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DESVENDANDO
DESVENDANDO
À SEXUALIDADE

A SEXUALIDADE A sexualidade é um tema que gera polêmicas, e a


sexual — se questão delicada — é um imperativo
educação
para esta

as
sociedade de final de milênio
que convive com a Aids.
O livro tenta recuperar os modelos
CÉSAR APARECIDO NUNES históricos da constituição da
sexualidade na tradição ocidental, desde o modelo matriarcal
primitivo, passando pela expropriação do
prazer na Idade Média
até os modelos de sexo consumista e quantitativo da sociedade
2º edição revista e ampliada contemporânea. Hoje, multiplicam-se os discursos sobre a
sexualidade. Sobre o sexo, ainda pesam silêncio e a
vergonha —
as formas mais cabais de repressão e preconceito.
Recuperar o conceito positivo de sexualidade, discutir os papéis
sexuais e os tabus em sua dimensão histórica, fazer acrítica de
uma sociedade que perdeu o espírito erótico são os
principais
apelos deste livro. Sobretudo propor que a educação sexual, tão
discutida nos meios educacionais, não seja a mera
descrição de
aparelhos reprodutores ou uma nova expressão de antigos
moralismos e discriminações. A sexualidade é
uma das
dimensões fundamentais da existência humana, e o
desejo, o
prazer e a afetividade são os meios mais profundos de
relacionamento humano.

ER E |
4824

Biblioteca FAMETRO
80

88530

20010328

PA PRERUS PDITORA
capa: Femruido Comacchia
Foto: Rennato Testa .
Copldesque: M. Alexandra O. Cardoso. do Almooda
Lúcia Helena Lehoz MoraiU
RevlsAo: Maria Lúcia Almeida Maier

Dedos Internacionais do Catalogaçiio na Publlcaçio (CIP)


(CAmara Bresllelra do Uvro, SP, Brasil)

Nunes César Aparecido, I 959 C


Oesv..;,dando a sexualidade/ César Aparecido Nunes.- am·
pinas. SP: Papirus, 1987.

Bibliografia.
ISBN 8!;-308-0489-9

1. Educação sexual ~- ~tica sexual 3. Sexo - Aspectos


sociais. 1. TOulo. 11. Séne.

CDD·306.7
87·1238 176
613.9507

!ndlces pare catlllogo sistemático:


1. Educação sexual 613.9507
2. ~tica sexual 176
3 Sexualidade: Moral: Filosofia 176
4. sexualidade: Sociologia 306.7

FAMET=:·:·
Li .. .
.0.3.?:-.6/.Q,L
Data .... A5. .. .J..9 ..f! ....t ..9...1......
cXf(}. {5ct.5 Aos meus pais, Julio Milton e Maria Helena,
que viveram até a última gota as contradições
sexuais de seu tempo...
(0-n-\-rr ,;1 tP1 2• edição Ao César Adriano, meu segundo filho gerado
1997
com a Cleide, companheira deste buscar...
Saber esperar é alegria e necessidade.
DIREITOS RESERVADOS PARA A ÚNGUA PORTUGUESA:
0 M.R. Comacchia Uvraria e Editora Uda- Pap~~ ~~78
Matriz· Fones: (019) 231·3500e231-3534-Fax:( l
. ·rusOioxxa.com.br _ C.P. 736 • CEP 13001·970
E-maJt papo Fil' 1 Fone· (011) 57o-2an ·São Paulo · Brasil.
Camptnas - 1 1a - •

Proibido a reprodução total ou parcial. Editora afiliada à ABDR.


SUMÁRIO

-
~

~
APRESENTAÇÃO

INTRODUÇÃO
~
9

13

I. A SEXUALIDADE "PRIMITIVA" MÍTICA 57


1
• O MODELO PATRIARCAL 67
I. A SEXUALIDADE PROSCRITA NA IDADE MÉDIA 79
A PURITANIZAÇÃO DO SEXO 91
' A DESCOMPRESSÃO SEXUAL 97
11 OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA EDUCAÇÃO SEXUAL 115
\IJI3SÍDIOS PARA REFLEXÃO OU DEBATE 129
IIIBLIOGRAFIA 135
APRESENTAÇÃO

l'm11 dt·[mir a sexualidade...

"A relação do homem com a mulher é a relação mais


natural do lzomem com o homem, e nesta relação apa-
rece, então, até que ponto o comportamento natural do
lzomem se tornou humano, ou melhor, até que ponto sua
essência humano se tornou sua essêncÍll natural. Nesta
relação vemos, também, até que ponto as necessidades
humanas se tornam necessidades humanas, até que ponto,
então, o outro homem, como homem, se torna uma neces-
sidade para o homem, e até que ponto o homem em sua
existência mais individual é, ao mesmo tempo, comunidade.,:
Karl Marx

llulr lodo mundo fala, mais ou menos livremente, de assuntos


••ltnl&lt 1 11 -.cxo. I lã ainda rígidos mecanismos de controle, repressão
I 11111 1m•ia sobre a questão, mas o assunto é bem mais freqüente
I 1111 .ums atrás. ·

9
exo mas como o assunto é muito Gostaria que este livro fosse lido por todos os que se interessam
, falar de S ' . . ·
Este livro quer tamb em . os horizontes. Pnmeuo é prectso pelo assunto, de maneira crítica e dialogal; jovens, adultos, adolescentes,
}"IJlltaT . . -
abrangente precisaremos de 1 ectos da sexualidade. O pruneuo pais, professores, pedagogos, padres, comunicadores e todos aqueles que
. ' ·s e asp h
considerar os dtversos ruvei . eprodutivo, que congrega omens, estão em busca de um novo sentido para essa tão rica, complexa e
. lógzco-r · d
desses aspectos é o sexo b w . s Esse é o sexo como categona e exigente dimensão da existência humana.
animais plantas, todos os s eres VIvo "fi · · ~A
naturais ou arti ctaiS.~uUl as vezes
· 't
' d tores a1 Não poderia deixar de tentar iniciar com este trabalho outras
reprodução, aparelhos repr~ u as em algumas escolas e em guns 1eflexões sobre o assunto, mormente entre os professores, com quem
até essa informação n~s é ~adad:escente tecnicamente chega a apren- divido a tarefa de ensinar. Ficaria contente e realizado se este livro
livros de ciências ou btolog~a o aar dade biológica, conhece os aparelhos pudesse sensibilizar a escola, na pessoa de seus organizadores e mestres,
der os mecanismos de sua se~.
1
s ciclos menstruais das fêmeas e as
· e f el]llfllll0 •. da 0
d a sexu a]'d acerca da necessidade de uma séria educação sexual.
reprodutores masculino Não é esse o mvel' 1 ade
diversas formas de reprodução da ~~m~ importância, pois é i'nfo~ação Todavia, se for possível ao menos despertar a sensibilidade para
q ue abordaremos. Embora de ex alidade biológica, creio que extstem ,, riqueza da sexualidade humana, relativizar nossos dogmatismos ana-
ssaseXU . (·rônicos e históricos que às vezes são tão fortes e vigentes e abrir um
básica sobre nosso corpo, no ~ · .
bons subst' d'tos sob re a questao . .> , se constituem as dife- diálogo, trazer a sexualidade ao status do "permitido", do humano, ao
·az que e com0 nrvel da palavra, já seria gratificado. Pois a paixão que tudo isso envolve
Existe o nível psicossoct ' culino e feminino. Nesse nível é
os me ·d l'Orn certeza nos fará avançar...
renças sociais entre os sex ~ do universo mental da mulher e o
reciso compreender a formaçaodesse universo. Por que o homem se \ Penso sobretudo nas inquietações de nossos adolescentes e jovens.
P
homem com todos os e1ementos mulher se apresenta maiS · d oct
' 'l, <) apelo sexual da máquina consumista é irresistível. O silêncio e a
' d oso e a , u·pressão não conseguem conter e tanto recrudescem como se afrouxam.
sente forte, seguro e po er isso se)· a "natural". E que o homem
meiga ou temerosa? N ao e
~ ' porque ' d d
f 0 rte altruísta, e a mulher e e uca a <'ada vez mais a sexualidade se vê tratada como objeto, quer no submun-
· dor ' · , ·
do social, nas rodas de amigos, geralmente tão desinformados quanto
é educado para ser domtna ' 'vel envolve um estudo htstonco
. 1. da ·. Este n1 . , ,
ara ser submtssa e cont ~ dos papéis sexuats, que e o seu mve 1 t'll!tuadrados no perfil de ignorância, proibição e temor que o sistema
P nu1çao
desses processos de cons 1 ltllltinuadamente cria e educa, Cada vez mais o consumismo e a porno-
Y.•••fia alimentam adolescentes e jovens, adultos e velhos, com sua
complementar. dermos as variantes sobre os papéis
. mpreen . .. uper(icialidade grotesca e objetual, confundindo a quantificação de
J A metodologta de co. , . e da antropologta, que se encontram
tlto;cursos sobre o sexo ou de atos sexuais como uma verdadeira "liber-
sexuais será a ctencta d a htstona e das sociedades através dos tempos ·
· A •

llu,·ao sexual" . Cada vez mais se aprende sexo por exclusão. Novos mitos
homem ·t
interligadas no estudo d o . os tentando falar de sexo com mm a
· trilharem ' d M ' di 1 1111111 o de que "os jovens de hoje sabem mais do que nós"- como me
Será por este caminho que os "primitivos", na Ida e e a, e th'í.,C certa vez um amigo professor - justificam a omissão, e, por
. . ·do entre b
clareza como ele fm v1v1 plena sociedade de consumo ur ana
' dias,em l"""eguinte, reforçam os estereótipos comerciais.
como é encarado em nossos unicações".
· d · a1 t "era das com Tudo isso preocupa-me, ao tratar da sexualidade e da educação
e m ustn ' nes a . trinário ou dogmático, pois cre.!o que. e.sta
Além dela, na base desta questão, vai a compreensão do homem,
11 1111111.
Não pretendo ser do.u d ue se tem dito sobre "sexo e tem stdo
utto 0 q · · d 111 tlnnensão de grandeza e de sentido, tão presente na gratuidade do sexo...
postura tem perpassado rn fracassos e distúrbios emociOnats e
traumas,
responsável por . tant os
nossa cultura.
11
I
10
,,

INTRODUÇÃO

A questão da sexualidade...

Não é uma tarefa muito fácil a abordagem da sexualidade. Pois a


riqueza dessa dimensão humana e toda a sedimentação de significações
que historicamente se acrescentou sobre a mesma acabaram engendran-
do um certo estranhamento do sujeito humano com sua própria sexuali-
dade. Freqüentemente a sexualidade se encontra envolta em um feixe de
valores morais, determinados e determinantes de comportamentos, usos
c costumes sociais que dizem respeito a mais de uma pessoa. Daí o seu
l.'aráter social explosivo.
No entanto, mais do que nunca se torna necessária uma reflexão
.,ubre a sexualidade humana. Vivemos num ambiente "sexualizado" e os
ciJscursos sobre a sexualidade entrelaçam todas as esferas da nossa vida
l'Olidiana: confusos, apelativos, questionantes, rnistificadores e enqua-
clradores. Estamos à mercê desses discursos. As três últimas décadas
provocaram transformações enormes na compreensão e na vivência da
~;cxualidade principalmente no Ocidente. Se atentarmos para a ·sociedade

13
I
brasileira, veremos que houve muitas transformações com a paulatina para o poder e o machismo, que engendra os mitos de "inferioridade" da
implementação da influência dos veículos de comunicação, e dentre estes mulher, que estabelece os tabus, as proibições e os medos sobre 0 sexo.
a televisão, em nosso meio nos últimos anos. De certa maneira não se está contra a educação sexual, ela já existe, mas
s1m co~tra uma outra expressão sexual que não seja a tradicional
Essas transformações refletem-se nos valores, nos comportamen-
estereotipada, paternalista e primitiva. '
tos, na linguagem, no modo de vestir, nas músicas, nos filmes, nas formas
" de relacionamento. O acréscimo das descobertas científicas, os métodos E h~ també~.aqueles que, na ânsia de superar os tabus repressivos
anticoncepcionais ao alcance de todos, a indústria do sexo, a pornografia, da educaçao tradiciOnal, não conseguem fazer a crítica da sociedade
tudo isso hoje é inegável que acaba transformando algumas concepções permissiv~, do sexo consumista objetual, quantitativo e pornográfico
mais tradicionais.@ uando alguns círculos sociais detêm-se a enfocar a atual. Na busca de uma liberdade individual, autônoma e humana
questão da educação sexual, este é um ponto muito importante a ser fre.qüent~mente se tomam presa do consurnismo sexual capitalista qu:
cqnsiderado. O que é educação sexual? Quais os determinant~s desta hOJ~ .esta ?resente em tudo o que fazemos, vemos e ouvimos. Esse
questão? O que significa "educar" sexualmente e que instrumentos, mdlvtdualismo espontaneísta muitas vezes é desastroso.
meios e fins estão envolvidos? Quem pode "educar" sexualmente, "en-
sinar" o quê? Como fazê-lo, quem serão estes educadores ... ? São ques- Pois. falar so~re ~ sexualidade implica retomar alguns recursos
tões extremamente preocupantes. 1 rn:todológtcos: a his~óna, a antropologia, a moral e a evolução social.
Nao se f:la da se~ahda~e de maneira fragmentada, dividida, estanque.
A questão da educação sexual é sempre muito polêmica. Recen- As relaçoes sexurus são relações sociais, construídas historicamente em
temente ela voltou no bojo das questões sobre planejamento familiar e/ou dcte~adas estruturas, modelos e valores que dizem respeito a determi-
controle da natalidade. Não é todavia uma abordagem nova. Pois a nado~ rnteresses de é~ diferentes. Esse relativismo não pode ser irres-
educação sexual, no seu sentido mais profundo, não é uma mera questão ponsavel. Ele nos permite perceber a construção social da sexualidade sem
técnica, mas sim uma questão social, estrutural, histórica. Todos nós contudo fazê-lo de modo destrutivo ou imaturo. É uma tarefa gigantesca.
como sujeitos constituídos socialmente estamos submetidos a um pro-
cesso de enquadramento sexual que é determinado, em última instância, Uma primeira questão é a questão da linguagem. Não temos
com as estruturas sociais. "l in~~agem" para ~ sexualidade. Temos sim, de um lado, linguagem
lradt~onai_, depreciativa, estereotipada, estigmatizada, freqüentemente
L,Çertas atitudes sobre a questão da sexualidade são interessantes. tlc bruxo ruvel; e, de outro, a linguagem sexual mais humanizada afetiva
Quando se lançou recentemente a questão da necessidade da educação t' significativa. É mister construí-la, recriá-la... '
sexual na escola, isto é, de maneira pedagógica e institucional, as reações
imediatas logo definiram dois grupos_:).Im mais conservador, lembrando Por outro lado, há a questão da mulher. A luta das mulheres desde
a "responsabilidade" sobre a questão, e outro mais liberalizante demons- 11 pós-guerra passou por vários momentos. Desvendou a violência estru-
trando, mais que a necessidade, a urgência da questão. Contudo, não se tural contra a mulher, as formas implícitas e reais dessa violência
trata de ser contra a educação sexual ou a favor dela. Isto é desviar a denunciou publicamente as estruturas educacionais machistas a sacie~
atenção da questão fundamental- qual o conteúdo de uma "verdadeira" dude falocrática. As mulheres adquiriram alguns espaços, hou~e novas
educação sexual? Pois todos nós estamos submetidos a uma educação formas de, cooptação da mulher, houve equívocos, mas o que importa
sexual desde que nascemos, e hoje mais do que nunca. Posicionar-se observar e q~e houve alterações profundas na sociedade e na própria
"contra" uma reflexão sobre a sexualidade é uma atitude que implicita- mulher. E, aliada a essa luta, um pouco mais tarde, assistimos à luta dos
mente reforça a educação tradicional, sistemática, que educa o homem ~· upos homossexuais. Estamos percebendo que pela primeira vez se

14 15
I
articula e se destrói, no nível do instituído, um discurso sobre a homos- fazer a arqueologia do silêncio, observar os mec~smos da constituição
sexualidade. Isto tudo está se engendrando no cerne das lutas sociais. da "normalidade" e ao mesmo tempo ter elementos críticos para a
sedução do consumismo hedonista.
Nesta luta vemos que a estrutura familiar, entre outras transforma-
ções, se vê abalada. Cada vez mais a família se vê. tolhida no disc':""so É claro que nossa opção é por uma reflexão empírica da sexuali-
dogmático sobre a sexualidade, enfrentando o discurs.o consmmsta, dade, que se traduza em propostas educacionais reais. Acredito que a
liberalizante dos meios de comunicação, da pornografia e de outros rscola é o espaço também da crítica sobre a sexualidade estabelecida e
agentes sociais. O discurso religioso se vê cada vez mais contraditório e, n laboratório das novas significações e vivências. Não de uma maneira
em certos casos, de um conservadorismo anacrônico. Eficaz em alguns 'oUperficial como vem sendo feita, empirista, biologista, informativa e
círculos, ele perde espaço diante dos apelos estruturais de uma "nova moral outra vez diretiva. Muitas escolas acreditam que fazem "educação se-
sexual". O Estado, que controla a escola, freqüentemente se mantém numa xual" por permitir que um padre ou um médico uma vez por ano fale
posição menos comproJD.etida moralmente, mais técnica, e v~ a questão sob sobre "Sexo e amor", "Métodos anticoncepcionais e aborto", "Aparelhos
o ponto de vista demográfico, biológico, profissional e polít:J.co. reprodutores masculino e feminino".
Em tudo isso vemos que a tarefa de abordar a sexualidade requer Nossa proposta é bem mais exigente que isso. A abordagem da
muitos referenciais. Não tomaremos aqui uma posição doutrinária ou 'iCxualidade humana numa dimensão pedagógica requer um entrosamen-
moralista. Tentaremos refletir sobre os condicionantes históricos da to histórico e moral novo, o auxílio das ciências humanas e o acesso à
sexualidade ocidental de maneira pedagógica e metodológica. Ao anali- produção específica dos últimos anos. Isto não quer dizer que tenhamos
sar alguns modelos sociais hegemônicos de vivência e c~~~reensã~ da I}IIC fragmentar ainda mais a sexualidade formando professores de "edu-
sexualidade nas sociedades ocidentais, tentaremos sensibilizar o lettor l'ação sexual". Significa, outrossim, superar o dualismo racionalista e
para uma crítica, pessoal e social, dos modelos e discursos vigentes. Pois tl·cnicista da escola atual e da intensidade tecnocrática e profissionali-
toda educação sexual implica uma reeducação sexual, e envolve pessoa, /ilnte. Mas is to tudo é outra conversa, que deixamos em aberto ...
valores e comportamento. Acho mesmo que a sexualidade, de maneira
privilegiada, é este terreno híbrido entre o pessoal e o social, encruzilhada
confusa onde se articulam o ser e o existir individual e coletivo de cada
um de nós. Daí sua grandeza, sublimidade e riqueza. Daí o desafio, a t\ tfuestão da "educação sexual"
atração, o fascínio que a reflexão provoca. Desafio sempre exigente de
coragem, oportunidade de despir-se, no que nos é possível, dos precon-
ceitos, dogmas e tabus tradicionais. Para uma compreensão mais profunda da sexualidade humana é
Ao final nos resta estabelecer algumas propostas. Tentaremos preciso definir a sua constituição significativa. A sexualidade humana
definir que uma verdadeira educação sexual está implicada ~um~ tr~~s­ 111111 está sujeita ao determinismo animal, restrita ao mundo natural. É
formação social mais abrangente. E que, numa apresentaçao dta.let:J.ca uma esfera que passa além disso; ela contém a intencionalidade, no
deste pólo, o macrocósmico, o estrutural, estão presente~ os me.~smos •rntido de consciência e de experiência de sentido, no sujeito humano.
primários de relacionamento, os rnicroco~mos pesso~s•. f~IDiliare~, os r. portanto, dimensão existencial, original e criativa em sua expressão e
círculos menores e vice-versa. Sem reduzu a um subjetivismo radtcal, \ilvt•ncia. E essa dimensão é dinâmica, dialética, processual. Não se pode
há na sexualidade humana uma intimidade tal que escapa a 9ualquer rrtluzir a sexualidade a um substrato único, irnitável, eterno. A sexuali-
racionalismo mais comprometido com os discursos do poder. E preciso llaulc, isto é, as qualidades, formas e significações da atividade sexual são

17
16
históricas, processuais e mutáveis. Isto significa que a sexualidade está não apanham a sexualidade naquilo que lhe pode d·a r significado e
sempre aberta a novas significações, novas experiências de sentido. vivência autêntica: a procura mesmo da beleza interpessoal, a criação de
um erotismo significativo do amor.
Muitas vezes o argumento do "natural" é a forma mais cabal do
preconceito ou do conservadorismo. Pois se poderá afirmar que são
"naturais" o poder, o domínio e a brutalidade no homem, como a Importa-nos demonstrar que a sexualidade, como dimensão hu-
"meiguice e ternura" são dotes "naturais" da mulher. É preciso rejeitar mana, não pode ser reduzida a um objeto estranho, fora de nós, sobre o
qual se faz um discurso técnico, frio, dogmático ou permissivo. Como
este simplismo.
dimensão privilegiada do subjetivo, do existencial, e ainda mais se
11':,.
A antropologia e a psicologia moderna já demonstraram que o ronsiderarmos as rotulações e os controles religioso-morais históricos
\li~· substrato humano, que compreende o dado biológico primário, é neutro, 11obrepostos, a sexualidade só pode ser tratada de maneira profundamente
isto é, desprovido de caracterização sexual definida, a não ser no nível próxima, densa de dignidade e humanismo, para ser eficaz e significativa.
genital. Observamos um texto da professorà Naumi Vasconcelos citando I'ISO requer conhecimento dos discursos teóricos cabais, dos dogmatis-
o professor Abel Jeaniére que desenvolve de modo claro esta questão: "Cada mos de qualquer espécie e da suspeita, e equiliôrio, de nossas próprias
indivíduo é fundamentalmente neutro se o considerarmos no nível de uma l'llntradições pessoais e culturais.
sexualidade propriamente humana. O 'ser homem' e o 'ser mulher' são
criações da vida social, é ela que diferencia" (Vasconcelos 1971, p. 75). Só é possível uma educação sexual nesta perspectiva dupla: de um
lado, crítica de todas as construções, significações e modelos históricos
Essa diferenciação obedece aos critérios do poder e das estruturas c sociais, que envolvem as proibições, os interditos e as permissões; e de
de dominação e produção da existência. As instituições sociais, que são outro, o pessoal, o afetivo, o existencial, que a educação tecnicista tende
supra-estruturas enquadradoras das classes dominantes, desenvolvem 11 sufocar num discurso objetivo e distante. Ao educador que se ocupar
um esforço sistemático e cotidiano para reproduzir as estruturas e os dessa questão está o desafio de encontrar o justo meio de transmitir essa
papéis tradicionais por meio da família, da linguagem, das noções básicas <'Ontradição de maneira honesta e significativa.
culturais, da escola, do trabalho, da religião etc. Em tudo isso já existe
· sistematizado um papel sexual modelar, paradigmático, ao qual devem A questão da sexualidade passa a ter maior importância hoje entre
se adaptar os "homens" e as "mulheres" novos-nascidos. Esse processo lodos os educadores. Pois na medida em que as estruturas de toda a
de enquadramento dura a vida toda, com seus reforços ideológicos e 'íOciedade se vêem marcadas com o apelo a uma sexualidade consumista
mais, implícitos e explícitos. r hedonista, isto é, marcadas pela busca individual de uma forma de
prazer, esta característica aparece em qualquer dimensão que realmente
Uma verdadeira educação sexual terá de colocar toda a cultura em •cc~ propõe a educar, ou ai>resentar criticamente toda a cultura humana.
questão. Ainda nos reportamos ao texto de Naumi Vasconcelos (op. cit., p. 111):
Não há uma época a iniciar a "educação sexual". Desde que
nuscemos somos seres sexualizados e não podemos continuar numa
Educação sexual é abrir possibilidades, dar informações sobre os aspec-
tos fisiológicos da sexualidade, mas principalmente informar sobre suas roncepção de infantilismo, encarando as crianças como assexua.das e
interpretações culturais e suas possi~ilidades significativas, permitind? tj.lllOrando o nível de tensão e interesse que lhes diz respeito.
uma tomada lúcida de consciência. E dar condições para o desenvolvi-
mento contínuo de uma sensibilidade criativa em seu relacionamento E neste nível é importante observar que toda educação, sistemática
pessoal. Uma aula de educação sexual deixaria de ser apenas um aglo- 1111 não, envolve a sexualidade. Quando nós professores, ou qualquer
merado de noções estabelecidas de biologia, de psicologia e moral, que outra pessoa, nos apresentamos diante de uma classe de escola, diante de

18 19
I
uma função ou tarefa qualquer, nos apresentamos com toda a nossa Seria de extrema pertinência para os educadores e todos os que se
pessoa, e dentre tantas dimensões a sexualidade é fator fundamental. Do mostram motivados a discutir a sexualidade humana e a conveniência e
contrário faremos uma educação sexual baseada no preconceito que é a adequação a uma dimensão pedagógica, partir das considerações histó-
fragmentação do ser humano e a consideração parcial de suas potencia- ricas da sexualidade. Perceber que a "revolução sexual" que se desdobra
lidades e dimensões. a partir dos anos 60 nas sociedades industrializadas ocidentais tem como
modelo as transformações ocorridas nos EUA e na Europa, sendo por-
Muitos educadores, freqüentemente aquelas professoras que tra-
tanto modelos e matrizes que só poderão ser entendidos na medida em
balham nos primeiros anos do 12 grau, afirmam que têm muitos "proble-
que entendermos a relação estrutural de exploração e domínio que esses
mas" com relação à sexualidade. Queixam-se de palavrões, jogos e
centros mantêm com os demais países. Essas transformações refletem o
desenhos, manifestações que, segundo elas, "antigamente não eram
avanço das forças e das estruturas ideológicas de sua sustentação.
assim, havia maior respeito ..." Confusas, atribuem essa "permissivida-
de" com plena:. certezas à desagregação moral de nosso tempo, lançando
abstratamente uma culpa ideal sem sujeito sobre toda a sociedade. Não
compreendem que o apelo à sexualidade está muito mais forte hoje,
produzido pelo sistema econômico e dosado a todos os níveis sociais. A origem dos estudos sobre a sexualidade
Não percebem que essa descompressão da sexualidade está condicionada
pela fase que entre nós passa a estrutura econômica da sociedade,
portanto, não é num nível meramente moral que esta deve ser tratada,
mas num nível socioanalítico estrutural. Os grandes estudiosos americanos e europeus colocaram os prin-
cípios de uma abordagem da sexualidade ocidental e das demais. Foram
Para essas educadoras a expressão da sexualidad~ infantil é enten- esclarecidas algumas questões como a masturbação, as relações pré-ma-
dida como ato de "indisciplina e sem-vergonhice". E claro que não ritais, o adultério, o prazer das mulheres e dos homens, a freqüência de
podemos generalizar essas opiniões e compreensão das coisas. Falam~s parceiros sexuais, a homossexualidade e outras. E não podemos deixar
metodologicamente dos círculos mais tradicionais e mais comprometi- de analisar que os meios de comunicação e a propaganda, na medida em
dos com a ideologia conservadora hegemônica. que ampliaram sua influência social e sua função ideológica, assumiram
a sexualidade e suas representações de desejo e anseios, contidas nas
Outras abordagens da sexualidade infantil freqüentemente são lutas dos jovens, para uma outra dimensão, o consumo e a alienação
comprometidas com escolas de psicologia e educação, presas em pres- objetual. Hoje tudo se encontra sacramentado com o apelo do sexo. O
supostos fixos e teóricos. Isso me faz afirmar a necessidade de pesquisas corpo da mulher, e cada vez mais o do homem, é o lugar-tenente do
da sexualidade infantil em face das transformações da sociedade tecno- enquadramento estético, moral e econômico. Os astros e estrelas são os
crática atual, das alterações nas formas de educação e sociabilização das grandes veículos das novas estruturas de ser homem ou mulher. Princi-
crianças, e nas estruturas da família burguesa, e da rapidez com que as palmente são sensíveis a esses apelos os adolescentes e os próprios jovens
campanhas comerciais mudam as escalas de valores. Um primeiro nível que se encontram em crise diante da confusão dos valores sobre a
seria a pesquisa empírica, se bem que tarefa árdua, pois não há ainda uma sexualidade. De um lado_, a educação e as estruturas tradicionais que
sedimentada tradição científica na pesquisa da sexualidade, a não ser por ainda mantêm por meio dos pais e de outros veículos algumas formas de
relatórios, entrevistas e outras formas metodológicas recentes criadas a controle, e, de outro, o apelo social para uma sexualidade comprada, sem
partir dos anos 60 nos EUA e na Europa: muito envolvimento· e com o maior requinte de impessoalidade.

