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Nome: Danielle Peralta Kazanji

Disciplina: MNA701 Teoria Antropológica I


Período: 1ºsemestre de 2017
Docente: Federico Neiburg.

1. Comente o parágrafo abaixo de Edward B. Taylor (sessão 2) à luz das formulações de Franz
Boas, Ruth Benedict, Margaret Mead, Edward Sapir e Gregory Bateson (sessões 8 e 9) sobre a
análise antropológica do conceito de cultura.

“Cultura ou Civilização, tomada em seu mais amplo sentido etnográfico, é aquele todo
complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras
capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro da sociedade. A
situação da cultura entre as várias sociedades da humanidade, na medida em que possa
ser investigada segundo princípios gerais, é um tema adequado para o estudo de leis do
pensamento e da ação humana. De um lado, a uniformidade que tão amplamente
permeia a civilização pode ser atribuída, em grande medida, à ação uniforme de causas
uniformes; de outro, seus vários graus podem ser vistos como estágios de
desenvolvimento ou evolução, cada um resultando da história prévia e pronto para
desempenhar seu próprio papel na modelagem da história do futuro”. (Taylor, 1871).

O americano Edward B. Tylor busca através do conceito de Cultura busca


abranger a totalidade da experiência humana. Haveria, do mesmo modo que nas ciências
naturais, princípios gerais, com potencial de explicar as causas e efeitos uniformes, que
estariam atuando para fazer evoluir as diferentes Culturas. Neste sentido, em um mesmo
tempo, o planeta estaria habitados por sociedades em diferentes graus de evolução. Os
primitivos seriam a presença viva dos antepassados de quem já atingiu maior grau
evolutivo, o que diferiria civilizado e selvagem seria a ação no tempo. Portanto, ao
contrário dos degeneracionistas, Tylor entende que tais povos caminhariam no sentido
de se constituírem como civilizados, a partir de um germe de futuro que residiria em
situações e povos primitivos.

Do ponto de vista metodológico, Tylor entende que a Cultura é campo


privilegiado para o aparecimento das evidências, uma vez que elas estariam localizadas
no presente e não no passado, como nos dados históricos. Essa ciência, portanto, é
apenas possível graças ao suposto rigor metodológico do cientista, que estabelece
critérios consistentes para definir quais povos podem ser comparados entre si. Em
outras palavras, o cientista teria o papel de identificar quais Culturas compartilham
mesmos graus evolutivos, e, portanto poderiam servir de instrumento para comparação.
Essa busca por consolidar uma ciência objetiva sobre a cultura, a partir de tal ideal
evolucionista, obviamente, foi alvo de muitas críticas no decorrer da história da
antropologia. Ruth Benedict em 1932 publica “Padrões de Cultura”, após Franz Boas já
ter tecido diversas considerações a respeito das limitações dos métodos e pressupostos
de autores como Tylor. Em seu livro Benedict contraria a ideia de que haveria uma
suposta evolução entre os diferentes povos. Para a autora, o esforço do antropólogo
então, estaria em determinar as diferentes formas de socialização existentes, a fim de
compreender como as culturas são transmitidas. Assim, ela propõe alguns pontos de
analise que podem colaborar no reconhecimento das diferenças como: adolescência e
puberdade; guerra; costumes relacionados ao casamento entre outros.

O esforço de compreender os processos pelos quais se transmite cultura é


necessário para que se entenda a totalidade das diferenças de forma ampla, integrada e
sensível, na medida em que exige uma atenção e dedicação por parte do antropólogo no
intento de compreender os contextos nos quais as culturas se desenvolvem para,
sobretudo, reparar nas personalidades que são moldadas nelas. Neste sentido, o modo de
ser das pessoas, seus ritmos de vida, suas modulações de caráter estariam sendo
moldados pela cultura. Segundo ela: “o que é primordial é estudar a cultura viva,
conhecer os seus hábitos de pensamento e as funções das suas instituições, e tal
conhecimento não pode resultar de dissecções post-mortem e de posteriores
reconstituições”. (p. 63)

