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PSICOLOGIA SOCIAL

PSICOLOGIA SOCIAL: PASSADO, PRESENTE E


FUTURO
Bruno Stramandinoli Moreno

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Olá!
Você está na unidade Psicologia Social: passado, presente e futuro. Conheça aqui o conceito proposto pela

psicologia social e a sua diferença em relação à psicologia propriamente dita. Compreenda também as nuances

que balizam a psicologia social, e também a própria psicologia.

Bons estudos!

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1 Psicologia social: o social
A psicologia possui um campo vasto e diverso de correntes de pensamento. No entanto, há duas matrizes que

podem resumir essas inúmeras teorias das ciências psicológicas, segundo Guareschi (2009):

Matriz de ordemcomportamentalista

centrada na perspectiva americana experimentalista.

Matriz de ordem dialógica

explanativa, centrada na perspectiva européia social-histórica-crítica.

O pressuposto fundador das teorias que se estruturam na perspectiva comportamentalista é o de que a

sociedade que está aí posta, de modo que as pessoas transitam nela, conhecendo-a ou não. Isto significa que

conhecer sobre ela denota uma perspectiva em que procedem quantificações e mensurações. Em que um dado

saber é transmissível, em sua integridade e finitude, de “boca em boca”, de “ação em ação”. Logo os indivíduos

que nela transitam e existem, são indivíduos concebidos enquanto “semelhantes, uniformes, semelhantes a

máquinas de processamento, robôs, seres humanos praticamente iguais” (GUARESCHI, 2009, p. 41).

Enquanto “objetos” desta sociedade, as pessoas são treinadas, reproduzidas e assemelhadas a grupos de

referência (como equipes de trabalho, classe e gênero sexual) para aprender formas de ser no contexto que o

circunda. A dinâmica social é entendida, sob esta perspectiva, como passíveis de serem educadas, ou seja,

ajustadas e de adaptarem-se à sociedade existente.

Já ao que se refere à perspectiva dialógica, Guareschi (2009), a premissa é a de que os seres humanos

interagem uns os outros e com o mundo e, por meio dessas interações, constroem espaços representacionais,

psíquicos e simbólicos. As teorias alinhadas à esta matriz concebem que, a todo tempo, são produzidos saberes,

novos conhecimentos (caracterizadamente singulares) que só podem ser adquiridos por meio de um processo

interacional com outras pessoas e com o próprio ambiente social.

É notório que ações, posições e conhecimentos pressupõem práticas peculiares e únicas. Não reproduzidas em

série, mas, sim, a partir da realização de tarefas diferentes. O modo como apreendem o mundo é sempre

particular. Assim, esses sujeitos, para produzir conhecimentos e saberes, “procuram, investigam, refletem,

buscam razões” (GUARESCHI, 2009, p.42). A vida em sociedade, nesta perspectiva, se traduz em um constante

descobrimento, fazendo intenso uso de práticas de reflexão, do diálogo, e de se produzir respostas a algum

problema.

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Figura 1 - Sociedade
Fonte: Macrovector, Shutterstock, 2020.

#PraCegoVer: A imagem mostra um coletivo de diferentes pessoas, profissões e papéis sociais, pois o social

designa um conjunto um coletivo de pessoas que funcionam e se organizam de modo a dinamizarem a vida.

Para falar de um social faz-se necessário pensá-lo a partir de uma concepção de mundo. Ou seja: é preciso

estabelecer um modelo explicativo que o conceba. É neste sentido que foram apresentadas estas duas

perspectivas. Uma que concebe o social como algo posto, dado, natural, o que leva o indivíduo a apenas extrair

aquilo que já existe da vida em termos de possibilidade e potência.

Neste modelo, as pessoas têm uma relação mais objetiva com a vida, transmitindo informações para outras

pessoas. Já no modelo explanativo, a atuação humana é concebida como algo mais complexo: mais do que

transmitir informações e captá-las, a ação humana é entendida como um ato de criação, constante. Em um

permanente movimento de estabilidade e instabilidade, pergunta-resposta, nova pergunta e nova resposta. Sob

este prisma, o indivíduo é impelido a se mobilizar a agir, a tomar uma atitude.