20 21
I
Creio que cada vez mais perde terreno o discurso da fami1ia e da Para compreender essa dinamicidade exige-se uma adequada me-
religião para um maior espaço dos meios de comunicação e de outras llldologia de análise, que possa abarcar a polaridade exigente entre a
estruturas ideológicas do sistema capitalista ocidental. A escola é um r,fera da subjetividade e as implicações de ordem social que enquadram
1 determinam as significações e vivências da sexualidade. Essa tensão
espaço ambíguo: presa ao Estado, é lá também que se cristaliza e pode
tamar corpo o saber resistente dos novos padrões e valores, na medida o poderá ser captada se buscarmos os referenciais das ciências humanas
1 o;ociais, da história e da filosofia, articuladas como suporte de uma
. I
~m que os círculos de intelectuais orgânicos que ali se encontram
i põem-se a fazer a crítica das estruturas tradicionais e de suas variantes
c 'mcepção dialética da realidade. O conhecimento que buscamos, quer
cio mundo material ou da cultura e da história humanas, justifica-se como
conjunturais no processo educativo da criança, do adolescente e do jovem.
husca da identidade precária e provisória da nossa própria condição.
Na maior parte das vezes podemos observar isso num simples
conversar com os pais. Eles sentem a confusão dos discursos sobre a Esta metodologia adotada pretende explicitar as contradições do
sexualidade, percebem a rápida mudança dQs padrões de comportamento p10cesso de conhecer a realidade, que significa desvendar suas signifi-
e sentem-se perplexos diante de seus filhos. Não sabem dosar a informa- 1 .1ções históricas, éticas e políticas. Como uma realidade essencialmente

ção sobre a sexual· ade_e se perdem no nível técnico, tendo abertlifa humana, a sexualidade não poderá permanecer como assunto restrito das
relativa ara falar de m . truação, masturbação, gravidez e reprodução, • tências biológicas ou de posturas institucionais restritas. A sexualidade
mas repetindo o esquema tradicional quando se trata de considerar a nmfigura-se como uma dimensão ontológica essencialmente humana.
idade e a r~onsabilidade sobre a prática sexual de seus filhos. Preferem A atitude política que nos move é a de buscar romper com o
JançatãfeSponsabilidade à escola, ao médico, ao psicanalista, e em outras
pensamento dominante sobre a sexualidade, que pretende reduzi-la a um
classes sociais, aos padrões de moral e à religião e seus agentes. ctmontoado de noções biologistas, instintivas ou institucionais morais.
Gostaríamos aqui de circunscrever o contexto da eclosão dos Nosso objetivo é compreender a sexualidade na trama das relações sociais
discursos sobre sexualidade e educação, retomando uma atitude intelec- 1 culturais de cada época humana, explicitar seus determinantes econôrni-

tual básica, partindo das importantes observações epistemológicas e ros, mormente os modelos hegemônicos, decifrar seus eixos de sentido e
políticas de Michel Foucault (1926-1984), um dos mais proeminentes desvendar as contradições dos códigos de poder que a envolvem.
pesquisadores da sexualidade humana numa perspectiva filosófico-his-
A aceitação deste desafio coloca-nos na busca da superação do
tórica da contemporaneidade e um dos marcos teóricos de referência
tJUC temos como "senso comum", que delimita a primeira síntese de
sobre essa área de investigação.
pensamento de um determinado grupo social e de suas respectivas épocas
A abordagem da sexualidade numa dimensão histórico-filosófica I' classes sociais. A sexualidade é sempre uma área de saber e de
requer definir sua natureza híbrida, perrneando significativamente a Investigação essencialmente polêmica, visto envolver-se com elementos
subjetividade existencial e a realidade de nossa dimensão política. Na clc ordem religiosa e ética de diferentes conotações e universos sociais
dimensão ontológica da sexualidade estão presentes elementos de natu- ou subjetivos. A crítica ao senso comum, entendido como o pensamento
reza íntima e subjetiva, mas também ali se encontram exigências de \trnplista, preconceituoso, carregado de equívocos, eivado da ideologia
ordem externa, social, ética e política. Isso requer que façamos sempre dominante, deve ser nossa primeira atitude.
uma delimitação abrangente da análise desse campo, de modo a não cair
em reducionismos subjetivistas radicais, que se tornam expressões da Exatamente essa é a atitude de quem se coloca na direção de
individualidade, ou ainda que possamos produzir discursos tão exterio- discutir a sexualidade humana como objeto de investigação teórica. Não
res, sem atingir sua rica e dinâmica globalidade e articulação. c trata de cair no idealismo de pleitear uma assepsia do senso comum

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22
ou uma inversão maniqueísta vulgar, a ponto de aceitar ser a superação modernidade e sua implantação em todos os campos da ação humana. A
do senso comum um ato soteriológico misteriosamente eficaz; ao con- for ma de apresentar a sexualidade como incitação ao discurso é medida
trário, a pretensão das ciências humanas é a de fazer cronicamente um rrpressiva e controladora, delineada pelo crivo da lógica, da racionalida-
esforço de compreender seus contornos. rk c do poder. Foucault questiona a proliferação dos discursos, apresen-
lltlldo-a como uma forma cabal de dominação, superando a compreensão
A análise dos discursos sobre sexo não se configura numa tarefa
I" upria do senso comum de que a modernidade provocara uma mudança
fácil. A multiplicidade desses discursos, de origens e contornos diversos,
positiva na cdmpreensão da sexualidade ao retirá-la do intirnismo con-
contraditórios, dicotômicos, confunde sua delimitação significativa e
lrssional medieval. A lógica que domina e fundamenta a scientia sexualis
política. A proliferação desses discursos não somente revela a pluralida-
t a lógica da dominação e do controle, da descompressão verbal para
de da compreensão sobre essa essencial dimensão da condição humana,
h-gilimar e institucionalizar o poder sobre as práticas.
mas também exige que tal sincretismo conceitual e verbal seja também
" tematizado como questionamento. A incita<tão ao discurso sobre a sexua- Por outro lado, Foucault .define a concepção e a forma de expres-
lidade, na compreensão de Foucault, é uma das formas proeminentes da " lo da sexualidade no Oriente como ars erotica, isto é, como uma
"nova moral sexual" moderna, encontrando suas raízes na ruptura pro- dunensão de sacralidade e mistério envolvente e sedutor, um campo
vocada pela erupção da moral vitoriana e seus impactos sobre a sociedade 11rmântico e estético reservado aos "iniciados", estimulado através da
contemporânea, a partir do século XVIII, até nossos dias. Para este rt•scrva e da liberdade, sem limites, cerimonioso e ritual, nas diferentes
pensador, a forma discursiva não se traduz em uma suposta liberação e r'lfcras sociais. A ars erotica seria a forma afirmativa da sexualidade,
afirmação positiva da sexualidade, historicamente reprimida, mas exata- mio controlada pelo discurso racional e lógico nem pelas práticas insti-
mente seu contrário, um crescente processo de estímulo controlado, tucionalizadas. Seus contornos estariam preservados do poder institucio-
sublimado, capaz de fornecer variantes à repressão. n.rl do Estado e de seus órgãos de controle, como a escola, para se
11rtlimentarem no imaginário social erótico, mediatizado por ritos de
A obra clássica de Foucault sobre sexualidade, publicada no Brasil Iniciação. Já o Ocidente teria desenvolvido uma colonização da palavra
em 1980 como História da sexualidade\ em três volumes, tomou-se ohre o sexo, na extensão histórica das práticas confessionais medievais,
referência fundamental para a proposição de toda e qualquer questão 1111ngindo a medicina, a pedagogia, a psicologia e todos os campos sociais
teórica sobre sexualidade produzida posteriormente. Sua categorização ,h• controle, pela consolidação confessional. Afirma Foucault que a socie-
sobre as formas de conceber a sexualidade, no Ocidente e no Oriente, &ladc moderna criou o "homem confessional" ou o "animal confidente".
partindo de formas discursivas e práticas diferenciadas, ainda é essencial
para a apresentação do estado da questão. Foucault afirma que o Ocidente Com a construção dos dispositivos da scientia sexualis, para
desenvolveu a scientia sexualis, entendida como discurso confessional, loucault a sociedade moderna disciplinou os corpos e os discursos,
expressivo, colonizado, incitado, forma de controle e delimitação do r'labelecendo a regra do permitido e do ilícito, do oculto e do perverso,
permitido, controlado, esquadrinhado. A scientia sexualis, em continui- rh, proibido e do oficializado. A interdição funcionaria como mecanismo
dade com o esquadrinhamento do imaginário e do discurso sobre sexua- rir 1 cgulamentação, delimitando o que se deve saber e falar, o que se deve
lidade vivido na Idade Média, ampliou-se com as rupturas da l11cr e evitar, controlando o desejei pela censura e as práticas pelo medo.
N.tn um medo infernal, tão próprio dos sermões medievais, mas um medo
1. Michel Foucault. História da sexualidade. Rio de Janeiro, Graal, 1984, tradução de Maria
dr I inido como "científico", frio, calculado, rígido, coagido aos limites
Theresa da Costa Albuquerque e J.A. Guilhon Albuquerque. Voi. 1: A vontad~ de saber. Voi. d1, permitido. A scientia sexualis seria a forma de compreender também
li: O uso dos praures. Voi. lll: O cuidado de si. 11 ,lisciplina das relações matrimoniais, a pedagogização do sexo infanlil

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A forma de fanu1ia que corresponde à civilização e vence definitivamente
e a histericização do corpo da mulher, no estudo de Foucault. Tais com ela é a monogamia, a supremacia do homem sobre a mulher, e a famma
dispositivos estariam definindo o campo do poder da palavra sobre a individual como unidade econômica da sociedade. A força de coesão da
disciplinarização da sexualidade ocidental e o exorcismo racional do sociedade civilizada é o &lado, que, em todos os períodos é exclusivamente
sexo dos perversos, realizado a posteriori pela psicologia e medicina. o Estado da classe dominante e, de qualquer modo, essencialmente uma
máquina destinada a reprimir a classe oprimida e explorada. Também são
Esta consideração preliminar exige que a própria proliferação de características da civilização: por um lado, a fixação da oposição entre a
discursos seja tematizada como questão, como crítica, como dado a ser cidade e o campo, como base de toda a divisão do trabalho social e, por outro
,...... lado, a introdução dos testamentos, por meio dos quais o proprietário pode
investigado criteriosamente. Além da quantificação dos discursos toma- dispor de seus bens ainda depois de morto. Essa instituição, que era um golpe
se necessário determinar sua qualificação. Pois é muito comum, por direto na velha constituição gentílica, não foi conhecida em Atenas, mesmo
tratar-se de assunto polêmico e envolvente, radicado em cosmovisões no tempo de Sólon; foi introduzida bastante cedo em Roma, mas ignoramos
religiosas, éticas e morais, esquivar-se do debate sobre sexualidade. A em que época. Na Alemanha, implantaram-na os padres, para que os
atitude de esquiva aind~ preserva alguma perplexidade, mas o prejuízo cândidos alemães pudessem, sem dificuldade, deixar legados para a Igreja.
Baseada nesse regime, a civilização realizou coisas de que a antiga sociedade
político maior advém daqueles que tratam a sexualidade no nível do genb1ica jamais seria capaz. Mas as realizou pondo em movimento os
senso comum, expondo concepções superficiais e pessoais como verda- impulsos e as paixões mais vis do homem e em detrimento das suas melhores
des acabadas, mesclando elementos da sua órbita de valores como disposições. A ambição mais vulgar tem sido a força motriz da civilização,
universais, enfim, abordando a sexualidade de maneira simplista, primá- desde seus primeiros dias até o presente; seu objetivo determinante é a
riqueza, e outra vez a riqueza, e sempre a riqueza- mas não a da sociedade,
ria, pseudocientífica e, em geral, altamente eivada de preconceitos.
e sim de tal ou qual mesquinho indivíduo. (1964, pp. 140-141)
Compreendemos aqui o senso comum no sentido grego de doxa,
isto é, opinião, concepção simples, imediata, não-reflexa, sem deixar de Engels não só denunciava as matrizes da família monogâmica do
considerar seu caráter contraditório. Não significa que, ao delimitar os C kidente e suas conseqüentes contradições de poder e dominação, mas
contornos de uma mentalidade ou concepção do que definimos como senso l11111bém apontava as diretrizes estruturais com que a civilização se
comum, estejamos dicotomicamente comungando com uma polarização ltliiStituíra como tal, numa página condenatória que até hoje provoca
entre senso comum e saber científico, tão a gosto de positivistas e neoposi- 1111\IO e torpor ao elencar as mais perversas características de nossa
tivistas. Compreendemos a "ciência" também no sentido grego do termo, 111posta evolução humana.
que se traduz por episteme e sofia, um saber criterioso, globalizante, que
procura investigar a realidade por suas causas mais amplas e primárias, pelos
seus eixos estruturais, por categorias ontológicas e ético-políticas. É forçoso
" 1 rise da razão e a sexualidade
expressar aqui a recusa da concepção metodológica positivista que define a
"ciência" com base nos fundamentos das ciências da natureza, e reserva às
ciências humanas um papel ridículo de monitoramento lógico-formal das Uma das mais repetidas afirmações sobre nosso tempo diz que o
demais. As ciências humanas retomam sua identidade num mundo que cada •fruto XX foi o século das crises. Em todos os campos da ação humana
vez mais vê ampliar a complexidade de suas feições. lll!!ltlura-se a noção de crise e seus contornos, a contabilizar medos,
A busca de compreender a sexualidade humana como construída huslrações e desesperanças. Tudo o que era sólido desmanchou-se no
I f . Estado, partidos, família, estética, política, direito, educação, ciên-
histórica e socialmente tem raízes sólidas no pensamento marxista. A obra
pioneira de F. Engels, A origem da familia, da propriedade e do Estado, ln,, ideologia, mercados; todos esses elementos modernos sofrem o
ainda é horizonte político e referência metodológica clássica. Ao afirmar que: IK' u do desgaste e da superação. ·

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As raízes dessa concepção, podemos encontrá-las na crise histó- A esse deslocamento existencial correspondeu uma inusitada con-
rica da Segunda Guerra Mundial e suas conseqüências políticas, éticas, ~r atuação de crise. Crise dos paradigmas, nas ciências, crise das grandes
existenciais, sociais, religiosas e filosóficas. A capacidade destrutiva da wncepções políticas, crise dos fundamentos da vida institucional, crise
guerra, o acirramento dos conflitos econômicos e políticos, a contempla- dr valores, crise estética etc. A isso exclama o poeta T.S. Eliot: " Nós
ção crítica do resultado de um século de contradições entre o que se •umos os homens ocos, o elmo cheio de nada, uns nos outros emparelha-
pretendia para o capitalismo colonialista e imperialista_e, em contrapar- dus ... ai de nós."
tida, a fria versão do socialismo real stalinista e seus gulags, a miséria
do Terceiro Mundo que eclodiu feito um manifesto de ignomínia- tudo Mas o capitalismo, em suas formas históricas, não poderia parar.
isto esteve presente na construção de uma consciência trágica da condi- 1\ sobrevida consumista superou os discursos mais tradicionais sobre o
ção humana e na falência formal da crença na razão e na política. modo de produção capitalista, mesmo sob os determinantes aterradores
du "guerra fria". Os círculos decisórios que constroem as grandes idéias
Retomamos aqui uma interpretação de que a consciência histórica r representações de uma época ou tempo buscavam uma panacéia para
do homem, ao perceber-se derrotada para a compreensão da physis e ro;sc abissal sentimento de perda e insatisfação. A expansão acelerada da
imobilizada para a mudança e a construç.ão/reconstrução da pólis, volta- Indústria da comunicação colocava a contradição de diminuir as distân-
se como refúgio ontológico e consolo ético para a contemplação do id, llaS físicas entre os homens e as sociedades e ampliar as distâncias
de uma suposta natureza interna intimista separada dessas outras dimen- untológicàs, econômicas e sociais. De súbito, os homens estavam alie-
sões do mundo humano. Sobre essa contradição já escrevíamos em 1986, nudos de si, do seu pensa~, sentir e dizer, voltados para a "medusa" que
em trabalho que analisava a Filosofia Grega do período pós-clássico: 11 tudo simbolicamente petrificava, representada pela mídia tipificada,
utnmizando sentimentos e idéias, desejos e utopias.
Descrentedosdeuse5,damitologiaedosheróis,descrentedapólis,daJustiça
e do Bem, da filia polftica e da própria Filosofia, o grego volta-se para sua Essa fragmentação ampla se fazia sentir em todos os campos da
natureza "interior". Já não pesquisa o princípio da natureza (physis), ou o •tuação humana. Mas um movimento singular metaforicamente abarca-
princípio da realidade. Refugia-se no misticismo e num conceito de "indiví- Vil a contraditória condição de perda e ausência: a erupção da revolução
duo" exigindo que esta síntese lhe proporcione a felicidade pessoal que
11r. ual. O fenômeno da "descoberta" da sexualidade como uma tábua de
compense a perda da liberdade política. (Nunes 1986, p. 39)
1111lvação para as vidas dilaceradas não fez parte da intencionalidade
rnmôrnico-ideológica das mudanças do capitalismo pós-guerra. Mas
A perda do sentido da vida, personificada na guerra e na vivência l"'lteve fundamentalmente imbricado nesse movimento, vindo a ser coop-
material da morte, levou a Europa, entre outros fatores, a desenvolver l~tdo pelo mesmo para a construção de uma metodologia infalível de
uma interpretação "existencialista" e " niilista" da vida e do ser do 'unsumo e alienação.
homem. A crise nos fundamentos da vida humana, a descrença da razão
técnica materializada em instrumentos bélicos e tecnologia de guerra e Isso se deu pela criativa aliança entre consurnismo, expansão de
a derrocada da razão política nos discursos do nazi-fascismo e na uma forma mercantil de comunicação e o forte apelo da propaganda
experiência totalitária do stalioismo derrubaram por terra a antropologia et~timuladora de novas e velhas necessidades, e o pansexualismo, a
otimista do século XIX, herdeira do lluminismo e do marxismo revolu- ' luantificação da sexualidade reprimida, provocando a alienação do
cionário. A violência atômica, o genocídio judeu, o racismo político, a drscjo em coisas e corpos, consubstanciando a promessa da felicidade
miséria e a fome... eis o substrato trágico da crise da razão política ressoai neste platô extasiaote da sexualidade supostamente pleoificadora
européia pós-1945. · r redentora. ·

28 29
Conquanto busquemos compreender as transformações da história Nesta direção, a educação sexual já acontece plenamente em todos
para delimitar seus impactos na significação da sexualidade humana, wupos sociais. Ao final da primeira infância, a sociedade já foi capaz
estamos procurando a coerência de identificar a relação do homem com tntcrnalizar os discursos e comportamentos padronizados que confi-
seu tempo, e isso nos parece ser o cerne de uma reflexão de ordem mnm os papéis sexuais dominantes e suas formas de expressão consen-
filosófica. A crítica da modernidade exige uma investigação dessas 1 In" c esperadas. A educação sexual é um fenômeno da sociedade. Não
formas de pensar e sentir que foram abaladas pela avassaladora derrocada uma tarefa primordial da escola, embora encontre nela um reforço
do sentido, no pós-guerra: n1111tucional de suas bases sociais.

O que um homem faz de sua vida e o que a sua vida faz dele: eis a É exatamente na busca desse universo cultural, mais propriamente
substância de um conceito de personalidade digno desse nome e digno 1 wsmovisão de uma época, que empreendemos este estudo. A convic-
de uma ciência que se empenha em estudar as suas lógicas fundamentais l u que precariamente possuímos é a de que não há possibilidade de
e as suas condições de transformação. Essa crítica e os. frutos que já r dução extrínseca da "sexualidade" a um campo frio, meramente dis-
produziu continuam sendo hoje, na França, o objeto de um verdadeiro
III'>Ívo ou formal, sem perscrutar as grandes indagações de sentido e
recalque. Nada poderia enfatizar melhor o que tem de irredutível a
qualquer outra a contribuição marxista à compreensão teórica e ao lt~t•cionamento da vida humana. Só é possível empreender tal estudo se
desenvolvimento histórico da individualidade humana. E cada um desses llvt•rmos claro que não há educação sexual sem um reexame crítico da
progressos é realmente mais importante, para mulheres e para homens, rr' 1pria sexualidade, com base em núcleos fundantes de escuta e resso-
atualmente, que muitos volumes de "psicologia da personalidade".
nnncia, sem reducionismos modistas ou catárticos.
(Séve, apud Silveira e Doray 1991, p. 156)
Já no início dos anos 70 a pesquisadora N. Vasconcelos, em tese
A investigação dessas rupturas e construções nos instiga a procu- Jlllllleira sobre os dogrnatismos sexuais, afirmava:
rar, nos discursos sobre sexualidade, as silhuetas do que este tempo pensa
sobre o homem e a vida humana. Não se trata aqui de fazer uma ( ... )O que foi dito(...) pode aplicar-se, fundamentalmente, à sexualidade
contabilidade da tragédia ou uma classificação mecânica de discursos. humana, inseparável de uma dimensão ética. Pode-se afirmar que a
Entendemos que a questão da educação para uma nova sociedade é o fel icidade, ou a angústia, não são "salários" de uma sexualidade normal
ou anormal, pois que esses sentimentos não são determinados por uma
suporte de uma educação sexual libertadora. Não comungamos com a "lei da natureza" obedecida, ou não. Ademais, não falamos aqui da
idéia segregacionista de que, com base nos fragmentos, possamos cons- felicidade ou da angústia no campo sexual, como sinônimo de prazer, ou
truir referências tópicas para a sexualidade ou quaisquer outras dimen- de frustração, fisiológicos. Na verdade, felicid ade ou angústia são senti-
sões humanas. mentos fundados sobre percepção afetiva de certos valores alcançados,
ou não. E aqui já entramos em um domfnio próprio do homem, ou seja,
A educação é para nós um fenômeno humano e social, com suas na cultura. Pois que a natureza não coloca valores. A percee:ção que um
homem terá de certos valores se exerce num contexto cultural que os
determinações históricas. Educar é produzir o homem, construir sua
seleciona, os põe e os impõe, os hierarquiz_a. De modo que a pessoa faz
identidade ontológica, social, cultural, étnica e produtiva. A educação é sua entra<!!_em um mundo já valorizado. E ~guramente tarefa pessoal
o campo da ação humana e, conseqüentemente, toda a sociedade ou de cada um [epensar esses valoresJ criticá,:los e-assumir essa valorização
qualquer grupo social é uma agência educadora. Não se reduz educação conscientizada, a custa mesmo de inúmeras angústias. E que uma "sim-
à escolarização ou à instrução. Educar é construir redes de significações patia consoladora" não parece perceber, voltada que está para o afã de
consolar, sem comprometer-se, isto é, sem compreender uma angústia
culturais e comportamentos padronizados, de acordo com os códigos que se _lhe apresenta.(...). (Vasconcelos 1971, p. 30)
s~iais vigentes.

30 31
I
Não deixa de impressionar ainda hoje, decorridas quase três conquista. Os ritos da sexualidade, a corte amorosa, a provocação sensual
décadas, a força persuasiva dessas palavras. Indica a pesquisadora a que se manifesta no olhar~ nos gestos, enfim em toda a corporeidade, são
ns variadas faces do erotismo, que se radica, enfim, numa valorização e
necessidade de buscar compreender a sexualidade dentro das dimensões numa dignificação do corpo.
ontológicas humanas. Toma-se descabido confundir "educação sexual"
de maneira departamental, burocrática, restrita a casuísmos pessoais,
terapêutico-catárticos. Sobretudo se deparamos com a massificação de A procura de uma significação para a sexualidade em construção
discursos mistificadores, calcados sobre uma simplista base psicanalítica inter-relações é uma questão essencialmente filosófica e ética,
1\llilS

que supostamente "explicaria" os conflitos que todo ser humano carrega, Ih .ançando a própria capacidade e dever-ser do homem estético e poli-
decorrente de sua natureza clivada e precária, projetual, histórica. O "afã u, 11, conquanto seja uma dimensão aberta, só plausível de ganhar con-

de consolar" de que trata Vasconcelos, numa massificação embrutece- lurnos e angariar gratificações no encontro e na entrega com a alteridade.
dora, tomou conta de consultórios particulares, programas de televisão e
colunas de confidências em revistas, e revestiu-se de programas de Daí ser possível pensar uma educação .sexual como uma recons-
luu;ao das teias e dos projetos que temos sobre o homem. Decorre ser a
ensino curriculares. A sexualidade esquadrinhada no discurso da conso-
lação mágica que imantaria as vidas e existências fragmentadas. I' al.avra sobre a sexualidade uma palavra de sentido e uma palavra de
• ll.ança ~mo~ d~~ais.seres. Asexuali~ busca mesma da estética
Disto se pode concluir que uma propositura de discutir ou refletir da pohhClLSignificahva e _Iena dã exr~tenc1a. Insp~-se ~
sobre a sexualidade humana, mesmo numa dimensão pedagógica, não \ 111 fundam~ntalmente E_essoal e subjetiv;--
poderia circunscrever um quadro burocrático, formal, curricular, restri-
tivo, informativo. Noções de biologia, anatomia humana, comparações Essa " resolução" de que trata N. Vasconcelos não pode ter um
entre reprodução animal e o fenômeno humano de nascer são desencon- 1 .u {lter soteriológico ou fetichista, de modo a fazer crer que haja um
tros de uma mentalidade fria e cartorial, retrato de uma sociedade r ntido pronto, determinado, preconcebido, sobre nossas vidas. É neces-
deserotizada. A mesma V concelos · em, p. 110) nos traz um forte .u io outra vez lembrar a precariedade dessas construções humanas, do
apelo de reconceituação sobre o alcance do- que seja, ou deveria ser, a Jllllprio ser do homem, da realidade do mundo como um todo. A reno-
investigação significativa e crítica da sexualidade: ' oiÇÚO dessas experiências de buscas fundantes de si talvez seja o mais
h ute apelo da possibilidade humanizadora do discurso da sexualidade.
I ) conceito amplamente difundido da "crise" do homem necessita ser
Parece, pois, que uma educação sexual não pode prescindir, inicialmente,
de um questionamento crítico das noções sexuais correntes. Porque, 1 l.aramente revisado, reconsiderado. Não há como abrir-se para uma

decididamente, não se trata de ensinar a sexualidade, mas de preparar as ,r•xualidade emancipatória se fundarmos nossas investidas no ceticismo
condições de desenvolvê-la em seu contexto pessoal, de criá-la. E não uuobilista e pessimista. Nossa intervenção como educadores, na gama
se prepara condições, senão em uma perspectiva criativa de dar condi-
1h•discursos e intervenções sociais, é uma das possibilidades de entabular
ções a uma elaboração pessoal. É, então, o sentido criad~r mesmo que
deverá ser a meta de uma educação sexual. Afinal, a sexualidade é um 1 onversa e engendrar novas utopias, a serem arduamente materializadas

modo de expressão, liga-se estreitamente à sensibilidade constituindo, r m lutas reais, sem o ranço da onipotência dogmática ou o pérfido e
com ela, essa atividade essencialmente humana que é o erotismo. A ruvarde p/acet dos descrentes. Nossa ação no campo da educação sexual
palavra erotismo não designa aqui e não poderia designar em parte
rmancipatória é estratégia para a ação política sobre nosso tempo. Esta
alguma, a não ser por melancólica deformação, lubricidade ou devassi-
dão. Designa exatamente aquilo que no homem faz a sexualidade huma- 'l'rá tão mais eficaz quanto maior for sua qualidade de sensibilizar
.na, a sua capacidade de inseri- la num contexto simbólico-significativo, Jll'SSoas, sentidos de mundos e coisas que andam ao nosso redor, e será
de fazer dela uma sinalização e uma mensagem, um chamado e uma I 11paz de relativizar OUtrOS UniVerSOS de apelO, por SUa Verdade COCrên- e
32 33
cia. Só poderá tratar com ressonância no coração de jovens e adultos, campo que vamos delinear ou extrair as significações existenciais. O
sobre sentidos de ser e sexualidade, quem abdicar do dogmatismo e do vulgar e já banalizado psicologismo, sua maior excrescência que se
ceticismo, e na sua açào prática, manifestar uma crença pujante na traduziu em psicologismo de massa, cercou as sexualidades dilaceradas
liberdade e na humanidade. como "reserva de mercado", fez da biologia e da técnica sua chave
mercenária e traduziu sua pobreza teórica em eficiência pragmática,
Isso requer que façamos a crítiea do idealismo e do subjetivismo
confundindo-se com os messianismos salvacionistas de cunho religioso-
fácil, para delinear utopias concretas, onde elas apresentam-se com
terapêutico e esotérico. Não são essas as matrizes adequadas para uma
eficácia e viabilidade histórica. Mas, para tanto, a lenta assimilação da
compreensão emancipatória da sexualidade humana. ·
história e da antropologia da sexualidade é tarefa primordial e proemi-
nente. É este campo de investigação que torna possível o desvendar da Considerando sua dimensão dinâmica e histórico-social, o argu-
sexualidade humana em suas formas genuínas. O recurso à decifração da mento da natureza torna-se um dos baluartes da potencialidade crítica
cultura humana, aqui tomado como pressuposto, não se reveste de um das ciências humanas. Ainda é Malinowsky (idem, p. 190), embora
idealismo piegas. E uma condição primeira, metodológica, para buscar tratando da análise dos papéis sexuais e sociais dos melanésios, que nos
explicitar os diferentes projetos políticos que se construíram em diversi- fornece horizontes para equacionar tal dualidade:
dade de conflitos e proposituras. Não que busquemos idealizações gene-
ralizantes para mistificar tais diferenças, mas para torná-las públicas,
Assim, a cultura não conduz o homem a uma direção que se diferencie
para escandir seus sentidos e diversidades. Malinowsky (1975, p. 135) do curso da natureza. O homem ainda tem de cortejar sua companheira
mesmo nos lembrava os limites de tal recurso: em perspectiva e ela ainda tem de escolher e ceder a ele. Os dois ainda
têm de se conservar unidos um ao outro, estando prontos para receber a
prole e cuidar dela. A mulher ainda tem de dar à luz e o homem de
( ... )Tocamos aqui em um ponto muito importante, a necessidade meto-
permanecer junto a ela como seu guardião. Os pais ainda têm de cuidar
dológica da ficção de uma alma coletiva. Na verdade nenhum antropó-
dos filhos e educá-los e em condições de cultura são tão ligados a eles
logo competente faz agora qualquer suposição a respeito de uma "psique
quanto em condições de natureza os animais se prendem aos seus
de massa" ou da herança de "disposições psíquicas" adquiridas ou de
filhotes. Mas em tudo isto uma enorme variedade de padrões substitui
qualquer "continuidade psíquica" transcendendo os limites· da alma
nas sociedades humanas o único tipo fixo imposto pela dotação instintiva
individual. Por outro lado, os antropólogos podem indicar claramente
a todos os indivíduos de uma única espécie animal. A resposta direta do
qual é o meio em que se depositam as experiências de cada geração,
instinto é substituída por normas tradicionais. Os costumes, a lei, a regra
armazenando-se para as gerações sucessivas. Este meio é aquele corpo
moral, os ritos, os valores religiosos fazem parte de todos os estágios do
de objetos materiai~, tradições e processos mentais estereotipados que
exercício do amor e da paternidade. Mas a linha principal de sua ação é
chamamos cultura. E supra-individual mas não é psicológico. E moldado
invariavelmente paralela à dos instintos animais. A cadeia de respostas
pelo homem e molda-o por sua vez. É o único meio em que o homem
que regulam o acasalamento animal constitui o protótipo do gradativo
pode exprimir qualquer impulso criador e ajuntar assim sua participação
desdobramento e amadurecimento da atitude cultural do homem.
ao acervo comum dos valores humanos. É o único reservatório do qual
o indivíduo pode retirar aquilo que deseja utilizar das experiências dos
outros para seu benefício pessoal.
Se procuramos fundar nossa investigação sobre a sexualidade nos
marcos da cultura e da sociedade, recusando o campo da anatomia e da
Nestas suposições consagradas queremos combater duramente o fisiologia e o descritivismo prescritivo de receituários morais ou conso-
recurso ao individualismo psicologizante e o generalismo metafísico. O ladores, decorre então uma assertiva básica para a propositura de uma
campo da investigação da sexualidade é a cultura humana em seus educação sexual globalizante. Fizemos sempre questão de frisar o espaço
contornos e qualificantes históricos e políticos: é precisamente nesse da sexualidade como "híbrido" entre os contornos da sociedade e o

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estabelecimento de_ nossa ina~ienável subjetividade. Mas é preciso en- n 1111portância das determinações morfológicas naturais, campos que se
contrar ~forma social de uma informação emancipatória para tanto. Esse Ir uluzem em bases dos processos de significações culturais. A biologia,
~par~ to e exatamente o sistema de educação social, que ultrapassa, como "'' entanto, tomada reducionisticamente, apresenta-se ínsuficiente para
Ja afumamos, o c~p~ da escolarização. A educação engendra e enqua- plicar nossas vivências sexuais, não conseguindo dar conta da ampli-
dra o novo ser nos limites do grupo social. E, como instância social deverá ludc de suas manifestações, que são historicamente constituídas.
ser responsável por inúmeras tarefas de sociabilização interna e co:Oporta-
men~al, ~as tamb~m deverá re_sponder pelos apelos de significações psicoe- Há uma dificuldade muito grande em entender que o recurso à
mOCI~nrus pessorus. Ao tematizar as relações entre cultura e sexualidade 0 história é a chave da compreensão das sexualidades humanas. O açúmulo
pesqwsador polonês (idem, p. 196) tem a ousadia de afirmar: ' do senso comum, com seus determinismos maniqueístas e o predomínio
•lc uma visão positivista do corpo e da sociedade, faz com que se
(...)A cultura depende ?iretamente do grau em que as emoções humanas nmfluam para o mesmo ponto o preconceito e a ciência, tomando-se
po_de~ ser educadas, aJusta~as e organizadas em sistemas complexos e tncapazes de _desentranhar a sexualidade de seu topus histórico.
plast~c~s. Em seu grau máx1mo de eficiência a cultura dá ao homem 0
donumo s?bre seu meio pelo desenvolvimento de objetos mecânicos, O conseqüente vínculo entre sexualidades descomprimidas e vio-
a~as, me10s d~ transporte e medidas para proteção contra 0 tempo e 0 lência sexual leva-nos a tematizar de maneira criteriosa esta articulação,
chma. Estas COISas, porém, só podem ser usadas se juntamente com a como nos diz J. Highwater:
apare~hagem ~or também transmitido o conhecimento tradicional e a arte
d~ usa-lo. O aJuste humano aos dispositivos materiais tem de ser apren-
dld~ ~e novo pel~s gerações sucessivas. Ora, esta aprendizagem, a (...) a transformação do corpo humano em mercadoria não é senão um
trad1çao do ~nh_e~1mento, não é um processo que possa ser executado dos resultados da comercialização do sexo. O ideal da liberdade de
pelo p~ro rac10C1n10 nem pelos meros dotes instintivos. A transmissão do expressão, que abriu as portas à reprodução do ato explícito, tem o seu
~nhec1_mento de u~a ~eração à outra acarreta fadigas, esforços e um fundo lado sombrio: molestamento de crianças, estupros, mutilações sexuais e
me~gotavel de pa~1enc~~ e amor sentido pela velha geração com relação à violência. Há muito que os psicólogos vêm debatendo a sexualização da
ma1s moça. Este d1spos11:Jvo emocional, ainda uma vez, é apenas parcialmen- violência, que hoje em dia tanta atração exerce, mas é difícil concluir se
te _b~~do nos dotes, ~rque todas as ações culturais que domina são a repressão control a a conduta anti-social ou se a violência sexual será
~ri:Jfic1a1s e ~r ~nsegumte não são fornecidas juntamente com impulsos efetivamente o resultado de décadas de repressão. Acreditava-se que a
mato~. A con1:Jnu1dad~ da tradição social, em outras palavras, obriga a uma liberalização das leis que regu lamentam a representação do sexo expl í-
relaçao pessoal emotiva na qual muitas respostas têm de ser educadas e cito fizesse diminuir a ocorrência de crimes do gênero, e 30 anos de
d~nvolvidas até se tomarem atitudes complexas. A extensão em que os pesquisas em nível mundial indicam que a suposição era correta. Ao
pa1s pod~m ser sobrc:carregados com o ônus da educação cultural depende mesmo tempo, muita gente racionaliza a agressão sexual como "auto-ex-
da capac1dade do carater humano de adaptação a respostas culturais e sociais. pressão", "ativismo político" e "direitos civis". (Highwater 1992, p. 170)

_ Se nos esforçamos para apresentar as razões de nossa determina- Por último, o recurso ao estudo das formas de exercício do poder
çao_ e_m_~ompreender a sexualidade na trama da cultura e das relações é uma base necessária para compreender claramente as práticas e os
SOCiais e JUStam_e~te por ~creditarmos que sua força humana e conseqüen- rituais das sexualidades atuais, em suas manifestações mitologizadas e
temente peda~ogica reside precisamente neste campo. A educação se- reais. Os estudos de Foucault trouxeram componentes que não possuíam
~al q_ue pleite~os nã_o .se resume a um amontoado de noções de os pesquisadores do período anterior à Segunda Guerra Mundial, para o
b~ol~~a, prescnçoes medicas de higiene ou informações anatômicas. vislumbre de relações entre poder e sexualidade. A violência e a denúncia
SI~~ compreender o próprio ser do homem em suas bases mais dos componentes perversos do exercício da sexualidade como exercício
eXJgentes, como natureza e cultura. Não que venhamos negar a fisiologia de dominação foram tomados públicos com esses estudos e referê nc ias.