É percorrendo as pistas de Ruth Benedict que Margareth Mead realiza seu


trabalho “Coming of age in Samoa: a study of adolescence and sex and primitive
societes”. Nele Mead se pergunta se a adolescência é um momento universalmente
marcado, ou se é possível identificar outros modos de marcar essa etapa da vida. O
interesse de Mead é conseguir colocar em relação sua cultura e a que analisa, pois,
assim, pode produzir transformações no modo como a sociedade americana educa as
crianças. Neste sentido, a relação entre antropólogo e nativo se coloca como
radicalmente oposta a de estudiosos como Tylor que se colocavam em um grau
evolutivo superior aos “outros” que estudava.
Sobretudo, tais dimensões da existência apenas podem ser captadas com o
trabalho de campo, que embora neste trabalho de Mead não tenha sido muito extenso,
foi essencial para produzir entendimentos sobre outros modos possíveis de pensar sobre
a adolescência. Os autores da escola de cultura e personalidade se afastam de uma
antropologia de gabinete na qual os registros de outros povos são tirados de seus
contextos para a produção de conjecturas. É no campo, para esses outros antropólogos
que os ritmos de vida, e formas de transmissão da cultura podem ser captados.

Há, portanto um descolamento teórico, metodológico e, sobretudo ético, sobre o


conceito de cultura. A escola de cultura e personalidade a conceitua partir de suas
dimensões subjetivas, enquanto que evolucionistas como Tylor procuravam estabelecer
uma ciência objetiva. Ao invés de pensar em uma totalidade estruturada, os autores
dessa outra perspectiva, pretendiam olhar pra totalidades, desconstruindo noções ligadas
a uma possível evolução.

2. Compare as abordagens de Georg Simmel e Max Weber a respeito dos conceitos de


modernidade e racionalidade moderna (sessões 4 e 5)

Simmel (1858- 1918) e Weber (1864- 1920) são contemporâneos e estavam


preocupados em traçar características fundamentais da modernidade. Ambos nasceram
na Alemanha e vivenciaram o processo incerto e conflitivo da construção do estado-
nação alemão, marcado por fronteiras embaralhadas entre campo e cidade e também
pela presença de diferentes religiões. Tal contexto, notadamente, tem influência sobre as
preocupações, conceitos e formulações que despontam das obras dos autores. Tanto um
quanto outro possuem certa sensibilidade etnográfica ao desenvolverem trabalhos
bastante dialogados com os acontecimentos de suas épocas, sendo capazes de estranhar
tais acontecimentos tão próximos.

Em “As grandes cidades e a vida do espírito” de 1903, como em outros de seus


trabalhos, Simmel estabelece os contornos do que seriam a realidade objetiva e a vida
subjetiva (1903), sendo que a desconexão dessas duas esferas é espacializada na
metrópole, conformando as relações humanas que dela surgem. É, portanto, nas grandes
metrópoles que Simmel localiza a produção de uma racionalidade moderna.
Parte desta realidade objetiva é constituída pelo desenvolvimento da economia
monetária e da divisão do trabalho. Para ele, os produtos da especialização complexa da
mão de obra são conteúdos objetivos “desprovidos de alma”, nos quais “o trabalhador
não pode penetrar com sua personalidade”. Ou seja, o produto é carregado dessa
desconexão entre trabalhador e meios de produção. Na opacidade deste modo de vida,
então, se funda “uma estranheza crescente entre sujeitos e suas criações”, e, sobretudo, a
figura do freguês é desfeita em detrimento da figura do consumidor, a qual as
mercadorias passam a ser impessoalmente endereçadas. O desenvolvimento dessa forma
de produzir e consumir - necessária para criar uma economia de larga escala com ritmos
e velocidades frenéticas- só é possível graças à mediação do dinheiro, dos cálculos e
quantificações que colaboram ainda mais pra reduzir a singularidade e as cores do que é
produzido e consumido, otimizando, por outro lado a produção do caótico, do excesso
de produtos superficiais, e do excesso de estímulos.

