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Curso de Introdução

1) JACOB LEVY MORENO – 2


2) AÇÕES DE MORENO - 3
3) METODOLOGIA DA CIÊNCIA DE MORENO - 4
4) TRICOTOMIA SOCIAL – O UNIVERSO SOCIAL E SUAS TRÊS DIMENSÕES- 6
5) METODOLOGIA PSICOSOCIODRAMÁTICA - 7
6) TEORIA DO DESENVOLVIMENTO – 9
7) FASES DA MATRIZ DE IDENTIDADE – 14
8) TEORIA VINCULAR -19
9) TÉCNICAS BÁSICAS DO PSICODRAMA - 23
10) TEORIA DA AÇÃO - 24
11) ESPONTANEIDADE – CRIATIVIDADE – CONSERVA - 27
12) UMA HISTÓRIA PSICODRAMÁTICA -34
13) ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS - 34
14) REFERÊNCIAS - 37

Maria das graças de Carvalho Campos.

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1) JACOB LEVY MORENO

Nascido em 18 de maio 1889, de origem judaica. Fez faculdade de medicina, clínica de


psiquiatria em Viena, onde conheceu Freud.
Um de seus primeiros trabalhos foi com um grupo de prostitutas, utilizando técnicas
grupais. Depois trabalhou em um campo de refugiados tiroleses, observando as interações
psicológicas.
Em 1912, fundou o Teatro Vienense da Espontaneidade, onde começou a formar suas
idéias da Psicoterapia de Grupo e do Psicodrama.
O grande ato público de Moreno, foi no Teatro Komödien Haus. Ao se abrir a cortina,
havia uma coroa numa cadeira de veludo, espaldar alto e dourado, como um trono real. Seu
público era da população de Viena pós-guerra. O tema utilizado por ele, era a busca de uma
nova ordem de coisas, buscando no público os que tivessem espírito de liderança, sendo o rei
por algum momento no qual o júri seria o resto da platéia. Moreno depois descreveu: “...
Ninguém foi considerado digno de ser rei e o mundo permaneceu sem líderes".
Quando lançou o "Jornal Vivo", onde as pessoas a partir das notícias de jornais locais
realizavam uma dramatização, criou a raiz do Sociodrama.
Transformou os atores profissionais fiéis ao seu trabalho em "egos-auxiliares".
Assim, Moreno vai desenvolvendo seu trabalho, transformando o Teatro da
Espontaneidade em Teatro Terapêutico e este no Psicodrama Terapêutico. Vem deste
momento o embrião do Psicodrama de Família e de Casal.
Quando se muda para os EUA, por dificuldades na aceitação de suas idéias na Europa,
dizem alguns, começa a propagar o Psicodrama, introduzindo o termo Psicoterapia de Grupo.
1936 em Beacon House, Moreno constrói o primeiro Teatro Psicodramático, que
funcionou até 1982 como um centro de formador de profissionais, e onde eram realizadas
sessões semanais com psicodrama público.
Teve a desconfiança da comunidade científica, que via nele um pregador messiânico e
que buscava nos grupos que propunha tratar, uma ingênua fraternidade. Seus diálogos

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acabaram por ser com terapeutas de outras linhas, para esclarecer os fundamentos de sua
proposta como pesquisador e psicoterapeuta.
Morre em 14 de Maio de 1974, com 85 anos, pedindo para gravar em sua sepultura:
"Aqui jaz aquele que abriu as portas da psiquiatria à alegria”.

2) AÇÕES DE MORENO

1910- 1917 – 22/28 anos

 Jardim de Augarte – Psicodrama com crianças


 Readaptação das Prostitutas
 Livro – Convite ao Encontro
 Assistência aos Refugiados Tiroleses – Campo Mittendourt (Viena)
 Forma em Medicina
 Teatro recíproco
 Teatro Espontaneo

1921 – 1º de abril - Data Oficial

Proposta Moreniana e Criações:

 Apresentar Teatro Real


 Jornal Vivo
 Teatro Espontâneo
 Teatro Terapêutico
 Psicoterapia de Grupo
 Psicodrama
 Psicoterapia de Grupo
 Sociodrama
 Jogo Dramático
 Role Play

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3) METODOLOGIA DA CIÊNCIA DE MORENO.

O SISTEMA SOCIOMÉTRICO1

Figura 17 – Organograma da Socionomia.

Conceito de Socionomia

Socionomia é o conceito mais geral do Sistema sociométrico. É o estudo das interações


relacionais com os conceitos, espontaneidade, criatividade, conserva e a e teoria do momento.
Define-se como Socionomia a ciência que estuda as leis das interações grupais e sociais a partir
dos seguintes conceitos da Psicoterapia Interpessoal:
 SOCIUS – companheiro; o indivíduo com o seu grupo.
 METRUM – medida; é o estudo das relações interpessoais.
 DRAMA – ação; Método Psicoterapêutico ou Terapêutico.

Divisão da Socionomia

A Socionomia se divide em:

a) Sociodinâmica:
– é a ciência da interpretação do estudo profundo dos grupos isolados e unidos e a
sua estrutura dinâmica. Estuda o funcionamento das relações, a interpretação de papéis, a
representação espontânea de papéis, o estudo da organização, compreensão e evolução dos
grupos; é um diagnóstico, uma técnica de aquecimento para a ação e dramatização. Seus
instrumentos são os seguintes:
 Role playing (Treinamento e Adequação de Papéis). Envolve os seguintes
procedimentos:
 Teatro Espontâneo: 1º Enquadre Psicodramático: Representação
Espontânea de Papéis.
 Jornal Vivo: Técnica de Aquecimento para a Ação e Dramatização.

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Apesar de a Socionomia constituir o conceito geral, que compreende a “Sociometria”, como conceitos
secundários conservaram no título dessa parte a palavra “sociométrico”, como designante do sistema, uma vez
que, historicamente, a palavra “sociométrico” é a que mais se afirmou para todo este domínio científico (LIVRO
PSICOTERAPIA DE GRUPO E PSICODRAMA).

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 Psicodrama na Educação: Aplicação do Psicodrama ao Contexto
Educacional.
 Psicodrama Público – Vivência do Psicodrama numa única sessão, aberta
ao Público.
 Psicodrama nas Instituições – Aplicação do Psicodrama às Organizações.

b) Sociometria:
– Metrein = medir = Medida das relações sociais com as suas estruturas espontâneas,
criativas ou conservadas dos grupos. Estuda a qualidade e a quantidade das correntes
emocionais, a qualidade e a quantidade dos vínculos com as forças de atração e repulsão. A
organização grupal com suas redes Sociométricas, de comunicação e grupal. Permite conhecer
a posição dos indivíduos no grupo: as redes Sociométricas do grupo, seu líder popular, líder
socioafetivo, membros isolados, rechaçados, com o seu status sociométrico (cotas de amor e
simpatia). Átomo Social (relacionamentos do sujeito e o grupo). A capacidade Télica –
transmissão, recepção e percepção de sentimentos das funções e dos papéis assumidos por
cada componente do grupo,
– o instrumento da Sociometria é o Teste Sociométrico, que consiste na análise
sociométrica, auxilia na investigação de processos complexos relacionados a escolhas,
aceitações, rejeições, mútuas ou não, que configuram uma realidade social não aparente e que
por muitas vezes estão em dissonância com a verdade oficial sobre as relações. A atuação
grupal e o seu co-inconsciente. Moreno afirma que em qualquer vínculo que se estabelece
existem entre os envolvidos, paralelamente, aspectos claros e conscientes e outros
inconscientes, que vão se acumulando durante as experiências compartilhadas. Pode se
entender por aspectos inconscientes, desde conflitos inter-relacionais, até momentos
traumáticos vivenciados e não elaborados;

c) Sociatria;
– Iatreia = terapêutica = Ciência dos tratamentos dos sistemas sociais. Para processar
o tratamento das estruturas inter-relacionais: o indivíduo e o grupo possuem diferentes
enquadre com objetivos terapêuticos ou psicoterapêuticos específicos. Seus instrumentos são:
 Psicoterapia de Grupo,
 Psicodrama,
 Sociodrama,
 Jogo Dramático,
 Psicodrama Individual,
 Psicodrama Bi-Pessoal,
 Psicodrama de Casal,
 Psicodrama Infantil,
 Sociodrama Público,
 Sociodrama Institucional,
 Sociodrama Educacional,
 Sociodrama Familiar,
 Role playing – Treinamentos de Papéis,

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4) TRICOTOMIA SOCIAL – O UNIVERSO SOCIAL E SUAS TRÊS DIMENSÕES

O Universo Social possui três dimensões e caracterizam a Tricotomia Social. Estas três
dimensões são as seguintes:

Sociedade Externa – são os grupamentos palpáveis e visíveis ao olho


macroscópico, grandes ou pequenos, formais ou informais, que compõem a
sociedade humana: Família, Estado e Igreja.
Matriz Sociométrica – são as estruturas sociométricas invisíveis, mas que se
tornam visíveis através do processo sociométrico de análise da configuração
grupal, ou seja, como se dão as escolhas dentro do grupo, a existência de
subgrupos. A Matriz sociométrica consiste em várias constelações de átomos
interligados de correntes ou de redes interpessoais. É o que há de interno nas
relações.
Realidade Social – constitui-se na síntese dinâmica e na interpenetração da
Sociedade Externa e Interna e na Matriz Sociométrica, ou seja, a Realidade
Externa e Interna. Cada Indivíduo com o seu Átomo Social encontra com
outros indivíduos com seus Átomos Sociais e forma-se uma constelação de
Átomos Sociais que são as Redes Sociométricas (MORENO, 1992, p. 181-
182, v. I).

Em Moreno, o correto é pensar em uma sociopsicopatologia onde se postula que a dor


de um indivíduo reflete o sofrimento do coletivo, já que a psique é formada através de
constelações psicossociodinâmicas.
Psicossociodinâmica:
 Matriz Social/Átomo – Social/Matriz Sociométrica – para Moreno é impossível
separar o intrapsíquico do interpsíquico para análise e compreensão dos processos
de cada ser humano. Intra e interpsíquico, objetivo e subjetivo, o interno e externo
contribuem para a formação e para a compreensão do ser humano e legitimam o seu
caráter complexo, formado lado a lado pelas forças sociais e ambientais.
 Forças Sociais – Relações Interpessoais X Relações de Fantasia – Matriz de
Identidade.
 Forças Ambientais – Realidade Externa X Realidade Interna – Papéis Sociais. Toda
cultura é caracterizada por certo conjunto de papéis imposto, com grau variado de
sucesso.
A patologia do Grupo é também uma patologia do Indivíduo. As escolhas, os
isolamentos, as invejas, as atuações irracionais revelam a patologia dos Indivíduos e dos
Grupos. Moreno procurou encontrar um meio de investigar os mais complicados e secretos
mecanismos internos do indivíduo e seu grupo social. Para ele as questões coletivas só
poderiam ser tratadas em sua forma subjetivada. Decidiu permanecer centrado aos métodos de
ação, acreditando que as ações ratificam as contradições que a racionalidade esforça por
invalidar. A ação, ou a metapraxis proporcionariam, através de uma metodologia apropriada,
uma terapêutica do conhecimento interno e externo do indivíduo, de seu grupo e do seu
sistema social.
Psicodrama: Psique = Alma/Drama = Ação – Ação da Alma – Alma em Ação.
Sociodrama: Sócio = Amigos/Drama = Ação – Ação entre amigos.

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6.4 Objetivo do Psicodrama

O objetivo do Psicodrama é o aprofundamento psicoterapêutico do indivíduo ou do


indivíduo inserido no grupo. O indivíduo é o Protagonista do Psicodrama.

6.5 Objetivo do Sociodrama

O objetivo do Sociodrama é o tratamento sociodinâmico das relações interpessoais em


grupos operativos, em grupos de estudo, trabalho, igrejas, comunidades, empresas. Segundo
Moreno (1992, p. 188, v. I), seu objetivo é o “tratamento das Relações intergrupais e das
ideologias coletivas”. O seu Protagonista é o Grupo.

5 ) METODOLOGIA PSICOSOCIODRAMÁTICA.

