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FACULDADE MACHADO SOBRINHO

CURSO: PSICOLOGIA

PSICODRAMA
TEORIA E TÉCNICA

Profª Elizabeth de Lacerda Barbosa – CRP 04/7882


Psicóloga – Psicodramatista Didata Supervisora
Agosto/2018
Mais importante que a ciência, é o que ela produz
Uma resposta provoca uma centena de perguntas
Mais importante do que a poesia, é o que ela produz
Um poema invoca uma centena de atos heróicos
Mais importante do que o reconhecimento, é o que ele produz dor e culpa
Mais importante do que a procriação é a criança
Mais importante do que a evolução da criança
é a evolução do criador
Em lugar dos passos imperiais, o imperador
Em lugar dos passos criativos, o criador
Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face
e quando você estiver perto arrancarei seus olhos
e os colocarei no lugar dos meus;
arrancarei meus olhos
e os colocarei no lugar dos seus;
então verei você com seus olhos
e você me verá com meus olhos.
Então até a coisa mais comum servirá ao silencio e
nosso encontro permanecerá meta sem cadeias
Um lugar indeterminado, num tempo indeterminado
Uma palavra indeterminada para um homem indeterminado.

JACOB LEVY MORENO 1889-1974

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FACULDADE MACHADO SOBRINHO
CURSO: Psicologia – 6º Período
Disciplina: Psicodrama: Teoria e Técnica
Profa.: Elizabeth de Lacerda Barbosa
Especialista em Psicologia Organizacional e do trabalho; em Gestão de Pessoas e em Formação em EaD
Especialista em Psicologia Clínica, Psicanálise e Psicodrama Triádico
Didata Supervisora em Psicodrama (FEBRAP) e em Dinâmica de Grupo -SOBRAP
Presidente do Comitê Nacional de Articulação Institucional e Gestão do Conhecimento - SOBRAP
Presidente da Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho do CRP MG XIII, XIV e XV Plenário
Conselheira XIII e XIV Plenário – Conselho Regional de Psicologia/MG (2010 a 2016)
Conselheira XVII Plenário do Conselho Federal de Psicologia (2016 a 2019)

Unidade I – Introdução:

O psicodrama é um método de psicoterapia no qual os pacientes dramatizam os acontecimentos


marcantes de suas vidas. Foi criado em 1921 por Jacob Levy Moreno (1899-1974), que o
imaginava como uma abordagem na qual se integrava uma visão da dinâmica de grupo interativa
a uma filosofia da criatividade, tendo sido aprimorado nas décadas seguintes.

O psicodrama refere-se tanto a um método terapêutico específico como também a um uso de


enorme variedade de técnicas com aplicações na terapia, nos negócios e na educação, dentre
inúmeras outras áreas.

O psicodrama - criado por Jacob Levy Moreno, psiquiatra romeno que nasceu em 1889, viveu e
trabalhou em Viena até 1925 quando emigrou para os Estados Unidos, onde desenvolveu suas
teorias e veio a falecer em 1974 - originou-se de experiências de teatro de Moreno, que, além de
médico, trabalhava com teatro, porém não com o teatro convencional. Criou um tipo de
representação cujo objetivo era estimular a criatividade dos atores e, no qual a peça era criada na
hora pelos atores, a partir de algum tema proposto no momento. Tudo era criação em grupo e no
exato momento em que estava ocorrendo. Era o Teatro da Espontaneidade. A partir de um caso
ocorrido no Teatro da Espontaneidade e que ficou conhecido como "O caso Bárbara", Moreno
percebeu o potencial terapêutico do teatro e elaborou sua teoria de psicodrama, como ato
terapêutico. Bárbara era uma atriz da companhia de teatro espontâneo de Moreno e na hora de se
criarem os papéis, assumia sempre os papéis de pessoa meiga e bondosa. George, um expectador
habitual do Teatro da Espontaneidade, apaixonou-se por Bárbara e casaram-se. Na convivência
diária, Bárbara revelou-se o oposto do que se apresentava no teatro: era irritada, grosseira, uma
megera. George começou a ficar infeliz e relatou seus problemas conjugais a Moreno, que disse-
lhe que ia tentar ajudá-lo. A partir de então passou a pedir a Bárbara que assumisse os papéis de
megera e, desde que os assumiu, Bárbara começou a mudar em casa. Cada vez que começava a
fazer uma cena de irritação com George, lembrava-se do papel desempenhado no teatro na noite
anterior e começava a rir e conseguia adotar outro tipo de atitude. George relatou o que estava
ocorrendo a Moreno e este percebeu o potencial terapêutico da dramatização. A partir daí George
e Bárbara passaram a levar para o palco do teatro suas próprias histórias, histórias de suas
famílias de origem, cenas de infância, sonhos e projetos para o futuro. Os expectadores também
comentavam com Moreno o quanto aquelas cenas os tocavam e ajudavam a refletir e a mudar. A
partir daí Moreno começou a estruturar o psicodrama como um ato terapêutico, utilizando
conceitos vindos do teatro.

O psicodrama começou como uma terapia de grupo e ato público. Aos poucos foi sendo levado
para o contexto da psicoterapia individual e de consultório, transformando-se de um ato
psicoterapêutico único em um processo psicoterápico de tempo variado. Hoje pratica-se mais
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psicodrama processual individual ou de grupo em consultório. Mas, o psicodrama enquanto ato
psicoterapêutico único e público também é ainda utilizado.

Vale ressaltar que o psicodrama é apenas uma parte da teoria moreniana, que na sua totalidade
chama-se socionomia e é o estudo das leis que regem o funcionamento dos grupos sociais. A
socionomia tem três ramificações: a sociodinâmica, que estuda a estrutura dos grupos sociais e
sua dinâmica, a sociometria que se ocupa do estudo quantitativo das características psicossociais
dos grupos e a sociatria que se ocupa do tratamento dos sistemas sociais e tem como suas
subdivisões o psicodrama e o sociodrama. O psicodrama parte do problema de um indivíduo,
mas na terceira etapa da sessão de psicodrama, que se chama "compartilhamento", faz-se a ponte
entre o problema do individuo (protagonista) e os aspectos sociais, coletivos deste problema. No
sociodrama parte-se de um problema coletivo, de um tema vivido pelo grupo e na etapa do
"compartilhamento" cada participante do grupo entra em contato com sua versão pessoal daquele
drama.

Partindo do princípio de que o ser humano é concebido e deve ser estudado pelas suas relações
interpessoais, Jacob Levy Moreno (1889-1974) construiu a sua Teoria Socionômica, com as
disciplinas da Sociodinâmica (dinâmica de grupo), Sociometria e Sociatria, sendo esta última
composta pelas seguintes matérias: Psicoterapia de Grupo, Sociodrama e Psicodrama. Apesar
dessa divisão clássica, na prática o trabalho do psicodramatista é referido de modo genérico,
como foi consagrado pelo uso: PSICODRAMA.

O Psicodrama é um método inspirado no teatro, do qual se cunhou o termo histórico: Teatro da


Espontaneidade (Impromptu), sustentado pelas teses do ato criador e da revolução criadora.
Recebeu contribuições da Sociologia (estuda o comportamento humano em função do meio e os
processos que interligam os indivíduos em associações, grupos e instituições), da Psicologia
Social (estudo do comportamento do indivíduo quando estão em interação), das Filosofias da
Existência (relação existente entre o homem e sua realidade), da Fenomenologia (estudo da
consciência / descrição e classificação dos fenômenos), da Antropologia (estuda o homem e a
humanidade de maneira totalizante, abrangendo todas as suas dimensões), da Etologia (disciplina
que estuda o comportamento animal), da Axiologia (ciência dos valores) e da Psicanálise
Relacional (parte do pressuposto que todo conhecimento tem como base uma perspectiva, mas há
outras perspectivas e outros centros de subjetividade além do nosso).

O Psicodrama de Moreno é o legítimo precursor das comunidades terapêuticas, da


antipsiquiatria, das psicoterapias de casal e de família, das terapias sexuais, do
videotelepsicodrama, do playback theatre e da Teoria Sistêmica.

O emblema psicodramático é Prometeu, com a sua lenda, e a divisa instigadora de reflexões é a


célebre sentença: Who shall survive?

Aplicações do Psicodrama:

 Como psicoterapia processual, sistematizada, grupal e individual.


 Como método de diagnóstico clínico.
 Como psicoterapia breve.
 Como “ato terapêutico”: vivências, psicodrama público, workshop, teatro, sessões
abertas, jornal vivo, psicoterapia de sensibilização, mobilização sociodinâmica e forma
de divulgação da técnica.

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 Como estudo diagnóstico e terapêutico de grupos étnicos e raciais, clubes, associações,
escolas, partidos políticos, etc.
 Como estudo diagnóstico e terapêutico de grupos sociais configurados: prisões,
reformatórios, conventos, asilos.
 Como estudo diagnóstico e terapêutico das instituições, nos seus aspectos burocráticos e
funcionais.
 Como processo pedagógico, como metodologia de ensino.
 Como processo de aperfeiçoamento das relações humanas em casa, na escola, no trabalho
e na convivência social.
 Como processo de treinamento de lideranças grupais e comunitárias.
 Como processo de pesquisa no campo da assistência e do trabalho social.
 Como processo de treinamento criativo de pessoal e de equipes profissionais (role
playing).

Sintetizando:

"Drama" significa "ação" em grego.

Psicodrama: via de investigação da alma humana mediante a ação.


Método de pesquisa e intervenção relações interpessoais, grupos, entre grupos ou de uma pessoa
consigo mesma.
Criado por Jacob Levy Moreno (1889/1974), médico romeno, de origem judaica.

Sob a ótica psicoterápica: desenvolvido em clínicas, hospitais, consultórios médicos/psicoló-


gicos.

Vertente educacional: escolas, empresas e instituições comunitárias.

Na Universidade integra currículos de cursos de Psicologia, Medicina e Educação além de cursos


de pós-graduação.

Socionomia:
O Psicodrama é uma parte de uma construção muito mais ampla, criada por Jacob Levy Moreno,
a Socionomia.
Na verdade, a denominação da parte foi estendida para o todo e, quando as pessoas usam o termo
Psicodrama, estão, geralmente, se referindo à Socionomia.
Socionomia: Ciência das leis sociais e das relações.
Caracteriza-se fundamentalmente por seu foco na interseção do mundo subjetivo, psicológico e
do mundo objetivo, social, contextualizando o indivíduo em relação às suas circunstâncias.

Sub-divisões da Socionomia: Sociometria; Sociodinâmica e Sociatria.


Ponto comum: ação dramática como recurso para facilitar a expressão da realidade implícita nas
relações interpessoais ou para investigação e reflexão sobre determinado tema.

Propósitos:
Sociometria: mensura as escolhas dos indivíduos e expressa-as através de gráficos
representativos das relações interpessoais, possibilitando a compreensão da estrutura grupal.
Sociodinâmica: investiga a dinâmica do grupo, as redes de vínculos entre seus componentes.
Sociatria: propõe-se à transformação social, à terapia da sociedade.
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Sociodinâmica e Sociatria: objetivos complementares; utilizam as mesmas técnicas: o
Psicodrama, o Sociodrama, o Role Playing, o Teatro Espontâneo, a Psicoterapia de Grupo.

Elementos Necessários
Diretor; Egos auxiliares; Palco (arena); Plateia; Protagonista (autor e ator).
Etapas: Aquecimento; Dramatização; Compartilhar; Processamento.

Prática Psicodramática:
Em suas inúmeras modalidades, começa pelo envolvimento das pessoas com o tema/experiência
a ser vivenciada, através de lembranças/histórias do cotidiano dos indivíduos/organizações.

Cabe ao diretor manejar as técnicas psicodramáticas, como recursos de ação, para garantir o
envolvimento do grupo e a escolha da cena protagônica.

Psicodrama:
É facilitador da manifestação das ideias, dos conflitos sobre um tema, dos dilemas morais,
impedimentos e possibilidades de expressão em determinada situação.
Fundamentado na teoria do momento e no princípio da espontaneidade, promove a participação
livre de todos e estimula a criatividade na produção dramática e na catarse ativa.

Compartilhar:
Finaliza-se com os comentários:
 1º. dos participantes da cena;
 Depois do grande grupo.
Para a identificação da realidade que acaba de ser vivenciada e com o levantamento de soluções
possíveis para as questões abordadas.

Quem é Psicodramatista?
São profissionais de diferentes áreas: médicos, psicólogos, pedagogos, fonoaudiólogos,
profissionais de RH.
São pessoas que em seu exercício profissional trabalham com grupos e que possuem formação
em Psicodrama.

Aplicabilidade:
Educação, empresas, hospitais, clínica, prisões, comunidades.

Frases de Moreno:
"Existem palavras sábias, mas a sabedoria não é suficiente, falta ação“
"Aqui jaz aquele que abriu as portas da Psiquiatria à alegria" .

Reflexão
"O território interno de cada um não é soberano; é com o olhar do outro que nos comunicamos
com o nosso próprio interior." Bakhtin

Antecedentes Biográficos de J.L.Moreno.

Jacob Levy Moreno (18 de maio de 1889 – 14 de maio de 1974), foi um filósofo, psicólogo,
médico e psiquiatra judeu nascido na Romênia e naturalizado Americano criador do
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psicodrama e pioneiro no estudo da terapia em grupo. Tem grandes contribuições no estudo dos
grupos, em psicologia social e é o criador da sociometria (estudo quantitativo das características
psicossociais dos grupos).

Aos cinco anos de idade mudou-se com a família para Viena e foi neste local que vivenciou a
brincadeira de ser deus. Nessa brincadeira, em que ele e várias outras crianças jogavam ser deus
e os anjos, Moreno estava sentado no "trono de deus", uma cadeira em cima de caixotes
empilhados sobre uma mesa, e um dos "anjos" solicitou-lhe que voasse. Ele atendeu e acabou
caindo no chão fraturando o braço direito.

Até 31 anos de idade, Moreno, fez parte de um grupo religioso que criou a Religião do Encontro.
Eles faziam sua rebeldia diante dos costumes estabelecidos usando barbas, vivendo pelas ruas à
maneira dos mais pobres e procurando novas formas de interar com as pessoas. Neste tempo ele
ia a jardim de Viena, e brincava de improviso com as crianças. Aos 28 anos, Moreno, formou-
se em medicina. Logo se interessou por teatro e o mesmo disse: "existiam possibilidades
ilimitadas para a investigação da espontaneidade no plano experimental".

Em 1921, criou o Teatro Espontaneidade. A ideia era de fazer uma apresentação espontânea
sem decorar falas, era feito tudo no momento. Aí, ele criou o Jornal Vivo, que ele e o grupo
dramatizavam o jornal diário. Depois de anos trabalhando no hospital, usando o teatro
espontaneidade, criou o Teatro Terapêutico, que depois virou o Psicodrama Terapêutico. Em
1925, migrou para os Estados Unidos, dois anos depois, fez o primeiro psicodrama fora da
Europa. Moreno morreu em Beacon, em 14 de maio de 1974, aos 85 anos de idade e pediu que
em sua sepultura fossem gravadas as seguintes palavras: Aqui jaz aquele que abriu as portas da
Psiquiatria à alegria.

Como criador do Psicodrama, em 1º de Abril de 1921 ele criou o Teatro Dramático de


Viena/Áustria. Seria uma nova modalidade de expressão catártica instrumentada no exercício da
ESPONTANEIDADE e fundamentada na TEORIA DOS PAPÉIS. Surge então o Método de
abordagem dos Conflitos Interpessoais no âmbito do grupo. Isso denomina-se de Método de
Psicoterápico de Grupo.

1.1 – Origens históricas e filosóficas do Psicodrama.

Origens históricas do Psicodrama.

Segundo parece, o psicodrama não tem precedentes nos tempos históricos. Superficialmente o
mais próximo dele na história teatral é a Commedia Dell´Arte Italiana. O enredo era escrito mas
o dialogo era improvisado pelos atores. Nessas obras, os personagens repetiam-se
invariavelmente, por exemplo, Arlequim, o Capitão, o Doutor. Mas a finalidade da Commedia
Dell´Arte era o entretenimento, não a terapêutica.

Um verdadeiro precedente histórico, deve ser buscado nas civilizações do período pré-histórico.
Nos ritos dramáticos primitivos, o executante aborígine não era um ator mas um sacerdote. Era
como um psiquiatra empenhado em redimir a tribo, persuadindo o sol para que brilhasse ou a
chuva para que caísse. A fim de obter dos deuses ou das forças naturais uma resposta
apropriada, podem ter sido empregados abundantemente métodos de simulação, persuasão e
provocação aparentados com os do psicodrama primitivo.

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Bases filosóficas do psicodrama

O psicodrama é uma das terapias de base fenomenológico-existenciais, tanto quanto outras


terapias vivenciais, como é exemplo também a gestalt - terapia. Estas abordagens vivenciais têm
como base ajudar o cliente a experienciar a sua existência, buscando a compreensão
fenomenológica do ser existente. Partem do princípio de que o homem é construtor de si próprio
e do seu mundo. O psicodrama busca fazer o indivíduo alcançar uma existência autêntica,
espontânea e criativa. Nas abordagens vivenciais, a técnica e a teoria são secundárias em relação
à pessoa e à importância da relação terapeuta e cliente.

Nas abordagens fenomenológico-existenciais busca-se o desenvolvimento da intuição, da


liberdade e da sensibilidade; não se utilizam enquadramentos diagnósticos psicopatológicos. Vê-
se o neurótico como alguém que ainda não encontrou seu caminho de crescimento, ou seja, que
se submeteu às conservas culturais, cristalizou papéis e deixou de ser espontâneo criativo, perdeu
o sentido da sua vida. Enfim, para o psicodrama, o neurótico tem dificuldade de viver o aqui - e –
agora, o momento, pois falsifica o fluxo das suas vivências. Os existencialistas e
psicodramatistas concebem o homem como um ser inacabado, em eterno devir.

Enfim, as terapias vivenciais de base fenomenológico-existencial, têm como objetivo fazer com
que o indivíduo possa resgatar a liberdade de poder utilizar suas próprias capacidades para
existir, para reaprender a utilizar a sua liberdade de forma responsável, para ser o que ele é. Para
tal, promovem uma relação terapêutica que privilegia o encontro existencial eu - tu, que recria e
permite o encontro na vida, em outras relações sociais. Segundo Gonçalves et ali (1988:39).

As psicoterapias de base fenomenológico-existenciais procuram, a partir da análise existencial de


Ludwig Binswanger (1881-1966), que por sua vez inspirou-se em Freud e Heidegger, o sentido
da vida e da luta do homem (...). Pretendem ter uma dimensão maior, além dos níveis
psicológico e psicopatológico, estabelecendo como meta a busca de referências éticas,
espirituais, filosóficas e axiológicas.

Surgiram como oposição ao determinismo das terapias chamadas científico-naturalistas ou


explicativo-causais.

Moreno pretendeu que cada sessão psicodramática fosse uma experiência existencial. Através do
discurso Moreniano, podemos encontrar os conceitos básicos da fenomenologia existencial, tais
como: existência, ser, temporalidade (o aqui - e - agora), espaço, encontro, liberdade, projeto,
percepção, corpo, imaginário, linguagem, sonhos, vivência, etc.

No método fenomenológico em geral encontramos o método psicodramático em seus princípios


básicos, quando, por exemplo, defende o exercício da intuição, da redução fenomenológica, da
arte da compreensão, da atitude ingênua diante dos fenômenos, sem definições a priori. A atitude
ingênua, a intersubjetividade a intencionalidade e a intuição estariam na relação eu - tu defendida
também pelo psicodrama, e não na relação eu - ele, eu - isso ou eu - aquilo.

O método psicodramático também é um método sempre aberto a novas investigações, como é o


fenomenológico. Para Moreno, "uma resposta provoca cem perguntas". Por ser um método
aberto, não se conclui que o método psicodramático seja caótico e desordenado, mas pelo
contrário, ele permite acompanhar um mundo em constante movimento de criação
(GONÇALVES et al, 1988, p.28).

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Moreno, considerou Kierkegaard um "psicodramatista frustrado", mas admirava sua filosofia e
compartilhava de suas posições. Reconheceu que o grande êxito do filósofo foi ter sido sincero
consigo mesmo, analisando sua própria existência, levando uma vida pessoal de acordo com sua
verdade subjetiva. Moreno tencionava, com o psicodrama, permitir que as pessoas vivessem em
plenitude suas inquietações psicológico-existenciais, de modo a não ficarem estratificadas nas
páginas de um diário.

1.2 – Ética e Psicodrama:

Enquanto psicoterapia de grupos, o psicodrama tem em comum com outras modalidades de


grupo uma série de elementos que levantam preocupações éticas. Talvez a mais fundamental
seja a questão de saber se a psicoterapia pode, na prática, dar conteúdo à doutrina ética do
“consentimento informado”: poderia a psicoterapia revelar os riscos e os benefícios de uma
intervenção terapêutica proposta a um paciente, em comparação aos riscos e benefícios de outras
intervenções, ou isso não é possível?

As preocupações éticas tornaram-se proeminentes nas profissões de saúde. Seria útil distinguir
as questões éticas tradicionais das emergentes (ex.: envolvimento afetivo; tecnologias; etc).

Embora não sejam novos na história da psicoterapia, métodos de ação como o psicodrama são
novos na história da saúde. Eles representam, também, um afastamento das relações ocidentais
médico-paciente, no qual o ultimo é literalmente o parceiro passivo. Com os métodos de ação, e
especialmente com a adição do grupo, questões como envolvimentos inapropriados e violações
de confidencialidade, se complicam ainda mais.

A sessão aberta é um exemplo interessante da maneira pela qual as preocupações éticas no


psicodrama mudaram, pois se o psicodrama é essencialmente teatro, então algumas coisas serão
permissíveis, o que não ocorreria se fosse essencialmente terapia. Os desafios éticos das sessões
abertas de psicodrama tornaram-se mais aparentes recentemente, por pelo menos duas razões:
primeiro o psicodrama tornou-se mais identificado como uma terapia do que com uma forma de
teatro; em segundo lugar, nossa sociedade tornou-se em geral mais consciente das questões
morais na saúde, tais como a confidencialidade.

Pelas palavras de Boaventura (2005): "...a ética liberal funciona numa sequência linear: um
sujeito, uma ação, uma consequência... o princípio da responsabilidade a instituir não pode
assentar em sequências lineares, pois vivemos numa época em que é cada vez mais difícil
determinar quem são os agentes, quais as ações e quais as consequências.

Assim, o psicodrama apresenta-se como uma ciência ética e política, visto que a tendência dos
trabalhos é promover um novo senso comum emancipatório, traduzido por se levar em conta o “o
quê” se é produzido pelos atos e processo, atendo-se às necessidades da demanda, visando
diminuir os sofrimentos dos frequentadores (por quê) e procurando “um como” para dar conta de
torná-los visíveis e digeríveis, o que facilita a tomada de consciência e responsabilidade.

Uma ciência ética e política, que engendra um encontro de subjetividades por parte de todos do
grupo, incluindo a do diretor/pesquisador. Percebe-se que a tendência destes encontros é
atravessado pelo prazer, prazer de se estar lá, naquele espaço-tempo, por parte dos diretores e
frequentadores, produzindo reencantamento pelo encontro com o diferente, uma estética do novo
senso comum.

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No entanto, ainda estamos longe de uma ciência ética e política no que se refere a novas
regulações que implicam novas combinações entre solidariedade e participação, rompendo com o
poder decisório ainda setorializado.

1.3 – Resistências ao Psicodrama:

O trabalho de J.L. Moreno, embora de grande potencial não foi aceito de imediato nos Estados
Unidos. De fato, a maioria dos profissionais de Psicologia e Psiquiatria considerava Moreno
uma pessoa independente e dissidente. Apesar disso, vários de seus métodos foram incorporados
às novas formas de psicoterapia desenvolvidas nas últimas décadas. Levando-se em conta a
contribuição significativa de Moreno para a evolução da psicoterapia, é importante assinalar e
recuperar seus melhores insights como fonte de contínua inspiração. A negligência para com as
idéias de Moreno tem basicamente dois motivos: do ponto de vista histórico, seus conceitos
estavam adiante de seu tempo, e, em termos pessoais, as atitudes de Moreno afastavam
numerosos colegas profissionais.

1.3.1 – O contexto histórico.

A resistência ao conceito do Psicodrama baseava-se nos seguintes fatores:

01 – O Psicodrama como forma de terapia era radicalmente diferente das abordagens tanto das
escolas analíticas quanto das não-analíticas de psicoterapia, práticas consideradas aceitáveis
entre 1935 e 1955.

02 – Quando, afinal, o campo da psicoterapia começou a se abrir às diversas inovações, havia


outras abordagens que integravam conceitos psicanalíticos com algumas idéias de Moreno, como
a psicoterapia de grupo, a terapia familiar, a psicologia humanística, a Análise Transacional e a
Gestalt-terapia, que receberam a maior parte da atenção. O psicodrama ficou um tanto isolado
pois tendia a ser praticado de forma clássica.

03 – Na psicologia acadêmica, nos anos 50 e 60, o behaviorismo vinha desenvolvendo métodos


terapêuticos que serviam para dar aos psicólogos identidade característica e tradição próprias. E
é interessante notar que atividades como imaginação dirigida, modelagem e pratica behaviorista
tinham bastante em comum com os princípios do psicodrama, mas na literatura ou no ensino era
raro fazer-se tal ligação.

04 – Moreno, com seu costume de repetidas vezes opor-se à escola dominante da psicanálise,
sem dúvida, desafiava as tendências intelectuais da época. Ao longo dos anos 40 a psicanálise
possuía inúmeros defensores bem preparados e respeitados, oferecia um sistema de relativa
abrangência e riqueza intelectual, e era teoricamente dinâmica. Seu método era interessante,
novo e popular entre a camada bem-sucedida da sociedade, da qual faziam parte, inclusive,
pessoas bastante influentes por sua proximidade ao mundo da mídia. Vivia-se um período
excitante naqueles dias e as escolas de pensamento “neo-analíticas” de Karen Horney, Harry
Stack Sullivan e Erich Fromm vinham modificando a abordagem freudiana ortodoxa. Já Moreno
trabalhava fora do sistema, quase sozinho, apenas com um pequeno e instável número de
estudantes.

