Você está na página 1de 6

Anotações – Cap VI

O significado sociológico da co-dependência

A natureza da co-dependência

Segundo Giddens, o termo co-dependência surge no contexto do alcoolismo,


substituindo o termo propiciador, que se refere àquele sujeito que dá guarida, apoio à bebida
do viciado. Mas o sociólogo tem o termo a partir de outro viés. Para Giddens, a pessoa co-
dependente é aquela que tem necessidade sobre outra ou outras pessoas para manter integra
sua segurança ontológica, ou seja, para que a pessoa possua uma sensação de auto-confiança,
ela precisa estar a serviço das necessidades de outros.
De acordo com Giddens, os relacionamentos que envolvem a co-dependência
possuem e são comandados pela compulsividade. Uma das modalidades de relações que
envolvem a compulsividade é o que o autor chamou de relacionamentos fixados, que ocorre
quando o próprio relacionamento é objeto do vício, fazendo com que as partes envolvidas
direcionem à relação a promoção de sensações de segurança, ausentes em outros âmbitos. As
formas mais amenas desse tipo de relacionamento estão naqueles que são sustentados pelo
hábito, já as formas mais radicais são as vinculadas em antagonismos mútuos, que impedem
que as pessoas se dissociem.
Giddens explica que a co-dependencia é distinta do relacionamento fixado, que é
construído em torno de uma dependência compulsiva. Nesse caso, o laço que une os sujeitos
alcança um caráter obrigatório e nenhuma das partes evidencia-se como um viciado. Giddens
explica que o relacionamento fixado envolve, ainda, uma “divisão de papéis” entre aqueles
que integram a relação, além da ausência de consciência do vício. Giddens explica que “cada
pessoa depende de uma “alteridade” proporcionada pelo parceiro, mas nenhum dos dois é
inteiramente capaz de reconhecer a natureza de sua dependência do outro, ou de com ela
chegar a um acordo.” (p.102)
Nesse sentido, as terapias fornecem importantes indícios no que concerne às
transformações que teriam influenciado esses relacionamentos. Evidenciam o relacionamento
puro, vínculos com o projeto reflexivo do eu e com o amor confluente. Nesses
relacionamentos viciados, Giddens percebe que, por exemplo, o controle do eu, elemento
fundamental para o relacionamento puro, não é algo presente. Além disso, a auto-identidade
passa a estar submetida ou ao outro ou às rotinas.
O autor ressalta, ainda, que a terapias envolvem uma exigência reflexiva, alicerçada
no reconhecimento; se reconhece para posteriormente intervir. É um reconhecimento pautado
na escolha, que é importante pois leva o indivíduo a fazer um exame em relação às limites,
problemas e possibilidades que estão à sua disposição. É um momento altamente reflexivo,
marcado pelo diálogo do sujeito consigo mesmo que possibilita uma reprogramação, e, por
conseguinte, possibilidades de modificação.
A reflexividade é de extrema relevância, pois além da reprogramação ela traz o
reconhecimento da escolha, que envolve a superação do vício e dos dilemas relacionados à
ele. Mas Giddens explica que a reflexividade é necessária mas não suficiente por si para sair
do vício. Ainda assim, é de extrema relevância, pois a escolha vai expressar sobre o eu, algo
que não se faz presente nos relacionamentos compulsivos, já que nesses casos, há um
impedimento em relação à exploração da auto-identidade de forma reflexiva.

Tópico II

O vício e a questão da intimidade

Para Giddens, os sujeitos caracterizados como co-dependentes forjam suas auto-


identidades por meio dos comportamentos e carências do outro. Nesses relacionamentos, o eu
se funde com o outro, pois o vício se torna uma fonte principal de segurança ontológica.
Nesse sentido, nas terapias direcionadas a solucionar esses relacionamentos, os sujeitos tem
como primeiro exercício se desprender do outro.
Esse processo, afirma-nos Giddens, apesar de parecer estar conduzindo o sujeito a um
comportamento egoísta, é um processo que traz a possibilidade de alcançar o amor confluente.
É uma condição prévia para que o sujeito reconheça o outro enquanto um sujeito
independente, com aspectos característicos próprias e que pode ser amado desse modo, além
de libertá-los desse tipo de relacionamento obsessivo.
Para que os relacionamentos não sejam viciados, é essencial o estabelecimento dos
limites pessoais. Esses limites são o elemento que vai determinar “o que pertence a quem” e
neutralizar os impactos da identificação projetiva. Além disso, vai afirmar Giddens, os limites
são importantes para conservar a intimidade e para a existência do amor confluente.
Intimidade significa, para o autor, conhecer os aspectos característicos do outro e revelar-se,
abrir-se para ele. Esse processo de abertura envolve limites pessoais, sensibilidade e tato,
enquanto elementos importantes para o estabelecimento dessa comunicação. Além disso,
abertura, vulnerabilidade e confiança precisam estar em equilíbrio, pois vai determinar se
esses limites pessoais serão ou não positivos para a relação, se vão obstruir ou estimular essa
comunicação envolvida no processo de abertura. O equilíbrio também tem que estar presente
no que se refere ao poder. Giddens explica que o relacionamento, que possui uma promessa
de intimidade, depende da emergente autonomia das mulheres e da sexualidade plástica,
sendo que ela não pode estar vinculada ao duplo padrão.

