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MUSEU NACIONAL/UFRJ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

MNA 702 – Teoria Antropológica II

Linhas de estiramento. Linhas de fratura. Linhas de visível

Professora: Luisa Elvira Belaunde

Aluna de mestrado: Danielle Peralta Kazanji

2018
Linhas de estiramento

De um ponto se esticam linhas. No estiramento, distensão, afrouxamento,


encurtamento e confusão das linhas, a vida se processa. Uma aranha faz sua teia no
percurso de sua existência. Ao longo de fios já alastrados em um passado recente, sente
e rapta sua presa. Os fios são obra da aranha e coextensivos a ela. Os fios a constituem,
porém a transbordam, vazam, ocupam lugares inesperados, e são a condição de
possibilidade para a relação com a presa. Não é possível percebe-los todos. As linhas-
fio se agregam, misturam, confundem, se emaranham a todo tempo. São confusas e
caóticas demais para os olhares possíveis. Deleuze e Guattari (1992), dizem o seguinte
sobre aquilo que não se pode olhar, sobre o caos: “São velocidades infinitas que se
confundem com a imobilidade do nada incolor e silencioso que elas percorrem, sem
natureza nem pensamento. É o instante que não sabemos se é longo demais ou curto
demais para o tempo” (ibid. p. 256).
No limite então, as linhas-fio perderiam esse nome e tudo que as caracterizaria,
perderiam também qualquer outro nome possível, seriam apenas movimento infinito,
sem forma alguma. Emergiria daí o impossível, o incomensurável, o caos. Em outras
palavras, teríamos de lidar com o sofrimento do intolerável, com a dor de nem mesmo
ter a habilidade de ver tudo escapar. A vida seria inviável. É por isso que “o homem não
pode viver no caos” e está sempre buscando: “... fabricar um guarda-sol que o abriga,
por baixo do qual traça um firmamento e escreve suas convenções, suas opiniões” (ibid
p.261).
Pois então, já que é preciso de algum guarda-sol com alguma fixidez e
estabilidade, voltemos às linhas-fios, substrato daquilo que Tim Ingold conceitua como
coisa. Ao reconhecer que o caos é perigoso, mas ao mesmo tempo não pode ser
totalmente encoberto por um guarda-sol de espessura muito grossa, o autor parece
conseguir fazer um corte, onde o mundo pode ser olhado, sem que se deixem de lado os
processos vitais, os movimentos que geram existência o tempo inteiro. Assim, também
podemos dizer de outras concepções (que servem de inspiração a Ingold, inclusive), tais
como a fenomenologia de Merlau-Ponty, e o pensamento de Deleuze e Guattari, já
citados, mas também, caberia incluir junto, vários outros poetas, pensadores, militantes,
músicos, terapeutas, artistas plásticos que de algum modo reivindicaram outros cortes
para o mundo. Gente que recusou a tradição cartesiana de colocar barreiras fixas e
imutáveis contra o caos. É neste esforço, que Ingold põe em diálogo as ciências ditas
humanas com as ciências da natureza\ biológicas que vêm construindo modelos
explicativos a respeito do surgimento e reprodução da vida seja ela humana ou não.
Neste sentido, ele dá sequencia aos esforços empreendidos por autores como Bateson e
Gibson que deram passos importantes na construção de um paradigma ecológico.
Pois bem, indo em direção a coisa. Ela é o corte que incorpora os processos
vitais, ao contrário do objeto mortificado que apenas existe para ser manipulado pelo
homem. Do ponto de vista de uma abordagem ecológica, o ambiente convida à ação, ele
é mobiliado de certo jeito e permite a feitura de corpos habilidosos para com aquilo que
está disponível. De acordo com Gibson apud Ingold (2012, p.28): “a mobília da terra é o
que a torna habitável”. A mobília é parte da terra. A mortificação do olhar que cria o
objeto é constantemente recusada aqui, mesmo quando falamos de coisas aparentemente
mortas, como produtos feitos pelas nossas mãos, cadeiras, livros, prédios, condomínios.
É impossível retirar qualquer produto do fluxo da vida. Ele está agregado ao ar, e a
outras forças do ambiente; se deixado de lado, abandonado pelos humanos, será
apropriado por microorganismos, insetos, chuvas, trepadeiras. Ou seja, a vida escapa e
acontece ainda quando se quer aniquila-la. Novamente, não faz sentido dessa
perspectiva, então, tal ideia como a de objeto - externo, congelado, acabado e
divorciado do movimento da existência. Nas palavras de Ingold (2012, p.29): “as coisas
vazam, sempre transbordando das superfícies que se formam temporariamente em torno
delas.”.
Neste sentido, vale seguir outros vocábulos propostos pelo autor. Ao invés de
darmos nomes que remetam ao fechamento, acabamento, clausura, porque não pensar
que as coisas estão emaranhadas através “inchaços, crescimentos, afloramentos,
filamentos, rupturas e cavidades” (ibid p. 31), ou seja, por processos de formação
contínuos, nos quais, nós humanos nos juntamos e nos afinamos. É neste ponto que
Ingold se distingue de Gibson, citado acima, pois enquanto que pro primeiro o humano
habita o mundo, se junta a ele, pro segundo os humanos apenas ocupam um mundo
previamente habitável, mobiliado.
Pois bem, a assunção de que a coisa é um agregado de fios e que nossos corpos
estão imersos em processos vitais não é suficiente para mudar a insistência de nossos
esforços em criar superfícies endurecidas para retirar a vida. Assim são os projetos
arquitetônicos das nossas cidades, por exemplo, feitos em um ambiente ideal, onde não
são considerados: pássaros, chuvas, fungos, formigas, arvores, roedores e toda a vida
que pulsa nos espaços. Tudo isso (o real) é percebido como entrave, problema, ameaça
que impede a concretização do ideal (ibid.p.30). Outros vários exemplos como este
poderiam ser também ser citados, onde linhas de força empurram o mundo para a
atualização do modelo hilermórfico, no qual a vida se constituiria a partir da relação de
determinação entre matéria e forma, substância e atributos. Tentarei mais pra frente
voltar a essa questão por outros meios.
Mas, de todo o modo, é interessante voltar a um exemplo que é recuperado por
Ingold em “Pare, olhe, escute! Visão, Audição e Movimento Humano” traduzido em
2008, o da própria antropologia. Entre algumas das preocupações deste texto, está a de
colaborar para a construção de uma antropologia dos sentidos diferente da que vinha
