Você está na página 1de 16

- Aula 1 – Linguagem e sociedade

Linguagem e Sociedade

George Steiner

George Steiner, crítico literário e escritor faz um série de observações sobre a importância da
linguagem para o entendimento da experiência humana, pois é através dela que os homens
declaram a sua humanidade. Os tabus, as proibições, os interditos passam pela linguagem,
uma vez que não posso proibir o que não posso nomear.
É a linguagem que permite a produção do discurso, das narrativas que nos formam. É ela que
me permite delimitar quem eu sou e quem é o outro. A conversação é sempre uma proposta
de conhecimento e estranhamento mútuo.
Além disso, para Anthony Giddens, a linguagem e a memória estão integradas. A lembrança,
em sua forma individual, não pode estar separada de um quadro coletivo da memória.
Trata-se daquilo que Maurice Halbwachs, antes dele, chamava de quadros sociais da
memória.
Steiner nos lança uma ideia extremamente intrigante. Tentem pensar nas consequências dela
para o nosso entendimento do passado e da memória.
A história, no sentido humano, é uma rede de linguagem arremessada para trás
(Steiner, 1990 p. 69)
E, para finalizar, vamos trazer o trecho de uma resenha feita por Eduardo Sterz sobre Steiner
para a Folha:
Pluralidade [das línguas] esta que, frisa Steiner, não deve ser compreendida
apenas como um obstáculo à comunicação entre homens, mas, sim, como uma
espécie de bênção, na medida em que cada língua constitui uma diferente
abertura sobre o mundo.do passado e da memória.
Quatro Elementos das Representações

Howard S. Becker

Vamos conhecer, agora, o trabalho de Howard S. Becker que é um sociólogo ligado à


segunda geração de pesquisadores da Universidade de Chicago (Escola de Chicago) e que
tem produzido uma série de estudos sobre a sociologia do desvio, a sociologia da arte e a
sociologia da música.
Vamos ver como o sociólogo pensa a nossa capacidade de produzir “representações” ou
“relatos sobre a sociedade” (um romance, um livro de histórias, relatos etnográficos, tabelas
estatísticas, filmes ou fotografias etc.).
Sabemos que qualquer representação é sempre parcial, ou seja, é sempre “menor” do que
aquilo que aconteceu. Algo sempre fica “de fora” no ato de descrever ou narrar. A questão
que nos colocamos, então, é a seguinte: quais critérios devemos usar nas nossas escolhas e
decisões a respeito do que pode ou não pode entrar em nossas histórias?