A própria psicanálise da década de 40 era um movimento de vanguarda para quase todos os


jovens psiquiatras. Sua aura de autoridade era engrandecida por inúmeros psicanalistas europeus
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que haviam emigrado para escapar dos massacres anti-semitas de Hitler. Assim, essa escola de
pensamento também atraía a simpatia das maiorias. Neste ambiente, embora admitindo alguma
validade nas críticas de Moreno ao método analítico, havia, sem dúvida, pouco interesse por
parte das pessoas que acabavam de descobrir a psicanálise.

Embora Moreno reconhecesse em Freud um pensador original e importante, fez poucas


tentativas de integrar sua própria abordagem à teoria psicanalítica. Entretanto, em alguns paises
como França e Argentina, as ideias psicodramáticas e psicanalíticas tem sido sintetizadas com
êxito desde meados da década de 50.

05 – A clínica particular era o contexto econômico preferido pelos profissionais de maior status.
As abordagens analíticas eram mais adequadas aos tipos de problemas examinados em tais
cenários. Ao contrário, o trabalho inicial de Moreno com detentos, deficientes mentais e
psicóticos tornava sua “fonte de dados” aparentemente menos relevante ou aplicável àquilo com
que se preocupava a maioria dos profissionais. A partir da década de 60, contudo, passaram a
surgir trabalhos que demonstram com precisão a alta eficácia do psicodrama em lidar com
problemas “neuróticos” convencionais.

06 – O tempo exigido para se efetuar o psicodrama era outro fator que o tornava menos prático
no uso clínico. Uma sessão clássica de psicodrama, em geral, requer de duas a três horas para
possibilitar um aquecimento adequado, bem como a ação e o processamento. Embora em uma
única sessão possa fazer brotar material equivalente a inúmeras sessões verbais, ela não era
compatível com a tradição da “hora de 50 minutos”. Vários terapeutas de renome consideravam
o psicodrama pouco prático e economicamente inviável. Para complicar ainda mais as
considerações quanto ao seu uso, havia o fato de que a teoria clássica do psicodrama provocava
emoção mais intensa, o que exigia maiores cuidados posteriores e pessoal preparado para dar
apoio.

07 – Por volta de meados da década de 30 as abordagens diretivas, incluindo aconselhamento,


exortações e palestras inspiradoras, saíram de moda; era comum associa-las aos comportamentos
autoritários das pessoas educadas antes da virada do século. Os gostos culturais começavam a se
desviar das tradições que giravam em torno da família, da educação patriarcal e da religião.
Novas alternativas poderiam ser encontradas nas abordagens não-diretivas e não-julgadoras, tais
como a psicanálise ou a terapia não-diretiva de Carl Rogers. Embora o psicodrama siga as
necessidades do paciente e seja essencialmente centrado no cliente, ela é também ativa e diretiva.
Infelizmente, esses aspectos a associavam a um estilo de dar conselhos, já fora de moda.

08 – Qualquer atividade, propriamente dita, no contexto terapêutico, era também considerada


fora de moda. Em geral, os pacientes descritos na literatura especializada dos primeiros tempos
exibiam comportamentos histéricos ou compulsivos, e um dos objetivos da terapia era o de
controlar seu acting-out. Na verdade, o psicodrama pode ser empregado com sucesso para
ajudar as pessoas a se expressarem de forma menos patológica; entretanto, naquele tempo, era
acusado erroneamente de fomentar um tipo de catarse excessiva, que reforçaria os padrões
patológicos (Murray).

A atuação exigida pelo terapeuta tendia também a desqualificar o psicodrama. Um dos


princípios fundamentais da prática psicanalítica acentuava a importância de provocar a
transferência por meio de uma atitude neutra do terapeuta, e qualquer comportamento que
revelasse sua personalidade era considerado contaminação inaceitável do processo. Parte do
treinamento psicanalítico envolvia a disciplina pela qual o terapeuta aprendia a controlar sua
ação visível, considerada então uma forma de contratransferência que brotava de uma
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“necessidade neurótica de ser útil”. Assim, qualquer terapeuta que defendesse abordagens
participativas corria o risco de ser degradado profissionalmente porque o comportamento era
interpretado como racionalização de necessidades pessoais. É curioso observar que os anos 20
até os anos 40 foram também as décadas que promoveram a noção (hoje considerada absurda) de
que o hábito de pegar os bebês no colo ou alimenta-los assim que eles choravam “estragava” a
criança. Achava-se em voga um rígido modelo de abstinência, tanto na educação dos bebês
como na comunidade psicoterapêutica. As abordagens com ação não se distinguiam do acting-
out eram caluniosamente tachadas de promotoras de neurose. Em alguns ambientes o
preconceito contra atividades dentro da terapia continua presente até os dias de hoje.

09 – Alguns elementos do teatro sempre despertam desconfiança. Ao longo da primeira metade


do século, o teatro continha aspectos inautênticos, histriônicos, sexualizados e, sob outros
aspectos, não merecedores de respeito. Moreno empenhou-se em reabilitar essa antiga forma de
arte e em restaurar a possibilidade de que todos tivessem acesso a ela. Ele desenvolveu a prática
da espontaneidade em oposição às performances altamente estruturadas e ensaiadas. Na teoria e
na prática ele criou uma alternativa ao teatro “sem alma” de seu tempo. Entretanto, sua
terminologia no psicodrama tirada do teatro o associava exatamente com o que ele queria mudar
(Blatner, 1968). Por exemplo, o termo role-playing que Moreno usava para designar um
processo que servia para aumentar a autenticidade foi, com freqüência, utilizado referindo-se a
comportamento fraudulento (J.L.Moreno, 1975).

10 – Ao longo dos anos, muitas pessoas entusiasmadas pelo psicodrama, mas sem o devido
treinamento, davam esse nome às suas atividades. Infelizmente, era freqüente interpretarem de
maneira errada os princípios fundamentais e muitas vezes tais trabalhos eram o oposto dos ideais
de Moreno. Por exemplo, tais diretores falhavam em promover um aquecimento adequado ao
grupo, e o protagonista era submetido a sofrimento, em situações irrelevantes e planejadas de
maneira óbvia. Outro abuso do método ocorria quando ele se tornava veículo para confrontação
rude e desagradável. Após acompanhar uma breve exposição da técnica ou participar de um
workshop de fim de semana, pessoas mal-orientadas tentavam conduzir sessões, e os resultados
chegavam a ser desastrosos. Em vez de criticar os diretores por seu treinamento inadequado,
muitas vezes culpava-se o método.

11 – As abordagens grupais não estavam na moda nos primeiros anos da psicoterapia. As


técnicas para se desbloquear repressões apenas haviam começado a ser usadas; era um enorme
desafio para qualquer pessoa admitir para si mesma que ela havia armazenado sentimentos
socialmente inaceitáveis, pensamentos sexuais ou fantasias agressivas. Era ainda mais difícil
dizer isso numa sessão individual com terapeuta não-julgador. Falar a respeito ou expor tais
sentimentos num grupo com outras pessoas era quase inconcebível. Nesse contexto, fica fácil
entender por que a privacidade e a confidencialidade eram o maior atrativo e a marca registrada
da psicoterapia. Nos primeiros anos, a defesa que Moreno fazia da psicoterapia de grupo ia na
contramão da corrente dominante (Bromberg, 1957). À medida que as pessoas em nossa cultura
ficaram mais familiarizadas com a universalidade das emoções e pensamentos, o medo de
trabalhar em grupo diminuiu. Na verdade, tomar ciência de que seus sentimentos pessoais eram
também compartilhados por outros tornou-se importante fator de cura na terapia de grupo.
Ainda hoje as pessoas ficam instintivamente de pé atrás com os métodos participativos, pois
neles os sistemas convencionais de defesa por intercâmbio verbal são suprimidos.

Uma das razões para isso era o fato de que os terapeutas, em sua maioria, eram introvertidos,
tendo sido treinados no modelo acadêmico do papel passivo de estudante. Havia pequena
preparação social ou profissional para lidar com grupos. A timidez prevalecia de tal modo que
não era considerada um empecilho para um desempenho ideal. As abordagens grupais, portanto,
12
eram tidas como ameaçadoras para o terapeuta, e o temor era projetado inconscientemente nos
pacientes com a racionalização de que “eles” iriam achar isso inaceitável. À medida que o
trabalho com grupos foi se tornando uma abordagem terapêutica aceita, essa desculpa ficou
inaceitável.

12 – O psicodrama, tal como se apresenta originalmente, no que chamo de forma clássica, era
bastante difícil de aprender e aplicar. O treinamento só podia ser feito com Moreno e, muitas
vezes, isso exigia viajar até o norte do Estado de Nova York e se hospedar em seu instituto-
sanatório. Considerando-se que a maioria das abordagens poderia ser aprendida em núcleos
acadêmicos locais, apenas as pessoas que realmente tinham iniciativa e motivação para aprender
um método alternativo de tratamento, submetiam-se a esse esforço. O impacto e a promoção do
psicodrama nos campos da psicoterapia eram, portanto, limitados pelo pequeno número de
estudantes treinados.

13 – Na primeira parte do século, os domínios da religião e da filosofia já se haviam separado da


ciência e eram campos bem distintos, mantidos à distância com grande convicção emocional.
Moreno mais uma vez contrariava a norma ao incluir temas religiosos e filosóficos em seus
escritos e apresentações pessoais. Sua filosofia idiossincrática desafiava as tradições religiosas
estabelecidas. Além disso, o campo emergente da psiquiatria vinha tentando com bastante afinco
ser aceito pela comunidade cientifica mais ampla. Ela buscava conseguir isso unindo-se à
evolução da medicina, que àquela época aderia aos modelos científicos. A inclusão de Moreno
na corrente da psiquiatria era severamente frustrada por seus escritos e comportamentos, que
tendiam a ser inspirados e poéticos, porém pouco capazes de construir um corpo de dados sobre
ciência da mente.

1.3.2 – Fatores pessoais de resistência ao psicodrama.

O contexto histórico relatado ficaria incompleto se não incluísse a dimensão pessoal. Dentre os
fatores pessoais que contribuíram para a resistência à filosofia de Moreno, destacam-se:

01 – O uso feito por ele da sessão de grupo aberta chocava a corrente dominante da profissão.

02 – Movido em parte por sua filosofia de fazer terapia tanto com a sociedade quanto com
indivíduos, Moreno decidiu aceitar estudantes de outras profissões e leigos também.

03 – A disseminação das ideias e dos métodos psicodramáticos foi por demais dificultada pela
falta de material escrito disponível. Até a década de 60 tinha poucos livros e, não eram bem
escritos.

04 – Embora as teorias de Moreno contenham algumas ideias de grande poder inovador, seu
sistema não tem suficiente coerência ou clareza.

05 – As publicações profissionais são o principal veículo para divulgação de novas ideias, e a


decisão de Moreno de editar e publicar suas próprias revistas teve resultados ambivalentes. A
escolha dos artigos muitas vezes pecava pela ausência de rigor, o que diminuía a credibilidade
geral das próprias revistas.

06 – O estilo pessoal de Moreno nas apresentações era outra forma de resistência profissional.
Ele era carismático, dinâmico, envolvente, vistoso e dramático. Essas qualidades, por vezes,
podiam também render à grandiosidade e à megalomania.
13
07 – Em seus relacionamentos com colegas e estudantes, Moreno por vezes era extremamente
intuitivo, criativo e inclusivo. Ao dirigir sessões de psicodrama, essas qualidades irradiavam
uma aura de verdadeiro curador. Em outras ocasiões ele se mostrava mesquinho, insensível,
arrogante, caprichoso, supercontrolador e bastante narcisista. Em função disso, exercia grande
influencia, mas tinha poucos amigos íntimos.

08 – Moreno tentava manter controle sobre suas idéias, o que, em termos de organização, era
contraproducente. Em suas revistas não publicava os dados dos demais diretores e dos
profissionais que trabalhavam com ele e, aos poucos, ficou alienado, sem poder “entrar em rede”
com outros que compartilhavam do interesse por seus métodos.

Percebe-se que, para que um sistema seja aceito, entretanto, não basta conter ótimas idéias e
técnicas poderosas. Ele precisa, também, ser estabelecido como um sistema teoricamente claro e
coerente, profissionalmente acatado e cientificamente demonstrado.

Outro enfoque da resistência.

A resistência é uma função da espontaneidade; deve-se à diminuição ou perda dela (Moreno,


1953). No psicodrama, a resistência é definida como uma tática de segurança do protagonista
contra o envolver-se, aquecer-se ou tornar-se espontâneo. Em outras palavras, é uma força que
restringe ou inibe a ação espontânea, é a não invocação da espontaneidade que age contra o
processo terapêutico.

A resistência é também uma das formas pelas quais os protagonistas respondem de maneira
inapropriada a novas situações, o que os impede de utilizarem sua espontaneidade como agente
de adaptação, de enfrentamento e de controle. A resistência se transforma num tipo de role-
playing compulsivo, que suplanta a flexibilidade espontânea do self, agindo de acordo com
papéis conservados (comportamento congelado, habitual). Ao resistirem, os protagonistas
reduzem ao mínimo seu desenvolvimento em uma determinada situação, oferecendo uma
resposta simples e repetitiva em lugar da resposta nova que as circunstancias exigiriam. Isto os
leva a continuar a viver com um baixo índice de espontaneidade, impedindo-os de lidarem com
seus problemas de forma criativa e flexível.

Uma vez que muitas teorias sustentam, que as resistências aparecem quando a investigação
terapêutica toca em algum conflito crucial, gerador de ansiedade, existem tantas outras teorias
sobre a resistência quanto sobre as origens da ansiedade. A resistência pode ser entendida tanto
sob o ponto de vista psicodinâmico como sob o comportamental (Wachtel, 1982), para citar
apenas dois. Tendo em vista o objetivo da presente análise, adotarei o ponto de vista de Moreno
(1953) que afirmou que a ansiedade resulta de uma “perda da espontaneidade”, de uma
incapacidade de viver o aqui-e-agora. Segundo essa teoria, os protagonistas tornam-se ansiosos
e resistem quando não conseguem encontrar respostas adequadas às pressões tanto internas como
externas.

Em sentido operacional, a “resistência significa tão-somente que o protagonista não deseja


participar da produção” (Moreno, 1972). A resistência, aqui, diz respeito à inexistência de uma
aliança terapêutica e a um comportamento que se opõe ao processo psicodramático. Essa
definição, porém, tem seus pontos falhos: uma certa oposição em relação a deficiências do
método e/ou do terapeuta pode ser justificada e realista, não devendo, portanto, ser confundido
com resistência.
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Se encararmos o psicodrama como um processo gradual de integração, a resistência poderá ser
vista como força contrária (Greenson, 1967), pressão contrária (Menninger e Holzman, 1973),
desejo contrário (Rank, 1957) ou contra-ataque (Perls, Hefferline e Goodman, 1950). Para
enfatizar porem, a participação ativa do protagonista, prefiro descrever a resistência como sendo
uma contra-ação. Tomada como manifestação ativa de defesa, a resistência torna-se uma criação
dos próprios protagonistas, não algo que lhes é imposto ou infligido pelo mundo que os cerca.
Os protagonistas que se recusam a envolver-se no processo terapêutico, mesmo quando
manifestam essa sua recusa de maneira extremamente passiva, estarão atuando de fato no sentido
de bloquear sua energia espontânea.

Aceitando o fato de que pos protagonistas realmente resistem, poderíamos estabelecer algumas
distinções quanto às formas pelas quais eles resistem, quando e onde eles resistem, o que tentam
evitar e por que o fazem. As maneiras como os protagonistas resistem serão descritas como
“manifestações de resistência” e o que eles resistem como “Funções de resistência”.

Há várias maneiras pelas quais se pode permanecer sem se envolver no processo psicodramático.
Todos os aspectos da vida mental podem servir como função defensiva, podendo manifestar-se
como resistências. A expressão de um sentimento, como o de tristeza. Uma atitude de
indiferença pode ser uma evitação complacente de envolvimento do eu.

As formas das pacientes resistirem podem ser: perdendo a hora; atrasando-se; abandonando a
terapia; esquecendo-se de pagar; permanecendo em silêncio, afastados, passivos, intratáveis,
entediados ou envergonhados. Enquanto o paciente que resiste à psicanálise geralmente “não
está a fim de falar”, o protagonista que resiste no psicodrama “não está a fim de atuar”. A
mensagem que se esconde por detrás dessas afirmações, naturalmente, é a de que ambos não
querem sentir ou expressar seus sentimentos, seja através da fala, seja através da atuação.

No psicodrama, não apenas os protagonistas, mas também os auxiliares e o grupo podem resistir.
A resistência mais comum entre auxiliares é eles se recusarem a desempenhar determinados
papeis antagonistas. Segundo Moreno (1972), as razões para essa recusa podem ser de caráter
tanto “terapêutico” (o protagonista “usa” a situação de role-playing sem nenhum desejo de
inverter os papeis com o auxiliar), como “particular” (indicando dificuldades pessoais com
determinados papeis).

O manejo das resistências é a tarefa mais difícil de todo o labor terapêutico, a que mais põe em
teste a arte do terapeuta. Não apenas é difícil saber o que fazer com um protagonista resistente
como também os terapeutas, respondem com seus próprios sentimentos negativos ao lidarem
com comportamentos de evitação e de hostilidade. Os pacientes teimosos ou que progridem
vagarosamente podem mobilizar sentimentos de “Contratransferência” em seus terapeutas.
Nessas situações, a interação entre pacientes e terapeutas pode assumir contornos de uma batalha
– “guerra de talentos” (Moreno e Enneis, 1950) que inclui manobras com o propósito de vencer.

Embora alguns psicoterapeutas estratégicos ainda vejam as interações nesses termos, Kellermann
(1998) acredita que a maioria dos psicodramatistas sustentam que as resistências são melhor
resolvidas quando o terapeuta não se opõe a elas.

1.4 – Desenvolvimentos posteriores do psicodrama.

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Do final da década de 40 em diante, o campo do psicodrama amadureceu. O trabalho de
Moreno, em conjunto com a sociometria e a psicoterapia de grupo, começou a ser aplicado em
vários cenários, tais como escolas, recreação, programas de reabilitação para pessoas com
problemas de desenvolvimento, os militares, gerentes e treinamento de profissionais desde
professores até homens de vendas. Moreno estimulou o desenvolvimento de inovações na
psicoterapia e, no final da década de 50, em colaboração com Frieda From-Reichamann e Jules
Masserman, editou uma série de livros que apresentavam algumas das novas abordagens. Seu
interesse achava-se voltado em especial para o desenvolvimento das emergentes arte-terapias
criativas, por exemplo, um dos primeiros artigos da pioneira da terapia de dança, Marian Chace,
foi publicado na revista Moreno (Chace, 1945).

Em termos históricos, é importante recordar que a psicoterapia de grupo não foi uma inovação
aceita de imediato pela comunidade profissional. Moreno era tão devotado ao desenvolvimento
da psicoterapia de grupo quanto o era ao psicodrama. Ele queria enfatizar a importância da
abordagem mais interativa do psicodrama; não obstante, promoveu e auxiliou na preparação de
um sem-número de conferências nacionais e internacionais sobre terapia de grupo das quais
participavam expoentes da visão psicanalítica. As conferencias eram fóruns para o intercâmbio
entre as novas abordagens, tais como os “clubes sociais” de Joshua Bierer, a terapia de família de
Virginia Satir, a comunidade terapêutica de Maxwell Jones, e o uso feito por George Vassilou
das técnicas da arte-terapia na psicoterapia de grupo.

Moreno funcionava como importante catalisador das inovações e do ecletismo na psicoterapia,


em especial durante um período em que as abordagens alternativas tinham dificuldade de ganhar
aceitação nas profissões clinicas, então sob domínio da psicanálise. Seus escritos e sessões de
demonstração pública em Nova York influenciaram Fritz Perls, recém-chegado da África do Sul.
Diversos pioneiros do movimento do grupo de encontro publicaram alguns de seus primeiros
experimentos na revista Sociatry de Moreno.

Inúmeros membros da família participaram das tentativas bem-sucedidas de Moreno. Entre


outros, sua primeira esposa, Florence, era bastante ativa em educação e desenvolvimento de
crianças e ajudava em seu trabalho sobre a teoria da espontaneidade e psicodrama. (Eles tiveram
uma filha, Regina, nascida em 1939). Seu irmão mais novo, William, homem de negócios que
muito o admirava, dava-lhe ajuda financeira. A partir dos anos 40 a produtividade de Moreno foi
bastante aumentada pela capacidade e devoção de sua segunda esposa, Zerka. Ao longo dos
vinte anos seguintes. J.L. e Zerka Moreno publicaram inúmeras revistas e escreveram
numerosos livros e artigos. Eles mergulharam numa rotina quase que contínua de palestras-
demonstração, workshops, consultas e compromissos de discursos nos EUA e em outros países.
Além disso, trabalharam em conjunto com pacientes em seu sanatório até princípio dos anos 60.
Os estudantes eram também treinados ali ao longo dos primeiros anos da década de 70.

Com 85 anos, após uma série de pequenos derrames, J.L. Moreno morreu em sua casa em
Beacon, Nova York, em 4 de maio de 1974. Ele decidira parar de comer nas semanas que
precederam sua morte e passou por um declínio físico gradativo. Durante esse período ele
recebeu velhos amigos e visitantes, sempre com afeto e receptividade (Sacks, 1977; Yablonsky,
1975). O epitáfio de Moreno fora escolhido previamente por ele: “Aqui jaz o homem que trouxe
o riso de volta para a psiquiatria”.

Moreno disse a Zerka que havia criado o sistema, e que agora dependia dela e de outros levar
adiante o trabalho. O psicodrama havia expandido sua gama de atividades de maneira
significativa na última década, e esses desenvolvimentos merecem comentários mais

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aprofundados. O principal expoente do trabalho de Moreno tinha sido Zerka, e a seguir
apresentaremos de modo sucinto alguns aspectos importantes da vida dela.

Zerka Toelman Moreno: síntese biográfica.

Zerka Toelman, a mais nova entre quatro irmãos, nasceu em 1917, de família judia que vivia em
Amsterdã, Holanda. Em 1931 foram para a Inglaterra, e Zerka frequentou o colégio e a
faculdade no Willesden Green, subúrbio de Londres. Uma irmã mais velha, já com vinte anos,
tornou-se psicótica e foi diagnosticada como esquizofrênica. O acontecimento, bem como a
doença continuada da irmã, iria mostrar-se mais tarde fundamental para o encontro entre Zerka e
Moreno. Havia um importante elemento transpessoal na ligação que se estabeleceu entre os
dois. Zerka era sensível e receptiva a vozes que falavam de seu sábio self interior. Por
exemplo, em 1935, aos 18 anos, vivendo em Londres, em ano antes do surto psicótico de sua
irmã, uma voz disse a Zerka que fosse para a América. Ela não agiu de acordo com isso então;
na verdade, ela voltou par a Holanda sozinha, para trabalhar como governanta. Quatro anos mais
tarde, numa noite silenciosa, Zerka andava pelas ruas de elegante subúrbio quando mais uma vez
teve o forte sentimento de que devia ir para a América. O senso de uma presença falou-lhe:
“Sim, você deve ir! Existe algo importante – há alguém à sua espera”. Desta vez ela emigrou e
estabeleceu-se em Nova York.

Em 1941 grande perigo ameaçava sua irmã mais velha e sua família na Bélgica, e Zerka
conseguiu obter vistos para que emigrassem para a América. Quando chegaram, sua irmã havia
mergulhado na esquizofrenia e o Dr. Emil Gutheil encaminhou-os ao sanatório de Moreno.
Durante o tratamento da irmã de Zerka, Moreno vivenciou com esta última um profundo senso
de “tele”, como se ele a “reconhecesse”. E algo semelhante aconteceu com ela: ele a ideia do
psicodrama a fascinaram.

Em função de seus antecedentes no teatro, nas belas artes, e na psicologia, Zerka envolveu-se
com o psicodrama e trabalhou como auxiliar treinada no cuidado de sua irmã, bem como no
cuidado de outros pacientes no sanatório de Moreno. Seu interesse por Moreno e pelo trabalho
dele continuou a crescer à medida que ela passou a dividir responsabilidades na administração e
organização da diversificada e complexa empresa. Logo ficou claro para ela que Moreno era
“alguém à sua espera”, e em 1949 casaram-se. Jonathan, seu único filho, nasceu em 1952.

“Sob vários aspectos somos todos sobreviventes”. Zerka ensinou o conceito em inúmeros
workshops. Foi um insight que ela teve durante uma penosa experiência pessoal. Em 1957, foi
diagnosticado um câncer (condrossarcoma) no osso do ombro direito de Zerka, resultando na
amputação de todo o seu braço direito, mas ainda a tempo de lhe salvar a vida. Sua deficiência
não a impediu de continuar a servir como “braço direito” de Moreno (como ela mesma dizia
jocosamente). Logo após a morte dele em 1974, ela continuou a dar aulas e a escrever sobre
psicodrama, dinâmica de grupo e sociometria. Hoje ela permanece o maior expoente do método
no mundo, viajando internacionalmente, mantendo workshops, e fazendo grandes conferencias.
Atualmente, ela vem trabalhando na biografia pormenorizada de Moreno, iniciada antes de sua
morte, com o auxilio de seu filho. Jonathan Moreno é professor de filosofia e bioética, bem
como participante no campo do psicodrama.

Outros pioneiros do psicodrama e da sociometria.