sendo feita até então. Para isso, junto à fenomenologia de Merlau-Ponty, ele contraria a
concepção muito difundida de que as experiências recebidas pelo corpo são ordenadas e
ganham significado dentro dos conceitos e categorias de cada cultura. Ou seja, seria a
forma pronta e acabada da cultura que enquadraria o vivido. Em sua perspectiva, de
outro lado, o as socialidades apenas se dariam no envolvimento corporal prático das
pessoas com o mundo ao redor e, em especial nas práticas sociais de ver, ouvir e tatear o
ambiente. Nesta proposta, antropologia deveria se engajar nos caminhos incertos pelos
quais essas práticas conduzem, produzindo transformação a todo o momento. Se
voltarmos à Merlau-Ponty fica evidente o quanto o conceito de corpo e o de movimento
são imbricados. O corpo só percebe o mundo porque se movimenta nele, então, diriam
Deleuze e Guattari, se o movimento faz a vida, não há como associa-la à fixidez da
associação entre forma e substância, mas sim, à permanente transformação de materiais
e forças (matéria-fluxo), sendo a própria feitura do corpo parte disso.
Indo mais em direção ao corpo. Em comum entre Deleuze e Guattari e Ingold,
está o olhar voltado a corpos sinérgicos, em trabalho constante de coesão, engajados no
mundo, para os quais a compartimentalização cartesiana: visão\audição\tato\
olfato\paladar perdem o sentido. No entanto, se para Deleuze e Guattari o foco está em
um corpo vibrátil1, pulsando segundo afectos, para Ingold destaca-se a dimensão das
habilidades, um corpo hábil, que pulsa segundo seus aprendizados (talvez, por isso, seu
estudo com caçadores coletores e sua afinidade com certa psicologia evolutiva). Há um
interesse em como o corpo aprende a se atentar pra certas coisas e não pra outras.
No texto “Da transmissão de representações à educação da atenção” (2010)
Ingold, em dialogo com a biologia neodarwinista e à psicologia cognitiva, contrapõe a
ideia difundida por tais linhas de pensamento de que os humanos apenas teriam
capacidades evolutivas receptoras de representações prontas, as transmitindo através das
gerações. Nessa perspectiva, as singularidades dos humanos são anuladas. Somos
reduzidos a meros mecanismos de processamento de informação. Pela abordagem
ecológica, ao contrário, é o corpo engajado no mundo que se sensibiliza, aprende, cria
habilidades a partir do perceptível. Isto significa dizer que o corpo está buscando
sintonizar-se às tarefas dadas a ele, para que nas vezes seguintes onde a tarefa o
convoque, ele possa estar atento para fazer aquilo com maior destreza. O corpo aprende
então, por repetição, mas, mesmo assim, qual a garantia de que ele, de fato, fará a
tarefa? E se vier a executar, como fará? Usando quais grupos musculares, acionando
quais memórias, pondo em ação quais gestos? É impossível saber. Isto decore
exatamente do fato que o humano imprime singularidade no que faz, ou seja, o
conhecimento não é simplesmente comunicado e transmitido. O jeito de fazer, de
executar tarefas, é sempre um jeito possível dentre vários e sempre singular (um nunca
faz igual ao outro).
Por outro lado, é evidente que aprendemos seguindo os passos de outros,
orientados por aqueles que nos cuidam, em um primeiro momento. Como próprio
Ingold (2010, p.19) pontua: “trata-se de conhecimento que eu mesmo construí seguindo
os mesmos caminhos dos meus predecessores e orientado por eles” (ibid. p.19). Ou seja,
nossa atenção é educada constantemente. Não somos resultado do que nos é
transmitido, mas de uma “redescoberta orientada” (ibid. p.19) do que mimetizamos do
outro a partir de nossos gestos. Assim, nos tornamos corpos hábeis, dando forma a nós
mesmo e também ao entorno.
Conforme já citei, para Ingold habitamos o mundo, ou seja, fazemos a nós no
próprio processo de fazer um mundo inteligível. Ou seja, o ambiente não está acabado e
dando as condições para nosso desenvolvimento, ele é parte do processo. Em suas
próprias palavras: “O ambiente, então, não é meramente uma fonte de problemas e de
desafios adaptativos a serem resolvidos; ele se torna parte dos meios de lidar com isso”
(ibid, p.19). Ou seja, ao contrário dos cognitivistas, a mente aqui é misturada com o
corpo e ao mundo, não pode jamais ser confinada ao crânio.
Nas passagens geracionais, então, são criadas habilidades através da itineração,
do seguir certas linhas, de afinamentos com certos modos de fazer, com a composição
de gestos, e, sobretudo, na educação da atenção. É a atenção que permite cortar
algumas linha-fio e compor outras, percebendo problemas e buscando soluções, ou seja,
imitando e improvisando. Em outras palavras, trata-se de colocar o corpo em “posição
de prontidão” (ibid. p.18) para o inesperado. Ingold novamente com Deleuze e Guattari,
fala sobre o artista, aquele hábil na feitura de formas transitórias e contingenciais,
aquelas que são efêmeras e se desfazem para dar lugar ao novo. Nesse movimento
emerge vida: processo pulsante de formar e de deformar enquanto se faz um corpo e um
lugar.
Se há algo que condiciona o processo de aprender são, sem dúvidas, as linhas
possíveis que vazam. A atenção é sempre educada para algumas coisas e não pra outras,
uma “sensibilização a certos aspectos do mundo” (ibid. p.21). Trata-se de um
“redescobrimento dirigido” (ibid. p.21). A imitação está sempre em interface com a
improvisação. Quando um mostra alguma coisa a outro, faz com que essa coisa exista
aos olhos, ouvidos, pele, paladar do outro, dando as condições de possibilidade para a
improvisação.
Uma pergunta neste ponto a ser feita é: de que então um ambiente se compõe?
Quem orienta a atenção? Quais aberturas são criadas por um ambiente para
improvisação, para a expansão da vida? Quem decide quais aspectos do mundo ficarão
fora do alcance? Para tentar responder a essas questões irei seguir outro autor, que
muito se preocupou em entender de que é feito um corpo, quem o decompõe e
recompõe, quem esquadrinha seus movimentos, com quais técnicas e em quais espaços.
Para isso ele brinca com o tempo, buscando no passado analises inquietas para o
presente, através, do anseio, de entender como nasce o “homem humanista moderno”,
aquele idealizado para construir guarda-sóis espessos contra o caos.

