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Manual de

PRÁTICAS RESTAURATIVAS
Organizadores: Cláudia Machado, Leoberto Brancher e Tânia Benedetto Todeschini
Iniciativa e Coordenação:
3a Vara do Juizado Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre/RS

Responsabilidade Social:
Associação dos Juizes do Rio Grande do Sul - AJURIS / Escola Superior da Magistratura

Agradecimentos:
Programa Criança Esperança / UNESCO, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,
Secretaria da Reforma do Judiciário, Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da
República, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Parceiros Institucionais:
3ª Promotora de Justiça da Promotoria de Justiça Especializada da Infância e da Juventude de Porto Alegre,
3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre,
Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul,
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Porto Alegre,
Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, Escola Superior da Magistratura da Ajuris,
Escritório Antena da Unesco no Rio Grande do Sul,
Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
Fórum Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Porto Alegre,
Fundação de Assistência Social e Cidadania do Município de Porto Alegre,
Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Estado do Rio Grande do Sul,
Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul.
Projeto Justiça Instantânea, Secretaria da Educação do Estado do Rio Grande do Sul,
Secretaria da Justiça e do Desenvolvimento Social do Estado do Rio Grande do Sul,
Secretaria da Educação do Estado do Rio Grande do Sul,
Secretaria Municipal da Juventude de Porto Alegre,
Secretaria Municipal de Coordenação Política e Governança Local de Porto Alegre,
Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Segurança Urbana de Porto Alegre,
Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre,
Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre.

MANUAL DE PRÁTICAS RESTAURATIVAS


Compilação, Sistematização e Redação: Cláudia Machado e Tânia Benedetto Todeschini
Colaboração: Beatriz Aguinsky, Dominic Barter, Fabiana Nascimento Oliveira, Lenice Pons Pereira,
Leoberto Brancher, Sebastião Moraes, Viviane Oliveira.

Versão atualizada até maio de 2008.

Produção |

Design gráfico | Magic Art Comunicação

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

J97 Justiça para o Século 21: instituindo práticas restaurativas : círculos restaurativos: como fazer? : manual de procedimentos
para coordenadores / compilação, sistematização e redação Cláudia Machado, Leoberto Brancher, Tânia Benedetto Todes-
chini. - Porto Alegre, RS : AJURIS, 2008.
44p. : il.

Anexos
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-08-2452.

1. Justiça restaurativa - Manuais, guias, etc. 2. Reparação (Direito). 3. Mediação. 4. Menores - Estatuto legal, leis, etc. 5.
Processo penal. I. Machado, Cláudia, 1968-. II. Brancher, Leoberto, 1962-. III. Todeschini, Tânia Benedetto, 1960-. IV. Asso-
ciação dos Juízes do Rio Grande do Sul. V. Título: Manual de práticas restaurativas.

CDU: 343.24

17.06.08 19.06.08 007211

Reprodução: autorizada, mediante a preservação do conteúdo e da apresentação dos originais e citação da fonte.
Originais e formulários anexos disponíveis para download no site www.justica21.org.br
Contato: (51) 3210.6773 – gerencia@justica21.org
SUMÁRIO
Apresentação..................................................................... 3
1. Justiça Restaurativa ..................................................... 5
2. Valores da Justiça Restaurativa.................................... 6
3. Procedimento Restaurativo........................................... 8
4. Pré-círculo Restaurativo ............................................... 11
5. Círculo Restaurativo ..................................................... 13
6. Pós-círculo Restaurativo............................................... 17
7. Orientações Gerais....................................................... 19
8. Perguntas e Respostas................................................. 21
Referências........................................................................ 25
Sugestões de Leitura ......................................................... 26
Anexos............................................................................... 27
Uma palavra qualquer pode gerar uma discórdia
Uma palavra cruel pode ser destrutiva
Uma palavra amarga pode provocar o ódio
Uma palavra brutal pode romper um afeto
Uma palavra agradável pode suavizar o caminho
Uma palavra a tempo pode evitar um conflito
Uma palavra alegre pode iluminar o dia
Uma palavra amorosa pode mudar um comportamento

S.A. de Narcea
Procedimento
3 Restaurativo

Agora que conhecemos os valores que pautam


a Justiça Restaurativa, fica mais fácil entender
como se dá o Procedimento Restaurativo.

Procedimento Restaurativo é um espaço Para dar a partida em um Procedimento


de diálogo e comunicação, portanto, o uso Restaurativo dentro de uma comunidade, é
da linguagem tem um grande significado preciso observar algumas pré-condições:
em todas as suas dinâmicas. Compõem-
se de três etapas: o Pré-círculo Restaura- 1. Dialogar com os poderes
tivo, o Círculo Restaurativo e o Pós-círculo É necessário ter o apoio dos representan-
Restaurativo. Veja no quadro abaixo. tes da comunidade para trabalhar neste
paradigma diferente; é preciso dialogar
com os poderes locais.
Procedimento Restaurativo
2. Espaço próprio para a realização de
Círculos
Círculo Deve ser um local onde os participantes
Pré-círculo Pós-círculo do Círculo Restaurativo possam dialogar
sem serem interrompidos e com garantia
de privacidade. Precisa haver uma sinali-
zação, indicando que ali se realizam Cír-
culos Restaurativos, em dias e horários
pré-estabelecidos.

3. Horário dos Círculos


De acordo com a quantidade de voluntá-
rios, é possível dispor de horários sema-
nais para a realização dos Círculos.

8 Manual de Práticas Restaurativas


4. Solicitação e rotinas durante a “campanha” para captar volun- O Círculo Restaurativo, como o
Os procedimentos para solicitar um Pro- tários que possam coordenar os Círculos. próprio nome aponta, é um encontro
cedimento Restaurativo devem estar No entanto, é necessário que o processo para restaurar relações; um modo de
claros e serem conhecidos por todos. continue e se aprofunde, criando-se murais, resolver conflitos por meio do diálogo,
Em geral, há um caderno, em local pre- elaborando-se cartazes para afixar na co- em que as pessoas envolvidas chegam
viamente definido, onde a pessoa que munidade, com informações como: O que a acordos definidos em conjunto, com
solicita o Círculo escreve seu nome e o é o Círculo Restaurativo; Horário de funcio- apoio de um coordenador.
horário em que trabalha/estuda. Assim, o namento dos Círculos; Local de funciona-
Coordenador de Práticas Restaurativas mento dos Círculos; Como pedir um Círcu-
poderá procurar essa pessoa para mar- lo; Quais os passos do Círculo; Nomes dos O Círculo não se destina a apontar
car o Pré-círculo. coordenadores de Círculos Restaurativos e culpados ou vítimas, nem a buscar
onde encontrá-los. o perdão e a reconciliação, mas a
5. Comunicação/informação percepção de que nossas ações nos
Os Círculos Restaurativos, como alternati- O objetivo de propor, inicialmente, que as li- afetam e afetam aos outros, e que
va de resolução de conflitos, precisam ser deranças comunitárias realizem essas pré- somos responsáveis por seus efeitos.
amplamente divulgados na comunidade. O condições, é facilitar o processo e viabilizar
primeiro movimento nessa direção é feito a realização dos Círculos Restaurativos.

