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NOSSOS FILHOS E SUA FÉ

MARY ALICE JONES

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NOSSOS FILHOS E SUA FÉ
MARY ALICE JONES

Diretora do trabalho de crianças do Concílio Internacional de Educação Religiosa

Traduzido por

Roque Monteiro de Andrade

JUNTA GERAL DE EDUCAÇÃO CRISTÃ


da Igreja Metodista do Brasil

São Paulo

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Do original:
“Our Children's Faith”
Copyright de Cokesbury Press, Nashville, Tenn., E.U.A.
Traduzido e publicado com a devida autorização.

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PREFÁCIO
“Eu creio em Deus”. Nos hinos, nos credos, no ritual e nas orações das
igrejas cristãs onde a fé em Deus é afirmada; no grupo de crianças de cada igreja,
bem como nos lares onde a família ora e a fé é transmitida. Não obstante, entre
muitos professores, parece que reina a confusão e a falta daquelas convicções
que têm suas raízes na experiência da realidade de Deus.
Será que a fé em Deus é importante para nossos filhos, hoje em dia? E
será que podemos encorajá-los a adquirirem por si mesmos esta fé na qual
temos plena certeza de que participa do próprio cerne da realidade?
Os capítulos deste livro são escritos na esperança de que sirvam de
auxílio aos pais e professores desejosos de que suas crianças creiam em Deus,
não verbalmente apenas, mas de maneira que esta fé possa ser decisiva no
curso de suas existências.
Não é tarefa tão simples esta, de traduzir, pela linguagem, as grandiosas
afirmações da fé cristã. A autora estava ciente das muitas limitações que a
impediram de atingir plenamente a finalidade a que se propôs na execução desta
obra. Não obstante, a empreendeu em virtude da convicção, assaz profunda, de
que ela seria muito útil pois que, nos seus longos anos de experiências, no trato
com pais e professores de crianças, a autora tem notado que eles sentem
necessidade de tais sugestões como as que, aqui, vão alinhadas.
Este pequeno volume vai ser divulgado na esperança, não de que
contenha respostas para todas as interrogações ou dê interpretação a todos os
problemas difíceis com os quais se dispõe a ocupar-se, mas, antes, na esperança
de que poderá lançar um raio de luz nessa direção, deste modo, assinalando aos
orientadores das crianças as necessidades prementes, por fontes mais
adequadas de intuição e de conhecimento.
Estes capítulos sugerem alguns passos à orientação que deve ser
ministrada às crianças, visando a percepção de Deus, a compreensão da
significação da salvação na vida humana e a apreciação dos recursos e da
prática da fé cristã. Embora pela natureza do fato, o método não possa prescindir
do propósito, não se cogita, de maneira alguma, de pormenores do método. Isto
decorre tanto da exiguidade do espaço, como do fato de que já nos são
disponíveis excelentes livros que se ocupam do método e das técnicas
específicas. Espera-se que este livro seja usado em conexão com outros e que
estes, em seu conjunto, se completem.
No currículo destinado à Formação de Líderes planejado pelas
denominações que cooperam com o Concílio Internacional de Educação
Religiosa, encontra-se, em esboço, um plano de estudos para líderes de crianças
de cada grupo de igual idade. Este plano inclui estudos da natureza das crianças
e de como as crianças aprendem, da seleção e uso de material, e orientação

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pormenorizada quanto ao uso de planos e métodos efetivos. Para a maioria
destes casos encontram-se disponíveis bons livros textos, bem como leituras
sugestivas auxiliares. O campo a que se limita o presente livro é o que se
encontra proposto no curso denominado “Os Primeiros Contatos da Criança com
a Religião” (“The Child's Approach to Religion”).
Não nos é possível referir a todas as fontes as quais recorremos para
planejamento e a aquisição do material para este livro. No intercurso das
conversações com pais e professores de crianças, em todos os quadrantes do
país, na camaradagem estimulante do pessoal do Concílio Internacional, do
Comitê Infantil de Educação Religiosa e da Seção Consultiva do Trabalho
Profissional das Crianças, temos auferido a oportunidade de esclarecer nossas
ideias e convicções, bem como de iluminar nossas experiências quanto ao culto
coletivo. Os membros do corpo docente e do corpo discente de “Yale Divinity
School” têm sido de muita inspiração, através de um período longo de anos
“domo estudate” e, posteriormente, como um dos membros visitantes do corpo
de professores.
O púlpito da Primeira Igreja Metodista de Evanston, Illinois, tem fornecido
muito material para estudo de todas estas questões.
Expressamos nosso reconhecimento para com os autores das várias
obras que nos foram de muito préstimo, pelas citações que fazemos nas notas
ao pé das páginas.
MARY ALICE JONES