OS QUATRO ELEMENTOS DAS REPRESENTAÇÕES


A partir das ideias de Howard S. Becker, vamos verificar que a produção de representações
(narrativas) sobre a sociedade envolve quatro elementos fundamentais sobre os quais
precisamos pensar.
O primeiro deles é o processo de SELEÇÃO: produzir uma representação sobre alguma coisa
significa, necessariamente, excluir determinados elementos. Sendo assim, a primeira questão
que aparece é: o que poderia ou deveria ser excluído? quem definiria isso?
Dando continuidade às nossas reflexões, nos deparamos, agora, com um novo desafio.
Precisamos adequar nossas representações a determinados meios, ou seja, entramos no
processo de TRADUÇÃO daquilo que estamos vendo, ouvindo, sentindo ou imaginando.
Traduzir significa transpor um conjunto de elementos para outro conjunto de elementos. Por
exemplo: as minhas observações sobre o cotidiano viram poemas ou romances ou música.
Por isso, somos obrigados a identificar ou produzir uma “linguagem” adequada aos meios que
temos à nossa disposição (escrita, audiovisual, hipertextual etc.). Podemos destacar aqui os
estudos sobre gêneros textuais, também.
O ARRANJO é outro elemento fundamental presente em uma representação da realidade,
uma vez que é necessário “organizar” de algum modo a narrativa. É preciso começar de
algum lugar, seguir para algum lugar, dar início à história de algum modo. É interessante
observar como o hipertexto (a capacidade de produzir diversos textos interligados por links)
abre um conjunto de novas possibilidades de arranjo às narrativas (escritas e audiovisuais).
Na maioria das vezes, todos aqueles que trabalham com representações do nosso cotidiano
precisam tomar decisões relacionadas aos elementos acima. O que não podemos esquecer é
que o leitor, o ouvinte, o espectador ou o usuário dessas representações “interferem” no
modo pelo qual essas escolhas são feitas.
Vamos ver como isso acontece.
Em primeiro lugar, produzimos representações para alguém (um perfil social qualquer
baseado em dados ou um perfil imaginado do destinatário do nosso texto). O leitor, o ouvinte
e o espectador estão presentes, de algum modo, nas escolhas dos produtores de conteúdo.
Eles acabam fazendo parte de um tipo de comunidade interpretativa. Você conseguiria pensar
essa ideia a partir da análise de uma comunidade de fãs, por exemplo?
Por outro lado, um livro, um programa de rádio, um filme ou um jogo só ganha existência
diante de um usuário que o utiliza dentro de algumas expectativas e experiências particulares.
Ele ou ela trazem a história para suas vidas. O usuário precisa construir suas representações
do mundo a partir das representações propostas pelos produtores (de notícias, novelas,
filmes, jogos etc).
Chamamos esse momento de PROCESSO INTERPRETATIVO.
Os novos ambientes comunicacionais possibilitaram o aparecimento do que Bruns chamou de
"prosumers". Todos nós podemos ser, de alguma forma, consumidores e produtores de
conteúdo.
- Aulas 2 e 3 - O interacionismo simbólico

O Interacionismo Simbólico

George Herbert Mead (1863-1931)

George Herbert Mead (1863 –1931), era um dos pesquisadores da primeira geração da
Universidade de Chicago (Escola de Chicago) e estava ligado, diretamente, ao chamado
pragmatismo do qual John Dewey e Charles S. Pierce também faziam parte. Vários
pesquisadores podem ser considerados membros dessa "Escola" como Robert E.
Park, William I. Thomas(1863 – 1947), Florian Znaniecki , Everett Hughes, Erving
Goffman e Charles H. Cooley (1864 – 1929), entre outros.,
Este último foi um dos primeiros a destacar a importância da comunicação na nossa
existência como seres humanos.
As pesquisas de Mead estavam voltadas à Psicologia Social, Filosofia e Educação. No
entanto, seus cursos eram frequentados por sociólogos.
Ele observou que alguns animais são capazes de desenvolver processos
comunicacionais baseados em uma conversação de gestos (sinais que coordenam
suas ações). No entanto, a comunicação de outros animais, como os seres humanos,
depende da sua capacidade de produzir uma comunicação baseada em símbolos que,
para serem efetivos, precisam ser compartilhados e interpretados.
Eles não existem previamente na natureza, mas são inventados. Eles são construções
sociais.
As três Premissas do Interacionismo

Em seu texto clássico sobre o Interacionismo Simbólico, Herbert Blumer, desenvolve o


que chamou de três premissas que nos permitem entender a ação humana.
Primeira premissa
Os seres humanos só conseguem agir no mundo a partir do significado que este
mesmo mundo lhes dá. Sem significado não há ação simbólica. (ver meme)
Segunda premissa
Esse significado não é dado pela natureza e nem é instintivo. Ele é construído
socialmente por meio da interação com outros indivíduos. O significado do mundo é
construído na interação com o outro.
Terceira premissa
A ação não é mecânica, ou seja, o significado de alguma coisa não aparece
automaticamente. O significado é produzido por meio de processos interpretativos.
Vivemos em um mundo que depende de interpretação.(ver meme)