No quadro a seguir, vamos saber quem são


os participantes dos Procedimentos Restaurativos.

Como podemos observar, no centro do de- Participantes


senho, o coordenador de um Procedimen-
to Restaurativo interage com três grupos
de participantes: Coordenador

Autor ou autores: aquele ou aqueles que


praticaram o fato que gerou o dano.

Receptor ou receptores: aquele ou aque-


Autor Receptor
les que receberam o fato, incluindo partes do fato do fato
diretas e indiretas envolvidas na situação.

Comunidade: pessoas da comunidade


atingidas pelo conflito.
Comunidade
Estes participantes estarão presentes no
Pré-círculo Restaurativo, no Círculo Res-
taurativo e no Pós-círculo Restaurativo.
Existe a possibilidade de participação de
um co-coordenador para auxiliar no pro-
cesso.

3. Processo Restaurativo 9
O coordenador
de um Círculo Restaurativo:

l sabe escutar o outro;

l é sensível para o que o outro está sentindo;

l se interessa, de verdade, pelo outro e busca


conhecê-lo melhor;
l gosta mais de observar as pessoas;

l tem facilidade para se expressar;

l tem facilidade para se expor;

l fica animado com novos desafios e


aprendizados.

Perfil do Coordenador valoroso, reflexivo, confiável, alentador,


respeitoso, atento, tolerante, humilde. E,
Adultos, jovens e adolescentes, com dis- ainda, organizado, paciente, disciplinado,
ponibilidade para trabalhar voluntariamen- acessível, íntegro, honesto, flexível, apre-
te, podem ser coordenadores de Círculos ciado pelas demais pessoas e aberto a
Restaurativos. Ser um coordenador não opiniões diferentes.
implica ser carismático, líder natural, ou,
tampouco um mediador, ainda que essas O papel do Co-coordenador
qualidades possam ser úteis na função.
Ser um coordenador exige, sim, ser radi- A coordenação dos círculos pode ser reali-
calmente respeitoso com as pessoas que zada em dupla. Os papéis de coordenador
participam do Círculo, mesmo nos mo- e co-coordenador são equivalentes e com-
mentos mais complexos. O coordenador plementares, e suas funções podem ser
deve garantir que todos os participantes intercambiáveis ao longo do procedimen-
assumam a responsabilidade de manter to. Usualmente, o coordenador tem um
o Círculo e fazer dele um espaço seguro protagonismo mais definido, sendo quem
e propício para o diálogo aberto e since- orienta o procedimento: é o responsável
ro. Adicionalmente, deve assegurar-se de por impulsionar, implementar e documen-
Para mais informações: MARSHALL, que todas as pessoas tenham claro que no tar as atividades de cada etapa, apoiado
Chris; BOYARD, Jim; BOWEN, Helen. Círculo se respeita a confidencialidade. pelo co-coordenador. Este costuma atuar
Como a justiça restaurativa assegura a mais intensamente por ocasião do Círculo,
boa prática? Uma abordagem baseada O coordenador tem responsabilidades quando pode auxiliar na interação entre
em valores. In: SLAKMON, C; DE antes, durante e depois do Círculo. Para os participantes e contribuir com as inter-
VITTO, R.; PINTO, R. Gomes (Org.) isso, são necessárias as seguintes quali- venções do coordenador, trazendo suas
Justiça Restaurativa. Brasília/DF: dades: capacidade de escutar, de perdoar, próprias reflexões e sugestões. De acordo
Ministério da Justiça, PNUD, 2005 e de manter o processo em movimento, de com o que estabelecerem, o co-coordena-
PRANIS, Kay. Manual para facilitadores apreciar o bom humor, de preservar o Cír- dor pode também assumir, nessa oportu-
de círculos. San José, Costa Rica: CO- culo como um espaço seguro para todos, nidade, funções menos ativas, voltadas à
NAMA, [s.d.]. Tradução livre do original de não julgar. É importante ter uma pre- observação e ao registro (anotações) do
em espanhol. sença ativa, ser solidário, justo, inclusivo, encontro.

10 Manual de Práticas Restaurativas


Pré-círculo
4 Restaurativo

O Procedimento Restaurativo é dividido


em três etapas: Pré-círculo, Círculo e Pós-círculo.
Vamos conhecer melhor cada uma delas.

O Pré-círculo propicia condições para que os fatos. O encontro só ocorre se os fatos IMPORTANTE!
o Círculo possa acontecer. Desenvolve- estiverem claros, de antemão, e o autor
se por meio de encontros do coordenador admitir tê-los praticado. O resumo destes No Pré-círculo, cabe ao coordenador:
em momentos distintos com autor, recep- fatos destina-se à leitura na abertura dos
tor e comunidade, visando convergir com trabalhos do Círculo e deve conter, tam- l cuidar das pré-condições que
cada um sobre: o fato ocorrido, suas con- bém, informações como data, local, pes- permitirão a convergência de todos
seqüências, o restante do procedimento soas envolvidas. Isto servirá para evitar os participantes do círculo a um
restaurativo, os outros participantes que divergências, ao longo do procedimento, mesmo fato;
serão convidados e a vontade genuína de sobre como exatamente os fatos aconte- l ao reunir-se com cada participante,
prosseguirem nas etapas seguintes. Isto é ceram, e para fixar, claramente, o foco do escutá-los de maneira empática,
feito no contexto do estabelecimento de um círculo, evitando que o conflito seja nega- com o objetivo de definir com eles o
vínculo de confiança entre os participantes do ou enfrentado de forma superficial. fato a ser abordado no Círculo;
e o coordenador. l apresentar “o mapa” do processo,
No caso dos processos judiciais, pode-se que inclui: os passos do procedi-
O Pré-círculo é o primeiro contato com os utilizar o resumo que já consta no processo mento oferecido, seus propósitos
participantes do Círculo, no qual o coorde- (na denúncia ou representação oferecida em direção à construção com-
nador precisa inteirar-se de todas as infor- pelo Ministério Público), mas cuidando para partilhada de um Acordo e a sua
mações disponíveis sobre o fato que pro- alcançar um texto de fácil compreensão. A avaliação no Pós-círculo.
moveu o conflito. Quando possível, a leitura objetividade deve ser priorizada, enfocando
de documentos deve ser complementada diretamente os acontecimentos, embora al-
por contatos informais, inclusive com os gumas situações possam recomendar que
profissionais já envolvidos no atendimento, sua abordagem seja menos frontal.
para tornar mais clara sua visão sobre o
que, realmente, aconteceu. É importante lembrar que nesta etapa de
Pré-círculo, o coordenador está cuidando
O Círculo não tem como objetivo descobrir das pré-condições que permitirão a con-
culpados ou investigar como ocorreram vergência de todos os participantes do

