno foi renomeado como transtorno psicótico breve ou psicose breve.
No caso de Josefina, conseguimos observar um fator que pode ter ajudado a
desencadear seu quadro. Mas seria apenas isso que poderia dar indício de se
tratar de uma psicose breve? Quais outros sintomas podem nos ajudar no
diagnóstico? Com essas perguntas em mente, vamos discutir algumas
características do transtorno.
Psicose breve é um transtorno psicótico agudo e transitório,
caracterizado pelo início súbito de sintomas psicóticos que duram no
mínimo um dia e no máximo um mês, geralmente associado a um evento ou
fator estressor. Os sintomas cessam completamente dentro de um mês ou
após o uso de antipsicóticos, com uma recuperação completa dos níveis
funcionais do indivíduo. O significado de “início súbito” refere-se a uma
mudança do estado normal do indivíduo para um estado claramente
psicótico, em até duas semanas, e geralmente sem um período prodrômico.
De acordo com o DSM-5, para o diagnóstico de psicose breve é
necessário a presença de, pelo menos, um dos sintomas psicóticos a seguir:
1. Delírios.
2. Alucinações.
3. Discurso desorganizado.
4. Comportamento desorganizado ou catatônico.
Desastres ambientais
Guerras
Migração recente
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Diversas condições clínicas gerais e psiquiátricas podem mimetizar uma
psicose breve, principalmente porque o transtorno possui um início súbito e
evolução aguda. No Quadro 3, a seguir, observamos os principais
diagnósticos diferenciais da psicose breve.
Quadro 3 - Diagnósticos diferenciais de primeiro episódio
psicótico e de esquizofrenia
5. FARMACOTERAPIA
Os objetivos do tratamento farmacológico são retirar o paciente da crise
aguda de sintomas psicóticos e evitar possíveis recaídas. No tratamento da
psicose breve o quadro é autolimitado, então, em menos de um mês os
sintomas terão sua resolução. Entretanto, os sintomas são graves boa parte
das vezes e requerem, por isso, intervenção imediata. Em ambiente de
urgência e emergência, podemos utilizar os antipsicóticos orais ou
parenterais (vide capítulo agitação psicomotora). Geralmente o uso dos
antipsicóticos retiram o paciente do estado psicótico agudo.
Após tranquilização inicial e investigação etiológica, é recomendado o
uso de antipsicóticos por um prazo de até 3 meses após a cessação dos
sintomas, com o objetivo de evitar possíveis recaídas. O emprego de
antipsicóticos de segunda geração é o mais indicado por seu menor
potencial de efeitos adversos e maior aderência ao tratamento.
Os benzodiazepínicos também podem ser utilizados nos pacientes em
estado psicótico agudo com o objetivo de diminuir a agitação psicomotora,
mas não são recomendados como tratamento a longo prazo, devido à sua
propensão à dependência.
6. TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO
Inicia-se após a estabilização do quadro psicótico e objetiva evitar falhas na
aderência, além de auxiliar em casos de recaídas ou sintomas residuais.
Psicoeducação para informar ao paciente e familiares sobre as
características benignas do quadro deve sempre ser executada. As
psicoterapias são estratégias que podem evitar recaídas e futuros novos
episódios psicóticos. Nas sessões psicoterapêuticas individuais, discute-se a
presença de possíveis estressores que podem ter desencadeado o episódio e é
realizada a proposição de estratégias de enfrentamento desses estressores.
A família deve ser abordada durante o processo, para orientações gerais e
engajamento em estratégias que evitem possíveis recaídas e falhas na adesão
da medicação. A família mantém um papel-chave dentro do processo de
reintegração psicológica e social do indivíduo. Para casos específicos, em
que haja uma clara disfunção intrafamiliar, a terapia de família deve ser
discutida e implementada.
1 Sexo feminino
2 Idade de incidência
3 Evolução aguda
Comportamento
4
desorganizado
5 Delírio
6 Estressor evidente
Sem relação com substâncias
7
psicoativas
9 Desorganização do discurso
11 Alucinações
Referências
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14. Del-Ben CM, Rufino ACTBF, Azevedo-Marques JM, Menezes PR. Diagnóstico diferencial de
primeiro episódio psicótico: importância da abordagem otimizada nas emergências
psiquiátricas. Rev. Bras. Psiquiatr. 2010 Oct.; 32(Suppl 2): S78-S86.
SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
Em 1939, o psiquiatra norueguês Gabriel Langfeldt propôs o termo
esquizofreniforme ao transtorno apresentado por um grupo
heterogêneo de pacientes com sintomas similares aos da
esquizofrenia, mas que os manifestavam com tempo menor de
duração e tinham bom prognóstico.
Não há ainda um desfecho claro para esse transtorno, visto que
sua relação com a esquizofrenia e os transtornos de humor ainda
não está elucidada. Apesar de a sua descrição ser conhecida há
décadas, ainda que sob diferentes estereótipos, o que talvez
justifique essa falta de clareza do transtorno esquizofreniforme
possivelmente incide na sua aparente baixa prevalência e na
dificuldade de interpretação, diferenciação e classificação dessa
patologia. É provável, inclusive, que muitos estudos tenham
resultados afetados pelo errôneo agrupamento desse transtorno com
outras doenças de natureza similar.
O transtorno esquizofreniforme possui as mesmas características
essenciais da esquizofrenia. O critério A do diagnóstico de ambas é
o mesmo e requer dois ou mais dos seguintes: delírios, alucinações,
discurso desorganizado, comportamento grosseiramente
desorganizado ou catatônico, e sintomas negativos.
A maior diferença entre essas patologias é que, no caso do
transtorno esquizofreniforme, a duração total da doença, incluindo
as fases prodrômica, ativa e residual, é de, pelo menos, um mês e
no máximo seis meses, configurando o critério B dos critérios de
diagnóstico. Se ultrapassar esse marco, trata-se de esquizofrenia ou
outro transtorno psicótico a ser investigado.
O critério C ressalta que os sintomas não preenchem critérios
para transtorno esquizoafetivo, transtorno depressivo ou transtorno
bipolar. Em outras palavras, não pode haver mania, depressão,
episódios com características mistas e, caso existam, qualquer
perturbação de humor deve estar presente durante apenas uma
minoria do tempo. Há ainda o critério D: a perturbação não é
atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância, como
medicamento ou droga de abuso, ou a outra condição médica. Há a
observação sobre especificar quanto à:
3. ASPECTOS SOBRE
EPIDEMIOLOGIA E
ETIOLOGIA
Aproximadamente uma em cada mil pessoas desenvolve transtorno
esquizofreniforme durante sua vida. Aparentemente, o distúrbio
ocorre igualmente em homens e mulheres adultos jovens, na faixa
etária entre 18 e 24 anos. No entanto, os homens podem ser
atingidos mais jovens, enquanto nas mulheres a frequência é maior
entre 24 e 35 anos.
A incidência do transtorno esquizofreniforme em diferentes
contextos socioculturais é provavelmente similar à observada na
esquizofrenia. Nos Estados Unidos e em outros países
desenvolvidos, a incidência é baixa, possivelmente cinco vezes
menor que a da esquizofrenia. Nos países em desenvolvimento, a
incidência pode ser maior, em especial para o especificador “com
características de bom prognóstico”; em alguns desses contextos, o
transtorno esquizofreniforme pode ser tão comum quanto a
esquizofrenia.
Cerca de um terço dos indivíduos com diagnóstico inicial de
transtorno esquizofreniforme (provisório) recupera-se em seis
meses, e o transtorno esquizofreniforme é seu diagnóstico final. A
maioria dos dois terços restantes vai eventualmente receber um
diagnóstico de esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo. Aqueles
que apresentam recuperação comumente exibem características de
bom prognóstico (por exemplo, início agudo, pródromo breve, falta
de deterioração psicossocial e sintomas de humor proeminentes).
Em alguns casos, as pessoas com transtorno esquizofreniforme
também apresentam sintomas de depressão, o que aumenta o risco
de suicídio. O transtorno esquizofreniforme é uma categoria
heterogênea e com etiologia multifatorial. Os fatores possivelmente
envolvidos são genéticos, bioquímicos e ambientais, a exemplo da
esquizofrenia.
4. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
Uma gama variada de transtornos mentais e condições médicas
pode se manifestar com sintomas psicóticos, que precisam ser
considerados como diagnósticos diferenciais do transtorno
esquizofreniforme. Os principais diagnósticos diferenciais são o
transtorno psicótico breve e a esquizofrenia. A atenção deve se
concentrar na duração do quadro (somatória de sintomas e
pródromo), no padrão de início e a presença de alterações de humor,
abuso de substâncias psicoativas e outras doenças médicas gerais
que possam cursar com sintomas psicóticos.
4 Sem pródromo
5 Atitude alucinatória
6 Delírio persecutório
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
O transtorno delirante se caracteriza essencialmente pela presença
de um ou mais delírios que persistem por pelo menos um mês e, em
geral, são caracterizados por uma ideia fixa, monotemática e sem
conteúdo bizarro, além de não ocasionar deterioração da
personalidade do paciente. Os delírios giram em torno de fatos
possíveis de ocorrer na vida cotidiana, como traição conjugal ou
estar doente.
O termo transtorno delirante surgiu em 1987, após a revisão da
Terceira Edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM-III). A condição era frequentemente tratada e
intitulada como paranoia, termo considerado vago e inapropriado
por alguns pesquisadores. Foi por muitas vezes tratada como uma
forma de esquizofrenia.
8. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Antes de se estabelecer o diagnóstico é de fundamental importância
levar em conta outras patologias que podem cursar com sintomas
psicóticos. Muitas vezes a diferença é sutil, e uma boa anamnese e a
avaliação do estado mental serão primordiais.
Na esquizofrenia, o paciente apresenta alucinações –
geralmente auditivas – de forma mais proeminente. Além disso,
frequentemente, o esquizofrênico tem maiores prejuízos sociais –
nos relacionamentos, nas atividades laborais, no autocuidado – e
tem alterações em várias funções mentais, como a presença de
neologismos, afrouxamento dos nexos do discurso, embotamento
afetivo e estereotipias. Em contrapartida, o paciente com transtorno
delirante não apresenta desintegração da personalidade e, por isso,
mantém as funções mentais (excetuando o juízo de realidade) de
forma intacta e tende a manter seu funcionamento próximo à
normalidade.
Casos graves de transtorno depressivo maior podem cursar
com delírios, falta de insight e pensamentos desorganizados.
Contudo, pacientes depressivos têm tais sintomas psicóticos apenas
na vigência do quadro de humor. Os delírios tendem a ter temática
congruente com a alteração afetiva (por exemplo: delírios de ruína
ou culpa). O mesmo raciocínio pode ser aplicado em pacientes com
transtorno bipolar, nos quais a presença de sintomas psicóticos
coincide com a presença da polarização do humor, além de também
serem congruentes com a afetividade (por exemplo: delírio de
grandeza ou místico/religioso na mania).
Pacientes com delírios e história de déficits cognitivos
progressivos ou agudos podem levantar a suspeita de transtorno
neurocognitivo (demência) e delirium, respectivamente. Tendem a
apresentar em pacientes com idade mais avançada (acima dos 60
anos) e têm história característica de prejuízo nas cognições. Em
caso do delirium há também indícios de causa orgânica para o
surgimento da psicose (por exemplo: sinais clínicos de infecção,
distúrbio metabólico, abstinência de alguma substância de uso
crônico ou intoxicação).
Risperidona 0,5–6mg
Olanzapina 10–20mg
Quetiapina 25–700mg
Clozapina 25–500mg
Amissulprida 100–400mg
Paliperidona 6–9mg
Pimozida 1–12mg
Clorpromazina 150–300mg
Periciazina 5mg
Paroxetina 60mg
Sertralina 50mg
Fluoxetina 20mg
Clomipramina 60–120mg
1 Sexo feminino
2 Idade de incidência
3 Crença delirante
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
Duas patologias psiquiátricas muito comuns e muito discutidas no meio
profissional e social são o Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) e a
Esquizofrenia. Na prática clínica podemos, por vezes, nos depararmos
com pacientes portadores de um transtorno à parte, que pode simular
diagnósticos errôneos dos distúrbios supracitados; trata-se do chamado
Transtorno Esquizoafetivo.
O termo “esquizoafetivo” foi introduzido pelo psiquiatra russo
Jacob S. Kasanin em um artigo publicado no ano de 1933 e é utilizado
até os dias de hoje no meio profissional para definir esse distúrbio que
une em sua apresentação os sintomas de humor e os sintomas
psicóticos. Por mais que se assemelhe e se apresente como uma
“fronteira” entre a psicose e a afetividade, não podemos definir o
transtorno esquizoafetivo como sendo somente uma espécie de “fusão”
do TAB com a esquizofrenia. Essa condição deve ser encarada como
um diagnóstico à parte e que possui os seus critérios de forma
independente dos transtornos a que se assemelha.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-
5) nos traz como critérios diagnósticos os seguintes pontos:
3. ASPECTOS SOBRE
EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA
Estima-se que menos de 1% das pessoas apresente o diagnóstico de
Transtorno Esquizoafetivo. Tratando-se da questão de gênero, a
prevalência é de 1:1 no subtipo bipolar, enquanto no subtipo depressivo
a prevalência é de 2:1, sendo o sexo feminino mais afetado. Pacientes
mais jovens tendem a manifestar o subtipo bipolar, enquanto pacientes
mais velhos tendem para o subtipo depressivo.
Como em muitos outros transtornos psiquiátricos, a etiologia do
transtorno esquizoafetivo se pauta em muitas hipóteses e poucas
conclusões. Alguns estudos sugerem como hipótese uma etiologia
genética, na qual pacientes com histórico familiar de esquizofrenia e
TAB estão mais sujeitos ao desenvolvimento de um quadro
esquizoafetivo, podendo a influência mutável dos genes contribuir com
o início e curso do quadro.
Já quando se fala de alterações neurológicas no paciente com
transtorno esquizoafetivo os estudos são ainda mais escassos. Alguns
sugerem que parte desses pacientes podem apresentar uma redução do
córtex pré-frontal e do hipocampo e, eventualmente, uma deterioração
neurocognitiva.
Por fim, estudos também sugerem que eventos de vida como perda
familiar, divórcios, ausência de figura materna durante a infância e
histórico de tentativas de suicídio podem influenciar no
desenvolvimento do transtorno. No entanto, tais asserções ainda
necessitam de mais pesquisas para confirmar os seus reais impactos no
curso patológico.
Devido à necessidade de mais estudos científicos, a real causa do
transtorno esquizoafetivo permanece desconhecida. Até o presente
momento, a hipótese de alterações genéticas associadas a fatores
ambientais aparenta ser a melhor aceita.
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Quando tratamos dos possíveis diagnósticos diferenciais do transtorno
esquizoafetivo, imediatamente pensamos nos dois principais: TAB e
esquizofrenia, dois distúrbios muito citados ao longo deste capítulo.
Contudo, outros transtornos comuns no meio profissional podem
apresentar semelhanças que podem causar confusão no diagnóstico de
pacientes esquizoafetivos. O Quadro 1 traz um resumo desses
principais diagnósticos.
Esquizofrenia
Depressão psicótica
Transtorno psicótico breve
Transtorno esquizofreniforme
5. FARMACOTERAPIA
Não existe tratamento medicamentoso específico para os pacientes
esquizoafetivos. Sendo assim, nos cabe tratar nesses indivíduos os
diagnósticos sindrômicos que eles apresentam. A sintomatologia do
transtorno esquizoafetivo é composta por três grandes síndromes: a
síndrome psicótica, a síndrome maníaca e a síndrome depressiva.
Logo, quando falamos de tratamento medicamentoso, deve vir em
nossa mente as três classes medicamentosas mais utilizadas para tratar
essas síndromes, ou seja, os antipsicóticos, os estabilizadores do
humor e os antidepressivos. A partir daí a conduta pode variar, entre
usar somente uma classe medicamentosa ou a combinação de duas ou
três. Lembrando sempre que o principal objetivo do tratamento
medicamentoso é o controle dos sintomas psicóticos e de humor. A
Tabela 1 traz um resumo das medicações que podem ser utilizadas no
tratamento do transtorno esquizoafetivo.
Anticonvulsivante/ Estabilizador do
Carbamazepina 400mg – 800mg
humor
Anticonvulsivante/ Estabilizador do
Valproato 500mg – 2000mg
humor
Medicação Classe Posologia usual
6. TRATAMENTO NÃO
FARMACOLÓGICO
Ainda não se sabe ao certo os reais efeitos de uma abordagem
psicossocial no paciente com transtorno esquizoafetivo. Alguns estudos
apontam benefícios da terapia familiar e da reabilitação cognitiva
nesses pacientes.
É necessário, diante de um paciente com um quadro com vários
desafios sociais, que a família esteja presente em todos os momentos,
desde o diagnóstico até a manutenção do tratamento. Tal apoio é
necessário inclusive para auxiliar o paciente a compreender o seu
quadro e realizar o tratamento de forma adequada. O profissional deve
visar sempre ser franco com o paciente e seus familiares na hora de
relatar o diagnóstico e o prognóstico do paciente, visto que ambos ainda
são dotados de incertezas. Buscar reinserir esses indivíduos na
sociedade no momento adequado também é de suma importância; um
treinamento de habilidades e uma reabilitação cognitiva podem ser úteis
nesse processo de reinserção.
Referências
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estatístico de transtornos mentais – DSM-5. 5. ed. Porto Alegre:
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SIGLAS
• ECT Eletroconvulsoterapia
• TAB Transtorno Afetivo Bipolar
1. CASO CLÍNICO
Adriano, 27 anos, desempregado. É trazido pelos familiares para
pronto-atendimento por apresentar inquietação, discurso pouco
desconexo, medo intenso por acreditar que está sendo perseguido
por policiais, além de apresentar movimentos de esquiva referindo
ver “monstros voadores”. Quadro tem algumas horas de evolução.
Familiares contam que paciente não dorme em casa há dois dias,
fazendo uso compulsivo de crack.
Afirmam que paciente faz uso de crack, inalantes e cocaína há 5
anos e que já teve diversas crises similares à atual, sempre após uso
intenso das substâncias supracitadas.
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
As substâncias com propriedades psicomiméticas, como cocaína,
anfetaminas, alucinógenos e Cannabis, são difundidas, e seu uso ou
abuso pode provocar reações psicóticas semelhantes a uma doença
psicótica primária. De maneira similar à psicose esquizofreniforme,
a psicose induzida por substâncias psicoativas (PISP) pode cursar
com alucinações, delírios, comportamento e discurso
desorganizado. Em jovens (14-18 anos), a dependência de
anfetaminas ou sedativos, bem como uso diário de Cannabis e
sedativos, está associada ao surgimento de sintomas psicóticos. O
uso de múltiplas substâncias diminui a idade do surgimento de
esquizofrenia e de outras psicoses do espectro da esquizofrenia.
Apesar de vários fatores etiológicos e fisiológicos, o
diagnóstico de transtorno psicótico induzido por substâncias é
clínico e, portanto, baseado predominantemente na história do
paciente, relatórios subjetivos e do exame do estado mental.
Segundo o DSM-5, deve haver pelo menos alucinação ou delírio,
sendo esses sintomas ocasionados durante ou logo após intoxicação
ou abstinência por uma substância ou após a exposição a um
medicamento. É obrigatório que tal substância/medicamento seja
capaz de produzir os sintomas psicóticos.
Tem-se como exigência também que não haja outra situação
clínica que explique melhor o surgimento dos sintomas psicóticos.
A perturbação não deve ocorrer apenas durante o curso de um
delirium. Caso haja evidências de um transtorno psicótico
adjacente (como, por exemplo, a persistência dos sintomas mesmo
após um mês de abstinência da substância), o diagnóstico de PISP
deve ser desconsiderado. É interessante perceber que as
alucinações e os delírios devem ter predominância no quadro
clínico e gravidade suficiente para requerer cuidados. Caso
contrário, o diagnóstico de intoxicação e abstinência passa a ser a
principal hipótese.
3. ASPECTOS SOBRE
EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA
As substâncias mais associadas a quadros psicóticos são os
estimulantes (anfetaminas, cocaína e crack), álcool, cannabis,
alucinógenos, inalantes e hipnóticos/ansiolíticos. Um fator de
confusão diagnóstica se refere ao fato que aproximadamente
metade dos pacientes com psicose primária também tem um
transtorno por uso de drogas e, aproximadamente, um terço desses
pacientes psicóticos apresentam distúrbios por uso de estimulantes.
A PISP é mais comum em jovens de áreas urbanas, e está
relacionada a resultados negativos, como deterioração da saúde
mental e aumento de autoagressão. O uso de metanfetaminas entre
pacientes com vulnerabilidade genética à psicose ou transtornos
psicóticos preexistentes, como esquizofrenia, pode precipitar o
surgimento ou exacerbar sintomas psicóticos.
Além disso, foi demonstrado que presença de abuso de
substâncias psicoativas no primeiro episódio de psicose associa-se
com o aumento de hospitalizações, a reduzida adesão ao
tratamento, a maior taxa de recaídas e o aumento nos custos do
serviço de saúde mental.
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Entender a diferença entre a psicose induzida por substâncias e a
psicose primária é fundamental para o manejo do curso e o
tratamento da doença. Saiba que os transtornos psicóticos
englobam várias nosologias que são distinguidas entre si pela
duração, pelo perfil dos sintomas e pela causa. Os transtornos
psicóticos primários, especialmente esquizofrenia e transtorno
esquizoafetivo, geralmente evoluem por meio de pré-morbido,
pródromo, curso progressivo e crônico do transtorno.
Delírios, alucinações,
Esquizofrenia comportamento e discurso
Mais de 6 meses.
aguda desorganizados, e sintomas
negativos.
Delírios, alucinações,
Mais de 1 dia e menos de 1
Psicose breve comportamento e discurso
mês.
desorganizado.
Delírios, alucinações,
comportamento e discurso Maior que um mês e menor que
Esquizofreniforme
desorganizado, e sintomas 6 meses.
negativos.
Referências
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
O transtorno de sintomas somáticos (TSS) é uma entidade nosológica
caracterizada por apresentar uma gama de variados sintomas somáticos que
provocam intenso sofrimento, resultando em grande perturbação na vida
cotidiana. O diagnóstico do transtorno de sintomas somáticos é definido pelo
DMS-5 como sofrimento psíquico e prejuízo na vida diária de um indivíduo
com um ou mais sintomas somáticos. Em geral o paciente relata persistência
dos sintomas por um período de, no mínimo, 6 meses; no entanto, não
precisam estar presentes de forma contínua. Além disso, um entre os três
sintomas a seguir necessita estar presente:
Vale ressaltar que sintomas somáticos que não são mais bem explicados
por uma condição médica geral não é suficiente para que o diagnóstico seja
dado. Lembre-se: a base do diagnóstico é a aflição ou perturbação
significativa causada pelos sintomas somáticos. Muitas vezes, esses sintomas
podem vir associados a doenças clínicas, com o indivíduo referindo sintomas
que podem ser justificados por uma condição de base, no entanto, são
amplificados por um transtorno de sintomas somáticos comórbido. É
comum, também, a coexistência com sintomas depressivos e ansiosos,
podendo haver um diagnóstico comórbido de transtorno depressivo ou
ansioso com TSS em 70% dos casos.
Na prática clínica, principalmente na atenção primária à saúde, é
necessário ter estratégias para suspeitar de sintomas somáticos e realizar a
investigação. Por exemplo: múltiplas queixas (em geral, mais do que 5),
coexistência de sintomas depressivos ou ansiosos e relação temporal dos
sintomas com algum conflito em sua vida, falam a favor de transtorno de
sintomas somáticos. Os sintomas apresentados pelos pacientes podem incluir
desde sintomas mais localizados, como dor abdominal, até sintomas mais
inespecíficos, como fadiga. Associado a isso, apresentam um nível de
ansiedade elevada em relação a esses sintomas, acreditando que eles são
nocivos para sua saúde, assumindo um papel central na vida do indivíduo,
muitas vezes, prejudicando suas relações interpessoais.
O alto nível de utilização de serviços de saúde é marcante, procurando,
muitas vezes, mais de um profissional devido um ou mais sintomas. Porém,
na maioria das vezes, as intervenções costumam não melhorar os sintomas
ou podem até piorar. É comum a verificação constante no corpo em busca de
alterações físicas e evitação de atividades físicas por medo de que sua saúde
seja prejudicada.
São pacientes que, durante a consulta, dificilmente trazem outros
assuntos que não sejam seus sintomas e costumam achar que suas queixas
não estão sendo valorizadas quando o profissional sugere que os sintomas
não são indicativos de doença grave ou quando é sugerido procurar um
serviço em saúde mental.
Fatores Fatores
Fatores perpetuadores
predisponentes precipitantes
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Torna-se necessário nunca desvalorizar uma queixa trazida pelo paciente,
então cabe ao clínico descartar causas orgânicas, principalmente as
endocrinopatias, doenças reumatológicas, metabólicas e neoplásicas. Vale
ressaltar que o diagnóstico de fibromialgia ou de síndrome do intestino
irritável não é suficiente para o diagnóstico de TSS, pois teria que satisfazer
os critérios diagnósticos do TSS. No entanto, há uma forte correlação entre
eles, podendo haver o diagnóstico comórbido.
O transtorno de sintomas somáticos deve ser diferenciado dos sintomas
somáticos associados a outros transtornos psiquiátricos. Por exemplo, em um
episódio depressivo ou em um transtorno ansioso, o paciente pode ter
queixas somáticas. No entanto, só teria o diagnóstico de TSS caso esses
sintomas gerassem uma ansiedade e angústia considerável, fazendo o
paciente investir tempo e energia em relação a isso, conforme os critérios do
DSM-5. Nos casos em que o paciente obedecer aos critérios de ambos, ele
terá um TSS comórbido.
Outra doença muito confundida com o TSS é o transtorno de ansiedade
de doença. Nesse caso, o paciente não tem queixas somáticas de forma
predominante, o que prevalece é o medo de adoecer. No transtorno
delirante do tipo somático, as crenças e o comportamento acerca dos
sintomas somáticos são mais fortes, chegando a ter intensidade delirante,
além de outros sintomas psicóticos, o que não se aplica ao TSS. A seguir, o
Quadro 2 apresenta vários diagnósticos diferenciais do TSS.
Em relação ao transtorno factício, a principal diferença encontra-se no
fato de que, no TSS o paciente não provoca e nem simula os sintomas
relatados.
Transtorno obsessivo
Pensamentos intrusivos e comportamentos repetitivos.
compulsivo
2 Idade de incidência
4 Fator precipitante
Referências
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14. Alexander F. Psychosomatic Medicine: Its Principles and Application. New York: Norton;
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
O Transtorno de Ansiedade de Doença (TAD), anteriormente
chamado de hipocondria, termo que foi revisado pelo DMS-5 e
entrou em desuso devido à sua conotação depreciativa. É um
distúrbio psiquiátrico caracterizado pela preocupação excessiva de
ter ou desenvolver uma condição médica grave não diagnosticada.
As pessoas que apresentam esse transtorno experimentam sintomas
de ansiedade persistente e medo de desenvolver ou ter uma doença
médica séria. Os sintomas de medo e de ansiedade presentes no
TAD são desproporcionais e persistem apesar do exame físico
normal, dos exames laboratoriais sem alterações, do curso benigno
da doença alegada e da devida tranquilização por parte dos médicos,
podendo fazer os pacientes utilizarem de maneira demasiada os
serviços de saúde e passarem por cuidados médicos extensos,
submetendo-se a procedimentos invasivos para fins diagnósticos e
até cirurgias eletivas desnecessárias. Contudo, geralmente a busca
do paciente por exames ou avaliações não é suficiente para diminuir
o nível de tensão ou então produz efeito temporário.
As pessoas que sofrem de TAD apresentam um comportamento
caracterizado por dar uma atenção excessiva às sensações
corporais normais (como funções da digestão ou sudorese) e
interpretam essas sensações de maneira errônea, acreditando que
sejam fatores indicadores de uma doença grave, bem como a
presença de anormalidades no corpo, incluindo manchas na pele,
saliências e inchaços, contrações musculares e dores, que são mal
interpretados como evidência de doença orgânica.
O transtorno de ansiedade de doença, de acordo com o DSM-5, é
definido quando os pacientes apresentam preocupação em ter ou
contrair uma doença grave e um alto nível de ansiedade em
relação à saúde. O indivíduo fica facilmente alarmado a respeito do
seu estado de saúde pessoal, podendo estar associado ou não a
sintomas somáticos que costumam ser de intensidade leve. Além
disso, é comum a presença de comportamentos excessivos
relacionados à saúde, como exames físicos repetidos e idas
excessivas ao médico com a finalidade de procurar sinais de doença.
Entretanto, esses pacientes também podem exibir uma evitação mal
adaptativa, distanciando-se de consultas médicas e hospitais. No
caso dos pacientes que já apresentam alguma condição médica ou
possuem risco elevado de desenvolver uma doença, eles costumam
apresentar preocupação excessiva ou desproporcional. Para o
diagnóstico, é necessário quadro com duração de pelo menos seis
meses e ausência de achados patológicos nos exames médicos ou
neurológicos. É preciso, também, que a preocupação não esteja
associada a outros transtornos de ansiedade.
O TAD é tipicamente uma condição mental crônica, e os
pacientes com esse transtorno podem apresentar ansiedade sobre
saúde e doença não somente em si mesmos, mas também em relação
as pessoas ao seu redor. Além disso, os pacientes com esse
transtorno comumente estão pesquisando doenças que eles
imaginam ter, assimilando o pior das informações que encontram, às
vezes induzindo o que é referido como “Síndrome do Estudante de
Medicina” ou “Cibercondria”.
As complicações do TAD podem ter um impacto negativo na
qualidade de vida e nos relacionamentos interpessoais devido a
persistência da preocupação excessiva e da obsessão com a saúde
presenciada pelas pessoas ao redor. Podem causar problemas de
desempenho no trabalho e na realização de atividades de vida diária.
É comum o surgimento de problemas financeiros devido ao número
excessivo de consultas médicas e gastos hospitalares. Apesar disso,
indivíduos com TAD geralmente não veem suas preocupações como
sendo algo de origem psicológica e, portanto, podem rejeitar a
sugestão de consultar um profissional de saúde mental.
3. ASPECTOS SOBRE
EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA
A etiologia do transtorno de ansiedade de doença ainda é
desconhecida. Entretanto, acredita-se que diversos fatores podem
estar relacionados ao desenvolvimento desse distúrbio, como as
situações citadas a seguir.
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Frequentemente, os pacientes com TAD são taxados como
“queixosos crônicos”, e não são realizados exames médicos mais
criteriosos. No entanto, o transtorno de ansiedade de doença deve
ser diferenciado de outras condições clínicas. O diagnóstico
diferencial inclui transtorno de sintomas somáticos, transtorno
obsessivo-compulsivo (TOC), transtorno de ansiedade generalizada
e transtorno dismórfico corporal.
O transtorno de ansiedade de doença diferencia-se do
transtorno de sintomas somáticos pelo fato de que, no primeiro,
há uma maior ênfase no medo de ter uma doença em detrimento de
uma preocupação com muitos sintomas, mas ambos podem existir
em graus variados em cada um dos transtornos. Pacientes com TAD
costumam se queixar de menos sintomas do que aqueles com
transtorno de sintomas somáticos, sendo a possibilidade de adoecer
a sua principal preocupação.
Em relação aos transtornos depressivos e de ansiedade, nos
quais também é muito comum os pacientes apresentarem medo de
adoecer ou de estar gravemente doente, se um indivíduo apresentar
todos os critérios diagnósticos para transtorno de ansiedade de
doença e para outro transtorno mental importante, como o
depressivo maior ou o de ansiedade generalizada, deverá receber os
dois diagnósticos. No caso dos pacientes com transtorno de pânico,
eles podem, a princípio, se queixar de que estão afetados por uma
doença (por exemplo, problemas cardiovasculares), mas uma
anamnese detalhada é capaz de revelar os sintomas clássicos de um
ataque de pânico, por exemplo. Na esquizofrenia e em outros
transtornos psicóticos, a presença de delírios somáticos ou
hipocondríacos pode ser diferenciada do TAD pela convicção
delirante, além da presença de outros sintomas psicóticos. Os
delírios somáticos de pacientes com esquizofrenia tendem a ser
bizarros. A diferenciação do TAD e do TOC se dá pela
singularidade das crenças e pela ausência de traços de
comportamentos compulsivos.
Quadro 1 - Diagnósticos Diferenciais de Transtorno
de Ansiedade por Doença
Condições psiquiátricas
Transtorno de adaptação
Transtorno Factício
Referências
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
O termo “conversão” foi descrito inicialmente por Sigmund Freud,
durante o famoso caso de Anna O, uma jovem que apresentava
sintomas (aparentemente neurológicos) inexplicáveis para os
neurologistas da época. Suas queixas começaram após a perda do
pai por tuberculose. Casos como esses eram tratados pela teoria da
“histeria” do século XIX. Derivada da palavra grega Hysteron – que
significa “útero” –, a histeria, estudada desde Hipócrates na Grécia
Antiga, era tida como exclusiva do sexo feminino, pois existiriam
processos psicodinâmicos específicos da mulher que estariam
“lesionados”. Atualmente, pelo DSM-5, os sintomas histéricos
foram repaginados e são também conhecidos como sintomas
neurológicos funcionais e batizados de transtorno conversivo.
É comum a crença entre os médicos que o paciente está
simplesmente fingindo os seus sintomas, porém as queixas desses
doentes são frutos de conflitos inconscientes produzidos de forma
involuntária. Geralmente, é possível identificar um estressor que
desencadeia a crise. Em pacientes com histórias familiares de
sofrimento por alguma patologia, o doente pode manifestar,
inicialmente, os sinais e os sintomas que o familiar apresentou
durante seu processo adoecimento. No caso da Anna O, o sintoma
inicial foi uma tosse intensa, parecida com a do seu pai antes de
falecer, e, somente em seguida, apareceram os sintomas
neurológicos. É importante lembrar que existem culturas em que a
conversão não se configura doença, são sintomas que ocorrem em
rituais e que não causam sofrimento ou prejuízo funcional. Nesses
casos, os sinais e os sintomas são plenamente explicados por
ocorrerem dentro de um contexto cultural, logo o diagnóstico de
transtorno conversivo não pode ser considerado.
O DSM-5 coloca como critérios diagnósticos os seguintes:
Olhos com as pálpebras abertas durante a Olhos com as pálpebras fechadas durante a
crise. crise convulsiva.
Início agudo e inesperado, paciente pode se Início gradual e duração prolongada, a queda
machucar seriamente durante a queda. é mais suave e amortecida, sem traumas.
É comum a lesão por mordida simultânea da Raramente existe lesão na língua e, quando
língua (grave, lateral da língua) e presente, será na extremidade. Rara liberação
incontinência urinária no pós-crise. esfincteriana.
Abertura ocular fácil pelo médico, sem Abertura da pálpebra resistente, o médico
dificuldades. tem dificuldade em forçar a abertura ocular.
5. ASPECTOS SOBRE
EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA
Estima-se que sintomas neurológicos sem explicação orgânica clara
correspondam a cerca de 30% nos consultórios. Análises de
populações de pacientes neurológicos sugerem que cerca de 20%
dos pacientes nos ambulatórios de neurologia possuem sintomas de
conversão.
Os dados na população geral ainda são obscuros. No entanto, o
DSM-5 aponta que a prevalência de indivíduos com sintomas
conversivos persistentes é estimada em 2 a 5/100.000 por ano.
Outros estudos e diretrizes divergem e apontam uma incidência de 4
a 12/100.000 por ano em relação à população geral. Em se tratando
de estudos com pacientes psiquiátricos, a incidência aumenta para
11 a 22/100.000 por ano.
Observou-se uma predominância de 2 a 3 vezes maior no sexo
feminino, diferença que fica mais acentuada na infância. Mulheres
com transtorno conversivo têm chance maior de terem transtorno
de sintomas somáticos. Quanto aos homens, estudos mostraram
que os doentes estavam frequentemente envolvidos em acidentes de
trabalho ou eram militares. Exclusivamente no sexo masculino,
existe uma relação entre o transtorno conversivo e o transtorno de
personalidade antissocial. Em áreas rurais há maiores prevalências
do transtorno do que em áreas urbanas.
O início do transtorno costuma ser no fim da infância até o
início da vida adulta, em geral entre os 10 e os 35 anos. Fora dessa
faixa etária é raro e está mais relacionado a problemas neurológicos
orgânicos. Histórias de abuso e de negligência durante a infância
são fatores de risco para o transtorno conversivo. Outros fatores de
risco conhecidos são doenças neurológicas de base que causem
sintomas similares e traços de personalidade mal-adaptativos.
Comumente, os doentes com transtorno conversivo apresentam
comorbidades psiquiátricas associadas. Histórico pessoal de
depressão e de quadros ansiosos, sintomas somáticos e ataques de
pânico são frequentemente relatados. Estudos em hospitais
psiquiátricos mostram que até mesmo um quarto dos pacientes
possuem um transtorno de humor clinicamente significativo.
Transtornos de personalidade, especialmente os de personalidade
histriônica e dependente, são comuns entre os pacientes com
transtorno conversivo. Além disso, foi visto que outras condições
costumam estar associadas, como: síndrome do intestino irritável,
fibromialgia e dor pélvica crônica. Podem ocorrer, também, nos
episódios de conversão, sintomas dissociativos, sendo os mais
comuns: amnésia dissociativa, despersonalização e desrealização.
6. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O principal diagnóstico diferencial são as condições neurológicas.
O médico deve realizar exame clínico neurológico, levando em
consideração as várias doenças que podem explicar de forma
consistente os sintomas apresentados. Avaliação neurológica e
realização de exame físico (além de exames de neuroimagem
quando ainda restarem dúvidas) raramente localizará alguma
patologia orgânica, porém, deve-se ter em mente que doenças
neurológicas podem coexistir com o transtorno conversivo. Em caso
de progressão dos sintomas é preciso reavaliação propedêutica.
Com isso, é mandatório a exclusão de causas orgânicas, pois existe
a estimativa que 25% a 50% dos indivíduos que recebem o
diagnóstico de transtorno conversivo acabam, posteriormente,
recebendo o diagnóstico de enfermidades neurológicas ou não
psiquiátricas.
Sobre o paciente com predomínio de sintomas sensitivos e
motores, precisamos considerar o diagnóstico diferencial de
transtorno de sintomas somáticos. Nesses casos, é comum o
paciente se queixar de parestesias e paresias. Uma característica que
pode ajudar a diferenciar o transtorno de sintomas somáticos da
conversão é a possibilidade de várias queixas não serem ligadas ao
sistema nervoso.
Uma dificuldade comum para os clínicos é saber diferenciar um
quadro de transtorno factício com a conversão. Algo que pode
ajudar a distinguir os dois transtornos é a identificação de
comportamento fraudulento, como exames com resultados
incompatíveis com o quadro, marcas de injeção ou traumas com
justificativas suspeitas. Lembrando que o no transtorno factício o
paciente falseia ou simula sintomas de forma proposital.
Outra condição que pode se confundir com transtorno
conversivo e também com o factício é a própria simulação de
doença. Sua principal característica é o ganho secundário com o
processo de adoecimento. No ganho secundário, o paciente procura
fugir das suas obrigações ou receber algum ganho perceptível (ex.:
ganho financeiro) com o seu quadro, seja ele qual for.
Existe uma forte relação entre a dissociação e a conversão,
sendo comuns sintomas dissociativos em doentes com o transtorno
conversivo. Na dissociação, há uma perturbação da consciência que
pode ser manifesta com desmaios ou amnésias, por exemplo.
Pacientes com transtorno depressivo podem relatar uma sensação
de peso generalizada nos membros, ficando imóveis por vários dias
provocando confusão com sintomas pseudoneurológicos da
conversão. Pacientes com transtorno de pânico podem apresentar
sintomas neurológicos episódicos, principalmente tremores e
parestesias.
Ganhos primários na
Fabricação status de enfermidade (por Evidências da
Transtorno
consciente dos exemplo: carinho dos falsificação do quadro
factício
sintomas familiares ou até mesmo de doença
atenção dos médicos)
Ganhos secundários
Fabricação óbvios com a doença (por Evidências da
Simulação de
consciente dos exemplo: fugir de falsificação do quadro
doença
sintomas responsabilidades ou de doença
ganho de dinheiro)
Sintomas de
Transtorno Geralmente sem
percepção Preocupações excessivas
Dismórfico alterações sensoriais
anormal com defeitos corporais
Corporal ou motoras
corporal
A confusão
ocorre, na Catalepsia depressiva,
Transtornos Fraqueza em todo o
maioria dos estado em que o paciente
depressivos corpo
casos, na fica totalmente imóvel
depressão grave
2 Idade de incidência
4 Fator estressor
5 Achados inconsistentes
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
O transtorno factício é uma entidade nosológica que foi caracterizada
pela primeira vez por Hector Gavin em 1835. Ele havia observado
pacientes que simulavam sinais e sintomas de doenças. O paciente com
esse transtorno foi descrito, inicialmente, como aquele que “quer obter
o conforto e a facilidade do hospital, evitando seus deveres”.
Durante os anos de estudo e discussão sobre o problema, muito tem
sido questionado sobre a razão dos sintomas serem passados de forma
tão dramática aos médicos. Já foi descrito também como síndrome de
Münchhausen, termo que foi consagrado em 1951 pelo médico Richard
Asher em um artigo para a revista Lancet, inspirado pelo famoso barão
alemão Hieronymus Friedrich Freiherr von Münchhausen, militar
conhecido pelo seu hábito de narrar suas histórias de guerra contra o
exército otomano, com feitos exagerados e de grande carga dramática.
Hoje, compreendemos que esse transtorno tem como pano de fundo
obter um ganho primário. Ou seja, um mecanismo de defesa
inconsciente, por meio do qual o paciente tem como motivação
participar do serviço de saúde e receber cuidados. Para diferenciarmos,
o ganho secundário consiste num “ganho palpável”, benefício
financeiro ou dispensa de obrigações (o que acontece na simulação).
No transtorno factício, não há ganho secundário. Aqui, os sintomas são
simbólicos, frutos de conflito psicológico inconsciente, e buscam
apenas estar numa posição de ser cuidado.
Os pacientes com esse distúrbio geralmente possuem conhecimento
técnico sobre os sintomas e, caso já tenham alguma patologia de base,
podem intensificar queixas de forma teatral e consistente. Pacientes
com comorbidades, como diabetes insulinodependente, podem injetar
em si doses mais altas de insulina para causar episódios de
hipoglicemia e necessitar de assistência em hospital. Nos casos em que
não possuem nenhuma patologia prévia e acabam “fabricando” os
sintomas, é comum uso de substâncias e medicamentos com o objetivo
de alterar os exames laboratoriais ou induzir doença em si. Alguns
pacientes podem adulterar exames de outras formas, como, por
exemplo, contaminando propositalmente exame de urina com fezes.
Até mesmo as queixas aparentemente incomuns, como alucinações
associados com sintomas autonômicos, podem ser resultado da mistura
de várias substâncias, como estimulantes, drogas ilícitas e fármacos.
O transtorno factício pode ser dividido em autoimposto e imposto
aos outros (conhecido anteriormente como transtorno factício por
procuração). Costuma ser de difícil manejo ao clínico generalista,
principalmente devido à falta de conhecimento para identificar e
manejar os sintomas exagerados, simulados ou induzidos pelo paciente.
O Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5)
coloca como critérios diagnósticos bem definidos no transtorno factício
autoimposto os seguintes itens:
3. ASPECTOS SOBRE
EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA
Quanto à epidemiologia, há algumas divergências na literatura. No
entanto, é encontrado na maioria dos estudos que a prevalência geral da
síndrome de Münchhausen é maior no sexo masculino, geralmente em
homens de meia-idade, solteiros, com condição financeira desfavorável
e que se afastaram de suas famílias. Quanto aos casos de pacientes com
transtorno factício com predominância de sinais e sintomas físicos, as
mulheres são comumente mais atingidas do que os homens.
Geralmente, são mulheres entre 20 e 40 anos, com história de emprego
ou formação na área da saúde, mas podem ocorrer casos fora dessa
faixa etária.
Em relação à epidemiologia do transtorno factício por procuração, é
mais comum encontrarmos mulheres, cerca de 93% dos casos, que
cometem abusos contra bebês ou crianças pequenas na idade pré-
escolar. Geralmente, é a mãe ou responsável legal que comete a
agressão. Esses casos costumam ser mais raros ou pouco reconhecidos.
Falando sobre a etiologia do transtorno factício, relatos de casos
indicam uma possível relação da doença com abuso ou privação da
infância que resultaram em hospitalizações frequentes durante a
infância. Dentro desse contexto, a criança associa a hospitalização
como uma fuga de seus processos traumáticos internos e um ganho de
atenção que ela necessita e não está recebendo de outras formas.
Quando adulto, esse processo se torna uma compulsão em que o
indivíduo reforça um círculo vicioso de internações e autoflagelo. Esse
mecanismo faz o transtorno factício se tornar mais intenso e brutal com
o tempo, um circuito em que o indivíduo comete autoagressões para se
hospitalizar e, quando recebe alta, logo encontra outra forma de voltar
ao ambiente hospitalar.
Sabemos ainda que há subnotificação, o que se atribui,
principalmente, à dificuldade dos profissionais da saúde em identificar
o problema. Ainda sobre o DSM-5, ele coloca uma posição mais clara,
acredita-se que ao menos 1% dos pacientes em ambientes hospitalares
preencham os critérios do transtorno factício.
4. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
Primeiramente, deve ser clara a diferença entre a simulação e o
transtorno factício. A simulação é um quadro fabricado de modo
consciente, cujos sinais e sintomas têm como objetivo algum ganho
secundário. Nesses casos, o processo de enfermidade possui
recompensas óbvias que são benéficas para o doente. Os tipos mais
comuns de recompensas observadas são as financeiras, fuga de
obrigações ou meramente obter comida e um lugar para dormir. Essa é
a maior diferença com o transtorno factício: a inexistência de um ganho
secundário bem definido. No espectro da doença, as recompensas são
sublimes e necessitam de total atenção para que o médico identifique os
ganhos primários. Geralmente, o doente se beneficia do estado de
doença ganhando o carinho e a atenção da equipe médica ou de outros
parentes.
Além disso, quando se fala em diagnósticos diferenciais não se pode
esquecer das demais síndromes somatoformes, em especial o
transtorno conversivo. A principal diferença com o transtorno factício
seria a sua característica de não ser uma alteração consciente do próprio
paciente. Ao contrário do transtorno factício, os sintomas não são
produzidos de forma fraudulenta. No entanto, a motivação de ambos
está relacionada à resolução de conflitos internos. De fato, essa é uma
diferença bastante subjetiva para o médico, mas é o um fator de
extrema importância durante a avaliação do doente.
Observe esse exemplo: você é o médico plantonista em uma
emergência, quando aparece uma mulher adulta de meia idade com
aparente convulsão tônico-clônica generalizada. O quadro começou
depois de uma briga intensa com o marido e, assim que os sintomas
iniciaram, os filhos a trouxeram rapidamente para o hospital. A conduta
seria fazer uso, imediatamente, de algum anticonvulsivante? Bem
difícil não se espantar e tomar uma conduta rápida, porém, esse é o
momento que você pode errar. Você pode estar diante de uma síndrome
conversiva, de uma convulsão verdadeira não provocada e de uma
convulsão verdadeira provocada por medicações (transtorno factício).
Em situações do gênero, todos esses diagnósticos devem,
obrigatoriamente, ser investigados com bastante cautela.
Como já dito, a característica de o sintoma ser fabricado de forma
consciente, ou não, ajuda na diferenciação do quadro. No transtorno
factício, costuma haver evidência da falsificação fraudulenta dos
sintomas, como marcas de injeções, reações adversas de medicamentos,
entre outros. No transtorno conversivo, os sintomas geralmente
ocorrem em associação temporal com algum estressor externo,
mostrando, assim, uma correlação clara entre o quadro apresentado e
situações estressoras vivenciadas pelo paciente. O médico deve sempre
investigar doenças prévias que possam explicar o quadro, por meio de
uma boa anamnese, detalhando a sintomatologia e tentando identificar
fatores associados.
Uma outra situação que necessita uma diferenciação é o transtorno
de sintomas somáticos, pois existem comportamentos comuns entre o
paciente somatizador e o factício. O comportamento até um pouco
teatral e a necessidade de atenção médica urgente na somatização pode
ser confundido com uma simulação, porém, vale ressaltar que o doente
somatizador é um ansioso crônico que não está de modo consciente
fabricando o sintoma.
Outra entidade que pode confundir o médico é o paciente com
transtorno de personalidade borderline. Nessas situações, pode
existir automutilação. Esses comportamentos são comuns no paciente
borderline, devendo ser considerados autoflagelos sem intencionalidade
suicida, que são sinais bem mais claros de sofrimento psíquico intenso
e não costuma ter objetivo algum de ganho pessoal.