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ÍNDICE

I – A NATUREZA ESPIRITUAL DAS CRIANÇAS


II – A EXPERIÊNCIA QUE AS CRIANÇAS PODEM TER DE DEUS
III – O AMOR DE DEUS
IV – A GRANDEZA DE DEUS
V – A JUSTIÇA DE DEUS
VI – A COMPREENSÃO DE JESUS PELAS CRIANÇAS
VII – AS CRIANÇAS E A SALVAÇAO
VIII – APRENDENDO A FAZER A VONTADE DE DEUS
IX – AS CRIANÇAS ABANDONADAS
X – A BÍBLIA E AS CRIANÇAS
XI – A IGREJA E AS CRIANÇAS
XII – CULTUANDO A DEUS

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I

A NATUREZA ESPIRITUAL DAS CRIANÇAS


As perguntas que as crianças fazem abrangem um campo tão amplo que
os adultos, continuamente, se sentem surpreendidos. Há, porém, determinadas
perguntas que quase todas as crianças fazem. De uma forma ou de outra, toda
criança normal pergunta a respeito de como veio a existir. Pais e professores têm
aprendido de excelentes livros, panfletos e preleções sobre este assunto, alguns
dos métodos mais úteis e satisfatórios no trato da questão no quanto se refere
ao aspecto biológico da existência. Entretanto, há muitos pais que não
consideram esta resposta suficientemente adequada às perguntas de seus
filhos relativamente à própria criação deles. Percebem que, embora uma
interpretação científica da existência, do como da existência, tanto quanto seja
conhecida e seja acessível a sua compreensão, ainda que necessária e útil à
criança, esta interpretação necessita de algo mais. É que buscam a maneira
sábia de ampliar aquela interpretação para incluir umas tantas sugestões que,
penetrando nas leis e processos biológicos, atinjam a significação substancial
da própria existência.
Além disso, o testemunho de muitos pais e professores sublinha o fato de
que as simples explicações científicas não satisfazem às crianças. Estas
continuam a indagar: “Se eu não fosse sua filhinha, quem poderia ser eu?”,
pergunta uma criança, denotando sua luta interior por conseguir a solução, não
do problema biológico da criação, mas do problema da vida, propriamente. A ela
lhe é concebível que poderia ser outrem e não ela mesma, mas não lhe parece
concebível que ela viesse a existir. “Como é que Deus pode pensar em mim,
quando tem tanto que fazer neste mundo?”, pergunta uma outra criança,
denotando participar de certa maneira do sentimento de maravilha expresso pelo
Salmista:
“Quando vejo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que
preparaste; que é o homem mortal para que te lembres dele?“

Por outro lado, esta pergunta do garotinho: “Deus se lembrou de que você
gosta de cabelos cacheados quando me criou?”, implica na ideia de que a criança
tem uma atenção específica, não apenas referente ao como da criação
individualmente considerada, mas também ao propósito que subsiste na
criação. E esta pergunta mais rara por parte das crianças: “Por que Deus criou a
humanidade? Ele já tinha as estrelas e as flores”, denota a necessidade de
buscar-se a interpretação da criação num plano que ultrapassa a ciência. As
crianças são filósofas, e teólogas, tanto quanto são cientistas.
Como podemos levar nossos filhos e pensarem inteligente e
reverentemente a respeito do lugar que lhes cabe no plano total da criação?
Como podemos levá-los a pensarem nesta questão de todas as questões: “Que
é o homem?”
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Nas velhas Escrituras Hebraicas encontramos esta afirmação clara: “Sois
filhos do Senhor, vosso Deus”. E nas Escrituras Cristãs primitivas, aparecem
quase as mesmas palavras: “Somos filhos de Deus”. Ser-nos-á permitido,
hodiernamente, transmitir esta fé a nossos filhos e esperar que eles a assimilem
para que seja como uma propriedade deles? Qual a significação desta fé?

