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Perspectiva
negra na
educação física
Conselho Editorial
Edvaldo Pereira Lima, doutor em Ciências da Comunicação / USP
Marcia Furtado Avanza, doutora em Ciências da Comunicação / USP
Márcia Neme Buzalaf, doutora em História / UNESP
Maurício Pedro da Silva, pós-doutorado em Literatura Brasileira / USP
Vinicius Guedes Pereira de Souza, doutor em Comunicação / UNIP
Perspectiva negra na educação física [livro eletrônico] / organização Carolina Cristina dos Santos
Nobrega. -- 1. ed. -- São Paulo : Editora Casa Flutuante, 2023.
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Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-65-88595-45-9
23-175247 CDD-306.4309
[2023]
Todos os direitos reservados à Organizadora
APRESENTAÇÃO 1...................................................................................... 6
Carolina Cristina dos Santos Nobrega
doi doi.org/10.36599/cflu-978-65-88595-45-9_0a1
APRESENTAÇÃO 2...................................................................................... 9
Francisca Mônica Rodrigues de Lima e Carolina Cristina dos Santos Nobrega
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em cada capítulo um idioma corporal, cultural que abraça as
referências teóricas, para falar com e a respeito da sobrevivên-
cia negra que não nos é dada. A linguagem corporal defende a
existência de nossas humanidades numa audácia teórica e alerta
para a complexidade e multiface das questões negras e suas mu-
tações nas instituições educativas. Exige de nós um processo de
desfazimento de nossas (de)formações (neste caso, na educação
“física”) e propõe a necessidade de experienciar a história ne-
gra numa interdisciplinaridade, produzindo conhecimento no
caminhar coletivo de nossas narrativas, reflexões, memórias e
trajetórias, que são a tradução da nossa urgência política, da
descolonização interna, da inconclusão de nossos anseios, que
buscam vértices da verdade para outros modos de viver, conhe-
cer e tornar a criar uma escola em que as prioridades negras e
indígenas sejam a centralidade do projeto político-pedagógico.
Somos testemunhas de nossas experiências, abordando temas
que incendeiam a nossa criatividade, revisitam a nossa trajetória
docente, dores empoeiradas e coragens inesquecíveis, uma vez
que interpretam o conhecimento de nossas lutas e o conhecimen-
to elaborado com elas e sobre elas. É nesse território que nós
plantamos a formação da intelectualidade negra para uma educa-
ção física do pertencimento, que sirva as pessoas, pois as palavras
aqui empregadas transbordam o trabalho acadêmico, a prática
pedagógica, a consciência etc., uma vez que validam o conheci-
mento da nossa luta, que é a nossa própria vida.
Perspectivas Negras na Educação Física é uma dedicatória
à liberdade dos corpos ameaçados. É um compromisso com o
pensamento negro, que não expõe verdades absolutas para o
combate aos racismos, desigualdades raciais, discriminações
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raciais e demais violências raciais, apresenta teorias que são
gestadas na vida. O livro reafirma a existência pedagógica de
resistência, as suas trilhas na educação física e a preocupação
com o resgate do nosso modo coletivo de ser quilombo!
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APRESENTAÇÃO 2
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como o elo entre o passado e o presente para mobilizar o nosso
fazer político, a partir das críticas e ensinamentos das intelectuais
negras que delineiam e influenciam o nosso Pensamento-farol na
educação, em particular, na educação física. É a nossa fala, antes
retesada, do nosso ser negra(o), indígena que são um corpo unís-
sono nas nossas narrativas emaranhadas à diversidade que consti-
tuem e se impõem na força de nossas presenças desobedientes na
tessitura de um sonho coletivo.
Como resistimos ao padrão ser, saber, poder na escola? Como
criamos as nossas comunidades de resistência pedagógica no
chão da escola e/ou em diálogo com a mesma? A partir desses
questionamentos, a autora apresenta a importância da orí-enta-
ção sobre os limites pedagógicos firmados, em raízes de Baobá,
pelo pensamento feminista negro decolonial: potência afro-fe-
minista a revitalizar a educação para uma educação física do
avesso, isso é, concebendo as histórias negras como prioridade
no ensino. Daqui nascem propostas pedagógicas amefricanas
na educação física e na escola: as organizações, ocupações para
o pertencimento negro nas instituições, cursos e currículos de
formação política inventados por nós, negras, negros (de cons-
ciência racial) e alianças engajadas que buscam plantar o terri-
tório negro nas instituições. Portanto, num diálogo sensível com
as(os) professoras(es), a autora ressalta o modo de ser quilombo,
a necessidade de (re)pensar a participação negra nas instituições
e suas limitações no sentido de refundar a escola e a relevância
da política quilombista como espelho da ação pedagógica nesse
componente curricular.
