Você está na página 1de 6

Alquimia e individuação em Jung e o indivíduo fragmentado contemporâneo

Resumo.

A individuação, autorealização ou renascimento psicológico é um conceito de Jung que


descreve o processo de integração dos polos opostos da personalidade de uma pessoa. Apesar
de todo indivíduo nascer com essa tendência, este processo é raro, difícil e doloroso,
principalmente para o sujeito pós-moderno, pois exige entender as próprias identificações,
boas ou más experiênciá-las e transcendê-las, ou seja, aceitar-se. Este, conceito tem aparecido
em várias doutrinas no mundo, desde o oriente até o ocidente. Muito deste conceito pode ser
observado em conhecimentos de origem oculta, mística ou hermética e buscam o que a
primeira vista se mostra incompatível com a ciência moderna, no entanto, um dos maiores
psicólogos da modernidade se baseou em vários conhecimentos de origem esotérica para a
elaboração de seus conceitos a respeito da psique humana, este estudo busca fazer um diálogo
entre os conceitos hermeticos da alquimia com a psicologia junguiana no seu conceito mais
central, a busca pela autorrealização psicológica, a individuação.

Palavras-chave: ensino, ciência, filosofia, história, alquimia, individuação, jung. esoterismo

Observa-se que vários conceitos e técnicas utilizadas no processo terapeutico e que são
reconhecidamente eficazes no tratamento dos conflitos psicológicos da sociedade moderna,
tem paralelos em conceitos consolidados na história por saberes que não foram desenvolvidos
na maneira científica moderna. Um dos profissionais que reconhecidamente estudou e
incorporou estes conhecimentos ao seu processo de criação foi o Carl Gustav Jung. Além dos
estudos na psicanálise, suas inspirações na alquimia, hermetismo, astrologia, religiões e
mitologias produziram uma obra que se apresenta de forma singular e tem sido
extensivamente estudada tanto no Brasil, quanto no resto do mundo. Nesse projeto de
pesquisa, busco fazer um diálogo sobre o conceito de individuação de Jung, central na sua
psicologia, com o processo de alcance da Pedra filosofal na alquimia, começando pelo estado
psicológico do homem moderno, reconhecidamente fragmentado. Tal ponto de partida
semostra essencial pois, nos dois processos, tanto na psicologia de Jung, quanto na alquimia,
algo extremamente valioso e singular é constituído de um material comum e fragmentado
Observo na minha prática profissional como psicólogo, uma grande demanda de pessoas com
sintomas de ansiedade, depressão e até pânico. Muitas queixas se dão por questões de
relacionamento, história de vida, algumas por algum transtorno instalado mas, um bom
número dos pacientes apresenta questões quanto expectativas de produtividade,
relacionamento, aceitação todas envolvendo questões externas, tentativas de predição e
controle do futuro ou de situações complexas que são impossíveis de serem preditas ou
antecipadas, sintomas de um comportamento neurótico de racionalização e controle das
coisas. Os pacientes em geral tem a ideia de que conhecer, isolar e analisar racionalmente os
motivos das suas frustrações, queixas e ansiedades serão suficientes para abrandar seus
conflitos, no entanto, o processo terapêutico vai muito além do conhecer, inclui também um
processo de transformar-se, individualizar-se, ser consciente de sí mesmo, exatamente o
oposto do proposto na sociedade de hoje. O pensamento científico busca isolar e estudar as
coisas mas, não se pode isolar uma parte psicológica do indivíduo sem levar em consideração
como ela se relaciona com o todo, diferente das características que marcam o indivíduo pós
moderno.