A supremacia do espírito objetivo sobre espírito subjetivo provoca fricções


capazes de produzir subjetividades próprias desse contexto. O limite da relação com
esse fluxo frenético de coisas sem cor é a produção de sujeitos quantificáveis,
despersonalizados. Ou seja, ocorre certa penetração dessa realidade no interior do
sujeito, que faz emergir certas atitudes diante do mundo, tais como a blasé, mecanismo
de defesa contra os muitos estímulos da metrópole, devido ao esgotamento dos nervos
em respondê-los. Essa atitude seria marcada pela indiferença, antipatia, ou seja, um
embotamento do poder de discriminação. Esse mecanismo é importante para produzir
ajustamentos da vida subjetiva à realidade objetiva, pois produz um corpo capaz de
frear os fluxos intensos e insanos da cidade. Na mesma medida, esta postura é forma
elementar de socialização em um contexto onde tudo é nivelado pela opacidade do
dinheiro. Para Simmel, esse sujeito da metrópole está cada vez mais “incapacitado a se
sobrepor à cultura objetiva”, porque, segundo ele há “um retrocesso da cultura dos
indivíduos com relação à espiritualidade, delicadeza e idealismo”, e um avanço das
relações pautadas pelas individualidades, nas quais os próprios homens são números.

Diferentemente de Simmel, Weber procura singularizar a racionalidade moderna


a partir das concepções espirituais que a estrutura. No capítulo “O espírito do
capitalismo” do livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo” ele começa a
apontar para a afinidade entre a conduta religiosa vivida por comunidades protestantes,
em especial, a calvinista, e a conduta exigida pela vida econômica capitalista. O autor
inicia o capítulo com longa citação de Benjamin Franklin a respeito de certos
comportamentos exemplares que devem ser empregados no uso do dinheiro, em um dos
trechos ele diz:

“Lembra-te que tempo é dinheiro; aquele que com seu trabalho pode
ganhar dez xelins ao dia e vagabundeia metade do dia, ou fica deitado
em seu quarto, não deve, mesmo que gaste apenas seis pence para se
divertir, contabilizar só essa despesa; na verdade gastou, ou melhor,
jogou fora, cinco xelins a mais.” (p.29)

Há, nesta passagem, o entendimento de que o dinheiro acumulado é a medida da


virtude de um homem, o dinheiro tem valor em si próprio, não existiria para satisfazer
as necessidades materiais, pois a “finalidade última da vida” seria a de conseguir poupa-
lo. Isto porque, ganhar dinheiro nesta ordem econômica é resultado e expressão da
eficiência do exercício da vocação. O sentido desta vida sóbria e metódica estaria no
esforço de dedicação à vocação (ofício, chamado, calling). É através da ação na
profissão que se atinge a glória de Deus, ao contrário dos católicos que buscam a
transcendência em certos rituais. Neste caso, seria preciso agir no mundo para
conquistar a glória, fazendo e poupando o dinheiro fruto do trabalho duro, sem luxos e
gastos supérfluos.

Essa base religiosa, diluída na passagem do tempo, teria treinado os homens para
a perseverança e o trabalho duro tão caro ao desenvolvimento do capitalismo. Com sua
dissolução, atualizações desta ética, desta atitude diante do mundo, do “espírito do
capitalismo” foram provocadas, fazendo permanecer os mesmos valores embora
despidos de roupagens religiosas.