A) Instrumentos B) Contexto C) Etapas


Cinco Três Quatro
Diretor Individual Aquecimento
Egos auxiliares Grupal Dramatização
Protagonista Social Compartilhar
Palco/cenário Processar
Plateia/Público

Os Cinco Instrumentos

a) Diretor:
– é o agente terapêutico. Tem várias funções: dirigir e analisar a cena, ampliar e
incrementar a cena, focalizando a história do indivíduo ou grupo. Cabe salientar a importância
da formação teórica, metodológica e pessoal do Diretor, pois só assim ele poderá
N instrumentalizar recursos para a execução clara dos aspectos transferenciais e télicos:

Num psicodrama, o diretor e os egos auxiliares não estão fora do


processo do drama, como diretor de uma peça de marionetes
manipulando os cordéis. Eles são parte da produção, portanto parte da
análise, compartilhando com os pacientes a catarse social (MORENO,
2006, p. 220).

b) Ego-auxiliar:
– Moreno traz esse conceito da experiência do primeiro cuidador: Mãe. Aquela que
auxilia e complementa as primeiras experiências da criança. A função dele no cenário do
psicodrama é ser o ator (coadjuvantes) que representa as pessoas ausentes ou mesmo o
protagonista, interagindo e executando a ação. Ele é o veículo que compõe o cenário. Importante
também ter a clareza de suas emoções para que não interfiram na história do protagonista ou na
direção. Nesse contexto, Moreno ressalta o seguinte:

O Psicodrama desenvolveu, a partir disso, um sistema de métodos


cuidadosamente elaborados, com o qual o terapeuta e seus egos
O auxiliares se introduzem no mundo do paciente e procuram povoá-los

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com imagens extraordinariamente familiares que têm a vantagem de
não ser totalmente ilusórias e não totalmente reais, mas meio
imaginárias e meio verdadeiras. Os egos auxiliares são de fato pessoas
reais, mas como uma fada boa, penetram com os seus sortilégios no
psiquismo do homem fracassado. [...] Vê a si mesmo representando,
ouve a si mesmo falando, mas suas ações e pensamentos, seus
sentimentos e percepções não vêm dele, vêm estranhamente de outra
pessoa, do diretor terapeuta [...] os egos auxiliares, do duplo, de imagens
espelhadas de seu espírito (MORENO, 1974, p. 114).

– para Moreno, os egos auxiliares promovem no paciente uma cartase de amor, à


medida que eles passam a ouvir e sentir o encontro de pessoas igualmente sofredoras, ou seja, o
encontro consigo mesmo;

c) Protagonista:
– é o ator central. Termo de origem Grega que significa aquele que se oferece a ação em
primeiro lugar; que se oferece para sofrer e morrer no lugar do outro. Segundo o conceito de
papéis e espontaneidade, essa metáfora é verdadeira. O protagonista apresenta, “doa” o seu
íntimo para o grupo;

d) Palco/Cenário:
– é o lugar da representação do mundo físico e do mundo intersubjetivo;

e) Platéia:
– são os componentes do grupo, beneficiados pela entrega do protagonista. A platéia
pode funcionar como caixa de ressonância e consonância. Na metodologia Sócio Educacional e
Organizacional o protagonista é a plateia, ou seja, o grupo como um todo é o protagonista,
– o Psicodrama, originalmente, era utilizado em um “setting” grupal. Com sua evolução
temos hoje: Psicodrama Bipessoal, Psicodrama Interno, Psicoterapia da Relação. Além da
modalidade Psicoterapêutica, o psicodrama possui vasta aplicabilidade no campo pedagógico e
empresarial, lugares onde o privado se torna coletivo, o protagonista não é o indivíduo, mas o
grupo. O foco da sua instrumentalização encontra-se no Treinamento de Papéis (Role-playing), no
Sociodrama, na Sociometria, no Axiodrama, e no Jogo Dramático, aprimorando a aprendizagem e
a estrutura criativa dos grupos, abrangendo toda organização Empresarial e Escolar. Nesse
contexto, recebe o nome de Psicodrama Foco Sócio Educacional e Organizacional.

Os Três Contextos

a) individual:
– é a concretização dramática de todo processo privado;

b) grupal:
– é a interação dramática do pequeno grupo com os desdobramentos latentes, seus
manifestos e seus “ruídos”;

c) social:
– visa a mobilizar as interações dos papéis sociais – diz respeito ao grupo como
sociedade.

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As Quatros Etapas

a) aquecimento:
– é a primeira etapa de toda sessão de Psicodrama, como também de qualquer outro
procedimento da Sociatria: Sociodrama, Jogo dramático, Treinamento de papel, Teatro
Espontâneo etc. Warming up é a preparação para sessão e consiste no conjunto de
procedimentos que atua para estabelecer os canais de comunicação e maior aproximação entre o
diretor e o protagonista. O aquecimento é o agente canalizador das energias para a ação. Possui
duas subetapas:
 Inespecífico: inicia a sessão. O terreno. O primeiro momento do encontro. Seu
objetivo é diminuir a tensão, propiciar um ambiente de acolhimento,
 Específico: começa no momento da construção da cena, com o aquecimento do
personagem, privado ou público;
b) dramatização;
– é todo o processo da atuação; é o “como se”; a Realidade Suplementar: a utilização das
técnicas em concordância com a matriz do indivíduo ou do grupo; é o núcleo de toda a Sociatria;
c) compartilhar:
– Sharing: trocas do protagonista, platéia e direção; ressonâncias, consonâncias, do
protagonista e da platéia; é uma catarse de integração, a interação dinâmica do corpo com os
pensamentos e emoções;
- d) processamento:
– é a análise do processo: o diretor encaminha o grupo ou o indivíduo para a reflexão
cognitiva sobre os procedimentos e o prosseguimento para as aquisições de novos papéis. É um
momento pedagógico. É importante ouvir as opiniões dos elementos que atuaram na cena, as
opiniões dos que assistiram, e fazer uma reflexão sobre a ação e incrementar os
encaminhamentos necessários para as ações posteriores.

6) TEORIA DO DESENVOLVIMENTO

O SUJEITO MORENIANO E A SUA DINÂMICA VINCULAR: TEORIA DO DESENVOLVIMENTO

Matriz de Identidade

I Identidade não deve ser confundida com identificação. [...] Identificação


supõe uma existência de um eu estruturado que tenta encontrar sua
identidade com o outro eu igualmente estruturado. [...] Referimos, pois,
identidade à fase mais precoce do desenvolvimento da criança. Todos os
movimentos, experiências, atos, e interações que ligam a mãe e a criança
podem ser comparados como o fenômeno do duplo. Tudo que a mãe faz
é para a criança, como que uma porção inconsciente do seu eu: a mãe é o
ego auxiliar da criança. [...] aconteça o que acontecer mais tarde, durante
o crescimento da criança, esta experiência precoce de identidade
modela o seu destino. A criança emerge, lentamente, deste estado,
estabelece outras distinções e desenvolve paulatinamente, um universo
mais complicado, no qual o eu se separa do tu, das pessoas e dos objetos.
A hipótese da identidade postula que a unidade e integração existem de
início em nível elementar, antes que exista diferenciação (MORENO,
1974, p. 116).

Através deste pequeno enunciado, Moreno deixa claro que o ser humano é relacional, um
ser de vínculos, um ser interpsíquico. O intrapsíquico se formará através das relações vinculares,

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dentro de um processo psicodinâmico, desenvolvido por uma longa série de integrações
vinculares, desde os primórdios da Matriz de Identidade. O conceito de Matriz é um dos núcleos
básicos do pensamento moreniano. É nela que se inicia a Rede de Relações, com todo o seu
Universo de Ações e Interações Fundantes de Encontros e Desencontros, que levarão os
indivíduos através da aprendizagem a Tomar, Desempenhar, Treinar e Criar Papéis e a se
constituírem de forma Evolutiva e Dinâmica dentro do Átomo Social. É necessário compreender
que a Matriz proposta por Moreno não ocorre de forma linear. Cada criança tem seu próprio
tempo e segue um contínuo desenvolvimento. A constituição do indivíduo se estabelece por
interações do organismo com os fatores socioculturais e sua força criativa e construtiva.
Portanto, para compreender a identidade humana em Moreno, há que se levar em conta o
conceito de Matriz, o Locus, o lugar do nascimento dos “acontecimentos básicos”:

E Essa co-existência, co-ação e co-experiência que na fase primária


exemplifica o relacionamento das pessoas e coisas ao seu redor, são
características da Matriz de Identidade. Essa Matriz de Identidade
estabelece o fundamento do primeiro processo de aprendizagem
emocional da criança (FONSECA, 2000, p. 112).

O Conceito de Matriz de Identidade (MI) é o ponto de partida, nela inclui tudo o que há a
sua volta: clima psicológico, expectativas quanto ao papel do bebê, o lugar, o espaço que ele vai
situar no grupo, os mitos e a cultura familiar :

F Fatores biológicos, psicológicos e socioculturais se entrelaçam,


formando o locus de toda aprendizagem socioafetiva-cognitiva da
criança. A MI, portanto pode ser entendida como um processo de
cunhagem da identidade psicossocial de um indivíduo (LESBAUPIN,
2010, p. 43).

A formação da identidade é um processo particular , psicodinâmico e coletivo, que se


efetua dentro de um grupo e gera uma nova construção dentro deste grupo; cada indivíduo
possibilita e intercede na construção desta aliança, ambos emitem e recebem estímulos
producentes de mudanças, ao estabelecer o encontro, tanto nos aspectos intrapsíquicos
(subjetividades) como nos interpsíquicos (intersubjetividades).
O fato de a antropologia moreniana conceber o homem como fundamentalmente e
constantemente vincular, complexo e misto, permitiu a saída das taxonomias psicopatológicas.
Moreno percebeu o sofrimento humano como manifestação de conflitos de caráter
eminentemente interacional. Assim, se os distúrbios mentais eram provenientes das relações
grupais, iniciados dentro do grupo familiar, os mesmos poderiam ser “curados” com a interação
do indivíduo em grupos.
Fonseca (2000), afirma que identidade é o processo em que a criança ganha consciência de
si (singularidade) e do outro (alteridade), e que caminha por toda vida. Identidade não é algo
estático e sim em movimento, novos conhecimentos são capazes de re-significar os velhos. A
formação da identidade é contínua, ininterrupta, interdependente; a consciência dos conteúdos
relacionais e sentimentos estimulam uma nova organização, ou seja, abrem portas para
construção de novos sentidos, novos papéis. Este núcleo dinâmico possibilita a compreensão dos
conceitos de espontaneidade e criatividade, como fenômenos primários e positivos
contrapondo-se o seu oposto que são as condutas estereotipadas – as conservas culturais.
Moreno (1974, p. 120) afirma que “Cada verdadeira segunda vez é a libertação da primeira”.
Liberar é uma expressão generalizada nas próprias palavras de Moreno. A apresentação
psicodramática propõe através do cenário, do ato psicodramático, que os papéis patológicos
sejam re-significados. Ao permitir que o sujeito atue no palco psicodramático com a utilização
das técnicas adequadas, abrem-se as portas para um novo olhar sobre si mesmo. A libertação
das antigas conservas tem por objetivo a construção de novos papéis, novos modos de existir, de

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sentir, de ser e de estar no mundo. “É um fato reconhecido que a produtividade do protagonista
quando relata sua história, é diferente da produtividade que alcança se a apresenta em forma
dramática” (MORENO, 1974, p. 124).
Através da compreensão evolutiva, espontânea, criativa e relacional, Moreno amplia os
conceitos do desenvolvimento infantil e cria a Teoria da Matriz de Identidade e o Desempenho de
Papéis.
No ato do nascimento, a criança transpõe a Matriz Materna – Placenta Biológica para a
Matriz de Identidade – Placenta Social e para a Matriz Familiar – Átomo Social – Matriz
Sociométrica e Rede Sociométrica.
Na obra moreniana, o conceito de identidade está vinculado à sociometria, pois esta se
interessa pelo movimento que congrega as formações sociais e os valores norteadores das
escolhas de papéis com os seus respectivos desempenhos, construtores de uma configuração
grupal e identitária. A identidade é estabelecida na inter-relação, e sua configuração faz parte,
segundo Aguiar (1990), do processo de pertença de um sujeito em relação a um grupo social e
cultural específico. Isto é o que Moreno denomina como a Placenta Social com suas redes de
relações ao redor da criança que promoverá o início da co-existência, da co-experiência entre a
criança e aqueles que cuidam dela (egos-auxiliares). A Placenta Social é o Locus, a raiz primeira
da comunicação entre a criança, a mãe e o seu sistema social, ou seja, a sua matriz sociométrica
com o seu átomo social que corresponde ao ponto de transição entre o indivíduo e a sociedade é
o elemento formador associativo de outras configurações mais complexas.

A A matriz sociométrica consiste em várias constelações: tele, o átomo, o


superátomo ou molécula (diversos átomos interligados), o ‘socióide’ que
pode ser definido como agrupamento de átomos interligados a outros
através de correntes ou de redes interpessoais (MORENO, 1992, p. 182).

A Matriz de Identidade irá dissolver de forma gradual, à medida que a criança cresce em
autonomia, diferenciando as “coisas reais” das “coisas imaginárias” e declina a sua dependência
dos egos-auxiliares. Os atos da realidade e os atos de fantasias começam a se organizar mediante
as Interpolações de Resistências, impostas pelo meio social, pelo tempo, espaço etc. As derivas, as
“pedras no meio do caminho”, tudo aquilo que frustra, que fere o narcisismo e compele o
indivíduo para uma nova conduta.
O Primeiro Universo é formado pelos Papéis Psicossomáticos; a fusão da realidade e
fantasia, a Fome de Atos, os papéis fundidos e indiferenciados da Identidade Total, com sua
vivência simbiótica, começam a decrescer gradativamente em intensidade, iniciando a Brecha
entre a Fantasia e a Realidade:
N
Não se trata de abandonar o universo do imaginário em favor do
universo da realidade [...] mas antes definir os meios pelos quais o
indivíduo pode adquirir um completo domínio de uma situação, vivendo
nas duas vias e capaz de passar de uma para a outra. A personalidade
passa a estar normalmente dividida. Formam-se dois conjuntos de
aquecimento preparatório – um de atos de realidade e outro de atos de
fantasia. [...] Na brecha ente a fantasia e a realidade começam a existir
dois conjuntos de papéis [...] a divisão de papéis reais e fictícios
(MORENO, 1984, p. 123-124).