A NATUREZA DO HOMEM
Falharemos em nossa tentativa de interpretar a vida para nossos filhos se
presumirmos que aquela significa serem eles criaturas inteiramente à parte e
acima do resto da criação. Falharemos se obscurecermos o fato de que o
homem é um animal – animal complexo, é verdade, mas, não obstante, ser um
animal, seu corpo se constitui das mesmas substâncias químicas básicas, tal
como o dos outros animais. O corpo humano sente as mesmas necessidades e
apetites como outros animais. Luta pela preservação de sua vida, pela defesa
dos recém-nascidos, e pela manutenção de suas propriedades. Por vezes é
“predatório, cruel e fraudulento”; e, semelhante ao que acontece aos outros
animais, há de morrer.
Visto que o homem é um animal, os pais e os professores devem levar as
crianças a encarar o fato, como já o sugerimos, “sem acanhamento e sem
escândalo, mas sim com verdadeira candura”; pois que “afirmar que somos
animais, não é o mesmo que negar que somos homens”1. Antes é condição para
que compreendamos e estejamos preparados para o trato dos problemas que
derivam de nossa natureza humana.
Mas, embora seja, assim, criado da mesma matéria básica de que se
constituem os demais seres no universo, o homem é, não obstante, diferente
daqueles. Em seu pequeno livro “What is Man?” (Que é o Homem?), o professor
R. L. Calhoun lança muita luz sobre o ponto de que só o homem, entre as
criaturas terrenas é capaz de avaliar e de escolher. Outras criaturas se submetem
às leis que os regem, sem qualquer possibilidade de questioná-las, preferindo
esta ou aquela que seja a certa, e sem qualquer deliberação no caso. “As
estações têm seu início e seu fim, as ventanias sopram e acalmam-se, o oceano
marulha turbulento, mas conserva-se indefinidamente em seus limites, as
plantas e os animais se reproduzem, cada qual segundo sua espécie2.” Não há
qualquer entre estes que se preocupe com o julgamento moral de suas próprias
atividades ou com as atividades de outras criaturas. Tão somente o homem
delibera quanto ao que seja bom e escolhe praticá-lo.
O homem é livre num grau tal em que não o podem ser outras forças e
organismos vivos. Por seu pensamento e pela capacidade que tem de planejar,
o homem pode, em grande medida, preponderar sobre o ambiente em que vive e
também sobre seus próprios impulsos e necessidades. Pela memória, é possível

1
R. L. Calhoun, God and the Commom Life, Scribner, 1935, p. 98.
2
Assotiation Press, 1939, p. 65.

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a ele aprender pela experiência. Pelo uso da imaginação, também, pode
desvencilhar-se das limitações de tempo e de espaço, colocando-se em lugar de
outrem, em algum outro país, em alguma situação diferente, em outro tempo. O
homem está apercebido das demais pessoas e circunstâncias, como das coisas
que o rodeiam, corresponde-se com estas e, ao mesmo tempo, exerce tais
pessoas e circunstâncias, influência e ação transformadora. O passado e o
presente são conservados em sua memória e, ao mesmo tempo, ele fixa
objetivos futuros. E entre os milhões de seres humanos na face da terra, cada
qual difere dos demais — como indivíduo, único, “uma alma vivente”.
Nossos filhos são, portanto, uma parte integrante e dependente do mundo
que os rodeia, mas também, efetivamente, deste se distingue. Assim sendo,
nossos filhos podem compreender, não somente os fenômenos e forças físicas,
mas também as realidades espirituais.