Se, na primeira matriz, a existência do indivíduo é predeterminada pelo social e as informações e experiências

catalisam sua condição humana e social, na segunda é o indivíduo que produz e, ao mesmo tempo, é produzido

pelo que fez no social, não como resultado da ação de outrem mas como efeito de sua própria ação.

Assista aí

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1.1 Mas como ser psicologia e social?

Ao nascer, o ser humano é um só com a mãe, não importa qual. O psicanalista Winnicott já apontava que a

relação mãe-bebê é o que dá início à existência do ser humano, mesmo que a figura materna seja um totem ou

um objeto figurativo.

Se no início somos um com nossas mães, pouco a pouco no desgarramos dela, com vistas a ficarmos, apenas, com

nós mesmos. E é este movimento, como afirma Guareschi (2009), que nos dá a percepção da existência de um

“outro”.

Fique de olho
O filme I am mother faz uma série de provocações sobre a existência humana, sua criação e os
aspectos que mobilizam questionamentos sob a ótica das duas matrizes teóricas acerca do
social. Está disponível na rede Netflix.

Ao nos tornarmos indivíduos compreendemos que outros nos interferem e que, sobre eles, também interferimos.

É esta toada que mobiliza e constrói o ser humano enquanto ser social. O mundo é sempre social e, mesmo

quando físico e exato, ele é contextual onde o ser humano vai construindo sentidos e significados, num

movimento helicoidal de desenvolvimento, como a hélice de um monomotor ou de um helicóptero que o tira do

lugar, por suas voltas: vamos e voltamos, inúmeras vezes (nunca ao mesmo ponto), mas sempre o tendo como

referência.

Neste sentido, o ser humano não é social por conta do social (ou do ambiente ou do contexto) em si, mas,

justamente, por sua relação com ele.

À medida que adentramos (“helicoidalmente”) neste universo social, o ser humano vai construindo novos

referenciais, introjetando e interferindo, simultaneamente, em si e no outro (ambiente, contexto, realidade que o

circunscreve). O ser humano é um ser enquanto espécie, tanto quanto um ser social. É humano, por sua condição

homo sapiens sapiens, tanto quanto por sua condição “homo socialis”.

E é neste espectro que Guareschi (2009) salienta o range psicológico, um espaço tanto material quanto imaterial,

uma moeda que, de um lado parte do âmbito biológico e, de outro, será provido (a duras e intensas “penas”) de

autonomia própria. A despeito de suas limitações biológicas, neurológicas, orgânicas. O autor enfatiza que o

caráter

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representacional que é a morada do psíquico, do psicológico. O espaço da reflexão, da consciência, o

especificamente “humano”, pois, enquanto é possível saber, os humanos se distinguem de todos os

outros seres vivos pelo fato de darem sentido às realidades, de poderem refletir, isto é, dobrar-se

sobre si mesmos e fazer a pergunta: Quem sou eu? Que são as coisas que nos rodeiam? (GUARESCHI,

2009, p.43).

Lane (1984) destaca que toda a psicologia é social, não por que as outras psicologias (clínica, psicofisiologia,

psicologia do esporte, psicologia do trabalho, psicologia jurídica, etc) não tenham suas especificidades, mas

porque elas são produzidas e emergem em um dado contexto histórico-social ao analisar os fenômenos

psicológicos que se especializam.

Desde os entendimentos sobre tais fenômenos às técnicas interventivas, o homem encontra-se circunscrito

numa dada realidade. Logo, os comportamentos não ocorrem de modo isolado e esterilizados de seus contextos

e momentos históricos. Logo, o homem é um ser social: aquele do esporte, dos dissídios judiciais, do ensino, do

processo de aprendizagem, do sofrimento e do trabalho. Portanto, ele tem seus comportamentos e fenômenos

derivativos, infundados numa atmosfera dinâmica e multifacetada.

Assim, falar de uma psicologia social é referir-se a um ramo científico que estuda e tece compreensões sobre

relações sociais. Alguns como Figueiredo (2008), Gersen (2008); Guareschi (2009) e Nascimento (2009) ainda

fazem alguma ponte com outras ciências, como a sociologia e a antropologia, por exemplo, uma vez que é

possível vislumbrar a agregação de valores da psicologia com essas duas áreas científicas.

