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Basicamente, ele se interessava em compreender a relação dos homens com seu ambiente (tanto
físico quanto sociocultural), em desvelar as consequências psicológicas das atividades humanas (por
meio dos esforços do ser humano em transformar a natureza) e em entender a relação entre os
instrumentos construídos pelo homem e o desenvolvimento da linguagem e do pensamento
(VYGOTSKY apud REGO, 2010).
Em seus esforços na busca da resposta para a questão mencionada anteriormente, Vygotsky
constatou que, no processo civilizatório, a linguagem surgiu como uma necessidade de dividir
socialmente o trabalho. Nesse raciocínio, verifica-se uma influência direta dos pensamentos de
Marx e Engels, para os quais todo instrumento de trabalho interfere na natureza, modificando-a e
vice-versa. A natureza modificada transforma o homem.ll
A dialética marxista é um dos conceitos importantes que marcaram a obra de Vygotsky. Você se
lembra desse conceito? De acordo com Abbagnano (1998, p. 273):
[...] Pode-se dizer que o conceito de dialética é marcado pelas seguintes características:
1º – a dialética é a passagem de um oposto ao outro;
2º – essa passagem é a conciliação dos dois opostos;
3º – essa passagem (portanto a conciliação) é necessária.
Para que fique mais claro, vamos recorrer ao Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa. Nele, o
conceito de dialética é explicado da seguinte maneira: “s.f. Arte de argumentar ou discutir. Maneira
de filosofar que procura a verdade por meio de oposição e conciliação de contradições (lógicas ou
históricas)” (2013, p. 421).
Para Vygotsky, os instrumentos de trabalho aos quais Marx e Engels se referem não são apenas
físicos, mas simbólicos. Um desses instrumentos é a linguagem. A linguagem é um instrumento que
permite ao homem comunicar, planejar e regular sua própria conduta (autorregulação).
Podemos afirmar, com base no que foi exposto até o presente momento, que o interesse de
Vygotsky era compreender as funções psicológicas superiores, as quais permitem ao homem
imaginar, lembrar, planejar, imaginar, supor, conjecturar, enfim, representam formas complexas de
raciocinar que são movidas por uma clara intenção, pela consciência do homem sobre seus atos,
comportamentos, atitudes, criações, invenções. Essas funções seriam, então, muito diferentes dos
reflexos, reações automáticas e associações simplificadas, próprias dos animais e de crianças
pequenas (REGO, 2010).
É muito importante esclarecer que, para o autor, o homem é ativo na relação com a História. Assim,
em sua perspectiva, não se pode dizer que os homens são influenciados pelo ambiente e pela
história, passivamente. Cada sujeito atribui diferentes sentidos para as mensagens que recebe e
experiências que vive.
A compreensão de subjetividade na perspectiva desse autor parte do princípio de uma gênese social
do individual. Isso significa que não é possível explicar nenhum comportamento humano
“descolado” da História e da Cultura.
Outro ponto importante é que quando nos referimos a uma psicologia sócio-histórica é preciso
lembrar que várias abordagens psicológicas consideram que o social influencia o sujeito, o que é um
equívoco do ponto de vista da teoria de Vygotsky
Os sujeitos são atravessados e constituídos pelo social a todo o momento. Mas é cada um que
transforma o social em singular. Por isso a subjetividade é historicamente constituída.
Individualmente (e na medida em que um sujeito interage com o universo social) o transforma em
psicológico, o tornando complexo, aos poucos, e construindo seus sentidos subjetivos para as
experiências que vive.
O convívio humano é essencial não apenas para o nosso desenvolvimento físico como também para
o desenvolvimento do psiquismo. Carinho, atenção, segurança são tão importantes quanto aprender
a falar, a andar, a sorrir, a usar instrumentos como garfo e faca, copos, guardanapos, lápis, roupas
etc.
Pela vida em sociedade, a criança aprende a pensar. O pensamento, que em princípio é mais
elementar, permite que ela planeje, direcione e avalie suas ações e atitudes. Ao realizar tais ações, a
criança erra, reconhece o erro e pode tentar corrigi-los.
