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A MULHER NEGRA GUERREIRA ESTÁ MORTA: NARRATIVAS DE

INTELECTUAIS NEGRAS ACADÊMICAS SOBRE PRÁTICAS DE


RESISTÊNCIAS

Juliana da Rosa Brochado da Luz

Secretaria Municipal de Educação de Pelotas/RS

brochadodaluz@gmail.com

Elison Antonio Paim

Universidade Federal de Santa Catarina

elison0406@gmail.com

Esta comunicação se propõe a aprender a partir das narrativas de docentes negras da


academia, de instituições do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai os estigmas, os
estereótipos e representações que o mito da mulher negra ser forte impõe, bem como as
resistências que produz. O interesse desse estudo está em responder à pergunta: Quais são
os impactos do estereótipo de mulheres negras como guerreiras, na trajetória das
intelectuais que ocupam a posição de docentes em universidades? Objetivamos denunciar
as consequências do estereótipo, no atravessamento da vida dessas mulheres. Dialogamos
com Grada Kilomba ao propor a pesquisa centrada em sujeitos e tecer uma caminhada
em que as sujeitas narram experiências e memórias como formas possíveis ou desejáveis
de expressão ou representação conforme Jurema Werneck e reforçado por Alessandro
Portelli e autores decoloniais. Compreendemos que nosso papel é estar ao lado destas
protagonistas, buscando como resultado uma proposição de vida. Este é resultado parcial
de um trabalho em elaboração, não indicamos conclusões, embora haja uma energia
empenhada, para que no final possamos produzir rituais científicos, capazes de acabar
com memórias de dores causadas historicamente .

Palavras-chave: Memórias; experiências; decolonialidade; intelectuais negras

Este texto carrega a pesquisa em desenvolvimento na Universidade Federal de


Santa Catarina (UFSC), no programa de pós-graduação em Educação (PPGE), na linha
de pesquisa Sociologia e História da Educação, no doutorado, acerca dos impactos
causados pelo estereótipo da mulher negra ser forte, a partir das narrativas de memórias
e experiências de vida de intelectuais negras professoras universitárias latino-americanas.
Nosso interesse, está em problematizar como estas mulheres sentem as representações
branca e masculina da mulher negra ser forte e guerreira nos espaços que ocupam, de
modo a aprendermos com estas professoras as formas como intervêm em seus contextos
para que a partir da intervenção que seus corpos impõem, sobreviverem ao que o racismo
impõe nos seus cotidianos.
Historicamente a população negra esteve impedida durante muito tempo ao acesso
à escolarização, pois esta possibilidade significava risco de práticas não só violentas, mas
de disseminar comportamentos entendidos como desapropriados para a época. Quando
desse acesso não foram as mulheres as pioneiras a compor os bancos escolares, mas sim
os homens brancos e mesmo com essa conquista estes povos negros, só podiam acessar
as escolas noturnas desde que libertos ou com consentimento de seus proprietários.
Nesse contexto, as políticas de estado nunca foram construídas no intuito de
agregar o povo negro e no sistema educacional não foi diferente, já que forjaram estes
sujeitos para a mão de obra.
O que me levou a propor esta pesquisa está relacionado às questões que
vivenciamos em nosso cotidiano e que podem ser constatadas mundialmente, frente as
formas que negras e negros precisam criar para sobreviver às diversas tentativas de
extermínio e subalternização impostas.

A discriminação racial funciona para os brancos como calçados que usam para
correr contra negros descalços. Torna a corrida tranquila para os primeiros e
extenuante para os últimos. Para que a equalização racial ocorra no Brasil, em
um horizonte de tempo aceitável, é preciso, primeiro, tirar os calçados dos
brancos. Depois, deixá-los correrem descalços por algum tempo e calçar os
negros para que os alcancem (OSÓRIO, p. 91, 2008).

