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Anais XVI Encontro Nacional dos Geógrafos

Crise, práxis e autonomia: espaços de resistência e de esperanças


- Espaço de Socialização de Coletivos –

Espaços de Socialização de Coletivos (ESCs) - REPRESENTAÇÕES E FORMAÇÃO DOS


TERRITÓRIOS

O ESPAÇO PERFOMATICO DO COTIDIANO ANALISADO DE ACORDO COM A


METODOLOGIA SÓCIO-INTERACIONISTA DE ERVING GOFFMAN

Ana Helena Corrêa de Freitas GIL


Instituto Federal do Paraná e
doutoranda do Programa de Pós Graduação de Geografia da UFPR
ana.gil@edu.ifpr.br

Resumo

O presente artigo visa refletir sobre a questão da representação social das pessoas em seu
espaço cotidiano. Para tanto, partimos da análise metodológica do sociólogo Erving Goffman
que adota o conceito de representação social como sendo o da representação teatral na vida
cotidiana. Para o autor, as pessoas estão constantemente representando seus papéis sociais. O
indivíduo enquanto personagem pode aprender seu papel, formar o “eu”, a partir da interação
com outros indivíduos. Ele é na vida cotidiana, dramaturgo de sua própria história, pode
mudar o texto e o contexto em que se apresenta, pode ser ator principal, coadjuvante, mudar o
elenco, integrar ou reduzir o número de atores, fazer parte ou não de determinado enredo.
Percebemos assim que na esfera espacial as interações preescrevem uma dimensão social,
pois quando um indivíduo atua acaba por entrar na esfera espacial de outros e isso ocorre
sucessivamente, sendo que a territorialidade humana é uma das feições que expressa às
possibilidades da Geografia. Desse modo, estudar a ação das pessoas em seu cotidiano se
torna objeto de análise na medida em que o espaço passa a ser visto não apenas como um
todo físico, mas como um espaço de pessoas que nele interagem, criando desse modo a
possibilidade da construção de um circuito de espacialidades. Esse marcado pelas rotinas de
diferentes atores sociais através de seus comportamentos. Sendo que cada relação define uma
espacialidade, um campo de enraizamento das pessoas, um palco onde as relações se
estabelecem.

Palavras-chaves: cotidiano, representações sociais, interação.

INTRODUÇÃO

Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN: 978-85-99907-02-3


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Erving Goffman (1922 -1982) foi um sociólogo e escritor nascido no Canadá, desde
sua mocidade observava a representação das pessoas no seu dia-a-dia, como ocorriam as
interações principalmente em lugares públicos.
Ao assistir uma peça de teatro “Canadá para Canadenses” começou a refletir sobre a
idéia de que o mundo é um teatro e cada um sozinho, ou em grupos, teatraliza suas ações de
modo a se incorporar ou ser aceito pelas demais pessoas em diferentes grupos sociais,
seguindo para isso, muitas vezes rituais, normas, regras e mesmo “maneiras de ser”, como em
um teatro, onde os personagens devem já tem seus papéis pré-estabelecidos.
Neste contexto, Goffman (1975), analisa os papéis e as representações que os
indivíduos executam num determinado “lugar” desenvolvendo uma teoria de um palco social,
onde os atores (indivíduos) irão desempenhar seus papéis. Ele comenta que: “há uma grande
quantidade de números diferentes (de ações) partindo de um pequeno grupo de fachadas.”
(GOFFMAN, 1975, p.33) O indivíduo pode, neste caso, assumir diferentes papéis sociais e
executar diferentes ações utilizando a mesma fachada. Separa-se, nesta situação, o
comportamento social da ação individual e introduz-se um tipo de “mentira” social. Destarte,
a fachada de comportamento pode ser a mesma, mas o papel que o indivíduo irá desempenhar
pode ser alternado.
É na interação que acontecem as identificações e diferenciações entre as pessoas e a
construção social da realidade cotidiana, que é partilhada com outros, sendo que na esfera
espacial as interações preescrevem uma dimensão social, pois quando um indivíduo atua
acaba por entrar na esfera espacial de outros e isso ocorre sucessivamente, sendo que a
territorialidade humana é uma das feições que expressa às possibilidades da Geografia.
Neste contexto, o estudo do cotidiano bem como a metodologia sócio-interacionista
de Erving Goffman sobre a metáfora teatral para análise das representações no cotidiano pode
contribuir para uma geografia social focada na possibilidade da análise integrada das
espacialidades do mundo social.