Assim sendo, este ramo considera o indivíduo como influenciado pelo meio que o forma e também o

sujeito como elemento que altera o ambiente em que vive. A necessidade da atuação desse ramo está

no fato de que as relações sociais influenciam a conduta e os estados mentais dos indivíduos. Por

outro lado, a consciência coletiva de uma sociedade é um campo fértil para (seus) estudos, (...) a

Psicologia Social não observa apenas as influências do meio, mas também estuda as percepções

desse meio, tratando-o como uma entidade, visando compreender o comportamento social; e analisa

as interações que compreendem a sociedade (CARVALHO; COSTA JUNIOR, 2017, p.2).

Neste sentido, a psicologia, no que concerne a vertente social, é erigida e se presta a estudar o cotidiano. Logo,

seu interesse primeiro se triangula na construção de entendimentos sobre “o impacto dos ambientes sociais e

interações sobre atitudes e comportamentos” (CARVALHO; COSTA JUNIOR, p. 3). Ou seja, envolve compreender

como as instituições, as culturas e a própria sociedade interferem e são interferidas nos e pelos seres humanos.

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2 Breve histórico da psicologia social
A psicologia social precisa ser abordada sob suas perspectivas: uma de movimento mais global (que remonta aos

primórdios de suas articulações enquanto ramo científico) e outra que remete às discussões e práticas no

cenário brasileiro.

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2.1 Os primórdios da psicologia social

Segundo Lane (1981), a psicologia social reflete um movimento (uma corrente de pensamento) que reverbera

desde o século XIX e tem como patrono o filósofo francês Augusto Conte, que marcou um início simbólico desta

lógica. Conte concebia a psicologia social como subproduto da sobreposição de duas outras ciências: a sociologia

e a moral. Assim, o indivíduo era, para ele, a causa e a consequência da sociedade em que vivia.

Entretanto, durante todo o século XIX, estas questões orbitaram apenas no plano do etéreo e não passavam de

discussões teóricas (LANE, 1981). Com a emergência da Primeira Guerra Mundial é que se tem um marco

concreto de desenvolvimento da psicologia social enquanto ramo de estudo científico e sistemático,

especialmente a partir do assolamento de crises e catástrofes, conflitos que se tornaram um terreno fértil e

propício para o desenvolvimento de pesquisas e estudos.

O foco, portanto, era erigir compreensões de entendimentos sobre temas como modos de manutenção de valores

e da liberdade, principalmente dentro de um cenário de tensão e sofrimento onde as pessoas oscilavam em suas

condições sociais, físicas e humanas, segurança e total esfacelamento social. Assim, eram traçadas questões como:

Quem sou eu?

Por que faço o que faço?

O que sou a partir do que faça e do que fazem de mim?

Inicialmente discussões assim, sobre a consciência, tornam-se hegemônicas: o que é e como se cria e em que

nível afeta e é afetada.

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Figura 2 - Consciência
Fonte: patrice6000, Shutterstock, 2020.

#PraCegoVer: A imagem mostra a silhueta da cabeça de uma pessoa com um túnel sem fim, representando que,

em seus primórdios, a psicologia social já iniciava os debates sobre temas como moral e a consciência.

Lane (1981) destaca que, neste período, vários estudos foram empreendidos em temas que versavam sobre

liderança, preconceito, propaganda, conflitos de valores e como (por quê e para quê) os indivíduos se

comportavam frente em função em função de tais fenômenos sociais.

Não houve, no entanto, uma fundação inicial da psicologia social, mas permitiu-se que as ciências psicológicas

passassem a enveredar em pesquisas cujo âmago procuravam estabelecer entendimentos e maneiras a

problemas como uma melhora de vida dos sujeitos em seus contextos. Nas duas grandes guerras mundiais, por

exemplo, o objeto de estudo da psicologia social era a própria sociedade, principalmente as percepções, as

motivações, as atitudes e os comportamentos frente “à determinadas situações, padrões de comportamento,

enfim, tudo que demonstrasse a dicotomia existente entre o ser e a sociedade” (CARVALHO; COSTA JÚNIOR,

2017, p.4).