O self e o outro generalizado

A linguagem simbólica é fundamental na capacidade de comunicação humana. Os


seres humanos só existem por esse processo social de comunicação. Nós nos
formamos nas experiências sociais mediadas pela comunicação.
A capacidade que temos de criar símbolos significantes, faz com que sejamos capazes
de ouvir, por exemplo, a nós mesmos – o que nos dá uma sensação de termos um self.
pode ser traduzido como a percepção, a experiência e a noção que tenho de mim
mesmo. Eu sou capaz de agir, mas, ao mesmo tempo, sou capaz de me ver agindo, de
me lembrar dessa ação e avaliá-la.
Esse meu senso de identidade é construído na relação com os outros, pois sou capaz
de me reconhecer e reconhecer os outros com os quais eu falo ou aos quais faço uma
referência. Para Mead esta é a nossa capacidade de reconhecer “o outro generalizado”.
(ver meme)
Eu consigo me ver a partir da capacidade que tenho de entender como
os outros me veem.
“... o homem pode ser objeto de sua própria ação. Assim, pode
identificar-se, por exemplo, como um indivíduo do sexo masculino, jovem,
estudante, endividado (...) Em todos esses aspectos ele é um objeto para si
mesmo, agindo para consigo próprio e orientando-se em suas ações para
com outras pessoas de acordo com o tipo de objeto que constitui para si
mesmo.[ Assim] uma pessoa,a fim de tornar-se objeto para si mesmo,
necessita visualizar-se à distância. Para tanto, basta colocar-se no lugar
dos outros e considerar-se do ponto de vista dessa posição” (Herbert
Blumer. Da natureza do Interacionismo Simbólico)
Nesse processo de socialização a criança passa da brincadeira – em que
ela copia os papéis do seu pai, de sua mãe e de seus amigos próximos
de forma gratuita – para o jogo – e sua capacidade de reconhecer papéis
genéricos como pai, mãe, professor, brasileiro etc.

Esquemas Tipificadores

O Interacionismo simbólico observa que usamos, constantemente, esquemas


tipificadores para reconhecer as pessoas e as situações que nos cercam. Assim, tenho
esquemas tipificadores de ‘homem’, ‘europeu’, ‘comprador’, ‘jovem’, ‘brasileiro’ etc.
(Berger & Luckmann,1985 p. 50) (ver meme)
O outro também me apreende de uma maneira tipificada e esses esquemas
tipificadores são usados em contínua ‘negociação’ na situação face a face.
William I. Thomas e Dorothy S. Thomas nos falava da "definição de
situação". A partir de suas experiências sociais, os indivíduos
desenvolvem esquemas gerais de interpretação da situação que estão
vivendo. Erving Goffman, observa, também, que trabalhamos com
quadros de referência para entender as situações em que nos
encontramos. Sem esses quadros não conseguimos entender o sentido
de uma ação.
“Presumivelmente deve-se quase sempre buscar uma ‘definição da
situação’, mas normalmente os questão envolvidos na situação não criam
esta definição, embora frequentemente se possa dizer que a sociedade a
que pertencem o faz; ordinariamente, tudo o que eles fazem é avaliar
corretamente o que a situação deveria ser para eles e então agir de acordo”
(Goffman 2012, p.23).
O que vocês pensam de uma expressão como "definição midiática de
situação" ?
Universos Simbólicos

Universos Simbólicos O Interacionismo simbólico defende a ideia de que os “universos


simbólicos” acessíveis aos seres humanos e seus grupos compõem-se de “objetos”, e
que estes são o produto da interação simbólica (ver: meme).
Entende-se por objeto tudo que for passível de ser indicado, evidenciado ou referido —
uma nuvem, um livro, uma legislatura, um banqueiro, uma doutrina religiosa, um
fantasma, etc. Para nossa maior conveniência, podemos classificar os objetos em três
categorias:
1. Objetos físicos (os objetos materiais que conhecemos);
2. Objetos sociais (o papel social que exercemos: pais, professores,
irmãos);
3. Objetos abstratos (valores e crenças: justiça, liberdade, felicidade).
O significado dos objetos é, basicamente, gerado a partir do nosso convívio social. Ele
surge a partir de um processo de indicações recíprocas que fazemos uns aos outros.
Mas, um mesmo objeto (um terreno) pode ser percebido de modo diferente por um
biólogo, um corretor, um sociólogo ou um vizinho
Os objetos oferecem-nos um novo quadro do ambiente ou meio em que os seres
humanos convivem. Curiosamente, os seres humanos podem coexistir lado a lado e,
contudo, habitarem diferentes universos. Por isso, para compreender os atos humanos
é preciso identificar seu universo de objetos em meio aos quais se vêem.
Os objetos (quanto a seu significado) devem ser considerados, portanto, como
criações sociais — como elementos formados originados do processo de definição e
interpretação, à medida que este ocorre na interação humana. Eles estão envolvidos no
que chamamos de "negociação" de significados.