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Círculo a um mesmo fato, que será o foco Esta e as demais etapas exigem prepa-
do encontro entre eles. Por isso, a confe- ração do coordenador para encontrar-se
rência deste resumo com os participantes, com os envolvidos, fortalecendo-se em
nas reuniões do Pré-círculo assegura que, suas convicções sobre a importância da-
mesmo havendo divergências dos partici- quilo que está propondo aos participantes
pantes quanto a detalhes sobre como o fato e das razões do que está propondo. Para
se deu, todos estão confortáveis com uma tanto, o coordenador deve conectar-se com
descrição objetiva e sintética de um fato suas forças internas e contar, também, com
ocorrido, que envolve o(s) autor(es) deste o apoio de outras pessoas já capacitadas
fato, o(s) receptor(es) e a comunidade. para a realização de Círculos Restaurati-
vos, de modo a sentir-se seguro sobre aqui-
lo que está fazendo e de seu por quê.

No quadro, podemos acompanhar cada fase


do Pré-círculo.

1. O coordenador 4. Reavaliação da Pertinência

l Deve se colocar em conexão com suas forças l O coordenador, ao se apropriar do caso, tem a
internas, preparando-se consigo mesmo: alternativa de propor que seja reconsiderado se
compromisso espiritual e o contato com o este caso é mesmo adequado ao Procedimento
paradigma em que irá atuar. Restaurativo. A adequação pode dizer respeito
l Deve se preparar com apoio de seus colegas: a princípios e critérios eletivos. O coordenador
reunir para supervisão mútua, pedir e oferecer a tem a alternativa, também, de declinar do caso
escuta empática com o outro. para outro coordenador, inclusive por alguma
razão de ordem pessoal. Finalmente, os contatos
2. Acolhimento com o autor do fato ou com o receptor podem
l Receber a solicitação e agendar a conversa. sugerir essa inadequação, por questões de
l Apropriação e resumo do caso: focar no que perfil pessoal. Caso haja essa mudança de
cada um fez e falou. entendimento, o coordenador vai contatar
l Informar sobre o processo: convidar quem quem originou o encaminhamento para, juntos,
precisa fazer parte e obter o Termo de reavaliarem a situação.
Consentimento.

3. Agendar e cuidar
l Marcar o horário com cada participante, checar o
horário na instituição, compartilhar com a equipe.
l Cuidar da sala: criar um ambiente agradável e
sem barulho; providenciar água, lencinhos, papel,
caneta; disponibilizar os passos na parede e/ou
em cada cadeira.

12 Manual de Práticas Restaurativas


Círculo
5 Restaurativo

O trabalho no Círculo Restaurativo é facilitado


pelo coordenador, que procura fazer com que cada
pessoa possa falar e ser ouvida, com respeito,
esclarecendo suas dúvidas e anseios sobre o
fato que iniciou o conflito, seguindo os passos
previamente combinados no Pré-círculo.

Ao começar o Círculo Restaurativo, o co- Quando todos estiverem nos seus luga-
ordenador deve criar seu próprio modo de res, o coordenador declara a abertura dos l Abertura – acolhimento e
colocar-se em conexão com suas forças trabalhos, agradece a presença de todos, apresentação.
internas – inteligência, intuição, empatia, transmite algumas palavras que inspirem
sabedoria, espiritualidade – inspirando-se admissão do passado, confiança no pre- l Encontrar as pessoas e levá-
para o Círculo Restaurativo. sente e esperança no futuro. A seguir, per- las até a sala.
mite a auto-apresentação de todos, explica
É necessário reservar um momento an- os procedimentos que serão seguidos e l Apresentar e agradecer a
terior ao acolhimento ou à instalação do o seu papel como coordenador. Também presença de todos.
Círculo Restaurativo para esse contato pro- reitera o conteúdo do Termo de Consen-
fundo consigo mesmo e para engajar-se no timento e colhe eventual assinatura ainda l Esclarecer a intenção do
contexto em que vai atuar. O acolhimento, não obtida, além de reforçar a importância Círculo Restaurativo.
representado pelas saudações e pelos pri- da participação ativa de todos em todas as
meiros contatos, dá início, informalmente, à etapas seguintes. l Explicar os passos do Circulo.
instalação do Círculo Restaurativo, e é uma
hora decisiva na transição para a maior l Lembrar o conteúdo do Termo
formalidade do encontro. Um acolhimento de Consentimento e coletar
terno e respeitoso, dedicado a cada um dos as assinaturas.
participantes, ajuda a distensionar o clima e
a fluir melhor o momento da instalação e os
passos iniciais do Círculo Restaurativo.

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O Círculo Restaurativo se dá em três momentos. Vamos
acompanhar o que acontece em cada um deles

COMPREENSÃO MÚTUA / Foco nas necessidades atuais


l Coordenador pergunta para a pessoa A: Como você está, neste momento, em
relação ao fato e suas conseqüências?
l Coordenador pergunta para a pessoa B: O que você compreendeu do que ele
disse?
l Coordenador pergunta para a pessoa A: Você se sente compreendido?

A dinâmica se repete iniciando agora com a pessoa B. Após, a comunidade é convida-


da a falar. Os comentários gerais são ouvidos por todos e traduzidos pelo coordena-
dor quando necessário. Quanto aos específicos, podem também ser traduzidos pelo
coordenador e deve-se confirmar se foram ouvidos pelas pessoas para quem foram
ditos, sempre mantendo o foco no fato em questão. O processo continua até que todos
dizem: sim, é isso que tenho para falar e fui ouvido.