Vale lembrar aqui, que o Primeiro Berço do psicodrama nasceu dessa divisão. Brincar de
Deus, jogar o Jogo de Deus é um momento da passagem da fantasia para a realidade. Através dos
jogos de papéis (brincadeiras) com figuras reais ou protótipos, a criança apropria de maneira
gradativa o lugar do “Eu” e do “Outro” no mundo. O declínio gradual dos fenômenos fundidos,
reais e fictícios, insere a criança dentro de um novo contexto, é o estágio do SEGUNDO
UNIVERSO. A criança começa estabelecer o que há nela para o seu prazer imediato e o que há

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separado dela. A estréia da consciência da realidade e fantasia contribui para uma
transformação total na Sociodinâmica do Universo Infantil, acarretando o surgimento de novas
formas de representação; o TU começa a surgir na dinâmica evolutiva dos papéis, na relação
com as pessoas, as coisas e as metas. Inicia-se a fase da inversão, que é a capacidade de
transferir de um a outro o ser no mundo lançado em sua existência, através de uma longa série
de integrações. O EU se constrói a partir destas representações e das integrações dos papéis
relacionais. O papel é uma experiência interpessoal indivisível que brota da relação vincular
intersubjetiva do EU-TU.
A dança contínua entre fantasia e a realidade com toda a sua abrangência emocional-
social lançam o indivíduo para condição: o Criador – Co-responsável por todo o cosmos. O ser de
transcendência.
Desde o início o bebê irá ocupar um espaço de nascimento, seja de inclusão ou exclusão,
um espaço virtual, com toda gama de expectativas. Esse é o pontapé inicial de toda organização
psicológica. Aos poucos a criança irá reconhecer o outro e a si mesma; lado a lado com o seu
papel complementar. Para a composição de todo o espaço gestacional interpessoal, Moreno
define que a Matriz de Identidade representa as fases mais remotas do desenvolvimento, seu
lugar não é só da placenta biológica, mas é também o lugar da placenta social, o lugar da
comunicação familiar com toda sua rede de “mitos”. Desenvolve três fatores que irão
representar a importância do lugar como um todo: Locus, Status Nascendi, Matriz. O terreno
preparado, fertilizado, com tudo que há em sua volta, propiciará o nascimento.
Moreno descreve cinco etapas da formação da Matriz, que depois resume em três:
a) fase da Indiferenciação: onde a criança, a mãe e o mundo são uma coisa só. O EU e o
mundo imediato é a mesma coisa. Isolamento Orgânico;
b) fase onde a criança concentra a atenção no outro, esquecendo-se de si mesma;
c) movimento inverso: a criança está atenta a si mesma, ignorando o outro;
d) fase onde a criança e o outro estão presentes de maneira concomitante; a criança já
se arrisca a tomar o papel do outro, embora não suporte o outro no seu papel;
e) fase na qual já se aceita a troca de papéis (inversão de papéis).

Depois ele agrupou as fases, dividindo-as em apenas três:


a) Fase do Duplo: fase da indiferenciação, onde a criança precisa sempre de alguém que
faça por ela aquilo que não consegue fazer por si própria, necessitando, portanto, de um ego -
auxiliar. Dependência total – Papel Psicossomático – Corpo – Isolamento Orgânico. Papéis
aglutinados;
b) Fase do Espelho: diferenciada; existem dois movimentos que se mesclam o de
concentrar a atenção em si mesma, esquecendo-se do outro e o de concentrar a atenção no
outro, ignorando-se a si mesma (exemplo disso pode ser o de quando a criança olha a sua
própria imagem no espelho e não se identifica como ela mesma, ela só diz: olha o nenê.).
Percepção à distância – Tele – início da separação – Reconhecimento do TU – Brecha entre
Fantasia/Realidade – Papel Psicodramático;
c) Fase de Inversão: em primeiro lugar, existe a tomada do papel do outro para em
seguida haver a inversão concomitante dos papéis. Psicossocial – Papel Social:

O O desenvolvimento da estratégia de inversão da criança é um indicador


da liberdade obtida em relação ao ego auxiliar... [...] significa o primeiro
passo na emancipação da criança de dependentes, se não de fatos pelo
menos na sua imaginação. Reforça também as imagens de “um dia eu
serei grande”... [...] A fase inicial de co-experiência e colaboração com o
ego mais forte proporciona à criança um incentivo para ação
independente (MORENO, 1984, p. 114).

A relação dinâmica evolutiva da criança amplia o seu modelo relacional;


do Bi-Pessoal ao Triádico, quando acontece a descoberta do ELE, a

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separação é concretizada – angústia da separação é a Fase da
Triangulação, que irá ampliar para circularização, para socialização e
representa a entrada do ser humano na vivência sociométrica dos
grupos (FONSECA, 1980, p. 95).

Vencendo as etapas de relacionamentos bipessoais e triangulares, o


indivíduo ganha a perspectiva de relacionar-se com o ELES e, em
seguida, também de sentir-se parte de um conjunto, de uma
comunidade, de deixar-se entrar no mundo do NÓS. A possibilidade de
“inclusão” grupal, de deixar de sentir a frieza do EU-ELES para sentir o
cálido envolvimento do EU-NÓS, significará um passo importante para
que seus futuros relacionamentos grupais e sociais sejam satisfatórios (
FONSECA, 1980, p. 95).

A Identidade humana se forma, no Reconhecimento do Outro. A saúde se relaciona com a


possibilidade de inversão, a saída narcísica, do umbigo, possibilitando o Encontro- Entrega
mútua com perda momentânea da identidade, com volta revitalizante e transformadora. Fonseca
propõe que a capacidade de inverter papéis possa ser considerada como método de avaliação
saúde/doença.

Por mais importante que seja a linguagem no desenvolvimento do


P indivíduo e do grupo ela é sempre “logificada”, é a sintática da
comunicação: uma grande descoberta do desenvolvimento da
comunicação humana é a vida pré verbal da criança. Os conflitos
profundos das crianças se enraízam nas experiências do seu primeiro
mundo, na sua ligação com a figura materna, com objetos e com o seu
ambiente. Essas experiências se encontram mais tarde com sua
expressão na língua materna, mas nunca mais atingirão a consciência do
vínculo, da unidade e do sincretismo das primeiras semanas de vida. A
linguagem não esgota o psiquismo todo (MORENO, 1974, p. 22).

13
7) FASES DA MATRIZ DE IDENTIDADE
Desenvolvimento Evolutivo

*Onipotência
*Imaturidade Neurológica
1oUniverso *Aprendizagem através do corpo.
Vincular: *Registros Corporais
Matriz Matriz de Identidade * Fome de Atos. Condutas Básicas-
Materna Total Indiferenciada Ansiedade Básica. Egocentrismo-
Placenta Fase do Duplo imediato.
Biológica Papel Psicossomático *Vínculo-Mãe/Filho-Dependência/
Mãe (1o Cluster) incorporação, sincretismo
(Acolhedor) absoluto.
Matriz de *Atos Fundantes - O Ato é anterior
Identidade a Palavra - Moreno.
Placenta *Adoção de Papéis. Papéis Reais e
Social Imaginários aglutinados.
Relações *Início da distinção espacial:
Assimétricas próximo-longe. Interno-externo.
*Início do discernimento - sujeito-
objeto-meio.
*Diferenciação do não-eu. Sonhos.
*Queda da Fome de Atos.
Matriz de Identidade
*Início Separação- Brecha:
Total Diferenciada
Fantasia/Realidade
Fase do Espelho
*Início do Fator Tele - relação
Papel Psicodramático
distância.
e
*Papéis Fundantes - Desempenho
Papel Imaginário
no mundo real/fantasia. Dimensão
Pai (2o Cluster)
do EU Psicológico/
(Operativo)
Psicodramático.
*Concentração em si -
Reconhecimento do Eu.
*Concentração no Tu -
Reconhecimento do outro (Papéis
ativos).
*Consolidação da Brecha entre
fantasia/realidade - Percepção das
limitações, da Onipotência - Fome
2oUniverso
Relações de Transformação. “O paraíso
Vincular
simétricas perdido se transforma em terra
Matriz
Inversão de Papéis prometida” - Moreno.
Familiar
*Preparação para o *Rede vincular vai se formando na
Átomo Social
Papel Social; interação dos Papéis originários.
“Núcleo das
Irmãos (3 Cluster)
o *Funções parentais-triangulação.
relações se
(Compartilhar) *Distância das “coisas” - nomeação
forma em
com palavras.
torno do
*Tomada do papel do outro -
indivíduo”
seguida da troca de papéis.
Moreno
*Papéis Interativos:
Passivos/Ativos. Competir,
rivalizar, ciúmes.

14
Fases da Matriz de identidade
Desenvolvimento Evolutivo
(Conclusão)
3o Universo * Papéis Sociais.
Vincular * Papéis Psicossomáticos.
Rede Relações Sociais *Papéis Imaginários.
Sociométrica *Papéis Psicodramáticos - nosso
com todos os eu, como qualificamos as coisas.
vínculos *O ser no mundo com toda sua
operacionais abrangência emocional - social -
formados cultural onde os papéis acolher,
pelo Átomo operar, compartilhar funcionam de
Social forma dinâmica.

Teoria do Papel

É o conceito original do Teatro Grego Clássico, onde as peças eram escritas em “roles”
(rolos); do Latim: rotula; do Inglês Medieval: “role” (papel).
Como foi visto alhures, os vínculos são formados na Matriz de Identidade – Indiferenciada
– Diferenciada – Social. O Papel é uma forma de funcionamento, um desempenho que inicia nos
vínculos originais no Primeiro Universo da Criança. Gradualmente, à medida que a criança
experimenta a realidade, novas adoções de papéis vão surgindo, interagindo ao papel anterior e
formando “cachos de papéis”. O processo de desenvolvimento de um novo papel passa por três
fases:
a) Role-tanking: tomada do papel – adoção por imitação;
b) Role-playing: jogar os papéis, exploração simbólica das representações;
c) Role-creating: criação e o desempenho de papéis novos.

Para Moreno (1984) “A habilidade em desempenhar papéis é essencial para a


comunicação adequada e para o desenvolvimento do eu social”. Portanto, o desempenho de
papel possibilita à pessoa reconhecer a si própria e ao outro. Assim, “Todo papel é fusão de
elementos particulares e coletivos; é composto de duas partes – seus denominadores coletivos e
seus diferenciais individuais (MORENO, 1992, p. 178).
Papel é uma unidade de condutas inter-relacional resultante de um processo evolutivo
ontogenético, singular, com grande força construtiva e plasticidade. É precursor do EU e sua
formação acontece através da inserção social do agente com sua atuação diante das situações
específicas em que estão envolvidos pessoas e objetos que atuam como contrapapéis. O processo
do desenvolvimento dos papéis iniciados na Matriz de Identidade, continuam por toda a
existência do indivíduo; não sendo assim, o Homem estaria fadado a uma estrutura fixa, sem
criatividade e espontaneidade. Para Moreno, a “doença mental” é vista dentro de um Papel
Patológico, isto é, quando a capacidade perceptiva e intuitiva do indivíduo encontra-se
desvirtuada, ou seja, o seu mundo interno não coaduna com o externo:

O O paciente age como se conhecesse os sentimentos das pessoas de seu


ambiente em relação a ele, como se soubessem que elas o amam ou
odeiam. [...] Quando essa diferença é muito grande temos razão para
pensar que sua avaliação perceptual do ambiente social é insuficiente e
deformada. Ele tomará o seu amigo por inimigo [...] ou então viverá com
medo de ser perseguido ou maltratado pelos amigos. Vemos
frequentemente, em grupos patológicos, que um grande número de

15
escolhas é ambivalente, isto é, projetam-se sobre o mesmo indivíduo,
amor, ódio, atração e repulsão.
Os pontos de cristalização perceptíveis [da percepção] disso que nós
chamamos de eu são os papéis no qual esse eu se manifesta. Papéis e
suas relações entre si são os fenômenos mais importantes de uma
determinada cultura. É, metodicamente, mais simples falar dos ‘papéis’
de uma pessoa que do seu eu ou “ego”, ego tem significações
secundárias misteriosas e metapsicológicas. O papel, no entanto, pode
ser definido como a menor unidade de uma cultura. Os papéis não
aparecem isolados, mas conglomerados, como, por exemplo: pai, filho,
esposo, neto. [...] esse conjunto de papéis, através dos quais um
indivíduo se expressa, modifica-se com o ambiente, idade e cultura a que
pertence o indivíduo (MORENO, 1974, p. 56-57, destaques nossos).