- Aula 4 - Tipos de capitais

Economia das Trocas Simbólicas

A teoria de Pierre Bourdieu é, também, conhecida como “Economia das Trocas


Simbólicas”(ver: meme).
Por isso, vamos começar com um termo muito comum na Economia e verificar como
ele pode ser ressignificado para pensarmos a práticas culturais (as produções
simbólicas).
Em primeiro lugar, vamos relacionar o conceito de “capital” com a ideia de tipos
específicos de recursos que podem ser mobilizados pelas pessoas ou por um grupo de
pessoas (ver:meme).
Recursos são quaisquer elementos que podemos mobilizar para conseguirmos mais
daquilo que já temos ou para conseguirmos outras coisas por meio dele. Por exemplo:
(1) podemos usar o dinheiro para conseguir mais dinheiro ou para comprar coisas com
ele
(2) podemos usar a educação que temos para prosseguir em nossos estudos ou
podemos convertê-la em um melhor salário ou em prestígio
(3) podemos usar o nosso carisma e prestígio para conseguirmos mais atenção e um
aumento desse mesmo prestígio ou podemos convertê-lo em dinheiro (como vemos no
caso de youtubers)
Deste modo, podemos identificar diversos tipos de capitais, mas, para Bourdieu, seria
interessante nos concentrarmos em quatro tipos de capitais fundamentais.

Tipos de Capitais

=
O Capital Econômico: está relacionado à renda e bens disponíveis a um indivíduo e/ou
sua família. Esse capital pode ser avaliado por meio de propriedades, bens duráveis,
rendas e salários. É interessante observar , também, a origem da renda. Um gerente
(assalariado) e um pequeno proprietário podem ter rendas iguais, mas podem se sentir
como parte de classes sociais diferentes. Um gerente é assalariado como um operário,
o que não significa que tenham interesses comuns.

O Capital Cultural: está relacionado a um conjunto de práticas culturais que


caracterizam o “gosto” que podem ser adquiridas no ambiente familiar ou nas Escolas
pelas quais um indivíduo passou (Atenção: capital cultural não representa grau de
inteligência ou criatividade de uma pessoa). Esse tipo de capital pode ser:
a) incorporado: a aquisição do capital cultural é lenta, é um processo de assimilação, é
um ato de “cultivar-se”. Ele é um tipo de herança, um patrimônio, mas não pode ser
transmitido diretamente aos descendentes. Ele precisa ser incorporado, assimilado
pelos herdeiros em um longo processo. Por isso, demanda tempo. Ele é fundamental
na formação daquilo que Bourdieu chama de “habitus”.
b) objetivado: o capital cultural assume, aqui, a forma de objetos materiais distintivos
como quadros, livros, coleção de discos, obras de arte de um modo geral. Entretanto,
não basta tê-las. É preciso saber reconhecê-las e fruí-las com naturalidade. Essas
obras produzem não apenas um conhecimento, mas uma forma de reconhecimento.
c) institucionalizado: é uma forma de reconhecimento oficial de um título adquirido
como o “diploma” ou uma premiação específica, por exemplo. Quanto mais raro for o
título adquirido, mais distintivo ele pode ser.