Exu é Caminho, é Energia, é Vida na constante (trans)for-
mação, (re)criação. (Des)constrói Verdades nas possibilidades
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do Tempo: somos líquidos, rarefeitos, quentes sobre a terra, em
caminhadas. “É verdade que tu passou filme de Exú, sor Már-
cio?” Negritudes em construção e diálogo nas aulas de educação
física em uma escola da rede municipal de ensino de Porto Ale-
gre/RS, a partir dessa indagação provocativa, os pesquisadores
Márcio Cardoso Coelho e Fabiano Bossle apresentam suas re-
flexões e buscam nas encruzilhadas do mundo escolar a supera-
ção da consciência ingênua para uma nova consciência, crítica,
criativa e reflexiva, pautada na dialogicidade e nas experiências
existenciais das(os) estudantes que encontram suas negritudes
na intersubjetividade.
É vital entender as relações dialógicas que emergem do coti-
diano escolar como oportunidades pedagógicas. Neste capítulo, o
estudante Matheus (nome fictício) traz a questão da intolerância
religiosa como possibilidade de reflexão. Com isso, os pesquisa-
dores desenvolvem, por exemplo, a temática jogos e brincadeiras
da cultura africana, problematizando a intolerância religiosa como
um ponto de resistência e cultivo da negritude na promoção de
uma Educação Física escolar crítica. Compreender as histórias ne-
gras sendo contadas, vivenciadas, experimentadas a emergirem,
visibilizadas e respeitadas para construírem conhecimento poten-
te e descolonizado. Constitui-se nos encontros intersubjetivos nas
aulas de Educação Física.
É salutar, pois o currículo não contempla a potência da negri-
tude: Documento oficial como registro da versão dos “vencedores”
brancos. O Currículo Negro deve ser o percurso das histórias e
culturas africana e indígena com o registro e elevação dos seus Sa-
beres e Conhecimentos compreendendo o corpo como campo de
possibilidades a ser e estar no mundo.
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Nesse pensamento, o poder de Exu deve ser sentido para ser
compreendido na força que se mostra incessante diante de nós:
a criança que não “se aquieta” no lugar sabe nos inquietar para
transformar as reproduções de intolerância religiosa no espaço
escolar como possibilidade de aprendizagem. Portanto, os pes-
quisadores põem em jogo questões da educação física a partir
da experiência negra como possibilidade de inéditos viáveis e
enfatizam nas entrelinhas uma pergunta, isto é, nós podemos
pensar a cultura brasileira separada das matrizes indígenas e
africanas, Professora(or)?
Educação física no ensino fundamental: reflexões sobre prá-
ticas de ensino para uma educação antirracista, do pesquisador
Thiago José Silva Santana, põe em evidência algumas reflexões
acerca da potência do ensino na educação física escolar sob
a perspectiva das leis 10.639/03 e 11.645/08. Nesse contexto,
quais foram os avanços e o que vem sendo feito pelos profissio-
nais da educação, em especial no campo da educação física, nas
escolas do país? Há nesse questionamento uma complexidade,
que considera retomar a batalha nas linhas da história do Movi-
mento Negro e Indígena, ressaltando, nesse encontro, a impor-
tância do diálogo entre os saberes produzidos pelo Movimento
Negro e os saberes produzidos por pensadoras(es) e pesquisa-
doras(es) do Movimento Indígena, os questionamentos desses
grupos sociais no que se refere ao direito à educação e crítica à
estrutura social.
O autor sinaliza a importância do movimento da educação
para as relações étnico-raciais e educação física antirracista de
modo a ampliar a maneira de entendimento desses conceitos e
suas possíveis aproximações. Dessa forma, localiza na atribui-
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ção do termo antirracista a necessidade do comprometimento e
da consciência do papel docente a partir do conhecimento das
lutas que o produziu.
A respeito da formação de professoras(es), destaca a forma-
ção continuada, os grupos de estudos como espaços importantes
de trocas de experiências que contribuem bastante para a quali-
ficação do trabalho para a educação das relações étnico-raciais.
O capítulo é tecido na experiência do autor que descreve bo-
nitas práticas desobedientes realizadas durante as aulas de edu-
cação física para os anos finais do ensino fundamental, com ên-
fase na temática de brincadeiras e jogos dos povos originários,
buscando romper com o currículo estabelecido e construindo,
assim, uma educação antirracista.