Por outro lado, ao fim deste período de guerras, os resultados apresentados pelos pesquisadores mostraram

mais contradições e incertezas do que entendimentos e compreensões assertivas mostrando pouca praticidade e

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aplicabilidade, sem que houvesse soluções exequíveis e para os problemas vigentes à época. Por este motivo,

Lane (1981) entende que houve aí um momento de crise da psicologia social, no qual se instaurou um declínio

dessa compreensão

Foi apenas após um fluxo de inquietações de psicólogos fora do eixo América do Norte-Europa, que a psicologia

social começou a alçar um novo ar de efetiva aplicabilidade e relevância. Psicólogos latino-americanos (em

especial do México, Peru e Brasil) deram início a novas pesquisas, desta vez mais contextualizadas e críticas

(LANE, 1984).

Menos preocupado em fomentar alguma unicidade em suas deliberações e elucubrações, os psicólogos deste

movimento realçavam a condição plural em que novos espaços eram discutidos e problematizados (entre

conjunções e disjunções). Velhas premissas eram colocadas em foco para, devidamente criticadas, mantivessem

ou refizessem, suas teses. O trabalho investigativo da psicologia social, neste instante, assume um carácter

mais interdisciplinar e de conjunções mais refinadas. Não se trata mais de imputar um viés positivista à

psicologia. Evidenciam-se dinâmicas e valorizações sob a ótica de uma ecologia social e cognitiva,

caracterizadamente, amalgamada e engendrada, no tecido social, e não mais identificado de maneira isolada e

fragmentada.

Fique de olho
Uma discussão mais aprofundada sobre esta trajetória histórica da psicologia social é traçada
na obra de Robert M. Farr, intitulada “As raízes da psicologia social moderna”.

A principal característica desta época, segundo Gersen (2008), é a emergência de redes de saberes, propostas

para promover interconexões entre diferentes atores e pesquisadores. Isso fez com que houvesse uma

amplificação de possibilidades e temas a serem problematizados na mesma medida em que se enfatiza o caráter

prático e conectado com as realidades que eles se prestam a compreender e intervir. Assim, surge, de modo mais

enfático, a postura investigativa e, principalmente, de intervenção numa premissa impositiva mas coadunada

com a própria realidade e contexto investigados.

Assista aí

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2.2 Psicologia social à brasileira

Pacheco Filho (2006) destaca que o cenário em que a psicologia social toma corpo no contexto brasileiro é

demarcado e caracterizado pela intensa crítica ao modelo americano de psicologia social estruturado no período

entre guerras - mesmo recebendo grande influência desta vertente até meados dos anos 1960. Sem se esquecer

que no entorno global, pululavam movimentos sociais e críticos à ordem geral, como

os movimentos estudantis de 68 e toda a repercussão de crítica política a eles associada.

Internamente, tivemos o recrudescimento da repressão militar instaurada a partir de março de 64

que, em contrapartida, refletiu-se em uma certa unificação das críticas ao regime militar (PACHECO

FILHO, 2006, p.131).

Segundo o autor, esta época se caracteriza pela efervescência nos meios acadêmicos e pelas duras críticas ao

modelo de ciência da psicologia social vigente (leia-se: a Escola Americana). É nesta seara oscilante, ora entre o

pragmatismo norte-americano, ora uma visão mais abstrata do homem, que começam os primeiros

posicionamentos críticos e intensos, que, segundo Lane (1984), evidenciavam o anseio de uma psicologia social

que respondesse, de modo mais sistemático, à realidade brasileira.

Esses movimentos culminam, em 1979 (SIP - Lima, Peru), com propostas concretas de uma

Psicologia Social em bases materialistas-históricas e voltadas para trabalhos comunitários, agora

com a participação de psicólogos peruanos, mexicanos e outros (LANE, 1984 apud PACHECO FILHO,

2006, p. 57).

Novas concepções teóricas, de cunho mais crítico, começam, então, a ser erigidas. Na década de 1970 há,

segundo Pacheco Filho (2006), uma intensificação na busca por concepções e postulações mais alinhadas com a

realidade social brasileira (em consonância com outros movimentos de países latino-americanos).