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Durante as décadas de 40 e 50 grande número de profissionais trabalhou com Moreno na prática
e no desenvolvimento do psicodrama, sociodrama e da sociometria, na psiquiatria, na sociologia,
criminologia, educação, e em outros campos (Z. Morena, 1966). Dentre as figuras mais
proeminentes pode-se citar:

Max e Sylvia Ackerman Gretel Leutz


Didier Anzieu Joseph Mann
Edgar Borgatta Donnell Miller
Anna e Nah Brind Walter E. O´Connell
J.A.Bustamante Frisso Potts
Gertrude Harrow-Clemens Anne Ancelin Schutzenberger
Robert Drews Shoobs
Eugene Eliasoph Adaline Starr
Ernest Fantel Helga Straub
Abel K. Fink E. Paul Torrance
Margaret Hagan Daniel Widlocher
Doris Twitchell Allen Abraham Knepler
Robert Boguslaw Helen Hall Jennings
Eya Fechiin Branham Gerald W. Lawlor
Antony Brunse Rosemary Lippitt
E.A. Carp Joseph I. Meiers
Raymond J. Corsini Neville Murray
Dean Elefthery Abel Ossorio
James Enneis James M. Sacks
Leon J. Fine Bárbara Seabourne
Robert Bartlett Haas Bruno Solby
Martin Haskell Berthold Stovkis
Fraces Herriott Israel E. Sturm
Richard Korn Hannah B. Weiner
Serge Lebovici Lewis Yablonsky

Logo após a morte de Moreno, a esfera de ação mudou da dominação de seu fundador e passou
para uma distribuição mais descentralizada e democrática de autoridade. A sociedade
Americana de Psicoterapia de Grupo e Psicodrama (American Society for Group Psychoterapy
and Psychodrama - ASGPP), organização fundada por Moreno em 1972, torna-se a força
organizadora geral e procurou caminhar rumo a uma maior profissionalização. Nesse espírito, A
American Board of Examiners in Psychodrama, Sociometry, and Group Psychoterapy foi
fundada em 1975 como órgão com autoridade e responsabilidade de examinar e diplomar
instrutores e praticantes. O nível mais alto de graduação é indicado pelas iniciais TEP que
indicam Trainer, Educator and Practitioner (Instrutor, Educador e Praticante). Esta designação
refere-se a um diretor que todos admitem ser capaz de treinar outros diretores. Você pode obter
uma lista de diretores e praticantes diplomados escrevendo para a American Board.

Em 1976 foi fundada a Federation of Trainers and Training Program in Psychodrama (FTTPP)
(Federação dos Instrutores e Programa de Treinamento em Psicodrama) visando padronizar o
currículo nos diversos institutos. Uma de suas muitas contribuições foi a idéia de uma tabela,
arquivo onde se registra o treinamento que o estudante tem nas sessões educativas conduzidas
por TEPs e onde se registram as horas de treinamento. Pode-se obter informações a respeito de
treinamento pelos escritórios do American Board.
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A ASGPP continua a funcionar como a maior organização para as pessoas interessadas em
psicodrama e em novas abordagens inovadoras para a psicoterapia de grupo, individual e de
família. Ela edita o Journal of Group Psychotherapy, Psychodrama, and Sociometry e promove
encontros anuais que oferecem bons workshops experimentais. Organizou também numerosas
divisões regionais e encontros. (Filiar-se e utilizar a ASGPP como veículo para se relacionar e
compartilhar das experiências profissionais é excelente meio de encontrar profissionais
companheiros, os quais compõem um grupo interessante e bastante espontâneo).

O psicodrama acha-se bem-estabelecido e integrado com a corrente dominante da psiquiatria em


outros países, em especial Brasil, Argentina, Suécia e Alemanha. Existem também importantes
conexões entre o psicodrama e a psicoterapia de grupo na França, Itália, Austrália, Espanha,
México, Japão e Grécia. Nos EUA o psicodrama é utilizado, com freqüência, em inúmeros
contextos psiquiátricos, por profissionais que não estão formalmente diplomados ou filiados à
ASGPP. Espera-se que estas pessoas sejam estimuladas a juntar-se a seus colegas no
desenvolvimento contínuo do campo.

O treinamento em Beacon, Nova York, continuou até por volta de 1980 sob a supervisão de
Zerka Moreno e de vários diretores visitantes. Depois disso, ele foi mantido pela Horsham
Clinic até que o centro foi fechado em 1984. A propriedade foi vendida e o palco original do
psicodrama mudou-se para o Jonathan Steiner Hall, em Boughton Place, em Highland, Nova
York.

É ponto pacífico que muitas das ideias de Moreno por volta do final da década de 70 tinham sido
assimiladas pela corrente principal da psicoterapia e em extensão razoável pelas áreas da
educação, do gerenciamento e de diversos tipos de treinamento. O desempenho de papéis, por
exemplo, é usado em diversos cenários e, no mínimo, com freqüência ignora-se que ele seja
derivado do psicodrama. À medida em que a psicanálise se torna menos predominante na
psiquiatria americana, grande número de abordagens ecléticas está substituindo sua hegemonia.
Vários desses métodos podem ser rastreados, pelo menos em parte, até as contribuições de
Moreno.

O campo do drama therapy – outra organização que vem integrando conceitos de


espontaneidade e trabalho dramático – é exemplo interessante. Antes de 1965 ela era
basicamente uma atividade que buscava ajudar pacientes psiquiátricos a ensaiar e apresentar
quadros e peças que eram de relevância emocional. Entretanto, a ideia de integrar a
espontaneidade com atividades, tais como os jogos de teatro, aproximou esse campo dos ideais
de Moreno. Inúmeros programas de drama therapy incluem o psicodrama em seu currículo.
Desenvolveram numerosas técnicas que seriam úteis no psicodrama como aquecimento, para
promover dinâmica de grupo, como métodos de catalisar os processos criativos (Johnson, 1984).

Tem aumentado consideravelmente também a presença do teatro criativo nas escolas da


Inglaterra e EUA. A ênfase nas improvisações espontâneas, certamente, está no espírito do ideal
de Moreno, embora tivesse surgido independentemente pelo trabalho de Winifred Ward (por
volta de 1925, em Illinois) e de diversos dramatistas e professores ingleses, tais como Peter Slade
e Dorothy Heathcote (nos anos 40).

Tem havido também crescente convergência entre as terapias criativas e expressivas, inclusive
psicodrama, arte, música, dança, movimento, poesia, fantoches e teatro. Todas essas têm
objetivos semelhantes, ou seja, a libertação e o uso da espontaneidade como parte do processo de
cura.
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Mais importante ainda, o campo do psicodrama expande-se para além das fronteiras da terapia
até incluir grande variedade de aplicações artísticas, recreativas e educativas, tais como o
Playback Theater de Jonathan Fox em Poughkeepsie, Nova York (Fox, 1981) e o teatro
educativo psicodramático de Rosalie Minkin para adolescentes e idosos na Filadélfia. Programas
de treinamento em criatividade para profissionais e diversas outras aplicações inovadoras estão
sendo desenvolvidas na área. Tudo isso revela o potencial dinâmico do psicodrama e do
sociodrama.

As palavras de Carl Gustav Jung são relevantes para se pensar sobre a evolução do psicodrama
antes e depois da morte de Moreno:

O pioneiro de um novo campo tem a sorte de ser capaz de tirar conclusões válidas de sua
experiência global. As tentativas e esforços, as dúvidas e incertezas dessa viagem de
descobrimento penetram até sua medula para permitir a perspectiva e a clareza que são
indispensáveis para uma visão abrangente. Já aqueles da segunda geração, que baseiam seu
trabalho naquelas experiências tateantes, nos golpes de sorte, nas abordagens tortuosas, nas
meias-verdades e nos enganos do pioneiro, estão menos sobrecarregados e tem oportunidade de
escolher caminhos mais diretos e visualizar novas metas. Eles são capazes de descartar inúmeras
dúvidas e hesitações e de se concentrar nos aspectos essenciais e, dessa maneira produzir um
mapa mais claro e simples do território recém-descoberto. A simplificação e a clarificação
resultam em benefício da terceira geração que está mais equipada, desde o início, com um mapa
rico em detalhes. De posse do mapa eles se tornam agora capazes de formular novos problemas e
de estabelecer as fronteiras com mais precisão.

Entramos na segunda e na terceira geração das investigações no campo do psicodrama, bem


como nos métodos correlatos que buscam utilizar o potencial criativo da psique humana.

No caso de Moreno, era difícil canalizar sua vitalidade e entusiasmo para o papel de liderança
ativa, tão necessários quando se utilizam os métodos psicodramáticos. Seu próprio estilo tendia
ao narcisismo e ao grandioso, embora ele fosse, por vezes, também extremamente intuitivo,
caloroso e acolhedor. Zerka e outros diretores, ao longo dos anos, membros da segunda e
terceira gerações, demonstraram ser possível usar abordagens de maneira mais refinada e
delicada do que a de seu próprio criador. Embora a exuberância de Moreno fosse um atributo
essencial, dando-lhe coragem de promover suas ideias em ambiente profissional hostil, seu estilo
pessoal contribuía para a dificuldade na aceitação de seu trabalho.

1.5 – Psicodrama, Sociodrama e Psicoterapia de grupo.

O Psicodrama é um método de ação profunda e transformadora, que trabalha tanto as relações


interpessoais como as ideologias particulares e coletivas que as sustentam. Sua aplicação é uma
das mais eficientes e criativas nos campos da saúde, da educação, das organizações e dos
projetos sociais.

É orientado pela emoção, pelo grupo e pela co-criação, pois busca promover estados
espontâneos, discriminar e integrar, com certa harmonia, o individual com o coletivo, o mundo
interno com a realidade compartilhada. Produz catarse emocional e insights cognitivos. Para isso,
usa tanto a comunicação verbal como a não verbal.

Nasceu do Teatro de Improviso. Foi criado por Jacob Levy Moreno (1889-1974) um psiquiatra
romeno que viveu na Áustria e nos Estados Unidos. Em 1925 ele fundou o Teatro da
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Espontaneidade, no qual, ousadamente, convidava o público a criar sua própria história,
teatralizando-a de forma espontânea, no melhor estilo dos espetáculos da Commedia dell’Arte
realizado, no séc. XVII, nas ruas da Itália multifacetada e rica em dialetos da época.

O Sociodrama é uma técnica de intervenção pedagógica e terapêutica dirigida a mudança de


comportamento nos grupos. Foi desenvolvida por Moreno, nos EUA, nos anos 30 do século XX.
Partindo da avaliação dos problemas sentidos no passado e no presente da vida de um grupo,
tenta chefa a formas adequadas de resolução das situações e conflitos mais delicados. Este
processo passa pela dramatização das experiências individuais dos vários elementos do grupo
que entram no “jogo da cena”. É a vida, a cultura do próprio grupo, que é dramatizada, encenada
como teatro, que, no entender de Moreno, permite ao grupo ganhar consciência, como num jogo
típico de espelhos, dos problemas que o atravessam e, ao mesmo tempo, refletir sobre as formas
adequadas de intervenção. A técnica pressupõe cinco tipo de elementos: a cena, o palco que
representa a vida, com a particularidade de ser um local onde tudo é possível; os
sujeitos/”pacientes” que compõem o grupo, a quem se pede que sejam eles mesmos, que atuem
como normalmente o fazem na vida real, expressado livremente seus sentimentos (elementos do
mesmo grupo podem intercambiar os próprios papeis); o sociólogo ou psicólogo na figura de
analista e coordenador do grupo; os assistentes do analista que intervem ajudando a clarificar os
papeis; e, finalmente, um auditório que simbolize a sociedade e onde o grupo vive normalmente
e que funcione como espelho dos seus comportamentos. Como acontece com o psicodrama, a
nível individual, parte-se do isolamento e tomam consciência das suas atitudes. O sociodrama
foi bastante criticado, por ser redutor, daí que alguns autores tenham sugerido que fosse
contemplado com técnicas da psicanálise. A técnica do sociodrama, juntamente com o
psicodrama, é utilizada, na atualidade, como prática de intervenção da psiquiatria, da psicologia
clínica, da formação e da consultoria.

A Psicoterapia de Grupo é qualquer forma de terapia desde que seja coletiva, isto é, realizada
em grupo. Tem uma ação benéfica que resolve e reeduca os doentes com base nas interações e
comunicações que ocorrem no interior dos grupos organizados com fins terapêuticos.

Este modelo de atuação terapêutica surgiu após a Segunda Guerra Mundial quando o psicólogo
americano Kurt Lewin trabalhou um grupo de pessoas com fins terapêuticos. Acreditou que os
indivíduos sentem uma ação de efeitos terapêuticos ao ouvir outras pessoas a falar dos seus
problemas e de como eles podem ser resolvidos. Neste tipo de psicoterapia intervem
determinados fatores terapêuticos que se tornam muito importantes porque explicam como os
membros do grupo se ajudam entre si a mudar de atitude, pensamento e comportamento.

De todos os fatores terapêuticos existentes salienta-se aqui o fator da universalidade (os doentes
integrados num grupo deixam de se sentir sozinhos e em isolamento, passando a experimentar
alívio ao perceberem que não estão isolados com os seus problemas); o fator da coesão de grupo
(nestas psicoterapias os membros de um grupo tornam-se muito mais unidos); e o fator de
desenvolvimento das técnicas de socialização (os doentes integrados nos grupos aprendem a
distinguir e a deixar de apresentar comportamentos inadequados através da simples observação
uns dos outros e dos comentários honestos e bem recebidos que fazem).

Os melhores resultados terapêuticos são obtidos nos grupos em que se verifica o maior número
possível destes e de outros fatores terapêuticos como, por exemplo, a instalação de esperança, o
oferecimento de informações e o comportamento de imitação.

21
As psicoterapias de grupo dividem-se em, pelo menos, três diferentes grupos de técnicas da
dinâmica de grupo que utilizam os movimentos e as interações dos grupos que ocorrem nas
reuniões regulares, com um fim terapêutico, sendo muito apropriado para crianças e
adolescentes; o das técnicas verbais não-diretivas que utilizam a psicanálise como terapia de
eleição; e o grupo das técnicas de expressão psicomotora e dramática que para além do que é
verbalizado, utiliza atividades psicomotoras, jogos e cenas mímicas. Um grande exemplo, deste
tipo de técnica é o conhecido psicodrama, forma especializada de terapia de grupo em que cada
paciente, com o auxilio de outros, apresenta ou relata num palco as suas dificuldades na presença
de um terapeuta.

Unidade II – Teorias e Técnicas Psicodramáticas.

2.1 – Fundamentos teóricos da abordagem Moreniana.

A Sociometria pretende ser uma ciência autônoma. Ela é indispensável como porta de entrada
para todas as ciências sociais e, sem recuar nenhum centímetro de uma visão de totalidade,
retrocedeu do máximo para o mínimo, para os átomos e as moléculas sociais. Assim, pode ser
considerada uma sociologia dos eventos dinâmicos microscópicos, independentemente do
tamanho do grupo social ao qual ela é aplicada, seja ele pequeno ou grande.

Com o desenvolvimento da sociometria, a investigação dos menores agregados sociais tornou-se


mais interessante que a dos grandes. É desejável que, no futuro, a sociometria seja superada
enquanto disciplina especial e considerada como uma ciência microscópica e microdinâmica que
subjaz a todas as ciências sociais.

Os campos e limites da sociometria, assim como os seus objetivos e suas operações, já estão
mais claramente visíveis do que as mesmas referencias na sociologia ou na antropologia. A
sociometria não suplanta nem deve ser superposta à antropologia ou à economia, por exemplo,
mas as descobertas dessas ciências a respeito dos níveis mais amplos (macroscópicos), podem
receber uma nova interpretação com a pesquisa sociométrica.

A velha definição da sociologia como a “ciência da sociedade” e a “ciência dos fenômenos


sociais” não precisava de nenhuma especificação adicional, até o momento em que o
desenvolvimento da microscopia social e a descoberta da matriz sociométrica sugeriram a
divisão entre disciplinas sociais macroscópicas e microscópicas. Antes disso, não havia
nenhuma razão material, dinâmica, para divergir da opinião de Comte, de que a sociologia é a
ciência unitária da sociedade.

O argumento lógico-metodológico de George Simmel e Leopold von Wiese em favor da


separação entre a sociologia e outras especialidades cientificas sociais, como a sociologia
histórica e a filosofia social, foi um passo necessário para iluminar o caminho por meio do cipoal
de disciplinas. Porém, metaforicamente falando, essas divisões ocorreram nos andares
superiores. No subsolo, o porão permaneceu intocado.

Atualmente, tornou-se urgente uma divisão das ciências sociais na dimensão vertical. Para cada
disciplina social macroscópica deveria existir uma disciplina social microscópica (ex,:
microssociologia versus macrossociologia), haja vista que, juntar todas as ciências em um único
bloco, o foco do investigador social ficará mais definição para fazer a escolha das hipóteses e do
planejamento experimental, assim como para brindar essas áreas com a atenção sistemática que
elas merecem.
22
A velha definição de sociologia deveria, então, dar lugar a outra que estivesse mais de acordo
com o que os sociólogos fazem hoje – a ciência dos sistemas macroscópicos da sociedade
humana, sua descrição e mensuração.

A resistência contra a teoria e a terminologia sociométricas, que encontramos em alguns espaços,


deve-se em grande parte à pretensão da sociometria de representar uma nova ciência. Entretanto,
ela o faz porque não há como incorporar no velho sistema conceitual das ciências sociais a nova
perspectiva e as novas descobertas, sem sacrificar indevidamente a ordem e a clareza.

Não é fácil atender à recomendação dos sociólogos acadêmicos de que os novos constructos
sejam adaptados aos velhos termos, tais como processo social, estática social, dinâmica social
etc. Numa disciplina nova, termos adequadamente talhados ajudam a expandir o conhecimento e
ativam a imaginação do investigador.

Uma das dificuldades no desenvolvimento da sociometria tem sido a rápida assimilação de suas
técnicas, procedimentos e métodos, ao lado da ignorância e da resistência contra suas teorias.
Isso tem sido prejudicial não apenas para a formulação de novas hipóteses, mas também para um
posterior refinamento das próprias técnicas.

Pode-se observar, com satisfação, a rapidez com que as técnicas sociométricas, tais como o
sociograma, o teste sociométrico, a análise de pequenos grupos, o jogo de papéis, o psicodrama e
o sociodrama, foram admitidas como técnicas, enquanto seu fundamento teórico, os conceitos de
ator in situ, ego-auxiliar ou alter-ego, espontaneidade, criatividade, tele, aquecimento, átomo
social, redes de comunicação psicossocial, efeito sociodinâmico etc, foram tomados
superficialmente, ignorados ou contrabandeados na literatura, sem referência à fonte.

O novo sistema de teorias e conceitos não só oferece pistas importantes para a elaboração de
hipóteses significativas, mas também é um importante pré-requisito para o uso adequado das
técnicas e para a construção de experimentos produtivos.

A sociometria é, de certa forma, uma ciência classificatória, de modo que se possa fazer
generalizações com base em suas classificações. Algum dia, será elaborada uma psicogeografia
de nossa população humana planetária, sem qualquer referência a um critério externo. Na
verdade, assim que o campo total for considerado como uma unidade, a relação causa-efeito,
assim como outras relações poderão ser visíveis. Não haverá, então, nenhum critério
estabelecido fora dela, e não será necessário o método experimental como prova.

A sociometria trabalha com o estudo matemático das propriedades psicológicas das populações.
A técnica experimental e os resultados são obtidos mediante a aplicação de métodos
quantitativos, o que se faz por meio de caminhos que investigam a evolução e a organização dos
grupos e a posição dos indivíduos dentro deles. Uma de suas principais preocupações é definir a
quantidade e a extensão das correntes psicológicas que atravessam as populações.

Moreno, em sua primeira definição de sociometria, baseou-se em sua terminologia, do latim e do


grego, mas a ênfase não recaiu somente na segunda metade do termo, ou seja, o “metrum”, que
significa “medida”, mas também na primeira metade, isto é, o “socius”, que significa
“companhia”.

A velha dicotomia entre o qualitativo e quantitativo resolve-se de uma maneira nova dentro do
método sociométrico. O aspecto qualitativo da estrutura social não é destruído nem esquecido,
23
porém, integrado nas operações quantitativas, ele age a partir de seu interior. Os dois aspectos
da estrutura são abordados articuladamente, como uma unidade. Ambos os princípios, tem sido
negligenciados, mas o aspecto “socius” tem sido muito mais omitido nas análises mais
aprofundadas do que o aspecto “metrum”.

Três vertentes de pesquisa foram desenvolvidas:


a) Dinâmica ou sociometria revolucionária. Comprometida com as questões relativas à
mudança social;
b) Sociometria diagnóstica, voltada para a classificação social; e
c) Sociometria matemática.

Ao estudar a estrutura detalhada de uma comunidade, vemos a posição concreta de cada


indivíduo dentro dela, assim como um núcleo de relações em torno de cada indivíduo, abundante
para alguns e restrito para outros. Esse núcleo de relações é a menor estrutura social de uma
comunidade, um átomo social. Do ponto de vista da sociometria descritiva, o átomo social é um
fato, não um conceito, da mesma forma que, em anatomia, o sistema de vasos sanguineos, por
exemplo, é, antes de tudo, um fato descritivo. O átomo social adquire significado conceitual no
momento em que o estudo de seu desenvolvimento sugere que ele tem uma importante função na
formação da sociedade humana.

Enquanto algumas partes desses átomos sociais permanecem limitadas aos indivíduos que dele
participam, outras se ligam a algumas partes de outros átomos sociais, e estas, por sua vez,
ligam-se a partes de outros átomos sociais, de modo que se formem cadeias complexas de inter-
relações, as quais são chamadas, na terminologia da sociometria descritiva, redes sociométricas.

Quanto mais antiga e ampla é a extensão da rede, menos significativa parece ser a contribuição
de cada indivíduo para ela. Do ponto de vista da sociometria dinâmica, essas redes tem a função
de dar forma à tradição social e à opinião pública.

É diferente e mais difícil, entretanto, descrever o processo que atrai ou repele as pessoas entre si;
o fluxo de sentimentos que compõem, aparentemente, o átomo e as redes sociais. Esse processo
pode ser concebido como tele.

Tele é uma empatia de duas mãos, assim como um telefone tem dois pólos. Estamos habituados
à noção de que os sentimentos surgem dentro do organismo individual e de que eles se conectam,
com maior ou menor força, com pessoas ou coisas no ambiente imediato.

É comum pensar que, não somente essas totalidades de sentimentos brotam do organismo
individual, exclusivamente, de uma de suas partes ou do organismo como um todo, mas também
que esses estados físicos e mentais, depois de terem emergido, permanecem para sempre nesse
organismo.

A relação sentimental com uma pessoa ou objeto é chamada de vínculo ou fixação, os quais,
porém, foram tomadas como puras projeções individuais. Isso estava de acordo com o conceito
materialista de organismo individual, com sua unidade e, talvez, com sua independência
microcósmica.

Essa resistência contra qualquer tentativa de quebrar a unidade sagrada do indivíduo tem uma de
suas raízes no pressuposto de que sentimentos, emoções, idéias, devem situar-se em alguma
estrutura dentro da qual possam emergir ou esvaziar-se, e dentro da qual possam funcionar ou

24
desaparecer. Se esses sentimentos, emoções e ideias “saem” do organismo, onde eles residem,
então?

Quando Moreno descobriu que os átomos e redes sociais tem uma estrutura constante e que eles
se desenvolvem numa certa ordem, identificamos estruturas extra-individuais em que esse fluxo
poderia situar-se – provavelmente, há muito mais a ser identificado. Elas podem ser concebidas
como estruturas de mão dupla ou de muitas mãos. Sentimentos de mão única, ou projetados, não
fazem sentido, sociometricamente falando. Eles requerem, pelo menos potencialmente, uma
complementação de sentimentos “retrojetados”.

O estudo desses sentimentos é realizado, em especial, mediante testes de percepção sociométrica.


Um papel não existe sem o outro. É um contínuo.

O tele entre duas pessoas pode ser potencial. Ele pode nunca ser ativado, a menos que essas
pessoas aproximem-se ou que seus sentimentos e idéias encontrem-se à distancia por intermédio
de algum canal, como por exemplo, das redes. Pode-se verificar que essas distâncias, ou efeito
tele, são estruturas sociométricas complexas produzidas por uma longa cadeia de indivíduos,
cada qual com um diferente grau de sensibilidade para o mesmo tele, que vai da total indiferença
à máxima resposta.

Os átomos sociais consistem de numerosas estruturas tele e fazem parte de um padrão ainda
maior – as redes sociométricas – que liga ou separa grandes grupos de indivíduos, em virtude de
suas telerelações. As redes sociais fazem parte de uma unidade ainda maior – a geografia
sociométrica de uma comunidade. A comunidade, por sua vez, faz parte de uma configuração
maior – a totalidade sociométrica da sociedade humana.

Principais conceitos da teoria Moreniana:

A espontaneidade-criatividade:

A teoria da espontaneidade é considerada uma das principais teorias de Moreno, juntamente com
a teoria dos papéis (que veremos posteriormente). Segundo Moreno, são recursos inatos do
indivíduo a espontaneidade, a criatividade e a sensibilidade.

O fator E (fator espontaneidade), diz respeito à capacidade do humano ser naturalmente


espontâneo e criativo. O nascimento é um exemplo da existência desse fator, pois conta com a
ajuda do feto que é um ser dotado de fator E, de modo que o bebê atua no parto de forma
participativa e não traumática (GONÇALVES et ali, 1988), sendo ajudado pelos seus primeiros
egos auxiliares (mãe, médico).

A espontaneidade não é um estado permanente, é um estado fluente, com altos e baixos, por isso
mesmo é um estado. A espontaneidade é indispensável ao ato criador e não surge
automaticamente, ela não é regida pela vontade consciente e não se motiva apenas por intenções
internas, é dependente de uma correlação com outro ser criador (MORENO, 1975).

A teoria da espontaneidade é o núcleo dinâmico da teoria de Moreno. Em sua dimensão


filosófica é a espontaneidade que explica a constante criatividade do mundo e a concepção do
homem como “gênio em potencial”. O ser humano vive em estado de perpétua originalidade e de

25
adequação pessoal e existencial à realidade em que vive. Busca naturalmente a liberação da
espontaneidade, mas, por outro lado, busca a segurança do imutável (das conservas culturais). A
espontaneidade é um catalisador e não uma energia acumulável, não se conserva e, para Moreno,
é um catalisador essencial ao ser humano (MORENO, op.cit.).

