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VASCONCELOS, Carlos Eduardo. Mediação de conflitos e práticas restaurativas.

6.ª ed. São Paulo: MÉTODO, 2018. (VIRTUAL).

Teoria e evolução histórica do


conflito
1. CARACTERIZAÇÃO DO CONFLITO

O conflito é dissenso, que está latente ou manifestado numa disputa. Decorre de


expectativas, valores e interesses contrariados. Embora seja contingência da condição humana,
e, portanto, algo natural, numa disputa conflituosa costuma-se tratar a outra parte como
adversária, infiel ou inimiga. Cada uma das partes da disputa tende a concentrar todo o
raciocínio e elementos de prova na busca de novos fundamentos para reforçar a sua posição
unilateral, na tentativa de enfraquecer ou destruir os argumentos da outra parte. Esse estado
emocional estimula as polaridades e dificulta a percepção do interesse comum.
Portanto, o conflito ou dissenso é fenômeno inerente às relações humanas. É fruto de
percepções e posições divergentes quanto a fatos e condutas que envolvem expectativas, valores
ou interesses comuns e contraditórios.
O conflito não é algo que deva ser encarado negativamente. É impossível uma relação
interpessoal plenamente consensual. Cada pessoa é dotada de uma originalidade única, com
experiências e circunstâncias existenciais personalíssimas. Por mais afinidade e afeto que exista
em determinada relação interpessoal, algum dissenso, algum conflito, estará presente. A
consciência do conflito como fenômeno inerente à condição humana é muito importante. Sem
essa consciência tendemos a demonizá-lo ou a fazer de conta que não existe. Quando
compreendemos a inevitabilidade do conflito, somos capazes de desenvolver soluções
autocompositivas. Quando o demonizamos ou não o encaramos com responsabilidade, a
tendência é que ele se converta em confronto e violência.
O que geralmente ocorre no conflito processado com enfoque adversarial é a hipertrofia do
argumento unilateral, quase não importando o que o outro fala ou escreve. Por isso mesmo,
enquanto um se expressa, o outro já prepara nova argumentação. Ao identificarem que não estão
sendo entendidas, escutadas, lidas, as partes se exaltam e dramatizam, polarizando ainda mais as
posições.
A solução transformadora do conflito depende do reconhecimento das diferenças e da
identificação dos interesses comuns e contraditórios, subjacentes, pois a relação interpessoal
funda-se em alguma expectativa, valor ou interesse comum.
As relações interpessoais, com sua pluralidade e liberdade de expressão de percepções,
sentimentos, crenças, direitos e interesses, ampliam as vivências de conflito. A negociação
desses conflitos é um labor comunicativo quotidiano em nossas vidas. Nesse sentido, o conflito
não tem solução. O que se podem solucionar são disputas pontuais, mas os nossos conflitos
podem sempre ser transformados pelo modo como lidamos com eles.
Indo mais adiante na busca do compreender a condição humana, é necessário que nos
reconheçamos como seres vivos, constituídos de forças cósmicas, biológicas, sociais, psíquicas,
emocionais, que nos impulsionam em direções contraditórias, embora fundamentalmente
complementares. Em cada um de nós atuam impulsos aparentemente fragmentadores, de
autoafirmação, e impulsos potencialmente integrativos, de religação, que, em suas expressões
equifinais, se concertam e se excluem, num contínuo dinamismo. Vivemos, pois, em meio ao
desafio de administrar, de afinar, de compreender e de integrar essas polaridades, entre nós e em
cada um, para que os nossos conflitos interpessoais, que podem ser construtivos, não
descambem para a destrutividade.
Estados emocionais de raiva, de indignação ou de medo exercem grande poder sobre
pessoas infelizes, decepcionadas, deprimidas, revoltadas, que são as mais prováveis vítimas de
reatividades irrefletidas, a ponto de, muito de repente, se perceberem acusadas da prática de
crime. Prevenir a violência equivale a compreender a nossa intersubjetividade/interdependência,
e praticar, construtivamente, em situação de violência manifesta, a arte da guerra (uso protetivo
da força) e a arte da paz (resistência pacífica), na construção de consensos razoáveis.
Recentemente, numa fila de banco, escutei a voz de um senhor à minha frente, que se
voltava em minha direção. “Não tem jeito! Este é um mundo cão! Aquela mulher na cama com
outro homem. E não é de hoje. Sempre dei do melhor para ela. Meus filhos estão muito
revoltados. Estou desmoralizado”. E estendeu o braço acionando o dedo como num gatilho.
Parece que as pessoas percebem quando alguém é observador e receptivo. Escutei, escutei.
Validei com a minha atenção e o meu silêncio os sentimentos daquele homem. Quando senti
que ele desejava escutar a minha opinião, procurei a empatia, expressando como deve ser um
desafio viver isto sem cair na tentação de tornar-se um assassino e amargar anos de
penitenciária. E perguntei: uma mulher assim é tão importante para você? Ele respondeu: ela foi
a maior decepção da minha vida. Aquela mulher é uma peste. Por nada no mundo eu a quero de
volta. Então perguntei. O que você gostaria que acontecesse agora? “Que ela morresse!” E
quanto a você, o que você está sentindo em relação ao seu futuro? Eu sinto que preciso de uma
outra companheira que me ajude a cuidar dos meus filhos. Os seus filhos são menores?
Respondeu que sim e que eram dois filhos homens. Eles gostam da mãe? Fomos deixando
outras pessoas passarem à frente na fila. Ele, então, falou que, quanto a isto, não tem o que
reclamar e que a mãe cuida bem dos filhos, que são muito apegados a ela. Após esse diálogo em
que as perguntas eram respondidas de coração, fui percebendo que aquele homem estava
diferente. Estava empoderado, como que se expressando por meio de outra “persona”, que, no
entanto, era uma outra expressão dele próprio, após o desabafo e a reflexão. Era possível
perceber que a necessidade implícita dele era de reconhecimento, de afago e de aceitação da
ideia de dar um tempo ao tempo e a si próprio para reconstruir uma ambiência familiar. E como
tínhamos outras coisas a fazer, dirigimo-nos ao caixa, não sem antes ele colocar, sobre o meu
ombro esquerdo, aquele mesmo braço do “dedo no gatilho”, agradecendo, emocionado, o que
chamou de “orientação”.
As pessoas matariam menos se fossem reconhecidas em seu sofrimento e escutadas na sua
dor. A maldade existe, sim, mas ela tem a cara do sofrimento, seja o de hoje, seja o da infância.
A não escuta desse sofrimento é o alimento dos processos destrutivos que ocasionam a escalada
do conflito na direção do confronto e da violência, numa sociedade ainda dominada pela cultura
da culpa, do julgamento e do castigo.
A partir da segunda metade do século passado, autores como Rudolph Rummel, William
Uri, Morton Deutsch e outros inovaram em suas pesquisas e abordagens sobre o conflito.
É interessante observar em Rummel1 o que ele denomina fases ou níveis do conflito,
distinguindo a) o conflito latente, b) o conflito real ou atual (disputa), bem como c) o modo
como se dá a exteriorização desse conflito manifesto (o processo).
Conflito latente é aquele observado no contexto das causas políticas, psicológicas e sociais
que compõem o quadro conflituoso e que permanecem latentes no indivíduo ou no grupo, sem
produzir qualquer efeito aparente. Nessa circunstância contextual, as posições ou disposições
opostas formam a estrutura cuja resolução, mediante análise psicológica, pode prevenir o
conflito manifesto.
Conflito manifesto é aquela oposição de interesses, atitudes e poderes já ativada mediante
demonstrações sintomáticas ou explícitas. São manifestações típicas da busca de soluções. O
que comumente se destaca nessa busca são as ameaças, demandas, terrorismos, assassinatos,
agressões e guerras. Portanto, é o complexo de atitudes que compõem o conflito manifesto, na
sua expressão mais definida: a disputa ou o embate (violência).
Exteriorização do conflito (drama) é o modo como o conflito manifesto (confronto ou
embate) vai revelar o balanceamento do poder resultante da decisão de manifestar um
comportamento de disputa ou agressão.
Como desdobramento dessa abordagem, Rummel2 formula o que ele denomina Espiral do
Conflito, que vai além daquelas três fases ou níveis antes referidos.
Eis como aquele autor descreve as fases de espiral do conflito:
Primeira fase: Latente – potencialidades e estruturas do conflito. Onde quer que exista
mais de um homem, um grupo, uma sociedade, uma cultura, estará presente o conflito (latente)
nos papéis, iminências, e sentimentos, envolvendo religiões, economias, políticas, interesses,
autoestima, superego etc.
Segunda fase: Início – manifestação do conflito (disputa ou confronto). Envolve a decisão
de manifestar o conflito de posições e interesses opostos e a consequente situação de
instabilidade e incerteza.
Terceira fase: Balanceamento de poder – administração de forças. Confrontação de poder
resultante da decisão de manifestar um comportamento de disputa.
Quarta fase: Equilíbrio de poder – estrutura de expectativas. A busca do equilíbrio, por
meio de estruturas ou processos institucionalizados ou não (resolução).
Quinta fase: Interrupção do equilíbrio – acomodação de forças. É a fase intermediária
entre o conflito resolvido e o latente, que dará origem a novas disputas. Portanto, é o fim e o
início da espiral de Rummel.
Conforme verificamos nesta perspectiva de Rummel, o conflito evolui numa espiral, de
latente a manifesto (disputa), seguindo-se a fase do balanceamento de poder (a confrontação),
sequenciada pela fase da busca do equilíbrio (institucionalizado ou não), chegando à
acomodação (conflito latente), que dará origem a novas disputas e assim ocorrendo como
fenômeno inerente às relações humanas.
Em realidade, o conflito interpessoal compreende esse aspecto relacional (expectativas e
crenças desencontradas, sentimentos e ressentimentos intercambiados), compreende o aspecto
objetivo (interesse objetivo ou material envolvido) e compreende a trama (o seu processo, o seu
desdobramento).
Daí entender-se que o conflito interpessoal se compõe de três elementos: relação
interpessoal, problema objetivo e trama ou processo.
a)Relação interpessoal: conflito interpessoal pressupõe, pelo menos, duas pessoas em
relacionamento, com suas respectivas percepções, valores, sentimentos, crenças e
expectativas. Ao lidar com o conflito é necessário que se permita espaço para a
compreensão desse elemento interpessoal.
b)Problema objetivo: o conflito interpessoal tem sua razão objetiva, concreta,
material. Essa materialidade pode expressar condições estruturais, interesses ou
necessidades contrariadas. Portanto, o aspecto material, concreto e objetivo do
conflito é um dos seus elementos. A adequada identificação do problema objetivo,
muitas vezes, supõe prévia abordagem da respectiva relação interpessoal.
c)Trama ou processo: a trama ou o processo expressa as contradições entre o
dissenso na relação interpessoal e as estruturas, os interesses ou as necessidades
contrariados. Como foi, por que, onde, quando, as circunstâncias, as
responsabilidades, as possibilidades e os processos, com suas implicações.
Enfim, conforme Jandt, o conflito ainda pode exercer as seguintes funções:3
a)Estabelece os limites dos grupos na medida em que fortalece a coesão e a
separatividade;
b)Reduz a tensão e permite a manutenção da interação social sob pressão;
c)Clareia objetivos;
d)Resulta no estabelecimento de normas;
e)Sem ele, as relações se acomodam e resultam em subordinação em vez de
entendimento.
Tradicionalmente, concebia-se o conflito como algo a ser suprimido, eliminado da vida
social; e que a paz seria fruto da ausência de conflito. Não é assim que se concebe atualmente, a
partir de uma visão sistêmica. A paz é um bem precariamente conquistado por pessoas ou
sociedades que aprendem a lidar com o conflito. O conflito, quando bem conduzido, evita a
violência e pode resultar em mudanças positivas e novas oportunidades de ganho mútuo.
Durkheim4 refere que certo nível de criminalidade seria benéfico, funcional e necessário
socialmente, sendo, inclusive, traço normal e inevitável de toda sociedade. Essa ideia estaria
fundada em três pressupostos: “a) crime provoca punição que, por sua vez, reforça solidariedade
nas comunidades; b) a repressão de crimes auxilia a estabelecer e manter limites
comportamentais no interior de comunidades (em níveis não anômicos); c) incrementos
excepcionais nas taxas de criminalidade podem alertar ou advertir autoridades para problemas
existentes nos sistemas sociais onde ocorrem tais taxas de criminalidade”.
Que o conflito é inerente à relação humana, isso é pacífico. Também não se discute que do
conflito pode nascer o crime e que essa evolução do conflito para o crime tem sido uma
constante na história. No entanto, a nossa hipótese é no sentido de que o crime só se converte
em necessidade social quando as condições de vida e as políticas públicas são excludentes,
injustas e corruptas.
Com efeito, não apenas as causas da violência são sistêmicas (uma sociedade baseada na
injustiça, na desigualdade econômica e exclusão do pobre, etc.), mas os efeitos também o são,
ou seja, há uma mútua reverberação entre causas e efeitos, assim como entre criminosos e não
criminosos. A resultante são efeitos de violência e instabilidade, manifestados em depressões,
medos, neuroses, repressões e efeitos sociais deletérios, os quais reverberam, indo além, do
humano aos seres não humanos, numa rede comum, a rede ecológica.5
Em suma, conflitos decorrem da convivência social do homem com suas contradições.
Eles podem ser divididos em quatro espécies que, de regra, incidem cumulativamente, a saber:
a)conflitos estruturais (diferenças nas circunstâncias sociais, políticas e econômicas
dos envolvidos);
b)conflitos de informação (informação incompleta, distorcida, conotação negativa);
c)conflitos de valores (diferenças na moral, na ideologia, na religião);
d)conflitos de interesses (reivindicação de bens e direitos de interesse comum e
contraditório).
Conforme Morton Deutsch,6 o modo de lidar com o conflito, o meio de resolver o conflito,
pode ser construtivo ou destrutivo. Para esse autor, os processos destrutivos caracterizam-se
pelo enfraquecimento ou rompimento da relação social preexistente à disputa, em virtude da
feição competitiva de como essa é conduzida. Nesses processos destrutivos o conflito tende a
expandir-se em espiral, frequentemente tornando-se independente de suas causas iniciais.
Já os processos construtivos, segundo Deutsch, são aqueles em que as partes vão
fortalecendo a relação social preexistente à disputa, consoante valores, técnicas e habilidades
que veremos mais adiante, ao cuidarmos da mediação e da comunicação construtiva.
Essa importante contribuição de Morton Deustch contrariou a ontologização do conflito,
em que ele era visto como um mal em si mesmo. Morton Deustch aproximou a teoria do
conflito da filosofia da linguagem e da psicanálise junguiana, ao reconhecer o alcance afetivo da
intersubjetividade cambiante pelo diálogo construtivo; que enseja o potencial transformador do
conflito.
Segundo Morin,7 “A compreensão humana nos chega quando sentimos e concebemos os
humanos como sujeitos; ela nos torna abertos a seus sofrimentos e suas alegrias. Permite-nos
reconhecer no outro os mecanismos egocêntricos da autojustificação, que estão em nós, bem
como as retroações positivas (no sentido cibernético do termo) que fazem degenerar em
conflitos inexplicáveis as menores querelas”.
Concluímos esta parte com as seguintes proposições: a) os conflitos não podem ser
eliminados porque são inerentes às relações humanas, tendo eles um potencial gerador de
problemas e de oportunidades; b) eles podem ser processados de modo construtivo ou
destrutivo; c) sociedade em que se pratica cultura de paz é aquela que lida construtivamente
com os conflitos; d) lidar destrutivamente com o conflito é transformá-lo, pela polaridade, em
espiral de confronto e violência; e) lidar construtivamente é obter, pela via do conflito, novas
compreensões, com estreitamento dos vínculos interpessoais e do tecido social; f) são elementos
do conflito a relação interpessoal, o problema objetivo e sua trama ou processo; g) grosso modo,
há conflitos de estrutura, de valores, de informação, e de interesses; h) o conflito evolui numa
espiral, de latente a manifesto (disputa), seguindo-se a fase do balanceamento de poder (a
confrontação), sequenciada pela fase da busca do equilíbrio (institucionalizado ou não),
chegando à acomodação (conflito latente), que dará origem a novas possíveis disputas.