36
37
Não há hoje como escamotear essa polaridade. As formas de Reconhecer que a matriz social é que determina as relações de
exercício do poder sempre estiveram correlatas com a dominação e, "''' ' entre homens e mulheres, e que há uma violência específica sobre
conseqüentemente, com as redes de resistências que se constituíram nas 11111lheres talvez seja o fio da meada para desvendar a teia do ódio e
diferentes sociedades. Há códigos internos de poder e sexualidade de um d• nnséria humana que se desencadeiam em outras relações sociais e
mesmo grupo social, desde a consideração das formas patriarcais de !lllllis. O mesmo ensaísta americano (Highwater 1992, p. 177) nos
poder, do machismo, das perversões praticadas sobre crianças, mulheres, llllll ll a refletir:
presidiários, marginalizados, loucos e excluídos de toda sorte. Tais
vinculações surgem hoje como novos campos da análise da própria ... conforme vimos por este estudo das mitologias que moldam nossas
natureza política da sexualidade, muito mais do que como uma maior atitudes sexuais, as mulheres têm sido, com freqüência, alvo da agressão
amplitude de abrangência. dos homens. Foram acusadas de ter provocado a agressão por sua mera
ação de presença como seres sexuais. Contudo, elas não são as únicas
vítimas da vontade masculina de dominar. Quando não há uma mulher
Highwater (idem , p. 171) afirma: disponível para desempenhar o papel de vítima, serve um jovem pacato
ou uma criança. O estupro nas prisões, por via de regra, é hoje visto como
ele é: uma representação de papéis de força dentro de um ambiente
(...) Eis aqui algo de uma dificuldade espantosa, a cuja repugnante
exclusivamente masculino e autoritário, no qual o detento mais jovem e
mensagem não se pode fugir. A brutalidade dos que foram metodicamen-
mais fraco, normalmente réu primário, é obrigado a cumprir o papel que
te brutalizados dá origem a uma nova mitologia, da qual derivam todas
lá fora é atribuído às mulheres.
as circunstâncias de nossa vida sexual no último decênio do século XX,
por mais contraditórias e desconcertantes que sejam. A violência foi
sexualizada, ao mesmo tempo em que o sexo se politizava. E nas Neste contexto, acentua-se o conceito de crise, entendida como
contínuas, cruéis e insensatas guerras de classes, raças, intrusos, maltra-
pilhos e simples psicopatas, passou a vigorar um modelo antiquado de
l11lcncia das formas de compreender o espaço institucional social e as
instrumento do arsenal humano: o corpo masculino como arma. , ~~~ uturas significativas e fundantes da própria vida pessoal cotidiana.
l'nctas e ensaístas constituíram o quadro da crise de identidade, crise de
p.u adigmas, ausência de sentido, sensação de inutilidade. As existências
Acreditamos que o alcance dessas afirmações ultrapassa, e muito, l'''ssoais sentiram o peso da enorme impessoalidade do existir atual. A
a polarização tacanha da guerra dos sexos ou o panfletarismo feminista IIINcantilização do tempo e do espaço, a crescente ditadura da máquina
caricato. Requer a proposição deste debate em bases mais amplas. O , da ordem levaram ao desesperado pensamento trágico que sente a
machismo não é uma dominação exclusiva de homens, e a libertação 1ksumanização do mundo mas não é capaz de engendrar formas de
feminina não é uma luta de mulheres. Isso insere-se na capacidade upcração. Uma sensação de impotência, impessoalidade e opacidade
política, social e humana de construir novas formas de produção e Joma conta da modernidade decaída. Neste mundo, a mídia ocupa lugar
convivência sexual, perpassando por delinear novas formas de ser ho- ,,,.destaque, vende fórmulas de sucesso e pretende-se um bálsamo para
mem e ser mulher, e substituindo a matriz estrutural que os opunha em 11 1nutilidade do cotidiano.
polaridades diversas. Não se trata de substituir ou equacionar duplas ou
múltiplas formas de opressão; trata-se, outrossim, de superá-las. Daí a Sobre essas cinzas levantam-se as mitologias vendidas para jo-
necessidade premente de que a formação para uma intervenção sobre wns, adultos e crianças, a da exuberante sexualidade dos vencedores, a
sexualidade humana esteja radicada numa crítica profunda aos mecanis- onipotente sexualidade dos perversos, a grandiloqüente sexualidade dos
mos de poder e dominação que uma sociedade engendra para determi- pllderosos,. contrastando com a efêmera e pobre sexualidade entediantc
nadas realidades e épocas. · til' nossas vidas insossas ...

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I lighwater (idem, p. 179) diz: Mas, por volta do século XVIll, nasce uma incitação política, econômica,
técnica, a falar do sexo. E não tanto sob a forma de uma teoria geral da
sexualidade, mas sob forma de análise, de contabilidade, de classificação
( ...) Sabe-se que, numa sociedade de consumo, a agressão é provocada e de especificação, através de pesquisas quantitativas ou causais. Levar
pela sensação de inutilidade- venha ela do tédio, da emasculação, da "em conta" o sexo, formular sobre ele um discurso que não seja unica-
pobreza, da ignorância ou da brutalização. No entanto, somos constan- mente o da moral, mas da racionalidade, eis uma necessidade suficien-
temente bombardeados por mensagens de opulência, triunfos sexuais, temente nova para, no início, surpreender-se consigo mesma e procurar
riqueza e poder. William Faulkner preferia que prevalecêssemos, em desculpar-se.
lugar de sobrevivermos, pura e simplesmente, mas a verdade é que a
sobrevivência é o máximo que a maioria das pessoas pode esperar. Esse
destino talvez seja a trágica e definitiva condição de nossa vida, respon- Se temos tantas linhas interpretativas, algumas delas tão exigentes
dendo acaso pela mitologia que atualmente define a nossa sexualidade: IJIIC suspendem nosso próprio discurso, como recriar uma utopia para
a tensão entre a passividade melancólica e a agressão violenta. 1..ta forma de intervenção? Precisamente neste ponto limitamos o alcance
d.t ciência, para adentrarmo-nos· no político. Só a ação política nos porá
clt• novo como construtores de uma nova rede de significação para a vida
Essas mitologias negativistas e fantásticas repercutem profunda-
mente na sociedade de massas. Encontramo-nos com jovens e crianças 1 a sociedade humana.
ansiosos por saber de si, de seu mundo, perguntando sobre sexo ou sobre A recuperação desta capacidade utópica implica resgatar a razão,
sexualidade, mas tendo por suporte uma pergunta muito maior, que é 1 linguagem, o mundo do trabal s fprmas p. titicas de expressão do
aquela que perscruta sobre o mundo e o sentido que podemos dar a ele. d1·scjo e do poder. Se para o ioneiro 1856-1939) a pessoa
Essa intervenção é mais fundante do que quaisquer outras que um humana, nos restritos níveis de no aliãade que o próprio autor ajudou
adolescente pode perceber, a de resgatar a capacidade de ser sujeito e a t construir, seria a pessoa que "ama e que trabalha", discutir a sexuali-
de amar. Nisto, toma o resgate da experiência única de constituir uma d.tde e o amor, como essência do erotismo, toma-se também uma ação
sexualidade essencialmente humana. Se compreendermos o sexo como política. Foucault ( op. cit., p. 27) não descarta essa dimensão, nem aceita
a marca biológica, só poderemos entender a sexualidade como a marca ,, 11rmadilha que ele próprio denuncia, a de reduzir todo poder aos
humana, a significação existencial e social que podemos criar dentro e tlt-.cursos que lhe dão contornos. A dialética salva a ação ...
sobre a possibilidade biológica. Assim, somente a cultura humana é
capaz de falar de sexualidade. ( ...) Deve-se falar do sexo, e falar publicamente, de uma maneira que não
seja ordenada em função da demarcação entre o lícito e o ilícito, mesmo
Diz ainda nosso interlocutor Highwater (idem, p. 185): se o locutor preservar para si a distinção (é para mostrá-lo que servem
essas declarações solenes e liminares); cumpre falar do sexo como de
uma coisa que não se deve simplesmente condenar ou tolerar, mas gerir
O erotismo não é sexo bruto, mas sexo transfigurado pela imaginação em sistemas de utilidade, regular para o bem de todos, fazer funcionar
( ... )A derradeira conseqüência da rebelião erótica será o desaparecimen- segundo um padrão ótimo. O sexo não se julga apenas, administra-se.
to do erotismo e daquilo que foi a sua mais s ublime e revolucionária Sobreleva-se ao poder público; exige procedimentos de gestão; deve ser
invenção: a idéia do amor. assumido por discursos analíticos. No século XVI11 o sexo se toma
questão de "polícia".

Michel Foucault (op. cit., pp. 26-27) interpela-nos com o fenôme-


no da incitação à fala do sexo, como forma ambígua e polívoca de Essa descompressão da fala sobre as sexualidades passíveis de
catarsys e dominação, ao afirmar: · tllllU administração tem sido a alma ontológica dos programas de educa-

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I
çüo sexual construídos no Brasil nas últimas décadas, em suas mais l .1mpos da sacralidade erótica indomável, a sociedade perdeu-se de si e
diversas versões e formas. Ressalta-se em todas as propostas e seus umpliou uma rede de poder e controle que nem tem mais consciência de
conseqüentes métodos a obrigatoriedade de discernir, patrulhar, coorde- •111de se inicia e de onde termina. É a dominação de todos sobre todos, a
nar, controlar. Enquanto não houver sólida vinculação da análise do tnfinita realização do panótico que a todos e a tudo controla, engendra,
discurso com as determinações políticas que pode engendrar, estaremos r'ipia, julga e pune onipotente e oniscientemente. Ao constituir um
prisioneiros da armadilha de Foucault, o discurso- tribunal, os manuais 'll'gredo, um saber e uma liturgia nova a sexualidade hodierna cria novas
de discriminação, a contabilidade da ordem e o exorcismo das supostas ll'Ías de poderes, no pensamento de Foucault (idem, p. 36):
anomalias. A fragmentação desses discursos e seu conseqüente encam-
pamento pela escola, pelos consultórios, pela Igreja, pela medicina e pela O segredo do sexo não é, sem dúvida, a realidade fundamental em relação
mídia obedecem ao processo de administração e gestão do poder das à qual se dispõem todas as incitações a falar de sexo - quer tentem
sociedades capitalistas complexas. quebrá-lo quer o reproduzam de forma obscura, pela própria maneira de
fa lar. Trata-se, ao contrário, de um tema que faz parte da própria
A proliferação dos discursos sobre a sexualidade não deve ser mecãnica dessas incitações: maneira de dar forma à exigência de fal ar,
fábula indispensável à economia infinitamente proliferante do discurso
entendida como o apanágio de sua transformação nem tão positivamente
sobre o sexo. O que é próprio das sociedades modernas não é o terem
quanto acreditava W . Reich (1897-1957) como uma nova moral libertadora condenado o sexo a permanecer na obscuridade, mas sim o terem-se
e revolucionária. Foucault, como vimos, denuncia as formas negativistas de devotado a falar dele sempre, valorizando·o como o segredo.
apresentar o poder como estigmatizado em instituições coercitivas. Para ele,
o poder dos saberes é produtivo, real, incitante, positivo. Não é a negação
A proliferação dos discursos como forma da expressão das redes
do sexo e sua pragmática a forma das novas dominações, mas precisamente
•k poderes é a grande tese de Foucault. Para os que se dedicam ao estudo
sua incitação a fazer e falar. Diz Foucault (op. cit., p. 32):
.1.1 sexualidade humana e para os que se propõem a pensar numa forma
•k educação emancipatória para a sexualidade tão dilacerada de tantas
Falar do sexo das crianças, fazer com que falem dele os educadores, os
pessoas- jovens, adolescentes e crianças- nas escolas e nas institui-
médicos, os administradores e os pais. Ou então, falar de sexo com as
crianças, fazer falarem elas mesmas, encerrá-las numa teia de discursos ' IICS sociais contemporâneas, resta uma sensação de profunda impotên-
que ora se dirigem a elas, ora falam delas, impondo-lhes conhecimentos ' 111. Se, de um lado, revigoramos a crítica para emancipar a ação,
canônicos ou formando, a partir delas, um saber que lhes escapa- tudo " 'nlimos que a eficácia dessa ação somente consubstancia-se numa luta
isso permite vincular a intensificação dos poderes à multiplicação do pulítica mais ampla, de corte estrutural.
discurso. A partir do século XVIII, o sexo das crianças e dos adolescentes
passou a ser um importante foco em torno do qual se dispuseram
Foucault, todavia, afirma que a denúncia do discurso contábil já é
inúmeros dispositivos institucionais e estratégias discursivas. É possível
que se tenha escamoteado, aos próprios adultos e crianças, uma certa • apaz de engendrar novas significações. Seu exagerado pessimismo não
maneira de falar do sexo, desqualificada como sendo direta, crua, gros- lhe permite preconsiderar uma abalada ética da ação. Mas não podemos
seira. Mas isso não passou da contrapartida e, talvez, da condição para III IS eximir dela. Não temos outro recurso a não ser o de acreditar que
funcionarem outros discursos, múltiplos, entrecruzados, s utilmente hie- llllSSa ação tem potencialidade de mudar o mundo e reconstituí-lo.
rarquizados e todos estreitamente articulados em tomo de um feixe de
relações de poder. A mesma convicção de Foucault, todavia, também lança mão do
tltscurso político ao tecer a trama do poder e da institucionalização dos
Ao denunciar esse erotismo discursivo generalizado, que abriu lltscursos através da história. Aponta que a Idade Média tinha pouca ou
saberes e desvendou segredos, iluminou com a racionalidáde técnica os lll'nhuma preocupação 'com o sexo das crianças; sua intenção era a

42 43
I
sexualidade "não-permitida" como a l"d d · .
. d . . sexua I a e extraconJugal ou unduímos que a proliferação dos discursos sobre a sexualidade
so Omia ..Depois de o Direito Canônico ter constituído uma
'i \UI conseqüente classificação entre a anormalidade e as perver-
as se~alJdades matrimoniais, a partir do século XVIII, par:egra
1 prdagogização da normatização do sexo, infantil e adolescente,
(op. cll., p. 39), o foco de atenção volta-se para outros campos, a
111inl e doente, corresponderam aos interesses e movimentos
1\ da sociedade burguesa. Não há variação entre a repressão
~·:·) ? :asal legítimo, com sua sexualidade regular, tem direito a maior 111 c a suposta liberdade advinda com a modernidade burguesa.
IS~nçao, .ten.de a funcionar como uma norma mais rigorosa talve
~~:~m :ais ~llenciosa. Em compensação, o que se interroga é a sexu~ ram-se teses e formas de novos discursos, mas há uma eficiente
e as cnanças, a dos loucos e criminosos; é o prazer dos que não mação das teias de poder e controle social das práticas s~xuais.
amam o o~tro sexo; os devaneios, as obsessões, as pequenas manias o u
grandes raivas. Todas estas figuras, outrora apenas entrevistas têm a ora
d_e a~ançar p~ra tomar a palavra e fazer a difícil confissão d~quilogque
sao. em duvrd~ não são menos condenadas. Mas são auscultadas· e se tahus sexuais -A virgindade
;;::;~n~ for ~~~~r:ogada, a sexualidade regular o será a partir d~ssas
I a es penfencas, através de movimento de refluxo.
As regras de comportamento sexual são determinadas pelas socie-
Precisamente neste movimento é que prevalece a grandeza da tese l&ks c seu corpo de valores, interesses e tradições. A virgindade é um
dedFo~caul.t, ao fazer a defesa das sexualidades dilaceradas e marginali- lllit que nos permite compreender isso. Em muitas sociedades exige-se

za a~, ?.disc~s~ da ordem tende não só a exercer o poder sobre a 1 , 11 gindade pré-nupcial para a mulher; em outras é exigida de ambos
:a~~nali~ defirud~, ~a.s a engendrar também, sob o aparente discurso t.t condição. Há outras sociedades nas quais a virgindade é abominada,
E malidade, a Significação negativista de outra polarização perversa Jtors não se confere valor nenhum a esta. O Ocidente cristalizou a
mó r~sumo, o que. se ~o~stitui como salvaguardado deste processo é ~ vugindade para a mulher com base nas concepções medievais que
pr pno poder de dtscnminar... t&lllcionavam o casamento a nobreza, propriedade e poder dos homens.
Mas como compreender a virgindade hoje? É uma questão muito
~···?A implanta.ção d~s perversões é um efeito-instrumento: é através do 11 uportante a ser considerada. Antes de tudo é preciso compreender o
~~o amento, da mtenslficação e da consolidação das sexualidades perifé- ,rgnificado desta questão para a mulher. O tabu da virgindade em nossa
ncas que as relações do d
m lt" I" po er com o sexo e o prazer se ramificam e
u 1p lcam, medem o corpo e penetram nas condutas. E nesse avan o nrltura foi uma das mais terríveis formas de dominação da mulher.
dos ~deres, fixam-se sexualidades disseminadas rotuÍadas segun~o Reduzir a mulher, sua pessoa, seu ser e suas potencialidades a um "selo"
uma 1dade um lugar . . .'
sexu~idad~s por e~t;n~~ ~~s~,d~; ~~:r~~~r~~~::~~~e~:~oc:;:
virginal não deixa de ser uma das formas que o machismo assumiu em
nossa cultura.
uma essas sexuaiJdades regionais dá um campo de . t -
- m ervençao: essa
~nexao, s?bretudo a partir do século XIX, é garantida e relançada pelos Uma das formas primordiais da virgindade era a de manter a filha
m~m~rá~els lucros econômicos que, por intermédio da medicina da virgem para «trocá-la" por uma aliança comercial ou econômica na Idade
islqulatria, da prostituição e da pornografia, vincularam-se ao me~mo
empo a essa concentração analítica do prazer e a essa ma ·ora ão do Média entre as classes abastadas. Não havia a virgindade rígida para as
poder que o controla. Prazer e poder não se anulam não se ~olt;m um classes que não tinham propriedades. A virgindade física, isto é, a
contr~ o outro; seguem-se, entrelaçam-se e se relança'm Encade"a presença do hímen intacto, era fator de honra para o pai e senhor, e valor
atraves de mec · · 1 m-se
ão (Fo
Ç .
lt amsm.os complexos~ positivos, de excitação e de incita- para a mulher que era dada a um marido. Com a sigrlificação patriarcal
ucau , op. cll., p. 48)
da cultura cristã, esse "valor" passoú a ser incorporado a todos os

44
45
wgmcntos sociais com muito mais força a partir da Contra-Reforma no Texto para reflexão
sct·ulo XVI. Ora, a virgindade não existia entre os hebreus antigos nem
no tempo de Jesus como "valor" positivo. Ao contrário, a esterilidade ou A supervalorização da virgindade é a expressão d~ u~a supe~alorização
abstinência sexual comumente era abominada, ou devia ter justificativas da genitalidade. O que não significa que a gemtahdade nao deva ser
religiosas extraordinárias. valorizada: enquanto um dos aspectos da sexualidade~ ela ?ede a mesma
dignidade que se confere àquela. A dignidade de msenr-se em ~ma
Muitos homens fazem questão de manter o mito da virgindade ou escolha, em uma doação, em uma integridade. O que se e~pressar na
virgindade. Entretanto, nenhum valor poderá ser-lhe co~endo, tanto e"!
o traves tem de outras formas. Parece haver uma insana satisfação em ser
o "primeiro" - sem dúvida um ato de poder e domínio mais do que um sua manutençao _
com0 em sua "perda" ' desde que . . Isoladas
é ded 'uma
·
integridade pessoal. Insistir, portanto, no valor d~ vugmda~e co.n ·~c~~­
ato de amor. nar mentes juvenis para uma redução da sexualidade e CUJa noc•v• a e
se atenteia em complexos de culpa naqueles, ou melhor, ~a~uelas que
A sociedade já exerceu um controle muito grande sobre a mulher p
"perderam . . dade"• e' estimular a hipocrisia
a vugm . das sem•v•rgens
" - qued
com o tema da virgindade. O lençol manchado de sangue testemunhal "vÍio até um certo ponto", é incentivar a veleidade dessas operaçoes e
era exibido na janela depois da noite de núpcias. restauração" para casais entediados, etc. . . d d
Compreende-se portanto, como a meta genital é o sonho da vugm a e,
Hoje acredito que estejam mais difíceis o exercício desse controle sonho ue uma 'educação comumente mantém. E ~o~preende-se, ~am­
bém c~mo essa mesma educação, valorizando a v ugmdade, valonz~ a
e a imposição dessa exigência social. Os movimentos de libertação da
sua ' rda· os "pacientes" farão seu preparo, os "impaciente" s~ la?çarao.
~a noçã~ Vlfgi~ d.ade,
1
mulher já apresentaram sérias críticas e interpretações desse e de outros A ê::;ase genitalidade é, pois, o fundamento da de
mecanismos de controle da mulher. seja num a valoração positiva, seja numa valoração negativa .desta u um~.
As duas valorações brotam da mesma redução da sexuah~ade e, va e
Gostaria de estender minha reflexão sobre este tema. É claro que dizer da personalidade. Uma redução claramente mec~mcista, em ~ue
a exigência e a imposição da virgindade à mulher e a existência de uma pese~ sentido espiritualista o u ideológico de que s~ revis~a. A valonz;l-
moral de estímulo, para o homem, de práticas sexuais revelam o conteúdo ção positiva, baseada em pressupostos morais de. mtegn~ade pes~o ri~
converge, curiosamente, essa integridade para o eixo gem~~l. ~v~ o
machista de nossa cultura. Mas este mesmo mecanismo pode hoje possuir
za ão ne ativa, em nome de uma "libertação do ser humano 'ac ar, ~ue
forma inversa, ou seja, impor à mulher uma necessidade de não ser o ~rimei;o passo libertador deverá ser dado no procedimento fiswlog•co
virgem, uma descompressão sexual, como para o homem, objetual e da defloração. . · · - d · das
permissiva. As duas formas são igualmente condenáveis, pois conservam A redução genital da sexualidade fundamentará 1denhfic~ç~s env~ a
de sexualidade e que se pretendem radicalmente antagomcas: as~l~l
o elemento de imposição social sem um conteúdo ou aproximação
sexualidade será identificada como uma função de prazer orgasmatico,
pessoal, plenamente humana. Não se é mais ou menos pessoa sendo ou como função procriativa. (Vasconcelos 1971, p. 107)
virgem ou "perdendo" a virgindade, como é próprio de nossa pobre
linguagem ou cultura. Ao colocar esta questão estamos esquecendo que
a sexualidade é o s ubstrato básico de nossa personalidade e nosso ser, e
que esta questão é de foro íntimo e pessoal. Contudo, sem deixar de Freud e a sexualidade
considerar a questão social, o mito da virgindade tem sido uma das
formas mais acabadas da dominação do corpo da mulher por parte do
homem. Lutar contra estes e outros mecanismos é libertar a mulher para O ioneiro na reflexão sobre a sexualidade humana no ~écul.o ~
uma nova forma de ser e também libertar o homem de uma compreensão f 01 sem dp,uvt"da , Sigmund Freud. Educado sob forte
. influência relig~osa,
· · · · t f rtemen-
reducionista e pobre da condição ·da mulher. de família judaica, e ainda sob pressão da filosofia pOSltlVIS a e O

46 47
I
te determinista do seu tempo, ele acaba por construir um pensamento e 1 que retém a energia que ~overá, como um d_ínamo~ a~ demais
uma teoria nova sobre o homem, sua existência e seus processos de 1 .u;ões da personalidade. Assim, não tolera energias mmto m~ensas,
cducuçao c compreensão da realidade. Com base na observação de si dos elevados de tensão do organismo, tanto resultantes de estrmulos
mesmo, de sua própria família e de seus pacientes, Freud estabelece uma tr 1 n~s ou excitação interna. O Id funciona para descarregar a tensão
maneira de compreender os aspectos motivacionais do comportamento "atamente, para voltar ao estado de baixa energia, proyulsor ~e
humano. E define como substrato básico as duas fontes de energia ou ml orlo. É o princípio do prazer, redutor da tensão, que dispoe de dms
pulsões: Eros e Tanatos. Concebe a energia sexual e vital, a libido ou rm essas: ação reflexa e processo primário.
princípio do prazer como o instinto de vida, e os impulsos para a
Convém aqui classificar o processo primário:
autodestruição ou destruição dos outros ele denomina Tanatos, que quer
dizer "morte" ou violência". Reação psicológica que objetiva remover a tensão por meio da
f1umação de "imagens" da necessidade desejada. Imagem mental que se
Dentre os limites de seu pensamento, ainda marcadamente patriar- th numina "satisfação do desejo", exemplificado por_Freud ~o s~nho
cal, como basta ver em muitos de seus escritos, destacaremos sua n• •lurno, como tentativa de se alcançar o que se deseJa. ~~c~naçoe~ e
elaboração básica da teoria psicanalítica que é a estruturação do funcio- \ 1., 0 es psicóticas também exemplificam o process_ o pnmano, assim
namento do aparelho psíquico. Metodologicamente ele o apresenta divi- wmo a variação do processo pelo pensamento auh~ta. O ld _conhece
dido em três partes: o ld, o Ego e o Superego. O Id é a fonte primária, unicamente essas imagens mentais desejadas, que obviamente nao remo-
instintiva e básica da libido que opera de acordo com o princípio do ' l' tn a tensão senão direcionam conseqüentemente a um processo secun-
prazer, buscando satisfação imediata de todas as suas carências e neces- 1/nrio, o est~tural do segundo sistema da personalidad:: o Ego._ O
sidades. O Ego é a parte psíquica racional e mediadora que opera entre
111 ocesso secundário é a capacitação e a ação para a remoçao da_te_nsao.
o Id e as exigências externas do Superego, a terceira estrutura, relacio- 1) primeiro conhece a realidade subjetiva da ~ente; o segundo d_Ishngue
nada à consciência e envolvendo os aspectos éticos e morais. Representa 1 nlre as coisas da mente e as do mundo extenor. Conhece a realidade. O
a internalização das regras e dos princípios sociais em toda a sua extensão '" princípio da realidade" passa a distinguir e opera~,. objetiva~,do_ a ~e~­
de punições e aprovação. l arga da tensão. O "princípio do prazer" é agora auxihad_ o pelo pnncip~o
da realidade". Enquanto o primeiro prende-se ao agradavel e d~~ag~ada­
Se bem que sua interação seja integrada podemos dizer que há uma
vcl, 0 segundo busca certificar-se se é real ou falsa a exper~encia. O
determinada sedimentação histórica dessas estruturas no processo de
processo secundário é realista. Por meio dele o Eg~, segundo sistema da
desenvolvimento da criança. Ao nascer somos ld puro, selvagem e
personalidade que existe para ~ans~ções apr~pnadas ~om o mundo
exigente; das frustrações do sistema familiar e educativo nasce o Ego,
objetivo, a realidade, bus:a a sahsfaçao da tensao requex:?.a pela n;ces-
que se desdobra em Superego a partir dos cinco anos com a crescente
'> idade orgânic~ do Id. E ~o ~go qu~ se c~~v~rt~ ~ Image~ e~
internalização das sanções sociais sobre o comportamento da criança.
percepção sensivel e localizaçao. Assim, o p_nnc~pl~ da realidade
A sincronia desses aspectos e estruturas da personalidade é deno- suspende temporariamente o do "prazer" que sera s31t1sfe1to ao enc?ntrar
minada processo primário, que é importante conhecer para um estudo 0 objeto-necessidade. Para tanto, põe-se em busca. E o tes;e da real~dade.
mais aprofundado da sexualidade. Não se pode ignorar a contribuição de O Ego é o executivo da personalidade. Controla ~ a~ao, seleczona o
Freud, embora seja necessário fazer a crítica dos limites de sua teoria. ambiente e decide como e quais instintos serão satisfeitos, procurando
integrar as exigências do Id, do Superego e da ~~ali~ade, mui_tas ve~es
Processo primário: O Id,. sistema original da personalidade, é o antagônicas. O Ego é parte organizada da consctenc1a, que eXIste salts-
reservatório de toda· energia físico-psíquica. Sistema irracional e impul- fazendo os óbjetivos do Id...

48 49
I
Não existem divisÕes estanques entre os sistemas; embora sin- Vejamos isto numa conduta concreta, resultado da avariação do
gularmente tenham funções e propriedades, dinamismos e mecanis- aj111cma psíquico, as s?as partes componentes. Por exemplo:
mos diferentes acasalam-se· estreitamente entrelaçados resultando o
comportamento humano, personalístico. Assim, o Id, o Ego e o Supe-
• Um indivíduo formado sob uma pressão muito forte do Supe-
re~o formam juntos um só sistema, ou seja, a personalidade. O Ego é
0 rego no campo sexual. O Id, seu reservatório energético, acumula
mtermediário entre as exigências e o meio ambiente; e as duas
excesso de energia e ocasiona uma tensão enorme. Biologicamen-
paralel~s motoras de sua ação: a vida (subsistência) e a reprodução
(sexuahdade) da espécie humana. te o físico reclama um objetivo que, embora se desd~bre em
processo primário (sonhos noturnos, conversas no sonhar),
anseia por uma real satisfação de si próprio. Entende-se sexua-
Mas o homem é um ser social, histórico e ambiental. Há uma outra lidade por toda a abrangência afetiva da palavra. O Ego, encar-
~orça a considerar: o Superego, que é precisamente o representante regado pelo processo secundárjo de dirigir-se à realidade, é
mterno dos valores e ideais tradicionais decorrentes dessa sociabilidade afetado por uma pressão muito grande do Superego, pois tudo
e história humana, transmitidos pelas gerações com reforços específicos que é sexual lhe é ensinado como mau e reprov_ável,. mesmo o
com~, ?or exemplo, o sistema de recompensa e castigo da educação relacionamento afetivo com outra "pessoa". E ma1s forte o
domestica, escolar e social. O Superego é a arma moral, o ideal, o perfeito castigo, o reforço histórico num medo de perder-se a si próprio.
re~endo os demais princípios. Baseia-se no valor, decidindo se é boa ou
ma determinada ação para sincronizar o indivíduo na harmonia com os
padrões morais da sociedade. Coíbe e evita os choques de tensões. O processo secundário não responde ao Id no que ele exige; o Ego
Res~lta.das reações que a criança oferece ao sistema de recompensa e lliiOsatisfaz nem o pode por uma força muito grande do Superego.
castigo unposto pelos pais, agentes da sociedade. Para evitar um e obter llloqueia e consegue, o ld. Então essa pessoa fica eternamente com uma
? ou~r~, a criança interioriza normas e aprende a conduzir-se segundo lhe 1ntemalização muito grande de uma norma falsa, um Superego anormal,
e e~gido. Isso se dá por meio da consciência de que se forma como que coíbe o Id e opõe ao Ego o moral e místico. O social torna-se maior
subsi_stema do Superego, primitiva das ações contrárias às tradições e o que o biológico (Id) e o psicológico (Ego) ...
Ego-Ideal, recompensador da aceitação pelo orgulho. O Superego for-
m~d~ su?stitui o controle dos pais como um autocontrole. Suas funções
pn~cxprus são: inibir impulsos do Id (sexual e agressivo) condenados pela A construção histórica da sexualidade humana
sociedade; persuadir o Ego a alvos moralistas mais do que reais; lutar
pela_ve~eição, opondo ao Id uma imagem do mal e, ao Ego, um controle
dos IDsbntos, tentando bloqueá-los. A sexualidade é uma das mais importantes e complexas dimensões
da condição humana. Mormente no mundo atual estamos continuamente
A personalidade funciona na unidade dos três sistemas, sob uma assediados por um "ambiente sexual" que se manifesta nos mecanismos
liderança do Ego, em conjunto: o Id como componente biológico, o Ego de sustentação da sociedade capitalista ocidental. Mas a compreensão da
como psicológico e o Superego como social. Decorrente dessa interação sexualidade sempre envolve muitas controvérsias e diferentes posições
temos a personalidade, em aspectos normais. morais e políticas, uma vez que produz efeitos que dizem respeito quase
sempre a -mais de uma pessoa. Desta maneira pode-se abo~dar a se~u:­
Contudo, conservam suas diferenças graduais e específicas. lidade por muitos aspectos, mas nos importa no momento uma vtsao

