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Entretanto, uma ideia que o próprio Hall afirma em seu texto é que nós tendemos a
olhar pra nós no presente e acharmos que é isso o que sempre fomos, embora continuemos em
eterna transformação. O homem, sujeito essencial e indivisível do iluminismo olha pra si
mesmo sem considerar que ele próprio não era assim até pouco tempo atrás, e cai na ilusão de
crer nesses rígidos moldes que ele mesmo decretou. Esquece-se que o tempo é rei e tudo há de
chegar o momento de ser devorado por ele.
Conforme avançamos no tempo no século XVIII ainda é possível ver o rastro deixado
pelo sujeito do iluminismo, mas as transformações que aconteciam na própria modernidade
requisitava que se desse conta do novo contexto histórico, fazendo com que surja uma outra
noção de sujeito. Segundo Hall:
O individuo não mais é entendido como indivisível e imutável, mas passa a ser visto em
relação à sociedade na qual está inserido. Foi necessário dar conta dessa relação entre o sujeito e
a sociedade em que ele se encontra, passando-se a admitir a influência de um no outro - a
“internalização” do exterior e a “externalização” do interior do sujeito. O dualismo cartesiano
sofre, portanto, uma nova adaptação passando a ter de um lado o sujeito e do outro a sociedade.
Em nível epistemológico esse entendimento acarretou na divisão das ciências sociais entre a
psicologia, destinada ao estudo do individuo, e as demais ciências, responsáveis pelo estudo da
sociedade. Entretanto, o discurso continua com uma perspectiva individualista que perpetua a
ideia de um sujeito que é o centro do mundo e cujas vontades, necessidades e interesses são
prioridade.
Esse sujeito, entretanto, vai ser descentrado através de uma série de rupturas nos
discursos da ciência ao longo da modernidade. Ou seja, o sujeito começa a ser entendido sobre
outras perspectivas que negam e desafiam a que estava em vigor na época. Stuart Hall nos
enumera cinco grandes avanços que ajudaram no descentramento do sujeito durante a
modernidade. O primeiro é a releitura do pensamento de Marx à luz do seguinte trecho de seu
discurso “os homens fazem a história, mas apenas sob as condições que lhes são dadas”. Assim
O segundo momento que, para Hall, contribuiu para o descentramento do sujeito foi a
descoberta do inconsciente por Freud. Ele nos diz:
O terceiro momento que Hall nos coloca foram os trabalhos de Ferdinand de Saussure
no campo da linguística que trouxeram um olhar inovador para o assunto, e que mais tarde
culminaria no nascimento de uma nova ciência, a semiologia. Ele afirma que a língua preexiste
a qualquer falante, que nós estamos situados dentro dela, e só é possível se expressar fazendo
uso das regras que a organizam: “A língua é um sistema social, e não individual... Não podemos
em qualquer sentido simples ser seus autores. Falar uma língua não significa apenas expressar
nossos pensamentos mais interiores e originais; significa também ativar a imensa gama de
significados que já estão embutidos em nossa língua e em nossos sistemas culturais”.
Além disso, a língua é como um organismo vivo, que não pode jamais ser fixado. O
significado das palavras muda através do tempo, umas entram em desuso e outras surgem de
maneira espontânea. Nenhum sujeito tem o poder de fixar o significado de nada, pois as
palavras vivem num constante vir-a-ser, e a mesma coisa ocorre com sujeito. “Como diria
Lacan, a identidade, como o inconsciente, ‘está estruturada como a língua’”.
O pensamento de Foucalt, portanto, lança luz sobre esse poder que influencia e
regulamenta com grande rigidez a sociedade moderna na qual ele se encontra, num processo que
leva à individualização do sujeito, alienando-o da vida conjunta com outros seres humanos. No
momento em que ele tece sua crítica sobre esse modelo contribui, de alguma forma, para o
descentramento desse modelo em um nível epistêmico.
O quinto descentramento de que Hall nos fala é o que ocorre devido ao impacto do
feminismo na sociedade, enquanto crítica teórica e enquanto movimento social. Ele ganhou
força durante os anos sessenta, que segundo Hall foram um marco da modernidade tardia. Esse
movimento tem alguns aspectos diferentes em comparação com os descentramentos anteriores,
dos quais podemos destacar o fato de ser um movimento que afirmava-se tanto nas dimensões
subjetivas e epistémicas quanto nas dimensões objetivas, da prática política de fato. Assim, esse
movimento juntava e junta ainda hoje multidões a partir do seu discurso, que tem um caráter
contrahegemonico e leva também ao descentramento do sujeito (que até então era sempre tido
como do sexo masculino). Para além do feminismo, um processo semelhante aconteceu também
com o movimento negro, homossexuais, pacifistas, etc. Configou-se de fato movimentos que se
baseavam na “política de identidade”, nos quais cada movimento apelava para aqueles que
pertenciam a esses grupos sociais e assim se organizava. O movimento feminista se destaca não
só por ser muito forte, como pelas importantes contribuições entre as quais é preciso citar: o
questionamento da tradicional distinção entre o público e o privado; a politização da identidade
e do processo de identificação; e o questionamento à proposta de tratar homens e mulheres
como tendo a mesma identidade como “humanidade”, substituindo-a pela diferença sexual.