É interessante notar como a racionalidade moderna descrita por Simmel


localizada nas metrópoles, na qual homens equivaleriam a números, está presente
também em Weber neste modo de levar a vida pautando-a pela ética protestante. Pois
que, uma ação no mundo pautada pela necessidade de organização racional da
produção, de planejamento dos recursos, de produção de capital excedente expressam
modos de vida disciplinarmente relacionados ao trabalho e à opacidade dinheiro. Em
outras palavras, trataria da supremacia do espírito objetivo sobre o espírito subjetivo, na
qual a construção de idealismos e de uma espiritualidade extramundana estaria cada vez
mais distante.
No entanto, já que Simmel estava interessado por fazer uma microssociologia da
vida cotidiana, as possíveis saídas para outros modos de existir em sociedade poderiam
ser construídos pelo sujeito na metrópole, uma vez que a própria sociedade acontece na
associação, na interação, no estar junto – togetherness. Em “The sociology of
sociability” (1910) o autor nomeia as associações que têm a si mesmas como fim de
sociabilidade, estas seriam o contrário de associações baseadas em conteúdos objetivos,
instrumentais, interessadas e baseadas em valores individualistas. Já, no modo de
associação da sociabilidade, conteúdos subjetivos podem fruir, tendo em vista que elas
teriam o caráter livre e desinteressado. Tais interações possuem valor nelas próprias,
assim como o impulso envolvido em jogos, brincadeiras e no fazer artístico, tem a
potência de criar outras temporalidades e sensibilidades.

Weber, no entanto, parece fazer uma analise voltada para a gênese, no Ocidente,
do capitalismo industrial burguês, portanto, não está interessado nas modalidades de
experimentações subjetivas, como Simmel. Neste sentido, Weber percebe o “espírito
capitalista” como capaz de envolver trabalhadores, empresários e todo o resto da
sociedade, fazendo operar formas de conduzir a vida a partir uma determinada atitude
com relação ao trabalho e ao dinheiro, sem a haver a possibilidades de transformação a
partir das ações dos sujeitos.

Em suma, os dois autores buscam definir a modernidade e a racionalidade


moderna. No entanto, Simmel procura atentar-se às interações humanas e estruturas
psíquicas produzidas na metrópole, locus do capitalismo e, portanto, espaço privilegiado
para buscar tal racionalidade. Já a Weber interessa perceber a dogmática-religiosa a
partir de sua dimensão ético-prática, ou seja, a partir de como as ideias podem ter força
para fazer criar certas práticas e comportamentos, produzindo, portanto, modos de agir
no mundo que combinados a diversos outros fatores foram capazes de atuar no
desenvolvimento do capitalismo moderno.

3a. Comente as diferenças teóricas e metodológicas no tratamento da linguagem entre o


texto de Bronislaw Malinowski Os jardins de coral e sua magia e os textos de Claude-
Lévi-Strauss discutidos na sessão 14.

Tanto Levi-Strauss como Malinowski buscam desenvolver métodos de analise da


linguagem com distintas abordagens e, logo, com diferentes intenções. No capítulo “An
ethnographic theory of language and some practical corollaries” Malinowski aponta
para a centralidade do trabalho de campo na sua teoria etnográfica da linguagem,
enquanto que Levi-Strauss (embora tendo sido afetado por breves trabalhos de campo
feitos em sua trajetória) desenvolve sua análise estrutural dos mitos no exercício de
comparar registros de mitos, extraídos de diferentes contextos. Tal exercício
comparativo, para Levi-Strauss ‘daria a ver’ uma razão comum apenas possível de ser
acessada através de tal análise. Nesse sentido, o trabalho de campo enquanto abordagem
teórico-metodológica para não é condição para o exercício de seu método.

É interessante notar como nestas abordagens o tratamento do ‘sujeito que fala’ é


bastante distinto. Em Malinowski a palavra age em um contexto. Uma mesma palavra
possui diferentes significados e sentidos a depender de quem a proferiu, de quais gestos
corporais foram acionados, em quais situações. Os trobiandeses, no ato de falarem sobre
tipos de jardim, e espécies de arvores, por exemplo, associam a isso, necessariamente,
movimentos corporais. É nesta integração entre fala e ação corporal que eles são
capazes, não só de criar formas de classificação do que está em volta, como também, de
conduzir discussões públicas, transmitir narrativas, aplicar formulas mágicas. Os usos
da linguagem estão imersos no fluxo da vida, ou como ele próprio afirma: “Meaning is
not something which abides within a sound, it exists in the sound's relation to the
context” (p.72). Desta face pragmática da linguagem – presente em qualquer sociedade
– é que o autor constitui sua teoria etnográfica.