51
histórico-política de como se transformam os códigos e valores sobre o llt' que esse fato seja um dos princípios explicativos da mat~~eari~ad;.
sexo e como existe íntima relação das mudanças no comportamento I lá contudo diversas maneiras de tratar o tema: uma matriline~nda e
sexual com as transformações econômico-sociais. Para tanto, é preciso hn;eada no desconhecimento da paternidade, outra basead~ ~o-pode~ e
ter como requisito básico uma concepção do mundo e das relações sociais nas relações econômicas. Este segundo aspecto envolve a divisao_ s~_cial
e históricas dinâmica e viva, que chamamos de dialética, que consiste tio trabalho. Pode-se afirmar, contudo, que nessa etapa~ sexo, relig1ao e
em compreender a realidade como processo, como permanente transfor- 11 ubalho estão em íntima relação com o fenômeno da VIda.
mação e progresso, como evolução. É preciso evitar uma compreensão
fechada, "parada", sobre o mundo, uma compreensão estática e formal 0 professor Mircea Eliade, no seu estudo_ de história_ das r~~~ões,
que se baseia em conteúdos conservadores e ideológicos. assim confirma esta visão harmônica da sexualidade nos ntos rehg~osos
primitivos:
A análise da evolução histórica e cultural de uma forma dialética
permite-nos perceber as diferentes transformações das sociedades huma-
A mulher e a agricultura - Admite-se, normalmente, que a. agricultura
nas do passado e as perspectivas que se abrem para o futuro. A categoria tenha sido uma descoberta feminina. Ocupado em perseguir a caça ?u
fundamental é a do processo. As mesmas categorias permitem relativizar em apascentar o gado, o homem estava sempre ~use~ te: Pelo contrán~,
os padrões sociais de normatização da sexualidade bem como compreen- a mulher, ajudada pelo seu espírito de observaçao, h~utado mas p~n -
der sua precariedade e seus interesses, além de evidenciar os mecanismos trante tinha ocasião de observar os fenômenos naturais de sementeira e
de ge~ inação e de tentar reproduzi-los artificialmente. P_or outr? la~o,
de controle e constituição da chamada "normalidade" sexual.
pelo fato de que era solidária com outros centros de fecundidade cos~mca
Metodologicamente fixaremos cinco etapas de compreensão da - a Terra a Lua- a mulher adquiria o prestígio de poder mflmr na
fertilidade ' e de poder ' distribuí-Ia. E' ass•m
· que se expI"Ica ~ papel
.
sexualidade, mais relacionado com o mundo ocidental, na história de sua
preponderante desempenhado pela mulher nos come~o~ da agncultura
própria constituição como tal. - sobretudo no tempo em que esta técnica era apanag•o das m~lheres
-,papel que continua a desempenhar em certas ~ivilizações. Ass1m, em
A primeira será a compreensão mítica, semidivinizada, das socie-
U anda uma mulher estéril é considerada pengosa para a hor;a ~ o
dades agrárias no Oriente Médio. Nessas sociedades existia o culto à m~rido po' de pedir o divórcio alegando este motivo de or~em econorru~.
fertilidade representado pela "Deusa-Mãe" ou "Terra-Mãe". A repre- Encontra-se a mesma crença no que d1·z respe1·to ao Pengo . que a esten-
sentação simbólica desses cultos manifestava-se pela veneração das !idade femi nina pode apresentar para a agricultura ~a tnbo Bhantu, na
partes sexuais femininas, mais especificamente a vagina, representada Índia Em Nicobar diz-se que a colheita será mais abundante se as
seme~teiras ti vere~ sido feitas por uma mulher grávida. Na ~tália do Sul,
por um triângulo. A religião e a magia eram o aparelho conceitual desses crê-se que terá bom resultado qualquer trabalho empreendidO por uma
povos e tudo era mística e cultualmente representado, como vemos até mulher grávida e que tudo 0 que seja semeado por ela crescerá como
hoje entre os aborígenes da Austrália, os bosquímanos da África e outros cresce 0 feto no seu ventre. Em Bornéu, as mulhere~ dese_mpenham o
povos coletores ou pastores chamados primitivos. O sexo era até visto papel principal nas cerimônias e nos trabalhos relativos a cultura do
arroz. Os homens colaboram apenas no corte de silvas e urzes e em alguns
em certas sociedades, na dos Fenícios por exemplo, como elemento
trabalhos finais ... São as mulheres que escolhem e conservam as semen-
sagrado, religioso, um culto à fertilidade. A Grécia rural, ao tempo do tes Parece que se sente nelas uma afinidade natural com as se~entes
Basileus (rei), re!lde o culto a Dionísio. A exaltação e a divinização do de -~ue elas dizem estar grávidas. Por vezes, ~ã~. passar a nmte nos
sexo feminino podem ser explicadas pela falta de relação adequada, na campos de arroz, na época em que el.e_cresce. A 1de1a delas. é, provavel-
mente do homem primitivo, entre causa e efeito da fecundação, desco- mente, aumentar a sua própria fert1hdade ou a do arroz, mas a este
respeito mostram-se reticentes.
nhecimento da paternidade e da relação entre o ato sexual e a gravidez Na Prússia Oriental ainda se respeitava, .há pouco tempo, o costume de
pela falta de adequada noção de tempo. Entre tantas explicações afirma- uma mulher nua i.r ao campo semear ervilhas. Entre os fineses, as

53
I
ruulhc:rca levam as sementes para o campo na camisa me~strual, no do prazer, as técnicas e os estímulos sexuais aparecem nessa etapa da
~rrputu de uma prostituta ou nas meias de um fil ho bastardo aumen-
..ccularização urbana. Nota-se que em nenhuma das etapas descritas há
t.trltlo nssim a fecund idade das sementes pelo contato co~ objetos
trNudos por pessoas marcadas de uma forte nota erótica. A beterraba vulores como a "virgindade feminina", o celibato etc. Cada codificação
semeada por uma mulher é doce, a que é semeada por um homem é do comportamento sexual se explica no seu contexto.
amarg~. -!" semente do linho é levada para os campos por raparigas,
na Estonta, e os s uecos não permitem que o linho seja semeado senão A terceira etapa da evolução que propusemos pode ser chamada
por mulheres. Entre os alemães são ainda as mulheres, e em particular tlc "civilização cristã" . Coincide com a desestruturação do mundo antigo
as mulheres casadas ou mulheres grávidas, que lançam as sementes com a queda do Império Romano e a emergência da lgrej~ como
à ~erra. A solidariedade mística entre a fecundidade da terra e a força
instituição que catequiza e organiza o mundo bárbaro. A inspiração
crradora da mulher é uma das intuições fundamentais do que pode-
t íamos chamar a "consciência agrícola". judaica, o platonismo "batizado" e o maniqueísmo mesclam-se no novo
E~idente~ente, se a mulher exerce uma tal influência na vegetação, a imaginário social lentamente construído pela Igreja por meio do enqua-
hrerogaml8 e .mesmo a orgia coletiva terão, com muito mais razão as dramento dos povos bárbaros na doutrina cristã. Isso se dá a partir do
mais felizes conseqüências para a fecundidade vegetal. Teremos oca~ião século V. Uma nova antropologia e uma nova teologia, o predomínio dos
de examinar mais adiante inúmeros ri tos que atestam a influência
decisiva da magia erótica na agricultura (§ 138). Lembremos, de
valores espirituais e morais, a superioridade do espírito e o estímulo ao
momen t~, que as camponesas finesas espalham na terra, antes das medo das condenações eternas, tudo isso engendra uma nova compreen-
sementeiras, algumas gotas do seu próprio leite. Poder-se-ia interpre- são da sexualidade e um novo comportamento sexual. O corpo é o lugar
tar este costume de diferentes modos: oferenda aos mortos, transfor- da maldade demoníaca, "cárcere da alma". Dominar o corpo e reprimir
~ação mágica do campo ainda estéril em gleba fértil, ou, mu ito
o sexo constitui ideal de vida cristã. A sexualidade passa novamente ao
simplesmente, a influência simpática da mulher fecunda, da mãe nas
sement~i ras. Também devemos referir o papel desempenhado pela controle da religião; o celibato é ideal de perfeição e só permite expressão
nudez rrtual nos trabalhos agrícolas, sem o reduzir exclusivamente a sexual com o sério propósito da procriação. A dimensão do prazer é
um rito de magia erótica. (Eiiade 1970, p. 297 ss) perdida novamente. Nesta mentalidade cristã o sexo está preso à idéia de
pecado, de "sujeira", de maldade. A condenação do sexo favorece o
A segunda etapa identificada inicia-se com o advento das civili- enaltecimento do ideal celibatário sacerdotal e da virgindade; multipli-
zações urbanas do mundo antigo. O sexo gradualmente perde seu caráter cam-se conventos e mosteiros; a castidade é a maior "virtude". Alguns
mítico e passa a ser mais "racionalizado", mais conhecido e controlado. ;lUtares vinculam o ideal celibatário da Igreja com a conservação de sua
Distingue-se o sexo da reprodução e da fecundidade, e é possível intro- propriedade ameaçada pelo direito de herança que caberia aos filhos,
duzir a noção de prazer. Essa distinção era uma dupla condição da numa estrutura familiar. Clérigos, freiras e monges passam à completa
mulher, a reprodutora e mãe e a mulher instruída nas artes do amor. abstinência; espiritualizam-se a paternidade e a maternidade. O enqua-
Alguns autores marcam aqui o surgimento da prostituição feminina. Os dramento na nova mentalidade se faz com o medo e as figuras do Inferno
gregos desenvolvem amplamente e de maneira variada o conceito de c do Juízo Final. Essa mentalidade perdurou e até mesmo se reforçou
"c~o.s". ~divisão do trabalho social acentua-se, e o homem usurpa certos com a Reforma Protestante, mil anos depois, no enfraquecimento que o
pnvllégtos da mulher tomando em suas mãos o controle da produção e catolicismo sofria na Baixa Idade Média.
da reprodução da vida. A separação dos homens, a educação exclusivista,
a exaltação dos valores masculinos, os exércitos e a organização dos A quarta etapa de nossa pontuação é justamente ligada à trans-
negócios levaram amplos estímulos ao homossexualismo. Entre os gre- formação do mundo medieval com o advento da sociedade capitalista,
gos era padrão "normal" o homossexualismo masculino. As divindades das entranhas do feudalismo . A nova sociedade precisa muito da
o
energia sexual para trabalho, e a repressão da sexualidade é muito

55
f~~e. Os protestantes caracterizaram-se pela compreensão religiosa tra·
dic~onal, o sexo exclusivamente procriativo. Foucault (1984, p. 109)
assrm se expressa:

A história da sexualidade, se quisermos centrá-la nos mecanismos de


repressão, supõe duas rupturas. Uma no decorrer do século XVII onde
há o nascimento das grandes proibições, valorização exclusiva da sexua-
l~dade matrimonial adulta, imperativos de decência, abandono obrigató-
no do corpo, contenção e pudores da linguagem, a sexualidade encerrada
e confiscada ao leito familiar.

O auge desse modelo se . dá com a compreensão repressora da


sexualidade na época da Rainha Vitória, a era vitoriana. Sobre o sexo o
silêncio. '
1
Uma quinta periodização se pode fazer com a perda da hegemonia A SEXUALIDADE "PRIMITIVA" MÍTICA
européia sobre o mundo: a sociedade de consumo. Marcuse é o grande
crítico de uma sociedade que "perdeu o espírito erótico". De nada adianta
multiplicar a fala sobre o sexo e a quantidade das relações se não se
alterou a qualidade da relação. O prazer mecanizado da sociedade de
O termo "primitivo", numa perspectiva evolucionista, denota já
consumo, com bonecas de plástico vibradoras, a multiplicidade das
11111 sentido depreciativo, etnocêntrico, quase que como sinônimo de
posições e técnicas amorosas, estímulos e jogos só aprofundam o senti·
11t asado", "selvagem". Não é este o sentido que queremos usar aqui.
menta de fracasso. Só uma completa transformação das relações huma·
nas, a começar pelas relações de produção exploradoras e alienantes, fará
Nossa intenção metodológica é definir neste capítulo os contornos de
UIIHI sexualidade primordial nas protocivilizações ocidentáis e seus me-
transformar a dimensão atual da sexualidade humana.
lltismos de representação, prática, significação e controle da sexualida-
'"' Estudos importantes e específicos na área embasam nosso estudo, aos
'luais nos referimos de maneira basilar: Malinowsky, Mead, Morzan etc.
Uma das mais didáticas e ricas contribuições para o estudo da
rxualidade humana numa perspectiva antropológica comparativa é o
ltvro de Edgar Gregersen editado em 1983 no Brasil pela Editora Roca
Práticas sexuais -A história da sexualidade humana. A obra contém
lutnrmações, mapas e ilustrações sobre as práticas sexuais numa pers-
l"·l"liva transcultural muito bem elaborada. Seria fundamental para qual-
l"''r estudioso sobre o assunto.
Cronologicamente nos situaremos nos limites da pré-história, e
rograficamente privilegiaremos a análise das sociedades ocidentais que

56 .FAMETRO 57

BJb1io
maior contribuição tiveram na formação cultural do Ocidente. O homem Evelyn Reed (1980; pp. 50-51) assim manifesta sua compreensão
estranha-se da natureza pelo seu trabalho, que se transforma em elemento 1c.: la época e do papel social da mulher nessas sociedades:
de evolução cultural e de alteração da natureza de si mesmo.
Dentre as grandes divisões da pré-história destacaremos o período Assim, o resultado mais importante das atividades femininas foi a fundação
Pale~lítico. Há ainda os que o subdividem em Paleolítico Inferior (30 a e a consolidação do primeiro grande coletivo humano. A vida coletiva e o
trabalho, substituindo o individualismo animal, abriram um abismo intrans-
10 mil a.C.) e Paleolítico Superior (10 mil a 4 mil a.C.). Nesse período ponível entre a sociedade humana e os animais. Tomaram possível a primeira
o homem vivia em bandos nômades, dedicados à caça e à coleta de frutos grande conquista da humanidade, a domesticação dos animais.
e raízes. Para a caça de grandes animais vivia em bandos isolados e Através destas experiências as mulheres se converteram nas primeiras
esporádicos, usando como instrumento os machados de pedra lascada. trabalhadoras e lavradoras, nas primeiras cientistas, doutoras, arquitetas,
engenheiras; as primeiras professoras, educadoras e artistas, e transmi-
Foi nesse longo período que o homem observou o tempo, dominou o
tiram a herança social e cultural. As famílias que surgiram não eram
fogo, conheceu e classificou os vegetais e as regiões por onde migrava. simplesmente cozinhas coletivas ou salas de cozinhar, mas eram também
O historiador Raimundo Campos, ao falar da vida em sociedade dos as primeiras fábricas, os primeiros laboratórios científicos, centros mé-
homínidas do Paleolítico, assim se expressa: dicos, escolas e centros culturais e sociais. O poder e o prestígio feminino
que surgem das funções procriadoras alcançam seu ponto máximo com
a primazia de suas atividades socialmente úteis (...) As mesmas causas
As comunidades do Paleolítico possuíam um certo grau de sedentarização, que levaram à emancipação do homem conduziram à queda do matriar-
mas também viviam se deslocando em perseguição aos animais que caça- cado e à escravização da mulher. No momento em que o homem se
vam. A necessidade da colaboração, principalmente para os grandes em- apropriou dos meios de produção, a mulher foi relegada exclusivamente
preendimentos de caça, deve ter gerado, no final do período, o aparecimento a suas funções biológicas de mãe, e lhe foi negada toda forma de
dos primeiros clãs, famílias extensas onde várias gerações se sobrepõem. Os participação na vida social produtiva. Os homens tomaram as rédeas da
clãs do Paleolítico eram matriarcais, uma vez que os homens em sua sociedade e fundaram um novo sistema social a serviço de suas necessi-
atividade de caçar, viviam se deslocando mais constantemente, deixando às dades. Da destruição do matriarcado, nasceu a sociedade de classes.
mulheres toda e qualquer forma de governo familiar. (Campos 1981, p. 5)

Podemos claramente perceber a importância do matriarcado. A


Essas afirmações são hoje muito importantes para avaliarmos o oste poder real que possuíam as mulheres, corresponde uma repre-
processo de constituição de nossa cultura. O Paleolítico é todo ele
sentação simbólica, que se expressa no nível da religião, das crenças e
dominado pelo matriarcalismo, isto é, pela valorização e pelo culto ao
lendas. Na maior parte do matriarcalismo primitivo há o culto à fertili-
elemento feminino, materno, procriador e organizador da sociedade
dade feminina. Podemos afirmar que no matriarcado primitivo as divin-
primitiva. Por milhares de anos a humanidade viveu sob a organização
dades são concebidas como elementos primevos femininos e variam em
e o poder das mulheres, que, trabalhando juntas e constantemente,
características e formas envolvendo a fertilidade. Como conseqüência, a
tomaram-se o grupo civilizatório mais progressista. Eram as mulheres
sexualidade, ao se ver envolvida de uma significação mítica, é concebida
que tinham possibilidades de observação, experimentação e pesquisa de
como sagrada e divina, com o predomínio da função da mulher, como
novas tecnologias e subsistência na produção da vida. Foi pelo vínculo
apanágio feminino.
materno que se constituiu o primeiro elo civilizador e mantenedor do clã
primitivo. A propriedade coletiva baseada na caça, na pesca e na coleta É muito difícil fazer afirmações generalizadas sobre o matriarca-
produzia uma sociedade coletiva, organizada sob a divisão sexual do lismo primitivo. É um tema que tem provocado ricas considerações e
trabalho, sem uma estrutura de poder que não fosse o funcional e debate. Mas estudando alguns grupos e sociedades humanas atuais que
organizador da sobrevivência coletiva. vivein em estágios semelhantes aos pré-históricos, na África, na Oceania

59
I
c na Asiu, bem como em alguns lugares das Américas, observamos A sexualidade mítica, calcadamente matriarcal, ainda se encontra
semelhanças e curiosidades que nos pennitem alinhavar certas conclusões. llll'Sente nas comunidades indígenas da América, da África e da Oceania.
A pré história constituiu a maior duração da existência do homem sobre a C,., estudos de alguns antropólogos comprovam isso, destacando-se as
terra. Ainda no Paleolítico temos as primeiras manifestações artístico-cul- I" -.quisas de Malinowsky na África e na Oceania. A maior parte desses
turais do homem: as pinturas rupestres, isto é, as pinturas conservadas nas ~tudos vem demonstrar que o "masculino" e o "feminino" são repre-
cavernas. Associadas à magia, as pinturas retratam situações de caça e da sua ntnções coletivas e sociais que se podem construir sobre a diferença sexual
atividade de caçador. Mas envolvem um outro tema: a mulher e a fertilidade. hu 1lógica. Não tem fundamento extrair da diferença biológica entre os sexos,
É desse período uma das mais antigas e belas esculturas humanas: a Vênus macho e fêmea, a diferenciação de capacidades e potencialidades, esta outra
de Willendorf retratando o corpo feminino, provavelmente como um ícone IM K ial e histórica. Margareth Mead estudou três sociedades distintas em seu
religioso cúltico, com as nádegas e os seios avantajados. hm> Sexo e temperamento, escrito em 1950: os Arapesh, os Mondugumor
os Tchambulli, na África. Ela observou que o "masculino" e o "feminino"
Essa representação cúltica cristalizou-se no Neolítico, que é o
vu1 iam muito entre essas culturas, formando diferentes funções sociais e
período seguinte ao Paleolítico, iniciando-se por volta do ano 9000
u p1 csentações simbólicas. Entre os Arapesh, homens e mulheres são temos,
a.C. quando grandes transformações climáticas e o aumento genera-
n~o~t cmais, calmos e dóceis. Orientam-se conjuntamente para a cooperação,
lizado da população, bem como a descoberta da pedra polida, fizeram
11 ttabalho e a educação das crianças. Não é acentuada a diferença de
escassear a caça e a pesca obrigando a uma maior sedentarização e à
11111portamento entre os dois sexos. Parece ser uma expectativa social a
substituição da caça pelo pastoreio. A princípio, a agricultura, a fiação
lllocura de um tipo ideal único ou semelhante. Entre os Mondugumor
e a facelagem eram funções e privilégios das mulheres, mas transfor-
llunbém se observa a construção de um tipo ideal único, só que contrário ao
mações sociais provocadas pela sedentarização, pela produção de
111otlclo dócil dos Arapesh. Ali se constrói, sob determinado processo
excedentes, pela perda da identidade de caçador por parte do homem
'"•cativo de crianças e adolescentes, um modelo de "masculino" e "femi-
levaram ao aparecimento de propriedades da terra, de um novo grupo
nuul" agressivo e violento. Não desenvolvem um tipo próximo do "mater-
social semelhante a uma farm1ia primitiva e a formas rudimentares de
n•I", mas se apresentam como indivíduos autônomos, implacáveis e
uma organização política. É no Neolítico que encontramos as primei-
thcranos em suas atitudes. Não há contraste entre os sexos, os dois
ras formas de religião e poder patriarcal, isto é, dominado pelo homem
r•oduzem a vida material tribal e dividem as funções administrativas. Já se
e pela função de pai ou chefe.
totalmente o contrário entre os Tchambulli: ali o homem é emocional-
Surgem as primeiras grandes culturas de trigo, cevada, arroz, nrrnte dependente e submisso, e a mulher é forte, dirige a tribo, domina a
milho e mandioca. A agricultura é fator fundamental de subsistência r" lllução, o pastoreio e a vida social tribal. É ela a proprietária das choupanas
e também de certa forma a propriedade da terra. Os homens logo 11 que controla a religião e a força. O homem é dócil, frágil e submisso,

controlam o poder real, os exércitos e as formas de defesa, luta e ..um indo funções de limpeza e conservação da tribo e das crianças. Parece
guerra, e o poder ideológico, a religião, assumindo as funções religio- 1 ,, sociedade inversa da nossa cultura machista ocidental. Encontra-se ali

sas, mágicas e sacerdotais. É nessa passagem que em muitas socieda- lamh6m a prática da prostituição masculina, geralmente causada por aqueles
des há a submissão da mulher e sua semi-escravização cultural. As hunll' llS que se tornaram margirlais à ordem social.
funçóes da mulher são usurpadas pelos homens e em decorrência Assim podemos observar que o enquadramento de funções e
.,urgem as representações simbólicas do poder masculino, os deuses ptlpris sexuais decorre da estrutura social e da cultura. A regulamentação
.w machos, as leis, funções e organização militar e religiosa são du nlmportamento sexual é determinada pelos interesses estruturais da
P••vll<'gios exclusivos do homem. ulhara, além do desejo e d·a existência pessoal.

61
I
<'1111111 observamos a questão da variação dos papéis sociais, manter 0 poder no seio da própria família. Cleópat~a é ~filh:::r:~~
p111lrmos também discutir o casamento, que foi no Ocidente a forma ~ de 12 mn·a~os
geraçao . e ela própria casou-se com seu rrmao, q
Ir udidonul c oficial do convívio sexual, da procriação e da transmissão mesmo tempo seu tio. .
do nome e da propriedade. Defendido como valor eterno e imutável,
Há em muitas sociedades regras rígidas sobre .o. incesto _entr~ ?da~
çumo categoria universal, o casamento monogâmico cristão tem ori-
• filha mãe e filho· em outras tal costume é permitido e atel eXIgtt
gem nos primórdios do primeiro milênio. A poligamia é prática c, 'almente
' '
Importa-nos observar que essas 1eiS· e esses regu amen os
comum entre os hebreus antigos; já a tradição dos romanos e gregos soc1 · . . · crenças e .costu-
.~ d' A .cos culturais e condiciOnados a mteresses, .
é monogâmica, sendo mais tarde acentuada pelos bárbaros, pois estava SUO mailll ' , · · J' ~ ' maiS O referendum
mes Hoie o casamento passa por sena cnse. a nao e , 1 o de
mais relacionada à estrutura de poder socioeconômico do que propria- · tiva . Passa a ser nuc elidão
social• J
para a sexualidade nem a ce' lu1a procna
mente à vivência da sexualidade. No confronto das duas culturas o
~nquadramento ideológico e em muitos casos a forma de vencer a so
cristianismo abandona a poligamia hebraica e adota a monogamia
patriarcàl greco-romana. estrutural do mundo mopemo.

Contudo, em algumas sociedades a estrutura e a função do casa-


mento diferem muito. Entre os Nahagar, na Índia, uma adolescente se A formação do patriarcalismo
casa "espiritualmente" com um homem após a primeira menstruação,
recebe um sinal de pertença (um colar) mas não vive com ele. Volta à
casa dos pais, pode ter relações sexuais com vários homens e todos os O mundo patriarcal tem suas origens por volta do oitavo ~ilênio
filhos que tiver serão do seu "marido ritual". A função do casamento . te M e' d'o conhecido como "crescente fértil". A Bíbha relata
a C no O nen I · ~ . . . do
é a de legitimar os filhos e nada mais. Parece-nos que em muitos . ., . A cia dos hebreus diante dos demais povos da regiao, llllCian -
lugares do Brasil há um grande número de convivência marital sem a expelnedn . ~ das "on'gens" do mundo. Hoje todo mundo sabe que
se pe a escnçao . 'fi ~ 'tica
casamento, principalmente em áreas pobres e sem assistência religiosa ~sta linguagem bíblica é mitológica Ae ca~eg_ada de ~Igru c~-~c~ :xu~
ou civil regular. No Caribe, 53% dos nascimentos são "ilegítimos", o Desde as rimeiras narrações do GenesiS ha uma c ara po ~ ,
que demonstra uma relativa recusa ao casamento oficial ocidental. Na implícita :essas lendas: Deus cria a mulher da costela de A~ao, ~~~~
maior parte das sociedades humanas a poligamia é tida como normal e A . e nomeia
d dependencia · o homem "senhor de todas as coisas .. 1 ,
só 16% desses grupos adotam a monogamia. A poliandria, casar-se com . e , ·a conce~ção de Deus é masculinista, uma projeção ma~hista q~e
vários homens, é menos comum mas é também encontrada na África, ·' pr~p~ , . atriarcalismo entre os hebreus. A 1deologta
na Índia e em outras regiões do mundo. Fato curioso é que em quase explic1ta o estagto do P . , " ., da mulher e não
religiosa inverte a realidade, pois e o hom~m qu: ~ai
todas as sociedades do mundo o casamento pode terminar por divórcio esta que "sai" do homem, como relata o mito adarruco.
ou um rito de separação.
O mundo descrito pela Bíblia é o mundo patriarcal, regist:a~o pela
Nesta perspectiva transcultural podemos relacionar outras cu- . . , era outra distinção masculina, como o sacerdocro e as
riosidades: sociedades em que o preço do dote de uma esposa é muito ~:~~s ~;~J:tivas e militares administrativas. Entr~ hebr~us m~lh~:
o_s a
alto, sendo que vários irmãos poupam a quantia necessária para tê-la " .nf . r" ao homem não podendo participar ahvarnen e
como esposa comum; sociedades em que o menino é obrigado a ter a er~ u_~ s~ã~ s:~~ob obediênci~ do marido. A adúltera er_a a~e~rejada,
primeira relação sexual com a mãe. No Egito e entre os incas, os re gtao a ~ . como im ureza. A mulher era discnrrunada e
e a menstruaçao era tida . .p nh F .. entemente se exigia
imperadores ou faraós eram obrigados a casar com suas irmãs, para semi-escravizada pelo marido, pai ou se or. requ

62 63
um dote para que um homém "comprasse" sua esposa. A poligamia era - Não falem nada, senão eles vão fazer uma coisa qualquer para nós.
norma comum, como é o caso de Jacó, ou Israel, um dos grandes O Sol, logo na chegada, disse à Lua: .
-Não estou achando bom mulher tocar jakuí. Isso não pode ficar ass1m.
patriarcas hebreus que, prestando serviços a Labão, resgata pelo seu Depois começaram a conversar sobre a maneira de resolver o caso,
trabalho duas esposas e suas escravas: Lia e Raquel. dizendo o Sol à Lua:
-Vamos fazer um horl-horl [zuni dor] para pôr medo nas mulheres.
Seria muito temeroso investir sobre as causas desse patriarcalismo - Vamos fazer, então, e acabar com isso. Está muito feio assim.
rígido entre os hebreus. É certo que o pastoreio, que é a atividade primária Dito isso, saíram a preparar o horí-horí. Levaram um dia inteiro. Depois
dos hebreus, já é um estágio econômico em que o matriarcalismo de pronto o zunidor, a Lua perguntou quem ia levá-lo contra as mulheres,
primitivo fora vencido e os homens tinham estratificado seu poder sobre para pôr medo nelas.
- Pode deixar que eu levo- disse o Sol. .
as mulheres, usurpando muitas de suas funções pela perda da identidade E passou a se enfeitar com braçadeiras de penas, penachos e outras co1sas.
e da função social primitiva de caçador e coletor que se suprimia com a Depois de se adornar todo, seguiu no rumo das lamuricum~. A Lua ficou
sedentarização. Mas no caso dos hebreus há uru. agravante, pois, com a esperando na aldeia. O Sol, ao se aproximar, começou.a g1rar o eno~e
perda da identidade territorial e freqüentemente dominados e ameaçados horí-horí que ele fez. As mulheres continuavam dançando, mas Já
amedrontadas com a zoada daquela coisa que vinha chegando. Quando
pelas potências de então, eles cristalizam suas instituições básicas fun- viraram os olhos e viram o Sol trazendo e fazendo zoar o seu medonho
damentais, não permitindo sua evolução normal, extratificando o patriar- horí-horí, ficaram apavoradas. A Lua gritou mandando as mulheres se
calismo e outras instituições religiosas de realce. recolherem dentro das casas. Estas na mesma hora largaram tudo e correram
para dentro. Os homens, por sua vez, saíram para fora dando gritos de alegria
e se apoderaram dos jakuí. Vendo o que acontecia, a Lua falou:
Texto complementar - Agora está certo. Os homens é que vão tocar jakul e não as mulheres.
Naquela mesma hora os homens começaram a tocar e a ~ançar no ~ugar
das mulheres. Uma delas, que havia esquecido uma co1sa no me10 da
O mito da luta entre o homem e a mulher pela posse do jakuí (poder): aldeia, pediu, de dentro da casa, que a levassem para ela. Quando viu
isso a Lua falou:
- Agora vai ser sempre assim. Desse jeito é que está certo. Mulher é que
As Iamuricumá tocavam uma flauta chamadajakuí. Tocavam, dançavam
tem de ficar dentro de casa, e não homem. Elas vão ficar fechadas quando
e cantavam todos os dias. De noite, a dança era executada dentro do
os homens dançarem o jakuí. Não podem sair. Não podem ver. As
tapãim [casa das flautas], para que os homens não vissem. As flautas
mulheres não podem ver o horí-horí, também, porque este é o compa-
eram vedadas a eles. Quando a cerimônia era realizada durante o dia,
fora do tapãim, os homens tinham de se fechar dentro de casa. Só as nheiro do jakuí.
Os homens aprenderam tudo que as lamuricumá sabiam: as _música~ do
mulheres se conservavam de fora, tocando, cantando e dançando, e
jaku~ os seus cantos e danças. Primeiro, eram só elas que sab1am. (V11las
sempre enfeitadas com colares, penachos, braçadeiras e outros adornos,
Boas e Villas Boas 1976, pp. 113-115)
hoje próprios dos homens. Quando acontecia de um homem, por descui-
do, ver o jakuí, as mulheres imediatamente o agarravam e o violavam
todas. O Sol e a Lua não sabiam de nada disso, mas da aldeia deles
estavam sempre ouvindo as cantorias e os gritos das lamuricumá. Um
dia a Lua disse que era preciso ir ver o que as lamuricumá estavam
fazendo. Resolveram ir, e foram. Aproximaram-se da aldeia e ficaram
de longe, olhando. A Lua não gostou de ver o movimento das mulheres:
as velhas tocando curutá e dançando, outras tocando o jakuí, e outras
ainda gritando e rindo alto. O Sol e a Lua, para ver melhor, avançaram
mais e entraram na aldeia. As mulheres estavam em festa. Quando o Sol.
e a Lua iam chegando, o chefe delas disse para o seu pessoal:

64 65
I
2
O MODELO PATRIARCAL

Embora a questão do patriarcalismo seja muito complexa e abran-


gente, limitaremos nossa reflexão sobre a origem de sua estruturação no
Ocidente. As três fontes fundamentais desse patriarcalismo ocidental
são, grosso modo, a tradição religiosa e moral hebraica, a cosmovisão e
estrutura social greco-romana e as instituições familiares bárbaras me-
dievais. Sincronizadas entre si, essas três fontes acabam por estruturar
os elementos básicos da cosmovisão cristã, que sobre a sexualidade
possui fortes características negativistas, estóicas e neoplatônicas, como
será visto no capítulo seguinte. Limitar-nos-emas a tentar descrever as
origens e conseqüências do patriarcalismo entre os povos antigos do
Oriente Médio por volta do 511 milênio a.C. e a forma desses caracteres
na sociedade grega.
Em primeiro lugar, a sociedade pastoril hebraica. Povos pastores
e nômades, as tribos hebraicas têm sua origem na Mesopotâmia, da
cidade de Ur, de onde fugiu Abraão, o patriarca primeiro, com sua
família, para a terra de Canaã. O estágio pastoril já marca, na maioria dos
povos da região, a superação do estado primitivo de ·coletores e caçado·

67
res, no qual, como vimos, houve a hegemonia matriarcal, para a Percebemos que as concepções sobre o homem e a mulher oriun-
mania machista. A organização primitiva da sociedade já é controlada n da tradição judaica influenciaram muito a cultura ocidental por meio
pelos homens, e as representações simbólicas, como a religião, já são llo 1 ristianismo. Aqui encontramos o substrato básico ético das concep-
marcadas por essa nítida estrutura de poder. ~ medievais e modernas sobre os dois sexos e sua relação social. Não
11lcmos nunca compreender a extensão do patriarcalismo atual sem
Os hebreus, cuja fonte histórica de conhecimento é a Bíblia, têm preender essas bases históricas de nosso universo de valores e
um Deus concebido como "Homem", senhor e primeiro patriarca, exi· 1 uças. A crítica desses modelos é fator fundamental para a criação de
gente de fidelidade exclusiva e juiz implacável. A mulher é inferiorizada, nuvus formas de compreensão dos papéis sexuais e para a superação
impura, não participa do sacerdócio, exclusivamente masculino, nem h -.sas cristalizações históricas preconceituosas e discriminatórias.
freqüenta o centro do templo. A própria estruturação básica dos
hebreus, jurídico-religiosa, sob Moisés e a experiência do deserto Freqüentemente essas representações simbólicas da sexualidade
entendida como a entrega dos dez· mandamentos, refletem isso. O t.un reforçadas com todo o poder da prescrição religiosa, entre os
último dos mandamentos diz assim: "Não cobiçarás a casa do teu h1 hreus, que era outro privilégio dos homens. As principais concepções
próximo, não desejarás a sua mulher, nem o seu servo, nem a sua serva, lu hraicas da mulher têm raízes nos povos circunvizinhos da Mesopotâ-
nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que pertença a nu.t e das regiões intermediárias do Mediterrâneo, embora em outros
teu próximo" (Ex.20,17). pnvos encontremos melhores condições para a mulher. Para compreen-
&h 1 essas afirmações vamos relatar algumas experiências antigas :
A mulher é tida como "propriedade" do homem e encontra-se no
mesmo estado dos servos e dos bois e jumentos, que eram animais valiosos.
A sanção da lei não é moral, é econômica, sobre a "cobiça da mulher''. A mulher em Creta
Essa concepção marca todo o Antigo Testamento. A mulher é tida
como "auxiliar do homem" em Gn.2,18 e deve permanecer sob seu Talvez a única civilização onde a mulher possuía um grau de
domínio e serviço. No mito de Adão, a maldição de Deus retrata a 1 ualdade com os homens. Na ilha de Creta floresceu uma das civiliza-
condição da mulher: "Teu marido te dominará" (Gn.3,18). \ ocs que deram origem aos gregos. Ali havia o culto da " Deusa-Mãe",
uma espécie de politeísmo matriarcal, marcado pelos ritos de louvor à
Há nítido privilégio na educação dos meninos, e a submissão, a 11-cundidade da agricultura. As mulheres eram sacerdotisas elegantemen-
contenção e a obediência são as "virtudes" da mulher ideal, como vemos t,. vestidas, e a vida social era marcada pelo lúdico: festas, jogos e danças.
em muitos textos bíblicos. O matrimônio em Israel não é de ordem
religiosa ou jurídica, é um contrato familiar entre senhores, e a mulher
possuía um preço, que posteriormente se transformou em dote. Tudo se As sacerdotisas de Astarté
arranjava sem ouvir a moça, era um negócio entre os pais, entre homens.
Depois que o homem pagava o "preço da noiva" ela era sua propriedade,
e ele, o seu dono. O marido devia sustentar a esposa e o fim imediato do As chamadas sacerdotisas de Astarté eram mulheres jovens que
casamento era gerar filhos, que eram tidos como bênção de Deus e sinais .aguardavam os guerreiros fenícios após as longas viagens. O culto à
de riqueza e abundância. A poligamia era regra comum, o incesto fertilidade consistia em festas sexuais públicas com caráter religioso,
proibido, e havia severas leis de normatização sexual. · ' t•xtremamente atraentes também entre outros povos vizinhos.