O COTIDIANO E A METODOLOGIA SÓCIO-INTERACIONISTA

Michel de Certeau, com seu espírito curioso e não conformista, escreveu que “o
cotidiano é aquilo que nos é dado a cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia
após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente. Todo dia pela manhã aquilo que

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assumimos ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de viver, ou de viver nesta ou noutra


condição, com esta fadiga, com este desejo” (CERTEAU, 1997, p.31)
Segundo Certeau, o homem inventa o cotidiano, graças às artes de fazer, suas
astúcias sutis, táticas de resistência pelas quais ele próprio altera os objetos e os códigos se
reapropriando do espaço, adequando-o ao seu uso a seu jeito, que constituem as astuciosas
manobras praticadas. Práticas inventivas que demonstram que as pessoas não são obedientes
e passivas, mas, que procuram abrir seus próprios caminhos para viver da melhor maneira
possível nesse mundo,se adaptando as circunstâncias que ao longo da vida irão surgindo.
Heller (2008:44) nos lembra que a vida cotidiana é a que mais se presta a
alienação. “O homem devorado por e em seus “papéis” pode orientar-se na cotidianidade
através do simples cumprimento de seus “papéis”, o que pode levá-lo ao conformismo, há
uma vida sem conflitos.” No entanto, a autora salienta que a vida cotidiana não é de nenhum
modo necessariamente alienada, tudo é possível para o indivíduo, é ele que conduz sua vida e
escreve a sua própria história, mantendo a estrutura da sua cotidianidade.
De acordo com Tedesco “o cotidiano é uma teia de relações e de mundos que se
delineiam em cenários com atores, cenas visíveis e invisíveis, atos heterogênicos,
representações articuladas com o local e com o global de difícil tradução.”, (TEDESCO,
2003, p.112.)
O cotidiano de cada um é composto de atitudes banais, muitas vezes consideradas
atitudes “frívolas” da vida social, repletas, é claro de sentido e, que de certa maneira podem
ser consideradas como os “prazeres do dia-a-dia”
Geralmente, vivemos mergulhados numa cotidianidade comum a todos no grupo,
sem, no entanto perdermos a nossa individualidade. Assim, o cotidiano é uma mediação entre
individualidade e a sociedade. Nascemos e iremos ao longo da vida convivendo com outras
pessoas que terão uma formação diferente da nossa. Este contato com outros indivíduos nos
faz, mesmo na vida cotidiana, refletir sobre o cotidiano costumeiro, principalmente sobre os
conceitos e as maneiras que adotamos em nosso viver comunitário. Desse modo, a vida
cotidiana é um produto histórico em que os indivíduos interagem com outros indivíduos com
relações de estreiteza, rupturas e continuidades.
As pessoas participam da vida cotidiana com todos os aspectos de sua vivência, de
sua personalidade em seu modo de pensar e agir. Participam com os sentidos, com as
capacidades intelectuais, as frustrações, as habilidades, sentimentos e idéias. Assim, a