A Educação Física Antirracista busca enfrentar os padrões
racistas que impõem limites e normas ao corpo para ser e estar
no mundo. Assim, refletir sobre a educação popular negra é
legitimar toda sua produção na busca de superar tais padrões.
Para tanto, o capítulo Educação Popular Negra: notas e reflexões
para a educação física, do pesquisador Izaú Veras Gomes e da
pesquisadora Roberta Batista de Faria, busca refletir sobre
como a cultura escolar e a educação física têm desconstruído
os estereótipos negativos sobre pessoas negras entendendo que
a cultura corporal hegemônica nas escolas está estritamente
vinculada a uma noção de civilidade branca e europeia. Nes-
sa circunstância, Professora(or), como fomos ensinadas(os) a
aprender? Quais referências construímos ao longo do tempo
sobre o aprendizado?
A educação popular negra é um meio para desconstruir o
modelo hegemônico de educação construído desde o período
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colonial. Para isso, são apresentados dois movimentos produ-
zidos na cidade de Belo Horizonte: as Afrolíricas e o Bloco
Afro Angola Janga como resistências de uma educação popu-
lar negra.
O coletivo Afrolíricas surgiu em 2019, após o encontro de três
jovens poetas, artistas e mobilizadoras sociais e vem ocupando a
cena artística preta de Belo Horizonte com poesia, intervenção ur-
bana, saraus e slams, ampliando diálogos com outros artistas da
cidade e fora dela.
O Bloco Afro Angola Janga surge em 20 de novembro de 2015,
fundado por Nayara Garófalo e Lucas Jupetipe. A iniciativa se dá
em um período de retomada do carnaval de rua belorizontino com
forte crescimento da presença dos blocos de rua, majoritariamen-
te, ocupados por pessoas brancas e distantes das periferias. Na-
yara e Lucas decidem criar um espaço de acolhida exclusivo para
pessoas negras com centralidade na música, tendo como principal
referência o Ilê Aiyê, afropioneiro dos Blocos Afro em Salvador.
Assim, o bloco recebe o nome de Angola Janga, em referência ao
Quilombo dos Palmares, também chamado de Angola Janga ou
“Pequena Angola”.
Por um lado, os movimentos Afrolíricas e o Bloco Afro Angola
Janga nos educam, são referências produzidas na educação popu-
lar negra que valorizam o corpo negro. Por outro, a autora e o au-
tor revelam nesse processo de investigação que as escolas não têm
dado conta de sustentar um projeto de educação de emancipação
social da população negra. Então, ele e ela perguntam para você
leitor(a): sabendo que o corpo é elemento fundamental de nossas
produções culturais negras, qual poderia ser o papel da educação
física nesse diálogo?
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Tranças, arroz, geometria: algumas considerações sobre a for-
mação de professores e professoras antirracistas na graduação em
educação física, do pesquisador Lázaro Rocha Oliveira, dese-
nha uma trama de sinapses que nos conduz à reflexão sobre o
significado da (sobre)vivência docente, destacando a diferença
entre tomar a luta antirracista como fundamento, algo basilar
que constrói a maneira que se compreende o conhecimento den-
tro da própria disciplina, ou tratá-la apenas como uma temática
acessória, um ponto particular de conteúdo a ser abordado por
nós, professoras e professores. Cara(o) leitora(or), como poten-
cializar a formação de professoras e professores antirracistas?
Inquietação que nos toca, lembrando que não podemos nos dar
ao luxo de esperar o mundo ideal, considerando a constante ne-
cessidade de revisitar a história e encontrar nos nossos passos
o conhecimento de nossas(os) antepassadas(os) negras e negros
que se contrapõe às brancas verdades, nesse caso, das universi-
dades e escolas.
“Você conhece a história do arroz na trança? Das pretas que es-
condiam grãos de arroz nos cabelos de suas crianças para que elas
pudessem se alimentar?” A riqueza do capítulo tecida nas histórias
de quilombo que nos preenche de tempo, narrativa e memória.
Sabemos que a educação física tende a ser extremamente
conservadora, porém, é inadiável corporificar a luta antirracista,
considerando o desafio de (re)construir o Projeto Pedagógico de
Curso das instituições com base em reflexões que ultrapassem o
modelo vigente, ou seja, um projeto de educação antirracista para
que a formação de professoras e professores seja refletida nas es-
colas e universidades respeitando e valorizando as histórias dos
corpos das(os) estudantes negras e negros.