Linhas de fratura

O homem moderno habita antes de tudo um corpo divido em pedaços pequenos,


infinitos e detalhados. Esse corpo se dobra nos conhecimentos anatomo-fisiológicos.
Quanto menor for seu pedaço, mais perceptíveis são os processos fisiológicos de seu
todo. Os esforços de desenhar esse corpo acabado, alheio ao mundo, fechado em seus
pedaços, estão compondo uma economia política, no plano intelectual por um lado, e no
nível técnico-político, por outro. Pelo menos, esse parece ser um dos caminhos para
onde Michel Foucault pode nos conduzir (em especial, no livro Vigiar e Punir de 1975).
Tratarei então de seguir alguns escritos desse livro para ressaltar alguns dos aspectos
acerca da construção da modernidade atrelados a políticas de subjetivação, ou seja,
sobre os contornos que desenham a figura do homem humanista moderno.
Nas primeiras paginas do capítulo “Corpos dóceis”, Foucault já aponta para as
ressonâncias entre o pensamento que produz “Homem-maquina2”, e os discursos
institucionais expressos em regulamentos escolares, hospitalares, militares. E logo já
conclui: quanto mais analisável o corpo é, quanto mais é objeto desse pensamento
cartesiano, mais manipulável ele se torna, e vice-versa. Não se trata, no entanto, de dizer
que foi apenas a partir do séc. XIX, no ocidente, que os corpos se tornaram “presos no
interior de poderes muito apertados” (Foucault, 1987, p.118), este é um processo
observável em qualquer sociedade, segundo ele. Trata-se, então, de compreender a
singularidade desta forma específica- construída neste momento histórico - de tornar o
corpo alvo e objeto de poder.
As novidades iniciais que Foucault detecta já no século XVIII- que se estendem
e aprofundam no XIX - estão relacionadas ao esquadrinhamento máximo de tempo,
espaço e movimentos. Com um trabalho detalhado sobre o corpo, o controle passa a
operar no processo execução as atividades, isto é, passa a fabricar corpos hábeis e fortes
em termos econômicos e de utilidade, e ao mesmo tempo, fracos do ponto de vista da
habilidade de desobedecer. Se voltarmos à Ingold, podemos dizer de uma educação da
atenção produzida pelas instituições, na qual, o corpo em pedaços é recomposto para
servir a uma economia política, onde as singularidades se tornam achatadas, e as forças
de si capturadas. Estes seriam os corpos dóceis, transitando entre a docilidade e a
utilidade, sendo objetos de uma “sujeição constante de suas forças” (ibid. p.119).
Como “fórmulas gerais da dominação” (ibid. p.120), estão, então, as disciplinas:
o elo que conecta a docilidade e a utilidade. É só através da coerção disciplinar inscrita
no corpo que se articulam “uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada” (ibid.
p.120). Agora, se formos em direção aos instrumentos disciplinares que fabricam esses
corpos, perceberemos algo de fundamental: para se esquadrinhar corpos é preciso
quadricular espaços.
Pois, embora, o encarceramento em massa e o asilamento fossem se desenhando
como instrumentos para controlar, vigiar e disciplinar os corpos, a clausura, segundo
Foucault (1987, p.127) seria apenas um dos princípios aplicados pelos aparelhos
disciplinares, e mesmo quando aplicado, inconstante. O outro principio seria o do
quadriculamento, da localização imediata. “Cada indivíduo no seu lugar; e em cada
lugar, um indivíduo.” (ibid. p.123). Isso significa construir meios técnicos para mapear
pessoas e seus movimentos. Portanto, a disciplina incide a nível celular, no íntimo, pois,
ao fixar lugares a indivíduos fechados em si, viabiliza-se o controle eficaz do todo.
Controlam-se as aglomerações, as multidões confusas. Todo o movimento precisa se
encaminhar para pontos fixos, é preciso se apropriar-se das mobilidades, do “formigar
humano” (ibid. p.123).
Sendo assim, as confusões de desfazem, e todos formam um quadriculado
permanente. A produção se torna serializada, a força de trabalho decomposta e
repartida, assim como os espaços. Em suma, os recortes dos corpos em pedaços
acompanham espaços serializados, divididos, menos coesos e mais
compartimentalizados. Pelas palavras de Foucault (1987, p.126):