Após nos fazer percorrer esse trajeto através do qual a noção de identidade sofre
transformações desde o sujeito do iluminismo, Hall vai concentrar a sua análise em um tipo de
identidade específico, que é o das identidades nacionais.
Novamente, desde o momento que a ideia de identidade nacional ela parece que sempre
esteve aí, e que não é possível ser ninguém sem ela. Essa ideia é inventada no momento em que
as fronteiras políticas e territoriais passam por reconfigurações, quando se criam os estados-
nações, e tem como objetivo dar um sentimento de pertencimento àquela terra para os que
viviam nela. Hall nos diz que “uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir
sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós
mesmos”. Esse discurso se significa na medida em que avança e retrocede no tempo, e é
portanto também uma narrativa, que tem como objetivo nos situar de onde viemos (através de
mitos fundacionais) como também pretende nos orientar em qual horizonte miramos o nosso
próprio futuro, que deve ser entendido como parte do futuro da nação. Desse modo, o que o
movimento nacionalista busca fazer é unificar os povos que viviam ali onde definiu-se como
território do estado-nação para ter melhor controle sobre eles, sendo para isso necessária a
subordinação das identidades regionais e étnicas que já existiam diante da identidade nacional,
supostamente mais importante que as outras.
Em seguida Hall questiona o quão bem sucedido realmente foi esse processo,
analisando o cenário global. Hall faz uma citação à Ernest Renan na qual ele diz que “três coisas
constituem o princípio espiritual da unidade de uma nação: ‘a posse em comum de um rico
legado de memórias..., o desejo de viver em conjunto e a vontade de perpetuar, de forma
indivisiva, a herança que se recebeu’”. Por outro lado, as identidades nacionais tem uma origem
extremamente artificial, que na maioria dos casos aconteceu através de conquistas violentas e da
supressão de identidades étnicas ou regionais específicas em favor da identidade nacional. Ao
mesmo tempo, em muitos casos essas identidades étnicas ou regionais se mantiveram, o que faz
com que uma nação tenha seja composta de maneira plural e atravessada pela diferença. Temos
exemplos claros disso no mundo, vide países onde há forte sentimento separatista de um ou
mais de seus estados, e grupos étnicos que vivem em guerra, disputando territórios. Isso tudo
vai sofrer a influência de mais um fator marcante na pós-modernidade: a globalização.
Segundo Hall a globalização é esse processo que o mundo vem vivendo de compressão
do espaço-tempo, em que é possível ter acesso a coisas que acontecem do outro lado do mundo
em tempo real, e conhecer culturas completamente diferentes daquela que vivemos com uma
facilidade maior do que em qualquer outro tempo vivido no planeta terra. Assim, o espaço
diminuiu de tamanho e o tempo também encolheu. As representações simbólicas e culturais que
nós produzimos enquanto seres humanos transitam nesse espaço-tempo encolhido, e passam a
influenciar e sofrer influência em/de vários lugares ao mesmo tempo. A identidade, como parte
fundamental desse sistema simbólico e cultural acompanha esse movimento, e influencia como
também é influenciada seguindo também essa lógica. O que ocorre, portanto, é que nós
passamos a ser formados também de muitos “eus”, cada um decorrente a um dos lugares que
nos interconectamos, o que faz com que a nossa identidade seja então fragmentada. Hall nos diz
que nós “somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo
apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece ser possível
fazer uma escolha”.
Ao mesmo tempo existe uma parte da nossa identidade que é comum a grande parte do
mundo, que é a identidade do consumidor, visto o sistema capitalista em que estamos inseridos.
Mesmo nos países mais distantes, o capitalismo transforma todos em consumidores, e busca
difundir a ideologia de que, quanto mais você consumir, melhor será tanto pra você quanto pro
seu país – pensamento que vem sendo aceito e internalizado por um número imenso de pessoas
em todo o mundo. Ou seja, sob essa lógica estamos caminhando para uma identidade global e
homogeneizada.
Podemos observar, portanto, algumas diferentes influências que permeiam a questão das
identidades na pós-modernidade: A fragmentação da identidade em diversas identidades; o
movimento que tende à homogeneização das identidades; movimentos que tendem a
perpetuação das diferenças culturais e identitárias por motivos diversos; e podemos acrescentar
também a criação de novas identidades híbridas.
Esse é apenas um exemplo entre muitos que poderiam ser citados de que forma foram
criadas novas identidades para dar significado a um contexto que é, também, diferente daquele
em que se encontrava antes. Embora fragmentadas, as identidades parecem percorrer, de alguma
forma um caminho que busca uma certa estabilidade, que já não é mais a mesma do sujeito do
iluminismo “singular, distintivo e único”. Afinal, é fundamental sentir-se parte de algo, mesmo
que seja impossível nos reconhecermos como pertencentes a apenas um lugar, no contexto em
que vivemos.