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONFLITO

A evolução do conflito e suas manifestações degeneradas pela violência variam consoante


a circunstância intersubjetiva, histórica, social, cultural e econômica.
Mais de noventa e nove por cento da história da humanidade foi vivenciada por nossos
ancestrais nômades. Eles viviam da caça, da pesca e da coleta de mantimentos. O espaço era
teoricamente ilimitado, os recursos eram maleáveis. Inexistiam castas, classes sociais, estados
ou hierarquias formais. Os conflitos eram mediados pela comunidade, coordenada em torno das
lideranças comunitárias. A ordem tinha um caráter sacro, sendo as penas, sacrifícios realizados
em rituais, não se apresentando como imposição de uma autoridade social, mas como forma de
proteger a comunidade do perigo que a ameaçasse. Vigorava um tipo de direito pré-
convencional, revelado, indiferenciado da religião e da moral. As relações humanas eram pouco
complexas e fortemente horizontalizadas.
Pesquisas recentes, referidas pelo antropólogo e mediador William Ury, cofundador
do Harvard’s Program on Negociation, vêm demonstrando que eram raros os atos de violência
entre os nossos ancestrais nômades.8
O surgimento de novas formas de pensar e de se comunicar, entre 70 mil e 30 mil anos
atrás, constitui o que se convencionou chamar de Revolução Cognitiva. O que a teria causado?
Segundo uma teoria referida por Yuval Noah Harari,9 nossa linguagem foi-se mostrando
incrivelmente versátil. Evoluiu como uma forma de fofoca (gastronomia e papos em torno da
fogueira?). De acordo com essa teoria, o homo sapiens é, antes de mais nada, um animal social.
A cooperação social é essencial para a sobrevivência e a reprodução. Não é suficiente que
homens e mulheres conheçam o paradeiro de leões e bisões. É muito mais importante para eles
quem em seu bando odeia quem, quem está dormindo com quem, quem é honesto e quem é
traiçoeiro.
A domesticação do fogo, acontecida milênios antes, ensejou maior proteção das tribos,
inclusive mediante manipulação de ferramentas forjadas do ferro, do bronze e de outros metais,
ampliando o poder dos grupamentos contra animais ferozes, estimulando “banquetes” ao redor
das fogueiras, onde floresciam os papos, as fofocas, a imaginação criativa. Quantos bodes e
coelhos grelhados não inspiraram as festas, os mitos e os ritos desses povos conversadores?
Com efeito, ainda conforme Harari, lendas, mitos, deuses e religiões aparecem pela
primeira vez com a Revolução Cognitiva. Antes disso, muitas espécies animais e humanas
foram capazes de dizer: “Cuidado! Um leão!”, mas foi graças à Revolução Cognitiva que
o homo sapiens adquiriu a capacidade de dizer: “O leão é o espírito guardião da nossa tribo”.
Essa capacidade de falar sobre ficções é a característica mais singular da linguagem dos sapiens.
Desde então podemos tecer mitos partilhados, tais como a história bíblica da criação, os mitos
do tempo do sonho dos aborígenes australianos e os mitos nacionalistas dos Estados modernos.
Acrescenta Harari que, após a Revolução Cognitiva, a fofoca ajudou o homo sapiens a
formar bandos maiores e mais estáveis. Mas até mesmo a fofoca tem seus limites. Pesquisas
sociológicas demonstraram que o tamanho máximo “natural” de um grupo unido por fofoca é de
cerca de 150 indivíduos. A maioria das pessoas não consegue nem conhecer intimamente, nem
fofocar efetivamente sobre mais de 150 seres humanos. Como o homo sapiens conseguiu
ultrapassar esse limite crítico, fundando cidades com dezenas de milhares de habitantes e
impérios que governam centenas de milhões? O segredo foi, provavelmente, o surgimento da
ficção. Um grande número de estranhos pode cooperar de maneira eficaz se acreditar nos
mesmos mitos, conclui.
Outro salto na história dos conflitos humanos começou a acontecer há cerca de dez mil
anos, quando algumas comunidades tornaram viável a sobrevivência por meio da agricultura e
da domesticação de animais. Deu-se início à chamada Revolução Agrícola. As comunidades
foram passando de nômades a sedentárias. A partir de então, os mais fortes, hábeis e ousados se
apossaram das terras produtivas e dos animais domesticáveis, acumulando riquezas e poderes,
criando reinados e costumeiramente escravizando os povos derrotados em guerras de conquista.
Esse fenômeno ocorreu e se desenvolveu em épocas diferentes, mas os seus efeitos de variável
intensidade foram e são similares em toda parte.
A violência foi convertida em instrumento de poder, para proteção ou perseguição, a
serviço, quase sempre, de grandes proprietários de terras, com apoio em suas milícias privadas,
com atenuações ou ampliações, consoante as crenças, mitos e temores religiosos vigorantes.
Multidões eram recrutadas à força para servir às milícias do poderoso mais próximo.
Lavradores, intelectuais, filósofos, artistas, artesãos sob a dependência e à mercê do humor e
conveniências dos que detinham esses poderes.
À plebe, subintegrada socialmente, apenas cabiam os deveres e obrigações, inclusive os de
guerrear em defesa de interesses alheios. Aos nobres e protegidos, sobreintegrados socialmente,
eram destinados os direitos e privilégios. A coercitividade difusa das sociedades primitivas foi
sendo substituída por um direito tradicional, convencional, em que a norma, elaborada por um
poder central, vai constituindo uma “ética da lei”, enquanto outorga de expectativa generalizada
de comportamento.
Há milênios o patrimonialismo, com suas variantes circunstanciais de natureza política,
econômica, jurídica, religiosa e ecológica, promove modelos fortemente hierarquizados e uma
acumulação excludente de capital, sob rígida divisão do trabalho. Sua natureza patrimonialista
propagou a cultura de dominação e suas atenuações circunstanciais, inclusive após o advento da
agricultura irrigada e da escrita.
A despeito dessas estruturas verticalizadas, as práticas da mediação/ conciliação
mantiveram-se. Eram conduzidas por chefes ou líderes oficiais ou não, que exerciam alguma
ascendência hierárquica no processo. Notícias dessas práticas milenares vêm das culturas
confucionistas, budistas, hinduístas, judaicas, cristãs, islâmicas e indígenas. Na China, há cerca
de 3.000 anos, na dinastia Zhou de Oeste, já existiam postos oficiais designados como “Tiao
Rien” (mediador).10
Especialmente a partir do século XVI, com o desenvolvimento do comércio – graças às
novas técnicas de navegação e estocagem –, o poder foi-se deslocando dos senhores territoriais,
feudais, para os senhores dos mares e cidades, capitalistas mercantis (burguesia). As esferas do
ético, do moral, do jurídico e do religioso ainda se confundem, mas já começam a ser
distinguidas. No entanto, a validade dos comandos normativos ainda é deduzida de postulados
que reproduzem valores hierarquizados, em que prevalecem os códigos de referência políticos
(poder/não poder) e econômicos (ter/não ter) sobre os códigos de referência técnicos
(verdade/falsidade), morais (certo/errado) e jurídicos (lícito/ilícito).
Essas mudanças estão associadas ao fenômeno cultural da escrita impressa. Boaventura de
Sousa Santos11 comenta a relação entre a cultura escrita, que se desenvolvia na Europa a partir
do século XV, o processo de mudança e a inovação. O desenvolvimento da escrita e seus efeitos
sobre a cultura teriam alterado as relações entre o que ele considera os três componentes
estruturais do direito, ou três formas de comunicação: “a retórica, assente na persuasão; a
burocracia, baseada em imposições autoritárias por meio de padrões normativos; a violência,
assente na ameaça da força física”.
Ao examinar a interpenetração estrutural entre retórica, burocracia e violência, Santos
destaca distinções entre a cultura oral e a cultura escrita. “A cultura oral está centrada na
conservação do conhecimento, enquanto que a cultura escrita está centrada na inovação. A
cultura oral é totalmente coletivizada, ao passo que a cultura escrita permite a individualização.
A cultura oral tem como unidade básica a fórmula, enquanto que a cultura escrita tem como
unidade básica a palavra.
Se observarmos a história da cultura europeia à luz destas distinções, torna-se evidente
que, até o século XV, a cultura – e, portanto, também a cultura jurídica europeia – foi
predominantemente uma cultura oral. A partir daí a cultura escrita expandiu-se gradualmente e a
cultura oral retraiu-se. No entanto, é patente que, entre os séculos XV e XVIII, a estrutura da
cultura escrita, ainda em processo de consolidação, esteve impregnada da lógica interna da
cultura oral. Por outras palavras, nessa época escrevia-se como se falava e isso é observável na
escrita jurídica de então. Na segunda fase, entre o século XVIII e as primeiras décadas do século
XX, a palavra escrita dominou a cultura. Logo a seguir, porém, a rádio e os meios
audiovisuais de comunicação social redescobriram o som da palavra, dando assim início à
terceira fase: uma fase de oralidade secundária”.
Não foi por mera coincidência que a população foi deixando de ser vista como aquilo que
nos textos do século XVI se chamava de “paciência do soberano”, algo tido como administração
de uma massa coletiva de fenômenos. A ideia de poder, na ambiência crescentemente urbana de
todas aquelas expansões tecnológicas, mercantis e culturais, foi-se paulatinamente deslocando
da díade soberano/território para a variável governo/população/ território/riqueza.
Foucault12 comenta que a rede de relações contínuas e múltiplas entre a população, o
território, a riqueza etc., passou a constituir uma ciência, que se chamaria economia política, e,
ao mesmo tempo, um tipo de intervenção característico do governo: a intervenção no campo da
economia e da população. Tal mudança ocorre na passagem de uma arte de governo para uma
ciência política, de um regime dominado pela estrutura da soberania para um regime dominado
pelas técnicas de governo. Quem desconhece as contribuições teóricas de Montesquieu, Hobbes,
Locke, Hume, Rousseau, Maquiavel, Kant e tantos outros, que fundamentam a modernidade?
Tais mudanças vão se consolidando a partir do século XVIII, em torno da população e, por
conseguinte, do nascimento da economia política. Evolui-se da ideia da soberania territorial (do
príncipe) para a ideia da soberania da instituição (ou constituição político-jurídica).
Acentua Foucault que, a partir do século XVIII, “São as táticas de governo que permitem
definir a cada instante o que deve ou não competir ao Estado, o que é público ou privado, o que
é ou não estatal etc.; portanto, o Estado, em sua sobrevivência e em seus limites, deve ser
compreendido a partir das táticas gerais da governabilidade”.
Também conforme Foucault,13 fortalecia-se, então, na esfera penal, uma intolerância diante
do suplício físico a que eram submetidos os infratores.
A despeito daqueles importantes avanços institucionais impulsionados pelas revoluções
francesa e americana, a cultura de dominação hierárquica e patrimonialista prevaleceu, mas
agora sob um processo crítico de superação. A difusão de conhecimento inovador resultou nas
condições para a institucionalização da tripartição do poder em executivo, legislativo e
judiciário, sob a inspiração dos conceitos sistêmicos de Montesquieu. Tais avanços vão
atenuando a dominância do código de referência poder/não poder sobre o código lícito/ilícito e
gerando as condições suficientes e necessárias ao surgimento dos modernos Estados
Democráticos de Direito.
Nos últimos duzentos anos, com a Revolução Industrial, o comércio se ampliou, a cultura
escrita se expandiu por intermédio da imprensa, ao lado de atividades terciárias que fomentaram
uma crescente concentração das populações em cidades cada vez maiores, numerosas e
complexas. As expressões do patrimonialismo em sua vertente capitalista passaram a se
verificar em ambientes de maior mobilidade cultural, sujeitas a processos dramáticos de
resistência e superação institucional. Ampliaram-se, substancialmente, a complexidade e a
conflituosidade das relações interpessoais e interinstitucionais.