Vemos no Brasil um desenvolvimento de uma nova postura em relação à Psicologia social surgida

com a crise que a perspectiva até então vigente sofreu nos anos 70. No entanto, podemos observar

dois momentos especiais para a Psicologia social que antecedem o surgimento da ABRAPSO

(Associação Brasileira de Psicologia Social), que fundamenta as premissas do surgimento da

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Psicologia socio-histórica: os cursos de Psicologia social ministrados e seus livros correspondentes

na década de 30-40, de Ramos e Bricquet, que mostravam uma perspectiva sociológica inspirada na

multidisciplinaridade, como o Handbook of Social Psychology, de Murchison (ALMEIDA, 2012, p.131).

Já em 1979 há um marco que delimita e consolida uma nova forma de se pensar a psicologia social brasileira: a

fundação da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO). Em suas premissas há o fomento de

intercâmbios dos cientistas brasileiros e cientistas que compartilhavam problemas análogos à realidade

brasileira.

Para Lane (1984), as publicações que advém deste movimento dotam a psicologia social brasileira de melhor

embasamento teórico-metodológico no que diz respeito a práticas investigativas e de intervenção. Almeida

(2012) salienta a principal diferenciação entre a psicologia social norte-americana e a construída nesta

empreitada brasileira.

Enquanto a Psicologia social cognitiva se baseava em uma perspectiva naturalizante e dicotômica,

valendo-se do método experimental e da neutralidade do investigador em suas análises das relações

interpessoais e dos fatores sociais no indivíduo, a psicologia social brasileira (socio-histórica) se

fundamentava no método do materialismo dialético, visando ao compromisso social (ALMEIDA,

2012, p.131).

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3 Cognição social
Segundo Garrido et al (2011), a teoria denominada cognição social refere-se mais à uma abordagem conceptual

e empírica genérica do que a uma subdisciplina da psicologia. De forte influência filosófica do elementarismo e

do holismo, esta corrente teórica surgiu fortemente em meados dos anos 1970. No cerne de seus objetivos foca

na construção de compreensões e explicações sobre a percepção humana (do indivíduo sobre si mesmo e sobre

os outros).

Assim, parte-se da premissa de que é a partir destas percepções que se explica, prevê e orienta o comportamento

social. Para seus teóricos, os fenômenos sociais devem ser investigados por meio das estruturas e processos

cognitivos pelos quais operam. Daí a nomenclatura cognição social. Trata-se de uma corrente de pensamento

teórico que se alicerça sob uma perspectiva cognitiva, ou seja, o paradigma fundante é do processamento de

informação. Isto significa que para seus teóricos existem modelos de processamento que orientam funções

cognitivas que são mobilizada e mobilizam fenómenos sociais.

Neste sentido, esta abordagem contribui para reforçar a importância dos processos cognitivos como viés para

explicar o comportamento social. Segundo os autores, muitos pesquisadores desta abordagem buscaram

integrar os pressupostos teóricos e metodológicos da psicologia cognitiva relativos à percepção,

memória e pensamento, procurando adaptá-los às problemáticas da psicologia social (...),

nomeadamente a formação de impressões (...) e os estereótipos (...) e ainda a questões de

personalidade (...), atribuição social, comunicação, afeto, processos de julgamento e o self (GARRIDO,

et al., p. 116).

O ponto central desta teoria reside, segundo os autores, em sua tentativa de explicar a proposição de modelos

cognitivos voltados ao aspecto social e a maneira detalhada com que seus teóricos descrevem processos como

aprendizagem e pensamento, aplicados à uma vasta gama de áreas. Inicialmente, os primeiros trabalhos se

dedicavam a investigar os fenômenos sociais em seus fundamentos cognitivos, tendo como meio os modelos do

processamento da informação.

Estes modelos apregoavam um indivíduo envolto em um contexto social, “virtualmente embrenhado nalguma

forma de processamento de informação” (GARRIDO, et al., p. 117). Neste sentido, toda a situação social

pressupões alguma necessidade de processar informações: na fila do banco, no ato de realizar uma compra, na

maneira de ser atendido no posto de saúde. As pessoas produzem impressões sobre suas experiências:

se atentando e codificando informações provenientes do contexto social que o circunda;

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interpretando e elaborando tais informações;

fazendo uso de processos avaliativos, inferenciais e atribucionais;

representando os conhecimentos produzidos na memória.

Assim, em algum momento, mais à frente, tais conhecimentos serão recuperados (ou não) e podem ser utilizados

por meio de processos como o pensamento e o julgamento e com vistas a nortear o comportamento social

humano.

