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Erving Goffman, The interaction order / A

ordem da interação
American Sociological Review, 48, 1983

Teorias Sociológicas - as Grandes


Escolas
Docente: Renato Miguel do Carmo
Perspetiva dramatúrgica (síntese prévia)
• Ordem performativa e ritualizada
• A interacção (face-a-face) realiza-se por reunião (ocasião social) de indivíduos no
mesmo espaço (encontros)
– A interação nos encontros é regulada por regras próprias sobre quem, o quê e como se participa.
• Compõe-se de forma performativa, em que o indivíduo tende a representar
determinado papel social como se tratasse de um guião (ex.: professor e aluno em
sala de aula).
• E. Goffman incorpora no seu quadro analítico uma dramaturgia da ação, em que os
indivíduos/equipas não só ‘vestem’ certos papeis socais como os moldam em
função de diferentes contextos e fronteiras espaciais, limitadas por barreiras de
perceção:
– A região frontal (o palco), a região de retaguarda (os bastidores), o cenário, a audiência.
• Estabelece-se uma ritualização dos modos de atuação que se repetem
quotidianamente perante os quais o ator pode deter uma atitude mais mecanizada
ou mais manipulativa.
• A ação vista como representação dramatúrgica tem um significado diferente da
perspetiva que atribui um significado plenamente voluntarista à ação, que deriva de
uma tomada de decisão meramente racional. No entanto, identifica-se um sentido
estratégico nessa composição performativa desenvolvida pelo ator.
Ordem da interação: pressupostos
• Interação social pode ser definida como aquilo que surge
unicamente em situações sociais (2 indivíduos, ou mais, fisicamente
em resposta de um e de outro).
• Ordem de interação: domínio do face-a-face e da micro-análise.
• Processos e estruturas específicas da ordem da interação:
– Circunscrita no espaço-tempo.
– Ritualização social (estandardização do comportamento corporal e vocal).
– Centro/ focus de atenção comum, coordenação estreita e continuada da
ação.
– Identificação categorial (colocar o outro numa categoria).
– Identificação individual (o indivíduo observado é associado a uma
identidade única, tem uma dada aparência, um certo timbre de voz, um
nome…).
– Limites do território pessoal (aos nossos corpos e adornos, torna-nos
vulneráveis).
– A relação cognitiva que resulta de uma interação é na maior parte dos
casos uma relação extra-situacional (a informação que dispomos sobre o
outro ultrapassa o contexto situacional).
Nem por via do consenso, nem do contrato
• Ordem de interação como domínio de atividade
(pressuposições cognitivas partilhadas, de constrangimentos
auto-mantidos, pressuposições normativas…).
• O seu funcionamento pode ter por base a adesão a um
sistema de convenções (regras de jogo, código, sintaxes…).
– Explicação com base no contrato social (facilitação da
coordenação com benefícios para os participantes).
– Explicação com base no consenso (produto consenso normativo
adquirido e interiorizado pela socialização).
– Nem uma nem outra podem não ser válidas: a cooperação pode
não derivar de uma crença na legitimidade de um contrato, nem
na crença dos valores últimos ou em normas particulares.
– A adesão às convenções é em muitos casos tácita/tática e pode
ser até um meio pelo qual se viola a conformidade a contratos ou
consensos.
Entidades/unidades interacionais
(zoo interacional)
• Unidades ambulantes (ex.: filas, procissões).
• Contatos (ex.: troca de cumprimentos, troca de
olhares…).
• Encontros conversacionais (ex.: discussões entre
amigos, colegas...).
– Reuniões formais (ex.: audição de testemunhas,
julgamentos…).
– Atividades entrelaçadas que não exigem vocalização (ex.:
jogos de cartas, interações de trabalho, contatos
amorosos, comensalidade).
• Performances em cena (ex.: peça de teatro, concurso,
um debate televisivo…).
• Ocasiões de celebração social (ex.: cerimónias).
Ordem de interação e estruturas sociais (i)
• O impacto direto dos efeitos de uma situação sobre as estruturas
sociais (3 exemplos):
– A dependência de organizações complexas de pessoas particulares
(líderes, dirigentes): acidentes súbitos e inesperados…
– Grande parte do trabalho desenvolvidos pelas organizações mais
complexas assenta em interações face-a-face (empresas
multinacionais, governos, grandes instituições).
– As formas de seleção/reprodução social concretizam-se em muito
casos por via da interação face-a-face (recrutamento para
cargos/ocupações)… mas também é por via da interação que estas
podem enfraquecer.
• Goffman chama a atenção para a eventual dependência das
estruturas e a sua maior ou menor vulnerabilidade em relação às
situações face-a-face.
– No entanto, não defende que as estruturas se devam reduzir à
agregação/extrapolação de efeitos interacionais.
– Nem que o comportamento face-a-face é mais real ou menos abstrato.
Ordem de interação e estruturas sociais (ii)
• “Afirmo apenas que há formas de interacção na vida que são unificadas pela utilização e
repetições constantes a que os indivíduos as submeteram, os quais devem, apesar da sua
heterogeneidade, chegar rapidamente a um acordo para trabalhar (working
understanding); estas formas tornam-se, então, mais acessíveis a uma análise
sistemática, o que não acontece com os processos internos ou externos de grande
números das entidades macroscópicas (parte V: pag. 213, par. 52 [ed. Port.]; pag. 9 [ed.
Ing.])”

• “As estruturas sociais não ‘determinam‘ culturalmente manifestações standard, limitam-


se a ajudar a selecionar entre reportório disponível destas manifestações (parte VII: pag.
218, par. 60 [ed. Port.]; pag. 11 [ed. Ing.]).”

• É assim que, em geral (e abstraindo das qualificações), o que encontramos, pelo menos
nas sociedades modernas, é um lugar não exclusivo, uma ‘ligação vaga’ (‘loose coupling’)
entre práticas interaccionais e as estruturas sociais, um deslocamento (collapsing) de
estratos e de estruturas em categorias mais vastas (broader categories), não
correspondendo as próprias categorias termo a termo a nenhum elemento do mundo
estrutural, uma espécie de engrenagem de diversas estruturas nos mecanismos
interaccionais. Ou, se quisermos, um conjunto de regras de transformação, uma
membrana que seleciona o modo como diversas distinções sociais, exteriormente
pertinentes, serão tomadas em conta ao longo da interação (parte VII: p. 220 / par. 62
[ed. Port.]; pag. 11 [ed. Ing.]).

• Goffman, Erving ([1983] 1999), “A Ordem da Interacção”, in: Os momentos e os seus homens, Lisboa, Relógio d’Agua, pp. 190-
235
Ordem de interação e estruturas
sociais (iii)
• Estabelece-se uma ligação (interface) entre
práticas interacionais e as estruturas sociais:
– As relações sociais são centrais nesse interface:
conhecimento de informação biográfica do outro que
ultrapassa uma dada situação de interação.
– A importância dos estatutos difusos (idade, sexo,
classe, raça):
• Grelha de atributos em que cada indivíduo pode ser situado.
• Interpretação de atributos exteriores / expressões corporais
(sem necessidade de informação prévia). Facilidade de
perceção que advém do conhecimento incorporado ao longo
da socialização.

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