Durante o seu desenvolvimento, o homem vai se sentindo ameaçado pelas tradições e interdições
(das conservas culturais) que vão criando obstáculos ao fluir da sua espontaneidade. Para evitar
sofrimento, ele colocará limites à sua espontaneidade, desenvolvendo recursos, tais como a
repressão, podendo até chegar ao isolamento psicótico (em casos mais graves). Segundo Moreno
(1975), a espontaneidade não deve ser confundida com instinto e espontaneísmo, e possui quatro
expressões características:

1) originalidade;
2) qualidade dramática (vivacidade e novidade);
3) criatividade (possibilita novas transformações);
4) adequação da resposta (aptidão plástica, mobilidade, flexibilidade e adaptação a um
mundo em rápida mudança).

Para ele, a fonte da espontaneidade é a própria espontaneidade. Necessita, porém, de um estado


apropriado para ser liberada: o estado de aquecimento. A manifestação objetiva do processo de
espontaneidade é o processo de aquecimento. A patologia da espontaneidade, por sua vez, se
caracteriza pelo excesso de impulsividade, pela carência, falsidade ou desadaptação desta
espontaneidade, em um determinado papel (que se cristaliza). A espontaneidade se libera mais
facilmente em contato com a espontaneidade de outro. Quanto menos alguém possui
espontaneidade, mais necessidade tem de outro que a possua.

O conceito de espontaneidade é central no pensamento moreniano e dominou toda a sua


pesquisa, durante sua vida. Para ele, espontaneidade é definida como a capacidade de responder
de forma nova às situações recentes ou às situações antigas. Espontaneidade, criatividade e
sensibilidade seriam recursos inatos do homem, que desde o início, estariam acompanhados tanto
de fatores favoráveis ao seu desenvolvimento, quanto de tendências destrutivas (RAMALHO,
2002).

Espontaneidade e criatividade não são processos idênticos, embora estejam vinculados entre si.
A espontaneidade é o catalisador psíquico; a criatividade, a substância que capacita o sujeito a
agir. Ambas conferem dinamismo às construções culturais, asseguram a sobrevivência social e
coletiva rompendo com as “conservas culturais” e facilitando as transformações da realidade
social (MARRA, 2004). Na visão psicodramática, segundo Moysés Aguiar: O homem que não
encontrou sua liberdade, subordinando-se, impotente e inerte, às forças externas que o
determinam, é o homem amarrado, travado, repetitivo, não espontâneo. Por outro lado, a perda
da dimensão coletiva, tanto quanto a cegueira da sua inserção cósmica, pode acarretar-lhe
equivalentes prejuízos, eventualmente observáveis em um individualismo exacerbado, talvez no
assim chamado espontaneísmo - a não-espontaneidade. (apud RAMALHO, 2002).

Para o aquecimento da espontaneidade é importante: os iniciadores, o foco e a zona. Os


iniciadores e o foco são as estimulações favorecedoras e preparatórias para um ato espontâneo. A
zona é o conjunto de elementos próprios e alheios, atuantes e presentes, que participam do
aquecimento.

Moreno propõe uma “revolução criadora” através do psicodrama, e esta significa a recuperação
da espontaneidade perdida no ambiente afetivo e no sistema social. A espontaneidade é algo que
26
pertence ao potencial criativo, que se atualiza e se manifesta. Ser espontâneo é tomar decisões
adequadas, perante o novo, agir de forma transformadora e coerente, considerando sempre os
laços afetivos construídos na rede. Não é responder automaticamente, é responder sendo um
agente ativo do próprio destino (MORENO, 1975).

Percebe-se com isso que, para Moreno, a espontaneidade e a criatividade acontecem sempre de
forma conjunta, posto que esta revolução criadora necessita de uma força espontânea, presente
no homem e imprescindível à sua existência. A revolução criadora é uma batalha constante que
se empreende contra o mau uso das conservas culturais (GONÇALVES et al,1988).

O ato criador, para Moreno, é construído pelos elementos conscientes e inconscientes de maneira
indistinta, pois neste momento há uma fluência direta entre estas duas dimensões. O ato criador
caracteriza-se pela espontaneidade, posteriormente pela surpresa e pela mudança, pois aquela
realidade existente antes do ato criador será sempre transformada. Além disso, o ato criador é um
atuar sui generis e produz efeitos miméticos por toda vida do sujeito que o vivencia, numa
relação conjunta entre corpo e as novas formas de organização da mente (MORENO, 1975).

Espontaneidade.

O conceito de espontaneidade aparece tanto na Filosofia quanto na Psicologia. Em termos


filosóficos, a espontaneidade merece ser valorizada tendo em vista sua função de componente
essencial da criatividade. Sob o aspecto psicológico, refere-se mais a uma qualidade sutil da
mente do que uma mera categoria identificável de comportamento. Moreno definiu este conceito
de diversas formas, mas restavam algumas inconsistências. É mais fácil compreender a
espontaneidade por meio de exemplos do que por definições, e aqui estão algumas instancias
óbvias de sua presença em inúmeras situações:

Improvisos feitos por músicos.


Brincadeiras não-estruturadas ou de faz-de-conta das crianças; e também vários de seus
desenhos, pinturas e comportamento explorador.
Pais brincando com seus bebes ou crianças pequenas.
Uma pessoa, de repente, experimentando novas ideias do cozinhar.
Uma conversa animada, a descoberta que torna duas pessoas apaixonadas.
A inspiração de um poeta, o sermão de um pregador.

A espontaneidade não precisa ser espetacular ou dramática: ela é despretensiosa, e pode ser
mostrar presente em sua maneira de pensar, andar, encarar a natureza, dançar ou cantar no
chuveiro. Mais do que fenômeno tudo-ou-nada (isto é, um ato que é ou não espontâneo), ela
ocorre em grau maior ou menor, na maioria das atividades que realizamos. Mesmo em
comportamentos relativamente habituais e automáticos pode haver uma semente de
espontaneidade em potencial.

Quando examinadas de perto, as qualidades essenciais de um ato espontâneo são mente aberta, a
originalidade de uma abordagem, a vontade de tomar iniciativa e uma integração das realidades
exteriores e das intuições interiores, das emoções e das funções racionais. A espontaneidade não
é mera impulsividade ou comportamento ao acaso; é preciso haver certa intencionalidade rumo a
um resultado construtivo, seja ele estético, social ou prático.

Para Moreno, espontaneidade/criatividade era o ingrediente central no processo do psicodrama e


do viver saudável. Ele a definia como uma nova resposta a uma antiga ou nova situação e, além
27
disso, chamava-a de “forma não-conservável de energia”, embora não se deva tomar isso como
definição e sim como indicação de alguns pontos importantes do fenômeno.

Não é o ato em si, mas sim a maneira pela qual o ato é realizado, que revela o inerente grau de
espontaneidade. Ele é manifesto em proporção à vivacidade da mente e da utilização do que
Moreno chamou de “a categoria do momento” como uma oportunidade de ação criativa.

É interessante notar a tendência de haver um elemento de entrega na espontaneidade, bem como


de inocência, resultando, assim, uma expansão da consciência. Permitir esse momento requer
abandonar a excessiva censura no funcionamento da mente, e a abertura correspondente aos
impulsos interiores, às intuições e inspirações.

Aumentar a espontaneidade e a criatividade decorre de um relacionamento básico com o


inconsciente que é de respeito, abertura e curiosidade prazerosa. O inconsciente deixa de ser
visto apenas como fonte de impulsos anti-sociais, mas sim como um manancial de insights,
pistas, imagens e intuições – em suma, o reservatório da criatividade. A grande contribuição do
psicodrama é permitir o acesso e utilização desse potencial criativo inato. E ele o faz
favorecendo as condições que provocam a espontaneidade, criando um contexto protegido contra
as falhas; introduzindo um certo desafio e novidade para criar uma certa ansiedade, um
deflagrador de energia para fazer com que as coisas andem e mantendo uma profunda
preocupação e respeito pelo problema em pauta.

Dimensões sociais da espontaneidade.

O fenômeno da espontaneidade revela-se naquilo que o filosofo Matin Buber chamou de


relacionamento Eu-Tu. O que Buber pretendia comunicar era a diferença entre o que ele
chamava de relacionamento Eu-Isto, no qual as pessoas se aproximam como se tudo o que há
para saber sobre elas fosse conhecido e determinado, e o relacionamento Eu-Tu, no qual as
pessoas se relacionam com abertura para os potenciais de criatividade e mistério em suas
existências.

O conceito de encontro de Moreno, desenvolvido em 1914, refletia desejo semelhante de


relações sociais mais autênticas e humanas. O tipo de encontro que ele buscava era tal que nele
as pessoas fariam certa inversão de papéis de maneira que o ato de identificação recíproca
expandiria suas consciências. Isto deve ser visto como que em oposição às práticas de grupos de
encontro supersimplificadas de 50 anos depois, nos quais a autenticidade era atribuída ao mero
desvelar emocional.

O contexto grupal pode funcionar como excelente laboratório para as habilidades sociais mais
maduras e abrangentes; além disso, o envolvimento em processos interpessoais e grupais
funciona como um ímpeto preponderante para a emergência da espontaneidade e do
comportamento criativo. As diversas técnicas sociodramáticas e sociométricas de Moreno
podem ser vistas como experiências estruturadas que tendem a gerar o tipo de normas de
envolvimentos que podem facilitar as interações autênticas.

A conserva cultural:

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A conserva cultural é um conceito criado por Moreno, ao afirmar que os usos e costumes, assim
como os objetos, cristalizam-se. Determinadas culturas podem estar presas a essas conservas,
criando um obstáculo à espontaneidade; as conservas devem ser o ponto de partida e não de
estagnação da criatividade. É diante das conservas que se pode processar uma verdadeira
revolução criadora, motivada sempre pelo fator espontaneidade (GONÇALVES et al, 1988).

Para Moreno, a conserva cultural propõe-se ser o produto acabado e, como tal, adquiriu uma
qualidade quase sagrada. Caberia ao ser humano se libertar da submissão às conservas culturais e
cultivar o estado espontâneo-criativo.

O fator tele e o encontro existencial:

O fator tele refere-se à capacidade de distinguir objetos e pessoas sem distorcer seus papéis
essenciais. O objetivo da atuação psicodramática é superar a repetição, as conservas culturais,
produzindo encontros. O fator transferencial, que permite a presentificação dessas repetições,
deve ser contornado e superado pelo fator tele. As relações télicas são relações do aqui e agora,
movidas pela espontaneidade e pelo encontro. A tele pode ser considerada uma forma de
percepção interna mútua e verdadeira entre os indivíduos. É a tele que promove relações de
encontro, pois é a empatia em dupla via, em reciprocidade.

Em uma relação terapêutica pode coexistir a relação télica e transferencial, ou mesmo as duas,
sendo que em determinados momentos é mais presente uma que a outra. O fator T, de tele, pode
ser mensurado dentro de um grupo através do teste sociométrico. À medida que a tele se
desenvolve nas relações interpessoais é possível recuperar a espontaneidade e a criatividade
(GONÇALVES, op. cit.)

O conceito de encontro existencial é definido por Moreno como a experiência essencial da


relação télica entre duas ou mais pessoas, o instante único. O encontro é o convite para a
convivência simultânea, é o momento de criação e de espontaneidade. É a reunião, o confronto
de corpos, a percepção do outro, penetrar no sentimento do outro (GONÇALVES, op. cit.). Para
os psicodramatista, o objetivo último do trabalho terapêutico é promover relações de encontro,
inclusive entre o terapeuta e seu cliente.

A catarse de integração:

A catarse de integração, outro conceito moreniano, é um mecanismo de ação terapêutica pelo


qual se pretende a liberação de afetos e emoções, assim como a sua posterior elaboração e
construção de novas formas de estar no mundo, no aqui e agora. Há no momento da catarse uma
aproximação entre o indivíduo e seus próprios conflitos, onde ele redimensiona as suas relações
e seu estar no mundo. Integra-se, sob uma nova perspectiva, à sua existência (BUSTOS, 1992). É
uma catarse ativa, múltipla, a partir da qual a pessoa amplia sua concepção de mundo, resignifica
e assume novas posturas no plano mental e corporal.

Moreno (1975) irá afirmar que o conceito de catarse (definido na Antiguidade por Aristóteles),
primeiramente se referia a um fenômeno que acontecia passivamente nos sujeitos; ou seja, os
atores de teatro estavam no palco e, lá, operavam uma expressão artística com efeitos catárticos
na platéia. Esta conceito se refere à catarse transferida para a platéia. No psicodrama, ao
contrário, a catarse é ativa, todos os participantes da platéia e do palco estão sujeitos a sofrer o
processo catártico, porque a catarse moreniana só acontece assim em conjunto, na inter-relação.
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Moreno defende que um dos efeitos do trabalho com a espontaneidade (aquecimento) pode ser a
catarse de integração. Não é a catarse de ab-reação, citada por Breuer e Freud: desbloqueio
puramente emocional, onde alguma “coisa” sai do paciente. É a catarse de integração, ativa, onde
o próprio paciente se liberta de algo que o limitava e aprisionava, podendo vislumbrar uma nova
perspectiva de realização, integrando suas partes, seus opostos e paradoxos. A ab-reação é
apenas a primeira fase do processo – a descarga mais superficial. A fase seguinte é a visão de um
novo universo e a possibilidade de um novo crescimento, em um novo contexto.

A catarse de integração é a catarse do ator e do criador. Tenta limpar o passado da sua vigência
no presente. Ela é precipitada pela “concretização” na ação psicodramática. A integração é o
próprio processo, muitas vezes parcial, gradual, lento e penoso. Após a catarse, o passado é
restituído ao passado e deixa de determinar o presente, mas integra-se a ele. A catarse de
integração devolve ao sujeito sua liberdade criadora. Novo universo é visualizado. Num grupo, a
catarse integra intencionalidades, intersubjetividades e intuições do co-inconsciente grupal.

A catarse de integração é um processo mental, corporal, individual, coletivo. Segundo Gonçalves


et al (1988), a catarse pode ser: revolucionária (quando revoluciona interiormente, mobilizando
novos aprofundamentos), evolutiva (quando cresce gradualmente) e resolutiva (quando produz
conscientizações e novas atitudes). No psicodrama, a ênfase é dada na ação dramática porque o
acting out é a oportunidade de exteriorizar o que o paciente trás, suas experiências internas e
externas. O acting out é terapêutico e se dá através da psicodramatização (não é o mesmo acting
out da Psicanálise, onde é considerado uma forma de resistência). Através da atuação de uma
situação, dentro dos limites terapêuticos, pode-se prevenir a atuação irracional na própria vida.

Segundo Moreno, quanto mais um protagonista entra no seu papel, menos consciente ele
permanece dos seus atos; é como ver o inconsciente atuando. A espontaneidade é o encontro
entre a subjetividade alienada e a sua história. Somente quando o sujeito se torna “saber em
ação” (movimento de transformação da sua história), ele se torna espontâneo-criativo. A função
do psicodrama é o de fazer brotar as verdades existenciais veladas – fazer emergir o sujeito
espontâneo-criador. O psicodrama traz à tona e concretiza cenas que se insinuam no interior da
primeira cena, extraindo significações veladas, para reencontrar as cenas originárias ou
nucleares, libertando a espontaneidade-criatividade do sujeito (NAFFAH NETO, 1979).

O psicodramatista parte do princípio de que, somente revelando o drama que subjaz no


comportamento é que se pode transformar a existência, que reproduz um drama humano
coletivo. Assim, o psicodrama tem como função básica fazer brotar o sujeito espontâneo-criador,
deixar eclodir a verdade de cada um, que jaz mascarada nos papéis, na trama, no enredo do
drama coletivo, do qual são todos atores inconscientes.

Assim, o objetivo terapêutico do psicodrama é tentar recuperar cenicamente o momento em que


um papel, cristalizado e adoecido, ainda não era conservado, o instante em que ainda estava
situado no contexto que o engendrou (o momento da sua criação). Mas, se o psicodrama caminha
em direção à origem, buscando cenas, é para recuperar o momento da criação, não para buscar
“causas”. A cena psicodramática deve oferecer novas possibilidades do protagonista se
posicionar, mais criativamente - no aqui e agora da dramatização (NAFFAH NETO, op. cit.).

Segundo Alfredo Naffah (ibidem), psicodramatizar é um ato de busca, um processo de


descoberta. É entrar no drama para desmascará-lo, desmistificar sua trama, mergulhar nos mitos,
enfrentar fantasmas, etc. Mas o drama sempre traduz e reproduz, em última instância, um
momento sócio-histórico-político coletivo. A dimensão terapêutica está ancorada num
30
comprometimento social e político, visto que o Psicodrama trabalha sempre considerando as
relações indivíduo-grupo-sociedade, em três contextos: social, grupal e psicodramático.

Teoria de Papéis.

Moreno (1980) dá várias definições de papel. Vamos citar algumas: “a menor unidade
observável de conduta”, “formas reais tangíveis que o Eu adota”, “o personagem ou a função
assumida na realidade social”, “Unidade de experiência sintética em que se fundiram elementos
privados, sociais e culturais”, “a forma de funcionamento que o indivíduo assume no momento
específico em que reage a uma situação específica, na qual outras pessoas ou objetos estão
envolvidos”.

Todo papel é uma fusão de elementos privados e coletivos. Composto de duas partes – os
denominadores coletivos e os diferenciais individuais – é importante fazer uma diferenciação
entre assumir o papel “role talking” que significa representar um papel completo, totalmente
estabelecido, de modo que não permite ao indivíduo nenhuma variação, nenhum grau de
liberdade; jogar o papel “role playing”, que permite ao indivíduo algum grau de liberdade; e
criar o papel “role creating”, que permite um alto grau de liberdade, como acontece, por
exemplo, com o ator espontâneo.

Os aspectos tangíveis do que se conhece como “ego” são os papéis por meio dos quais ele opera.
Papéis e relações entre papéis constituem o desenvolvimento mais significativo dentro de
qualquer cultura específica. Trabalhar com o papel como referência pode ser
metodologicamente mais vantajoso do que trabalhar com “personalidade” ou “ego”. Estes são
conceitos menos concretos e envolvem um mistério metapsicológico.

O surgimento do papel é anterior ao surgimento do self. Os papéis não emergem do self, mas o
self emerge dos papéis.

De acordo com as investigações experimentais com referência ao papel, não se confirma a


hipótese de que as gêneses do papel e da linguagem coincidem. Muito antes de surgirem, no
mundo da criança, papéis ligados à linguagem, já operam efetivamente os “papéis
psicossomáticos”, tais como os papéis de “ingeridor”, de “dormidor” e de “andador”.

Moreno distingue três tipos de papéis: os fisiológicos ou psicossomáticos, os psicológicos ou


psicodramáticos e os sociais. Considera-os como "eus" parciais.

No processo de desenvolvimento infantil os papéis psicossomáticos auxiliam a criança a


experimentar seu corpo (dimensão fisiológica / corporal). Por outro lado, os psicodramáticos vão
proporcionar as condições da criança experimentar e desenvolver sua psique (dimensão
psicológica do eu) e os sociais, por sua vez, contribuem para produzir o que se denomina
sociedade (dimensão da realidade social). Corpo, psiquê e sociedade são as partes intermediárias
e integrantes do eu total.

Para Moreno, no momento do nascimento do bebê, a matriz de identidade é o seu universo


inteiro, onde não existe diferenciação entre interno e externo, entre objetos e pessoas, psiquê e
meio. A existência é una e total. São, portanto, os papéis e através deles que a criança vai
percebendo e descobrindo a si própria e o mundo que a rodeia.

O surgimento e desenvolvimento dos papéis é um processo que ocorre nas fases pré-verbais da
31
existência do ser humano e não se inicia com a linguagem, pois é anterior à ela. (Nesse ponto
Moreno diverge de G. H. Mead que enfatiza a linguagem como condição da comunicação entre
os homens e do desenvolvimento da personalidade.) Tal processo indicativo da gênese dos
papéis ocorre em momentos e fases diversas da matriz de identidade. Ao nascer, a criança entra
em seu primeiro universo que se divide em dois períodos: o primeiro é o da identidade total,
onde a criança não diferencia pessoas de objetos, nem fantasia de realidade. Pessoas e objetos,
incluindo a própria criança, são experimentados como um todo só, indivisível. Nessa fase a
criança necessita de um ego-auxiliar que faça para ela o que não consegue fazer por si própria. O
segundo período é o da identidade total diferenciada ou da realidade total diferenciada, onde
objetos, animais, pessoas e a própria criança passam a diferenciar-se. Surgem, porém, dois
movimentos que se mesclam: ora a criança concentra a atenção no outro, esquecendo-se ou
estranhando a si, ora o inverso, ignora o outro, concentrando-se e ficando atenta em si mesma. É
a fase do espelho, onde não existe ainda uma diferença efetiva entre real e imaginado, entre
animado e inanimado, entre aparência das coisas (imagens de espelho) e as coisas como
realmente são.

Na primeira fase da matriz de identidade (a da identidade total indiferenciada) os papéis que


primeiro aparecem, ligados às necessidades e funções vitais, são os psicossomáticos, tais como o
de ingeridor, defecador, dormidor, etc. O conceito de papel psicossomático, para Moreno,
encontra-se vinculado ao de zona, foco, iniciador, aquecimento, conjunto de determinantes e/ou
condições que ocorrem, por exemplo, no ato de mamar, na relação mãe-filho." Toda zona é o
ponto focal de um dispositivo físico de arranque no processo de aquecimento preparatório de um
estado espontâneo de realidade, sendo tal estado ou estados componentes na configuração de um
papel."

Os papéis psicossomáticos são os primeiros desempenhados pelo ser humano. Definem as


marcas gravadas pela ordem vital e constituem os primeiros papéis a exigir do homem uma
colocação frente à sua própria existência. Representam padrões de conduta ou funcionamento na
satisfação das necessidades fisiológicas, incluindo aí o modus operandi, o clima afetivo-
emocional com que os egos-auxiliares interatuam com a criança no atendimento dessas suas
necessidades. De certa forma, já existe relação nas respostas que as necessidades ou funções
fisiológicas recebem dos egos-auxiliares. A partir, portanto, da forma como foram
experienciados os papéis psicossomáticos, a criança continua o processo de assimilação de novos
aglomerados ou "cachos" de papéis, pois a partir da formação dos primeiros ocorre como se cada
novo papel surgido tendesse a se aglutinar com os outros por influência ou "transferência do
fator E". Moreno entende o papel como a primeira unidade ordenadora e estruturante do eu.

Já na segunda fase da matriz (a da identidade total diferenciada), embora não tenha surgido ainda
a diferenciação entre objetos de realidade e imaginários, a criança começa a "imitar" parte
daquilo que observa. Moreno denomina tal processo como "adoção infantil de papéis" que
consiste em duas funções: dar papéis (doador) e receber papéis (recebedor). Exemplifica com a
situação de alimentar: a concessão de papéis é realizada pelo ego-auxiliar (mãe) e o recebimento
de papéis é feito pelo filho ao receber o alimento. A mãe ao dar o alimento aquece-se em relação
ao filho para execução de atos de certa coerência interna. E o bebê, ao receber o alimento,
aquece-se também para a execução de uma cadeia de atos que igualmente desenvolvem certo
grau de coerência interna. Como resultado de tal interação vai se estabelecendo, gradualmente,
uma certa e recíproca expectativa de papéis nos parceiros do processo. Expectativa esta que cria
as bases para todo o intercâmbio futuro de papéis entre a criança e os egos-auxiliares.

O primeiro universo termina quando a experiência infantil de um mundo em que tudo é real
começa se decompondo entre fantasia e realidade. Desenvolve-se a construção de imagens e
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começa a tomar forma a diferenciação entre coisas reais e coisas imaginadas. É o início do
segundo universo infantil, marcado pelo surgimento do que Moreno denominou "brecha entre
fantasia e realidade", (constituindo a terceira fase da matriz de identidade). Surgem, então, dois
processos de aquecimento: um de atos de realidade e outro de atos de fantasia. Dessa divisão do
universo em fenômenos reais e fictícios, surgem, gradualmente, um mundo social e um mundo
de fantasia, separados do mundo psicossomático na matriz de identidade. Emergem, agora,
formas de representar papéis que põem a criança em relação com pessoas, coisas e metas, no
ambiente real, exteriores à ela (papéis sociais) e com pessoas, coisas e metas que ela imagina lhe
serem exteriores (papéis psicodramáticos).

A partir da ruptura entre realidade e fantasia surge a diferenciação dos papéis sociais e
psicodramáticos, até então misturados. Os papéis de mãe, filho, professor, etc. são denominados
sociais, separados dos psicodramáticos que são personificações de coisas imaginadas, tanto reais
como irreais. Num diagrama de papéis Moreno representa a divisão entre ambos como tênue,
mas atribui maior espaço e predominância aos psicodramáticos.

Com o desenvolvimento desses novos conjuntos de papéis (os sociais relacionados com o mundo
real, os psicodramáticos com o mundo da fantasia), completa-se a terceira fase da matriz de
identidade, denominada a da inversão de papéis onde, primeiro existe a tomada de papel do outro
para, em seguida, ocorrer a inversão concomitante de papéis, o que acarreta uma transformação
total na sociodinâmica do universo infantil.

Os papéis psicodramáticos e sociais completam as condições para o surgimento do eu. Os três


papéis definidos por Moreno, desdobrando-se em aglomerados ou "cachos" correspondem aos
papéis precursores do ego, constituindo os "eus parciais" psicossomático, psicodramático e
social.

Nos sociais opera, fundamentalmente, a função da realidade mediante interpolações de


resistências, não produzidas pela criança, mas que lhe são impostas pelos outros, suas relações,
coisas, atos e distâncias no espaço, no tempo. Dessa maneira, através dos papéis sociais, o
indivíduo vai incorporando ou é inserido no mundo da realidade da cultura, dos padrões de
conduta, valores, deveres, etc. É o mundo instituído da conserva cultural.