3. CONFLITO NA ERA DOS CONHECIMENTOS

O processo civilizatório avança e já se pode afirmar que, sob os mais novos modelos
institucionais dos Estados Democráticos de Direito, as políticas econômicas e sociais estão
perdendo aquela conformação rigidamente hierarquizada, até porque as elites tradicionais já não
dispõem do monopólio da inovação e do poder.
A metodologia quantitativa da “Pesquisa Social Brasileira” compartilhada por Alberto
Carlos Almeida,14 no livro “A Cabeça do Brasileiro”, demonstra, por exemplo, que o ícone da
nossa formação social foi o senhor de engenho com grandes propriedades e muitos escravos.
Formava-se ali uma sociedade bastante assimétrica, em que poucos eram proprietários de
grandes extensões territoriais e muitos (escravos e trabalhadores livres) não tinham nenhum
pedaço de terra.
Essa é a principal matriz social e econômica da formação do Brasil, mas não a única. Eis
algumas questões sobre como tudo isto repercute hoje, consoante demonstrado na pesquisa:
“Quem mora nas capitais tende a ser menos patrimonialista do que quem mora fora das
capitais”; “Os habitantes do Nordeste são mais patrimonialistas do que as pessoas que moram
nas demais regiões do Brasil”; “Os homens tendem a ser mais patrimonialistas do que as
mulheres”; “Os mais velhos tendem a ser mais patrimonialistas do que os mais jovens”; “As
pessoas que fazem parte da População Economicamente Ativa tendem a ser menos
patrimonialistas do que as que não fazem parte”; “A relação entre escolaridade e visão de
mundo hierárquica é muito forte”; “O Brasil é uma sociedade regida por uma lógica
predominantemente hierárquica”; “Os dados da Pesquisa Social Brasileira mostram que
hierarquia e autoritarismo estão positivamente relacionados”; “Patrimonialismo e corrupção são
ideias afins”. A tolerância à corrupção “é realmente maior entre aqueles de escolaridade mais
baixa...”.
Tudo isso confirma, conforme a lição de Raymundo Faoro, a persistência da nossa cultura
patrimonialista – centralizadora, burocrática e corrupta – originária de uma tradição que
remonta ao passado lusitano, ibérico, colonial.15
O aspecto positivo da pesquisa é que ela nos indica que, num movimento inverso, a
intensificação dos investimentos na qualidade e intensidade da educação formal e informal e a
democratização das informações, sob o influxo da revolução virtual dos conhecimentos, em
meio a esse “nomadismo” do mundo contemporâneo, podem estar desconstruindo o padrão
hierárquico e patrimonialista dessa velha cultura lusitana.
Com efeito, as sociedades modernas, centrais, ou mesmo as periféricas, foram
incorporando a consciência de uma complexidade crescente e atenuando os códigos do poder
hierárquico, na medida em que se afirmam diferenciações funcionais. Em substituição ao
modelo hierárquico unilateral, em sentido único “do poder para o direito” e “do soberano para o
súdito”, passou-se progressivamente a construir uma circularidade instável entre poder, direito,
estado e cidadania, sob a dinâmica de uma moral pós-convencional.
Isto, a nosso ver, em decorrência das novas tecnologias da informação, que possibilitaram
o acesso ao conhecimento pela grande massa populacional, pois, a exemplo da tripartição do
poder formal em executivo, legislativo e judiciário, consolida-se uma tripartição do poder
material entre Estado, Mercado e Sociedade Civil Organizada/pluralista.
Especialmente a partir das últimas décadas do século XX, uma “Revolução dos
Conhecimentos” vem contribuindo para mudanças substanciais. As pessoas, sociologicamente
urbanizadas, vão-se tornando avessas às hierarquias tradicionais, pois o amplo acesso ao
conhecimento não é compatível com posturas de imposição unilateral. Ao atenuar as hierarquias
patrimonialistas, a “Revolução dos Conhecimentos” deflagra ondas emancipatórias.
Paralelamente à emancipação feminina, avança, na consciência moral e política do povo, um
sentimento-ideia de igualdade, que se expressa na forma de um movimento emancipatório,
insurrecional.
A democratização dos conhecimentos e das instituições, acionada pela expansão das
tecnologias da informação, instiga e, ao mesmo tempo, constrange milhões de cidadãos
limitados econômica, social e ecologicamente. Uma explosão de criatividade se dá ao lado de
um vulcão de frustrações. Multidões excluídas de fato se sentem, entretanto, incluídas de
direito.
Daquela combinação surge a matéria-prima de uma inusitada emancipação social.
Relações piramidais, fundadas em hierarquia e imposição, vão sendo substituídas por relações
prevalentemente horizontais, estruturadas mediante consensos instrumentais. Vivencia-se algo
que se poderia denominar neonomadismo virtual, pois é como se estivéssemos convivendo
numa pluralidade de mundos; não apenas em um lugar definido. Retorna-se à prevalência de
recursos maleáveis, de provimento incerto.
Acontecimentos em todos os rincões da terra chegam e afetam nossos valores e
sentimentos, quotidianamente. Somos emocionalmente desestabilizados por notícias que vêm de
longe, mas que entram em nossas casas como se os respectivos acontecimentos estivessem
ocorrendo ali nas vizinhanças. Em sua maioria são tragédias do quotidiano, transformadas em
espetáculo por uma mídia que nelas encontra substância para grandes audiências e
visualizações. São as grandes misérias do mundo a conformar cada um em suas misérias
pessoais.
No Brasil, milhões de jovens e suas famílias suburbanas, carentes da figura paterna, de
educação, de saúde e de sustentabilidade econômica, são induzidos ao uso da força e à prática
do ilícito, tentados a um atalho em direção aos confortos da modernidade. Talvez aí a principal
razão de tanta violência em sociedades abertas, de feição liberal democrática, em que os direitos
humanos ainda não foram efetivados. Em meio a todas essas mudanças, os cidadãos –
ressalvados os funcionários públicos estáveis – não mais se sentem ocupando um lugar seguro.
Cada um se percebe sem lugar, num lugar incerto ou, quando muito, num certo lugar. Nessas
circunstâncias, a desigualdade de oportunidades assume feições dramáticas, trágicas,
insustentáveis.
Sob esta globalização comunicativa, a cidadania vai-se universalizando e passa a ostentar
uma consciência mais clara do seu direito a uma vida digna, com aspiração de acesso a igual
liberdade, inclusive para divergir, e a uma igualdade de oportunidades, inclusive,
eventualmente, para a prática do ilícito.
Tudo isso faz combinar a continuidade de velhos conflitos com o desenvolvimento de
novos dissensos, numa inusitada metamorfose social. Velhos conflitos, assim entendidos
aqueles vinculados à posse e controle de bens materiais. Novos conflitos, aqueles relativos ao
acesso e ao compartilhamento dos bens e oportunidades do conhecimento, à oralidade
persuasiva, à consciência da intersubjetividade e, mais recentemente, à internet das coisas, à
expansão da inteligência da vida biológica, às aplicações da inteligência artificial. Velhos
conflitos, aqueles que têm como paradigmas a hierarquia, a coação, a discriminação, a
competição excludente, o fundamentalismo, o absolutismo. Novos conflitos, aqueles que têm
como paradigmas a horizontalidade, a persuasão, a igualdade de oportunidades, a competição
cooperativa, o pluralismo, o universalismo interdependente e suas dissipações.
Acentua William Uri16 (2000:108) que “A revolução dos conhecimentos nos oferece a
oportunidade mais promissora em dez mil anos de criar uma cocultura de coexistência,
cooperação e conflitos construtivos”.
Fábio Konder Comparato17 afirma que “Após séculos de interpretação unilateral do
fenômeno societário, o pensamento contemporâneo parece encaminhar-se hoje,
convergentemente, para uma visão integradora das sociedades e das civilizações”.
Mas essa visão integradora enfrenta uma contemporaneidade desafiada a lidar com o
artificialismo da vida urbana. Bilhões de pessoas amontoam--se, crescentemente, em grandes
cidades, sem condições ecológicas para a convivência humana. As pessoas embrutecem-se,
tornam-se rudes, cínicas e socialmente alienadas em suas multidões solitárias. Com isto, muito
daquele aspecto positivo e libertário da era dos conhecimentos é convertido em tédio,
impaciência, revolta e criminalidade.
Até porque, conforme Cláudio Souto, a modernidade não eliminou os valores de grupos
sociais vingativos, presos a uma moral do “olho por olho”, ancorada no Velho Testamento. A
despeito de tantas mudanças, persevera uma antinomia entre a moral legal e determinadas
expressões de moral social.18
Embora a globalização haja destruído, em seu trajeto, diques ou trincheiras que até então
se interpunham à comunicação entre os homens, cidades, regiões e Estados, é preciso
reconhecer que ela também trouxe consigo a ideologia do mercado em sua face mais predatória:
os cartéis internacionais de interesses pouco visíveis, o crime organizado, as máfias, o
terrorismo, etc., operando à escala mundial.19
Ademais, como que para anestesiar as misérias e solidões individuais de leitores e
expectadores, amplos setores da mídia e da indústria do espetáculo priorizam a dramatização
dos escândalos e catástrofes do quotidiano, tendo como foco a provocação de fortes emoções
em meio ao estresse, à depressão ou ao hiperativismo das populações. Essa ambiência
fortemente emocional e frenética concorre para os descontroles de consumo, de violência e de
corrupção, em especial entre povos com baixos níveis de desenvolvimento humano.
Segundo Bauman,20 a incerteza em relação ao futuro, a fragilidade da posição social e a
insegurança existencial aguçam dois impulsos ubíquos na “líquida modernidade” da miscelânea
ético-cultural dos tempos atuais. Um, de mixofobia (medo de se misturar, de participar, de se
confundir em meio aos outros), impulso este que conduz ao esconderijo em ilhas de semelhança
e mesmidade. Outro, de mixofilia (desejo frenético de participação na aventura do
conhecimento e do lazer), ao lado de multidões de homens e mulheres cansados da antiga
monotonia e dos controles da vida nas pequenas cidades. Essas polaridades estão a demandar
cuidados.
Bauman ainda destaca que essa diversidade demanda o desenvolvimento de novas
habilidades comunicativas, pois a diversidade dos convívios, em ambientes de grande
complexidade, supõe novas competências, habilidades e esforços para compreender e
comprometer-se com a diferença, e em meio a ela.
A convivência na diversidade é, pois, a inevitável resultante da era dos conhecimentos,
sendo necessário que aprendamos a lidar com isso, tanto nas relações de vizinhança quanto nas
relações planetárias, a partir de uma educação que nos ajude a avançar, em cada decisão, do
conhecimento à sapiência e desta à compreensão, consoante éticas de tolerância e de
responsabilidade.
Essa tolerância enfrenta a armadilha da reatividade imediatista, nas polêmicas pelas redes
sociais. Conforme assevera David Reybrouck, historiador belga, em entrevista nas páginas
amarelas da revista Veja do dia 28 de setembro de 2016, com a ascensão da mídia de massa e,
mais recentemente, das redes sociais, a campanha política tornou-se permanente. Isso trouxe
consequência para o bom funcionamento da democracia. As notícias que, no começo do século
XXI, eram acompanhadas minuto a minuto, nos últimos anos passaram a ser seguidas segundo a
segundo. Essa cultura das ações instantâneas resultou em uma cacofonia que sufocou o
verdadeiro debate. Nessa cacofonia, sobressaem as posições extremas, radicalizadas. O estresse
que cria no ambiente político tornou-se tão grande que não temos sido capazes de encontrar
espaço para manter discussões razoáveis, ponderadas, racionais, com base em informações
confiáveis.
Precisamos, portanto, desenvolver políticas públicas de capacitação para lidar,
construtivamente, com o dissenso, validando sentimentos e evitando o imediatismo reativo,
nesta ambiência de uma moral pós-convencional, em que, estando as pessoas mais libertas e
midiáticas, o elemento hierárquico é menos consistente.
Sobre essas habilidades devemos ter em conta as variadas circunstâncias em que ocorre o
conflito, sendo necessária a prévia identificação – em cada situação objetiva que se nos
apresente – dos valores, expectativas e interesses envolvidos. Os valores, expectativas e
interesses expressam a prevalência de uma cultura de dominação ou de uma cultura de paz, num
movimento pendular de variação de culturas, a depender de circunstâncias estruturais e do nível
de sensibilidade e habilitação das pessoas no trato concreto dos seus conflitos.
Como identificar, então, os valores, expectativas e interesses que caracterizam essas
culturas? Para facilitar a compreensão dessas diferenças, segue, adiante, o que entendemos
como elementos caracterizadores de cada uma dessas culturas.
Sob uma cultura de dominação prevalecem a desigualdade, a hierarquia, a verticalidade de
um elitismo hereditário ou simplesmente discriminatório, enquanto sob uma cultura de paz e
direitos humanos prevalece o sentimento de igualdade, em relações fundadas na autonomia da
vontade e tendencialmente horizontalizadas.
Sob uma cultura de dominação prevalecem a litigiosidade, a coatividade, o decisionismo,
enquanto sob uma cultura de paz e direitos humanos destacam-se a persuasão, a negociação e a
mediação.
Sob uma cultura de dominação prevalece o patrimonialismo, consubstanciado na
apropriação privativa e excludente dos recursos disponíveis, enquanto sob uma cultura de paz e
direitos humanos destacam-se o compartilhamento dos saberes e o emparceiramento na
exploração dos recursos.
Sob uma cultura de dominação prevalece a competição predatória, enquanto sob
uma cultura de paz e direitos humanos pratica-se uma negociação cooperativa, com vistas aos
interesses comuns, aos princípios, aos ganhos mútuos.
Sob uma cultura de dominação tende-se ao absolutismo, ao fundamentalismo, às crenças
abrangentes, enquanto, sob uma cultura de paz e direitos humanos, princípios gerais são
acolhidos como hipóteses na orientação de comportamentos e instituições democráticas,
inspiradas em doutrinas razoáveis, com respeito às diferenças.
Sob uma cultura de dominação, as pessoas são prestigiadas e distinguidas por seus sinais
exteriores de poder e riqueza, sendo discriminadas aquelas que não se enquadram nesse padrão,
enquanto, sob uma cultura de paz e direitos humanos, busca-se premiar e reconhecer o ser
humano em si e o meio ambiente saudável, afastando-se os preconceitos, rótulos e estereótipos.
Os mediadores experientes sabem que, em situações de disputa, a atitude dominadora, em
cada um dos mediandos, tende, inicialmente, a se destacar e que, na dinâmica do entendimento
facilitado pelo mediador – quando vão sendo saciados desejos e impulsos básicos e
evidenciados os interesses e necessidades comuns – a atitude colaborativa vai sendo construída.
Com efeito, vamos observando que as atitudes de imposição e de colaboração expressam, acima
de tudo, estados emocionais e padrões relacionais, que podem ser alterados no processo de
transformação do conflito, pela mediação.
Enfim, na contemporaneidade, em que a violência – apesar de mais difusa – tem-se
mostrado menos intensa do que nos últimos milênios da história humana, a predominância de
relações horizontais coloca-nos o desafio de promover mudanças e resolver disputas,
especialmente por meio da negociação, da mediação e do diálogo restaurativo, haja vista a
desconformidade e a perda relativa da eficácia dos instrumentos de força.