Algo esotérico pode ser entendido como o ensino de algo que é destinado a um circulo
limitado de pessoas. Ao longo da história da humanidade,várias doutrinas esotéricas foram
ministradas em diferentes locais, na grécia antiga por exemplo muitas escolas de filósofos
limitavam seus ensinamentos aos seus discípulos, impedindo o publico geral de acessá-lo, a
estes se apresentava o conhecimento exotério, ou seja voltado para o externo, comum aos não
iniciados ao círculo. Um dos mais antigos conjuntos de doutrinas esotéricas é o hermetismo,
abarcando simultaneamente o misticismo, astrologia, alquimia, mágica e até idéias filosóficas
próprias pode ser rastreado até o antigo gito e a grécia onde provavelmente tevecomo
inspiração os deuses Tot e Hermes.

Jung no seu livro “memorias, sonhos e reflexoes(1961)” descreve que o seu interesse
por assuntos mitológicos e esotéricos começaram por uma demanda pessoal. Experieciou ao
longo de sua vida visões e sonhos com características mitológicas, além de certas
experi~encias que caracterizava como parapsicológicas,.Desse modo, se propõs a estudar
como os fenômenos psicológicos se relacionam com oss conhecimentos tidos como ocultos.

1|7
Nos seus apontamentos sobre o fenômeno de sincronicidade, por exemplo, Jung
percebeu que havia certa sincronia em determinados fatos rotineiros, tanto na sua vida, quanto
nas experiências relatadas por seus pacientes. Submentendo estes fatos ás formulas de
probabilidade, percebeu que sua frequencia era muito maior do que a matemática previa,
submetendo os mesmos dados aos cálculos da astrologia e seus pressupostos percebeu
concluiu que, existia uma certa razoabilidade entre os eventos e as características particulares
do evento e a explicação provinda destes cálculos. É preciso salientar que Jung interpretava
tais situações como um fenõmeno Psicológico e não se debruçava a respeito das possíveis
origens sobrenaturais ou metafísicas da situaçao.

A psicologia de Jung se baseia entre outras coisas no conceito de individuação que é a


unificação da personalidade dando origem ao Self que representa a unificação do consciente e
do inconsciente, a totalidade da psicque de uma pessoa. Segundo a Psicologia analítica,
nascemos unificados consciente e inconscientemente no entanto com o desenvolvimento nos
separamos e nos ancoramos no mundo exterior, a vida adulta nos traz a urgência de se
individuar novamente, unificando a nossa personalidade e redescobrindo o nosso eu
conscientemente. Segundo Sonia Lyra (o elixir vermelho), no seu livro Psicologia e
Alquimia, jung traça um paralelo entre a busca esotérica dos processos da alquimia, entre
outros o da obtenção da Pedra Filosofal, a transformação de um material comum em ouro.

A pedra filosofal em jung pode ser considerada a elevação da consciência para a


individuação, a transmutação de uma vida cheia de impasses, confusões, falta deexperi~encias
profundas, medos e alienações numa personalidade forte, Individuada e finalmente unificada.

Nesse âmbito que é importante discutir a importãncia destes conceitos, uma vez que
esta pesquisa se apresenta num contexto de sociedade onde a fluidez das identificações e da
personalidade é predominante e onde o que é externo se impõe a construção do self do
indivíduo.

Motta e Paula (2005),incorpora na discussão a dinãmica laboral e a cultura das


organizações, que segue, um fluxo contrário ao processo de individuação. As principais
características deste setor é o estímulo a competição, ambição e uma mentalidade voltada aos
desejos externos. A relação profissional contemporanea continua a pressionar os indivíduos

2|7
mesmo quando já estao maduros profissionalmente, o desafio agora é continuar o alto
desempenho laboral.