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vivência no cotidiano é ativa e receptiva, e a cotidianidade define-se temporalmente como


uma trajetória acompanhando-nos desde o nascimento até a morte. Cada homem já nasce
inserido em uma cotidianidade, adquire ao longo dos anos habilidades para conviver essa
cotidianidade, o que o ajuda a conseguir manter-se autonomamente no mundo das integrações
sociais, nos grupos dos quais irá fazer parte. Aprender os elementos da cotidianidade (comer
em determinados horários, tomar banho, cumprimentar as pessoas, etc.) torna a vida cotidiana
rotinizada, e assim criam-se imagens de costumes, de tradições, de como as coisas deveriam
ser vistas. As rotinas conciliam a vida do indivíduo entre o seu aspecto individual e o aspecto
genérico. É individual quando identifica suas necessidades pessoais, e é genérico quando
toma consciência que o eu individual se relaciona com os outros.
Para nos relacionarmos e sermos aceitos por outras pessoas normalmente adotamos
papéis. Vemo-nos então, todos, cercados de papéis sociais que nos são incorporados, às vezes
sem podermos deixá-los, mas diante destes papéis adquirirmos o nosso próprio jeito de ser e
também, nesse contexto firmamos a nossa individualidade. Podemos dizer que a
individualidade surge no meio de uma rede de papéis sociais.
Mas, o que são estes papéis sociais? Os papéis sociais permitem-nos viver a
situação social sem necessariamente questioná-la, como nas imagens das rotinas. Eles são
referências para a nossa percepção do outro, e ao mesmo tempo são referências para o nosso
próprio comportamento. Assim, os comportamentos estabelecidos por um conjunto social
entre os ocupantes de diferentes posições sociais, permitem uma vivência tranqüila,
organizada e sem angústias. Nesta convivência social, acontece uma mecanização que faz
necessária até para poupar tempo, e na questão da moral e das virtudes para poupar
discussões sobre as regras. Quando o indivíduo adota um papel ele participa de um mundo
social que é o real para ele.
“Os papéis envolvem códigos de crença – o quanto e em que termos as pessoas
levam a sério o seu próprio comportamento, o comportamento dos outros e as situações nas
quais estão envolvidas.” (SENETT, 2005, p.51).
Estudar os papéis sociais nem sempre é fácil porque muitas vezes estes são
analisados de acordo com velhos padrões de comportamentos adotados como os jovens dizem
“no tempo dos meus avós”. Como exemplo podemos citar a tribo que se reúne para tomar um
chopp, as moças fazem parte da tribo e nem por isso serão mal vistas de estarem em um
barzinho. Nos padrões da avó isso é intolerável, onde já se viu uma moça direita em um bar,

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visto pelos jovens isso é normal. Outro exemplo, um médico que atende sem estar com a
roupa branca, é algo pré-julgado como fora dos padrões, como alguém que não assumiu seu
papel de médico. Os papéis são instituídos obedecendo a uma ordem institucional de conduta.
Os atores devem corporificar seus papéis e efetivar a sua representação para serem aceitos.
Assim, quando o indivíduo assume um papel ele já sabe, particularmente o que os outros
esperam dele. Nesse contexto, Goffman analisa os papéis que as pessoas representam em seu
dia-a-dia sob a ótica da metáfora teatral.

A METODOLOGIA SÓCIO-INTERACIONISTA DE ERVING GOFFMAN

De acordo com Goffman, estar integrado ao mundo significa assumir papéis, sem, no
entanto deixar sempre aberta as portas para novos papéis e novas representações. As relações
entre os atores se dão pelos ritos organizados nas interações cotidianas. O eu social (self)
possui um território, um espaço pessoal que deve ser preservado. Assim, sentar-se ao lado de
outra pessoa em um banco da praça pode ser vivenciado pelo outro como uma intromissão ao
seu espaço.
O método adotado por Goffman é o monográfico, ou seja, o estudo de caso em
profundidade, sempre de pequenos grupos. O olhar é o das observações das representações
das pessoas. Dentro desta perspectiva, Goffman abriu espaço teórico para o aperfeiçoamento
de métodos de pesquisa em geografia, enfocando, sobretudo a interação social como forma de
construção de significados, partindo da observação de pessoas ou grupos de pessoas por meio
de suas representações. O pesquisador pode assim, considerar ambientes onde ocorram
interações sociais, detalhando o comportamento humano e os significados dos mesmos
relacionando-os e comparando-os a outros grupos.
Ele teve como preocupação entender o que representa a co-presença física do
indivíduo em uma interação, de que modo acontece e em que condições. Para os seus
seguidores, o cotidiano representa uma rede de ações. Portanto, este interacionismo simbólico
se preocupa em suas análises com o conhecimento prático, com estudos de campo e
observações diretas nos espaços de análise. As situações sociais acontecem nas ações,
formando através do acervo simbólico trocado, palcos de atuação. Para isso é necessário
identificar uma ordem estrutural das interações face a face, nos quais o indivíduo deve aceitar

