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SOCIONOMIA - O SER HUMANO E SUAS RELAÇÕES*

* Texto produzido pelos psicodramatistas Beatriz


Weeks, Carlos Rubini e Marta Echenique,
para uso em aula pelos alunos do IDH.

Dimensão relacional e social do ser humano


O ser humano nasce incompleto, inacabado. Seu organismo imaturo não está
preparado para satisfazer suas necessidades vitais. É na relação com o mundo que irá
atingir sua plenitude, desenvolvendo-se física, psicológica e socialmente, o que o
caracteriza como um ser em relação.
A concepção do indivíduo como ser social constitui o eixo fundamental da teoria
socionômica de Moreno, que o estuda em relação a si mesmo, aos outros e ao mundo, com
sua articulação e inserção nos grupos, explorando a intersecção entre o individual e o
coletivo.
A primeira etapa da existência humana acontece na “matriz de identidade” que,
segundo Moreno, constitui a “placenta social da criança, o lócus no qual ela se enraíza”.
(Moreno, 1975). A matriz de identidade constitui o primeiro entorno a oferecer, como uma
placenta social/ambiental, as condições favoráveis para o desenvolvimento ontológico do
ser humano.
A relação com a mãe e com a matriz de identidade acarreta consequências
decisivas no processo de construção da criança, de sua socialização e integração na cultura
de seu meio.
O social é constituinte da personalidade e, filosoficamente, ser sociável pertence à
sua essência. “A pessoa humana é resultante de forças hereditárias (g), forças espontâneas
(e), forças sociais (t) e forças ambientais (a)”. (Moreno, 1975).
Para ele, o nascer em situação grupal é de tal importância para a personalidade
humana que determina seu psiquismo. “Qualquer que seja, a psique foi, em sua origem,
formada pelo grupo”. (Moreno, 1975).
O conceito de papel também revela o caráter social e relacional do ser humano,
pois papel é por definição, um conceito relacional e social. O EU é decorrente do exercício
de papéis e com eles se identifica. “Os aspectos tangíveis do que se conhece como “eu”
são os papéis nos quais este atua” (Moreno, 1975).
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Moreno dá à sua teoria o nome do Socionomia - a ciência que investiga as leis do


desenvolvimento social e das relações sociais, que inclui o “nós”, a comunidade, a
comunhão, as massas, as classes, o Estado, todos os coletivos e grupos que constituem a
humanidade.
A Socionomia propõe a compreensão do humano levando em consideração o meio
ambiente; salienta a importância de estudar as estruturas sociais, os valores vitais
consagrados, os sistemas socioeconômicos e as relações de poder para melhor compreender
o ser humano e sua busca existencial e necessidade de autoexpressão.
Não busca a adaptação do indivíduo ao seu meio, mas, ao contrário, levando em
conta a possibilidade do ambiente ser patológico e patogênico, questiona a contribuição
deste para o seu adoecimento. Muitas vezes, o que aparentemente é doença representa
justamente a sua luta interna para lidar com um meio familiar e/ou social sufocante e
injusto, sendo, portanto, a manifestação de uma energia espontânea saudável. A missão do
socionomista é ajudar a pessoa a ampliar o auto-conhecimento, resgatar sua espontaneidade
e descobrir a sua verdade e seus valores, saindo de uma atitude passiva de sofrimento e
aceitação para a restauração da potência que pode torná-la um agente ativo de mudança não
só de sua própria vida como do ambiente social que a cerca.

I – Socionomia
Quando as pessoas usam o termo Psicodrama, estão, geralmente, se referindo à
Socionomia. O Psicodrama é apenas um ramo de suas divisões e subdivisões, mas sua força
e sua visibilidade acabaram fazendo com que a denominação da parte fosse estendida para
o conjunto da obra.
A Socionomia se divide em Sociometria, Sociodinâmica e Sociatria, as quais
guardam em comum a ação dramática como recurso para facilitar a expressão ou a
investigação da realidade implícita nas relações interpessoais e/ou grupais.
Sociometria – significa a mensuração das relações sociais, todas as medidas de
todas as relações. A base da sociometria é a noção que “cada grupo tem sob sua superfície
tangível, visível e legível uma estrutura subjacente, intangível, invisível, não oficial, mas
que é mais viva, real e dinâmica que a outra.” (Moreno, 2020).