“As disciplinas, organizando as “celas”, os “lugares” e as “fileiras” criam


espaços complexos: ao mesmo tempo arquiteturais, funcionais e hierárquicos. São
espaços que realizam a fixação e permitem a circulação; recortam segmentos
individuais e estabelecem ligações operatórias; marcam lugares e indicam
valores;garantem a obediência dos indivíduos, mas também uma melhor economia
do tempo e dos gestos”

“A primeira das grandes operações da disciplina é então a constituição de “quadros


vivos” que transformam as multidões confusas, inúteis ou perigosas em
multiplicidades organizadas”.

Os gestos ensinados, mimetizados, aprendidos pelos corpos passam a constituir,


coercitivamente, o próprio quadriculado através do qual se exerce controle. De algum
modo, o autor mostra que os esforços para organizar o caos, o confuso, o inútil foram se
tornando mais e mais eficazes, pois passaram a capturar parte da força vital, das
percepções, sentires, atenções, ao mesmo tempo em que contornam demarcações fixas e
estáveis sobre a vida e o imprevisível. Essa maquinaria de poder - ao que parece, em
Vigiar e Punir - produz sempre efeitos de total disciplinamento e fixação de pessoas em
seus lugares, produzindo a força da mão-de-obra, sobretudo.
O texto segue assim até o fim, em uma analítica de poderes asfixiantes, da onde
nada parece poder escapar. No entanto, o livro se encerra com as seguintes palavras:

“Nessa humanidade central e centralizada, efeito e instrumento de complexas


relações de poder, corpos e forças submetidos por múltiplos dispositivos de
“encarceramento”,objetos para discursos que são eles mesmos elementos dessa
estratégia, temos que ouvir o ronco surdo da batalha.” (ibid, p. 254)
Tal trecho é recuperado em recente artigo publicado por Vera Telles na Revista
Dilemas em uma edição especial dos 40 anos da primeira publicação de Vigiar Punir3.
O texto se chama: “Resistências, sublevações, o ‘rumor das batalhas’” e traz a tona um
Foucault cujo pensamento se faz atravessado por acontecimentos, uma dobra do fora
(por isso talvez seu intenso trabalho de buscar o presente no passado). Se seus livros são
marcados pelas analises do poder em seus efeitos, mecanismos e diagramas, (e no caso
de Vigiar e Punir de disciplinas asfixiantes), suas entrevistas e registros de
engajamentos políticos, por outro lado, trazem diagnósticos de um presente vivo: das
singularidades insubmissas, das “forças de baixo”, dos processos vitais que escapam.
(Telles, 2017, p.12).
Embora, como muito já de discutiu, Foucault tenha operado deslocamentos no
tratamento do poder ao longo de sua obra, ele jamais deixou de considerar as
resistências, como aquele “ponto intenso das vidas” (Foucault apud Telles, 2017, p.20).
O poder, segundo ele, incide nas batalhas miúdas, estabilizando condutas e formas de
vida. Até aí nenhuma novidade. O que Telles propõe neste texto, seguindo as pistas de
alguns comentadores, é deixar de olhar as resistências como aquele terreno cuja energia
é sempre capturada pelo poder. Em suas palavras:

“Se a “história das lutas” e a “história dos dispositivos de poder” implicam tipos
diferentes de inteligibilidade, mobilizam, por isso mesmo, modos e exigências
diferentes no trabalho de análise. Mas ambas as análises se referem ao mesmo tecido
histórico, e ambas as análises devem se remeter uma à outra.”(Telles, 2017, p. 25)