Os Papéis, na sua formação, são divididos em:


a) Psicossomáticos;
b) Psicodramáticos (imaginários e fantasias): Brincar de Deus;
c) Sociais: os papéis sociais podem ser desempenhados em ressonância com vivências
anteriores, formadas através da aprendizagem e o desempenho dos cachos de papéis: Cluster.

O papel tem a importante função de inserção e de comunicação entre as pessoas. A


inclusão de um indivíduo em uma determinada rede sociométrica irá depender da quantidade
de papéis que ele tenha desenvolvido, fato que exporá a sua capacidade de estabelecer vínculos.
Segundo Knobel (2001), através dos papéis é possível mapear as relações adjacentes de uma
pessoa. O papel pode definir, para a mesma pessoa, vários tipos de átomo social:
 Átomo familiar: membros de sua família;
 Átomo profissional: pessoas significativas do seu trabalho;
 Átomo sexual: orientação sexual ou com quem mantém relações sexuais;
 Átomo social total: todas as pessoas importantes, segundo vários papéis e critérios.

Cachos de Papéis – Cluster

Como foi visto antes, os papéis não são isolados, eles tendem a se configurar em clusters
(agrupamento de papéis dentro da dinâmica relacional). Respostas do bebê frente à ansiedade,
aos impasses, as dores, aos cuidados, ao aconchego, a amamentação. E ao mesmo tempo a
resposta que ele acarretar aos seus cuidadores. Em Moreno há sempre uma mão dupla nas
relações Mãe ←→ Bebê; “[...] organismos individuais em interação” (MORENO, 1984, p. 99). “[...] a
relação entre mãe e filho é uma dupla relação que implica em uma ação cooperativa, muito além
de pautas individuais de condutas separadas entre si” (MORENO, 1984, p. 110).
O Efeito cluster é de extrema relevância para se perceber as respostas conservadas,
“pontos cristalizados”, em determinados contextos. Ex: medo das figuras de autoridade, posturas
autoritárias – Provavelmente estão vinculadas ao 2° cluster. Seres isolados, dependentes podem
estar relacionados ao 1° cluster.
Existem três clusters principais ou três dinâmicas essenciais para a existência do ser humano. Os
dois primeiros Clusters são assimétricos. O terceiro inicia as relações simétricas, a socialização.

Primeiro Cluster

Materno – Cuidado – Passivo.


Primeiras experiências da existência humana. O bebê depende integralmente de sua mãe
ou de quem cuida dele.

16
Nesta fase predomina a passividade, a incorporação dos cuidados, a experiência da
espera, a aprendizagem da paciência e da tolerância.

Segundo Cluster

Paterno – Autonomia – Ativo: Triangulação.


Aparece a figura do pai. Posição ativa, aprendizagem da autonomia, da autoconfiança,
da capacidade de conquista e do exercício do poder. Introjeção do Não.
A criança passa da dependência total para uma consciência mais autônoma, começa a
objetivar a relação com o mundo externo.

Terceiro Cluster

Irmãos – Simetria – Interativos.


Representa os vínculos simétricos, nos quais a responsabilidade é igual para todos os
envolvidos. É o caso dos irmãos, amigos, companheiros.
Além de aprender a competir e a rivalizar, aprende-se a colocar limites, cuidar das
posses, atacar ou se defender de agressões. O auto cuidado e o cuidado ao outro.
Para averiguação perceptiva dos papéis e suas correntes emocionais, Moreno propõe a
sociometria da dinâmica dos papéis no seu contexto social fazer o levantamento do seu átomo
social através do diagrama de papéis. Isso dará uma medida relacional (sociograma) do EU e
TU:

Pede-se ao paciente que se coloque no lugar de uma pessoa de seu grupo por
P ele preferida e, como se fosse essa pessoa, escolha e avalie que sentimentos
têm as demais pessoas diante dele. Esse teste é baseado no fato de cada
indivíduo procura perceber, intuitivamente, que sentimentos têm por ele
pessoas imediatamente próximas. [...] uma grande discordância entre suas
expectativas e os fatos objetivos dão-nos importantes indicações sobre o seu
status e um conhecimento mais preciso de sua posição no sociograma do
grupo (MORENO, 1983, p. 24-26).

O mapeamento do átomo social do indivíduo e sua representação de papéis com


pessoas, objetos e escolhas, utilizando-se da metodologia e das técnicas psicodramáticas,
trazem uma representação significativa do seu mundo.
O exemplo a seguir aconteceu em uma aula no Curso de Pós Graduação em Psicodrama,
durante a disciplina Atos Psicodramáticos:
- A aluna queixa das múltiplas atividades que desempenha. Não consegue organizá-
las e terminá-las, encontra-se ansiosa, ela tem que entregar o trabalho de conclusão do curso.
- Convido- a para fazermos o mapeamento (átomo social) de suas atividades.
- Ela aceita. Peço que ela escolha um lugar da sala e que se coloque no meio.
- A seguir o diálogo:

– Feche os seus olhos, respire. Permaneça de olhos fechados e “veja” o seu


mundo com todas as coisas que há nele. Visualize cada uma e veja como elas
estão em relação a você. Isto é, as que estão mais próximas, as mais
distantes, as mais urgentes, as que você mais ama... Agora abra os seus
olhos, escolha alguém para ocupar o seu lugar. Escolha as suas atividades, as
pessoas para representar cada atividade, tarefas e as coloque em “torno de
você”, olhe de longe a escultura da sua vida e me diga o que sente...
– Sufoco. Que horror! Fica difícil de respirar, com tanta coisa em cima de
mim.

17
– É assim que você está vivendo?
– Assim mesmo.
– Escolha uma das tarefas e ocupe o lugar dela.
– Respire, fecha os olhos, agora você será esta tarefa. Pense em voz alta
como você se sente. Diga agora a sua importância para a vida “daquela
pessoa” que se encontra no meio. Troque agora de lugar com ela. Responda
agora para aquela “tarefa”...

Assim foi feito, sucessivamente, com todas as “tarefas.” As técnicas: duplo, espelho,
solilóquio e inversão foram utilizadas.
As escolhas das “tarefas” foram sendo remanejadas. Algumas retiradas, outras
poderiam esperar um pouco. A cada movimentação de mudança da “tarefa” em relação ao
protagonista, era utilizada a técnica do espelho. Ao final solicitei que ela voltasse mais uma
vez para o centro, respirasse e sentisse como estava o seu mundo, dentro do centro e fora do
centro. (espelho): – Ufa!
Sentamos para compartilhar e a “nossa protagonista” disse: “Puxa vida! Eu escolhi
carregar tudo isso para compensar a falta do meu pai e ajudar minha mãe, agora está claro”.
O grupo passou a compartilhar sobre os papéis desempenhados e cristalizados.
Ao final foi escolhido um título que representasse a dramatização: “O Mundo que eu
Escolho”. O título traz a possibilidade de se fazer diferente, de se escolher um novo papel.
Na teoria Socionomica, se faz necessário uma visão flexível, criativa e espontânea do
indivíduo como um ser criador, um gênio capaz, co-criador e co-responsável pelo Universo.
Este é o ponto máximo da visão moreniana do homem: desempenho e aprendizagem de
papéis para a criação de um novo papel. Observa-se que quando existe representação de uma
determinada situação, a imaginação é desafiada pela busca de solução para problemas criados
pela vivência dos papéis assumidos. As situações imaginárias estimulam a inteligência e
desenvolvem a criatividade. A formação dos papéis com os seus estágios evolutivos dentro da
cadeia das constelações do átomo social se complementam de maneira bioantropológica,
articulação que insere o Homem dentro da natureza e essa dentro dele. Essa inclusão mostra
que o ser biopsicossocial se revela por meio de “múltiplos nascimentos”, ou seja, por meio de
várias relações cósmicas: pessoas, animais e natureza. Tudo que “toca” o indivíduo é capaz de
lançá-lo em novas dimensões, em novos papéis criativos.

18
8) TEORIA VINCULAR.

O Átomo Social

Meu eu
e Teu Eu
Quantos eus somos nós?
Eu em mim e eu em Ti
são dois.
Tu em mim e Tu em Ti
são mais dois
Porém o meu Eu são dois
em cada Tu
e o teu Tu são dois em cada Eu
E assim
quão assombroso é descobrir
quantos eus existem em mim
e quantos estão em Ti!
(PALAVRAS DO PAI, 1992, p. 195).
Moreno denominou como Átomo Social, os vínculos, as redes relacionais que se
constituem em torno do indivíduo. Inicialmente o átomo social do bebê se resume a ele e a
sua mãe. Gradativamente, esse universo se expande, outros indivíduos são incluídos,
causando um aumento da constelação e da percepção, seja ela positiva ou negativa, levando o
indivíduo a adotar os diversos papéis frente a sua dinâmica relacional.
Os papéis, à medida que vão sendo experenciados com sua constelação de forças
positivas e negativas, conquistam sua dinâmica relacional, possibilitando a formação das
diversas identidades e seus processos. A forma predominante de um papel ou outro explicita a
história de vida de cada um. Como se viu no exemplo citado antes e que foi nomeado de “O
Mundo que eu Escolho”. Para Moreno o “átomo social é fato” (1992, p. 158). Seu significado
conceitual só foi possível após os estudos da formação do sistema das constelações das redes
sociais. “Uma parte não existe sem a outra. É um contínuo” (MORENO, 1992, p. 259). Átomo
Social é conceito introduzido por Demócrito na linguagem científica (p. 9). Moreno recorre a
esse termo para definir o menor padrão de conduta relacional que gravita em torno do
indivíduo, iniciando já na primeira fase do desenvolvimento infantil:

A menor unidade funcional dentro do grupo social. Toda pessoa é


relacionada, positiva ou negativamente. [...] o átomo social expande-se
A concomitantemente à medida que crescemos. [...] o indivíduo tem, desde o
seu nascimento, uma estrutura de relacionamento ao seu redor: pai, mãe,
avó, avô e outros membros. [...] também tem uma gama de papéis e
contrapapéis (MORENO, 1992, p. 172, v. I).

Há que se lembrar, que o átomo social é um construto dinâmico que cresce, flui e
encolhe; consiste nas ligações interpessoais, compostas por papéis dentro de uma cadeia
relacional, uma rede sociométrica de tele (atrações, rejeições, mutualidades e incongruências)
em volta de cada indivíduo. O átomo social gera círculos de relacionamentos transmitidos de
gerações a gerações (questões atávicas): as cadeias dos mitos familiares que se expõe
atravessadamente ao sistema de vinculação do indivíduo (vínculos residuais e atuais). Essa
configuração social das relações interpessoais é um processo em mudança, à medida que a

19
imagem que se tem de si mesmo e do outro se modifica no decorrer da existência,
expandindo-se as conexões da rede sociométrica, ajuizando-se novos valores e qualidade aos
relacionamentos, desarticulando velhos padrões para obtenção de novos conhecimentos. No
decorrer do seu desenvolvimento, a criança interioriza as pessoas e as relações entre elas; essa
entronização irá revelar mais tarde como os papéis foram introjetados e como a sua
subjetividade, o seu grupo imaginário e o real foram construídos: como ela se vê e como ela
vê o outro em relação a si mesma (fase do espelho). O átomo social são constelações da
intersubjetividades das relações do interpsíquicos e do intrapsíquicos; são forças de atrações,
rejeições e indiferenças onde cada pessoa desempenha um conjunto de papéis, e provocam no
outro outros papéis. Nessa dança intercambial e psicodinâmica do Eu-Tu, de conjunções e
sistemas abertos por processos vinculares e seus complementares é que são geradas as
construções individuais e sociais. À medida que o indivíduo estabelece novas configurações
sociais às constelações, tende para expansão, aumentando a cadeia de átomos e formando uma
complexa corrente de sistema de inter-relação vincular, denominadas como Rede
Sociométrica. A saúde social seria a incorporação da alteridade, ou seja, o exercício da
existência do diferente. Segundo Moreno, essas redes têm uma importante função operacional
na formação da sociedade, que é a “Função de formar a tradição social e a opinião pública”
(MORENO, 1992, p. 158, v. I). Neste contexto, ele revela, ainda,

[...] que, dentro das correntes sociais em permanente movimento e


modificação, persistem estruturas mais ou menos sólidas: os meios de
comunicação dos sentimentos sociais. Essas redes são o foco da origem da
opinião pública. [...] são transmitidas sugestões e através de seus canais
podem as pessoas se influenciar e educar mutuamente. (MORENO, 1974, p.
55).