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A Sociodinâmica investiga a dinâmica dos grupos, os movimentos das redes de


vínculos entre os componentes dos grupos.
A Sociatria propõe-se à transformação social, à terapia da sociedade.
A Sociodinâmica e a Sociatria têm objetivos complementares e utilizam-se das mesmas
técnicas: o Psicodrama, o Sociodrama, o Axiodrama, o Role Playing, o Teatro Espontâneo,
a Psicoterapia de Grupo.
Enquanto técnicas, a diferença entre o Psicodrama e o Sociodrama consiste em que
no primeiro o trabalho dramático focaliza o indivíduo - embora sempre visto como um ser
em relação - e no segundo focaliza o próprio grupo.

II – Sociometria
Os principais conceitos relacionados à sociometria são tele, átomo social, critério,
expansividade emocional e rede.
Tele é a unidade mais simples de sentimento transmitida de um indivíduo para
outro. Tanto pode ser de atração como de rejeição; é uma espécie de denominador comum
emocional de mão dupla, uma parte projetiva, de saída e outra retroprojetiva, de retorno.

III - Átomo social


O átomo social é a unidade social básica, a primeira estrutura tangível e
discernível na formação de uma sociedade humana.
À medida que o indivíduo projeta suas emoções nas pessoas ao seu redor e à
medida que estas, por sua vez, projetam suas emoções em relação a ele, um padrão de
atração e rejeição conforme projetado de ambos os lados, pode ser discernido. Esse padrão
é chamado de “átomo social”.
Átomo social é um conceito contextual (varia conforme o contexto) que resulta e é
constituído pelo conjunto das relações afetivas de um indivíduo e evolui a partir do
nascimento como uma estrutura interpessoal.
As pessoas se buscam usando papéis e em função da tele. Em consequência disso,
surgem as relações e os vínculos. Vínculo é relação afetiva com uma pessoa ou uma coisa.
Os vínculos podem ser de três sinais:
(+) positivo = atração (aproximação afetiva)

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(-) negativo = rechaço (afastamento afetivo


(+/-) indiferente (incapacidade afetiva de decisão entre positivo e negativo).
Os vínculos, para terem sentido e significado na leitura grupal, devem ser mútuos,
sua importância está na mutualidade e reciprocidade.
Ao observar e estudar os agrupamentos humanos regidos por diferentes critérios,
(sociais, econômicos, religiosas, culturais...) e de relações afetivas existentes entre seus
indivíduos (indiferença, atração, rejeição), Moreno criou o teste sociométrico. Ao tomar o
conjunto de relações afetivas de um só indivíduo e estudar qual sua situação ou posição no
grupo, chegou à noção de átomo social. A medida (quantificação) do conjunto das relações
dos participantes desses grupos entre si constitui a matriz sociométrica.
“...ao olhar a estrutura detalhada de uma comunidade, vemos a posição concreta
de cada indivíduo nesta estrutura e, também, o núcleo de relações em torno de todos os
indivíduos, mais “espesso” em torno de uns e mais “fino” em torno de outros. Este núcleo
de relações é a pequena estrutura social em uma comunidade, um átomo social.” (Moreno,
1992)
Moreno procura conhecer a vinculação do indivíduo concreto nessas relações que
unem os participantes de um grupo e que mantém unidos os grupos no interior de uma
coletividade. O átomo social determina o grau de inserção e de aceitação do indivíduo no e
pelo grupo.
“O átomo social é o núcleo de todos os indivíduos com quem uma pessoa está
relacionada sentimentalmente, ou que lhe estão vinculadas ao mesmo tempo. O átomo
social chega tão longe quanto à própria tele possa alcançar outras pessoas. Daí também
chamar-se o alcance tele de um indivíduo e ter uma importante função operacional na
formação de uma sociedade.” (Moreno, 1975).