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Educação é sobre mudar pessoas! É a maneira de plantar senti-
dos, guardar preciosamente os grãos de arroz nas tranças do ensi-
no de nossa Educação Física. Portanto, não se trata da superficia-
lidade de combater o racismo como um conteúdo acessório, que
enriquece a pauta da diversidade, mas como fundamento de um
posicionamento político-pedagógico no mundo.
E seguimos com você tecendo os fios dessa luta na história que
está viva...
Desejamos boa leitura!
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Ainda assim eu me levanto
Você pode me marcar na história
Com suas mentiras amargas e distorcidas
Você pode me esmagar na própria terra
Mas ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar[...].
(ANGELOU, 2020, p.175)*1
Nós podemos entrar forte nessa sociedade porque ela não tem
meios eficazes para destruir a nossa capacidade de ser humano(a).
(NASCIMENTO, 2022, p. 142).
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CAROLINA CRISTINA DOS SANTOS NOBREGA
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1 Entende-se por “orí-entações” o elo entre o passado e o presente para mobilizar o nosso fazer
político, a partir das críticas e ensinamentos das intelectuais negras que delineiam e influenciam
o nosso Pensamento-farol na educação, em particular na educação física.
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POLÍTICA QUILOMBISTA
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PALAVRAS FINAIS
Neste saber, sabor, longe de ser um mamão com mel, este capí-
tulo pede mesmo um café para a gente pensar junto. É na ação de
escrever que me sinto livre, por isso, escrevo como quem busca al-
cançar, na ação das palavras, os passos para a liberdade quilombista.
Gosto de pensar que esta produção é audaciosa, assim como tudo
que defende e veste a negritude e se traduz como coletivo negro na
educação física e educação, justamente por trazer para o palco da
tensão racial pedagógica o grande desafio: instigar docentes a saírem
do seu corpo referência para enxergar, a partir das orí-entações as
necessidades científico-pedagógicas deste Brasil Negro.
A aspiração do texto é traduzir o entendimento de avesso para
anunciar outra educação física que contribua para a proposta de
escola em que o viver negro seja enraizado com seus afetos e hu-
manidades, portanto, na contramão do sentido de instituição como
aparelho ideológico do Estado branco. É na circularidade espiralar
que nos (re)inventamos. Parafraseando Frantz Fanon (2022), cabe
a cada professor(a) o dever de descobrir sua missão para cumpri-la
ou traí-la. Se optar, professor(a), pelo cumprimento da destruição
do projeto colonial, saiba que essas Senhoras Negras e Senhores
Negros propõem um “Pensamento-farol” para os novos caminhos
de possibilidade histórica. Esse é o meu convite para a construção
de um coletivo preocupado e bem organizado, que se forma e se
articula na produção de anúncios na educação, educação física e
assim almeja ser o espelho da existência política negra.
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Ogunhê, Ogum,
É preciso ter a coragem de viver para e pela revolução,
um brinde pras(os) guerreiras(os)!
REFERÊNCIAS
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Exú matou um pássaro ontem com uma pedra que só jogou hoje!
“É VERDADE QUE TU PASSOU FILME
DE EXÚ, SOR MÁRCIO?” NEGRITUDES
EM CONSTRUÇÃO E DIÁLOGO NAS
AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA EM
UMA ESCOLA DA REDE MUNICIPAL DE
ENSINO DE PORTO ALEGRE/RS
doi doi.org/10.36599/cflu-978-65-88595-45-9_002
“É VERDADE QUE TU PASSOU FILME DE EXÚ, SOR MÁRCIO?”
dialogam com o todo que nos forma, esse todo que é muito mais
complexo do que a simplória cosmovisão eurocêntrica: branca,
masculina, judaico-cristã, hétero- cis- normativa e patriarcal
com a qual a maioria de nós que já passou dos quarenta anos,
teve seu processo educativo.
Nessa constante de transformações, buscas e novos cami-
nhos, encontramos nas encruzilhadas do mundo escolar, uma
possibilidade de inédito viável (FREIRE, 2019), na qual parti-
mos da superação da consciência ingênua para uma nova cons-
ciência, crítica, criativa e reflexiva, pautada na dialogicidade e
nas experiências existenciais dos estudantes que encontram suas
negritudes na intersubjetividade. O título deste ensaio, em tom
provocativo e não linear (se fosse linear não teria Exú no título),
foi uma pergunta realizada por um estudante negro do 4º ano
do ensino fundamental, para um de nós que é professor de Edu-
cação Física da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre, em
uma escola da referida rede, no ano letivo de 2019. A pergunta,
suscitada por uma atividade realizada com a irmã deste estu-
dante que na ocasião também era nossa estudante e estava no 8º
ano do ensino fundamental na mesma escola, trouxe à tona uma
série de reflexões que permitiram nos reposicionar quanto ao
trato pedagógico emergente das escolas públicas nas periferias
do Brasil, ao que tange sobre Educação Física, negritude, anti-
negritude, currículo e escola. Pensamos como estrutura deste
ensaio, descrever brevemente esta ação pedagógica, como nos
posicionamos frente ao que emergiu, o referencial teórico que
nos sustenta para essa discussão, nosso entendimento das pos-
sibilidades de trabalho a serem construídas bem como nossas
considerações finais.
