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ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador: História dos Costumes.

Rio de
Janeiro. Jorge Zahar Editor, 1994.

Resenha por Thiago Coelho1

Norbert Elias, sendo judeu, foge da Alemanha por conta da ascensão


nazista e por longos anos esteve exilado na Europa, mais especificamente na
Inglaterra. Autor de livros como O Processo Civilizador, dividido em dois
volumes – “Uma História dos Costumes” e “Formação do Estado e Civilização”
– e A Sociedade dos Indivíduos, seu método sociológico só foi reconhecido
tardiamente. É, por muitos, considerado um dos maiores nomes da sociologia
do século XX.
Elias escreve o primeiro volume de O Processo Civilizador para refletir
sobre formas de conduta em relação ao próprio corpo e a conduta das demais
pessoas. Diferentemente de recém-nascidos, que não estão inseridos nas
questões dotadas de moralidades, que seria a fase inicial (primeira natureza), o
indivíduo adulto assume uma segunda natureza, que é o amadurecimento e o
desdobramento dos costumes, que aparece tanto em convívios sociais quanto
em momentos privados. Nas palavras do próprio sociólogo,
O maior ou menor desconforto que sentimos com pessoas
que discutem ou mencionam suas funções corporais mais
abertamente, que ocultam ou restringem essas funções menos que
nós, é um dos sentimentos dominantes no juízo de valor "bárbara" ou
"incivilizado" (Elias, 1994, pg.72)

Norbert Elias, nesse sentido, apresenta um debate sobre a sociedade e


o indivíduo argumentando que ambos são indissociáveis, sendo que as
relações de controle são socialmente construídas de um modo que os
indivíduos assimilam e desenvolvem subjetivamente. Essas características se
encontram na formação social das sociedades no Ocidente e sua sociologia é
estruturada em cima dessas questões. Sua hipótese é baseada na ideia de que
o “bom comportamento” é socialmente aceito ao longo de um determinado
período histórico. Para compreender essa disseminação do dito “civilizado”, o
passado é auxiliador. Dessa maneira, a educação das boas maneiras em um

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Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos.
momento histórico, o contexto de transição de uma sociedade feudal para
moderna, é o ponto de partida da argumentação de sua sociologia histórica.
Para isso, o autor alemão se utiliza De Civilitate Morum Puerilium (Da
Civilidade em Crianças), de 1530, escrito por Erasmo de Rotterdam. Ele,
justifica Elias (1994), presencia a transição do período medieval para a
modernidade e a formação dos Estado-nações. Seus escritos de bons
costumes serão norteadores no desenvolvimento social da sociedade
ascendente e seu tratado será de extrema importância “menos como fenômeno
ou obra isolada do que como sintoma de mudança, uma concretização de
processo sociais” (p.69).
Para a nobreza feudal certos padrões de comportamento eram um modo
de distinção social e os demais modos de vida da estrato camponês eram
postos como um mau exemplo a ser seguido. Por meio dessas normas de
etiquetas se sustentava uma hierarquização que distinguia a classe alta dos
plebeus. O padrão de comportamento se constituía por uma simplicidade e
certa ingenuidade, com pouca influência psicológica e qualquer tipo de
complexidade, com a lógica maniqueísta prevalecendo. É interessante como
Norbert Elias formula sua teoria, pois é na Idade Média que começa a ocorrer a
dissolução do poder da Igreja, surgimento da Reforma Protestante e o
desdobramento do movimento barroco. As dicotomias (“bem” e “mal”, “desejo”
e “aversão”, etc.) concebem a conjuntura que vive o sujeito medieval. Com a
centralização do poder aos cuidados de um monarca, essa nobreza
gradativamente perde sua característica militar e desempenha uma nova
comportamental, tornando-se cortesã. É a partir desse fenômeno, segundo o
autor, que cria-se uma base para a formação do Estado-nação.
A simplicidade que o padrão medieval manifestava é transformada junto
com a estrutura social. Um Estado com maior racionalidade, por consequência,
desenvolve sujeitos mais racionais, tirando de cena o maniqueísmo e
produzindo indivíduos que exibem um controle mais forte de suas emoções . A
coletividade que predominava na Idade Média se transforma com a transição
para a Modernidade, que se caracteriza pela lógica individualista. Os sujeitos,
dessa maneira, passam a moldar mais deliberadamente uns aos outros.
Um processo que colabora para isso é o surgimento da classe burguesa,
que difunde e frouxa certos aspectos que antes jamais seriam violados. O
intelectual burguês tem a possibilidade de mobilidade social, renome e
autoridade e, por isso, começa a demonstrar mais imparcialidade e franqueza.
Não é casualidade Norbert Elias dar destaque para Erasmo de Rotterdam. Ele
é um produto da ascensão burguesa, que produz não somente para seu grupo
social, mas para uma maior parte do tecido social.
Com o desenvolvimento do comércio, o sociólogo alemão argumenta
que a imagem pessoal começa a pesar, pois a concepção de se vender uma
boa imagem para o outro ganha importância.
Forçadas a viver de uma nova maneira em sociedade, as
pessoas tornam-se mais sensíveis às pressões das outras. Não
bruscamente, [...], o código de comportamento torna-se mais rigoroso
e aumenta o grau de consideração esperado dos demais (p.91).