A dimensão psicodramática constitui a contrapartida da realidade, já que nos papéis


psicodramáticos opera, fundamentalmente, a função da fantasia. Moreno entendia como papéis
psicodramáticos tanto os desempenhados no cenário durante uma dramatização, quanto os
oriundos da fantasia, da imaginação como produções imaginárias do indivíduo. "Os papéis
psicodramáticos são personificações de coisas imaginadas, tanto reais quanto irreais".
Correspondem, portanto, à dimensão mais individual da vida psíquica, à "dimensão psicológica
do eu", livre das resistências extrapessoais, a não ser as criadas por ele mesmo.

Com a brecha entre a fantasia e a realidade o indivíduo adquire a capacidade de iniciar processos
de aquecimento diferenciados, tanto para o desempenho de um ou de outro tipo de papel. E o
fator que vai garantir essa passagem do mundo da fantasia para o da realidade e vice-versa é a
espontaneidade como princípio da adequação da ação do indivíduo a seus próprios papéis.

A fase da inversão de papéis que ocorre no segundo universo infantil (precedida pela do duplo e
a do espelho) representa a culminância do processo de desenvolvimento do eu e constitui a base
psicológica para todos os processos de desempenho de papéis e para fenômenos como imitação,
identificação, projeção e transferência. Inverter e desempenhar o papel do outro, não surge de
súbito nem ocorre nos primeiros meses de vida. Somente com a integração dos papéis
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precursores, em torno do terceiro ano, a criança dispõe de uma identidade que lhe permitirá
relacionar-se com outras pessoas. Poderá, assim, inverter o quadro, assumindo o papel de quem,
um dia, a alimentou, carregou no colo ou com ela passeou. Dessa maneira, a experiência da
realidade irá permitir que, a partir da adoção de papéis, iniciada com os psicossomáticos, surjam
várias possibilidades de interação dos sociais e psicodramáticos.

Pela análise da gênese e desenvolvimento na história do indivíduo fica claro que "o papel é uma
experiência interpessoal", na qual vários atores encontram-se implicados, constituindo-se, ao
mesmo tempo, numa interação de estímulos e respostas. Interação que tanto sinaliza fatores
previsíveis da resposta em função dos papéis sociais e da percepção dos mesmos, quanto
elementos imprevisíveis resultantes da espontaneidade dos atores/participantes da interação.
Necessário se faz, portanto, analisar um outro aspecto, o conceito de complementaridade, o
contra-papel.

O papel, originariamente, nasceu da interação mãe-filho e baseado na complementaridade dos


dois. Somente existe em função de seu complementar: o contra-papel. A inter-relação de ambos,
polarizada em papel e contra-papel, constitui os vínculos. A forma do indivíduo atuar e interagir
é através dos papéis. Estes correspondem ao conjunto de respostas que ele dá a situações onde
outros indivíduos interagem desempenhando papéis complementares. Esse aprendizado implica
em conseguir viver os vários pólos de uma cadeia interativa, podendo jogar tanto o seu papel
quanto o complementar. Papel e contra-papel são constitutivos um do outro. Não há pai sem
filho... O modo de ser de uma pessoa decorre dos papéis que ela vai complementando ao longo
de sua existência, com as respostas obtidas na interação social, por outros papéis que
complementam os seus. Morfologicamente, a noção de papel aparece veiculando uma
complementaridade: o contra-papel, existindo entre ambos uma relação estrutural e de inter-
determinação recíproca.

Teoria do Momento:

A principal base filosófica básica do psicodrama é a filosofia do momento. O tempo também foi
um dos temas na teoria de J. L. Moreno, pois ele aponta que o momento é uma espécie de curto-
circuito, um instante. O momento é quando no tempo a duração é subitamente alterada,
caracterizando a transformação do ser no instante do encontro e da criação. Moreno conceitua o
aqui e agora, enfatizando o tempo presente e não o tempo passado pois as correntes afetivas dos
relacionamentos estão acontecendo sempre no aqui e agora.

Segundo Moreno, o homem primitivo viveu e criou no momento, mas logo que os momentos de
criação passaram, ele se mostrou muito mais fascinado pelo conteúdo dos atos criadores
pretéritos, sua cuidadosa conservação e avaliação do seu valor, do que pela manutenção e
continuação dos processos da própria criação. Pareceu-lhe ser um estágio mais elevado da
cultura desprezar o momento, sua incerteza e desamparo, e empenhar-se em obter conteúdos,
proceder a sua seleção e idolatrá-los, lançando assim os alicerces de um novo tipo de civilização,
a civilização da conserva (MORENO, 2000).

Com a teoria do momento, Moreno buscava resgatar, dentro dessa sociedade da conserva, a
importância do viver o momento, ainda que este guarde em si a lógica do imprevisível. O
momento será a produção do novo e, por isso, guardará sempre a incerteza; era essa dimensão
social que Moreno buscava resgatar em uma sociedade extremamente cristalizada. No campo
psicoterápico, teríamos no cliente o desempenho de papeis cristalizados e submetidos a uma
conserva cultural.
34
No poema que fala do encontro, vimos que Moreno às vezes recorria à linguagem literária para
comunicar o sentido de certas palavras que valorizava. Tais palavras referem-se a experiências e
vivências que não podem ser indicadas por conceitos operacionais, nem por juízos científicos
baseados na observação objetiva.

Para comentar o tempo vivido, o tempo da experiência subjetiva. Moreno baseou-se na distinção
estabelecida por Bérgson, entre o tempo convencional dos relógios, as concepções espacializadas
do tempo que utilizamos e a verdadeira experiência anímica do fluxo temporal, a duração. No
entanto, procurou criticar e acrescentar algo ao pensamento do filósofo, insistindo na
especificidade de sua descoberta: a categoria de momento.

Apesar de a essência da temporalidade consistir em um jorro constante, em um fluir que só pode


ser captado e descrito poética ou literariamente (segundo Bérgson e Moreno), o momento
moreniano é uma espécie de curto-circuito. É vivido como se a duração fosse alterada
subitamente, permitindo o destaque de um instante que transforma as pessoas envolvidas. É o
caso do momento do encontro e do momento da criação, situações em que o ser humano se
realiza, afirmando o que é essencial no seu modo de ser.

O “aqui e agora”: Moreno salientava a importância de se pensar a respeito da interação humana


levando principalmente em conta o tempo presente. Com efeito, opunha-se a teorias que
fundamentavam a atitude de procurar esclarecer o passado de A ou o passado de B, enquanto se
tratava de compreender o relacionamento dos indivíduos A e B.

A proposta metodológica moreniana, para a abordagem do relacionamento bipessoal e grupal é a


investigação das características do inter-relacionamento entre os indivíduos na situação, tal como
está ocorrendo. Trata-se de averiguar a relação presente, as correntes afetivas tais como estão
sendo transmitidas e captadas aqui e agora.

A palavra momento, nos dá noção de temporalidade e contextualidade. Justamente esta


temporalidade é um dos aspectos essenciais da existência humana. O pensamento moreniano
distinguiu três fatores no momento: o locus, o status nascendi e a matriz.

Estes fatores representam fases diferentes do mesmo processo. Não existe “coisa” sem seu locus;
não há locus sem seu status nascendi e não há status nascendi sem sua matriz. O locus de uma
flor, por exemplo, está no canteiro onde cresce como tal (...). O seu status nascendi é o de uma
coisa em desenvolvimento, tal como brota da semente. A sua matriz é a própria semente fértil.
(MORENO, 1975).

Assim, o locus é o lugar, espaço, em que determinado acontecimento ocorreu ou ocorre,


partindo-se do pressuposto de que tudo acontece em algum lugar. O status nascendi é o processo
de concepção para o desenvolvimento de um determinado acontecimento.

O conceito de matriz foi utilizado e entendido por Moreno como sendo um lugar de
acontecimentos fundantes. Neste sentido, Moreno definiu matriz como sendo o locus nascendi.
A matriz é uma verdadeira área de vínculos, um universo de ações e interações fundamentais e
constituintes, um locus peculiar, o locus nascendi.

O eixo fundamental da teoria moreniana é a inter-relação entre as pessoas, o indivíduo concebido


e estudado através de suas relações interpessoais. O homem moreniano é um indivíduo social,
porque nasce em sociedade e necessita dos outros para viver. Neste sentido, logo ao nascer, a
35
criança é inserida em um contexto de relações sociais onde, em primeiro lugar, aparece sua mãe
(primeiro ego-auxiliar), seus pais e parentes próximos. A este conjunto Moreno chamou Matriz
de Identidade.

Dentro do conceito de matriz, encontramos a chamada Matriz de Identidade. Sendo essa o ponto
de partida para o processo de definição de um indivíduo. “Matriz de identidade é, portanto, o
lugar (locus) onde a criança se insere desde o nascimento, relacionando-se com objetos e pessoas
dentro de um determinado clima. O desenvolvimento do recém-nascido dar-se-á nesse locus”.
(GONÇALVES, WOLFF e ALMEIDA).

Neste sentido, a matriz de identidade é o primeiro átomo social em que a criança se insere após o
seu nascimento. “O primeiro lugar de desenvolvimento e assimilação dos papéis é a ‘matriz de
identidade’, que é a placenta social da criança”. (MARRA, 2004).

FONSECA FILHO (1980) desenvolveu um esquema evolutivo da matriz de identidade tendo


como embasamento as teorias de Moreno e Buber, sendo importante destacar que, para estes dois
autores, o ser humano é um ser cósmico, o cosmos é o seu berço de nascimento e de morte. Este
esquema divide-se em dez fases:

1 – Indiferenciação: A gravidez, a gestação e o nascimento é um momento grandioso para o pai,


a mãe e o filho, mas é com a mãe que a criança tem sua relação mais estreita, até mesmo por
condições biológicas (no útero e na amamentação), ambos estão envolvidos num mesmo ato.
Para o Eu-mãe existe um desvinculamento, sob este ponto de vista, do Tu-filho (apesar da forte
ligação afetiva). Para a criança o mesmo não acontece. A distinção de si mesma ainda não
surgiu. O Eu-filho se confunde com o Tu-mãe. Mistura suas “coisas” com as do mundo
circundante. Seus elementos e os da mãe são unos. (FONSECA FILHO, 1980). Nesta fase a
criança não sobrevive por si só, necessitando de alguém que cuide dela, que faça o que ela não
pode fazer e que captem o que ela deseja.

2 – Simbiose: Nesta fase a criança vai caminhando para adquirir sua identidade como pessoa,
mais ainda não consegue totalmente. Assim teríamos a criança ainda unida por uma forte ligação
com a mãe.

3 – Reconhecimento do Eu: Esta fase corresponde ao processo de reconhecimento do Eu, ou fase


do espelho. Aqui a criança está passando pelo estágio do reconhecimento de si mesma, de
descoberta de sua própria identidade, período em que começa a tomar consciência de seu corpo
no mundo. Percebe que seu corpo está separado da mãe, das pessoas, dos objetos, passando a
identificar sensações corporais.

4 – Reconhecimento do Tu – Esta fase faz parte do mesmo processo do reconhecimento do Eu,


pois ao mesmo tempo em que se está reconhecendo como pessoa, se está também no processo de
perceber o outro, de entrar em contato com o mundo. Trata-se da fase em que ela descobre que o
outro sente e reage em relação as suas iniciativas. Este processo de aprendizagem do outro é de
suma importância para estabelecer relações satisfatórias no futuro.

5 – Relações em corredor - Nesta fase a criança adquire uma capacidade discriminatória entre a
fantasia e realidade, entre o que sou Eu e o que é o resto do mundo. “A criança vai relacionando-
se com os “Tus” de sua vida. O Tu, a esta altura, não significa só a mãe. Há um Tu de cada vez,
pela frente. Executa relacionamentos em corredor”. (FONSECA FILHO, 1980).

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6 – Pré-inversão – A criança passa, nesta fase, por um processo de treinamento protegido de
inversão de papéis, utilizando-se de jogos de faz-de-conta para o seu desenvolvimento.

7 – Triangulação – Há a percepção de uma terceira pessoa, um Ele existente entre a criança e o


seu Tu, a mãe. Nesta fase o relacionamento passa de bi-pessoal para triádico.

8 – Circularização – Representa a entrada do indivíduo na vivência sociométrica dos grupos. É a


fase de socialização da criança.

9 – Inversão de papéis – Após todos os reconhecimentos (o Eu, o Tu, o Ele, o Eles, o Nós), a
inversão de papéis significa captar-se a si mesmo e ao outro. É a fase culminante do processo de
desenvolvimento da tele.

10 – Encontro – É um momento especial, é a situação ideal de plena capacidade de inversão de


papéis.

A matriz de identidade:

A matriz de identidade para Moreno é o lugar onde a criança se insere desde o nascimento,
relacionando-se com outros objetos e pessoas dento de um determinado clima. O meio é
constituído por fatores sociais, materiais e psicológicos. A matriz de identidade é o locus
nascendi. Moreno também a denominava de “placenta social”, pois estabelece a comunicação
entre a criança e o universo social da mãe. Esse local é ocupado pelo bebê antes mesmo dele
nascer (GONÇALVES, op. cit.).

O átomo social é um importante conceito da matriz de identidade. Para Moreno o átomo é a


menor configuração social das relações interpessoais. É mutante e refere-se às pessoas que
apresentam algum significado na vida do sujeito. A rede sociométrica, por sua vez, refere-se à
união de vários átomos sociais.

Co-inconsciente e co-consciente:

Co-consciente e co-inconsciente, são conceitos desenvolvidos por Moreno ao se referir aos


estados inconscientes. São produzidos e experimentados apenas em conjunto, em grupo. O co-
inconsciente refere-se aos desejos e fantasias experimentados e reproduzidos conjuntamente por
mais de uma pessoa de forma inconsciente; já o co-consciente é a experimentação comum de
idéias e sensações de forma consciente. Ambos podem emergir em grupos que vivenciam uma
história em comum. No processo psicodramático observamos a emergência de fenômenos do co-
consciente e do co-inconsciente grupal.

A realidade suplementar:

O conceito de realidade suplementar é central na teoria psicodramática. O psicodrama permite o


acesso a uma forma de realidade raramente atingida por outras abordagens terapêuticas,
alcançando o território dionisíaco, que é o da libertação das convenções corriqueiras, que
Moreno chamou de realidade suplementar. O acting out controlado do psicodrama não é apenas
um teatro de expressão, mas também um ato de restrição, pois ao mesmo tempo permite o
encontro e a confrontação, a desconstrução e a construção. Moreno conceituou o psicodrama
37
como uma pequena injeção de insanidade, sob condições controladas e protegidas. Ele é
semelhante ao teatro do êxtase em seu sentido mais puro, pois possibilita ao sujeito sair do
mundo limitado do seu ego e individualidade, e dissolver fronteiras. Assim, atuando, o
protagonista é convidado a experienciar um mundo sem limites, virtual, em que fica liberado do
mundo real, podemos dizer que estamos trabalhando com a imaginação, numa realidade
suplementar.

Moreno escreveu pouco sobre realidade suplementar em sua obra. Segundo ele (MORENO,
1965, apud MORENO et al, 2001), no psicodrama acontece um tipo de experiência que
ultrapassa a realidade, que oferece ao sujeito uma nova e extensiva experiência de realidade, que
não é uma perda, mas um enriquecimento da realidade, por meio do investimento e do uso
extensivo da imaginação.

Sobre a realidade suplementar, Zerka Moreno também defende que ela é um instrumento de cura
vital para o grupo e para o indivíduo (MORENO et al, op.cit.). A realidade suplementar do
psicodrama se assemelha também á experiência surrealista, porque introduz o protagonista a um
mundo de estranhamentos. Ao encenar suas imagens no palco, o psicodrama encontra seu
próprio curso, assume e imprime sua própria direção, a espontaneidade entra em cena com suas
surpresas, entra-se na esfera do "não saber", do "não domínio" e do "não conhecido". O
protagonista é levado a redimensionar e observar, com cuidado, o que acontece com ele,
utilizando simultaneamente suas funções saudáveis. Passa a vivenciar esta realidade suplementar
junto com outras pessoas, no contexto de um grupo real, ao tempo em que influencia sua
produção e sua qualidade dramática. Assim, "ele vive um mundo que nunca pode ter sido e
nunca pode vir a ser, mas, no entanto, é absolutamente real. Ele tem o poder de redenção"
(Ibidem).

Existem duas formas de trabalhar com a realidade suplementar, uma mais ortodoxa e outra mais
heterodoxa, segundo Zerka Moreno (op. cit.):

1) a realidade suplementar como técnica para atuar as fantasias e os desejos e, portanto,


as necessidades do ego: tem um efeito integrador sobre o ego, de modo que o
protagonista se sinta melhor e consiga tocar para a frente a sua vida. Por exemplo: levar
ao palco um diálogo entre o protagonista e alguém que já morreu, ou atribuir a ele um
"novo" pai ou mãe, re-significando. O objetivo seria curar velhas feridas, teria um efeito
integrador;

2) a realidade suplementar como um instrumento de desintegração, para criar


desconforto, mal - estar e tensões no palco.

Os protagonistas em geral se movem em áreas que não são reais para ninguém, exceto para eles,
e de caráter puramente subjetivo. Os psicóticos são um exemplo extremo disto. Estas idéias
podem ultrapassar a fantasia e a intuição e se tornarem quase um "transe". No entanto, Moreno
achava que a realidade suplementar existe, está ai fora, em algum lugar, e deve ser concretizada e
especificada, devolvida ao centro do protagonista, onde tem significado e propósito. Ele sabia
que não podia chegar verdadeiramente ao psiquismo do protagonista a menos que ele habitasse,
junto com o protagonista, a realidade suplementar (MORENO et al, 2001).

Assim, esta forma de realidade ultrapassa a medida humana do tempo e do espaço. O diretor tem
de aquecer o grupo para esquecer o tempo humano e abrir as fronteiras, tecer do passado para o
presente e para o futuro. Na realidade suplementar o tempo e o espaço são vistos como
conservas, coisas congeladas com as quais podemos mexer. Por outro lado, ao penetrarmos no
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psiquismo, atingimos uma dimensão que vai além da realidade subjetiva e objetiva, pois é uma
espécie de realidade cósmica, que tem a peculiaridade de ser fora do tempo e do espaço, nos
colocando em contato com os poderes cósmicos. Nesta realidade suplementar o psicodramatista
é guiado por um self transpessoal e sincrônico, ele funciona como um canal aberto e disponível
para inspirar - se e trabalhar com a intuição (Ibidem).

O palco do teatro da espontaneidade inicial foi abandonado e Moreno criou outro para o
psicodrama, dividindo-o em três níveis:

1) nível da realidade (objetiva cotidiana) - onde acontece o aquecimento inespecífico;


2) nível da entrevista - onde acontece o aquecimento específico;
3) nível da ação dramática - onde a realidade suplementar se manifesta, no como se.

No entanto, todos os níveis acima conduzem à realidade suplementar. Para Moreno, o psicótico
vive, em grande parte, nesta realidade suplementar, na realidade subjetiva dele (onde pode ser
qualquer coisa, em qualquer tempo e lugar).

Segundo Zerka Moreno (op. cit. 2001), é importante ao terapeuta que usa a realidade
suplementar, fazer uso da sua imaginação ativa, e circular por um mundo mais amplo em direção
a uma surpresa, criando brincadeiras, usando o humor e objetos mágicos facilitadores, como que
para "adequar a punição ao crime". Pode fazer conexões espontâneas, que muitas vezes afloram
pela intuição inconsciente, brotam em algum nível subliminar. "A mágica e a realidade
suplementar pertencem ao mesmo domínio" (Ibidem, p. 60) e, com a base na espontaneidade -
criatividade, a realidade suplementar nos leva a novos níveis de vivência de nós mesmos e do
mundo.

O psicodrama é uma abordagem de transformação no aqui-e-agora, através do emprego de regras


fundamentais da imaginação e sem cair no abismo da ilusão, da alucinação ou do delírio
(MORENO, apud KELLERMANN, 1992).

É no "como se" do psicodrama que a realidade suplementar opera. O "como se" não opera sobre
a realidade da vida, mas sobre a situação semi-real do jogo; é a chamada "meta - realidade".
Suplementar significa "o que sobrou", e diz respeito àquela parte da experiência que permanece
dentro de nós. A realidade psíquica é ampliada e se dá expressão às dimensões intangíveis,
invisíveis, da vida do protagonista. De acordo com Blatner (apud KELLERMAN, 1992): "A
imaginação representa aquela dimensão de nossas vidas que é nossa realidade suplementar.
Somos reis e escravos, somos crianças novamente, existimos dez anos além, no futuro, etc."

O conceito de realidade suplementar é fundamental e foi introduzido no psicodrama para ajudar


na apresentação da verdade pessoal do protagonista. Nela, o protagonista representa a sua
verdade na forma subjetiva, não é apenas o que realmente aconteceu, mas o que nunca ocorreu
embora tenha sido desejado, temido ou admirado: o desconhecido, o não-dito, o não-nascido, o
sonho, esperanças, as sensações de dèja vu, medos, desapontamentos, expectativas e desejos
frustrados. O que conta é o que parece "fenomenologicamente" verdadeiro para o protagonista,
faz parte da verdade pessoal do protagonista e da sua experiência singular da realidade, portanto,
tem validação existencial.

No caso de atendimentos com psicóticos, no psicodrama não se tenta alterar uma visão pessoal
de mundo de um paciente de maneira direta, sem antes adentrar na sua realidade especial. Para
Moreno (1966:132), "o protagonista transforma sucessos simbólicos em atuação, utilizando
técnicas como solilóquio, duplo, espelho e inversão de papéis". Segundo Soliani (apud
39
MONTEIRO, 1993), a fantasia para Moreno se realiza por meio dos papéis imaginados (reais ou
não). Para ele no palco a realidade e a fantasia não estão em conflito, sendo ambas funções
pertinentes a uma esfera mais ampla, o mundo psicodramático, onde delírios e alucinações
podem ser encarnados (adquirem igualdade de status).

No psicodrama, a fantasia e a realidade estão misturadas, em proporções diversas. Nos jogos


dramáticos, por exemplo, as fantasias são aceitas pelo grupo, exteriorizam-se com papéis
psicodramáticos realizados no palco e levam a um estado semelhante aos das crianças, antes e
durante a passagem do primeiro para o segundo universo da matriz de identidade (conceito que
veremos adiante). Busca-se no psicodrama uma nova separação da realidade / da fantasia, uma
harmonia desses dois mundos, dos reais posicionamentos da pessoa no jogo de interações de
papéis na família, no grupo, na sociedade. Essa busca se realiza pela corporificação no palco dos
papéis psicodramáticos, porque este palco oferece um status igual para a realidade e a fantasia
(status este que só existe no primeiro universo infantil). No palco, realiza-se
psicodramaticamente papéis da realidade suplementar (papéis de seres fantásticos, mitológicos,
de seres inanimados, divinos, alucinados, de sonhos, de desejos, de fantasias escondidas e
sufocadas).

Segundo Moreno (1966:113), "o psicodrama enriquece o paciente com uma experiência nova e
alargada da realidade, uma realidade suplementar, pluridimensional, um ganho que ressarce, pelo
menos em parte, o sacrifício que ele teve que fazer durante o trabalho de produção
psicodramática". O Psicodrama oferece a oportunidade de aumentar a vivência real para quem
dela necessita, como os esquizofrênicos. A realidade suplementar é este "plus", este "a mais" que
para o protagonista ou o grupo é invisível, até que ela apareça atrás da inversão de papéis com o
marido, o filho, etc. quando se representam personagens alucinados, deuses, mitos, sonhos, etc,
possibilitando a abertura para uma realidade até então desconhecida e invisível.

Moreno cita técnicas que facilitam o aparecimento da realidade suplementar, são elas:

1) a inversão de papéis;
2) o roleplaying;
3) o onirodrama;
4) o jogo de Deus;
5) a projeção no futuro;
6) a loja mágica;
7) a comunidade terapêutica ou a técnica da criação de um mundo auxiliar.

Portanto, a realidade suplementar não é uma técnica, mas a realidade com que se trabalha todo o
tempo em que se dramatiza. No seu famoso "caso Hitler", Moreno afirma que não se trata de um
retorno à realidade, mas sim da transferência de uma realidade (psicodramática) para outra
(social), que o paciente se torna capaz de manipular. A respeito do simbolismo, Moreno (apud
MONTEIRO, 1993) afirma que o psicodrama abre uma nova região à investigação do
simbolismo inconsciente, ilumina os símbolos de ação, pois o comportamento simbólico pode ser
melhor estudado mediante os métodos de ação e representação, que mediante os métodos
verbais.

A ação psicodramática pode desvendar o comportamento inconsciente simbólico, estabelecendo


correlações entre: a palavra - o símbolo - o comportamento - a atuação psicodramática. E como
isto acontece? No palco psicodramático, com a ajuda dos egos-auxiliares, que podem
personalizar símbolos e figuras do mundo particular do protagonista. Os papéis psicodramáticos
desempenhados no psicodrama são símbolos do mundo do paciente, símbolos inconscientes, que
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estão ligados à palavra, ao comportamento e à atuação. Há símbolos do inconsciente coletivo e
símbolos do inconsciente individual que, em determinados momentos, estão carregados de fortes
emoções e podem se sobrepor, serem ativados. Os símbolos e o processo simbólico emergirão,
durante a dramatização, que tem a função de clarificá-los, pois eles estão sempre à espera de
alguma qualidade de realidade para surgir, para ir à luz. No psicodrama, é a realidade
suplementar que favorece isto.

2.1.1 – Método psicodramático.

O método do Psicodrama usa a representação dramática como um núcleo de abordagem e


exploração do ser humano e seus vínculos. A ação, unida à palavra, desdobra o conflito que
ocupa o protagonista no espaço dramático. Na cena, o indivíduo pode representar seus conflitos
passados e presentes, e também seus temores, expectativas, projetos e dúvidas sobre o futuro,
explorando suas relações com o presente e o passado.