Para Garrido et al (2011), o elementarismo e o holismo são as duas principais correntes filosóficas que

estruturam a teoria da cognição social.

A perspectiva elementarista, que remonta aos filósofos britânicos dos séculos XVII e XVIII (Hume,

1739/1978; Locke, 1690/1979), caracteriza-se pela segmentação e análise dos problemas científicos

nos seus vários componentes, que só posteriormente serão combinados. Segundo esta abordagem da

mente, as ideias surgem da sensação e percepção e constituem elementos que podem ser associados

entre si. (...) a abordagem elementarista, (procura) analisar a experiência nos seus vários elementos,

determinando como estes se ligam, e identificar as leis que presidem a tais associações.

Curiosamente, estas concepções elementaristas continuam bem presentes na abordagem mais

tradicional da cognição social onde se procura isolar e explorar os elementos estruturais e as regras

subjacentes aos processos cognitivos. No entanto, a ideia de que o isolamento dos elementos

constituintes de um fenómeno e do modo como estes elementos se combinam, assegura a sua

adequada compreensão não se encontra isenta de críticas como veremos mais à frente.

A abordagem holística caracteriza-se pela análise dos fenómenos no seu contexto, incidindo

sobretudo na configuração global de relações entre eles. Esta abordagem da mente tem origem nas

teorias do filósofo alemão Emanuel Kant (1781/1969) que, numa crítica às posições filosóficas

vigentes, defende que os fenómenos mentais são inerentemente subjetivos e sugere que a mente

constrói ativamente a realidade, indo além do estímulo original. Kant atribui, assim, um papel mais

ativo e construtivo ao percepiente social na percepção e interpretação dos objetos experienciados.

(...) se foca na experiência imediata da percepção (...) procura descrever de forma sistemática as

experiências perceptivas e o pensamento. (...) centra-se nas interpretações subjetivas que os

indivíduos fazem do seu mundo social. (...) seria necessário considerar o equilíbrio dinâmico da

pessoa (com as suas necessidades, crenças, capacidades perceptivas) e da situação, para perceber

como este conjunto de fatores atua na construção da realidade social. Para além disso, havia que

considerar a cognição, ou seja, a interpretação que o percepiente faz do mundo, e a motivação, que

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constituiria o motor do seu comportamento. (...) estas ideias convergem com concepções mais

situadas da cognição, isto é, com a ideia de que a cognição emerge da interação entre o indivíduo e o

seu mundo físico e social (GARRIDO et al, 2011, p.118).

No entanto, a abordagem da cognição social não se limitou apenas a estas duas correntes filosóficas. É possível

citar, ainda, pelo menos outras quatro teorias que, em alguma medida, influenciaram a presente corrente:

corrente de pensamento que combina o interesse na percepção, conflito, nível de

aspiração e interesse intrínseco, com ênfase no estudo da percepção interpessoal, a

Gestalt formação de impressões pessoais. A principal contribuição é a ideia de que as

pessoas não são receptores passivos, mas que interpretam ativamente a

informação.

parte da combinação de preceitos “de aprendizagem animal com formulações

clínicas acerca da personalidade e psicoterapia, especialmente da psicanálise”

(GARRIDO et al., 2011, p. 119). Sugere que a aprendizagem está intimamente

Aprendizagemsocial relacionada ao desenvolvimento da personalidade, pois media e é mediada por

processos cognitivos e afetivos. Pois concebe “que o comportamento é mediado por

expectativas e valores, e pelo reforço das atribuições acerca do locus de controle”

(GARRIDO et al., 2011, p. 119).

considera o indivíduo sob a ótica de seu desenvolvimento cognitivo. Esta visão

compreende o indivíduo não como alguém que percebe seu contexto de forma

passiva, mas sim, como alguém que constrói seus conhecimentos, ativamente.

Tendo como guarida as experiências elementares de sensação e movimento. No

centro desta interlocução surge o conceito de esquemas, “construções simbólicas

Construtivismo que representam eventos que orientam o funcionamento psicológico, e que mudam

em resposta à experiência” (GARRIDO et al., 2011, p. 120). Nesta perspectiva a

personalidade, por exemplo, é definida como cognição social, ou seja, trata-se “de

um sistema de construtos pessoais que diferem de pessoa para pessoa, e ao longo

do tempo no indivíduo, que são utilizados pelas pessoas para interpretar a sua

experiência” (GARRIDO et al., 2011, p. 120).

