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O interacionismo simbólico de George

Herbert Mead, a partir do texto de


Herbert Blumer
Blumer, Herbert (1981), “George Herbert Mead”, in: Rhea, B., The Future of Sociological Classics,
London, Allan & Unwin, republished in Symbolic Interactionism (Ken Plummer ed.), Aldershot: Edward
Elgar Publishing, 1991, pp. 143-175

Teorias Sociológicas: as Grandes


Escolas
Docente: Renato Miguel do Carmo
Nota prévia sobre o interacionismo simbólico
• Três abordagens distintas que podem ser enquadradas no interacionismo simbólico:
• Interaccionismo simbólico (Herbert Mead,1863-1931; Herbert Blumer, 1900-1987)
• Abordagem dramatúrgica (Erving Goffman, 1922-1982)
• Etnometodologia (Harold Garfinkel, 1917-2011 )
• Quatro temas fundamentais comuns às diferentes abordagens (Plummer, 1996: p. 225-227;
in Bryan S. Turner (ed.), Teoria Social ):
– “Os mundos distintamente humanos não são só mundos materiais e objetivos, mas
também fortemente simbólicos”.
– Remete para a construção de significados enquanto processo, designadamente
“estratégias de aquisição se um sentido de eu [self], de desenvolvimento de uma
biografia, de ajustamento aos outros, de organização da noção de tempo…”.
– O terceiro tema é o da interação: “o foco da atenção em todo o trabalho interacionista
não incide nem sobre o indivíduo, nem sobre a sociedade per se, ele incide antes sobre
as ações conjuntas através das quais as vidas se organizam e as sociedades se
constituem. (…) A ação social do indivíduo é, na verdade, construída através do outro.”
– Finalmente, o interacionismo dá primazia à análise do mundo empírico. Segundo H.
Blumer é uma abordagem com os pés assentes na terra.
A noção de self
• As mentes (minds) e os seres (selves) são a característica fundamental da
sociedade humana.
• O conceito de self é central na análise de Mead, implica ser objeto de si
próprio a partir de uma perspetiva exterior:
– o ser humano torna-se objeto de si próprio (vê-se a si próprio como homem ou
mulher, criança ou adulto, membro de um comunidade étnica…).
– O ser humano pode vir a ser diferentes objetos de si mesmo, e isso implica que
tenha a capacidade de estar defronte de si mesmo (interage consigo próprio).
– Deste modo, o self é eminentemente social, formado a partir da interação social e
da linguagem.
– Define a capacidade de nos vermos a partir da perspetiva de um leitor imaginário,
do qual conseguimos refletir sobre o significado da interação que estabelecemos
com os outros.
• Capacidade de atribuir um sentido (meaning) aos objetos identificados
• Capacidade de criar um mundo interno (inner world) no qual o indivíduo comunica
consigo próprio (‘internal conversation’, como designará M. Archer).
• Capacidade de construir/produzir a sua própria ação (e não uma mera resposta a
estímulos)
– Mead estabelece a distinção entre ‘eu’ e ‘mim’ (’I’ and ‘me’) em Mind Self and
Society (1934): o ‘mim’ representa o lado mais societal e conservador do self (que
se mostra ao outro), enquanto o ‘eu’ refere-se ao lado mais idiossincrático e
inovador (que não pode ser observado pelo outro).
Self e sociedade
• A sociedade faz-se através interligação / ajustamento
contínuos entre as atividades individuais dos
organismos no sentido de organizarem formas
coletivas de ação: atos sociais (social acts).
– A sociedade é mais do que uma mera associação de
indivíduos, para além disso existe um sentido de
continuidade na interligação entre as diversas atividades
(joint acts).
– Estabelece-se um processo na formação ilimitada dos
atos sociais conjuntos (cada ato é circunscrito no tempo,
seguido por outro ato social que emerge).
– Os comportamentos sociais não são uniformes, pelo
contrário é a partir da diferenciação que estes se
articulam e se engajam (fit together)
Interação social
• Mead considera que a interação social detém duas
formas: simbólica e não simbólica.
– Interação simbólica: constitui-se por gestos ou símbolos
significativos, isto é, detêm um significado comum
(pressupõe uma reposta comum da parte de quem emite o
gesto e para quem o gesto se direciona; é o que permite
comunicação).
– Interação não simbólica: pressupõe apenas a reação do
organismo a estímulos externos/ambientais.
– A interação do self consigo mesmo (self interaction) é uma
componente fundamental da interação social nas
sociedades humanas (daí a importância da reflexividade)
– A interação connosco próprios entrelaça-se com a
interação com os outros (“interaction with oneself is
interwoven with interaction with others” [par. 33, pag.
156]).
Interpretação
• A interpretação é uma componente essencial e processual da interação, na
medida em que esta pressupõe: (1) a interpretação da ação dos outros; (2) a
interpretação por parte dos outros sobre a nossa ação; (3) a interpretação que
fazemos sobre o que os outros poderão ter interpretado da nossa ação.
• Os atos sociais são continuamente interpretados:
– Muitos dos atos sociais são rotinizados e altamente padronizados, o que facilita o
processo de interpretação.
– Outros atos sociais emergem com novas características, e estes podem requerer
formas de interpretação mais complexas.