Por último, por mais complexo que pareça, não se deve excluir a
presença de outros transtornos mentais não identificados ou até mesmo
condições médicas verdadeiras. Mesmo em pacientes com transtorno
factício, existe a possibilidade de que haja alguma doença física e que o
comportamento teatral do paciente exacerbe sua apresentação.
Ademais, outras condições mentais devem ser aventadas, podendo estar
associados diversos transtornos no paciente com transtorno factício. É
muito comum o paciente com o transtorno factício possuir alguma
história prévia de transtornos de humor (como depressão maior e
transtorno bipolar), transtornos de personalidade e transtorno por uso de
substâncias psicoativas. Dentre essas comorbidades, uma bastante
associada a pacientes com transtorno factício é o transtorno de
personalidade borderline.
Sintomas fabricados de
Sintomas neurológicos não
Transtorno forma inconsciente Sem recompensa
orgânicos (Exemplo:
conversivo (geralmente com algum óbvia
convulsão conversiva)
estressor prévio)
Paciente em
Transtorno de Automutilação não ocorre
Borderline sofrimento psíquico,
personalidade em conjunto com a fraude
geralmente, ansioso
2 Idade de incidência
5 Comportamento recorrente
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
O termo dissociar significa separar, desunir o que estava ligado. Nesse
contexto, os transtornos dissociativos são rupturas da integridade normal
de um ou mais grupos de processos mentais do indivíduo, como:
consciência, memória, identidade, percepção e controle motor. As
manifestações dos transtornos podem ser diversas e estão relacionadas com a
área afetada. Os sintomas surgem frequentemente como mecanismos de
defesa inconscientes em pessoas que vivenciaram situações traumáticas,
como negligência ou abuso infantil.
Os sintomas podem aparecer de forma súbita ou gradual e seu curso é
variável, permanecendo temporária ou cronicamente, variando entre os
demais transtornos dissociativos. Esses sintomas podem ser “positivos”,
quando ocorrem como intrusões que causam a descontinuidade na
experiência subjetiva do indivíduo, como, por exemplo, fragmentos de
identidade, despersonalização, desrealização. São “negativos” quando o
paciente perde a capacidade de acessar informações, como a memória, no
caso da amnésia dissociativa. É comum comportamentos suicidas e
autodestrutivos nos indivíduos que sofrem com esses transtornos. Por isso, é
importante questionar se há histórico de tentativa de suicídio ou de
automutilação.
Neste capítulo, abordaremos as principais subdivisões dos transtornos
dissociativos: amnésia dissociativa, transtorno de
despersonalização/desrealização e transtorno de dissociação de identidade.
3. TRANSTORNO DE
DESPERSONALIZAÇÃO/DESREALIZAÇÃO
Esse transtorno é caracterizado pela presença persistente de
despersonalização e/ou desrealização. Primeiramente, vamos definir esses
sintomas. Na despersonalização o paciente sente um distanciamento de si
próprio como um todo ou de alguns aspectos, do seu corpo, das suas
emoções, do seu pensamento ou de suas ações. Algumas vezes se sente
como um observador das suas próprias ações. São comuns que ele relate essa
sensação como: “me sinto fora do meu corpo”, “não consigo sentir os meus
sentimentos”, “meus pensamentos não parecem meus”, “estou anestesiado”,
“sinto que não controlo meus movimentos”.
A desrealização é caracterizada como um sentimento de irrealidade e
estranhamento com o ambiente ao redor. Os indivíduos vivenciam o mundo
com estranheza e, muitas vezes, apresentam distorções visuais subjetivas,
como, por exemplo, enxergam as pessoas e os objetos com embaçamento ou
névoa. Podem relatar a sensação de estar em um sonho ou vivendo em uma
bolha.
Além da despersonalização e da desrealização, ou de ambos, para o
diagnóstico desse transtorno dissociativo de despersonalização/desrealização
é necessário que o indivíduo permaneça com o teste de realidade intacto no
momento dos sintomas e que haja sofrimento clinicamente significativo que
afeta o funcionamento social, profissional ou em outras áreas da vida do
paciente. Também é importante ressaltar que os sintomas não sejam
causados por efeitos fisiológicos de substâncias ou por outra condição
médica ou por outro transtorno mental.
4. TRANSTORNO DISSOCIATIVO DE
IDENTIDADE
Por tratar-se de um transtorno complexo e que impressiona por suas
características, desperta muito interesse nas produções cinematográficas.
Nesse distúrbio, o paciente apresenta dois ou mais estados distintos de
personalidade, em que opiniões e preferências pessoais podem mudar
subitamente, repetidas vezes, além de relatarem que sentem seus corpos
diferentes.
No entanto, diferente de como esse transtorno é abordado nos filmes,
com comportamentos dramáticos e estados distintos bem elaborados, na
prática clínica e nos estudos analíticos observa-se que, na maioria dos
portadores desse transtorno, os sintomas dissociativos, como a
descontinuidade da identidade, não se apresentam abertamente por períodos
prolongados. Geralmente são sutis e discretos, por isso poucas vezes o
médico consegue observar na consulta a alternância de identidade. Nesse
caso, para o diagnóstico a investigação pode ser baseada em relatados de
familiares e amigos.
Os diferentes estados de identidades podem se sobrepor de forma
discreta e se manifestar como vozes internas, sendo importante distinguir de
alucinações auditivas presente nos transtornos psicóticos (vide tópico
“diagnóstico diferencial” mais adiante).
Além disso, para o diagnóstico é necessário que o paciente apresente
lacunas recorrentes na memória de eventos cotidianos que são incompatíveis
com esquecimento não patológico, como não lembrar de eventos importantes
da vida pessoal, por exemplo: memórias do casamento ou habilidades
adquiridas, como dirigir. Assim como os outros transtornos, os sintomas
resultam em sofrimento clinicamente significativo para o paciente e causam
prejuízos no âmbito social, familiar ou em outra área da vida do indivíduo. É
importante ressaltar que, para fins diagnósticos, essa perturbação não é
explicada por uma prática religiosa e não é decorrente de efeito fisiológico
de uma substância, a exemplo de lacunas ou alterações comportamentais
durante a intoxicação alcóolica. Também não pode ser explicado como
secundário a alguma outra condição médica.
5. AMNÉSIA DISSOCIATIVA
Na amnésia dissociativa, o indivíduo esquece informações importantes sobre
si mesmo, que são incompatíveis com o esquecimento não patológico. Os
pacientes com esse transtorno podem apresentar uma amnésia localizada, de
um evento específico da sua vida, ou, mais raramente, generalizada, de toda
a identidade. Esses sintomas causam um sofrimento significativo e prejuízo
na qualidade de vida, e não são acompanhados de lesões neurológias ou
médicas que os justifiquem, como sequelas de traumatismo craniano,
convulsões complexas parciais, nem são desencadeados por efeitos
fisiológicos de alguma substância psicoativa. No momento do diagnóstico,
deve-se excluir a presença de outro transtorno dissociativo, como de
identidade ou transtornos de estresse agudo.
O DSM-5 apresenta um especificador da amnésia dissociativa: a fuga
dissociativa. É importante ressaltarmos que essa condição também pode
estar presente no transtorno dissociativo de identidade. Nesse caso, o
paciente realiza viagem súbita, com incapacidade de recordar memórias do
seu passado, juntamente de um desejo de fuga. A duração desses episódios
geralmente é de minutos a horas, mas pode durar dias a meses.
Assim como os outros transtornos dissociativos, a amnésia dissociativa
costuma estar relacionada com traumas, sejam eles únicos ou repetidos,
como abuso sexual, experiências de combate, desastre natural, confinamento
em campos de concentração. A amnésia é potencialmente reversível e dura
geralmente por um período determinado. O paciente muitas vezes percebe os
seus sintomas, ao menos parcialmente.
7. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Alguns sintomas dissociativos podem estar presentes em outros transtornos
mentais, o que causa um fator de confusão para o clínico no momento de
diagnosticar transtornos dissociativos. Portanto, para uma boa conduta é
importante conhecer os principais diagnósticos diferenciais desses
transtornos.
Além disso, não é raro que os transtornos dissociativos estejam
relacionados a outra condição psiquiátrica, como o transtorno obsessivo-
compulsivo (TOC), em que a literatura evidencia uma relação significativa
dos dois diagnósticos, principalmente naqueles pacientes com TOC,
apresentando sintomas graves e em casos refratários ao tratamento. Por isso,
na abordagem de um paciente com sintomas obsessivos-compulsivos, é
importante questionar sobre sintomas dissociativos e investigar histórico de
experiências traumáticas. Nesse contexto, é crucial distinguir pacientes que
apresentam os dois transtornos e pacientes que apresentam apenas
transtornos dissociativos. A ausência de outros sintomas obsessivos-
compulsivos, como pensamentos intrusivos e comportamentos repetitivos,
afastam o diagnóstico de TOC.
O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) é um importante
diagnóstico diferencial, pois ele pode apresentar sintomas dissociativos e
ambos estão relacionados a vivências traumáticas, representando um desafio
ao médico. Um sintoma comum em ambos é amnésia de parte ou de todo o
evento traumático específico, porém, em pacientes com amnésia
dissociativa, o sintoma se estende além do momento do trauma. No TEPT,
sintomas de intrusões, de evitação e o estado de identidade afastada do senso
de si e dos domínios das próprias ações também podem estar presentes,
concentrados no evento traumático no caso do TEPT.
Em algumas situações, pode ser difícil discernir entre os transtornos
psicóticos e os transtornos dissociativos, pois alguns sintomas dissociativos,
como fragmentação de identidade, alucinações visuais relacionadas a
eventos de traumas do passado (como flashbacks parciais), podem ser
confundidos com alucinações. Contudo, nos transtornos dissociativos há
presença de outros sintomas associados, como amnésia para o episódio.
Além disso, algumas experiências de despersonalização/desrealização, como
a sensação de estar morto, pode ser difícil de diferenciar de um delírio.
Nesse caso, a presença de um teste de realidade sem alterações corrobora
para o diagnóstico de transtornos dissociativos. O médico deve tentar
diferenciar se o paciente consegue identificar os seus sintomas como irreais
ou há convicção delirante, pois, geralmente, os pacientes com transtorno
dissociativo têm um insight razoável dos seus sintomas, sentindo, inclusive,
vergonha.
A amnésia pós-traumática devido a lesão cerebral pode causar dúvida
diagnóstica entre ela e a amnésia dissociativa, mas alterações em exames de
neuroimagem e sintomas focais, como alterações visuais e anosmia, apoiam
o diagnóstico de Lesão Cerebral Traumática (LCT). Ademais, diferente
dos sintomas dissociativos, a amnésia após LCT não está relacionada com
experiências de traumas psicológicos e ocorrem imediatamente depois de um
evento claro de trauma físico.
Transtornos factícios e simulação falseiam voluntariamente sintomas e
podem, eventualmente, mimetizar quadros dissociativos. O clínico deve
estar atento quanto à veracidade dos sintomas, quando há algum tipo de
vantagem, como benefícios financeiras ou jurídicas para o indivíduo, e
realizar uma investigação diagnóstica cuidadosa, pois alguns simuladores
confessam espontaneamente ou quando são confrontados.
8. FARMACOTERAPIA
Nos estudos avaliados, não foram notados benefícios significativos com
intervenções farmacológicas na maioria dos transtornos dissociativos. No
entanto, pode ser utilizado como tratamento coadjuvante no controle de
sintomas depressivos e ansiosos quando presentes.
No transtorno dissociativo de identidade, há relatos de benefício para
reduzir ansiedade e excitabilidade aumentadas em alguns pacientes por meio
do uso de Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRS),
antidepressivos tricíclicos e neurolépticos atípicos, como risperidona,
quetiapina, ziprasidona e olanzapina. No transtorno dissociativo de
despersonalização/desrealização, estudos indicam que muitos ISRS, como a
fluoxetina, oferecem vantagens terapêuticas.
1 Idade de incidência
2 Amnésia dissociativa
3 Fuga dissociativa
Referências
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transtornos mentais DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed; 2014.
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
As demências são também chamadas atualmente de transtornos
neurocognitivos maiores. São caracterizados pelo declínio global
associado ao déficit de uma ou mais funções cognitivas (agnosias,
apraxias, alterações de linguagem e de funções executivas). Essas
alterações interferem no desempenho laboral, social e familiar do
indivíduo acometido, causando limitações importantes para a sua vida
diária (fatos esses que interferem diretamente na autonomia do
paciente). É importante frisar que a demência se caracteriza por um
declínio cognitivo não presente ao nascimento ou no início da vida, e
sim após um nível de funcionamento alcançado anteriormente.
Dentre as causas mais frequentes dos quadros demenciais, podemos
citar a doença de Alzheimer (DA), a demência vascular (DV), a
demência por corpos de Lewy (DCL) e demência frontotemporal
(DFT).
3. ASPECTOS SOBRE
EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA
A prevalência dos quadros demenciais duplica a cada cinco anos após
os 60 anos, resultando em aumento exponencial com a idade. Estima-se
que esse valor seja de 5% na população acima de 65 anos, chegando a
40% dentre idosos com mais de 85 anos.
Dentre as causas de demências, a doença de Alzheimer é a mais
comum, ocupando mais da metade dos leitos das clínicas de repouso e
responsável por mais de 50% dos casos na faixa etária igual ou superior
a 65 anos. O segundo tipo mais comum é a demência vascular,
correspondendo a cerca de 10% dos casos, com dados de prevalência
encontrados entre 1,2% a 4,2% em indivíduos acima de 60 anos.
Todavia, é coerente lembrar que o risco para Demência Vascular é
muito relativo, podendo aumentar em até 40 vezes nos pacientes com
histórico de AVC (acidente vascular cerebral).
A demência por corpos de Lewy corresponde à terceira causa mais
frequente de demência; afeta 1-2 para cada 1.000 na população geral,
sendo que a prevalência também aumenta com a idade. Quando
mencionamos apenas as demências neurodegenerativas do sistema
nervoso central, a DCL sobe para a segunda colocação, perdendo
apenas para a DA.
Já a demência frontotemporal atinge o pico de incidência a partir da
sexta década de vida, mas há uma grande variação da idade para o
aparecimento dos sintomas, indo desde a segunda década de vida até a
nona década. A sobrevida varia de 7,5 a 12 anos, dependendo do
tamanho da lesão.
Com base no curso da doença, as demências são divididas em
degenerativas e não degenerativas (Quadro 1).
4. TRATAMENTO NÃO
FARMACOLÓGICO
Medidas preventivas como dieta, exercícios e controle de doenças
adjacentes são importantes, principalmente na demência vascular. A
psicoeducação é essencial para que o paciente possa lidar com seu
déficit, de modo a manter o máximo de ações cotidianas possíveis. Aos
familiares também pode ser indicada psicoterapia, pois estes necessitam
lidar com diversos sentimentos, como culpa, exaustão e autossacrifício.
5. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
Os medicamentos utilizados na abordagem das demências em sua fase
inicial são os inibidores da acetilcolinesterase
(donepezila, galantamina e rivastigmina). Nos casos moderados a
graves, a memantina (um antagonista do receptor NMDA) deve ser
associada ao tratamento inicial. O tratamento descrito também pode ser
útil em paciente com demência de corpos de Lewy.
Todavia, na demência vascular, a terapia farmacológica é feita com
anti-hipertensivos, anticoagulantes e antiplaquetários, com o objetivo
principal de evitar novas lesões cerebrais.
Quando se trata da demência frontotemporal, são usadas
medicações sintomáticas para amenizar as alterações de
comportamento, sendo os antidepressivos e os neurolépticos os mais
utilizados.
É importante frisar que esses fármacos não impedem a progressão
da demência, mas podem melhorar os sintomas cognitivos.
Donepezila 5 mg 5-10 mg
Galantamina 8 mg 16 mg-24 mg
Memantina 10 mg 10-20 mg
Referências
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estatístico de transtornos mentais – DSM-5. 5. ed. Porto Alegre:
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15. Wolters FJ, Ikram MA. Epidemiology of Vascular Dementia.
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39:1542–1549.
SIGLAS
• DV Demência Vascular
• HIV Vírus da Imunodeficiência Humana
• MEEM Miniexame do Estado Mental
1. CASO CLÍNICO
Tarsízio, 71 anos, chega na emergência psiquiátrica com quadro de
agitação e sonolência em alternância. Apresenta diagnóstico prévio de
transtorno afetivo bipolar. Faz uso da medicação regularmente:
carbonato de lítio 600 mg/dia, clonazepam 0,5 mg/noite. Paciente chega
na unidade contido em maca trazido pelo SAMU. Familiar diz que
paciente iniciou quadro há 3 dias coincidindo com infecção urinária,
que vinha sendo tratada na unidade básica de saúde com ciprofloxacino
por 7 dias. Traz sumário de urina com sinais de infecção.
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
A origem da palavra delirium é atribuída ao latim deliro-delirare, de-
lira, que significava “estar fora do lugar”. O termo foi usado na
literatura médica pela primeira vez por Celsus no século I d.C., para
descrever alterações mentais durante episódios de febre ou trauma
craniano. Entretanto, desde 500 a.C., Hipócrates já usava vários termos
(o mais comum era frenite) para descrever uma síndrome composta por
início agudo de alterações comportamentais, distúrbios do sono e
déficits cognitivos. No final do século XVIII, James Sims diferenciou
delirium de loucura, além de descrever as formas hipoativa e hiperativa
da doença.
No entanto, o significado permaneceu ambíguo até o início do
século XIX, já que era usado para designar loucura e também para
definir alterações mentais associadas às doenças febris. Após essa
época, o delirium passou a ser reconhecido como doença reversível da
cognição e do comportamento, associada à disfunção cerebral
decorrente de inúmeras alterações orgânicas.
O DSM-5 apresenta 5 critérios diagnósticos e subdivide o delirium
em 5 etiologias: intoxicação por substâncias, abstinência de substância,
induzido por medicamento, devido a outra condição médica, devido a
múltiplas etiologias. Deve ser especificado se o quadro é agudo (horas e
dias) ou persistente (semanas e meses). Especifica-se também o subtipo
clínico: hiperativo, hipoativo, nível misto de atividade.
Critérios A e C não são mais bem explicados por nenhum outro transtorno
D
neurocognitivo preexistente, estabelecido ou em desenvolvimento.
Fonte: Lôbo RR, Silva Filho SRB, Lima NKC, Ferriolli E, Moriguti
JC.4
3. ASPECTOS SOBRE
EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA
Pode acometer mais de 50% de idosos hospitalizados. A incidência
eleva-se com a idade, déficit cognitivo, fragilidade, gravidade da
doença e comorbidades. A prevalência como um todo é baixa, mas
aumenta com idade, chegando a 14% entre pessoas com mais de 85
anos e atinge de 10% a 30% das pessoas idosas que vão a setores de
emergência. No entanto, é uma condição subdiagnosticada. Os setores
de emergência, unidades de cuidados intensivos e setores de pós-
operatório são locais essenciais para estabelecimentos de protocolos
para diagnóstico e manejo do delirium.
• Cirurgia torácica
Cirurgia e • Aneurisma aórtico reparado
Anestesia • Cirurgia de emergência
• Imobilidade no pós-cirúrgico
• Abuso de álcool
Outros
• Admissão em urgência
• Muitas admissões prévias em hospitais nos
últimos dois anos.
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Transtornos psicóticos primários, afetivos bipolares, depressivos
com características psicóticas são condições psiquiátricas comuns que
podem mimetizar a clínica do delirium. A temporalidade tende a ser um
ponto-chave na diferenciação. O delirium tem evolução aguda e, em
geral, localiza-se uma quebra da homeostase implicada no surgimento
dos sintomas. Nos quadros psiquiátricos primários, a tendência é de
evolução mais insidiosa, com alterações de sensopercepção e
pensamento como sintomas centrais nas psicoses, e alterações da
afetividade como destaque nas condições afetivas (bipolar e depressão).
Possivelmente, os transtornos neurocognitivos (chamados
tradicionalmente de demências) são os diagnósticos diferenciais mais
importantes. No Quadro 5 destacamos as principais diferenças entre as
duas condições.
6. TRATAMENTO NÃO
FARMACOLÓGICO
As ações não farmacológicas são essenciais no tratamento como na
prevenção do delirium. As medidas podem ser divididas em ambientais
e clínicas.
7. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
O tratamento deve priorizar e corrigir o fator desencadeante. O uso
de fármacos não muda o curso da doença e deve ser usado para manejo
comportamental naqueles pacientes que demandam (pacientes
inquietos/agitados ou insones), ou seja, é utilizado nos subtipos
hiperativos e mistos. Usualmente, o haloperidol é a medicação mais
utilizada, nas doses iniciais de 0,25 mg a 1 mg (IM, oral). O clínico
deve estar atento aos riscos de sintomas extrapiramidais e
prolongamento do intervalo QT, primando, por isso, pela subida gradual
de dose e pela administração via oral.
As evidências de eficácia dos antipsicóticos atípicos para delirium
vem aumentando nos últimos anos, sendo uma opção com menor
associação com efeitos adversos motores quando comparados aos
antipsicóticos típicos. A risperidona, em doses iniciais de 0,25 mg a 1
mg/dia; a quetiapina, nas doses de 12,5 mg a 25 mg/dia; e olanzapina,
em doses de 2,5 mg até 10 mg/dia, são opções possíveis. O uso de
dexmedetomidina deve ser preferido aos benzodiazepínicos em
pacientes que usam ventilação mecânica.
No delirium tremens – condição que acomete pacientes com
abstinência alcoólica grave – ou no delirium provocado pela abstinência
de benzodiazepínicos, o uso de benzodiazepínicos é recomendado. No
delirium tremens, deve ser utilizado o diazepam 10 mg, via oral,
administrado de hora em hora, até o máximo de 60 mg/dia, ou o
lorazepam, via oral, na dose de 2 mg de hora em hora, até o máximo de
12 mg/dia. Nesses pacientes deve ser realizada a reposição de tiamina.
O haloperidol também pode ser usado nos pacientes mais agitados.
Metilfenidato, mianserina, inibidores acetilcolinesterase,
melatonina, estatina e ácido valproico são medicamentos não
recomendados devido à ausência de evidência para o delirium.
2 Idade avançada
3 Flutuação do quadro
5 Início agudo
6 Quebra da homeostase
8 Desatenção marcante
9 Alteração do pensamento
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Síndrome de Abstinência do Álcool (SAA) e o seu tratamento.
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SIGLAS
• CAM Confusion Assessment Method
• CAM-ICU Confusion Assessment Method for Intensive Care
Unit
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
A primeira definição para essa condição foi feita em 1908 pela
Associação Americana de Retardo Mental (AAMR) e, desde então,
vem sofrendo diversas atualizações. Atualmente, o termo “retardo
mental” está em desuso, devido ao estigma, sendo substituída por
Deficiência Intelectual (DI). A AAMR optou, também, pela troca de
seu nome, atualmente conhecida como Associação Americana de
Transtornos Intelectuais e do Desenvolvimento (AAIDD).
A deficiência intelectual, em sua última definição pela AAIDD,
é uma incapacidade caracterizada por importantes limitações, tanto
no funcionamento intelectual quanto no comportamento
adaptativo, e se expressa nas habilidades conceituais adaptativas,
sociais e práticas, tendo início antes dos 18 anos. A definição desse
conceito é de fundamental importância social, pois os indivíduos
acometidos necessitam de suporte e auxílio para a realização de
diversas atividades, como na escola e em casa, a fim de garantir sua
acessibilidade, inclusão social, segurança e acesso à informação.
Saber identificar precocemente pacientes com alterações
sugestivas de DI (que já podem ser percebidas entre os 6 e 12 meses
de vida) é essencial para o médico generalista, pois, com o manejo
adequado, é possível aumentar significativamente a funcionalidade
desse paciente nas mais diversas áreas da vida, melhorando sua
autonomia. Para o diagnóstico, os três critérios a seguir devem ser
preenchidos (retirados do DSM-5):
Comunicação,
Crianças em idade
conversação e
escolar: dificuldade no Precisa de apoio em
linguagem são mais
aprendizado de tarefas complexas. Pode
concretas e imaturas.
habilidades conseguir emprego em
Dificuldade da
acadêmicas. Adultos: funções que não
regulação da emoção e
Leve déficit na memória, enfatizem habilidades
do comportamento.
função executiva, conceituais. Necessita de
Compreensão limitada
pensamento abstrato e apoio para tomar
do risco em situações
uso funcional de decisões de cuidados de
sociais (risco de ser
habilidades saúde e decisões legais.
manipulada por
acadêmicas.
terceiros).
Nível de
Domínio Conceitual Domínio Social Domínio Prático
Gravidade
É capaz de alimentar-se,
Nos pré-escolares e vestir-se e higienizar-se,
Individuo apresenta
escolares, a linguagem após um período longo
diferenças marcadas em
e as habilidades para a aprendizagem. No
relação à linguagem e
desenvolvem-se trabalho, necessidade de
ao comportamento
lentamente. Nos apoio considerável de
social. Capacidade de
adultos o colegas e supervisores
tomar decisão é
desenvolvimento de para o manejo de
Moderado limitada. Há
habilidades é de nível expectativas sociais,
necessidade de apoio
elementar, com complexidade no
social e de
necessidade de apoio trabalho e
comunicação
para o emprego de responsabilidades
significativo para o
habilidades no auxiliares, como horário,
sucesso nos locais de
trabalho e na vida transportes, benefício de
trabalho.
pessoal. saúde e controle do
dinheiro.
Compreensão muito
limitada da
comunicação na fala e
As habilidades
nos gestos. Pode
conceituais envolvem Depende do outro para
entender algumas
mais o mundo físico todos os aspectos do
instruções ou gestos
do que os processos cuidado físico diário, de
simples. Há ampla
simbólicos. A pessoa saúde e de segurança.
Profunda expressão dos próprios
pode usar objetos de Ajudam com atividades
desejos e emoções pela
maneira direcionada domésticas simples,
comunicação não
para metas para o como levar pratos para a
verbal e não simbólica.
autocuidado, o mesa.
Aprecia os
trabalho e a recreação.
relacionamentos com
membros bem
conhecidos da família.
» Síndrome de Down
» Síndrome de Prader-Willi
» Síndrome de Klinefelter
» Síndrome do X frágil
» Galactosemia
» Fenilcetonúria
Genética » Mucopolissacaridoses
» Hipotireoidismo
» Síndromes neurocutâneas (esclerose tuberosa e a
Neurofibromatose).
» Malformações cerebrais, como microcefalia genética,
Pré-natal hidrocefalia e mielomeningocele
» Síndrome de Cornélia de Lange
» Complicações da gravidez
Terceiro » Doenças na mãe, tais como doenças cardíacas e
trimestre renais, diabetes
» Disfunção placentária
» Prematuridade severa
Peri-natal » Muito baixo peso ao nascer
Trabalho
» Asfixia ao nascer
de parto
» Parto difícil ou complicado
» Trauma de nascimento
Primeira
semana de » Septicemia, icterícia grave, hipoglicemia
vida
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Pessoas com deficiência intelectual podem cursar com algumas
comorbidades, das psiquiátricas as principais são: transtorno do
espectro autista, TDAH (transtorno de déficit de
atenção/hiperatividade), esquizofrenia, transtornos de humor e de
conduta. Pacientes com DI grave ou profunda apresentam maior
prevalência de epilepsia em comparação a população sem DI.
Em alguns casos, negligência infantil e maus-tratos podem ser
confundidos com a deficiência intelectual, pois podem causar um
retardo no desenvolvimento; porém, normalmente, é um atraso que
pode ser revertido com a retirada do estressor e com estímulo
adequado.
É de suma importância entender que a deficiência intelectual se
dá em todas as áreas evolutivas, então, ao se deparar com crianças
que apresentem deficiência isolada na comunicação, escrita ou
leitura, não significa que ela possui deficiência intelectual. Seguindo
esse mesmo raciocínio, crianças com transtorno de aprendizagem
em áreas específicas podem ter desempenho normal ou até mesmo
acima da média em outras áreas. Essas características nos ajudam a
diferenciar diagnósticos de transtornos específicos de aprendizagem
da DI.
O transtorno do espectro autista é um importante diagnóstico
diferencial, e, pode coexistir com a DI, ocorrendo em até 19,8% dos
pacientes com deficiência intelectual. Nesse grupo, as crianças têm
danos marcantes no relacionamento social e desenvolvimento
linguístico.
Exemplo de prescrição
Risperidona (1 mg/ml), via oral, tomar 0,5ml à noite. Dose
pode ser paulatinamente aumentada de acordo com a resposta
ou surgimento de efeitos adversos.
+
Encaminhamento para avaliação e seguimento com
psicopedagoga e terapeuta ocupacional
Referências
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Manual of Mental Disorders, Fifth Edition (DSM-5).
Arlington, VA: American Psychiatric Association; 2013.
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10.3389/fpsyt.2019.00526.
SIGLAS
• DI Deficiência Intelectual
• AAIDD Associação Americana de Transtornos
Intelectuais e do Desenvolvimento
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
Em 1943, Leo Kanner, psiquiatra austríaco, iniciou estudos sobre o autismo. Pela
primeira vez, descreveu onze casos do que denominou distúrbios autísticos do
contato afetivo. Kanner observou em seus estudos a presença de características
típicas nas crianças autistas. Dentre elas, as mais comuns eram os sintomas de
isolamento e a dificuldade de interação social desde o início da vida. Kanner
também observou alterações motoras, como maneirismos motores e estereotipias.
Além disso, essas crianças demonstravam desenvolvimento incomum da linguagem
caracterizado por reversão do pronome, ou seja, quando as crianças se referem a si
mesmos como “ele” ou pelo seu próprio nome. Alterações da linguagem que
também são comuns são a ecolalia e a repetição monótona de ruídos (balbucios).
No ano seguinte aos estudos de Kanner, Asperger descreveu casos de crianças com
boas habilidades verbais, mas com graves problemas de interação social e da
função motora. Essas crianças tinham interesses muito limitados, o que prejudicava
a aquisição de novas habilidades. Asperger definiu essa condição como “autismo”.
O autismo é um transtorno de desenvolvimento que se inicia logo nos primeiros
anos de vida, muitas vezes só sendo percebido quando as demandas sociais
aumentam. Entretanto, pode ser diagnosticado em qualquer faixa etária. As
características já citadas nos estudos de Kanner e Asperger não seguem uma
sequência fixa, mas em algumas crianças já se pode observar os sintomas logo após
o nascimento, como a falta de contato visual do lactente com a mãe durante a
amamentação. Quando bebês, essas crianças podem não apresentar o sorriso social
e carecem de postura antecipatória, como estender os braços para serem seguradas
quando uma pessoa da família se aproxima. Aos 12 meses, alguns gestos atípicos,
como a forma de manusear brinquedos e de enfileirar objetos, são comuns. Suas
brincadeiras podem ser monótonas e repetitivas, como bater, girar e ordenar
objetos.
As baixas capacidades de sintonização afetiva e reconhecimento de
expressões faciais dificultam ainda mais a interação e a reciprocidade social. Os
sorrisos imotivados e acessos de choro sem fator causal podem ocorrer, e isso traz
sofrimento aos pais, pois não sabem como ajudar ou não entendem o que causou a
mudança súbita do humor.
Em relação à linguagem, também é importante citar que algumas crianças usam
algumas palavras ou frases por um tempo e depois podem passar semanas a meses
sem utilizá-las, como se desaparecessem de seu vocabulário. Como já citado
anteriormente, é comum a presença de ecolalia ou de estereotipias verbais, frases
fora de contexto e a inversão de pronome, como, por exemplo: “Neilson quer
brincar” ou “ele quer comer gelatina”. Algumas crianças com transtorno do
espectro autista podem exibir genialidade, seja de uma forma global ou em áreas
específicas do conhecimento, com tendências a gosto expressivo por letras e
números.
Eventos que podem modificar a rotina e os hábitos da criança autista podem
trazer consequências, pois elas demonstram dificuldade intensa de mudança na sua
rotina. Alguns exemplos como mudança de casa ou de cidade, a chegada de uma
nova babá ou até mesmo mudança no horário do banho ou da escola podem
desencadear pânico, medo ou raiva intensa.
Para o diagnóstico de TEA (Transtorno do Espectro Autista), são necessárias
evidências de déficits na comunicação social recíproca e na interação social.
Esse prejuízo está presente de forma persistente e sustentada. O transtorno do
espectro autista também é caracterizado pela presença de padrões restritivos e
repetitivos de comportamento, de interesse ou de atividade. Nesse caso,
podemos incluir as estereotipias motoras simples, como balançar os braços ou
estalar os dedos; uso repetitivo de objetos, como enfileirar brinquedos e girar
moedas; e a fala repetitiva, como a ecolalia e uso estereotipado de palavras. Esses
sintomas, de acordo com o DSM-5, devem estar presentes precocemente no período
do desenvolvimento, mas podendo ser percebidos quando houver demanda social
importante que exceda as capacidades do indivíduo. Além disso, os sintomas
devem causar prejuízo importante no funcionamento social e profissional do
indivíduo. As manifestações não são explicadas por déficit intelectual ou por um
atraso global do desenvolvimento.
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O autismo deve ser diferenciado inicialmente dos outros transtornos globais do
desenvolvimento, como a síndrome de Asperger e outros transtornos do
desenvolvimento, como deficiência intelectual e transtorno do desenvolvimento da
linguagem, além de alguns transtornos motores, como síndrome de Tourette e
transtorno do movimento estereotipado.
Uma criança com deficiência intelectual, apesar do início precoce de seus
prejuízos, geralmente não manifesta a gama de limitações na interação, na
comunicação e no repertório de interesses presentes no TEA. O principal aspecto
que pode diferenciar ambos os transtornos é que as crianças com deficiência
intelectual tendem a se relacionar com adultos e outras crianças de acordo com suas
idades mentais e utilizam a linguagem que têm para se comunicar. Indivíduos com
deficiência intelectual podem ter uma autoimagem negativa e baixa autoestima.
Experimentam desapontamentos frequentes por não conseguirem satisfazer as
expectativas dos familiares e da sociedade. O comportamento inadequado, como
retraimento social, é comum e pode levar a um isolamento social e a um senso de
inadequação, desencadeando, por fim, sentimentos de ansiedade, raiva e depressão.
Crianças com uma rotina de vida com estimulação inadequada podem evidenciar
um retardo motor e comprometimento intelectual que não costumam melhorar,
porém o nível de adaptação do indivíduo pode ser melhorado quando expostas a um
ambiente enriquecedor e estimulante. Escalas de avaliação neuropsicológica têm
grande utilidade na identificação de déficits intelectuais, devendo o paciente ser
encaminhado a um profissional habilitado.
A síndrome de Asperger é considerada o polo mais leve do espectro do
autismo. Essa síndrome, cujo nome homenageia a descrição feita por Hans
Asperger em 1944, engloba crianças com características autistas, exceto quanto à
linguagem, que está presente, acompanhada por um bom nível cognitivo. As
crianças com essa síndrome costumam utilizar palavras rebuscadas ou neologismos
e perseverar em assuntos específicos sem perceber se o interlocutor está interessado
em escutá-las. Podem ter dificuldades no contato social por terem uma
interpretação literal do que escutam e por não entenderem algumas sutilezas
subentendidas na comunicação. Seu repertório limitado de atividades pode fazê-las
se tornar “especialistas” em algum tema, como informática, história ou astronomia.
As estereotipias motoras são menos comuns.
A síndrome de Rett é um transtorno que tem causalidade genética definida
(mutação no gene MECP2, localizado no cromossomo X) e é estudada de forma
melhor como categoria fora do espectro do autismo, embora próxima a ele. É mais
comum em meninas e se caracteriza por um desenvolvimento normal, que pode ir
até os 24 meses de vida, seguido de perda dos movimentos voluntários das mãos,
estereotipias motoras (a mais típica é o movimento repetitivo de “lavagem de
mãos”, com os braços flexionados e as mãos se esfregando na altura do tórax), risos
imotivados, hiperventilação e desaceleração do crescimento do crânio.
Paulatinamente, o prejuízo motor vai atingindo o tronco e os membros inferiores,
fazendo com que a paciente pare de andar por volta do fim da adolescência, com
óbito antes dos 30 anos de idade. Apesar de apresentar algumas características
autistas, a paciente geralmente mantém certo grau de contato social e visual.
A avaliação fonoaudiológica é de extrema importância para descartar surdez
congênita ou prejuízo auditivo grave. Para diferenciar a surdez infantil ou prejuízo
auditivo devemos lembrar que ao contrário de crianças autistas, as surdas
geralmente interagem com seus pais e buscam o afeto destes. Algumas crianças
podem parecer apáticas, retraídas e com dificuldades na linguagem, porém é
importante avaliar se houve alguma alteração no ambiente físico ou trauma
emocional, como hospitalizações prolongadas e privação materna. Em geral,
quando expostas a um ambiente mais favorável, essas crianças seguem seu
desenvolvimento normal e melhoram sua comunicação.
Outro diagnóstico diferencial é o distúrbio específico de linguagem (DEL). As
crianças com esse distúrbio apresentam vários graus de dificuldades de linguagem
desde o início do seu desenvolvimento. São também quadros com grandes
variações e que frequentemente geram dificuldades sociais e de comportamento que
podem acarretar a necessidade de um diagnóstico diferencial com TEA. Períodos
relativamente curtos de terapia fonoaudiológica com foco no uso funcional da
linguagem facilitam esse diagnóstico, na medida em que as crianças com DEL
tendem a responder melhor à terapia, especialmente no que diz respeito à
adequação social e de comportamento, embora frequentemente as dificuldades de
linguagem sejam duradouras. O mutismo seletivo é uma condição em que as
crianças apresentam inibição para falar em situações sociais ou na presença de
estranhos, mas se comunicam por gestos ou expressões faciais e frequentemente
usam a linguagem no ambiente doméstico.
A esquizofrenia com início na infância é uma condição rara, geralmente
inicia-se após um período de desenvolvimento normal. Pode ser observado um
estado prodrômico, no qual ocorrem prejuízo social e crenças atípicas, que podem
ser confudidos com os déficits sociais do transtorno do espectro autista.
Alucinações e delírios estão presentes, porém não são elementos fundamentais do
TEA. Entretanto, deve-se atentar para o fato de que pessoas com transtorno do
espectro autista podem ter uma interpretação mais rígida quando perguntadas sobre
alucinações; por exemplo, a criança pode falar que escuta vozes quando está
sozinha, porém essas vozes podem vim da televisão.
No transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), a atividade
motora aumentada deve ser diferenciada do comportamento motor repetitivo e
estereotipado que pode ocorrer no transtorno do espectro autista. No TDAH, o que
mais caracteriza o quadro é a inquietude e a agitação, que costumam ser
generalizadas e não são caracterizadas como movimentos repetitivos ou tiques,
devendo ser diferenciada também do transtorno do movimento estereotipado e da
síndrome de Tourette. Além disso, indivíduos com TDAH e aqueles com TEA
podem exibir características similares em relação à desatenção e à disfunção social.
Entretanto, as crianças com transtorno do espectro autista podem apresentar falta de
envolvimento social, isolamento e indiferença à comunicação, enquanto aquelas
com TDAH podem ser rejeitadas pelos seus pares devido a um comportamento
impulsivo e inquieto. Tanto as crianças com TDAH como as crianças com TEA
podem apresentar ataques de raiva, porém são desencadeados por mecanismos
diferentes. Na criança com transtorno do espectro autista, os ataques de raiva
ocorrem devido à intolerância a mudanças, enquanto nas crianças com TDAH os
ataques de raiva surgem pela impulsividade ou autocontrole insatisfatório.
O transtorno do movimento estereotipado pode ser um sintoma do transtorno
do espectro autista. Nesse transtorno motor, o déficit na comunicação social e os
comportamentos e interesses repetitivos costumam estar ausentes, portanto essas
características consistem em uma forma de diferenciação entre os dois transtornos.
6. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
Os medicamentos não devem ser utilizados como único recurso terapêutico para a
pessoa com transtorno do espectro do autismo. Sempre que possível, o médico deve
discutir a introdução de psicofármacos com outros membros da equipe responsável
pelo tratamento, que também devem participar da reavaliação periódica da
medicação. Da mesma forma, o momento de retirada da medicação deve fazer parte
do planejamento terapêutico, devendo ser negociado cuidadosamente com os
familiares, que muitas vezes temem pela piora do comportamento do paciente
quando este estiver sem utilizar o fármaco.
Quase sempre o uso de psicofármacos é acompanhado do surgimento de efeitos
colaterais. Alguns são leves e podem ser manejados com reduções na dosagem ou
mudança nos horários das tomadas. Outros, contudo, podem ser intensos e
desagradáveis, razão pela qual é necessário avaliar se os benefícios da medicação
não estão sendo anulados pelos problemas causados por ela e se não seria melhor
suspendê-la ou trocá-la por outra substância.
Atualmente, a farmacologia baseada em evidências no TEA limita-se ao
tratamento de comportamentos ou diagnósticos comórbidos, e não voltados para o
próprio TEA. Os antipsicóticos são uma alternativa de tratamento medicamentoso e
estão associados a uma melhora significativa dos comportamentos agressivos, da
irritabilidade, da ansiedade e da hiperatividade. Os antipsicóticos mais estudados no
TEA são a risperidona, aripiprazol e a olanzapina. Essas medicações também
podem produzir efeitos colaterais importantes, nos quais os mais importantes são
aumento do apetite, ganho excessivo de peso e resistência à insulina. As doses
estudadas da risperidona ficam entre 1,5 e 2mg/dia.
O aripiprazol, assim como a risperidona, é aprovada pelo FDA (Food and Drug
Administration) para uso em crianças e adolescentes com transtorno do espectro
autista. As doses usais ficam entre 5 e 15mg/dia. Os efeitos colaterais mais comuns
do aripiprazol são sedação, sialorreia e tremores, e isso pode contribuir para uma
maior taxa de descontinuação da medicação.
Quanto à associação entre TEA e o TDAH, o tratamento com drogas
psicoestimulantes tradicionais, como o metilfenidato e as anfetaminas, parece ser
benéfico no tratamento dos sintomas de TDAH em pacientes com TEA. Doses de
metilfenidato giram em 2,5 a 10 mg divididas em duas tomadas, pela manhã e ao
meio-dia. Quando utilizadas doses mais altas, a incidência de efeitos colaterais
aumenta, como irritabilidade, comportamentos estereotipados, problemas
gastrointestinais e de sono.
Medicamentos antidepressivos, especificamente os inibidores seletivos de
recaptação de serotonina (ISRS), são amplamente prescritos para pacientes com
TEA e o uso desses agentes tem aumentado constantemente, apesar das evidências
inconclusivas e, em muitos casos, fracas, que sustentam seus benefícios na melhoria
dos principais sintomas de TEA ou da depressão e ansiedade comórbidas.
Fluoxetina, sertralina, citalopram, escitalopram e fluvoxamina estão entre os ISRS
amplamente utilizados no TEA. Algumas evidências mostraram uma melhora
importante dos comportamentos repetitivos e agressivos dos pacientes com TEA.
Poucos estudos avaliaram a eficácia e a tolerabilidade da sertralina em pacientes
com TEA. Os antidepressivos são utilizados também para melhora dos movimentos
repetitivos e estereotipados.
O uso de agonistas do receptor alfa-2-adrenérgico, especialmente a clonidina,
está associado ao tratamento de comportamento agressivo, distúrbios do sono e
ansiedade, que são sintomas proeminentes em pacientes com TEA. Esses
medicamentos inibem a neurotransmissão de noradrenalina no tronco cerebral,
levando a uma diminuição da atividade simpática, da resistência periférica e,
portanto, estados decrescentes de hiperexcitação, de ansiedade e de espasmos
motores.
Quadro 5 - Fármacos para o tratamento do TEA
Classe Medicamento Doses Resultado Efeitos adversos
» Melhora da
0,5mg a irritação,
Risperidona
1,8mg/d agressividade, » Sedação,
temperamento sialorreia,
Antipsicóticos explosivo e sintomas
comportamento extrapiramidais e
5 a 15 autolesivo, ganho de peso.
Aripiprazol
mg/d estereotipias e
hiperatividade.
» Melhora nos
comportamentos
Aumento de energia,
repetitivos.
ISRS Fluoxetina 20mg/dia insônia, taquicardia,
» Melhora da diaforese, náusea.
ansiedade e da
irritabilidade.
- Melhoria na desatenção,
Agonista alfa-2- 1a4 hiperatividade, Sonolência, fadiga e
Clonidina
Adrenérgico mg/dia impulsividade e diminuição do apetite.
funcionamento global.
3 Déficit de comunicação
4 Acessos de raiva
9 Ecolalia
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
A atenção é uma das funções mentais mais importantes na avaliação
psiquiátrica, nela, tenacidade e vigilância são analisadas e colocadas em
foco com as suas principais alterações psicopatológicas. Por vezes,
pode estar alterada para mais (em estados maníacos, por exemplo) ou
para menos (em estados depressivos, por exemplo).
Pelo caso acima, observa-se duas importantes funções mentais
alteradas: a atenção e a psicomotricidade. É comum que as crianças
tenham sua atenção voltada para situações que despertem seu interesse,
em detrimento de outras não tão interessantes, desde que isso não venha
a causar prejuízos no seu funcionamento acadêmico. O mesmo
raciocínio pode ser usado quando avalia-se a psicomotricidade. É
esperado que tenham mais energia para gastar, porém o contexto onde
ela se enquadra sempre deve ser avaliado.
A desatenção está presente em todos os seres humanos, afinal, quem
nunca “viajou” durante uma aula ou palestra? É comum que as pessoas
sintam-se distraídas em situações que possam exigir prolongado esforço
mental. Contudo, existem indivíduos que desde a sua infância sofrem
com a sua desatenção em excesso, vivenciando reprovações, notas
baixas e dificuldades de interação social, como o caso de João Pedro.
Atrelada à falta de atenção, esses pacientes também podem sofrer com a
chamada hiperatividade, ou seja, são extremamente enérgicos, tanto
corporal quanto mentalmente, e não conseguem manter a calma e o
foco diante de situações que exigem a sua quietude. Vale ressaltar que,
além dos sintomas de desatenção e hiperatividade, eles também podem
apresentar um quadro de impulsividade, tendo esses indivíduos uma
significativa alteração no seu ato volitivo. Pacientes impulsivos tendem
a cometer, muitas vezes, atos sem planejamento prévio e que podem
causar danos para si ou para terceiros.
Pessoas com o chamado Transtorno de Déficit de
Atenção/Hiperatividade (TDAH) costumam ser extremamente
estigmatizadas desde a sua infância. Por vezes, o diagnóstico errôneo
de inquietação, ansiedade, imaturidade etc. fazem com que esses
indivíduos não recebam o tratamento adequado para a sua condição e
sigam sofrendo as consequências do seu distúrbio até a vida adulta.
Crianças e adolescentes que recebem o diagnóstico de fato, estão
sujeitos, ainda, a sofrerem bullying ou sofrerem demissões (por
exemplo) quando adultos.
Cerca de 50% das crianças diagnosticadas com TDAH persistem
sintomáticas na vida adulta. Ao chegar nesta fase, esses pacientes
sofrem consequências mais graves, como o desemprego, o baixo
ingresso e permanência em universidades (costumam mudar
constantemente de curso ou fazer muitas trocas de disciplinas), as
dificuldades em manter relacionamentos afetivos e podem apresentar,
também, uma sensação de incapacidade, fato que prejudica a sua
autoestima e pode inclusive levar à coexistência de transtornos
depressivos.
Além dos entraves já citados, não é incomum a ocorrência de
acidentes e fatalidades em pessoas com TDAH. Portanto, não se assuste
se um dia chegar ao seu PSF ou ao seu serviço de Urgência e
Emergência, pacientes que, frequentemente, por desatenção ou
impulsividade, sofram ou provoquem acidentes domésticos,
automobilísticos e afins. Ao chegar um indivíduo nessas situações em
um ambiente assistencial, é de suma importância avaliar se há ou não
algum distúrbio, tanto neurológico quanto psiquiátrico, que possa
prejudicar a sua atenção ou a sua tomada de decisões.
As manifestações do TDAH nos primeiros 10 anos de vida
costumam tender mais para um quadro de hiperatividade, geralmente os
sintomas de desatenção são mais evidentes na adolescência e na vida
adulta. A hiperatividade costuma se manifestar nos adolescentes e nos
adultos como uma espécie de inquietação, muitas vezes concomitante
com um quadro de ansiedade. Em síntese, o TDAH é um quadro
prevalente ao longo de toda a vida e que traz significativos impactos
nas atividades de vida diária (AVD) dos seus portadores.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-
5)1 nos traz critérios diagnósticos simples de se observar na prática
clínica e fáceis de ser relatados na condução de uma boa entrevista.
Trata-se de um diagnóstico dimensional. Como citado no início
deste capítulo, qualquer pessoa pode ficar eventualmente desatenta,
assim como existem situações em que um indivíduo pode se apresentar
de forma hiperativa ou impulsiva; nas crianças isso pode ser ainda mais
evidente, visto que a infância é uma fase de desenvolvimento e
aprendizagem. Por isso, não é incomum que pessoas, ao lerem os
critérios diagnósticos do TDAH, acabem se identificando com um ou
outro. O que vai nos indicar, de fato, se o nosso paciente terá ou não o
transtorno será a quantidade e a frequência desses sintomas, bem como
os seus impactos na vida do portador. Vide quadro 1, a seguir.