O Capital Social: é a rede de relacionamentos de um indivíduo ou de sua família. É uma


espécie de capital do qual não nos damos conta, mas que é fundamental para o
desenvolvimento das crianças. A rede de segurança da qual essas crianças fazem
parte depende diretamente desse tipo de capital. O capital social é marcado por
conexões, vínculos ou laços.
“Colega” “parça”, “pai”, “cachorro’, “jão”.”manos”/”manas”, “chegados”,
“migo”/”miga”, “bro”…
Para Grannovetter, esses laços podem ser considerados como “fracos” ou
“fortes”(ver: meme). Este sociólogo americano observou uma situação interessante: na
maioria das vezes, damos muita atenção aos nossos laços fortes. Com razão! Mas, ele
observa que os laços fracos são fundamentais para que um grupo não se feche em si
mesmo. A combinação de laços fortes e laços fracos é muito importante para a
circulação da informação entre grupos.
O capital social pode ser de ligação (“bond”) – que reforça os laços no interior do
grupo – ou um capital social de ponte (“bridge”) – que reforça a ligação entre grupos.
Normalmente, nos grupos temos pessoas que assumem uma dessas funções ou as
duas, ao mesmo tempo.
O Capital Simbólico: está relacionado com a aquisição de prestígio, credibilidade,
confiança, autoridade ou reputação que um indivíduo, um grupo ou uma organização
desfruta. Esse capital pode ser adquirido por um lento trabalho de construção ou pela
forma tradicional (pelo “nome de família” – como o pertencimento a uma família
“nobre”).
Este tipo de capital é a base da atenção que recai sobre as chamadas “celebridades”,
"influencers",“vencedores/vencedoras do Prêmio Nobel”, “divas”, “colunistas”,
“políticos”, “lideranças religiosas” etc.

Espaço Social, Gosto e Estilos de Vida

Vamos analisar, agora, a posição dos agentes (indivíduos) no espaço social e a sua
relação com os estilos de vida.
Por meio de uma espécie de mapa social é possível avaliar as distâncias e as
proximidades entre esses indivíduos e as probabilidades de estudarem nas mesmas
escolas, frequentarem as mesmas festas, comprarem roupas nas mesmas lojas,
viajarem para os mesmos lugares etc.
Esse mapa é criado a partir da relação entre o capital econômico e o capital cultural
dos agentes e suas famílias.
É uma espécie de cartografia – uma topologia social.
As diferentes posições que as pessoas ocupam no espaço social, indicam diferenças
nos estilos de vida – como se fosse um sistema de desvios que marcam diferenças
sociais entre os agentes (marcas de distinção)
As diferenças em suas condições de existência acabam por sofrer uma retradução
simbólica em seus estilos de vida. O que alguns sociólogos chamam de "status".
Essa cartografia traça um quadro da distância social entre os agentes sociais: um
mapa que indica a probabilidade de encontros e desencontros entre os agentes sociais
em posições sociais muito diferentes.
A mediação entre essa posição no espaço social e as práticas e preferências dos
agentes é chamada de habitus por Bourdieu, como veremos no próximo bloco.

O habitus

O habitus é uma disposição que adquirimos a partir das nossas experiências nos
espaços sociais em que somos criados. Ele orienta o nosso gosto, as nossas formas
de percepção e apreciação do mundo. No entanto, quase nunca estamos conscientes
de sua presença nas nossas condutas.
O habitus é uma disposição em dois sentidos (ver: meme).
Ele pressupõe:
a) um padrão que ajuda a organizar a nossa ação (reconhecer determinadas situações
para poder agir)
b) indica uma certa predisposição que adquirimos ao longo do tempo. Uma tendência a
perceber o mundo, pensar e a agir de uma certa forma.
Estamos, também, diante de uma disposição corporal e não somente cognitiva. Não é
apenas ao nível do pensamento que ele atua, mas ao nível do nosso próprio corpo.
Nesse sentido (corporal), essas disposições podem ser chamadas, também, de héxis
(termo grego para habitus – que é uma palavra do latim)
Nosso próprio modo de falar é uma técnica do corpo, logo, a hexis/habitus orienta a
nossa percepção de nós mesmos, dos outros e do modo pelo qual o mundo nos afeta.
- Aula 5 - Campos sociais