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regras como se comunicar, fazer sua manifestação visual, movimentar seu corpo. Segundo
Goffman (1999, p.77) “o corpo possui uma simbologia comunicativa expressiva de um
acontecimento e conhecimento social (postura, movimentos, atitudes...)”
Desse modo, é interessante observarmos a preocupação das pessoas com os
modelos culturais e sua integração coletiva, o que outro sociólogo norte-americano, Takcott
Parsons1 (1955) anteriormente já denominava de ‘homologia’ entre a pessoa e o sistema
social. Para Parsons, os atores internalizam os valores instituídos e se controlam
reciprocamente. Esse controle pode ser realizado por meio de rituais e, principalmente por
meio da educação, onde são repassados os valores.

Há uma relação entre interação e o papel desempenhado. Por isso, em toda relação

existe certa convenção “negociada” entre os indivíduos que pretendem manter a estabilidade
da situação em que vivem. Cabe a cada um dos atores estabelecerem suas regras, externalizá-

las ou ao menos deixar claro suas intenções nestas situações.

Neste momento, a metodologia goffmaniana interacionista também leva em

consideração os desejos pessoais como outra forma de representação do indivíduo. A

representação, não é apenas a aparência, mas traz consigo também a intenção, à vontade, que

muitas vezes surgem de uma personalidade profunda (in- ou superconsciente) que tem haver

com o modo de como cada indivíduo “compreende” a sua imagem e a pretende mantê-la.

Por isso, a metodologia de Goffman parte da perspectiva da representação teatral

de caráter dramatúrgico (GOFFMAN, 1999, p.9). Cada um desempenha um papel interagindo

com os outros através de comportamentos físicos e verbais, utilizando para tal a aparência e

desempenho para convencer o outro de sua atuação por intenção.

Por isso, quando o indivíduo está em contato com outro, neste momento está

representando e beneficiando-se de uma prática dramática, e os resultados subjetivos da

interação tornam-se uma socialização cultural, quer dizer simbólica, que ultrapassa os papéis

de cada um dos indivíduos.

1
Talcott Edgar Frederick Parsons: Sociólogo conhecido nos Estados Unidos, ele desenvolveu um sistema
teorético geral para a análise da sociedade que veio a ser chamado de Funcionalismo Estrutural..Disponível em
< http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/2002/07/08/001.htm >acessado em 28/10/2009

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Para que esse “ajustamento” ocorra, o corpo acaba demonstrando por meio da

simbologia comunicativa, sua linguagem, a linguagem do corpo, com posturas e a atitudes

como: cruzar os braços, sorrir, abaixar a cabeça, olhar para o lado, passar as mãos nos

cabelos, colocar as mãos sobre as pernas – a expressão dos sentimentos dos indivíduos,

criando atmosferas de interação. A ação face-a-face, corpo a corpo, se define como influência

recíproca das partes.

Boudon2 chamaria esta situação de sistemas de interdependência, ou estruturas dos

reencontros sociais, e o palco da interação se fazem através do agrupamento de corpos, mas

também se torna instrumento de comunicação numa simbologia comunicativa expressiva.