68 69
I
O patriarcalismo grego rudes do esporte, gosto pelos perfulnes e pelos adornos, lassidão...
(malakia)- não designarão forçosamente aquele que será chamado no
século XIX "o invertido", mas aquele que se deixa levar pelos prazeres
que o atraem: ele é submisso aos próprios apetites assim como ao~ dos
Para entender todo o complexo de valores, significações e outros. Face a um rapaz muito afetado Diógenes se zanga; mas ele constdera
da questão sexual entre os gregos teríamos que reportar nec:es!iari que esse porte feminino pode trair tanto o seu gosto pelas mulheres como
a Foucault. Contudo, nosso objetivo é bem mais simples... Se mcllC<ilrnQ pelos homens. O que constitui, para os gregos, a negativid~de ética ~r
excelência não é, evidentemente, amaros dois sexos; também nao o é prefenr
Foucault é muito mais pela paixão e maestria com que trata a questão seu próprio sexo ao outro; é ser passivo em relação aos prazeres.
sexualidade do que pelo propósito pedagógico que nos interessa.

Os gregos são os baluartes da civilização ocidental. A A passividade com relação ao sexo é que é para estes a aproxima-
está em sua cultura misturada com seus deuses, sua religião e ao do "feminino" e a perda da qualidade distintiva de macho. O grego
conhecimentos. É muito comum hoje. afirmações de que entre os lrm o orgulho como norma de autoconcepção. O casamento é um
a homossexualidade era tida como normal. Isso não é totalmente untrato entre senhores, à semelhança dos hebreus, e envolve o nome de
reto, visto que a sexualidade grega envolvia a submissão da mulher, f•mnia, que é transmitido pelo mesmo na procriação. De modo al~m
exclusividade dos homens nos jogos e nas festas, na vida militar e aUJuuur~ ktSlia exigência de fidelidade conjugal. O casamento e as relaçoes
trativa. Mas a questão das relações homossexuais entre os gregos deve rx.uais com a esposa eram um dever social, regulado por normas e
entendida em outra chave, não a que divide os sexos opostos, mas a rrcscrições. A mulher pertencia ao marido e estava proibida de outr~s
de passividade e atividade nos atos que envolvem o sexo, assim como rrlações sexuais, mas o marido era livre e senhor de sua conduta, nao
a vida social grega. Foucault (op. cit., p. 79) magistralmente define isto: havia sanções sociais que o impedissem de ter outras relações ~et~ro e
humossexuais fora da sua casa. O casamento era fim econollllCO e
Numa experiência da sexualidade como a nossa, onde uma cesura Instância de legitimação dos herdeiros e com estes o nome, o status e a
fundamental opõe o masculino e o feminino, a feminidade do homem é pwpriedade. Não há um rígido controle moral além disso. Assim descre-
percebida na transgressão efetiva ou virtual de seu papel sexual. Nin- vr Foucault o marido grego:
guém será tentado a dizer de um homem, cujo amor às mulheres o leva
ao excesso, que ele seja efeminado - a não ser operando sobre o seu
desejo todo um trabalho de decifração e desentocando "a homossexua- [A] Ele próprio, enquanto homem casado, sól~e ~ proibidocont.~ir~utro
lidade latente" que habita em segredo sua relação instável e multiplicada casamento; nenhuma relação sexual lhe é protbtda em consequencta do
com as mulheres. Ao contrário, para os gregos, é a oposição entre vínculo matrimonial que contraiu; ele pode ter uma ligação, pode fre-
atividade e passividade que é essencial e marca tanto o domínio dos qüentar prostitutas, pode ser amante de wn rapaz- sem contar os escravos,
comportamentos sexuais como o das atitudes morais; vê-se, então, por homens ou mulheres que tem em sua casa, à sua disposição. (op. ciJ., p. 132}
que um homem pode preferir os amores masculinos sem que ninguém
sonhe em suspeitá-lo de feminidade, desde que ele seja ativo na relação
sexual e ativo no domínio de si; em troca, um homem que não é Deste modo vemos que muito de nossa tradição marital tem raízes
suficientemente dono de seus prazeres - pouco importa a escolha de se bem que por caminhos históricos controversos, como posteriormente
objeto que faça- é considerado como "feminino". A linha de demar- 11(' verá com austera moral cristã- no modelo grego de matrimônio. O homem
cação entre um homem viril e um homem efeminado não coincide com rulo está ligado ou comprometido com a mulher pelo casamento. A categoria
a nossa oposição entre hetero e homossexualidade; ela também não se
reduz à oposição entre homossexualidade ativa e passiva. Ela marca a
1lc esposa é uma categoria de submissão. O marido tem ~e r sobre. e~a.
diferença de atitude em relação aos prazeres; e os signos tradicionais 1Jma mulher que tivesse sido cortejada por outro homem tena uma puruçao
dessa feminidade- preguiça, indolência, recusa das atividades um tanto 11gorosa, pois seria um atentado à honra de seu marido e senhor.

70 71
I
<>ideal para a mulher é permanecer em casa, conter-s~ sexualmen· De suas pequenas
h', tll11gir a casa e prover o marido docilmente em todos os seus gostos Helenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
c qm•tcrcs. O marido é o senhor da esposa e dos filhos, o chefe da casa Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas
c t~ll!'. escravos, e faz tudo para exercer ativamente seu poder, que Elas não têm gosto ou vontade
estunulado e esperado dele socialmente. A mulher é a "dona obediente Nem defeito nem qualidade
da ~sa", e o marido, chefe da família, lhe dá o status de esposa, quo Têm medo apenas
Não têm sonhos, só têm presságios
contem o nome, a casa, a organização dos bens, sem contudo ser exigida
O seu homem, mares, naufrágios
dele a fidelidade conjugal. É interessante aqui lembrar o retrato das Lindas sirenas
"mulheres de Atenas" na música de Chico Buarque, na qual o compositor Morenas
canta. o retrato da mulher grega com o objetivo de instigar a mulher a Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Temem por seus maridos, heróis e amantes de Atenas
refletu sobre essa condição hoje e transformá-la.
As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cenas
Mulheres de Atenas Vestem-se de negro, se encolhem
Se conformam e se recolhem
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Às suas novenas,
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Serenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos, orgulho e raça de Atenas
Quando amadas, se perfumam Secam por seus maridos, orgulho e raça de Atenas.
Se banham com leite, se arrumam (Chico Buarque e Augusto Boal)
Suas melenas
Quando fustigadas não choram,
Se ajoelham, pedem, imploram
Aristóteles parece ser o primeiro grande teórico que se dedicou ao
Mais duras penas, estudo das relações entre os sexos. Descreve o acasalamento dos animais
Cadenas c do homem. Mas nos interessa aqui sua doutrina sobre a associação entre
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas homem e mulher, que se encontra em seu livro Ética a Nicômaco, que
Sofrem por seus maridos, poder e força de Atenas
tanta influência teve em São Tomás e todas as concepções medievais.
Quando eles embarcam, soldados
Elas tecem longos bordados Surge a concepção de uma complementaridade sexual "natural":
Mil quarentenas
E quando eles voltam sedentos
E foi para melhor viver que a natureza dispôs, como fez, o homem e a
Querem arrancar, violentos
mulher. O primeiro é forte, o segundo contido pelo temor; um encontra
Carícias plenas
sua saúde no movimento, o outro é inclinado a levar uma vida sedentária;
Obscenas
um traz os bens para casa, o outro vela sobre o que aí está, um alimenta
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
os filhos, o outro os educa. (Foucault, op. cit., p. 157)
Despem-se pros maridos, bravos guerreiros de Atenas
Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar o carinho
De outras falenas
Com o mito da complementaridade "natural" entre os sexos,
Mas no fim da noite, aos pedaços Aristóteles justifica e legitima a forma patriarcal do domínio da mulher
Quase sempre voltam pros braços c as estruturas básicas de sustentação da aristocracia grega.

72 73
I
Mais do que homossexualidade é mais próprio definir uma bisse- pescarias, jogos; freqüenta bares e prostitutas, programas de toda espécie.
xuulidade entre os gregos. Amar a mulher e rapazes era prática comum Com a mulher tem uma relação de domínio e poder, mantendo-a em
c livre, admitida pela opinião social e estimulada por instituições peda- cativeiro doméstico ou na ostentação social de sua presa fálica. Nos
gógicas, militares e religiosas. Não havia opinião e exclusividade entre cfrculos de amigos, zomba e ridiculariza a mulher, tem sempre uma ''boa"
os sexos. O bom jovem era o que se dedicava ao prazer de uma forma contra o feminismo e os "bichas". Despreza o homem que assume a
pansexual, tanto com os paidikas (rapazes) como com as mulheres, que "condição feminina", pois esta é para ele a abominação e a inferiorização
logicamente não eram as destinadas ao casamento aristocrático. Entre- máxima. É decadência qualitativa. Isso tudo, é claro, não é feito d~ modo
gues aos amores com o mesmo sexo, os jovens gregos abandonavam esta consciente, há absolutamente pronto um processo ideológico de construção
espécie de "amizade" com a vida mais adulta para um novo conceito de do machismo. Em outros níveis torna-se violento. Reprime e controla a
amor: Eros, onde entravam os componentes de honra e poder, além do mulher, bate e mata.
puro deleite.
Só confia em homens, pois estes possuem o sexo que ele próprio
Mas não podemos deixar de dizer que entre os gregos havia toda ostenta· ridiculariza a mulher que dirige no trânsito e sempre desconfia
uma "sabedoria", uma ciência sobre o amor dos rapazes, normas de das m~lheres que se encontram em alguns postos proeminentes. Quer
cortejo, amor, sedução, comportamento e assédio. As virtudes e a honra do transar todas as mulheres, mas acha que o mundo anda desgovernado,
rapaz estão presentes na educação sistemática e são objetos de uma lenta não há mais "moral". Para casar, ainda prefere que a esposa seja virgem...
prescrição de comportamentos. Já sobre o amor feminino, sem cortejo,
figura ideal e assédio, há um relativo silêncio, próprio de um sistema que se Poderia estender ainda mais o retrato do machista. E afirmar
baseia no exacerbado culto do homem e seu phalós. que o machismo é uma forma sublimada de h.omoss~~ualida.de, pois
o machista procura a si mesmo, tem como objeto erohco a figura de
seu próprio sexo e de seus semelhantes. Discrimina e despreza a
mulher e a condição feminina, não admitindo a igualdade dos sexos
Machismo e homossexualidade ou a construção social e histórica desses papéis sexuais. Tem u~a
forma muito pobre de relacionar-se com o mundo e nunca descobnu
dialogicamente a mulher, embora tenha " possuído" muitas destas, que
Freqüentemente relacionamos as formas de expressão do machis-
mo com violência. E realmente, na maior parte das vezes, o machista é
violento, dominador e grotesco. Há ainda o machismo encalacrado nas /
---------------- ---------------
inconscientemente despreza.
~
A estrutura. familiar pa.t~arcal reforça o machismo desd,e a infân~ \
instituições familiares, nos valores, nas concepções de poder, na divisão cia. Educa o meruno para eXIbrr seu sexo, gostar dele, ostenta-lo orgu
d~s comp~rtamentos, nas cores e na distribuição dos brinquedos às lhosamente, como vemos nas rodas familiare~, .num ~tido narcisismo \
cnanças. E o patriarcalismo extratificado em todos os segmentos de fálico. Já com relação à menina dá-se o contrano; obnga-a a esconder
nossa cultura. seu sexo, mantê-lo misterioso, a não ter uma relação afetiva com s~a
identidade sexual. Para um, o modelo estimula e incentiva toda expressao
Mas nos interessa aqui abrir uma reflexão que venha a relativizar
historicamente os que ingênua ou patologicamente afirmam a "naturali-
dade" do machismo e ostentam todo desprezo e aversão à mulher. Pois
----
sexual; ara o outro, o domínio, a reclusão e a ree_ressão.
Se não colocarmos em questão esses estereótipos já prontos e
o mac~sta é aquele que ama a si mesmo, cultua seu próprio sexo e o de definidos nunca .faremos uma real reeducação sexual. Creio mesmo que
seus semelhantes. Faz-se cercar de homens, com estes promove caçadas, a co"rrente do sistema convencional tem um apelo irresistível a continuar-

74 75
--
mos ~epetindo as mesmas estruturas machlstas e repressoras. 1-\c:ao:ama Não se pode dizer que há um " tipo" acabado e pronto homossexual
repelmdo a matriz que se dá no nível da macroestrutura social em r um "tipo" heterossexual. Na realidade, o que existe são pessoas que
prevalecem o poder, a dominação, a violência e a expropriação.
po-;suem um comportamento sexual de busca erótica e de compensação
É preciso tentar explicitar novas formas de relação entre os 1111 prazer com pessoas do mesmo sexo, e outras que se pautam pelo
dentro de novas formas de relações sociais. E este é O-lllomento m<>delo tradicional exigido pela educação social enquadradora e formal .
e?ucarmos a pessoa como sujeito de si, caim_z de reconhecer-se como
É mais correto afirmar, portanto, que existem formas de compor-
dt~nle d~ responsabilidade de sua existência e dos cOiiffi os sociais
t.unento homossexual. Como já vimos, essas formas são variáveis e
CUJa realidade participa sem opção. Não se trata, portanto, de ser a
muitas vezes camufladas: há a convivência homossexual do machismo
ou contra a "sexualidade" antes ou depois cÍo casamento; não se trata
patriarcal que se autoprojeta sublimado e na realidade; há a homoss~xua­
regular a freqüência sexual, dominar tecnjgmente a questão. Trata-se de
lidade transitória no processo adolescente de descoberta da sexualidade
t~an~f?rm~ o postulado b~sico: a pessoa humana, Grtegrada, rica em ucsta sociedade repressora e patriarcal. Nos EUA são estes os dados:
sxgmficaçoes, ~a qual a pruxão, o desejo e.-a.sexuali~roemi·
ne~t~s c~mo .dun~nsão existencial. Educar para a responsabilidade da
~xtstencta, ~· rnse~da ~est~, a dimensão de responsabilidade pela sexua- • 37% dos homens são homossexuais durante uma fase da vida.
lidade, que.~ a ?Iaxs m1stenosa expressão do "eu" e a mais compromete- • 4% dos homens brancos no Ocidente são exclusivamente ho-
dora expenencta do "outro", que é todo o mundo circundante.

Sobre a que~tão da homossexualidade sabemos muito pouco.


-
Talv.e~ os pre~oncextos e toda a discriminação que envolvem o assunto
mossexuais.
• 60% dos homens já tiveram alguma forma de experiência
homossexual.
• 3% das mulheres são exclusivamente homossexuais.
expli:x~em ,maJs ~ que não é a homossexualidade do que propriamente 0 • 40% das mulheres já tiveram alguma experiência homossexual
contrano. E relativamente recente um discurso positivo sobre o movi-
mento homossexual. durante sua adolescência.

Primeiro porque é muito difícil definir tanto a heterossexualidade Outro mito é que esteja a homossexualidade aumentando na
como ~ homos~e~alidade. Entram elementos de ordem biológica, psi- sociedade industrial moderna. O que se pode dizer é que, embora
c~ssoctal e su~Jehva que fazem escapar qualquer rigorismo nas afirma- permaneçam muitos mecanismos de repressão e d!scriminação, há toda-
çoes. T~dos nos somos ?~.complexo de energias, forças e impulsos que via maior espaço para a expressão da homossexualidade do que em outras
tem mUito pouco de deftmtivo e acabado. Definir alguém como "homos-
cpocas, em que era amaldiçoada e proscrita. Assim, m~ior número de
sexual" ou " heterossexual" é bastante arbitrário e freqüentemente se pessoas sentem-se encorajadas a viver sua homossexualidade. J?esde a
pauta pelo preconceito.
Antiguidade a homossexualidade existe e é, de certo mod?, maxs com-
A pala":a "homossexual" quer dizer aquele que tem preferência, batida ou incentivada, como pudemos ver entre os gregos. Vanam de cultura
qu~ a~a, adlOlra, tem como objeto erótico de satisfação os seres de seu para cultura os conceitos e comporta.tl].entos tidos como homossexuais. ~ão
pr~pno _sexo._J~ a palavra "heterossexual" quer dizer: "aquele que busca é, portanto, um fenômeno recente, podendo até ~er ~ncontrad~ e~tre as tnbos
satisfaçao erotJca em pessoas de sexo diverso ao seu". A raiz desses mdígenas do Brasil ou entre os aborígenes da Africa ou da Asta.
~.er:nosé grega: ho'!lo quer dizer "igual, mesmo", e hetero significa
A homossexualidade não tem relação com o tipo físico. Pesquisas
diferente, o outro" etc.
recentes mostram que os homossexuais não diferem fisicamente dos

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7"'
\
heterossexuais, sendo que os caracteres tidos como "afeminados" para o
homem e de " mulher-macho" para a mulher são categorias e variáveis
ocasionais, que a rigor não determinam ou detectam a homossexualidade
da pessoa. Na maior parte das vezes os desajustes de comportamento dos
homossexuais, exibicionismo, imaturidade ou a própria violência, são
reações às formas de discriminação e preconceito com que a sociedade
e a família tratam a sua condição:

• preconceito de que a homossexualidade seja uma perversão


patológica.
• de que os homossexuais sejam violentos e apresentem distúr-
bios emocionais.
• de que os homossexuais sejam anormais.
• de que a homossexualidade seja " reversível".
3 ,
A SEXUALIDADE PROSCRITA NA IDADE MEDIA
Ora, sabemos que a constituição da sexualidade tem raízes no
contínuo biológico e no enquadramento social-histórico; continua, con-
tudo, como uma diversão de foro íntimo e pessoal, sem possuirmos
muitos critérios de definição ou valoração sobre a mesma. Não se trata, O terceiro grande modelo valorativo da sexualidade _tem o~i~e~
portanto, de educar para a repressão, para a reversão ou para a camufla- no sistema de relações e de significações que se constr~I~ n~ Iru~IO
gem da homossexualidade. Trata-se, outrossim, de educar para que a da era cristã. O próprio cristianismo, nascido na tradiçao JUda~ca
pessoa humana conheça seus próprios desejos e viva a sua sexualidade, · ·ti·v a , ao expandir-se pelo mundo grego .sofre
pnmi . transformaçoes
. d
seja hetero ou homossexualmente, de maneira gratificante e realizadora. radicais em seu substrato origin al e se constitui com~ ~Istema e
Todavia, não se pode prescindir da longa tradição preconceituosa · nif"1caç0- es e ideologia capaz de acelerar_ as contradiçoes
s1g R que
1 AJ"
se
que existe em nossa cultura. É preciso que o homossexual seja educado faziam presentes no centro do mundo de entao: a grande orna. I o
para a devida consideração dos mecanismos dessa repressão, quer para cristianismo terá seu canteiro próprio, a princípio nas catacumbas e n_a
evitar possíveis traumas e crises como para fazer a crítica desses meca- boca dos pobres como ideologia revolucionár~a, pois pregava aos opn-
nismos e colocar-se politicamente em marcha por uma nova compreen- midos a libertação de um Deus-Homem heróico e reparador do_s ~eca­
são da sexualidade em geral e da homossexualidade em questão. dos; pregava a distribuição dos bens, numa espécie de s~c1alismo
· ·ti·v 0 , e negava 0 poder divino. do imperador
pnmi ", . dessacrahzando
nh , o
panteão romano com a figura de Cnsto, o uruco Se or ·
De ideologia revolucionária, e num processo comp~exo, o cristia-
nismo passa a "religião oficial do Império" sob Const~ntmo, no s~c~l.~
rv. Esse processo político coincide com a lent~ fusao das t_radaç~cs
judaicas básicas e todo o substrato cultural de entao que se sedamcntara

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79
I
Quando um homem tiver tomado uma mulher e consumado o matrimô-
11.1 t111!11rn greco-romana. O cristianismo perde cada vez mais seu peso nio mas esta logo depois não encontra mais graça a seus olhos, porque
polllll'O c passa a ser uma ideologia universalista e moralista, a supra-es- viu' nela algo de inconveniente, ele lhe escreverá en.tão uma ata de
lr 11111111 hr brida que construirá o imaginário social medieval. É uma divórcio e a entregará, deixando-a sair de sua casa em liberdade. Tendo
lll..,lllovisão de tamanha força que será capaz de enquadrar os bárbaros saído de sua casa se ela começa a pertencer a um outro, e se também
este a repudia, e lhe escreve e entrega em mãos uma ata de divórcio: e a
l' ... ubsislir como síntese histórica de maior alcance cronológico do deixa ir de sua casa em liberdade (ou se este outro homem que a tmha
( kidenle. E de modo privilegiado destacaremos como o patriarcalismo esposado vem a morrer), o primeiro marido que a tin~a repud.iado n~o
hebraico e o falocratismo grego fundem-se no clericalismo cristão feudal, poderá retomá-la como esposa, após ela ter-se :ornado t~pura: tsso sena.
conservando elementos como a submissão e a desvalorização da mulher, um ato abominável diante de Iahweh. E tu nao devenas fazer pecar a
a repressão sexual, o sistema de culpas e controle sexual, a regulamen- terra que Iahweh teu Deus te dará como herança.

tação da conduta sexual e os mecanismos de representação simbólica


negativa dessa sexualidade enquadrada de maneira reprimida. Não nos As mulheres não podiam pedir o divórcio em nenhuma hipótese,
importa muito como historicamente isso se dá, visto que a sociedade feudal . e eram apedrej adas.se fossem flagradas em adultério. Se o ~a rido morria,
não é homogênea, mas sim os elementos dessa grade de representação da 0
irmão era obrigado a casar com a viúva e a sustentar os filhos. Isto era
sexualidade e a lenta difusão desses elementos até nossos dias. conhecido como levirato.
Encontramos ainda normas reprimindo a homossexualidade (Lv.
22, 20, Gn.9, 21, o travestismo), (Dt. 32, 5, a prostituição), (Dt. 23, 17 e
A sexualidade na Bíblia a bestialidade Lv. 18, 23).
A menstruação é tida como impureza da mulher (Lv. 15, 19-23) e
se punia com a morte a mulher e o parceiro que mantivessem :elações
A Bíblia é um conjunto de livros históricos, livros de contos, cartas sexuais durante o fluxo menstrual (Lv. 20, 18). O parto tambem gera
e cânticos do povo hebreu que tem uma longa etapa de compilação a impureza e obriga a mulher a um recolhimento e banh? de PU:eza .. ~ão
partir do ano 2000 a.C. Retrata em diversos momentos as etapas do povo impuros a polução noturna e o ato conjugal (Lv. 15,18). O mcesto e pro1b1do
de Israel e sua experiência religiosa monoteísta e única. Com o cristia- (Lv. 18), mas se sabe que existiam exceções como em Gn. 20, 12.
nismo no Ocidente a Bíblia passou a ser o livro sagrado de quase todas 0 livro de Tobias e o Cântico dos Cânticos retratam uma sexualidade
as religiões, e seu conteúdo é o substrato inconsciente de todos os grandes poética, romântica e positiva, dentro dos limites da religiosidade hebraica.
movimentos histórico-ocidentais.
A circuncisão, presente em muitas tribos africanas, era a distinção
Também não nos importa alongar esta questão, mas sim explicitar religiosa do bebreu. A sexualidade e a fecundidade do varão eram provas
que o povo hebreu viveu, e a Bíblia é a fonte histórica disto, experiências das bênçãos de Deus, e o falo, o sinete de sua pertença e escolh~. O
similares aos povos vizinhos do Oriente Médio, possuindo estruturas, patriarcalismo religioso hebraico é um dos mais rígidos do mundo anugo:
valores e compreensão de mundo semelhantes, que freqüentemente
aproximavam esses povos num longo processo de aculturação. Deus disse a Abraão: "Quanto a ti, tu observarás a minha aliança, tu e
tua raça depois de ti, de geração em geração. E eis a ~inha aliança, que
O Antigo Testamento admite a poligamia como norma básica; o será observada entre mim e vós, isto é, tua raça depots de tt: que todos
divórcio era um privilégio dos homens que podiam repudiar suas mulhe- os vossos machos sejam circuncida~os. Fareis circuncidar a carne de
vosso prepúcio, e este será o sinal da aliança entre mim e vós. Quando
res como vemos em Dt. 24,1:

HI
HO
completarem oito dias, todos os vossos machos serão circuncidados, de
gerução em geração. Tanto o nascido em casa quanto o comprado por Mas, sobretudo, é de fundamental importância compr~ender que
dinheiro a algum estrangeiro que não é de tua raça, deverão ser circun- "· rigorismo moral sobre a sexualidade é reforçado a p~rr .da .lenta
cidados o que for nascido em casa e o que for comprado por dinheiro.
nlluência e incorporação da moral e da filosofia ?agã ao cnstia~~mo,
Minha aliança estará marcada na vossa carne como uma aliança perpétua.
O incircunciso, o macho cuja carne do prepúcio não tiver sido cortada, , dentro desta, a lenta assimilação do neo~latomsmo e do. e~tOiciSI~lO
esta vida será eliminada de sua parentela: ele violou minha aliança." Indi vidualista ascético e negativista. O estudiOso da.moral cnsta MarCia-
nu Vidal (1979, p. 317) assim nos retrata esse movtmento:
. O Novo Testamento é o lugar sobretudo da doutrina de Paulo,
JUdeu-grego convertido ao cristianismo tão pouco compreendido A moral sexual cristã recebeu do estoicismo seu ascetismo e r~goro~id~­
de e uma orientação unilateral no sentido da procriação. A mfluenc1a
nosso tempo. A doutrina cristã sobre a sexualidade está ampl
ne~platônica se percebe na compreensão dualista de alma-corpo. e. n~s
fundamentada em Paulo e depois na longa tradição parenética, que prevenções diante da "matéria" (corpo) entendida como sombra e lntml-
construiu com a patrística. · ga do espírito.

Paulo condena a homossexualidade, o adultério, a fornicação e


prostituição, além de pregar abertamente a indissolubilidade do mal Para Santo Agostinho, que carrega em sua doutrina um forte
mônio, sedimentando para tanto fortes razões teológicas. Propõe ucento maniqueísta, e cuja obra resume toda a moral sexual dos Santos
ideal de mulher submissa, obediente ao marido e parece louvar a Padres, a sexualidade é uma qualidade má, fruto do "pecado~' do ho~em,
celibatária. Esses preceitos sexuais paulinos refletem a "pureza" 11 casamento tem o fim único de procriação e todo ato sexual e .pe~oso

cristão diante dos "pagãos" da época, e são, para Paulo, muito mais fora desse propósito. Muito mais tarde, ao tentar co~gir. a hipo~nsta e a
instrumento de pregação do que dogmas acabados, posteriormente cris decadência da moral cristã medieval, Lutero encontrara aqm novo vtgorp~a
talizados pelo magistério da Igreja. construir sua moral procriativa protestante, tão a gosto d~ m~do burgues
que se construía então sobre as bases carcomidas do medievalismo.
A patrística é outra fonte da moral sexual primitiva. Nos ensina·
mentos dos Santos Padres da Igreja começa a tomar corpo uma moral A Idade Média constrói uma visão extremamente negativa da
sexual rígida e profundamente negativa, com as características de exal- sexualidade. A princípio, a Igreja enquadra a nobreza feudal, da ~ual el~
tação da continência do celibato e repulsão de todo sexo, submissão da fazia parte, num rígido moralismo religioso em que a ~exualtdade e
mulher e do corpo. Aparece o ideal da virgindade, como forma de carregada com todas as conotações das culturas que estao na base da
identidade cristã, de "pureza" e distinção vocacional. A condenação do tradição cristã:
adultério e a proibição do divórcio, antes praticado por todas as socieda-
des pagãs, também são renovadas.
• o patriarcalismo, a exaltação do poder do homem hebreu.
É difícil interpretar o rigor da moral sexual cristã primitiva. • o dualismo platônico idealista e místico.
Possivelmente tal rigorismo seja a forma de identidade cristã ante a • o estoicismo morai que negava a matéria e o prazer como
extrema liberdade sexual dos povos pagãos da época, que pouco a pouco intrinsecamente "maus".
• 0 maniqueísmo agostiniano que vê na sexualidade a fonte de todos
"convertiam-se", ou eram enquadrados, à moral cristã. Basta perceber
que a virgindade, ao lado do mistério, era o modelo prototípico de os pecados, o pecado original conseqüente da "queda" ~e Adão.
consagração e de identidade cristã. · • o lento enquadramento dos agentes religiosos no celibato e o
ideal de virgindade.

