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Rascunho 1

1- a) O “artesanato intelectual”¹ de C.Wright Mills surge em oposição ao modelo de


sociologia desenvolvido nos EUA, no início do século XX. Tal modelo, reflexo de uma
sociedade altamente industrial, se caracterizava por sua forma abstracionista, impessoal e
mecanizada de analisar a sociedade. Os sociólogos da Teoria da Modernização buscavam
esquemas de conceituação que pudessem ser aplicados a todas as organizações sociais,
resultando em uma série de anacronismos e noções descontextualizadas. Como resposta a
esse modelo de pesquisa “industrial”, W.Mills irá propor um modelo “artesanal” de
sociologia, com ênfase na personalização e na contextualização do trabalho em relação ao seu
autor e ao mundo. Ele propõe uma espécie de estudo manufaturado, em que o pesquisador irá
se utilizar de dados do seu meio e de vida pessoal para analisar a sociedade. Este, portanto,
deve considerar tanto as realidades objetivas como subjetivas de cada estudo para que se
possa, como diria William Dilthey, “compreender”, ou seja, reviver os “sentidos” de cada
fenômeno sociológico, a partir de seu contexto.
Em outras palavras, para Mills, o verdadeiro intelectual não separa a sua vida cotidiana da
sua vida de estudo, ou, como diria A.D Sertillanges em La vie Intellectuelle², “ o intelectual
não é um isolado”, mas trabalha numa unidade da vida em que a experiência pessoal se
conecta com as matérias de estudo da atividade intelectual. Nesse método indutivo de
pesquisa, o que vale mesmo é utilizar ao máximo o potencial de sua “imaginação
sociológica”, conceito criado por Mills para definir a capacidade de enxergar, até mesmo nas
banalidades do dia a dia, reflexos da organização social.
Para exercitar essa potência essencial aos sociólogos, Mills propõe que se anote tanto suas
experiências pessoais como os seus estudos, para criar, entre eles, paralelos que deem origem
a novas pesquisas e descobertas sobre a realidade social. Além disso, o rearranjo dessas
mesmas anotações também serve para encontrar conexões ainda não exploradas entre
trabalhos de diversos autores, como também em experiências até então desconexas da vida
corriqueira

Referências
1. ( C.Wright Mills, Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios)
2.( A.D.Sertillanges,1942, p.33)
b) Todo diário é uma conversa entre o autor e sua realidade. C Wrigth Mills propõe seu uso
como forma de se tornar mais atento aos fenômenos, principalmente os de cunho social, que
nos cercam, e assim exercitar nossa “imaginação sociológica”. Como exemplo disso, citarei
como uma aula me fez questionar sobre os limites da individualidade humana. A partir disso,
foi gerada uma subsequente pesquisa provinda dessa dúvida, que foi anotada em meu diário.
Quando trabalhávamos sobre o conceito postulado por Peter Berger de “localização social”,
me deparei com o seguinte problema: até onde aquilo que chamamos de individualidade é
verdadeiramente fruto de nossas próprias forças? Qual a relação entre as formas de pressão
social e a nossa própria individualidade?
Tendo guardado estas indagações no diário, fui em busca de dados. Para começar,
considerei relevante conceituar e diferenciar os termos "indivíduo", ``individualidade'', e
“individualismo”, utilizando este outro exercício (pesquisa por termos) para imaginação
sociológica proposto por Wright Mills.
O primeiro, encontrei exposto em um artigo do site RedePSI, entre os conceitos
fundamentais da psicologia de Viktor Frankl. Esse considerava o indivíduo segundo a própria
etimologia da palavra, “In” = não + dividuum = divisível. Ou seja, o indivíduo é um
organismo social indivisível, sendo o princípio de todo grupo social, assim como o quark é o
princípio da matéria para a Física. Todo indivíduo possui três dimensões: biológica, espiritual
e psicológica, que interagem entre si e o definem.
Já o termo “individualidade”, decidi usar conforme aparece na matéria“Psicologia do
fanatismo”, escrita pelo professor Olavo de Carvalho, no Jornal da Tarde (Olavo de
Carvalho, 2002, p.1), onde ele se baseia na psicologia do já citado Frankl para chegar a uma
certa terminologia. Segundo o filósofo, a individualidade é uma síntese única de
características e circunstâncias que particulariza um indivíduo. O sociólogo Ortega y Gasset
representa bem essa ideia ao dizer “ eu sou eu e minhas circunstâncias”. (Ortega y Gasset,
1914, p. 322).
Por fim, o individualismo é, segundo o Dicionário de Sociologia de A.G Johnson,