Para compreender as estruturas invisíveis (vínculos interativos) da rede sociométrica,


foi criada a Sociometria e com o fim de medir as relações criou-se o Teste Sociométrico:
D
Durante o crescimento, a criança não fez somente experiência com outrem,
mas também com ela mesma nos diferentes papéis que representa. O
resultado de suas relações, baseadas no tele, é que ela começa não somente a
se experimentar a si própria, mas também a se considerar como alguém em
face de quem se reage de determinada maneira, e que provoca, por sua vez,
certas reações ao redor. Pouco a pouco desenvolve uma imagem de si
mesma. Essa pode ser muito diferente da que os outros têm dela, mas é
importante para ela. O hiato entre o que ela é o que faz e a imagem que tem
dela pode crescer progressivamente. Finalmente se diria que ela tem ao lado
de seu “eu” real, íntimo, outro „eu‟ que exclui progressivamente (MORENO,
1974, p. 313).

Esse colapso na percepção da sua autotele é o desencadeador dos grandes sofrimentos


psíquicos. Para Moreno (1974, p. 3120, “A casa e a rua podem existir, mas a maré subiu tão
alto que não se vê mais nada na cidade”.
A percepção encontra-se integralmente nublada. É sabido e aceito que as emoções não
expressas têm que obter um caminho para sua expressão. Os conteúdos das percepções
vinculares precisam encontrar um destino apropriado, caso isso não ocorra os sintomas
ganham a forma de demonstração e com o decorrer do tempo passam a ser percebidos como a
própria identidade do indivíduo ou como a sua maneira de ser no contexto social. Nesse
sentido, Morem destaca o seguinte:

20
Os investigadores sociométricos assinalaram que o isolamento orgânico do
O embrião prossegue durante um breve período, após o nascimento, até que o
aparecimento do tele inicia as primeiras estruturas interpessoais. Mas
algumas crianças perpetuam o padrão de isolamento orgânico pelo
isolamento social. Com efeito, uma considerável percentagem de indivíduos
manifesta a tendência para serem postergados ou isolados em grupos durante
a vida inteira; a questão é se o ego auxiliar na forma de mãe, não teve, desde
tempos imemoriais, uma função mais profunda a cumprir do que ser apenas
a fonte alimentar da criança. Talvez os nossos ancestrais menos instruídos,
mas mais intuitivos, tenham tratado melhor os seus bebês (MORENO, 1984,
p. 122).

A partir dessas observações, Moreno passa a tecer considerações sobre os artefatos com
suas vidas mortas e que podem ser amados, destruídos em excesso e nunca realizando a troca
de forma a substituir os egos auxiliares. E afirma que “Deixar a criança sozinha com seus
bonecos é paralelo a deixar o bebê sozinho com a mamadeira, um objeto auxiliar”
(MORENO, 1984, p. 123).
Quando Moreno criou a Psicoterapia de Grupo, seu desejo primordial era de incluir os
seres isolados e execrados dentro de um contexto social. O grupo seria o agente transformador
para o acréscimo do Átomo Social e para o aprimoramento de novos acoplamentos
sociométricos. Ao criar a Teoria das Relações Interpessoais, Moreno evidencia a importância
da relação social com sua dinâmica vincular para aquisição da espontaneidade e criatividade e
para a compreensão das relações de tele transferências. Ao propor esta mudança na visão de
homem, foi possível lançar o conceito de doença mental dentro de uma nova perspectiva.
Neste contexto, interessantes as afirmações que se seguem:

G Graças a ela [mudança] tornou-se possível conceber as neuroses e as


doenças mentais não mais como “doenças” no sentido biofisiológico do
termo e não mais como fenômenos intrapsíquicos (como certas linhas
psicanalíticas as veem); foi o conceito de átomo social de Moreno, por mais
imperfeito que possa ser, que favoreceu às psicopatologias saírem de sua
toca individualista e solipsista para reencontrarem, na estrutura inconsciente
das relações sociais, seu motivo. Nesse sentido, não seria absurdo dizer que
Moreno foi o precursor da antipsiquiatria (NAFFAH NETO, 1997, p. 171-
172).

Tele

Tele (do grego: distante, influência à distância) é a capacidade de se perceber de forma


objetiva o que ocorre nas situações e o que se passa entre as pessoas. O Fator Tele influi
decisivamente sobre a comunicação, pois o homem só se comunica a partir daquilo que é
capaz de perceber.
O termo foi criado por Moreno, que o definiu como “um processo emotivo projetado no
espaço e no tempo, em que podem participar uma, duas ou mais pessoas. É uma experiência
de algum fator real na outra pessoa e não uma ficção subjetiva. É, outrossim, uma experiência
interpessoal e não o sentimento ou a emoção de uma só pessoa” (MORENO, 1984, p. 295).
Para Aguiar (1990, p. 98), tele “é a articulação criativa entre parceiros de um mesmo ato.
Nesse sentido, o termo tele deve ser entendido como co-criação”.
Segundo Moreno, o desenvolvimento infantil permite que a criança comece e vá
distinguindo aos poucos os objetos das pessoas, sem distorcer seus aspectos essenciais,
aprimorando a capacidade de se perceber de forma objetiva o que ocorre nas situações e o que

21
se passa entre as pessoas. Toda essa percepção pressupõe relação com pessoas reais e
imaginárias (papéis de fantasias e papéis psicodramáticos) que são representadas pela
“percepção interna mútua entre dois indivíduos”. Por meio do fenômeno relacional, a criança
irá, paulatinamente, se reconhecendo no que a identifica e no que a diferencia dos outros:

Na fase primitiva da matriz de identidade, a criança ainda não distingue entre


N próximo e distante. Mas, gradualmente, o sentido de proximidade e distância
vai-se desenvolvendo e a criança começa a ser atraída para pessoas e objetos
ou afasta-se deles. Este é o primeiro reflexo social – indicando o
aparecimento do fator tele, e é o núcleo dos subsequentes padrões de
atração-repulsa e das emoções especializadas – por outras palavras, das
forças sociais que cercam o indivíduo ulteriormente (MORENO, 1990, p.
119).

Moreno desenvolve a Teoria do Fator Tele como o núcleo das relações vinculares,
interpessoais. É através deste fator que os intercâmbios de papéis sociais e o Encontro se
promoverão. O tele organiza a capacidade de escolha e rejeições de um indivíduo, como
também a noção da continuidade, a distância, a aprendizagem relacional do outro separado e
existente. O encontro é a experiência essencial da relação télica.
Ao falar de Encontro, Moreno propunha aprender com o “contra” na relação EU-EU,
com o Outro e com o Mundo; isso acontece num sistema psicodinâmico aberto, num Universo
Aberto que tem lugar para o novo, para a criação. Moreno acreditava na possibilidade real do
Encontro – sem relação transferencial. Se a cada relação os membros conhecerem seus
direitos, obrigações e os respeitarem, o crescimento será possível. Quando isso não ocorre a
relação encontra-se sob a égide de um Papel Patológico e Transferencial. A visão do outro,
comprometida por Vínculos Regressivos e Vínculos Compensatórios é relação complementar,
que o indivíduo estabelece com as pessoas ou com as coisas, delegando às outras pessoas ou
coisas, funções psicológicas de cuidado, proteção e orientação dos seus primeiros anos de
vida. A transferência é uma relação projetada, na qual se transporta alguma coisa para o outro;
tele é a percepção verdadeira do outro, não afetada pelo inconsciente recalcado e regressivo.
A transferência é a patologia do tele; para Moreno ela é uma “excrescência psicopatológica”,
impedindo o indivíduo de se relacionar de forma verdadeira, nublando a percepção e a
comunicação, favorecendo as distorções e os equívocos, é uma contra espontaneidade
desencadeadora do embotamento das relações interpessoais, gerando sofrimento, o lugar do
desencontro, do patológico e das atuações irracionais. O Tele é a possibilidade da abertura, da
flexibilidade, onde a comunicação flui e as distorções diminuem.
No momento atual, estes conceitos foram unificados; para muitos psicodramatistas,
tele/transferência acontecem juntas. Sabe-se que a “percepção verdadeira” do outro se
encontra tingida de afetos e juízo de valores. Com a possibilidade do reconhecimento do
vínculo residual projetado, aumenta-se o fator tele. Zerka Moreno diz, que O TELE
desenvolve-se com o passar dos anos, à medida que o indivíduo aprende e expande o seu
átomo social através do constante aprendizado do amor. A constante aprendizagem do amor,
da saída das conservas, desenvolve a auto tele. Moreno preferia este termo ao conceito de
insight:
Auto tele tenta ir além. É poder estar em contato com o profundo mundo interior.
A Poder estar consigo mesmo, como dentro de um fascinante caleidoscópio. Insight é
uma dimensão racional. Auto tele é emocional e racional. Significa ter uma boa
relação com essa magnífica e complexa diversidade que é ser humano em relação.
(BUSTOS - Perguntas e comentários feitos para Zerka no Congresso Processual (Ning) 2010).2

2
NING - Espaço virtual desenvolvido pela Comissão Organizadora do 17° Congresso Brasileiro de Psicodrama e
1° Latino-americano de Psicoterapia de Grupo e Processos Grupais. 2010.

22
9)TÉCNICAS BÁSICAS DO PSICODRAMA

São Consideradas Técnicas Básicas as que fazem parte das fases da Matriz de
Identidade. São elas:
 O Duplo – no “estágio de identidade total” a relação mãe-bebê-mundo encontra-
se indiferenciada. Logo, a técnica embasada nesta fase é o duplo, na qual o
psicoterapeuta “dá voz” a algum conteúdo emocional-cognitivo que o paciente-
protagonista não consegue traduzir em palavras ou ações corporais. Em outros
termos, o psicoterapeuta tenta “intuir” o conjunto afetivo-cognitivo do paciente
em um determinado momento e, assim, expressar por ele o conteúdo em questão.
É utilizada quando o protagonista encontra-se em dificuldade de expressar. O ego
auxiliar se coloca ao lado do protagonista e assume a sua expressão, dando voz a
sua emoção. É uma linguagem interpretativa;
 O Espelho – posteriormente ao estágio fusional, a relação mãe-bebê-mundo
começa a se diferenciar. Moreno (1986) nomeia esta fase de “estágio do
reconhecimento do eu”. O bebê dá continuidade ao surpreendente processo de
construção de sua identidade, exercitando sua crescente autonomia diante de
objetos exteriores, inclusive da mãe. Ao observar sua imagem no espelho, a
criança vai se dando conta de suas ações enquanto “atos voluntários”, o que a leva
a desdobrar em espirais crescentes suas habilidades cognitivo-emocionais e,
portanto, seus testes da realidade. O psicoterapeuta, ao espelhar o comportamento
linguístico e corporal do paciente, acaba por oferecer condições para que este
obtenha uma “versão” exterior “fiel” de si. O Protagonista se torna o espectador
de si mesmo, como dizia Moreno. O ego auxiliar refaz todo o seu percurso e
movimento, contatando com o seu átomo social. É necessário ter habilidade para
que o protagonista não se sinta caricaturado. O paciente se senta no lugar do
espectador e vê uma cópia de si mesmo.
 A Inversão de Papéis – no “estágio de reconhecimento do outro”, a criança já
detém, plenamente, a capacidade de simbolização. Ela já possui suficiente senso
de identidade para poder assumir o lugar do outro sem se perder. O
reconhecimento do outro pode ser exemplificado na corriqueira brincadeira de
“casinha”, onde uma dupla ou um grupo de crianças exercem papéis sociais dos
mais variados, como: mãe, pai, filho, irmão, tio, avó etc. A dinamicidade com que
os papéis podem ser invertidos entre elas é um fator relevante desta capacidade de
reconhecimento do outro e, consequentemente, de se colocar no lugar do outro.
Só é possível quando as pessoas em questão estão presentes.
Ex.: Marido e Mulher. Pai e filho. Esse seria de fato o verdadeiro trocar de olhos.
Usa-se hoje uma variação da técnica: o ego-auxiliar assume o lugar do
antagonista. O protagonista confronta com o seu imaginário. A técnica da
inversão de papéis oferece possibilidades ao paciente de tomar o papel de outro
membro do grupo e vice-versa. Em uma relação bi-pessoal, tal inversão poderá ser
exercitada entre o psicoterapeuta e o paciente. Importante ressaltar que os
indivíduos que se encontram nas fases anteriores da identidade não conseguem
fazer inversão.