R2
83
I
I ) flt•galtvismo de Agostinho vai mais longe. Condenando a sexua-
Algumas seitas dessa época vão ainda mais longe na ~ndenação
lld.uk .1tc mesmo no matrimônio, chega a estruturar um conceito subli-
lll.ldo de amor no casamento: de sexo em todas as suas formas, inclusive no casamento. Os cataras, um
grupo moralista e rígido, afirmaram que todo prazer carnal é pecaminos_o,
o casamento é o exercício de um meretrício demoníaco e toda concepçao
No verdadeiro matrimônio, apesar dos anos, embora murchem o viço e
é um ato do demônio, pois traz ao mundo humano desprezível, ao corpo
o ardor da idade florida, entre o homem sempre reina a ordem da caridade
e d? afeto ~ue vincula fortemente o marido e a esposa, os quais, quanto humano pecaminoso, uma "alma" pura que estava junto de Deus.
ma1s perfeitos forem, tanto mais madura e prudentemente, e de comum
acordo, começam a se abster do comércio carnal. (Vida!, op. cit. , p. 321) São Jerônimo (século IV) é antifeminista e defensor do celibato,
associado ao ideal de virgindade. Para sua sexofobia maniqueísta a
mulher é " instrumento do demônio" para corromper os homens puros; o
A moral sexual de Agostinho, que foi a base doutrinária da moral casamento uma falha humana leve de não-continência; e o ideal celiba-
cristã, é, portanto, extremamente rígida e negativa da sexualidade. Es- tário, a pl:na realização do homem cristão. Essa doutrina ~nfluencio~
creve argumentos condenatórios contra a anticoncepção com drogas ou muito a Igreja primitiva e a sociedade medieval, mas o cehbato só fm
com a interrupção do ato, bem como condena as relações anais ou a oficializado em 1139 no II Concílio de Latrão.
fel ação.
Apesar do rigorismo moral oficial e da lenta estrutu~ação de
Para ele, o único meio de justificar a sexualidade é a procriação e mecanismos controladores da sexualidade, a Igreja não consegUia enqua-
esses gestos e atitudes vão contra essa natureza. Condena até a continên- drar todos os segmentos sociais, principalmente o povo, a plebe rural e
cia de relações no período fértil da mulher, pois é "atentar contra o fim urbana em seus preceitos. O medo, a condenação do Inferno e as
natural do sexo".
devoçÕes populares são esses mecanismos, mas o mais eficaz de todos
Outros padres da época de Agostinho acrescentam ao rigorismo foi a confissão. A partir do século XII a confissão começa a ter .uma
de sua moral a proibição de familiaridades com mulheres, as conversas função social profunda, a princípio entre as classes pobres e de~o~s da
"luxuriosas" e obscenas, a fornicação nos banhos públicos. Tertuliano, Contra-Reforma no meio do povo, através das inúmeras ordens religiosas
que é do século III, condena todo adorno corporal e toda maquiagem das missionárias.
mulheres, para que estas "não sejam causa de tentação para si mesmas e Às vésperas da Reforma Luterana o modelo sexual rígido, ~os
escândalo para as outras, pois pintar os cabelos de vermelho é antecipar padres da Igreja está em decadência, como podemos notar por vanos
o fogo do inferno".
textos que estudam essa época:
Outros tratados de moral sexual estabelecem a conduta dos padres,
que na época eram casados, aconselham a virgindade e o ideal celibatário, Em grande parte, esse quadro negativo no final da cristandade medie-
condenam o prazer e regulam as relações conjugais. val era devido às fa lhas na estrutura eclesiástica, sobretudo no compor-
tamento do alto e baixo clero. Aí vamos encontrar as raízes da
ignorância popular, do mundo supersticioso, da exploração da fantas-
Dos séculos VI ao XII faz-se o lento enquadramento dos povos
magoria diabólica .
bárbaros nessa moral sexual cristã. A sexualidade não é considerada Começando pela alta cúpula da Igreja, muitos papas d~e fi~al de lda~e
como uma dimensão positiva, capaz de ser fonte de valores humanos ou Média e Renascimento escreveram página negra da H1stóna da IgreJa.
religiosos. Cada vez mais avolumam-se os preceitos e dogmas represso- Fato por demais sabido para que precisemos salientar_ aqui. .Permito-me
res e normatizadores da sexualidade procriativa e matrimo.nial. reproduzir um trecho do discurso de Savanarola, mcenuvando C!.Sil
prostituição romana no tempo do pontificado de Alexandre VI:

84
85
"Venha cá, Igreja infame, escuta o que te diz o Senhor. Dei-te essas belas donado. Uma estatística fala , por exemplo, que 23% do clero de Angers
vestes e tu fizeste delas ídolos. Com teus vasos de valor, nutriste teu fazia no começo do século XV cursos na Universidade, longe de seus
orgulho. Profanaste os sacramentos pela simonia. Tua luxúria fez de fiéis. Em Sens, no final do mesmo século, 50% a 60% do clero estava
ti uma fi lha de alegria desfigurada. És pior que um animal, és um ausente. E assim poderíamos aduzir outros dados. (idem, ibidem, p. 36)
monstro abominável. Outrora pelo menos, se os sacerdotes tinham
filhos, eles os chamavam de sobrinhos. Agora, não se tem mais
sobrinhos, tem-se filhos, simplesmente filhos. Construíste uma casa Contudo, na Idade Média, podemos dizer que não havia ainda um
de prostituição, transformaste-te de alto a baixo em casa infame. Que controle total da sexualidade. Entre as classes populares proliferavam as
faz ela, a mulher da rua? Assentada no trono de Salomão, faz sinais relações primárias, comunitárias. As casas não tinham quartos sepatados
a todos os transeuntes. Todo aquele que tem prata entra e faz tudo
que lhe agrada. Mas quem quer o bem, é lançado fora. Assim é, Igreja
entre homens e mulheres. A linguagem da sexualidade era rica e picante,
prostituída, tu revelaste tua vergonha diante dos olhos do mundo músicas, piadas, formas de expressão. Todo o esforço da Igreja não fora
inteiro." (Libânio 1983, p. 33) capaz de enquadrar o materialismo das camadas populares. Sexo com
arrimais, sexo entre clérigos, tudo isso era proibido e praticado. Dizia-se
que se uma moça passasse na sombra de um convento engravidava. É
O estudioso sacerdote J.B. Libânio ainda acrescenta outros
conhecida a obra de Boccacio sobre o erotismo popular medieval, em
dados sobre a época, que confirmam, de um modo geral, a crise e a
decadência moral dos pressupostos patrióticos sobre a sexualidade do nosso tempo imortalizado pela câmera de Pasolini.
clero católico: Eram ainda comuns entre os povos os banhos públicos e a nudez.
Só com a espiritualização crescente pregada pelas ordens, com o enqua-
Ao lado de lastimável ignorância, o clero mostrava sinais de decadência dramento da doutrina pelo catecismo, com o ideal de "cavalheiro" que
moral. O concubinato, seja sob a forma mais digna de viver maritalmente se estruturava nos romances como Tristão e !solda, na continência do
com uma única mulher a que se permanecia fiel, seja sob a forma de cavalheiro que luta por uma dama e uma cama, é que esse imaginário
dissolução desregrada, aparece como uma das pechas atribuídas freqüen-
temente ao clero dessa época. Evidentemente certos depoimentos tendem social mais livre vai se perdendo. Sobretudo depois de Trento a sexuali-
a exagerar, com finalid ades moralizantes ou mesmo difamantes. J. dade popular é fortemente enquadrada sob o modelo de condenação no
Delumeau crê que se pode avançar como probabilidade dados como inferno. A figura do inferno é sempre temerosa para o povo, e o inferno
estes: 1/4 do clero dos Países-Baixos e 1/3 da Renânia viviam perma- é pregado como o lugar de "pecadores e fornicadores, prostitutas e
nentemente em concubinato.
As seqüelas de tais costumes eram ainda mais graves. Muitos dos
invertidos".
sacerdotes procuravam que seus fi lhos começassem o serviço eclesiás-
tico já como coroinhas, mas para serem preparados a substi tuí-los nos
Clérigos e freiras pegas em pecado são queimados e enforcados.
benefícios. Criavam-se verdadeiras dinastias de padres, como de fato isto Mulheres e homens têm suas partes sexuais queimadas. Ao lado do
se fez também em meio ao alto clero - se não de filhos, ao menos de enquadramento ideológico, criam-se mecanismos reais de repressão de
parentes. Assim os filhos "ilegítimos" dos padres eram preferidos aos toda sexualidade livre, principalmente usando o poder real e a confissão
filhos legítimos na percepção dos benefícios.
auricular:
Em outros casos, interferia a conduta das mulheres, que se proviam de
maneira escandalosa de um teor de vida ostentativo.
Não menos lamentável era o fenômeno da não-residência do baixo clero. Esse final de Idade Média e primeiro século pós-tridentino seria tomado
Assim como os bispos se ausentavam de suas dioceses para viver em pela obsessão de satanás, sob a dupla forma: alucinante criatividade de
cidades maiores, de cultura e de teor de vida superior, assim também imagens do inferno e idéia fixa das armadilhas e tentações que satanás
muitos párocos retinham seu benefício, e iam estudar nalguma universi- . trama contra os homens para sua perdição eterna. A iconografia vai ser
dade ou simplesmente viver nalguma cidade, deixando o campo aban- lugar privilegiado para refletir essa visão atormentante e diabólica. Ora

86 87
I
os demônios aparecem como forjadores que desferem goipes de martelo Não descobrirás a nudez do irmão de teu pai; não te aproximarás, pois,
sobre uma massa feita de corpos de homens e mulheres sobrepostos, ora de sua esposa, visto que é a mulher de teu tio.
os condenados são representados presos a imensa roda de tortura ou Não descobrirás a nudez de tua nora. É a mulher de teu filho e não
deitados sobre uma grelha e regados de chumbo fundido ou enforcados descobrirás a nudez dela.
a galhos secos etc. Não descobrirás a nudez da mulher de teu irmão, pois é a própria nudez
A fantas ia humana não tem limites na sua criatividade, quando assolada de teu irmão.
pelo medo. As representações dos demônios e do inferno revelam o Não descobrirás a nudez de uma mulher e a da sua filha; não tomarás a
inconsciente repressivo em matéria sexual, que o medo da condenação filha de seu fi lho, nem a filh a de sua filha, para lhes descobrir a nudez.
produz. Adúlteros são açoitados, mulheres levianas têm seu sexo pene- Elas são a tua própria carne: isto seria um incesto.
trado por tições acesos. Joga-se freqüentemente com o contraste de Não tomarás para o teu harém uma mulher e, ao mesmo tempo, a irmã
imagens, de um lado cenas de prazer, de afago- na terra - e doutro dela, descobrindo a nudez desta, durante a vida da sua irmã.
de sofrimento e tormento eterno no inferno. O prazer representa o passo Não te aproximarás de uma mulher, para descobrir a sua nudez, durante
imediato para o inferno. (Libânio 1983, pp. 32-36) a sua impureza das regras.
Não darás o teu leito conjugal à mulher do teu .próximo, para que não te
tomes impuro com ela.
Texto complementar Não entregarás os teus filhos para consagrá-los a Moloc, para não
profanares o nome de teu Deus. Eu sou Iahweh. ,
Não te deitarás com um homem como se deita com uma mulher. E uma
As proibições sexuais bíblicas: abominação.
Não te deita rás com animal algum; tomar-te-ias impuro. A mulher não
se entregará a um animal para se ajuntar com ele. Isto é uma impureza.
Iahweh falou a Moisés e disse: (Levítico, cap. 18)
Fala aos filhos de Israel; tu lhes dirás:
Eu sou Iahweh vosso Deus. Não procedereis como se faz na terra do
Egito, onde habitastes; não procedereis como se faz na terra de Canaã
para onde vos conduzo. Não seguireis as suas leis, mas praticareis o~
meus juízos e guardareis as minhas leis e por elas vos conduzireis.
Eu sou Iahweh vosso Deus. Guardareis as minhas leis e os meus juízos:
quem os cumprir encontrará neles a vida.
Eu sou lahweh.
Nenhum de vós se aproximará de sua parenta próxima para descobrir a
sua nudez. Eu sou !ahweh.
Não descobrirás a nudez do teu pai, nem a nudez da tua ~ãe. É tua mãe,
e tu não descobrirás a sua nudez.
Não descobrirás a nudez da mulher do teu pai, pois é a própria nudez de teu pai.
Não descobrirás a nudez da tua irmã, quer seja fi lha de teu pai ou filha
de tua mãe. Quer seja ela nascida em casa ou fora dela, não descobrirás
sua nudez.
Não descobrirás a nudez da fi lha do teu fil ho; nem a nudez da filha da
tua filha. Pois a nudez delas é a tua própria nudez.
t;lão descobrirás a nudez da filha da mulher de teu pai, nascida de teu pai.
E tua irmã, e não deves descobrir a nudez dela.
Não descobrirás a nudez da irm_ã de teu pai, pois que é a carne de teu pai.
Não descobrirás a nudez da irmã de tua mãe, pois é a própria carne de tua mãe.

RB 89
I
4
A PURITANIZAÇÃO DO SEXO

A lenta desestruturação do mundo medieval, a ascensão da bur-


guesia e a formação de uma cosmovisão burguesa, racional, empirista e
dessacralizadora levam à superação das concepções medievais. O murido
moderno que surge é um mundo profano, crítico, liberal, que elege a
razão como nova forma de compreensão do mundo rejeitando a fé e os
dogmas medievais.
No nível moral, onde vamos encontrar a sexualidade, há também
grandes mudanças. Historicamente é a Reforma que coloca em crise a
aura sagrada do feudalismo representada no Papa. Mas uma vez encur-
ralada pela Reforma de Lutero a Igreja reunirá forças e mecanismos
internos para se colocar em outra posição e com nova face no mundo que
surgia. Assim nasce a Contra-Reforma, que é muito complexa e abran-
gente no seio da Igreja, a partir do Concílio de Trento (1546), dando
origem à chamada "identidade tridentina" da Igreja, que não é mais do
que a face reformista incorporada à própría Igreja.

91
I
Em termos gerais deveremos, pois, estudar dois pólos da moral É fácil compreender que o sexo, já um pesadelo para os adultos educa-
s~xu~l moderna, que são convergentes quanto à origem e às próprias dores, seja ignorado ou até hostilizado nos estabelecimentos educacio-
fmabdades : o pólo luterano e o tridentino. nais. A religião foi também instrumentalizada na repressão de qualquer
manifestação sexual. O pecado por excelência, se não o único, passa a
De modo geral podemos dizer que o rigorismo moral de Lutero, ser o pecado de sexo. No dizer dos pregadores, o inferno estava povoado
que vol~a a_~damentar-se em Agostinho, é uma moral de emergência, quase exclusivamente por aqueles que tinham cometido pecado contra a
e em prmc1p10 que~ opor-se ao relaxamento moral em que se encontra- castidade, ainda que fosse apenas em pensamento. O grande controle
deste comportamento foi exercido através da confissão. O Concílio de
vam os padres e bispos da Igreja romana. Mas isso não é suficiente Trento decretou que todos os pecados mortais deviam ser confessados,
Parece~no.s int:;essante a tese de Weber, "A ética protestante e o espírit~ mesmo os mais secretos e vergonhosos. Com o passar do tempo, este
do ~ap1talis~o. •.na q~al ele sustenta que os princípios morais do protes- clima vai gerar danos e traumas(...). (Snoek 1981, p. 35)
t~nhsmo, o mdlVIduallsmo, o trabalho como expiação, a honra, a consciên-
Cia de pecados e a sub~ssão às Escrituras, a ética do acúmulo sem gastos Os pedagogos, médicos e padres, pastores e çonfessores do mundo
e e~ag.eros, sem mediação do Magistério, são os princípios do espírito moderno propõem uma cruzada contra o sexo. A masturbação é agora
cap1t~1sta. Nessa linha, ao capitalismo nascente era necessário reprimir a reprimida como "doença", "anomalia", causadora de males mentais e
;ne:gi~ ~exual para que esta fosse usada nas máquinas, no trabalho. O calamidades.
prmc1p10 do prazer'' é domado e regulado em nome do "princípio da
realidade" que no mundo burguês é o trabalho escravizante e alienado. O mundo moderno cria meios de controle do sexo e da masturba-
ção: calças fechadas na frente, anéis antimasturbatórios ao redor do pênis
~sim, a moral luterana será uma moral agostiniana, regulando a
para que este não pudesse ser estimulado, amarrar as mãos dos jovens
sexualidade no nível procriativo, já que as máquinas precisavam de
mão-de-obra abundante e barata. ou dormir com as mãos sobre o cobertor, cauterização do clitóris nas
meninas etc.
. A pedagogi~ e a mor~ luterana começam a mapear o corpo,
reduzmdo a sexualidade a um Isolamento e a uma negatividade assusta- O sexo é reduzido ao privado e com fim procriativo. À concepção
dores. A nudez, que na época medieval era vista com naturalidade de racionalidade e eficiência burguesa soma-se a produtividade. O sexo
começa a ser coberta de panos e conceitos. A linguagem sobre o sex~ subjetivo, humano, prazeroso desaparece. O corpo é negado no trabalho
passa a ser controlada, e nos livros tudo o que trata do sexo é expurgado. e na repressão sexual. O "eu" corporal não existe; existem, sim, a
O sexo é o grande inimigo do trabalho, agora a nova forma de compreen- civilidade e a máscara social. Sobre o sexo nasce a cultura da vergonha
der o homem. e do pecado em níveis tão profundos que nem mesmo a Idade Média
tinha conseguido.
Não podemos distinguir aqui o luteranismo do tridentismo. Na
Igreja ~ambém toma corpo uma moral austera, castradora, representada A confissão tridentina e o ideal de "consciência" luterano criam a
pelos Jes~ítas e por outras ordens modelares que surgem diante do compulsão à confissão que ainda hoje marca o mundo contemporâneo.
protestantismo: Sentimo-nos culpados ante o sexo, e parece-nos necessário confessar,
quer ao padre, ao pastor, à nossa própria racionalidade, ao psicanalista
A p~rtir do século XVI~ portanto paralelamente ao processo de puritani- ou médico, as nossas "faltas" sexuais ... Essa culpa inoculou-se através
zaçao, começam a surg1r as faixas etárias: no século XVIII o mundo da de rígida pregação- o poder da Igreja em formar o imaginário moral-
~riança já está bem definido. No século XIX se estrutura a faixa dos social. Vejamos o que diz Libânio (op. cit., p. 71) acerca deste poder
JOvens-adolescentes, com os internatos para eles e elas, separadamente.
sobre. as consciências: ·

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O poder sobre a consciência não era menos eficaz. Poder exercido nos saturação. Produz e fixa o despropósito sexual. A sociedade m_?dema é
l'Onfcssionários, a que se ia mais por medo que por convicção em perversa, não a despeito de seu puritanismo ou como reaçao à sua
!reqUentes casos. Poder sobre a consciência através dos tonitruantes hipocrisia: é perversa real e diretamente. ( ...) , .
sermões, da arte, das pinturas amedrontadoras, das atitudes teatrais dos Açambarca 0 corpo sexual. Há, sem dúvida, aumento da eficac1a e
personagens esculpidos ou pintados, do triunfalismo exultante das vitó- extensão do domínio sob controle, mas também sensualização ~o poder
rias da fé. Poder sobre a consciência pelo rigor moralista, sobretudo na e beneficio de prazer. O que produz duplo efeito: o poder ganha Impulso
esfera sexual. Poder sobre a consciência pela imposição de uma doutrina pelo seu próprio exercício; o controle vigilante é_ recompensado~~ uma
fixa, rígida, objetiva, inquestionável. Poder sobre a consciência pelo emoção que o reforça; a intensidade da confissao relança a cunos1dade
abuso da culpabilização com as ameaças de castigos eternos, por do questionário; o prazer descoberto. reflui ~m direção. a? poder ~ue o
infidelidades às práticas sacramentais ou morais. Poder sobre a cons- cerca. Mas tantas questões urgentes smgulanzam no [sujelt~) que~tiOna­
ciência pelo acesso ao grande meio de comunicação da época: as do os prazeres que experimenta; o olhar .os fixa, a aten_çao os:sola ~
pregações. Poder sobre a consciência pelo ensino compacto de um anima. o poder funciona como um mecamsmo de apel~çao; atrai, extrai
catecismo estruturado, a que todas as crianças deviam freqüentar. essas estranhezas pelas quais se desvela. O prazer se d1funde através do
Poder sobre a consciência responsabilizando os pais em relação aos poder cerceador, e este fixa? p~azer que a~ba de des~endar. O exame
filhos, no tocante ao batismo, à aprendizagem do catecismo. Poder médico, a investigação psiqUiátnca, o relatóno pedag6g1co e os contr~les
sobre a consciência culpabilizando os cristãos da condenação eterna dos familiares podem, muito bem, ter como objetivo global e aparent~ d1zer
pagãos, dos hereges, se não os convertem. Poder sobre a consciência não a todas as sexualidades errantes ou improdutivas, mas, na realidade,
através de contraposição entre a certeza e a beleza da própria posição funcionam como mecanismos de dupla incitação: prazer e ~~r. Pr~er
- católica ou protestante respectivamente - e a posição oposta, em exercer um poder que questiona, fiscaliza, espreita, esp1a, mvestlga,
herética, falsa, conduzindo à condenação eterna. Enfim, poder sobre a apalpa, revela; e, por outro lado, prazer que se abrasa por ter que esca~ar
consciência propondo a própria identidade como a única capaz de a esse poder, fugir-lhe, enganá-lo ou travesti-lo. Poder que se de1xa
conduzir o homem à salvação, de modo que sua negação significava invadir pelo prazer que persegue e, diante del:, ~oder que _se afirma _n~
assinar de antemão o passaporte para o inferno eterno. prazer de mostrar-se, de escandalizar ou de res1Sl1r. Captaçao e seduçao,
confronto e reforço recíprocos: pais e filhos, adulto e ado.lesc~nte,
educador e alunos, médico e doente, e o psiquiatra com sua h1stér!ca e
Texto complementar seus perversos, não cessaram de desem~nhar esse ~apel des~e o seculo
XIX. Tais apelos, esquivas, incitações clfculares nao orgamzaram, ~m
A nova forma de controle da sexualidade: tomo dos sexos e dos corpos, fronteiras a não serem ultrapassadas, e s1m,
as perpétuas espirais de poder e prazer. (Foucault, op. cit., PP· 42-45)

A sociedade "burguesa" do século x:IX, e sem dúvida a nossa, ainda, é


uma sociedade de perversão explosiva e fragmentada. Isso, não de
maneira hipócrita, pois nada foi mais manifesto e prolixo, nem mais
abertamente assumido pelos discursos e instituições. Não porque, ao
querer erguer uma barreira demasiado rigorosa ou geral contra a sexua-
lidade, tivesse, a contragosto, possibilitado toda uma germinação perver-
sa e uma séria patologia do instinto sexual. Trata-se, antes de mais nada,
do tipo de poder que exerceu sobre o corpo e o sexo, um poder que,
justamente, não tem a forma da lei nem os efeitos da interdição: ao
contrário, que procede mediante a redução das sexualidades singul ares.
Não fixa fronteiras para a sexualidade; provoca suas diversas formas,
seguindo-as através de linhas de penetração infinitas. Não a exclui, mas
inclui no corpo à guisa de modo de especificação dos indivíduos. Não
prçx:ura esquivá-la; atrai suas variedades com espirais onde prazer e
poder se reforçam. Não opõe uma barreira; organiza lugares de máxima

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I
5
A DESCOMPRESSÃO SEXUAL

Todo o movimento repressivo da sexualidade durante os séculos


XVI, XVII e XVIII começa a se transformar com as próprias transfor-
mações do mundo capitalista no século XIX. A ação de médicos, os
tratados científicos, as transformações sociais e a superação de conceitos
mecânicos e equivocados do mundo moderno aceleram essa transforma-
ção no nível da sexualidade. Sobretudo entre os séculos XIX e XX temos
a figura de Darwin, que revoluciona os conceitos básicos das ciências
naturais; Freud, que revoluciona os conceitos tidos como certos sobre o
homem, suas neuroses e seus traumas além do "consciente"; e ainda
Marx, que inaugura uma compreensão estrutural das sociedades huma-
nas e seus mecanismos de exploração e reprodução ideológica. De 1870
até a Primeira Guerra Mundial surge o princípio de uma scientia sexualis
ainda carregada de preconceitos e equívocos. De 1914 até 1945 o mundo
capitalista sofre sérias crises. O capitalismo norte-americano acaba de-
finitivamente por selar sobre o mundo sua incontestável hegemonia, e a
partir da Segunda Guerra Mundial o mundo tem um novo modelo: "The
american way of life". As características gerais desse novo modo de viver
são o consumo, a dependência dos aparelhos sofisticados, a expropriação

I
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da subjetividade e a ânsia de "ter mais". O capitalismo inaugura um
Foucault afirma que o poder não tem hoje motivos para reprimir
progresso enorme no nível das comunicações que agora são o novo a sexualidade pois é esta, hoje, seu principal mecanismo de controle e
aparelho ideológico de enquadramento das massas consumidoras; cria-se de reproduçã~ ideológica. Assim, vemos que a pornografia, o "sexo ao
a "aldeia global" onde todos se sentem integrados.
alcance de todos" veiculado pela estrutura atual, não encontra nenhuma
De diversas formas explodem os movimentos de contestação: os forma de contestação. Aliás, em sociedades mais autoritárias o poder se
jovens, o rock, os grupos feministas, negros, homossexuais... Em todos exerce de maneira muito mais eficaz quando se liberam as "pornochan-
esses movimentos estava presente a libertação sexual, que era símbolo c chadas" e similares.
matriz de outras liberdades exigidas. Mas o capitalismo apreendeu a Vivemos hoje diante dessas estruturas consumistas. Curiosa~ente
sexualidade como o grande grito e incorporou-a à sua máquina de essa "liberalização de práticas sexuais" coincide com a autom~çao do
consumo: toda a propaganda passa a falar de sexo, a estimular e referir-se trabalho e com a chamada explosão demográfica. Já não há mats lugar
aos anseios sexuais de nosso tempo. Até mesmo as coisas mais simples para um sexp procriativo nem para uma repressão s!stemática. ~ontudo,
são vendidas com o distintivo do sexo. A luta da mulher é estigmatizada permanecem algumas questões intrigantes: C?mo _v1ver a s~xuahdade de
e ela passa a ser a "garota-propaganda" do consumismo. Seu próprio maneira humana, plena e livre? Essa questao e mrus um honzonte d~ que
corpo é consumido. uma certeza. É preciso buscar formas de conquistar uma sexualidade
nova numa transformação global da sociedade.
É claro que esse movimento, uma vez que é histórico, tem suas
contradições próprias. Houve também maior liberdade sexual, espaços Quando vivemos novas relações humanas, solidárias e prazerosas,
sem a matriz da dominação e da exploração, é que podemos estruturar
conquistados pelas mulheres, pelos homossexuais e outros grupos. Hou-
ve uma contestação da juventude na música, no comportamento, na novas formas de rel~ções sexuais. Enquanto for mantida a matriz em que
própria vivência de novas formas de relacionamento. Mas, num âmbito uns produzem e outros gozam, no nível da sexualida~e também se
reproduz esse esquema em todo o alcance dessas expressoes.
mais geral, venceu o modelo consumista. O sexo é o objeto de consumo
por excelência. Consumimos pessoas e coisas. A pornografia- o sexo Vamos propor dois textos para uma reflexão positiva da sexuali-
objetual- é produzida e encomendada; sex-shops, vibradores, sexo em dade. Um deles é de Reich, discípulo dissidente de Freud e uma das
grupo, novos estímulos, motéis, tudo isso criou uma quantificação da figuras mais polêmicas de nosso século. É ele o sistematizador do
sexualidade, sem alterar qualitativamente sua significação. conceito de "revolução sexual". Em seu livro A função do orgasmo
escrito em 1942 ele escreve os princípios de uma "economia sexual":
Marcuse é o grande crítico dessa sociedade deserotizada. Para ele,
o velho "pai", que em Freud é o princípio da repressão ao prazer, está
1. A saúde psíquica depende da potência orgástica, isto é, da
sendo substituído pelo sistema racional dos burocratas e tecnocratas
capacidade de entrega no auge da excitação sexual ~o ato
modernos. Assim, podem se "afrouxar'' os tabus; o sistema controlador
natural A sua base é a atitude de caráter não-neurótico da
permite a manifestação compensadora e quantitativa da sexualidade, mas
capacidade para o amor.
não a humanização e o sentimento de afeto, que são aspectos qualitativos.
2. A doença mental é um resultado de uma pert~rbaçãAo ~a
É um prazer mecanizado, exercícios de dessublimação da repressão capacidade natural para o amor. No caso de 1mpotenc1a
baseados no princípio do desempenho e do consumo. Cria-se o "trepador orgástica, de que uma vasta maioria dos seres buma~os
compulsivo" que acumula experiências impessoais e compensatórias da sofre, a energia biológica é bloqueada, tornando-se, asstm,
não-participação efetiva no domínio de nossa própria existência. fonte de todos os tipos de comportamento irracional.

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J. As perturbações psíquicas são os resultados do caos sexual 9. Essa formação de caráter no molde autoritári~ tem como ~~u
provocado pela natureza da nossa sociedade. Esse caos exer- ponto central, não o amor pelos pais, mas Sim pela famth~
ceu a função, durante milhares de anos, de tornar os indiví- autoritária. O seu objetivo principal é a supressão da sexuali-
duos submis~os às condições existentes ou, por outras dade na criança e no adolescente.
palavras, de mternalizar a mecanização externa da vida. 10. Em virtude da divisão na estrutura humana dos nossos dias,
s.er:'~ ao_propósito de causar a ancoragem psíquica de uma natureza e cultura, instinto e moralidade, sexualidade e reali-
ctvthzaçao mecanizada e autoritária, fazendo com que as zação, são considerados incompatíveis. A~uela unidade. de
pessoas percam a confiança em si próprias. cultura e natureza, de trabalho e amor, moralidade e sexualida-
4. As energias vitais, em condições normais, regulam-se espon- de, que a humanidade está procurando desde sempre, essa
taneamente, sem dever compulsivo ou moralidade compulsiva. unidade enfim, ficará sempre como um mero sonho enquanto
5. o_~omportamento anti-social é causado por impulsos secun- o home:U não permitir a satisfação das exigências biológicas
danos que devem sua existência à supressão da sexualidade de gratificação sexual (orgástica) natural. (Rycroft 1971, p. 42)
natural.
6. O in~ivíduo edu~ado numa atmosfera que nega a vida e o sexo O segundo texto é do professor Guido Mantega em seu livro Sexo
adquue uma anstedade-de-prazer (medo de excitação que dê
e poder, no qual comenta as concepções de Fouc~ult sob~e o estatuto da
prazer) qu~ ~representada fisiologicamente em espasmos mus-
sexualidade no capitalismo consurnista, de manetra magtstral:
~ul~:s croru~s. ~ta ansi~dade-de-prazer é o solo em que o
mdiVtduo re~na as tdeologtas que negam a vida, as quais são
a base das ditaduras. Trata-se da fundação do medo de um Mas o capitalismo avançou e despiu-se dos espartilhos vitorianos, ini-
modo de vida livre e independente. ciando um longo período de erupção sexual, que estaria se a.lastrand? até os
nossos dias. Não que as normas sexuais tenham desaparectdo. Mmto pelo
7. A estrutura de c~ráter do homem atual - que perpetua contrário elas conúnuaram se multiplicando e difundindo ou regulamentan-
uma .cult~ra patnarc~l e autoritária que já tem de quatro do as ati~idades sexuais de todo o mundo. Só que agora, diz Foucault, ao
a seis mtl anos de Idade - é caracterizada por uma invés de conter interdições, essas normas difundem práticas sexuais. E aí
armadura contra a natureza, dentro de si e, também, reside a diferença fundamental do período anterior ao capitalismo, quando
havia também uma liberdade sexual, porém menos "institucionalizada".
contra a miséria social, fora de si. Esta armadura do
Agora, a vida sexual foi parar nos livros de medicina, psi~uiatr~a,
carát~r é a base da solidão, do desamparo, da ânsia de psicologia, sexologia e áreas correlatas. Criou-se toda uma classtficaçao
autondade, do medo da responsabilidade, os anseios mís- de atitudes de condutas sexuais as mais variadas. "Locahzaram-se" as
ticos, ~ miséria sexual, da rebeldia impotente, bem como zonas eróg~nas do corpo, suas sensações; enfim, definiu-se um corpo e
da resignação de um tipo anormal e patológico. Os seres todas as suas sensações.
Segundo Foucault, essa teorização do sexo foi in~enti~ada pel.o
humanos adotaram uma atitude hostil para o que é vivo
Estado e preocupou-se menos com o sexo intram~tr!momal e mats
d~ntro deles e, assim, alienaram-se de si próprios. Essa com a sexualidade das crianças, dos loucos, dos cnmmosos, dos que
ahen~çã.o não _é de origem biológica, mas sim de origem têm obsessões, manias etc. Então, as instituições "disciplinaram" não
economica. Nao pode ser encontrada na história humana apenas o sexo " normal" , como também as chamadas perversões e o
antes do desenvolvimento da ordem social patriarcal. sexo fora do matrimônio, que vão se difundindo tanto quanto a sua
teorização (a partir do século XIX). Para ele, toda essa febre discur-
8. Desde então, o dever tomou o lugar da fruição natural do
siva sobre a sexualidade ajudou a estimular as práticas sexuais. Então,
trabalho e da atividade.
quanto mais o sexo faz parte do comportamento humano, mais ele é
controlado pelas ins tituições.