AUTO-RESPONSABILIZAÇÃO / Foco nas necessidades


ao tempo dos fatos
l Coordenador pergunta para a pessoa B: O que você estava precisando no
momento do fato?
l Coordenador pergunta para a pessoa A: O que você compreendeu do que ele disse?
l Coordenador pergunta para a pessoa B: Você se sente compreendido?

A dinâmica se repete iniciando com a pessoa A. Após, a comunidade é convidada a fa-


lar. Os comentários gerais são ouvidos por todos e traduzidos pelo coordenador quando
necessário. Quanto aos específicos, podem também ser traduzidos pelo coordenador
e deve-se confirmar se foram ouvidos pelas pessoas para quem foram ditos, sempre
mantendo o foco no fato em questão. O processo continua até que todos dizem: sim, é
isso que tenho para falar e fui ouvido.

14 Manual de Práticas Restaurativas


ACORDO / Foco em atender as necessidades
l Coordenador pergunta para todos os participantes: O que vocês querem
pedir ou oferecer?
l Neste momento o coordenador deve estar atento para que sejam contempladas
as necessidades não atendidas que surgiram nos momentos 1 e 2. Com base nas
propostas apresentadas o cordo é construído e registrado.

Obs: este exemplo foi baseado numa situação em que a pessoa A era o receptor do
fato e a B o autor.

A seguir, vamos detalhar melhor os três momentos


do Círculo Restaurativo.

O primeiro momento está voltado para as sar é o receptor do fato, dando a oportu-
necessidades atuais dos participantes nidade para que ele seja compreendido
em relação ao fato ocorrido, e orientado pelos demais e confirme esta compreen-
para a compreensão mútua, entre os são. A mesma dinâmica acontece com os
participantes, destas necessidades. O outros participantes. A comunidade deve
diálogo e a compreensão mútua vão fluir se manifestar ao final da compreensão
melhor, de um momento para o outro, à mútua entre o autor e o receptor do fato.
medida que todos os presentes tiverem a
oportunidade de se expressar e sentirem- O segundo momento do Círculo Restau-
se satisfeitos por terem sido, verdadeira- rativo está voltado para as necessidades
mente, escutados e compreendidos nas dos participantes ao tempo dos fatos,
suas necessidades atuais em relação ao e orientado para a auto-responsabilização
fato ocorrido e suas conseqüências. Usu- dos presentes. O diálogo e a auto-res-
almente, a primeira pessoa a se expres- ponsabilização vão fluir melhor à medida

5. Círculo 15
que todos os presentes tiverem a oportu- do pelos demais e confirme esta compreen-
nidade de se expressar e sentirem-se sa- são. A mesma dinâmica acontece com os
tisfeitos por terem sido, verdadeiramente, outros participantes, tal como já ocorreu no
escutados e compreendidos sobre o que primeiro momento. A comunidade deve se
realmente estavam precisando no momen- manifestar ao final da auto-responsabiliza-
to do fato. Em geral, a primeira pessoa a ção do autor e do receptor do fato.
se expressar é o autor do fato, dando a
oportunidade de que ele seja compreendi- O terceiro momento do Círculo Restaura-
tivo está voltado para as necessidades
dos participantes a serem atendidas, e
orientado para o acordo. O diálogo entre
os presentes na formulação do acordo vai
fluir melhor à medida que todos tiverem a
oportunidade de se expressar e solicitar/
oferecer alternativas sobre o que deve ser
feito para se sentirem atendidos em suas
necessidades. O momento do acordo per-
mite aos presentes definir e propor ações
concretas para transformarem seu confli-
to, firmando um compromisso com prazos
claros e possíveis para a realização destas
ações mediante a recapitulação das neces-
sidades não atendidas manifestadas pelos
participantes.

O termo de Acordo é redigido pelo coorde-


nador e assinado pelos presentes, fazendo
parte deste acordo a data, o horário e o
local em que ocorrerá o encontro do Pós-
círculo.

O formulário Guia de Procedimentos Res-


taurativos, preenchido manualmente, passo
a passo, ao longo do procedimento, deve
ser completado, abrangendo todas as eta-
pas até o presente momento.

Os resultados do Círculo Restaurativo


(notícia sobre sua realização, relatório de
conteúdo e documentação do acordo) são
comunicados pelo coordenador à pessoa
responsável pelo encaminhamento do caso
ao procedimento restaurativo.

É recomendável que cada instituição que


adote os procedimentos restaurativos siste-
matize uma rotina própria para organizar o
fluxo e documentação dessas informações.

16 Manual de Práticas Restaurativas


6 Pós-círculo
Restaurativo

A última parte do Procedimento Restaurativo


é o Pós-círculo, de que vamos falar agora.

O Pós-círculo é um encontro de expressão O próprio acordo deve ter definido clara-


e avaliação entre os participantes do Cír- mente os responsáveis pelas tarefas e pelos
culo Restaurativo e aqueles que colabora- compromissos assumidos, a maior parte dos
ram na realização das ações do acordo. quais passa a ser implementada, imediata-
Juntos, verificam se o acordo foi cumprido mente e a cargo dos próprios participantes.
e se foi satisfatório, cabendo ao coorde- No período previsto pelo próprio acordo para
nador providenciar a documentação desta essas providências, o coordenador mantém
etapa e comunicar os resultados. contato com os responsáveis para confirmar
sua efetivação, prontificando-se a ajudar na
O Pós-círculo, como dissemos acima, é superação de eventual dificuldade.
um encontro de avaliação entre os partici-
pantes do Círculo Restaurativo e aqueles Implementado o Plano e cumprido o perío-
que colaboraram na realização das ações do de acompanhamento fixado, o coorde-
do acordo, para que dialoguem sobre sua nador preenche o relatório complementar
satisfação com os Planos de Ação, o que e da encaminhamento. O não cumprimen-
deles resultou, e, caso necessário, propo- to do acordo também deve constar deste
nham os novos passos a seguir. É uma relatório. Quanto à solução, se não tiver
oportunidade para que os presentes verifi- sido expressamente prevista por ocasião
quem o cumprimento do acordo, sendo de do acordo, é avaliada, neste momento,
responsabilidade do coordenador realizar caso a caso, com os responsáveis pelo
a documentação desta etapa e a comuni- encaminhamento. Entre as medidas pos-
cação de seus resultados. O coordenador síveis, pode-se decidir pela realização de
registra o encontro, inclusive as sugestões um novo Círculo Restaurativo, que acon-
de passos seguintes, se houver. Nesta eta- tece com a participação do autor, receptor
pa, o procedimento pode ser encerrado, e comunidade, ou um Círculo Restaurativo
se cumprido o acordo. Caso contrário, os Familiar, que acontece quando o receptor
participantes vão sugerir alternativas de não aceita participar, acontecendo o círcu-
prosseguimento. lo com o autor, familiares e comunidade,
ou, ainda, dar outros encaminhamentos.