2
Boudon: Sociólogo francês trabalhava com a sociologia quantitativa.

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De acordo com Goffman:

O indivíduo que se apresenta como personagem será considerado o que é:


Geralmente, um ator solitário, ocupado em uma frenética atividade para pôr
em cena sua representação. Detrás das múltiplas máscaras e dos distintos
personagens, cada ator tende a ter um só aspecto, um aspecto desvelado, não
socializado: o aspecto de alguém que está ocupado em um objetivo difícil e
traiçoeiro. (GOFFMAN, 1974, p. 170).

Goffman (1999) salienta que “embora normalmente as pessoas sejam o que


aparentam, as aparências podem ser manipuladas”, ou seja, as aparências muitas vezes
enganam.

Com estudos profundos sobre a temática das aparências, Michel Maffesoli (1999)
considera que muitas vezes as pessoas julgam pelas aparências esquecendo-se da essência, e
que mesmo assim, deveria existir coerência entre ambos.
A aparência é o que se deixa ver, é uma realidade que pode ser verificada por meio do
aspecto figurativo do mundo social. Maffesoli comenta que quando o homem adere às
imagens estereotipadas, ele reconhece os arquétipos do “mundo imaginal” como social
enraizado no imaginário de nossa existência coletiva, sendo a aparência um conjunto de
realidades que pode ser ‘verificada’ na reflexão sobre este conjunto (MAFFESOLI, 1999,
p.151).
A aparência faz, assim, parte de um jogo simbólico, onde o cuidado com o corpo,
com o vestuário, com a exposição está na origem de uma participação mágica, fetichista, que
valoriza a teatralidade do grupo.
O indivíduo aparece com sua máscara social e faz parte do conjunto da sociedade.
O modo de aparecer torna-se um modo de ser na identificação do grupo. “De fato a
identidade em suas diversas modulações consiste, antes de tudo, na aceitação de ser alguma
coisa determinada.” (MAFFESOLI, 2007, p. 117). Fazer parte de um grupo, estar junto,
pertencer a ele requer certa alienação e resistência. Alienação no sentido de fazer parte e
aceitar determinados dados (acordos) sociais do grupo e, resistência no sentido de não se
deixar influenciar por outros. “O indivíduo tem uma função, e a pessoa, um papel”
(MAFFESOLI, 2007, p.119). O autor afirma que essa é uma distinção importante porque
muitas vezes o que nos parece uma opinião individual é, de fato a opinião formada pelo
grupo ao qual pertencemos. Para isso Maffessoli lança mão de dois exemplos da

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sociabilidade:
- Característica do social: o indivíduo podia ter uma função na sociedade, e
funcionar no âmbito de um partido, de uma associação, de um grupo estável. Como um
exemplo, um advogado e vereador de um bairro.
- Característica da sociabilidade: a pessoa (persona) representa papéis, tanto dentro
de sua atividade profissional quanto no seio das diversas tribos de que participa.. Mudando
seu figurino, ela vai, de acordo com seus gostos (sexuais, culturais, religiosos, etc.) assumir o
seu lugar, a cada dia, nas diversas peças do theatrum mundi. (MAFFESOLI, 2007, p.133).
Como por exemplo, um professor de universidade e membro de alguma religião, de um time
de futebol, de associação do bairro.
Retomamos a questão da importância da aparência para dar autenticidade a
teatralidade cotidiana. Para cada papel é preciso uma vestimenta própria, uma nova fachada a
ser elaborada.

Por isso, a atração da moda não é insignificante, ela marca o papel da pessoa na
teatralidade geral – o que o autor denomina de temática do véu, a máscara do indivíduo ou a
marca do grupo, as vestimentas, a cor e/ou corte dos cabelos. “Cada um é ao mesmo tempo
ator e expectador”. (MAFFESOLI,2007, p.41- .134)