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I
;ura pOr o sexo a se~ serviço, o poder conta com um poderoso aliado. Mais do que discorrer sobre as causas e as formas de origem e
fruto-se da compulsao à confissão, um hábito profundamente arraigado transmissão, interessa-nos sobretudo sua relação com o comportamento
no comporta ~ento humano desde a Idade Média. Por trás das ações sexual da juventude e de toda a sociedade contemporânea. Passados o
humanas prOJeta-~ ~ sombra do erro e do pecado. Já nascemos carre-
gando o ~ca~o ongmal. Logo, o homem precisa purificar-se constante- sensacionalismo e as diversas formas de desinformação sobre a doença,
mente, red1m1~-se de seus erros e maus pensamentos, reconhecê-los, para algumas pesquisas confiáveis demonstram que o medo da Aids tem
ganhar o perdao da humanidade. afetado grande parte das pessoas no seu comportamento sexual cotidiano.
Note-se que não estamos falando apenas da Liga das Senhoras Católicas Em alguns países, como a França, mais de 75% da população tem
mas ~e um pensamento que aflige a maioria dos mortais, sejam cristão~
o~ na_o, e os constrange a sentir-se culpados. Somos um bando de
mudado seu comportamento sexual usual em face do fenômeno da Aids.
c1dadaos sempre _sob suspeita, não apenas das instituições constituídas, A maior parte dos países europeus, os Estados Unidos, o Canadá e outros
mas_ também, _e a1está o x da questão, aos nossos próprios olhos. grandes centros têm carreado grandes investimentos na descoberta da
~~m, a práhca da confissão dissemina-se amplamente sobre todas as cura da Aids ou investido em grandes campanhas educativas que fre-
at1v1dades humanas. P?rq~e o homem confessa-se não apenas na igreja, qüentemente envolv·e m um novo enfoque para a questão da sexualidade.
mas também perante a Ju_stlça, a medicina, a família, os amigos, as amantes
etc. Confessam-se os cnmes, os pecados, os pensamentos e os desejos· Temos consciência de que a Aids é uma doença terrível, até o
confessam-se o pa~a~o e os sonhos, a infância, as doenças e as misérias: momento, fatal, e que seu modo de transmissão é sexual ou venal, por
~~essa-se em pubhco ou em particular, aos pais, aos educadores, aos
médiCOS, aos analistas, àqueles que se ama. (Mantega 1979, pp. 24-26) injeção que contenha o vírus etc. O esperma masculino é a fonte principal
da transmissão do vírus. Em princípio, pela natureza da relação, os
grandes grupos de risco eram os homossexuais, os viciados em drogas,
mas atualmente sabemos que qualquer pessoa pode contrair a doença.
O comportamento sexual e a Aids Importa-nos, além dos cuidados que logicamente exige a questão,
manter séria vigilância para que a doença não seja o veículo, velado ou
explícito, da discriminação social dos padrões estereotipados, dos pre-
. Aids é uma palavra inglesa, um acrônimo de Acquired Immuno- conceitos e de toda repressão sexual histórica. Uma coisa é considerar o
defi~tency Syndrome. Acrônimo significa "sigla", um nome formado a fenômeno da Aids como uma questão de saúde e higiene e outra é fazer
p~rtir de letras ou sílabas de uma determinada seqüência ou denomina- dessas causas a forma mais cabal do moralismo, da culpabilização social
ç::o. ~m po~~ês poderia ser definida como Síndrome de Imunodefi- e do interdito. A questão da liberdade sexual é distinta do medo ou da
ctenctaAdqumda, (Sida ). A palavra síndrome significa que um conjunto culpa, ou ainda da conotação moralista. É muito mais uma dimensão
de elementos
f configuram
. . o espectro
. da doença' na~o um urnco
' · processo educativa, devidamente dignificada e exigente, que o mundo pode, por
ou ator. Ou ~eJa, o ststema_Imunol~gico de nosso corpo adquire, pela caminhos inversos, descobrir no momento histórico atual.
p~esenç~ do vuus f!IV, uma mcapac1dade de reação aos ataques de vírus
Uma das mais complexas análises a serem feitas no campo da
e infecçoes. A pr~bferação dessas infecções e doenças provoca o aniqui-
sexualidade consiste em avaliar as causas, os procedimentos e os impac-
lamento do orgarusmo, que se toma incapaz de reagir e produzir anticor-
tos da Aids na dinâmica das vivências sexuais contemporâneas. Elemen-
pos aos devastadores vírus instalados, ocasionando a morte.
tos de ordem científica, pesquisas e estudos entrelaçam-se com normas
Depois de uma trajetória localizada nos Estados Unidos a Aids morais, conceitos éticos, preceitos religiosos e concepções existen-
alcançou a Europa e .o resto do mundo, tomando-se o maio~ terror ciais. Perduram sempre uma ponta de dúvida e um medo desafiador
deste controvertido final de milênio. sobre o "sopro" de morte que se abateu sobre a sexualidade contem-

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I
puranea. Busquemos aqui com ree . . .
e suas impiicaçõ 't~ nder as. prm~Ipats questões desta
t cu!idade Assim, esse quadro assustador da Aids no mundo, uma doença
es e Icas, pessoais e Científicas.
nova e ainda desconhecida, com conseqüências fatais, cujo tratamento é
Atualmente, a ciência já te I . financeiramente caro e complexo, exige a boa vontade de estudiosos e
sobre a Aids em algum tempo I ~ e ementas para VIslumbrar a vitória
esperança e uma necessidade ;e:;vame~te breve. Tal afirmação é uma pesquisadores de todo o mundo na propagação de uma consciência
preventiva e adequada, de modo a evitar os comportamentos de risco e
quadro sindrômico de imunod.efi ·~e s~a desc_oberta, em 1980, como um
. _ Ciencia a qutrida Aid ·, . a difundir informações corretas e eficazes. Tem sido muito comum a
mllhoes de pessoas pelo mundo todo de. 'a s Ja contarrunou proliferação dessa trágica síndrome em países e sociedades onde a
morte. No Brasil até 1997 ~' ? . IXando um rastro de torpor c
. ' ' toram notificados . d 100 . desinformação e os preconceitos, aliados à ignorância e à inoperãncia
Aids, segundo dados do Mini t, . mats e mil casos de
casos reais existam a mais se~ ~~~a s_aú~e. Acr~dita-se que 30% de
das autoridades sanitárias, têm produzido fortes baixas em vidas huma-
estados de São Paulo Rio'd J . caça? as autondades sanitárias. Os nas e ceifado muitos projetos.
. ' e aneuo e Mmas Ge . lid
hc~s, s~ndo que os municípios de Ita. ai (S.C) rrus . _eram as_estatís- Entre as maiores preocupações dos estudiosos está a lenta mudan-
maJOr mcidência de casos po , J d e Cambonu (SC) sao os de ça das formas de transmissão do vírus. Dos grupos considerados de alto
· r numero e habita t D
de Aids registrados no Brasil 20 % ú , n es. o total de casos risco primários, formados por homossexuais, bissexuais e usuários de
feminino totalizand I' o re erem-se as representantes do sexo drogas intravenosas, predominantemente masculinos, passamos a contar
' o um e evado univ d .
tros 3% dos dados já se refere , . erso e mu1heres mfectadas, ou- com quase 40% dos casos mais freqüentes recentes de transmissão
anos, do mundo adolescente : ; :l~nças, e no grupo etário de 15 a 39 constituídos por mulheres e parceiros heterossexuais, alterando a tipolo-
freqüentes de infecção atingind ;O~ ~s, concentram-se os casos mais gia básica de tais grupos. Esses dados devem levar-nos a refletir sobre
dados alarmantes que 'precisamo ~ os casos relatados até agora. São as várias causas dessa trágica alteração, associadas ao preconceito e à
autoridades de saúde quer pel se~ durdament~ e~rentados, quer pelas falência das formas de combate usuais, e a questionar a eficácia de
' a sacie a e braslleua como um todo. programas de suposta conscientização de massa.
No mundo, os Estados Unidos ai As formas predominantes de transmissão do vírus da Aids são
seguidos de Espanha França e Itáli can~m 0 topo das estatísticas,
ças de expansão e tr~smissã d a, _no contmente europeu. Há diferen- ainda as inoculações sanguíneas e a via sexual. Todavia, essas formas
pela própria capacidade do ·v, o ~s, entre os países e continentes, variam em diferentes países; na Europa, particularmente na Espanha, a
reprodução e retransmissão .;;s Am ~~ mud~r suas características de maior incidência de transmissão localiza-se em torno dos usuários de drogas
segundo país em casos de. Aid:e se e~tca Latma e_C~ribe, o Brasil é o injetáveis, que, calcula-se, somam 500 mil pessoas em todo o continente.
Bahamas e Trinidad Toba ' guido de Republica Dominicana, A transmissão e a infecção pela via sexual continuam a ser a maior
esteja infectada com o vít!od C~c;Ia-se b6,5% da população do Haiti forma de proliferação da síndrome nos Estados Unidos e no Brasil. A
desenvolver a doença. As estat~ ti s, e~ ora n~m todos possam vir a prática indiscriminada de sexo com múltiplos parceiros, a incidência de
de abordagem que se faz mas aisOcaMsSvariiam rnUJto dependendo do tipo sexo anal e oral sem as devidas condições de prevenção, como o uso da
rru"Ih-ao de casos relatados' no d ca cuia em aproxim
. - ad amente 1 ,5 "camisinha", por exemplo, alcançam cifras assustadoras de produção de
de casos estimados de ortado::~ o,; com u~a previsao de 7,5 milhões infectados em nosso país, quase sempre associadas a uma ausência de
até 15 milhões de es:oas . , . o VIrus da Aids. Outros dados apontam cuidados sanitários e consciência real dos riscos da doença e suas formas
nefando Calcul p Ja Infectadas e portadoras potenciais do vírus
· a-se que no ano 2000 h , 40 · - de transmissão. Como permanecem muitos preconceitos e superstições
vírus HIV o que seria 1%0 d ui - avera rrulhoes de portadores do desencontradas sobre a realidade da transmissão da Aids, podemos
' 0
a P P açao mundial estimada. ·
sucintamente buscar resumir, apontando afirmações mais comuns e
104
105
I
::~~o~~=~que vem a s~r v:rdade e o que, é falsidade na prolifera- embasando-se em referenciais messiânicos e moralistas, inculcando o
e na transm.tssao da doença. E verdade que: preconceito e reforçando a cultura de segregação e repressão que pesa
sobre o Ocidente. A sexualidade, como espaço de expressão da própria
• a Aids pode ser transmitida pela via sexual, em particular pelo plenitude da vida, passa a veicular o espectro da morte.
~ntato sexual ent:_e homossexuais masculinos, por meio do
semen e das secreçoes sexuais· Albert Camus (1968, p. 219), escritor e filósofo francês do pós-
• a transmissã~ do vírus da Aids por via sexual entre arceiros guerra, aponta esse "medo da morte" que tomou conta da sociedade
heterossexurus tem aumentado, desde meados da d~cada de contemporânea, usando sempre a metáfora do romance, para entabular
1?BO, com forte incidência nos anos 90, infectando um rande um diálogo mais ou menos trágico e velado sobre as condições dilacera-
• n~~ro de mulheres através do sêmen e das secreções va~ais·
das do tempo presente:
~ t s pode ser transmitida por agulhas, seringas e quaisque;
ms rumentos contruninados . Compreenêlia que ter medo daquela morte que ele encara com uma
os usuár" d d . . , co.m sangue, particularmente entre angústia de animal era também ter medo da vida. O medo de morrer
. lOS e rogas InJetavets;
• a Ai:~pode ser transmitida por meio de sangue contaminado
justificava um apego sem limites a tudo o que é vivo no homem. E todos
aqueles que não tinham praticado os gestos decisivos que enobrecem
rece 1 o em transfusões, ou ainda por contatos acidentais até uma vida, todos aqueles que temiam e exaltavam a impotência, todos
mesmo através de material médico-cirur ' oico - d .d ' tinham medo da morte, pela sanção que ela imprime a uma vida de que
t iliz O" nao ev1 amente
es er ado, b~m como ~trurnentos cortantes que rovo uem sempre tinham ficado distantes. Não tinham vivido suficientemente,
• con~ato sangumeo ou atinjam células do tecido hur!ano· q nunca tinham vivido. E a morte era um gesto que priva para sempre de

:t~de'ss pdode ser transmitida pela mãe, na gravidez, ;o feto


água o viajante que procurou em vão acalmar a sede. Mas, para os outros,
a morte era o gesto fatal e piedoso que tudo apaga e tudo nega, que sorri
o sangue. de igual modo à aceitação e à revolta.

. Não é verdad.e que se transmita o vírus da Aids através de contato Esse medo da morte marcou a busca imediata de uma voluptuosi-
:~se:~ co~ pessoas mfectadas ou portadoras, através de excreções como dade vivida na sexualidade, é inegável. Não se pode deixar de relacionar
. ' ~spuros ou contatos corporais, por meio do uso comum de á a essa incessante busca de prazer que tomou conta de nossas sociedades com
~~c~~:~~n;:· i~::ss ou ali.m;ntos tomados ~m conjunto, quer através~e o esvaziamento das perspectivas utópicas de alterar as condições objetivas
' o~ am a por compartilhar banheiros e sanitários do mundo político que se desenhava dos escombros da guerra mortal, de
comuns com pessoas infectadas, ou pela transmissão de vacinas etc. proporções atômicas universais, vivida dilaceradamente em 1945...

I Grande parte das manifestações da sociedade brasileira sobre Aids Então não é possível ver a sexualidade sem compreender essas
~eve a .u~ d:sconhecimento e uma prática desumana de segre a -o e dimensões, todas entrelaçadas. A consciência do prazer e da corporeida-
w:abtbzaçao, o que reforça o preconceito e a ignorância não a~:do de exige um manifestar-se responsável diante do outro e do nosso tempo.
as ormas de educação social e elevação do ideário hum~tário. Não se trata de viver uma sexualidade·descomprimida e alienada, incapaz
de inferir as reais potencialidades de vida e morte que encerra. A visão
Assim, desde seu aparecimento o vírus IDV e a d
provoca têm colocad , · _ ' oença que este ou a compreensão emancipatória não confere um egocêntrico direito de
social e cultur . o se"? as questoes para a ~iência e para a nossa vida decisão subjetivista; pelo contrário, a emancipação ou a intervenção
ai. Muitos discursos buscaram interpretar a questão da Aids emancipatória só é possível no inundo de homens igualmente livres e

106
107
emancipados, capazes de trocas gratificantes e significativas, de homens vigência totalitária da mercadolatria de coisas e ~e corpos. Nesse c~ná~o
c mulheres que compreendem a dinamicidade do seu ser, e só se empe- ocorreriam o triunfo da sexualidade consurmsta e a desumaruzaçao
nham e se reconhecem nos outros, na alteridade, na amplitude da vivência orwelliana do próprio homem.
coletiva e ampliada.
--..., O "admirável mundo novo", presente nas utopias cinematográfi-
A sexualidade numa dimensão emancipatória supõe também nor- cas recentes, seria o domínio do poder do consumo, a alienação do
mas e limites como marcos de sujeitos plenos, e não sanções, preconcei- homem e de sua vontade, na consumação idílica dos corpos. Buscamos
tos, segregações, um desfiar de acusações, pecados e medos. Desde o sonhar uma outra sociedade, em que a sexualidade seria a capacidade de
pio~eirismo de Freud, sabemos que a sexualidade sem a coordenação da encontro, seria o espaço do desejo e da afetividade, da erótica ple~a, de
s~c1edade é uma_ força tanto erótica quanto "tanática", derivada de homens livres da completa superação de formas de manutençao do
(anatos, q_ue configura a morte. Não há sociedade sem a normatização patriarcalismo' e sua expressão mais tosca, o ma~hismo, ~e vio~ên~ia
da sexualidade. De um lado re.c onhecemos que a exigência social de sexual e de violências políticas, de vivências neuróticas e de mtoleranc1~s
normatização não significa que toda normatização deva ser unilateral competitivas. Os seres humanos teriam a ciência e o _desejo, o co~eci­
t~azmen.te..rer:>ressora coma a história mili!n_ar do patriar~ mento e a paixão como formas de apenas superar o remo da nece~sz~a~e
cahsmo nos tem demonstrado. A normatização equilibrada e tolerante pelo reino da liberdade. Uma sociedade de novos padrões de vtvencia
o cuídac:l()"(]e"si, a temperança nos assuntos do desejo recusam a anomi~ social, trabalho e racionalidade.
e a heteronomia parciais e propõem a busca coerente da autonomia e o
equilibrado conceito de compreender a~ contradições e superá-las dinâ-
-
É certo que não compreendemos o resgate da racionalidade do
mica, arbitrária e dramaticamente no cotidiano, nas condições reais de ponto de vista tecnocrático, mas de uma concepção de radicalidade e
nosso viver. Ao mesmo tempo é de fundamental importância destacar- globalidade, como ainda nos adverte Marcuse (1967, p. 28):
mos a necessidade da crítica à sexualidade consumista, esta sim também
d~sumanizadora, reduzindo corpos e pessoas a um conjunto de experiên- Quanto mais racional, produtiva, técnica e total se toma a administração
Cias vorazes, ao mesmo tempo frustrantes e compensatórias de grandes repressiva da sociedade, tanto mais inimaginãveis se tom~m os modos e
ausências de sentido. os meios pelos quais os indivíduos administrados poderao romper sua
servidão e conquistar sua própria libertação. Sem dúvida, a idéia de
----..A sexualidade não pode ser restritamente compreendida como um impor a Razão a uma sociedade inteira é para~oxal e esca~d~losa . -
embora se possa discutir a correção de uma soc1edade que nd1culanza
conjunto de normas, mas também não se pode compreendê-la socialmen-
essa idéia enquanto transforma sua população em objeto de admini stra-
) te com o discurso da ausência de normas e da onipotência da subjetivi-
dade idiossincrática, pois isto seria o descaso da ciência e da sociedade.
ção total. Toda libertação depende da consciência de se'"':'i~ão . e o
surgimento dessa consciência é sempre impedido pela pred~mmanc1a ~e
Redundaria na abertura de fissuras profundas nas utopias e na negação necessidades e satisfações que se tomaram, em grande proporçao, do própno
indivíduo. O processo substitui sempre um sistema de precondicionamento
--
do homem como um ser político e social.

Assim é possível delinearmos hoje alguns cenários para a retoma-


por outro; o objetivo ótimo é a substituição de falsas necessidades por outras
verdadeiras, o abandono da satisfação repressiva.
da desses valores humanos; num deles a consciência trágica aponta para
uma compreensão devastadora, a chamada globalização do mundo, da A apresentação da sexualidade em nossos dias não pode ser vista
economia e da cultura, que nos levaria a um atropelo consumista- uma como uma das formas dessa "satisfação repressiva" que nos aponta o
ditadura do consumo e da técnica que povoaria nossas redes de sentido pensamento de Marcuse. Ao delinear uma forma de int~rvenç~o sobre ~s
aos múltiplos shopping centers, celulares, carros Únportados, impondo a sigmficações possíveis da sexualidade humana, numa diiDensao pedago-
~
108
109
I
gica, deveremos colocar sempre a chave política como forma estrutural transparente e confiante, sem as máscaras de uma cotidianidade massa-
para se~ equa~ionamcnto, de modo a desencadear uma compreensão de crante sem os receios de uma violência simbólica inibidora, poderemos
que a libertaçao de uma sexualidade repressiva dependerá de processos retom~r as vivências abertas de uma nova antropologia do prazer. A ética
amplos a serem construidos por homens e forças de transformação radicais. da contemplação, do desejo comedido e profundo, dos encontros indes-
critíveis entre essências e subjetividades plenas será marcada por novas
Marcuse (idem, pp. 50-51) adianta:
liturgias e novos rituais de amor, confiança, dignidade e admirável
enamoramento .
... na realidade, nem a utilização dos controles políticos em vez dos
con,troles físicos (fome, dependência pessoal, força), nem a mudança no Fruto da desumanização de seu espaço vital, a cidade contempo-
carater do trabalho pesado, nem a assimilação das classes ocupacionais rânea é vista como o espaço do massacre emocional. A cidade co~tem­
nem a igualação na esfera do consumo compensam o fato de as decisõe~
sobre a vida e a morte, sobre a segurança pessoal e nacional, serem
porânea determinou a morte do hom~m ~ a co~seqüen~e e~altaçao da
tomadas em lugares sobre os quais os indivíduos não têm controle algum. máquina, ou ainda, reduziu o homem as d1mensoes da maquma, quer no
Os escravos da civilização industrial desenvolvida são escravos subli- seu corpo, quer no seu espírito, quer na razão, quer na vontade. G.
~ad~s, mas sã~ escravos, porquanto a escravidão é determinada "pas par Gusdorf aponta o dilaceramento da cidade como uma das grandes
I obé•ssance, ru par la rudesse des labeurs, mais par le statu d ' instrumeot
frustrações ontológicas atuais ao dizer:
et la_ r~ducti?n_ de l' homme à l'état de chose". Esta é a forma pura de
serv1dao: ex1sllr como um instrumento, como uma coisa. E esta forma
de existência não é ab-rogada se a coisa é animada e escolhe seu A cidade contemporânea, na sua imensidão, não pode ter um cent~~· ela
alimento material e intelectual, se não se apercebe de que é uma coisa tem diversos ou nenhum. O centro é o lugar adequado para a reumao da
se é uma coisa bonita, limpa e móvel. In versamente, ao tender ~ comunidade citadina, para as cerimônias e os jogos, para o mercado e
espoliação para tornar-se totalitária em virtude de sua forma tecno- para 0 desfile militar ou civil.(...) A máquina expulsou o_ homem_dos
lógica, os próprios organizadores e administradores se tornam cada vez lugares privilegiados que lhe haviam sido reservados. A ~~d~de ~01, na
mais dependentes da maquinaria que e les organizam e administram. E história da humanidade, um fator de humanização; ela contnbm h?Je para
essa dependência mútua não mais é a relação dialética entre Senhor e a desumanização do homem. Nas ruas, nas praças, nos passeios, _nas
Servo, já rompida na luta pelo reconhecimento mútuo, mas, antes um esplanadas, outrora, o pedestre encontrava o pedestre. Agora as avemdas
círculo vicioso que inclui tanto Senhor como Servo. Os técnicos de,fato converteram-se em autódromos em que os motoristas, agarrados nos seus
dominam, ou será o seu domínio daqueles que confiam nos técnicos volantes, v ivem segundo o ritmo geométrico e alucinatório dos sinais
como seus plaoejadores e executores? vermelhos e dos sinais verdes, emblemas do novo espaço-tempo
técnico. Ninguém encontra mais ninguém; cada qual se en_trega
inteiramente a esta fuga para a frente, desvairada, que defme a
A possibilidade de uma nova concepção de sexualidade não passa existência humana na última parte do vigésimo século. Outrora pólo
pelo esmero técnico e pela nova qualificação da linguagem somente. de atração, a cidade tornou-se assim um pólo de rep~Isão. Os prisi~­
Re~uer uma compreensão mais ampla, centrada nos eixos de poder da neiros do espaço urbano sonham em evadir-se o ma1s cedo e o ma1s
soc1~dade capitalista em que vivemos. As estruturas de morte e negação depressa possível. (1982, p. 59)
da vida, presentes na esfera do trabalho e da vida cotidiana, marcadas
p:la expl~ração e ~or ~~meras formas de desigualdades ou injustiças, Todas essas características mais globais da sociedade contempo-
nao poderao nunca mstituu formas gratificantes de prazer e de plenitude. rânea burguesa encontram-se plenamente vivenciadas ~~ nosso _país.
Ao mundo ~as mercadorias frias e opacas correspondem relações de uso Nossos jovens e adolescentes vivem profundamente a sohdao at~miZada
e de medo, mcapazes de propiciar perspectivas de encontros. Quando um da cidade de pedra. A melhor metáfora para explicar a perpleXIdade_de
homem encontrar-se outra vez diante de seus semelhantes de maneira jovens e adolescentes ante a cidade desumana encontra-se nas narraçoes

110 111
a aixonados, o delírio dos utópicos, o êxtase dos mís.ticos, a ~loqüente
mitológicas mais clássicas, como nos evoca o dilema de Édipo diante da
esfinge. Este animal mitológico, a esfinge, representada simbolicamente
a~o dos revolucionários. Saviani (1991, p. 102) questiOna a pos-moder-
como possuidora da face humana, do corpo do leão e das garras da nidade e seu ceticismo:
águia, representava, num ensaio interpretativo, a aparência humana
Enquanto pós-moderna, descrê da civilização, per~e o ~aráter de pr~s­
disfarçando a dimensão animalesca e selvagem do leão e ainda a
so histórico e mergulha na mesmice dos signos dtssoctad?s ~e senu ~~
dimensão traiçoeira e de rapina própria da águia. A sociedade e a no vazio de um presente sem perspectivas e nas a.parenc~s-~:;r~
cidade contemporâneas são, para os jovens, a verdadeira esfinge que perderam qualquer relação com algum su~rte, essenc~al ..o p s d
parece humana mas encerra as armadilhas perversas do animalesco e nismo respira uma atmosfera de decadêncta: 'decadencta ~as gran. es
"déias valores e instituições ocidentais- Deus, Ser, Razao, Sentido,
da rapina. A esfinge endereça, como a Édipo, o seguinte dilema ou
~evolu -o Família"(...). Em lugar da " rebelião das massas" de que trata
enigma: "Decifra-me ou te devoro! " Ortega ~ Gasset (1962), própria da modernidade, cabe.f.alar_agora da
Numa sociedade superando as dominações toma-se imperativo "deserção das massas": deserção do social, isto é, despoht~zaçao; d~~r-
-o da H"tstória de vez que "só o presente conta"; deserçao do pohllco
afirmar a verdade do homem. Gusdorf (idem, p. 94) proclama: ça ' I' · "busca da
e do ideológico traduzida na descrença nos po tllco~ e na
eficácia a curto prazo"; deserção do trabalho caractenzada pelo absen-
A derradeira verdade do mundo em que vivemos é uma verdade humana. teísmo; deserção da família e da religião (...).
Toda análise que não leva em conta este fato fundamental é uma análise
A sexualidade vivida, na ansiedade quantit~tiva, .somente poderá
redutora e incompleta. Os cientistas não erram por prosseguir suas
investigações; os técnicos são justificados por aperfeiçoar sempre os \
meios à disposição da humanidade. Mas os resultados obtidos por uns e ser avaliada como busca desenfreada de sentido, vtv~nctada numa :n~~
outros não são válidos senão sob a condição de estarem situados na ciência invertida do real, absorvida com a fugactdade do ~~ d
paisagem da condição humana, de serem interpretados em função das da morte e dos ~Tlli o.s a
\
finalidades próprias da vida na terra dos homens. Desde que esta condi- n-ao-ser' com a marca indelével das forças
d 1 · têncta de abnr-se
ção se perca de vista, os resultados mais incontestáveis, os mais verda- solidão obtusa, da incapacidade de amar, a p ena tmpo
deiros não são mais válidos; eles carregam em si os germes da alienação ao mundo e aos demais semelhantes.
da crise do mundo contemporâneo, em que as verdades são conferidas
com os valores, onde os meios são conferidos com os fins.

Na compreensão das silhuetas deste novo mundo com que sonha-


mos lançam-se algumas sementes do presente. Podemos apontar com
certa satisfação as lutas dos movimentos emancipatórios da mulher, dos
negros, das minorias raciais, dos homossexuais, do Terceiro Mundo, dos
ecologistas e ambientalistas. São fissuras do presente que abrem hori-
zontes para formar os cidadãos do futuro. Os corpos livres somente serão
livres para novas formas de prazer e gratificação quando abolirem os
pesados signos de morte que pesam sobre suas entranhas.
Isso requer uma capacidade humana, consciente e ativa, de rejeitar
o pessimismo cético, que não admira, não ama, não espera, apenas
constata, apenas lê o mundo sem apropriar-se dele com a energia dos

113
11 2 I
6
OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA EDUCAÇÃO SEXUAL

Se observarmos atentamente os temas mais freqüentes nas discus-


sões sociais, científicas, nas rodas de amigos, nas festas, nos meios de
comunicação, nas músicas, veremos que em tudo explode a alusão à
sexualidade. Faz parte hoje do ritual de descoberta pessoal e da busca de
uma nova sociedade. Em todos os meios sur.ge lU_l~idade s_ocial-de
~ fall!f.ile sexo..E nesse falar de sexo existe uma diversidade de discursos
que se confundem, antagonizam e aumentam ainda mais a necessidade
de se buscar elementos, significações, para a sexualidade humana, uma
vez que a insuficiência dos padrões atuais e a infinita riqueza dessa
dimensão humana são descobertas. E em todos esses discursos podem
1
ser percebidas características próprias, que tomo de Eni Orlandi (1983)
para, de antemão, dar o anúncio da minha palavra. Não quero abrir um
discurso autoritário, parafrásico, construído sobre a ilusão da competên-
cia e da força em quaisquer de suas formas, nem tampouco cair num

1. Neste livro a autora toma as categorias do discurso autoritário, lúdico e poJêmico, construindo
a identidade de cada um.