Campos Sociais

A ideia dos campos sociais aparece com Kurt Lewin. Ela representa uma espécie de
campo de forças que tem um poder de atração sobre quem se submete a ele e que
funciona segundo determinada lógica.
O sentido de uma ação individual depende das relações de sentido estabelecidas entre
os agentes de um campo.Podemos falar de um campo político, literário, acadêmico,
religioso e seus sub-campos. No campo da Comunicação, temos sub-campos do
Jornalismo, Relações Públicas, Audiovisual, Publicidade etc.
Algumas propriedades dos campos
Definição: O campo é universo relativamente autônomo e objetivado no mundo social.
Quando usamos a expressão “o mundo da moda”, por exemplo, estamos falando de
um campo. O campo da moda é “objetivado” porque ele se materializa em revistas, nas
maisons, nos desfiles etc.
1. Todo campo tem uma história. Ele é o resultado de um lento (e, às vezes, tenso)
processo de depuração por meio do qual vai definindo suas regras, seus limites e as
condições necessárias para ingressar nele.
2. A formação de um campo cria uma espécie de espaço no qual encontramos as
pessoas ocupando determinadas posições ou lutando para ocupar determinadas
posições. Existem lutas no interior de um campo para mudar as próprias regras do
campo. Existem estratégias de alianças entre membros antigos e membros novos de
um campo. As pessoas sempre sofrem um processo de envelhecimento nesse espaço.
Esse envelhecimento pode levar a um esquecimento dessas pessoas ou pode
transformá-las em “clássicos”, isto é, pessoas que são sempre lembradas quando se
fala de um campo.
3. Esses espaços costumam exigir das pessoas que ingressam neles (ou que
pretendem ingressar neles) certos tipos de capitais. Para os que aceitam pagar um
certo “preço de entrada” no campo, essa experiência acaba por produzir o que
Bourdieu chama de uma Illusio, um certo encantamento pelo jogo que se joga nesse
campo específico. Mas, para jogar bem esse jogo, faz-se necessário, também, a
aquisição de um habitus profissional muito particular. É como se essas pessoas
tivessem de incorporar um certo jeito de jogar esse jogo. Interiorizar suas regras e
lógicas. Aprender a entender o que está em jogo nesse campo. (Ver: meme)
4. Os campos produzem e reconhecem certas práticas, objetos e rituais de
reconhecimento e de consagração próprios. Podemos ver isso nos Congressos,
Encontros e premiações dos mais variados tipos que visam promover o encontro e a
promoção dos principais destaques de um campo. Eles servem, além disso, para
renovar a fé e a crença na continuidade do campo.
5. Ele produz e reconhece, também, um campo discursivo próprio (ver: meme). Trata-se
de um código ou uma linguagem particular que se torna mais ou menos especializada e
que só os seus detentores parecem entender o que significam e como usá-las. O
Direito, por exemplo, é um caso extremo em que esse código, essa linguagem, tem uma
força impressionante. Dominá-la é desenvolver um tipo particular de capital.
Vamos desenvolver um pouco melhor algumas dessas ideias sobre os campos sociais.

Illusio

Illusio[editar | editar código-fonte]


Em primeiro lugar é preciso resgatar a metáfora do jogo para pensarmos os campos
sociais. A palavra jogo, etimologicamente, vem da palavra-raiz latina ludus, a mesma
que dá origem a palavra Illusio.
A Illusio, uma espécie de encantamento pelo jogo que se joga neste campo social é
fundamental para que ele faça sentido, ou seja, para que os agentes sintam interesse e
motivação para jogá-lo.
A illusio significa, portanto, estar preso ao jogo, preso pelo jogo, acreditar que o jogo
vale a pena. Nos respectivos campos sociais, os jogos sociais tendem a se fazer
esquecer como jogos porque seus agentes estão envolvidos com ele. Por isso, o que é
vivido como algo normal para as pessoas de um determinado campo pode parecer sem
sentido para quem não participa dele.
Aqueles que estão bem ajustados aos seus campos, ao jogo que se joga neles,
dominam a sua lógica e atuam em vantagem por melhor compreender como funcionam.
Para jogar esse jogo é preciso incorporá-lo de alguma forma.