Características do átomo social


Uma vez constituído, o átomo social pode ser analisado através de características
ou aspectos que se evidenciam:
a) a intensidade revela a maneira como o indivíduo é aceito ou rejeitado no
grupo. Se, por exemplo, um participante do grupo recebe cinco escolhas em primeiro lugar

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e outro também recebe cinco, mas em terceiro lugar, a eleição do primeiro revela maior
intensidade em relação ao segundo.
b) a expansividade se refere ao número de indivíduos (quantidade) com quem
uma pessoa se relaciona. Quanto maior o número de pessoas com que se relaciona, maior o
grau de expansividade social do indivíduo. A expansividade abrange, também, aquela que
emana das demais pessoas do átomo, gerando uma cadeia de relações interindividuais.
“... se os indivíduos que formam o átomo social de um sujeito, têm uma forte
expansividade afetiva, este sujeito central do átomo social estará em relação com gente
que, por sua vez, tem contato com outras pessoas.” (Moreno, 1972)
c) o equilíbrio revela a proporção de escolhas e rejeição que um indivíduo faz ou
recebe. As escolhas e rejeições emitidas e recebidas tendem a ser semelhantes, havendo
certo equilíbrio.
d) a dinamicidade diz respeito ao caráter dinâmico e mutável do átomo em
função do entrelaçamento das atrações e rejeições. Revela a mobilidade de um grupo.
Considerando-se o ponto de vista a partir do qual se estudam as escolhas ou
rejeições que integram o átomo social, pode-se diferenciá-lo em átomo psicológico e átomo
coletivo. Quando o indivíduo faz suas escolhas, partindo do individual para o coletivo,
temos o átomo psicológico. Inversamente, quando as escolhas partem do grupo para o
indivíduo, temos o átomo coletivo.

Aplicações práticas do átomo social


Considerando-se que o átomo social representa o conjunto de relações afetivas de
uma pessoa, constituindo-se o núcleo de todos os indivíduos com quem se encontra
relacionada emocionalmente ou que, ao mesmo tempo estão relacionadas com ela, este
oferece inúmeras oportunidades de análise e aplicações práticas.
a) - é quase um teste sociométrico condensado. Nele podem entrar animais,
plantas, objetos, amigos, pessoas já falecidas (afetivamente boas ou más).
b) - pode ser utilizado para prognóstico ou diagnóstico ou avaliação do grau de
desenvolvimento emocional de um indivíduo. Também, se o indivíduo possui condições
emocionais (capacidade de se vincular) de entrar ou não (fazer parte) no grupo.
c) - pode ser utilizado para se iniciar uma dramatização.

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d) - indivíduo com átomo social pobre possivelmente tem mais dificuldades de se


relacionar e de convivência grupal.
e) - indivíduo com átomo social muito grande tem tendência a mobilizar a atenção
como um mecanismo de defesa.
A expansividade social e/ou afetiva mostra o número de pessoas escolhidas por um
indivíduo ou por quem ele é atraído, tanto segundo critérios sociais como afetivos. Por
critérios entende-se a motivação segundo a qual os indivíduos espontaneamente se agrupam
para atingir determinado objetivo. Em torno deles, agrupamentos de diferentes graus de
constância e duração são formados.

IV – Grupo
Para Moreno, o grupo surge da expansividade do átomo social ou do conjunto de
vários átomos interligados. A partir da simplicidade de uma relação ou vínculo interpessoal,
constitui-se uma extensa rede de relações sociais. Todo grupo humano consiste numa rede
complexa de átomos sociais.
A matriz sociométrica dos grupos é constituída pelos seguintes elementos:
a) tele - pessoas, indivíduos interligados pela sua dimensão relacional/interpessoal;
b) relações/vínculos - constituídos pelos papéis através dos quais as pessoas se
relacionam.
c) átomo social - constituído pelo conjunto de vínculos afetivos de um indivíduo;
d) molécula, conjunto de átomos interligados (superátomo);
e) “socióide” - aglomerado de átomos ligados a outros aglomerados por meio de
cadeias ou redes interpessoais;
f) “classóides” - interpenetração de numerosos socióides. Estruturas sociométricas
de classes sociais, ex. burguesia, proletariado.