23
Há outras Técnicas, que não são consideradas como Técnicas Básicas:

a) Solilóquio:
– ele ajuda o protagonista a aquecer e permite que o ego-auxiliar conheça um
pouco do mundo interno do indivíduo. No popular, é “falar com os próprios botões”, “pensar
em voz alta”. Moreno, no livro Psicodrama, na página 245 diz o seguinte sobre esta técnica:
O
O problema da técnica consiste em permitir ao ego auxiliar superar a
tragédia inerente ao nosso mundo interpessoal. Vivemos simultaneamente
em mundos distintos que só por vez se comunicam e mesmo assim de um
modo incompleto. A psique não é transparente. O psicodrama total de
nossas inter-relações não emerge; está enterrado em e entre nós. O
Psicodrama teve que desenvolver numerosas técnicas para dar expressão aos
níveis mais profundos do nosso mundo interno pessoal. Uma das técnicas é o
solilóquio. [...] é usada pelo paciente para duplicar sentimentos e
pensamentos ocultos [,] o seu valor reside em sua veracidade. O seu
propósito é a catarse (grifo nosso).

b) Apresentação do Átomo Social:


– o protagonista monta o cenário com suas cadeias de relação, levando em
consideração (aproximação e rejeição). A partir da montagem do cenário ele representa a si
mesmo e a todos os membros da sua relação. O diretor utiliza a metodologia psicodramática
para que o átomo social tenha uma resposta producente. Essa técnica pode ser feita também
na ajuda da escolha profissional, redirecionamento de novos papéis profissionais ou para
discernimento de acúmulos de tarefas, bem como para o esclarecimento de várias teias da
dinâmica interpsíquica. Ex.: O Psicodrama: o Mundo que Eu Escolho. (Cf. neste trabalho).

10) TEORIA DA AÇÃO

Catarse de integração-Ab-reação

O conceito origina da Grécia Antiga – ritual mítico – introduzida por Aristóteles –


purificação dos espectadores. Para Moreno o passo decisivo para o desenvolvimento do
psicodrama foi:
 A psicoterapia de Grupo (MORENO, 1974, p. 32);
 O Psicodrama pode ser definido como o método que penetra a verdade da
alma através da ação. A catarse que ele provoca é por isso uma “catarse de
ação” (MORENO, 1974, p. 106).

Essa passagem reflete o ponto culminante da associação do Teatro da


Espontaneidade para o Teatro Terapêutico.
Historicamente, o Psicodrama representa o ponto culminante na passagem do
tratamento do indivíduo isolado para o tratamento do indivíduo em grupos: do
tratamento do indivíduo por métodos verbais para o tratamento dos indivíduos por
métodos de ação. Moreno desenvolveu uma teoria de personalidade e uma teoria do
grupo. O psicodrama é uma combinação eficaz da catarse individual com a coletiva, da
catarse de participação com a de ação. O método terapêutico ativo da ação dramática
propõe percorrer estados emocionais, com certa estética: no primeiro momento, busca-
se reproduzir a história real (Mimese), para modificá-la pela ação (Poesis), buscando-se

24
através do corpo produzir uma nova expressão (Catharsis). O indivíduo se vê e refaz sua
ação dentro de um processo relacional (Catarse de Integração). Só é possível
desempenhar um papel social através do seu papel complementar. Por isso a catarse de
integração pressupõe vínculo, grupo, intersubjetividade e vivência; o ser humano em
ação para aquisição de novos papéis. “Catarse nesse conceito não mais refere à
liberação, ao expurgo da platéia, mas sim do protagonista com a representação
dramática da sua própria história. O espectador converteu-se, ele próprio, num ator”
(MORENO, 1975, p. 38-39).
Não é apenas o diálogo que representam; seus corpos rejuvenescem seus nervos,
suas fibras cardíacas: eles se representam, novamente, desde o começo, como se saíssem
de uma memória divina: prazer de ser o “duplo” de si mesmo, todas as coisas, forças,
atos e pensamentos renascem em sua forma original e passam pelas mesmas etapas que
atravessaram antigamente. Todo o período surge por um instante. Mas essa louca
paixão, esse desencadeamento irreal da vida, não funciona como uma marcha do
calvário, mas reafirma a frase: cada verdadeira segunda vez é uma libertação da primeira.
Assume-se o aspecto criador da própria vida, de tudo o que se fez e se faz.
Um ato catártico é um ato fundante, liberador dos papéis fixados; o nascimento de
papéis novos e espontâneos é um ato integrante porque enriquece a percepção do meio
social, movimentando o átomo social (MORENO, 1974, p. 119-120).
A catarse proposta por Moreno é a ação total; o protagonista no palco não está
retratando um drama escrito e ensaiado por um terceiro, mas sim um drama que nasce
de uma experiência grupal ou de uma escolha do grupo, devolvendo a todos uma ação
consciente e sistemática. Ao falar em catarse de ação, Moreno apresenta o psicodrama
da seguinte forma:
O
O psicodrama coloca o paciente num palco onde ele pode exteriorizar os
seus problemas com a ajuda de alguns atores terapêuticos. É um método de
diagnóstico, assim como um tratamento. Um de seus traços característicos é
que a representação de papéis inclui-se organicamente no processo de
tratamento. Pode ser adaptado a todo e qualquer tipo de problema, pessoal
ou de grupo (MORENO, 1984, p. 231).

Para haver catarse é necessário que haja um momento emocional que é o próprio
sentir, o viver de novo, junto com o momento intelectual de esclarecimento dos papéis e
dos vínculos, que é o momento axiológico, o momento do nascimento de um novo valor.
A catarse na proposta do psicodrama integra a cognição, a estética e a ética. Esse é o
grande tripé metodológico de toda sociatria; a aprendizagem de novos papéis ocorre
porque a ação dramática permite através da estética o olhar em espelho e esse olhar
abre o campo da cognição e da ética do ser no mundo. Wilson Castelo de Almeida
sistematiza as três formas clínicas da catarse:
a) Catarse de Integração Revolutiva: sensibilizar para novos e oportunos
aprofundamentos;
b) Catarse de Integração Evolutiva: soma gradativa de elementos parciais
dentro de si. Uma associação livre de cenas;

25
c) Catarse de Integração Resolutiva: como um relâmpago, pensamento,
sentimentos e ação fundidos no momento. A grande presença, responsável por sessões
esteticamente belas e emocionalmente significativas.

Neste contexto, Moreno (1983, p. 230), diz que “Quanto mais exaustivas e
honestamente forem atuadas as experiências subjetivas, mais completa elas se tornam
[...]”.
O conceito de Catarse em Moreno é também diferente de Freud e Breuer (descarga
emocional), pois através da ação dramática o indivíduo torna-se inteiro, completando
alguma etapa do seu processo de identidade, mobilizando afetos e emoções ocorridas
nas inter-relações télicas ou transferenciais incluídas no processo Psicoterapêutico,
podendo mobilizar todo o grupo. São o ápice de um caminho gradativo de integrações
sistemáticas de vários conteúdos, provocando a liberação de papéis fixados, impressões
inadequadas, abrindo e facilitando o caminho para novas condutas; completando
aspectos não resolvidos no modo de ser, caracterizado por ordenações vinculares
inadequadas no átomo social e ampliadas pela rede sociométrica. No Psicodrama, o
convite
[ é a Passagem ao Ato de pensamentos e impulsos, possibilitando-se uma auto-
avaliação,
. a Introvisão da Ação. Significa “Passar para fora o que esta dentro, agir do
interior
. para o exterior – Acting out” (MORENO, 1984, p. 35).
.O Acting Out – atuação em psicodrama, é visto de forma Racional e Irracional.
]Racional: aquela que é levada ao contexto psicoterapêutico, possibilitando uma
catarse; é terapêutica e controlada.
Irracional: transferências projetivas, prejudicando o indivíduo e os outros.
Vínculos Compensatórios (fofocas, resistências, abandono da Psicoterapia etc.).
A catarse mental é definida como um processo que acompanha todo o tipo de
aprendizagem. Ela consiste não apenas em descarga, mas na resolução do conflito cuja
meta é o equilíbrio. Portanto, em Moreno, a catarse não é de ab-reação e sim de Catarse
de Integração. Ela é uma associação livre de cenas.
O conceito psicodramático de catarse enunciado, diz que a segunda vez tem a
função de libertar a primeira, pois podemos fazer um novo registro de emoções que irão
resiginificar os conteúdos internos.
A catarse na compreensão de Moreno se desloca do espectador para o ator e do
ator novamente de volta para o espectador – Moreno. Catarse de Integração é a
mobilização de afetos e emoções ocorridas na inter-relação, télica ou transferencial, de
dois ou mais participantes de um grupo terapêutico durante uma dramatização; não é
simplesmente a libertação de energia dentro de si; significa evoluir, deixar um patamar
para alcançar outro:

Protagonista Grupo

26
11)ESPONTANEIDADE – CRIATIVIDADE – CONSERVA.

A cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para


haver são demais de muitas e diferentes, e a gente têm de
necessitar de aumentar a cabeça para o total (Riboaldo, In:
Grandes Sertões Veredas, de Guimarães Rosa).

Espontaneidade deriva do latim – sua sponte “Livre Vontade” – “Ação Livre”.


Moreno sempre enfatizou esta característica – sua sponte – para reforçar a fonte livre
dos atos fundantes.
Atos fundantes são os emergentes que incitam à mimética, os atos corporais
repetitivos iniciadores da cadeia vincular; a primeira linguagem: o corpo, “o ato é
anterior a palavra”, os arranques físicos são as primeiras demonstrações da infância de
conforto e desconforto, é no intercâmbio dos atos corporais e na sua relação com o ego-
auxiliar que a criança aprende a discriminar o prazer e o desprazer. Os atos são
registrados em cadeias de memória atual e memória de evocação por meio do processo
de prazer e desprazer vividos na relação com o ego-auxiliar que as sensações subjetivas
serão armazenadas, desenvolvendo o modelo interno do mundo real, instalando os
primeiros modelos de conserva cultural.
Em fases posteriores, esses modelos vivenciados e memorizados podem retornar
para uma nova elaboração, para libertação da vida. O nascimento com seus
arranques/atos/liberação/libertação é momento máximo de aquecimento para a
espontaneidade; é a mola propulsora da expressão operacional do ato de libertação. No
psicodrama o aquecimento irá favorecer a submersão, o vir à tona da subjetividade com
toda a sua expressão somática, psíquica e social. Ao romper os caminhos do não dito o
aquecimento libera o imaginário, com suas manifestações, favorecendo ações
espontâneas, criativas e as suas atualizações.
Há várias formas de aquecimento: físicos, mentais, psicoquímicos, econômicos, ou
mesmo a palavra. O importante é que o aquecimento favoreça e prepare a livre vontade
para fome de Atos, para criação, para a elevação e o desenvolvimento de papéis criativos
e renovadores. A Fome do momento do nascimento caminhará como o impulso básico,
por toda existência, e ressonará na Fome de Transformação, o limiar fundante da
capacidade da criação.
Criatividade deriva do latim creare, que significa criar dar existência, estabelecer
novas configurações ao universo das redes de relações interativas. Está associada a
variáveis diversas, envolvendo um processo dinâmico entre elementos relativos à
pessoa, ao social, ao ambiente, com os seus valores e normas, contemplando associações,
combinações inovadoras modelos, sentimentos, experiências, planos e fatos.
Conserva deriva do latim conservare, cujo significado quer dizer manter em lugar
seguro, preservar. Moreno usa conserva como substantivo seguido do adjetivo cultural.
Moreno em seu livro O Teatro da Espontaneidade, às paginas 126 e 127 destaca o
seguinte:

Atuar pelo improviso é: uma preparação para satisfazer as


exigências da vida com calma e elegância.
A vida real consiste de sequências intermináveis do inesperado e
de situações improvisadas, as quais não são escolhidas pelas
pessoas; elas lhe acontecem. Nessas situações, a pessoa ou segue
um hábito cego e obedece ao mecanismo estabelecido segundo

27
experiências pregressas, ou então pode agir espontaneamente,
modificando radicalmente o mecanismo, sob o estímulo de uma
situação central, a urgência criativa.
Quanto menor for à solidificação de padrões, melhor o indivíduo
reagirá aos imprevistos.

A espontaneidade principia quando não se toma mais as coisas como certas,


quando se examina e passa a interrogar as conservas culturais. A livre vontade expande,
nasce como um “assombro”, como uma “surpresa” diante da vida. E o momento se inicia
após a via de acesso ser percorrida, é a chegada de um novo patamar. Momentos de
maravilha e medo, como de uma criança, maravilhada ou aterrorizada diante da
realidade. A experiência da espontaneidade causa impacto, terror, arrebatamento,
maravilha, espanto e também perplexidade, abrindo fendas, provocando rupturas,
quebrando ao meio as conservas, à medida que possibilita o surgimento de outros
papéis, outros conceitos e valores. Inclui a habilidade de tomar decisões, agir diante das
divergências com adaptação, memória, pensamento rápido, mostrando e equacionando
soluções criativas.
Sob esse olhar pode-se dizer que espontaneidade, criatividade e conserva são
estrategicamente unidas. Categorias diferentes com interações relacionais que vão se
constituindo, não como realidade em si, mas como co-existência que se constroem na
relação com o Outro. A perspectiva é sempre interacionista e salienta a importância viva
e ativa do Outro para aquisição da espontaneidade, que só ocorrerá no interjogo
vincular; intercâmbios que são revelados pela ação que se completam no complexo
sabor do encontro face a face, propulsor das quebras narcísicas e da descoberta do
amor, garantidos pela coragem de se olhar num espelho e de se colocar no lugar do
Outro para construção, transformação ou evolução de novas cenas; o momento, a
criação, o olhar que há de ser a cada instante novo, a alma que se lança na busca dos
sonhos, o encontro que é feito no trocar dos olhos, onde se aprende pela experiência de
relacionar o conhecimento de EU interagindo com o conhecimento do TU.
O vínculo com suas redes relacionais são fatores preponderantes nesse ponto de
vista; é pelo viés vincular que a responsabilidade, a ética, o respeito geram a inspiração
para construção de uma nova ação educativa. Pensar sobre si mesmo é pensar na sua
relação com o outro. O TU, na abordagem antropológica moreniana, é uma construção
identitária, processo pelo qual o indivíduo e seu grupo se contitue e constrói novos
grupos de valores e representações de sentidos, integrando os movimentos das
sociedades humanas com o universo. Eis o núcleo central da antropologia de Moreno: a
coesão das redes relaçionais, resultam na inter-dependência dos sistemas
psicodinâmicos, sociodinâmicos e cosmodinâmicos como sistemas abertos, revelando o
Universo com criatividade infinita.
E. G. Martin, página 121 assevera o seguinte:

Em um sentido cosmológico, a espontaneidade se opõe à energia


física que se conserva. No psicológico, desenvolve no homem um
estado de perpétua originalidade e adequação pessoal, vital e
existencial a circunstância que lhe compete viver. Se em sua
dimensão filosófica a espontaneidade é a explicação da constante
criatividade no mundo, na dimensão individual ela pressupõe uma
concepção do homem como gênio em potencial.

