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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade.

Rio de Janeiro: DP&A


Editora, 2005

O fichamento refere-se ao primeiro capítulo denominado Nascimento e Morte


do Sujeito Moderno, parte da obra A identidade cultural na pós-modernidade, da autoria
de Stuart Hall. Neste momento, Hall traça as transformações históricas e a relação que
elas estabelecem com a noção de pessoa, salientando que esta não pode ser pensada
independentemente do contexto social.

De acordo com o autor, as transformações na modernidade, que abarca o período


entre o Humanismo e o Iluminismo, fizeram com que houvesse um rompimento com o
passado, onde o individuo estava sujeito a uma ordem divina. Com o surgimento de um
sujeito soberano, responsável por seus atos e pelas consequências deles, bem como
dotado de capacidades, o sujeito adquire uma nova concepção individual tanto de si
como de sua identidade. Esta concepção tornou-se possível por razão de seu contexto
histórico, que englobou diversos movimentos de suma importância tanto em termos de
pensamento como de cultura. Podemos citar como exemplos a Reforma, o
Protestantismo, o Humanismo Renascentista, os avanços científicos e o Iluminismo.
Esse período caracteriza-se pelo Antropocentrismo, substituindo Deus pelo homem
como sendo o centro do universo. Estes movimentos históricos dão origem à acepção de
sujeito do Iluminismo, concebendo-o como sendo centrado, unificado, com um núcleo
interior (identidade) inato e permanente, dotado de certa autonomia, razão e
individualismo.

Descartes teve grande importância nesse processo de transformações. O sujeito


cartesiano era o centro do conhecimento, formado por capacidade de pensar, sendo
consciente e racional. Locke também contribuiu com esse processo, pois além de definir
o individuo como um ser racional, para ele o sujeito era constituído de uma identidade
permanente e contínua.

Raymond Williams atribuiu o surgimento da noção de individualidade à


decadência da antiga organização econômica, política, religiosa e social da Idade Média,
pois a partir dessa ruptura emerge um novo foco em uma existência pessoal do
individuo. Ainda de acordo com Williams, com o Protestantismo a relação do homem
com Deus não precisaria mais da mediação da Igreja, mas seria direta e individual.
(WILLIAMS, 1976)
Entretanto, à medida que ocorrem transformações e as sociedades se tornam
mais complexas, o sujeito adquire uma concepção mais social e coletiva, submisso a
burocratização e administração do social por meio do Estado. Assim, em meio a toda
esta organização estatal, o individuo passa a ser visto como mais definido e localizado.
Emerge, portanto, a concepção sociológica de sujeito, que compreendia a identidade do
indivíduo como resultado das relações entre o mundo interno e externo, ou seja, uma
interação entre o “eu” e a sociedade. De acordo com esta concepção interativa da
identidade e do eu, o sujeito ainda teria um núcleo (identidade), que consistiria no seu
“eu real”, mas que se modificaria de acordo com o seu exterior. Aqui, o sujeito
permanece ainda unificado e estável.

Hall aponta dois acontecimentos, segundo ele importantes, que corroboraram


para as fundamentações do sujeito sociológico: a biologia darwiniana que desloca a
Razão da mente para a Natureza e o surgimento das Ciências Sociais que trouxeram
uma concepção interativa entre sujeito e sociedade.

Porém, o caráter dessas transformações se apresentou de formas contraditórias.


Nos âmbitos econômico e jurídico permanece o discurso do sujeito soberano, detentor
de si mesmo. Já as Ciências Sociais, com sua concepção interativa, explicou a formação
da subjetividade do sujeito a partir das relações sociais. Com aplicação do dualismo
cartesiano – mente e corpo – na divisão das disciplinas, coube à Psicologia o estudo do
individuo e seus processos mentais. Todas estas transformações possibilitaram um novo
entendimento do sujeito.

Na segunda metade do século XX surge uma nova concepção de sujeito,


resultado do descentramento do sujeito sociológico e cartesiano: a concepção pós-
moderna de sujeito. Na pós-modernidade a unificação e estabilidade dão lugar à
fragmentação e a variabilidade. Neste momento, o sujeito apropria-se de identidades
distintas de acordo com a situação ou ainda, diante de identidades contraditórias
existentes dentro desse sujeito, impelindo para direções distintas, faz com que
aconteçam deslocamentos. Não há mais uma identidade fixa e permanente, mas uma
infinidade de identidades com as quais o sujeito possa se identificar, assumindo um
caráter temporário e variável.

Novas formas de pensamento e conhecimento tiveram importante influência


nesse deslocamento. Hall vai citar cinco avanços do pensamento teórico: o pensamento
marxista, a descoberta do inconsciente por Freud, a linguística estrutural de Saussure, o
“poder disciplinar” de Foucaut e por ultimo, o impacto do feminismo.

A contribuição de Marx vem das reinterpretações de seu pensamento –


materialismo-histórico – e a rejeição da ideia do homem como agente individual. Freud,
por sua vez, concebe a formação da identidade como sendo um processo contínuo,
através do inconsciente, rompendo desta forma com a concepção de uma identidade fixa
e unificada. Saussure traz a ideia de preexistência da língua, como se o sujeito não
tivesse controle sobre os seus significados, de modo que este não pudesse ser
considerado como algo fixo, se constituindo nas relações de diferença e similaridade,
assim analogicamente como a identidade e alteridade. Em Foucault temos o “poder
disciplinar”, que tem como propósito manter a disciplina dos indivíduos por meio das
instituições, ressaltando que estas quanto mais coletivas e organizadas, maior a
individualização, vigilância e isolamento do sujeito. E finalmente o feminismo,
fenômeno que integra os movimentos sociais, que expande esferas políticas, econômicas
e sociais em valorização da minoria, marcando o surgimento da política de identidade,
que consiste na adoção de determinada identidade em função de uma reinvindicação.

Percebemos então, a partir da argumentação de Stuart Hall, que a noção que se


tem de pessoa não é descolada da dimensão social, dessa forma é possível compreendê-
la dentro das transformações no decorrer da história. É necessário, portanto, pensar a
identidade articulada à noção de pessoa (ao conceito de pessoa), pois, com o
desdobramento dos acontecimentos históricos, esta se modifica, variando a percepção
que se tem de identidade.

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