“A matriz sociométrica se compõe de diversas constelações: a tele, o átomo, o


superátomo ou molécula (isto é, vários átomos ligados conjuntamente), o “socióide”, que
se pode definir como um aglomerado de átomos ligados a outros aglomerados por meio de
cadeias ou de redes interpessoais... As redes psicossociais constituem outras constelações
que se podem descobrir numa matriz sociométrica. Existem, além do mais, amplas

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categorias sociodinâmicas que são frequentemente mobilizadas na ação política e


revolucionária; resultam da interpenetração dos numerosos socióides e representam a
contrapartida sociométrica das “classes sociais”, burguesia e proletariado; podem ser
definidas como estruturas sociométricas de classes sociais e designadas sob o nome de
“classóides.” (Moreno, 1972).
A gênese e origem dos grupos surgem da proximidade física e pela
semelhança de qualidades fisiológicas, raciais, religiosas, políticas, etc. Para Moreno o
aglutinante ou elemento que dá consistência ao grupo tem suas raízes nos objetivos e
normas comuns ou critérios sociométricos. Cada grupo social possui como coisa própria,
certos valores, certos fins, modelos ou normas em função dos quais parece constituir-se.

Características e evolução do grupo


A organização social estrutura psicologicamente o grupo. No processo de
organização do grupo, duas dimensões relacionais se evidenciam: uma horizontal e outra
vertical. A horizontalidade afeta o contato e as relações entre os membros iguais de um
grupo. Gera relações amistosas e de igualdade entre os participantes. Já a verticalidade
afeta a estrutura do grupo, provocando a distribuição de papéis, postos, hierarquia,
surgimento de líderes e subordinados. A verticalidade exige certo tempo de convivência
grupal para surgir.
A horizontalidade e a verticalidade não são relações apenas intragrupais, mas
também intergrupais. Os grupos tanto se comunicam de igual para igual entre si, como se
subordinam uns aos outros em suas relações intergrupais.
Considerando-se a evolução dos grupos, a horizontalidade se manifesta em
primeiro lugar e depois a verticalidade, numa ordem não arbitrária, mas genética ou de
desenvolvimento. Em seus estudos sobre evolução dos grupos, Moreno constatou em
grupos de crianças que estas passavam, inicialmente, da etapa de contatos horizontais e
chegavam, posteriormente, a uma etapa em que se organizavam verticalmente.
Outra característica que se observa nos grupos é a homogeneidade versus
heterogeneidade. Os grupos se nutrem de membros que têm as mesmas características e se
opõem a grupos diferentes. Ou seja, os grupos tomam consciência do que são, de suas
características comuns, quando se defrontam com outros grupos diferentes.

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A homogeneidade constitui-se um fator aglutinante dos grupos, principalmente em


situações de oposição a outros. Proporciona, também, mais segurança aos participantes.
Favorece a expansividade afetiva e a auto- afirmação dos membros dos grupos.
Ligada à homogeneidade-heterogeneidade encontra-se outra característica dos
grupos: a saturação. Esta representa a capacidade do grupo receber (absorver) ou não
novos elementos. Para um grupo não saturado, um elemento novo que chega pode estimular
e favorecer a integração e o rendimento grupal, revitalizando-o. Por outro lado, a saturação
pode levar à desintegração do grupo. Pode gerar hostilidade, ansiedade, tensão, ciúmes,
medos com relação à entrada de intrusos ou elementos novos. Pode ocorrer, também, que
determinado grupo esteja saturado de determinados elementos e não de outros. Por
exemplo, um grupo heterogêneo composto por homens e mulheres, pode estar saturado de
elementos masculinos e não de femininos.
Outra característica que se observa nos grupos é a tendência ao
conservadorismo. Esta ocorre quando o grupo se organiza verticalmente, criando escalas
de valores, distribuição de atribuições, normas de conduta, etc. Surge uma oposição a
iniciativas de mudança gerada pela tendência em conservar a estrutura e funcionamentos
existentes.
Sob o ponto de vista sociométrico, Moreno classifica os grupos a partir de sua
estrutura formal, sociométrica ou social. Grupos formais são os agrupamentos visíveis e
respaldados pela lei como, por exemplo, escola, família, partido político. O grupo
sociométrico é que surge como resultado das relações afetivas de atração, rejeição ou
indiferença. Estas relações, geralmente, permanecem latentes e inconscientes e são
reveladas pelo teste sociométrico. E o grupo social é resultante da convivência entre o
formal (oficial) e o sociométrico. “É a síntese da estrutura oficial do grupo original e de
sua estrutura sociométrica o que produz sua realidade social”. (Moreno, 2020).
Com finalidades terapêuticas, ainda sob o ponto de vista sociométrico, existem os
grupos homogêneos e os heterogêneos. Há diferença entre um grupo com o mesmo tipo de
enfermidade psíquica (homogêneo) e outro heterogêneo em suas patologias.