Distinguem-se, no desenvolvimento da ação dramática, três momentos que possuem, cada um,
uma importância singular.

A primeira fase, chamada aquecimento, é onde se prepara o clima do grupo. Escolhem-se um


tema e um protagonista e tenta-se penetrar no mesmo no maior nível de espontaneidade possível.

A segunda fase é a representação propriamente dita, a cena dramática. Aqui ganham importância
os eu-auxiliares, que serão os encarregados de encarnar os personagens para os quais o
protagonista os escolheu: os personagens reais ou fantasiosos, aspectos do paciente, símbolos do
seu mundo.

A terceira fase é o compartilhar. Momento em que o grupo participa terapeuticamente. Nesta


etapa o grupo devolve, compartilha seus sentimentos e vivências, tudo o que lhes foi
acontecendo durante a cena, as ressonâncias que ele produziu.

As diversas técnicas dramáticas utilizadas durante a representação foram pensadas por Moreno
em relação com sua teoria da evolução da criança. Cada uma delas cumpre uma função que
corresponde a uma etapa do desenvolvimento psíquico.

O diretor do Psicodrama instrumentará, em cada situação, aquelas que pareçam mais adequadas e
correspondentes ao momento do drama, segundo o tipo de vinculação que nele se expressa.

 A primeira etapa de indiferenciação do Eu com o Tu corresponde a técnica do duplo.


 A segunda, do reconhecimento do Eu, a técnica do espelho.
 A terceira etapa do reconhecimento do Tu, a técnica da inversão de papéis.

Para a cena psicodramática, os seguintes elementos ou instrumentos são necessários:

a) Cenário: neste continente desdobra-se a produção e nele podem-se representar fatos


simples da vida cotidiana, sonhos, delírios, alucinações.
b) Protagonista: o protagonista pode ser um indivíduo, uma dupla ou um grupo. É quem, em
Psicodrama, protagoniza seu próprio drama. Representa a si mesmo e seus personagens
são parte dele. Palavra e ação se integram, ampliando as vias de abordagem.

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c) Diretor: o psicoterapeuta do grupo é também o diretor psicodramático. O diretor do
psicodrama está atento a toda informação ou dado que o protagonista dê, para incluí-la na
cena, guia e ajuda a chegar à cena com espontaneidade. Uma vez começada a cena, o
diretor se retira do espaço dramático e somente intervém se é necessário incluir alguma
técnica, dando ordens ao protagonista ou ego-auxiliares.
d) Público: é o grupo terapêutico Moreno distingue três procedimentos, segundo o objeto de
estudo para se abordar quando se dramatiza:
 Psicodrama, tratamento dos conflitos individuais.
 Sociodrama, onde o objeto de estudo são os grupos sociais.
 Role playing: quando o Psicodrama é utilizado para a formação e treinamento de
papéis profissionais e técnicos.

2.2 – Fatores terapêuticos.

Fator terapêutico pode ser definido como um elemento que provoca um efeito terapêutico.
Assim, os aspectos terapêuticos são “agentes de mudança”, “fatores de cura”, ou “mecanismos
de crescimento”, que contribuem para um resultado psicoterapêutico positivo. Tais fatores são,
naturalmente, intimamente relacionados tanto com os processos internos ao paciente como com
as intervenções do terapeuta, que sugerem uma variedade de elementos que influenciam,
individualmente ou em conjunto, os resultados da terapia.

A despeito dessa complexidade, os terapeutas das várias escolas enfatizam os fatores “básicos”
que eles acreditam que sejam os mais eficientes em sua forma particular de psicoterapia.

Os psicanalistas enfatizam a importância do auto-entendimento reconstrutivo ou o insight na


produção de uma mudança de personalidade duradoura.

Segundo a teoria da aprendizagem social, a mudança se produz pela mediação de processos


cognitivos, ou schemata (Bandura, 1977).

Os adeptos da terapia centrada na pessoa acreditam que as qualidades do terapeuta –


especialmente seu olhar positivo, sua empatia acurada e sua congruência – são de crucial
importância.

Os terapeutas comportamentais insistem que a mudança terapêutica deva ser entendida apenas no
sistema conceitual da aprendizagem por meio do reforço e da punição.

De acordo com alguns hipnoterapeutas, nenhum dos fatores acima pode ser comparado em
importância aos paradoxos terapêuticos a que o terapeuta recorre para criar uma mudança de
segundo grau (Wazlawick, Weakland e Fish, 1974).

Finalmente, muitos autores registram a influência de fatores “não específicos” ou “extra


terapêuticos” de cura, que ocorrem não apenas na psicoterapia, mas também em relacionamentos
não profissionais ou “por si mesmos”, como no caso do efeito placebo.

Embora as psicoterapias citadas enfatizem um aspecto terapêutico específico, outros autores


tentaram apresentar uma lista dos vários aspectos importantes para a cura psicoterapêutica e que
podem ser considerados como “denominadores comuns” às várias abordagens terapêuticas.

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O psicodrama utiliza uma multiplicidade de recursos terapêuticos, parecendo justificável a
afirmação feita por Blatner (1973), de que “ele deve ser visto, mais realisticamente, como
funcionando dentro do contexto de uma abordagem eclética da relação de ajuda”. No tratamento
individual de cada protagonista podem ser aplicados, de forma flexível, vários recursos em
função de diferentes metas terapêuticas, tais como o treinamento de papeis, a eliminação de
sintomas, a intervenção na crise, o autoconhecimento geral, a resolução de conflito ou a mudança
de personalidade.

Corsini e Rosemberg (1958) definiram nove classes mais gerais de fatores terapêuticos que
poderiam ser agrupados em três categorias mais amplas:

01) Emocional: aceitação, altruísmo e transferência;


02) Cognitiva: terapia do espectador, universalização e intelectualização;
03) Ativa: teste de realidade, ventilação e interação.

Yalom (1975) detectou uma lista de fatores de cura que denominou:

01) Autoconhecimento (insight);


02) Aprendizagem interpessoal (input e output);
03) Universalidade;
04) Instilação de esperança;
05) Altruísmo;
06) Recapitulação do grupo familiar primário (dramatização d família);
07) Catarse;
08) Coesão;
09) Identificação;
10) Orientação; e
11) Questões existenciais.

Estudos científicos indicam que membros de grupos psicoterapêuticos parecem valorizar


universalmente o aprendizado interpessoal, juntamente com a catarse, a coesão e o insight, como
fatores terapêuticos básicos do processo.

Os participantes de grupos de psicodrama indicam que a ab-reação emocional


(descarga emocional, pela qual o afeto ligado a uma recordação traumática é liberado, quando
esta, até então inconsciente, chega à consciência), o insight cognitivo (refere-se a uma tomada de
conhecimento, por parte do sujeito, de atitudes características suas que até então estavam
egossintônicas) e os relacionamentos interpessoais, mais uma vez, foram percebidos como de
maior utilidade que os demais aspectos básicos do processo terapêutico.

Acredita-se que, se Moreno fosse questionado a esse respeito, mencionaria alguns ou todos os
seus conceitos básicos da teoria da personalidade – átomo social, tele, preparação, role-playing,
espontaneidade, criatividade e conservas culturais (Bischof, 1964) – como explicações para o
potencial terapêutico do psicodrama.

Quando indagada sobre questão similar, Zerka Moreno mencionou os seguintes fatores
terapêuticos: o fator relacionamento real (tele), auto-exposição (validação existencial), catarse de
integração e insight de ação.

Leutz (1985) focalizou o contexto especial (a cena), o instrumento espontâneo, a função do


auxiliar e as técnicas psicodramáticas (duplo, espelho, inversão de papeis), elementos esses que,
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segundo ela, teoricamente originam das condições iniciais do desenvolvimento humano. E
acrescentou que: “quando se faz com que um conflito se torne tangível, concreto e visível, este
torna-se dispensável e, assim, a pessoa pode mudar”.

Blatner e Blatner (1988) resumem assim as bases psicológicas do psicodrama: “a utilização da


tendência inata ao jogo pode se estender para o tratamento de adultos. A atividade o e emprego
de técnicas para incrementar a vividez da experiência ampliam a autorização do paciente para
exercer sua força. A inclusão de uma orientação voltada para a construção de habilidades
favorece atitudes mais aprofundadas, ao mesmo tempo em que sustenta os elementos cognitivos
da aliança terapêutica. O desenvolvimento de canais de auto-expressão ajuda a gerar
sublimações saudáveis de necessidades emocionais até então não-cultivadas. A ênfase no futuro
e a aplicação de métodos voltados par o desenvolvimento da capacidade de criação de um ego
ideal ,mais vigoroso é um outro aspecto importante da terapia. Em todos eles, os pacientes são
ajudados a estabelecer pontes mais funcionais entre suas experiências subjetivas e os recursos
objetivos da realidade”.

Embora os fatores terapêuticos sejam bastante complexos e multifacetados, Kellermann (1998),


acredita ser possível dividi-los em sete grandes categorias:

01) Habilidades do terapeuta (competência, personalidade);


02) Ab-reação emocional (catarse, liberação de afetos acumulados);
03) Insight cognitivo (autocompreensão, consciência, integração, reestruturação perceptiva);
04) Relacionamentos interpessoais (aprendizado por meio do encontro, tele e pesquisa da
transferência/contratransferência);
05) Aprendizagem através do comportamento e da ação (aprendizado de novos
comportamentos através de recompensa, punição e acting out);
06) Simulação imaginária (comportamento “como se”, jogo, apresentações simbólicas, faz-
de-conta);
07) Fatores inespecíficos de cura (fatores secundários globais).

2.3 – Técnicas básicas do psicodrama.

A palavra grega tékne originariamente significava arte manual, industria, exercício de um oficio,
profissão, arte, habilidade para fazer alguma coisa, meio, expediente, produto de arte etc. Nas
psicoterapias, técnica retém alguns desses significados. Técnicas são principalmente processos
de uma arte ou maneiras, jeitos de fazer algo.

No caso do psicodrama, as técnicas, maneiras de fazer ou de agir estão relacionadas à arte teatral,
à encenação do drama. São adotadas em sessões grupais, individuais ou bipessoais, com
inúmeras variações que dependem não só da modalidade de psicodrama, mas também do
momento vivido pelo cliente.

Para Moreno, os verdadeiros inventores das técnicas são os enfermos mentais de todos os
tempos, e o psicodrama descobriu-as, porém não as inventou. Elas podem ser encontradas em
usos e costumes de várias culturas, na literatura e no teatro. Inspirado por leituras e
principalmente pela experiência teatral, acompanhando seus pacientes quando estes enfrentavam
intensas perturbações e conflitos, procurando auxilia-los na expressão de seu mundo interno,
Moreno pode ir com eles descobrindo as formas de ação efetivamente expressivas, catárticas e
esclarecedoras.

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O conjunto de processos da arte psicodramática não pode ser reduzido ao emprego das técnicas
básicas, embora geralmente estas e suas derivações permitam a instauração da situação
psicodramática.

Técnicas básicas são aquelas que servem de base ou de fundamento para as demais. Não é
obrigatório que sejam utilizadas em todas as sessões de psicodrama. Pelo contrário, nota-se sua
ausência nos protocolos escritos por Moreno, o que aponta para o desenvolvimento do
psicodrama em relação a quaisquer instrumentos previamente definidos.

As Técnicas Básicas do Psicodrama fundamentam-se no que Moreno chamou de Matriz de


Identidade, que está relacionada com o nascimento e desenvolvimento da criança.

1ª Fase: A criança ainda não se distingue do mundo que a circunda, é totalmente dependente da
mãe para sobreviver.

Técnica do Duplo

Descrição:
O terapeuta se expressa, clarificando para o cliente os sentimentos que naquele momento ele não
consegue expressar ou até mesmo identificar.
O terapeuta deve posicionar-se ao lado do cliente, e com a mão em seu ombro usa o pronome
pessoal EU, ao fazer a intervenção clarificadora de vivência emocional. Deve adotar a postura
corporal, o tom de voz, a forma peculiar de o cliente falar e se expressar, objetivando expressar
ao máximo a sintonia emocional.
O DUPLO pode fazer perguntas, questionar sobre tais sentimentos e idéias a fim de que ocorra
uma identificação por parte do cliente com o “seu duplo”.

Objetivos:
Aprofundar a questão que se apresenta buscando o significado da situação vivida para o cliente.
Possibilitar a ampliação da consciência, através da conscientização dos sentimentos apresentados
na sessão.
Promover a autenticidade, onde pensamento, sentimento e ação estejam em harmonia e sejam
verbalizados de forma clara.

Quando usar:
Esta técnica pode ser utilizada tanto individualmente como em grupo, e em qualquer etapa do
processo terapêutico.

2ª Fase: Nesta fase a criança começa a se separar do mundo e também a distinguir os objetos e
pessoas. Estranha-se ao ver sua imagem refletida no espelho. Experimenta então reconhecer-se
fazendo caretas...

Técnica do Espelho

Descrição:
O terapeuta toma o papel do cliente e atua, e este o observa fora da cena. A performance do

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terapeuta é a mesma do cliente no falar e na expressão. Logo a seguir, averigua-se com o cliente
como este se sentiu ao ver como atua no mundo ou naquela situação.
Pode-se também atuar junto com o cliente, tendo atitudes ou fazendo gestos, ou até mesmo
conduzindo-se da mesma forma nas situações, sem que seja revelada para o cliente a intenção do
terapeuta.
Outra forma de se começar a usar esta técnica é apenas deflagrando expressões como: balançar
de pé, pés contidos e muito juntos, mãos fechadas, testa franzida, forma de sentar-se, bocejos
constantes etc., fazendo-se a seguinte pergunta: se este... falasse o que você imagina que estaria
dizendo? ou o que você imagina que ele teria a lhe dizer?
Outra possibilidade é utilizar as mesmas estratégias que o cliente usa em determinadas situações:
Ex.: Para se sair bem, no jogo de memória, levanta rapidamente a peça sem pegá-la realmente,
escolhendo outra. Na eminência da perda, estraga o jogo, desmanchando-o ou arranjando
qualquer justificativa para parar.

Objetivos:
Clarificar para o cliente suas contradições no que verbaliza, a forma como se expressa
corporalmente e gestualmente.

Quando usar:
É necessário que o vínculo entre cliente e terapeuta já esteja estabelecido e esta técnica deve ser
seguida de intervenções compreensivas. Pode ocorrer que o cliente se irrite sentindo-se
perseguido.
Pode ser usado individualmente e em grupo.

3ª Fase: Reconhecimento do outro É o momento em que se começa a jogar com esses objetos e
pessoas e a aprender a desempenhar um papel com eles. No desenvolvimento desse papel, há um
momento em que o cliente consegue inverter o papel.

Técnica da Inversão de Papéis

Descrição:
Esta técnica consiste em o cliente tomar o papel do outro e este tomar seu papel. Desta forma só
há uma verdadeira inversão de papéis quando as duas pessoas estão presentes.

Objetivos:
Proporcionar ao cliente a percepção de que é a partir do desempenho de papéis que o homem se
relaciona com o mundo.
Desenvolver a consciência de autoridade (o meu eu que se constitui através de um
prolongamento do outro).
Ampliar a consciência do cliente para as diferenças individuais.
Propiciar o desenvolvimento de inter-relações mais autênticas e saudáveis.
Levar o cliente a constatar o variado leque de possibilidades de papéis que se pode desempenhar
na vida e também a variedade de modos como se pode fazê-lo.

Quando usar:
Pode ser usado tanto no processo de terapia individual como também no de grupo.

Outras técnicas:
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O Psicodrama utiliza-se de vários recursos que poderão permitir ao cliente um maior
desenvolvimento de suas capacidades, principalmente expressando-se através da ação de forma
espontânea e criativa.

Solilóquio: Consiste em se pedir ao cliente que pense alto (como se fosse possível haver um alto
falante em sua cabeça), diante de situações que possa estar dramatizando ou descrevendo. É um
“monólogo em situação”. O cliente reflete em voz alta e associa livremente em torno da ação ou
da representação dramática, onde ele se enriquece de pensamentos e sentimentos que não
expressou no diálogo ou durante a dramatização.

Maximização: A proposta é pedir ao cliente que maximize um gesto, uma forma verbal, uma
postura corporal que se apresente durante a expressão de seu conflito. Exemplo de um caso:
Menina de 9 anos apresentava movimento estereotipado de enrolar um chumaço do seu cabelo
com os dedos e levá-lo ao nariz e logo em seguida à boca, de forma muito rápida. Numa dada
sessão, ao constatar que havia sido deflagrada, promete não fazer mais. Ao contrário, é pedido
que faça bastante vezes, e o mais rápido que puder.
A princípio fica desconfiada com o pedido, já que todos a recriminam pelo fato, mas logo depois
atende. Faz repetidas vezes, velozmente. Quando é perguntado o que vem à sua cabeça, alguma
lembrança, fica em silêncio e depois de algum tempo, lembra-se de suas chupetas que foi
obrigada a largar...

Concretização: Consiste na materialização de objetos inanimados, emoções e conflitos, partes


corporais e outros através de imagens, movimentos ou falas dramáticas. O terapeuta pede que o
cliente lhe mostre concretamente o que estas coisas fazem com ele e como fazem. Em grupo, os
outros membros fazem o papel da concretização, na individual pede-se que o cliente tome o
papel do concretizado e escolha algo para ficar em seu lugar simbolicamente. O objetivo é
Ampliação da consciência e a utilização de indícios para se chegar ao sentido do conflito
vivenciado pelo cliente.

Trabalho com Imagens ou Esculturas: Consiste na produção de uma escultura ou imagem pelo
cliente com qualquer material apropriado e disponível tendo como objetivo simbolizar o
sentimento desencadeado pela situação vivida através da escultura.
À partir dela, pode-se trabalhar de várias formas: invertendo papéis, fazendo solilóquio etc. Pode
ser usado como forma de facilitar o amadurecimento de sentimentos ou situações que estão
confusos ou difíceis para o cliente. Pode ser usada também como fechamento de uma sessão
onde foram trabalhados conteúdos bastante significativos para o cliente.

Átomo Social: Para Moreno o átomo social é o núcleo de todos os indivíduos com quem uma
pessoa está relacionada emocionalmente ou que, ao mesmo tempo, estão relacionadas com ela.
Pede-se que o cliente escolha um membro do grupo ou, caso seja individual, algo no ambiente
que a simbolize e posicione no meio do palco. Tendo sua posição como referência, deve-se
escolher outros membros do grupo ou objetos que simbolizem os demais membros de sua família
ou contexto em questão, localizando-os espacialmente de acordo com a distância afetiva que
sente em relação a eles. Após colocadas todas as pessoas, animais ou coisas, pedir que o cliente
substitua a pessoa ou objeto que a simboliza e olhe em volta. Pedir que fale do sentimento ao se
ver com estas pessoas à sua volta, o que sente particularmente por cada uma e imagine o que
cada uma destas sente por ela e o que diria sobre ela se estivesse presente. Caso o cliente já
consiga fazer a inversão de papéis, fazê-lo com todos os membros. Para se manter o aquecimento
da vivência o terapeuta deve fazer perguntas como se estivesse conversando com aquelas pessoas
sobre o cliente. Ao final pedir que o cliente se afaste da cena montada e, junto com ele, buscar os
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sentimentos e pensamentos que surgem diante do que é visto. Para facilitar o engajamento do
cliente neste processo, o terapeuta pode utilizar consignas. Esta técnica visa explorar o contexto
sociométrico que o cliente tem como referência aquele momento. Pode ser utilizada logo no
começo do processo terapêutico, objetivando avaliar o nível das relações estabelecidas por ele.
Pode-se também detectar indícios de relações conflituosas entre membros da família e o cliente.

Imagem da Família ou Átomo Sócio-Familiar: Pedir ao cliente que construa uma imagem de
sua família com o material disponível. Ao final da construção o terapeuta deve explorar os
aspectos da imagem como: o nome da imagem, como foi construir, o que levou a escolhê-la, se
cada membro está definido, o que pensa sobre esta imagem, o que gostaria de dizer a ela, o que
gostaria de mudar etc. O objetivo é a exploração e conscientização dos sentimentos que o cliente
nutre por sua família.

O Outro me Apresenta: Pedir ao cliente que tome o lugar de uma pessoa que a conheça bem
ou que esteja presente em suas questões, podendo também ser objetos, brinquedos ou animais
seus. Neste papel, o terapeuta pede que este se apresente e fale o que sabe e o que sente sobre o
cliente. Após finalizar a entrevista o terapeuta deve despedir-se da pessoa, agradecendo sua
presença e então voltar a chamar o cliente pelo seu nome iniciando assim a exploração da
vivência com ela. O objetivo é averiguar a auto-percepção e a expectativa em relação ao que o
outro pensa sobre si.

Fotografia: Consiste em trabalhar com fotos que o cliente traga espontaneamente ou por
solicitação do terapeuta. O cliente falará da forma que quiser sobre as fotos, sendo estimulada a
contar as situações e o sentimento vivido em cada uma. Pode-se pedir que escolha a que mais
lhe agrada ou a que menos agrada e explorar o critério utilizado para a escolha. Outra alternativa
é pedir que ele escolha uma foto significativa para ele e convidá-lo então a montar a cena, ou
fazer solilóquio da situação: o que você acha que estava pensando ou sentindo nesta hora? E as
outras pessoas? E agora? etc. O objetivo é explorar cenas vividas pelo cliente, servindo como
facilitadoras da expressão de sentimentos por pessoas e situações de seu cotidiano.

Jogo do Fantoche: Consiste em um diálogo entre dois personagens antagônicos, produto dos
conflitos ou situações vivenciadas pelo cliente, que deve ter claro para si, aquilo que está
evitando. O terapeuta então marcará com imagens de fantoches escolhidas pelo cliente, que
encarnará a situação temida e a situação desejada. O cliente travará uma conversa entre as duas
situações, ou com uma das situações de cada vez, e o terapeuta entrevistará tais personagens
assim como o cliente diante da situação vivenciada. O objetivo é ajudar a enfrentar uma situação
temida a partir da avaliação de seus possíveis desfechos e conseqüências.

Interpolação de Resistências: Consiste em montar a cena modificando radicalmente a atuação


dos papéis complementares. Exemplo: uma pessoa constantemente se queixa da situação
repetitiva e monótona na rotina familiar. A modificação do papel complementar é a oportunidade
para que ela experiencie sua capacidade para perceber, bem como para transformar, o que é
decorrente de suas próprias atitudes, na interrelação da qual se queixa. É bastante utilizada,
porque são freqüentes as situações que propiciam que o terapeuta faça o papel complementar. O
objetivo é possibilitar ao cliente a constatação da possibilidade de ampliação de seu leque de
possibilidades e desenvolver a flexibilidade em sua conduta.

Psicograma (Representação do psiquismo através de imagens gráficas): Consiste na utilização


do desenho combinado a outros recursos psicodramáticos. É uma dramatização realizada com
desenhos. O objetivos é a ampliação da consciência e a facilitação do uso do recurso

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psicodramático sem necessariamente montar a cena, por limitações como tempo, espaço e
indisponibilidade do cliente.

Cadeira Vazia: Adicionamos uma cadeira no ou perto do círculo (ou semi-círculo) dos
participantes. O psicodramatista pede a cada um que observe, que imagine alguém na cadeira, e
que entre em comunicação com esta pessoa. Após alguns minutos de silêncio, pedimos a cada
um que exprima o que sentiu. Alguns vêem uma sucessão de pessoas, outros uma só (por
exemplo: um cônjuge, um participante ausente, um herói, um personagem histórico ou de
romance, um homem/mulher forte, seu melhor amigo, um inimigo, um animal, etc).

Realidade Suplementar: É a montagem e o jogo da cena dramática que o protagonista teme ou


deseja que aconteça mas que nunca aconteceu. É uma técnica que permite que o protagonista
entre em contato com sentimentos e vivências dos quais tem medo ou que nunca teve condições
de experimentar na realidade, mas que são fundamentais para o seu desenvolvimento
psicológico. As mais comuns são encontros ou reencontros com pessoas que já morreram,
dramatizações com vultos, monstros, espíritos, etc que despertem medo no protagonista, cenas de
enfrentamento com figuras autoritárias que o protagonista não poderia fazer na vida real,
abordagens amorosas temidas e desejadas etc. A importância terapêutica da cena da Realidade
Suplementar é que ela serve como ponte para que o cliente entre em contato com uma parte dele
que é evitada e justificada. Sua principal finalidade é trabalhar com o medo do desconhecido.

Observações:

Apesar de Moreno comparar as técnicas básicas do psicodrama com as primeiras vivências da


criança ou com fases da matriz de identidade, isto não significa que um grupo ou um indivíduo,
em seu processo de psicoterapia ou aprendizagem, tenha de ser submetido preferencialmente a
cada uma das três técnicas, segundo a ordem das fases da matriz.

O uso de cada técnica deve ser escolhido com base no momento, na situação vivida, pois as
situações existenciais não se dão segundo um esquema linear de seguimento de etapas
sucessivas. Em um mesmo grupo pode-se observar facilidade para praticar a inversão de papéis
quando se trata de um determinado tema e grande dificuldade posteriormente, quando o tema
abordado é outro.

Torna-se importante chamar a atenção para algumas considerações, partindo do ponto de vista de
que a técnica deve ser encarada e conseqüentemente usada como um recurso e não como fim.

01) Um dos alicerces da relação terapêutica é o respeito pelo limite do outro, portanto, o
cliente ou o grupo devem ser convidados à ação e só a partir da aceitação por parte destes
é que o trabalho deve ser iniciado. E para que isso ocorra, tanto cliente como terapeuta
devem estar “aquecidos” para iniciarem a ação dramática, podendo assim caminharem
juntos. É necessário que o terapeuta caminhe junto por toda a trajetória da sessão para que
possa, quando necessário e possível, intervir, fazendo então, sucessivas reduções
fenomenológicas (épochè – suspensão do juízo da realidade, a fim de ajudar a navegar no
mundo da fantasia e do inconsciente do cliente) e assim chegar ao sentido que o cliente
atribui a sua vivência.