O PREÇO DA LIBERDADE
Ao passo que os privilégios elevam o homem acima dos demais seres
criados, também o assoberbam de sérias dificuldades, visto que ele deturpa seus
altos privilégios e peca voluntariamente contra Deus, seu Criador.
“O homem como pessoa moral responsável tem tomado em suas próprias mãos
o seu destino e tem-se revelado incapaz quanto aos privilégios da liberdade. Em vez de
soerguer-se resolutamente da natureza animal... o homem se tem chafurdado nessa
‘segunda natureza’ dos hábitos individuais e dos costumes sociais que o fez claudicar a
cada passo... Embora seja ainda livre para pensar, planejar e escolher, o que não é dado
aos outros animais fazerem, o homem não pode, por si mesmo, escolher como devia.” 3

O homem, então, é isto? Esta criatura arraigada à sua natureza animal,


engolfado em sua segunda natureza de frustação, pecado e fracasso? A fé cristã
assevera que, embora o homem seja isto, é, contudo, mais do que isto. O homem
foi criado “à imagem de Deus” — Isto é, com a faculdade que lhe é peculiar de
corresponder-se com Deus e de estabelecer comunhão com Ele. Com o
reconhecimento pleno do estado de desespero do homem, a fé Cristã pode, não
obstante, fazer esta gloriosa afirmação: “Amados, agora somos filhos de Deus”.
A esperança do cristão reside, não em sua própria capacidade de escolher
retamente, conhecer, amar e praticar todo o bem, mas no amor de Deus para com
o homem. O amor inimitável e regenerador de Deus busca o homem e “enviou
Seu Filho” para a redenção do homem. Do ponto de vista Cristão, o homem
jamais, por um instante que fosse, esteve desamparado, mas sempre, mesmo
em seu pecado, está com Deus, “em cuja presença invisível vive, move-se e tem
seu ser”. O homem é homem pelo fato de lhe ser possível aperceber-se deste

3
Ibid., p. 69.

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amor e encontrar sua plena autorrealização num amor correspondente para com
Deus e seus semelhantes.

AS RESPONSABILIDADES DA FILIAÇÃO
Permite-se que nossos filhos sejam levados a pensar de si mesmos como
objetos do pensamento e das solicitações Divinas. Entretanto, não convém que
sejam iludidos na presunção de que seja algo de somenos o fato de serem filhos
de Deus. Muito frequentemente, sem nos apercebermos disto, damos a nossos
filhos a impressão de que tais solicitudes Divinas não envolvem nenhuma
responsabilidade, nenhum reconhecimento de dependência de Deus, nenhuma
decisão da parte deles próprios de entrarem nesta filiação. O amor de Deus é
ativo, solicito, infinito; mas se o homem não corresponder a este amor, não
relegará o problema da compreensão por si mesmo do lugar a que Deus o
destinara na criação? Se o homem permanece insensível ao amor de Deus, como
as estações, as ondas e os ventos, se, como diz Paulo, “não recebe as coisas que
são do Espírito de Deus”, não estará a comportar-se como simplesmente “o
homem natural”, uma criatura entre as demais criaturas do universo, obstinado
na recusa de sua primogenitura como filho de Deus?
Tais homens que desdenham de ser homens impeliram o pregador a dizer-
nos de sua velhice: “Porque o que sucede aos filhos dos homens isso mesmo
também sucede aos animais; a mesma coisa lhes sucede; como morre um,
assim também morre o outro.” E nos dias que correm o pregador do Eclesiastes
tem não poucos seguidores, os quais veem o estado do homem como
irremediável.
A fé Cristã afirma categoricamente que, reconhecendo o amor de Deus,
correspondendo a este amor com amor, também, e com o serviço obediente, o
homem se torna uma nova criatura, dotado de hegemonia sobre “o homem
natural”, bem como dons espirituais e da comunhão imediata com a Divindade.
Nossos filhos não são, portanto, nem "inefáveis multidões da glória", nem
animais, simplesmente. São pessoas humanas dotadas pelo Criador da
possibilidade de se elevarem acima do resto da criação, de pensarem segundo
os pensamentos de Deus, de se identificarem com seus propósitos, de
cooperarem com Ele e de corresponderem a Seu amor. Em virtude desta
possibilidade peculiar, nossos filhos, como pessoas, são mais preciosos no
pensamento de Deus do que todas as riquezas, grandezas e belezas no universo
físico.
O homem foi dotado das possibilidades da liberdade, do domínio e da
sabedoria muito além de todas as outras criaturas.
“Contudo, pouco menor o fizeste do que os anjos, e de glória o coroaste. Fazes
com que ele tenha domínio sobre as obras de tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus
pés.”