4. USO PROTETOR E USO PUNITIVO DA FORÇA NOS CONFRONTOS

Grandes cidades são especialmente vulneráveis, pois a sua pujança e fraqueza vêm
justamente da massa crítica e da interconexão das suas redes. Rede elétrica sujeita a sabotagens,
desastres naturais, falhas. Rede de água e esgoto, rede de galerias pluviais, rede de gás,
gasodutos, oleodutos, redes de telefonia fixa e celular, redes de TV e dados a cabo e fibra, rede
de ruas e avenidas, redes de transporte público, ônibus, metrô, trens, etc. Soma-se a isso essa
mudança cultural que se converte num “protestantismo” de massas.
Eis um caso real: por nada ou por tudo, 50 pessoas incendeiam pneus, param avenidas ou
ferrovias críticas e sequestram as interconexões. Em 21 de janeiro de 2014, em São Paulo, um
menor (16 anos) pega uma moto, corre pela Marginal do Rio Tietê, perde o controle, choca-se
com um poste e morre. A família e os vizinhos resolveram protestar contra a morte do
adolescente. A pista local da Marginal do Rio Tietê foi fechada duas vezes, pela manhã e à
noite. Na manhã, o grupo colocou fogo em pedaços de madeira e pneus, bloqueando toda a pista
local. Motoristas tiverem de voltar na contramão para pegar a pista expressa. O Corpo de
Bombeiros foi acionado e conteve as chamas. Já no fim do dia, de dentro do conjunto
habitacional Cingapura, os manifestantes atiraram pedras e restos de entulho na pista, atingindo
carros. A Polícia Militar invadiu o conjunto habitacional para parar os manifestantes, atirando
bombas de gás e balas de borracha.
Parece haver uma raiva difusa no ar, uma raiva que vai além do sofrimento pela morte
desse jovem de 16 anos, ou mesmo pelo trânsito de São Paulo. Uma raiva que incendeia. Esses
problemas localizados são motivações, mas a causa dessas explosões emocionais pode estar na
frustração dos sentimentos-ideias de igualdade em choque contra antigas e profundas injustiças,
tudo isso agravado pela nossa ignorância comunicativa no trato construtivo dos conflitos.
Quais seriam os pensamentos por trás do uso da força? Mais do que simplesmente
associadas à mediação de conflitos, estas questões estão relacionadas às condições para
desenvolvimento de uma cultura de paz. Apoiamos as nossas reflexões, a seguir, nas ideias do
Marshall Rosenberg.
Os pensamentos por trás do uso da força seriam: a) evitar danos e injustiça (força
protetora) e/ou b) fazer as pessoas sofrerem pelo mal que praticaram (força punitiva). Quando
praticamos o uso protetor da força a nossa intenção é assegurar a vida e os direitos que
desejamos proteger. Por exemplo, a força utilizada pelo pai que impede a criança de atravessar a
rua sozinha; a força utilizada pela polícia que aparta a briga física entre dois homens; a força
que você utiliza para se proteger de quem lhe ameaça com uma arma de fogo.
Quem usa a força protetora entende que as pessoas são capazes de se prejudicar e aos
outros devido a algum tipo de ignorância como, por exemplo, a) a crença de que nós temos o
direito de punir os outros pelos que eles possam ter feito erradamente; b) a falta de consciência
dos problemas que serão deflagrados pelas nossas violências; e, especialmente, c) o
desconhecimento de que as nossas necessidades podem ser atendidas sem prejudicar os outros.
Outra hipótese de ignorância está nos comportamentos patológicos ou delirantes, de alguém.
Assim, em face de qualquer dessas hipóteses de ignorância, a força protetiva é voltada para
educar, não para punir.
Quem usa a força punitiva baseia-se na crença de que as pessoas fazem coisas erradas
porque são más, e de que, para corrigir a maldade, é preciso puni-las para a) sofrerem o
suficiente e perceberem como as suas ações foram erradas; b) arrependerem-se; c) mudarem o
seu comportamento. “Ocorre que, na prática, é mais provável que, em vez de gerarem
arrependimento, ações punitivas produzam ressentimento e hostilidade, e que alimentem a
resistência ao próprio comportamento que estamos buscando.”21
O castigo punitivo físico, como bater nos filhos, nas pessoas, é um exemplo do uso
punitivo da força. Outros adotam a punição psicológica, rotulando o filho de “imaturo”,
“problemático”, “egoísta” etc., quando ele não se comporta convenientemente. Pais alegam que
este é o modo de estabelecer limites. Que, no futuro, esses mesmos filhos irão reconhecer como
isto foi importante. Como pai de três filhos, valido esses sentimentos, mas não vi e não vejo a
necessidade do castigo punitivo. Quando falhou o diálogo, o entendimento, usei a “cadeira” e
outras privações de movimento e de comunicação; isto ocorreu didaticamente, construindo o
consenso possível e utilizando a força como protetora da consciência de responsabilidade social.
O sentido desejável não pode ser o de punição, ou de uso da força até mesmo para
proteger, mas o de consolidação de uma consciência de responsabilidade social, quando o
consenso não bastar. Rosenberg, com sua experiência de terapeuta, questiona o seguinte:
quando os pais escolhem usar a força, podem ganhar a batalha de obrigar as crianças a fazer o
que eles querem, mas, nesse processo, não estarão perpetuando uma norma social que justifica a
violência como meio de resolver as diferenças?
Diante desses conceitos, costumamos convidar os estudantes a um círculo de diálogo em
torno de questões como estas a seguir: O que constitui o uso punitivo da força? O que seria o
uso protetor da força? A quem cabe a iniciativa pelo uso protetor da força? Os grupos que,
tomados de raiva ou de ideologia, quebram bens públicos e particulares estão usando a força
como punição ou como proteção? É possível evoluirmos para uma prática social de uso protetor
(não punitivo) da força e apenas quando o diálogo for inviável? Você tem ideia do poder da
resistência pacífica?

1
RUMMEL, Rudolf J. Understanding conflict and war. New York: John Wiley and Sons, 1976, v. II,
p 235-239, apud SERPA, Maria de Nazareth. Mediação, uma solução judiciosa para conflitos. Belo
Horizonte: Del Rey, 2017.
2
RUMMEL, Rudolf J. op. cit. v. II, p. 62 e v. III, p. 63, apud SERPA, Maria de Nazareth. Mediação,
uma solução judiciosa para conflitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2017.
3
JANDT, F.E. Conflict resolution through communication. New York, 1984, apud SERPA, Maria de
Nazareth. Mediação, uma solução judiciosa para conflitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2017.
4
RATTON JR., José Luiz de Amorim. Racionalidade, política e normalidade do crime em Émile
Durkheim. Revista Científica Argumentum da Faculdade Marista do Recife, Recife: Faculdade
Marista, vol. 1, 2005, p. 111-129.
5
PELIZZOLI, Marcelo L. Paz e conflito. Visão sistêmico-fenomenológica. In: PELIZZOLI, Marcelo
(Org.). Cultura de paz: restauração e direitos. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2010. p. 13-31.
6
DEUSTCH, Morton. A Resolução do Conflito: processos construtivos e destrutivos. New Haven (CT)
Yale University Press, 1977 – traduzido e parcialmente publicado em AZEVEDO, André Gomma de
(org.). Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. V 3. Brasília: Ed. Grupos de Pesquisa, 2004.
7
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução Eloá
Jacobina. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. p. 51.
8
URY, William. Chegando à paz – Resolvendo conflitos em casa, no trabalho e no dia a dia. Rio de
Janeiro: Campus, 2000. p. 54-66.
9
HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma breve história da humanidade. Tradução de Janaína
Marcoantônio. Porto AlegreS: L&PM, 2016. p. 30-36.
10
DAN, Wei. Mediação na China: passado, presente e futuro. In: CASELLA, Paulo Borba; SOUZA,
Luciane Moessa de (Org.). Mediação de conflitos. Novo paradigma de acesso à justiça. Belo
Horizonte: Fórum, 2009. p. 342.
11
SANTOS, Boaventura de Sousa. O Estado heterogêneo e o pluralismo jurídico. Conflito e
transformação social. Uma paisagem das justiças em Moçambique. Boaventura de Sousa Santos e
João Carlos Trindade (orgs.). Porto: Edições Afrontamento, 2003. 1.º vol., p. 47-89.
12
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de
Janeiro: Graal, 2006. p. 290-292.
13
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 31. ed.
Petrópolis: Vozes, 2006. p. 18.
14
ALMEIDA, Alberto Carlos. A Cabeça do Brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 45-110.
15
FAORO, Raymundo. Os donos do poder. 5. ed. São Paulo: Colombo, 2012. 929 p.
16
URI, William. Op. cit., p. 108.
17
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006. p. 18, 716 p.
18
SOUTO, Cláudio. Tempo do direito alternativo: uma fundamentação substantiva. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1997. p. 79-81.
19
MAYER, Dayse de Vasconcelos. A democracia capturada: a face oculta do poder: um ensaio
jurídico-político. São Paulo: Método, 2009. p. 254.
20
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido. Sobre a fragilidade dos laços humanos. Tradução de Carlos
Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 131-138.
21
ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não violenta. Técnicas para aprimorar relacionamentos
pessoais e profissionais. Tradução Mário Vilela. São Paulo: Ágora, 2006. p. 223-229.
II

O paradigma sistêmico da ciência e


a linguagem do Direito: o lugar da
mediação de conflitos
A mediação de conflitos e as práticas restaurativas devem ser aplicações do novo
paradigma da ciência, na condução dos conflitos. Portanto, a compreensão desse novo
paradigma, a partir do pensamento sistêmico, é de grande importância na formação dos
mediadores de conflitos. E como a mediação de conflitos está relacionada aos procedimentos
que validam sentimentos na linguagem de coconstrução de decisões, cuidamos de uma
hermenêutica que integra compreensão, interpretação e decisão. As abordagens dos itens 2 a 4
deste capítulo serão mais bem compreendidas por pessoas com formação jurídica.