Na própria “superfície dos acontecimentos” (Foucault apud Telles, 2017, p.25)


relações de poder e estratégias de enfrentamento podem ser localizadas e cartografadas,
pois estão no “limite e fronteira uma da outra” (Telles, 2017, p.25), em movimento de
“interpelação permanente” (ibid. p.24), e ainda que os instrumentos analíticos para tratar
uma coisa e outra sejam diferentes, é impossível pensa-las separadas. E, inclusive, a
sofisticação que as analises de Foucault foram ganhando sobre os modos de
subjetivação, práticas de si, cuidado de si, talvez, tenham a ver com a compreensão de
que as lutas não têm apenas as formas da rebelião, ou da revolução, mas sim com a
produção de outros modos de viver. Portanto, além de analisar o que o poder faz da
vida, a inversão se dá em olhar para quais vidas tomam forma no movimento de resistir
ao poder (inversão essa provocada pelas leituras deleuzianas da obra de Foucault).
“Vida dos homens infames” de 1977, “Segurança, território e população” de
1978 – aula sobre contra-condutas, entrevista sobre a noção de plebe de 1976. Estes são
alguns dos materiais rememorados no texto para trazer a dimensão das vidas em disputa
com o poder, das insubmissões dos corpos, desobediências, riscos, infelicidades,
paixões, efemeridades: “a subjetividade é trazida para dentro da história” através das
“experimentações de formas de existência”, “movimento centrípeto, energia reversa”
(Foucault apud Telles, 2017, p.22).
Pois bem, são incontáveis as “linhas de fratura do presente” (Telles, 2017, p.14)
vazadas de todos os cantos, abordadas e cartografadas de inúmeros jeitos. Um desses
jeitos seria por meio da conexão com: histórias de vida, percursos, andanças,
nomadismos, caminhadas, permanências de gentes no mundo. A relação entre corpos e
lugares é ao mesmo tempo relação de poder e também processo vital de escape, de
estratégias de enfrentamento. Podemos construir o olhar para essa coisa, através das
experiências de diversos povos, em diversos momentos históricos. Para dar sequencia e
concluir esse escrito, falarei um pouco sobre algumas abordagens acerca de uma
temática específica que parece, por vezes, auto evidente, mas que se olhada com atenção
nos revela muito sobre as fraturas do presente.

Linhas de visível

Caminhar em direção a algum novo lugar, criar caminhos pra chegar e


permanecer em mundo dividido pelas fronteiras dos Estados-Nação, e pelas forças do
capital financeiro. Muitos termos e nomes podem ser dados a esse processo, um dele é:
Refúgio. Segundo o dicionário Aurélio4 essa palavra significa:

“Lugar considerado seguro para nele algo ou alguém se refugiar


Cova, antro, valhacouto
Recolhimento religioso
Pessoa coisa ou ideia que se protege e ampara."

No entanto, o que talvez defina mesmo o sentido dessa palavra, sejam os modos
pelo qual ela é mobilizada nos discursos. Em um mundo onde muitos se movem a todo
o tempo, esse acabou sendo um termo bastante mencionado, logo associado a questões
sobre uma suposta crise humanitária e migratória, guerras e conflitos. De qualquer
modo, há muitos jeitos possíveis de se deparar com essa palavra, desdobra-la e criar
questões a partir dela em escritos, pesquisas, relatórios, reportagens, terapias, acolhidas,
livros, filmes, obras, músicas, poemas, relações. Em cada jeito são construídos
percursos, metodologias, linguagens, assimetrias, gestos, modos de entrar em relação,
atenções voltadas a algumas pessoas e coisas e desatenção para outras, habilidades e
desabilidades. Em cada estética estão modos de tornar as coisas visíveis.
Nesses processos criativos, semelhantes à própria vida no sentido de um ‘dar
forma’ sempre transitório e contingente, existem alguns atravessadores. Sobre o fazer
etnográfico, por exemplo, James Clifford (2016) discute o quanto relações de poder
constituem historicamente a presença e escrita do etnógrafo. Minha esperança é a de
poder concluir esse texto experimentando construir uma breve análise de alguns trechos
de um material audiovisual (dois longa-metragem) sobre o “Refúgio”, à luz das
discussões já feitas até aqui e de algumas poucas observações de Clifford.
“Refugee” é um filme de 2016, sua Sinopse é a seguinte: “Cinco fotógrafos
famosos viajam pelo mundo para nos darem a conhecer as difíceis condições que
enfrentam os refugiados que sonham com uma vida melhor.” (Netflix, 2018) É um
documentário. Buscar trazer informações sobre as condições de refugiados de diferentes
etnias em diferentes lugares do mundo. Dos 5 fotógrafos, 1 é negro. Dos fotografados
quase todos tem a pele escura. Só esse dado poderia dar seguimento a toda uma
discussão sobre relações étnico-raciais, a qual não farei aqui. Vou me centrar em apenas
algumas cenas protagonizadas por uma das fotografas. Ela está na costa oeste da
Colombia em Buenaventura, local onde muitos são deslocados internos, refugiados em
seu próprio país.
Nas imagens ela caminha com sua câmera por um vilarejo. A câmera é o meio
pelo qual ela se relaciona com as pessoas. A palavra, o gesto, olhar, assuntos, tudo
acontece porque a câmera fotográfica está ali. Só quem sabe manipular a câmera é a
mulher branca, ninguém mais sabe. Mas aí chega a hora de outros experimentarem. Ela
ensina uma garota, já partindo de uma relação mediada por algo que apenas ela tem o
poder de tocar.
“PRECISA FAZER ISSO COM CUIDADO. VEJA, VOU ENSINAR A VOCÊ.”