Parece não escutar quando alguém lhe Corre ou sobe nos objetos em
dirige a palavra. momentos inapropriados.
Tem dificuldade para organizar tarefas Não consegue ficar parado por muito
e atividades. tempo.
Interrompe ou se intromete em
É esquecido em relação a atividades
assuntos e atividades que não lhe
cotidianas.
dizem respeito.
3. ASPECTOS SOBRE A
EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA
Mundialmente, cerca de 5% das crianças apresentam o diagnóstico de
TDAH, metade desses, como citado anteriormente, ainda manifestam
os sintomas durante a vida adulta. Geralmente, seguindo o seu critério
diagnóstico, a manifestação sintomática se inicia antes dos 12 anos de
idade e o sexo masculino representa a maioria dos pacientes, com uma
proporção de cerca de 2:1 nas crianças e 1,6:1 nos adultos, segundo o
DSM-5. Foi verificado também que pacientes do sexo masculino
tendem a manifestar a apresentação predominantemente
hiperativa/impulsiva ou a apresentação combinada, enquanto pacientes
do sexo feminino tendem a manifestar a apresentação
predominantemente desatenta.
A etiologia de fato do TDAH ainda é desconhecida, entretanto,
alguns estudos defendem a hipótese de alterações genéticas e
neurofisiológicas, enquanto outros abordam os fatores ambientais e
psicossociais de forma mais evidente.
Neurofisiologicamente, verificou-se que, em alguns pacientes,
existe um déficit funcional de dopamina e noradrenalina, tal hipótese
concordaria com a atuação medicamentosa do metilfenidato e da
anfetamina no tratamento desses pacientes (veremos mais a frente como
é realizado o tratamento farmacológico). Entretanto, existem pesquisas
que também demonstram o oposto, notando a existência de uma
hiperatividade dopaminérgica e noradrenérgica nos portadores, a qual
estaria ligada diretamente com os sintomas de
hiperatividade/impulsividade. Uma menor maturação e redução do
volume do córtex pré-frontal, assim como uma redução do volume do
núcleo caudado e do cerebelo também foram encontradas em alguns
pacientes.
Ainda existem estudos que sugerem a correlação entre crianças
diagnosticadas com o TDAH e a presença do distúrbio em parentes de
primeiro grau, sugerindo a presença de genes específicos que podem
estar relacionados com o transtorno, como o gene transportador de
dopamina (DAT) e o gene que codifica o receptor de dopamina
(DRD4), contudo, segue, ainda, sem nenhuma confirmação.
Fatores ambientais, como o baixo peso ao nascer, o tabagismo
durante a gestação, o abuso infantil, a presença de múltiplos lares
adotivos, a exposição ao álcool no útero e a exposição a toxinas
ambientais também foram estudados, permanecendo sem conclusões.
Verificou-se também que relações conturbadas com os familiares no
início da infância podem chegar a influenciar no curso do TDAH, ainda
que sem relação causal com o transtorno.
Em suma, as razões etiológicas do TDAH ainda necessitam de mais
pesquisas e comprovações, de forma que possam auxiliar no
entendimento causal da patologia e, caso existam, nas estratégias de
prevenção para o transtorno.
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Não é incomum que crianças, adolescentes e até mesmo adultos
recebam o diagnóstico de TDAH quando, na verdade, são portadores de
outros transtornos ou possuem síndromes concomitantes. O
conhecimento dos possíveis diagnósticos diferenciais do TDAH
(Quadro 2) pelo médico generalista torna-se de fundamental
importância na prática clínica, principalmente quando se visa conduzir
corretamente esses pacientes.
5. FARMACOTERAPIA
O tratamento medicamentoso costuma ser a primeira conduta diante de
um caso de TDAH, sendo o metilfenidato (MPH) a prescrição
medicamentosa mais comum e a droga de primeira escolha no
tratamento.
O MPH é prescrito frequentemente para uso a longo prazo, sendo
relatado na literatura pessoas que chegam a passar até 8 anos em uso
contínuo do medicamento; porém, muitos pesquisadores se preocupam
com os efeitos adversos desse uso prolongado.
O metilfenidato é uma droga psicotrópica, e, como tal, possui
potencial suficiente para induzir ou exacerbar sintomas
neuropsiquiátricos. Contudo, saber ao certo se o MPH apresenta efeitos
neuropsiquiátricos adversos durante ou após longa exposição é um
questionamento ainda difícil de ser respondido, pois muitos efeitos da
própria doença podem mimetizar tais adversidades. Um aumento da
gravidade do TDAH, por exemplo, pode tanto estar associado com a
terapia de longo prazo quanto a um alto nível de comorbidades ainda
não identificadas ou tratadas.
No que rege a segurança do uso do MPH, muitos estudos apontam
que os riscos são significativamente menores quando comparados com
os benefícios da droga, visto que crianças e adolescentes com TDAH
que não fazem uso do medicamento estão mais sujeitas a
comportamento suicida, a sintomas depressivos e a ocorrência de
acidentes.
O uso do MPH auxilia na redução de sintomas comórbidos, reduz a
incidência de comportamentos suicidas e também diminui os sintomas
de ansiedade e irritabilidade. Entretanto, também há comprovações de
quadros de tiques e transtornos psicóticos no uso a longo prazo desse
medicamento, devendo o profissional ter o devido cuidado e
acompanhamento, principalmente em grupos como crianças pré-
escolares, pacientes com quadros de tiques (como os portadores da
Síndrome de Tourette) e pessoas que fazem uso de substâncias.
A dosagem do MPH varia de 10 mg a 54 mg, em apresentações
simples, de liberação prolongada e de liberação modificada. O ajuste da
dose e o tipo de apresentação vai depender de cada caso. O tratamento
personalizado deve nortear o manejo do paciente com TDAH, sendo
necessário que o profissional acompanhe de perto os seus pacientes,
visto que os efeitos benéficos da dose inicial da medicação podem não
ser os mesmos dentro de algum tempo. Ajustes de dosagem e mudanças
de apresentação do medicamento devem ser estudados, avaliados e, se
necessários, feitos visando melhorar a evolução clínica dos pacientes. O
metilfenidato não deve ser usado em crianças menores de 6 anos.
Outros psicoestimulantes como a lisdexanfetamina e outros
derivados de anfetaminas e medicações não estimulantes como a
atomoxetina são considerados fármacos de segunda linha, e o seu uso,
apresentação e dosagens devem ser avaliados individualmente, tal qual
é feito com o MPH. Ressalta-se que indivíduos com TDAH e histórico
de abuso de substâncias possuem mais benefícios com o uso de
substâncias não estimulantes. Alguns antidepressivos como a
imipramina, a nortriptilina e a bupropiona, são considerados
escolhas de terceira linha. O anti-hipertensivo clonidina também tem o
seu uso off-label indicado para tratar o TDAH, sendo considerado um
fármaco de quarta linha. O quadro 3 resume quais medicações podem
ser usadas para o tratamento do TDAH.
Quadro 3 - Medicações usadas no tratamento do TDAH
Imipramina
Lisdexanfetamina (2,5 a 5 mg por kg)
(30 mg a 70 mg)
Medicação Metilfenidato Nortriptilina Clonidina
(Dosagem) (5 mg a 54 mg) (1 a 2,5 mg por kg) (0,05 mg)
Atomoxetina
(10 mg a 60 mg) Bupropiona
(150 mg)
6. REDESCOBRINDO O CASO
(PONTOS-CHAVE)
1 Masculino
3 Interferência Escolar
4 Comportamento Hipertativo
5 Quadro de Desatenção
Referências
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SIGLAS
• EEG Eletroencefalograma
• MPH Metilfenidato
• PSF Programa Saúde da Família
• TAB Transtorno Afetivo Bipolar
• TDAH Transtorno de Atenção/Hiperatividade
• TDDH Transtorno Disruptivo da Desregulação do Humor
• TEA Transtorno do Espectro Autista
• TEI Transtorno Explosivo Intermitente
• TOD Transtorno Opositivo Desafiador
Síndromes Obsessivo-Compulsivas
Dois capítulos compõem essa seção: transtorno obsessivo-
compulsivo e os transtornos relacionados ao transtorno
obsessivo-compulsivo. Esse último inclui transtorno dismórfico
corporal, tricotilomania, transtorno de escoriação e transtorno
de acumulação.
Características clínicas, epidemiológicas e comorbidades entre
elas fazem com que essas condições psiquiátricas se aglomerem
nessa seção. Apesar de encontrarmos sintomas ansiosos com certa
frequência nesses transtornos, optamos por seguir o DSM-5 na
orientação de separá-las em uma seção específica.
Traços obsessivos e compulsivos são encontrados em maior ou
menor intensidade nos diversos transtornos dessa seção. Os aspectos
da obsessão e compulsão estão esquematizados na figura 1.
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
O TOC (transtorno obsessivo-compulsivo) é um distúrbio caracterizado
por apresentar obsessões e compulsões. Não é um problema de saúde
recente, ainda no século XIX Freud descreveu o quadro de “neurose
obsessiva” com sintomas que se assemelham a afecção conhecida como
TOC atualmente.
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de transtornos mentais,
quinta edição (DSM-5), não há obrigatoriedade da presença de
obsessões e compulsões para ser feito o diagnóstico. Numa minoria de
casos, pode haver apenas um deles – obsessões ou compulsões. Uma
pausa para voltarmos um pouco aos conceitos básicos: o que são
obsessões e compulsões?
Obsessões são pensamentos perturbadores, que vêm contra a
vontade do paciente e causam sofrimento, muitas vezes gerando
ansiedade. O conteúdo desses pensamentos podem ser diversos, mas
com frequência envolvem temas tabus como sexo ou religião, atos de
agressividade indesejados, medos de doenças e eventos trágicos com
familiares. Muitas vezes o paciente é capaz de identificar esses
pensamentos como excessivos, irracionais e tentam ignorá-los ou
neutralizá-los com outros pensamentos. São, portanto, egodistônicos
(são contra os valores e os desejos do paciente), invasivos (surgem
mesmo sem gatilhos) e recorrentes (por mais que haja uma resistência
para não pensar, ainda assim esses pensamentos aparecem).
Compulsões são definidas como comportamentos repetitivos ou
atos mentais que o indivíduo se sente obrigado a executar, como rituais,
que geralmente representam um alívio em relação à obsessão,
reduzindo a angústia ou até mesmo com a finalidade de evitar um
acontecimento que o indivíduo teme. Todavia, não são prazerosas,
assim como a obsessão, também causam sofrimento ao paciente.
Exemplos típicos de compulsões são: lavagens repetitivas de mãos,
realização de atividades rotineiras inúmeras vezes (por exemplo, sair e
entrar de um cômodo). Identificar esses atos nem sempre é uma tarefa
fácil, algumas compulsões são praticadas mentalmente como orações,
repetir palavras sussurrando ou fazer contas mentais, representando,
desse modo, um desafio para o diagnóstico, tendo em vista que muitos
pacientes relutam em compartilhar esses comportamentos por vergonha.
3. ASPECTOS SOBRE A
EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA
O TOC foi considerado a décima causa de incapacidade na população
mundial, com aumento da mortalidade e com diminuição da qualidade
de vida tanto dos pacientes como de seus familiares. Segundo estudos
realizados nos Estados Unidos (dados disponíveis do Brasil são
insuficientes), a prevalência do TOC ao longo da vida é de 1% a 3%. A
faixa etária mais comum do surgimento dos sintomas é dos 20 aos 29
anos, com picos no final da infância e no início da idade adulta,
enquanto o início dos sintomas em idades acima dos 40 anos não é
comum. Há poucas diferenças entre os gêneros, mas nos homens o
TOC costuma surgir mais precocemente, podendo acontecer inclusive
na infância.
Uma das primeiras hipóteses etiológicas relaciona-se com as vias
serotonérgicas. Tal teoria surgiu após a observação de que pacientes
tratados com clomipramina – um antidepressivo tricíclico potente
inibidor de recaptação de serotonina – tinham bons resultados
terapêuticos em relação aos outros antidepressivos tricíclicos. Após a
realização de ensaios clínicos, foi demonstrado resultados bem
estabelecidos da eficácia dos Inibidores Seletivos de Recaptação de
Serotonina (ISRS) no tratamento do TOC, corroborou para o
entendimento que a redução da atividade serotonérgica está relacionada
com a etiologia do distúrbio. Em contrapartida, após avanços de
estudos genômicos, de imagens, de estudos bioquímico do líquido
cefalorraquidiano foi proposta a hipótese que as vias glutamatérgicas
também estão relacionadas na etiologia do TOC.
Estudos envolvendo gêmeos levaram à hipótese de que fatores
genéticos contribuíam para o surgimento do TOC, principalmente
quando este ocorre de início mais precoce. Além disso, com avanços
dos estudos do genoma foi possível estabelecer associações entre a
etiologia e alguns genes que codificam proteínas da via neural
corticoestriatal. Por estudos de imagens cerebrais, como tomografia por
emissão de pósitrons e ressonância magnética funcional, evidenciou-se
que portadores de TOC apresentam um aumento da atividade nas
regiões do córtex orbitofrontal, do córtex cingulado anterior e dos
gânglios da base quando os sintomas estão em atividade; e há
diminuição dessa atividade após o tratamento e o controle da doença,
mostrando então algum envolvimento entre o TOC e as alterações da
via córtico-estriado-tálamo-cortical.
4. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
Alguns sintomas do transtorno obsessivo-compulsivo estão presentes
em outras doenças, gerando um fator de confusão no momento do
diagnóstico. Por sua vez, cada doença tem suas características e
especificidades, como pontos-chaves que devemos identificar para nos
guiar no momento do diagnóstico.
Quadro 1 - Diagnósticos diferenciais de TOC
Transtornos de ansiedade
Transtornos psicóticos
Fluoxetina 20 40 – 60 80
Paroxetina 20 20 – 60 60
Escitalopram 10 20 – 40 40
3 Compulsões
6 Obsessões
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SIGLAS
1. TRANSTORNO DISMÓRFICO
CORPORAL, TRICOTILOMANIA E
SKIN PICKING
1.1. CASO CLÍNICO 1
Cândida, 20 anos, solteira, acadêmica de nutrição. Comparece ao
consultório acompanhada da genitora. Sua mãe fala que Cândida, desde
os 14 anos de idade, queixa-se do formato de seu nariz, pois “ela acha
que ele é achatado demais”; associado a essa percepção, vem notando a
filha passar muito tempo se olhando no espelho, utilizando maquiagem
mais pesada para disfarçar a imperfeição percebida. Mesmo com várias
pessoas (inclusive outros médicos), não evidenciarem tal “defeito”; nos
últimos 6 meses a paciente vem com choro fácil, isolamento social e
abandono da faculdade, pois se acha “um monstro”. A paciente diz
também que durante a adolescência começou a apresentar
comportamento de arrancar os cabelos e cutucar a pele (principalmente
cicatrizes de acne), refere que geralmente tem esse comportamento
quando é tomada por sensações angustiantes ou quando está entediada.
Esses atos vêm causando prejuízos à sua aparência, o que reforça ainda
mais sua esquiva em sair e socializar-se.
Outros transtornos
No TDC, os comportamentos repetitivos e os pensamentos intrusivos são
obsessivo-
sempre relacionados à aparência, diferente do TOC, que apresenta
compulsivos e
obsessões e comportamentos ritualísticos de vários conteúdos (limpeza,
transtornos
checagem, simetria).
relacionados
ISRS em monoterapia
como: fluoxetina,
sertralina, fluvoxamina, Associação e ISRS com
paroxetina, citalopram e antipsicóticos ainda
TDC Clomipramina
escitalopram. Geralmente carecem de maior
com doses maiores do evidência científica.
que as utilizadas na
depressão maior.
Transtorno Medicamentos
Antipsicóticos atípicos:
Até agora a N-
olanzapina, aripiprazol e
acetilcisteína um
quetiapina. No caso do
mucolítico é que vem
aripiprazol há um maior
Tricotilomania ISRS e clomipramina. mostrando resultados
risco de acatisia e no caso
mais promissores
da olanzapina e
como medicamento,
quetiapina, piora no perfil
na tricotilomania.
glicêmico e lipídico.
9
1 Sexo feminino
2 Idade de diagnóstico
3 Idade de início
7 Tricotilomania
8 Skin picking
2. TRANSTORNO DE
ACUMULAÇÃO
2.1. CASO CLÍNICO 2
Carlos Alfredo, 55 anos, divorciado, catador de lixo. Vem para consulta
acompanhado da irmã, que também é sua vizinha; ela relata que o
paciente apresenta desde os 30 anos de idade, quando começou a “catar
lixo”, uma dificuldade enorme em se desfazer de objetos que colhe,
mesmo que esses não tenham função nenhuma, como embalagens de
comida, papéis usados e pedaços de isopor. Devido a esse
comportamento ao longo dos anos, sua casa tornou-se praticamente
inabitável, pela quantidade de coisas que estão empilhadas nos
cômodos, causando até obstrução de passagens do domicílio. Como há
também proliferação de pragas (baratas e ratos) nas proximidades, os
vizinhos já começaram a ameaçá-lo, fazendo denúncias para a
vigilância sanitária. O paciente relata extremo sofrimento quando tenta
descartar o lixo, por achar que poderá utilizá-lo no futuro ou por
desenvolver uma relação sentimental com alguns pertences, inclusive
atrapalhando seus ganhos como catador de lixo.
Transtornos do neurodesenvolvimento
Depressão maior
Transtornos neurocognitivos
Colecionismo
2.6. Farmacoterapia
A literatura médica sobre tratamento farmacológico do transtorno de
acumulação ainda é muito escassa, com estudos ainda com pequeno
número de pacientes testados e sem evidências concretas de eficácia.
Dentre eles os mais estudados são os ISRS, a venlafaxina,
antipsicóticos, metilfenidato e naltrexona.
2 Idade de incidência
3 Curso crônico
5 Impactos na vida
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doi:10.2174/1570159X17666190124153048.
SIGLAS
• DSM 5 Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos
Mentais
Não
Padrão Não é mais
Ocorre em É estável e atribuído ao
persistente de Leva ao bem
múltiplas surgiu pelo efeito de
funcionamento sofrimento explicado
situações menos no drogas ou
e desvio da ou prejuízos por outro
pessoais e início da outras
cultura importantes transtorno
sociais fase adulta condições
(FICA¹) mental
médicas
Obsessivo-
Padrão de preocupação com ordem,
F60.5 compulsiva
perfeccionismo e controle.
(anancástico)
SIGLAS
• TP Transtorno de Personalidade
• DSM-5 Manual Diagnóstico e Estatísticos do Transtornos
Mentais
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
O transtorno de personalidade (TP) é caracterizado por experiências internas e
comportamento que se desviam significativamente das expectativas culturais.
Esse padrão de funcionamento deve ser duradouro, com início na infância,
adolescência ou começo da fase adulta; é inflexível, ou seja, ocorre uma
inabilidade de flexibilizar o comportamento diante das diversas situações do
cotidiano, ocasionando prejuízos importantes pessoais, profissionais e sociais.
Vale ressaltar que não deve ocorrer exclusivamente durante o curso de
esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar ou depressivo com sintomas psicóticos
ou outro transtorno psicótico e não é atribuível aos efeitos fisiológicos de outra
condição médica.
O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5)
classifica os transtornos de personalidade nos agrupamentos A, B e C. O grupo
A inclui os pacientes que têm como característica personalidades excêntricas
e/ou são paranoicos, sendo descritos por outras pessoas como esquisitas. Esse
grupo engloba os transtornos de personalidade paranoide, esquizoides e
esquizotípicos. Em seguida serão apresentadas as características de cada
transtorno desse grupo.
3. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE
PARANOIDE
Os pacientes com Transtorno da Personalidade Paranoide (TPP) têm como
traços a presença difusa de desconfiança e suspeita em suas relações pessoais.
Em função disso, possuem o comportamento irritadiço, esquivo ou hostil.
Segundo o DSM-5, para o diagnóstico desse TP, deve-se considerar os critérios
expostos no quadro a seguir.
Padrão de desconfiança e suspeita difusa dos outros, de modo que suas motivações são interpretadas
como malévolas, indicado por quatro (ou mais) dos seguintes:
3. Reluta em confiar nos outros devido a medo infundado de que as informações serão usadas
maldosamente contra si.
Padrão de desconfiança e suspeita difusa dos outros, de modo que suas motivações são interpretadas
como malévolas, indicado por quatro (ou mais) dos seguintes:
6. Percebe ataques a seu caráter que não são percebidos pelos outros e contra-ataca rapidamente.
Padrão difuso de distanciamento das relações sociais e uma faixa restrita de expressão de emoções
em contextos interpessoais, indicado por quatro (ou mais) dos seguintes:
Manifesta pouco ou nenhum interesse em ter experiências sexuais com outra pessoa.
Não tem amigos próximos ou confidentes que não sejam os familiares de primeiro grau.
9. TRANSTORNO DA PERSONALIDADE
ESQUIZOTÍPICA
O Transtorno da Personalidade Esquizotípica (TPET) tem como característica
marcante padrão invasivo de déficits sociais e interpessoais, acompanhado por
agudo desconforto e reduzida capacidade para relacionamentos íntimos,
além de distorções cognitivas ou perceptivas e comportamento excêntrico.
Conforme o DSM-5, pacientes com esse TP terão o diagnóstico confirmado
quando apresentarem as características expostas no Quadro 3.
Padrão difuso de déficits sociais e interpessoais marcado por desconforto agudo e capacidade
reduzida para relacionamentos íntimos, além de distorções cognitivas ou perceptivas e
comportamento excêntrico, indicado por quatro (ou mais) dos seguintes:
Ideias de referência.
Ausência de amigos próximos ou confidentes que não sejam parentes de primeiro grau.
Ansiedade social excessiva que não diminui com o convívio e que tende a estar
associada mais a temores paranoides.
SIGLAS
• DSM-5 Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
• TP Transtorno da Personalidade
• TPP Transtorno da Personalidade Paranoide
• TPE Transtorno da Personalidade Esquizoide
• TPET Transtorno da Personalidade Esquizotípico
• TCC Terapia Cognitivo-comportamental
1. CASO CLÍNICO
Roberta, 25 anos, solteira e estagiária de Direito, é levada à Unidade Básica
de Saúde por sua genitora após ter feito cortes superficiais na região dos
punhos. Paciente refere que há 2 dias Bruna, pessoa que a paciente conheceu
há 1 mês, a trocou quando optou por ficar com os pais ao invés de sair na
companhia dela. Após ser desmarcado o encontro, sentiu medo de ser
abandonada, raiva incontrolável e solidão, além de exacerbar sentimentos
crônicos de “vazio” e angústia intensa. Após esse turbilhão emocional
realizou cortes em punhos para “a dor física anestesiar a emocional”. Pensa
em sair do estágio, pois já perdera o controle diversas vezes, gritando com as
pessoas aos menores estímulos. Sua genitora relata trocas constantes de
emprego, ingestas de bebida alcoólica frequentes e múltiplos
relacionamentos em curto período temporal. Tem histórico prévio de dois
episódios de tentativas de suicídio, além de abandono paterno e abuso sexual
durante a infância.
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
Neste capítulo discutiremos os transtornos de personalidade (TP) do grupo
B, tidos como emocionais, dramáticos e/ou erráticos. A saber: transtorno de
personalidade antissocial, borderline e histriônico.
3. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE
ANTISSOCIAL
O Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA), também já descrito
anteriormente como psicopatia, sociopatia ou transtorno de personalidade
dissocial, é caracterizado pela incapacidade do paciente de se adequar às
normas do meio em que está inserido, às regras de convivência e às
obrigações sociais. De acordo com o DSM-5, para que o diagnóstico seja
confirmado, o paciente precisa ter idade mínima de 18 anos, ter
manifestado transtorno de conduta (TC) antes dos 15 anos, estar adotando
um comportamento que não ocorra apenas na vigência de esquizofrenia ou
de transtorno bipolar. Além de apresentar os critérios a seguir expostos.
2. Tendência à falsidade
4. Irritabilidade e agressividade
6. Irresponsabilidade reiterada
7. Ausência de remorso
8. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE
BORDERLINE (TPB)
O TPB é definido pelo comportamento persistente de instabilidade das
relações interpessoais, da autoimagem e de afetos, associado a evidente
impulsividade, surgindo geralmente na vida adulta. É o TP mais
frequentemente atendido nas emergências, pois pode cursar com
comportamentos suicidas ou automutilantes, como observado no caso de
Roberta.
Pacientes com TPB apresentam medo intenso do abandono real ou
imaginado e esforçam-se exaustivamente para que isso seja evitado,
exigindo atenção, afeto e apoio das pessoas com as quais convive, inclusive
por meio de ações impulsivas, como automutilição e comportamentos
suicidas. A ideia de rejeição, perda ou separação pode levar a alterações na
autoimagem, no afeto, na cognição e no comportamento. Para eles, há um
grande desconforto em estar sozinhos e sofrem com a sensação de solidão
(mesmo na companhia de familiares), apresentando raiva inadequada e de
difícil controle diante de uma situação corriqueira; por exemplo, observamos
no caso de Roberta que ela apresentou uma reação desproporcional de raiva
e automutilação quando sua amiga cancelou um compromisso previamente
firmado. Diante disso, percebemos que os relacionamentos interpessoais
tendem a ser tumultuosos e hostis, principalmente pela acentuada
reatividade do humor, podendo resultar em explosões verbais, sarcasmos e
até mesmo agressão física.
Manifestam um padrão de relacionamentos instáveis e intensos,
apresentando uma importante ambivalência afetiva e oscilando rapidamente
entre amor e ódio sem uma justificativa real ou plausível. Esses indivíduos
distorcem seus relacionamentos classificando as pessoas como “totalmente
boa” ou “totalmente má”, sendo que uma mesma pessoa ora pode ser “boa”
ora pode ser “má”, migrando rapidamente da idealização para a
desvalorização. Além da instabilidade nos relacionamentos, pode apresentar
instabilidade persistente da autoimagem ou da percepção de si mesmo,
apresentando labilidade nos planos futuros com mudanças dramáticas de
metas, de valores, de aspirações vocacionais, de carreira profissional, de
identidade sexual, de tipos de amigos etc. Podem queixar-se de sentimento
crônico de vazio e de tédio.
São indivíduos impulsivos, podendo observar comportamentos de gastar
dinheiro ou apostar de forma descontrolada, abuso de substâncias lícitas ou
ilícitas, sexo desprotegido, direção irresponsável.
Esses indivíduos encontram-se no limiar entre a neurose e psicose,
podendo apresentar episódios psicóticos de curta duração e autolimitados,
fugazes e questionáveis no lugar de crises psicóticas totalmente clássicas.
São conhecidos como episódios micropsicóticos, podendo estar associados a
ideações paranoides transitórias ligadas a estresse ou sintomas dissociativos
(despersonalização) intensos. São pacientes imprevisíveis e que podem
apresentar comportamentos autodestrutivos, sendo evidenciados
principalmente em associação aos sintomas dissociativos ou em momentos
precipitados por ameaças de separação ou rejeição.
O TPB pode ser observado ainda na adolescência, sendo possível ser
diagnosticado em menores de 18 anos, desde que apresentem manifestações
clínicas clássicas por pelo menos um ano. Além disso, é comum que
associada ao diagnóstico de TPB ocorra concomitância com outros
transtornos psiquiátricos, como transtornos depressivos, bipolares,
alimentares, por uso de substância, déficit de atenção e hiperatividade, entre
outros. No Quadro 2 são expostos os critérios para TPB de forma reduzida
conforme DSM-5.
3. Perturbação da identidade.
Padrão de emocionalidade e busca de atenção em excesso que surge no início da vida adulta e está
presente em vários contextos, conforme indicado por cinco (ou mais) dos seguintes
7. É sugestionável.
Padrão de emocionalidade e busca de atenção em excesso que surge no início da vida adulta e está
presente em vários contextos, conforme indicado por cinco (ou mais) dos seguintes
9. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE
NARCISISTA (TPN)
O termo “narcisismo” faz referência ao mito grego de Narciso, um jovem
bonito cujos pais, no nascimento dele, procuraram o oráculo Tirésias para
descobrirem o futuro de seu filho e souberam que ele teria uma vida longa
caso não visse o seu próprio rosto. Durante sua vida, despertou o amor de
muitas pessoas, inclusive de ninfas como Eco. No entanto, era arrogante e
indiferente ao amor dos outros. Sentindo-se desprezada, Eco recorreu ao
auxílio de Nêmesis, a deusa da vingança, que atraiu Narciso para um rio. Ao
abaixar-se para beber água, avistou a sua imagem refletida e ficou fascinado.
O jovem morreu afogado ao tentar tocar na imagem que via refletida. A
deusa então o transformou numa flor que leva seu nome.
O conceito de “narcisismo” foi descrito pela primeira vez sob a óptica da
psicanálise por Sigmund Freud como condição em que ocorre o
desenvolvimento da pulsão sexual pelo próprio corpo e o fortalecimento do
seu ego e desejo. Atualmente, de acordo como DSM-5, o TPN é
caracterizado por um padrão difuso de grandiosidade, necessidade de
admiração e falta de empatia que surge no início da vida adulta e está
presente em vários contextos.
Esses indivíduos possuem sentimento de autoimportância grandioso,
acreditando ser pessoas especiais e, por isso, esperam e acham que merecem
tratamento especial e privilegiado. Acreditam ter capacidades superiores à
população geral e supervalorizam suas conquistas em detrimento dos méritos
e do desempenho dos outros, podendo assumir um comportamento arrogante
e pretensioso. Diante disso, creem que só podem ser compreendidos por
outras pessoas especiais ou de condição elevada e apenas com elas devem se
socializar, não podendo ser compreendidos por pessoas comuns, pois não
teriam o conhecimento necessário para entendê-los. Possuem a sensação de
ter mais direitos que os outros devido ao tratamento especial que merecem,
por exemplo: acreditam que não precisam aguardar em filas, devem ser
atendidos de modo preferencial, devem ter acesso a áreas restritas.
Associado a isso, há uma falta de sensibilidade, de empatia e de
entendimento dos desejos e das necessidades dos outros, não enxergando o
quão danoso ou abusivos podem ser seus comentários, ou mesmo exigindo
dedicação das pessoas sem considerar o impacto que isso pode ter em suas
vidas. Apresentam frieza emocional, arrogância, esnobismo e falta de
interesse recíproco.
No entanto, apesar desse posicionamento de autoimportância e de
superioridade, possuem uma autoestima vulnerável e frágil às menores
críticas, exigindo uma admiração excessiva de outras pessoas e buscando
elogios, em geral com sedução. São invejosos e creem que os outros o
invejam; caso achem que isso não ocorreu, ficam extremamente perplexos e
desconfortáveis.
Há estudos que defendem a existência de dois subtipos básicos: TPN
grandioso e o TPN vulnerável. O subtipo grandioso inclui, obviamente,
grandiosidade manifesta, presença de agressão e ousadia. Já o subtipo
vulnerável apresenta hipersensibilidade e atitude defensiva. Essa
classificação ainda não é reconhecida no DSM-5. No Quadro 4 são expostos
os critérios para TPN de forma reduzida conforme DSM-5.
2. É preocupado com fantasias de sucesso ilimitado, poder, brilho, beleza ou amor ideal.
7. Carece de empatia.
3 Raiva desproporcional
4 Sentimento de “vazio”
6 Reatividade do humor
7 Instabilidade
8 Negligência parenteral
9 Abuso sexual
SIGLAS
• TP Transtorno de Personalidade
• DSM-5 Manual Diagnóstico e Estatísticos do Transtornos Mentais
• TPA Transtorno de Personalidade Antissocial
• TC Transtorno de Conduta
• TPB Transtorno de personalidade Borderline
• TPH Transtorno de Personalidade Histriônica
• TPN Transtorno de Personalidade Narcisista
• CCNATP Comportamento criminoso não associado a um transtorno
de personalidade
1. CASO CLÍNICO
Diana, 20 anos, solteira, vem à consulta acompanhada de sua irmã, que
descreve a paciente como uma pessoa com aparente medo em iniciar
conversas, evitação de ambientes não familiares, faltas na faculdade quando
há necessidade de expor sua opinião ou apresentar de forma oral algum
trabalho e recusa de convites para festas comemorativas de suas colegas,
apesar de demonstrar interesse. A acompanhante relata também que há sete
meses a irmã foi contratada para trabalhar na loja de uma tia, permanecendo
por apenas 4 meses, pois, segundo a paciente, tinha a sensação que era
incapaz para as atividades atribuídas e a exposição contínua a desconhecidos
geravam grande sofrimento pessoal. Diana admite ser muito tímida, ter
poucas habilidades em relações interpessoais e ter preocupações
constantemente com críticas, julgamentos e rejeições.
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
A personalidade é um conjunto de características individuais que envolve as
emoções, os pensamentos, as percepções e os comportamentos. Essas
características são constantes e estão associadas a uma variedade importante
de indicadores nos níveis individual, interpessoal e social, além de interferir
na saúde física e psicológica, na qualidade das relações com outras pessoas e
no desempenho profissional. Quando as características individuais são
inflexíveis, difusas, inesperadas pela sociedade e gera perda e sofrimento
pessoal e social, isso caracteriza um Transtorno de Personalidade (TP).
Indivíduos com esse diagnóstico apresentam o início das características na
adolescência ou no início da fase adulta, permanecendo estável ao longo do
tempo e gerando sofrimentos não só ao paciente, mas também com quem
mantém contato com ele.
O grupo C dos TPs, foco deste capítulo, engloba os Transtornos de
Personalidade Evitativa, Dependente e Obsessivo-Compulsiva, os quais têm
em comum características de ansiedade, cautela e medo.
3. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE
EVITATIVA/ESQUIVA (TPE)
O Transtorno de Personalidade Evitativa (TPE), também conhecido como
Transtorno de Personalidade Esquiva, inclui os indivíduos que possuem
considerável inibição social e hipersensibilidade excessiva às críticas,
que geram prejuízos ao funcionamento social e profissional. Segundo o
DSM-5, o diagnóstico do TPE deve seguir os critérios a seguir.
6. Vê a si mesmo como socialmente incapaz, sem atrativos pessoais ou inferior aos outros.
Padrão difuso de inibição social, sentimentos de inadequação e hipersensibilidade a avaliação
negativa, indicado por quatro (ou mais) dos seguintes:
8. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE
DEPENDENTE (TPD)
O Transtorno de Personalidade Dependente (TPD) apresenta como
característica fundamental a dependência de outras pessoas. Esse
transtorno, assim como os outros, tem origem no início da vida adulta,
persistindo ao longo do tempo e em vários contextos. As características do
TPD, conforme o DSM-5, são descritas no quadro a seguir.
Quadro 2 - Diagnóstico TPD com critérios reduzidos (DSM-5)
Padrão de necessidade difusa e excessiva de ser cuidado que leva a comportamento de submissão
e apego, indicado por cinco (ou mais) dos seguintes:
2. Precisa que outros assumam responsabilidade em maior parte das áreas da vida.
9. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE
OBSESSIVO-COMPULSIVA (TPOC)
O portador de Transtorno de Personalidade Obsessivo-Compulsiva (TPOC)
tem como característica fundamental o perfeccionismo e a ênfase
exagerada na ordem, o que pode atrapalhar o cumprimento de tarefas,
devido à atenção excessiva a pequenos detalhes. Segundo o DSM-5, o
diagnóstico do TPOC deve seguir os critérios a seguir.
1. É tão preocupado com detalhes, regras, listas, ordem, organização ou horários, que o
objetivo principal da atividade fica perdido.
5. É incapaz de descartar objetos usados ou sem valor mesmo quando não têm valor
sentimental.
6. Reluta em delegar tarefas ou trabalhar com outras pessoas a menos que elas se submetam à
sua forma exata de fazer as coisas.
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SIGLAS
• TP Transtorno de Personalidade
• TPE Transtorno de Personalidade Evitativa
• TPD Transtorno de Personalidade Dependente
• TPOC Transtorno de Personalidade Obsessivo-Compulsiva
• CID-10 Código Internacional de Doença
• DSM-5 Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
A junção dos radicais “psico” e “motor” dá noção de voluntariedade e
ligação entre o desejo e a execução do ato motor. O entendimento da
construção do ato volitivo, como descrito no capítulo “exame mental”, é de
suma importância para a compreensão dos capítulos seguintes. O ato
volitivo é constituído de 4 etapas: a intenção, onde há o predomínio do
interesse e desejo; o segundo passo é a deliberação, que julga os prós e
contras do ato para então seguir para a decisão e, finalmente, a execução.
Essas fases são seguidas em todos os atos motores voluntários: desde uma
caminhada no parque até uma jogada de xadrez.
As alterações que pervertem a sequência habitual do ato volitivo são
inúmeras e presentes na imensa maioria dos transtornos mentais.
Estereotipias, tiques, impulsos, compulsões são alguns exemplos dessas
alterações (mais bem esmiuçadas no capítulo “exame mental”). Nessa
seção, as condições apresentadas têm nas alterações psicomotoras os seus
sintomas-chave: a agitação psicomotora, síndrome ocasionada por
condições psiquiátricas e médicas gerais; a catatonia, outra síndrome de
apresentação com sintomas psicomotores graves; e os transtornos do
movimento induzidos por medicamentos.
1. CASO CLÍNICO
Jonatas, 32 anos, ensino fundamental incompleto, evangélico, vem ao
pronto-atendimento trazido por familiares. Estes contam que paciente vem
há pelo menos um mês apresentando discurso religioso (“orações fervorosas,
pregações incessantes em casa e na rua, grita, bate o pé no chão, sempre
falando que é o escolhido de Deus para salvar o mundo”). Sono reduzido e
insônia total nos últimos 3 dias. Anda por vários quilômetros, dia e noite,
pregando na rua. Quando os filhos tentaram intervir no comportamento, o
paciente tornou-se agressivo, motivo pelo qual o levaram para atendimento
médico de urgência.
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
A agitação psicomotora (APM) é definida como um estado em que a
atividade motora se encontra excessivamente aumentada, com movimentos
repetitivos, inquietação e sensação de tensão interna. Além disso, a APM
representa um risco adicional ao paciente, a acompanhantes e à equipe
médica, pois pode vir acompanhada de comportamento agressivo verbal e
físico, destruição dirigida ao ambiente, na qual o paciente impulsivamente
quebra qualquer objeto ao seu redor e apresenta autolesão com risco suicida.
A psiquiatria de modelo manicomial utilizou-se de diversas técnicas e
instrumentos restritivos para conter pacientes agitados, como, por exemplo:
lençol de contenção, camisa de força, casulo, cubículo/cela, correntes de
ferro, método de “gravata” e eletroconvulsoterapia (ECT) punitiva. Há
relatos da realização do “choque insulínico”, em que eram aplicadas altas
doses subcutâneas de insulina repetidamente até causar coma, seguido da
administração endovenosa de glicose para que o paciente acordasse. Outra
modalidade farmacológica utilizada era o “choque cardiozólico”, no qual
ocorria a indução de convulsões com aplicação endovenosa de 1 ml de
cardiozol em pacientes muito agitados.
3. ASPECTOS SOBRE EPIDEMIOLOGIA E
ETIOLOGIA
A APM é uma condição muito frequente nos serviços de emergência,
responsável por até 1,2 milhão de atendimentos nos Estados Unidos e
aproximadamente 24% dos atendimentos em serviços de emergência
psiquiátricas no Brasil. Entretanto, os dados sobre a epidemiologia da APM
são escassos, com prevalência estimada entre 4,3% e 10,0% nos serviços de
emergência psiquiátrica.
Por se tratar de diagnóstico sindrômico que tem como base
fisiopatológica as disfunções nos sistemas de neurotransmissão
dopaminérgico, serotonérgico, noradrenérgico e gabaérgico, é importante
pensar nos dois principais eixos etiológicos da APM – os quadros orgânicos
e psiquiátricos. Assim, este capítulo visa auxiliar o médico generalista nessa
competência.
A APM pode ser secundária a causas orgânicas de foco neurológico,
toxicológico, metabólico, endócrino, infeccioso ou reumatológico e que
apresentam alto potencial de morbimortalidade. Portanto, devem ser
rapidamente identificadas, investigadas e manejadas no atendimento de
emergência. A abordagem psiquiátrica da APM considera essa alteração da
psicomotricidade comum a diversos quadros, como transtornos do
neurodesenvolvimento, neurocognitivos, psicóticos, ansiosos, de humor, de
personalidade, dissociativos, somáticos, disruptivo, do controle de impulsos
e da conduta e nos relacionados a substâncias e transtornos aditivos.
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
A apresentação típica do quadro é um paciente geralmente trazido por
terceiros, devido à alteração súbita do comportamento basal, com
inquietação, agitação e agressividade. A APM é um diagnóstico sindrômico
e a investigação de diagnósticos diferenciais é mandatória. O raciocínio
clínico dirigido às possíveis causas é fundamental para guiar a investigação
diagnóstica e manejo adequados. Várias condições orgânicas e psiquiátricas
podem estar envolvidas, conforme ilustrado no Quadro 1.
Identificar alterações sugestivas de doenças orgânicas de base, como
mudanças comportamentais agudas, idade ≥ 45 anos, sinais vitais alterados,
alteração do nível de consciência, história de trauma craniano, comorbidades
clínicas, cefaleia persistente, convulsões, alucinações visuais, dentre outros.
Excluídas as causas orgânicas, prossegue-se com avaliação do estado
mental do paciente e abordagem psiquiátrica sindrômica, sendo os principais
diagnósticos: síndrome catatônica, maníaca, ansiosa, psicótica, demencial e
relacionada ao uso e ao abuso de substâncias psicoativas. A apresentação do
quadro pode trazer informações mais características de determinada
síndrome. Por exemplo, a APM na síndrome psicótica ou maníaca é
caracterizada por alteração do pensamento e percepção da realidade,
enquanto nos transtornos de personalidade, a APM vem associada à baixa
tolerância a frustração ou impulsividade sem alterações do juízo crítico da
realidade.
Diagnósticos diferenciais
Infecciosas Sepse
Diagnósticos diferenciais
Transtornos do
DI, TEA, TDAH
Neurodesenvolvimento
Disruptivo, do Controle de
TOD e transtorno explosivo intermitente
Impulsos e da Conduta
Age de forma
intimidadora. Iniciar diálogo
Raivoso.
Faz ameaças com muita
Agressividade Quase agitado. Demonstra
verbais, fala Muito cautela.
(nível 2 de Esmurra parede, estar com
muitos alto. Interromper a
agitação gesticula muito. raiva de
palavrões, fala qualquer sinal
todos.
alto o tempo de piora.
todo.
Postura Psicomotricidade Humor Risco Conduta
Chances de
Agitado. Tem
Anda de um Furioso. sucesso com o
algo nas mãos
lado para Intenção de diálogo são
Violento para se defender
outro. Vai agir remotas.
(nível 3 de ou para agredir Iminente.
agredir/acabou violentamente Iniciar
agitação alguém. Quebra
de agredir contra imediatamente
objetos no
alguém. alguém. processo de
ambiente.
contenção.
Dose
Via de Dose
Classe Fármaco máxima Efeitos colaterais
administração (mg)
(mg) 24h
Depressão respiratória e
Intravenoso 40
hipotensão
Intramuscular Até 15 ND
Sedação, depressão
Midazolam
respiratória
Intravenosa 2,5-10 ND
Fonte: adaptado de Baldaçara L, Diaz AP, Leite V, Pereira LA, Santos RM,
Gomes Junior VP et al.19
Sinais vitais devem ser checados rotineiramente (destaque para perfusão sanguínea).
Mínimo de 5 pessoas para realizar a contenção (uma para cada membro e a outra para tronco e
cabeça).
Uma vez que a contenção foi feita, a medicação deve ser administrada. Não se justifica conter e
não medicar.
Uma vez iniciada a contenção, esta deve seguir até o fim. Não ceder a barganhas do paciente
durante o processo.
Na remoção das faixas, iniciar pelo tórax, um membro inferior de cada vez e finalmente membros
superiores. Sempre avaliar comportamento entre uma remoção e outra.
1 Sexo masculino
2 Idade
3 Baixa escolaridade
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
Em 1870, na Alemanha, o médico psiquiatra Karl Kahlbaum fez uma
associação entre alterações do comportamento motor, volição prejudicada e
doenças psiquiátricas; surgia então a primeira definição de catatonia na
história, chamada de melancolia atônica. Alguns anos depois, Bleuler e Emil
Kraepelin passaram a caracterizar tais alterações como pertencentes a um
quadro secundário, inicialmente chamados de dementia praecox e,
posteriormente, foi enquadrado dentro da esquizofrenia.
A partir daí, essa visão de que a catatonia ocorreria como consequência
da esquizofrenia passou a reinar na visão da academia, e várias propostas
diagnósticas se mantiveram no escopo da esquizofrenia e síndromes
psicóticas. Com o DSM-5, a catatonia passou a ser considerada condição que
poderia ser encontrada em várias enfermidades psiquiátricas e orgânicas.
Podemos definir catatonia como uma alteração importante da
psicomotricidade, no planejamento, na execução do movimento e na
modulação afetiva. Ela se caracteriza, segundo o DSM-5, pela presença de
pelo menos 3 dos seguintes sintomas:
1. Catalepsia – indução passiva de uma postura mantida contra a
gravidade.
2. Estupor – ausência de atividade motora.
3. Flexibilidade cérea – resistência leve ao posicionamento pelo
examinador.
4. Mutismo – resposta verbal ausente ou muito diminuída.
5. Negativismo – oposição ou resposta ausente a instruções ou
estímulos externos.
6. Postura – manutenção espontânea e ativa de uma postura contrária à
gravidade.
7. Maneirismo – caricatura esquisita ou circunstancial de ações
normais.
8. Estereotipia – movimentos repetitivos, infrequentes, não voltados
para um objetivo.
9. Agitação – não influenciada por estímulos externos.
10. Caretas.
11. Ecolalia – imitação da fala de outra pessoa.
12. Ecopraxia – imitação dos movimentos de outra pessoa.
ambitendência, negativismo,
Alterações da vontade
obediência automática
4.2. Lorazepam
Recomenda-se realizar o teste do lorazepam, tanto para fins diagnósticos
(um teste positivo aumenta as chances de um diagnóstico correto de
catatonia), quanto terapêuticos. O teste é realizado com a administração
intravenosa de 2 mg de lorazepam e é dito positivo com uma melhora
significativa dos sintomas dentro de uma média de 30 minutos. Como a
apresentação parenteral é indisponível no Brasil, o uso oral pode ser
utilizado.
Pacientes com catatonia toleram bem o uso da medicação, sem sedação.
Por isso, as doses variam de 8 a 24 mg/dia. É recomendado começar com 1-2
mg a cada 4-12 horas e titular conforme resposta. De toda forma, devemos
ter cuidado sempre com sedação excessiva e diminuição do drive
respiratório. Apesar do lorazepam ser uma boa escolha, estudos também
tiveram bons desfechos com o uso de diazepam e clonazepam.
4.4. Anticonvulsivantes
O ácido valproico age aumentando a responsividade ao GABA e pode ser
utilizado também como alternativa. Já o topiramato tem propriedades
antiglutamatérgicas e age de forma semelhante a amantadina e memantina
no controle dos sintomas da catatonia. O mecanismo de ação dos demais
anticonvulsivantes, permanece obscuro.
4.6. Antipsicóticos
Existe uma discussão a respeito do uso dos antipsicóticos nos quadros de
catatonia, mas orienta-se, na maioria dos casos, suspender a medicação.
Nota-se que tanto antipsicóticos de primeira geração quanto os atípicos
podem desencadear os sintomas e não se nota uma melhora ao utilizá-los no
processo terapêutico.
2 Postura
3 Negativismo
4 Possível depressão
6 Flexibilidade cérea
7 Catalepsia
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SIGLAS
• BZD Benzodiazepínicos
• CPK Creatina Fosfoquinase
• GABA Ácido Gama-Aminobutírico
• ECT Eletroconvulsoterapia
• EEG Eletroencefalograma
• EENC Estado Epiléptico Não Convulsivo
• NMDA N-Metil D-Aspartato
• RNM Ressonância Nuclear Magnética
• SEP Sintomas Extrapiramidais
• SNM Síndrome Neuroléptica Maligna
1. CASO CLÍNICO
Conceição, 62 anos, com diagnóstico de transtorno afetivo bipolar, vem em uso
de haloperidol 5 mg/dia e carbonato de lítio 600 mg/dia. Queixa-se de
dificuldade nos movimentos como se estivesse “engessada”, com os “músculos
duros”. Além disso, refere tremor de repouso nos membros superiores. Quadro
de duas semanas que se iniciou após introdução das medicações supracitadas.
2. INTRODUÇÃO
Neste capítulo, a estrutura tradicional adotada neste livro não será a mesma. Isso
se deve à variedade de condições associadas aos transtornos do movimento, e
por isso não podemos falar de um diagnóstico específico. Sigamos!