02) O manejo adequado da utilização do tempo, por parte do terapeuta, é extremamente


importante, impedindo assim que situações mobilizadoras não possam ser devidamente
manejadas em função do limitado tempo que se dispõe para tal vivência.
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03) Ver mais técnicas em: “Sessenta técnicas clássicas de psicodrama” in: O Teatro da
Vida – Psicodrama: Introdução aos aspectos técnicos.

Jogos Psicodramáticos:

A palavra jogar, em português, refere-se a jogos com regras, ao contrário de brincar, que leva em
conta mais o aspecto infantil. Já a palavra ludus, em latim e em outros idiomas, acumula dois
significados: jogar e brincar. Desta forma, pode-se atribuir seriedade ao jogar somada à leveza
do brincar sem infantilizar as atividades.

Até o século XIII, a palavra jocus, em latim, tendia a ser utilizada para jogos com palavras, por
exemplo, os enigmas. Já ludus era mais empregada para jogos de ação, não-verbais. Depois do
século XIII, as duas palavras aproximaram-se em seu significado e viraram praticamente
sinônimos.

Desde a Antiguidade, de acordo com dados dos primeiros grupos humanos, o jogo existe. Tem-
se notícia de que o primeiro jogo de tabuleiro, datado de 4.500 anos atrás, aconteceu na
Mesopotâmia.

No século XIII, São Tomás de Aquino, referência na educação, em sua obra “Suma Teológica”,
dedica páginas e páginas à necessidade do desenvolvimento e da liberdade da característica
lúdica do homem como componente de sua própria essência de ser. Insiste em que a escola deve
deixar de ser sisuda para ser lúdica, pois se aprende mais e melhor com jogos. Uma de suas
máximas é: “A recreação re-cria as formas da alma”.

Huizinga, filosofo da história, argumenta que o jogo é uma categoria absolutamente primária da
vida, tão essencial quanto o raciocínio (homo sapiens) e a fabricação de objetos (homo faber),
daí a denominação homo ludens, cujo elemento lúdico está na base do surgimento e
desenvolvimento da civilização. Para ele, o jogo é “uma atividade voluntária exercida dentro de
certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas
absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de
tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente da vida cotidiana”.

Com Huizinga, aprendemos que:

01 – Nas sociedades antigas, não havia distinção entre jogos infantis e adultos; eles eram
coletivos;

02 – O jogo era considerado um vínculo entre as pessoas, grupos, classes e gerações,


entre passado e futuro. Gradualmente, esse caráter foi sendo perdido ao longo da história,
e o jogo transformou-se em uma atividade mais individual;

03 – As influências educacional, religiosa e social, alterando os valores morais,


consideravam a criança um ser não maduro para o convívio com o adulto, sendo que
deveria ser submetida a um “regime especial”;

04 – Os jogos e os divertimentos coletivos foram abandonados, e o ato de brincar foi


desvalorizado, por não ter função econômica aparente. Com o surgimento do

50
capitalismo, tal crença teve mais força, pois o jogo não podia ser associado à produção e
ao trabalho, tornando-se algo inútil.

A reconquista dos jogos para adultos, no contexto do seu desenvolvimento continuado, recupera
a espontaneidade, eixo da essência da vida. Quer seja para crianças quer para adultos, o jogo,
para ser jogo, precisa ter estratégias, etapas definidas, um “passo-a-passo”. Um jogo, para ser
jogo, precisa instigar, emocionar, causar tensão produtivamente, atiçar a curiosidade e a vontade
de percorrer a estrada do jogo como que atrás do destino; precisa provocar o riso, a alegria e
emoções diversas e suscitar a atenção e a observação, fazendo da concentração um elemento
fundamental.

O jogo dramático é uma ação em jogo, um jogar ativo e voluntário com a finalidade de aprender
um crescimento ou uma melhora da saúde física, psíquica e social.

As regras fundamentais são que o jogo se desenvolva num espaço virtual a que denominaremos
cenário. É planejado no “como se”, ou seja, num plano imaginário; submete-se aos limites que
separam o acting terapêutico do acting out patológico que, como descarga de impulsos, não
contribui para nenhuma das finalidades pretendidas; os jogadores integram em sua equipe um
monitor, o diretor psicodramático, que faz parte do conjunto ou do sistema terapêutico, mas no
papel de organizador, podendo tanto estar dentro como fora da ação.

O jogo se insere no psicodrama como uma técnica que propicia ao indivíduo expressar
livremente as criações de seu mundo interno, realizando-as na forma de representação de um
papel, ou por determinada atividade corporal. Assim, a produção mental de uma fantasia é
objetivada.

O psicodrama propõe uma terapia de baixo nível de tensão, em situação preservada, em que o
indivíduo não está trabalhando diretamente em seu conflito. Pelo fato de estar simplesmente
brincando, já se eliminam as situações angustiantes e ansiógenas, pois o lúdico cria uma
atmosfera permissiva. O aparecimento de uma atuação espontânea e criativa proporciona a
substituição de respostas prontas estereotipadas por respostas novas, diferentes e livres da
conserva cultural, o que permite descobertas de novas formas de lidar com uma mesma situação.
O campo relaxado de conduta é que torna possível este objetivo.

Entende-se por conduta em campo aquela que permite, em primeiro lugar, uma tomada de
distância da meta a ser atingida, seguida de uma cuidadosa análise das possíveis respostas
alternativas àquela situação. No campo relaxado crescem as possibilidades de relações que
permitam ao indivíduo alcançar uma solução de seus conflitos. Já no campo tenso, toda conduta
se encontra fortemente limitada por uma concentração obsessiva o que impossibilita as
ampliações das possibilidades de respostas.

A expressão “jogos dramáticos” aplicada aos jogos no psicodrama obviamente deve-se ao fato
de estes ocorrerem no contexto dramático, diferentemente de outros jogos, que se realizam em
outros campos de ação.

No psicodrama, o jogo necessita de uma sistematização em etapas de desenvolvimento que são


análogas às etapas da ação dramática: aquecimento, dramatização e compartilhar.

Aquecimento: é a preparação do indivíduo para que ele se encontre em condições de jogo.


Subdivide-se em: a) inespecífico – onde se tem o primeiro contato com a tarefa. Momento em

51
que o grupo escolhe o jogo, estabelece as regras, delimita o campo dramático e o papel que cada
participante desempenhará. b) específico – ocorre já no contexto dramático.

Dramatização: é o jogo propriamente dito em realização.

Compartilhar: é a etapa final. Nela todos comentam o que sentiram e observaram. É a leitura
do que foi expresso dramaticamente.

Obs.: Esta ultima etapa pode ser complementada com considerações mais amplas por parte do
Diretor, como por exemplo: significado do papel escolhido e seu desempenho, grau de
participação, de criatividade, de espontaneidade, bem como características da tipologia dos
participantes que tenham aparecido durante a dramatização.

O jogo pode ser usado em várias situações. O momento mais freqüente é na etapa do
aquecimento com o objetivo de “trazer” material que possa vir a se constituir o tema a ser
focado, criando assim um continente grupal para a realização do trabalho.

Psicodrama como Jogo do Teatro da Vida:

O jogo dramático é sem dúvida um dos pilares do psicodrama. O jogo de papéis, do duplo, do
espelho, da inversão, da realização simbólica, dos sonhos, do futuro etc. O psicodrama é, ele
próprio, um grande jogo do Teatro da Vida, onde representamos papéis durante todo o tempo.

Unidade III – Psicodrama Psicanalítico.

3.1 – Fundamentos teóricos da abordagem psicanalítica:

Psicanálise é um método desenvolvido por um médico austríaco para investigação e tratamento


psíquico do inconsciente.

Surgiu na década de 1890, com Sigmund Freud, um médico interessado em achar um tratamento
efetivo para pacientes com sintomas neuróticos ou histéricos. Conversando com os pacientes,
Freud acreditava que seus problemas se originaram da inaceitação cultural, sendo assim
reprimidos seus desejos inconscientes e suas fantasias de natureza sexual. Desde Freud, a
psicanálise se desenvolveu de muitas maneiras e, atualmente, há diversas escolas.

O método básico da Psicanálise é a interpretação da transferência e da resistência com a análise


da livre associação. O analisante, numa postura relaxada, é solicitado a dizer tudo o que lhe vem
à mente. Sonhos, esperanças, desejos e fantasias são de interesse, como também as experiências
vividas nos primeiros anos de vida em família. Geralmente, o analista simplesmente escuta,
fazendo comentários somente quando no seu julgamento profissional visualiza uma crescente
oportunidade para que o analisante torne consciente os conteúdos reprimidos que são supostos, a
partir de suas associações. Escutando o analisando, o analista tenta manter uma atitude empática
de neutralidade. Uma postura de não-julgamento, visando a criar um ambiente seguro.

O conceito de inconsciente fora usado por Leibniz 200 anos antes de Freud, também sendo usado
por Hegel para construir sua dialética hegeliana.

52
A originalidade do conceito de Inconsciente introduzido por Freud deve-se à proposição de uma
realidade psíquica, característica dos processos inconscientes. É preciso diferenciar inconsciente,
sem consciência, de Inconsciente, conforme elaborado por Freud, que diz respeito a uma
instância psíquica basilar na constituição da personalidade.

Muitos colocam a questão de como observar o Inconsciente. Se a Freud se deve o mérito do


termo "inconsciente", pode-se perguntar como foi possível a ele, Freud, ter tido acesso a seu
inconsciente para poder ter tido a oportunidade de verificar seu mecanismo, já que não é
justamente o inconsciente que dá as coordenadas da ação do homem na sua vida diária. É nesse
sentido que Freud formulou a expressão Psicopatologia da vida cotidiana. Como observá-la
senão pelos efeitos inconscientes?

A pergunta por uma causa ou origem pode ser respondida com uma reflexão sobre a eficácia do
inconsciente, eficácia que se dá em um processo temporal que não é cronológico, mas lógico.
Não é possível abordar diretamente o Inconsciente, o conhecemos somente por suas formações:
atos falhos, sonhos, chistes e sintomas.

Outro ponto a ser levado em conta sobre o inconsciente é que ele introduz na dimensão da
consciência uma opacidade. Isto indica um modelo no qual a consciência aparece, não como
instituidora de significatividade, mas sim como receptora de toda significação desde o
inconsciente. Pode-se perguntar: de que modo o inconsciente poderia estar informado sobre os
progressos da investigação psicanalítica a menos que fosse, precisamente, uma consciência?

O psicodrama psicanalítico nasceu na França em 1944. Hoje, há uma corrente na qual define que
a cena dramática é reconhecida na função de concentrar o drama e permitir que apareçam novos
significantes.

Dizem que “...o Psicodrama não é a busca de um certo sentido nem tampouco de um significante
fundamental. Por isso, deve-se evitar a interpretação que proporcione o sentido e a perda do
sentido...”.

Conforme Anzieu "...o psicodrama analítico favorece a expressão dos conflitos por intermédio de
imagens simbólicas..." caracteriza quatro aspectos importantes no Psicodrama: dramatização dos
conflitos, comunicação simbólica, efeito catártico e natureza lúdica.

Na América Latina, a Argentina é o país pioneiro em Psicodrama. Atualmente, Brasil, México e


outros fizeram um importante desenvolvimento, sendo pertinente destacar o Psicodrama no
Brasil que, inicialmente foi desenvolvido por docentes argentinos e, atualmente, por seus
próprios docentes.

Para Osório, a teoria moreniana, que se torna pouco sólida, se a compararmos com a teoria
psicanalítica, tem, entretanto, alguns aspectos que não são excludentes, mas que se
complementam e, em alguns casos, são parcialidades de conceitos psicanalíticos não
reconhecidos e rebatizados com outros nomes ou trabalhados sob outros ângulos, como acontece
com os conceitos de regressão e fixação.

A regressão em Psicodrama não se obtém através da transferência, mas através de cena


dramática que torna presente o passado.

Tele e transferência em Moreno são conceitos herdeiros do de transferência freudiano.


53
Espontaneidade, essencialmente, está relacionada com o conceito de libido de Freud.

Se nos fixamos na cena dramática, esta desde o ponto de vista moreniano fundamenta seu valor
da seguinte maneira: a representação dramática é liberadora, é uma segunda vez, é a forma que
adquirem o passado e o futuro, no presente.

O encontro, o compartilhar, a criatividade e o ato espontâneo possibilitam novos papéis e


resgatam energias perdidas. Isto levará a uma catarse de integração e a uma catarse do público.

A cena é a representação do passado, um lugar simbólico onde se revela o imaginário através das
cenas atuais ou manifestas, podendo explorar e elaborar situações conflitivas do mundo externo,
encontrando sua conexão com o mundo interno dele ou dos indivíduos, em sucessivas ações
dramáticas com cenas antigas e inconscientes. Sintetizando, a cena dramática é, basicamente, a
presentificação e corporização que, através da representação, têm os vínculos intrapsíquicos em
sua mútua e dinâmica reestruturação com os vínculos interpessoais.

3.2 – Aspectos específicos da técnica.

Se a Psicanálise é a rainha entre as psicoterapias, no que diz respeito à exploração da expressão


verbal, o Psicodrama Psicanalítico de Grupo junta à teoria psicanalítica a capacidade de abranger
outras expressões, outras linguagens, como a expressão corporal e a interação grupal.

Dentre os aspectos mais relevantes dos contributos absolutamente originais de Carlos Amaral
Dias (1993) para a teoria e prática do Psicodrama Psicanalítico de Grupo, destacam-se três
aspectos teórico-práticos centrais, que, partindo de alguns conceitos introduzidos por W.R. Bion,
os articula à volta da noção de Hipótese Terapêutica, enquanto ponto de partida e de chegada
para o Diretor de Psicodrama, e enquanto organizador da própria sessão.

a) A hipótese terapêutica:
No seu livro Palcos do Imaginário, Carlos Amaral Dias (1993) aprofunda o conceito de Hipótese
Terapêutica na teoria psicodramática, em que esta, já incluída na teoria por Bermudez (1980), é
proposta enquanto organizador psicodramático que não se esgota no sintoma ou na estrutura do
indivíduo. O autor começa por explicar de que modo a teoria do esquema de papéis, enquanto
facilitadora de uma correlação entre o que é observado e o construto imaginário, possibilita a
emergência da hipótese terapêutica.

É através da hipótese terapêutica que se passa do contexto social (ou seja, a narrativa pessoal),
para o contexto dramático (ou seja, a dramatização em si), realizando-se, a seguir, um caminho
inverso da dramatização para os comentários finais, em que acaba por ser, novamente, reenviada
para o contexto social do protagonista, material do aqui e agora vivencial. É esta passagem entre
contextos, enquanto fator de organização da experiência psicoterapêutica, que faz com que a
hipótese terapêutica no psicodrama seja diferente da interpretação na psicoterapia psicanalítica.

Assim, no psicodrama o paciente é “arrancado” do vivencial para o construto imaginário, para


depois ser devolvido, de novo, ao vivencial, sendo que a dramatização – vivência que pode ser
análoga à narrativa pessoal, mas que deve ser tanto quanto possível diferente ou insuspeita de se
relacionar diretamente com a narrativa pessoal do paciente – deverá ser possibilitadora da
transformação interna do indivíduo quando reenviada para o contexto social do paciente.

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A construção da hipótese terapêutica deve “contemplar como hipótese de trabalho ou como pré-
concepção dramática a escolha do protagonista como emergente grupal” (Dias, 1993). Isto quer
dizer que, embora sejam os aspectos individuais do protagonista aqueles que prevalecem a maior
parte das vezes, a maneira como a situação é dramatizada deverá, tanto quanto possível,
possibilitar os “níveis de projeção e introjeção que a cada momento promovem o crescimento
dos indivíduos e do próprio grupo como contexto (história do grupo)” (Dias, 1993).

Em segundo lugar, a construção da hipótese terapêutica deve contemplar as ansiedades e


preocupações que foram sentidas no protagonista – tendo em conta uma situação total constituída
pela narrativa, pela postura e pela emocionalidade ligada ao que é narrado – que podem ser
observadas no contato do Diretor com o Protagonista, de modo a alcançar a possibilidade de
criar, na situação presente, o desenvolvimento de uma comunicação.

Outra consideração, já mencionada anteriormente, será a de a hipótese terapêutica possuir a


qualidade de ser refutável. “A refutabilidade da hipótese terapêutica é uma das garantias de
cientificidade da técnica psicodramática” (Dias, 1993). Ao longo da sessão, a hipótese
terapêutica pode ser melhorada, ou até mesmo, radicalmente revista, se não se mostrar adequada
à questão presente, ou seja, se não funcionar.

b) Contextos psicodramaticos:
Os contextos psicodramáticos – Contexto Grupal e Contexto Dramático – são, ainda que não do
ponto de vista teórico, o aspecto fundamental no qual toda a técnica Psicodramática se baseia, e a
sua presença é tão notória que os torna “entidades” sempre presentes e sempre atuantes como
qualquer outro dos atores deste Teatro da Espontaneidade.

c) A passagem entre contextos no psicodrama:


A passagem entre contextos é um processo de subtileza e quase uma espécie de “arte”
terapêutica. O mais importante, na existência destes contextos psicodramáticos, é o fato de
estarem separados para que não se misturem. A confusão entre estes contextos, exceto em certas
formas de Psicodrama como o Sociodrama e o Psicodrama Familiar, acarreta uma perda, ou uma
distorção, ao nível da relação terapêutica.

Neste sentido, Bermudez (1980) diz que, esquematicamente, o contexto dramático, que se
estrutura no Cenário, está rodeado pelo contexto grupal que, por seu lado, se estrutura no
Auditório e este, por sua vez, está rodeado pelo contexto social que se estrutura na Realidade
Social.

3.3 – Psicopatologia e Psicodinâmica na Análise Psicodramática.

Se considerarmos que os critérios médicos não são suficientes para compreender o homem em
conflito, temos que recorrer a outras disciplinas; por exemplo: sociologia, psicologia e
antropologia ou, talvez, propor a criação de uma nova disciplina que emirja da conjunção das
nomeadas e que realmente tenha como objetivo compreender o ser humano total.

Moreno não aprecia conceitos como personalidade, caráter ou temperamento, por considera-los
abstrações, e propõe partir do estudo de papel como lugar ou canal pelo qual se cristaliza a
relação entre duas pessoas, a unidade de conduta. Se consideramos “homem em conflito” em
vez de “homem doente”, pode-se iniciar o estudo do tipo de conflito a partir do estudo do
desempenho de papéis. Rojas Bermudez aborda isto distinguindo papéis (aqueles que, ainda que
escassamente desenvolvidos, aparecem como desenvolvidos por estarem assinalados pelo
55
contexto). O conceito de papel é um conceito social, assim como o é o de tele. A partir de
ambos podemos sistematizar conceitos compreensivos de homem em conflito.

Partindo de ambos os conceitos, papel, unidade cultural de conduta, e identidade, definida como
as condições especiais que fazem com que um ser seja ele mesmo, podem-se elaborar conceitos
compreensivos do homem em conflito. Isto é algo que requererá anos de trabalho. O já
consagrado tem um peso enorme, não somente nos demais, mas também em nos mesmos; falar
em saúde e doença constitui parte de nosso diálogo cotidiano, assim como falar de
psicopatologia.

Das mudanças qualitativas, que surgem ao redefinir a colocação dos conflitos do homem atual
dentro dos critérios e de desprezar os critérios atuais de saúde e doença, aparecerão mudanças na
terminologia; não poderemos falar de cura, já que este termo implica a supressão de uma doença.
O termo psicoterapeuta é adequado às novas necessidades, pois a etimologia de terapeuta nos
leva a seu significado real, que é servir ou cuidar.

Mecanismos de ação em Psicoterapia Psicodramática.

Dalmiro Bustos (1979), descreve dois tipos de mecanismos de ação em psicoterapia


psicodramática: um, de índole dramática (catarse de integração e insight dramático); o restante,
verbal.

Catarse de integração. O termo catarse provém do grego e foi inicialmente utilizado por
Aristóteles, que, por sua vez, o toma de seu pai médico. Moreno opõe à dramaturgia, que vem
do teatro grego, a criaturgia, que surge em primeiro lugar do teatro da espontaneidade e depois
do psicodrama.

A dramaturgia vem depois do drama, a criaturgia deve funcionar com ele. O próprio ator vai
“escrevendo” sua obra à medida que a interpreta; esta “obra” é única, não poderá ser repetida,
pois, ao tratar de faze-lo, perder-se-ia sua essência.

Moreno toma então o termo catarse de Aristóteles; no entanto, convém esclarecer que ele já
havia sido utilizado por Freud.

O princípio básico do qual parte Moreno é similar ao proposto por Freud, com a diferença de que
não se vale da palavra para substituir ao fato, senão que recria o fato. Porém, é fundamental
compreender que o que propõe Moreno não é a catarse e sim a catarse de integração. Moreno
afirma que o psicodrama não é um método catártico. Nas normas e técnicas fundamentais,
Moreno diz: “O psicodrama é classificado comumente como método catártico, o que não é
correto. O processo terapêutico inclui a catarse, porém o ponto principal é a integração
sistemática, integrando gradualmente as diferentes partes da produção”.

Muitos psicodramatistas esquecem o aspecto integrador do método dramático, supervalorizando


a catarse. Conseguir uma “boa catarse” pode chegar a ser uma meta enganosa, já que o aspecto
terapêutico da mesma não é tal a menos que seja o cume do processo de integração progressiva.
Se não for assim, seria simplesmente um alívio momentâneo e estaríamos na mesmo
encruzilhada em que esteve Freud ao abandonar o método catártico.

A integração vai-se produzindo no caminho da apresentação do passado, onde vai-se revivendo


passo a passo o caminho que levou o protagonista ao conflito que, nesse momento, o preocupa.
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Na integração, os aspectos do ego que permaneciam fixados no passado passam a formar parte
do presente. A catarse é somente o cume de um processo; a integração é o próprio processo,
gradual, às vezes lento e penoso. O conflito inicial pode estar, em geral, condensado em um
sintoma, uma inibição, um mal-estar vago. Lentamente, na sessão de psicodrama esta
condensação desaparece para começarem a aparecer aspectos claros, até encontrar-se em cena
todos os elementos que constituíam a origem do conflito.

A catarse não é um fato provocado artificialmente, do qual ele se sente distante, é a descarga
final que limpa o passado de sua vigência no presente. Ela não é única e tem formas variadas,
embora Moreno somente nos deixou definições gerais e nunca trabalhou fundo os tipos de
catarse. Isto leva a identificar falsamente a catarse com expressão de violência; isto é assim
somente em caso de ser a agressão o principal afeto contido. A catarse pode ser do tipo:
decepção, tristeza, medo, angústia, solidão, vergonha, etc. Estar em contato com o protagonista
permite ao diretor compreender qual é o afeto predominante no conflito tratado. A
exteriorização pode ir desde o clássico chutar cadeiras ou brigar corpo-a-corpo, até o silêncio
mais absoluto no qual o protagonista compreende profundamente o ocorrido, o incorpora, o
aceita e não necessita dizer uma só palavra nem fazer um só movimento. O psicodramatista deve
respeitar o afeto exteriorizado e dar-lhe o continente apropriado que, no último caso, é seu
próprio silêncio respeitoso.

Em algumas ocasiões há catarse em uma só dramatização, manifestada pela expressão de afetos


diferentes, angústia, tristeza, raiva, etc. Em outras oportunidades, pode acontecer que não haja
catarse em absoluto. Isto pode ser devido a:

1) Manejo inadequado da sessão: a intervenção inoportuna do diretor, assim como


também sua ausência no momento necessário, pode frear um processo. Moreno
chama contra-espontaneidade a este tipo de intervenção do diretor.
2) O conflito básico reclamava mais um insight dramático que uma catarse de
integração: problemas mais recentes, menos básicos, conflitos de trabalho, etc.
3) Quando o psicodrama é utilizado somente como mobilizador, como um meio a
mais do que como um fim em si mesmo. Ou em dramatizações grupais, onde se
trabalha ao nível de fantasias inconscientes do grupo, etc.

Insight dramático. Provém do emprego de técnicas dramáticas em qualquer momento da sessão.


É o “dar-se conta” emocional, profundo, o ter compreendido uma situação que permanecia
obscura até então. Os meios para conseguir o insight dramático podem ser:

1) A interpretação direta por parte do diretor;


2) A interpretação a partir do papel de um ego auxiliar;
3) A mudança de papéis ao compreender o efeito de suas próprias condutas vistas a partir do
lugar do outro;
4) O duplo ao tocar aspectos temidos pelo protagonista;
5) O espelho do ver-de-fora a situação total;
6) No solilóquio ao “tomar conhecimento” de coisas que estava pensando e que não
expressa.

Praticamente todas as técnicas psicodramáticas podem contribuir para o insight dramático.

Elaboração verbal. As duas formas citadas, catarse de integração e insight dramático, são
comuns ao psicodrama e à terapia psicodramática. Moreno somente descreve a primeira, porém
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a segunda acontece em dramatizações, inclusive com mais frequência do que a catarse de
integração. A elaboração verbal somente tem lugar em psicoterapia psicodramática.
Corresponde ao que acreditamos ser uma das partes fundamentais de nosso trabalho: a
verbalização.

Existem aspectos da elaboração de um conflito que somente podem ser trabalhados


dramaticamente; a palavra perdeu seu valor expressivo, carece de conteúdo emocional. Nosso
trabalho consiste me selecionar a via de comunicação de maior riqueza potencial em um dado
momento. Se se perdeu a palavra, vamos à ação; se a ação se torna inexpressiva, tomemos tão
somente o movimento. Sempre fica um aspecto da comunicação por onde a verdade filtra. É
missão do terapeuta reconhecer este aspecto e utiliza-lo como via de acesso ao centro do
problema.

Em geral, as mudanças qualitativas fundamentais acontecem na ação dramática, porém, as


mudanças quantitativas posteriores à dramatização vem da elaboração verbal. Sem ela, pode
perder-se uma enorme quantidade de situações que surgem a partir de dramatizações. A
elaboração verbal pode conter uma ampliação do consciente sobre as modificações
inconscientes.