Tópico III

Intimidade, parentesco, paternidade/maternidade

O parentesco, afirmou Giddens, foi durante muito tempo visto como um elemento
estabelecido naturalmente, seja pelo viés biológico seja pelas relações determinadas por meio
do casamento. Entretanto, o autor discorda da afirmação de que as relações de parentesco
teriam declinado em razão do desenvolvimento das instituições modernas, fato que teria
levado também ao declínio da família nuclear. Para Giddens, houveram rearranjos resultando,
muitas vezes, em famílias recombinadas a partir da própria família nuclear. O que alterou-se
foi a natureza dessas relações, que passam a ter uma confiança e compromissos negociados,
onde antes eles eram “tacitamente aceitos.”
O autor cita o estudo de Janet Finch, que afirmou haver no interior das relações de
parentesco contemporâneas o elemento “decisão”. Os sujeitos optam por uma maneira de lidar
com seus parentes, e desse modo, vão dando forma ao que o autor chama de “uma nova ética
cotidiana”. Para a autora, as relações são estruturadas a partir de um “compromisso
negociado”, por meio do qual é decidido que comportamento ter diante das situações.
Ao se questionar acerca da semelhança das relações acima mencionadas com as
relações estabelecidas entre pais e filhos, Giddens afirma que elas também estão alicerçadas
sobre a negociação. A obrigação social, que poderia estruturar a mutualidade desses laços,
não é algo tão forte em muitas sociedades contemporâneas que acabam, em certa medida,
exigindo que essas relações tenham um compromisso negociado. Além disso,
contemporaneidade, afirma o autor, oferece novos arranjos familiares, como a existência de
padrastos e madrastas. O autor fala também dos compromissos cumulativos que fazem com
que o sujeito enxergue como obvio o cumprimento de certas obrigações.
Segundo Giddens, a interação pai-filho é complexa na fase da infância, pois de acordo
com ele, as ações dos pais acabam por dar forma à personalidade do filho. Mas a infância
também é afetada pelo relacionamento puro e pelas transformações que ele traz consigo.
Tranformações nessas relações foram evidenciadas, o que de acordo com o autor está
vinculado aos aspectos característicos do relacionamento, em que o foco na intimidade acaba
por substituir a autoridade materna e paterna, emergindo a necessidade de compreensão e
sensibilidade no interior da relação.

Tópico IV

Pais e filhos

No tópico intitulado Pais e Filhos, Giddens retorna aos manuais de terapia e


aconselhamento para evidenciar a importância do luto no processo de desprendimento do eu.
Ao autor afirma que nas terapias, os sujeitos imersos em relacionamentos de co-dependência
ou relacionamentos fixados são orientados a voltar ao passado, ou nas palavras do autor,
“tratar a criança que tem dentro de si”. Esse processo se dá através de uma volta à infância,
em que o sujeito retorna às situações que poderiam ter resultado em sua conduta no presente,
como resquícios de situações passadas. O autor não se questiona acerca na eficácia desses
métodos, mas aponta que eles possuem uma associação intima com o relacionamento puro e o
amor confluente e evidenciam a importância das terapias e aconselhamentos na
contemporaneidade.
Esse exercício de volta ao passado é uma tentativa de retornar ao passado e recapturar
aqueles elementos que teriam desencadeado comportamentos que, no momento presente,
prejudicam o sujeito. O foco está no presente e no futuro, mas a atenção no passado é
direcionada em razão da necessidade de abandoná-lo; um processo que envolve luto e
abandono. Giddens explica que esse comportamento seria uma espécie de compulsão (apesar
de ressaltar que de forma vaga), pois o sujeito precisa se desvincular de aspectos que exercem
um controle compulsivo sobre suas ações.
Nesse sentido, o luto é um momento fundamental nas obras no âmbito terapêutico,
pois significam justamente esse desprendimento, uma ruptura com hábitos que poderiam vir a
se tornar viciados no presente daquele sujeito. Para esclarecer esse ponto, Giddens traz a
análise de Stephen Gullo e Connie Church acerca da “neurose amorosa” e da “neurose de
guerra” que, de acordo com os autores se aproximariam no sentido de que ambas seriam
responsáveis por despertar nos sujeitos uma incapacidade de constituir laços próximos com
outras pessoas, uma desorientação psicológica, além de um entorpecimento dos sentidos.
Assim, no caso da “neurose amorosa”, o sujeitos estaria ainda vinculado após o término a
imagem e hábitos associados ao outro e a uma expectativa de reconciliação, de modo que o
luto significaria o desprendimento desses aspectos.
Giddens explica que a desvinculação de um relacionamento amoroso na fase adulta e a
libertação de traumas infantis são processos semelhantes, já que ambos exigem uma ruptura
em termos cognitivos e psicológicos e um processo de restabelecimento, ou melhor, reescrita
da narrativa do eu. Quando o sujeito se vê incapaz de prosseguir com essa separar, ele pode
estar repetindo padrões de comportamento ainda vinculados ao outro.
As relações entre filhos, já adultos, e pais parecem ser, para Giddens, distintas das
relações entre filhos na fase da infância com seus pais, já que a infância seria uma fase
decisiva no que concerne a preparação do individuo para uma existência autônoma. Mas,
mesmo assim, é uma relação que também necessita de ruptura, embora de uma forma “não
normal”. (voltar a esse ponto)