Muitas drogas terapêuticas e ilícitas podem causar distúrbios do movimento,
que variam de tremores a síndromes com risco de morte. Os medicamentos mais
comuns que causam esses efeitos colaterais são os antagonistas da dopamina,
principalmente antipsicóticos e antieméticos. Os pacientes costumam usar
combinações de medicamentos que podem causar mais de um distúrbio do
movimento, dificultando a identificação do medicamento culpado. Os
transtornos do movimento induzidos por drogas (TMID) podem ser
incapacitantes, em geral são subdiagnosticados e manejados inadequadamente.
Eles podem ser classificados cronologicamente, com base no tempo de início
após a ingestão do medicamento, como agudo, subagudo ou tardio.
O diagnóstico requer conhecimento dos distúrbios típicos do movimento e
das síndromes que podem ocorrer com diferentes classes de medicamentos,
além de seu curso. O reconhecimento precoce de um distúrbio do movimento
induzido por drogas é essencial para permitir uma intervenção imediata. Isso
inclui interromper o medicamento ofensivo, cuidados de suporte e, às vezes,
outro tratamento farmacológico.
O advento dos antipsicóticos atípicos levou à esperança de que a incidência
de distúrbios do movimento induzidos diminuiria significativamente ao longo
do tempo. No entanto, esse horizonte ainda não foi alcançado e os distúrbios do
movimento continuam sendo um problema significativo.
3.1. Tremor
O tremor está entre os distúrbios de movimento mais comuns e pode ocorrer
como efeito colateral de vários medicamentos (quadro 1). Os tremores são
tipicamente caracterizados por oscilações rítmicas de uma parte do corpo sobre
uma articulação e são melhor classificados pela situação em que ocorre
(detalharemos mais à frente). Muitas vezes é difícil determinar se um
medicamento causou um tremor ou simplesmente aumentou o tremor subjacente
de um paciente, dado que o tremor fisiológico é prevalente e ocorre em algum
grau na população geral. Além disso, os pacientes costumam tomar vários
medicamentos que podem causar ou exacerbar o tremor, sendo que a
identificação de um único medicamento como causador é difícil, senão
impossível.
Amiodarona
Antidepressivos
Agonistas b-adrenérgicos
Ciclosporina
Lítio
Tacrolimus
Teofilina
Ácido valproico
Existem vários fatores de risco para o TIM, sendo que a idade avançada é o
mais importante, talvez devido a vários problemas médicos tratados com
numerosos medicamentos.
Duas categorias principais de tremor são o tremor em repouso e tremor de
ação. O tremor em repouso (comum em doença de Parkinson ou parkinsonismo
induzido por drogas) ocorre quando a parte do corpo afetada não se encontra
sob efeito da gravidade e os músculos não estão contraídos (com o paciente
sentado, relaxado com os braços apoiados sobre uma mesa, por exemplo). O
tremor de ação, ao contrário, ocorre com movimento voluntário e pode ser
dividido em tremor postural e tremor cinético. O tremor postural ocorre
classicamente ao manter os braços em uma posição estendida contra a
gravidade. O tremor cinético inclui um tremor específico para tarefas e um
tremor terminal para movimentos direcionados a objetivos (tremor de intenção,
como pode ser visto ao se aproximar do alvo em testes dedo-nariz). Finalmente,
o tremor isométrico é um tremor cinético que ocorre com a contração muscular
ativa contra um objeto fixo. Duas outras características importantes de serem
avaliadas no tremor são a frequência e a amplitude.
A maioria dos tremores patológicos são predominantemente de ação, sejam
eles cinéticos ou posturais (ou frequentemente uma combinação de ambos).
Alguns medicamentos (especialmente lítio, antagonistas da dopamina e ácido
valproico) podem causar tremores em repouso, revelar deficiência de dopamina
pré-sináptica subjacente ou precipitar tremores em Doença de Parkinson (DP)
subclínica. O TIM também é tipicamente simétrico, mas no cenário do
parkinsonismo induzido por drogas (PID), uma apresentação com tremor de
repouso unilateral não é incomum.
Existem poucos dados sobre os mecanismos de como esses medicamentos
induzem tremores. O tremor fisiológico possui muitos componentes que podem
ser influenciados por medicamentos, alguns influenciando o componente central
(amitriptilina) e outros alterando o componente periférico (agonistas b-
adrenérgicos, ciclosporina etc.). Outros mecanismos incluem o bloqueio da
neurotransmissão dopaminérgica na via nigroestriatal por antagonistas da
dopamina.
Tremores psicogênicos podem ocorrer como manifestação de um distúrbio
psiquiátrico subjacente, como transtornos somatoformes ou factício. O
diagnóstico é baseado em sintomatologia incomum e outras pistas, como início
abrupto, inconsistências no padrão e características do tremor, remissões
espontâneas, resposta ao placebo e distração.
A seguir, listamos algumas medicações e classes associadas à indução de
tremor.
3.2. Amitriptilina
Um tremor postural pode levar à descontinuação da terapia com amitriptilina em
alguns pacientes. Numa parcela dos casos, tremores induzidos por amitriptilina
podem melhorar com o tempo enquanto os pacientes permanecem em terapia.
Embora a maioria dos TIMs deva-se a um mecanismo não caracterizado, parece
que a amitriptilina acentua o componente central do tremor fisiológico.
3.4. Lítio
O tremor induzido por lítio é talvez um dos TIMs mais comuns na prática
clínica e ocorre em cerca de 30% dos pacientes que fazem uso dessa medicação,
podendo ocorrer agudamente na primeira semana da terapia ou se
desenvolvendo dentro de semanas ou meses após o início da medicação. Para a
maioria dos pacientes em terapia crônica com lítio, o tremor é geralmente leve e
não incapacitante, ocorre com mais frequência em pacientes idosos, parece ser
mais comum em homens. É geralmente simétrico, não progressivo e pode piorar
durante atividades que exigem controle motor fino, como escrever.
O lítio pode causar tremor nos níveis tóxicos e terapêuticos. Apesar de ser
sinal de toxicidade, níveis elevados no sangue não são necessários para produzir
tremor. Na presença de tremor em pacientes tratados com lítio, história
completa, incluindo investigação de fatores precipitantes de intoxicação
(desidratação, por exemplo) e uso de medicamentos que interagem aumentando
os níveis de lítio (por exemplo, anti-inflamatórios não esteroidais e inibidores da
enzima conversora de angiotensina), exame físico, exames de sangue, incluindo
o nível sérico de lítio, são necessários para excluir a toxicidade do lítio.
Assim como no tremor induzido pela amitriptilina, o tremor induzido pelo
lítio pode melhorar com o tempo com a continuação da terapia. O lítio,
raramente, pode causar parkinsonismo em alguns pacientes, mas isso pode
melhorar com a redução da dose. Em casos de intoxicação, a toxicidade do lítio
geralmente diminui dentro de 3 a 4 dias após a sua descontinuação. No entanto,
se o uso do lítio continuar, tremor cerebelar devido a danos neuronais
irreversíveis – caracterizado por ataxia, disartria, nistagmo e tremor de intenção
– pode ocorrer.
O mecanismo exato do tremor induzido por lítio é desconhecido, mas a
redução da dose ou a descontinuação do fármaco geralmente leva a melhora. Os
antagonistas b-adrenérgicos podem ajudar no tratamento e o antagonista não
seletivo b-adrenérgico, propranolol, parece ser mais eficaz.
4.1. Tratamento
Em algumas situações, é prudente observar e aguardar após o início de um
novo medicamento, pois muitos TIMs podem se tornar menos incômodos para
um paciente ou até melhorar com o tempo. Como alternativa, uma preparação
de liberação controlada pode causar menos tremor em um paciente devido à
menor variabilidade do nível sérico. A grande maioria dos TIMs respondem à
redução da dose ou à interrupção do medicamento causador. Em alguns casos,
não é possível reduzir a dose do agente agressor e medicamentos adicionais
podem ser necessários para tentar tratar o tremor (Quadro 2).
Expectante
Amitriptilina
Redução da dose
Expectante
ISRS Redução da dose
Investigar síndrome serotonérgica
Investigar intoxicação
Lítio Redução da dose
Betabloqueadores
Ácido valproico Redução da dose
Trocar para liberação prolongada
Propranolol
Amantadina
Redução da dose
Antipsicóticos Anticolinérgicos
Amantadina
4.2. Acatisia
É uma sensação de inquietação interna, irritabilidade e tensão, às vezes
percebida como ansiedade, sem necessariamente se manifestar com sinais
físicos, causada pelo uso de antagonistas da dopamina, inibidores seletivos da
recaptação da serotonina (ISRS), drogas antiepilépticas, antieméticos
(metoclopramida) e cocaína. Existem dois aspectos da acatisia: o relato
subjetivo de inquietação, especialmente relacionada às pernas, e as
manifestações objetivas de inquietação na forma de movimentos estereotipados,
incluindo movimentos de marcha, esfregar de mãos, bater nas coxas e balançar
do corpo. A acatisia aguda pode começar algumas horas ou dias após o início do
tratamento com antagonistas da dopamina e pode ocorrer em até 50% dos
pacientes em 1 mês. Existem diferenças notáveis na incidência anual de acatisia,
dependendo do medicamento utilizado: 4% para quetiapina ou olanzapina, 20%
com outros antipsicóticos de segunda geração (ASG), também chamados de
atípicos e 50% com haloperidol. Dentre os antipsicóticos atípicos, taxas
relatadas de acatisia são mais altas com asenapina, aripiprazol e lurasidona do
que com outros ASGs.
É importante entender que a acatisia aguda e a acatisia tardia (um problema
associado ao uso prolongado de antagonistas da dopamina) são
fenomenologicamente idênticas, mas são opostas em sua resposta ao tratamento
medicamentoso. A acatisia aguda geralmente melhora após a interrupção do
medicamento causador, enquanto na acatisia tardia há uma piora.
Anticolinérgicos, betabloqueadores, benzodiazepínicos, amantadina,
mirtazapina e clonidina também têm sido utilizados com eficácia variável e com
poucas evidências. Parece que uma dose baixa de propranolol é suficiente, com
doses usuais recomendadas na ordem de 60 mg/dia e mais raramente mais de
120 mg/dia. A clonidina, um agonista ɑ2-adrenérgico que reduz a atividade
noradrenérgica central, tem sido benéfico, mas efeitos colaterais como sedação
limitam seu uso.
5. EMERGÊNCIAS DE DISTÚRBIOS DO
MOVIMENTO INDUZIDOS POR
MEDICAMENTOS
Existem três formas principais de TMIDs com manifestações sistêmicas que são
emergências com risco de morte: síndrome neuroléptica maligna, síndrome
serotoninérgica e síndrome de parkinsonismo-hiperpirexia. Eles têm início
agudo e compartilham características clínicas essenciais que afetam o estado
mental, os sintomas motores e as funções autonômicas e termorregulatórias.
Interrupção da droga
Anticolinérgicos
Betabloqueadores
Acatisia Benzodiazepínicos
Clonidina
Amantadina
Mirtazapina
Interrupção da droga
Medidas de suporte
Síndrome neuroléptica maligna Bromocriptina
Dantrolene
Eletroconvulsoterapia
Síndrome serotoninérgica Interrupção da droga
Medidas de suporte
Benzodiazepínicos
Ciproeptadina
6. TRANSTORNOS SUBAGUDOS DO
MOVIMENTO
Os distúrbios do movimento subagudos induzido por drogas ocorrem dentro de
dias a semanas após a ingestão da droga.
6.1. Parkinsonismo
O parkinsonismo induzido por drogas (PID) é comum, geralmente ocorre em
pacientes tratados com antagonistas da dopamina e representa o distúrbio do
movimento iatrogênico mais grave em pessoas idosas. É mais comum em
mulheres e sua frequência aumenta com a idade. Eles podem se manifestar
dentro de alguns dias após o início da terapia neuroléptica e 90% dos casos
surgem em 3 meses. O PID é o tipo mais comum de parkinsonismo entre
pessoas com menos de 40 anos (com o avançar da idade, a Doença de Parkinson
assume uma posição de destaque) e os antipsicóticos típicos são a classe mais
comum de medicamentos associados ao parkinsonismo. Os ASGs, embora não
isentos de riscos, parecem apresentar um risco de parkinsonismo induzido por
drogas que é cerca de metade do valor dos APGs.
O parkinsonismo induzido por drogas se desenvolve ao longo de dias a
meses, mais comumente quando o medicamento é iniciado ou quando a dose é
aumentada. Pode até se desenvolver em pacientes que usam antagonistas de
dopamina há décadas, devido ao desenvolvimento da doença de Parkinson real
ou à maior suscetibilidade ao parkinsonismo induzido por drogas no cérebro
envelhecido. O PID é tipicamente caracterizado por bradicinesia, rigidez,
instabilidade postural e tremores de repouso, geralmente se apresenta como uma
síndrome rígida acinética simétrica, embora a assimetria possa ocorrer em até
30% dos casos e possui fraca resposta a medicamentos antiparkinsonianos
típicos, incluindo levodopa, agonistas da dopamina e anticolinérgicos. Existem
subgrupos no PID: alguns têm principalmente bradicinesia, outros têm tremor
predominante e em alguns os sintomas são mistos. Não há, porém,
características clínicas que possam distinguir de maneira confiável, o
parkinsonismo induzido por drogas da doença de Parkinson.
A prevenção do PID é o objetivo mais importante e, portanto, antagonistas
de dopamina devem ser administrados apenas quando necessário. Os ASGs
devem ser usados quando possível pela sua menor propensão a causar síndrome
extrapiramidal, incluindo PID. O uso de anticolinérgicos na profilaxia é
discutível e em altas doses podem causar confusão e dificuldade de memória. A
interrupção do medicamento agressor geralmente resulta em resolução completa
do distúrbio, mas pode levar vários meses ou até anos para ser resolvido após a
interrupção da droga. Pelo menos 10% dos pacientes com PID desenvolvem
persistente e progressivamente parkinsonismo importante, apesar da
descontinuação do agente infrator, o que pode representar um déficit
dopaminérgico neuronal pré-clínico.
Para o tratamento, pode-se tentar retirar ou reduzir os antagonistas da
dopamina (se possível) e monitorar o paciente por um período de pelo menos 6
meses. Em pacientes psiquiátricos que necessitem de uso crônico de
antipsicóticos é sugerida a troca para um medicamento com menor afinidade
pelos receptores D2, como ASG. Apenas a quetiapina e a clozapina
demonstraram não piorar o parkinsonismo, mas doses maiores de quetiapina e
de outros, como olanzapina, risperidona e aripiprazol podem causar PID. Se o
parkinsonismo persistir por mais de 6 meses após a descontinuação do
antagonista de dopamina, deve-se suspeitar de DP subjacente. Drogas
anticolinérgicas são frequentemente usadas com base em poucas evidências e
pequenos estudos, assim como o uso da amantadina. A levodopa não é
frequentemente usada no PID devido à potencial piora da psicose.
7. TRANSTORNOS TARDIOS DO MOVIMENTO
Os distúrbios do movimento tardios induzidos por medicamentos podem ocorrer
durante o tratamento ou dentro de 6 meses após a interrupção deste, e estão
presentes por pelo menos um mês. Deve haver duração mínima da exposição ao
medicamento por pelo menos três meses ou um mês em adultos com mais de 60
anos. Os medicamentos mais comumente implicados incluem antipsicóticos,
antieméticos e alguns antagonistas dos canais de cálcio com propriedades
bloqueadoras de receptores de dopamina (cinarizina e flunarizina).
Embora o risco relativo de síndromes tardias seja menor com antipsicóticos
de segunda geração (ASG) em relação a antipsicóticos de primeira geração
(APG), o risco não é desprezível e, como os ASGs são mais amplamente
prescritos, é provável que o número absoluto de novos casos de síndromes
tardias esteja aumentando.
Os distúrbios do movimento tardio incluem discinesias (tipicamente
orobucolingual), estereotipias, acatisia, distonia (focal, segmentar ou
generalizada), mioclonia, tremor, tiques e parkinsonismo tardio. O quadro 4
resume os tratamentos empregados nos transtornos do movimento tardios.
Toxina botulínica
Distonia tardia Estimulação cerebral profunda
Tratamento cirúrgico
3 Antipsicótico típico
4 Rigidez
5 Característica do tremor
6 Bradicinesia
7 Hipomimia fácil
Referências
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
O álcool é uma substância psicoativa de referência bíblica. Está presente em
diversas culturas, mediando diferentes aspectos das relações humanas. Seu uso é
não só aceito, mas reforçado socialmente. Encontram-se representações
milenares, fazendo com que sua história se funda à própria história da
humanidade. Seu consumo guarda uma relação complexa com a saúde, restando
ainda incógnitas, mesmo diante dessa relação tão antiga com o homem. Há uma
melhora do humor a curto prazo e a supressão de emoções negativas, ajudando
o usuário a superar sensações como ansiedade e insegurança. O uso da
substância pode passar a ser condicionado pela busca desses efeitos, podendo,
se usada em excesso, se tornar uma maneira inadequada de lidar com as
demandas da vida, aumentando a probabilidade de beber regularmente.
O uso de álcool é reforçado não só pelos efeitos farmacológicos do etanol,
mas também por aprendizado e influência social, de acordo com as
circunstâncias que cercam o consumo. Até mesmo estímulos previamente
neutros, sem relação com o beber, como lugares, pessoas, músicas e objetos,
podem, se repetidamente pareados ao consumo de álcool, tornar-se estímulos
eliciadores do desejo de consumo da substância.
Uma vez que se manifeste uma condição de necessidade de uso da
substância, seja psicológica, associada a inabilidades de lidar com o mundo sem
um mediador psicoativo, seja biológica, por busca de efeitos prazerosos ou
esquiva de sintomas fisicamente desagradáveis de descontinuação, estabelece-se
uma relação patológica entre o sujeito e a substância, que reforça seu consumo
tanto pela busca dos efeitos agudos quanto para não experimentar os efeitos da
sua privação, podendo levar ao adoecimento e à cronicidade.
O álcool é, quimicamente, um depressor do Sistema Nervoso Central (SNC),
porém, em doses menores, tem efeitos euforizantes. Os efeitos esperados variam
não só com a dose, mas também com o volume de distribuição no organismo
(água corporal total, por ser bastante hidrofílico), com a tolerância individual e a
capacidade de metabolização. Níveis de alcoolemia como 400 mg/dL podem
levar ao coma em um bebedor iniciante, mas podem não o fazer em um bebedor
crônico.
Letargia profunda.
300-390 Perda de consciência.
Estado de sedação comparável ao de uma anestesia cirúrgica.
Inconsciência.
Incontinência urinária e fecal.
> 400
Parada respiratória.
Morte, em geral provocada por insuficiência respiratória.
Leve
Transtorno por Uso de Álcool Moderado
Grave
Transtorno Relacionado
-
ao Álcool Não Especificado
Uso nocivo para a saúde (CID-10 F10.1): modo de consumo de uma substância psicoativa que é
prejudicial à saúde. As complicações podem ser físicas, como hepatite, por exemplo, ou psíquicas,
como episódios depressivos secundários a grande consumo de álcool.
Síndrome de dependência (CID-10 F10.2): conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e
fisiológicos que se desenvolvem após repetido consumo de uma substância psicoativa, tipicamente
associado ao desejo poderoso de tomar a droga, à dificuldade de controlar o consumo, à utilização
persistente apesar das suas consequências nefastas, a uma maior prioridade dada ao uso da droga em
detrimento de outras atividades e obrigações, a um aumento da tolerância pela droga e por vezes, a
um estado de abstinência física.
Uso arriscado
O uso da substância é mantido apesar da consciência de ter um problema
físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou
exacerbado por ela.
Tolerância:
a. Necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para
alcançar a intoxicação ou o efeito desejado.
b. Efeito acentuadamente menor com o uso continuado da mesma quantidade
Critérios da substância.
farmacológicos
Síndrome de Abstinência:
a. Síndrome característica.
b. A própria substância ou uma substância quimicamente relacionada é
consumida para aliviar ou evitar os sintomas de abstinência.
Massa de álcool
= 50 ml x 0,4 x 0,789 g/ml
etílico
Massa de álcool = 15,78 g
etílico
Fonte: adaptado de Costardi JVV, Nampo RAT, Silva GL, Ribeiro MAF,
Stella HJ, Stella MB, Malheiros SVP.5
Quadro 7 - AUDIT
4. Nos últimos 12 meses, com que 9. Alguma vez ficou ferido ou alguém
frequência se apercebeu de que não ficou ferido por você ter bebido?
conseguia parar de beber depois de
0 = não
começar?
1 = sim, mas não nos últimos 12 meses
0 = nunca 2 = sim, aconteceu nos últimos 12
1 = menos de uma vez por mês meses
2 = pelo menos uma vez por mês
3 = pelo menos uma vez por semana
4 = diariamente ou quase diariamente
5. Nos últimos 12 meses, com que 10. Alguma vez um familiar, amigo,
frequência não conseguiu cumprir as médico ou profissional de saúde
tarefas que habitualmente lhe exigem manifestou preocupação pelo seu
por ter bebido? consumo de álcool ou sugeriu que
deixasse de beber?
0 = nunca
1 = menos de uma vez por mês 0 = não
2 = pelo menos uma vez por mês 1 = sim, mas não nos últimos 12 meses
3 = pelo menos uma vez por semana 2 = sim, aconteceu nos últimos 12
4 = diariamente ou quase diariamente meses
“A Pirâmide dos Bebedores descreve quatro tipos de bebedores. Enquanto muitas pessoas se abstêm
completamente de álcool, a maioria dos bebedores bebem com sensatez. A terceira área (bebedores de
alto risco) representa bebedores cujo uso de álcool pode causar problemas. A área superior representa
pessoas que têm problemas graves e que, possivelmente, sejam dependentes de álcool. Suas respostas
ao questionário indicam que você está na categoria de alto risco e que seu modo de beber representa
riscos para sua saúde e para outros aspectos da sua vida.”
“Esta imagem mostra alguns problemas de saúde que podem ser causados pelo consumo de álcool de
alto risco. Você já experimentou algum desses problemas? O melhor caminho para evitá-los é reduzir a
frequência e a quantidade de seu consumo, ou mesmo se abster completamente.”
Passo 3 – Discuta a necessidade de parar de beber ou reduzir o consumo
• Tem pressão alta, doença hepática, apresenta gravidez, ou toma medicamentos que reagem com o
álcool.
Oriente reduzir o consumo se o paciente:
• Conseguiu beber em níveis de baixo risco na maior parte do tempo no último ano.
Passo 4 – Discuta sobre limites sensatos com o paciente que prefere reduzir
• Há momentos em que até mesmo uma ou duas doses padrão podem ser demais:
» Ao dirigir ou operar máquinas.
“É essencial entender a quantidade de álcool contida no que você está bebendo. Assim, você poderá
contar quantas doses consome a cada dia e tentar permanecer dentro dos limites de baixo risco.”
1. Conselho
Deve-se seguir os mesmos procedimentos descritos para o AC Simples
como forma de iniciar uma discussão sobre o álcool. Caso o paciente apresente
problemas específicos relacionados ao uso excessivo, eles devem ser
enfatizados pelo profissional. O discurso passa a ser baseado em danos
concretos, reduzindo o grau de abstração e aumentando a carga afetiva
relacionada ao hábito nocivo.
2. Avaliação do Estágio Motivacional (adapte o conselho)
A avaliação diagnóstica envolve uma ampla análise dos fatores que
contribuem para a gravidade e as consequências do beber excessivo e para a
perpetuação do comportamento. O estágio motivacional do paciente pode variar
de nenhum interesse em mudar (pré-contemplação) para o real início de um
plano de mudança (estágio de ação).
4. Acompanhamento
O profissional deve sempre fornecer feedback e suporte na definição, na
realização e na manutenção de metas realistas, com exigência ajustada ao nível
de gravidade e capacidades do paciente. O projeto terapêutico deve ser pactuado
com o sujeito, considerando seu estado de saúde, suas dificuldades, suas
necessidades e seu contexto, também suas qualidades e potencialidades.
O profissional deve:
Durante as sessões, certas posturas podem ajudar a estabelecer uma boa relação médico-paciente e
fortalecer o vínculo do paciente com o profissional e seu engajamento com o tratamento. As técnicas
contribuem, inclusive, para a eficácia em aplicar o AC:
4. Facilite
Faça o paciente se sentir incluído no processo de mudança. Mais do que dizer ao paciente o que ele
deve fazer, procure envolvê-lo nas decisões e ouvir suas sugestões com interesse. É essencial dar
importância crítica às escolhas que o paciente faz dentro do projeto de tratamento, elas lhe farão
muito mais sentido e ele tenderá a aderir melhor ao plano de tratamento, seja o objetivo abstinência
ou redução do consumo.
5. Acompanhe
O acompanhamento periódico é essencial para uma boa prática clínica. Os retornos podem ser
agendados conforme a gravidade percebida do caso. Também podem ser realizados de acordo com o
período de tempo necessário para se averiguar o alcance de uma meta de tratamento. Se um paciente
está tendo sucesso, deve ser ainda mais encorajado. Se não, deve-se rever o plano de tratamento. Se
o insucesso for recorrente, deve-se considerar encaminhamento do caso.
Nos casos em que o uso prejudicial não pôde ser abandonado, independentemente do motivo,
mesmo que por vontade expressa do paciente, esse paciente deve ter mais oferta de cuidados, pois
está exposto a riscos constantes de desfechos adversos à sua saúde. Não desejar o tratamento
proposto para o consumo excessivo de álcool não quer dizer que não deseje (ou não “mereça”)
tratamento ou cuidados a respeito dos demais agravos.
5. MEDIDAS FARMACOLÓGICAS
As opções farmacológicas disponíveis para o tratamento do transtorno por uso
de álcool são escassas. Nenhum dos medicamentos é facilmente disponível no
âmbito do SUS para o tratamento do etilismo e seu custo pode ser elevado e
impeditivo. Dos medicamentos que têm aprovação, no Brasil, para serem
prescritos especificamente para o etilismo, apenas a naltrexona está, atualmente,
disponível. O dissulfiram era o outro representante da pequena lista, mas foi,
recentemente, descontinuado pelo fabricante.
Naltrexona: antagonista opioide de duas apresentações: comprimidos e
formulação de depósito (não comercializada no Brasil). O antagonismo opioide
interfere reduzindo a neurotransmissão dopaminérgica no sistema límbico,
atenuando os efeitos subjetivos prazerosos do álcool.
Um cuidado especial deve ser dado aos pacientes em uso crônico ou
dependência de opioides. O bloqueio do receptor pode precipitar um estado de
abstinência farmacodinâmico iatrogênico, impedindo, inclusive, o tratamento da
síndrome de abstinência, para a qual também são utilizados opioides.
O paciente sempre deve ser informado do mecanismo de ação do
medicamento, pois, eventualmente, poderá ser submetido a algum procedimento
que requeira analgesia com opioides, como em cirurgias, por exemplo.
É prescrita na dose de 50 mg, 1 comprimido, por dia, via oral. A dose
habitual é 50 mg/dia, mas pode ser elevada, a depender da resposta para 100
mg/dia após 1 semana do início.
Outros medicamentos, aprovados para outras indicações, podem, entretanto,
ser prescritos como tratamento “off-label”, por apresentarem evidências de
eficácia, embora menos robusta que os medicamentos acima.
Topiramato: medicamento com a recomendação mais robusta do grupo. A
principal restrição ao uso se dá por conta dos efeitos colaterais, pois tem a
vantagem de baixa ligação a proteínas e poucas interações medicamentosas. As
doses são variáveis, havendo relatos de efeito em doses de 50 mg/dia. As doses
médias estão entre 100 e 200 mg/dia. Iniciar com 25 mg com aumentos graduais
semanais de 25 mg até a dose almejada. A retirada deve ser gradual por conta
do risco de convulsões.
Baclofeno: medicamento antiespasmódico da musculatura esquelética de
ação medular. Promove estímulo à neurotransmissão GABAérgica via
receptores GABA-B, inibindo a liberação de glutamato e aspartato
(aminoácidos excitatórios). Sua prescrição no alcoolismo é apoiada
principalmente quando para pacientes com doença hepática. Iniciar com meio
comprimido (5 mg) 3 vezes ao dia. Aumentar a cada 3 a 5 dias, conforme
resposta e tolerabilidade. Os incrementos podem ser de 15 mg/dia. A dose
ótima, geralmente, varia entre 30 e 80 mg/dia. Doses maiores como 100 a 120
mg/dia podem ser administradas, porém com mais risco de efeitos indesejados,
como fraqueza muscular excessiva e quedas.
Ondansetrona: medicamento antiemético potente, antagonista seletivo de
receptores serotoninérgicos 5-HT3, que interferem na neurotransmissão
dopaminérgica mesocorticolímbica. As doses recomendadas são de 4 a 16
µg/kg, 2 vezes ao dia, o que representa doses muito baixas, uma vez que as
apresentações são de comprimidos orais ou solução endovenosa de 4 mg e 8
mg. As doses utilizadas têm sido de 4 mg a 16 mg/dia. Em hepatopatas, a dose
não deve ultrapassar 8 mg/dia.
Figura 2 - Esquema de manejo do paciente com transtorno por uso de álcool
2 Prejuízos sociais
3 Perda de controle
4 Prejuízos físicos
5 Prejuízos psíquicos
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SIGLAS
• AC Aconselhamento Comportamental
• CAPS Centros de Atenção Psicossocial
• DSM-5 Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais
• SAA Síndrome de Abstinência Alcoólica
• SNC Sistema Nervoso Central
• TCC Terapias Cognitivo-Comportamentais
1. CASO CLÍNICO
João Paulo, 23 anos, solteiro, mecânico, ensino médio incompleto, vem
acompanhado da genitora. Relata que desde os 15 anos iniciou uso
recreativo de cocaína aspirada, 2 vezes por mês. Ao começar a trabalhar e
ganhar o próprio dinheiro, por volta dos 21 anos, houve intensificação do
uso da cocaína aspirada, sendo agora a utilização 4 vezes por semana, o que
trouxe prejuízos na manutenção dos empregos, pois passava muito tempo
utilizando a sustância e se recuperando dos efeitos pós-uso, como sonolência
excessiva, irritabilidade e prejuízo da concentração. Por ter perdido poder
aquisitivo, passou a utilizar crack há 1 ano, passando para uso compulsivo
no 1º mês de contato com a droga, chegando a furtar objetos do lar, causando
conflitos com os pais. Tem padrão de uso diário no momento, pois refere que
precisa de doses maiores para ter o mesmo efeito euforizante, com também
efeitos mais intensos da intoxicação como pensamentos persecutórios e
crises ansiosas. Hoje está no 3º dia sem uso do crack, relatando intenso
desejo pelo uso, irritabilidade e fadiga. Reconhece os prejuízos causados
pelas substâncias e deseja ficar mais tempo em abstinência.
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
A palavra cocaína deriva da expressão khoka, que, na língua aimoré,
significa “a árvore”. É uma substância presente na planta Erythroxylon coca
encontrada na região dos Andes e utilizada em práticas culturais e religiosas
há mais de 4 mil anos. Há descrições de nativos que, desde essa época,
mascavam suas folhas, deparando-se com seus efeitos alucinógenos.
A extração do princípio ativo cocaína iniciou-se já no século XIX,
passando a ser comercializada com finalidades terapêuticas, por exemplo, no
uso em anestésicos. Logo expandiu-se seu uso recreativo nos Estados
Unidos e, posteriormente, no Brasil, levando à proibição da comercialização
em 1914 e 1921, respectivamente. O crack é constituído por uma mistura da
base livre da cocaína com bicarbonato de sódio, resultando em uma
substância pétrea, de cor marrom-amarelada, que se torna altamente volátil
quando aquecida.
De acordo com o DSM-5, o diagnóstico para transtorno por uso de
cocaína e/ou crack é possível quando o padrão de uso leva a sofrimento
clínico significativo, ocorrendo por um período mínimo de 12 meses
associado a, pelo menos, 2 dos seguintes critérios:
4. DIAGNÓTICO DIFERENCIAL
Os principais diagnósticos diferenciais estão descritos no quadro a seguir.
5. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
Muitas medicações têm sido avaliadas em relação à eficácia no tratamento
para dependência de cocaína e crack, porém, poucas substâncias têm
mostrado resultados clinicamente significantes. Na tabela a seguir há a
descrição das substâncias com maior evidência de eficácia, assim como
doses iniciais e máximas.
3 Prejuízo laboral
6 Prejuízos sociais
7 Tolerância
8 Fissura
O paciente João Paulo apresenta transtorno por uso de substância (crack
e cocaína) caracterizados por aumento do padrão de uso com efeitos de
tolerância, prejuízos laborais e sociais, sintomas de abstinência, fissura,
apesar de reconhecer os prejuízos causados por essas substâncias. No
momento do exame o paciente relata estar há 3 dias sem uso, apresentando-
se ansioso, com discurso acelerado e tremores finos em membros superiores,
evidenciando possível quadro de abstinência.
O paciente deve ser escutado com empatia, passar por avaliação clínica e
anamnese detalhada em ambiente calmo e protegido, e ser medicado se
necessário. Após estabilização, apresentá-lo às diversas estratégias para o
tratamento da dependência e encaminhá-lo para serviço especializado, como,
por exemplo, os Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e outras Drogas
(CAPS AD). A depender do suporte social e interesse do paciente, a
internação hospitalar pode ser necessária. Vale lembrar que pacientes em uso
compulsivo de cocaína/crack, expostos a riscos e sem insight, podem ter sua
internação feita de forma involuntária.
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
O tabagismo é uma doença crônica caracterizada pela dependência de
nicotina dos produtos contendo tabaco. O componente psicoativo do tabaco
é a nicotina, que afeta o sistema nervoso central (SNC) por meio do
agonismo em receptores nicotínicos de acetilcolina (neurotransmissor
endógeno). Partículas de fumaça carregam a nicotina para os pulmões, onde
é rapidamente absorvida pela circulação venosa pulmonar.
Aproximadamente 25% da nicotina inalada alcança o fluxo sanguíneo, por
meio do qual atinge o cérebro. A transdução de sinais nos receptores
nicotínicos é rápida, uma vez que são canais de íons controlados por ligante,
fazendo com que a nicotina produza seus efeitos em segundos.
Os receptores nicotínicos estão densamente presentes em núcleos de
neurônios dopaminérgicos na via mesocorticolímbica, estimulando esses
neurônios a liberarem dopamina em estruturas do sistema límbico,
sinalizando uma experiência prazerosa. Esse sistema é o responsável por
estimular comportamentos naturais, essenciais para a sobrevivência e
mediados por recompensa, como comer e praticar atividade sexual, por
exemplo. A ativação do sistema límbico pela nicotina faz com que seu uso
seja repetido. A possibilidade de autoadministração e o prazer associado
podem levar a um comportamento impulsivo-compulsivo, como acontece
com outras substâncias psicoativas capazes de produzir dependência.
Outros constituintes da fumaça do cigarro, em menor proporção, podem
contribuir para a dependência de nicotina. Os produtos de condensação do
acetaldeído na fumaça do cigarro inibem a atividade das
monoaminaoxidases A e B, responsáveis pelo metabolismo da dopamina. Há
evidências de que a inibição das monoaminaoxidases, reduzindo o
metabolismo da dopamina e elevando seus níveis extracelulares, contribui
para a dependência do fumo, uma vez que o comportamento compulsivo
pode estar associado a essa “busca” pela elevação do neurotransmissor.
A exposição repetida à nicotina leva a neuroadaptações, como a
dessensibilização e o aumento do número de receptores nicotínicos.
Acredita-se que essas alterações desempenhem um papel na tolerância à
substância (doses maiores necessárias para produzir o mesmo efeito). O
estado adaptado à presença suprafisiológica do agonista se desestabiliza
quando o indivíduo cessa o uso, produzindo um estado de privação, levando
a sintomas de abstinência, como uma espécie de “readaptação”.
A combinação de efeitos prazerosos e sintomas de abstinência estão na
base do comportamento dependente de nicotina. O efeito hedônico atua
como reforço positivo (elemento pelo qual o comportamento tende a se
repetir) e a esquiva dos sintomas de abstinência, como reforço negativo
(elemento pela ausência do qual o comportamento tende a se repetir). O uso
da substância produz efeitos positivos sobre o humor, sendo associado a
alívio de sensações desagradáveis, como ansiedade, raiva e angústia, e o
comportamento passa a ser condicionado também pela busca desses efeitos.
Além das sensações físicas e psíquicas, muitos hábitos cotidianos passam
a ser associados ao momento de fumar, como falar ao telefone, alimentar-se,
tomar café, após o banho, sair ou chegar em casa ou no trabalho, dirigir. O
uso de cigarros nesses momentos chega a ser um ato automático. Durante as
tentativas de cessação, os fumantes costumam perceber que essas situações
funcionam como verdadeiros “gatilhos” que “disparam” o ato de fumar.
Tanto a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos
Transtornos Mentais (DSM-5) quanto a CID-10 trazem critérios gerais para
os diagnósticos relacionados ao uso de substâncias psicoativas. As
definições são “substâncias específicas” apenas para as síndromes de
intoxicação aguda e de abstinência, que diferem substancialmente de uma
substância para outra.
O tabagismo se comporta um pouco diferente da dependência de outras
substâncias psicoativas. Isso ocorre em virtude de, com o uso habitual, não
produzir síndrome de intoxicação, nem alterações do estado de consciência
nas síndromes de abstinência, além de ser uma substância regulamentada e
de uso permitido. Essas características amenizam o impacto social negativo
atribuído à substância em ambientes sociais.
O resultado disso é que alguns dos comportamentos listados para o
diagnóstico de dependência podem ser pouco percebidos, como, por
exemplo: “muito tempo necessário para a obtenção ou uso”; “fracasso em
cumprir obrigações importantes no trabalho, na escola ou em casa”;
“abandono ou redução de atividades sociais, profissionais ou recreacionais
importantes”.
Na abstinência, os sintomas atingem o pico nos três primeiros dias de
cessação do tabagismo e desaparecem nas próximas três a quatro semanas.
Os sintomas de supressão da nicotina podem incluir: humor depressivo ou
disfórico; irritabilidade, frustração, raiva e ansiedade; aumento de apetite e
ganho de peso.
8. Uso recorrente de tabaco em situações nas quais isso representa perigo para a integridade
física (p. ex., fumar na cama).
D. Os sinais ou sintomas não são atribuíveis a outra condição médica nem são mais bem
explicados por outro transtorno mental, incluindo intoxicação por ou abstinência de outra
substância.
[1]
A carga tabágica é calculada multiplicando a quantidade de maços (contém 20 cigarros)
fumadas por dia e a quantidade de anos fumando: 2 maços/dia durante 15 anos corresponde a
30 anos/maço (equivalente a 30 anos, fumando 1 maço por dia).
Passo 1: Questionar
O clínico deve questionar sobre o hábito de fumar, fazer o diagnóstico de
tabagismo, dar feedback da avaliação, estimar o grau de motivação do
paciente em parar de fumar. Uma avaliação abrangente inclui a determinação
da frequência de uso, os produtos utilizados, o grau de dependência e o
histórico de tentativas de abandono (incluindo métodos utilizados e sua
eficácia). É fundamental identificar os “gatilhos”, que são um obstáculo
importante na cessação do tabagismo. Com o tempo, os fumantes ficam
condicionados a esses gatilhos. Fumar torna-se automático nesses momentos
e é imprescindível planejar estratégias para superá-los.
Passo 2: Aconselhar
O aconselhamento profissional (Quadro 3), especialmente quando feito pelo
profissional médico, aumenta a chance de cessação do tabagismo. Quanto
mais intensiva a abordagem, maiores são as taxas de sucesso. Tanto a
abordagem individual quanto a em grupo são eficazes.
Quadro 3 - Estágios de mudança e os elementos de aconselhamento
associados
Passo 4: Acompanhar
As taxas de abstinência a longo prazo são baixas. O acompanhamento
longitudinal é essencial na tentativa de melhorar os índices de sucesso a
longo prazo. Muitas vezes, são necessárias várias tentativas para obter
remissão sustentada (maior que 12 meses). A maioria dos pacientes não
permanece completamente abstinente até o terceiro mês e uma reavaliação
nesse período é essencial para ajustes no tratamento ou pronto reinício após
recidivas.
14. FARMACOTERAPIA
Antes de avaliar qual o fármaco utilizar, deve-se avaliar a indicação ou não
de tratamento medicamento. Ele trará benefício no alívio dos sintomas de
abstinência, que são apenas um dos diversos fatores que levam o sujeito a
fumar. Tabagistas que não desenvolvem sintomas de abstinência não têm
benefícios superiores aos riscos com o uso dos medicamentos. Nesses casos,
deve-se atuar para modificar os hábitos e as associações que o sujeito faz
entre o cigarro e os eventos do cotidiano. Alguns quesitos podem ajudar a
avaliar a presença (ou possibilidade) de sintomas de abstinência:
2. Você acha difícil ficar sem fumar em lugares onde é proibido (por
exemplo, na igreja, no cinema, em bibliotecas e outros)?
(1) Sim
(0) Não
6. Você fuma mesmo doente quando precisa ficar na cama a maior parte do
tempo?
(1) Sim
(0) Não
Droga Vareniclina
0,5 mg/dia por 3 dias, depois 0,5 mg duas vezes ao dia por 4 dias, a seguir 1
mg duas vezes ao dia.
Administração Iniciar 1 a 2 semanas antes da data de parar.
É preferível parar abruptamente de fumar. A redução gradual é uma
alternativa.
Droga Bupropiona
Iniciar 150 mg/dia e aumentar para 300 mg/dia no 4º dia. Parar de fumar
entre 1 a 2 semanas após o início.
Administração É preferível parar abruptamente de fumar. A redução gradual é uma
alternativa.
Comprimidos de liberação lenta: 300 mg divididas em duas tomadas.
4 Sinais de abstinência
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SIGLAS
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
A Anorexia Nervosa (AN), devido à grande influência da mídia na última
década, pode ser vista de forma errônea por muitos como uma patologia da
modernidade que acomete quase que exclusivamente pessoas que estão
envolvidas com o ramo da beleza. No entanto, temos descrições dessa doença
desde a Idade Média. Rudolph M. Bell, em seu livro Holy Anorexia ou Anorexia
Sagrada, publicado em 1985, relata a história de 260 santas italianas que
apresentaram comportamento anoréxico por acreditarem que a prática de jejum
era uma forma de purificação espiritual do corpo. Um relato de caso bastante
conhecido é o de Santa Catarina de Siena, que aos 15 anos iniciou um quadro de
inanição alimentar, preces e comportamentos autopunitivos após a morte de sua
irmã e durante os planejamentos de seu futuro casamento, evoluindo com um
estado psicológico de intensa vigília e experiências místicas que resultou em seu
falecimento aos 32 anos.
O termo anorexia deriva do grego “an-”, que significa deficiência ou
ausência, e “orexis”, apetite. No entanto, essa não é a melhor forma de definir
essa patologia. Sabe-se que tais pacientes não apresentam perda de apetite, mas
sim uma recusa persistente em se alimentar, ignorando a fome, com a única
finalidade de emagrecer.
Quais são os critérios diagnósticos atuais? A anorexia nervosa pode ser
sintetizada no esquema a seguir.
Critério C: Perturbação no modo como o próprio peso ou a forma corporal são vivenciados,
influência indevida do peso ou da forma corporal na autoavaliação ou ausência persistente de
reconhecimento da gravidade do baixo peso corporal atual.
Anorexia nervosa tipo Nos últimos três meses, o indivíduo se envolveu em episódios
compulsão alimentar recorrentes de compulsão alimentar purgativa (i.e., vômitos
purgativa (AN-CP). autoinduzidos ou uso indevido de laxantes diuréticos ou enemas).
Calma, não se assuste! Sei que o Quadro 2 é grande, mas é mais fácil do que
você imagina. Foi visto que existem dois padrões diferentes que a AN pode
apresentar-se: o subtipo restritivo é quando o indivíduo não se envolveu de
forma regular em um comportamento de comer compulsivamente ou de
purgação e já o subtipo purgativo o paciente apresentou episódios recorrentes de
compulsão alimentar purgativa, ambos nos últimos 3 meses.
Pacientes com anorexia nervosa perdem muito peso e a situação tende a se
agravar cada vez mais com o avançar da doença. Diante disso, de acordo com o
IMC da paciente podemos classificar a gravidade em leve (IMC > 17 kg/m2),
moderada (IMC 16-16,99 kg/m2), grave (IMC 15-15,99 kg/m2) e extrema (IMC
<15 kg/m2).
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Realizar o diagnóstico diferencial pode ser bastante difícil nesses pacientes
devido à falta de insight e negação dos sintomas. Sempre deve-se descartar
inicialmente causas orgânicas que possam levar à perda de peso intensa, como
câncer, infecções (HIV, tuberculoses etc.), síndromes consumptivas, doenças
gastrointestinais, hipertireoidismo, entre outras. Após isso, realizar diagnóstico
diferencial com outras patologias psiquiátricas.
6. FARMACOTERAPIA
A farmacoterapia tem um papel secundário no tratamento da AN e não deve ser
feita de forma isolada. Ainda não foram identificados medicamentos que
produzam uma melhora definitiva dos sintomas da AN. Por muito tempo
acreditava-se que os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS)
poderiam melhorar o ganho de peso ou prevenir recaídas, no entanto, essa
eficácia não foi comprovada. A olanzapina (antipsicótico atípico) tem sido
estudada na redução dos sintomas de preocupação excessiva e de ansiedade da
AN, porém com resultados inconsistentes.
O tratamento das comorbidades psiquiátricas é de extrema importância para
a melhora do quadro alimentar. Devido à alta prevalência de patologias
psiquiátricas concomitantes à AN, é quase uma regra que os pacientes acabem
usando algum psicofármaco. Importante lembrar que esses terão papel nas
comorbidades, não no transtorno alimentar em si.
7. MANEJO NUTRICIONAL
O acompanhamento com um nutricionista é essencial para a melhora do quadro
em casos de AN. A área que mais demonstrou eficácia no tratamento dos
transtornos alimentares foi a nutrição comportamental. Um ramo da nutrição
que associa técnicas diversas, algumas baseadas na terapia cognitivo-
comportamental. Engajar o paciente em uma boa relação com a comida auxilia
no aumento do repertório alimentar e na diminuição ou extinção do medo
mórbido de ganhar peso.
Pacientes cujo quadro de desnutrição acarrete algum risco clínico iminente
devem ter seu tratamento em ambiente hospitalar. Avaliar com precisão
parâmetros nutricionais, balanço hídrico, eletrólitos, peso pré-mórbido e
evolução da perda de peso. Dependendo do peso do paciente, da idade, de
comorbidades e da gravidade dos comportamentos purgativos, as
recomendações de ganho variam de 500 a 1.400g/semana. Sempre ter o auxílio
dos profissionais da nutrição.
Deve-se ter cuidado com uma complicação grave chamada de síndrome de
realimentação, que ocorre quando o paciente gravemente desnutrido é
realimentado, ocasionando uma mudança do padrão de gliconeogênese em
jejum para uma intensa liberação de insulina induzida por carboidratos. Essa
mudança leva a uma rápida captação intracelular de potássio, fosfato e
magnésio, resultando em uma grave hipocalemia que pode ser fatal. Para que
isso seja prevenido, recomenda-se uma realimentação de 6.000 kJ/dia,
aumentando em 2.000 kJ/dia a cada 3 dias, até uma ingestão adequada de
alimentos. Portanto, durante a fase inicial de realimentação, os eletrólitos devem
ser monitorizados regularmente, principalmente o potássio.
1 Sexo feminino
2 Idade de incidência
3 Critério A
5 Baixo peso
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SIGLAS
• AN Anorexia Nervosa
• AN-R Anorexia nervosa tipo restritiva
• AN-CP Anorexia nervosa tipo compulsão alimentar purgativa
• TDM Transtorno Depressivo Maior
• TOC Transtorno Obsessivo-Compulsivo
• ON Ortorexia Nervosa
• TCC Terapia do tipo Cognitiva-Comportamental
• ISRS Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina
1. CASO CLÍNICO
Bianca, 16 anos, é levada contra sua vontade à consulta com psiquiatra
pelos seus pais, que referem que ela tem apresentado comportamentos
um pouco “estranhos” ultimamente. Passa longos períodos no banheiro
após as refeições, além de encontrarem frequentemente embalagens de
“salgadinhos” vazias embaixo de sua cama. A paciente, de forma
relutante, conta que algumas vezes tem episódios em que come grandes
quantidades de comida, de forma rápida e descontrolada. Esses
episódios tiveram início há 4 meses, e que sempre se sente culpada
depois, indo ao banheiro para induzir vômitos.
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
A expressão “bulimia nervosa” deriva dos termos “fome de boi”, em
grego, e “envolvimento nervoso”, em latim, fazendo referência à
compulsão alimentar característica do transtorno, a provável relação
com a ansiedade do indivíduo e ao sentimento de culpa que ocorre após
a ingestão exacerbada.
A bulimia nervosa (BN) é um transtorno alimentar caracterizado por
episódios recorrentes de compulsão alimentar que devem ocorrer, no
mínimo, uma vez por semana nos últimos 3 meses, associado ao uso
recorrente de comportamentos compensatórios inadequados para
impedir o ganho de peso, e com uma autoavaliação fortemente
influenciada pela forma e peso corporais do indivíduo.