habitus em um campo

Existe um habitus ajustado ao funcionamento dos campos, um certo modo de perceber


e de jogar o jogo. Portanto, quando nos envolvemos por um determinado campo e
aprendemos a jogá-lo, a lógica do que fazemos não precisa ser destacada
explicitamente.
A maior parte do que aprendemos é adquirida de forma implícita. Isso permite que
nossas ações não pareçam calculadas o tempo todo ou até mesmo cínicas. O bom
jogador – como o jogador de tênis, por exemplo – não somente sabe onde a bola está,
mas onde ela vai cair. Isso permite que antecipe as suas jogadas e a dos outros
agentes do campo.
Será possível perceber a incorporação do habitus de um campo quando você sentir
que o Campo está dentro de você. (Ver: meme)
Isto significa que você, sem perceber, vai enxergar o mundo pelo viés ou pelos ângulos
considerados relevantes para quem vive no seu Campo. Um sociólogo, por exemplo,
passa a ver "sociologia" no seu cotidiano, nas animações, nos filmes que assiste, nos
dados que vê e nas músicas que ouve.

- Aula 6 - Mercados linguísticos e poder simbólico

A doxa

Vamos refletir, agora, sobre os atos de fala, os discursos, as narrativas que são
fundamentais para a nossa existência como seres humanos. A eficácia de um discurso
está no fato de funcionar como Doxa, isto é, como uma verdade “evidente” sobre a
qual nunca pensamos.
É o que Ludwig Wittgenstein, em Investigações filosóficas, quis dizer:
Aquilo que se sabe quando ninguém nos interroga, mas que não se sabe mais quando
devemos explicar, é algo sobre o que se deve refletir. (E evidentemente algo sobre o
que, por alguma razão, dificilmente se reflete)
Competência técnica e social

Em primeiro lugar, é preciso destacar que a nossa capacidade para falar depende de
algumas competências específicas que desenvolvemos: uma Competência Técnica e
uma Competência Social.
Nossa competência técnica aparece pela nossa própria condição humana: seres
humanos podem falar, ou seja, tem em seu corpo os meios físicos (anatômicos e
neurológicos) necessários para produzir a fala.
No caso da competência social. como o próprio nome diz, ela é adquirida socialmente,
uma vez que, a fala precisa ser aprendida.
Falar não consiste apenas em emitir palavras organizadas em um certo código
linguístico, mas também é preciso saber o que falar, com quem, quando e de que
modo.
Se não falamos com qualquer um, de qualquer modo, sobre qualquer coisa, a qualquer
momento, isso significa que a nossa fala pressupõe alguns rituais sociais ou jogos de
linguagem. Esses jogos ou rituais dependem do desenvolvimento de certos tipos de
sensibilidade.
Vamos chamar essa sensibilidade de senso de oportunidade e senso de aceitabilidade.
O Senso de Oportunidade (Kairós)
Diziam os sofistas que, no aprendizado da arte de falar bem, é preciso estar atento para
a percepção do momento oportuno da fala (Kairós).
Pouco importa o que dissermos se não for dito de maneira oportuna, no momento
certo. Essa competência está relacionada como o (re) conhecimento da situação e do
momento da fala.
O Senso de Aceitabilidade
Também é importante lembrar que quando falamos, produzimos um produto muito
especial que não está sujeito apenas a interpretação, mas, também, a
avaliação.[ver:meme]
Muitas vezes, a condição necessária para que o discurso seja aceito não está no
entendimento que temos dele, mas do valor que damos a quem o pronuncia (ver:
meme).
Portanto, qualquer discurso produz signos a serem interpretados, certamente. Mas, ao
mesmo tempo, eles apresentam-se como signos de riqueza (esses discursos são
valorizados ou desvalorizados) e signos de autoridade (eles tem o poder de realizar
coisas no mundo)
O Mercado Linguístico

Vamos analisar, agora, o conceito de mercado linguístico:


Carregamos conosco esse conjunto de disposições – uma espécie de “memória” – das
nossas experiências com a fala em determinadas situações (falando com os pais,
amigos, vendedores, professores, clérigos).
Esse conjunto de disposições é o que chamamos de nosso habitus linguístico – um
certo modo de falar. Ele faz com que tenhamos condições de antecipar algumas
reações das pessoas a quem nos dirigimos e que sejamos capazes de reconhecer
determinadas situações sociais.
Essas situações que aprendemos a reconhecer são os chamados mercados
linguísticos, uma vez que, neles, a nossa fala pode ser valorizada ou não, pode sofrer
concorrência, pode ser monopolizada etc.
“[Uma ciência do discurso](...) deve levar em conta as leis de formação de
preços características do mercado em questão (...) as condições de
recepção antecipadas fazem parte das condições de produção, e a
antecipação das sanções do mercado contribui para determinar a produção
do discurso. (...) Tal sentido (...), acaba determinando as correções e todas
as formas de autocensura, concessões que se outorgam a um universo
social pelo fato de aceitar tornar-se aí aceitável.” (Pierre Bourdieu.
Economia das Trocas Linguísticas)
Quando produzimos um discurso, desenvolvemos também uma antecipação das
condições em que aquele discurso será recebido. Essa antecipação, quando negativa,
pode levar-nos a um conjunto de medidas de autocensura (ver: meme).
Por outro lado, algumas pessoas acabam agindo como porta-vozes da opinião de uma
série de ouras pessoas em um mercado linguístico.
Eles ou elas são capazes de falar como representantes de um grupo, colocam-se como
um grupo falando e, assim, fazem com que determinados interesses e motivações
ganham um lugar em meio às palavras e transforme-se em discurso que merece ser
ouvido.
Será que isso que ocorre no chamado Mansplaining ou Manterrupting? Será que o
movimento feminista, por exemplo, precisa enfrentar este tipo de questão?
No caso dos povos colonizados, existe sempre a questão levantada por Gayatri Spivak:
Pode o subalterno falar?
O Poder Simbólico

O poder simbólico é um poder (econômico, político, cultural ou outro) que consegue


ser alvo de reconhecimento, por isso, é preciso entender que se trata de um tipo de
poder que não é físico (embora possa ter consequências reais). Ele é exercido no plano
do sentido, na sua capacidade de gerar conhecimento e reconhecimento.
Ele está relacionado com a questão do enquadramento (framing).
O enquadramento é um dispositivo interpretativo, um padrão de organização do
discurso, que estabelece alguns princípios de seleção de certas palavras e ângulos de
abordagem na construção das notícias. São padrões de apresentação, cognição e
interpretação; de seleção, ênfase e exclusão que organizam a narrativa escrita e
audiovisual. A combinação de determinadas ações em determinados contextos são
capazes de produzir certos enquadramento ou quadros de referência para os
indivíduos como observa Erving Goffman, que desenvolve amplamente o termo.
As palavras exercem, assim, um poder tipicamente mágico: fazem ver, fazem crer,
fazem agir.
Mas essa magia, como toda outra, não pode ser explicada apenas por esse poder do
produtor do discurso. É preciso ir além e reconhecer as condições sociais que
possibilitam essa eficácia mágica das palavras.
Quem fala? Quem está autorizado a falar? De que lugar falamos?
Para completar, é preciso observar que esse poder das palavras só pode ser exercido
sobre aqueles que estão dispostos a ouvi-las, a crer nelas.
Vamos observar o que dizem as duas citações abaixo:
“…os agentes sociais e os próprios dominados estão unidos ao mundo
social (até mesmo ao mais repugnante e revoltante) por uma relação de
cumplicidade padecida que faz com que certos aspectos deste mundo
estejam sempre além ou aquém do questionamento crítico” (Pierre
Bourdieu em O que falar quer dizer)
Vale a pena pensar em uma observação de outro intelectual francês:
“O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente
que ele não pesa como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia,
produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se
considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social
muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir”.
(Michel Foucault em Microfísica do poder)

Você também pode gostar