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É um alto privilégio este, dos pais e dos professores, levar as crianças a
aperceberem-se de sua condição de HOMEM, a alegrarem-se por isso, a
reconhecerem a dependência em que, para isso, se encontram diante de Deus, a
comportarem-se humildes na consideração da confiança demonstrada por Deus
ao concedê-lo e a aceitarem com seriedade as responsabilidades que tal
condição lhes acarreta como filhos de Deus.

11
II

A EXPERIÊNCIA QUE AS CRIANÇAS PODEM


TER COM DEUS
“Que é e onde está Deus?”, é o título de um livro de ampla divulgação e
influência de poucas décadas atrás. E tais perguntas a respeito de Deus,
semelhantemente àquelas concernentes à própria origem e natureza, são
formuladas de uma ou de outra maneira por quase todas as crianças. Como
desejaríamos uma resposta simples e cabal que lhes pudéssemos dar com a
certeza de que seria uma resposta correta!
Pela natureza do fato, não pode haver aqui nenhuma resposta a um tempo
simples e cabal. Os seres humanos não podem articular respostas às perguntas
a respeito de Deus, que sejam comprovadamente, respostas definitivas e
absolutamente corretas. “A grandeza de Deus transcende nossa capacidade de
conhecer”, e, não obstante, podemos formular respostas que representem a
nossos filhos, nosso melhor pensamento, deste modo concorrendo para que se
capacitem no sentido de dar a razão da fé que professam.

A CONTRIBUIÇÃO DO LAR
O preparo dos pais, ou de quaisquer outros que ensinem, no trato de tais
assuntos, deve preceder de muito o momento em que surge a interrogação da
criança. Neste terreno não nos é possível dar uma busca na enciclopédia, nem
mandar que a criança recorra ao laboratório de sua escola, nem também ir com
a criança observar as plantas, como o fazemos quando a pergunta se prende ao
campo da história, da ciência ou da mecânica. Em vez disto, quando as crianças
fazem perguntas a respeito de Deus, nossas respostas devem ser oriundas de
nossa experiência, enriquecida de tudo quanto a sabedoria acumulada da
humanidade nos tem proporcionado. E nossas respostas serão úteis às crianças,
somente na medida em que nossa própria experiência nos tenha sido
significativa. Se, em nossa própria experiência, Deus não tem ocupado nenhum
lugar importante, então, podemos, na melhor das hipóteses, transmitir alguma
coisa, mas, como dúvida honesta, às crianças. Não ousamos tentar, sequer, a
comunicação de uma fé vital, a qual não tenhamos experimentado.
Muito antes que a criança pergunte a seus pais alguma coisa a respeito
de Deus — efetivamente, antes mesmo que seja capaz de falar — é provável que
suas experiências a tenham preparado para participar de uma fé satisfatória em
Deus, ou que tenha anteposto barreiras intransponíveis na direção do
conhecimento que devêm ter de Deus. Visto que é muito claro que os adultos
não podem ensinar coisa alguma às crianças, a menos que já haja algo na
experiência da própria criança que dê significação do ensino. Se as crianças
nunca tiverem sabido o que seja amor, prudência, paciência, generosidade etc.,
estas palavras quando usadas em conexão com as respostas a respeito de Deus,