Da mesma maneira, vive diversos sentimentos como tristeza, frustração, alegria, agitação, calma,
ansiedade, segurança, dentre tantos outros.
Por meio das atividades que exerce no meio cultural e social em que vive, as crianças desenvolvem,
aos poucos, a consciência. Segundo Davis e Oliveira (2010, p. 23), a consciência é ‘a capacidade de
distinguir entre as propriedades objetivas e estáveis da realidade e aquilo que é vivido
subjetivamente.
Além do desenvolvimento da consciência, é importante lembrar que é pelo trabalho, que é a
principal forma de transformação da natureza para garantir a sobrevivência dos seres humanos, que
construímos conhecimentos que foram acumulados e transmitidos às novas gerações ao longo dos
tempos, permitindo a construção de outros tantos novos conhecimentos.
A produção desses conhecimentos produz cultura, aperfeiçoando os novos modos de ser e de viver
em sociedade, mas que também constitui o mundo psíquico de cada um.
Isso significa que nossas funções psicológicas básicas, como atenção, percepção, memória e
raciocínio lógico são construídos social e historicamente. O mesmo acontece com a construção da
nossa subjetividade – nosso modo singular de sentir, compreender e agir no mundo. Só somos o que
somos e quem somos em nosso grupo social e cultural e no tempo histórico em que nos
desenvolvemos, crescemos e vivemos.
Sobre o significado, Vygotsky (2008, p. 151) explica que:
O significado das palavras é um fenômeno de pensamento apenas na medida em que o pensamento
ganha corpo por meio da fala, e só é um fenômeno da fala na medida em que esta é ligada ao
pensamento verbal, ou da fala significativa – uma união da palavra e do pensamento.
Significados e sentidos
Para que se compreenda como a consciência humana é construída, é preciso refletir sobre o
desenvolvimento da linguagem.
Em primeiro lugar é preciso entender que a consciência se constrói na e pelas atividades que
desempenhamos e que garantem a nossa sobrevivência e a sobrevivência da cultura.
A atividade psicológica de um bebê pode ser considerada inferior (ou elementar) justamente pelas
limitações impostas pela motricidade e pela incapacidade em se comunicar, o que nos torna
exclusivamente dependentes de outros cuidadores. Assim, o desenvolvimento é essencialmente
mediado por outros seres humanos e por tudo que criaram em termos de conhecimento, tecnologia e
instrumentos de ação e comunicação.
A atividade constitui o homem na medida em que ele transforma a natureza (ou algo) e é por ela
transformado. Todos os instrumentos criados pelo homem são sínteses da atividade social. O que ele
passa a pensar a partir da atividade é que o diferencia dos outros animais.
É justamente na apropriação da atividade que se dá a apreensão dos significados. O significado do
que é (e como se chama) um determinado ser ou objeto passa a existir para cada um.
o homem só se constitui singular por meio das relações sociais. O que se considera essência humana
é o conjunto das relações sociais.
Podemos afirmar, então, que cada sujeito é a encarnação da história e da realidade social em que se
desenvolve. Isso não significa que ele é resultado pronto, direto, determinista, da realidade. Assim,
um indivíduo não é a realidade, mas contém a realidade. Por isso que na teoria sócio-histórica a
gênese social do individual tem grande importância. Dessa maneira, compreender as ações humanas
é entender a história e a sociedade em que cada ser humano se constituiu. Isolar um fato ou uma
pessoa é um equívoco nessa concepção. Qualquer fato ou pessoa tem que ser considerado no
conjunto das relações sociais, que, por sua vez, são marcadas pelas contradições e por movimentos
de criação e recriação de valores, normas e costumes. Na medida em que os fatos históricos são
superados, dialeticamente, a memória humana se ressignifica.
Para tornar os conceitos que você acabou de ler mais claros, vamos pensar na seguinte situação:
Júlia é um bebê de aproximadamente 1 ano e 3 meses. Ela quer pegar um brinquedo que está em
cima da mesa da cozinha de sua casa, mas não alcança. Júlia apenas balbucia, não domina a
linguagem plenamente, mas já emite sons que a ajudam a interagir com os adultos. Ela se aproxima
de sua mãe, aponta para a mesa e emite o som: “Dá-dá!”. Nesse período, Júlia não utiliza a
linguagem como instrumento do seu próprio pensamento. Por isso, tomando os escritos de
Vygotsky, podemos dizer que Júlia está fazendo uso de um discurso socializado.