28
Gênio em potencial na concepção moreniana, não é o representante das
supremacias intelectual e dos QI elevados e sim os indivíduos espontâneos, com
capacidade de responder adequadamente.
No livro: Quem Sobreviverá, no capítulo Prelúdios do Movimento Sociométrico, na
página 67, está registrado:

Por ocasião da visita de um grupo de distintos cientistas sociais a


HUDSON, as meninas interpretaram várias situações de role
playing, nas quais mostravam sua habilidade ímpar em solucionar
alguns problemas de relações humanas. Um dos visitantes,
impressionado com o alto grau de inteligência das intérpretes,
questionou-me sobre o QI delas. Apontando para as meninas,
sucessivamente, respondi: “55 59,64, 69.” Ficou atônito. Expliquei-
lhe: o psicodrama é um cosmético para a psique. Faz as pessoas
parecerem mais inteligentes e atraentes do que realmente são.
De tempos em tempos, surgem momentos que se convertem em
lócus nascendi, os quais lançam essa pessoa numa nova trilha de
experiência ou, como digo frequentemente, num novo papel
(MORENO, 1984, p. 154).

Na teoria da espontaneidade, a energia como sistema organizado


[...] Reaparece na forma de Conserva Cultural [...]. Devemos,
portanto, Estabelecer entre duas variedades de energia, a
conservável e a não conservável. Há um tipo de energia
preservável na forma de “conservas culturais”. Como um robô a
serviço do seu dono [...]. É na interação de espontaneidade e
criatividade com conserva cultural que a existência do fator E
pode de alguma forma ser reconciliado com a ideia do universo
sujeito a leis, como, por exemplo, a lei de conservação de energia
(MORENO, 1992, p. 152).

Vai-se agora relacionar a sua interdependência, conceituando-a na categoria do


momento:

Deve ser diferenciada de “presente”. O presente é uma


característica universal, estática e passiva, é um correlato de toda
experiência, por assim dizer, de forma automática. Como transição
do passado para o futuro, está sempre aí. O presente é uma
categoria formal, distinguindo-se, por oposição, do momento, que
é dinâmico e é uma categoria criativa. É através de um processo
criativo espontâneo que a categoria formal do presente alcança
significado dinâmico, quando, então, ele se torna um momento
(MORENO, 2006, p. 427).

Vejam-se outras definições de Moreno:

Um dos conceitos mais importantes do pensamento humano, o


conceito do momento (o momento de ser, viver, criar), tem sido o
filho de todos os sistemas filosóficos conhecidos. [...] Na conserva

29
cultural, achou-se um conceito à luz do qual o sentido dinâmico do
momento refletia-se e pode ser mais bem avaliado, tornando-se
para ele um marco de referências, [...]. A conserva cultural é, pois,
uma categoria consoladora e que dá segurança. Não é, portanto,
surpreendente que a categoria do momento tenha tido uma
oportunidade muito pobre para desenvolver-se em uma cultura
como a nossa, saturada de conservas culturais e, relativamente,
satisfeita com elas, [...]. Processos concluídos, atos terminados e
obras mestras parecem satisfazer a nossa história de valores
melhor do que os processos e as coisas inacabadas num estado de
imperfeição. Essas idéias de perfeição são associadas com a ideia
de Deus [...], no entanto, a Sua função de espontâneo criador, que é
o conceito mais revolucionário sobre a função de DEUS, tem sido
quase sempre abandonada, [...]. É evidente que um processo de
criatividade espontânea é a matriz e o estágio de qualquer tesouro
ou conserva cultural – seja em forma de religião, obra de arte ou
um invento tecnológico. Isso põe em relevo a relação imediata
entre o momento e a ação, a espontaneidade e a criatividade, em
contraste com o nexo tradicional entre espontaneidade e a
resposta automática. [...]. Beethoven é presente condição de
conserva cultural [...]. Enquanto ele caminhava pelo seu jardim [...]
Toda a sua personalidade já estava em comoção. Fazia uso de todo
estímulo físico ou mental que se pudesse evocar com a finalidade
de colocar-se na direção correta – constituíam o “background”
indispensável, do qual brotou a música Nona Sinfonia [...].
Somente apresenta-se, ali, o resultado final. O fato da eliminação
“background” da sua ideia atual [...] resulta de uma armadilha
intelectual que é jogada sobre nós pelos séculos (PALAVRAS DO
PAI, 1992, p. 135, 163).

As conservas pretendem dar ao homem imortalidade e


continuidade. A conserva cultural presta ao indivíduo um serviço
semelhante ao que, como a categoria histórica, presta a cultura em
geral – continuidade da herança – assegurando para ele a
preservação e continuidade do seu ego (MORENO, 1984, p. 157).

[...] A categoria do momento só tem significado num universo


aberto. [...] Uma teoria do momento é inseparável da teoria da
espontaneidade (MORENO, 1984, p. 154-155).

[...] a espontaneidade não opera no vácuo, mas sim em relação a


fenômenos já estruturados, as conservas culturais e sociais [...]. A
espontaneidade é função da organização (MORENO, 1992, p. 112).

Há definições que permitem se notar a importância da categoria do momento para


a espontaneidade, criatividade e conserva cultural. O ato criador é a interação desses
três conceitos distintos dentro do momento, desde o seu nascimento. É o lugar da
passagem da conserva cultural para o um novo desabrochar; é a capacidade espontânea
criativa de recriar e criar e recebeu a Centelha Divina: “O pulsar vivo do pensamento

30
construtor, uma pequenina parte de Deus que brilha em todos nós, vivendo com a
missão de crescer e co-criar um mundo. É essa a diferença entre uma criatura e um
criador” (MORENO, 1975, p. 85).
Para melhor esclarecimento, é importante compreender que tudo, absolutamente
tudo, tem um lugar de brotar; todas as ações e todos os atos nascem dos vínculos, sejam
eles individuais ou sociais eles têm a sua origem, o seu lugar na interação dos papéis
intersubjetivos reais ou imaginários. Para que haja entrosamento é preciso que o EU e o
TU abracem as ações intervenientes e os atos espontâneos.
Para a compreensão da teoria do momento e para o norteamento psicodramático,
se fazem necessários os conceitos: Locus, Status Nascendi e Matriz. Esses fatores
integram com a realidade interna, real ou imaginária, como também têm a capacidade de
lançar o sujeito dentro de outro papel espontâneo.
Locus equivale ao lugar onde se inicia o processo → o contorno original → com
todo o seu espaço virtual → direcionado a corresponder à ideia da coisa. Cada lugar é
responsável por nutrir o que se espera dele.
Status Nascendi equivale ao aquecimento preparatório → o tempo da concepção
→ o terreno, o estágio da criação, tudo está contido ali, mas aguarda o tempo de brotar.
Matriz equivale ao núcleo de todo o processo → o óvulo fecundado do qual surgirá
o embrião.
Enfatizado a correspondência dos conceitos, espontaneidade, criatividade,
conserva cultural, enquadrados dentro da categoria do momento, é possível perceber
que essas interações não são abstratas ou fortuitas. Na verdade, elas são
“inteligentemente” dirigidas para a integração, para a sintonia ajustada, procurando
afinar, transformar os aspectos insatisfatórios estabelecidos, em uma nova resposta,
abrindo percepções capazes de promover novos canais de linguagem verbal e não
verbal, em ressonantes correntes de vibração consensual, refletida por intermédio das
relações e das condutas sociais. Espontaneidade e criatividade abrangem a habilidade de
usar o cérebro para alterar, renovar, recombinar os aspectos da vida. Implica em sentir o
mundo com vitalidade e fazer um novo uso do que se percebeu. É expressar as vivências,
sonhos, conforme os sentidos, e descobrir novas formas, segundo as quais, uma
sociedade pode ser construída.
A espontaneidade é o catalisador. A criatividade é o elemento ‘X’, elementar sem
compreensão específica, o ‘X’ que se reconhece por seus atos. Para entrar em ação
(aquecimento), necessita-se de um catalisador. Nesse sentido, Moreno (1992, p. 152)
afirma que “Espontaneidade é como a Bela Adormecida: precisou do Príncipe Encantado
para sair do seu sono”.
A espontaneidade envolve tendências complementares para a organização, para
adaptação e para o novo. Organização refere-se à propensão para construir um sistema
de relações e estruturas, cujas funções são relativas umas às outras. O sistema de redes
é, portanto, uma totalidade funcional, na qual o papel de cada estrutura está em relação
(ou está coordenada) com a função de todas as outras redes. As doenças das redes
acontecem quando os papéis se complementam na co-dependência, ou seja, as mesmas e
velhas repostas de sempre, a cristalização da conserva, das defesas, com a permanência
nos papéis inadequados, robóticos ou normóticos. Moreno diz que o homem é um
animal político e por isso, desde o nascimento, mesmo antes da criança perceber a
diferença entre ela e seu ego-auxiliar, ela já se encontra inserida na forma vivencial
social através da relação com a mãe:

31
O princípio que colocou a sociometria em movimento foi o
conceito gêmeo de espontaneidade e criatividade, não como
abstrações, mas como função em seres humanos reais e em seus
relacionamentos. Aplicado ao fenômeno social, clarificou o fato de
que seres humanos não se comportam como bonecos [...]
(MORENO, 1992, p. 115).

Em todos os contextos da sociatria a ação dramática acontecerá, aquecendo o


protagonista ou o grupo para o desenvolvimento da espontaneidade e de atos criativos,
possibilitando o desenvolvimento da capacidade télica (relações mutuas) e de novos
papéis. O processo da dramatização aglutina a área corporal, imaginária e simbólica,
permitindo investigar, reparar e recriar aspectos fixados na matriz e no seu átomo social
e liberando-os para assunção espontânea e criativa do próprio papel representado.
Nesse sentido, para Moreno (1975, p. 143), “Espontaneidade é a capacidade de
responder adequadamente a um estímulo novo, assim como a faculdade de responder de
maneira nova e adequada a um velho estímulo”. Para ele, é “A capacidade do indivíduo
de dar respostas adequadas às situações novas ou respostas novas adequadas às
situações antigas (MORENO, 1984, p. 142).
Adequação moreniana quer dizer flexibilidade, livrar-se da fixação de antigas
formas de comportamento; é a justeza dos valores intrínsecos à própria ação, nunca
como acomodação ao status quo. Moreno preocupava-se com o malogro da
espontaneidade: espontaneísmo Teatral e Atuação Irracional; para Moreno,
espontaneidade não é emocionalismo e falta de disciplina.
A espontaneidade acontece num universo aberto, dentro da categoria do momento,
sem determinismos psicológicos, mas ela também não se enquadra nos atos contínuos
que acontecem a qualquer momento. A espontaneidade depende da harmonia entre a
conserva cultural e a criatividade, possibilitando um novo ato, a matriz criadora, o
momento que algo surge para a existência. Espontaneidade também não é algo que se
encontra vinculado a ação, a emoção ou a diminuição do controle. O comportamento
desordenado e os emocionalismo impulsivos estão dominados pela patologia da
espontaneidade; são papéis dissociados, distorcidos e dominados pela atuação
irracional: “fazer o que der na telha”.
Ser espontâneo é ser criativo, oportuno e adequado; é expressar a existência, as
emoções mais profundas. A teoria proposta por Jacob Levy Moreno visa a treinar,
ampliar o processo da espontaneidade e da criatividade.

Digrama dos Campos de Operações Rotativas Entre E. C. CC. (MORENO, 1992, p.