Para uma melhor compreensão, vamos discutir o que é considerado
uma compulsão alimentar. A compulsão alimentar é caracterizada pela
ingestão de uma quantidade de alimentos maior do que a maioria dos
indivíduos consumiria no mesmo período de tempo, por um período de
tempo determinado, geralmente dentro de duas horas, e uma sensação
de falta de controle, de não conseguir parar de comer. É geralmente
desencadeada por uma situação estressora ou afeto negativo.
Esses episódios tradicionalmente não se limitam a um contexto, ou
seja, o paciente pode começar a ingestão dentro de um restaurante e
continuar em sua residência. A compulsão está mais associada à
quantidade de comida consumida do que pela fissura por um tipo de
nutriente específico, sendo que a maioria dos pacientes pode ingerir
algum alimento que evitaria em circunstâncias normais. Na prática
clínica, os pacientes podem ingerir qualquer tipo de alimento durante as
compulsões, desde industrializados até alimentos hipocalóricos.
Normalmente o fazem com a comida que está de mais fácil acesso
devido à urgência durante a sensação de perda de controle sobre o
comer.
Após o episódio de compulsão alimentar, o paciente apresenta um
alívio temporário de seus sintomas de perda de controle, mas é seguido
de uma sensação de culpa ou frustração, o que desencadeia tentativas
inapropriadas de compensar a ingesta excessiva para impedir o ganho
de peso. Essas tentativas são o que chamamos de compensação. Os
métodos compensatórios incluem uma grande variedade de
comportamentos. Quando eles são relacionados com alguma forma de
“retirar” algo do corpo, chamados de purgação, sendo os principais o
uso de medicamentos (laxantes ou diuréticos) e vômitos autoinduzidos
(por meio da estimulação do reflexo do vômito com os dedos ou
objetos próximos), que ocupam 90% dos métodos utilizados. Isso
explica a confusão de que, por vezes, os termos compensação e
purgação são usados como sinônimos. Mas perceba que não o são, toda
purgação é uma compensação, mas o inverso não é verdadeiro. Existem
outros métodos, como realizar jejum prolongado ou excesso de
exercício físico, que não se enquadram no conceito de purgação.
No Quadro 1 encontram-se métodos compensatórios observados
com frequência na prática clínica e no Quadro 2 observamos a
classificação quanto à sua frequência e à sua gravidade.
Quadro 1 - Exemplos de métodos compensatórios
Vômitos autoprovocados
Uso de enemas
Jejum prolongado
Excesso de exercícios
3. ASPECTOS SOBRE
EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA
A BN é um dos transtornos alimentares mais comuns, mais prevalente
até que a anorexia nervosa. O risco de uma pessoa desenvolver a
doença na vida é de 0,9% a 3%, possuindo uma prevalência de 1,16%
dentro da América Latina, e de 2% no Brasil. Suas maiores chances de
desenvolvimento ocorrem no final da adolescência e início da fase
adulta, com uma idade média de início entre 16 a 17 anos, e com uma
maior frequência nas mulheres (10:1 em relação aos homens).
O transtorno é desenvolvido, geralmente, em indivíduos com um
histórico de obesidade, mas não é comum a BN ocorrer em pacientes
que atualmente se encontram obesos. Além desses elementos, existem
diversos outros fatores de risco importantes que podem ser citados,
entre eles está a preocupação excessiva com o peso, a baixa autoestima,
indivíduos que sofreram abuso sexual ou físico na infância, pacientes
que tiveram maturação puberal precoce, genitores com história de
transtorno alimentar, transtornos psiquiátricos não tratados, dentre
outros. No Quadro 3, observamos os principais fatores de risco para
BN.
Baixa autoestima
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Há evidências de que a bulimia nervosa pode aumentar o risco de
comorbidades clínicas nos pacientes, incluindo aquelas relacionadas à
obesidade, como diabetes mellitus do tipo 2 e a hipertensão arterial
sistêmica. No entanto, também pode ser confundida com outras doenças
que são caracterizadas por vômitos ou convulsões, sendo necessário
descartar doenças endócrinas, gastrointestinais e as neurológicas, como
convulsões equivalentes a epilepsia, tumores do sistema nervoso
central, síndrome de Klüver-Bucy ou síndrome de Kleine-Levin.
As características patológicas manifestadas pela síndrome de
Klüver-Bucy, que é extremamente rara e pode não ser identificada no
início, são agnosia visual, lamber e morder, exame de objetos por meio
da boca, incapacidade de ignorar qualquer estímulo, alteração do
comportamento sexual (hipersexualidade) e dos hábitos alimentares,
principalmente, por meio da hiperfagia. A síndrome de Kleine-Levin
consiste em hipersonia periódica, que dura de 2 a 3 semanas, e
hiperfagia, sendo mais comum em homens do que em mulheres e, como
na BN, o início costuma ocorrer durante a adolescência.
Cerca de 15% dos pacientes que sofrem com BN também podem
apresentar múltiplos comportamentos compulsivos comórbidos,
caracterizados como uma expressão da falta de autocontrole. Isso inclui
abuso de substâncias (como álcool e psicoestimulantes), falta de
capacidade de se controlar em diversos âmbitos, como na administração
do próprio dinheiro, resultando em compras impulsivas e compulsivas;
e comportamentos desviantes, como roubos ocasionais; tendências de
autoagressão, de súbitas explosões de raiva e emoções caóticas.
Dentre as comorbidades psiquiátricas, os transtornos do humor,
como depressão e transtorno bipolar, e os transtornos de ansiedade são
os de maior prevalência. Estudos sugerem que entre 46% a 89% dos
pacientes apresentam humor deprimido em algum momento de sua
evolução clínica. Muitos pacientes podem apresentar aspectos da
personalidade que satisfazem os critérios de um ou mais transtornos
da personalidade, em especial o borderline.
Observa-se que pode haver semelhanças entre transtornos
alimentares, principalmente relacionadas à supervalorização da
autoavaliação por meio do peso e da imagem corporal. É importante
notar que, em alguns casos, os comportamentos de compulsão seguidos
de algum método compensatório são comuns tanto na BN quanto na
anorexia nervosa. No entanto, os pacientes com anorexia nervosa
apresentam baixo peso (IMC<18,5), enquanto que os que possuem
bulimia nervosa apresentam peso normal ou sobrepeso.
5. FARMACOTERAPIA
Em relação à terapia farmacológica, os medicamentos antidepressivos
revelaram-se úteis para o tratamento da compulsão na bulimia nervosa.
Estudos sugerem que os inibidores seletivos da recaptação de
serotonina (ISRS), como a fluoxetina, podem ser benéficos na
diminuição da frequência de compulsão alimentar e, consequentemente,
das purgações (lembrando que as purgações ocorrem como uma forma
de compensar os episódios compulsivos – vide fluxograma 1). Esse
efeito terapêutico independe da presença de transtorno do humor. Além
disso, outros medicamentos, como a lisdexanfetamina e o topiramato,
também têm sido úteis e mostraram efeitos benéficos no tratamento
desse transtorno alimentar.
A maioria dos antidepressivos têm sido efetivos em dosagens mais
elevadas que o usual. Dosagens eficazes da fluoxetina podem chegar a
60mg ou 80mg ao dia para redução das compulsões alimentares. No
geral, evita-se o uso de antidepressivos que sabidamente aumentam o
peso, como tricíclicos (amitriptilina, por exemplo) ou mirtazapina.
Também se evita o uso de bupropiona que, apesar de tratar episódios
compulsivos, é conhecido por baixar o limiar convulsivo. Não é
recomendado devido a associação com distúrbios hidroeletrolíticos em
paciente com bulimia após episódios de vômito.
6. TRATAMENTO NÃO
FARMACOLÓGICO
O sucesso do tratamento depende do desenvolvimento de uma aliança
terapêutica com o paciente, do envolvimento da família do paciente e
de uma estreita colaboração da equipe de saúde. A psicoterapia é o
tratamento padrão-ouro nos casos de transtornos alimentares. A terapia
familiar é a que demonstra maior benefício em crianças e adolescentes,
e a terapia cognitivo-comportamental com atendimento individual é a
que apresenta melhor evidência em adultos. Quanto ao
acompanhamento nutricional, a nutrição comportamental é a área que
demonstra maior expertise para o tratamento de transtornos alimentares,
evitando a realização de dietas padronizadas, principalmente de cunho
restritivo.
1 Sexo feminino
2 Idade de incidência
3 Compulsão alimentar
4 Tempo de evolução
5 Sentimento de culpa
7 Insight presente
Referências
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21. Albuquerque Filho DA. Transtornos alimentares: um guia
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SIGLAS
• BN Bulimia Nervosa
• DSM-5 Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
Durante muito tempo, indivíduos obesos foram considerados como
pertencentes a um grupo homogêneo, baseado apenas em uma característica
comum: o peso. Ignorava-se, assim, possíveis diferenças comportamentais
que poderiam ter sido as desencadeadoras da obesidade. Foi exatamente a
relação entre obesidade e um padrão patológico de alimentação que instigou
os médicos e pesquisadores a começarem a estudar a ideia de um transtorno
alimentar que envolveria compulsão alimentar sem a presença de métodos
compensatórios.
Como é possível observar, Letícia, a paciente do nosso caso clínico,
apresenta um padrão patológico de comportamento alimentar. A paciente
apresenta episódios de compulsão alimentar, às vezes sem a sensação física
de fome, associada ao sentimento de perda de controle, sem a utilização de
métodos compensatórios. Para fins de diagnóstico, é importante que a
gente saiba diferenciar a compulsão alimentar do transtorno de compulsão
alimentar (TCA).
De maneira simplificada, um episódio de compulsão alimentar pode ser
descrito como a ingestão, em um curto período de tempo, de grande
quantidade de comida, associado ao sentimento de perda de controle. Esses
episódios diferem dos eventuais exageros alimentares, quando as pessoas
comem mais do que precisam ou deveriam, mas não apresentam outras
características específicas da compulsão alimentar, como a falta de controle
e os sentimentos negativos.
No DSM-5, o TCA caracteriza-se por episódios recorrentes de
compulsão alimentar que devem ocorrer, em média, ao menos uma vez por
semana durante três meses, e não são seguidos por métodos
comportamentais compensatórios. A ingestão de alimentos deve ocorrer
em um período de até duas horas, numa quantidade de alimentos maior do
que outras pessoas consumiriam em circunstâncias análogas. Durante os
episódios de compulsão alimentar, o indivíduo come mais rápido do que o
normal até se sentir “desconfortavelmente cheio”, não estando fisicamente
com fome. Ademais, são relatados sentimento de desgosto de si mesmo,
tristeza ou culpa em seguida; comer sozinho por vergonha do quanto se
come e sensação de falta de controle sobre o ato de comer também são
comportamentos encontrados.
Diferentemente da bulimia nervosa, onde uma compulsão é claramente
concluída por comportamento purgativo, no TCA, não há um término
lógico; consequentemente, a duração tem sido designada num período de
duas horas, uma solução claramente arbitrária.
O antecedente mais comum da compulsão alimentar é o afeto negativo.
Envolver-se em comportamento excessivo para aliviar um estado emocional
negativo foi identificado como o principal domínio da alimentação
compulsiva. Outros gatilhos incluem estressores interpessoais, restrições
dietéticas, sentimentos negativos relacionados ao peso corporal, à forma do
corpo e ao alimento e tédio.
Em relação à imagem corporal no TCA, comedores compulsivos obesos
frequentemente preocupam-se mais com a forma e o peso corporal que os
obesos sem compulsão, e possuem uma forma mais negativa de vivenciar a
imagem corporal. Além disso, apresentam maior predisposição para fazer
dieta.
Além da ingesta alta de alimentos em duas horas e sensação de perda de
controle, a compulsão alimentar no TCA deve ter pelo menos 3 dos
seguintes aspectos:
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Com relação aos diagnósticos diferenciais, outras causas de hiperfagia e
compulsão alimentar devem ser descartadas, como, por exemplo, bulimia
nervosa, obesidade, comportamento beliscador, síndrome do comer noturno,
transtornos do humor, síndromes genéticas (como a de Prader Wili), entre
outros.
Na bulimia nervosa ocorre comer compulsivo recorrente, porém com
comportamentos compensatórios inapropriados (por exemplo, purgação e
exercício excessivo). A história natural da bulimia geralmente revela a
ocorrência de dietas e perda de peso, enquanto que os comportamentos
prévios do TCA são mais variáveis. Apresentam maiores níveis de restrição
alimentar comparados aos portadores de TCA.
A obesidade é uma doença endócrina e metabólica e não um distúrbio
do comportamento alimentar. Não apresentam episódios de compulsão
alimentar como regra. Lembrar que o TCA pode ocorrer em indivíduos com
peso normal e indivíduos obesos.
O comportamento beliscador (Grazing) consiste na ingestão repetida
e não estruturada de pequenas quantidades de alimentos por um período
mais longo, fora de refeições e lanches planejados e/ou não em resposta a
sensações de fome ou saciedade.
A síndrome do comer noturno caracteriza-se pela ingesta de um
grande volume de alimentos no período noturno. Geralmente é associado à
anorexia matinal ou dificuldades para dormir. Outras características
clínicas: comer em resposta a afetos negativos, comer até ficar
desconfortavelmente cheio, comer sozinho e sentimentos correspondentes
de depressão ou culpa após um episódio excessivo.
Nos transtornos do humor podemos encontrar alterações no
comportamento alimentar. O aumento da ingesta no contexto de um
episódio depressivo maior pode ou não estar associado à perda de controle.
Compulsão alimentar e outros sintomas da ingestão desordenada também
podem ser vistos em associação com transtorno bipolar. Vale salientar que
se os critérios diagnósticos para transtorno depressivo maior ou transtorno
bipolar e os critérios de TCA forem preenchidos, ambos os diagnósticos
deverão ser dados.
Na adição por comida há um consumo de maior quantidade de
alimentos que o pretendido, controle reduzido sobre alimentação, apesar de
consequências, “food craving” (desejo intenso de consumir um alimento
específico), desregulação emocional e aumento da impulsividade.
No comer emocional acontece ingesta de alimentos em resposta a uma
emoção, geralmente negativa (estresse, tristeza, ansiedade etc).
5. FARMACOTERAPIA
O tratamento farmacológico do TCA deve ser considerado nos casos
moderados a graves e objetiva o controle da impulsividade alimentar. Inclui
os antidepressivos, os estabilizadores do humor e, mais recentemente, a
lisdexanfetamina, aprovada em 2018 pela ANVISA para o tratamento do
transtorno. Para escolher um ensaio medicamentoso para o tratamento do
paciente, levamos em consideração a gravidade da doença, a presença de
comorbidades e as contraindicações.
Lisdexanfetamina é uma droga da classe dos psicoestimulantes que foi
aprovada nos EUA para o tratamento de TCA moderado ou grave. O
mecanismo de ação ainda não está completamente esclarecido, mas envolve
o bloqueio da recaptação de dopamina e noradrenalina nos receptores pós-
sinápticos, resultando em um aumento dos níveis dessas monoaminas na
fenda sináptica, o que, por sua vez, pode facilitar a transmissão
dopaminérgica e noradrenérgica. A dose inicial recomendada é 30mg/dia,
com aumento de 20mg até a dose alvo de 50 a 70mg/dia ser alcançada.
Inibidores seletivos de recaptação de serotonina são os
antidepressivos mais frequentemente usados no tratamento do TCA, como
mostra a tabela 1.
1 Sexo feminino
2 Idade de incidência
3 Comorbidade comum
4 Aumento de peso
8 Perda de controle
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SIGLAS
• IMC Índice de Massa Corpórea
• OMS Organização Mundial de Saúde
• TCA Transtorno de Compulsão Alimentar
• TCC Terapia Cognitivo-Comportamental
• TDC Terapia Dialética Comportamental
• TDAH Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade
1. CASO CLÍNICO
Andréa, 47 anos, queixa-se de insônia, que começou aos 35 anos, quando
sua filha era recém-nascida e os cuidados com ela interrompiam muito o seu
sono. Com o tempo, o sono da filha melhorou, mas o dela não. Ela costuma
se deitar por volta das 23 horas e refere conseguir dormir logo, mas acorda
em torno de 3 horas da manhã e não consegue voltar a dormir. Relata que
permanece deitada “esperando vir o sono” e preocupada em ter que ir
trabalhar no dia seguinte indisposta, por não ter conseguido dormir; até que
por volta das 5 horas da manhã “se cansa” e resolve se levantar para iniciar
suas atividades do dia. Refere que se sente fadigada e com dificuldade de
concentração no seu trabalho como professora ao longo do dia, o que tem lhe
deixado irritada. Já tentou vários medicamentos com sucesso variável e
efeitos adversos. Refere já ter feito uso de melatonina, clonazepam e
zolpidem, mas apresentou resposta apenas no início e ao acordar sentia-se
“grogue” e permanecia exausta. Já foi orientada quanto à higiene do sono e
tem a seguido de forma satisfatória. Ela se exercita regularmente, fazendo
caminhada por 30 minutos, cerca de 5 vezes na semana, não fuma e toma
meio copo de vinho 3 noites por semana. Nega outras queixas e
comorbidades.
2. DISCUTINDO O DIAGNÓSTICO
A pressão cada vez maior para se ter sucesso em competições e no mundo
acadêmico faz muitas pessoas negligenciarem o tempo dormido. Contudo,
sono é um processo fisiológico vital com importantes funções restauradoras
em diversas áreas, como na saúde mental, cardiovascular e metabólica. O
sono restaurador depende de duas variáveis de fácil identificação: a
quantidade e a qualidade do sono. A insônia decorre da perturbação de um
ou ambos os fatores, sendo o distúrbio do sono mais prevalente no mundo. É
uma das preocupações de saúde mais encontradas na prática clínica, com
taxas que variam entre 25% e 33% da população mundial que tem alguma
queixa em relação ao sono.
A insônia pode originar-se de alguma condição específica, como refluxo
gastroesofágico, dores crônicas, hábitos disfuncionais em relação ao sono,
depressão, ansiedade, apneia obstrutiva do sono ou ser uma entidade à parte:
o transtorno de insônia crônica.
Dessa forma, existem diversos cenários, e é importante os conhecermos.
As queixas de insônia podem se iniciar após o curso de uma doença
específica, como um transtorno depressivo maior, e melhorarem após a
instituição do tratamento para tal doença, mas em muitos pacientes a insônia
pode se tornar tão impactante, que gera um quadro comórbido de transtorno
de insônia crônica. Tal entidade merece um tratamento à parte, caso
contrário, pode se perpetuar como sintoma residual e contribuir para recidiva
do quadro psiquiátrico. Todavia, em pacientes não deprimidos, os sintomas
de insônia podem servir de fator preditor para o início de um quadro de
humor. Note a alternância da gênese de cada entidade.
Figura 1 - Esquema de perpetuação da insônia
Comprometimento Diurno
Comprometimento Diurno
Ocorrendo
Estando presente
Cochilos
Rotina antes de deitar-se Roncos
(quantidade e tempo)
4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Como falamos no início, os sintomas de insônia podem vir oriundos de
diversas condições. Somos compelidos a realizar uma boa investigação a fim
de proporcionarmos a melhor assistência ao paciente insone. Discutiremos as
mais relevantes a seguir.
Transtornos de humor
Arritmias
Cardiovascular
Doença cardíaca congestiva
Úlcera péptica
Demência
Doença de Parkinson
Neurológica Epilepsia
Cefaleia
Hipotireoidismo
Endocrinológica Hipertireoidismo
Diabetes mellitus
Musculoesquelética Fibromialgia
Gravidez
Ginecológicas
Menopausa
Dormir o tempo necessário para se sentir descansado (usualmente 7-8h nos adultos)
e posteriormente levantar-se da cama.
Evitar cafeína, nicotina e álcool quatro a seis horas antes de ir para a cama e minimizar o seu uso
diário.
Manter um ambiente calmo, escuro, seguro e confortável no quarto quando for se deitar.
Evitar um ambiente ruidoso, e prepará-lo com luz e temperatura adequada durante o sono.
Deitar e acordar todos os dias à mesma hora (±30min), incluindo fins de semana.
6. FARMACOTERAPIA
O tratamento farmacológico deve limitar-se à insônia de curto prazo e não é
recomendado rotineiramente, como vimos, para o manejo dos casos
crônicos, enquanto a TCC-I é preferida e constitui o tratamento de primeira
linha. Apesar disso e conforme o último Consenso Brasileiro sobre Insônia,
existem três condições em que o tratamento farmacológico deve ser a
primeira escolha:
Benzodiazepínicos
Os benzodiazepínicos disponíveis no Brasil não são recomendados para o
tratamento da insônia, pela ocorrência de efeitos adversos como sonolência,
tontura, fadiga, insônia de rebote, risco de quedas, abuso e dependência,
declínio cognitivo e rápida perda de eficácia hipnótica. Apesar disso, ainda
são frequentemente prescritos.
Em uma eventual circunstância em que possa ser necessário o uso,
recomenda-se discutir os riscos e os benefícios com o paciente, sendo que a
prescrição deve ser por tempo limitado, com controle de dosagem e
monitoramento do tratamento que inclua o planejamento da retirada. A
descontinuação desses medicamentos deve basear-se em redução lenta e
gradual da dose, apoiando os pacientes com aconselhamento, TCC-I ou
medicamentos alternativos.
6.3. Antipsicóticos
Os antipsicóticos não são recomendados para o tratamento do transtorno da
insônia crônica até que novas evidências estejam disponíveis, porém, vários
medicamentos antipsicóticos são usados off-label, particularmente
clorpromazina, clozapina, olanzapina e quetiapina. Pelo seu uso bem
estabelecido em outras doenças psiquiátricas e neurológicas, as propriedades
hipnóticas dos antipsicóticos podem ser úteis para o tratamento da insônia
comórbida a essas doenças. Entretanto, ao prescrever, é essencial considerar
possíveis efeitos adversos, como ganho de peso, síndrome metabólica,
sintomas extrapiramidais e aumento dos movimentos periódicos de pernas
durante o sono.
6.5. Anticonvulsivantes
Esses fármacos não são recomendados para o tratamento do transtorno da
insônia até que novas evidências estejam disponíveis. Pelo seu papel
importante no tratamento da dor, síndrome das pernas inquietas, movimentos
periódicos dos membros, fibromialgia e ansiedade, as propriedades
hipnóticas da pregabalina e da gabapentina podem ser úteis para o
tratamento da insônia comórbida a essas doenças.
6.6. Anti-histamínicos
Os anti-histamínicos, entre eles prometazina, hidroxizina e difenidramina,
apresentam efeitos sedativos e são utilizados para sintomas de insônia por
serem “de fácil acesso”, sem sequer necessitar de receituário médico.
Parecem ter uma eficácia pequena a moderada no tratamento da insônia e a
tolerância a essas substâncias se desenvolve rapidamente. Além disso, os
efeitos adversos diurnos, especialmente, sedação, prejuízo da função
cognitiva, tontura e ganho de peso, desencorajam a recomendação dessa
classe de fármacos para o tratamento da insônia.
6.7. Fitoterápicos
Apesar de alguns estudos sugerirem possíveis efeitos benéficos e segurança
no uso de fitoterápicos como passiflora e valeriana, não há evidências
suficientes para concluir que tenham qualquer benefício para tratamento da
insônia.
Antidepressivos sedativos
25-
Amitriptilina 10-28hs Tontura, sonolência, vertigem, boca seca,
100mg
constipação, retenção urinária, arritmias,
hipotensão e ganho de peso
Doxepina 3-6mg 8-24hs
Eszopiclona 2-3mg 5h
Anticonvulsivantes
Antipsicóticos
Fármaco Dose Meia-Vida Efeitos Colaterais
Antagonista da Orexina
2 Fator precipitante
3 Característica da insônia
4 Prática disfuncional
5 Sintomas diurnos
6 Higiene do sono
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SIGLAS
1. DIFERENCIAR CAUSAS
PSIQUIÁTRICAS DE CAUSAS
ORGÂNICAS
Alterações de comportamento como alucinações, excitação maniforme,
sintomas depressivos ou agitação psicomotora podem ser decorrentes
de desordem de origem neurológica, metabólica, infecciosa ou
autoimune. O clínico deve estar atento a sinais que possam indicar
origem não psiquiátrica dos sintomas.
2. AGITAÇÃO PSICOMOTORA
Ao se deparar com um paciente agitado em um serviço de saúde, o
clínico deve se certificar que o paciente não está com algum objeto que
possa ser usado como arma. O contato com o paciente de forma
empática e acolhedora deve ser a premissa, levando-se em
consideração os preditores de comportamento violento (Quadro 2). Em
seguida, deve estabelecer minimamente a possibilidade de os sintomas
apresentados serem de origem orgânica ou não (ver Quadro 1).
Sendo possível o manejo com medicações orais, essa estratégia
sempre deve ser preferida. Em caso de pacientes violentos, serão
necessárias as contenções física (tabela 3) e química (tabela 4).
Age de forma
intimidadora. Iniciar diálogo
Raivoso.
Faz ameaças com muita
Agressividade Quase agitado. Demonstra
verbais, fala Muito cautela.
(nível 2 de Esmurra parede, estar com
muitos alto. Interromper a
agitação) gesticula muito. raiva de
palavrões, fala qualquer sinal
todos.
alto o tempo de piora.
todo.
Postura Psicomotricidade Humor Risco Conduta
Sinais vitais devem ser checados rotineiramente (destaque para perfusão sanguínea).
Mínimo de 5 pessoas para realizar a contenção (uma para cada membro e a outra para tronco e
cabeça).
Uma vez que a contenção esteja feita, a medicação deve ser administrada. Não se justifica
conter e não medicar.
O paciente deve ser informado sobre o procedimento e a razão para este estar sendo feito.
Uma vez iniciada a contenção, esta deve seguir até o fim. Não ceder a barganhas do paciente
durante o processo.
Na remoção das faixas, iniciar pelo tórax, um membro inferior de cada vez e finalmente
membros superiores. Sempre avaliar comportamento entre uma remoção e outra.
SEP, hipotensão,
Oral 5-15 ND disfagia e alteração
ECG
Haloperidol
SEP, cefaleia, tontura
Intramuscular 2.5-10 30
Antipsicótico 1ª e sedação
geração
Intravenosa* 5 20 SEP, hipotensão
SEP, hipotensão,
Intramuscular
Droperidol 2,5-10 10 prolongamento do
e intravenosa
QT
SEP, disfagia,
convulsão e efeitos
Risperidona Oral 2-3 8 hemodinâmicos,
náuseas, arritmias e
hipotensão
SEP, disfagia,
Oral
Asenapina 10 20 convulsão e efeitos
(sublingual)
hemodinâmicos
Antipsicótico 2ª
geração SEP, disfagia,
Oral 10 30 convulsão, arritmia,
hipotensão, tontura.
Olanzapina
SEP, sedação
Intramuscular 10 ND excessiva e
hipotensão ortostática
SEP, sedação
Ziprasidona Intramuscular 10-20 40
excessiva
Depressão
Intravenoso* 40 respiratória e
hipotensão
Amnésia, ataxia,
Lorazepam Oral 2-4 4 sedação excessiva e
efeito paradoxal
Até
Intramuscular ND
15 Sedação, depressão
Midazolam respiratória
Intravenosa* 2,5-10 ND
3. DELIRIUM
O delirium, também chamado de síndrome confusional aguda, é
caracterizado por perturbação da consciência e da atenção, que
acontece de forma aguda, tem curso autolimitado e reversível (desde
que sanados os fatores precipitantes), além de flutuação dos sintomas
ao longo do dia. Tais sintomas são, em geral, decorrentes de alguma
alteração na homeostase, como intoxicações, abstinências ou alguma
condição médica geral. Em síntese, listamos a seguir quadros que
auxiliam no diagnóstico rápido do delirium (CAM), no manejo não
farmacológico e farmacológico do delirium, sendo esse último
indicado apenas para pacientes com inquietação, agitação ou insônia.
Haloperidol 0,5-1 mg
Risperidona 0,5-1 mg
Quetiapina 12,5-25 mg
Olanzapina 2,5-5 mg
4. INTOXICAÇÃO POR
SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
Em um ambiente de urgência, em nosso meio, as substâncias mais
implicadas são o álcool, o crack/a cocaína e a maconha. No Quadro 7,
sinais e sintomas que diferenciam os diversos tipos de intoxicação
aguda; e no Quadro 8 a conduta nas intoxicações por substâncias
psicoativas.
• Euforia
• Hiperatividade
• Alterações na percepção de
• Desinibição
• Hálito etílico espaço, cor, sons e tempo
• Aumento da
• Fala pastosa • Euforia leve
autoestima
• Euforia • Sensação de bem-estar
• Estimulação sexual
• Prejuízo na • Relaxamento
• Descarga
atenção, • Riso fácil
adrenérgica
coordenação • Dificuldades de
generalizada
motora e coordenação motora,
• Disforia
julgamento memória de curto prazo e
• Impulsividade
• Náuseas e vômitos concentração
• Excitação
• Hipotermia • Aumento do apetite
psicomotora
• Alteração da • Hiperemia conjuntival
• Diminuição da
consciência • Boca seca
necessidade do
• Hipotensão postural
sono
• Prejuízo na crítica
Averiguar quais substâncias foram utilizadas (doses, via de administração, última dose).
Administrar antagonistas farmacológicos (p. ex.: naloxona para intoxicação por heroína).
5. SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA
ALCOÓLICA
A síndrome de abstinência do álcool (SAA) pode se iniciar já nas 6
horas após o último uso de etílicos. É caracterizada por
hiperestimulação autonômica, o que justifica a manifestação dos seus
sintomas excitatórios (Quadro 9). É uma condição autolimitada que
dura em média 7 dias. Deve ser estratificada em síndrome de
abstinência leve/moderada ou grave (Figura 1) para o correto manejo
(Quadro 10). A indicação para internação hospitalar deve levar em
consideração: gravidade dos sintomas, presença de psicose, insucesso
em terapias prévias, presença de rede de apoio social e familiar, além
de condições clínicas.
• Manejo ambulatorial
• Estimular hidratação oral
SAA leve / • Dieta livre
moderada • Reposição de tiamina*
• Diazepam 20 mg/dia, com desmame em uma semana OU Lorazepam 4
mg/dia, com desmame em uma semana (para pacientes hepatopatas graves)
• Manejo hospitalar
• Dieta branda (se confusão mental, manter dieta zero)
• Hidratação venosa
SAA grave • Reposição de tiamina*
• Diazepam 10 mg, de hora em hora, de acordo com os sintomas (até no
máximo 60 mg/dia) OU Lorazepam 2 mg, de hora em hora (até no máximo
12 mg/dia).
6. CRISE SUICIDA
Paciente com comportamento suicida pode apresentar-se no
atendimento com ideação, planejamento ou recente tentativa de
suicídio. O clínico deve realizar avaliação dos fatores de risco (Quadro
11) para a tomada de conduta adequada (Quadro 12). Não há fórmula
simples para identificar com precisão o risco suicida, devendo o
clínico estar atento, dentre outros aspectos, à intensidade da ideação, à
presença ou não de planejamento, à somatória dos fatores de
risco/proteção e à presença de suporte familiar e social. Essa
estimativa norteará a decisão quanto à conduta imediata a ser
estabelecida.
Apoio da família e
Tentativa de suicídio prévia
de outras pessoas significativas
Isolamento social
• Estabelecer vínculo.
• Evitar comentários críticos, reprovações ou julgamentos morais e
Baixo risco religiosos.
• Encaminhar para reavaliação e seguimento em serviços de saúde
mental.
Teor do risco Conduta
• Estabelecer vínculo.
• Evitar comentários críticos, reprovações ou julgamentos morais e
religiosos.
• Encaminhar para reavaliação e seguimento em serviços de saúde
mental, desde que atenda às seguintes exigências:
1. Disponibilidade de suporte familiar capaz de manter
Médio risco acompanhamento constante 24 horas por dia até próxima reavaliação.
2. Comprometimento em iniciar tratamento psiquiátrico disponível.
3. Estabelecimento de um “contrato de vida”, que se caracteriza pelo
compromisso sincero e empático por parte do paciente de não tentar
suicídio e de procurar atendimento de emergência ou ajuda caso
perceba agravamento da ideação suicida.
Se não for possível o cumprimento dessas exigências, considerar como alto
risco.
• Estabelecer vínculo.
• Evitar comentários críticos, reprovações ou julgamentos morais e
Alto risco
religiosos.
• Internação hospitalar.
4. ATAQUE DE PÂNICO
Os ataques de pânico se caracterizam por crises ansiosas paroxíticas,
fugazes (30 a 60 minutos, em média) e com vários sintomas somáticos
simpáticos (tremores, boca seca, visão turva, sensação de asfixia ou
sufocamento, aperto no peito, desconforto abdominal, calafrios, ondas
de calor, parestesias, desrealização e despersonalização).
Tradicionalmente, o paciente acredita que está morrendo (ou variações
como “infartando”, “tendo um derrame”), ficando louco ou perdendo o
controle de si.
Após descartadas as condições clínicas que mimetizam o quadro,
como infarto agudo do miocárdio, o clínico deve tranquilizar o
paciente e pode optar por prescrever um benzodiazepínico oral, em
baixa dosagem, para abortar a crise de pânico (Tabela 2).
Alprazolam 0,25-0,5 mg
Clonazepam 0,25-0,5 mg
Diazepam 2-5 mg
Lorazepam 0,25-0,5 mg
Olhos com as pálpebras abertas durante a Olhos com as pálpebras fechadas durante a
crise. crise convulsiva.
Início agudo e inesperado, paciente pode se Início gradual e duração prolongada, a queda é
machucar seriamente durante a queda. mais suave e amortecida, sem traumas.
É comum a lesão por mordida simultânea da Raramente existe lesão na língua e quando
língua (grave, lateral da língua) e presente, será na extremidade. Rara liberação
incontinência urinária no pós-crise. esfincteriana.
Abertura ocular fácil pelo médico, sem Abertura da pálpebra resistente, o médico tem
dificuldades. dificuldade em forcar a abertura ocular.
Referências
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Mentais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2019.
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e Emergência. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2017.
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Porto Alegre: Artmed; 2014.
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São Paulo: Editora Manole, 2012.
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Junior VP et al. Brazilian guidelines for the management of
psychomotor agitation. Part 2. Pharmacological approach. Braz.
J. Psychiatry (São Paulo) 2019 Aug.; 41(4): 324-335.
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prevenção, tratamento e políticas públicas. 2. ed. Porto Alegre:
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Manole; 2013.
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pelo médico generalista na atenção primária. Revista Eletrônica
Parlatorium (Ano IV) 2015 jul.-dez.; 9(2).
10. American Psychiatric Association (APA). Practice Guideline
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Behaviors. American Psychiatric Association, 2010.
11. Sadock BJ, Sadock VA. Compêndio de psiquiatria: ciências do
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Factitious Disorder and Malingering: A Distinct Pattern or a
Continuum? Frontiers of Neurology and Neuroscience 2017; 72-
80.
SIGLAS
• CAM Confusion Assessment Method
• SAA Síndrome de Abstinência do Álcool
1. INTRODUÇÃO
Antes de iniciar o estudo dos transtornos mentais e das modalidades de
tratamento, é importante ter uma noção geral dos mecanismos de
neurotransmissão e da forma como atuam os neurotransmissores. Muitas
dessas substâncias vão atuar tanto no sistema nervoso central como em
outros sistemas, exercendo funções diversas. Tais funções poderão ser
citadas, mas o foco deste capítulo está em fazer uma correlação entre a
biologia cerebral e a farmacologia. Muitos conceitos importantes serão
apresentados e o leitor deve estar familiarizado com eles. Os
neurotransmissores serão apresentados de forma objetiva, relacionando-os
com a clínica dos transtornos mentais. E, por fim, será feita uma breve
explanação sobre a fisiopatologia geral dos transtornos psiquiátricos.
NEUROTRANSMISSÃO
Tudo começa com o ambiente, de onde vem a maioria dos estímulos. Seja a
luz solar, algum odor, um toque, a companhia de uma pessoa querida, a
dificuldade em estabelecer um diagnóstico, o falecimento de um familiar etc.
Todos esses estímulos externos vão gerar respostas internas (prazer,
felicidade, angústia, frustração, tristeza etc.). Por meio de vias aferentes (dos
receptores periféricos para o sistema nervoso central – SNC), esses
estímulos vão gerar respostas químicas mais periféricas que se converterão
em estímulo elétrico e se propagarão até o cérebro, gerando respostas
neuronais. Tais estímulos são recebidos no SNC pelos dendritos de algum
neurônio pré-sináptico e por meio de mecanismos de integração com
sistemas de mensageiros (primeiros, segundos e terceiros ou quartos) e
canais iônicos, ocorrerá a decodificação em cascatas bioquímicas, que vão
atuar diretamente no núcleo neuronal, mais especificamente sobre o DNA,
estimulando ou inibindo a produção de enzimas que darão origem aos
neurotransmissores nos terminais axonais. Enquanto o estímulo elétrico
continua se propagando pela superfície do neurônio pré-sináptico (por
geração de diferenças de potencial na membrana plasmática), sempre em um
sentido único (dos dendritos até o terminal axônico), as enzimas
responsáveis pelos processos químicos dos neurotransmissores seguem no
interior do axônio, até se acumularem no terminal axônico e, aproveitando-
se dos substratos existentes nesse local, darão origem aos
neurotransmissores, os quais são armazenados em vesículas. Quando o
estímulo elétrico alcança o terminal axonal, ocorre a fusão das vesículas que
contêm neurotransmissores com a membrana celular, e o seu conteúdo é
liberado na fenda sináptica. Nesse momento, três situações poderão ocorrer
com o neurotransmissor:
Neurotransmissores
A integração entre os diversos componentes do SNC se dá por meio de
circuitos neurais, tendo como célula básica os neurônios. Esses vão se
comunicar entre si por meio das sinapses, que podem ser tanto de natureza
química quanto elétrica. No primeiro tipo, a excitação do neurônio pós-
sináptico se dá pela liberação de substâncias sinalizadoras, conhecidas como
neurotransmissores, que podem ser simples aminoácidos ou moléculas mais
complexas (neuropeptídeos). A função que o neurotransmissor vai exercer
dependerá do tipo de receptor ao qual se ligará, bem como à área cerebral
onde atuará. Os receptores pós-sinápticos podem ser ionotrópicos (canais
iônicos) ou metabotrópicos (ligados à proteína G). O efeito dos receptores
metabotrópicos demora mais para surtir algum efeito, já que envolve
mecanismos para transcrição gênica, contudo, são mais duradouros. Para
evitar uma hiperexcitabilidade, existem dois mecanismos protetores: a
degradação enzimática e a recaptação.
Principais neurotransmissores
Glutamato (L-Glutamato)
É tido como o principal neurotransmissor excitatório, pois a ligação com
seus receptores ionotrópicos (AMPA, NMDA e cainato) vai desencadear a
despolarização da membrana neuronal. É sintetizado no SNC a partir da
glicose e não atravessa a barreira hematoencefálica. Os receptores
glutamatérgicos ligados ao AMPA têm quatro subunidades GluR1-4, sendo
que a subunidade GluR2 é mais permeável aos íons de sódio que as demais.
A degradação do glutamato pela glutamato-desidrogenase nas células gliais
libera glutamina, sendo utilizada para produzir mais glutamato e GABA.
Já os receptores NMDA possuem sete subunidades: NR1, NR2A-D e
NR3A-B, sendo os únicos que precisam de dois agonistas diferentes para sua
ativação, pois somente a ligação do glutamato não é suficiente para abrir o
canal iônico. Estando este aberto, ocorre o aumento do influxo de cálcio e
sódio. A entrada de cálcio permite a ativação de inúmeras enzimas, estando
relacionado a muitas formas de plasticidade neuronal, afetando diretamente
o aprendizado e a memória. Em situações de estresse, como AVE isquêmico
e epilepsia, esses receptores têm sido associados com um mecanismo de
dano ao SNC conhecido como excitotoxicidade.
Os receptores do tipo cainato possuem cinco subunidades GluK1-5, os
quais parecem ter uma função apenas modulatória e não representam um
alvo importante para psicofármacos. Apresentam potencial terapêutico como
anticonvulsivantes e analgésicos. Além dos receptores ionotrópicos, existem
8 famílias de receptores metabotrópicos do glutamato (mGluR), exercendo
um papel modulatório, onde regulam a excitabilidade neuronal, a
transmissão sináptica e a plasticidade neural. Oito tipos de mGluR foram
identificados e classificados em três grupos: Grupo I (mGluR1, mGluR5),
Grupo II (mGluR2, mGluR3) e Grupo III (mGluR4, mGluR6, mGluR7,
mGluR8). Os receptores do grupo I estão envolvidos na plasticidade
sináptica e nos mecanismos neuroprotetores e neurodegenerativos, enquanto
os grupos 2 e 3 têm papéis complexos na regulação da liberação e
plasticidade de neurotransmissores. Todos os três grupos são acoplados à
proteína G e podem estar envolvidos na regulação da transcrição gênica e
nas interações neuronais gliais. Os mGluRs interagem com receptores
ionotrópicos de glutamato, receptores GABA, canais iônicos, proteínas de
estrutura de Homer e Shank, além de outros sistemas neuronais. Os mGluRs
têm efeitos rápidos e de longo prazo, atuando direta e indiretamente em
vários sistemas neuronais e gliais. Os receptores mGluR1 e mGluR5
interagem com NMDARs, enquanto os receptores mGluR2 e mGluR3
interagem com AMPARs, ligando os receptores metabotrópicos e
ionotrópicos de maneiras que ainda não foram totalmente compreendidas.
Há evidências de que os mGluRs de astrócitos são necessários para a
neuroproteção. Embora menos atenção tenha sido dada aos papéis dos
receptores metabotrópicos, esses têm sido implicados na fisiopatologia dos
transtornos de humor e transtornos psicóticos.
A encefalite antirreceptor NMDA é uma doença autoimune em que os
anticorpos se voltam contra receptores NMDA. Nessa doença, os pacientes
desenvolvem uma síndrome clínica característica que consiste em três fases
diferentes. No entanto, é importante estar ciente de que existe uma certa
sobreposição de sintomas nessas fases. A maioria dos pacientes relata
sintomas prodrômicos, como cefaleia, febre baixa, náuseas, vômitos, diarreia
ou doenças consistentes com uma infecção do trato respiratório superior.
Dentro de algumas semanas, novos sintomas aparecem e, na maioria das
vezes, são neuropsiquiátricos na forma de alucinações visuais ou auditivas,
delírios, ansiedade, mania, alterações de personalidade, catatonia, confusão e
perda de memória, bem como ataques epilépticos. Essa fase dura
aproximadamente 1 a 3 semanas. O predomínio dos sintomas psiquiátricos é
a razão pela qual até 75% dos pacientes são vistos pela primeira vez por
psiquiatras e/ou internados em enfermarias psiquiátricas. Na última fase,
ocorrem as complicações neurológicas óbvias, em que distúrbios do
movimento, alterações da consciência, instabilidade autonômica e
hipoventilação central são particularmente proeminentes. Os distúrbios do
movimento ocorrem mais frequentemente na forma de discinesias
(especialmente orofacial), distonia, coreoatetose, rigidez muscular e
mioclonia. A instabilidade autonômica é mais frequentemente expressa em
arritmias, hiper/hipotensão, hiper/hipotermia, hiperidrose e hipersalivação.
Também ocorre hipoventilação com necessidade de suporte ventilatório. Em
combinação com os sintomas típicos, a detecção de anticorpos IgG contra a
subunidade NR1 do receptor NMDA é diagnóstica de encefalite
antirreceptor NMDA. A análise de anticorpos pode ser realizada no soro ou
no fluido espinhal. O tratamento de primeira linha consiste em: esteroides,
imunoglobulina intravenosa (IVIG) ou reposição de plasma.
Fonte: Tohmé.16
Noradrenalina
Trata-se de uma catecolamina sintetizada nos neurônios noradrenérgicos a
partir de mecanismos enzimáticos que envolvem a tirosina e DOPA e, na via
final, pela ação da dopamina-β-hidroxilase. A noradrenalina é inativada no
meio intracelular pela MAO (monoamina oxidase) após ser recaptada da
fenda sináptica. Vale ressaltar que a produção de noradrenalina (e de outras
catecolaminas) não é exclusiva do SNC, ocorrendo também perifericamente.
A maior concentração de corpos celulares noradrenérgicos se encontra no
locus cœruleus, apresentando extensões axonais para quase todas áreas
cerebrais (exceto para o núcleo estriado dorsal), cerebelo e medula espinal.
Esse neurotransmissor vai agir em receptores α e β adrenérgicos, os quais
possuem vários subtipos. A família α1 é vista com mais frequência nos vasos
e na membrana pós-sináptica, tem características excitatórias, além de serem
metabotrópicos. Atuam na modulação do medo, memória, aprendizado e
respostas motoras. No locus cœruleus, atuam nas flutuações da atenção e no
ritmo circadiano. A família α2 engloba os subtipos α2A, α2B e α2C,
presentes tanto em zonas pré-sinápticas quanto pós-sinápticas e também são
metabotrópicos. Exercem as seguintes funções:
memória.
Dopamina
Assim como outras catecolaminas, a dopamina é sintetizada a partir da
tirosina e sua via final envolve a descarboxilação da L-DOPA pela dopa
descarboxilase, sendo armazenada em vesículas dos neurônios
dopaminérgicos. Após sua ação na fenda sináptica, a dopamina é recaptada
para o neurônio pré-sináptico e degradada pela MAO ou pela COMT
(Catecol-O-Metiltransferase). Vale ressaltar que a MAO é apenas
intracelular, mas a COMT também pode ser encontrada no plasma. As vias
dopaminérgicas cerebrais são aquelas que se relacionam diretamente aos
efeitos terapêuticos (mesolímbica e mesocortical) e adversos (nigroestriatal e
tuberoinfundibular) dos neurolépticos. Alguns medicamentos atuarão
inibindo a recaptação de dopamina na fenda sináptica, tornando-a mais
disponível para atuação. Outros vão atuar diretamente no seu receptor,
podendo ocasionar tanto antagonismo como agonismo parcial. As funções da
dopamina envolvem controle da vida afetiva, sistemas de recompensa,
aspectos diversos da cognição, regulação do sono, alimentação, atenção,
olfato, visão, regulação hormonal, regulação simpática, ereção peniana e da
motricidade voluntária. Tem sido comprovado que disfunções na
neurotransmissão dopaminérgica estão relacionadas com diversas desordens
psiquiátricas, como o TDAH (transtorno de déficit de
atenção/hiperatividade), adicção a drogas, esquizofrenia e transtornos
afetivos. Existem 5 tipos conhecidos de receptores dopaminérgicos e todos
são metabotrópicos. Os receptores D1 e D5 são dependentes da atividade da
adenilato ciclase, enquanto os receptores D2, D3 e D4 inibem a atividade da
mesma enzima. Supõe-se que a psicose surja em função de uma
hiperatividade relacionada a receptores D2. Sabendo disso, antagonistas dos
receptores D2 ocasionariam melhora dos sintomas psicóticos, porém
poderiam induzir o ato de comer em excesso, por promover estados sensíveis
à recompensa. Além da recompensa alimentar, a sinalização dopaminérgica
estriatal parece interagir com a sinalização da insulina e também pode afetar
a tolerância à glicose. De acordo com isso, a depleção de dopamina e
diminuição da sinalização D2 no estriado ventral podem estar relacionadas à
resistência insulínica em indivíduos saudáveis. O SNC e os órgãos
periféricos, como o pâncreas, são os dois níveis principais de regulação
metabólica. Eles têm conexões neuroendócrinas bidirecionais e expressam
receptores de neurotransmissores. O balanço energético (ingestão de
energia/gasto de energia), a função do tecido adiposo, a secreção de insulina
e a sensibilidade à insulina são seções importantes da regulação metabólica
adequada. Os antipsicóticos, por atuarem nos receptores de dopamina,
podem alterar esse sistema e induzir disfunções metabólicas.
Serotonina
A serotonina (5-hidroxitriptamina ou 5-HT) é uma indolamina e participa de
inúmeros processos mentais, estando envolvida com modulação do humor e
emoções, agressividade, impulsividade, funcionamento sexual, apetite,
memória, ansiedade, sono etc. É sintetizada nos neurônios serotoninérgicos
dos núcleos da rafe (e na periferia, pelas células enterocromafins do
intestino) a partir da hidroxilação do anel aromático do triptofano pela
triptofano hidroxilase, a qual possui dois tipos: neuronal (tipo 1) e não
neuronal (tipo 2). A 5HTP-descarboxilase finaliza a síntese de serotonina. É
produzida nos terminais axonais e armazenada em vesículas. Após ser
recaptada da fenda sináptica, a serotonina é degradada pela MAO
(principalmente pela MAO-A), gerando o ácido 5-hidroxi-indolacético (5-
HIAA), que pode ter os níveis detectados na corrente sanguínea. As
projeções dos neurônios serotoninérgicos têm ampla distribuição por todo
SNC. Além disso, os receptores serotoninérgicos têm papel em vários
sistemas corporais, sendo encontrados em diversos órgãos do corpo. Existem
7 famílias de receptores (5-HT1-7), sendo que a família de receptores 5-HT3
é a única ionotrópica. Os seguintes receptores serotoninérgicos são
conhecidos atualmente: 5-HT1 (1A, 1B/1D, 1E, 1F), 5-HT2 (2A, 2B, 2C), 5-
HT3, 5-HT4, 5-HT5 (5A, 5B), 5-HT6 e 5-HT7.
