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O indivíduo sujeito da história é constituído de suas relações sociais e é, ao

mesmo tempo, passivo e ativo (determinado e deter­minante). Ser mais ou


menos atuante como sujeito da história depende do grau de autonomia e
de iniciativa que ele alcança. Assim ele é história na medida em que se
insere e se define no conjunto de suas relaçòes sociais, desempenhando
atividades transformadoras destas relações; o que implica,
necessariamente, atividade prática e inteligência, tào inseparáveis quanto,
no nível da sociedade, são inseparáveis a infra e a superestrutura, e cuja
unidade é estabelecida por um processo cujo agente exclusivo é a
atividade humana em suas diferentes formas. £ dentro deste contexto que
devemos analisar como a ideo­logia, presente em atividades
superestruturais da sociedade, se reproduz a nível individual, levando-o a
se relacionar socialmente de forma orgânica e reprodutora das condições
de vida, e também como, no plano da ideologia, o indivíduo se toma
consciente dos conflitos existentes no plano da produção de sua vida
material. O homem como ser ativo e inteligente se insere historicamente
em um grupo tocial através da aquisição da linguagem, condição básica
para a comunicação e o desenvolvimento de suas relações sociais e,
conseqüentemente, de sua própria individualidade. A linguagem,
enquanto produto histórico, traz represen­tações, significados e valores
existentes em um grupo social, e como tal é veiculo da ideologia do grupo;
enquanto para o indivíduo é também condição necessária para o
desenvolvimento de seu pensa­mento. Ê preciso ressaltar que nem todas
as representações implicara necessariamente reprodução ideológica; esta
se manifesta através de representações que o indivíduo elabora sobre o
Homem, a Socie­dade, a Realidade, ou seja, sobre aqueles aspectos da sua
vida a que, explícita ou implicitamente, são atribuídos valores de
certoerrado, de bom-mau, de verdadeiro-falso. No plano superestrutural a
ideologia é articulada pelas instituições que respondem pelas formas
jurídicas, políticas, religiosas, artísticas e filosóficas; no plano individual, elas
se reproduzem em função da história de vida e da inserção específica de
cada indivíduo. Desta forma a análise da ideologia deve, necessariamente,
considerar tanto o discurso onde são articuladas as representações, como
as atividades desenvolvidas pelo indivíduo. A análise ideológica é
fundamental para o conhe­cimento psicossocial pelo fato de ela
determinar e ser determinada pelos comportamentos sociais do indivíduo
e pela rede de relações sociais que, por sua vez, constituem o próprio
indivíduo. Neste sentido, podemos entender como é que no plano
ideológico, o indivíduo pode se tomar consciente ao detectar as
contradições entre as representações e suas atividades desempe­nhadas
na produção de sua vida material. Quando falamos em consciência de si
como sendo neces­sariamente consciência social, a alienação definida pela
psicologia em termos de doença mental, neuroses, etc., se aproxima da
concepção sociológica de alienação. Se no plano sociológico é feita a
análise da relação de dominação entre as classes sociais, definidas pelas
relações de produção da vida material da sociedade, esta relação se
reproduz através da mediação superestrutural, via instituições que prescre­
vem os papéis sociais e que determinam as relações sociais de cada
indivíduo.
A alienação se caracteriza, ontologicamente, pela atribuição de
“naturalidade” aos fatos sociais; esta inversão do humano, do social, do
histórico, como manifestação da natureza, faz com que todo
conhecimento seja avaliado em termos de verdadeiro ou falso e de
universal; neste processo a “consciência” ê reificada, negando-se como
processo, ou seja, mantendo a alienação em relação ao que ele é como
pessoa e, conseqüentemente, ao que ele é socialmente. Neste ponto se
tom a necessário distinguir, em termos de níveis, consciência social de
consciência de classe; esta última é um processo essencialmente grupai e
se manifesta quando indivíduos conscientes de si se percebem sujeitos
das mesmas determinações históricas que os tom aram membros de um
mesmo grupo, inseridos nas relações de produção que caracterizam a
sociedade num dado momento. Nesta perspectiva, o pertencer a um
grupo cujas ações expressam uma consciência de classe pode ser
condição para que um indivíduo desencadeie um processo de
conscientização de si e sociaL Desta forma, consciência de classe é uma
categoria basicamente sociológica, enquanto consciência de-só-social é
um a categoria psicológica. Porém elas são intersociâveis no plano da ação,
tanto individual como grupai. O individuo consciente de si,
necessariamente, tem cons­ciência de sua pertinência a uma classe social;
enquanto individuo, esta consciência se processa transformando tanto as
