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Universidade Federal de Minas Gerais

Departamento de Sociologia e Antropologia

Trabalho
Giddens

Julia Álvares

2014
I - Como explicar o caráter padronizado e recorrente das práticas sociais?

Os fatos sociais durkheimianos possuem uma característica fundamental: são


externos aos sujeitos. Existiam desde antes de seu nascimento, continuarão após sua
morte, e existem independentemente de sua vontade.

Giddens procura ir além desse paradigma funcionalista com a teoria da


estruturação. Se funcionalismo e estruturalismo, de um lado, representam a
externalidade das práticas sociais e a preponderância do todo sobre as partes, a
hermenêutica e demais teorias interpretativas dão destaque à subjetividade, à ação em si
e o significado atribuído. Para Giddens essas duas correntes podem ser religadas como
esferas inseparáveis de um mesmo todo, pois não se trata da “(...) experiência do ator
individual nem a existência de qualquer forma de totalidade social, mas as práticas
sociais ordenadas no espaço e no tempo” (GIDDENS, 2013, p. 2).

A estrutura é constantemente recriada pelas práticas sociais. Essa estrutura é


formada por regras, padrões aos quais os agentes procuram adequar suas ações, e
recursos, circunstâncias e estoque de possibilidades derivados da interação. Ao mesmo
tempo as práticas se configuram seguindo ou rompendo com a estrutura, numa relação
de interdependência de existências. Diferentemente de Durkheim, a estrutura de
Giddens não paira sobre os indivíduos como uma consciência coletiva, mas é gerada
continuamente pelas ações sociais concretas (e não aos sentidos subjetivos que os
agentes lhe atribuem), que têm sua origem nessa mesma estrutura.

Estrutura e ação compoem uma dualidade dialética. Pode-se dizer ainda que não
há estrutura e prática social, mas práticas sociais estruturadas e estruturantes. Essa é a
explicação para a continuidade e padronização das práticas sociais, todavia ainda abre
portas para uma teoria da mudança. As estruturas (e logo práticas) se transformam na
continuidade espaço-tempo. O agente se constitui como agente na medida em que têm
domínio para alterar suas ações. Ele possui a “consciência discursiva” e a “consciência
prática” – a capacidade de descrever, por em palavras e atribuir sentido à suas ações, e
as noções e condutas internalizadas que vão para além do discurso, à maneira do hábito.
A linha que as separa é permeável, o que significa que mesmo que um agente não
racionalize suas ações recorrentes, é capaz de explicá-las se necessário.
Essas consciências constituem tanto o “cimento” da reprodução da sociedade,
por sua automaticidade quanto à chave para suas alterações, na reflexividade sobre as
próprias ações, o monitoramento contínuo do fluxo da vida social. Mesmo com esse
monitoramento são geradas o tempo todo consequências não previstas. Essas
consequências podem tanto acarretar em mudança estrutural quanto reforçar a presente
estrutura, ao reproduzir automaticamente contextos estabelecidos. A isto o autor
chamou “condição reflexiva” da atividade humana.

Na vida cotidiana como fluxo de ação intencional, não importam as atribuições


subjetivas do agente. As consequências inesperadas ocasionam o “efeito acordeão da
ação”, faz com que as ações se extendam no espaço-tempo para além da previsão e
intenção do agente. Essa extensão vai além da co-presença em que a ação ocorre,
momento este de co-presença em que há maior controle pela incorporação do cenário
onde ocorre a ação e a atenção ao conhecimento mútuo dos que interagem.

II- Como as limitações da presença individual são superadas no estendimento das


relações sociais ao longo do espaço tempo? Como são resolvidos os problemas?

Sem agência humana não há sistemas sociais, para tanto é necessária a co-
presença cotidiana para a criação de um fluxo de ação intencional, a geração de uma
consciência prática e discursiva sobre um contexto reproduzido constantemente, cuja
condição prima é a interação face a face.

Entretanto na modernidade acarreta um desencaixe do espaço-tempo, primeiro


com o advento do relógio mecânico e de um calendário padronizado, o que permitiu um
“esvaziamento” do tempo e o mapeamento de zonas temporais independentes do
espaço. A descoberta de terras ultramarinas no século XVI e o mapeamento do mundo,
além da crescente utilização de medidas padrão de medição de espaço resultaram em
também um “esvaziamento” da noção de espaço. O desencaixe espaço-tempo se trata da
coincidência desses dois fenômenos.

A separação do tempo do espaço permite uma distinção entre lugar e espaço.


Nas sociedades pré-modernas o lugar era onde se davam as interações sociais que
necessariamente ocorriam em dinâmica de co-presença. Com o sistema de desencaixe,
os lugares não deixam de existir, mas se tornam mais e mais “fantasmagóricos”, ou seja,
“penetrados e moldados em termos de influências sociais bem distante deles. O que
estrutura o local não é simplesmente o que está presente na cena; a “forma visíviel” do
local oculta as relações distanciadas que determinam sua natureza” (GIDDENS, 1991,
p. 29).

Entendendo-se aqui que o estendimento das relações sociais ao longo do tempo e


do espaço referem-se ao desenvolvimento da modernidade, admite-se aqui a ideia de
risco, e contingência, o que não existia da maneira a descrever em sociedades pré-
modernas. Para conviver com o risco racional calculado ante a possibilidade de
fatalidades ambientais ou sociais, na modernidade reina a confiança, em lugar da
crença. A confiança admite o risco, a crença, não. A falta de confiança não significa a
desconfiança em si, mas o pânico ante a inexorabilidade da sociedade de riscos.

As fichas simbólicas, como o dinheiro, e os sistemas peritos que governam a


vida na modernidade são instituições completamente dependentes da confiança, como
capacidade não individual, mas abstrata. É uma confiança sem rosto, em um sistema.
Algumas vezes aparecem “pontos de acesso”, como um amigo arquiteto ou contador
antigo e confiável, que dá um rosto a um compromisso sem rosto. Esse reencaixe pode
ser entendido como uma vulnerabilidade da modernidade, mas na verdade se trata de
um reforço e renovação da confiança em um sistema perito.

BIBLIOGRAFIA:

GIDDENS, A. A constituição da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2013.

GIDDENS, A. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Editora UNESP, 1991.

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