A homeostase do sistema serotonérgico é assegurada por autorreceptores
serotoninérgicos (5-HT1A, 5-HT1B, 5-HT1D). A serotonina possui um
transportador seletivo chamado SERT, o qual é alvo de vários
medicamentos. Além disso, vários antidepressivos têm um efeito
complementar ao ativar os receptores serotoninérgicos pós-sinápticos.
Dentre os diferentes subtipos de receptores serotoninérgicos, a ativação dos
subtipos dos receptores 5-HT1A, 5-HT1B, 5-HT1D, 5-HT2B e 5-HT4
facilitaria a ação sobre determinados sintomas da depressão, enquanto a
ativação dos subtipos 5-HT2A, 5-HT2C, 5-HT3, 5-HT6 e 5-HT7 teria
efeitos opostos sobre outros sintomas da doença. O antidepressivo ideal
teria, portanto, uma propriedade agonista dos receptores 5-HT1A, 5-HT1B,
5-HT1D, 5-HT2B e 5-HT4 e antagonista dos receptores 5-HT2A, 5-HT2C,
5-HT3, 5-HT6 e 5-HT7 para obter uma boa eficácia nos vários sintomas que
constituem os transtornos depressivos. Em suma, imaginando a atuação do
antidepressivo ideal, ele seguiria os efeitos nos receptores serotoninérgicos,
conforme consta no Quadro 1.
Acetilcolina
A acetilcolina (ACh) é um neurotransmissor sintetizado pela ação
catalisadora da colina acetiltransferase na reação entre a colina e acetil-CoA,
cujos produtos são acetilcolina e CoA, ocorrendo nos terminais nervosos.
Sua degradação é feita pela acetilcolinesterase. A sua atuação se dá através
de receptores muscarínicos e nicotínicos.
Receptores nicotínicos são ionotrópicos e estão presentes tanto no SNC
quanto no sistema nervoso periférico. Acredita-se que os receptores
neuronais nicotínicos tenham uma estrutura pentamérica composta por dois
tipos de subunidades. Os receptores musculares são compostos por quatro
subunidades: 2α, 1β, 1γ e 1ε, cada um com 4 domínios transmembrana,
sendo que o domínio M2 é o poro permeável a cátions.
Os receptores muscarínicos se dividem em duas famílias de receptores
metabotrópicos. A família M1 compreende os subtipos M1, M3 e M5; e a
família M2 compreende os subtipos M2 e M4. Ambas as famílias vão
modular de forma direta ou indireta a abertura de canais iônicos. A família
M1 fecha canais de potássio, enquanto a família M2 inibe os canais de cálcio
voltagem dependentes.
A acetilcolina atua na aquisição de novas informações e pela ativação do
sistema hipotálamo-hipófise em situações de estresse, desencadeando
respostas emocionais e fisiológicas. Além disso, contribui no processo de
assimilação de comportamentos. A degeneração do sistema colinérgico
associa-se com o desenvolvimento de síndromes demenciais.
Neuropeptídeos
Diferente do neurotransmissores clássicos, esta classe é sintetizada
diretamente no núcleo do neurônio por meio da transcrição do DNA e
tradução do RNAm, sendo então armazenados no complexo de Golgi e
transportados dentro de vesículas pelo canal axônico até chegar nas
terminações axônicas, onde sua liberação na sinapse requer estímulo elétrico
mais prolongado ou repetido, ou seja, precisam de uma atividade sináptica
mais sustentada. Após serem liberados na fenda sináptica e atuarem em
receptores de membrana, eles sofrem clivagem por peptidases existentes na
própria membrana celular neuronal, permitindo maior tempo de ação e maior
alcance. As pesquisas envolvem o papel dos neuropeptídeos em doenças
como drogadição, esquizofrenia, transtornos de humor, dores crônicas,
transtornos ansiosos, transtornos alimentares e autismo. Alguns exemplos de
neuropeptídeos: encefalinas, endorfinas, substância P, neuromedina B,
peptídeo intestinal vasoativo etc.
• 5-HT Serotonina
• ACh Acetilcolina
• AMPA Ácido α-amino-3-hidroxi-5-metilisoxazol-4-propoiônico
• COMT Catecol-O-Metiltransferase
• CoA Coenzima A
• DNA Ácido Desoxirribonucleico
• GABA Ácido γ-aminobutírico
• IVIG Imunoglobulina Intravenosa
• L-DOPA 3,4-di-hidroxi-l-fenilalanina
• MAO Monoamina oxidase
• NMDA N-metil-D-aspartato
• Na+ Cátion Sódio
• RNAm Ácido Ribonucleico Mensageiro
• SNC Sistema Nervoso Central
• SNP Sistema Nervoso Periférico
• TDAH Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
A descoberta acidental das propriedades antipsicóticas da clorpromazina
– primeiro antipsicótico lançado no ano de 1952 – revolucionou a prática
psiquiátrica, sendo a primeira droga com ações terapêuticas na psicose,
inaugurando um grupo que viria a ser chamado de antipsicóticos típicos. Nos
últimos 70 anos foram lançados dezenas de antipsicóticos (AP) no mercado,
porém, há de se destacar que todos oferecem a mesma eficácia clínica para
tratar sintomas psicóticos positivos (alucinações e delírios), com exceção do
antipsicótico atípico clozapina – de eficácia superior – que discutiremos em
momento oportuno.
Como vamos expor adiante, os antipsicóticos têm ação complexa em
vários receptores serotonérgicos, muscarínicos, histamínicos, adrenérgicos e
dopaminérgicos. Contudo, o que se destaca, em tese, na sua ação
antipsicótica, é o antagonismo nos receptores de dopamina D2,
responsáveis por causarem neurolepsia – um alentecimento dos processos
psíquicos e motores. Por isso são também chamados de neurolépticos.
A melhora inicial com o uso dos antipsicóticos acontece na ansiedade e
na agitação. Os efeitos nas alterações de pensamento acontecem mais
lentamente, sendo que a melhora mais significativa geral acontece nas
primeiras duas semanas de uso.
Ainda no fim da década de 1950, a clozapina foi sintetizada como a
primeira representante do grupo dos antipsicóticos atípicos – drogas que não
causam (ou causam menos) efeitos neurolépticos em doses terapêuticas.
Como o nome sugere, a grande indicação clínica dos neurolépticos é o
tratamento de sintomas psicóticos positivos, porém, a gama de uso – seja off-
label ou não – abrange: esquizofrenia, transtorno bipolar, transtornos do
espectro psicótico como psicose breve, transtorno delirante e transtorno
esquizoafetivo; depressão resistente, demências, transtorno obsessivo
compulsivo, agressividade, transtorno do espectro autista, transtornos do
neurodesenvolvimento, transtornos do movimento e transtornos do sono.
Antes de adentrarmos nos tópicos farmacológicos e clínicos dos
antipsicóticos, para facilitar a digestão de um assunto um tanto labiríntico,
torna-se indispensável entender a teoria dopaminérgica da esquizofrenia. Tal
teoria, clássica e até simplista, dá bases didáticas para o entendimento do
funcionamento terapêutico e do surgimento de efeitos adversos relacionados
ao bloqueio dopaminérgico dos AP.
1. HIPÓTESE DOPAMINÉRGICA DA
ESQUIZOFRENIA
Somente após a descoberta dos antipsicóticos tentou-se encontrar como,
farmacologicamente, uma droga atuava melhorando alucinações e delírios.
Alguns achados indiretos de disfunção dopaminérgica em pacientes
esquizofrênicos embasaram a teoria. Vamos pausar aqui e formar base
teórica antes de prosseguir! Precisamos falar sobre as vias dopaminérgicas e
a função fisiológica de cada uma delas. Acompanhe pela figura 1.
2. ANTIPSICÓTICOS TÍPICOS
Volte para o tópico anterior se não o entendeu; a compreensão dele é
fundamental para o que se segue. Tendo o domínio da hipótese
dopaminérgica da esquizofrenia, o entendimento da ação terapêutica e o
aparecimento de efeitos indesejados dos antipsicóticos flui com facilidade.
Os AP típicos (também conhecidos como convencionais ou de primeira
geração) têm ação antagonista nos receptores dopaminérgicos D2. De fato,
esse antagonismo dopaminérgico é característica fundamental de todos os
antipsicóticos independentes da sua geração. Pois bem, recordemos que a
primeira família de AP deriva de um achado acidental e não há de se esperar
seletividade de um acidente. Aonde quero chegar: lembre-se que o excesso
de atividade dopaminérgica na esquizofrenia (ou em qualquer condição que
curse com psicose) restringe-se à via mesolímbica, no entanto, o bloqueio
dopaminérgico dos antipsicóticos convencionais NÃO é seletivo para essa
via, atingindo, portanto, todas as vias dopaminérgicas encefálicas. Quais as
consequências?
O antagonismo D2 na via mesolímbica resultará na eficácia da droga em
diminuir alucinações e delírios pelo decréscimo da atividade dopaminérgica.
Daí também se deriva o efeito de neurolepsia, já que esse bloqueio
dopaminérgico atinge o centro de prazer no nucleus accumbens, ocasionando
mais apatia, anedonia, pouca motivação em interação social. A neurolepsia é
também gerada pelo bloqueio dopaminérgico que atinge a via mesocortical –
via essa já deficiente de atividade dopaminérgica. O resultado é o
agravamento dos sintomas negativos, afetivos e cognitivos da esquizofrenia
com o uso de antipsicóticos típicos.
Seguindo a não seletividade do antagonismo D2 dos antipsicóticos de
primeira geração, chegamos à via nigroestriatal. Como já falado, essa via
tem relação estreita com a motricidade. O uso de AP induz distúrbios do
movimento, os sintomas extrapiramidais (SEP). De forma mais aguda causa
parkinsonismo (tremor, rigidez, bradicineia, sinal da roda denteada,
sialorreia e diminuição da mímica facial), distonia (alteração no tônus
muscular associado à torção muscular lenta, sustentada e muitas vezes
dolorosa), acatisia (inquietação subjetiva e motora) e síndrome neuroléptica
maligna – SNM (condição rara que cursa com hipertermia, rigidez muscular
intensa e difusa, sintomas desautômicos e confusão mental). Com o bloqueio
dopaminérgico crônico, há um rearranjo e um consequente aumento (up-
regulation) de receptores D2, o que provocará os chamados movimentos
discinésicos tardios induzidos por neurolépticos – ou simplesmente
discinesia tardia. É caracterizada por movimentos de coreia e/ou atetose, que
ocorrem numa incidência de 5% a cada ano de uso de antipsicóticos típicos.
Para mais detalhes desses e de outros distúrbios do movimento, sugerimos a
leitura do capítulo Transtornos do movimento induzidos por medicamentos.
Por fim, temos o bloqueio da via tuberoinfundibular, que ocasionará um
aumento da secreção de prolactina (os neurônios dopaminérgicos inibem a
secreção da prolactina e, estando bloqueados, deixam de inibi-la). Na clínica,
observaremos a presença de galactorreia, amenorreia e até disfunção sexual
(quadro 1).
Acatisia
Distonia
Galactorreia
Disfunção sexual
3. ANTIPSICÓTICOS ATÍPICOS
Essa subdivisão dos antipsicóticos é chamada de atípica (ou de segunda
geração) devido à sua capacidade de produzir menos efeitos extrapiramidais
(e menos hiperprolactinemia) em doses clinicamente eficazes em
comparação aos AP convencionais. Essa classe tem como característica
farmacológica o fato de, além de bloquear os receptores D2, antagonizam
também os receptores 5HT2A (receptores de serotonina). Essa ação nesses
receptores serotonérgicos é de crucial importância, como veremos adiante,
para a redução de SEP e da secreção de prolactina, sem que haja perda de
eficácia nos sintomas psicóticos positivos.
Primeiro vamos à diminuição de SEP mediada pelos receptores 5HT2A. O
estímulo serotonérgico nesse receptor, no fim de uma cascata neuronal
complexa, inibe a liberação de dopamina no estriado. Ao passo que o seu
bloqueio fará o contrário: libera dopamina nessa região cerebral. Note que,
apesar de manter o bloqueio dopaminérgico na via nigroestriatal a exemplo
dos AP típicos, o bloqueio 5HT2A dos antipsicóticos atípicos promove uma
liberação de dopamina que acaba tendo função compensatória. O resultado
clínico é que os AP de segunda geração causam menos efeitos
extrapiramidais, mantendo a mesma eficácia em reduzir alucinações e
delírios. Essa cadeia está mais bem desmembrada no esquema a seguir.
3.1. E NA PRÁTICA?
Elencamos quatro antipsicóticos convencionais e sete antipsicóticos atípicos,
com forte presença na nossa praxe clínica, para aprofundarmos mais um
pouco nos seus aspectos práticos que são tão caros para o médico
generalista.
4. ANTIPSICÓTICOS TÍPICOS
4.1. Haloperidol
O haloperidol é um antipsicótico convencional de alta potência do grupo das
butirofenonas. Tem meia-vida de 15 a 37 horas na sua formulação oral e,
com isso, pode ser administrado em dose única diária. A dose usual para
episódio agudo de esquizofrenia gira em torno de 10-15 mg/dia. O
haloperidol pode ser usado para tranquilização rápida na sua forma
parenteral intramuscular. A apresentação da ampola é de 5 mg e pode ter sua
dose repetida a cada 30 minutos em caso de ausência de resposta com o
máximo de 6 aplicações (30 mg).
A sua formulação de depósito – haloperidol decanoato – atinge pico
plasmático em 3 a 9 dias e tem meia-vida de 21 dias; apesar de, por
comodidade posológica, poder ser aplicado uma vez por mês. Devido à
latência para atingir pico plasmático, quando prescrito o haloperidol
decanoato, a dose oral deve ser mantida por uma a duas semanas antes de ser
suspendida. Perceba que essa não é uma formulação a ser usada na urgência,
pois, para evitar efeitos colaterais prolongados, é preciso que se saiba qual a
dose oral tolerada pelo paciente e, em seguida, converter essa dose oral em
dose de depósito. Cada ampola de haloperidol decanoato (50 mg) equivale a
uma dose diária de haloperidol oral de 2,5 mg. Hipoteticamente, se temos
um paciente que use haloperidol 10 mg/dia oral, podemos substituir essa
dose, sem perda de eficácia, pelo haloperidol decanoato 200 mg/mês (4
ampolas/mês). Não se deve aplicar mais que 3 ml (3 ampolas) no mesmo
local.
4.2. Clorpromazina
A clorpromazina é um antipsicótico típico de baixa potência do grupo das
fenotiazinas. Tem meia-vida de 24 horas. Pelo seu efeito sedativo, há
preferência de administração de maior parte da dose à noite. Doses usuais
para tratamento antipsicótico em esquizofrênicos ficam entre 300 mg a 600
mg, contudo, a progressão da dose deve ser gradual para evitar hipotensão,
tontura ou sonolência severa. A clorpromazina injetável intramuscular se
mostra eficaz para controle de agitação psicomotora na dose de 50 mg, com
vantagens de ser uma medicação acessível e com poder sedativo. Porém,
vem sendo deixada de lado dos guidelines para agitação pelo risco de
complicações cardiovasculares com destaque para a hipotensão.
4.3. Periciazina
É uma fenotiazina de baixa potência. Sua meia-vida varia de 6 a 12 horas.
As doses usais para tratamento antipsicótico fica entre 15 e 30 mg. Pode ser
dividida em 2 tomadas, sendo a maior parte da dose à noite, pela sua ação
sedativa. A sua apresentação líquida é muito utilizada em nosso meio para
crianças com agitação e agressividade. São duas concentrações diferentes, de
1% e 4%. Cada gota da concentração de 4% equivale a 1 mg.
4.4. Tioridazina
Também um antipsicótico de baixa potência do grupo das fenotiazinas, a
tioridazina tem meia-vida de 24 horas. Tem equivalência de dose com a
clorpromazina (cada 100 mg equivalem a 100 mg da clorpromazina) e, com
isso, sua faixa terapêutica antipsicótica é de 300 mg a 600 mg. Uma
particularidade é o seu efeito arritmogênico, podendo induzir alargamento no
intervalo QT ou mesmo arritmias ventriculares e, por isso, é importante o
acompanhamento com eletrocardiograma no início do tratamento e a cada
reajuste importante de dose. Assim como a clorpromazina, a sua progressão
de dose deve ser gradual.
5. ANTIPSICÓTICOS ATÍPICOS
5.1. Aripiprazol
O aripiprazol é o único dessa lista a ter ação agonista parcial dopaminérgica
(para mais detalhes vide o capítulo Farmacologia aplicada à psiquiatria).
Tem meia-vida de 75 horas. Causa significativamente menos sintomas
extrapiramidais comparados a AP típicos e à risperidona, bem como causa
comparativamente menos alterações de colesterol e ganho de peso em
comparação com quetiapina, risperidona, clozapina e olanzapina. Também
tem baixo risco de hiperprolactinemia.
O aripiprazol pode ser utilizado em monoterapia para mania, mas
aparentemente tem pouca eficácia da depressão bipolar. No entanto, pode ser
usado como adjuvante em depressão unipolar com dose que varia entre 5 a
10 mg/dia. Na esquizofrenia, as doses usuais variam de 10 a 30 mg. Seu uso
está bem indicado para transtorno do espectro autista para problemas
comportamentais e irritabilidade.
5.2. Ziprasidona
A ziprasidona tem meia-vida de 7 horas. Deve ser administrada com dose
fracionada em pelo menos duas vezes e sempre deve ser usada com a
alimentação (pelo menos 500 calorias) para melhorar sua absorção. A dose
média para tratamento antipsicótico é de 80 a 160 mg/dia. Pelo seu potencial
de alargamento QT, recomenda-se a monitorização do ritmo cardíaco com
eletrocardiograma.
Existe a formulação parenteral intramuscular para tranquilização rápida.
A dose é de 10 mg, que pode ser repetida a cada hora ou mesmo 20 mg por
aplicação com repetição da dose a cada 2 horas. A dose máxima é de 40
mg/dia.
5.3. Lurasidona
A lurasidona foi recentemente lançada no Brasil com certo entusiasmo, pois
se juntou ao pequeno grupo de drogas que podem tratar depressão bipolar
em monoterapia. Tem meia-vida de 18 horas e sua absorção pode aumentar
em até duas vezes se ingerida com refeição em comparação se for
administrada em jejum. Sua dose para esquizofrenia varia de 40 a 120
mg/dia. Para depressão bipolar, a dose inicial é de 20 mg, podendo chegar a
120 mg/dia.
5.4. Risperidona
É o antipsicótico atípico de menor custo, todavia, dos listados aqui, é o
atípico que mais se relaciona com efeitos extrapiramidais e
hiperprolactinemia, especialmente em doses maiores que 6 mg/dia. Sua
meia-vida chega a 24 horas. As doses usuais ficam em torno de 2 a 8 mg/dia,
trazendo pouco benefício quando ultrapassam a dose de 10 mg. Atentar para
início gradual devido a seu potencial hipotensor pela ação em receptores ɑ1-
adrenérgicos. Assim como o aripiprazol, a risperidona está indicada pelo
FDA (Food and Drug Administration) para tratamento de irritabilidade e
alterações de comportamento no autismo.
Existe a formulação de depósito com meia-vida de 3 a 6 dias e com
eliminação que chega até 8 semanas. As doses usuais ficam entre 25 a 50 mg
aplicadas a cada 2 semanas. A formulação oral deve permanecer por 3
semanas após aplicada a primeira dose da apresentação de depósito.
5.5. Quetiapina
A quetiapina tem um perfil farmacológico complexo que lhe confere um
espectro de ação e usos clínicos diversos. Sua meia-vida é de 7 a 12 horas. A
quetiapina pode ser utilizada como hipnótico-sedativo em doses menores (25
a 100 mg) na formulação de liberação imediata; como estabilizador de
humor, em monoterapia, com ação antimaníaca ou antidepressiva em doses
médias de 300 mg/dia e como antipsicótico em doses médias de 400 a 800
mg/dia. A quetiapina também vem se firmando como opção em monoterapia
para o tratamento de transtorno de ansiedade generalizada nas doses entre 50
e 150 mg/dia na formulação de liberação prolongada. A apresentação de
liberação prolongada, por apresentar maior estabilidade sérica, deve ser
preferida também para tratamento antipsicótico e estabilizador de humor. É
utilizada também como potencializador antidepressivo nas depressões
unipolares. Pelo seu efeito sedativo e hipotensor, quando prescrita
ambulatoriamente, deve ter subida paulatina de dose (entre 50 e 100 mg/dia
até dose almejada). A incidência de transtornos do movimento com a
quetiapina são raros mesmo em doses altas. É comum o aumento de peso e a
sedação.
5.6. Clozapina
A clozapina é o único antipsicótico que se mostra superior a qualquer outro
AP. Tem meia-vida de 10 a 17 horas e, por isso, deve ter sua dose
fracionada, com sua maior parte concentrada à noite devido efeito sedativo.
Deve ser iniciada com dose de 25 mg e ter sua dose aumentada de forma
paulatina de 25 em 25 mg a cada dois dias até chegar em 100 mg/dia. A
partir daí, sua dose deve subir de 50 em 50 mg a cada dois dias até pelo
menos 300 mg/dia. Sua faixa terapêutica usual é de 300 a 600 mg/dia;
podem existir pacientes que necessitem de doses de até 900 mg/dia. A
clozapina é a única droga capaz de reduzir suicídio em pacientes
esquizofrênicos. Não induz efeitos extrapiramidais significantes, não eleva
prolactinemia e não induz discinesia tardia.
Está indicada para casos refratários (quando há falência de pelo menos
outros dois antipsicóticos). A sua indicação tem essa restrição devido a
efeitos colaterais potencialmente fatais. Além de diminuir o limiar
convulsivo, ela relaciona-se com cardiotoxicidade e agranulocitose. Pela
agranulocitose, que pode ocorrer em 0,5% a 2% dos pacientes, todo paciente
que faz uso de clozapina deve ter monitorização hematológica com
hemogramas semanais pelas primeiras 18 semanas (70% dos casos de
agranulocitose acontecem nessas 18 semanas iniciais de tratamento – vide
quadro 2). Após esse período, os hemogramas passam a ser repetidos
mensalmente enquanto o paciente fizer uso da droga. Se houver leucopenia,
a clozapina deve ser descontinuada progressivamente ao longo de até 2
semanas, a menos que haja risco iminente de agranulocitose.
Quadro 2 - Monitoramento hematológico da clozapina
5.7. Olanzapina
A olanzapina tem meia-vida média de 33 horas. É o antipsicótico que mais
induz ganho de peso e um dos menos descontinuados. É indicada, para além
de transtornos psicóticos, como antimaníaco e, em combinação com a
fluoxetina, pode ser opção como tratamento para depressão bipolar. As doses
para esquizofrenia e transtorno bipolar em fase aguda ficam entre 7,5 mg a
20 mg/dia
A sua formulação injetável para controle de agitação psicomotora fica
em média de 10 mg por dose, podendo ser repetida a cada 2 horas até o
máximo de 30 mg.
Quadro 3 - Antipsicóticos (principais representantes)
Típicos
Atípicos
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SIGLAS
• AP Antipsicóticos
• FDA Food and Drug Administration
• IMC Índice de Massa Corpórea
• SEP Sintomas extrapiramidais
• SNM Síndrome Neuroléptica Maligna
O desenvolvimento das drogas antidepressivas iniciou no começo da
década de 1950, a chamada década de ouro da psicofarmacologia, com a
descoberta acidental tanto dos inibidores da monoaminoxidase (IMAOs)
quanto dos tricíclicos.
Na década de 1950, foi observado que pacientes com tuberculose que
faziam tratamento com iproniazida apresentavam, como “efeito colateral”,
uma elevação do humor. Devido a esse efeito da medicação, estudos
subsequentes foram realizados com pacientes deprimidos, mas que não
tinham tuberculose, tendo sido observada melhora dos sintomas em 70%
dos pacientes. A partir daí, deu-se início ao uso dos IMAOs para o
tratamento de pessoas com transtorno depressivo maior (TDM).
Paralelamente ao estudo da iproniazida, ainda na década de 1950,
estavam sendo estudadas as propriedades de uma nova droga para o
tratamento da esquizofrenia, criada a partir da modificação da estrutura da
clorpromazina. Apesar de a substância não se mostrar eficaz para melhorar
os sintomas psicóticos dos pacientes, foi observada melhora nos sintomas
depressivos e retardo psicomotor em pacientes com diferentes tipos de
transtornos psiquiátricos, após 6 semanas de terapia. Assim, no final dos
anos 1950, surgiu a imipramina, o primeiro antidepressivo tricíclico
(ADT) aprovado para o tratamento da depressão.
Com a descoberta da imipramina e iproniazida, foi observado que, por
meio de seu mecanismo de ação, a concentração de dois neurotransmissores
– serotonina e noradrenalina (NA) – aumentavam em certas áreas do
cérebro, melhorando a depressão. Devido a esse fato, foi aventada a
hipótese de que o TDM poderia estar relacionado à deficiência de
serotonina ou noradrenalina em locais específicos do cérebro, o que ficou
conhecido como teoria monoaminérgica da depressão, a qual será discutida
mais a frente neste capítulo.
Durante cerca de 30 anos, os ADTs foram considerados a primeira linha
de tratamento para o TDM, até o final da década de 1980, com o advento da
fluoxetina, o primeiro inibidor seletivo da receptação da serotonina (ISRS),
aprovado pelo FDA para o tratamento de depressão.
Comparado à época em que sua indicação original deu o nome a essa
classe de medicamentos, os antidepressivos se tornaram uma categoria
complexa e heterogênea, tendo, nos dias atuais, indicações que vão muito
além do tratamento da depressão, tais como: transtorno do pânico,
transtorno da ansiedade generalizada, transtorno obsessivo-compulsivo
(TOC), transtorno do estresse pós-traumático, bulimia nervosa, transtorno
disfórico pré-menstrual; além de outras condições clínicas, como dor
neuropática, fibromialgia, fogachos em mulheres pós-menopausa, profilaxia
para migrânea e cefaleias tensionais, entre outros.
1. HIPÓTESE MONOAMINÉRGICA DA
DEPRESSÃO
O advento da iproniazida e da imipramina na segunda metade do século 20
permitiu não somente um tratamento eficaz para a depressão, mas também
o surgimento de algumas hipóteses a respeito da influência das monoaminas
na etiologia da depressão. Nos anos 1960 e 1970, ganhou força a teoria de
que uma deficiência noradrenérgica ou serotoninérgica em algumas áreas do
cérebro seria a base dessa patologia. Com a descoberta da ação inibitória da
iproniazida na monoaminoxidade (MAO), surgiu a primeira dessas teorias,
a hipótese catecolaminérgica. Essa hipótese sugeria que uma queda nos
níveis de noradrenalina na fenda intrassináptica estaria associada à
patologia da depressão.
Posteriormente, pesquisas demonstraram que a administração de
triptofano (precursor da serotonina) a animais depressivos, potencializava a
ação dos IMAO. Outro achado importante, foi a descoberta da ação dos
ADTs na recaptação da serotonina, o que levou ao surgimento da teoria
serotoninérgica da depressão, a qual dizia que níveis deficientes de
serotonina em certas regiões do cérebro levariam à depressão. Com o
surgimento da fluoxetina, essa teoria ganhou mais força.
No entanto, estudos mais recentes sugerem que a hipótese das
monoaminas precisa ser revisada, visto que não é uma simples depleção de
monoaminas que leva à depressão. Isso porque, dentre outros fatores, níveis
baixos de monoaminas em indivíduos saudáveis não gera sintomas
depressivos. Além disso, a diminuição de monoaminas ou de triptofano não
pioram os sintomas em indivíduos depressivos.
Assim, a hipótese revisada das monoaminas sugere que a sua depleção
desempenha um papel modulador, de modo a influenciar outros sistemas
neurobiológicos (por exemplo, sinalização intracelular ou outros sistemas
de neurotransmissores e neuropeptídeos) ou então que tem maior influência
no contexto de estressores.
Autonômicos Sudorese
Dose Dose
Apresentações Dose Tempo de ½
Medicamento Inicial Terapêutica
Disponíveis Máxima Vida
Usual Usual
Comprimidos de
Desvenlafaxina 50 mg 50 mg 200 mg 11h
50 e 100mg
Cápsulas de 30 e 30 mg a 30 mg a 60
Duloxetina 120 mg 12h
60mg 60 mg mg
5h (Obs.: 11h
Cápsulas de
37,5 mg 75 mg a para o
Venlafaxina 37,5, 75 e 225mg
a 75 mg 225mg metabólito
150mg
ativo)
2.5. E Na Prática?
Vamos agora aprofundar um pouco a discussão sobre alguns dos
antidepressivos mais utilizados na prática clínica. Elencamos, para isso,
dois tricíclicos, três ISRS, um dual e três atípicos, falando um pouco dos
seus aspectos práticos mais importantes para o médico generalista.
2.6. Amitriptilina
A amitriptilina atua bloqueando a receptação da serotonina e noradrenalina,
mas com maior potencial sobre o bloqueio da serotonina. Também tem ação
importante sobre receptores colinérgicos, ɑ-1-adrenérgicos e histamínicos
tipo H1. Comparada a outros tricíclicos, é bastante sedativa, além de estar
associada a aumento de peso e efeitos anticolinérgicos.
Para o tratamento da depressão, as doses usuais variam de 75 a
300mg/dia. Recomenda-se iniciar com 25mg/dia e aumentar 25mg a cada 3
dias, até uma dose de 100mg.
2.7. Nortriptilina
É o metabólito ativo da amitriptilina, sendo aproximadamente 2 vezes mais
potente que outros ADTs. Atua bloqueando predominantemente a
noradrenalina nos neurônios pré-sinápticos, levando ao aumento desse
neurotransmissor na fenda. Tem ação majoritariamente noradrenérgica, com
atuação menos intensa nos receptores ɑ-1-adrenérgicos e histamínicos tipo
H1.
Para o tratamento da depressão, deve-se iniciar com uma dose de 25mg,
à noite, devido ao seu poder sedativo, e aumentar a cada 2 dias (ou
intervalos maiores, se o paciente for idoso). As doses usuais para depressão
variam de 75 a 150mg/dia.
A nortriptilina também é indicada no tratamento para cessação de
tabagismo. Geralmente, recomenda-se o uso entre duas a cinco semanas
antes de o paciente interromper o fumo, sendo iniciada na dose de
25mg/dia, aumentando gradualmente (a cada 3-7 dias) até uma dose de 75-
100mg (ou o máximo tolerado pelo paciente).
Na tabela a seguir, podemos observar algumas informações adicionais a
respeito da nortriptilina e amitriptilina.
Dose Dose
Apresentações Dose Tempo de
Medicamento Inicial Terapêutica
Disponíveis Máxima ½ Vida
Usual Usual
Dose Dose
Apresentações Dose Tempo de
Medicamento Inicial Terapêutica
Disponíveis Máxima ½ Vida
Usual Usual
Comprimidos de
Amitriptilina 25mg 75 a 300mg 300mg 21h
10mg, 25 e 75mg
Cápsulas/comp de 10,
Nortriptlina 25mg 50 a 150mg 150mg 12 a 56h
25, 50 e 75mg
2.8. Fluoxetina
A fluoxetina atua não somente inibindo a recaptação de serotonina, como
também inibindo a recaptação de noradrenalina (apesar de ser clinicamente
relevante só quando administrada em doses altas), além de ter ações
antagonistas de 5HT2C. Essa ação antagonista de 5HT2C é que leva aos
efeitos terapêuticos e de tolerabilidade da fluoxetina. Além disso, o
antagonismo sobre o 5HT2C é geralmente ativador, o que faz com que
vários pacientes, já na primeira dose da fluoxetina, percebam um efeito
energizante e de redução da fadiga, havendo também melhora na
concentração e na atenção. Esse mecanismo talvez seja mais apropriado
para pacientes deprimidos que apresentam redução do afeto positivo,
hipersonia, retardo psicomotor, apatia e fadiga. Por sua vez, essa
propriedade da fluoxetina pode ser menos adequada para pacientes ansiosos
ou deprimidos que apresentem insônia e agitação, devido ao fato que eles
podem apresentar um efeito ativador indesejado, levando até mesmo a
ataques de pânico, caso tomem um agente que os ative ainda mais.
Além disso, o antagonismo de 5HT2C também contribui para o efeito
antibulimia em doses mais altas de fluoxetina, sendo, por isso, o único ISRS
aprovado para o tratamento desse transtorno alimentar.
Para o tratamento de depressão, as doses usuais de fluoxetina variam de
20 a 40 mg/dia. É recomendado iniciar com 20 mg/dia, que já pode ser a
dose eficaz. Grande parte dos pacientes deprimidos apresentam alguma
resposta depois da segunda semana de uso. Outros começam a apresentar
resposta somente após a quarta semana. Entretanto, se até a sexta semana
não houver resposta alguma, é pouco provável que ela ocorra.
A fluoxetina também tem ação comprovada no tratamento de
transtornos ansiosos, TOC, bulimia nervosa e no transtorno disfórico pré-
menstrual.
2.9. Sertralina
Além do bloqueio do SERT, a sertralina também inibe a ligação aos
receptores sigma-1 (σ1) e, fracamente, o transportador de dopamina (DAT),
cuja relevância clínica não é conhecida, embora possa melhorar a energia, a
motivação e a concentração.
Já as ações σ1 da sertralina ainda não são bem conhecidas, mas sabe-se
que podem contribuir para seus efeitos ansiolíticos e também podem ser
úteis nos pacientes com depressão psicótica, em comparação com alguns
outros ISRS.
A sertralina, inicialmente, foi lançada para o tratamento da depressão.
Posteriormente, foi vista sua eficácia em várias outras condições como:
transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno do pânico, estresse pós-
traumático, fobia social, entre outros.
Como iniciar o tratamento com a sertralina? Para quadros de depressão
ou TOC, a dose inicial recomendada é de 50mg/dia, devendo-se esperar
algumas semanas (3-4 semanas), antes de aumentar a dose. Já para
transtornos ansiosos, deve-se iniciar com 25mg/dia, recomendando-se
dobrar a dose após uma semana de uso. Se for necessário aumentar a dose
posteriormente, também é preciso esperar cerca de 3 a 4 semanas.
2.10. Escitalopram
O escitalopram é o isômero da molécula de citalopram, a qual foi
intencionalmente modificada em laboratório, a fim de diminuir os efeitos
colaterais desta, sendo o mais grave o prolongamento do intervalo QT. Os
parâmetros farmacocinéticos indicam que 10mg de escitalopram equivalem
a 20mg de citalopram.
Além disso, o escitalopram é o ISRS, cujas ações farmacológicas são
quase todas explicadas pela inibição pura do SERT. Ele é considerado,
talvez, o ISRS mais bem tolerado, com as menores taxas de interações
medicamentosas.
Essa medicação mostrou-se eficaz no tratamento da depressão, dos
transtornos ansiosos e do TOC. Ademais, alguns estudos demonstram que o
escitalopram tem maior eficácia em relação a outros antidepressivos, como
citalopram e fluoxetina, além de ter maior tolerabilidade que a duloxetina.
Para pacientes deprimidos, inicia-se com a dose de 10mg/dia pela
manhã. Para pacientes com transtorno de ansiedade, sugere-se iniciar com
metade da dose, por cerca de 4 a 5 dias e após passar para 10 mg/dia. Em
pessoas acima de 60 anos, a dose sugerida é de 5 mg/dia.
Na tabela a seguir, podemos observar algumas informações adicionais a
respeito dos ISRS que acabamos de discutir:
Comprimidos de 10, 15 e
Escitalopram 20mg. Solução oral 10mg 10 a 20mg 30mg 27 a 32h
20mg/mL
Comprimidos/cápsulas de
2a3
Fluoxetina 10 e 20mg. Solução oral 20mg 20 a 60mg 80mg
dias
20mg/mL
2.11. Venlafaxina
A venlafaxina inibe a recaptação de serotonina e, em menor grau, a de
noradrenalina (2 a 3 vezes menos). À medida que a dose é elevada, o efeito
noradrenérgico aumenta. Além disso, como já mencionado anteriormente,
também inibe a recaptação de dopamina, entretanto, em menor grau ainda.
O que a diferencia de outras drogas que também possuem essas
propriedades é o fato de não bloquear receptores colinérgicos,
histaminérgicos e ɑ-adrenérgicos (como os tricíclicos).
A venlafaxina parece produzir uma rápida down-regulation de
receptores ß-adrenérgicos, após a administração de dose única. Essa
característica vem sendo associada à velocidade maior de início da
atividade antidepressiva, comparativamente com outros antidepressivos.
Normalmente, a venlafaxina é iniciada com uma dose de 37,5mg em
pacientes depressivos ou ansiosos. Se a dose for bem tolerada, é aumentada
após 4 a 7 dias, para 75mg/dia. Se o paciente não apresentar resposta, pode
ser aumentada em 75mg após 2 a 4 semanas, até um máximo de 225mg/dia.
A descontinuação abrupta da venlafaxina deve ser evitada, em função de
sintomas de descontinuação.
2.12. Bupropiona
Atua como antagonista dos receptores de noradrenalina e dopamina. É uma
boa alternativa para pacientes com sintomas de anergia e anedonia. Como a
bupropiona eleva os níveis de duas monoaminas ativadoras, pode, algumas
vezes, aumentar os sintomas ansiosos.
É utilizada no tratamento da depressão, déficit de atenção e
hiperatividade, dependência de tabaco, hipotência sexual e obesidade. As
contraindicações incluem: bulimia nervosa, anorexia nervosa, uso de IMAO
nas últimas duas semanas. Por diminuir o limiar convulsivo, não deve ser
utilizada em pacientes com epilepsia nem em associação a outras
medicações que diminuam o limiar convulsivo.
Normalmente, inicia-se com a dose de 150 mg/dia. Se não houver
resposta após 2 a 4 semanas de tratamento, a dose pode ser aumentada para
150mg, duas vezes ao dia. Os efeitos colaterais da medicação podem ser
melhor visualizados na tabela 4.
Tabela 4 - Efeitos colaterais da bupropiona
Neurológicos Cefaleia
2.13. Mirtazapina
Seu principal mecanismo de ação é o bloqueio dos receptores ɑ-2-
adrenérgicos. Atua ainda bloqueando receptores serotoninérgicos e
histaminérgicos. No entanto, diferentemente dos duais, a mirtazapina exerce
esse efeito por um mecanismo independente do bloqueio dos
transportadores de monoaminas. Esses dois mecanismos, o bloqueio do
transporte de monoaminas e o antagonismo ɑ2, são sinérgicos, o que faz
com que seu bloqueio simultâneo proporcione uma desinibição muito mais
potente desses dois neurotransmissores quando comparado ao bloqueio por
apenas um mecanismo.
Assim, a mirtazapina costuma ser combinada com um dual para o
tratamento de casos de depressão que não respondem ao dual isoladamente.
Alguns autores chamam essa combinação de “combustível para foguetes da
Califórnia”, por sua ação antidepressiva poderosa.
Usualmente se inicia a mirtazapina com 15 mg à noite (pelo seu efeito
sedativo). Para pacientes que não respondem após 2 a 4 semanas de
tratamento, deve-se aumentar a dose para 30 mg, até uma dose máxima de
45 mg. Os efeitos colaterais da medicação podem ser mais bem
visualizados na tabela 5
Cardiovascular Hipotensão
2.14. Trazodona
A trazodona apresenta um bloqueio poderoso dos receptores
serotoninérgico 5HT2A, bloqueio dose-dependente do receptor 5HT2C e do
transportador da serotonina. Além disso, também bloqueia os receptores
ɑ1-adrenérgicos e tem uma propriedade singular de antagonismo dos
receptores de histamina 1 (H1).
Em altas doses, a trazodona satura o SERT, promovendo ações
antidepressivas. Por sua vez, em doses mais baixas, o fármaco perde as
ações antidepressivas, mas conserva ações antagonistas nos receptores
5HT2A, ɑ1 e H1 e sua eficácia hipnótica correspondente. Na tabela 6 há
algumas informações adicionais da trazodona.
Tabela 6 - Trazodona
Liberação imediata: 5 a 9h
Tempo de ½ Vida
Liberação lenta: 11h
Referências
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effects – UpToDate. UpToDate. 2020. p. 1-15.
SIGLAS
1. MECANISMOS DE AÇÃO
O lítio foi a primeira medicação descoberta com função para estabilizar e
evitar oscilações de humor. O uso de lítio para o manejo do transtorno bipolar
foi publicado pela primeira vez em 1949, mas não obteve a aprovação da Food
and Drug Administration (FDA) dos EUA até 1970. A utilização tardia do lítio
no mercado norte-americano é atribuída aos relatos de grave intoxicação e
morte que levaram à retirada da comercialização desse medicamento no início
da década de 1950.
Perspectivas históricas postularam que os distúrbios de humor surgem de
mudanças iônicas e alterações na permeabilidade da membrana, o que leva a
prejuízos diretos na excitabilidade e na transmissão neurais. Dado que o lítio
era uma das poucas opções para tratamento do transtorno bipolar, foi
documentado que os efeitos do lítio incidem em muitos sistemas de
neurotransmissores e neuromoduladores, incluindo os sistemas
monoaminérgicos, serotoninérgicos, colinérgicos e GABAérgicos.
O lítio modifica o transporte de sódio nas células nervosas e
musculares. Ele altera o metabolismo dos neurotransmissores, especificamente
catecolaminas e serotonina. Pode alterar a sinalização intracelular via sistemas
de segundos mensageiros pela inibição do monofosfato de inositol. Essa
inibição, por sua vez, afeta a neurotransmissão pelo sistema de segundo
mensageiro do fosfatidilinositol. O lítio também diminui a atividade da
proteína quinase C, que altera a expressão gênica associada à
neurotransmissão. O lítio parece aumentar as proteínas citoprotetoras e
possivelmente ativa a neurogênese e aumenta o volume da substância
cinzenta.
O mecanismo de ação do ácido valproico ou valproato de sódio (ambos
têm como composto estável o divalproato de sódio) se estabelece de duas
maneiras: agindo sobre os níveis de GABA (ácido Y aminobutírico) no
sistema nervoso central, bloqueando os canais iônicos dependentes de
voltagem e também inibindo a histona deacetilase. A atividade inibitória
GABAérgica prejudicada é a fisiopatologia estabelecida da iniciação e
propagação das crises convulsivas, visto que o controle dessa via é um alvo
potencial para drogas antiepilépticas. O ácido valproico também pode exercer
efeitos reduzindo o disparo de alta frequência dos neurônios pelo bloqueio dos
canais de sódio, potássio e cálcio dependentes de voltagem. Além disso,
o ácido valproico afeta os sistemas de sinalização que interferem de forma
semelhante no metabolismo do inositol e do araquidonato. O uso
de valproato de sódio desempenha um papel na expressão de vários genes
envolvidos na sobrevivência celular, na regulação da transcrição, na
homeostase de íons, na transdução de sinal e em modificações do
citoesqueleto. Tanto o efeito bioquímico imediato quanto as influências
gênicas de longo prazo podem explicar o efeito clínico
do ácido valproico como anticonvulsivante e como estabilizador de humor.
A carbamazepina é indicada pelo FDA para episódios agudos maníacos e
mistos no transtorno bipolar I. A carbamazepina é responsável por uma
modulação dos canais de sódio dependentes de voltagem (VGSC), causando
inibição dos potenciais de ação e diminuição da transmissão sináptica.
Os pesquisadores propuseram que a carbamazepina mantém o canal de sódio
em estados inativados, fazendo com que menos canais se abram e, portanto,
inibe a geração de potenciais de ação. A carbamazepina também se liga a
outros canais iônicos dependentes de voltagem, como os canais de cálcio.
O mecanismo de ação da lamotrigina não é totalmente compreendido.
Acredita-se que a lamotrigina se liga seletivamente aos canais de sódio,
estabilizando as membranas neuronais pré-sinápticas e inibindo a liberação de
glutamato. Há uma teoria de que a lamotrigina pode interagir com canais
dependentes de cálcio ativados por voltagem, contribuindo para sua ampla
faixa de atividade.
1.1. E na prática?
Carbonato de lítio
O lítio é administrado por via oral na forma de comprimido. Está disponível
nas formulações de liberação controlada de 450 mg ou em de liberação
imediata em comprimidos de 300 mg. A dose inicial pode ser 600 mg/dia
divididos em duas tomadas.
O lítio é bem absorvido, se liga minimamente às proteínas séricas e não é
metabolizado pelo fígado, sendo excretado pelos rins em aproximadamente 24
horas. Compete com o sódio para a reabsorção nos túbulos proximais e, por
essa razão, uma dieta pobre em sódio, perda de sódio ou desidratação pode
levar a um aumento na reabsorção de lítio, aumentando seu nível sérico. As
concentrações plasmáticas máximas são alcançadas dentro de 1-2 horas, com
preparação de liberação imediata ou dentro de 4-5 horas com formulações de
liberação prolongada. A meia-vida média do lítio é de aproximadamente 28
horas no cérebro e 16 horas no soro. É essencial monitorar periodicamente os
níveis de lítio no sangue, pois ele exibe uma janela terapêutica estreita, o que
implica risco de toxicidade. Embora a titulação dos sais de lítio varie
gradualmente de acordo com a resposta do paciente e tolerabilidade, os níveis
séricos de 0,6-1,2 mEq/L são os mais indicados para a terapia de manutenção.
No entanto, concentrações mais altas como 1,0-1,5 mEq/L podem ser
necessárias para a terapia aguda. O risco de efeito tóxico agudo de lítio é
aumentado quando os níveis séricos ultrapassam 2,0 mEq/L, particularmente
em indivíduos com comprometimento da função renal, alterações cardíacas ou
disfunções tireoidianas. O monitoramento deve ser feito pelo menos 5 dias
após a estabilização da dose. É preciso que haja jejum de 12 horas (com
tolerância de até 2 horas para mais ou para menos) da tomada do lítio antes da
coleta do exame. Em seguida, é preciso a verificação dos níveis de lítio sérico
a cada 6 meses, em caso de crises, surgimento de sinais de intoxicação ou após
reajuste de dose. Também é importante monitorar os pacientes quanto à
desidratação e reduzir a dose quando houver sinais de infecção, sudorese
excessiva ou diarreia.
Os efeitos terapêuticos evidenciam-se cerca de 1 a 3 semanas após
introdução do lítio. Uma única dose noturna pode ser considerada para
minimizar os efeitos colaterais em pacientes estabilizados. Doses mais baixas
e níveis séricos mais baixos de lítio são preferíveis em pacientes idosos. Se os
pacientes não mostrarem uma resposta adequada, o médico deve considerar o
aumento. A descontinuação rápida aumenta o risco de recaída. Algumas
medicações aumentam os níveis séricos de lítio, incluindo diuréticos
(especialmente tiazídicos), anti-inflamatórios não esteroidais, como
ibuprofeno e inibidores da COX-2, além dos inibidores da enzima de
conversão da angiotensina. O metronidazol aumenta os níveis de lítio ao
diminuir sua depuração renal. Carbamazepina, fenitoína e metildopa podem
aumentar a toxicidade do lítio.
Diabetes
Bradicardia Confusão insipidus Leucocitose Bócio Diarreia Acne
nefrogênico
Hiper-
Achatamento Anemia Erupção
reflexia Poliúria Náuseas
de onda T aplásica na pele
Tremores
Ácido valproico
A dose inicial para o tratamento da mania aguda é 250 mg 3 vezes ao dia. O
aumento deve ser gradual de 250 mg por dia ou a cada dois dias para evitar
sedação excessiva. Para a forma de liberação prolongada, a dose inicial é de
25 mg/kg uma vez ao dia, progredindo de forma rápida até 60 mg/kg/dia na
tentativa de atingir o efeito desejado.
O uso de ácido valproico pode apresentar múltiplas reações adversas
graves, como hepatotoxicidade, alucinações, suicídio, psicose, síndrome de
Stevens-Johnson, hiponatremia, SIADH (síndrome da secreção inapropriada
do hormônio antidiurético), pancreatite, trombocitopenia, pancitopenia,
mielossupressão, hipotermia, anemia aplástica, sangramento, eritema
multiforme, síndrome do ovário policístico, pseudoatrofia cerebral,
encefalopatia e coma. A interrupção abrupta da droga pode causar convulsões
de abstinência.
As reações mais comuns que foram relatadas em pacientes que usam ácido
valproico são cefaleia, dor abdominal, sonolência, tontura, trombocitopenia,
astenia, náusea, vômito, diarreia, tontura, tremor, alterações de peso, alopecia,
constipação, labilidade emocional, insônia, petéquias, equimoses, nervosismo,
alterações do apetite, elevação de ALT e AST, zumbido, visão turva, nistagmo,
fotossensibilidade, mialgia e dispneia.