suas ações a ele mesmo; poiém, para um a atuação enquanto classe, ele
necessa­riamente deve estar inserido em um grupo que age enquanto tal
(por exemplo, uma greve, um a assembléia, exigem grupos organizados
em torno de uma consciência comum de sua condição social). Permanece
em aberto um a questão: o que ocorre com um indivíduo consciente em
um grupo alienado? Ou seja, as contra­dições sociais estão claras, mas ele é
impedido, a nível grupai, de qualquer ação transformadora — não seria
esta um a situação geradora de doença mental, como fuga de um a
realidade insus­tentável? (É a hipótese levantada por A. Abib Andery.) A
questão da alienação — consciência só poderá ser ana­lisada, no plano
individual, enquanto processo que envolve, neces­sariamente, pensamento
e ação, mediados pela linguagem — pro­duto e produtora da história de
um a sociedade. O homem age produzindo e transformando o seu
ambiente e para tanto ele pensa, planeja sua ação e depois de executada,
ela é pensada, avaliada, determinando ações subseqüentes, e este pensar
se dá através dos significados transmitidos pela linguagem apren­dida. Por
outro lado, qualquer ação implica, necessariamente, uma não-ação, e elas
só podem coexistir no pensamento; enquanto atividade ou o indivíduo age
ou não-age, tornando o pensar um a atividade fundamental, prevendo
conseqüências e levando a uma decisão que se transforma em ação ou
não^ação. Opção feita, novamente ela é pensada em termos “e se... m as...
portanto...” , ou seja, ^ contradição entre a ação/não-ação é pensada, agora,
como avaliação ou justificativa para a decisão tomada. Esta justificativa,
mediada pela linguagem, é um produto subjetivo que poderá estar
reproduzindo a ideologia com conteúdos próprios às especificidades do
indivíduo* A reprodução da ideologia (enquanto produto superestrutura!)
como produto subjetivo de ação-pensamento tem» necessariamente, suas
raízes históricas, na medida em que a linguagem presente no pensar é um
produto do grupo social ao qual o indivíduo pertence, mediando as
relações sociais e reproduzindo, no conjunto de seus significados, a
ideologia do grupo dominante e suas manifestações específicas no grupo
social ao quai o indivíduo pertence. O pensar um a ação pode
simplesmente reproduzir essa ideologia, n a medida em que se submete
ou a reproduz através de explicações do tipo “é assim que deve ser, é assim
que se faz*1. Porém, o pensar uma açào pode ser um confronto das
possíveis conseqüências tanto imediatas como mediatas. Este pensar
recupera experiências anteriores, quando ações transformaram o ambiente
e outras, omitidas, mantiveram o status quo, apesar de ter havido um a
necessidade que gerou a contradição entre fazer/ não fazer. Refletir sobre
estas contradições e suas conseqüências fará com que a ação decorrente
seja um avanço no processo de conscientização. Se esta reflexão não
ocorre, o pensar a ação se caracterizará por um a resposta pronta, tida
como “verdadeira” , já elaborada pelo grupo, reproduzindo a ideologia e
mantendo o indivíduo alienado. Desta forma o pensar ação/não-ação —
agir/nao-agir e repensar o feito/nâo-feito traz em si contradições que
podem ser resolvidas através de um a explicação, de um a justificativa que
encerra o processo com uma elaboração ideológica. Porém se a
contradição é enfrentada, é analisada criticamente e é questionada no
confronto com a realidade, o processo tem continuidade, onde cada ação é
renovada e repensada, ampliando o âmbito de análise e
da própria ação, e tem como conseqüência a conscientização do indivíduo.
Em contraposição, as respostas a ações habituais são exata­mente aquelas
que se reproduzem sem que ocorra o pensar, tanto antes como depois. Na
medida em que estas ações implicam valores e relações sociais» elas
estarão, obrigatoriamente, reproduzindo a ideologia dominante, mantendo
as condições sociais, ou seja, elas não transformam nem as relações sociais
do indivíduo nem a ele mesmo — é a persistência da alienação. (Nesse
sentido pode-se entender como, não só o trabalho repetitivo e mecânico
de um operário, mas também qualquer atividade rotineira contribui para a
alienação do ser humano*) Esta linha de análise nos permite precisar como
a ideologia dominante enquanto produção superestrutural da sociedade,
como uma “lógica” que, ao nível individual, se traduz com especifícidades e
peculiaridades decorrentes da história de vida do indivíduo dentro de seu
grupo social, ou seja, do conjunto das relações sociais que constituem o
indivíduo. Concluindo, temos como decorrência metodológica desta aná­
lise, a necessidade de pesquisar as representações
(linguagempensamento) juntamente com as ações de um indivíduo, este
defi­nido pelo conjunto de suas relações sociais, para se chegar ao
conhecimento de seu nivel de consciência/alienação num dado momento.