Princípios básicos de funcionamento dos grupos

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Moreno procurou verificar de maneira experimental como ocorre o


desenvolvimento e funcionamento dos grupos. Para tanto, estudou grupos de bebês,
crianças, adolescentes e jovens. Baseado nessas pesquisas, chega a algumas conclusões
gerais, denominadas de leis:
a) - lei sociogenética - as estruturas e formas grupais evoluem das mais simples
para as mais complexas. As estruturas relacionais básicas são: par, cadeia, triângulo,
círculo, que aparecem nessa ordem.
b) - lei sociodinâmica: - os indivíduos isolados no teste sociométrico tendem a
manter tal posição socialmente em outros grupos. Os indivíduos com posição central,
também tendem a manter tal posição nas suas relações sociais.
c) - lei da gravitação social: dois grupos se movem um em direção ao outro na
razão direta de sua força de atração e inversa da de seu rechaço.
d) - lei da rede interpessoal e social emocional: os meios de comunicação dos
sentimentos sociais (redes) são o foco de origem da opinião pública. Qualquer que seja a
realidade, a reputação do indivíduo é determinada pelas redes de comunicação social.
Como consequência dessas leis, podem surgir dois tipos de grupos: os
introvertidos que buscam as suas relações dentro de si, o que os tornam mais ricos; e os
extrovertidos que buscam as suas relações fora de si. No caso dos introvertidos, a falta de
contato com o externo pode levá-los à destruição.

Fases de desenvolvimento dos grupos – Matriz de Identidade Grupal


a) momento de isolamento (ausência de vínculos). Em grupo recém-formado, o
primeiro momento é de isolamento, pois as pessoas não se conhecem e não há contatos
entre os participantes. Não há, ainda, discriminação de características individuais ou de
papéis no grupo, nem ação conjunta. O clima é introvertido, tenso e de desconfiança em
geral. Pode existir nervosismo, ansiedade e fechamento.
b) fase de diferenciação horizontal (reconhecimento grupal). As pessoas
começam a perceber-se a si e aos outros. Cada um vê, examina, conhece o outro e também
se mostra e se revela. A ação individual é voltada para os outros. Surgem aproximações e
afastamentos. Os contatos são rápidos formando pares, trios, etc. O clima é de certa
agitação, burburinho, confusão, todos querendo falar ao mesmo tempo. Não existe ainda

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uma ação centralizadora, mas já se inicia uma organização. Os sentimentos mais comuns
são de desinibição, prazer na experimentação, em se mostrar, em ver o outro, satisfação nas
descobertas e surpresas agradáveis.
c) fase da diferenciação vertical (identidade grupal). As relações tornam-se
télicas, com possibilidade de inversão de papéis. Surgem líderes, propostas e respostas
novas advindas do grupo. As ações são de cooperação, de organização e trabalho coletivo.
Distribuem-se tarefas e os papéis são assumidos espontaneamente. O clima predominante é
de colaboração, confiança, espontaneidade, liberdade de manifestação, embora haja,
também, disputas, confrontos, divergências de ideias e posições. Sentimentos positivos e
negativos são expressos e manifestos. Os vínculos tornam-se mais intensos e explícitos. Há
admiração e prazer em estar com os outros. É o momento da estruturação e organização
grupal: são criadas condições de ação produtiva do grupo e eficácia em relação aos
objetivos.

Tricotomia Social
A sociedade oficial (externa) e a realidade sociométrica grupal não são idênticas.
O conjunto de todos os grupamentos palpáveis e visíveis, grandes ou pequenos,
formais ou informais que compõe a sociedade humana constituem a sociedade externa. A
matriz sociométrica é composta pelas estruturas invisíveis, subjacentes à observação
macroscópica, que só são percebidas pelo processo de observação sociométrica.
A existência subterrânea de inúmeras constelações sociais pressiona
continuamente a sociedade externa, em parte na direção de sua desintegração, em parte
num esforço para sua realização, ao mesmo tempo que a sociedade externa resiste contra a
mudança e luta para permanecer estática. Nem uma nem outra existem isoladas - são
opostos dialéticos que se unem produzindo o processo da realidade social, a síntese
dinâmica e a interpenetração de ambas.
Quanto maior for a distância entre a sociedade oficial e a matriz sociométrica,
maior será o conflito e a tensão social.