As relações de poder se transformam e os sujeitos internalizam o


policiamento do próprio comportamento e a polidez no ato de correção começa
a ser a maneira mais eficaz de controle social, atuando sutilmente por meio de
uma coação aos “bons costumes”.Essa mudança nos costumes não é uma
coisa estática que corresponderia a cada momento histórico isolado. Norbert
Elias não busca explicar a origem do que denomina como “processo
civilizador”, mas sim demonstrar sua continuidade. Define como uma evolução,
todavia não no sentido moral encontrado na Antropologia Evolutiva, e sim no
sentido de que está em permanente construção. Ao analisar livros de boas
condutas do século XVI, o autor não quer medir a qualidade da literatura, mas
inferir um “padrão de hábitos e comportamento a que a sociedade, em uma
dada época, procurou acostumar o indivíduo” (Elias, 1994, pg.95).
Norbert Elias se propôs a problematizar sobre a psique do sujeito, o que
referenciava como psicogênese. Esta está relacionada com o processo de
amadurecimento psíquico. Junto a isso, elaborou o conceito de sociogênese,
que seria a influência social sobre o indivíduo. As situações em relação à
psicogênese são construídas socialmente, em conjunto com a sociogênese e,
desse modo, o julgamento moral tem o poder de causar no corpo humano
ações irracionais (nojo, medo, etc.) em relação a certas condutas entendidas
como tabus2. Essa racionalização das emoções, portanto, constitui o que seria

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“No processo civilizador, a sexualidade, também, é cada vez mais transferida para trás da cena da vida
social e isolada em um enclave particular, a família nuclear” (Elias, 1994, pg.180).
a “parede da consciência” que delimita o distanciamento da sociedade
moderna com as anteriores. O conflito interior do sujeito, que Freud expressa
na ideia de superego, é moldado desde a infância, em relação aos modos
corporais, de sexualidade e alimentação, por um autocontrole desenvolvido
pela estrutura da vida social e por órgãos executivos socialmente estabelecidos
em particular como, por exemplo, a família. O hábito, portanto, se impregna
como um código de conduta “de tal forma no ser humano [...] que se torna
elemento constituinte do indivíduo” (Elias, 1994, pg.189).
A contribuição teórica deixada por Norbert Elias é volumosa e não se
finda em O Processo Civilizador. Continua sendo um dos principais autores a
fornecer mecanismos de análise para a compreensão da sociedade
contemporânea.

Bibliografia:
ELIAS, Norbert. Os Alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos
séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.

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