Alguns autores traçam um paralelo interessante entre o processo de Individuação e a


subjetividade do indivíduo contemporãneo. (ARCURI, 2009) por exemplo indica que a
imposição da produtividade e racionalidade na pessoa contemporânea para se acomodar num
padrao esperado de disciplina produz uma repressão de instancias inconscientes da
personalidade do mesmo, causando sofrimento. Nesse sentido Jung 1934 afirma que o
processo de civilização do homem produziu um processo de dissociação que o faz utilizar da
racionalidade para desviar-se de riscos, por isso a racionalidade não é o processo principal
para o desenvolvimento da personalidade pois a sua fragmentação o permite deslocar-se do
seu centro e evitar as experiências que desenvolvam o próprio contato com o que lhe toca.
Através da experimentação de experièncias afetivas mais profundas, o indivíduo passa pelo
processo de desenvolvimento da sua personalidade. Sobre este processo, chamado de
individuação Lyra (2012) comenta que para Jung o processo de individuação, busca natural de
cada sujeito, tende a ser mais árduo e solitário,uma vez que esta missão se apresenta como
uma oposição ao movimento solicitado pelo mundo exterior, podendo resultar em uma
incompreensao desses sentimentos e até uma beligerância contra eles.

Finalmente (JUNG 1938) caracteriza o autodesenvolvimento como uma travessia perigosa


rumo ao alcance da totalidade do si mesmo. Trata-se de uma travessia perigosa pois constitui-
se de uma contraposição ao mundo, abandono da segurança do consciente esse mergulhe no
inconsciente.

Segundo o próprio Jung, o maior conhecimento que contribuiu para o desenvolvimento da sua
teoria de individuação foi o da alquimia, a respeito disso o autor registra:

“Os alquimistas com razão conceberam a união mental na superação do corpo


apenas como a primeira etapa da união, ou respectivamente da
individuação. Na sua totalidade os alquimistas procuraram alcançar
(simbolicamente) uma “união total dos opostos” e a consideravam como
indispensável para cura de todos os males. Por isso não só postulavam, mas,
de fato, procuravam encontrar os meios e o caminho para preparar
aquele ser que une em si todos os opostos. Ele devia ser espiritual e
material, vivo e não vivo, masculino e feminino, velho e jovem, e
moralmente neutro. Ele deveria ser criado pelo homem, mas
simultaneamente como um não criado devia ser a própria divindade “
(JUNG, 1956, p.281)

3|7
A partir desta realidade Jung pondera que as expectativas dos alquimistas em produzir o ouro
através de materiais menos nobres é a expressão de uma projeção psíquica que representa o
próprio processo de individuação transfigurado na transformação da matéria. A expectativa
mística de produção do valioso é paralela ao enfrentamento obscuro do aperfeiçoamento dos
processos psíquicos em busca do inconsciente. São assim observados como misteriosos pois
se apresentam como um enigma a compreensão do ser humano e impossíveis de serem
atingidas pelo puro intelecto. (JUNG,1944).

Referências

ARCURI, Irene Pereira Gaeta. Psicoterapia junguiana, calatonia e arte. Psicologia


Revista, ISSN 1413-4063, v. 18, n. 1, 2009.

ROCHA, C. A. Processo de individuação de Jung: a projeção como barreira ao


autodesenvolvimento. Journal of Social Sciences, Humanities and Research in Education, v.
1, n. 2, p. 89-100, 15 dez. 2018.

BAUMAN, Zygmunt.. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001

DEBORD, Gui. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997

HALL, Stuart. A Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.

SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2008

JUNG, Carl Gustav. AION Estudos sobre o simbolismo doSi-mesmo. 2. ed. Rio de Janeiro:
VOZES, 1986

_______. O eu e o inconsciente. 27. ed. Petrópolis:Vozes, 1928

_______. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 11.ed. Petrópolis: Vozes, 1934.

_______. Psicologia e Alquimia. 6. ed. Petrópolis: Vozes,1944.

_______. O Homem e Seus Símbolos, 2. ed. Rio deJaneiro: HarperCollins Brasil, 1959.

LYRA, Sonia Regina. Jung leitor de Nietzsche: Acerca da “morte de Deus”. 1. ed. Curitiba:
Ichthys, 2012

4|7
MOTTA, Fernando C. Prestes; PAULA, Ana Paula Paes.Meia-idade, individuação e
organizações. Organ. Soc.,Salvador, v. 12, n. 34, p. 17-30, 2005.

5|7

Você também pode gostar