17
No quadro podemos 1. Agendar o Pós-círculo
acompanhar cada A agenda do Pós-círculo é marcada no momento do acordo durante a realização do
Círculo Restaurativo. Cabe ao coordenador agendar a sala na instituição, no dia e hora
fase do Pós-círculo: combinados anteriormente, compartilhando com sua equipe

2. Cuidar da sala
Criar um ambiente agradável e sem barulho; providenciar água, lencinhos, papel, ca-
neta; disponibilizar em local visível material explicativo sobre os passos do círculo (na
parede ou em cada cadeira).

3. O encontro
Quando as ações do acordo tiverem êxito no atendimento das necessidades dos en-
volvidos, celebrar!

Afirmar a capacidade dos envolvidos de identificar suas necessidades, responsabilizar-


se por elas e organizar-se para atendê-las. Fazer isso em harmonia com as necessida-
des do outro e expressar gratidão.

Quando as ações do acordo não tiverem êxito no atendimento das necessidades de


cada um, reafirmar estas necessidades, ressignificar as ações tomadas, adaptá-las às
novas situações ou elaborar novas ações.

Quando as ações do acordo não foram cumpridas, investigar as necessidades aten-


didas pelo não cumprimento, re-significar as ações do acordo, adaptá-las às novas
situações ou elaborar novas ações para incluir, também, estas necessidades. Esta-
belecer novo prazo.

18 Manual de Práticas Restaurativas


7 Orientações Gerais
Saiba mais sobre:

Círculo Restaurativo Guia de Procedimento Restaurativo


É um encontro entre as pessoas diretamen- Nas aplicações judiciais (e em outras,
te envolvidas numa situação de violência quando a entidade tiver firmado a adesão
ou conflito, seus familiares e a comunidade. aos procedimentos do Projeto Justiça para
O encontro é orientado por um coordenador o Século 21), o procedimento é orientado
e segue um roteiro pré-definido, proporcio- e documentado por meio de um formulário
nando um espaço seguro e protegido para padronizado, denominado Guia de Procedi-
as pessoas abordarem o problema e cons- mento Restaurativo, que pode ser acessa-
truírem soluções para o futuro. do no site www.justica21.org.br. Este formu-
lário funciona como roteiro e instrumento de
documentação das informações relativas a
Círculo Restaurativo Familiar todas as etapas do procedimento. Os cam-
pos correspondentes devem ser preenchi-
Quando o receptor direto e principal do dos progressivamente, conforme as etapas
fato ocorrido não queira participar ou es- forem sendo cumpridas. Oportunamente,
teja inacessível, o círculo poderá realizar- os dados serão arquivados em meio digital,
se deslocando a ênfase nas necessidades mediante o preenchimento dos formulários
dos receptores secundários, ou seja para disponíveis na Intranet deste mesmo site.
as pessoas indiretamente mais atingidas
pelo fato, por exemplo: familiares e comu-
nidade. Termo de Acordo
O acordo consiste em um Plano de Ações po-
sitivas. Os compromissos devem ser concre-
tos e quantificáveis, com prazos definidos e
identificação dos responsáveis pelas ações (o
quê, quanto, quem, como, quando, onde).

19
A formulação do acordo tem por base as
necessidades não atendidas de cada par-
ticipante, conforme tenham sido identifica-
das ao longo das etapas do Círculo Res-
taurativo. Como introdução ao momento do
acordo, é possível recapitular e refinar essa
identificação das necessidades, anotando-
as esquematicamente. A seguir, o coorde-
nador encoraja os participantes a fazerem
propostas para um provável acordo, que se
relaciona com as necessidades não aten-
didas antes registradas, no sentido de as-
segurar a reparação ou compensação das
conseqüências do fato. E para que o fato
não se repita.

O acordo é formalizado mediante o preen-


chimento de formulário específico, avulso,
cujo modelo encontra-se no Guia de Pro-
cedimento Restaurativo. Este formulário
é expedido imediatamente ao término do
Círculo, pelo coordenador, e assinado por
todos, sendo entregue uma cópia para cada
participante, incluindo o coordenador, para
que o mesmo possa documentar o proce-
dimento. É necessário garantir o esclareci-
mento e a plena informação aos convida-
dos, possibilitando que decidam sobre a
participação no procedimento restaurativo,
e zelar para que a aceitação da participa-
ção seja voluntária e esclarecida.

Termo de Consentimento

O Termo de Consentimento de livre parti-


cipação é o instrumento por meio do qual
o participante confirma seu esclarecimento
sobre os objetivos e a dinâmica do proce-
dimento, bem como autoriza a gravação
de áudio e vídeo, e a pesquisa de acom-
panhamento da implementação do projeto.
O documento deve ser expedido em duas
vias: uma para o participante convidado ao
PARA MAIS INFORMAÇÕES: procedimento restaurativo e outra para o
BRANCHER, Leoberto. Iniciação em coordenador. Ambos assinam o Termo, que
Justiça Restaurativa – Subsídios de vai registrar o cumprimento desta etapa.
Práticas Restaurativas para a Transfor-
mação de Conflitos. AJURIS.

20 Manual de Práticas Restaurativas


8 Perguntas e Respostas
Ainda tem dúvidas?
Aproveite para esclarecê-las
neste capítulo.

O que é Justiça Restaurativa?