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faz com que o negro não consiga sair nunca da frente do “espelho
enigmático” (MBEMBE, 2018), o “não ser” em sua infindável bus-
ca. E qual é a função da escola e da Educação Física nesse proces-
so? Como considerar a experiência negra individual de cada pes-
soa que compõe a comunidade escolar e entender essa experiência
intersubjetivamente na negritude da cultura escolar neste contexto
particular? Será que a escola que opera em uma lógica curricular e
didática colonizada, considera as experiências e o corpo negro em
suas dinâmicas? Aproveitando essa questão que emergiu do Ma-
theus, problematizamos a intolerância religiosa e buscamos através
dos jogos e brincadeiras da cultura africana, problematizar essa
situação e tentar tensionar a lógica dicotômica e binária que rege
a instituição escola e seus respectivos componentes curriculares.
Trazer à tona a antinegritude e o antagonismo estrutural (VAR-
GAS, 2017; 2020), parece ser uma necessidade real a ser problema-
tizada e no nosso entender essa relação se faz como possibilidade
através da Educação Física escolar crítica.
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muito para além das relações étnico raciais. Advogamos nessa es-
crita a construção intersubjetiva de negritudes no diálogo das mais
diversas experiências negras. Do corpo negro brincante, dançante
que professa a fé dos terreiros, mas também aquele que frequenta
os cultos e templos evangélicos, pois toda a experiência que vive,
afeta, muda, constrói e reconstrói os corpos negros, deve ser con-
siderada e assim, como possibilidades reais de aprendizagens e de
construção de conhecimentos e saberes transformadores de uma
racionalidade opressiva e colonizadora.
Entender como romper com essa lógica persistentemente co-
lonizadora e desumanizadora é o desafio que está posto. Pensar,
refletir, dialogar, pesquisar é a tarefa que nos cabe como forma de
buscar no horizonte esse objetivo, pois a utopia que nos move é o
que nos mantém em constante movimento.
Neste texto descrevemos duas situações, uma desencadeou ou-
tra que nos possibilitou trazer como título desse diálogo. Mas quais
foram as mediações pedagógicas (BOLDORI et al, 2022) desenvol-
vidas? De que forma mediamos o conhecimento produzido por estas
duas situações junto aos estudantes? Com a turma do oitavo ano
da estudante Camila (nome fictício), o objetivo era problematizar a
situação do negro no período recente pós abolição (época do filme),
em que o trabalho análogo à escravidão permanecia (permanece em
pleno 2023, vide as vinícolas da serra gaúcha), o povo negro tinha,
em pleno século XX proibição ao culto religioso, as manifestações
culturais, precariedade nas questões de trabalho, os castigos físicos
permaneciam e o acesso à escolarização era limitado. Todas essas
questões foram discutidas mediante ao enredo contado pelo filme.
A afro religiosidade ampla e ricamente apresentada no contexto do
filme, nos possibilitou um igualmente rico debate, com depoimen-
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1 “SOR” é uma pequena abreviação da palavra professor, forma carinhosa pela qual os estudantes
chamam seus professores em algumas cidades do Rio Grande do Sul, não temos conhecimento se
no resto do Brasil, essa forma de se referir aos professores e professoras (soras) ocorre.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Laroyê Exú.....
REFERÊNCIAS
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MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: n-1 edições, 2018.
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A luta por outras educações, experiências, linguagens e
gramáticas é uma luta pela vida. A educação como um
fenômeno radicalizado na condição humana trata diretamente
da emergência e do exercício dos seres como construtores dos
tempos e das possibilidades.
(RUFINO, 2019. p.75)* 1
* RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2019.
EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO
FUNDAMENTAL: REFLEXÕES SOBRE
PRÁTICAS DE ENSINO PARA UMA
EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA
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1 As linhas de estudo e pesquisa que compõe o Pensando, bem como os(as) pesquisadores(as)
pode ser conferido em: <http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/212915#linhaPesquisa>. Acesso
em: 19 de mar. de 2023.