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Processamento de principal referência na abordagem da cognição social, traz metaforicamente a

informação comparação da atividade cerebral ao funcionamento de um computador, com o

intuito de explicar os processos cognitivos. Diretamente relacionados a tomadas de

decisão e compreensões de inteligibilidade humanas.

O estudo sobre os processos cognitivos e sua aplicabilidade diante aos fenômenos sociais é o cerne da

abordagem da cognição social. Neste sentido, o comportamento humano precisa ser entendido a partir da

identificação do conteúdo e formato que as representações mentais assumem e, em função dos respectivos

processos cognitivos a elas relacionado. Isto evidenciou, significativa importância à necessidade de se

“segmentar as operações mentais em estádios sequenciais, especificando os processos internos que,

presumivelmente, intervinham entre a apresentação do estímulo e a resposta observada (GARRIDO et al., 2011,

p. 125).

Fica evidente, assim, a valorização da concepção de que a mente funciona tal qual um computador: processando

informações. Uma crítica contundente à esta perspectiva é o modo reducionista que considera o contexto social e

o seu peso na percepção humana.

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4 Percepção de pessoas
Para Veríssimo (2019), a chamada percepção não designa algo estrito à atividade física de um determinado

sujeito. Ela se estende para além da dinâmica sensorial e envolve o contexto que circunda o indivíduo.

Trata-se, portanto, de um fenômeno social, uma atividade das pessoas em razão de sua socialidade. Assim, faz-se

necessário, neste sentido, evidenciar e compreender, principalmente, a sua dimensão social, haja vista sua

condição de intencionalidade. Assim, a percepção das pessoas está situada num contexto de compreensão das

implicações das capacidades do sujeito que percebe no estudo da intersubjetividade (ou seja, entre as pessoas:

social).

A percepção social por ser definida como um processo psicológico que é produzido no entremeio das relações

sociais. Segundo Veríssimo (2019), a maioria das teorias parte do pressuposto de que existem fatores inatistas

(genéticos) e fenomenológicos (experenciais), que se estruturam em contraponto aos fatores cognitivos e afetivo-

emocionais.

A experiência humana é, essencialmente, intersubjetiva e depende das interações sociais. Neste sentido, a

percepção se assenta em sua relação com aspectos básicos, como:

A espacialidade;

A profundidade;

A iluminação;

A forma das coisas.

Tais aspectos demarcam, segundo Veríssimo (2019), a vivência do ser humano no mundo físico e na porção

objetiva do mundo. Entretanto, sob esta lógica, poderíamos dizer que o mundo físico não passa de um recorte

abstrato da nossa experiência, pois a sua existência transcorre por um mundo cultural.

Você se veste, se movimenta, sente calor, passa frio, cozinha, vai ao cinema, fica em casa (estirado no sofá),

situações que são demarcadas pela ação humana de outras pessoas sobre nossa experiência. Logo, somos

circunscritos pela presença de outras pessoas em nossa vivência cotidiana. Assim, nossa percepção é construída

em torno de práticas de outras pessoas sobre nós, e nossas práticas sobre elas.

A percepção é erigida de modo a tornar “possível identificar, portanto, dois problemas básicos referentes à

intersubjetividade: a questão da percepção do outro e a questão do vetor social que marca a nossa relação com

as coisas” (VERÍSSIMO, 2019, p. 303). E é aqui que reside a dimensão social, pois a percepção só existe por

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conta da ação de outro humano (mesmo que mediada por aparatos sociais: celular, tablet, notebook, as roupas

que se veste, o modo de ir, de agir, de pensar e de viver).

Figura 3 - Percepções humanas


Fonte: StunningArt, Shutterstock (2020).

#PraCegoVer: A imagem mostra as mãos de homem segurando uma folha de papel branco com dois recortes

diferentes da cabeça de um personagem de perfil sobre um fundo de rua lotado, o que representa perfeitamente

a percepção como um processo psicológico produzido no intermeias das relações sociais.