1. PENSAMENTO SISTÊMICO COMO NOVO PARADIGMA

O novo paradigma integra sistema e problema, estrutura e função. O sistema é definido


como um complexo de elementos em interação; conjunto de componentes em estado de
interação. Sistema é, portanto, um “todo” integrado de componentes com tendência a manter-se,
mesmo que haja substituição de membros individuais. A interação no sistema dá-se mediante
uma causalidade circular, uma influência bidirecional, recursiva. Especialmente em sistemas
vivos, essa causalidade comunica-se com o ambiente externo, acarretando substituições de
membros individuais, nessas trocas que acontecem em meio à teia da vida que se desdobra e se
transforma permanentemente. Pois o “ser” da existência é a metamorfose da ação de existir, tal
como nós a compreendemos a cada instante. Não há sistema sem problema ou sistematização
sem problematização.
O universo conhecido caracteriza-se como uma estrutura escalonada, constituída pela
superposição de níveis de sistemas; cada um desses níveis constituindo-se como um todo
irredutível aos seus níveis ou componentes inferiores.
Os membros individuais de um sistema são, ao mesmo tempo, todo e parte
(holons/holograma). Cada holon teria duas tendências: uma integrativa (onda), que atua
enquanto parte de um todo maior, expressando a interdependência da integração que faz o
sistema viável; outra afirmativa (corpúsculo), que opera como o todo, preservando a sua
individualidade e expressando autonomia.
A essa ideia de um mundo como totalidade organizada deve ser agregado o conceito de
acoplamento estrutural, desenvolvido por Maturana, que explora as “fronteiras” entre sistemas.
As fronteiras, as “separações” entre os sistemas, devem ser vistas entre aspas, pois os
sistemas são, ao mesmo tempo, funções e estruturas que se retroalimentam dialeticamente.
Afinal de contas, o que chamamos de sistema é uma idealização do nosso modo de perceber o
mundo, um modo simplificado pela racionalização, embora experimentado, medido, sentido,
sistematizado; temos, portanto, um significado possível a cada vivência para um significante
sempre mais complexo, em metamorfose.
Com essa observação inicial quisemos destacar que o novo paradigma da ciência funda-se
na abordagem sistêmica, em que as relações são focadas para além do modo de pensar
disjuntivo do tipo “ou-ou”. Essa dialética disjuntiva, dos séculos XIX e XX, inspirada no
iluminismo cientificista de Hegel, pregava um confronto excludente entre “tese” e “antítese”, de
modo que a síntese decorreria da remoção da tese anterior e implantação da sua antítese.
No campo dos conflitos intersubjetivos, essa noção de dialética estimulou o confronto
entre as classes sociais, na perspectiva de que a tomada do poder pela classe trabalhadora
resultaria na “síntese” socialista/comunista, com a eliminação da “tese” (capitalista) e
implantação da antítese (socialista).
A dialética do novo paradigmática acolheu/retomou a dialética da
contradição/antagonismo no fluxo dos processos existenciais, mas num ambiente de
complementaridade, em que esses desencontros (ordem/caos) vão realimentando a metamorfose
tese-antítese, em que a síntese também não existe em si mesma, pois corresponde ao contínuo
processo de mudança.
Nessa nova perspectiva, os conflitos devem ser compreendidos enquanto expressões
sistêmicas de padrões comportamentais, de condicionamentos relacionais, sociais, econômicos,
culturais, sem o maniqueísmo ontológico das posições excludentes, porque as contradições e os
antagonismos expressam complementaridades dinâmicas, que podem ser compreendidas e
facilitadas mediante processos construtivos, que acolhem o modo de problematizar, pensar e
concretizar o atendimento de necessidades comuns e contraditórias do tipo “e-e”.
Segue, adiante, com base na pedagogia de Maria Esteves de Vasconcellos,1 um resumo das
três dimensões que caracterizam esse novo paradigma da ciência contemporânea.

1.1 Dimensão da complexidade

Até os anos cinquenta do século XX o conhecimento científico dominante tinha como


meta dissipar a aparente complexidade dos fenômenos, a fim de revelar a simplicidade de uma
ordem por eles supostamente seguida. A física ainda era vista como um esforço científico para a
identificação da simplicidade por trás da complexidade dos fenômenos. Ocorre que, desde o
início do século XX, cientistas de vários campos vinham enfrentando um problema lógico, pois
a lógica clássica se mostrava insuficiente para lidar com as contradições insuperáveis.
Com efeito, no campo da microfísica passaram a se defrontar duas concepções da partícula
subatômica, concebida, de um lado, como onda e, de outro, como corpúsculo. Tradicionalmente,
a solução estaria na descoberta de que uma das posições era correta e a outra errada. Entretanto,
não foi isto o que ocorreu quando Niels Bohr, em 1927, afirmou que “essas proposições
contraditórias eram de fato complementares e que logicamente se deveriam associar dois termos
que se excluem mutuamente”. Para tais percepções, muito contribuíram os avanços da física
quântica para o campo da mecânica quântica, em que se foi reconhecendo que, no complexo
mundo subatômico, nem a lógica nem a causalidade predominavam, levando Heisemberg a
formular o “princípio da incerteza”.
Essa percepção deu origem a todo um processo de mudança cultural, que extrapolou da
física e da mecânica para as outras ciências, e que foi desconstruindo o paradigma mecanicista
clássico, Newtoniano, e construindo um pensamento complexo capaz de abordar as contradições
contextualmente, em vez de excluir um ou outro dos seus elementos.
No dizer de Edgar Morin,2 “a complexidade é a união da simplicidade com a
complexidade; é a união dos processos de simplificação que são seleção, hierarquização,
separação, redução, com os outros contraprocessos, que são a comunicação, a articulação do que
foi dissociado e distinguido; e é a maneira de escapar à alternação entre o pensamento redutor,
que só vê os elementos e o pensamento globalizado, que só vê o todo”.
Morin reconhece que a simplificação e seus processos são de insubstituível valor
científico, estando a complexidade situada na articulação, na comunicação desses métodos
reducionistas com os contraprocessos contextualizadores, que compreendem o que foi
dissociado e distinguido.
Enfim, o primeiro aspecto do novo paradigma da ciência remete-nos à dimensão da
complexidade, compreendendo sistemas complexos, objetos em contexto, contextualização,
ampliação do foco, sistemas amplos, foco nas relações, foco nas interligações, padrões
interconectados, interconexões ecossistêmicas, redes de redes, sistemas de sistemas,
complexidade organizada, distinção, conjunção, não reducionismo, atitude “e-e”, princípio
dialógico, relações causais recursivas, recursividade, causalidade circular recursiva, retroação da
retroação, ordens de recursão, contradição.

1.2 Dimensão da instabilidade

A física também nos trouxe o problema da “desordem” ou da tendência à desordem, que


veio superar o seu principal axioma, de um mundo estável, ordenado, como uma máquina
absolutamente perfeita, em que a desordem não seria mais do que uma ilusão, uma aparência
pré-científica. A termodinâmica comprovou, com Boltzmann, que o calor corresponde à
agitação desordenada das moléculas. Foi a partir de então que se passou a reconhecer que a
entropia corresponde a uma medida de desordem molecular. O reconhecimento da desordem
também contribuiu para uma nova forma de pensar, que incluísse a indeterminação e a
imprevisibilidade dos fenômenos.
No dizer de Prigogine,3 “Começamos a compreender melhor o segundo princípio da
termodinâmica. Por que existe a entropia? Antes, muitas vezes se admitia que a entropia não era
senão a expressão de uma fenomenologia, de aproximações suplementares que introduzimos nas
leis da dinâmica. Hoje sabemos que a lei do desenvolvimento da entropia e a física do não
equilíbrio nos ensinam algo de fundamental acerca da estrutura do universo: a irreversibilidade
torna-se um elemento essencial para a nossa descrição do universo; portanto, devemos encontrar
a sua expressão nas leis fundamentais da dinâmica. A condição essencial é que a descrição
microscópica do universo seja feita por meio de sistemas dinâmicos instáveis. Eis aí uma
mudança radical do ponto de vista: para a visão clássica, os sistemas estáveis eram a regra, e os
sistemas instáveis, exceções, ao passo que hoje invertemos essa perspectiva”.
Prigogine então acentua que “A instabilidade, ou seja, o caos, tem assim duas funções
fundamentais: por um lado, a unificação das descrições microscópicas e macroscópicas da
natureza, só realizável por meio de uma modificação da descrição microscópica; por outro, a
formulação de uma teoria quântica, diretamente baseada na noção de probabilidade, que evita o
dualismo da teoria quântica ortodoxa, mas que, num plano ainda mais geral, nos leva assim a
modificar aquilo que tradicionalmente chamávamos “leis da natureza”. Tempos atrás estas
últimas eram associadas ao determinismo e à reversibilidade do tempo, ao passo que, para os
sistemas instáveis, elas se tornam fundamentalmente probabilísticas e exprimem o que é
possível, e não o que é certo”.
Com efeito, no mundo onde estamos e que nos abarca, há objetos que obedecem a leis
clássicas deterministas e reversíveis, mas que correspondem a casos simples, quase exceções,
como o movimento planetário de dois corpos, e objetos a que se aplica “o segundo princípio da
termodinâmica”, que constituem a grande maioria. Ainda conforme Prigogine, “É preciso, pois,
que haja, independentemente da história, uma distinção cosmológica entre estes dois tipos de
situação, ou seja, entre estabilidade, por um lado, e instabilidade e caos, por outro”.
Tem-se afirmado que a ciência começa a estar em condições de descrever a criatividade da
natureza. O caos como o imponderável, o liberto, o diabólico, o que ainda não reestruturou a sua
auto-organização, o seu organismo. Porque, embora paradoxal, a sua relação com a ordem é de
ultrapassagem, de superação, de reestruturação.
Portanto, o segundo aspecto do novo paradigma científico remete--nos à dimensão da
instabilidade, compreendendo o mundo em processo de tornar-se, consoante teorias sobre física
do devir, física de processos, caos, irreversibilidade, seta do tempo, segunda lei da
termodinâmica, lei da entropia, desordem, leis singulares, sistemas que funcionam longe do
equilíbrio, termodinâmica do não equilíbrio, amplificação do desvio, flutuação, perturbação,
salto qualitativo do sistema, ponto de bifurcação, crise, ordem a partir da flutuação,
indeterminação, imprevisibilidade, incontrolabilidade.

1.3 Dimensão da intersubjetividade

E a física ainda nos trouxe um terceiro problema: o da objetividade. Embora a relação


entre o sujeito que conhece e o objeto que é conhecido seja, de há muito, tema discutido no
campo da teoria do conhecimento, esse estudo somente foi formalmente introduzido no campo
da física quando Heisenberg formulou seu notável “princípio da incerteza”, segundo o qual, em
mecânica quântica, não se pode ter, simultaneamente, valores bem determinados para a posição
e para a velocidade. Comprovou Heisenberg que, “ao se lançar luz sobre um elétron, a fim de
poder “vê-lo”, isso inevitavelmente o colocava fora de curso, afetando sua velocidade ou sua
posição”.
Diz Maturana4 que, “Na realidade, em sistemas dinâmicos, tais como os sistemas vivos, a
estrutura está em contínua mudança. Quando me movimento, altero minha estrutura, porque a
estrutura é tanto os componentes quanto as suas relações. Felizmente posso mudar a minha
estrutura sem perder minha organização. Enquanto puder fazer isso, ou isso acontecer comigo,
estarei vivo”. E esse movimento ocorre no contexto de relações. Segundo Maturana, “Sempre
que tivermos organismos que, através de um histórico de interações, continuem interagindo
entre si, temos um domínio linguístico. Mas é bom notar que a adaptação, a invariável da
adaptação, é uma coerência estrutural, significando que a estrutura do sistema pode ser descrita
como detentora de uma correspondência mútua que se manifesta de forma dinâmica. Costumo
chamar isto de acoplamento estrutural. A mesma coisa acontece entre os organismos. Se houver
uma coerência no histórico de interações, eles estão mutuamente adaptados. Vão continuar a
interagir entre si enquanto houver coerência, enquanto permanecerem mutuamente adaptados,
porque cada interação resultará na seleção de uma mudança estrutural específica. Sempre que
isto acontecer, estabelece-se um domínio linguístico. Se este domínio linguístico permitir um
reajustamento na interação linguística, teremos então uma linguagem”.
Com isto, ficam excluídas as ideias de neutralidade e de uma objetividade sem aspas. Pois
o observador exerce, mesmo inconscientemente, uma intervenção perturbadora sobre aquilo que
quer conhecer. Em lugar daquela objetividade clássica, temos uma intersubjetividade.
Enfim, o terceiro aspecto do novo paradigma remete-nos à dimensão da intersubjetividade,
compreendendo uma teoria científica do observador, coconstrução da realidade na linguagem,
determinismo estrutural, acoplamento estrutural, fechamento estrutural do sistema, objetividade
entre parênteses, espaços consensuais, multiversa, múltiplas verdades, narrativas, construção da
realidade, sistema observante, visão de segunda ordem, referência necessária ao observador,
autorreferência, reflexividade, transdisciplinaridade.