O que essas palavras podem dizer de esforços de aproximação e distanciamento?


Quais linhas se encurtam e quais se distendem? Ao longo de que fios a relação
acontece? É preciso fazer de certo jeito. “Veja, vou ensinar a você”. Como quem diz: Já
que eu conheço e você não, eu tenho o poder de lhe ensinar. O problema é que nas cenas
seguintes ela desiste. Não ensina. E volta, ela sozinha, a fotografar as crianças. Existe
algo de fixo e estável em cenas como essa. É o corpo ocidental branco - no caso de uma
mulher, sua maquina fotográfica, e os enquadres que ela pode escolher para as crianças.
O gesto possível para tocar naquilo é quase inadmissível, e interditado, não é possível
tocar na sua câmera, e em nada de seu território, de sua existência. É ela quem pode
enquadrar o outro em seu próprio registro, o nativo não pode. “Ela aborda seus sujeitos
como uma antropóloga, registrando os rituais da vida cotidiana” – assim sua presença é
narrada por um narrador onipresente, enquanto ela segue fotografando. Dentre as forças
que residem para as raízes fortes do colonialismo, talvez esteja aquela que consegue
operar fazendo do outro o ignorante, por ele não saber mexer em algo sobre o qual ele
jamais foi ensinado sobre. Sua presença é comparada com a presença de uma
antropóloga. Essa comparação também poderia render reflexões, mas, deixemos assim.
Em todas as cenas desse filme a pessoa com a filmadora, segue os fotógrafos, os
acompanha. A câmera nunca filma através dos fotografados, os enquadramentos
endossam a assimetria que parece às vezes se traduzir em relações de poder e atualizar
todo o colonialismo em pequenas ações.
Outra cena. O corpo branco de uma mulher norte-americana adentra um
hospital. Está em Myanmar, buscando acompanhar os Rohingya, povo em situação de
deslocamento interno também. Outras mulheres estão lá, estão adoecidas, emagrecidas,
em estado de confinamento. Não podem sair. Esperam com a morte alguém atendê-las.
Ela se aproxima de umas das mulheres, olha e fotografa. De novo, ali estão fotógrafa e
fotografada, apenas a câmera costurando a relação. “É deprimente”. A fotógrafa
expressa seu estado deprimido diante do sofrimento da outra. Essa outra não diz, sua
voz permanece calada, seu corpo em estado de espera, sentado no chão. A fotógrafa se
levanta quando termina a foto, sem que nenhum outro gesto seja feito, nem a permissão
para que a foto seja tirada, nem um toque, nem um olhar, nem uma tentativa de
aproximação outra que não através da câmera. A fotógrafa vai em direção a outro ponto
da cidade. Ela pode caminhar, enquanto a fotografada espera.
Agora, outro filme, este totalmente fictício. Chama-se Deephan – O refúgio de
2015 Começa em o que parece ser um campo de refugiados. A câmera segue uma
mulher, pele escura, cabelos lisos. Ela corre perguntando se em alguma barraca existe
uma filha sem mãe. Quando encontra uma garota órfã de 9 anos, a conduz para uma
sala, na qual retira a documentação falsa que possibilitará sua saída do campo e a
entrada em um novo lugar. Os documentos são de uma família de 3 membros, elas,
então, se juntam a um outro homem do campo e os 3 vão em direção ao barco. A
câmera está dentro do barco. A mulher embarca achando que irá à Inglaterra, depois
descobre que está sendo conduzida à França, Paris.
Chegando ao destino, a câmera acompanha a solicitação de refugio destas 3
pessoas, que enquanto se movem cuidadosamente pelas ruas de Paris, se mostram para
os outros como uma família de militantes políticos perseguidos. Depois de conseguirem
o visto são encaminhados para trabalharem\morarem em um condomínio, que parece
estar na periferia da cidade. Eles passam a criar uma casa comum, enquanto criam laços
entre si.
Todas as noites, Deephan, o homem com seu nome falso, acende um cigarro na
janela e observa atento o fora. Através de seus cigarros noturnos entendemos os
movimentos da paisagem. Estão ali carros caros, som alto, barulho, gente. São pessoas
se organizando, discutindo, tramando. Enquanto os três refugiados tateiam o bairro,
vamos entendendo que todo aquele lugar é fortemente controlado pelo trafico de drogas,
e que cada passo está sob vigilância. Deephan trabalha no interior do prédio, é zelador.
Toda a sua cartografia do ambiente está ligada a essa função que desempenha. Seu
corpo aprende a detectar olhares, a compreender algo de Francês, jeitos certos e errados
de reagir uma piada, lugares onde pode ou não pisar.
Deephan serviu ao exército no Sri Lanka, tendo participado de uma guerra civil.
Perdeu sua esposa, suas filhas. Essa parte da sua história fica evidente quando ele se
tranca no porão do prédio pra chorar essas mortes, gritar músicas e socar as paredes.
Seu corpo responde à guerra e aos esforços cotidianos de construir um novo lugar e
novos laços. Em um dado momento no porão, toma a foto das filhas e constrói com
isopor e tinta um pequeno quadro onde a foto ganha um novo lugar.
As únicas pessoas com quem pode falar sua língua e orar à Ganesha são Yalini e
Illayaal. Eles constroem um dentro para um fora estranho e hostil. Aos poucos Deephan
começa acreditar que eles são a família que contaram a todos.
Em um dia qualquer, um tiroteio. Yalini foge sozinha, deixando a ele e a
pequena Illayaal para trás. Deephan de modo violento a traz de volta. O tiroteio
ameaçou a vida que estava a ganhar forma, da nova paixão por Yalini, dos jantares em
família, das orações à Ganesha. Diante da ameaça, ele toma uma ação. No mesmo
porão que guarda gritos e choros, começa a construir algo. Ele não tem armas como os
traficantes, tudo o que tem é o corpo feito: suas habilidades de soldado, a coragem de ter
enfrentado a guerra, de ter fugido do Sri Lanka até um campo de refugiados, de ter
escapado do campo e chegado à Paris. O corpo de alguém que perdeu muito e segue,
através das perdas, escapando e improvisando novas formas, novos caminhos. Ele segue
construindo - atravessado pela raiva - alguma coisa.
Depois de um tempo, vemos a construção terminada de um pequeno carrinho. O
objeto se movimenta conduzido por Deephan enquanto derrama uma tinta branca pela
parte externa do prédio. A tinta branca vai fazendo um contorno no espaço.