Já Levi-Strauss, a partir das ideias da linguística estrutural, aponta que, mesmo os


mitos estando na boca dos falantes, estes não têm consciência de sua estrutura e é
exatamente por isso que são falados. Assim como, também é a dimensão inconsciente
da linguagem que permite a construção do discurso. Ou seja, é indiferente se o falante
sabe ou não as leis fonológicas e gramaticais presentes na linguagem, pois, no momento
da fala tais propriedades necessariamente precisam se manter ocultas para sua fruição.
Neste sentido, o linguista é quem seria capaz de revelar o oculto. Sobre a transposição
dessa lógica da linguística estrutural para analise dos mitos na antropologia estrutural
ele afirma: “Do mesmo modo [que na língua], o exercício e o uso do pensamento mítico
exigem que suas propriedades se mantenham ocultas, senão colocar-nos-íamos na
posição do mitólogo, que não pode acreditar nos mitos, pois se dedica a desmonta-los.”
(Lévi-Strauss, 1964 p.30\31)
Assim, o fascinante não é entender como “os homens pensam nos mitos, mas
como os mitos se pensam nos homens, e à sua revelia” (Lévi-Strauss, 1964, p.31), ou
seja, a ‘pessoa falante’ é descentralizada em sua analise, pois o interessante é captar a
estrutura praticada, ou, a racionalidade própria do inconsciente supraindividual. E é essa
racionalidade que, de certa forma, ele procura revelar nas Mitológicas. O mito
prescindiria do narrador, pois embora os termos variem a estrutura permanece, e mesmo
que as narrativas sejam diferentes, como ele mesmo diz, “o mito é o conjunto de suas
versões”, sendo a versão coletada em solo etnográfico, apenas uma versão de tantas
outras.

Portanto, os mitos apenas podem se pensar entre si, de modo que um conjunto se
transforme no outro. É nessa transformação, que acontece a partir das diferenças entre
os mitos, que o ‘invariável’ aparece, e a racionalidade se revela. Na analise estrutural
dos mitos, então, é preciso que o antropólogo opere produzindo analogias entre
diferentes mitos para captar a estrutura subjacente. Em sua grande empreitada
comparatista, as Mitológicas, o autor faz, talvez, seu maior exercício de analise
estrutural, buscando o pensamento ameríndio que decola das palavras, ou melhor, dos
mitemas (unidades diferenciais do mito). Neste sentido, cabe ressaltar que Levi-Strauss
não busca encontrar uma lei universal do pensamento humano, mas sim, acessar certa
cosmologia a partir da estruturação do pensamento, ou seja, das operações intelectuais
que a tornam possível, neste caso, a cosmologia ameríndia.

Do ponto de vista da teoria etnográfica Malinowskiana, o etnógrafo precisaria


estabelecer outro tratamento com as palavras, distintas das analogias de Levi-Strauss.
Para tal autor é necessário contrastar, descrever, detalhar as palavras, a fim de realçar as
diferenças que conformam certa “realidade cultural”, e não buscar o comum através da
analogia dos diferentes mitemas, tal qual Levi-Strauss faz. Por isso, sua monografia é
repleta de detalhes e de descrições minuciosas das práticas sociais. Se para Levi-Strauss,
o contexto é menos relevante já que o que vale é buscar as transformações de um mito
em outro, para Malinowski é preciso descrever minuciosamente a vida social, prestando
atenção aos detalhes da situação que ocasionou determinada fala no fluxo das
interações. Sobretudo, é devido a esse tratamento à palavra que Malinowski, ao traduzir
a língua dos trobiandeses, se vê capaz de traduzir também, sua realidade em termos
compreensíveis para não-nativos.
É inevitável para Malinowski esbarrar na questão de quais são os limites e
possibilidades da prática etnográfica em apreender e recriar o contexto nos termos da
escrita, uma vez que as palavras vivem e agem oralmente com os comportamentos e
atitudes dos trobiandeses. Mais do que a tradutibilidade dos termos, o que se coloca é o
próprio processo de literalização, passagem do oral ao escrito. Qual é a tradução
possível de metáforas e sinônimos que apenas fazem sentido no contexto de seus usos
na vida?