115
I
discurso polêmico, ainda este elitista, pois supõe certas referências mais
~
z
Esses conflit~s :ã:~::~~:~~~ ~~!::~~~o:~;~:~::~~~~e~:.~:~!: .
j
específicas de círculos geralmente mais favorecidos. Quero abrir um
discurso lúdico sobre a sexualidade, um discurso de muitos sentidos. Para
neste mesmo processo superar a palavra repetida, construída por outros,
~~~f~;~i~~d:o~ seus interesses. E é precisamente nesse tmagmano
fechada, sobre a sexualidade. Portanto,-meu objetivo é falar de sexo, social que inserimos o comportamento sexual. ..
discutir a sexualidade, de um modo muito próximo. Pois não se fala de
Partimos, então, de algumas categoria~tira~:r~a g:~~~~~~~-;r~; .m
sexo senão de um modo muito chegado, vigente, atuante em nós próprios. ü
lógica e da sociologia: o mundo da na~r~za e ~c~o O ~undo da cultura
Para enunciarmos este discurso é preciso considerar o contexto de é tido como o espaço do dado,_do re~~ or~~::: h~mano, a construção
nossas vidas. E não se pode abrir a palavra sem considerar as leis gerais se compreende como a totalidade p . homem é entidade de
da evolução da sociedade ocidental-cristã. Isso implica reconhecer o superposta do mundo ::s~=e~~o~;:~~~~~~;d~; liga-se ao mundo da
modelo cultural ocidental e situar dentro dele a compreensão da sexua- dupla natureza, nu~ p "d e estranha-se da natureza pelo seu
lidade. Esse modelo ocidental tem uma história, que é a história de sua natureza, donde tua a sua vt a, ultura E o lugar do homem
própria constituição, e nessa história a sexualidade tem papel proeminen- trabalho, o que o faz sair da natureza para a c . . . , , co o
te. O Ocidente tem uma relação muito séria com a sexualidade, que pode é a corporei~ade; a d~ensão ~~t~~f~~gi~~;;;:e~~: e;t~~s: ~~upe~r
ser encontrada na raiz de nossas limitações, de nossos medos e de nossos o lugar híbndo da na reza e . .· Im orta perder
. "ficação mais digna, lúdica, livre, para o corp0 . . p
traumas. Muitas vezes o silêncio é a medida da repressão. E é preciso uma stgru - ~ . vi ente ainda, que define o corpo em
encontrar categorias que façam emergir os pressupostos desse conflito uma concepçao anacrorucaj mas . ~ .o do mal da maldade da malícia,
repressor e reprimido. oposição ao espírito e vê ne e o pnn.~tpt d. ão ~te. O corpo ~orno prisão
da luxúria, templo do pecado, lugar atper tç se carrega um acidente na
Pa~ essa abordage~m1L.Segura_metodologia de do homem,
e que como um tras e que
quas Essa e, a vtsao
'
. - m aniqueísta e platônica pregada mmto
.
análise da realidade social, ou ~ metodo.!g_gia-de colllEreensão ontologia humana.
da história, que não se Timi~a-coml2!..eensão ético-relig!Qsa, tempo pela catequese cristã. ·
conjuntural,_jsto é, ingênua e imediat~ onsi&LJ2enetrar n-ª-
dimensão estrutural-dialética da produção~ 0 da social. Assim, a Nós queremos recuperar o se~ti~~::am::~i::t~~:~ ~~:~:::~
questão sexual deixa de sero bjeto de religião, ou ainda de psicâiiãri8e" dade, a vertente perdida,_ch;m~:~~~~:sa co;poreidade, considerando
ou psicologia clínica, e passa a ser compreendidas..omo uma questão criticar os modelos_a~a~s : st . d de e os interesses que estão
estrutural, ligada diretamente ao--cõliteito social, produzida dentro a evolução dessas stgm;;caçoes na ~~~t~ i~aginário social construído
dele, relacionada com os demais níveis, econômico, político, moral e embutidos nelas. E~te~ emos qu~ma inário social que engendrou e
social. Neste enfoque a sexualidade não é anomalia, patologia, disfun- Pelas relações capttahstas, um g - d l"dade este tam-
. ão e padrao a sexua 1
mantém um ~tpo de compreens
,
ção, coisa acidental, mas pode ser compreendida dentro de padrões da Nossa crítica quer decodificar
objetivos, interesses claros, um complexo de valores, modelos, com- bém converttdo em consumo e ven . dem partindo de novas
portamentos, padrões socialmente construídos de acordo com agentes esse modelo e projetar a ruptura com e~sa ::iso t;ilhar o caminho de
específicos. Uma compreensão dialética supõe uma sociedade em práticas. Mas para fazer e~se percurso et psr da ht"stória falando sobre
. · e ah em momen o '
evolução, em dinâmica, em movimento, o que se traduz em um
complexo interno e externo de conflitos. A sociedade é o complexo :~~~,!":r~~~~,:~~' possibilitou boj~ esta própria:~:!~.~:~~~:
A realidade de uma sociedade de conflttos estruturats .
de conflitos, não de um modo valorativo, mas de um modo objetivo.
na seroalidade.

116
117
I
Este será o nosso caminho. Até propormos a evidência de que a
busca de uma sociedade nova implica uma nova sexualidade, uma nova zante e generalizante. O feminismo m~s autên?co tem séria crítica a
compreensão do desejo, da paixão, da alteridade, do encontro. Recuperar Freud e seu significado na sociedade patriarcal ocidental (Sullamy 1984).
a palavra, de uma maneira nova, lúdica, sobre o corpo e sobre a sexuali- Essa crítica não pode, nem quer, frustrar uma avaliação real d~ssa
dade é o caminho da utopia concreta, já agora anunciada mas não ainda introvisão original de Freud. Uma prova de que é de espa~s defini~os
ue se avança são as idéias de seus_discípul~s, d~ ~odo espect~l d~ Re~ch.
realizada plenamente. Pois um dos mecanismos principais da estrutura
autoritária burguesa de sociedade é o da competência, da exclusão e da ~em Reich que veremos introduztda na pst~alis_e
a categona hist~nca,
permissão do discurso. Existem instituições criadas para controlar as quando este define a repressão sexual como _histoncament~ produZida.de
~ormas e expressões do discurso hegemônico, bem como repetir paula- acordo com determinados interesses, e afirma que. se ~tvemos n~ma
tmamente sua parte nesta ideologia geral. Recuperar a palavra sobre sexo, sociedade autoritária é porque ela historicamente fot ass~m :on.strut~a,
de um modo novo, radicada na prática, é um ato de poder. sendo prováveis e possíveis outras sociedades onde não haJa ruve~s a~stm
tão repressivos como na nossa. Esta é uma grande saca~a de Retch.
Para entabularmos conversa é forçoso começar por Freud. Sei que
há muita polêmica e divergência sobre esse homem, mas de um modo ~ E ele vai mais além, pois se Freud colocava a repressão_ da libido
genérico vou chamá-lo aqui de pioneiro, um dos profetas da sexualidade como causa dos distúrbios físicos e psíquicos, Reich ~usa afi~ma~ que
nova, ou melhor, da compreensão de uma nova sexualidade. Freud essa repressão é socialmente determinada e se d~ p~la _m:ernaliZa~a~ _de
coloco~ o pensamento perene, o fogos ocidental sob suspeita. Contudo, códigos e valores repressivos mantidos pelas .msbtuiçoes aut~ntanas
ao anahsarmos bem a compreensão freudiana, mesmo reconhecendo seu dessa mesma sociedade, e esses códigos repressivos obedecem a m~eres­
v~or ~seu limite histórico, percebemos que há um elemento trágico, para ses dos grupos governantes e opressores. Reich relaciona ~ sexuah_d~~e
nao diZ~ r conservador. Para Freud, a repressão sexual é condição de vida com 0 poder. Desse modo ele ousa denunciar a f~a au~ontaria
em sociedade. Toda sociedade só se estrutura reprimindo os instintos burguesa patriarcal, por meio da qual o abuso ,?esse ,?atr~~cahsmo se
básicos, sexuais e violentos, pulsões instintivas de prazer e violência. A torna a primeira instância de enquadrament__o d? novo ao Ja. est~turado
sociedade é um complexo de tabus, proibições e obrigações que geram e velho sistema social, agindo como agencia de domestt~çao ~ _de
2
um homem sofrido e frustrado. Isso se torna ainda mais trágico quando submissão, bem como a escola e as demais instituições morais e religiO-
se pensa que o princípio do prazer, de eros, foi convertido e transformado sas da sociedade, que, com a repressão sexual, produzem homens sub-
em trabalho. O trabalho é, para Freud, o instinto de prazer sublimado e missos e doentes. Ele nos diz:
transformado. E ainda mais: para Freud, não há alternativa a não ser a

1
integração na sociedade através da racionalização dos conflitos não ~ráter d;homem~- que perpetua um~ cultura
resolvidos. Embora denuncie os mecanismos de controle social como os patriarcal e autoritária que já tem de quatro a seis mil anos de tdade_-
co~plexos de ~ipo e de culpa, Freud não consegue propor uma supe- é caracterizada por uma armadura contra a natureza, dentro de st e,
também, contra a miséria social, fo ra de si. Esta arm~dura do caráter é a
raçao; ao contrário, sua teoria pode legitimar as forças conservadoras e ) base da solidão, do desamparo, da ânsia de. aut~ndade, do medo ~a
repressivas da sociedade, e ainda tornar-se a-histórica, como universali- responsabilidade, dos anseios místicos, da ~tséna sexual, da rebe~dta
impotente, bem como da resignação de um t~po anormal e p.atológtco.
2. Os seres humanos adotaram uma atitude hostil para o .que é_v tv~ dentro
A re~peito d~ssa relação entre os autores clássicos da psicanálise e o poder há um excelente
deles e assim alienaram-se de si próprios. Essa ahenaçao nao é de
ensa~~ orgaru~do por Guido Mantega, "Sexo e poder", in: Cadernos do Presente, coleção da
Bras•!•e~e, Sao ~aulo, 1979, mormente o primeiro artigo, "Sexo e poder nas sociedades origem,biológ{ca, mas sim de origem econômica. Não pode ser enco.n-
autontánas: A face erótica da dominação". trada na história humana antes do desenvolvimento da ordem soctal
patria~cal. (apud Rycroft 1971, p. 43)

118
119
Percebemos aqui os princi ais el
materialista da história e por p . ementas de uma compreensão coletivo, pano de fundo oculto, mascarado, elemento não dito nas teorias
pensar lembramos , conse~te, da sexualidade. Neste mesmo econômicas e que, em ultíssima instância, regula e determina as decisôes
que, para o marXIsmo a cha d econômicas em todos os níveis.
sociedade são as relaçoe-s eco ~ . N' . ;e a compreensão da
nolDlcas umlivrnh d"d'.
do marxismo Georges Politzer (1979 p. 280) I. o I atico o teórico
• · assim escreve: Desse texto tiramos a nova compreensão da sexualidade como
coordenada antropológica definida de um tipo de homem historicamente
Ao estudar a evolução da sociedade \
constata-se pri · ' e tomando os fatos no passado construído na cultura ocidental. E, com base nela, tentaremos vislumbrar
, metramente que a divisão d . d ,
existiu sempre ( ) Todos'
· ···
h
os omens arti ·
a SOCte ade em classes não que, uma vez desmascarados os padrões do estabelecido, são as práticas
instrumentos de trabalho individuais sã p ~•pam d~ produção; os novas que levarão a um redimensionarnento da sexualidade, que não se
de que se servem em co o propnedade pnvadam mas os
mum pertencem à comunidad A d" . - encontra, por sua vez, desmembrada de uma luta por uma nova concep-
trabalho não existe neste estad . ç . _ e. tvtsao do
o lfltenor senao entre 3 h _ç ão de sociedade, até mesmo de cultura. A dialética exige que se ligue
caça, pesca etc... A mulher cuida da casa N- .. os sexos. 0 ornem
ou privados em jogo. · ao há mteresses particulares tudo a tudo.
_..,
Na mesma linha de análise existem ainda dois grandes críticos da
Percebemos aqui que há um ponto co . sociedade capitalista moderna: Marcuse e Foucault. Marcuse tenta fazer
marxista: a sociedade patriarcal autorit' . ~um ~nt~e Reich e a posição a síntese entre as categorias marxistas e freudianas, e no seu livro Eros
ralmente" · ela é tambe' .alm ana nao existiu sempre ou "natu-
, m SOCI ente estrutu d d e civilização propõe uma filosofia política para a teoria freudiana de-
Aliás, a questão da natureza e da hi t , . ra a e eve ser superada.
monstrando que o indivíduo reprimido, originado pela sociedade repres-
o mito "natureza" e' d s o na sempre volta. E freqüentemente
usa o como argumento d siva, deve fazer uma dialética de libertação, que é a contra-organização,
propício a escamotear a precaried d d conserva or, sendo muito a rebeldia; Eros contra a Morte, que é a sociedade administrativa.
sempre_recuperar que a pro' . a ~ - a estrutura social. Pois é orecisn
.. E!Iª-º.QruiiçãG..lJ.u.man ~ r-nlh, P~l ~ Marcuse reafirma a teoria do complexo de Édipo e a enriquece quando
aquisição da linguageme d a._e~ , POIS foi pela
demonstra que o velho pai está sendo transformado em outros mecanis-
desprendeu-se do mundo dao peturnsamento que o homem, pelo trabalho,
, , na eza que perman . t , mos como a burocracia, a administração sem sujeito, pública e privada,
nos so captado com b .~ ' . ece m ang~vel para
ase na expenencia hum , o Estado. Marcuse denuncia ainda o controle interno e externo da
homem é detenninado culturalme t . , . a~a concreta. E como o sexualidade nessa sociedade, fabricando um tipo padrão de relações
nação tem um eixo e se caract . n e, ISto_ ~· histoncamente, essa determi-
enza por praticas reai E b humanas individualistas e competitivas. Neste nível entra a teoria de
ficamente da questão t . . . s. m ora trate especi-
. elDlDllla, a meu ver mUito mai d , . Foucault, de que a aparente liberação sexual é realmente a nova arma
Importante o resgate que nos faz Ro M . M s ensa, e mUito da civilização de seu próprio controle e destruição. Colocando ênfase
se ane uraro (1983, p. 21 ss).
na própria cultura, cujo mecanismo principal é o autoritarismo, for-
O sexo, pois, se encontra na articula -o d d . . mando indivíduos reprimidos, Marcuse e Foucault propõem que a
o individual e 0 cole!" E' ça os ots etxos da vida humana: repressão não se reduz meramente a um modelo político, capitalismo
tvo. , ao mesmo tempo 0 el
tante do domínio de nossa interi .d d , em~nto mais impor-
puJsões desejos f - on a e, o lugar onde mteragem libido ou socialismo: o autoritarismo está presente na própria condição huma-
, , unçoes, prazeres e desprazeres e també ( ) , na, desde a aquisição do pensamento e da linguagem. Segundo Marilena
' m ... o
- ----
3.
Chauí, assim Foucault estrutura uma proposta de superação sexual do
~ g_r~oé nosso detalhede um texto no uaJ o aut . . modelo capitalista:
drvJsao social do trabalho. q or actma cuadodescreve o processo da primeira

120
121
\
A idéia central de Foucault é que a liberação sexual, se for possível, não o indivíduo educado numa atmos~era ~ue nega_a vida e o sexo adquire uma
passa pela crítica da repressão sexual, mas pelo abandono do discurso da ansiedade de prazer (medo de excttaçao que de?x:azer) que é representada
sexualidade e do objeto sexo e pela descoberta de uma nova relação com fisiologicamente em espasmos musculares cromcos. Esta ansiedade de
o corpo e com o prazer. Isto significa não só a crítica da medicina, da prazer é 0 solo em que o indivíduo recria as ideol~gias que negam a vida,
pedagogia, da psiquiatria, da psicanálise e da sexologia, mas também a as quais são a base das ditaduras. Trata-se da funda~o do medo de um modo
crítica de suas críticas, pois estas permanecem no mesmo campo definido de vida livre e independente. (apud Rycroft, op. c1t., p. 43)
pelas estratégias do discurso da sexualidade. (Chauí 1984, p. 182)

Embora se possa fazer uma crítica a Reich, no seu ingenuísrno


Foucault propõe o abandono do discurso sobre a sexualidade e do
naturalista, pois para ele há um substrato natural fixo, anterior ao cultural,
sexo como objeto. Ele fundamentalmente denuncia a verbalização, a
entre outros pontos, é fundamental compreender a coragem e a impor-
logicização e o controle que esses processos desencadeiam, posto que
tância desse freudiano dissidente que ousa afirmar a função do orgasmo
são produzidos historicamente. O jogo do sexo e as aparentes censuras
como a realização maior da liberdade e da condição humana. I-Já em
figuram como estratégias de controlé, viciando certos movimentos e
Reich 0 princípio de uma nova compreensão d~ erótico, do sexual. Não
instaurando uma "monarquia do sexo". A sexualidade livre é polimór-
se trataria aqui de acusar Reich de uma excessiva genitalidade, roas de
fica e desaculturada, devendo ser intangível e recuperada no nível do
acontecimento, sem a intervenção do pensamento e da palavra. perceber que o princípio de Reich possibilitou uma compreensão men~s
dicotômica da condição humana; a descoberta do corpo como exigência
Nesta linha de pensamento ainda poderemos notar nítida diferença de prazer, instinto de vida, foi um grito de libertação ... A necessidade
entre a atitude freudiana e a de Marcuse e Foucault. Enquanto Freud dessa recuperação e emancipação do corpo está cada Vez mais c1ara em
afirma que a repressão sexual é necessidade da cultura para se viver em nossa cultura, principalmente quando percebemos a Pübreza de nossas
sociedade, Marcuse ousa propor que a civilização não-repressiva só relações corporais, de nossos gestos, toque~, se~tidos~ fruto da sedimentação
acontecerá invertendo concretamente os mecanismos dessa sociedade milenar de um repódio e de uma desvalonzaçao radicai da corporeidade.
repressiva, isto é, dentro da luta política e de certo modo moral. Marcuse
pensa a sociedade da automação, na qual o homem terá mais tempo livre Numa compreensão assim se recupera a arqueologia da sexuali-
para "ser" ludicamente, escapando à pesada condição cultural do traba- dade construída na evolução da sociedade ocidental. A. argamassa cultu-
lho. A chave do Ocidente é o trabalho sobre o prazer. Para Marx, esse ral q ue dotou nossa consciência humana básica de elementos
trabalho é o trabalho alienado. Da mesma forma poderemos afirmar que maniqueístas, do dualismo platônico, da autoridade, do puritanismo
os modelos sexuais atuais e toda a sexualidade construída histórica e religioso, da energia humana sublimada e convertida ern força de traba-
socialmente no Ocidente cristão, patriarcal e falocrático representam lho, do homem mantido no mundo do labor. Segundo Nietzsche, venceu,
uma sexualidade alienada. A sexualidade do reino da necessidade e não desde a época dos gregos, a vertente apolínea, a vertente da ordem, da
do reino da liberdade... lógica, da clareza, do estabelecido, administrado, cerceado e controlado,
do pensamento objetivado e ensimesmando as relações humanas, em
Dentro da compreensão da sexualidade alienada ainda nos repor- detrimento da via dionisíaca, que é o não-nomeado, a festa 0 lúdiCO, o
taremos a Reich quando este analisa a repressão sexual como variante e - '
sem-razão, 0 desejo selvagem, sem re_gras, ~ nao-adtninistração, for~
origem dos distúrbios do poder. Pode-se questionar se a mesma interpre- pura e instintiva pulsão descontrolada. E preciSO recuperar essa dimensao
ta~o é válida para um nível mais abrangente, mas o importante é que dionisíaca da vida e da condição do homem. Nesse caminhO a ser
~etch percebeu que a estrutura social e a mental se interdependem, e isto conquistado, a luta por uma nova sociedade é a co~stituição de urna nova
1á é um avanço da posição de Freud: · mulher e um novo homem. Isso se perde no honzonte do utópiCO, roas

122 123
\
-
já é anunciado em todas as formas individuais e grupais que alteram o sexualidade. Não se trata de buscar uma "total" liberação da sexualidade,
esperado e quebram o papel socialmente definido e legítimo. Só com as como se houvesse um estado de completa ausência de .dominação ~
práticas novas se muda uma prática antiga. O discurso deve estar conec- repressão. Qualquer coisa cultural, nível ou instância da ~d~ ~umana e
tado com essas práticas, pois não se constrói uma nova sexualidade no socialmente limitada; mesmo o conceito de liberdade ~ limitado. As
domínio da velha ideologia. De pequenas práticas, relacionadas aos sociedades simbolizam as relações sexuais sobre o paradigma das re~a­
aspectos conjunturais, pode-se construir uma nova moral sexual, com o ções sociais de produção. Se estas primeiras são relações d~ e~loraçao,
devido cuidado com a palavra, e esta nova significação passa por uma as outras serão assim também estigmatizadas. Contudo, ~ ~came~~e
luta política, visto que na política atual as relações são autoritárias e pela dialética, ou melhor, pela compreensão dialética da histona, análi-
expropriadoras. Num mundo onde a morte e as armas ideológicas da sando as contradições e o movimento social, que compre~ndemos as
morte são as palavras de ordem, o amor, o erotis mo, as palavras sensua- diferenças culturais e as diferentes significações para a sexualidade. como
lizadas e impregnadas de vida são subversivas. Nesta dialética tem a possibilidade de superação desse modelo engendrado na soc1edade
sentido a ruptura cóm os padrões legítimos vigentes ... cristã ocidentaL
Freqüentemente os discursos sobre a sexualidade reduzem-se à No ponto em que chegamos de nossa. reflexão é p~eci.so discutir a
crítica do machismo ou aos códigos repressivos da sociedade patriarca- forma nova da sexualidade liberada, vend1da pelo capt~ahsmo na s~a
lista ocidental. A origem do conflito sexual não é explicitada. E ela se forma consurnista atual. Os homens, detendo a hegemoma da produçao
encontra precisamente na raiz social . São os homens que têm o controle da vida trabalham de maneira dupla com a sexualidade: numa cul~ra
dos meios de produção, do mundo da subsistência, e constroem uma com sérios problemas de repressão, a sexual~dade ~bert~ é f~rte atranvo
ideologia que legitima essa prática, a ideologia da superioridade natural, de consumo e de sublimação da frustração extstenctal; alem d1sso, ~ nova
da força, da iniciativa, do poder. O homem domina o mundo da subsis- imagem que se vende da mulher, com uma sensualid:de _estereoh~ada,
tência e manipula a palavra gerando um campo sagrado, na valorização embora aparente ser a liberação e o louvor do corpo, nao e nada ma1s do
~as suas tarefas, que lhe faz ter controle sobre os saberes da caça e da que uma estratégia do capital para su~meter o cor~o de uma ~ova fo.r ma,
mfra-estrutura da vida. Godelier fala da raiz da dominação sexual como talvez até mais cruel que a religiosa. E ainda Manlena Cham (op. ctt., P·
forma de dominação da reprodução social do sistema, que se dá em 22) que, ao criticar as formas da repressão sexual,. diz: "O novo saber
determinado momento na evolução das sociedades humanas. As mulhe- sobre 0 sexo científico e objetivo, não é necessanamente portador do
res não são exploradas unicamente no trabalho secundário, mas muito fim da repre;são sexual, podendo ser apenas uma variante dela."
mais que isso, são expropriadas, à completa alienação, na reprodução da
forma de vida que prolongue o grupo (Godelier 1979, pp. 9-29). A Quando escreve sobre as formas e os mecanismos da repressão
expropriação diz respeito à completa anulação de sua realidade como sexual, a mesma autora recupera uma valiosa relação: a pa~s~gem do
mulher até adaptar-se à "mulher'' que o mundo macho reserva a ela. sexo controlado pelo discurso e pela normatividade moral e religiOsa p~a
Desse modo ainda está por explodir e se criar a identidade feminina a a esfera da medicina e da psiquiatria. Deixar ao médico o que antes cabta
. '
no,vtdade que faz avançar a própria condição de hominização da natureza, ao teólogo e padre. O que pode ser facilmente com~rovado na c~~scen~e
ate agora controlada pelo repetitivo autoritarismo masculino. É preciso biologização e medicalização do sexo, enfoque. m~tas veze~ maJS acei-
explodir a feminilidade em sua constituição histórica nova, que passa tável nas esferas das mentes internamente reprliUldas ~os C1fculos ~on­
pela negação completa do modelo já determinado pelo machismo cultural. servadores. O fato fundamental é que os homens contwu~ a prahcar
Acho que essa vertente está profund~ente imbricada na busca de uma nova sexo desde que 0 mundo é mundo. E que os códig?s represstvos obede-
cem a interesses definidos conscientes ou internaltzados para um deter-

124 125
minado fim. As sociedades diversas simbolizam as diferenças sexuais de ara a exogamia, o incesto etc. Essas ciênci_as re_gistram tam~~~!a:
acordo com os padrões de sua vida econômica, e isso faz com que essas ~atrilineares da sociedade e sistemas matnarcats, se bem q
simbolizações extrapolem o campo do meramente econômico tomando-
modo marginal. . d
se o reflexo e a identidade daqueles indivíduos constituídos naquele
grupo social. É assim que temos um feminino definido pelo masculino, Seria muita pretensão descrever todoio p~oce~s~~Pontuamos am a
de longa marcha
um Deus macho, uma linguagem dualista, uma ética maniqueísta e um • A • od 10 lioioso quando a greJa, vm
a eXJstencta dom e re o- ' . . d' 'dência e nela a
pensamento idealista. Marx nos dá uma metodologia da análise da , . R cateqmza e batiza a mun IVI '
dentro do Impeno o_mano: ãs do Ocidente, as mesmas que
história. Curioso como ele trata da questão sexual. Para Marx, a prosti- sexualidade das naçoes barbaras pag d se os embriões do mundo
tuição é o símbolo da condição operária de exploração. Mais que isso, é I , · Romano toman o-
fragmentam o mpeno da IgreJ· a um interregno de mil
uma forma da alienação humana, que vende a sua força para a subsistên- ó extensa catequese • -
moderno que, ap s o f entes e processos de superaçao.
cia; é a forma de vida no reino da necessidade. Marx ousa acreditar que anos, saem da Idade ~édta e;:~o~~s~o ocidental, que foi rigoroso na
no reino da liberdade conectada com a sociedade comunista, haverá o · Um desses processos e o atua. p d ·a máxima para gerar exce-
nascimento do homem novo, por conseguinte, a exploração será erradi- repressão sexual quando p~ecisava a :;:rfaz do sexo moderno a arma w
cada da história humana. É a semente das relações novas, nas quais dente que o fizesse sobreVIver, e que ~ . c
c(
haverá de explodir em plenitude a sexualidade nova... de sua propaganda e bandetra· ma, xima do consurmsmo. c
::J
c(
· - da sexualidade como o
Em tudo isso propus~:~sesu:~e:~~nos concernentes a cada ~

Conclusão conjunto de caracteres, quah A • b' olóaica A sexua- ~


. d. d a diferença anatorruca e I o· . (/)
sexo, aqUI enten I o como , d d finida socialmente sobre o sexo c(
lidade é, portanto, sempre cons~d a e e laç-ao de exploraça-o e poder'
. . Es
pnmord1al. sa re aç
1 ão tem si o uma re
h a primeira delas, numa 8
Tentamos fazer um caminho muito extenso em muito pouco ·
sendo a domm~çao
- da mulher pe1o ornem
d I se interesses. Nas sociedades, de ~
tempo. Partimos do pressuposto de que o homem surge da natureza e tem c
toda a sua identidade na cultura: pelo trabalho e pela socialização
história de conflitos e de luta e c asse_ os de determinação da sexua-
diversas maneiras aparecem os mecamsm
z
desprende-se da mesma natureza criando um mundo humano, o que se ~
!idade por meio do discurso competente do poder. , . (/)
dá pela aquisição da linguagem e do pensamento. A lei que determina o w
. . b domínio de monopohos c
processo civilizatório é a lei da economia, da busca das condições Hoje, na =~ciedade capi~ahstafo:a ~o de papéis parece saltar
materiais de existência. A condição corpórea, animal, e a diferença econômicos, pohhc?s ~ ~ultu~ats,_ ao r ;niza -o dos instintos e do
;exual macho/fêmea são ainda desprovidas de uma significação humana, sobre o estágio da mdtvtduahzaçao, a 0 g ça · de instituições
, 1 ti e levada a cabo por melO
>ois estão entregues ao ciclo reprodutor da natureza animal. Na evolução comportamento e ~o e _va U a identidade é socializada por agentes
:ivilizatória, que tem seus requisitos básicos, aparecem certas tendências eficazes para esse fn~ ~nadas~ t: os uais ressaltam-se os meios de
videnciadas pelo jogo de poder que se estabelece no grupo. O fato é que e agências extr~amiliares,_ n q lhos ideológicos do poder. O
1s machos assumem esse poder e controlam a produção da vida, e deste comunicação social, acres~dos .a~s ~pare e vai enquadrando o novo aos
to estabelecem uma vertente que, de uma forma ou de outra, se tornou novo treinamento é a própna socte a e, qu
11racterística básica de nossa civilização: o machismo. A antropologia e seus modelos.
sociologia já podem trabalhar melhor neste processo, discutindo e
ntuando momentos importantes tais como a passagem da monogamia Finalmente propomos que :!~v~rsã~~::s;~:~~~~~~x~~~~~r~:
e autoritárias no campo da sexu a e p

\ I
127
superação das atuais relações de e lo -
mundo da sobrevivência. Um trab: ra~o do homem pelo homem no
humana alienada uma sexual'd d a1? alienado produz uma identidade
'
outra forma de sexualid d I a e 1enada• mas e- possivel - buscar uma
a e, um novo homem
nova sociedade, em novas reJa -es de -e uma .nova mulher numa
momento, a utopia concreta o ~ . pro~uçao da VIda. Tal busca é, no
antecipar as relaçoe-s novas ' pr pno ~e~eJo... e na luta política possibilita
- , que no estágto atual s .
soes dos comportamentos he e ~ . ~ concretizam em inver-
cionais. A construça-o de umg morucos.e na negaçao dos modelos conven-
. a nova SOCiedade passa I d . -
asstm uma nova identidade de 1 - pe a estruíçao desta·
re açao no camp d li '
completa negação das relações vi ; I o ~ sexua dade, passa pela
de prazer é exigirá a criaça- d gen es. ~so pefmlte recuperar um espaço
0 e uma nova Ideologia ...

SUBSÍDIOS PARA REFLEXÃO OU DEBATE

1. Discutir, com base no primeiro capítulo, as contradições dos


atuais papéis sexuais masculino e feminino.
• o mito da superioridade e da racionalidade masculinas;
• o mito da inferioridade e da afetividade femininas.
É possível afirmar, acerca da diferença biológica dos sexos, a
radical diferenciação sócio-histórica dos papéis atuais de "ho-
mem" e "mulher"? Da diferença só se pode tirar o conceito da
própria diferença, da alteridade. Não se pode deduzir da dife-
rença a superioridade.
2. A palavra "família" tem origem no latim arcaico e significava
"conjunto de escravos" sob o poder de um mesmo senhor.
Famulus é "escravo", família é o plural, "escravos". Engels,
em seu estudo A origem da família, da propriedade privada e
do Estado, analisa o surgimento dessas instituições na criação
da sociedade de classes. No nível histórico isso se dá com a
fonnação do patriarcalismo, que analisamos no Capítulo 2.
Discuta as várias faces desse patriarcalismo em nossa estrutura
familiar e social atual.

\ I
129
,._

3. Sobre a sexualidade humana muito se tem discu . .


Mas sempre que se multi 1. . tido e debatido.
• como relação sadomasoquista;
dade, eles trazem ]·unto pIcam ~s discursos sobre a sexuali-
a questao da mulher D . • como quantidade e acúmulo de "trepadas";
grotesca e real podemos afu · e maneua • como objetualização do corpo da mulher e do homem;
priedade" dos · mar. que a mulher tem sido "pro-
prus quando solteua "propri d d , d • como perversão e violência;
quando casada e "propriedade" d , filh e a e o marido ....
• como pornografia. <tl
presa aos inúmeros mitos q os os o resto de sua vida, C/)
-G)
que tudo faz" ou "o d ue a cercani, como o mito da "mãe Todas estas parecem ser variantes de uma descompressão da ()
escanso do guerreiro" C ~
as diversas lutas de libe _ . · orno voce veria sexualidade, mas não de sua libertação. Na maior parte dessas
moral da mulher? raçao social, econômica, política e formas há um novo modelo de enquadramento e de manipula-
4. A questão da homossexualidade ção do desejo, agora no contexto do consumismo capitalista.
é extremaniente polêmica Co ' tra~da no final do Capítulo 2, Analise esses pontos e tente fazer a crítica desses apelos, obser-
5. A expropriação da sexuaÍida:o;ocecompree~deessaquestão? vando, ao mesmo tempo, o silêncio e a omissãq das instituições
pecado e do medo, toma conta C: ~~:: da :e~ sob o si~o do tradicionais: família, religião, escola etc.
formas de repressão e enq d , Media, em dtversas 9. Como entender uma educação sexual sem ser doutrinária,
esse tempo e essas repres~:tara_men~o. E_P.ossívei afirmar que moralista, ou superficial?
discursos tradicionais da I . çoes stm?olicas recriam-se nos 1 O. Quais os grandes teóricos da sexualidade humana no Ocidente?
6. Uma das forma . greJa e no umverso mental cristão? Segundo Foucault, a sexualidade encontra-se em duas verten-
s mrus acabadas do patriarcali h b
~o seu sacerdócio exclusivista. Na Idade M , s~o e rai~ está tes: uma, mais desenvolvida, no Oriente, onde o sexo é visto
lismo transformou-se em ciericali . :dia esse patnarca- como ars erotica, isto é, objeto de prazer, relação e paixão. A
do clero, dos padres b. smo,.tsto e, poder exagerado outra, que viceja no Ocidente, é a scientia sexualis, na qual o sexo
· . ' tspos etc. Discuta qua · ·
tmpedtmentos ao sacerdócio fe . . . I.s senani os é transformado em objeto das mais contraditórias instituições:
nos círculos eciesiais norte-am=o hoJe em. dia em debate Direito, moral, religião, ciência, propaganda etc. Uma educação
avanços pontuais. A discrimin - ano~, .considerando-se os sexual deveria estar centrada em qual dessas paralelas? Ou em
uma grande forma de repressão~çao religiOsa não é também ambas? Discorrer e opinar com base no último capítulo.
7. O Capítulo 4 fala da sexualidad~ racionalizada . 11. Michel Foucault afirmou que os discursos sobre sexualidade
burguesa. O sexo, agora controiad 0 . ' burocratizada, são novas formas e dispositivos de controle social, coincidindo
e pela ciência tem a fun - . peJa linguagem, peJa religião com a pós-modernidade. Quais são as matrizes filosóficas do
concorda q ' çao emmentemente procriativa. Você pensamento de Foucault e suas tipologias discursivas sobre a
ue o sexo deva ser exclus. . .
possa ser veículo e forma de tvamente ~r~ativo e não sexualidade, e como aplicar tais matrizes aos atuais discursos
seria anular as outras tantas ~~er, _encontro, p~ao e vida? Não dominantes que envolvem sexualidade e educação?
do trabalho, princípio da racionali:~da sexualidade, em nome 12. Sigmund Freud, no seu texto clássico " O mal-estar da civiliza-
8. O Capítulo 5 tr . e urguesa? ção" (1908) defende a tese de que o homem nasce marcado por
como nos são a~:e~:~~~=:~as formas da sexualidade atual, tal uma intensa experiência de prazer. O homem deseja manter
sempre essa primordial vivência da felicidade. Essa tensão
• como objeto de consumo· primária entre experimentar o prazer e fugir das situações de
• f, '
como orma de satisfação egocêntrica; dor faz com que o homem crie mecanismos para aceitar e
vencer as situações de dor e vivenciar seu ser pelo "princípio

lO

\ 131
.d la redescoberta de uma nova
só possível de ser encontra a pe os e entre
forma de relaçã~ entre osl~edr~ h::;:~~e:~:x~::: perspec-
do prazer''. Todavia, a civilização nasce da repressão e do
controle desses instintos primários. A reorientação dos princí-
os saberes. Defina sexua 1 a e
pios instintivos configura a sublimação dos prazeres naturais, ·va a ontada por Naumi Vasconcelos. .
condição inevitável para a vida em sociedade. Caracterize o
processo de sublimação repressiva realizado pela educação 16. ~e a ~exualidade, na hipót~: :~~:s:i~~e~e~:~~:!: ~~~u~~
dominante e relacione com a questão da possibilidade de urna deve ser controlada para q l do Estado nessa
tu · da família da esco a e
educação sexual emancipatória. papéis estru ra~s ' - 0 eventual possibilidade
perspectiva? ExJste, nesta ~ncepça ' . atória? Discuta o
13. Wilhem Reich aponta outra direção ao pensamento e dilema d - xual erotuante e emanclp .
freudianos entre o "princípio do prazer" e o "princípio da deu~~: :a:~~ ~edo Estado nessa interpretação. ~e q~is~,
realidade". Enquanto para Freud a sociedade consegue intema- pape . . actos dos meios de comurucaçao e
lizar mecanismos de controle dos instintos prazerosos, submeten- busque avaliar os- !fila
imaginário sexual de cada época.
do a natureza humana por urna segunda natureza, social e massa na construçao , .dade e uais são os impac-
repressiva, Reicb afirma totalmente o contrário. Não é necessária 17. O que enten~emo~~~ ~~:-:t~~:~~ sociaisqna constituiç~o de
a capitulação diante da realidade. O prazer pode vencer a realida- tos de uma _erro ? ue avaliar as sexualidades doffilfian-
de. É preciso "erotizar'' as relações sociais e transformar a socie- novas sexualidades. Busq al. d d maroinal e/ou alternativa
tes e os discursos de uma sexu 1 a e o-
dade. O autoritarismo, a hipocrisia e a agressividade são frutos
de uma sociedade repressiva. Explique os eixos do pensamento de aos modelos constituído~. . . ossibilidade dos conceitos,
Reich e a possibilidade de urna dessublimação não-repressiva como 18. Em que sentido você defmma,alin_ad~de posta em discurso con-
al uestão da homossexu ' . al
discurso da educação sexual, seus limites e contradições. a atu q Ttantes de atuação socJal/sexu
14. Herbert Marcuse segue a linha de Reich, opondo-se a Freud. temporâneo p~los _grupos rru~ ·menta social e da emancipa- 8
destacada na dueçao do reco ecl C ~
ção. Procure abordar com fun~a~en_tos essa que:~~~ ossível
O caminho da transformação social é o caminho da sexualidade
natural e prazerosa. O vir-a-ser do homem não está definido
Como delimitar a questão da vwlencia ~exual atu 1. _P à vio-
1czLLI
por uma capitulação arquetípica entre prazer e sociedade. É
possível pensar uma sociedade voltada para a vivência pleni-
19. d a sexualidade sem a usao
uma anãlise que com~r~en a . rcada elo estigma da inLLI
ficante da alteridade, do lúdico, do outro. Esta mudança tem
um horizonte histórico, dado pela superação das relações capi-
~~~~~~~ee~c~~:~~r~~~~~:~:;:~:~~~~r~:ta q~e~ão, relacionan- c
do-a com a história da sexualidade no BrasiL
talistas, egóicas e repressivas. O desempenho econômico tem
tido a função de deserotizar o corpo humano. A sexualidade
dessublimada seria vivenciada pela comunhão humana solidá-
ria e plena e não pela dessublimação repressiva que produz
prazeres artificiais, consumistas, mecânicos e genitais.
15. Naumi Vasconcelos (Vasconcelos 1971) produz um texto me-
morável de combate aos diversos tipos de dogmatismos se-
xuais. Para esta autora, a possibilidade de um discurso novo
sobre sexualidade passaria por superar essas matrizes dogmá-
ticas de toda abordagem institucional. Define a educação se-
xual como uma descoberta e uma reerotização de si e do outro,

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A SEXUALIDADE NO <(
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fuçara Teresinha Cabral

Esse livro trata da construção histórica da sexualidade


humana na tradição ocidental. Enfatiza a questão da
dualidade nas relações corpo-alma, bem-mal, homem- fi
mulher e as formas de expressão dessa mentalidade nas l w
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relações amorosas e conjugais em diferentes épocas.
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Ao destacar alguns autores como marcos significativos ~
de pe ríodos históricos - Aristóteles na Antigüidade, c
::::)
Santo Agostinho na Idade Média e Freud na Idade ><
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Moderna - , a autora busca analisar e apontar diferen-
ças e contradições no tratamento do tema. "'c
Analisa também a relação entre sexualidade e moral,
o
c
mapeando os fatores sociais e culturais de cada tempo z
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que contribuíram para que o sexo ora fosse associado c
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à função de procriação, ora associado ao prazer. Por w
último, a autora apresenta pressupostos básicos para >

/
uma Educação Sexual transformadora em prol da vida, "'
w
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globalizante e abrangente.

ISNB 85-308-0371-X 164pp

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PAPIRUS EDITORA

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