Na condução do carrinho tentam agredir Deephan com palavras, com objetos na


tentativa de mata-lo e feri-lo. Porém, ele consegue concluir. Depois disso, ele pega dois
dos traficantes pela roupa – naquela altura, desarmados- os joga para longe e diz: “zona
sem tiro”. Ele acabara de desenhar uma linha no chão para marcar uma fronteira e
proteger o seu espaço. Ele: desarmado, estrangeiro, governado, transforma - de modo
arriscado - a paisagem para proteger aquilo que o nutre.
Um filme fictício, outro documental, um com personagens, outro com pessoas
reais. Os dois falando e definindo um mapa de palavras, imagens e sons para o
“Refúgio”. Em um a câmera segue caminhos inesperados, acompanhando as tramas,
conflitos, alegrias. Em outro uma câmera que segue o olhar dos fotógrafos de primeiro
mundo, suas quadraturas fixas, seus modos de estabilizar as existências. Em um, a vida
no seu processo. O imprevisível, o caminho se fazendo por pessoas com nome, cara,
língua, boca. Enquanto caminham inventam um lugar e a si próprias, ora escapando, ora
no interior dos poderes. Em outro, figuras acabadas, encerradas em si e produtoras de
sofrimento, clausura e, ainda, de depressão ao fotografo ocidental.
O filme de ficção, ao contrário do documentário não se pretende universal, mas
através de um olhar situado nos aproxima dos acontecimentos transversais à vida.
O quanto de antropologia já foi feita onde relações miúdas de poder ficaram fora
dos escritos? Talvez, a etnografia, assim como um filme, ou como a fotografia, seja só
mais um mapa, uma cartografia. Jamais é possível abarcar o todo, ele é grande demais
pra nós, e pros nossos corpos sempre situados historicamente. Conforme Clifford, o
fazer etnográfico é o de construir sempre “verdades parciais”. Tendo, o antropólogo
perdido sua autoridade de falar em nome de alguém (talvez ainda não totalmente) se
torne urgente pensar o poder e a alteridade. “As "culturas" não posam para fotografias”
(Clifford, 2016, p.42). Pra quaisquer regimes estéticos, incluindo a etnografia, não
existe um objeto, parado, fixo, esperando ser captado por alguém que detêm um saber
ou técnica. Colocar as coisas em movimento é, seguindo Clifford, atuar na “construção
de uma relação eu-outro específica e a imposição ou negociação de uma relação de
poder” (ibid. p, 42). As relações devem acontecer segundo uma ética, sobretudo. A
própria feitura de uma pesquisa colocam antropólogos sob controle e vigilância a todo
tempo. Isto faz parte dos jogos de poder onde estão etnógrafos, interlocutores,
universidades, financiadores, instituições de pesquisas. Forças que “estão além do
controle” (ibid. p. 60) dos que fazem, e que podem, agora, “ser abertamente enfrentadas
no processo de escrita” (ibid. p. 60).

"Apoiamo-nos, hoje, sobre uma terra em movimento. Não há mais um ângulo


abrangente de observação (no topo da montanha) a partir do qual maepar os modos
de vida humanos, nenhum ponto arquimediano a partir do qual representar o mundo.
As montanhas estão em movimento constante, bem como as ilhas: pois não se pode
ocupar, sem qualquer ambiguidade, um mundo cultural de fronteiras nítidas, a partir
do qual se aventurar e analisar outras culturas. Os modos humanos de vida cada vez
mais influenciam, parodiam, traduzem e subvertem uns aos outros. A análise
cultural está sempre perparassa por movimentos globais de diferença e poder" (ibid.
p. 56)

Pois bem, não há mais pontos fixos, tudo se move, mesmo assim estamos
sempre buscamos alguma ancoragem (ainda que transitória) para olhar para algum
mundo. É, nesse ponto, que gostaria antes de encerrar, citando um trecho de Félix
Guattari (1977) onde é descrita a experiência do Coletivo de Radio Potência Mental, do
qual ele, sujeitos diagnosticados com transtornos mentais, outros terapeutas e
comunicadores fizeram parte.