Implicações metodológicas: Como captar o ideológico e o nível de


consciência de um indivíduo, num dado momento, apresenta-se como
problema fundamental para a pesquisa em Psicologia Social, quando ela
se propõe a conhecer o indivíduo como ser concreto, inserido numa
totalidade histórico-social. Inicialmente é necessário explicitar alguns
pressupostos epistemológicos tais como a relação entre teoria e fatos e a
não-neutralidade científica. Na superação da dicotomia entre teoria, de um
lado, e o empírico, de outro, o materialismo dialético se propõe a conhecer
o concreto, distinto do empírico, e produto de uma análise que, partindo
do empírico, o insere num processo o qual permite detectar como são
estabelecidas relações que nos levam a conhecer o indivíduo como
manifestação de uma totalidade» Assim, fatos e teoria se tomam
indissociáveis, tomando o processo cientifico necessariamente
acumulativo em direção ao concreto proposto e, a ciência, um
conhecimento relativizado como produção histórica. Neste sentido
definições abstratas perdem significado, pois se antes a generalização
caracterizava o conhecer, agora é a especificidade do fato, compreendido
em todas as suas implicações, que se toma o objetivo do conhecimento
científico* Desta forma a ênfase metodológica está na análise que permi­
tirá, a partir do empírico, do aparente, do estático, e, recuperando o
processo histórico específico, chegar-se ao essencial, ao concreto. E isto só
é possível através de categorias que nos levam, gradativamente, a análises
mais profundas, visando captar a totalidade. A ciência vista como produto
histórico também se relativiza como produção humana e, portanto, perde
sua condição de "neutra*1, pois é sempre fruto de homens situados social e
histo­ricamente que determinam o prisma pelo qual os fatos são
enfocados, ou seja, as necessidades e valores privilegiados por um grupo
social naquele momento. Na medida em que os fatos estudados implicam
uma inserção histórica, não importa quais as especificidades analisadas, o
conhe­cimento necessariamente se processa de forma acumulativa» tanto
quando realizado num mesmo momento, como em diferentes épocas; o
acumulativo decorre da análise histórica que nos leva ao conhecimento do
indivíduo como manifestação de uma totalidade. Estes pressupostos
determinam procedimentos metodológicos para a Psicologia Social,
fundamentais para se atingir o concreto, ou seja, o indivíduo como
manifestação da totalidade histórico-soçial, que vão desde de qual
“empírico" devemos partir até que dimensão interdisciplinar deva ser
abarcada. Se considerarmos, como Leontiev, atividade, consciência e
personalidade as categorias fundamentais de análise do fato psico­lógico,
temos como ponto de partida essencial a linguagem, o discurso produzido
pelo indivíduo, que transmite a representação que ele tem do mundo em
que vive, ou seja, a sua realidade subjetiva, determinada e determinante de
seus comportamentos e atividades. Assim, para se detectar o ideológico
e/ou o nível de cons­ciência, partimos do discurso individual produzido na
interação com o pesquisador e que deverá ser analisado através de
categorias que emeijam do próprio discurso e que o esgotem em todos os
significa­dos possíveis, tanto em relação ao que foi dito como ao “nãodito” .
Várias técnicas têm sido utilizadas para se chegar às catego­rias
fundamentais de um discurso, desde a AAD de Pecheux até às menos
estruturadas que combinam o dito e o não-dito, ou aquelas que analisam
as relações de subordinação, complementaridade etc., seja gramatical ou
implicitamente presentes no discurso. O importante é o caráter a posteriori
das categorias que permite elaborar uma "síntese precária” que direciona
análises mais amplas e profundas. Com este procedimento o Problema é
antes um ponto de partida do que de chegada, podendo ser reformulado a
cada nível de análise, no confrônto com a ação do indivíduo e com as
condições que cercam a produção do discurso. Também como decorrência
deste procedimento, o problema referente a amostragem assume outra
característica, pois não se procura a generalização mas sim a
especificidade dentro de uma totalidade e, portanto, os indivíduos
estudados sào escolhidos em função de aspectos ou condições
consideradas significativas e que muitas vezes não podem ser
pré-definidas* mas que emergem da própria análise que vem sendo feita.
Deste modo o pesquisar é também um a “práxis” : se parte do empírico, se
analisa, se “ teoriza'’, se volta ao empírico e assim por diante, se uma
atenção fundamental no planejamento de procedimento», registros e
análise do fato pesquisado. Conhecer ideologia e/ou nível de consciência
implica também o estudo das relações grupais que se processam desde a
reprodução cristalizada de papéis e, ctrnio tal, da ideologia dominante, até
o questionamento das relações de dominação e das contradições por elas
geradas. Neste nível é necessária a análise das atividades desenvolvidas
pelo grupo, assim como o discurso produzido pelos seus membros. O
confronto entre o nivel do discurso e o nível da ação é essencial para se
compreender o indivíduo, seja enquanto reprodutor de ideologia como
para análise de seu nível de cons­ciência- Neste momento a observação
participante é fundamental e nossa experiência tem demonstrado que por
menor que seja a parti­cipação aparente do pesquisador, ela ocorre com
características decisivas que não podem ser desconsideradas no fato em
estudo. Concluindo podemos ressaltar alguns pontos-chave para uma
nova metodologia de pesquisa em Psicologia Social: 1) as definições e
çonç.çitos apriorísticos são dispensáveis, quando não, restritivos para a
atividade de pesquisar; 2) por outro lado, categorias que nos remetem aos
vários níveis de análise permitem chegar à materialidade do fato, ao con­
creto que está sob o empírico aparente; 3) a pesquisà como “práxis1*
implica, necessariamente, interven­ção e acumulação de conhecimentos; 4
)t as lacunas no conhecimento são tão importantes quanto o conhe­cido,
se não mais, pois são elas que permitirão aprofundar e rever as análises já
realizadas.

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