Logo, a percepção é aquele processo psicológico que institui a forma e o significado a ser atribuído às coisas e às

experiências do mundo. Daí a concepção cognitiva e afetiva a ser creditada a ela.

Comportamentos estereotipados e preconceituosos são um bom exemplo de como a percepção governa as

nossas posturas e ações no contexto. Cabe ressaltar que ela está alicerçada no conjunto de artefatos culturais

(signos, símbolos, valores e crenças) que compõe nosso contexto social. Analise, por exemplo, o símbolo a seguir:

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Figura 4 - Exercício prático de percepções humanas
Fonte: Kriangx1234, Shutterstock (2020).

#PraCegoVer: A imagem mostra uma suástica em cor negra e fundo branco, símbolo associado ao nazismo de

Hitler.

Quando vê esse símbolo, a maioria das pessoas a associam ao nazismo, à maldade e a Hitler, por exemplo. No

entanto, ao verificar a história é possível perceber que esse símbolo já foi utilizado por diversas culturas sob

diferentes pretextos e significações: celtas, astecas, hispânicos, islâmicos, gregos, até entre os judeus.

Assim, a dimensão social da percepção pode ser evidenciada, uma vez que a atividade perceptiva opera,

continuamente, selecionando significados e valores que embasam nossos julgamentos e nossas ações. “Não é

possível ouvir ou ver tudo ao mesmo tempo” (VERÍSSIMO, 2019, p.303). Logo, há uma restrição que foca nossa

atenção e, portanto, o comportamento humano.

Não se trata, no entanto, de um movimento solitário. Ao contrário, é uma organização sociocultural que

estabelece nossa volição e nosso interesse, como acontece no exemplo da suástica, que orienta os indivíduos a

uma dada interpretação sobre o símbolo e, por conseguinte, as ações daí decorrentes.

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5 Atitude social e formação das atitudes
Num desdobramento do conceito de percepção, o processo denominado atitude pode ser definido como

Fique de olho
uma orientação do nosso pensamento, das nossas disposições profundas e do nosso estado de
espírito diante de determinado objeto (situação, ideia, pessoa); ou seja, atitude é uma
disposição interna que orienta a nossa conduta diante dos fatos e acontecimentos da vida,
sejam eles reais (concretos) ou simbólicos (ALVES, 2008, p. 57).

Neste sentido, podem ser identificados três componentes na atitude:

Cognição

crenças, valores, julgamentos;

Afetividade

sentimentos favoráveis ou desfavoráveis;

Comportamento

na forma de uma tendência de ação.

Mas o que produz uma determinada atitude? Segundo Pimentel et al (2016), os processos concernentes à

produção de uma atitude resultam da própria coletiva do indivíduo, tendo como base as atividades perceptivas

que o governam. Assim, se o comportamento é a ação propriamente dita, a atitude se traduz como sua intenção.

Os autores destacam que a atitude está ancorada nas representações avaliativas de que se expressam em

“dimensões como bom-ruim, agradável-desagradável, prazeroso-desprazeroso” (PIMENTEL, 2016, p. 314),

equivalendo a um posicionamento diante às situações vividas, que pode ser ou não consumada. Tudo se

desenrolará mediante às circunstâncias e vetores presentes.

é isso Aí!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• entender que a psicologia social é uma área de produção de conhecimentos na ciência psicológica;
• refletir sobre a prática da psicologia social como submetida a duas correntes teóricas, sendo a

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• refletir sobre a prática da psicologia social como submetida a duas correntes teóricas, sendo a
perspectiva americana experimentalista e a perspectiva europeia social-histórica-crítica;
• conhecer as principais teorias e concepções da psicologia social;
• pensar algumas temáticas atuais à luz destes marcos teóricos.

Referências
ALVES, M. R. Reflexões sobre atitude, comportamento e Oftalmologia. Revista Brasileira de Oftalmologia, Rio

de Janeiro, v.67, n.2, p.57-58, abr. 2008. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2020.

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CARVALHO, T. S. V.; COSTA JÚNIOR, I. C. A. Psicologia social: conceitos, história e atualidade. Psicologia.PT, 10

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existência: fronteiras e conflitos. Maceió: Abrapso, 2009.

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PIMENTEL, C. E. et al. Psicologia da era virtual: estrutura das atitudes frente ao Facebook. Pesquisas Práticas

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