153)
Operação Total
ator
Espontaneidade-criatividade-ato de aquecimento

conserva

Moreno diz que o indivíduo se dirige ao mundo, e se interessa por ele, por
princípio de organização ontológica, sendo certo que a sua existência ocorre no
encontro. Epistemologicamente, seu conhecimento ocorre na presença, na ação com o
mundo. Conhecer e existir são construções relacionais. A criteriosa e sistematizada
separatividade não cabe na “ciência” proposta por Moreno. Ela é inclusiva, permite a

32
contradição, vislumbrada através do universo das constelações dos átomos sociais e das
redes Sociométricas de escolhas, rejeições e mutualidades.
Ao ler Moreno, pode-se observar a contrariedade perpassando toda sua obra,
diante dos núcleos duros, da cristalização do passado agarrado ao hábito milenar do
pensamento racional. Com sua visão cosmológica, ele fala do todo, das dobras circulares,
da dinâmica rede humana, apontando a existência como uma co-existência realizada
num incessante movimento espontâneo/criativo, convidando a todos para o
desenvolvimento da genialidade, da responsabilidade e da co-criação. Na sua ontologia
com pretensões divinas, o gênio da ação intui uma grande obra; cria a Religião do
Encontro, volta ao Cosmo e engendra a poética e apaixonada arte da relação. Eis o ponto
de partida, a relação, a co-criação, o saber acontecendo num estado de incessantes
relacionamentos: não há como separar o ser PSICO-SÓCIO-DRAMÁTICO. Nesta tríade, o
indivíduo (psico) se constrói pelo encontro (sócios), desenvolvido nas redes interativas
vívidas e vividas, com suas mais variadas formas de ação (drama). O indivíduo, seu
grupo, as ideologias sociais, as relações intergrupais, a unidade na diversidade,
legitimam a visão do Homem em Moreno. É na sequência dos atos vinculares,
articulados no como se e na realidade suplementar, em processo contínuo de troca entre
Diretor, Protagonista e Ego auxiliar, que as cenas se integram. A ação dramática
compartilhada, re-significa e possibilita a saída das conservas culturais, promovendo um
novo papel. Ao fazer o convite para o treinamento da espontaneidade (um novo papel),
Moreno lança a mente para fora, integrada no tempo, espaço, realidade e cosmo; cria o
PALCO DA ALMA, o lugar das imagens. O palco oferecido por Moreno reflete a vida, a
busca da organização para uma nova produção, para uma nova resposta diante do
inesperado que pode surgir a qualquer momento diante das interações sociais; o EU-TU,
como propulsor do encontro, da espontaneidade e da ação criativa, revelador de um
saber que se cria a cada momento na complexidade e complementaridade da rede
sociométrica. O centro de todo o processo é o Encontro, realizado dentro da categoria do
momento espontâneo criativo, operando um processo de catarse de integração. A vida é
atuada e atualizada no palco: Presente, Passado e Futuro no mesmo espaço de tempo. O
chamamento é a preparação para o desempenho de papéis com mais eficácia: tomar,
treinar, desempenhar e criar. Portas abertas para o eterno processo de aprender e
aprimorar as correntes psicológicas com o outro. Neste contexto, destacam-se as
palavras de Moreno:

Correntes psicológicas consistem em sentimentos de determinado


grupo em relação a outro. A corrente não é produzida em cada
indivíduo separadamente; não se encontra pronta em todos,
esperando, apenas ser somada para chegar ao resultado final. A
contribuição de cada indivíduo difere da dos outros e o produto
final não é, necessariamente, idêntico às contribuições pessoais.
Porém, da interação espontânea destes contribuintes
diferenciados teremos, como resultado, correntes psicológicas
poderosas (MORENO, 1994, p. 283).

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12) UMA HISTÓRIA PSICODRAMÁTICA

Um Conto de Nachman da Bratslav


(Em torno de 1820)

Era uma vez um príncipe que mergulhou na ilusão de que era um galo. Despiu-se
por completo, postou-se debaixo da mesa e passou a comer apenas grãos ou migalhas. O
rei recorreu à ajuda de inúmeros médicos, mas nenhum deles conseguiu curar o
príncipe. Até que, um dia, um sábio apresentou-se ao rei e disse-lhe: “Acredito que eu
possa curar o príncipe”, e o rei deu-lhe permissão para tentar.
O sábio tirou suas roupas e, juntando-se ao príncipe embaixo da mesa, começou a
ciscar os grãos e a cacarejar como um galo. O príncipe olhou desconfiado e perguntou:
“Quem é você e o que faz aqui”? O sábio retrucou com a mesma pergunta. O príncipe
respondeu: “Eu sou um galo.” “Oh, é mesmo”?, disse o sábio. “Eu também sou!” E ficaram
amigos.
Quando o sábio percebeu que o príncipe já se acostumara à sua presença, ele fez
sinal pedindo uma camisa e vestiu-a. O príncipe, então, questionou-o de modo hostil:
“Você ficou louco? Será que está esquecendo quem é você? Está tentando virar um
homem?”. O sábio respondeu: “Não me diga que você acredita que um galo que se veste
de homem deixa de ser galo”. O príncipe refletiu sobre isso e, em seguida, também vestiu
uma camisa. Algum tempo depois, o sábio fez um gesto pedindo que colocassem comida
embaixo da mesa. “Droga! O que você está fazendo?”, protestou o príncipe. “Será que
agora você vai comer como eles?” O sábio aplacou seus temores: “Não se aborreça. Ainda
que um galo coma a mesma comida que os seres humanos, continuará sendo um bom
galo”. O príncipe refletiu alguns minutos sobre essas palavras e, em seguida, começou a
comer também.
Por fim o sábio disse: “Você acredita que um galo precisa sentar-se embaixo da
mesa o tempo todo? Se quiser pode levantar-se e passear por aí e ainda assim será um
bom galo”. O príncipe, então, seguiu o sábio que saiu debaixo da mesa e começou a
andar. “Lembre-se”, disse o sábio, “você pode fazer tudo com os homens, no mundo deles
e, ainda assim, permanecer o galo que você é”. O príncipe convenceu-se e retomou sua
vida como pessoa.

13)ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

Co-inconsciente: são vivências, sentimentos, desejos e até fantasias comuns a


duas ou mais pessoas, e que se dão em “estado inconsciente”.
Dramatização: é o método por excelência para o autoconhecimento, o resgate da
espontaneidade e a recuperação de condições para o inter-relacionamento. É o caminho
através do qual o indivíduo pode entrar em contato com conflitos, que até então
permaneciam em estado inconsciente.
Sociodrama: é a dramatização da história do grupo. É usado no contexto social, onde o
coletivo assume o lugar do indivíduo.
Projeto Dramático: (Moysés Aguiar) após a realização do Pscodrama/Sociodrama/Jo-
go dramático, o grupo/indivíduo estabelece uma ação, uma atitude a ser realizada.
Jogo Dramático: tem como objetivo permitir uma aproximação terapêutica do conflito
através do jogo. A cena dramática é aquela que expressa algum conflito; sem conflito não
há dramaticidade e a cena é vazia, segundo o teatro. Propicia ao indivíduo expressar
livremente as criações do seu mundo interno, realizando-as na forma de representação

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de um papel pela produção mental de uma fantasia ou por uma determinada atividade
corporal.
Diretor: na realização de cenas ou jogos, geralmente o Diretor é o terapeuta. É ele quem
dirige o grupo ou a cena, orientando ou sugerindo determinados jogos e papéis.
Ego-Auxiliar: a princípio, é todo indivíduo que, ao contracenar com o cliente, joga o
papel de pessoas de sua relação ou de figuras de seu mundo interno, figuras já existentes
ou não, mas desejadas.
Como se: lugar destinado a atuação controlada, reestruturada e integrada do que
ocorreu. É o Universo do imaginário representado “como se” fosse realidade.
Realidade Suplementar: a realidade no psicodrama é sempre suplementar; ela
representa dimensões intangíveis e invisíveis da vida intra e extrapsíquica, através da
união tempo, espaço, realidade, cosmos, inserida nas técnicas psicodramáticas: Moreno
diz que uma das técnicas de realidade suplementar é a inversão de papéis.
Rede Sociométrica: é a estrutura do vincular de atrações, rejeições e mutualidades.
O Psicodrama Bipessoal: é o atendimento ao cliente somente pelo terapeuta, onde o
processo psicoterapêutico se desenvolve na relação dois-a-dois e as dramatizações são
feitas, frequentemente, utilizando-se de almofadas ou blocos de espuma no lugar dos
Egos-Auxiliares.
O Psicodrama Individual: com Egos-Auxiliares é uma das modalidades de Psicodrama
em que se podem utilizar pessoas para assumir os lugares dos personagens que o cliente
solicita.
O Psicodrama Grupal: das modalidades do Psicodrama esta é a mais eficiente, pois
além de possibilitar todas as vantagens do psicodrama individual com ego, possibilita ao
cliente lidar com sua intimidade frente a um público, numa relação mais próxima das
relações da vida real, diminuindo a distância entre o vivenciar terapêutico e o vivenciar
real.
Psicoterapia da Relação: derivada do Psicodrama Individual; foi desenvolvida por José
Fonseca filho e nela o psicoterapeuta joga os papéis sem montagem de cena, tendo como
enfoque principal a filosofia da relação.
Ontologia: vem do grego, “ontos” e “logos”, ser e estudo; assim, é o estudo do ser em sua
essência. É a parte da filosofia que estuda o ser enquanto ser, ou seja, o ser concebido
como tendo uma natureza comum a todos e inerente a cada um dos seres. Para Miguel
Reale, a ontologia trata dos problemas ontológicos, enquanto entendida como
metafísica, enquanto que a ontologia em sentido estrito preocupa-se com os problemas
ônticos, que são os relativos ao ente.

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14) REFERÊNCIAS

AGUIAR, Moisés et al. O Psicodramaturgo J. L. Moreno, (1889-1989). São Paulo: Casa do Psicólogo,
1990.

AGUIAR, Moisés. O Teatro Terapêutico: escritos psicodramáticos. Campinas: Papirus, 1990.

ALMEIDA, Wilson Castello de. Encontro Existencial com as Psicoterapias. São Paulo: Ágora, 1991.

CAMPOS, Maria das Graças de Carvalho. O Papel do professor supervisor em psicodrama. XIII
Congresso Brasileiro de Psicodrama. Costa do Sauípe, 2000.

CUSCHNIR, Luiz. J. L. Moreno: autobiografia. São Paulo: Saraiva 1997.

KNOBEL, A. M. Moreno em ato: a construção do psicodrama a partir das práticas. São Paulo: Ágora,
2004.

FONSECA, José. Psicoterapia da Relação. São Paulo: Ágora, 2000.

_____. Psicodrama da Loucura. São Paulo: Ágora, 1980.

GONÇALVES, Camila Salles et al. Lições de Psicodrama: introdução ao pensamento de J. L. Moreno.


São Paulo: Ágora, 1988.

MARTÍN, Eugênio Garrido. J. L. Moreno: psicologia do encontro. São Paulo: Livraria Duas Cidades
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MORENO, J. L. Psicodrama. São Paulo: Editora Cultrix, 1984. Tradução: Álvaro Cabral.

_____. Psicoterapia de Grupo e Psicodrama. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1974. Tradução: Dr.
Antonio C. Mazzaroto Cesarino Filho.

_____. Quem sobreviverá? Fundamentos da sociometria, psicoterapia de grupo e sociodrama. Cânones


de Criatividade, V, I, II e III. Goiânia: Dimensão Editora, 1992 e 1994. Tradução: Denise Lopes
Rodrigues e Márcia Amaral Kafuri.

_____. Fundamentos de Psicodrama. São Paulo: Summus, 1983. Tradução: Maria Silva Mourão.

_____. O Teatro da Espontaneidade. São Paulo: Summus 1984. Tradução: Maria Silva Mourão.

_____. Psicodrama – terapia de ação e princípios da prática. São Paulo: Daimon, 2006. Tradução José de
Souza Mello Werneck.

_____. Quem Sobreviverá? São Paulo: Daimon, 2008. Tradução: Moysés Aguiar.

_____. As Palavras do Pai. Campinas: Editorial Psy, 1992. Tradução: Dr. Jose Carlos Landini e Jose
Carlos Vitor Gomes.
NAFFAH NETO, A. Psicodrama: descolonizando o imaginário. São Paulo: Plexus, 1997.

LESBAUPIN, Sandra F. Adolescente X Adulto Jovem: o que os diferencia? Revista Brasileira de


Psicodrama – Publicação da Federação Brasileira de Psicodrama. Vol. 18. Número 2. ANO 2010

MARINEAU, René F. Jacob Levy Moreno (1889-1974) – Pai do Psicodrama, da Sociometria e da


Psicoterapia de Grupo. São Paulo: Ágora, 1992. Tradução: Jose de Souza Mello Werneck.

NUDEL, Benjamin Waintrob. Moreno e o Hassidismo: princípios e fundamentos do pensamento


filosófico do criador do psicodrama. São Paulo: Ágora, 1994.

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