Para o autor a saída, como já apontado, está em buscar nas traduções dos termos
também a explicitação da categoria de pensamento associada às práticas sociais. Por
exemplo, para fazer referência à palavra “jardim” torna-se imperativo descrever e
contextualizar todas as categorias possivelmente acionadas pelos nativos em sua
pronuncia, pois para os não-nativos tal palavra já está carregada de outras imagens. De
qualquer forma, mesmo com todo o esforço em traduzir contextos, talvez o dados
etnográficos apenas possam ser fabricados a partir de certos recortes, reenquadramentos,
(re)contextualizações, tendo em vista a impossibilidade do etnógrafo em captar todo o
universo de práticas sociais do nativo e de se deslocar completamente de suas próprias
categorias.

Levi-Strauss parece consciente de tal limitação do antropólogo, e por entender


que os mitos são indomesticáveis pela escrita, sua pretensão é apenas, em sua analise
estrutural, fazer mais uma versão do mito, tão valida quanto todas as outras, inclusive
porque segundo ele, como já citado, “o mito é conjunto de suas versões”. Sobretudo,
sua versão cumpre a missão de aproximar o pensamento letrado de seu contexto ao
conhecimento ameríndio distante. E, talvez, seja o esforço de produzir recriações e
traduções capazes de afetar as pessoas que talvez jamais pisem nas Ilhas Trobriand, ou
em qualquer território de algum povo indígena das Américas, a conexão possível entre
estes dois autores.

4) Discuta os pressupostos da estabilidade dos sistemas sociais ou estruturas sociais à


luz das elaborações de Edmund Leach, Max Gluckman e Claude Mitchell.

Leach, Gluckman e Mitchell são autores que reconhecem o caráter dinâmico dos
sistemas sociais, enfatizando o conflito como elemento fundamental para sua
constituição. Tais autores afastam a ideia de estrutura social - desenvolvida pelo
estrutural-funcionalismo britânico, entendida como um todo orgânico, onde suas partes
se interligariam para sustentar e garantir a sobrevivência ou continuidade do sistema.
Nesta perspectiva, as condutas sociais - regidas por princípios estruturais - conduziriam
o sistema a uma totalidade homogênea. É exatamente no que escapa a tal modelo
explicativo - no que perturba o sistema - que Leach, Gluckman e Mitchell desenvolvem
suas analises.

Um ponto fundamental para os três autores é o de que os agentes sociais podem


manipular regras e provocar desestabilizações no sistema. Tais movimentações dos
agentes seriam baseadas em decisões voltadas adquirir poder (base da escolha social),
portanto, há centralidade em compreender como certas forças políticas agem
processualmente, produzindo realidades sociais dinâmicas. Para o analista que busca
compreender tais dimensões, é preciso entendê-las não só em seus aspectos sincrônicos,
mas também diacrônicos, como fica evidente em suas escolhas metodológicas.

Gluckman (1940) em “Analise de uma situação social na morderna Zululandia”


justifica sua escolha teórico-metodológica em eleger um único evento como base para
analise de toda uma sociedade. Segundo ele: “as situações sociais são matéria prima do
antropólogo” (p.228), ou seja, na analise dos eventos pode-se revelar o sistema de
relações mais amplo. Em seu caso, havia o interesse em estudar a mudança estrutural na
África a partir da ocupação colonial. Neste sentido, o autor elege a situação da
inauguração da ponte Malungwana para seguir as relações “zulu-europeias” (p.239) que
contam de um jogo de forças mais amplo e que estavam ali corporificados em certos
agentes e interações na festa de inauguração. Neste esforço analítico, Gluckman
empreende uma visão processual das relações sociais, traçando outras linhas temporais
conectadas ao evento, como: a história de construção da ponte – possibilitada por
migrações, divisão do trabalho -, trajetórias de alguns agentes sociais ali presentes, e
ações do governo - “autoridade suprema da força” (p.243) - que age através de certos
grupos para manter a ordem e sustentar seu lugar. Deste modo, o autor articula seu
material etnográfico aos fatos históricos, colocando em evidência dimensões espaço-
temporais bastante interessantes para revelar-nos o caráter dinâmico das estruturas. Tal
empreitada inspira o trabalho de Clyde Mitchell sobre a dança Kalela no Norte da
Rodésia, abordado a seguir.