Tópico V
Pais Tóxicos?

Giddens retoma o estudo efetuado por Forward para tratar da forma como os pais tem
agido em relação aos filhos na contemporaneidade. Ele cita pais caracterizados como
“emocionalmente inadequados”, controladores ou ainda condutas mais radicais, como o
alcoolismo, aqueles pais que cometem agressões verbais e físicas, além dos abusos sexuais.
Essas formas de comportamento, segundo Giddens, seriam a maneira como muitos pais agem
em relação a seus filhos no mundo contemporâneo.
O sociólogo explica que esse aspecto se vincula com o fato de as famílias terem
diminuído, o que fez com que os filhos fossem mais valorizados pelos pais, firmando a noção
de que as crianças deveriam obediência aos mais velhos. Entretanto, mesmo que essa noção
tenha emergido ela teve, desde seus primórdios, um terreno fértil para sua superação. Para
Giddens, essa ideia era vinculada ao domínio patriarcal que, com a invenção da maternidade,
perdeu sua força. A partir da emergência da maternidade enquanto uma construção histórica e
social, a disciplina de caráter dogmático e vinculada a tradição marcada pela figura paterna
perde sua primazia em detrimento de uma maneira mais branda de criar os filhos, uma forma
mais fundamentada em aspectos igualitários. A então nascente esfera da intimidade seria
responsável por transformar a dimensão das relações entre pais e filhos.
Ao analisar as orientações contidas nas obras de terapia acerca das relações pais-
filhos, Giddens afirma que ela se direcionam na busca por uma autonomia, uma
independência emocional em relação aos pais. Assim, o sujeito reavalia os elementos que
fundamentam a relação, a fim de estabelecer um laço pautado em aspectos igualitários em que
a escolha se torna um elemento central. “’Não posso’, ‘Não vou’ tornam-se, então, não apenas
um instrumento de desbloqueio, mas um ponto de partida negociado em cujos os termos o
indivíduo é capaz de exercer a escolha”. (p.122)
A questão dos pais tóxicos oferece um prisma acerca da associação entre o projeto
reflexivo do eu, o relacionamento puro e o estabelecimento de novas estruturas para a
elaboração de uma vida pessoal, pois ao impor uma autonomia emocional, o sujeito tem um
meio para alterar sua narrativa do eu e fazer valer direitos, reivindicá-los. Nesse sentido, o
autor fala de um direito que as crianças possuem de “ter seus sentimentos respeitados e suas
opiniões levadas em conta.” O amor confluente é igualmente importante para relações
estabelecidas entre pais e filhos.
Um passado com pais tóxicos impede o indivíduo de desenvolver uma
narrativa do eu, compreendida como um “relato biográfico” em que ele se
sente emocionalmente confortável. A falta de auto-estima, que normalmente
assume a forma de vergonha inconsciente ou não-reconhecida, é uma
consequência importante; mais básica e a incapacidade do indivíduo se
aproximar de outros adultos como sendo emocionalmente iguais. (p. 122)

Giddens afirma que na fase da infância, essa busca por direitos tem que ser efetuada
pelos pais. Com os vínculos entre pais e filhos estabelecidos em meio aos aspectos do
relacionamento puro, há uma liberalização da esfera pessoal, que envolve uma autoridade de
um tipo distinto.

Você também pode gostar