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EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO FUNDAMENTAL
2 Para mais informações acerca dos Núcleos de Estudos para as relações Étnico-Raciais
da PBH acessar: https://prefeitura.pbh.gov.br/educacao/educacao-e-relacoes-etnico-raciais.
Acesso em: 1 de mar. de 2023.
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EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO FUNDAMENTAL
6 A integra do documento destinada à educação física poder conferida em: < https://prefeitura.
pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/educacao/2021/proposicoes-curriculares-
ensino-fundamental-educacao-fisica.pdf>. Acesso em: 11 de mar. de 2023.
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11 Um dos vídeos utilizados traz várias imagens de jogos e brincadeiras indígenas está
disponível <https://youtu.be/NRGHiB8jdpE>. Acesso em: 11 de mar. de 2023. Alguns vídeos
utilizado também estão disponíveis no site mirim.org. São vídeos curtos mostrando algumas
brincadeiras e jogos indígenas no contexto de suas culturas.
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Durante uma das aulas uma aluna do nono ano relatou, em tom
nostálgico, que a brincadeira “arranca mandioca” era algo que ela
13 Cabe ponderar que embora o trabalho de Freitas e Fassheber (2011) mostre essa apropriação
do esporte, assim como a pesquisa de Souza et al (2018) apresente que há produções acadêmicas
que tematizem o futebol praticados entre os povos indígenas, esses povos sofreram e ainda sobre
com o etnocídio em diversas partes do Brasil.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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Aquele que tenta sacudir o tronco de uma árvore
sacode somente a si mesmo!
EDUCAÇÃO POPULAR NEGRA:
NOTAS E REFLEXÕES PARA A
EDUCAÇÃO FÍSICA
1 Trecho da música “Asas” do álbum “Um corpo no mundo” de Luedji Luna, 2017.
doi doi.org/10.36599/cflu-978-65-88595-45-9_004
IZAÚ VERAS GOMES E ROBERTA BATISTA DE FARIA
2 A Lei 10639 e, posteriormente, a Lei 11645, que dá a mesma orientação quanto à temática
indígena, São leis afirmativas que tornam obrigatório o ensino da História e cultura Africana e
afro-brasileira no currículo escolar.
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3 Trecho do samba enredo “Histórias pra ninar gente grande” da G.R.E.S - Estação Primeira
de Mangueira, RJ, 2019.
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Ora, foi também com esse horizonte que muitas lutas do Mo-
vimento Negro, durante o último século, fizeram emergir transfor-
mações curriculares para ressignificar as práticas de um currículo
colonizado (GOMES, 2017) que historicamente tem compactuado
com a opressão racial, embranquecendo o conhecimento e desva-
lorizando a cultura negra e indígena.
É aqui que concentramos nossos esforços para, humilde-
mente, dar mais evidência às contribuições da Educação Po-
pular Negra resgatando um pouco de dois movimentos pro-
duzidos na cidade de Belo Horizonte: Afrolíricas e Bloco Afro
Angola Janga.
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PRESENTE…PRESENÇAS NA GRANDE BH
BLOCO AFRO ANGOLA JANGA
5 A autora e o autor são integrantes do Bloco Afro Angola Janga e as informações aqui
trazidas são frutos de suas experiências no mesmo desde o ano de fundação até a data de
publicação do texto.
6 Espaço público da cidade de Belo Horizonte onde acontecem várias manifestações artísticas e
culturais fruto da resistência dos Movimentos sociais, coletivos artísticos e pessoas que transitam
e moram naquele espaço.
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7 Alguns dos temas foram o próprio Bloco Afro Ilê Aiyê, Ngoma, os tambores mineiros, Ouro
Negro: Resistência do Povo é Beleza!,Ginga: Agbara na luta do povo.
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COLETIVO AFROLÍRICAS
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11 O Slam, pode ser definido como uma competição de poesia falada. Surgiu na cidade de
Chicago em 1984. Entre as regras pré-estabelecidas desta prática, destaca-se a presença do slam
master (sujeito quem conduz), o tempo de declamação das poesias (não podendo passar de
3 minutos), a presença dos jurados que são escolhidos no momento da competição (pessoas
da plateia que avaliam as declamações de 0 a 10, considerando a poesia, a performance e a
subjetividade poética) e a não utilização de artifícios como figurinos e cenários para a
apresentação.OSlam acontece dentro de circuitos de campeonatos interescolares, interestaduais,
nacionais e mundiais, mas também acontecem fora destes circuitos de maneira livre e
independente dentro das particularidades de cada coletivo e cada evento. Neste sentido, o
Slam se apresenta como um espaço democrático para a livre expressão poética, pois nasce na
contraposição de uma ideia elitizada e academicista sobre poesia.