A introjeção do modelo relacional. Toda psicoterapia parte, para sua realização, de um vínculo
entre duas ou mais pessoas. As operações de ambas estão dirigidas a um objetivo básico e
comum a qualquer forma de psicoterapia: produzir uma melhoria nos conflitos de que padece
uma pessoal. Quando falamos de fazer consciente o inconsciente, fórmula que preconiza a
psicanálise, ou da catarse de integração, que propõe o psicodrama, estamos vendo somente um
parte do processo terapêutico, Quando uma pessoa mantem uma relação que, durante muito
tempo, ocupa uma parte muito central em, sua vida, vai sendo profundamente influenciada pelo
tipo de relação que estabelece. Não somente se incorpora o resultado das operações como
também o próprio modelo operativo. É frequente poder-se distinguir em um conjunto de pessoas
os “analisados”, não somente pela linguagem que empregam como também por um modo
particular de relacionar-se.

A possibilidade espontânea de encontros em outros contextos pode enriquecer a relação


terapêutica, ajudando afastar imagens onipotentes introjetadas sobre o terapeuta. o importante é
que o vínculo terapêutico seja o primário e se mantenha no centro de outros vínculos extra
terapêuticos que pudessem originar, e que ambos – terapeuta e paciente – tenham a liberdade de
poder levar às sessões as dificuldades que apareçam em outros vínculos. Isto põe a prova a
plasticidade do terapeuta, o qual é também benéfico para ele como pessoa.

É absolutamente inevitável que uma pessoa translade o modelo relacional terapêutico a sua
relações com os demais, já que geralmente qualquer tipo de conflito afeta as relações
interpessoais.

A possibilidade de um vínculo real e concreto dá origem a uma relação onde o básico estará no
eu-tu. O eu-ele é outra possibilidade do vínculo, porém nunca o central.

A oferta do eu-tu não implica a imposição deste tipo de vinculo já que, havendo imposição,
desaparece o eu-tu.

O vínculo real respeita o outro com seus limites, não impõe um modo, mas deixa-o como
possibilidade. O encontro é valido somente quando os dois termos do vinculo atuam ativamente.
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A posição eu-ele é uma atitude defensiva, de experimentação, mais distante e menos dolorosa, na
qual os dois pacientes chegam frente ao fracasso de encontros válidos na sua vida.

Dinâmica da Relação terapêutica:

Moreno propõe assim o conceito de encontro: “No princípio era a existência, porém não há
existência sem existente. No princípio era o verbo, a ideia, porém, antes foi a ação, mas uma
ação não é possível sem um ator, sem o objeto ao qual aponta o ator e sem um tu ao qual
encontra. Em princípio, era o encontro”. (Psicoterapia de Grupo Y Psicodrama, pág 81).

Encontro significa estar junto, tornar-se, compartilhar, sentir, amar, porém, também há encontro
em sentimentos hostis, no ódio. Encontro se produz desde uma totalidade até a outra totalidade.
Coloca o encontro no centro da psicoterapia de grupo. Por que não na individual? Moreno
concebe a terapia individual como identificada com o método psicanalítico, porém, se nos
separarmos desse modelo, também existe encontro na terapia individual.

Moreno diz-nos que Matin Buber toma seu conceito de encontro. Ambos se conheciam, já que,
tal como cita Fonseca em sua tese “Correlações entre a Teoria Psicodramática de Jacob Levy
Moreno e a Filosofia Dialógica de Martin Buber”, tinham colaborado juntos na revista Daimon.
No entanto, novamente acontece que Buber não cita Moreno, que, no entanto, cita criticamente a
Buber. O que mais nos importa destacar não é a polêmica, mas as coincidências. Moreno
propõe o encontro, coloca-o no centro da psicoterapia de grupo. Buber vai às bases para
compreender os dois tipos possíveis de relação através das palavras princípio eu-tu e eu-ele.

O encontro é o eu-tu, nele reina a tele. Através do encontro se dão os momentos de máxima
efetividade terapêutica. Neles está se dando uma relação completa, profundamente humana, na
qual se produzem as verdadeiras modificações. Distante de prescindir dos conhecimentos, o
encontro terapêutico inclui tudo o que ambos conhecem, sua aprendizagem sua história, porém
harmonicamente integrada no eu-tu.

Martin Buber diz que “A melodia não se compõe de sons, nem o verso de palavras, nem a estátua
de linhas, mas que somente mediante dilacerações chega-se a fazer de sua unidade uma
multiplicidade: o mesmo acontece com o homem a quem digo tu”. Quando a unidade do tu é
substituída pela multiplicidade aparece a relação do não-encontro: o eu-ele.

Quando o paciente entra em contato com figuras do mundo interno, a relação terapêutico se dá
dentro do eu-ele. Isto não implica carência de emoção, porém, esta é unilateral, não há encontro.
O passado é o tempo do eu-ele. O presente é onde se dá o eu-tu. A interpretação é o modo
operativo do eu-ele, já que parte da base: “Eu conheço algo sobre você que você ignora”. É um
tempo terapêutico importante, mostra dissociações do ego e prepara o caminho do encontro.

A interpretação é o modo de esclarecimento do conflito que permite o reencontro. Este passo


atrás deve estar sempre marcado pelo paciente, o qual será quem indicará com suas mensagens
quando o eixo terapêutico passou do eu-tu ao eu-ele.

No princípio, a relação eu-ele é a central. A proposta eu-tu pode assustar o paciente, o qual, em
geral, busca no eu-ele a relação defendida à qual está acostumado. Nossa cultura nos vai
adestrando lentamente para o eu-ele e nos cria um grande temor em relação ao encontro. Porém,
se aceitamos o limite momentâneo, nossa oferta do eu-tu deve ser permanente, sem esquecer que,
mesmo quando o paciente não possa aceita-la, sempre notará a presença da proposta como
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alternativa potencial. As resistências ao eu-tu devem ser interpretadas, desde um princípio, da
mesma forma que as tentativas de transformar o terapeuta em um mito, figura impossível de ser
alcançada, eudeusamento, etc, todos os quais são mascaramentos da proposta eu-ele.

Buber, sem referir-se diretamente à terapia, marca com clareza os dois aspectos da relação: “O
homem que tem experiência das coisas não participa em absoluto do mundo. Pois é ‘nele` onde
a experiência surge, e não entre ele e o mundo. O mundo não tem parte na experiência, deixa-se
experimentar, porém não compromete seu interesse, pois esta experiência não lhe acrescenta e
nada acrescenta à experiência. Quanto à experiência, o mundo pertence à palavra primordial eu-
ele. A palavra primordial eu-tu estabelece o mundo da relação”.

Espaço: Quando a relação terapêutica fixa fixada, seja dentro ou fora, configura uma defesa. A
cristalização em um outro plano manifesta-se por uma incomoda sensação de não compromisso,
de ambiguidade. No caso do enquistamento para dentro, a relação terapêutica converte-se no
equivalente de uma defesa psicótica: o paciente volta-se para dentro para negar o mundo e a
passagem do tempo. Se o terapeuta adere a esta defesa, toda a relação terapêutica configura-se
um enquistamento defensivo.

Quando a relação terapêutica volta-se para fora, configura uma defesa psicopática que trata de
separar dificuldades existentes dentro.

A parcialização da relação em um dos dois sentimentos apontados é geralmente percebida por


um ou por ambos os componentes da relação terapêutica, como acontece no caso da
transferência, que é percebida pelos aspectos do ego não comprometidos nela, o que permite seu
diagnóstico. Tanto o fora como o dentro podem ser, em um momento, a resistência e, no outro, o
resistido. Em geral, toda referência a um dos dois níveis espaciais da relação deve conter o outro
em forma secundária.

Dentro da dimensão do aqui e agora, o “aqui” pode ser no espaço destinado à parte verbal ou no
cenário dramático. O “aqui” que corresponde ao contexto dramático tem uma particularidade:
mesmo quando a dramatização se refere a fatos passados, a interação tem a maior validez
dramática na nova cena originada no momento.

Tempo: Todos os tempos possíveis devem suceder-se na relação terapêutica, a supervalorização


do passado, presente ou futuro, contém uma atitude defensiva do binômio terapêutico do grupo.
O único tempo “real” é o presente, mas, apesar de ser este o tempo no qual podemos levar a cabo
a relação terapêutica na forma mais efetiva, a não referência ao passado e ao futuro terão um
efeito de “de-historicização” do homem. Negar o próprio passado e o processo histórico no qual
um ser humano está inscrito, leva a não compreender que estamos imersos dentro de um
processo que excede o individual.

Áreas: Toda mensagem verbal, tanto do paciente quanto do terapeuta, contém uma referência
predominante para uma área: a de pensar – Área mente -, sentir – área corpo – ou atuar – área
mundo externo. O mesmo acontece com as dramatizações. A referência a uma das três áreas
não exclui as outras duas, somente que, em geral, as mensagens se referem ao predomínio de
uma das três.

Assim como se dá uma dinâmica espaço-temporal que pode enquistar-se em um dos aspectos
mencionados, também se pode cair na superenfatização de uma área. Em geral, sabemos que
existem áreas mais defendidas em diferentes estruturas da personalidade: a área mente no
obsessivo, a área corpo no histérico, a área dói atuar no psicopata. As referências a uma área em
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forma continuada contém uma atitude defensiva e é o terapeuta que deve aponta-lo através de
sua intervenção terapêutica (verbal ou dramática).

Outra das referências quanto à dinâmica terapêutica é ao indivíduo, ao grupo e à sociedade.


Referimo-nos ao indivíduo quando fala de si, de suas fantasias, de seus projetos, etc.; ao grupo
quando fala de suas relações interpessoais, pessoas reais com as quais contacta de forma
imediata, especialmente seu grupo de convivência e seus grupos familiares; e à sociedade quando
refere-se ao grupo humano mais abstrato: valores vitais, conteúdos políticos e ideológicos, sua
colocação no mundo.

A relação terapêutica deve dar-se dinâmica e alternativamente nas dimensões apontadas;


qualquer parcialização implica uma deformação que prejudica o processo psicoterápico.

Ação e palavra: Outras duas possibilidades dentro da dinâmica terapêutica são a ação – drama
– e a palavra. O próprio Moreno negava-se a considerar o psicodrama como circunscrito à ação:
“é um erro acreditar que o psicodrama é uma cura de ação em oposição à cura da palavra da
psicanálise... não é a atividade em si que produz o resultado”.

No entanto, a palavra “dentro” da ação é diferente de quando se a considera como o único meio
de comunicação. Não se trata de uma oposição, mas sim de uma complementariedade. Quando
se verbaliza um conflito, está-se tomando distância dele, falar é interatuar com ele, não estar
submergido e confundido com o conflito. É a primeira possibilidade para “tirar” algo de dentro.
A segunda corresponde à dramatização. Ao se fazer atuar novamente um conflito concretiza-se a
tomada de distância que começou com a palavra. Pode-se interatuar com algo que pouco antes
se estava confundido. Fiorini menciona o fato de que, se num dado momento, a ação dentro de
uma sessão se considerava um acting, na realidade o acting estaria em impedir esta ação. O
homem tem capacidades expressivas que não se circunscrevem somente à palavra ou à mímica
corporal. A própria ação é profundamente expressiva.

Quando se fala de ação, também referenciamos ao deslocamento do paciente pelo consultório ou


a corporização de seus conflitos ou a mudança de papeis com seu terapeuta, e não simplesmente
ao psicodrama em si com todos os recursos.

A resistência está em qualquer um dos dois planos, tanto no verbal como no dramático.
Geralmente, depois de uma dramatização torna-se necessário elaborar verbalmente o acontecido;
neste caso, a palavra seria complementar à ação. Quando o nível expressivo verbal é adequado,
leva-lo à ação poderia constituir um “fazer para não falar”, e, neste caso, o compromisso real está
na palavra e a ação faria às vezes de uma resistência. Assim como acontece com a transferência,
a ação pode ser tanto a resistência como o resistido.

As técnicas de ação partem essencialmente do eu-tu (encontro), enquanto que as posturas


analíticas centram seu trabalho no eixo eu-ele. Isto configura uma diferença essencial que pode
dar coerência a cada escola com seu arsenal técnico e seus fundamentos teóricos.

É necessário considerar o nível terapêutico da palavra e da ação. Para isso, é importante


reconhecer, junto com Reinchembach (citado por Szasz), três tipos de sinais: os sinais
indicativos, que têm conexão causal entre objeto e sinal (fumaça, sinal de fogo); os sinais
icônicos, que mantem entre objeto e sinal um vínculo de similaridade (a fotografia de um
homem, o mapa de uma região), e, finalmente, os sinais chamados símbolos, que somente tem
com o objeto um vínculo convencional.

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Assim, verifica-se a existência de dois eixos terapêuticos: 1) o icônico, que corresponde à ação
onde todos os sinais são tomados como similares ao objeto representado. Isto nos permite a
investigação das chamadas claves psicodramáticas e constitui o fundamento do psicodrama. 2)
O simbólico, que corresponde a linguagem verbal. Quando, através dos sinais icônicos, abrimos
uma porta à linguagem simbólica, não é necessário que isto seja verbalizado; o que importa é o
acesso à ordem simbólica, o retomar essa capacidade mesmo quando se possa optar pelo não-
falar. O silêncio pode também, em muitos momentos, veicular a compreensão a nível simbólico
de um conflito.

Unidade IV – Psicodrama no Brasil

4.1 – Início e Institucionalização.

Devemos a descoberta do pioneirismo de Alberto Guerreiro Ramos (1915 – 1982) e de seu


trabalho com psicossociodrama à psicodramatista Célia Malaquias, que o pesquisou. Foi ela
quem apresentou as primeiras notícias sobre a presença da atividade moreniana no pais, datadas
entre 1948 e 1950, quando Guerreiro Ramos, no Rio de Janeiro, trabalhou com Abdias do
Nascimento, criador do Teatro Experimental do Negro (TEN) (1944) e do Jornal Quilombo
(1949 – 1950).

O sociólogo Guerreiro Ramos dirigiu diversos trabalhos no Instituto Nacional do Negro (INN),
promovendo também seminários sobre grupoterapia, nos quais abordou o psicodrama e o
sociodrama. Também escreveu alguns artigos no Jornal Quilombo sobre esses seminários e
sobre os sociodramas e psicodramas que dirigiu com o tema das etnias (Malaquias, 2004; 2007).

Em uma dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Sociologia da USP pelo professor


de história Muryatan Barbosa (2004), que pesquisou a contribuição de Guerreiro Ramos à
sociologia brasileira, a chegada e a instalação do psicodrama no país é assim apresentada:

Guerreiro Ramos veio da Bahia no fim de 1939 para estudar ciências sociais na recém-criada
Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Trouxe uma
formação religiosa católica e humanista espiritualista, que o acompanhou durante a vida
profissional. Concluiu o bacharelado em 1942, ano em que o Brasil entrou na Segunda Guerra
Mundial. Como integralista, teve dificuldades de encontrar trabalho na área, mas recusou uma
bolsa de estudos do Departamento de Estado dos Estados Unidos.

Em 1943-1944, foi trabalhar no Departamento Nacional da Criança (DNC), onde ministrou


cursos de sociologia para médicos puericulturistas. É possível pensar que foi a partir desse
trabalho que surgiu a idéia de ter sido professor na faculdade de medicina, o que não ocorreu,
explica Muryatan. No ano de 1943, ele ingressou também no Departamento de Administração
do Serviço Público (Dasp), um órgão criado pelo Estado Novo. Nesta fase, conheceu o trabalho
sobre os negros baianos do sociólogo da Universidade de Chicago Donald Pierson, com quem
aprendeu uma nova sociologia, “um novo modo de ser sociólogo: um sociólogo pragmático-
naturalista”. Uma ciência prática, voltada par a técnica cientifica de intervenção na realidade
social.

O mundo vivia o fim da Segunda Guerra Mundial, época em que surgiu um interesse maior pela
psicologia e pela filosofia existencial. Guerreiro defendia que a única saída possível para o
impasse civilizatório no qual o Ocidente estava inserido era a transformação espiritual do homem
(ainda não conhecia Moreno). Logo em seguida, evoluiu para uma sociologia que divulgava
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uma transformação social alicerçada na mudança qualitativa do homem, antes das grandes
estruturas socioeconômicas.

Continuava seu trabalho no DNC e no Dasp, mas não se sentia realizado. Em 1948, finalmente
aproximou-se do Teatro Experimental do Negro, que seria a instituição mais representativa de
toda a sua trajetória. Do TEM, nasce o INN (1949), Instituto Nacional do Negro, do qual
Guerreiro foi o primeiro Diretor. Para o INN, Guerreiro preparou um programa de atividades da
qual fazia parte um seminário com diferentes autores, incluindo J.L. Moreno. Mas essa não foi a
primeira referência do psicodrama.

Em seu artigo intitulado “Sociologia do Orçamento Familiar” (1949), apresentou Moreno da


seguinte maneira: “...chefe de toda uma escola (a sociometria), criador de técnica psiquiátrica do
psicodrama; e, por fim, do recente grupo do qual é porta-voz, a revista Sociometry” (Guerreiro
Ramos, 1950 apud Barbosa, 2004).

O primeiro semestre de 2950 foi o ápice do trabalho de Guerreiro Ramos com o psicodrama,
quando ele citou a necessidade de purgação de certas conservas culturais. Artigos sobre teoria e
prática do psicodrama são publicados na edição de fevereiro de 1950 do Jornal Quilombo, e na
edição de março/abril do mesmo ano são publicados artigos sobre teoria e prática do sociodrama
neste mesmo veículo.

Após Guerreiro Ramos, novos trabalhos em psicodrama só foram apresentados em eventos


fluminenses por ocasião do III Congresso Latino-Americano de Psicoterapia de Grupo (1963),
do qual a psicanálise de grupo, iniciada em São Paulo e consolidada com a fundação da
Sociedade Paulista de Psicologia e Psicoterapia de Grupo (1960), foi co-responsável.

A chegada da psicoterapia de grupo de base analítica preparou o terreno para o movimento


psicodramático, que se desenvolveu rapidamente nas décadas de 1960 e 1970 (Pamplona, 2001).

O psicodrama em Minas Gerais chega por meio de Pierre Weil no mundo do trabalho do DOT -
Departamento de Orientação ao Trabalho (1958-1968).

O sistema educacional do professor Halley Bessa (1950) pode ser considerado um trabalho
precursor do psicodrama em MG, apesar de Halley só conhecer a obra moreniana na década de
1960, quando se tornou psicodramatista triádico pelo Departamento de Orientação ao Trabalho
(DOT – 1958-1968).

Em 1948, o secretário da capital do Rio de Janeiro trouxe o psicólogo Leon Walter, do Instituto
Rousseau, de Genebra, especialista em psicologia do trabalho, para ensinar um método de
orientação vocacional a pedagogos brasileiros. Leon Walter convidou seu discípulo recém
formado Pierre Weil para vir com ele e ficar por três meses. Conta Weil (2004) que quando
chegou ao Brasil sentiu que essa seria sua pátria. Seu presságio se confirmou. Depois da partida
de Walter, Pierre assumiu seu lugar de professor e viajou por todo o Brasil ensinando o trabalho
de orientação vocacional nos vários núcleos do Sesc. Não conhecia ainda o psicodrama.

Quando Weil foi convidado a ser responsável pela criação do DOT, sob o patrocínio do Banco
da Lavoura de MG (Banco Real), Weil viajou por diversos paises procurando o que havia de
“mais moderno em psicologia do trabalho”. Foi quando esteve na França e conheceu Anne
Ancelin Schutzenberger, que havia se formado com Moreno em Beacon. Ela fazia parte de um
grupo de psicanalistas que desenvolviam um novo olhar, em que se buscava a junção da
psicanálise, do psicodrama e da dinâmica de grupo.
63
Enquanto o psicodrama florescia no mundo do trabalho, o país entrou no período da ditadura
militar (1964). A liberdade de reunião foi suspensa, o trabalho de treinamento em grupo passou
a ser vigiado. O medo e a desconfiança faziam os trabalhadores e os profissionais da psicologia
mudarem sua forma de trabalho.

O movimento mineiro do psicodrama triádico esteve ameaçado de extinção. Os profissionais


reunidos sob a liderança de Weil, criaram a Sociedade Brasileira de Psicoterapia, Dinâmica de
Grupo e Psicodrama (SOBRAP), que passou a congregar os trabalhadores psicodramatistas.
Quase todos migraram para o mundo do psicodrama clinico.

No estado de São Paulo, vários eventos psicodramáticos aconteceram a partir de 1960.

Em fevereiro de 1968, Oswaldo Di Loretto e Michael Schwarzschild convidaram Rojas-


Bermúdez para vir ao Brasil por quinze dias para trabalhos na Clínica Enfance. Durante sua
visita, realizou-se uma reunião no Hospital do Servidor Público em SP com os interessados na
formação em psicodrama. Nasceu aí o Grupo de Estudos de Psicodrama de SP – GEPSP (Motta,
1984).

O GEPSP impulsionou de tal maneira a penetração do psicodrama em SP que levou Moreno a


encarregar os brasileiros de organizarem o V Congresso Internacional de Psicodrama.

Coube ao Sedes Sapientiae (SP, 1972), por meio do pioneirismo da Madre Cristina, a
organização do original Departamento de Psicodrama. Nele, pela primeira vez, foram reunidos
professores das duas escolas rivais (Sociedade de Psicodrama de SP SOPSP – 1970; e
Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama ABPS, 1970). Outras escolas participaram
desse movimento de reunificação, como a Sociedade Paranaense de Psicodrama e o Instituto de
Psicodrama e Psicoterapia de Grupo (IPPGC) de Campinas (1976).

Também em 1972 foi fundada a primeira escola particular de psicodrama pedagógico, a “Role
Playing”, de propriedade de Marisa Greeb e com a orientação de Maria Alicia Romana, esta
última educadora argentina responsável pela adaptação do psicodrama ao enfoque pedagógico.

A chegada ao Brasil, em 2007, de Dalmiro Bustos, psicodramatista argentino, também foi um


fato importante e que acrescentou novos ingredientes aos estudos morenianos.

Bustos propôs algumas mudanças que passaram a ser adotadas por muitos psicodramatistas,
como: abolir o palco-tablado e as duas cadeiras sobre o palco que sinalizavam a abertura e o
fechamento da dramatização; uma nova maneira de ler os acontecimentos do grupo; um novo
olhar para o processamento, etc. Assim, as brigas entre grupos, iniciadas no Congresso de 1970,
até então eram somente políticas. A partir desse enfoque, a divergência passou a ser também
teórica.

Eram então basicamente três formas de processamento: o triádico, o baseado na Teoria do


Núcleo do Eu e outro baseado no tripé teoria de papeis, espontaneidade-criatividade e
sociometria.

A diversidade trouxe elementos de evolução, pois tivemos de desenvolver argumentações sólidas


para defender nosso ponto de vista, mas também houve a fragmentação em grupos paralelos – o
que poderia trazer um crescente risco à socionomia brasileira. Acrescido, é claro, das limitações
nacionais.
64
Foi nesse cenário nacional de ditadura endurecida, e com conflitos entre grupos diversos, que
nasceu a necessidade de organização nacional do movimento psicodramático brasileiro por
iniciativa dos psicodramatistas José Fonseca, Ronaldo Pamplona, Vitor Dias, Içami Tiba, entre
outros.

Estava sendo gestada a Federação Brasileira de Psicodrama (FEBRAP 1976). O reconhecimento


do psicodramatista José Fonseca, como principal liderança do associacionismo foi ressaltado
pelos ex-presidentes da FEBRAB.

A FEBRAP salvou o movimento psicodramático da fragmentação que outras abordagens


tiveram, mas perdemos em participação social. Sua capacidade revolucionária ficou
empobrecida nas décadas seguintes. Hoje o número de federadas com fins lucrativos é maior
que as sem fins lucrativos. Isto, dialeticamente, a coloca diante de um perigo: escolas privadas
tem como meta também o lucro, e o movimento é exposto mais diretamente aos princípios do
capital.

Na década de 1960, o psicodrama chegou a Pernambuco. Logo depois, chegou a Bahia por meio
do psiquiatra Waldeck D´Almeida, que por sua vez conheceu o psicodrama por intermédio da
psicóloga Sira Paim, ex-aluna de Jaime Rojas-Bermúdez.

Em agosto de 1971, em Belo Horizonte/MG, Pierre Weil, à frente de um grupo de


Psicodramatistas e com a presença de Anne Ancelin Schutzenberger, funda a Sociedade
Brasileira de Psicoterapia, Dinâmica de Grupo e Psicodrama – SOBRAP.

Em setembro de 1979, foi fundada a SOBRAP – Regional Juiz de Fora, hoje denominada de
Instituto Brasileiro de Psicanálise, Dinâmica de Grupo e Psicodrama.

A SOBRAP/JF é membro da International Association of Group Psychotherapy – IAGP, e da


Federação Brasileira de Psicodrama – FEBRAP.

Em 1978, por ocasião do I Encontro de Psicodrama da Paraíba, Waldeck D´Almeida foi


convidado a iniciar uma turma de formação em João Pessoa.

Em 2000 Recife foi escolhida pelo Ministério da Saúde como uma das seis cidades brasileiras a
integrar o Projeto Piloto de Humanização dos Hospitais Públicos. A FEBRAP e a Sociedade
Brasileira de Psicanálise foram acionadas e o projeto realizado no Hospital Getulio Vargas de
Recife.

Em 2001 foi criada a Profissionais Integrados Ltda. (Profint) em Sergipe.

O psicodrama chegou ao Ceará por meio do Prof. Alfredo Correia Soeiro, participante do
primeiro grupo formado por Rojas-Bermúdez em SP. Em 1978 foi fundada a primeira escola de
psicodrama do Ceará, a Associação Cearense de Psicodrama.

A Sociedade Goiana de Psicodrama (SOGEP) foi fundada em 1978, como uma sociedade civil.

Uma das mais recentes escolas de Fortaleza, e filiada à FEBRAP, é o Instituto de Psicodrama e
Máscaras (1997), dirigido por Marco Antonio Amato.

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