2. O NOVO PARADIGMA SISTÊMICO NA LINGUAGEM DO DIREITO:


TEXTO, EVENTO E APLICAÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO

A ciência jurídica descobria-se, no século passado, em situação particularmente


embaraçada quanto ao seu objeto. A modernidade havia implantado, no século XVIII, o
“império da lei”. Com isso, o direito estaria no texto e não caberia sequer interpretá-lo, bastando
entender o sentido gramatical das palavras. Tal direito seria constituído apenas de regras legais
que obrigavam, proibiam ou permitiam comportamentos. As regras, contudo, são aprovadas
pela força do poder político, que pode converter-se em autoritário, como aconteceu nos embates
ideológicos que deram causa às grandes guerras que aterrorizaram o século XX.
O senso comum teórico ainda está contaminado por esta concepção positivista e exegética
do direito, em que predomina a preocupação com a segurança jurídica. Ao aprofundar-se o
movimento pela superação do ideal iluminista, marcadamente reducionista, que supõe essa
objetividade absoluta ou “pura”, o direito foi alterando o seu foco para os princípios
fundamentais, que passaram a constar em legislações com status superior ao das regras, no que
se convencionou denominar Constituição, para cuja alteração seria necessária ampla maioria de
votos. Este movimento aconteceu especialmente na Europa após a 2ª Guerra, coincidindo com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, que serviu de parâmetro para essa mudança
estratégica. Cuidava-se, portanto, de um constitucionalismo, com seus princípios gerais.
Foi-se compreendendo, mais adiante, que os princípios constitucionais, inicialmente vistos
como simples norteadores, deveriam ter a qualidade de normas, com força coativa, a ponto de se
poder declarar a inconstitucionalidade de regras que não estivessem com eles conformes. A
ideia que vem prevalecendo é a de que o direito deve considerar a segurança jurídica, mas em
face da efetividade social e da função de legitimidade das suas aplicações. Assim, as estratégias
de normatividade jurídica, que convencionamos chamar de Direito, sofrem profunda alteração
ao incorporarem a linguagem jurídica do novo paradigma da ciência, sobre o qual já nos
reportamos.
Ao acolher aquele novo paradigma, tende o Direito, agora, a ser compreendido em sua
tripla dimensão: 1ª – racionalidade verificável e discutível do debate jurídico-metodológico (a
partir de um corpo de leis ordenadas hierarquicamente); 2ª – justiça material em sua
problematização e em seu potencial consenso pela comunidade dos homens, dos políticos e dos
operadores do Direito; e 3ª – atividade analítica dos aplicadores do Direito, em sua metódica
estruturante, com vistas à fundamentação e à concretização das normas jurídicas.
Isso porque, consoante o novo paradigma na ciência jurídica, não mais devem ser
concebidos como se fossem fenômenos distintos os eventos do mundo da vida (significados) e
as previsões das regras e dos princípios positivados nos textos normativos (significantes). Trata-
se, agora, de um neoconstitucionalismo, também chamado de novo constitucionalismo, ou
constitucionalismo contemporâneo.
Consoante essas novas tendências, o objeto do direito abrange, simultaneamente, 1 – a
dinâmica dos eventos ou fatores da “realidade” do conflito (retórica material); 2 – a seleção e
interpretação dos textos normativos válidos e pertinentes (retórica estratégica); e 3 – a aplicação
concretizadora, a partir de critérios analíticos, para fundamentação e concretização da norma
jurídica (retórica analítica). Nessa perspectiva, os fatores da realidade são concebidos como
âmbito material da norma e a ideia normativa orientadora (o texto) concebida como programa
da norma. Essas duas dimensões do direito passando a compor os elementos estruturadores que
atuam conjuntamente no trabalho analítico e efetivo dos juízes e demais aplicadores. Ronald
Dworkin é uma das principais referências a este respeito.5
Esse Direito novo paradigmático deve, pois, ser concebido como uma força dialético-
institucional, com estrutura/função de sistema político-jurídico, norteado por uma metódica
estruturante da facticidade, das regras e dos princípios de justiça e segurança.6
Tal hermenêutica jurídica alargada não dissocia método (compreensão do âmbito material
da norma: retórica material), metodologia (organização e interpretação do programa da norma
jurídica: retórica estratégica) e metódica (fundamentação e concretização normativa: retórica
analítica), em benefício, portanto, de uma aplicação sistêmico-existencial do Direito.
Conforme Müller – que desde a segunda metade do século passado concebeu a sua teoria
estruturante do direito –, as figuras de método e a limitação do seu alcance são indispensáveis
como momentos de aplicação do direito, em que pese a relatividade de uma metódica jurídica.
A ciência jurídica, no Estado Democrático de Direito, não pode abrir mão da discutibilidade
máxima dos seus resultados e modos de fundamentação. Assim, a necessidade da racionalidade
“máxima” da aplicação do direito segue da impossibilidade da sua racionalidade integral; supor
esta significaria desconhecer o caráter decisório e valorativo, coconstitutivo do direito.7
Com efeito, o direito não deve ser confundido com a norma textual nem pode ser
conquistado por meio de processos puramente lógicos de subsunção do fato a esse texto, pela
via da conclusão silogística. Consoante Warat, os encarregados de aplicar as leis, os produtores
das teorias jurídicas, os professores das escolas de Direito (os construtores das significações
jurídicas) forjam uma realidade imaginária (colocada na perspectiva do senso comum) que
fazem prevalecer como naturalismo. Um verdadeiro mundo de faz de conta instituído como
realidade natural do Direito, uma realidade imaginária que poderá ser considerada mítica,
mágica (no senso freudiano), capturadora, extravagante, mas que resulta imprescindível para a
própria configuração do Direito na sociedade.8
Assim, no dizer de Müller, o processo da metódica estruturante do direito separa-se do
puro pensar o problema, pois a norma não pode ser aceita pela metódica simplesmente como
algo dado, embora o texto normativo forneça os limites extremos de possíveis suposições. É
reconhecida a ligação necessária com tendências do positivismo científico que visam à clareza
do Estado de Direito.
A metódica acolhida pela chamada teoria estruturante está a serviço da concretização
prática do direito, e não da teoria geral do direito ou da crítica ideológica voltada ao
ordenamento jurídico, nem foi delineada no sentido de uma sociologia jurídica que concebe o
direito somente como contexto de fatos e não como dever-ser normativo, mas um dever-ser
normativo que distingue texto normativo de norma, pois o intérprete não pode se limitar à
“interpretação”, ou ao desdobramento puramente filológico do texto.
Häberle9 também acolheu o método concretista, mas na perspectiva de uma constituição
aberta (Método concretista de Constituição aberta). Assim, seriam intérpretes da Constituição,
numa ambiência democrática, todos os cidadãos, grupos, órgãos estatais, entes públicos e
privados que, de um ou de outro modo, participem de qualquer processo que investigue e avalie
a sujeição a alguma norma constitucional, distanciando, mas não excluindo o poder do Estado-
juiz.
Não passa despercebida, portanto, que essa compreensão complexa do direito, tal como
acolhida pela teoria estruturante de Müller, conhecida como metódica jurídica normativo-
estruturante, busca a compatibilização da normatividade jurídica com os novos paradigmas da
ciência, em suas dimensões de complexidade, instabilidade e intersubjetividade. Paradigmas
estes que confirmam a impropriedade de uma ciência jurídica pura, sujeita à fantasia de uma
objetividade “sem aspas”.
3. EXEMPLO DE APLICAÇÃO DO PARADIGMA SISTÊMICO NO
CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO

1 – Exemplo envolvendo cidadão comum: Vamos a um exemplo relativo a processos


criminais: a Constituição de 1988 estabelece, em seu capítulo sobre direitos e deveres
individuais e coletivos (art. 5º, LVII), que ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória. O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), ao
negar o habeas corpus (HC) 126.292-SP, na sessão do dia 17 de fevereiro de 2016, decidiu, por
maioria consistente de sete votos a quatro, que a possibilidade de início da execução da pena
condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio
constitucional da presunção da inocência. Consoante argumentou o relator do caso, ministro
Teori Zavascki, a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de
fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da
pena. No caso específico, um homem havia sido condenado à pena de 5 anos e 4 meses de
reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime de roubo qualificado (art. 157, § 2º,
incisos I e II, do CP), tendo ele o direito de recorrer em liberdade. Ao apreciar apelação
interposta contra a decisão de primeiro grau, o TJ-SP negou provimento ao recurso e
determinou a expedição de mandado de prisão contra o réu.
No HC ao Supremo, a defesa alegou que o tribunal paulista decretou a prisão sem qualquer
motivação, “o que constitui flagrante constrangimento ilegal, tendo em vista que o magistrado
de primeiro grau permitiu que o réu recorresse em liberdade”.
O referido ministro relator ressaltou em seu voto que, até que seja prolatada a sentença
penal e se dê a sua confirmação em segundo grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas,
após esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis
da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a discutir fatos e provas, mas
apenas matéria de direito. “Ressalvada a estreita via da revisão criminal, é no âmbito das
instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame dos fatos e das provas, e, sob esse
aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado”, afirmou o ministro.
Além disso, continua ele, depois da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº
45/2004, os recursos extraordinários só podem ser conhecidos e julgados pelo STF se, além de
tratarem de matéria eminentemente constitucional, apresentarem repercussão geral,
extrapolando os interesses das partes; mas ressaltando que, contra abusos em decisões
teratológicas, sempre caberá o habeas corpus. Acrescentou, ainda, que o Brasil é signatário da
Declaração dos Direitos Humanos, de 1948, em cujo art. 11, inciso 1, está previsto
expressamente o princípio da presunção de inocência, nos seguintes termos: “Toda a pessoa
acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique
legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias
de defesa lhe sejam asseguradas”. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida
como Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto nº 678/92,
estabeleceu, em seu art. 8.2, o Princípio da Presunção de Inocência, ao afirmar que: “Toda
pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se
comprove legalmente sua culpa”. Fica bem claro que, desde que assegurado o devido processo
legal e exauridas as instâncias probatórias (instâncias ordinárias), prevalece uma presunção de
culpa.
Enfim, este foi um caso envolvendo cidadão comum, que não exerce qualquer poder
perante o Estado. A propósito, em sede das Ações Diretas de Constitucionalidade 43 e 44 – a
que negou provimento em sessão de 10 de outubro de 2016, por seis votos (Ministros Edson
Fachin, Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Cármen
Lúcia/presidente), a cinco (Ministros Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Celso
de Mello e Marco Aurélio/relator) – o STF confirmou que os dispositivos do CPP, a exemplo do
art. 283, devem ser interpretados conforme a Constituição, considerando, ainda, que recursos
excepcionais (o especial junto ao STJ e o extraordinário perante o STF) não ensejam efeito
suspensivo (cf. art. 637 do CPP); podendo a pena ser imediatamente executada, haja vista que,
consoante o voto do Ministro Barroso, após a condenação nas instâncias ordinárias, o princípio
da presunção de inocência já não prevalece sobre o princípio da efetividade do sistema
constitucional-penal de proteção à vida, à propriedade, à integridade física e moral das pessoas e
à moralidade administrativa. Ainda, consoante o voto do Min. Barroso, a prisão nessas
condições é menos gravosa do que a prisão de alguém, decretada por autoridade judiciária
competente e em caráter cautelar ou preventivo, mediante ordem escrita e fundamentada, antes
mesmo de qualquer julgamento, como facultado no art. 5º, LXI, da CF/88. Para que se tenha
ideia da afronta à cidadania consubstanciada na consequente impunidade, o Min. Barroso ainda
referiu haver o CNJ divulgado que, enquanto prevaleceu a jurisprudência anterior, só nos anos
de 2010 e 2011 a justiça brasileira teria deixado prescrever 2.918 ações, em face de infindáveis
recursos perante tribunais superiores, com intuito procrastinatório.
E não se diga que a abordagem sistêmica do direito promova o punitivismo. Muito ao
contrário. Acreditamos no arrependimento, no poder do perdão, na preferência pelas práticas
voltadas à reparação e que a punição deveria ser a ultima ratio. Pugnamos, portanto, pelo
desenvolvimento, em nosso país, de programas que concretizem práticas restaurativas no trato
de comportamentos ilícitos, de modo que, sempre que as partes sinceramente se disponham a
construir essas alternativas – em circunstâncias que o nosso ordenamento jurídico precisa
ampliar – e consigam restaurar vínculos e reparar danos recíprocos e a terceiros, que suas penas
privativas de liberdade sejam suspensas e reduzidas.
Voltemos à abordagem anterior. Suponhamos, agora – nós que estamos buscando a
compreensão sistêmica da linguagem jurídica – que a decisão do Supremo tenha sido favorável
à pretensão do condenado e, portanto, contrária à execução da sua pena antes do trânsito em
julgado da decisão condenatória, na suposição de que é isto o que se infere do texto do art. 5º,
LXII, da CF/88 e do art. 283 do CPP. E imaginemos, a seguir, uma hipótese bem diversa do
caso referido. Suponhamos que o paciente condenado em segunda instância seja um agente
público/político do próprio Estado, em conluio ou não com condenados do campo empresarial.
2 – Exemplo envolvendo agente público/político do Estado: Suponhamos que nos
encontremos em face do julgamento de um habeas corpus, perante o Supremo, mas numa
situação em que o réu é um político poderoso que teve a sua condenação confirmada no tribunal
de apelação, diante da prática comprovada de crime do “colarinho branco”. O que o Supremo
Tribunal Federal poderia encontrar de novidade (distinção) na análise do texto e do âmbito da
norma (eventos materiais em sua individualidade), que pudessem consubstanciar,
analiticamente, uma decisão que justificasse a imediata execução da pena?
Vamos pensar juntos? Na exploração do âmbito da norma, façamos a fusão de horizontes
(interpretação histórico-evolutiva e teleológica), conforme a lição de Gadamer. O que teria
levado o Constituinte de 1988 a ir tão além no cuidado em evitar que o Estado praticasse abusos
contra o cidadão, ao estabelecer (art. 5º, LVII), que ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória? Por que o nosso texto normativo foi mais
além do que preceitua a já referida Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção
Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)?
Em uma fusão de horizontes – com vistas a compreender o âmbito da norma – verificamos
que, em 1988, o País havia saído de períodos ditatoriais que geraram marcas profundas de
sofrimentos a milhões de brasileiros que enfrentaram o autoritarismo e lutaram pela restauração
da democracia. Períodos obscurantistas em que abusos reiterados foram cometidos contra
cidadãos comuns, que se opunham ao poder dominante. Em defesa de uma maior necessidade
de proteção ao cidadãocomum, veio essa alargada perspectiva do art. 5°, LVII, da CF88.
Proteger os cidadãos que se opõem ao poder dominante/autoritário foi o horizonte inicial da
suposta exorbitância daquele texto normativo.
Qual é o horizonte atual em se tratando de crime do “colarinho branco”? Quem é esse
criminoso condenado em face de um poder exercido no âmbito da própria administração
pública? Esse cidadão é um vulnerável em face do Estado autoritário? Ou esse cidadão é um
carrasco da cidadania, integrando oligarquias que se apoderaram do Estado, para dele
beneficiar-se ilicitamente? Tem sentido o Direito vê-los como vulneráveis em face do poder do
Estado? Estão eles sob ameaça dos abusos de um poder dominante que os ofende? Eles que, na
função de agentes políticos do próprio Estado, já condenados inclusive na instância de apelação,
que foram autores do próprio abuso, são legítimos destinatários de norma direcionada aos
cidadãos comuns, vulneráveis em face de abusos do Estado?
É nesse sentido que o âmbito da norma oferece riquíssimo material para a aplicação
analítica do direito. Ao se trabalhar com essa fusão de horizontes, percebe-se que o texto
abstrato precisa da sua materialidade concreta (facticidade); pois, antes disto, ainda não
dispomos de norma jurídica, mas apenas de um programa de norma. Fica evidenciado que o
âmbito material da norma, neste segundo exemplo, é outro, ao se comparar as circunstâncias dos
eventos de origem com aquelas dos eventos que estão sendo agora descritos. A fusão dos dois
horizontes revelou circunstâncias que justificam um novo entendimento? É aceitável, do ponto
de vista constitucional, que uma possível impunidade de poderosos – fato estatisticamente
demonstrado em face dos inúmeros recursos que se estendem até a prescrição da pena – venha a
ocorrer, em evidente afronta à dignidade da própria cidadania? É prudente que tais condenados
transitem livremente pelos espaços públicos de riqueza e sofisticação onde se acostumaram a
exercer as suas influências? Justamente eles que praticaram crimes vinculados à própria
administração pública? Justamente estes que podem ter dado causa a milhares de mortes em
matagais e em hospitais saqueados e que podem haver destruído as esperanças de milhões de
jovens desprovidos de educação decente?
Conhecer, enfim, estas circunstâncias que compõem o âmbito material da norma é o que
dá vida ao direito enquanto função social da sua própria estrutura formal. Acabou-se o tempo
iluminista do positivismo exegético daqueles juízes “boca da lei”. Mas, por outro lado, o novo
paradigma sistêmico não valida o “juiz discricionário”, que julga conforme a sua ideologia
pessoal; pois isto seria um modo autoritário (subjetivista) de aplicar o direito; porque ao
magistrado cabe exercer função pública, que supõe decisões conforme critérios objetivos,
analíticos, jurisprudenciais, em consideração à “ideologia constitucional”, à intersubjetividade
da linguagem do direito, fundada nas regras e nos princípios constitucionais. Nunca nas
inclinações ideológicas (solipsistas) do juiz.
Ademais, além da distinção até aqui apontada, com fundamento na fusão de horizontes
(interpretação histórico-evolutiva e teleológica), partindo da facticidade intersubjetiva dos
eventos concernentes, há que se buscar, no programa da norma, qual seja no texto
constitucional, as prescrições pertinentes, a justificar e validar a distinção aqui proposta. E tal
distinção está, conforme pensamos, bem caracterizada na CF/88. Reflitamos sobre isto: no título
I, Dos Princípios Fundamentais, art. 1º, inciso II, da CF/88, consta, expressamente, que a
cidadania é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, constituída como Estado
Democrático de Direito. No título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, constam os cinco
Capítulos diretamente reportados à Cidadania, abrangendo, do art. 5º ao art. 17, nos quais estão
as disposições sobre os direitos individuais e coletivos, sobre os direitos sociais, sobre a
nacionalidade, sobre os direitos políticos e sobre os partidos políticos, bem como, no Título VII,
sobre a ordem econômica e financeira. Estes são direitos e deveres diretamente pertinentes à
Cidadania, aquela que se pode organizar em sindicatos, associações, empresas e em partidos
políticos.
Daí em diante a Constituição cuidará da Organização do Estado, da Organização dos
Poderes e da estrutura republicana; portanto, daquilo que é direito, dever e garantia dos
respectivos agentes públicos e políticos, que atuam como órgãos ou poderes do próprio Estado.
Estes últimos, por serem órgãos do próprio Estado, não podem, obviamente, constituir
sindicatos e promover greves contra a própria cidadania que se comprometeram a proteger.
Seria razoável ou admissível a existência de sindicatos de deputados, de senadores, de
vereadores, ou mesmo de servidores públicos efetivos e estáveis? Claro que todos são cidadãos,
em sentido amplo, mas os seus vínculos funcionais, obrigações, garantias e impedimentos estão
fincados no agenciamento público e político do Estado. Daí por que podem ou puderam incorrer
em corrupção, concussão, peculato e praticar ilegalidades e abusos de poder, diretamente ou por
intermédio de terceiros associados. Quem são as vítimas desses abusos? Nos tempos atuais tem-
se agravado esse fosso com a cidadania, ao se constatar a multiplicidade de políticos
profissionais, eternizados por ilimitadas eleições, estruturando sistemas político-eleitorais
viciados, que se articulam com as redes de funcionários públicos estabilizados – quase-donos de
funções públicas – organizados em suas quase sempre onerosas e nem sempre eficazes
corporações.
Em apoio a estas considerações, observemos que os Deputados e Senadores são
invioláveis, civil e penalmente, por qualquer de suas opiniões, palavras e votos (art. 53 da CF),
além de eventualmente beneficiários de prerrogativas de foro. Outras garantias e proteções são
previstas para integrantes de outros Poderes, sendo de referir, conforme o art. 86 da CF, que
acusações de crimes não serão admitidas contra o chefe do executivo sem aprovação de dois
terços da Câmara ou do Senado, a depender da espécie de crime supostamente cometido.
Assim, a aplicação concretizadora da norma jurídica pressupõe a análise metódica das
implicações do âmbito material da norma (individualização) juntamente com o rebatimento
dessa realidade sobre o programa textual da norma. Esse será um terceiro momento, o momento
analítico, metódico, de aplicação do direito no caso concreto. Esse terceiro momento,
institucional ou não, perfaz as condições de possibilidade de aplicação sistêmica do direito.
Vejamos a seguir.

