Você está na página 1de 3

Na introdução de sua obra Consequências da Modernidade, Anthony Giddens inicia

pontuando que seu objetivo é fazer uma análise institucional da modernidade, tendo como
ênfase as dimensões cultural e epistemológica. Giddens explica que, para ele, a modernidade
é caracterizada como forma de vida, organização social ou estilo que surgiram inicialmente no
continente europeu a partir do século XVII e que, posteriormente, se tornaram mundiais no
que concerne a sua influencia perante outras formas de vida. Para o autor, não estamos em um
período pós-moderno, termo muito utilizado nas discussões acerca do período. Estamos em
um momento em que os aspectos da modernidade estão sendo acentuados, ou nas palavras do
autor, radicalizados e universalizados, mais do que anteriormente. Desse modo, a abordagem
do autor gira em torno de uma concepção descontinuista do desenvolvimento social moderno,
ou seja, tendo em vista que as instituições sociais modernas romperam com formas
institucionais das sociedades tradicionais, sendo necessário, portanto, capturar a natureza
dessas descontinuidades. O autor pontua, então, os aspectos característicos do período e suas
principais implicações.
As formas de vida oriundas da modernidade tardia romperam de forma drástica com
formas de vida de períodos precedentes, tendo proporcionado uma conexão social global e
alterado aspectos íntimos da vida social. Esse caráter descontinuista da modernidade tardia é
caracterizado pelo autor a partir de quatro aspectos. O primeiro aspecto citado por Giddens é
ritmo da mudança, em que o autor aponta que a velocidade das transformações modernas não
encontra paralelo em contextos tradicionais. O escopo da mudança é explicado pelo autor a
partir da interconexão global, que dá às transformações um alcance mundial. Giddens também
trata da natureza intrínseca das instituições modernas, o que significa dizer que as formas
sociais modernas, como o estado-nação, não estão presentes em ordens tradicionais.
Essas transformações possuem, entretanto, um duplo caráter; Giddens afirma que a
modernidade é um período capaz de proporcionar maior sensação de segurança ao sujeito, por
possibilitar a emergência de formas de vida mais estáveis e satisfatórias. Entretanto, traz
consigo um viés obscuro, por conter ameaças que podem acometer a humanidade com um
todo. Um importante aspecto negativo da modernidade é a industrialização da guerra,
marcado pela ameaça de conflito nuclear e pela realidade do conflito militar. Esse foi um fator
não discutido pelos fundadores da Sociologia e indicou limitações no pensamento
sociológico.
A modernidade altera, também, as formas como as dimensões de espaço e tempo são
vivenciadas. No período, tempo e espaço se separam, ou seja, os sujeitos não mais se
localizam temporalmente com base em marcadores socioespaciais; o tempo foi padronizado
trazendo a precisão na indicação das horas do dia, ocasionando uma uniformidade na
organização social do tempo. A uniformização se estende, também, às datas que passaram a
formar um sistema de datação global. O espaço, assim como o tempo, também se torna vazio,
pois este não se associa mais ao lugar já que, no cenário moderno, na vida social não há a
predominância da presença e sujeitos interagem a quilômetros de distância. O lugar torna-se,
então, estruturado não somente pelo o que está próximo, mas também e, sobretudo, pelo o que
está distante. Contudo, a separação entre tempo e espaço fornece as condições para sua
recombinação. Assim, tempo e espaço são rearticulados no que concerne as relações sociais e
possibilitam a coordenação entre atividades e sujeitos localizados em grandes extensões
espaço-temporais.
A separação espaço-tempo é um importante elemento no que concerne ao dinamismo
da modernidade, pois está intimamente relacionada ao desencaixe. Giddens explica que esse
fenômeno vai impactar a vida dos sujeitos, que tinham suas atividades anteriormente
coordenadas através das particularidades do contexto. Ele resultará no deslocamento das
relações sociais de seu cenário local, ampliando o distanciamento do espaço e tempo e sua