É um processo comunitário, não somen-
te jurídico, que se refere a procedimentos
específicos, no qual, a palavra “justiça”
remete a um valor e não a uma institui-
ção. A Justiça Restaurativa valoriza a
autonomia das pessoas e o diálogo entre
elas, criando oportunidades para que en-
volvidos e interessados (autor, receptor,
familiares, comunidades) possam con-
versar e identificar suas necessidades
não atendidas, a fim de restaurar a har-
monia e o equilíbrio entre todos.
apoiou três projetos-piloto de Justiça Qual o objetivo da Justiça
Restaurativa. Um destes projetos fun- Restaurativa?
Quando começou a Justiça ciona no Estado de São Paulo, na Vara Buscar soluções pacíficas, com a comu-
Restaurativa no Brasil? da Infância e da Juventude da Comarca nidade, para conflitos e tensões sociais
Formalmente no ano de 2005, por meio de São Caetano do Sul; os outros dois gerados por violências, crimes ou infra-
da Secretaria da Reforma do Judiciário/ foram implementados no Juizado Espe- ções, por meio de encontros denomina-
Ministério da Justiça, que elaborou o cial Criminal do Núcleo Bandeirante, em dos Círculos Restaurativos. Chamam-
projeto Promovendo Práticas Restaura- Brasília/DF, e na 3ª Vara do Juizado Re- se “círculos” pela forma espacial como
tivas no Sistema de Justiça Brasileiro, e, gional da Infância e Juventude de Porto as pessoas se distribuem nas reuniões
juntamente com o Programa das Nações Alegre/RS, com competência para exe- e, ainda, pelo grau de igualdade entre
Unidas para o Desenvolvimento/PNUD, cutar as medidas socioeducativas. elas; e “restaurativos” pela intenção de

21
reparar danos causados, restaurar o res e dos procedimentos restaurativos, campo conceitual – o da Justiça Restau-
senso de justiça e reintegrar todos em dando a oportunidade aos envolvidos de rativa. A partir deste novo campo con-
sua comunidade. Isso acontece por uma nova abordagem como resposta às ceitual, o Projeto ressignifica a própria
meio do diálogo, que compartilha o po- infrações e para a resolução de proble- idéia de justiça, que tende a sustentar
der, as escolhas nas decisões, e que mas ou conflitos. práticas sociais e institucionais natura-
aproxima e facilita a ação que beneficia lizadas na nossa vida em sociedade e
a todos. É a oportunidade de assumir que, buscando reduzir violências e con-
nossas responsabilidades para ensinar Quais as perspectivas de uma flitos, antes os amplificam.
a prática da não violência. abordagem restaurativa?
Segundo proposição de Daniel Van Ness
e Strong, a abordagem restaurativa pres- Por que uma nova justiça para o
Quais os três eixos que compõem a supõe três perspectivas básicas: século 21?
Justiça Restaurativa? A idéia de justiça, tal como cultural-
A reparação de danos; o envolvimento 1) Reparação do dano: ter o foco nas mente acreditamos e funcionalmente
dos afetados e dos membros da sua co- conseqüências da infração, nas necessi- reproduzimos – dentro e fora do Poder
munidade; a transformação do papel go- dades das vítimas e nas formas de com- Judiciário – tem suas práticas usuais
vernamental e da comunidade, mudança pensação das perdas. baseadas na opressão, na subjugação
sistêmica. ou na eliminação simbólica do outro,
2) Envolvimento das partes interessadas: como uma condição pressuposta à sua
reunir aqueles que foram afetados pela distribuição. Realizamos justiça todos
Quais os fundamentos éticos da infração, como o ofensor, a vítima, os fa- os dias, por meio de relações verticais
Justiça Restaurativa? miliares, os amigos e outras pessoas do e hierárquicas, em que competências
São oito: horizontalidade entre os en- grupo de relacionamento, além de mem- são distribuídas, delegações de poder
volvidos; cooperação voluntária no pro- bros da comunidade. exercidas e decisões tomadas, no cora-
cesso; reconhecimento da humanidade ção das quais a palavra que prepondera
de todos; reconhecimento dos anseios 3) Transformação das pessoas, comu- sempre é a do outro, ou seja, uma pala-
desenvolvidos por valores que todos nidade e governo: repensar os papéis vra alheia, que se faz ouvir por meio da
têm em comum; respeito pelas fortes e as responsabilidades das pessoas verticalidade de imposições coercitivas.
emoções que pessoas vítimas de trans- envolvidas, das pessoas relacionadas, Vontades superiores autorizam o uso de
gressões podem experimentar; empatia dos serviços e das autoridades diante violências a pretexto de seu emprego
para com os valores desconsiderados dos conflitos, da violência e da crimina- estar a serviço da proteção de coletivi-
por uma transgressão; responsabilidade lidade. dades, e não raro na idéia de fazer o
de todos pelas futuras conseqüências de bem em nome daqueles que não o re-
transgressões; ações que curam e res- conhecem.
tauram o valor simbólico e real do que foi Como ocorre o processo da Justiça
perdido ou quebrado. Restaurativa?
Todas as partes envolvidas em um fato Qual a relação existente entre o
que causou ofensa reúnem-se para de- Projeto Justiça para o Século 21 e a
O que são práticas restaurativas e cidir, coletivamente, como lidar com as Justiça Restaurativa?
como se aplicam? circunstâncias decorrentes deste fato e O projeto Justiça para o Século 21 obje-
As práticas restaurativas compreendem suas implicações para o futuro. tiva divulgar e aplicar as práticas da Jus-
um conceito ampliado de justiça, e, tiça Restaurativa no Sistema de Justiça e
assim, transcendem a aplicação mera- de Atendimento à Infância e à Juventude,
mente judicial de princípios e valores da O que é o Projeto Justiça para o na interface com as demais políticas pú-
Justiça Restaurativa. Costuma-se utili- Século 21? blicas, como estratégia de enfrentamen-
zar a expressão “práticas restaurativas” O Projeto Justiça para o Século 21 to e prevenção à violência, envolvendo
para referir-se, de forma generalizada, orienta-se por contribuir na construção crianças e adolescentes.
às diversas estratégias (judiciais ou de uma nova justiça, pela afirmação e
não), que se valem da visão, dos valo- experimentação prática de um novo