Pensemos agora que Júlia cresceu um pouco, já tem 2 anos e meio, e domina muitas palavras. Dessa
vez, para alcançar seu brinquedo que está no alto, Júlia consegue falar para si mesma: “Eu preciso
alcançar esse brinquedo. Acho que vou pegar a vassoura e puxá-lo”. Esse processo também é
denominado de fala egocêntrica.
A fala, que antes era socializada, agora passou a ser uma fala interiorizada. Com isso, podemos
dizer que Júlia usa a linguagem como organizadora do seu pensamento, para planejar suas ações
antes de executá-las. Esse processo é fundamental para o desenvolvimento de formas mais
complexas de se pensar. Essa conversa que a criança trava consigo mesma a auxilia a planejar suas
ações.
Quando passa a não precisar falar consigo mesma para dirigir cada uma de suas ações, ocorre uma
alteração qualitativa no desenvolvimento entre o pensamento e a linguagem.
Outro salto qualitativo no desenvolvimento das funções psicológicas superiores ocorre quando a
criança se apropria do sistema da escrita. Aprender a ler e a escrever é apropriar-se dos cinco mil
anos de história que separam o homem do registro e da possibilidade de memorizar acontecimentos,
preservar conhecimento acumulado e garantir a sobrevivência da cultura e sua transformação.
Passemos, então, a refletir sobre as contribuições da obra de Vygotsky para a Educação.
3 DESENVOLVIMENTO E APRENDIZADO
Atividades como andar, correr, pular, comer com talheres, escrever e manipular lápis, pincéis e
tantos outros instrumentos são habilidades que vão se desenvolvendo aos poucos.
Quando afirmamos que uma criança consegue realizar quaisquer das atividades mencionadas
anteriormente, estamos falando do que ela já sabe e já consegue fazer com autonomia, sem a ajuda
de ninguém. A isso Vygotsky chamou de zona de desenvolvimento real.
Para Vygotsky, é importante levar esses aspectos em consideração, mas do ponto de vista
psicológico, é muito importante que estejamos atentos às atividades que as crianças só conseguem
desempenhar com a ajuda de alguém mais experiente, o que corresponde ao que ele denominou
zona de desenvolvimento potencial.
Esses dois conceitos nos auxiliam a pensar na importância do papel do outro no desenvolvimento
humano. Como vimos no início deste livro-texto, se não fosse o contato com outros seres humanos,
jamais desenvolveríamos certas características que nos são próprias, inclusive ao expressarmos
emoções.
Os conceitos de zona de desenvolvimento real e potencial nos obriga a refletir ainda sobre os
processos psicológicos que ocorrem “entre” ou na passagem de um nível de desenvolvimento para
outro.
Para nomear esse processo, Vygotsky construiu o conceito de zona de desenvolvimento iminente.
É comum que você encontre muitos textos que nomeiem esse conceito como zona de
desenvolvimento proximal. Por questões de tradução, a tendência é que esse último termo caia em
desuso. Essa explicação será retomada mais adiante.
A zona de desenvolvimento iminente diz respeito ao percurso trilhado pelo sujeito para aprender
aquilo que ainda não sabe ou não consegue fazer. Trata-se, portanto, de um mecanismo psicológico
em movimento e em contínua transformação, ou seja, diz respeito ao que uma pessoa não sabe ou
não consegue fazer, mas que poderá saber ou fazer no futuro.
Isso significa que, quanto mais mediações ou interações sociais interferirem ou estimularem a zona
de desenvolvimento iminente, haverá, qualitativamente, maior desenvolvimento. A noção de que o
aprendizado “empurra” o desenvolvimento, que discutimos no início deste livro-texto, encontra
fundamento no conceito de zona de desenvolvimento iminente desenvolvida por Vygotsky.