recombinação. A recombinação do espaço-tempo é um fenômeno que proporciona novas
possibilidades, por desvencilhar os costumes antes alicerçados nos aspectos locais. A
separação espaço-tempo também ocasiona mecanismos de engrenagem de uma organização
racionalizada, além de uma historicidade radical, com um sistema de datação universal e
padronizado. Nas palavras do autor “tempo e espaço são recombinados para formar uma
estrutura histórico-mundial genuína de ação e experiência.” (Preciso voltar nisso)
Desse modo, Giddens elenca dois tipos de mecanismos de desencaixe: as fichas
simbólicas e os sistemas peritos. As fichas simbólicas são meios de troca que, ao serem
intercambiados, não carregam consigo particularidades dos agentes ou grupos que os utilizam
em qualquer que seja a situação específica. Entre os exemplos de fichas simbólicas está o
dinheiro, que será o foco do autor nessa discussão. Ele é um meio de distanciamento do
tempo-espaço, tornando possível trocas entre sujeitos localizados a grandes distâncias. Mas o
dinheiro, como um mecanismo de desencaixe, também vincula o tempo e espaço, já que
associa presença e ausência.
Os sistemas peritos são sistemas técnicos ou de competência profissional, que segundo
o autor são responsáveis por organizar os âmbitos material e social de nossas vidas. O sistema
no qual estão integrados os peritos – médicos, cientistas, arquitetos, etc – interfere de forma
muito ampla na vida dos sujeitos e suas atividades, que nele depositam sua confiança. Apesar
de a maioria das pessoas possuir um conhecimento mínimo de determinados áreas, eles
possuem uma fé que os faz seguir em frente. Praticamente tudo está permeado pelo
conhecimento perito – construção de prédio, carros, estradas e etc. Ao seguir em frente nas
ações da vida cotidiana, os sujeitos possuem consciência do risco, mas confiam na garantia de
sua minimização pelo conhecimento perito. Os sistemas peritos são mecanismos de
desencaixe, pois, deslocam as relações sociais de seu contexto de interação. Tanto os sistemas
peritos quanto as fichas simbólicas supõem antecipadamente e promovem a separação entre
tempo e espaço, proporcionando formas de garantias daquilo que se espera através de tempo e
espaço distanciados.
A confiança, elemento de suma importância para o período, diz respeito a uma crença
na confiabilidade, ou seja, a crença de que se pode confiar, tendo em mente eventos
contingentes. A confiança está relacionada a ausência em relação ao tempo e ao espaço e
associada à falta de informação. Vincula-se, também, ao inesperado, à contingência, já que ela
implica o exercício da confiabilidade diante de eventos inesperados. A confiança é aquela
crença que não possui um conhecimento que a justifique, ou seja, é uma confiança cega. No
que concerne aos mecanismos de desencaixe, ela diz respeito a uma fé de que princípios, dos
quais se tem um mínimo conhecimento, estejam corretos, a uma confiança em seu pleno
funcionamento.
No que diz respeito à relação entre confiança e risco, Giddens afirma que a primeira é
responsável por diminuir os perigos que encontram-se presentes em algumas possibilidades de
ação. Risco supõe a existência do perigo, ou seja, quando um sujeito arrisca, ele está
procurando o perigo, cortejando-o, sendo que este é um possível obstáculo ao resultado
esperado. O que acontece, na maioria das vezes, é o calculo do risco. O risco aceitável, em
que há a minimização do perigo, é aquele que se possui, em relação a atividade, um domínio
de conhecimento, havendo um equilíbrio entre confiança e calculo do risco e é central no que
concerne a manutenção da confiança.
A reflexividade é o ultimo aspecto discutido pelo autor, no que concerne aos aspectos
que compõem a modernidade. Um monitoramento constante das ações está na base da
reflexividade e a reflexividade característica do período moderno se dissocia da tradição, base
da organização das ações em períodos pré-modernos. Na modernidade, há uma reformulação
e exame das ações, tendo por fundamento o conhecimento constantemente revisado, um
conhecimento que diz respeito a essas mesmas ações e práticas, uma revisão que se estende a
todas as dimensões da vida.

Você também pode gostar