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deles. As artistas deixam explícito que por mais que os eventos se-
jam abertos ao público, são espaços que privilegiam as presenças
artísticas de pessoas pretas, ou seja, eles possuem um lugar polí-
tico, racializado constituído pela comunidade preta. Eles também
possuem temas e as dinâmicas e diálogos vão sendo construídos
através deles.
Por mais que os saraus e slams, possuam suas especificidades
para acontecerem, eles possuem flexibilidades para se reinventa-
rem e se constituírem. Isso vai depender, do coletivo, do contexto
inserido, dos locais que acontecem e de muitas outras variáveis,
elas molda as maneiras como os saraus e slams são produzidos.
Neste sentido, as poetas falam:
Tudo que a gente faz, a gente bota muito sentido e significado. Des-
de a costurinha da nossa roupa e a galera não fraga isso. A gente
não explica, tem coisas que não demandam explicação. Eu acho que
isso também dá muita energia e potência para movimentar nossas
coisas… ter propósito e razão em tudo. O AfroSlam e o AfroSarau
estão em constante construção, eles tão vivos, é basicamente isso.
Os eventos estão vivos e eles se reconfiguram a todo momento.
(Trecho de entrevista com Afrolíricas, 2021)
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Sobre essa fala de uma das poetas do coletivo, nos remete o que
Nilma Lino Gomes traz sobre projetos emancipatórios e a conhe-
cimento que o movimento negro, na formação do seu povo, estão
sempre se movimentando e se reinventando: “Sim, porque se tem
algo que me fascina no conhecimento, é a sua capacidade de estar
sempre aberto para incorporar novas reflexões e construir conclu-
sões provisórias que não são fechamento de um assunto, mas por-
tas abertas para o novo que sempre virá” (GOMES, 2018, p. 133).
Sendo assim, espalhar conhecimento, repassar informações
através de seus meios de comunicação, tornaram-se estratégias de
construção educativa que perpassam as ações do coletivo, cruzam
as experiências e fazendo presente o ato de educar.
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REFERÊNCIAS
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Dona Isabel que história é essa?
Dona Isabel que história é essa de ter feito abolição?
De ser princesa boazinha que libertou a escravidão
Tô cansado de conversa
Tô cansado de ilusão
Abolição se fez com o sangue
Que inundava este país
Que o negro transformou em luta
Cansado de ser infeliz
Abolição se fez bem antes
E ainda há por se fazer agora
Com a verdade da favela
E não com a mentira da escola
Dona Isabel chegou a hora
De se acabar com essa maldade
De se ensinar aos nossos filhos
O quanto custa a liberdade
Viva Zumbi nosso rei negro
Que fez-se herói lá em Palmares
Viva a cultura desse povo
A liberdade verdadeira
Que já corria nos Quilombos
E já jogava capoeira
doi doi.org/10.36599/cflu-978-65-88595-45-9_005
LÁZARO ROCHA OLIVEIRA
1 Conforme dados do último censo da Educação Superior feito pelo INEP (BRASIL, 2021).
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LÁZARO ROCHA OLIVEIRA
dividido por disciplinas e estas, por sua vez, podem ser distribuí-
das conforme a demanda entre os(as) docentes que possuem algu-
ma afinidade intelectual com o tema – às vezes muita afinidade,
às vezes pouca afinidade, de qualquer forma as disciplinas serão
distribuídas. Neste processo, por força de Lei, e de maneira mais
enfática nas Licenciaturas, alguma disciplina terá que abordar a
temática da Educação para as Relações Étnico-raciais: para fins de
validação de um Projeto Pedagógico de Curso (PPC), basta que a
disciplina exista ou que a temática seja apontada como um conteú-
do da ementa de alguma disciplina da matriz curricular do curso.
Nossos colegas podem então dizer que o currículo não é racista,
pois lá, bem escondidinho em um canto de alguma disciplina do
PPC, há uma menção ao combate aos preconceitos ou à valoriza-
ção da diversidade. Não é possível garantir a formação de profes-
sores e professoras antirracistas assim.