…uma maneira de pensar em como pessoas se relacionam com sistemas


sociais e na natureza dos próprios sistemas. No primeiro sentido, o
individualismo surgiu como doutrina na França de princípios do século XIX
e defendeu a primazia dos interesses individuais sobre os da sociedade. Essa
tese provocou grande controvérsia na época, e até certo grau de horror, ante
a possibilidade de pôr um fim à obediência e ao CONTROLE SOCIAL e
dar início ao caos. Desde então, arraigou-se nas culturas das sociedades
capitalistas industriais do Ocidente, nos Estados Unidos em particular.
(Johnson, 1995, p 230)

A partir daí , pude desenvolver o seguinte enunciado, que poderá ser elaborado melhor em
um futuro estudo: O indivíduo é um princípio potente que ,ao ser colocado em sociedade,
ganha uma quarta dimensão de ser, a social, sendo essa capaz de alterar as suas outras três
dimensões. Ao fazer isso, essa relação indivíduo/sociedade forma aquilo que se chama hoje
de individualidade, fenômeno que sempre existiu, mas que só foi devidamente reconhecido
na modernidade ocidental, onde ganhou notoriedade e se tornou base para novas ideologias
políticas. Vê-se , portanto, que a escrita de um diário e a pesquisa por termos, são ótimos
exercícios à imaginação sociológica.

1 b) (1.2)

A “imaginação sociológica” de um intelectual, como exposta por C.W Mills, se desenvolve através
de alguns exercícios simples, que buscam trazer reflexões e conexões quanto a realidade social
expressa no cotidiano. Dentre esses exercícios, a pesquisa terminológica é um dos mais efetivos
métodos de organizar corretamente o pensamento, para então começar uma pesquisa mais elaborada
sobre os temas em questão. Dentro de minha realidade enquanto estudante, posso citar como esse
método tem me ajudado numa reflexão específica quanto a importância da semiótica para a
sociologia, e para as ciências sociais em geral.
Enquanto fazia uma leitura do Dictionary of Symbols, de J.C Cirlot, sobre os significados
simbólicos da “espada”, me deparei com o seguinte trecho, que foi por mim traduzido para o
português: “ Não há dúvida que existe um fator sociológico no simbolismo da espada, uma vez que a
espada é um instrumento próprio do cavaleiro…” (J.C Cirlot, 1962, p 670). A partir daí comecei a me
questionar quanto ao poder que o simbolismo tem nas relações sociais. Como os símbolos afetam as
sociedades? E qual a importância dos mesmos para a manutenção da ordem social? Para responder
essas indagações, resolvi começar uma pesquisa pela distinção entre ”sinal” e "símbolo".
Segundo o Tratado de Simbólica, de Mário Ferreira dos Santos, sinal “é tudo que nos aponta outra
coisa com a qual tem relação natural ou convencional” (Mário Ferreira dos Santos, 1959, p.14).
Assim, tanto os fenômenos naturais, a exemplo das nuvens negras que sinalizam a chuva, e até os
sociais, como um beijo que indica uma relação afetuosa entre indivíduos, são sinais, uma vez que
apontam para outra coisa com a qual tem relação, seja de forma convencional, como no segundo caso,
ou natural, como no primeiro. A partir daí vemos que eles estão presentes na linguagem, enquanto sua
unidade básica (tomando aqui sinais enquanto sinónimos de signos). Nesse sentido, sinais são
importantíssimos para a comunicação humana, e, portanto, para seu desenvolvimento social, uma vez
que, como caracteriza Aristóteles, a linguagem é aquilo que permite que os homens se relacionem e
desenvolvam sua natureza enquanto zoon politikon. “A linguagem é um guia para realidade social”,
como diria Sapir Whorf (Sapir, The status of linguistic as a science,1929)
Símbolo, no entanto, não é algo completamente diferente de sinal, mas um tipo do mesmo. São na
verdade sinais convencionais relacionados a imagens, valores morais, religiosos, místicos, que “se
expandem do campo do consciente para o inconsciente “ (Adrian Frutiger, Signs and Symbols Their
Design and Meaning, , 1928, p 236). Foi através de símbolos que a humanidade desenvolveu sua
linguagem religiosa e social, atribuindo a imagens, gestos, rituais, dentre outros elementos, um valor
arbitrário que não existia neles. Dessa forma, podemos dizer que não é possível estudar as influências
da religião, dos costumes e da cultura sem um estudo básico de semiótica.
Com os termos em “mãos”, pude logo de cara conectá-los a aquilo que se propõe a sociologia, o
estudo das realidades sociais, e assim estimular minha imaginação sociológica, graças a esse curto
exercício de pesquisa de termos.