Quando uma negra sai do contexto de invisibilidade e consegue vivenciar o


protagonismo de sua vida ela é utilizada como prova de que não avança quem não quer,
colocando a este processo o status de meritocracia, quando na verdade se encontra num
percurso em que a ascensão não resulta de nenhuma forma de privilégio, mas da luta por
existir. Diante de uma sociedade estruturalmente desigual como o Brasil, meritocracia é
algo inexistente, já que todos partem de lugares diferentes em que permanecem alguns
tendo tênis e outros andando descalços.
A experiência, destas mulheres, está fortemente marcada por opressões distintas,
porém interconectadas que as atingem e as colocam em situações desiguais em relação a
outras mulheres, já que são tornadas mais vulneráveis. Assim, trarei para o estudo as
múltiplas formas que atingem estas mulheres interseccionalmente, dialogando com
autoras que nos ensinam e tencionam este conceito como Kimberlé Crenshaw (2012),
Carla Akotirene (2019), Ângela Davis (2018), Patrícia Hill Collins (2019).
Este estudo busca abrir outros caminhos, que não se restringem a falar do racismo
e das práticas racistas, mas ouvir os gritos silenciados presos às mordaças coloniais, nas
quais o que estas mulheres sentem e expressam ganhe vida e possam romper com o que
tem sido imposto socialmente como norma. Faz parte desta norma a expressão que
ouvimos com frequência “A mulher negra é forte e guerreira, e por isso suporta tudo,
sobrevive”. A este fato enfatizam nossa capacidade de sobreviver, apesar das
circunstâncias difíceis, e será diante desse olhar que se torna necessário buscar nas
narrativas de mulheres negras suas vozes, pois são as únicas, que podem legitimar suas
memórias e experiências de protagonismos e sobrevivências.
Segundo bell hooks (1993 p. 133) os falsos adjetivos fortalecem o mito da mulher
negra forte, fazendo com que apoios não sejam necessários, pois naturalmente são feitas
para suportar e resistir a tudo que vier pela frente, tornando os problemas destas mulheres
questões somente destas mulheres, tornando-as solitárias. Para a filósofa negra, brasileira
Sueli Carneiro (2013, p. 1) “a mulher negra nunca reconheceu em si a fragilidade, já que
nunca foi tratada como frágil”. E ainda acerca de nós negras Sueli, aborda o conceito
cunhado por ela de epistemicídio que faz com que as produções acadêmicas de negras
doutoras ocupem espaço de invisibilidade e desqualificação, num processo que exige luta
constante para que os seus saberes sejam reconhecidos e ouvidos, já que estes não ocupam
lugar de reconhecimento válido por ser produzido por negras, consideradas inferiores
intelectualmente.
Diante do contexto de pesquisa, é importante mencionar que também sou uma
destas professoras intelectuais, da rede municipal de Pelotas no Rio Grande do Sul, que
estou sob os efeitos das representações da mulher negra forte, o que me aproxima do que
estudo, por fazer parte também da minha própria “experiência de vida”.
Assim, a pergunta que vai encruzilhar a pesquisa, nos diálogos que se
estabelecerem com as colaboradoras, nas experiências divididas, nos estudos junto ao
grupo de pesquisa Patrimônio Memória e Educação - PAMEDUC e na reflexão com as
autoras e autores é quais são os impactos do estereótipo de mulheres negras como
guerreiras, na trajetória das intelectuais negras que ocupam a posição de docentes em
universidades do Cone Sul.
Neste sentido, há o compromisso de ouvir estas narrativas despindo-se da habitual
prática de interpretá-las, o que exige uma forma outra de escuta em que o diálogo é
horizontalizado e a pesquisadora não ocupa o lugar de proposição, mas sim de construção
estabelecidas pelas possibilidades que os encontros podem permitir.
O campo de estudo é com docentes universitárias negras do Brasil, Argentina,
Paraguai e Uruguai. Essa escolha se deu em razão de saber que na Argentina só há uma
docente universitária negra, sendo que esta foi naturalizada neste país, assim como no
Brasil a porcentagem de professoras negras ainda é mínima. Quanto a aproximação com
estas professoras, destaco que tive a oportunidade de ser orientada por um pequeno
período pela docente Argentina e outra docente Brasileira, negras e assim tive acesso a
informação quanto a um coletivo de professoras de diversos países, que têm uma
aproximação construída em um grupo no WhatsApp, espaço que possibilita o
encaminhamento do convite para que sejam interlocutoras do estudo.
Há um empenho, para que possamos aprender com as estratégias científicas que
elas desenvolveram, pois se tratam de rotas de fuga que garantiram suas continuidades, e
assim denunciamos os caminhos percorridos em que talvez dores e presenças, narradas
possam ser experiências capazes de enfrentar as debilidades sociais, em que a produção
da não existência é derrotada pelas resistências e (re)existências destas intelectuais, até
então consideradas historicamente como vencidas. Resistências estas assumidas como
começos e possibilidade de acontecer, conforme acredita a educadora Argentina Maria