22 Manual de Práticas Restaurativas


O que são Círculos Restaurativos? Quais são os benefícios para o Comunidade: Estar entre as pessoas
São encontros circulares em que todos receptor do fato? que confiamos que sabemos que po-
os envolvidos em um conflito se reúnem A participação poderá: trazer respostas demos contar nos momentos difíceis,
para reparar danos, restaurar a dignida- as suas indagações; restaurar sentimen- nos encoraja a falar, até mesmo sobre
de, a segurança, a justiça, e reintegrar tos; oportunizar que contem e reinventem assuntos e dificuldades que evitamos
toda a comunidade. É uma conversa suas histórias a partir de identidades que ou escondemos. É importante dar voz
que visa resolver os problemas, pois, foram rompidas; transformar a humilha- e valor aos parentes, vizinhos e outros
às vezes, ouvimos o outro, mas não o ção em honra. Esta experiência busca indiretamente afetados, para que jun-
escutamos, porque escutar exige com- atender necessidades, possibilitando tos possam reconhecer que os conflitos
preender. A compreensão mútua é fun- que prossigam suas vidas com um maior fazem parte integrante de nossa vida e
damental; significa ouvir para entender sentido de justiça. que juntos pensaremos o que queremos
o que aconteceu, estabelecer uma co- pedir ou oferecer para amenizar nossas
municação. diferenças e seus efeitos para realizar o
Como ocorre a responsabilização dos Acordo. Dessa forma, todos responsabi-
Esta conversa acontece em um encon- participantes do círculo restaurativo? lizam-se pelo que aconteceu, através de
tro organizado, que segue um roteiro, e uma perspectiva de futuro.
onde estão presentes: o autor (pessoa Autor do Fato: Quando a pessoa que
que realizou o fato), o receptor (pessoa promove o conflito tem a oportunidade
que foi atingida pelo fato), e um coor- de ouvir de quem sofreu com o ocorrido Quais são as etapas do Círculo
denador (que faz parte da comunidade). e de seus familiares o relato de todas as Restaurativo?
A finalidade é facilitar o esclarecimento perdas, de todos os incômodos, trans- São três: o Pré-círculo (preparação), o
do fato, sugerir soluções para que to- tornos e sofrimentos relacionados ao Círculo (realização do encontro) e o Pós-
dos se fortaleçam de modo a enfrentar que ocorreu, este consegue enxergar as círculo (acompanhamento).
as novas situações. O mais importante proporções do ele promoveu, assumindo
é que no futuro essas pessoas optem efetivamente suas conseqüências e a
pela atitude mais adequada. Ao final da sua responsabilidade. Esta experiência é
conversa, organiza-se, coletivamente, fundamental para que ele se coloque no Como se define a participação no
um plano de ações, chamado de Acor- lugar do outro e encare suas responsabi- Círculo Restaurativo?
do, que irá desenvolver ações construti- lidades não como uma punição vingativa, O coordenador do procedimento restau-
vas que beneficiem todos. A realização mas como uma oportunidade de aprendi- rativo interage com três grupos de par-
do acordo é acompanhada pela própria zagem e crescimento pessoal. ticipantes: ofensor/autor ou autores do
comunidade. fato; vítima/receptor ou receptores do
Receptor do fato: A responsabilização fato; membros da comunidade atingida
ocorre quando a partir da sua adesão ao pelo conflito. Estes participantes estão
Por que se utiliza a denominação procedimento e participação no círculo, presentes no Pré-círculo, no Círculo e no
Círculo Restaurativo? este decide por atender suas necessida- Pós-círculo.
A denominação “Círculo” foi escolhida des, contribuindo para seu bem estar. A
porque exprime tanto a disposição es- experiência pode ajudar quem sofreu o Para os três grupos envolvidos, a par-
pacial das pessoas no encontro restau- conflito a reduzir sua raiva, sua insegu- ticipação é facultativa e voluntária, o
rativo, quanto comunica os princípios da rança, seus medos, seus ressentimentos que deve ser levado em conta também
igualdade e da horizontalidade objetiva- e suas preocupações. A grande maioria quanto à participação do próprio coor-
dos nesses encontros. Também foi des- das pessoas sente-se muito aliviada após denador. Para o ofensor/autor do fato, a
cartada a simples tradução da palavra falar sobre seus sentimentos e reclamar participação depende do gesto voluntá-
“conference”, do inglês para o português, seus danos diante do autor do ocorrido, rio e sincero de assumir a responsabili-
porque conferência não corresponde em um ambiente seguro e protegido. dade pela autoria do fato em que o Cír-
exatamente ao sentido que se busca. Assim diminuem-se os efeitos traumáti- culo será baseado. Para a comunidade,
cos relacionados ao conflito e é possível a participação depende da voluntária e
também chegar a um acordo visando à sincera vontade de assumir co-respon-
reparação dos seus danos. sabilidade pelo contexto em que o fato

8. Perguntas e Respostas 23
surgiu, e para, ativamente promover Quem pode participar dos Círculos preferir ficar apenas ouvindo, não há
mudanças futuras. Para a vítima/recep- Restaurativos? nenhum problema. A conversa é guia-
tor do fato, a participação depende da Qualquer pessoa envolvida direta ou in- da pelo coordenador, que procura fa-
sua voluntária e sincera vontade de as- diretamente no conflito. Ou seja, aquelas zer com que cada pessoa possa falar
sumir responsabilidade para seu próprio que participaram ativamente no momen- e ser ouvida, esclarecendo suas dúvi-
bem estar, e solicitar ações que, concre- to em que o conflito ocorreu, e também das e anseios a respeito do fato que
tamente, transformarão sua forma de se aquelas que, mesmo não estando pre- iniciou o conflito.
ver, e de ver os outros, depois da expe- sentes no momento do conflito, se sen-
riência com o fato. tem de alguma forma atingidas.
E se durante o Círculo alguém tentar
agredir os participantes?
Como definir a participação do Caso eu seja convidado a participar Somente participa do Círculo quem
coordenador? de um Círculo, sou obrigado a estar aceitou o convite no Pré-círculo, as
Para o coordenador, a participação presente? combinações, os princípios da Justiça
depende da sua voluntária e sincera Não, as pessoas são sempre convida- Restaurativa. Acordaram que todos pos-
vontade de NÃO assumir responsabi- das. Mesmo quem já está participando do sam ouvir e ser ouvidos da forma mais
lidade pelos outros participantes. Em Procedimento Restaurativo é livre para respeitosa possível, podendo a qualquer
vez disso, deve utilizar um conjunto de desistir a qualquer momento. O Proce- momento sair do encontro, caso sinta
habilidades ligadas ao entendimento dimento Restaurativo é 100% voluntário algum constrangimento ou mal estar.
do conflito, bem como habilidades de para todos que estão participando dele, Sendo assim, não haverá motivo para
comunicação e concentração, soma- inclusive o coordenador. que qualquer tipo de violência aconteça
das a um conhecimento das dinâmicas durante o Círculo.
próprias ao Procedimento Restaurativo,
à disponibilidade de compartilhar autori- Quem pode falar durante o Círculo
dade e ao compromisso pessoal com a Restaurativo? Onde posso ler mais sobre Justiça
prática da proposta. Todos os presentes que escolheram Restaurativa?
participar e que quiserem se mani- No site do Projeto Justiça para o Século
festar naquele momento. Se alguém 21: www.justica21.org.br

24 Manual de Práticas Restaurativas


REFERÊNCIAS

BRANCHER, Leoberto. Iniciação em Justiça Restaurativa – Subsídios de Práticas Res-


taurativas para a Transformação de Conflitos. AJURIS.