• Muitas das interpretações são facilitadas pela noção do ‘outro generalizado’,


que é incorporada pelos indivíduos ao longo da sua vida. É por esta via que o
self interioriza um conjunto de convenções e normas comuns a uma
comunidade mais alargada.
– É por intermédio da noção de outro generalizado que Mead estabelece uma relação
com aspetos mais macrossociais, designadamente, as estruturas sociais e a
constituição da ordem social.
– Segundo a perspetiva construtivista desenvolvida mais tarde por Berger e Luckmann
(1966) é a partir da socialização primária que os indivíduos adquirem a noção de
que existe o ‘outro generalizado’. Ou seja, normas/regras instituídas que são
relativamente invariáveis a uma comunidade (que não dependem apenas das
‘ordens’ do indivíduo x ou y).
4 premissas da perspetiva de Mead
• O ser humano surge na sociedade sob a forma de
self, que o permite interagir consigo próprio ao
mesmo tempo que interage com os outros.
• A interação consigo mesmo (self-interaction)
entrelaça com / e influencia a interação social com
os outros.
• É através da interação simbólica que o indivíduos
conseguem formar os atos sociais contínuos e
interligados (joint acts)
• É a formação de atos conjuntos (joint acts) que
constitui a vida social da sociedade humana [par.
42, pag. 160].
H. Blumer desenvolve uma comparação com
outras perspetivas teóricas
• (1) a organização da cultura; (2) a estrutura social; (3) o sistema social; (4) o
processo da mudança social; (5) o conflito; (6) as relações de poder; (7) o
conflito de classes; (8) a análise psicológica.
• Por exemplo:
• (2) Ignora o processo de self-interaction e interpretação da interação social
(as estruturas detêm uma causalidade determinista); falha em enquadrar as
sociedades como processos contínuos em movimento no qual os
participantes individuais e coletivos alinham e ajustam os seus
comportamentos diferenciados
• (3) O mesmo tipo de críticas são direcionadas à teoria dos sistemas socais: a
interação social é determinada pelo sistema e não pelos indivíduos
participantes; a interação social é destituída de elementos simbólicos
significativos; a vida social e do grupo deriva dos ajustamentos ao requisitos
do sistema; a sociedade não é vista como composta por indivíduos com os
seus selfs.
• (5) A interação social entre indivíduos é mais ampla do que a noção de
conflito; as relações e comportamentos de conflito dependem dos processos
interpretativos; muitas vezes os processos contraditórios são identificados
como sendo relações de conflito pelos teóricos, mas podem não ser
interpretados como tal pelos indivíduos.

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