Para potencializar a formação de professores e professoras an-
tirracistas devemos tomar a luta antirracista como fundamento, o
que quer dizer que, independentemente de qual disciplina ou pro-
jeto eu lecione na graduação em Educação Física, eu vou conside-
rar que o racismo marca a maneira que as pessoas negras podem
viver os seus próprios corpos, e também marca, de maneira geral,
a maneira que a nossa sociedade vê o mundo, conta sua própria
história, naturaliza modos de agir, constrói, valida e hierarquiza
conhecimentos. Para cada história oral e conhecimento de nossos
antepassados negros e negras, há várias narrativas oficiais, escritas
por homens brancos: narrativas geralmente inexatas, mas nunca
desacreditadas. Nós tendemos a reproduzir e legitimar na univer-
sidade essas brancas verdades. A título de exemplo, compartilho
uma experiência que vivi há não muito tempo.
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2 Me refiro ao vídeo “How the Marron ancestors hid rice grains in their hair” (Como os
ancestrais Maroon escondiam grãos em seus cabelos?), disponível em https://www.youtube.
com/watch?v=4H1IbY6PGIk
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3 Domesticar e aperfeiçoar uma semente é fruto do trabalho árduo de muitas gerações. Carney
(2020) conta que embora existam muitas variedades selvagens de arroz, apenas duas foram
domesticadas: o arroz asiático Oryza sativa e o arroz africano Oryza glaberrima. A autora aponta
que a domesticação do arroz africano começou há mais de 3.500 anos no delta do Rio Níger
e engloba uma expertise muito particular a respeito do modo de plantar, colher e até mesmo
descascar as sementes. Em muitos lugares da África as mulheres eram as responsáveis por todo
esse processo.
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curto e médio prazo. E digo isso como alguém que, nos últimos
anos, viveu, lecionou e brigou em reformulações de projetos de
curso de Educação Física em instituições de ensino superior de
quatro das cinco regiões do país.
Assim como não foi a assinatura da princesa que garantiu
a liberdade ao pai de meu avô, não vai ser o que está escrito na
matriz curricular que vai garantir a educação antirracista. Nesse
sentido, é inadiável corporificar a luta antirracista no cotidiano
da graduação, de modo que nossos alunos e alunas tenham refe-
rências concretas dela; É inadiável aproveitarmos nossos espaços
de relativa autonomia em cada módulo ou disciplina pelas quais
formos responsáveis, na tentativa de levar nossos alunos e alunas
a verem, sentirem e se questionarem – além de apenas refletirem
abstratamente – sobre o que está ocorrendo além dos muros da
universidade: podemos fazer isso lá na escola de periferia e na pe-
riferia do mundo das ditas “práticas corporais”, como uma maneira
de plantar sentidos, guardar preciosamente os grãos de arroz nas
tranças do ensino de nossa Educação Física. Não se trata apenas
de tratar o combate ao racismo como um conteúdo acessório, que
enriquece a pauta da diversidade, mas como fundamento de um
posicionamento político-pedagógico no mundo.
Seria uma prática de enxugar gelo? Aceito que sim, ao menos
no sentido de possuir um escopo limitado de ação perante a di-
mensão e complexidade do problema, mas é também um enxugar
gelo revolucionário, à medida que potencializa a inversão da ma-
neira que nossos alunos e alunas de carne e osso se posicionam
no mundo. Educação não é mesmo sobre mudar pessoas? Então
alimentemos a possibilidade de nossos alunos e alunas se verem, se
descobrirem e se formarem antirracistas.
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REFERÊNCIAS
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CURRÍCULO DAS(OS) AUTORAS(ES)
ORGANIZADORA
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Márcio Cardoso Coelho
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Fabiano Bossle
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Thiago José Silva Santana
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Izaú Veras Gomes
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Roberta Batista de Faria
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Lázaro Rocha Oliveira
Filho dos Nagôs do Vale do Rio Verde e dos pretos Tapuios do As-
suruá, nascido e criado no semiárido da Bahia; Radicado no Capão
Redondo, Zona Sul da cidade de São Paulo. Fui bolsista do PROU-
NI e graduei em Educação Física na antiga Faculdade de Taboão da
Serra depois tornei-me Mestre em Ciências através do Programa
de Educação Física do Departamento de Pedagogia do Movimento
Humano da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade
de São Paulo (EEFE-USP). Lecionei em universidades do sudeste,
sul e norte do Brasil até retornar ao nordeste para a carreira do
magistério superior na Universidade Federal do Maranhão. Meus
interesses concentram-se na interface das áreas de Educação e
Educação Física e minhas linhas de pesquisa geralmente envolvem
análise do discurso e dimensões socioculturais do movimento do
corpo humano. Possuo especial interesse na temática da educação
antirracista e nas artes marciais enquanto tecnologias de desenvol-
vimento humano.
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Título Perspectiva negra na educação física
F
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