EDNIR, Madza (org). Justiça e educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para cida-
dania. ‘São Paulo: CECIP, 2007.

FAGUNDES, Márcia Botelho. Aprendendo valores éticos. 6 ed. Belo horizonte: Autêntica,
2006.

MARSHALL, Chris; BOYARD, Jim; BOWEN, Helen. Como a justiça restaurativa assegura
a boa prática? Uma abordagem baseada em valores. In: SLAKMON, C; DE VITTO, R.;
PINTO, R. Gomes (Org.) Justiça Restaurativa. Brasília/DF: Ministério da Justiça, PNUD,
2005.

PRANIS, Kay. Manual para facilitadores de círculos. San José, Costa Rica: CONAMAJ,
[s.d.] Tradução livre do original em espanhol.

Prefeitura do Município de São Paulo. Dicionário da Paz. Secretaria do Verde e do Meio


Ambiente da Prefeitura do Município de São Paulo e a Fundação do Desenvolvimento
Administrativo. São Paulo: UMAPAZ, 2007.

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Sugestões de leitura
AGUINSKY, Beatriz Gershenson; BRANCHER, Leoberto Narciso. Pro- OLIVEIRA, Leisa Ferreira. A Justiça Restaurativa no sistema de atendi-
jeto Justiça para o Século 21. Relato da implementação do Projeto Pi- mento ao adolescente infrator: implicações para o processo de trabalho
loto de Justiça Restaurativa junto à 3ª Vara da Infância e da Juventude do assistente social. Trabalho de conclusão de curso, Faculdade de
de Porto Alegre, RS. Porto Alegre, 2006. Disponível em: www.justica21. Serviço Social, PUCRS, 2007. Disponível em: http://revistaseletroni-
org.br/interno.php?ativo=BIBLIOTECA cas.pucrs.br/scientiamedica/ojs/index.php/graduacao/article/view/2844
BRANCHER, Leoberto Narciso & AGUINSKY, Beatriz. Juventude, Cri- PINTO, Renato Sócrates Gomes. A Construção da Justiça Restaurativa
me & Justiça: uma promessa impagável. In: ILANUD; ABMP; SEDH; no Brasil. O impacto no sistema de justiça criminal. Texto elaborado em
UNFPA.(Org.). Justiça, adolescente e ato Infracional. São Paulo,
Junho, 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.
2006.
ROSENBERG, Marshall B. Comunicação Não-violenta. Técnicas para
BRANCHER, Leoberto. Iniciação em Justiça Restaurativa – Subsídios
aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Edito-
de Práticas Restaurativas para a Transformação de Conflitos. Soul
Agência de Marcas e Propaganda, Porto Alegre, 2006. ra Ágora, 2006.

BRANCHER, Leoberto. Justiça, Responsabilidade e Coesão Social. In: SICA, Leonardo. Justiça restaurativa e mediação penal: o novo modelo
Slakmon, Catherine; Machado, Maíra Rocha; Bottini, Pierpaolo Cruz de justiça criminal e de gestão do crime. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
(Orgs.). Novas Direções na Governança da Justiça e da Segurança. 2007.
Brasília-DF: Ministério da Justiça, 2006.
SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maíra Rocha; BOTTINI, Pierpaolo
CAPITÃO, Lúcia Cristina Delgado. Sócio-educação em xeque: interfaces Cruz (Orgs.). Novas Direções na Governança da Justiça e da Seguran-
entre a justiça restaurativa e democratização do atendimento a adoles- ça. Brasília-DF: Ministério da Justiça, 2006.
centes privados de liberdade. Dissertação de Mestrado. Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social, PUCRS, 2008. Disponível em: http:// SLAKMON; VITTO, C.R. de; PINTO, R.G. (Orgs). Justiça Restaurativa.
tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1324 Lúcia Brasília - DF: Ministério da Justiça - MJ e Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento – PNUD, 2005.
KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaurativa e fato infracional:
desvelando sentidos no itinerário da alteridade. Porto Alegre: Livraria ZEHR, Howard . Trocando as Lentes: um novo foco sobre o crime e a
do Advogado Editora, 2007. justiça. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2008.
MARSHALL, Chris; BOYACK, Jim; BOWEN, Helen. Como a justiça ZEHR, Howard. Avaliação e Princípios da Justiça Restaurativa. In:
Restaurativa assegura a boa prática? Uma abordagem Baseada em Slakmon, Catherine; Machado, Maíra Rocha; Bottini, Pierpaolo Cruz
Valores. In: SLAKMON; VITTO, C.R. de; PINTO, R.G. (Orgs). Justiça (Orgs.). Novas Direções na Governança da Justiça e da Segurança.
Restaurativa. Brasília - DF: Ministério da Justiça - MJ e Programa das Brasília-DF: Ministério da Justiça, 2006.
Nações Unidas para o desenvolvimento – PNUD, 2005.
ZEHR, Howard. O Que a Justiça Restaurativa Não é..., Sociedade
McCOLD, e WACHTEL; Paul, e Ted. Em Busca de um Paradigma: Uma Jurídica da Nova Zelândia (Org.). In: Seminário “Sentenças - As no-
Teoria de Justiça Restaurativa. Trabalho apresentado no XIII Congres-
vas dimensões”, 2002. Apresentação pelo Juiz FWM (Fred) McElrea.
so Mundial de Criminologia, 15 de agosto de 2003, Rio de Janeiro.
Tradução pelo Ministério da Justiça & Programa das Nações Unidas
Disponível em: www.justica21.org.br/interno.php?ativo=BIBLIOTECA
para o Desenvolvimento para uso interno nas capacitações do projeto:
OLIVEIRA, Fabiana Nascimento de. Justiça Restaurativa no Sistema Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro.
de Justiça da Infância e Juventude: um Diálogo Baseado em Valores. Disponível em: www.justica21.org.br/interno.php?ativo=BIBLIOTECA
Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social, PUCRS, 2007.

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