4. A FUNÇÃO DOS POSTULADOS NORMATIVOS (METANORMAS) NA


APLICAÇÃO CONCRETIZADORA DO SISTEMA JURÍDICO

Com as várias questões trazidas no item anterior, em que procuramos demonstrar a


diferença de situação entre cidadão comum e agente político pertinente ao alcance do art. 5º,
LVII, da CF/88, podemos, agora, apreciar os postulados normativos (metanormas) que, na lição
de Humberto Ávila,10 são normas imediatamente metódicas, que estruturam a interpretação e
aplicação de princípios e regras mediante a exigência, mais ou menos específica, de relações
entre elementos, com base em critérios. Esta é outra questão fundamental, sistêmica. Os ditos
postulados não são normas jurídicas; não têm a natureza de regras ou de princípios jurídicos. Na
verdade, os postulados são critérios sobre aplicação de regras ou princípios jurídicos. Eles são
metanormas, qual seja, normas de segundo grau sobre aplicação de normas. E normas de
segundo grau, redefinidas como postulados, conforme Ávila (op. cit., p. 178), diferenciam-se
das regras e dos princípios quanto ao nível e quanto à função. Enquanto os princípios e as regras
são o objeto da aplicação, os postulados estabelecem os critérios de aplicação dos princípios e
das regras. E enquanto os princípios e as regras servem de comandos para determinar condutas
obrigatórias, permitidas e proibidas, ou condutas cuja adoção seja necessária para atingir fins, os
postulados servem como parâmetros para a concretização dessas normas. Em outras palavras,
postulados são normas estruturantes, analíticas, metódicas (normas sobre normas), critérios
técnicos para orientar a aplicação de regras ou princípios do direito. Como aplicar, então, os
postulados da razoabilidade e da proporcionalidade no deslinde da hipótese exemplificada no
item anterior? Voltemos a Humberto Ávila,11 que é feliz na distinção entre razoabilidade e
proporcionalidade. Segundo Ávila, “o postulado (regra sobre aplicação de normas) da
proporcionalidade exige que o Poder Legislativo e o Poder Executivo escolham, para a
realização dos seus fins, meios adequados, necessários e proporcionais, em sentido estrito. “Um
meio é adequado se promove o fim. Um meio é necessário se, dentre todos aqueles meios
igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo relativamente aos direitos
fundamentais. E um meio é proporcional, em sentido estrito, se as vantagens que promove
superam as desvantagens que provoca”. A aplicação da proporcionalidade exige, portanto, a
relação de causalidade entre meio e fim, de tal sorte que, adotando-se o meio, promove-se o
fim”.
Diferentemente da proporcionalidade, o postulado da razoabilidade, conforme a lição de
Ávila, não diz respeito a uma relação de causalidade entre um meio e um fim positivado, mas à
relação que decorre do dever de harmonização do geral com o individual (dever de equidade),
como instrumento para determinar se as circunstâncias do fato levam à presunção de estarem
dentro da normalidade, ou para expressar em que medida se dará a aplicabilidade da regra geral
quando do enquadramento do caso concreto (dever de congruência).
É nesse sentido que, com a adoção do critério da proporcionalidade – que se aplica em
face da distinção das normas de regência, conforme as duas situações jurídicas exemplificadas
no item anterior (relação de causalidade entre meio e fim) – constata-se a adequação, a
necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Subsequentemente, com a aplicação do
critério da razoabilidade, será considerado o dever de harmonização do geral com o individual
(dever de equidade), e o dever de expressar em que medida será aplicada a regra geral na
situação de anormalidade (dever de congruência). E não cabe aqui, em tese, ir mais além,
porque é na concretude de cada aplicação do direito que poderá ser criteriosamente quantificada
a proporcionalidade e qualificadas a razoabilidade, com apoio, ainda, do postulado da proibição
de excesso.
Eis algumas situações concretas que apoiam, na prática, uma metódica estruturante
(critérios) na aplicação dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade
da pessoa humana e da segurança. O aplicador do direito poderá formular a si próprio, ou
socializar, as seguintes indagações: 1 – O caso está mais relacionado à concretização de
direitos a uma liberdade igual (que engloba os direitos à não escravidão, não servidão,
propriedade, liberdades de pensamento, consciência, religião, opinião, expressão, reunião
e associação)? 2 – Ou tem maior implicação com a concretização de direitos a uma igualdade
de oportunidades (que engloba direitos econômicos e sociais à educação, à saúde, à
cultura, ao trabalho, à livre iniciativa)? 3 – Ou o caso é atinente a situação que diga especial
respeito à concretização de direitos a uma existência digna e sustentável (que engloba os
direitos à vida, à integridade, à privacidade, à honra, à família, à previdência social, à
proteção do meio ambiente)?

4 – Ou é alguma situação mais relacionada à concretização de princípios e/ou regras


para uma estabilidade democrática (que engloba direitos e deveres relativos à
administração pública, incluindo a moralidade, a legalidade, a impessoalidade, a
publicidade, a eficiência, a segurança, o acesso à justiça)? É razoável a escolha desta
ou daquela hipótese e proporcional a aplicação do direito na hipótese escolhida,
considerando a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido
estrito, em cada caso?
Essa metódica estruturante não assegura uma única solução correta, mas orienta no sentido
da melhor decisão. Porque, conforme o novo paradigma na linguagem do Direito, não há
verdade nas ciências; apenas métodos e metodologias que, em se fazendo criteriosamente
analíticos, poderão ser muito bem fundamentados. Daí por que os postulados ajudam o
aplicador do direito a não atuar com discricionariedade (autoritarismo), porque ele poderá
substituir as suas escolhas pessoais por critérios analíticos adequados. E mais, em vez de
arbitrariamente inventar nomes para o que cada um entenda como sendo mais um princípio –
em artifícios metafísicos de um panprincipiologismo – deve o aplicador do direito bem
fundamentar a sua decisão na análise dos postulados (metanormas).
E como o novo paradigma da ciência contempla o pensamento sistêmico, por que a única
saída será, invariavelmente, o cumprimento da pena privativa de liberdade? Os danos foram
reparados? Os desvios foram recuperados? Inexistem antecedentes? O autor pediu perdão à
cidadania? Reparou, de algum modo razoável, as ofensas morais e as perdas materiais que
acarretou? Por que, com enfoque restaurativo – e, portanto, não meramente punitivo – não
ousarmos estabelecer critérios outros, para a eventual adoção de programas voltados para a
reparação dos danos? Sobre os fundamentos de uma justiça restaurativa sugerimos a leitura do
Capítulo XI.
Insistimos, pois – com esta perspectiva novo paradigmática – que a interpretação jamais se
esgota numa operação lógica de subsunção (submetimento) de algum “fato” a alguma “norma”.
Não há fato em si mesmo ou texto normativo em si mesmo; há eventos tão somente, em sua
dinâmica. Pois o texto normativo é um programa normativo (estrutura) que se expressa na
dialética material dos eventos a que está remetido (problematização) e se completa, enquanto
retórica ou linguagem jurídica, na análise de critérios ou postulados que fundamentem a sua
concretização (função).
Em suma, a linguagem jurídica constrói, continuamente, um sistema aberto para os demais
subsistemas sociais.