Tal estudo foi publicado em 1956, e é guiado pela observação de várias


performances da dança Kalela, realizadas por um grupo Bisa na Rodésia. Mitchell está
interessado em compreender quais forças políticas e econômicas desenham o urbano
naquele contexto, a partir de um elemento fundamental: movimento constante dos
agentes sociais entre o campo e cidade. É nesta cartografia dinâmica de uma cidade
industrial que tais sujeitos manipulam regras sociais e corporificam relações de poder.
Neste sentido, o autor busca ‘dessencializar’ a ideia de tribo tão comumente dissociada
das esferas políticas mais amplas, e, sobretudo, interpretada, muitas vezes, a partir de
dimensões morfológicas e estáticas. Em sua perspectiva, tribo – no contexto urbano-
seria sinônimo de unidade política operativa, que, mobilizada quando politicamente
interessante. Há, portanto, certa maleabilidade nesta reinvenção da noção de tribo, que
permite pensar em como categorias identitárias são contextualmente acionadas pelos
atores.

Pois bem, a dança Kalela, afirma Mitchell, é a expressão de etnicidade própria de


um contexto em transformação, atravessado por fluxos de mão de obra e urbanização.
Os jovens Bisa passam longe de se configurarem como grupo coeso e totalizante e
organizados em termos de laços de parentesco e sistemas de clãs. Suas performances
evidenciavam a construção de relações inter-étnicas e criação de espaços onde
identidades eram manipuladas. Para Mitchell, portanto, um sistema social quando
predominantemente determinado pelo sistema industrial e por laços monetários cria
estruturas urbanas dinâmicas e desarmônicas.

Do ponto de vista metodológico, assim como em Gluckman, Mitchell desvela das


performances Kalela, aspectos diacrônicos e sincrônicos relevantes para compreender a
formação deste tribalismo. Além de uma descrição dos participantes, de suas
vestimentas e ações, ele traça breves histórias sobre as relações industriais e
representação tribal no Cooperbelt para fazer associações com o espaço-tempo da
dança. Mesmo com outros recortes teórico-metodológicos, também interessa a Edmund
Leach desestabilizar as estruturas a partir da relação entre solo etnográfico e fatos
históricos.

Em seu trabalho “Sistemas Políticos da Alta Birmânia” de 1954, Leach utiliza


diversos documentos e relatos etnográficos de momentos diferentes, entendendo que a
mudança estrutural apenas acontece no tempo. Sua intenção não é abarcar a realidade
social total dos kachin e chan, mas sim criar conceitos em torno de questões que
dialoguem a realidade material. Nenhum modelo explicativo, dessa perspectiva, deve se
sobrepor ao teste contínuo das formas de se fazer pesquisa. Ainda, para Leach, a
realidade é inapreensível, e é por isso que a antropologia não pode se deter a observar
“relações realmente existentes”, mas sim, “a relação entre conceitos”. O pensamento
antropológico, portanto, é então uma ficção que produz efeitos. Sua empreitada, então,
tem por objetivo formular um modelo apoiado nas incongruências observáveis da vida
dos kachin e chan. Tais incongruências serão entendidas a partir de certo contraste entre
padrão estrutural ideal e padrão estrutural real, ou seja, entre o que essa sociedade
idealiza e normatiza em suas regras, e o que, de fato, ela coloca em prática na vida.
Neste contraste reside um desequilíbrio permanente que é propulsor e resultado das
dinâmicas sociais. O padrão ideal é insustentável do ponto de vista prático, pois
vislumbra um equilíbrio e coerência impraticáveis. Essa dinâmica proporciona um
escape contínuo das regras estabelecidas o qual Leach busca realçar.