Reapropriação do tempo.
O direito de esquecer a hora
Acabar com a chantagem da miséria,
disciplina do trabalho,
a ordem hierárquica
O sacrifício
A pátria
Os interesses gerais.
Tudo isso calou a voz do corpo.
Todo o nosso tempo sempre foi consagrado ao trabalho
8 horas por dia
Duas horas de transporte
E depois descanso, televisão, refeição em família.
Conspirar quer dizer respirar junto
e é disso que somos acusados.
(Milhões e milhões de Alices no ar)

Se os poderes tendem a nos asfixiar todos, mas de diferentes modos, em


diferentes intensidades, por diferentes diagramas, quais esforços nossos corpos
historicamente situados são capazes de investir para o encontro com o outro? Como nós
antropólogos podemos não asfixiar os outros com nossas quadraturas? O quanto nosso
corpo está disposto e atento para encontrar um outro desconhecido, radical na sua
diferença, e vivo nas suas singularidades? Quais ‘pedaços de nós’ estamos emprestando
e investindo para criar relações e escritos eticamente e politicamente implicados com a
vida?
Será que ao longo de algumas dessas linhas existe fratura para respirarmos e
conspirarmos junto desses estranhos, nativos, interlocutores, sujeitos, pessoas, gentes?

“Porque o caos está sempre lá, e sempre estará, não importa o quanto nós
construamos guarda-sóis com as visões.

E quanto aos poetas neste nó? Eles revelam o desejo interno da humanidade. O que
revelam? Eles mostram o desejo por caos e, ao mesmo tempo, o medo do caos. O
desejo pelo caos é a respiração de sua poesia. O medo do caos está no desfile de
formas e técnicas. Poesia, dizem, é feita de palavras.

Então, sopram-se bolhas de som e imagem, que, em seguida, irão estourar com a
respiração que anela pelo exato caos que as preenche. Os poetastros podem fazer
bolinhas bonitas e brilhantes para a árvore de natal, as quais nunca se rompem,
porque não há sopro dentro delas: elas permanecem até o momento em que as
deixamos cair.” (Lawrence, DH)
Notas

1- Sobre o conceito de corpo vibrátil de Deleuze e Guattari ver: ROLNIK, Suely. 1989.
Cartografia sentimental. Transformações contemporâneas do desejo, Editora Estação
Liberdade, São Paulo, 1989.

2- “Homem- Maquina” foi publicado por La Mettrie em 1748 e, segundo Foucault


(1977, p. 118) já opera “uma redução materialista da
alma e uma teoria geral do adestramento, no centro dos quais reina a noção de
“docilidade” que une ao corpo analisável o corpo manipulável”

3- Edição produzida com base em seminário feito na Universidade de São Paulo em


2015.

4- Em: FERREIRA, A. B. H. (1999). Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI. Rio de


Janeiro: Editora Nova Fronteira e Lexikon Informática, 1999.

Bibliografia

CLIFFORD, James. (1986) Introdução: verdades parciais. CLIFFORD, James;


MARCUS, George. A escrita da cultura - poética e política da etnografia. Rio de
Janeiro: Ed. UERJ, p. 31-61. 2016.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. (1991) O que é a filosofia. Tradução Bento
Prado Jr. E Alberto Alonso Muñoz. São Paulo: Editora 34, p.250-270, 1992.
DEEPHAN- o refúgio. (2015) Direção: Jacques Audiard. França. California Filmes.
2015. (115 m). Título original: Deephan. Exibido pela Netflix e disponível no Youtube.
Acesso em: 03.01.18:https://www.youtube.com/watch?v=Qm7P3Q-EZ2s,
https://www.netflix.com/watch/80058879?trackId=13752289&tctx=0%2C0%2C
FOUCAULT, Michel. (1975) Vigiar e Punir. O nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes
[3ª. Parte, Cap. 1 (125-152)], 1987.
GUATTARI, Félix. (1977) Milhões e milhões de Alices no ar. Imeditsch (Org.). Teorias
do rádio - textos e contextos. Florianópolis: Insular, p. 199-207, 2005.
INGOLD, Tim. (2000) “Pare, Olhe, Escute! Visão, Audição e Movimento Humano”.
Ponto Urbe 3: 2-43,2008.
INGOLD, Tim. (2000). “Da Transmissão de Representações à Educação da Atenção”.
Educação: 33 (1): 6-25, 2010.
INGOLD, Tim. (2010) “Trazendo as Coisas de Volta à Vida: Emaranhados Criativos
num Mundo de Materiais”. Horizontes Antropológicos 18 (37): 25-44, 2012.
LAWRENCE, D.H. Caos na Poesia. Tradução: Wladimir Garcia. Laboratório das
sensibilidades. Acesso em 02.01.18:
https://laboratoriodesensibilidades.wordpress.com/2017/10/25/caos-em-poesia-de-d-h-
lawrence-nova-traducao-de-wladimir-garcia/
REFUGEE. (2016) Direção: Clementine Malpas, Leslie Knott. EUA. Annenberg Space
for Photography. 2016. (23 min). Exibido pela Netflix. Acesso em 03.01.18:
https://www.netflix.com/title/80160127
TELLES, Vera da Silva (2017) Resistências, sublevações, o 'rumor das batalhas'.
Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, [S.l.], p. 11-28, dez. 2017.

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