No caso do de uma representação teatral podemos perceber isso, se um indivíduo


consegue decorar o texto e repassar aos que assistem um sentido de realidade do que está
representando é um bom ator. No entanto pode ocorrer o inverso, o indivíduo pode não
acreditar no que está representando não crer na sua própria atuação, o autor salienta que o
indivíduo quando não crê na sua própria atuação e também não se interessa pelo que o
público acredita, podemos chamá-lo de cínico. Por exemplo, em uma loja no shopping center,
o lojista pode convencer seus clientes que os preços de alguns produtos oferecidos são os
mais baixos e de melhor qualidade da cidade, no entanto outros produtos são ofertados com
preços abusivos, o agir de forma honesta ou desonesta depende no que o ator acredita e
representa, se tornando “sincero” ou “cínico”. O ator pode então estar totalmente envolvido
no seu número, tornando o seu papel uma verdadeira realidade, ou simplesmente “iludir” a
platéia. Goffman “utiliza os termos “sinceros” e cínicos” para diferenciar as atuações dos
atores.

• O ator sincero é o que está compenetrado de sua ação; seu público também

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está convencido do papel que está sendo apresentado;

• Ator cínico é o que executa a ação com convicção de levar seu público a
acreditar no que está sendo apresentado, não tendo real interesse na idéia final
do que os outros pensam dele, ou acreditam.

O ator cínico pode apenas enganar o público pelo que julga no momento ser
melhor para o outro. No dia-a-dia podemos observar vários casos de atores cínicos, como por
exemplo dos médicos que receitam remédios inócuos para seus pacientes, o vendedor que não
acredita na eficácia e na qualidade dos produtos que vende... No entanto, ao adotar o papel de
ator cínico, alguns profissionais estão na realidade poupando seus clientes de sofrimentos
sem necessidade, que seria o caso do médico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Erving Goffman mostra-nos uma abordagem do estudo do cotidiano sob uma ótica
da dramaturgia, propiciando uma ponte teórico-metodológica entre a abordagem sócio
interacionista e a constituição das espacialidades no cotidiano.
Para a geografia social a metodologia adotada pelo autor é uma grande
contribuição principalmente no que tange ao estudo da cidade e os recortes privilegiados da
vizinhança sintetizadas no bairro. Acreditamos no desenvolvimento de estudos a partir da
teoria das representações goffmaniana, no âmbito da geografia social, como resposta
privilegiada as questões críticas que o devir nos coloca. Trata-se de um recurso interessante
para uma segunda hermenêutica do cotidiano através da configuração das espacialidades
como cenários interativos das práticas sociais de indivíduos e grupos.

REFERÊNCIAS

BUTTIMER, Anne. Apreendendo o dinamismo do mundo vivido. In: CHRISTOFOLETTI,


Antonio (org.). Perspectivas da Geografia. São Paulo: Difel, 1982.
BLUMER,H. El interaccionismo simbólico. Barcelona: Grijalbo, 1969.
_____.Symbolic interacionism perspective and method. Califórnia: Prentice-Hall; 1969.
CERTEAU. M.& GIARD,L. & MAYOL, P. A Invenção do Cotidiano, trad. ALVES E. &

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ORTH, E. L .Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.


GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana, Rio de Janeiro: Vozes, 1975.
_____.Frame Analysis, New York: Harper & Row, 1974.
HELLER, A. O cotidiano e a história. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
MAFFESOLI. M. No Mundo das Aparências. Petrópolis, Ed Vozes, 1999.
_____.O conhecimento Comum – Introdução à sociologia Compreensiva. Trad. Trinta,
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_____.O tempo das tribos – O declínio do individualismo nas sociedades pós-modernas.
Trad. Menezes, M.L.Rio de Janeiro: Forense, 2006.
_____.O ritmo da vida – Variações sobre o imaginário pós-moderno.Trad. Marques C.,
Rio de Janeiro, Record, 2007.
SENNETT, R. O declínio do homem público – As tiranias da intimidade. Trad. Lygia
Araujo Watanabe, Ed. Schwarcz LTDA, 2002.
TEDESCO, J. C. Paradigmas do Cotidiano, Introdução à constituição de um campo de
análise social. Santa Cruz do Sul: EDUNISC: UPF, 2003.

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