Sociatria, a Utopia Moreniana

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Para trabalhar as tensões sociais, Moreno desenvolveu sociopsicoterapias, onde se


destacam o Sociodrama e o Axiodrama.
Esses dois ramos da Sociatria se propõem estudar as contradições presentes nas
relações entre pessoas e entre grupos e a forma como as redes sociais determinam normas
ou regras de forma a conduzir a vida de quem as integra, levando as pessoas a reproduzi-las
sem a total clareza do que estão fazendo. Ao ampliar a percepção e consciência das normas
sociais e das condutas cristalizadas, resgata-se a espontaneidade criadora que solta as
amarras dos condicionamentos e das conservas culturais.
Segundo Moreno, um processo verdadeiramente terapêutico não pode ter um
objetivo menor do que toda a humanidade. Sua preocupação básica focava o contraste entre
dois conceitos fundamentais em sua teoria: a espontaneidade e a conserva cultural. Para
promover seres espontâneos e criativos buscava libertá-los das conservas culturais, dos
comportamentos estereotipados e automatizados.
Em 1923 Moreno escrevia que “o adestramento da espontaneidade será o
principal objeto de estudo na escola do futuro”. A expressão adestramento não tinha a
conotação de domesticação mas, ao contrário, implicava em um treinamento em busca do
estado espontâneo para tornar o indivíduo mais solto, criativo, único, consciente realizador
de seu potencial...
A Utopia Moreniana é o sonho de um projeto mundial onde os métodos
sociométricos poderiam tratar a sociedade.
O Axiodrama, uma das primeiras criações de Moreno, baseada na exploração de
valores ético-sociais, trabalha crenças e valores para proporcionar um encontro real das
pessoas sem suas máscaras e sem o uso de conservas culturais para justificar pensamentos e
ações. Proporciona aos grupos e comunidades a oportunidade de se organizar diante de
dificuldades e síndromes sociais.

A Revolução Criadora

O conceito holístico do ser humano na psicologia contemporânea, que o


considera um ser inteiro, indivisível, em relação com seu meio, é semelhante à concepção
do Psicodrama, que o vê como um ser integrado (corpo, mente e meio), constituindo-se na

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relação com as pessoas e com o seu contexto, o que inclui o momento histórico, a natureza
e a sociedade em que está inserido.
Uma questão bastante sensível no momento histórico que estamos vivendo é a
relação do ser humano com a tecnologia, que nos coloca diante do dilema da conserva
cultural versus espontaneidade.
Moreno se sentia à vontade com os avanços tecnológicos de seu tempo e utilizou
os
meios de comunicação e as inovações que surgiam, compreendendo o que representavam e
viriam a representar no desenvolvimento da sociedade humana, tanto que produziu filmes
terapêuticos, cujo objetivo era o tratamento do público, para promover seres espontâneos e
criativos.
Sua preocupação era com a boa utilização das conquistas, imaginando que a
tecnologia poderia ser tanto um ganho como uma desvantagem. Por um lado, poderia
aprisionar e robotizar o ser humano, mas, bem aproveitada, poderia ser um aquecimento
preparatório para cada pessoa ampliar o autoconhecimento, a liberdade e a autonomia,
facilitando seu crescimento pessoal e sua integração na cultura.
Para aprofundar este último tema, sugerimos a leitura do capítulo “A
REVOLUÇÃO CRIADORA” no livro “QUEM SOBREVIVERÁ?”.

REFERÊNCIAS
Moreno, Jacob,Levy. Fundamentos de la Sociometria, Buenos Aires,1972
------------------------ Psicodrama,S.Paulo,Cultrix,1972
------------------------ Psicoterapia de Grupo e psicodrama, S.Paulo,Mestre Jou,1975
------------------------ Quem sobreviverá? Goiania, Dimensão,1992
------------------------ Sociometria, S.Paulo,Febrap,2020

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