O ácido valproico é contraindicado em pacientes com doenças hepáticas
graves, insuficiência hepática significativa, hipersensibilidade aos
componentes do medicamento e classe de medicamentos, distúrbios do ciclo
da ureia, distúrbios mitocondriais ou suspeitos de distúrbios em pacientes <2
anos de idade e gravidez.
Além disso, o uso de ácido valproico requer cautela em pacientes com
menos de 2 anos de idade, idosos, insuficiência renal, distúrbios cerebrais
orgânicos, distúrbios metabólicos congênitos, mielossupressão e doença
hepática.
Pode causar malformações congênitas graves, como defeitos do tubo
neural e menores escores de QI após a exposição intraútero. Além disso, a
exposição intraútero ao ácido valproico se correlaciona com um risco
aumentado de transtornos do espectro autista em crianças.
Os testes da função hepática devem ser monitorados no início e depois
com frequência, especialmente durante os primeiros seis meses de tratamento.
O nível sérico do medicamento (nível terapêutico para epilepsia: 50 a 100
mcg/ml e para mania 50 a 125mcg ml) e níveis tóxicos: >175 mcg/ml. Como
o valproato se liga às proteínas, é importante testar os níveis livres na presença
de hipoalbuminemia.
Carbamazepina
A carbamazepina está disponível em comprimidos convencionais de 200
mg. A dosagem inicial é de 200 mg duas vezes ao dia em adultos e 100 mg
duas vezes ao dia em crianças menores de 12 anos.
Os efeitos colaterais mais comuns da carbamazepina incluem tonturas,
sonolência, ataxia, náuseas e vômitos. De forma mais rara, alguns estudos
mostraram um aumento significativo na incidência de reações dermatológicas,
como síndrome de Stevens-Johnson, erupções maculopapulares e reação
medicamentosa com eosinofilia e sintomas sistêmicos (síndrome DRESS).
Outros efeitos colaterais graves incluem depressão do sistema nervoso central,
hepatotoxicidade, toxicidade renal e hiponatremia. A hiponatremia é leve,
transitória e reversível. Devido à atividade anticolinérgica leve,
a carbamazepina pode aumentar o risco de delirium na população idosa. Esse
efeito também pode causar retenção urinária, aumento da pressão intraocular e
constipação.
Esse medicamento é teratogênico e é um medicamento da categoria D na
gravidez. Os médicos só devem usá-la se os benefícios superarem o risco
aumentado de malformação congênita. Essas malformações incluem espinha
bífida, defeito craniofacial, malformação cardiovascular, hipospádia e atrasos
no desenvolvimento. O nível plasmático é reduzido durante a gravidez,
provavelmente relacionado ao aumento do metabolismo. A
carbamazepina pode atravessar a placenta e também pode ser transferida por
meio do leite materno. Carbamazepina tem um efeito teratogênico
relativamente baixo em comparação ao ácido valproico.
Lamotrigina
Os comprimidos de lamotrigina estão presentes na apresentação de 25 mg, 50
mg e 100 mg. Para o transtorno afetivo bipolar tipo I a dose de manutenção
recomendada é de 200 mg a 400 mg. A titulação da dose deve ser lenta: iniciar
com 25 mg com aumentos sucessivos de 25 mg a cada duas semanas.
Alcançando a dose de 100 mg/dia, a progressão se segue com aumentos de 50
mg também a cada duas semanas até a dose almejada. A subida paulatina
diminui o risco do desenvolvimento da síndrome de Stevens-Johnson. A
dosagem de lamotrigina requer alteração se for administrada
concomitantemente com carbamazepina, fenitoína, fenobarbital, rifampicina,
atazanavir e ácido valproico.
Se for necessário interromper a lamotrigina, isso deve ser feito de forma
gradual ao longo de duas semanas, se possível. Existe a possibilidade de
convulsões de abstinência ao interromper a lamotrigina de forma abrupta.
A lamotrigina pode causar erupções cutâneas graves. A gravidade da
erupção varia, mas inclui o risco de síndrome de Stevens-Johnson. Quase
todos os casos de erupção cutânea ocorrem 2 a 8 semanas após o início da
lamotrigina. Também deve ser mencionado que a descontinuação da
lamotrigina pode não impedir que uma erupção se torne fatal, e a educação do
paciente deve incluir o monitoramento contínuo da erupção para melhora após
a descontinuação da medicação.
A avaliação do sexo, da idade e do uso de anticoncepcionais são essenciais
para a consideração de iniciar a lamotrigina. Embora alguns estudos em
humanos não tenham demonstrado um risco aumentado de malformações
congênitas durante a terapia com lamotrigina durante a gravidez, os estudos
em animais mostraram que existe esse risco. A lamotrigina está presente no
leite materno e é detectável no sangue de bebês amamentados. Os sintomas da
lamotrigina em bebês incluem dificuldade de sucção, sonolência, erupção na
pele e apneia. Esses sintomas podem melhorar com a descontinuação da
lamotrigina.
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SIGLAS
2. FARMACODINÂMICA
Os benzodiazepínicos e as drogas Z atuam como moduladores alostéricos
positivos no local de ligação do GABA-A, potencializando seu efeito inibitório.
Os primeiros se ligam inespecificamente às subunidades alfa-1, alfa-2 e alfa-3
do receptor GABA-A pós-sináptico e com as subunidades do tipo gama. Já os
segundos possuem maior afinidade por um subconjunto das subunidades alfa,
principalmente o subtipo de receptor alfa-1. A ligação dela é responsável pelos
efeitos hipnóticos e cognitivos, enquanto a ligação às subunidades alfa-2 e alfa-3
é responsável pelos efeitos ansiolíticos, anticonvulsivantes e miorrelaxantes.
Como falado anteriormente, os benzodiazepínicos têm propriedades
hipnóticas, sedativas e ansiolíticas. Essas propriedades são o resultado do
aumento da atividade do principal neurotransmissor inibitório no sistema
nervoso central, ácido gama-aminobutírico (GABA). Os benzodiazepínicos se
ligam aos receptores no complexo receptor GABA-A, causando efeitos
inibitórios em todo o cérebro, incluindo sonolência e comprometimento
cognitivo, redução de sintomas afetivos desagradáveis, como medo e ansiedade
(sistema dopaminérgico mesolímbico), comprometimento da memória e ações
anticonvulsivantes (hipocampo) e comprometimento do equilíbrio, controle
motor, tônus muscular e coordenação (cerebelo e outras áreas motoras). Os
BZDs atuam em associação aos receptores GABA, aumentando o canal
inibitório de cloro na membrana pós-sináptica, levando à potencialização do
GABA-A endógeno, potencializando os efeitos inibitórios cerebrais. Os BZDs
dependem da disponibilidade de GABA endógena para sua atuação inibitória.
Ansiedade
Ansiolítico e Sistema límbico, neurônios motores e
Abstinência alcoólica
miorrelaxamento corno dorsal da medula espinhal
Espasmo muscular
3. FARMACOCINÉTICA
Os benzodiazepínicos são rapidamente absorvidos por via oral. Após a ingestão,
os efeitos de pico ocorrem dentro de 30 minutos a 2 horas (vide quadro 2). Os
medicamentos mais lipossolúveis (por exemplo, diazepam) entram no sistema
nervoso central mais rapidamente. Os benzodiazepínicos variam na velocidade
com que são metabolizados e vários mecanismos diferentes estão envolvidos.
Dependendo de sua estrutura metabólica, os benzodiazepínicos podem ser
classificados entre os de ação curta, média ou longa.
O midazolam, por exemplo, é considerado um benzodiazepínico de início de
ação rápida, entre 2 a 10 minutos, dependendo da via de administração, e de
meia-vida curta, com duração de algumas horas, e especialmente útil em casos
de sintomas de insônia inicial. Por sua vez, o diazepam é um benzodiazepínico
de ação prolongada, com meia-vida de 24 a 36 horas, e é uma droga útil para
sintomas de insônia intermediária ou para insônia terminal. Contudo, o efeito
residual pode causar sonolência diurna, sintomas cognitivos e motores. Agentes
BZDs de meia-vida intermediária ou longa produzem efeitos ansiolíticos no dia
seguinte, sendo, portanto, indicados para os casos com sintomas de ansiedade.
Apesar de a alta prevalência de sintomas de insônia na sociedade e do uso de
hipnóticos ser frequente, existem poucos estudos de longo prazo comprovando a
segurança do uso em tratamento de manutenção.
Para a maioria dos benzodiazepínicos, a meia-vida de eliminação é
significativamente maior que a duração da ação clínica. Como são rapidamente
redistribuídos no tecido adiposo após a absorção, os efeitos clínicos visíveis
desaparecem após algumas horas. No entanto, os medicamentos podem
continuar a exercer efeitos sutis e, com doses repetidas, ocorre acúmulo no
tecido adiposo. Devido à liberação lenta do tecido adiposo, os
benzodiazepínicos podem ser detectados nos testes de urina semanas a meses
após a interrupção do uso de benzodiazepínicos.
Bifásico: Risco de
fase acumulação
rápida 3 devido a
Rápido horas; metabólitos de
Diazepam Valium 5 e 10mg
(30-90 minutos) meia- ação prolongada
vida de (temazepam,
20 a 48 desmetildiazepam,
horas oxazepam)
Nome Nome Velocidade de ação; Meia-
Apresentações Comentários
Genérico Comercial pico de concentração vida
Maior risco de
Rápido abuso devido à
Bromazepam Lexotan 3mg e 6mg 20 horas
(30 min a 4 horas) maior solubilidade
lipídica
Preferido para
pacientes com
Intermediário 12 a 16
Lorazepam Lorax 1mg e 2mg insuficiência
(2 horas) horas
hepática, pois não
possui metabólitos
Eszopiclona 1 a 3 mg 6h a 7 h 1 a 1,5 h
4. EVENTOS ADVERSOS
4.1. Efeito residual
Esse é um fenômeno que está intimamente relacionado com a meia-vida e doses
usadas de benzodiazepínico e drogas Z. Geralmente os BZDs de meia-vida mais
longa ou doses que ultrapassam a faixa terapêutica dos BZDs de maia-vida curta
costumam oferecer um risco maior para a ocorrência de efeitos residuais. Além
desses, são também fatores determinantes a idade do paciente, doses repetidas,
doenças hepáticas e renais. Os efeitos residuais podem incluir sedação,
sonolência, alteração de memória (como amnésia anterógrada), raciocínio lento
e transtornos de atenção. Especialmente com as drogas Z, os efeitos adversos de
parassonia (como comer dormindo, falar durante a noite, atividade sexual
durante o sono e dirigir durante o sono), amnésia e alucinações foram
amplamente reportadas ao longo das décadas.
4.2. Tolerância
É comum o paciente que já faz uso de um benzodiazepínico por um tempo mais
prolongado relatar que a medicação já não faz mais o mesmo efeito de antes e
procurar o atendimento médico com a intenção que o profissional aumente a
dose do fármaco. Nesse momento, não devemos simplesmente renovar uma
receita com uma dosagem maior ou com mais comprimidos; é nosso objetivo
orientar esses pacientes acerca do estágio em que aquele tratamento se encontra,
buscando realizar psicoeducação para evitar a dependência e reavaliar a
necessidade de continuação desse medicamento.
A tolerância é um fenômeno farmacodinâmico que tem relação diretamente
proporcional à capacidade de ligação à subunidade alfa-1 do receptor GABA e à
perda progressiva dos efeitos terapêuticos após um período de tempo de uso da
medicação em doses terapêuticas. Há necessidade de doses progressivamente
maiores e/ou em espaços de tempo menores para obter os mesmos efeitos
desejados.
A tolerância aos fármacos se desenvolve pelo uso repetido das medicações.
As concentrações plasmáticas de BZDs e seus metabólitos no estado
estacionário são atingidas após cerca de cinco meias-vidas de eliminação,
geralmente alguns dias a duas semanas após o início da terapia. Alguns dias
depois de chegar a um estado estável de concentração plasmática, os pacientes
podem começar a experimentar uma perda de efeito dos benzodiazepínicos,
devido a uma variedade de mecanismos neuroadaptativos e fisiológicos.
A tolerância aos diferentes efeitos dos benzodiazepínicos se desenvolve em
diferentes velocidades e em diferentes graus e pode nunca ser completa. O grau
de tolerância difere entre os pacientes. Uma alta proporção de pacientes com
epilepsia desenvolve tolerância aos efeitos anticonvulsivantes dentro de algumas
semanas. Isso é semelhante aos pacientes com distúrbios de espasticidade e os
efeitos relaxantes musculares.
Tal efeito também é presente nos agonistas seletivos de receptores
benzodiazepínicos, onde se observa o aumento na procura por atendimentos de
emergência por efeitos adversos relacionados ao uso prolongado e excessivo de
comprimidos ou relacionados à parada abrupta de algum representante dessa
classe. Além disso, já existem diversos relatos de casos de pacientes que usaram
doses superiores a 1.200 por dia de zolpidem.
5. EFEITOS COLATERAIS
5.1. Comprometimento cognitivo
A administração aguda dos benzodiazepínicos pode induzir sedação e
sonolência, além de prejuízo no aprendizado, desaceleração psicomotora e
amnésia anterógrada. Um aspecto importante que vem sendo motivo de debates
é a capacidade de dirigir veículos dos pacientes que fazem uso de BZDs, já que
esses são associados a um aumento de 60% a 80% no risco de acidentes de
trânsito. Comportamento de dirigir ainda sob efeitos residuais das drogas Z vem
sendo observado em diversos relatos de casos, mas poucos desses estudos
utilizaram o exame polissonografia para auxiliar no achado; logo, essas
ocorrências podem também estar envolvidas com uso de outras substâncias
como álcool ou sonambulismo preexistente.
O uso prolongado de benzodiazepínicos tem sido associado a
comprometimento cognitivo significativo no longo prazo. Além disso, foi
observado aumento do risco de demência em vários estudos.
5.3. Depressão
Os pacientes que tomam benzodiazepínicos podem experimentar um
agravamento de um transtorno depressivo prévio ou um primeiro episódio
depressivo que aparece durante o uso do benzodiazepínico. Isso ocorre
principalmente pelo fato de essas medicações provavelmente reduzirem a
produção de neurotransmissores como a serotonina e noradrenalina.
6. BENZODIAZEPÍNICOS EM SITUAÇÕES
ESPECIAIS
6.1. Benzodiazepínicos e gravidez
Os benzodiazepínicos atravessam a barreira placentária; dessa maneira, devem
ser considerados os possíveis efeitos na gestação e no feto. Em diversos estudos,
incluindo os de grande quantidade populacional em coorte, não foi evidenciado
um aumento significativo no risco de malformações congênitas em gestantes
que fizeram uso de benzodiazepínicos. Algumas malformações já foram
associadas a essas medicações, como a presença de fenda labial, mas neles são
se abordam sobre fatores de confundimento, como indicação de uso do
medicamento, comorbidades e uso de outros remédios.
Altas doses de benzodiazepínicos, especialmente próximo ao parto, estão
associadas à hipotonia, à sonolência, à irritabilidade, a tremores e à dificuldade
na alimentação, além de baixos escores de Apgar, como desfecho da má
adaptação neonatal em até 25% dos expostos. Poucos estudos tentam avaliar a
exposição pré-natal e as repercussões danosas no desenvolvimento infantil, e os
que se propõem a isso não encontram associações significativas quando são
controlados para os fatores de confundimento.
6.2. Amamentação
Os benzodiazepínicos passam para o leite materno e devem ser utilizados com
cautela em mães que amamentam. Há relatos de reações adversas a bebês
(hipotonia, sonolência e apneia) cujas mães tomaram diazepam e clonazepam.
Apesar disso, em estudos de coorte, índices baixos de efeitos no bebê foram
referidos, à exceção do efeito sedativo no lactente. Algumas entidades tentam
monitorar os efeitos colaterais relacionados ao uso de substâncias e o
aleitamento materno, lorazepam e midazolam foram achados em níveis baixos e
são considerados seguros e sem necessidade de vigilância.
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SIGLAS
• BZD Benzodiazepínico
• GABA Ácido Gama-aminobutírico
• TP Transtorno de Pânico
• FDA Food and Drug Administration
• SAA Síndrome de Abstinência Alcóolica
As anfetaminas são aminas simpaticomiméticas, derivadas da efedrina
(encontrada na planta chinesa ma-huang ou ephedra) e da adrenalina, que
possuem atividade estimulante central e periférica. Em 1887, na Alemanha, foi
sintetizada a primeira anfetamina, a fenilisopropilamina, usada, inicialmente,
para hipotensão e como descongestionante nasal. A partir daí, foram sintetizadas
outras substâncias derivadas e seu uso foi associado a outras condições.
Constituem assim a estrutura prototípica dos psicoestimulantes sintéticos e que
possuem vários derivados que, conforme veremos, tanto podem ter efeito
terapêutico quanto levar a abuso e dependência.
Os psicoestimulantes produzem vários efeitos a depender da dose utilizada.
Doses baixas aumentam a atenção e a energia, promovem melhora cognitiva e
sociabilidade, enquanto reduzem a fadiga, a estimulação sexual e o apetite. Em
doses moderadas, causam euforia, comprometimento cognitivo e, em alguns
casos, alucinações. Altas doses geralmente produzem tremores, vômitos,
convulsões tônico-clônicas, agitação, ansiedade, psicose e hipertermia. O uso a
longo prazo pode levar à chamada “psicose por anfetamina” caracterizada por
alucinações e paranoia.
A ocorrência de alguns efeitos desejáveis, como a diminuição de apetite,
estimulação da atividade intelectual e supressão da fadiga fizeram seu uso se
expandir rapidamente, sendo inclusive empregadas pelas forças armadas
americanas no início da Segunda Guerra Mundial, para evitar fadiga e manter os
soldados alertas. Apesar da identificação dos riscos já mencionados, o consumo
continuou crescendo e, no final dos anos 1930, essas substâncias já eram
largamente aceitas e utilizadas nos EUA.
Em 1957, Maurice Lauffer, psiquiatra infantil e diretor da Bradley Home,
cunhou o termo “desordem hipercinética da infância” e a associação entre essas
substâncias e um transtorno infantil que tinha em seu centro a hiperatividade
começou a ser construída, sendo essa a base para o uso no transtorno de déficit
de atenção/hiperatividade (TDAH). Assim, os psicoestimulantes foram os
primeiros protagonistas do uso de medicamentos na prática da psiquiatria
infantil, que começou a ocorrer a partir da segunda metade dos anos 1950.
Quase todas essas substâncias apresentam potencial de abuso, com doses
recreativas muito maiores do que as prescritas pelos médicos para aplicações
terapêuticas. Elas podem induzir dependência, tolerância e sintomas de
abstinência. Fadiga e ansiedade podem aparecer quando o uso é interrompido e
os efeitos da substância desaparecem. Esses sintomas de abstinência (crash) são
mais intensos quando doses altas ou repetidas são administradas, enquanto
depressão e letargia podem aparecer.
Dessa forma, ao longo dos anos, o uso de psicoestimulantes tornou-se
generalizado, ocorrendo tanto em atividades recreativas quanto em condições
clínicas. Eles incluem:
4. ANFETAMINA
A anfetamina bloqueia os transportadores de noradrenalina e de dopamina (NAT
e DAT), de modo competitivo, ao se ligar no sítio onde as monoaminas se
conectam com o transportador, inibindo a recaptação de NA (noradrenalina) e
de DA. Após inibição competitiva do transportador, a anfetamina é transportada
de “carona” para dentro da célula. Quando presente em altas quantidades, como
as que ocorrem no uso abusivo, a anfetamina também é um inibidor competitivo
do VMAT. Desse modo, quando a anfetamina pega outra carona nas vesículas
sinápticas, ela desloca e libera a DA, produzindo inundação de DA intracelular.
Conforme a DA se acumula no citoplasma do neurônio pré-sináptico, ela é
expelida do terminal por meio de dois mecanismos: a abertura dos canais para
descarga de DA na sinapse e a inversão na direção do DAT. Ou seja, atua
inibindo a recaptação da NA e DA para que ela mesma seja transportada. Essa
rápida liberação de DA está relacionada a reforço, recompensa e euforia e pode
levar a uso abusivo. Por sua vez, o efeito de início lento e em menor grau pode
ser consistente com ações antidepressivas e melhora da desatenção no TDAH.
4.1. E na prática?
Lisdexanfetamina
O dimesilato de lisdexanfetamina (lisdexanfetamina) é um medicamento
farmacologicamente inativo, pró-droga da dextroanfetamina (dexanfetamina, d-
anfetamina) com o aminoácido L-lisina ligado a d-anfetamina. Foi
originalmente desenvolvido com o objetivo de fornecer uma duração de ação
mais longa e um potencial reduzido de abuso.
É aprovada pelo FDA para o tratamento de TDAH em crianças (a partir dos
6 anos) e adultos. É o primeiro medicamento a ser aprovado nos EUA para o
tratamento de Transtorno de Compulsão Alimentar (TCA) moderada a grave em
pacientes adultos. No caso do TDAH, está indicada quando não houve resposta
ao metilfenidato que, conforme veremos, é a droga de primeira escolha nesses
pacientes. Também pode ser prescrita nos casos de narcolepsia e depressão
resistente ao tratamento.
Após a ingestão, a parte farmacologicamente ativa, a d-anfetamina, é
liberada de forma gradual por meio de hidrólise. Apresenta pico de ação em
torno de 3,5 horas e as meias-vidas da lisdexanfetamina e d-anfetamina são 0,4
e 10,1 horas, respectivamente. A absorção não parece ser afetada por alimentos,
podendo ser ingerido tanto no estado alimentado quanto em jejum. A excreção
renal é a principal via de eliminação do pró-fármaco intacto, bem como da d-
anfetamina e seus metabólitos.
A dose inicial é de 30 mg administrado uma vez ao dia pela manhã, com ou
sem alimentos. A dosagem pode ser subsequentemente titulada para cima em
incrementos de 10 ou 20 mg/dia em intervalos de 1 semana; a dose máxima
recomendada é de 70 mg/dia. A dose terapêutica para TDAH varia entre 30-
70mg/dia, enquanto a dose para TCA costuma ser entre 50-70mg/dia. Devido à
ação prolongada, pode ser administrada por via oral uma vez ao dia,
preferencialmente pela manhã, para obter os efeitos durante o dia e evitar a
insônia à noite. As cápsulas podem ser abertas e seu conteúdo dissolvido em
água sem perda de efeito. Pode levar várias semanas para atingir o benefício
terapêutico máximo.
O tratamento é geralmente bem tolerado, com um perfil de eventos adversos
típico dos estimulantes, sendo relatado com mais frequência diminuição do
apetite, dor de cabeça, redução de peso, insônia, irritabilidade, boca seca e
náuseas. Além disso, o tratamento com lisdexanfetamina está associado a
pequenos aumentos na pressão arterial e na frequência cardíaca. O uso a longo
prazo foi associado a um efeito supressor de crescimento em crianças, e, por
isso, altura e peso devem ser avaliados antes e continuamente durante o
tratamento. Alguns efeitos colaterais potencialmente perigosos incluem psicose,
convulsões, hipomania/mania e efeitos cardiovasculares. O perfil de
tolerabilidade parece ser semelhante em pacientes com TDAH e naqueles com
TCA.
A lisdexanfetamina tem um baixo potencial para interações medicamentosas,
pois não é metabolizada pelas enzimas do citocromo P450, e qualquer interação
envolvendo a droga provavelmente é devido à d-anfetamina e seus metabólitos.
A coadministração de anfetaminas com medicamentos serotoninérgicos como
inibidores de recaptação da serotonina podem aumentar o risco de síndrome
serotoninérgica, então, se essa associação não puder ser evitada, a
lisdexanfetamina deve ser iniciada em doses mais baixas com monitoramento
dos efeitos adversos. Além disso, deve ser usada com cautela com anti-
hipertensivos e não deve ser administrada concomitantemente ou dentro de 2
semanas após a interrupção do tratamento com inibidor da monoamina-oxidase
(IMAO) devido ao potencial de precipitar crise hipertensiva. Pode ter seus
efeitos estimulantes inibidos pelo haloperidol, clorpromazina e lítio.
Essa medicação deve ser evitada se o paciente tiver tiques ou síndrome de
Tourette, pois pode piorar os tiques, e nos casos de hipertireoidismo, glaucoma,
anormalidades cardíacas estruturais, doença cardiovascular, hipertensão grave
ou histórico de abuso de substâncias. Existem dados limitados sobre o uso de
lisdexanfetamina em pacientes com mais de 65 anos e, devido à redução da
depuração com a idade, pode ser necessário reduzir a dose em idosos.
Dados sobre a segurança de medicamentos estimulantes no início da
gravidez são limitados. Estudos em animais sugerem que as anfetaminas em
doses muito altas podem aumentar o risco de malformações cardíacas ou outras
malformações. Estudos em humanos geralmente não encontraram um risco
aumentado de malformações quando esses medicamentos são utilizados
clinicamente, embora os dados sejam limitados.
Metilfenidato
O metilfenidato surgiu em 1944, sintetizado por Leandro Panizzon, químico de
uma indústria suíça, e o próprio, assim como sua esposa Marguerite, relatavam
fazer uso da nova substância como estimulante e tonificante do humor. Panizzon
nomeou, então, a substância de Ritalina®, em homenagem a esposa, que tinha
como apelido Rita. O metilfenidato foi utilizado, a princípio, para o tratamento
da fadiga crônica, letargia, depressão e narcolepsia. Assim, não foi
originalmente destinado ao tratamento de crianças com distúrbios de
comportamento.
Conforme vimos, os primeiros relatos do uso de psicoestimulantes na
psiquiatria infantil ocorreram no final dos anos 1950, mas foram entre os anos
1960 e 1970 que passou a se consolidar no meio médico e leigo o uso de
Ritalina® para tratar crianças com transtornos de comportamento. Considerando
as intervenções farmacológicas para TDAH, os medicamentos estimulantes são
considerados o tratamento de primeira linha, com o metilfenidato sendo a droga
de escolha há cerca de 50 anos e, atualmente, o psicoestimulante mais
consumido no mundo.
A comercialização do metilfenidato no Brasil teve início em 1998, quando a
Ritalina® foi inserida no mercado nacional e, desde então, o país vem
acompanhando a tendência mundial de crescimento do consumo desse
medicamento. A ampliação do diagnóstico do TDAH é uma das principais
causas desse aumento no consumo, com duas explicações possíveis: maior
capacidade dos profissionais de saúde em identificar a doença, que estaria desde
sempre presente na população, mas que era subdiagnosticada; e/ou a ocorrência
de uma banalização do diagnóstico, associado ao uso crescente, não prescrito,
por indivíduos que buscam seus efeitos estimulantes.
O metilfenidato é um derivado da piperidina, com estrutura similar à
anfetamina, que age bloqueando o NAT no córtex pré-frontal e o DAT no
nucleus accumbens por meio de uma ligação alostérica nesses transportadores
de monoaminas, aumentando a concentração desses neurotransmissores na
fenda sináptica. Observe que esse bloqueio é diferente do bloqueio competitivo
causado pelas anfetaminas, que se ligam no mesmo sítio onde as monoaminas se
conectam com o transportador.
O metilfenidato é comercializado no Brasil com os nomes comerciais
Ritalina®, Ritalina® LA e Concerta®, administrados por via oral. Esses
medicamentos possuem diferentes perfis de liberação no organismo: a Ritalina®
apresenta-se sob a forma farmacêutica de comprimidos de liberação imediata,
enquanto a Ritalina® LA como cápsulas de liberação modificada, e o Concerta®
como comprimidos de liberação prolongada. Vale destacar que as formulações
de liberação imediata estão associadas a um risco muito maior de uso indevido
do que de liberação prolongada, devido ao potencial de abuso.
Sua absorção por via oral é rápida e a ingestão de alimentos antes da
administração não parece alterar os efeitos farmacológicos substancialmente,
embora a absorção possa ser acelerada ou mais lenta, dependendo do teor de
gordura da refeição. A porcentagem de metilfenidato que se liga a proteínas
plasmáticas é baixa (em torno de 15%), cruzando rapidamente a barreira
hematoencefálica. O efeito clínico é percebido de 15 a 30 minutos após a
ingestão, e o pico plasmático ocorre em torno de 2 horas depois. Sua meia-vida
é de 3 horas, mas o efeito costuma durar em torno de 4 horas. É metabolizado
por meio da esterificação por enzimas intestinais e as enzimas do citocromo
P450 têm um papel metabolizador mínimo.
A dose média diária para o metilfenidato de liberação imediata no
tratamento de TDAH varia de 0,8 mg/kg/dia a 1,12 mg/kg/dia, administrado 2
ou 3 vezes ao dia. Em geral, deve-se começar com 5mg, aumentando 5 a 10mg
por semana, com recomendação de administrar a última dose antes das 18 horas,
para evitar insônia. Formulações de liberação prolongada podem ser usadas em
dose única diária, o que favorece a adesão.
O uso de metilfenidato não é recomendado em crianças menores de 6 anos
de idade, pois não são estabelecidos os critérios de segurança e efetividade para
essa faixa etária. O uso por curto prazo não costuma causar efeitos colaterais
graves. A maioria dos efeitos adversos é manejável e, geralmente, não é
necessário interromper o uso. Os efeitos adversos mais frequentes são
diminuição do apetite, insônia, elevação dos níveis pressóricos, taquicardia e
dor de cabeça. Está contraindicado nos casos de angina, arritmias cardíacas,
glaucoma, insuficiência cardíaca, hipertensão severa e hipertireoidismo. Os
possíveis eventos graves são o comportamento agressivo, a disfunção hepática,
o acidente cerebrovascular e a diminuição do crescimento. A retirada deve ser
gradual, pois pode causar fadiga, depressão e hiperatividade de rebote.
No grupo das gestantes, observa-se que o prolongamento do esvaziamento
gástrico que ocorre durante a gravidez, pode aumentar o tempo de pico
plasmático para o metilfenidato de liberação imediata. Além disso, o volume de
distribuição nessas pacientes pode afetar os efeitos terapêuticos e um ajuste de
dose pode ser necessário. A baixa ligação a proteínas plasmáticas e o baixo peso
molecular sugerem que o metilfenidato possa atravessar a barreira placentária e
atingir a circulação fetal, mas o risco de efeitos teratogênicos ainda é
desconhecido. Portanto, a decisão quanto ao uso deve ser individualizada,
considerando risco-benefício de cada caso. No aleitamento, a dose relativa do
bebê (a proporção da quantidade de medicamento ingerido pelo bebê em
comparação com a dose materna) encontrada em estudos é de 0,7%, sugerindo
pouca exposição infantil por meio do leite materno. Doses infantis inferiores a
10% são consideradas seguras para a lactação.
Indicações
Dose
Medicamento Apresentação (aprovadas Efeitos Adversos
Terapêutica
pelo FDA)
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SIGLAS
• DA Dopamina
• DAT Transportador de dopamina
• IMAO Inibidor da Monoamina-Oxidase
• MDMA 3,4-metilenedioximetanfetamina
• NA Noradrenalina
• NAT Transportador de Noradrenalina
• TCA Transtorno de Compulsão Alimentar
• TDAH Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade
• VMAT Transportador Vesicular de Monoaminas
Este capítulo dedica-se a esmiuçar particularidades dos psicotrópicos
(em ordem alfabética) mais comuns na vida do generalista. Pacientes com
especificidades como gestantes, lactantes, idosos, crianças e com
comorbidades clínicas são contemplados nestse capítulo.
1. ÁCIDO VALPROICO
Gestantes: é considerado de categoria de risco D. Verificou-se que o
ácido valproico atravessa a barreira placentária, causando um alto potencial
teratogênico nos fetos expostos a esse medicamento. Possui um alto risco
de causar malformações congênitas (aumentando o risco em cerca de cinco
vezes), além de provocar distúrbios no desenvolvimento neurológico.
Mulheres em idade fértil em uso dessa medicação devem utilizar métodos
contraceptivos efetivos sem interrupção durante todo o tratamento com o
ácido valproico, devendo informar imediatamente ao seu médico se
pretenderem engravidar. O uso durante o primeiro trimestre tem sido
associado a um risco de 3% a 5% de defeitos do tubo neural, bem como a
aumento do risco de outras malformações que afetam o coração e outros
órgãos. Está associado à teratogênese, sobretudo defeitos do tubo neural (p.
ex., espinha bífida); esse risco envolve cerca de 1% a 4% das mulheres que
recebem o ácido valproico durante o primeiro trimestre de gestação
(podendo-se tentar minimizar esses riscos com uso de suplementos diários
de ácido fólico, 1 a 4 mg ao dia). Ou seja, todas as mulheres em idade fértil
que usam o fármaco devem receber essa suplementação.
Lactantes: é excretado no leite humano. Logo, a decisão quanto à
descontinuação da amamentação ou da terapia com ácido valproico deve ser
feita levando em consideração o benefício da amamentação para a criança e
o benefício da terapia para a paciente. Em geral, as concentrações séricas
dessa substância nos lactentes variam de 1% a 10% das concentrações
séricas maternas; porém, não há dados sugerindo que essa ocorrência
represente risco para o bebê. Por conseguinte, em geral não é
contraindicado a lactantes.
Crianças e adolescentes: nos primeiros meses de vida ocorre uma
notável diminuição na capacidade de eliminação do íon valproato (quando
comparadas com crianças mais velhas e adultos); isto é, um resultado da
depuração reduzida, assim como o volume aumentado de distribuição.
Logo, crianças com idade inferior a 2 anos têm um aumento de risco
considerável de desenvolvimento de hepatotoxicidade, e esse risco diminui
progressivamente em pacientes mais velhos. Neste grupo de pacientes, o
ácido valproico deve ser utilizado com extrema cautela, devendo-se avaliar
cuidadosamente os riscos e os benefícios do tratamento. Acima de 2 anos,
experiência em epilepsia indicou que a incidência de hepatotoxicidade fatal
diminui consideravelmente. Crianças jovens, especialmente aquelas que
estejam recebendo medicamentos indutores de enzimas, vão requerer doses
de manutenção maiores para alcançar as concentrações de ácido valproico
desejadas. Esse grupo de pacientes deve ser monitorado de perto para o
desenvolvimento de lesão hepática aguda, com avaliações clínicas regulares
e monitoramento do teste da função hepática.
Idosos: devido a um decréscimo na depuração, é possível uma maior
sensibilidade à sonolência nos idosos. Logo, a dose inicial deverá ser
reduzida nesses pacientes. Se for necessário o aumento da dose, deve
ocorrer mais lentamente e com regular monitorização da ingestão de
alimentos e líquidos. A melhor dose terapêutica deverá ser alcançada com
base na resposta clínica e na tolerabilidade.
Insuficiência renal: a eliminação do ácido valproico e de seus
metabólitos ocorre principalmente na urina, em uma menor quantidade nas
fezes. Uma pequena redução (27%) na depuração do íon valproato não
ligado foi relatada em pacientes com insuficiência renal (depuração de
creatinina < 10 mL/minuto). No entanto, a hemodiálise tipicamente reduz as
concentrações de valproato em torno de 20%. Portanto, em geral, ajustes de
doses não são necessários em pacientes com insuficiência renal.
Insuficiência hepática: o ácido valproico é metabolizado quase
totalmente pelo fígado. Doenças hepáticas diminuem sua capacidade de
eliminação; logo, é contraindicada em doenças hepáticas ou disfunções
hepáticas significativas.
Os fatores de risco para hepatotoxicidade devido ao uso de ácido
valproico incluem: juventude (menos de 3 anos de idade), uso concomitante
de fenobarbital e presença de problemas neurológicos, especialmente erros
metabólicos inatos. Portanto, o risco dessa reação adversa em pacientes
psiquiátricos adultos é baixo. Mesmo assim, se ocorrerem sintomas como
letargia, mal-estar, anorexia, náusea, vômito, edema e dor abdominal,
decorrentes do uso do ácido valproico, o clínico deve considerar a
possibilidade de hepatotoxicidade grave.
As concentrações plasmáticas de carbamazepina, diazepam,
amitriptilina, nortriptilina, fluoxetina e fenobarbital podem se elevar quando
são coadministrados com o ácido valproico, e as de fenitoína e desipramina
podem diminuir nas mesmas circunstâncias. Pessoas tratadas com
anticoagulantes (p. ex., aspirina e varfarina) também devem ser
monitoradas quando o uso do ácido valproico é iniciado, a fim de avaliar o
desenvolvimento de possível potencialização indesejada dos efeitos
anticoagulantes. Pode interagir com o lítio, aumentando o tremor, e com
clozapina, aumentando a sedação.
Contraceptivos hormonais contendo estrogênio podem aumentar
o clearance do ácido valproico, o que pode diminuir a concentração de
valproato e aumentar a frequência de crises epiléticas. Recomenda-se que
os médicos monitorem os níveis séricos de ácido valproico e sua resposta
clínica quando houver introdução ou retirada de medicamentos contendo
estrogênio, preferencialmente durante os intervalos do ciclo de
contraceptivos hormonais.
O ácido valproico mais que duplica as concentrações da lamotrigina, o
que aumenta o risco de uma erupção grave (síndrome de Stevens-Johnson e
necrólise epidérmica tóxica).
2. ALPRAZOLAM
Gestantes: o uso do alprazolam durante a gestação não foi associado a
maior risco de alterações congênitas, nem alterações cardíacas
especificamente. Contudo, a associação dessa classe de medicamentos com
antidepressivos apresentou aumento significativo no número de
malformações congênitas, devendo ter o uso reavaliado nesses casos.
Importante lembrar que os benzodiazepínicos estão associados ao risco de
adição física, com importantes sintomas em caso de abstinência, incluindo
sinais de abstinência do recém-nascido em mães que usaram maiores doses
no último trimestre.
Lactantes: o uso de alprazolam nessa fase deve ser evitado devido a
relatos de sonolência dos lactentes, principalmente em neonatos ou
prematuros.
Crianças e adolescentes: a administração de alprazolam só é aprovada
para pacientes acima de 18 anos.
Idosos: recomenda-se fazer uso com menor dose possível e com
aumento mais lento e gradual de alprazolam devido à maior sensibilidade a
benzodiazepínicos nessa faixa etária.
Insuficiência renal: uma vez que a excreção do alprazolam e de seus
metabólitos seja renal, recomenda-se reajuste da dose em caso de
comprometimento da função renal.
Insuficiência hepática: devido à intensa metabolização hepática, é
aconselhado o reajuste da dose em caso de algum grau de insuficiência
hepática sob risco de aumento da concentração sérica e de efeitos adversos.
3. AMITRIPTILINA
Gestantes: uma ligação definitiva entre a amitriptilina e efeitos
teratogênicos ainda não foi bem estabelecida, mas há relatos isolados. Por
atravessar a placenta, pode ocorrer abstinência neonatal do fármaco; essa
síndrome inclui taquipneia, cianose, irritabilidade e baixo reflexo de sucção.
Portanto, se possível, devem ser descontinuados no mínimo uma semana
antes do parto. Na gestante, a amitriptilina pode vir a causar efeitos
anticolinérgicos como constipação, taquicardia e retenção urinária. Apesar
do exposto, decorrente do seu longo período no mercado, o uso da
amitriptilina tem sido bem estabelecido ao longo dos anos; um estudo
evidenciou mais de 400 recém-nascidos expostos esse medicamento, e em
nenhum foi comprovado consistentemente um aumento do risco de
malformações congênitas. Por conseguinte, devido aos prós e aos contras,
deve ser prescrito após esclarecimento e consentimento da gestante.
Lactantes: a amitriptilina é excretada no leite materno, mas em
concentrações que, em geral, não são detectáveis no plasma do bebê.
Todavia, em razão do potencial para reações adversas causadas pela
amitriptilina em lactentes, deve-se decidir entre descontinuar o
medicamento ou a amamentação. Caso seja um desejo da mãe amamentar, o
bebê deverá ser monitorado para o surgimento de possíveis efeitos
colaterais.
Crianças e adolescentes: em vista da falta de estudos com a
amitriptilina para depressão em crianças abaixo de 12 anos, seu uso é
recomendado para crianças acima de 12 anos. Para o tratamento da enurese,
recomenda-se a utilização em crianças acima de 6 anos. Esses grupos de
pacientes geralmente apresentam tolerância reduzida a esse fármaco. Em
termos de alterações comportamentais ao longo do tempo em uso, ainda
existem poucos estudos, não havendo evidência de alterações a nível do
desenvolvimento comportamental, quociente intelectual, desenvolvimento
da linguagem, temperamento, distratibilidade e comportamento na 1ª
infância.
Idosos: em geral, recomendam-se as posologias mais baixas para esses
pacientes por serem especialmente sensíveis aos efeitos adversos do
fármaco. Para pacientes idosos que podem não tolerar doses mais altas, 50
mg por dia podem ser satisfatórios. A dose diária necessária pode ser
administrada em doses divididas ou como uma única dose. Esse grupo de
pacientes geralmente apresentam tolerância reduzida a esse medicamento.
Insuficiência renal: deve ser usada com cautela em pacientes com
histórico de retenção urinária (em virtude de sua ação atropínica).
Insuficiência hepática: deve ser usada com cautela em pacientes com
histórico de função hepática comprometida. Aumentos leves e
autolimitados nas concentrações séricas de transaminase podem ocorrer e
devem ser monitorados. Pode também causar hepatite aguda fulminante em
0,1% a 1% das pessoas.
Doenças cardiovasculares: é contraindicado em casos de infarto agudo
do miocárdio recente (nas últimas 4 semanas) e também em pacientes com
distúrbio de condução cardíaca. Podem produzir arritmia, taquicardia
sinusal e prolongamento do tempo de condução, particularmente quando
ministrados em doses altas. Quando administrados em suas dosagens
terapêuticas habituais, pode causar taquicardia, achatamento das ondas T,
prolongamento dos intervalos QT e depressão dos segmentos ST na
gravação eletrocardiográfica. Doses acima de 1 g em geral são tóxicas e
podem levar ao óbito por arritmia cardíaca ou hipotensão grave.
É contraindicado se estiver recebendo tratamento para depressão com
medicamentos inibidores da monoaminoxidase (IMAO); não devem ser
tomados antes que tenha transcorrido um intervalo de 14 dias da
administração de um IMAO. O uso de outros antidepressivos
concomitantemente pode resultar em reações adversas indesejáveis. Pode
ocorrer síndrome serotoninérgica com a administração de amitriptilina
associada a outras substâncias que aumentam a serotonina.
A amitriptilina pode bloquear a ação anti-hipertensiva da guanetidina ou
de compostos de ação similar. Os efeitos anti-hipertensivos dos antagonistas
dos receptores – adrenérgicos (p. ex., propranolol e clonidina) podem ser
bloqueados pelos antidepressivos tricíclicos.
A amitriptilina pode aumentar a resposta ao álcool e os efeitos dos
barbitúricos e de outros depressores do SNC. Foi relatado delírio após
administração concomitante de amitriptilina e dissulfiram. Alguns pacientes
podem ter um grande aumento na concentração de amitriptilina na presença
de topiramato. O risco de tontura pode ser aumentado em pacientes que
utilizam tramadol concomitantemente com amitriptilina.
Antidepressivos tricíclicos devem ser administrados em doses mais
baixas com fármacos que podem inibir o citocromo P450 2D6 (p. ex.:
quinidina, cimetidina) e aquelas que são substratos para P450 2D6 (vários
outros antidepressivos, fenotiazinas e os antiarrítmicos Tipo 1C
propafenona e flecainida).
4. ARIPIPRAZOL
Gestantes: as pesquisas mostram evidências de teratogenicidade em
animais com doses bem superiores às doses recomendadas em seres
humanos, porém não há estudos adequados que estabeleçam o uso seguro
em gestantes humanas. É um medicamento considerado categoria C pela
FDA. Pode ser uma boa alternativa ao uso de anticonvulsivantes para efeito
estabilizador do humor. Sempre é adequado ponderar o uso durante a
gestação, sendo este indicado quando os benefícios superarem os riscos.
Mulheres em período fértil com história de psicose grave ou transtornos de
humor refratários e em uso de aripiprazol devem ser acompanhadas de perto
por um obstetra ou desestimuladas a engravidar. Há risco de síndrome de
retirada em recém-nascidos cujas mães fizeram uso de aripiprazol no
terceiro trimestre da gestação.
Evidências demonstraram que a própria doença mental está associada a
um risco aumentado de efeitos adversos durante a gravidez e o parto,
incluindo anormalidades placentárias, baixo peso ao nascer, retardo de
crescimento intrauterino e sofrimento fetal, independentemente de qualquer
risco associado ao uso de antipsicóticos. Por esse motivo, embora exista um
potencial para os antipsicóticos afetarem negativamente a mãe, o feto, o
recém-nascido e a criança em desenvolvimento (os quais ainda precisam ser
esclarecidos e quantificados), o dano potencial de não tratar doenças
psiquiátricas durante a gravidez deve ser também cuidadosamente levado
em consideração. Para algumas mulheres com doença psiquiátrica leve,
pode ser tomada uma decisão mediada entre a paciente e o médico
assistente para explorar outras opções de tratamento durante a gravidez. No
entanto, para outras mulheres grávidas com doença mental grave, a decisão
de suspender a medicação pode levar a resultados catastróficos que variam
da exacerbação dos sintomas existentes e recaída ao aumento dos riscos de
automutilação ou suicídio deliberado.
Lactantes: é comprovado que há secreção de aripiprazol no leite
materno, devendo a amamentação ser desestimulada. Caso seja um desejo
da mãe de amamentar, o bebê deverá ser monitorado para o surgimento de
possíveis efeitos colaterais.
Crianças e adolescentes: trata-se de um medicamento que vem
despontando como uma excelente opção para tratamento de alterações
comportamentais no transtorno do espectro autista, psicoses de início
precoce e transtorno bipolar infantil, demonstrando-se tanto eficaz como
seguro. Algumas indicações para uso de aripiprazol na faixa etária
pediátrica aprovadas pela FDA: esquizofrenia em adultos e adolescentes de
13 a 17 anos; tratamento agudo de episódios maníacos ou mistos associados
ao Transtorno Bipolar I em monoterapia e como terapia adjuvante ao lítio
ou valproato em adultos e pacientes pediátricos de 10 a 17 anos;
irritabilidade associada ao transtorno autístico em pacientes pediátricos (6 a
17 anos); tratamento do transtorno de Tourette em pacientes pediátricos de
6 a 18 anos.
Idosos: mostrou-se um medicamento seguro e eficaz, sendo bem
tolerado na prática clínica e, geralmente, não sendo necessários ajustes de
dose. Mesmo assim, sempre é recomendado iniciar o tratamento com doses
mais baixas e aumentos futuros devem ser feitos de forma gradual. Vários
estudos mostram aumento da mortalidade por eventos cerebrovasculares em
pacientes idosos usuários de aripiprazol e com diagnóstico de demência do
tipo Alzheimer. Apresenta menor incidência de acatisia, sonolência e
síndrome extrapiramidal. Além disso, o aripiprazol mostrou baixo risco de
ganho de peso, prolongamento do intervalo QTc no ECG ou alterações
adversas nos níveis de glicose e lipídios. Comparações com haloperidol em
casos de delirium hiperativo sugerem eficácia igual com menor incidência
de SEP.
A faixa etária infantojuvenil mostrou-se mais sensível ao ganho de peso
que adultos, mesmo assim em menor proporção que em outros
antipsicóticos atípicos. As doses usuais do medicamento são bem toleradas,
recomendando-se iniciar com 1-5 mg/dia (sendo que estas já se mostram
como doses terapêuticas na faixa etária em questão), porém doses efetivas
de tratamento são consideradas entre 5 e 15 mg/dia. A incidência média de
sintomas extrapiramidais em crianças e adolescentes tratados com
aripiprazol é de 17,1%.
Insuficiência renal: não há evidências de que seja necessário ajuste da
dose.
Insuficiência hepática: não há evidências de que seja necessário ajuste
da dose.
5. CLONAZEPAM
Gestantes: o uso de clonazepam durante a gestação, bem como o de
outros benzodiazepínicos, não foi associado a maior risco de alterações
congênitas (excetuando lábio leporino e fenda palatina por meio de dados
inconsistentes), nem alterações cardíacas especificamente. Contudo, a
associação dessa classe de medicamentos com antidepressivos apresentou
aumento significativo no número de malformações congênitas, devendo ter
o uso reavaliado nesses casos. Importante lembrar que os benzodiazepínicos
estão associados ao risco de adição física, com importantes sintomas em
caso de abstinência.
Lactantes: o uso de clonazepam por mães que estão amamentando
geralmente leva à sedação do lactente. A sedação pode ser maior em caso
de associação com outras medicações sedativas. Se o uso de algum
benzodiazepínico for necessário no período da lactação, recomenda-se
administrar algum que tenha meia-vida curta.
Crianças e adolescentes: clonazepam é seguro para ser utilizado em
qualquer idade, incluindo recém-nascidos, com boa tolerabilidade e
segurança, desde que utilizados nas doses prescritas para diminuir os efeitos
da sonolência.