Lugones (2019) existe uma tensão entre a formação/informação do sujeito e o senso
mínimo, de agência necessário para que a relação oprimir — resistir seja ativada.
As práticas de resistência narradas por essas mulheres fortalecidas pela luta contra
as opressões, podem nos oferecer o cenário em que os pensamentos e conhecimentos
destas negras vão ocupando espaços e ressignificando práticas que fazem com que estas
sobrevivam a este sistema vigente. Desta forma, mostrar as negras/os que há caminhos a
serem seguidos e que podem significar o fim de todas estas cicatrizes que ainda doem e
conforme dito por Conceição Evaristo, em uma de suas falas no ano de 2021, não podem
doer mais, é possível. O que vem sendo construído por estas intelectuais negras
professoras acadêmicas não pode ficar abafado, pois nossas memórias são também armas
que podem nos garantir o acesso a muitos direitos até então negados.
É fundamental promover a visibilidade, a representação e o reconhecimento das
mulheres negras em toda a sociedade, para que estas intelectuais docentes também
ocupem estes espaços na academia, por se tratar de um campo marcado por tensões, que
se manifestam em hierarquias sociais masculinas, heterossexuais, cisgêneras, brancas e
eurocentradas. Sendo assim, as construções produzidas por estas intelectuais negras
proporcionam experiências contra hegemônicas e decoloniais, em que negras identidades,
memórias e tradições reassumem seus valores que têm sido invadidos e desvalorizados
por um processo de desapropriação das tradições, que carregam estas histórias e culturas
negras num movimento de apagamento desses seres.
Entender a forma como se operacionalizam as relações com estas intelectuais
negras, requer que se observe as experiências de racismo que têm se fortalecido e são
fortalecidas pelo campo educacional. Oportunizar que a voz dessas sujeitas, mulheres
negras possam ser ouvidas em uma construção metodológica centrada em sujeitas é
urgente, pois vivemos um cenário no Brasil em que os ataques ao povo negro têm sido
constantemente fortalecidos pelo genocídio da juventude negra, no feminicídio em que a
mulher negra compõe os maiores índices, na subalternidade de negras e negros nas frentes
de trabalho, na morte dessa população pelas mãos do estado. Como por exemplo, na
Pandemia Covid-19, que vitima em especial pessoas negras, subjugadas por uma estrutura
racista que não assegura direitos relativos à saúde dessa comunidade que, em sua maioria,
vive na pobreza, opressão e desigualdade.
Com o desafio de aproximá-los, do que ainda se trata de uma construção inicial,
de escuta investigativa apresentamos a metodologia a ser desenvolvida na pesquisa, os
estudos teóricos com que dialogamos, reflexões acerca do processo e as ideias finais.
Os objetivos desta investigação é compreender e problematizar a partir das
narrativas de docentes negras acadêmicas, o mito da mulher negra guerreira,
problematizando as consequências desse estereótipo na vida destas intelectuais. Além
disso, buscamos: Problematizar a relevância social que implica ser e existir professora
universitária negra; Explicitar os formatos em que estas relações de sobrecarga se
apresentam a estas docentes, frente às expectativas desse impacto nas instituições;
Observar, tencionar e problematizar as práticas de resistência e superação narradas por
mulheres negras professoras doutoras.
Pretendemos metodologicamente entender, visibilizar e problematizar as
experiências das professoras negras acadêmicas, forjadas na representação de mulher
negra forte, aliamo-nos teoricamente às ideias de Grada Kilomba que defende a
necessidade de guiar o estudo com uma “pesquisa centrada em sujeitos” (2019, p. 82),
“visto que os sujeitos marginalizados como secundários, são privados do direito a
autorrepresentação”, assim fazer pesquisa com foco no sujeito tornou-se um conceito
necessário.
De acordo com Paul Mecheril (1997, p.33), citado por Kilomba (2019, p.81), “A
pesquisa centrada em sujeitos, como o autor argumenta em seu trabalho pioneiro sobre o
racismo cotidiano, examina as experiências, auto percepções e negociações de identidade
descritas pelo sujeito e pela perspectiva do sujeito”. As experiências e memórias
conforme Walter Benjamin são outras formas possíveis ou desejáveis de expressão e
representação. As narrativas enquanto fontes da pesquisa, trazem esse sujeito, mulher
negra, para o centro do palco com um protagonismo que só elas podem ter, pois trata-se
de suas vivências libertas da invisibilidade e dos silenciamentos sociais dos quais os
espaços acadêmicos não são exceções (WERNECK, 2010).
Nós mulheres negras nunca ocupamos o lugar de fragilidade, de cuidado ou
resguardo e essa possibilidade nunca esteve em jogo, assumimos dentro do que se
apresenta como condição imposta o enfrentamento para poder seguir. Nossas condições
de mulher negra são muito similares, pois historicamente se constrói socialmente essa
necessidade de se fazer forte, pois:

[...] as mulheres não raro defendiam seus companheiros das tentativas do


sistema escravista de depreciá-los. Grande parte delas, talvez uma substancial
maioria, diz Genovese, compreendia que, quando eles eram diminuídos, elas
também o eram. Além disso, “elas queriam que seus filhos crescessem e se
tornassem homens, e sabiam perfeitamente que, para isso, eles precisavam do
exemplo de um homem negro forte diante deles”. Seus filhos precisavam de
exemplos masculinos fortes do mesmo modo que suas filhas precisavam de
exemplos femininos fortes. (DAVIS, 2016, p.31)

São as falas dessas sujeitas que podem traduzir a forma com que sua mobilidade
social negra é tratada e percebida num país, em que o imaginário social, faz questão de
manter, que os estigmas da escravidão sejam carregados em nossos ombros. Na mesa
serão colocadas as subjetividades, ou seja, como estas mulheres se tornam mais sujeitas
de si mesmas.
Para que seja possível trilhar estas estradas, construímos um possível caminho a
ser percorrido, já que a continuidade deste projeto de pesquisa poderá se tornar um mapa
no qual metodologicamente iremos seguir andando, mas com mais maturidade e com
sorte, menos certezas. Ao fazer esse caminho, buscamos saber que outros estudos
trataram deste tema e quais foram os aprofundamentos, para que possamos estabelecer
nossa contribuição acerca do entendimento destas experiências em que estes corpos
carregam marcas únicas, que somente as suas narrativas podem nos revelar.
Nesse sentido, as narrativas e experiências destas mulheres serão vivenciadas pela
interlocução que teremos com estas mulheres, em momentos de particularidades em que
ambas, a pesquisadora e a colaboradora estão em jogo na interação e ambas se revelam
de corpo e alma, dentro do que vai sendo construído. Essa mulher negra, mencionada por
Silva (2021, p.4) sujeito de seu próprio corpo como espaço de construção e efetivação de
formas de pensar e estar no mundo a partir daquilo que lhe marca socialmente: a falta.
Tudo que diz de pessoas negras, versa sobre ausência, inexistência, vazio, sem
sentido e, é nesse sentido e contra os padrões e qualquer prática de opressão que buscamos
nos aproximar de práticas que não “posicionan el conocimiento científico occidental
como central, negando así o relegando al estatus de no conocimiento, a los saberes
derivados de lugar y producidos a partir de racionalidades sociales y culturales
distintas” (WALSH, 2007, p.103). Pensamento também defendido por Josiane Cruz
(2014, p.43), ao afirmar que as práticas de resistência são as ações “inovadoras que, não
estão nos parâmetros tradicionais, e que mesmo não intencionadas são capazes de criar
renovações. Estas práticas se dão na busca de outros caminhos em que fazer coisas
diferentes, possam romper com o que tem sido imposto socialmente como norma”.
A construção do referencial teórico se estabelece a partir dos desafios colocados
pelas protagonistas da pesquisa, assim como dos estudos no grupo de pesquisa, nas
orientações, nas minhas experiências e nas aulas, mas é possível indicar a direção que
estes irão percorrer, já que se trata de uma produção que fala das nossas realidades de
mulheres negras. Sendo assim, torna-se um espaço de autoras e autores decoloniais e
dentro dessa escolha política, ética e comprometida com meu povo, reservo espaços de
excelência e de extrema relevância para autoras e autores negros, por acreditar que,
quando nós estamos falando de nós, conseguimos fortalecer mais quem somos e nos
aproximar novamente do que somos.
Estas escolhas bibliográficas, estão alicerçadas na busca por conversas autorais
que sejam capazes de abrir-se e se descobrir no diálogo com estas sujeitas da pesquisa,
para assim perceber os múltiplos sentidos rememorados que vão se ressignificar a partir
não só das experiências delas, mas da própria experiência da pesquisadora.
Além disso, penso ser importante destacar que a produção de saberes acadêmicos
na relação com as minhas irmãs, diz de uma ação potente e instigadora, pois trata-se de
trabalhar a minha escuta, nestes momentos de convivência em que a memória será
recebida em nossa produção em que sentimentos diversos, se farão presentes em palavras
narradas. Já é possível afirmar que meus risos e choros irão se relacionar com a memória
do que for narrado, abrindo portas para que outras leituras possam estar sendo construídas
acerca do que estava lá fechado, aguardando desfechos que por ventura poderiam ou não
vir.
Quanto a estes por vir, Silva menciona que:

É na construção cotidiana das ações, que mulheres negras têm buscado outras
formas de inscrever a memória negra, partilhando experiências e saberes: [...]
todos estes gestos falam sobre saberes, afetos, cuidados, memórias que
potencializam a vida cotidiana das comunidades negras. E tais gestos quando
somados a tantos outros, marcados por sua espontaneidade vão escrevendo
com o corpo a escrita de possibilidades, de existências. (SILVA, 2021 p.8)

O apagamento da cultura, das ancestralidades, dos territórios negros sempre


estiveram em execução, pautadas no esforço de nos construírem racializados e como não
humanos. Frente a essa necessidade de mudar o curso, acredito que trazer a metodologia
monadológica - em que cada fragmento contém um todo segundo o filósofo Walter
Benjamin - para esta pesquisa, garante a recuperação do que foi apagado das nossas
histórias, assim como da recuperação dos nossos saberes. Estamos falando de sair do lugar
de objeto de estudos para ocupar legitimamente o status de sujeitas, nesse território
acadêmico em que nossos cotidianos, foram entendidos como detalhes sem sentido,
povoados por cacos humanos relegados às suas próprias sarjetas.
A perspectiva adotada pelas mônadas, desloca de tudo o que já vem sendo
realizado, dá outro rumo as prosas e atribui centralidade as sujeitas sem explorá-las, já
que opera na reelaboração daquilo que é, e que não necessita ser validado, mas é
indispensável que seja compreendido tendo como prioridade o direito de sermos quem
somos, sem que se achem no direito de nos reinterpretar. Reconhecemos o dever moral
da escrita e isso faz com que se invista em um outro modo de fazê-la, por se tratar de um
trabalho com vidas e não com temas.
Para finalizar a ideia, sem de fato finalizar mas acenar para o fim dessa conversa
que só se inicia, já lhes alerto que não percam seu tempo, ocupando lugares de se sentirem
afetados pela proposta ou pelos diálogos, em que estas mulheres e eu traremos
experiências lotadas de vidas e quem sabe superlotadas de mortes.
De acordo com minhas próprias reflexões acerca do que tenho aprendido:

Entendo que o ser afetado, está alinhado com a perspectiva da branquitude de


estudo do outro e de simpatia e aproximação com estas realidades reconhecida
como outras e eu assumo a escolha de uma proposta de estudo a serviço da
situacionalidade, ou seja, um estudo que tem a ver comigo , com o que eu vivo,
com a minha vida e com a vida de mulheres negras como eu, que nao tem nada
a ver com ser afetado , com afetos, afinidades, mas com necessidades e projetos
políticos comprometidos com sobrevivências. (LUZ,15/12/2021)

Que os passados que não estão no passado, possam ser ressignificados e assim ser
capazes de fazer com que os sonhos dos brancos deixem se habitar os pesadelos dos
negros. Desta forma, saberemos em quais os percursos os sonos poderão ser mais leves e
seguros, produzindo assim rituais capazes de fortalecer os corpos, as humanidades, as
experiências, as memórias, as narrativas e as práticas revolucionárias e transformadoras
capazes de tornar os sujeitos cada vez mais sujeitos.

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