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TEORIA DA ESPONTANEIDADE*

*Texto produzido pelos psicodramatistas Beatriz


Weeks, Carlos Rubini e Marta Echenique,
para uso em aula pelos alunos do IDH.

O núcleo central da teoria moreniana é a teoria da Espontaneidade. Segundo


Moreno, são recursos inatos do indivíduo a espontaneidade, a criatividade e a
sensibilidade.
A espontaneidade é inerente a toda e qualquer ação humana. A doença tem suas
raízes na falta da espontaneidade e é função da terapia e dos procedimentos que buscam
a saúde, desenvolvê-la.
Na evolução humana, o fator E (fator espontaneidade) aparece antes da
memória, inteligência e libido, pois é fundamental para a sobrevivência do recém-
nascido, uma vez que ele depende dela, para dar conta da complexidade e novidade do
mundo.
“A espontaneidade e sua liberação atuam em todos os planos das relações
humanas, desde comer, passear, ter relações sexuais, ou relacionar-se socialmente;
manifestam-se na criação artística, na vida religiosa e no ascetismo.” (Moreno,
Fundamentos de la Sociometria, 1972).
O nascimento é um exemplo da existência desse fator, pois o bebê, dotado de
fator E, atua no parto de forma participativa, sendo ajudado pelos seus primeiros egos
auxiliares (mãe, doula, médico).
O conceito de espontaneidade tem uma dupla dimensão - a dimensão filosófica
e a dimensão operativa e psicoterapêutica.
Na dimensão filosófica, o conceito de espontaneidade implica o pressuposto de
um mundo aberto, em constante evolução e também uma visão de ser humano criativo e
transformador, o “gênio em potencial” que vive em permanente busca de adequação
pessoal e existencial em relação à realidade onde está inserido.
A espontaneidade pode ser entendida como energia?
O conceito de energia física pressupõe que a energia se conserva. A
espontaneidade se conserva? Ela se acumula?
Considerando a espontaneidade como energia, podemos supor, segundo
Moreno, que há duas classes de energia; a que se submete ao princípio da conservação e
outra forma de energia que surge subitamente, gasta-se num instante e deixa o
campo livre para uma nova emergência. A espontaneidade não é uma energia
acumulável, mas um catalisador essencial ao ser humano. Na verdade, ela opõe-se à
conservação, pois é responsável pela constante mudança e criatividade do homem.
Espontaneidade não é liberdade apesar de ser uma condição para a liberdade.
Espontaneidade não é emoção, não é inteligência, não é pensamento. Ela é uma função
cerebral responsável pela capacidade humana de reagir diante do novo com eficiência,
captando as condições do momento e respondendo a elas com adequação.
É indispensável ao ato criador e não surge automaticamente. Não é regida pela
vontade consciente e não se motiva apenas por intenções internas, é dependente de uma
correlação com outro ser criador (Moreno, 1975).
Espontaneidade e criatividade não são processos idênticos, embora estejam
vinculados entre si. A espontaneidade é o catalisador psíquico; a criatividade, a
substância que capacita o sujeito a agir. Ambas conferem dinamismo às construções
culturais, asseguram a sobrevivência social e coletiva rompendo com as “conservas
culturais” e facilitando as transformações da sociedade.
Conserva cultural, segundo Moreno, é o resultado do processo criativo da
espontaneidade, o produto terminal, guardado para preservação e repetição. A
espontaneidade e a conserva cultural são fenômenos tangíveis e observáveis na
experiência humana, conceitos interligados e complementares que não existem em
forma pura, um é função do outro.
Na dimensão operativa:
“Espontaneidade (latim-sua sponte-do interior para o exterior) é a resposta
adequada a uma nova situação ou a nova resposta a uma situação antiga. Através do
“teste de espontaneidade” pode-se observar e medir o grau de adequação e de
originalidade” (Moreno, Psicoterapia de Grupo e Psicodrama, 1974)
Adequação, novidade e criação fundamentam este conceito. Seria falso
interpretar este conceito como um anarquismo psicológico ou como um instinto sem
freio.
Para Moreno, nada poderia existir no psíquico se não existisse a
espontaneidade.
“Existe um fator que a natureza dotou o ser humano que permite que ele
desembarque neste universo desconhecido. Este fator o habilita a superar-se, a entrar
em situações novas como se carregasse o organismo, estimulando todos seus órgãos
para modificar estruturas e para enfrentar suas novas responsabilidades. A esse fator
denominamos espontaneidade” (Moreno, Psicodrama,1972)
Muitas vezes, durante o seu desenvolvimento, o homem vai se sentindo
ameaçado pelas tradições e pelas interdições das conservas culturais que criam
obstáculos ao fluir da sua espontaneidade. Então, para evitar sofrimento, ele coloca
limites à sua espontaneidade, desenvolvendo recursos que podem ir desde a repressão
até chegar, em casos mais graves, ao isolamento psicótico.
A espontaneidade não deve ser confundida com instinto e espontaneísmo.
A patologia da espontaneidade pode se caracterizar por excesso de
impulsividade, por bloqueio, limitação ou congelamento ou por falsidade ou
desadaptação da espontaneidade em um determinado papel (que se cristaliza). A
espontaneidade de um indivíduo se libera mais facilmente em contato com a
espontaneidade de outro. Quanto menos alguém possui espontaneidade, mais
necessidade tem de outro que a possua.
A fonte da espontaneidade é a própria espontaneidade. Contudo, para aflorar
ela precisa ser liberada pelo aquecimento, outro conceito fundamental dentro da teoria e
prática moreniana. A provocação consciente de qualquer ato mobiliza no corpo humano,
ações voluntárias e involuntárias que o preparam para a ação. A este processo dá-se o
nome de aquecimento e é ele que desencadeia a espontaneidade.
Para o aquecimento da espontaneidade são importantes: os iniciadores, o foco e
a zona. Os iniciadores e o foco são as estimulações favorecedoras e preparatórias para
um ato espontâneo. A zona é o conjunto de elementos próprios e alheios, atuantes e
presentes, que participam do aquecimento.
Segundo Moreno (1975), e possui quatro expressões características: 1)
originalidade; 2) qualidade dramática (vivacidade e novidade); 3) criatividade
(possibilita novas transformações); 4) adequação da resposta (aptidão plástica,
mobilidade, flexibilidade e adaptação a um mundo em rápida mudança).
O resultado do ato espontâneo depois do momento criativo, torna-se a conserva
cultural, que constitui todo o acervo sociocultural e tecnológico da espécie humana.
O homem que não encontrou sua liberdade, subordinando-se, impotente e
inerte, às forças externas que o determinam, é o homem amarrado, travado, repetitivo,
não espontâneo. Por outro lado, a perda da dimensão coletiva, tanto quanto a cegueira
em relação à sua inserção cósmica, pode acarretar-lhe equivalentes prejuízos,
eventualmente observáveis em um individualismo exacerbado no espontaneísmo.
Moreno propõe uma “revolução criadora” através do psicodrama, e esta
significa a recuperação da espontaneidade perdida no ambiente afetivo e no sistema
social. A espontaneidade é algo que pertence ao potencial criativo, que se atualiza e se
manifesta. Ser espontâneo é tomar decisões adequadas, perante o novo, agir de forma
transformadora e coerente, considerando sempre os laços afetivos construídos na rede.
Não é responder automaticamente, é responder sendo um agente ativo do próprio
destino, sujeito e protagonista de sua vida.

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