2. Como ordem social, entendemos o conjunto de fatores de pressão social que uma
sociedade apresenta tendo em vista a coesão entre os seus integrantes. Desde do momento
em que entramos na sociedade até o instante em que saímos, somos inseridos nessa dinâmica
de socialização ‘'para que cada um de nós[...]se comporte dentro dos cânones estabelecidos
pela convivência. ” (Sociologia Básica, A.L. Machado Neto,1930, p. 147).
Essa ordem, segundo Peter Berger apresenta em seu livro Perspectivas Sociológicas, se faz
possível graças a duas formas de pressão social: o controle social e a estratificação social.
A primeira, segundo a maneira que o próprio autor apresenta, “refere-se aos vários meios
usados por uma sociedade para ‘ enquadrar’ seus membros recalcitrantes” (Peter Berger,
1963, p. 81). Os métodos utilizados não são sempre os mesmos, e se apresentam segundo o
grupo ao qual estão envolvidos. Isso ocorre de tal maneira que um homem pode ser
socialmente controlado de uma forma pela sua ocupação, de outra pela sua religião e de mais
outra pela sua família, para que se adeque aos preceitos de cada um (se levarmos em
consideração ainda o gênero, poderemos dizer que até homens e mulheres nos mesmos
“contextos” sociais sofreram o controle de formas diferentes, já que, para a sociedade, estes
possuem papéis sociais distintos.) Mas, seja qual for o tipo de associação a qual estão
submetidos, “os mecanismos sociais funcionam de maneira a eliminar membros indesejáveis
e […] para estimular os outros ” (Peter Berger, 1963, p. 81). É através dessa coerção que se
pode, por exemplo, criar uma ordem jurídica e civil que por sua vez pune aqueles que não as
obedecem. Ainda segundo Berger, não existe sociedade que não apresenta controle social.
(Peter Berger, 1963, p. 81)
Já a estratificação social, “refere-se ao fato de que toda sociedade se compõe de níveis inter-
relacionados em termos de ascendência e subordinação”, ou seja, “ toda sociedade possui um
sistema de hierarquia” (Peter Berger, 1963, p. 91). É a partir desse processo de hierarquização
que se define o quanto de poder, privilégio e prestígio um indivíduo possui, o que por sua vez
influencia, quando não determina, o princípio e o fim de cada uma das suas ações dentro da
organização social. Existem tipos diferentes de estratificação, cada um com sua própria
dinâmica hierárquica. Não se pode, por exemplo, estudar as ações de um indivíduo de uma
sociedade de classes da mesma forma que de outro de uma sociedade de castas.
Esses fenômenos não são independentes um do outro, mas se correlacionam. O topo de uma
hierarquia costuma ter mais meios de controle social que a sua base, mas um líder ideológico
ou religioso pode muito bem ter mais prestígio que um Rei e incitar os seus súditos a se
rebelarem contra ele. Por isso, para entender como a ordem social se estabelece e se torna
possível é indispensável que haja uma maior compreensão da estratificação e do controle
social, ou seja, das pressões sociais sobre o indivíduo.

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