O nível de desenvolvimento real se refere aos conhecimentos já construídos pela criança, àquilo que
ela já aprendeu e já domina (REGO, 2010). Diz respeito a tudo que a criança sabe e consegue
realizar sem a ajuda de alguém mais experiente. Podemos entender, portanto, que esse nível se
refere a tudo aquilo que está consolidado, estabelecido, do ponto de vista dos esquemas cognitivos e
intelectuais de uma criança. Contudo é preciso que estejamos atentos àquilo que a criança está se
esforçando em aprender ou se apropriar.
Tudo aquilo que a criança consegue fazer, mas que depende da ajuda de quem já sabe/conhece diz
respeito ao nível de desenvolvimento potencial. A distância entre o que já está consolidado na
psique da criança e aquilo que ela consegue fazer somente com ajuda é chamado de zona de
desenvolvimento iminente (PRESTES, 2010). O termo “nível de desenvolvimento iminente”
também é mencionado como zona de desenvolvimento proximal em muitos textos disponíveis em
língua portuguesa.
Vygotsky alerta que é mais relevante dar atenção ao que a criança não consegue fazer sozinha, pois
isso é um indicativo fértil das suas potencialidades, do que àquilo que ela pode vir a aprender, dos
saberes que estão em jogo, que representam tudo que ela poderá ainda aprender melhor. A atividade
de brincar é, para o pensador, outro importante elemento no curso do desenvolvimento humano
Toda imitação é uma recriação subjetiva e internalizada do que observei do comportamento e das
ações do outro. Essa recriação é cultural, social e depende das capacidades de cada criança. Trata-se
de uma recriação, pois, embora uma criança imite os adultos, ela cria algo novo a partir do que
observou. É um processo ativo e repleto de possibilidades de transformação das ações e dos
costumes vividos pelos diferentes grupos sociais.
A imitação é um mecanismo de aprendizagem bastante utilizado nas brincadeiras infantis, por
exemplo. É muito comum que durante as brincadeiras, as crianças imitem os adultos. Em
brincadeiras de casinha ou de escolinha, por exemplo, a imitação é muito frequente. Passemos,
então, a uma discussão sobre a importância do brinquedo para Vygotsky.
O termo “brinquedo”, na obra de Vygotsky, não diz respeito aos objetos com os quais uma criança
pode brincar como uma boneca, um carrinho, um pião, uma pipa ou uma peteca. Brinquedo, em sua
obra, diz respeito ao ato de brincar em si, mais especificamente, ao brincar de faz-de-conta.
Podemos dizer que o que o autor chama de brinquedo corresponde ao que Piaget chama de jogo
simbólico.
Tomar um cabo de vassoura e fingir que ele é um cavalo, usar uma tampa de panela para simular o
volante de um ônibus imaginário, fingir que uma panela é um chapéu, que uma toalha é capa de um
superherói são exemplos do que Vygotsky denomina brinquedo.
O ato de construir contextos de brincadeira, jogos e interações, personagens e objetos ou lugares
imaginários é muito importante, pois imaginar impulsiona o desenvolvimento da capacidade de
representar mentalmente objetos, situações e experiências.
O brinquedo, portanto, “empurra” o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, na
concepção do autor. Os jogos e brincadeiras, além de estimularem a imaginação, fazem com que as
crianças organizem seus pensamentos, recriando e internalizando regras (tanto do ponto de vista do
desenvolvimento do pensamento lógico como das normas e costumes vigentes no seu contexto
sociocultural).
Na atividade de brincar, a criança se esforça para entender as atitudes dos adultos. Ao imitar os
adultos, a criança pode agir de uma maneira mais complexa (ou mais avançada) do que seria
esperado dela. Quando cuida de uma boneca como se fosse sua mãe, é preciso que ela construa e
compreenda um conceito ou uma ideia do que é ser mãe, de como age uma mãe e do que é esperado
de uma mãe em sua cultura.
O brinquedo impulsiona, portanto, a construção de zonas de desenvolvimento iminente no
psiquismo infantil. O brincar é essencial e vital para o desenvolvimento das crianças. Assim, é
fundamental que o brincar seja frequente e altamente estimulado nas mediações educativas
praticadas pelos adultos, em diferentes contextos sociais e culturais, em que as crianças vivem, mas
principalmente nos ambientes escolares.