Idosos: apresenta boa segurança, contanto que sejam tomadas
precauções específicas para essa faixa etária, com início mais baixo da dose
usual de adultos e com aumento mais lento.
Insuficiência renal: os metabólitos do clonazepam sofrem excreção
renal. Portanto, diminuição da taxa de filtração glomerular deve ser
acompanhada de ajuste da dose diária para evitar efeitos adversos.
Insuficiência hepática: as doses diárias devem ser reavaliadas em
qualquer quadro de comprometimento hepático, devendo ser suspensas em
casos de insuficiência hepática grave.
6. CLORPROMAZINA
Gestantes: o uso de clorpromazina por gestantes não apresentou maior
risco de alterações congênitas do que a população geral.
Lactantes: a clorpromazina não interfere na produção do leite materno.
Pouca quantidade é detectada no leite, apresentando pouco risco para o
lactente. Contudo, é possível que o bebê possa ficar um pouco sonolento. A
associação com o haloperidol em mulheres que estão amamentando deve
ser acompanhada de perto devido ao risco de aumento da sonolência da
criança.
Crianças e adolescentes: é uma medicação que apresenta um bom
perfil de segurança para ser utilizada em crianças acima de 2 anos de idade.
Recomenda-se iniciar com uma dose de 1 mg/kg/dia, dividida entre 2 a 3
tomadas, devido à maior taxa de metabolização e excreção que essa idade
naturalmente apresenta.
Idosos: apresenta bom perfil de tolerabilidade nessa faixa etária. Deve-
se tomar cuidado com a maior sensibilidade a efeitos adversos para essa
população, sendo recomendado início com dose mais baixa que o habitual e
com aumento mais lento.
Insuficiência renal: uma vez que a maior parte desse antipsicótico é
excretado pela urina, é importante considerar ajuste da dose em população
com algum comprometimento renal.
Insuficiência hepática: ajuste da dose de clorpromazina faz-se
necessário em casos de insuficiência hepática devido à grande
metabolização hepática.
7. DIAZEPAM
Gestantes: deve ser estritamente evitado, principalmente no primeiro e
no último trimestre da gravidez. No primeiro trimestre, em especial entre a
6ª e a 9ª semana, o uso está associado a risco aumentado de lábio leporino e
fenda palatina; já no terceiro trimestre, o uso pode associar-se ao
desenvolvimento da síndrome de abstinência no recém-nascido. Deve ser
evitado o uso contínuo sempre que possível, principalmente em altas doses
e por períodos prolongados.
Lactantes: não é recomendado o uso durante a amamentação; o
diazepam passa para o leite materno, podendo causar sonolência e
prejudicar a sucção da criança.
Crianças e adolescentes: uma vez que a segurança e a eficácia em
crianças ainda não foram bem estabelecidas, o diazepam deverá ser
utilizado nesse grupo etário com extrema cautela e somente quando outras
alternativas terapêuticas não estiverem disponíveis. Reações paradoxais
como inquietude, agitação, irritabilidade, agressividade, delírios, raiva,
pesadelos, alucinações, psicoses ou comportamento anormal podem ocorrer.
Quando isso ocorre, deve-se descontinuar o uso da droga.
Idosos: pacientes idosos devem receber doses menores devido à maior
sensibilidade. Esses pacientes devem ser acompanhados regularmente no
início do tratamento para minimizar a dosagem e/ou frequência de
administração, para prevenir reações paradoxais como: inquietude,
agitação, irritabilidade, agressividade, delírios, raiva, pesadelos,
alucinações, psicoses ou comportamento anormal. Quando isso ocorre,
deve-se descontinuar o uso da droga. Alguns indivíduos também
experimentam ataxia (menos de 2%) e tontura (menos de 1%). Esses
sintomas podem resultar em quedas e fraturas de quadril, sobretudo em
idosos. Também está associado à hipotensão e perda cognitiva.
Insuficiência renal: deve ser usado com cautela por pessoas com
história de doença renal. Pode vir a causar incontinência ou retenção
urinária.
Insuficiência hepática: deve ser usado com cautela por pessoas com
história de doença hepática. O diazepam deve ser evitado se houver
insuficiência grave do fígado. Pacientes com distúrbios do funcionamento
do fígado devem receber doses menores. Pode causar aumento da fosfatase
alcalina sanguínea e elevação das transaminases (muito raramente).
Indivíduos idosos com doença hepática têm maior probabilidade de
apresentar efeitos adversos e toxicidade relacionados a diazepam (incluindo
coma hepático), em particular quando são administrados de modo repetitivo
ou em doses elevadas.
Interações medicamentosas: o uso concomitante de diazepam com
álcool e/ou depressores do sistema nervoso central deve ser evitado. Essa
utilização concomitante tem potencial para aumentar os efeitos clínicos do
diazepam, incluindo possivelmente sedação grave, depressão cardiovascular
e/ou respiratória clinicamente relevante.
Ataxia e disartria têm probabilidade maior de ocorrer quando o
diazepam é associado ao lítio, a antipsicóticos e ao clonazepam. Observou-
se que a combinação com clozapina pode causar delirium.
Medicamentos como cimetidina, dissulfiram, isoniazida, estrógeno e
contraceptivos orais aumentam a concentração plasmática de diazepam.
8. ESCITALOPRAM
Gestantes: experimentos em animais não demonstraram aumento do
risco de malformações congênitas, havendo pouca possibilidade de ocorrer
baixo peso ao nascer. Foram descritos raros casos de hipertensão pulmonar
e apneia do recém-nascido com o uso no terceiro trimestre de gestação. É
um medicamento considerado categoria C pela FDA.
Lactantes: pequenas quantidades de escitalopram poderão ser
encontradas no leite materno de mães que fazem uso do medicamento. Caso
a criança apresente irritabilidade ou sedação, tem-se a opção de suspender o
aleitamento ou cessar uso do remédio, devendo então ser feita uma
avaliação médica para ponderação de riscos e benefícios. De toda forma, os
estudos não se mostram conclusivos, cabendo mais uma vez ponderar se há
maior prejuízo em manter-se com ou sem o escitalopram.
Crianças e adolescentes: muitos estudos demonstraram frequente
associação do uso de escitalopram com o surgimento de comportamento
suicida em crianças e adolescentes, devendo haver uma monitorização da
resposta do medicamento principalmente no início do tratamento; mesmo
assim, a taxa de descontinuação devido a eventos adversos e suicidas foi
baixa e não significativamente diferente entre os grupos que usam
escitalopram e placebo. Tem aprovação para uso em transtorno depressivo
maior em adolescentes (12-17 anos) e no transtorno de ansiedade de
separação em crianças e adolescentes. Tem-se mostrado um medicamento
bem tolerado e eficaz em outros transtornos de ansiedade. O tratamento
com escitalopram foi geralmente bem tolerado em adolescentes.
Idosos: é um medicamento bem tolerado por idosos, sugerindo-se
iniciar com uma dose não maior que 5 mg/dia. É comum responderem bem
ao tratamento com baixas doses, devendo-se avaliar aumentos somente após
8 semanas. Doses maiores que 10 mg/dia aumentam os riscos de efeitos
colaterais. O escitalopram não foi significativamente melhor que o placebo
em melhorar o humor ou a cognição em indivíduos com demência e
sintomas depressivos concomitantes. Os resultados dos estudos sugerem
que, nesses casos, o escitalopram pode ser eficaz somente quando a
gravidade da depressão é alta.
Insuficiência renal: casos de insuficiência leve a moderada não
necessitam de ajuste, devendo ser utilizado com cautela em pacientes com
insuficiência grave.
Insuficiência hepática: dose máxima recomendada é de 10 mg/dia.
9. FLUOXETINA
Gestantes: a fluoxetina pode ser administrada durante a gravidez se os
benefícios do tratamento justificarem o risco potencial dessa droga. Deve-se
ter cuidado com o uso da fluoxetina durante a gestação, particularmente no
final da gravidez, quando os sintomas transitórios podem, raramente,
acometer os recém-nascidos após o uso da droga próximo ao termo; isso
pode causar tremores transitórios, dificuldades na alimentação e
irritabilidade. O seu uso no terceiro trimestre também foi associado a alguns
relatos de casos que evoluíram com complicações perinatais (taquipneia,
icterícia, parto pré-termo), bem como baixo peso ao nascer. Além disso, uso
de fluoxetina após a vigésima semana de gestação pode estar associado ao
aumento de risco de hipertensão pulmonar persistente no recém-nascido.
Apesar disso, os índices de recaída de depressão durante a gestação
entre mulheres que descontinuam a fluoxetina são bem altos. Portanto,
muitas mulheres precisam continuar com a medicação durante a gravidez e
o pós-parto. Existem vários estudos que não evidenciaram aumento do risco
de malformação congênita após a exposição durante a gravidez, logo, o
risco de recaída em depressão, quando uma gestante recente interrompe o
uso, é várias vezes mais elevado do que o risco para o feto ao ser exposto ao
medicamento.
Em relação às consequências do seu uso no desenvolvimento
neuropsicomotor do recém-nascido, estas permanecem ainda pouco
esclarecidas. Contudo, existem estudos que mostram que crianças expostas
à fluoxetina durante a gestação não se diferenciam da população controle
quanto ao desenvolvimento físico, intelectual, social ou de linguagem na
idade escolar.
Lactantes: a fluoxetina é excretada no leite materno. Caso seja um
desejo da mãe de amamentar, o bebê deverá ser monitorado para o
surgimento de possíveis efeitos colaterais.
Crianças e adolescentes: o uso em crianças e adolescentes é
controverso. Entretanto, algumas crianças e adolescentes realmente exibem
respostas impressionantes a esses medicamentos em termos de depressão e
ansiedade. Portanto, a dose deve ser titulada com cuidado e deverá ser
monitorada para o surgimento de possíveis efeitos colaterais.
Idosos: não foram observadas diferenças na segurança e na eficácia da
fluoxetina em pacientes idosos, se comparados a adultos jovens.
Insuficiência renal: foram relatados casos de hiponatremia em parte
dos pacientes idosos ou pacientes que estavam utilizando diuréticos em
associação com fluoxetina (p. ex.: furosemida, hidroclorotiazida).
Insuficiência hepática: deve ser administrado com cautela em
pacientes que usam medicamentos com metabolismo hepático.
Interações medicamentosas: é contraindicado para pacientes que estão
utilizando IMAO; essa contraindicação permanece até no mínimo 14 dias
após a suspensão de qualquer IMAO para iniciar o tratamento com
fluoxetina.
O uso em combinação com tioridazina é contraindicado devido ao risco
da ocorrência de efeitos adversos graves.
Medicamentos ativos no sistema nervoso central, tais como fenitoína,
carbamazepina, haloperidol, clozapina, diazepam, alprazolam, lítio,
imipramina e desipramina, sofrem alterações nos níveis sanguíneos. Drogas
que se ligam às proteínas do plasma (p. ex.: ácido acetilsalicílico, fenitoína,
diclofenaco, diazepam) podem causar uma mudança na concentração
plasmática da fluoxetina. Pode interagir com a varfarina, aumentando o
risco de sangramento e de equimose.
10. HALOPERIDOL
Gestantes: grávidas que fizeram uso de haloperidol durante período
gestacional não demonstraram aumento no risco de desenvolver alterações
congênitas que fossem superiores à população geral. O uso como
antiemético em gestante (off-label), que normalmente não ultrapassa 1
mg/dia, também não foi associado a alterações congênitas. Alguns estudos,
no entanto, mostram que o uso desse antipsicótico durante a gestação pode
ocasionar prematuridade ou baixo peso ao nascer.
Lactantes: existem poucos estudos com doses maiores que 10 mg/dia
em puérperas que estão amamentando. Ainda assim, a quantidade
encontrada no leite é bem pequena, não afeta a produção do leite materno e
não traz efeitos adversos. Contudo, a associação com outros antipsicóticos
pode ocasionar consequências para o lactente.
Crianças e adolescentes: haloperidol tem segurança comprovada em
crianças e adolescentes. Recomenda-se a dose de 0,1 mg / 3 kg duas vezes
ao dia. Lembrando que, devido ao aumento da taxa de metabolização
hepática e da taxa de filtração glomerular em crianças, algumas
medicações, dentre estas o haloperidol, necessitam de fracionamento da
dose diária para manter a estabilidade da concentração.
Idosos: a população com faixa etária acima de 60 anos é mais sensível
aos efeitos do haloperidol. Recomenda-se iniciar com dose mais baixa que a
usual para um adulto e progredir de forma mais lenta para evitar efeitos
adversos, como sintomas extrapiramidais ou sonolência excessiva.
Insuficiência hepática: o haloperidol sofre metabolização hepática por
muitas vias, incluindo o sistema enzimático do citocromo P450. Portanto,
qualquer grau de diminuição da função hepática deve ser acompanhado de
um ajuste da dose de haloperidol.
Insuficiência renal: uma quantidade muito pequena de haloperidol é
excretada de forma inalterada pela urina, em torno de 3%. Portanto, quadros
de insuficiência renal não necessitam de reajuste das doses desse
antipsicótico. Seguindo esse raciocínio, pacientes que necessitem de
hemodiálise não precisam de uma dose extra após a sessão, uma vez que
somente uma pequena quantidade é removida.
11. LÍTIO
Gestantes: o lítio ainda é considerado a terapia de primeira linha para
transtorno bipolar em gestantes. Apesar dessa recomendação, apenas 16%
das mulheres com transtorno bipolar têm a prescrição de lítio durante a
gravidez e apenas 6,3% das mulheres usaram lítio no terceiro trimestre,
indicando que a maioria das mulheres interrompe o lítio durante a gravidez.
Há uma recomendação de que o lítio só deve ser usado em gestantes quando
os antipsicóticos se mostraram ineficazes no controle dos sintomas. O uso
de lítio durante a gravidez não foi associado à pré-eclâmpsia, diabetes
durante a gravidez, sofrimento fetal, polidrâmnio, hemorragia pós-parto ou
indicação de cesariana. Trata-se de um medicamento bastante associado
com malformações cardíacas no primeiro trimestre de gestação,
principalmente anomalia de Ebstein. Não parece afetar a cognição do bebê
a longo prazo. Seu uso deve ser descontinuado em casos de hiperêmese
gravídica, pois a suposta desidratação secundária a perdas hídricas seria um
forte fator de risco para intoxicação materna pelo lítio. Enjoos matinais
comuns demandam aumento da ingesta de líquidos por parte da paciente. Já
no terceiro trimestre, é associado à hipotonia fetal (Síndrome do Bebê
Hipotônico). Se, em algum momento, optar-se pela descontinuação do lítio,
esta deve ser feita de forma gradual. Tal decisão deve sempre levar em
conta a gravidade do transtorno mental, pois sabe-se que um episódio
maníaco no curso da gestação traz graves prejuízos tanto para a mãe quanto
para o feto. O uso de lítio deve ser retomado de imediato no pós-parto,
devendo-se ter em mente que uso de antipsicóticos de 2ª e 3ª gerações
entram como uma opção menos danosa como substituintes do lítio no
decorrer da gestação. Anticonvulsivantes estabilizadores do humor têm
maior chance de causar teratogenicidade que o lítio. Quando se pesa o
risco-benefício, o lítio ainda seria uma melhor opção para ser usado em
gestantes. Nesse caso, a ecocardiografia fetal deve ser realizada com
periodicidade. Outro fato que tem bastante relevância é que, devido ao
aumento da taxa de filtração glomerular na gestante, os níveis séricos de
lítio tendem a baixar, sendo muitas vezes necessários aumentos de dose e,
por consequência, frequentes avaliações dos níveis séricos através da
litemia. A dosagem usual deve ser retomada no pós-parto, de modo a evitar
a intoxicação. É um medicamento considerado categoria D pela FDA.
Lactantes: o lítio é uma substância hidrofílica com amplo volume de
distribuição, estando bastante presente no leite materno. A relação risco-
benefício deve sempre ter um importante peso na decisão de amamentar.
Sinais de intoxicação devem sempre ser observados no recém-nascido,
como hipotonia, letargia e reflexos anormais.
Crianças e adolescentes: o uso de lítio só é aprovado pela FDA a partir
dos 13 anos de idade. Não há benefício adicional estatístico com o uso de
lítio na faixa etária pediátrica <12 anos de idade.
Idosos: em pacientes sem comorbidades clínicas, é um medicamento
eficaz e bem tolerado. Seu uso fica muito limitado quando há
concomitância com doenças que exigem dietas especiais ou que afetam a
taxa de filtração glomerular. Idosos têm maior predisposição a intoxicação
pelo íon de lítio (pela facilidade com a qual desidratam), devendo seu uso
ser feito com cuidado, iniciando-se com uma dose de 150 mg/dia e os
aumentos futuros sendo guiados por litemias seriadas.
Insuficiência renal: o uso em pacientes com nefropatias associadas à
insuficiência renal grave deve ser contraindicado. Se a taxa de filtração
glomerular for > 50 mL/min, os ajustes de dose poderão ser feitos de forma
mais tranquila. Vale ressaltar que os primeiros sinais de intoxicação pelo
lítio são ataxia, disartria e tremores grosseiros. O lítio deve permanecer em
níveis sanguíneos adequados (0,6 a 1,2 mEq/L). Cabe ao médico assistente
orientar o paciente e seus familiares sobre os sinais de intoxicação. Níveis
de litemia > 4 mEq/L podem ser indicativos de hemodiálise. Realizar
eletrocardiograma, função renal e função tireoidiano são essenciais para a
manutenção ambulatorial de pacientes usuários de lítio.
Insuficiência hepática: sem indicações especiais.
12. METILFENIDATO
Gestantes: infelizmente, trata-se de um medicamento com estudos
bastante controversos sobre o risco de teratogenicidade na gestação e, por
recomendação geral, seu uso deve ser desestimulado antes de gestações
programadas. Sabe-se que, por ser um medicamento lipofílico, atravessa a
barreira hematoplacentária. Há poucos estudos eficazes que negam a
possibilidade de malformações fetais associadas ao metilfenidato e parece
não aumentar o risco de complicações com o uso no terceiro trimestre
gestacional. É categorizado como Risco C pela FDA.
Lactantes: como não se sabe muito sobre a secreção no leite materno, o
uso do metilfenidato deve ser feito cautelosamente, observando qualquer
comportamento anormal no bebê.
Crianças e adolescentes: o uso de metilfenidato só é aprovado a partir
dos 6 anos de idade. O uso off-label em crianças menores deve ser
ponderado por um especialista. Ficou bem estabelecido nos últimos anos
que o medicamento tem efeitos inibidores agudos na secreção do hormônio
do crescimento, sendo necessário um acompanhamento a longo prazo,
porém não parece haver prejuízos na altura final do paciente, devendo peso
e altura ser monitorados a cada 6 meses. A maioria dos estudos a esse
respeito indica que, com o abandono do tratamento, a taxa de crescimento
acelerou e compensa a perda inicial após a suspensão do medicamento.
Pode-se considerar pausas no uso do medicamento caso a altura esteja
sendo muito afetada. É recomendado realizar um eletrocardiograma antes
de iniciar o tratamento com metilfenidato, pois seu uso foi relacionado à
morte súbita em crianças com problemas cardíacos. É necessário exame
clínico que também avalie a possível história de patologia cardíaca, alguma
história de síncope e uma história familiar de morte súbita em familiares
com menos de 40 anos de idade. Basicamente, a pressão arterial e a
frequência cardíaca devem ser avaliadas, e essa avaliação deve ser repetida
a cada 3-6 meses. Se as primeiras medições detectarem uma taxa maior que
100 batimentos por minuto ou se a pressão sistólica ou diastólica estiver
acima do percentil 95, ela deverá ser repetida após 10 minutos. Se a
taquicardia for persistente, se houver um histórico sugestivo de arritmia, ou
se houver um histórico familiar, é apropriado solicitar uma avaliação
eletrocardiográfica de 24 horas. Estudos sobre os efeitos cardiovasculares
do metilfenidato mostram um possível aumento da pressão arterial e da
frequência cardíaca no curto prazo. Na maioria dos indivíduos, esses
aumentos são mínimos (1-4 mmHg na pressão sistólica, 1-2 mmHg na
diastólica e 1-2 batimentos por minuto em frequência). Apesar de essas
alterações serem mínimas em termos de magnitude, elas contribuem para a
preocupação com uma associação com o aparecimento de efeitos
cardiovasculares graves, devendo-se ponderar sobre os riscos de pressão
arterial elevada nesses pacientes, sendo a suspensão do medicamento uma
boa tática para cessar prováveis danos futuros. Perda do apetite e insônia
são outros efeitos colaterais comuns em crianças. Foi encontrada uma
prevalência de distúrbios do sono de 10% em pacientes que iniciaram o
medicamento e aumentou proporcionalmente dependendo da dose utilizada,
principalmente em crianças com baixo índice de peso/massa corporal. Tal
efeito pode ser aliviado com a última dosagem por volta das 17 horas.
Idosos: é um medicamento bem tolerado quando o tratamento é iniciado
com doses menores que as habituais. Os efeitos colaterais tendem a ser
leves e remitem com a suspensão do medicamento. Tem indicação como
coadjuvante no tratamento de depressão resistente.
Insuficiência renal: não há evidências de que seja necessário ajuste da
dose.
Insuficiência hepática: não há evidências de que seja necessário ajuste
da dose.
13. QUETIAPINA
Gestantes: sintomas de abstinência podem ocorrer em recém-nascidos
cujas mães tenham feito uso de quetiapina durante a gravidez. Porém,
alguns estudos com exposição intraútero à quetiapina não evidenciaram
danos ao feto, não demonstrando nenhum padrão específico consistente de
malformação relacionado a esse medicamento. São necessários mais
estudos para uma comprovação definitiva. No caso de uma resposta clínica
satisfatória, as mulheres que recebem quetiapina podem ser orientadas por
não mudar a estratégia de tratamento, sendo necessária monitoração.
Lactantes: a mãe deve ser orientada a evitar a amamentação enquanto
faz uso desse medicamento. Os bebês em amamentação, cujas mães optam
por usar quetiapina, devem ser monitorados para o surgimento de efeitos
adversos.
Crianças e adolescentes: a segurança e a eficácia da quetiapina ainda
não estão bem consolidadas em crianças e adolescentes com depressão
bipolar. Também não estão bem consolidadas a segurança e a eficácia em
crianças com idade inferior a 13 anos com esquizofrenia e mania bipolar.
Reações adversas podem ocorrer em maior frequência em crianças e
adolescentes do que em adultos, como: aumento do apetite, elevações da
prolactina sérica, aumento na pressão arterial, vômito e síncope. Raramente,
o aumento dos níveis de prolactina no sangue pode ocasionar inchaço dos
seios e produção inesperada de leite em meninos e meninas. Meninas
podem não ter ciclos menstruais ou ter ciclos irregulares.
Idosos: se comparada a adultos saudáveis, a depuração da quetiapina
em idosos pode ser até 50% menor. A dose inicial deve ser de 25 mg/dia,
com aumento gradual e com dose final menor que em jovens. Pode causar
hipotensão ortostática em idosos.
Insuficiência renal: em geral, não é necessário realizar ajustes de dose.
Insuficiência hepática: podem ocorrer pequenos aumentos transitórios
de transaminases hepáticas.
Interações medicamentosas: pode interagir com bebidas alcoólicas e
outras medicações que atuam no cérebro e no comportamento, ou em
conjunto com outras medicações que são conhecidas por causar
desequilíbrio eletrolítico ou por aumentar o intervalo QT. O uso de
quetiapina deve ser evitado em combinação com outros agentes conhecidos
por prolongarem QTc, incluindo antiarrítmicos da classe (ex.: quinidina,
procainamida, amiodarona e sotalol), medicamentos antipsicóticos (p. ex.,
ziprasidona, clorpromazina, tioridazina), antibióticos (p. ex., gatifloxacino,
moxifloxacino) ou qualquer outra classe de medicamentos conhecidos por
esse tipo de ação (p. ex., pentamidina, acetato de levometadil, metadona).
Evitar uso também se estiver tomando medicações com efeitos
anticolinérgicos e se estiver tomando: tioridazina, carbamazepina, fenitoína,
cetoconazol, rifampicina, barbitúricos, antifúngicos azóis, antibióticos
macrolídeos, inibidores de protease (medicamentos usados para o
tratamento de pacientes portadores do HIV) e medicamentos que causam
constipação.
14. RISPERIDONA
Gestantes: é um medicamento considerado categoria C pela FDA,
porém os resultados iniciais dos estudos com exposição intraútero à
risperidona não evidenciaram danos ao feto. Faz-se necessário estudos de
melhor qualidade para uma comprovação definitiva. O haloperidol e a
olanzapina mostraram-se mais seguros para uso durante a gestação que a
risperidona. No caso de uma resposta clínica satisfatória, as mulheres que
recebem quetiapina ou risperidona devem ser orientadas por não mudar a
estratégia de tratamento. É importante ressaltar que, para os medicamentos
comumente usados na gravidez, incluindo olanzapina, risperidona,
clozapina e quetiapina, nenhum padrão específico de malformação
relacionado a eles tem sido consistentemente demonstrado.
Lactantes: são detectados níveis significativos tanto de risperidona
quanto de seu metabólito ativo (9-OH-risperidona) no leite materno. Os
bebês cujas mães optam por usar risperidona devem ser monitorados para o
surgimento de efeitos adversos. A amamentação deve ser desencorajada
quando doses elevadas de risperidona estiverem sendo utilizadas.
Crianças e adolescentes: trata-se do medicamento mais utilizado
atualmente nos termos de psiquiatria da infância e adolescência, tendo seu
uso aprovado para esquizofrenia (a partir dos 13 anos), transtorno bipolar
(sejam episódios mistos ou maníacos a partir dos 10 anos) e
irritabilidade/agressividade associadas ao autismo (5 a 16 anos). Os efeitos
colaterais são mais comuns que em adultos, destacando-se parkinsonismo,
aumento no peso, distonia aguda, sialorreia e hiperprolactinemia. A sedação
é comum no início do tratamento, porém tende a ser amenizada com o
passar do tempo de uso e pode reaparecer com aumentos de dose
posteriores. Recomenda-se o uso noturno nas primeiras semanas. A taxa de
benefícios do uso de risperidona em crianças com autismo 8 anos após o
início do tratamento chega a 67%. Foi observado um padrão de benefícios
contínuos em amplas áreas da sintomatologia relacionados à risperidona,
reforçando os prováveis benefícios terapêuticos continuados.
Idosos: síndrome metabólica é bastante comum em pacientes idosos que
usam risperidona, o que também aumenta o risco de eventos cardiológicos e
cerebrovasculares. É importante um acompanhamento regular do perfil
metabólico (colesterol, glicemia e triglicerídeos) como forma de prevenir
maiores danos em pacientes suscetíveis. Recomenda-se iniciar o
medicamento com doses entre 0,25 mg e 0,5 mg/dia, mantendo-se a menor
dose possível para estabilização. O acompanhamento com dosagem dos
níveis séricos da substância não traz benefício adicional. Em pacientes com
doença de Alzheimer que tiveram psicose ou agitação que responderam à
terapia com risperidona por 4 a 8 meses, a descontinuação da risperidona
foi associada a um risco aumentado de recidiva.
Insuficiência renal: a principal via de excreção da risperidona é a renal,
e em casos de função renal prejudicada, ajustes de dose devem ser feitos
baseados na taxa de filtração glomerular. Recomenda-se iniciar, também,
com dose de 0,5 mg/dia. Quanto mais tempo seu metabólito ativo passa na
circulação, maior será o risco de efeitos adversos.
Insuficiência hepática: faz-se necessário ajuste de dose, começando
com cerca de 0,5 mg/dia e não realizando novos aumentos antes de duas
semanas. A monitorização das enzimas hepáticas deve ser feita com
regularidade.
15. SERTRALINA
Gestantes: não há estudos que comprovem um risco absoluto ao feto
ocasionado pela sertralina durante a gestação, prevalecendo sempre
ponderar sobre os prejuízos que a descontinuação ou a substituição do
medicamento poderiam ocasionar. O risco relativo (mesmo que baixo, deve
ser considerado) refere-se ao surgimento de defeitos de septo cardíaco (no
primeiro trimestre gestacional) e hipertensão pulmonar do recém-nascido
(no terceiro trimestre gestacional), sendo os resultados das pesquisas
controversos sobre um risco real. É um medicamento considerado categoria
C pela FDA.
Lactantes: ocorre a presença de sertralina e de seus metabólitos
(principalmente a desmetilsertralina) no leite materno, sendo a quantidade
variável e proporcional à dose total ingerida do medicamento; porém, tal
fato não contraindica a amamentação. Isso ocasiona um uso seguro no
período da amamentação. A sertralina apresenta concentrações menores no
leite materno e concentrações ainda mais baixas – muitas vezes
indetectáveis – no sangue do bebê. Ao considerar um antidepressivo a uma
mulher que precisa amamentar, não há uma opção 100% segura ou uma
opção de algoritmo de tratamento universalmente aceito, porém a sertralina
seria uma excelente primeira escolha.
Crianças e adolescentes: é um medicamento que tem se demonstrado
eficaz no tratamento de diversos transtornos mentais do espectro da
ansiedade. As doses usuais variam entre 50-200 mg e tem uso aprovado a
partir dos 6 anos de idade, podendo as doses mais elevadas (100-200
mg/dia) serem prescritas a partir dos 13 anos.
Idosos: essa faixa etária tem uma melhor tolerância com doses baixas
do medicamento. Ocasiona melhora de pensamentos suicidas, sendo bem
seguro seu uso em maiores de 65 anos de idade. Tem baixo perfil de
interação com outros medicamentos, porém sua meia-vida tende a estender-
se em pacientes idosos quando comparado a adultos jovens. Assim como
em outros inibidores seletivos de recaptação de serotonina, há risco de
síndrome da secreção inapropriada de hormônio antidiurético.
Insuficiência renal: não se faz necessário ajuste de dose. Sertralina não
é removida por hemodiálise.
Insuficiência hepática: hepatopatas devem usar metade da dose usual
do medicamento, evitando concentrar a dose total diária em uma única
tomada. Foi relatado que anormalidades nos testes hepáticos ocorrem em
até 1% dos pacientes em uso de sertralina, mas as elevações são geralmente
modestas e raramente requerem modificação ou descontinuação da dose.
Foram notificados casos raros de episódios agudos e clinicamente aparentes
de lesão hepática com elevações acentuadas das enzimas hepáticas com ou
sem icterícia em pacientes em uso de sertralina. O início da lesão é
geralmente de 2 a 24 semanas após o início do uso e o padrão de elevação
das enzimas séricas variou de hepatocelular a misto e colestático.
Características autoimunes (autoanticorpos) e imunoalérgicas (erupção
cutânea, febre, eosinofilia) são incomuns. A insuficiência hepática aguda
devido à sertralina foi descrita, mas é muito rara.
16. VENLAFAXINA
Gestantes: a venlafaxina não apresentou aumento nos riscos de
malformação congênita em mulheres que fizeram uso dela durante a
gestação. Gestantes com hipertensão ou com pré-eclâmpsia e que fazem uso
de venlafaxina devem passar por uma avaliação mais criteriosa devido ao
risco de aumento dos níveis pressóricos.
Lactantes: a venlafaxina é considerada uma medicação de uso seguro
durante a lactação. A concentração encontrada no leite materno é
proporcional à dose administrada. Portanto, deve-se ter cuidado com
mudanças bruscas da dose para evitar efeitos na descontinuação da
medicação.
Crianças e adolescentes: o uso de venlafaxina só é regulado pela
ANVISA para pacientes acima de 18 anos. Os estudos com essa medicação
em adolescentes e crianças têm demonstrado segurança, mas não sem riscos
de efeitos adversos. O mais comum é cefaleia, podendo chegar até a
ideação suicida.
Idosos: não existe ajuste de dose devido à idade. Contudo, pacientes
portadores de hipertensão arterial sistêmica devem evitar usar a
venlafaxina, sob risco de piora dos níveis pressóricos.
Insuficiência renal: pacientes com esse perfil devem ter suas doses
reguladas e talvez diminuídas de acordo com sua taxa de filtração
glomerular, podendo chegar em até 50% da dose de manutenção em casos
de hemodiálise.
Insuficiência hepática: o uso de venlafaxina por pacientes que
apresentem algum grau de insuficiência hepática deve ser evitado. Se o
paciente já faz uso dessa medicação e com boa resposta, deve-se avaliar a
redução da dose para até 50% da dose de manutenção.
17. ZOLPIDEM
Gestantes: o uso de zolpidem deve ser evitado durante a gravidez,
apesar de estudos em animais não indicarem efeitos nocivos diretos ou
indiretos em relação à toxicidade reprodutiva. O zolpidem atravessa a
placenta. Por conseguinte, sua administração durante a fase final da
gravidez ou durante o trabalho de parto pode ser associada com efeitos na
criança recém-nascida, como hipotermia, diminuição do tônus muscular,
dificuldades na alimentação (o qual pode resultar em um baixo ganho de
peso) e depressão respiratória.
Lactantes: embora a concentração de zolpidem no leite materno seja
baixa, ele deve ser evitado.
Idosos: pessoas com mais de 65 anos devem tomar metade da dose
habitualmente prescrita para adultos (recomenda-se uma dose de 5 mg,
sendo que a dose de 10 mg não deve ser excedida). Pacientes idosos ou
debilitados podem apresentar uma sensibilidade maior aos efeitos do
zolpidem; por isso, recomenda-se um acompanhamento mais rígido nesse
tipo de paciente.
Crianças: a segurança e a eficácia de zolpidem em pacientes com idade
inferior a 18 anos ainda não estão bem estabelecidas. Dessa forma, sempre
que possível, o zolpidem deve ser evitado para essa população.
Insuficiência renal: pode ser necessário reduzir a dose do zolpidem em
alguns pacientes.
Insuficiência hepática: deve ser utilizado com cautela em pacientes
portadores de insuficiência hepática. Considerando que existe uma redução
da depuração (clearance) e do metabolismo do zolpidem em pacientes com
essa patologia, recomenda-se a administração de 5 mg por dia. Esses
pacientes devem ser cuidadosamente monitorados. Caso a resposta clínica
em adultos (abaixo de 65 anos) seja inadequada e o medicamento bem
tolerado, pode-se aumentar a dose para 10 mg. Porém, não é recomendado o
uso de zolpidem caso o paciente tenha insuficiência hepática severa, uma
vez que pode contribuir para encefalopatia.
Interações medicamentosas: não é aconselhada a ingestão de álcool,
benzodiazepínicos e de outros depressores do sistema nervoso central, pois
isso pode provocar um aumento da depressão do sistema nervoso central.
Essa interação promove uma intensificação do efeito sedativo do zolpidem,
com reflexo sobre a vigilância, aumentando o risco na condução de veículos
ou na operação de máquinas.
Devem ser monitorados cuidadosamente a associação com derivados
morfínicos e barbitúricos, pois podem causar o aumento do risco de
depressão respiratória.
A clozapina pode aumentar o risco de colapso circulatório e de parada
cardíaca e/ou respiratória. O aumento da depressão do sistema nervoso
central também pode ocorrer no caso de uso concomitante com
antipsicóticos, agentes antidepressivos, analgésicos narcóticos, drogas
antiepiléticas, anestésicos e anti-histamínicos.
18. OLANZAPINA
Gestantes: o uso de olanzapina em gestantes não foi associado com
malformações congênitas. Apesar de alguns estudos mais antigos terem
sinalizado isto, não foi encontrado relação causal entre o uso desse
antipsicótico com diabetes gestacional.
Lactantes: baixos níveis de olanzapina são encontrados no leite
materno ou no sangue do bebê que acabou de amamentar. O uso de
olanzapina não está associado a efeitos colaterais ao bebê, e os poucos
estudos de longo prazo com crianças que foram amamentadas com por
mães que faziam uso de olanzapina não demonstraram qualquer alteração
em seu desenvolvimento.
Crianças e adolescentes: no Brasil, o uso da olanzapina só é aprovado
para crianças acima de 13 anos de idade. Contudo, não é raro o uso off-label
(fora da regulação da ANVISA) para alguns casos como esquizofrenia ou
transtorno bipolar abaixo dessa idade. Independentemente da idade de
início, deve-se lembrar que a olanzapina pode ocasionar ganho de peso e
resistência à insulina, sendo um importante fator de risco para obesidade e
doenças cardiometabólicas.
Idosos: o uso em idosos deve ser iniciado com doses mais baixas (2,5
mg/dia) que o usual e com aumentos mais lentos devido à menor taxa de
metabolização nessa faixa etária. Isso diminui os riscos de efeitos adversos,
como sedação.
Insuficiência renal: diminuição da taxa de filtração glomerular em
paciente com insuficiência renal por qualquer causa não influenciam na
concentração de eliminação da olanzapina, não necessitando de reajuste de
dose nesse quadro.
Insuficiência hepática: pacientes com algum grau de acometimento
hepático devem ter sua dose de olanzapina reavaliada. Enzimas de lesão
hepática (TGO e TGP) devem ser solicitadas para avaliação e
acompanhamento mais contínuo.
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SIGLA
1. TERAPIA COGNITIVO-
COMPORTAMENTAL
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) deriva da integração de duas
linhas de psicoterapia – terapia cognitiva e terapia comportamental – e
engloba um extenso número de técnicas e estratégias de tratamento. Juntas,
compõem uma importante abordagem psicoterápica para a prática clínica
cotidiana.
A terapia comportamental surge antes da cognitiva e partir de meados da
década de 1960, a TCC, como a nomeamos hoje, emerge com o médico
psiquiatra Aaron Beck. Ao estudar pacientes deprimidos, Beck percebeu
que estes apresentavam fluxos de pensamentos negativos que pareciam
surgir espontaneamente. Ele denominou essas cognições de pensamentos
automáticos e as dividiu em três dimensões: ideias negativas sobre si
mesmos, sobre o mundo e sobre o futuro. Dessa forma, Beck auxiliava os
pacientes na identificação desses pensamentos e ajudava-os a pensar de
forma mais realista. Como resultado, sentiam-se melhor emocionalmente e
apresentavam comportamentos mais adaptativos. Assim, quando os
pacientes mudaram suas crenças subjacentes sobre si mesmos, seu mundo e
outras pessoas, a terapia resultou em uma mudança duradoura por meio da
reestruturação cognitiva. Segue-se, então, que uma estratégia cognitiva
básica na TCC seria ajudar os pacientes a modificar os pensamentos mal-
adaptativos como um veículo para melhorar seu humor.
Terapeutas cognitivo-comportamentais trabalham compartilhando com o
paciente (a partir da formulação de caso clínico personalizada para suas
queixas), intervenções de maneira estratégica. Estas são criadas de forma
colaborativa com o paciente e são projetadas para movê-los na direção do
cumprimento de seus objetivos de tratamento. A eficácia dessas
intervenções pode ser avaliada, ao longo do tratamento, tomando como base
a formulação do caso clínico inicial que é produzida pela coleta minuciosa
da história clínica. A todo momento, portanto, a história clínica bem colhida
e as estratégias de tratamento pensadas a partir dela (formulação de caso
clínico), podem ser revisitadas para melhor condução do tratamento.
Hoje, a estratégia da reestruturação cognitiva é central na TCC, embora
deva ser observado que alguns ramos contemporâneos da TCC promovam
abordagens cognitivas alternativas, como o distanciamento dos
pensamentos em vez de mudá-los, como a terapia de aceitação e
compromisso, e o mindfulness. Estratégias comportamentais na TCC são,
por sua vez, focadas em superar a evitação, engajar o paciente em um
comportamento pró-social e fazer com que ele exerça o autocuidado. Por
exemplo, a ativação comportamental para a depressão ajuda os pacientes a
se envolverem mais ativamente em suas vidas. Já a exposição para
ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados ao
estresse e ao trauma ajudam os pacientes a extinguir as respostas de medo
por meio do contato sistemático com estímulos e situações temidas.
A TCC também poderá ser útil para pacientes que estão lidando com
problemas do cotidiano e não têm, necessariamente, o diagnóstico de algum
transtorno mental. Técnicas cognitivas como a terapia de resolução de
problemas podem ser adotadas para ajudar os pacientes a verem os
problemas de forma adaptativa, enquanto técnicas comportamentais podem
ser úteis no sentido de permitir que implementem soluções para seus
problemas.
Alguns estudos mostram que médicos generalistas usam a TCC,
principalmente, para conduzirem pacientes com diagnóstico de transtornos
depressivos e de ansiedade. Do amplo repertório de indicações que já
existe, destacamos alguns diagnósticos e problemas clínicos cuja
abordagem por meio da TCC podem ser de maior interesse para o médico
clínico no seu cotidiano de trabalho: dor crônica, insônia, quadros
depressivos pós-parto, transtornos por uso de substâncias e transtornos
mentais na infância e na adolescência.
2. PSICANÁLISE
Há até hoje uma discussão quanto aos limites, às similaridades e às
distinções entre psicoterapia, psicoterapia de orientação analítica e
psicanálise propriamente dita. À época do surgimento da psicanálise, no
início do século XX, a denominação psicoterapia referia-se a qualquer
tratamento que visava curar doenças psíquicas usando meios não físicos
(como banhos medicinais, eletroterapia, entre outros). Nesse contexto,
Freud não fazia distinção entre a psicoterapia e a psicanálise. Só na década
de 1950, com a absorção da psicanálise – antes uma área
caracteristicamente médica – pela psicologia, houve interesse em fazer
diferenciação entre psicanálise e psicoterapia. Há então o surgimento da
psicoterapia de orientação analítica, muitas vezes chamada de psicoterapia
psicodinâmica.
Grosso modo, a psicanálise clássica freudiana tem sessões quase diárias,
com os princípios da neutralidade, realiza trabalho interpretativo dos
conflitos infantis pelo manejo da transferência (conceito esmiuçado mais à
frente). Na psicoterapia psicodinâmica, há a possibilidade de sessões
semanais, disposição face a face entre terapeuta e paciente, utilizando
interpretações variadas e não somente a transferencial. São similares,
contudo, na sua fundamentação teórica – a metapsicologia – e no seu
método clínico, caracterizado por 4 elementos: o inconsciente, a
interpretação, a resistência e a transferência.
A metapsicologia literalmente significa o que está além da psicologia,
entendendo a psicologia como o discurso (do) consciente. Fundamenta-se
na articulação de uma série de conceitos complexos que tem como base a
existência de uma região psíquica inacessível pelo discurso consciente,
chamada inconsciente. Por meio da técnica de associação livre, o paciente
é convocado a falar descomedidamente sobre seu sofrimento e, à medida
que a transferência se estabelece com o terapeuta, as origens inconscientes
de seus conflitos intrapsíquicos emergem, e é assim possível que haja
possibilidade de ressignificação dos sintomas.
Os conceitos de transferência e resistência são fundamentais não só
para psicanalistas, mas para qualquer profissional da saúde. O primeiro, a
transferência, estabelece-se na relação entre o paciente e o terapeuta em que
os desejos e as fantasias inconscientes do paciente se manifestam nesse
relacionamento. Pode apresentar-se como uma fantasia de proteção em que
o médico seria o pai protetor e o paciente o filho fragilizado; como a mãe
acolhedora (médico) recebendo o filho carente ou mesmo como o irmão
(médico) usurpador contra o irmão (paciente) querelante, dentre outros.
Tendo posse desse entendimento, o generalista pode compreender algumas
dinâmicas peculiares dos pacientes no atendimento, como os presentes
recebidos (e os tipos desses presentes) mesmo que a consulta seja paga, a
forma carinhosa ou ruidosa em que o paciente lhe dirige a palavra ou as
incessantes visitas ao consultório mesmo que as queixas pareçam vagas e
sem expressividade sintomática significativa.
Posto que o trabalho terapêutico analítico seria o de acessar os conflitos
inconscientes por meio da associação livre e a interpretação sintomática do
paciente, a resistência seria tudo o que se opõe a esse acesso, seja por atos,
seja por palavras. Entendendo o cerne inconsciente do sintoma como um
núcleo, esse núcleo é recoberto de camadas de resistência. Quanto mais
próximo da origem inconsciente sintomatológica, maior será a resistência.
Qual o sentido de o paciente resistir ao seu próprio tratamento? Freud
teoriza que seria uma forma defensiva de impedir que pensamentos,
sentimentos ou comportamentos insuportáveis para o sujeito se tornem
conscientes: um ódio homicida contra um filho, um amor incestuoso, ou
outros desejos obscuros (mesmo que de forma simbólica e velada). Sabendo
que o sintoma neurótico tem função de simbolizar um enlace traumático
prévio, a resistência seria a tentativa inconsciente do sujeito de mantê-lo em
voga, impedindo-o de encarar conscientemente os seus desejos mais
inomináveis. De alguma forma, a resistência pode estar implicada no
paciente que esquece de tomar sua medicação de forma regular, naquele que
abandona o tratamento na época em que estava melhor dos sintomas ou até
naquele paciente que não lembra de ir para o atendimento.
As abordagens psicanalíticas têm, pelo método apresentado aqui,
obstáculos para se adequarem aos desenhos de pesquisa em medicina
moderna (ensaios clínicos randomizados) e, por isso, em comparação com
outras abordagens, como a cognitivo-comportamental, têm menos
evidências acumuladas de eficácia, apesar de vários trabalhos referenciarem
o seu efeito benéfico até mesmo em seguimentos longos (5 anos),
independentemente da modalidade psicanalítica empregada (psicoterapia
psicodinâmica ou psicanálise).
3. HUMANISMO
Embora o termo humanização seja muito utilizado no contexto da atuação
dos profissionais de saúde, referindo-se a uma discussão sobre a
importância de um fazer menos objetivo e que leve em consideração as
particularidades e a subjetividade dos pacientes, não é a esse entendimento
que nos referimos quando pensamos em psicologia humanista. Tal corrente,
também nomeada como a “terceira força em psicologia” surge com o intuito
de ampliar a visão de homem compreendida tanto pela abordagem
psicanalítica quanto pela behaviorista (comportamental), as duas grandes
abordagens da psicologia em meados de 1960. A psicologia humanista não
é, no entanto, uma escola de pensamento, mas “um conjunto de diversas
correntes teóricas que têm em comum a convergência humanizadora da
abordagem do homem”32. A gestalt-terapia e o psicodrama, técnicas que
apresentaremos em seguida, estão associadas ao humanismo, pois
compartilham da visão holística de homem.
3.1. Gestalt-terapia
A gestalt-terapia pauta-se no “aqui-agora”, ou seja, parte da perspectiva da
importância da tomada de consciência da experiência atual do paciente
(cliente, como assim nomeia a abordagem). O método possibilita um
contato autêntico com os outros e consigo, uma forma de ajustamento
criativo do organismo ao meio. Os acontecimentos trazidos pelo paciente
são vivenciados, tanto pelo terapeuta como pelo cliente, e o intuito é
conferir novos olhares, sentidos e significados. Um dos conceitos
importantes para abordagem é o awareness, que seria a tomada de
consciência de cada pessoa sobre si e sobre o mundo. A gestalt-terapia
entraria como um auxílio na busca de autorregulação e da realização.
A terapia ocorre nos moldes tradicionais de psicoterapia, a partir de
encontros regulares (semanais, quinzenais) com o tempo médio de 50
minutos a uma hora de duração. Existe uma gama de estudos apresentando
relatos sobre o uso da gestalt-terapia em situações de esquizofrenia,
depressão, suicídio, pacientes borderline e com transtorno de ansiedade.
Assim como as demais abordagens, a gestalt-terapia tem fundamentação e
efeitos que evidenciam a sua eficácia e importância.
3.2. Psicodrama
Na mesma linha da gestalt-terapia, o psicodrama também surge com o
intuito de fugir dos métodos considerados pela psicologia humanista
individualistas e racionalistas. O psicodrama entende o homem como um
ser biopsicossocial. Seu criador, Levy Moreno, considerava como um
método socioterapêutico capaz de integrar todos os tipos de arte: teatro,
dança, música. O psicodrama objetiva libertar o homem da robotização,
uma fuga da adequação e ajustamento em relação à sociedade. Almeja-se a
espontaneidade, um cliente que seja “capaz de exercer uma ação renovadora
e transformadora de si e da sociedade”. Grosso modo, é uma forma de
terapia em que o paciente é colocado em um “palco” onde pode exteriorizar
seus problemas.
De início o psicodrama foi pensado para aplicações em grupo, não à toa
que também é de autoria de Moreno a técnica de psicoterapia de grupo. No
entanto, o método psicodramático também pode ser aplicado em situações
de atendimento individual, nomeada como psicodrama bipessoal. Na
verdade, pode ser adaptado a qualquer tipo de situação e a todos os níveis
de idade.
A partir dessa técnica, alguns pesquisadores têm realizado estudos sobre
a Terapia Familiar Psicodramática Baseada em Cena (SB-PFT). Tal
terapêutica integra os princípios da terapia familiar, do psicodrama e da
metodologia do grupo multifamiliar. Estudos sobre a eficácia do SB-PFT
em contextos de adolescentes com problemas comportamentais têm sido
realizados com resultados positivos. Um dos pontos diferenciadores do
psicodrama é a possibilidade da interação e dramatização com o outro,
podendo ser esse o próprio terapeuta, os pais, um grupo de convivência,
entre outros.
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