Neste particular, cabe diferenciar as concepções de Leach e Gluckman. Para o


primeiro, como já mencionado o desequilíbrio e instabilidade da estrutura são
permanentes. Agora, para o segundo, há um movimento entre os grupos sociais que se
orienta da segmentação à reunificação. O desequilíbrio é observável, mas, apenas em
um estado transitório, pois o desejo de se chegar a uma situação de equilíbrio se
concretizaria em termos práticos. Em outras palavras, o equilíbrio seria resultante de
uma série de conflitos e tensões entre grupos segmentados que tenderiam a unificação e
conciliação.

Gluckman, sobretudo, observa tais conflitos e tensões no evento de inauguração


da ponte. O autor observa que a relação entre brancos e negros na Zululândia é
fortemente marcada “por separação e reserva” p.(242). Agora, alguns eventos e
situações podem eventualmente coloca-los juntos – para além de situações de trabalho
marcadamente desiguais - este é o caso da festa-ritual de inauguração da ponte. No
decorrer do evento, zulus e europeus assumem várias posturas e atitudes. Começam
afastados, mas em alguns instantes, entram em conflito, apresentam comportamentos de
hostilidade uns para com os outros. O ritual, nesse sentido, é espaço capaz de exacerbar
certo estágio de desequilíbrio, ao mesmo tempo em que produz uma unidade ainda que
conflitiva.

Já, para Leach, o ritual seria o espaço capaz de simular o equilíbrio idealizado
pelo padrão estrutural ideal, pois estaria sob o efeito das regras e normalizações que o
conformam. Nesse sentido, é interesse notar como algumas situações, também para
Leach, podem gerar certas formas de agir. E, em sua perspectiva, é apenas em algumas
situações pontuais que o equilíbrio pode se manifestar livremente, pois as outras esferas
da vida são sustentadas pela instabilidade e contraste entre ideal e real.

Referências

Tylor, Edward B. 1871. “The science of culture”. In: The origins of culture. London:
John Murray. Cap. 1, pp. 1-23

Simmel, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito (1903). Mana, Estudos de


Antropologia social 11 (2): 577-591.

Simmel, Georg. (1949 [1910]). “The sociology of sociability.” The American Journal of
Sociology 55(3): 254-261.

Weber Max. 1904. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Cia. das
Letras, 2006

Benedict, Ruth. 1932. Patterns of Culture. Boston: Houghton Mifflin.

Mead, Margaret. 1928. Coming of age in Samoa: a study of adolescence and sex in
primitive societies. Harmondsworth: Penguin, 1969. [páginas a indicar].

Malinowski, Bronislaw. 1935. “An ethnographic theory of language and some practical
corollaries.” In Coral gardens and their magic: a study of the methods of tilling the soil
and of agricultural rites in the Trobriand Islands (vol. 2). London: George Allen &
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Leach, Edmund R. 1970 [1954]. Political Systems of Highland Burma. A Study of


Kachin
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Paulo: EDUSP, 1999]

Gluckman, Max. 1987 [1940]. Analysis of a Social Situation in Modern Zululand, The
Rhodes Livingstone Papers, No. 28. ["Análise de uma situação social na Zululandia
moderna", in Bela Feldman-Bianco (org.) Antropologia das sociedades complexas]

Mitchell, Clyde 1956. Kalela Dance. Aspects of Social Relationships among Urban
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Lévi-Strauss, Claude. 1947. “A Análise estrutural em lingüística e em antropologia”. In:


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Lévi-Strauss, Claude. 1955. “A estrutura dos mitos”. In Antropologia estrutural. Rio de
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Lévi-Strauss, Claude 1969 [1962]. Le totémisme aujourd'hui.

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