5. O LUGAR DA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS NA RESSIGNIFICAÇÃO


DOS CONTRADITÓRIOS PROCESSUAIS

A mediação de conflitos, enquanto trato intersubjetivo, transdisciplinar


(sensitivo/emotivo/cognitivo), método empírico em sua interdisciplinaridade, vai facilitar o
encontro de soluções consensuadas, legítimas, mas que precisam ser compreendidas,
interpretadas e decididas no âmbito de um sistema jurídico necessariamente democrático.
Portanto, a mediação enseja processos construtivos de solução de disputas – graças à validação
de sentimentos e à linguagem ordinária dos participantes – sendo, pois, método; e integra, por
outro lado, uma metodologia interdisciplinar que engloba o direito positivo, na medida em que
se buscam, mediante procedimentos colaborativos, soluções jurídicas com pretensão de
validade.
Esse novo paradigma da ciência ajuda-nos a compreender a dinâmica das relações
interpessoais, existenciais, em que o ser é o sendo individual/ intersubjetivo, aqui e agora, em
seus sentimentos e renovadas pré-compre-ensões construídas socialmente. Tal processo tende à
superação da visão reducionista de “ser dado”, ensimesmado, pronto e acabado, da ontologia
simbólica (filosofia da consciência), presente em um positivismo exegético fixado e limitado ao
aspecto ordenador, hierarquizante, regulador, dessas relações.
Com efeito, conforme o historiador Yuval Harari,12 a crença liberal, que promoveu, a partir
do século XVI, a migração cultural, de um jusnaturalismo teológico para um jusnaturalismo
antropológico, baseava-se em três importantes premissas:
“Eu sou um indivíduo. Possuo uma essência una que não pode ser dividida em partes ou
subsistemas...”;
“Meu eu autêntico é completamente livre”;
“Decorre das primeiras duas premissas que posso saber coisas de mim mesmo que
ninguém mais é capaz de descobrir. Somente eu posso acessar meu espaço interior de liberdade,
e somente eu posso ouvir os sussurros do meu eu autêntico...”
Ocorre que, ainda conforme Harari, as ciências biológicas contemporâneas contrariam
essas três premissas, como segue:
“1. Organismos são algoritmos e humanos não são indivíduos – são ‘divíduos’. Isto é,
humanos são uma montagem de muitos algoritmos diferentes que não têm uma voz interior
única ou um eu único. 2. Os algoritmos que constituem um humano não são livres. São
configurados por genes e pressões ambientais e tomam decisões determinística ou
aleatoriamente – mas não livremente. 3. Segue-se daí que um algoritmo externo é teoricamente
capaz de me conhecer muito melhor do que eu jamais poderia fazê-lo. Um algoritmo que
monitorasse cada um dos sistemas que compõem meu corpo e meu cérebro poderia saber
exatamente quem sou, como eu me sinto e o que eu quero. Uma vez desenvolvido, esse
algoritmo poderia substituir o eleitor, o cliente ou o observador de arte. Então, esse algoritmo
vai ter mais conhecimento, sempre terá razão e a beleza estará nos cálculos por ele realizados”.
A neurociência já comprova que a organização do organismo humano é complexa e em
permanente mutação, e identifica três principais elementos de captação das informações do
ambiente, que são a sensitividade instintiva, denominada cérebro reptiliano, integrado com a
afetividade emocional, que chama de cérebro límbico, intercomunicado com um processamento
racional, conhecido como cérebro cognitivo, ou racional, em que se estrutura a linguagem, num
sistema vivo, mutante, em franco, inevitável e indispensável intercâmbio, integrante das
relações intersubjetivas que nutrem as nossas subjetividades.
Especialmente a partir do século passado, filósofos como Martin Heidegger (Ser e Tempo),
Ludwig Wittgenstein (Investigações Filosóficas), Hans Georg Gadamer (Verdade e Método),
João Maurício Adeodato (Filosofia do Direito), e psicoterapeutas como C. G. Jung
(Sincronicidade) e D. W. Winnicott (Da Teoria do Instinto à Teoria do Ego), entre tantos
outros, constroem as variadas narrativas desse novo paradigma linguístico.
Assim, na presente era dos conhecimentos, com as suas conturbações mundializantes e
redes comunicativas virtuais, dá-se como uma massificação de narrativas que tendem a fazer
prevalecer os aspectos relacionais, horizontalizantes e dinâmicos ou expansivos das relações
interpessoais e sociais em geral. A ideia/poder de autoridade fica diluída em face daquela maior
fluidez do imponderável relacional, acentuando os conflitos em torno da instabilidade de uma
moral pós-convencional.
Daí a importância de instituições substancialmente democráticas, necessárias ao
asseguramento de uma estabilidade mínima em ambiente pluralista, com políticas de
coconstrução, defesa e promoção dos direitos e da dignidade da pessoa humana, para prevenir
os “fascismos societais”. Essas novas instituições democráticas devem estar legitimadas a ponto
de poderem contribuir para o equilíbrio instável e finalístico entre regulação e emancipação,
autoafirmação e integração, competição e cooperação, consoante abordagens do tipo “e-e”.
Fritjof Capra,13 doutor em física teórica pela Universidade de Viena, destaca esta nova
tendência de superação do reducionismo cartesiano e do mecanicismo da física newtoniana,
baseados numa ecologia rasa, antropocêntrica, que vê os seres humanos como se estivessem
situados acima ou fora da natureza e que atribui a esta apenas um valor instrumental, ou de
“uso”. E aponta para aquele novo paradigma, a ecologia profunda, em que o mundo é visto não
como uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede de fenômenos fundamentalmente
interconectados e interdependentes.
Borges14 destacava, em 1996, que, no domínio da dialética, na vasta gama de significações
possíveis, há proposições ou compreensões apenas “suscetíveis de serem defendidas”,
“aceitáveis”, bastante prováveis. É o campo por excelência do opinável. Diferentemente do
raciocínio analítico, cuida-se do verossímil, de opiniões, sentimentos, problematizações, em
lugar de partir de proposições metodológicas previamente sistematizadas.
A falta desta compreensão ainda desvirtua o princípio constitucional do contraditório, que
perdera, quase totalmente, o seu sentido dialético, e se convertera em algo ambíguo, tecnicista e
alienador da cidadania. Em suas palavras, juízes e advogados foram aculturados à prática da
dialética mambembe do contraditório judicial maniqueísta; falsa virtude enlouquecida pela
insensibilidade de um “diálogo” de autômatos.
“Razões são produzidas pelas partes, cada uma delas encastelada em posições nas quais o
dizer alheio – o do ex adverso – é pretexto tão só para o desafio do desmoronamento da sua
própria arquitetura conceitual. Nada obstante, o processo é uma disputa regrada. Regras ditadas
pelo princípio da pertinência. Por isso, a dialética persiste nele como um resíduo histórico,
obstinado em sobreviver”.15
O autor em referência acentua que, para uma reversão dessa tendência à corrosão dialética
– reversão necessariamente radical, porque vai à sua raiz –, deve-se reconduzir o estudo
jurídico, contra o sistematismo moderno, à arte do Direito – reducere jus in artem. O que
pressupõe uma noção da finalidade, a consideração teleológica do Direito no âmbito da polis.
Pode-se inferir que, na dinâmica de qualquer processo legal, a arte e o método da
conversação para o entendimento e compreensão deve anteceder e se integrar à interpretação
apofântica, metodológica, de textos (exegese dogmático-jurídica) e à metódica de uma
hermenêutica concretizadora na tomada de decisões (discurso concretizador). É nessa integração
entre sentimento, compreensão, interpretação e decisão que a hermenêutica mais atual acolhe e
confirma a interdisciplinaridade do fenômeno jurídico, nas três dimensões existenciais do novo
paradigma da ciência (complexidade, instabilidade, intersubjetividade).
Essa perspectiva transdisciplinar e retórica da hermenêutica jurídica deve ser assegurada,
em última instância, por uma jurisdição constitucional--democrática, em que os espaços e as
habilidades dialógicas superem a litigiosidade desmedida, a jurisprudência seja ampliada e
apropriadamente adotada, os negócios processuais, cooperativos, estimulem as práticas de
consensualização e de litigância responsável, em que se resgate a dignidade de um contraditório
entre seres humanos que fortaleçam e validem processos construtivos na solução de
controvérsias.
As instituições do Estado democrático precisam, pois, urgentemente, de nova arquitetura.
Elas devem ser redesenhadas na perspectiva de uma rede social de macropolíticas, em
permanente expansão e reinvenção. Uma rede de solidariedade que temos o dever de ampliar,
para que se legitime e se mantenha legitimada no seu papel organizador. A mudança de atitude,
e até mesmo de paradigma, dos operadores dos conflitos interpessoais supõe uma reforma do
pensamento, com vistas a essa reengenharia institucional.
Precisamos de habilidades dialogais que reconheçam a importância metodológica do saber
fracionado em disciplinas, mas sem incidir no reducionismo das hiperespecializações. Trata-se
aqui, portanto, do desenvolvimento de uma dialogia que possa nortear as relações entre cidadãos
livres e iguais.
E precisamos aperfeiçoar a nossa compreensão do ser humano mutante e plural, em sua
concretude existencial, que muito se diferencia daquele idealizado fato-pessoa das abordagens
formais, abstratas, para que possamos descortinar os valores e possibilidades do trato
transformador e restaurativo da mediação de conflitos.
A cidadania já vem demonstrando não mais tolerar a exploração alienante e eternizada dos
seus conflitos. Um novo paradigma se impõe. As Escolas de Direito necessitam de uma
pedagogia norteada por esses valores.
Ao trazermos essas novas perspectivas científicas para o campo das relações interpessoais
conflituosas, deparamo-nos, de logo, com mais um questionamento. Serão os códigos de
processo civil, penal etc., realmente, normas processuais ou apenas roteiros legais para
referenciar os processos civis, penais etc.? O processo está no código ou na prática, na dialética,
com sua regulação? O contraditório está na lei ou na dinâmica intersubjetiva, colaborativa,
efetivamente adotada para lidar com os conflitos, tendo o roteiro legal como referência enquanto
técnica legislativa?
Com efeito, a compreensão novo paradigmática do processo é eminentemente dialética na
validação dos sentimentos inerentes às conversações ordinárias (método), com os significantes
das ordenações formais (metodologia). Ao se completar na metódica de uma hermenêutica
concretizadora de decisões, os aspectos emancipatórios e regulatórios das questões solucionadas
caracterizam a dinâmica construtiva do sistema jurídico. As regulações processuais que
costumamos denominar como sendo códigos de processo, não passam, em verdade, de
esquemas regulatórios da dialética processual.16 A dialética processual, propriamente dita, é
linguagem em busca de novos significados e, portanto, da intersubjetividade existencial de
todos nós, comunicando e construindo consensos possíveis entre os protagonistas institucionais
e sociais dos processos. Cremos que estamos de acordo que esses esquemas regulatórios, em
sociedades hipercomplexas como as deste início de terceiro milênio, são imprescindíveis ao
asseguramento da estabilidade do contraditório processual, que deve ser colaborativo,
constituindo, pois, uma dialética regrada.
A comprovação científica da intersubjetividade existencial reforça o entendimento de que
a realidade é ela mesma um fenômeno linguístico, cuja apreensão é retórica. Isto não implica
que a realidade seja subjetiva, pelo menos no sentido de dependente de cada indivíduo, muito
pelo contrário. O maior ou menor grau de “realidade” de um relato, tal como ocorre, por
exemplo, entre os humanos, vai exatamente depender, em especial, dos outros seres humanos,
na possibilidade de controles públicos da linguagem.17
O entendimento que se dá na linguagem coloca aquilo sobre o que se discorre diante os
olhos dos que participam da conversa, como ocorre com um objeto de disputa que se coloca no
meio exato entre os adversários.18 Nas palavras de Gadamer, “O mundo é o solo comum, não
palmilhado por ninguém e reconhecido por todos, que une a todos os que falam entre si. Todas
as formas de comunidade de vida humana são formas de comunidade de linguagem, e elas
formam linguagem. Isso porque a linguagem é por sua essência a linguagem da conversação.
Ela só adquire sua realidade quando se dá o entendimento mútuo. Por isso não é um simples
meio de entendimento”.
Pode-se inferir que, na dinâmica de qualquer processo de solução de disputas, a
pragmática, a tópica, a problematização de uma conversa voltada para o entendimento (empatia)
e compreensão de questões contraditórias, tal como ocorre na mediação de conflitos, deve
anteceder e se integrar à interpretação de textos (exegese dogmático-jurídica), compondo, assim
a hermenêutica da tomada de decisões (discurso jurídico-concretizador). É nessa integração
entre compreensão, interpretação e aplicação que a hermenêutica mais atual acolhe e valida a
transdisciplinaridade das três dimensões existenciais do novo paradigma da ciência
(complexidade, instabilidade, intersubjetividade).
É a exigência contemporânea de abordagens que contemplem essa complexidade
existencial a razão porque, na modernidade tardia que vivenciamos, novos paradigmas de
mediação e justiça restaurativa estão sendo desenvolvidos a partir de experiências pioneiras,
iniciadas nos anos 1970 e 1980 do século XX, especialmente em países como Canadá,
Austrália, Estados Unidos, Nova Zelândia e França, ampliando espaços para soluções
emancipatórias e dialógicas das disputas, dentro e fora dos modelos estatais de administração de
conflitos.
Conforme iremos verificar no capítulo IV, passo significativo foi dado neste sentido com o
novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), em que são contemplados os princípios da
promoção da paz, da cooperação e da boa-fé, entre outros, enquanto deveres da cidadania e dos
operadores do direito, com vistas à razoável humanização, legitimação e duração do processo.
1
VASCONCELLOS, Maria José Esteves de. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência. 4.
ed. Campinas: Papirus, 2005. p. 101-146.
2
MORIN, Edgard. Introdução ao pensamento complexo. Traduzido do francês por Eliane Lisboa.
Porto Alegre: Sulina, 2006. p. 102-103, 120 p.
3
PRIGOGINE, Ilya. As leis do caos. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: UNESP, 2002. p. 79-84.
4
MATURANA, Humberto. O que se observa depende do observador. Gaia – Uma teoria do
conhecimento. Organizado por William Irvin Thompson. Trad. Sílvio C. Leite. 3. ed. São Paulo: Gaia,
2001. p. 61-76.
5
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins
Fontes, 2000. 593 p.
6
VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. A cultura de paz na metódica do direito e na prática da
mediação de conflitos. In: PELIZZOLI, Marcelo; SAYÃO, Sandro (Org.). Diálogo, mediação e
justiça restaurativa: cultura de paz. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2012. p. 129-158.
7
MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. Trad. Peter Naumann e Eurides A. Souza. 3. ed.
São Paulo: RT, 2011. 300 p.
8
WARAT, Luis Alberto. Direito e sua Linguagem. 2. ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor,
1995. p. 120.
9
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre: Fabris, 2002. 55 p.
10
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 16.
ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 226.
11
Ávila, Humberto. Op. cit., p. 202-204.
12
HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. Trad. Paulo Geiger. São Paulo:
Companhia das Letras, 2016. p. 331-332.
13
CAPRA, Fritjof. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 2000. p. 25-27.
14
BORGES, José Souto Maior. O contraditório no processo judicial (uma visão dialética). São Paulo:
Malheiros, 1996. 112 p.
15
BORGES, op. cit., p. 50.
16
VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Dialética nos contraditórios judicial e arbitral: a arte do
direito e sua regulação. Revista Brasileira de Arbitragem, Porto Alegre: Síntese, Curitiba: Comitê
Brasileiro de Arbitragem, n. 28, 2011, p. 7-29.
17
ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo. São
Paulo: Noeses, 2011.
18
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I. Traços fundamentais de uma hermenêutica
filosófica. Trad. Flávio Paulo Meurer. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 576.

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