12
hão de parecer muitíssimo pouco significativas para tais crianças. Se jamais
conheceram o que seja a ordem a fidedignidade, a coerência no trato das ações
éticas e morais uma descrição de Deus como sendo fidedigno, e de Sua lei moral
como eterna, há de ser de somenos importância. Se nunca experimentaram a
alegria da criação, se em tempo algum tiveram a atenção voltada para o ciclo da
vida desde a pequenina semente até a plenitude da sua floração, se ainda não
contemplaram a água a manar fresca e cristalina dos mananciais, se não
apreciaram o pôr do sol tornando janelas aurifulgentes e o firmamento
chamejante, se nunca se maravilharam na consideração das estrelas e do luar —
se nunca aperceberam do universo no qual habitam, não é provável que estas
palavras: “Deus, Pai Onipotente, Criador do céu e da terra”, se revistam de
qualquer significação.
Por outro lado, se, quando criancinhas, conheceram, nos próprios lares o
amor, a prudência, a paciência e a generosidade, as crianças poderão construir
sobre tais experiências algum conceito de Deus como sendo amoroso, sábio,
magnânimo e generoso. Se a conduta deles tiver sido avaliada
convenientemente e tiver tido tratamento razoável, desde muito cedo estarão em
condições de começar a compreender que a ordem moral de Deus é fidedigna e
não pode ser impunemente transgredida. Se têm fruído maravilhas e as belezas
do mundo natural que os rodeia, se já plantaram e regaram sementes, assistiram
à germinação e ao florescimento delas, se têm encontrado deleite nas cores das
flores, se têm observado algo do deslumbramento e do encanto dos familiares
já adultos, quando estes se põem a contemplar em silêncio, o pôr do sol ou o
firmamento noturno estrelado — se por meios semelhantes a estes, as
criancinhas têm sido conduzidas a uma certa apreciação do mundo natural,
gradualmente estas palavras: “Criador do céu e da terra” se vão tornando plenas
de sentido e significação.
A apreensão da realidade de Deus, então, não vem à criancinha,
primariamente, do ensino direto a respeito de Deus, mas da participação das
experiências de Deus. Se os pais têm consciência de Deus e são sensíveis a
Deus, a criança há de manter-se na expectativa de uma experiência pessoal com
Deus, deste modo, mais provavelmente tornando-se sensível à presença de Deus,
bem como à direção de Deus. “As palavras podem apontar a Deus, mas não O
podem fazer conhecido. É Deus mesmo quem se tem de fazer conhecido; e tão
somente para aqueles que estão persuadidos da presença de Deus, nas
adversidades efetivas de suas próprias existências, tais palavras podem ser
mais do que um simples jogo no exercício mental.”1

INTRODUZINDO O NOME DE DEUS


Exatamente quando a palavra de Deus chega a ser associada a uma
Pessoa invisível, mas deveras real, no pensamento da criança, não nos é dado

1 Calhoun, God and the Commom Life, p. 241.

13
saber certamente. Há entre os professores mais zelosos das criancinhas,
aqueles que nos aconselham a reprimirmo-nos de fazer afirmações diretas
acerca de Deus as criancinhas muito pequenas, a fim de que não venham elas a
substituir a experiência real pelas simples palavras. Certamente que a maioria
dos adultos, em torno de nós, os quais falam fluentemente, tanto por palavras
como por suas vidas, que não têm nenhuma consciência real de Deus, dão
testemunho do perigo da religião verbal, como sendo uma barreira séria contra
a religião vital.
Entretanto, parece ser dificilmente viável, mesmo que isto fosse desejável,
num ambiente americano normal, impedir que a criança ouça qualquer menção
do nome de Deus. Assim sendo, parece mais sábio mencionar o nome de Deus
sempre que for oportuno e tentar, depois de cada uma dessas oportunidades,
levar a criança a desenvolver sua compreensão. É inevitável o fato de que a
criança há de adquirir impressões errôneas, dadas às limitações de sua
experiência e de sua incapacidade de linguagem. Mas não há por que exagerar-
se o fato. Desde idade muitíssimo tenra a criança ouve referências a parentes
ausentes. Pela maneira como delas se faz menção, a criança vai gradualmente
urdindo algum conceito a respeito de tais pessoas. De modo idêntico, se Deus
for uma realidade para os adultos que cercam a criança, as referências ao nome
de Deus ocorrerão naturalmente na conversação e concorrerão para que esta
criança, gradualmente, forme seu conceito de Deus.
O fato de que este conceito incipiente, este pensamento da criança a
respeito de Deus, venha possivelmente a assumir a forma de pessoa física, tal
pensamento não se limitará a esta forma permanentemente. Mas, o importante
é que ela adquira a ideia de que Deus é uma pessoa boa, sábia e amorosa. É
necessário, também, que a ênfase de nossa referência a Deus leve a criança a
pensar mais no propósito de Deus e menos na Sua forma física para a qual se
volta a curiosidade de muitas criancinhas. A pergunta: “Com quem Deus se
parece?”, devemos responder: “Deus não tem necessidade de um corpo como o
nosso. Mas Ele ama a humanidade. E nós sabemos alguma coisa a respeito de
como Jesus opera e do que Ele faz.”

DERIVANDO AUXÍLIO DAS EXPERIÊNCIAS DE OUTREM


Entretanto, a criança não está na dependência exclusiva de sua própria
experiência e da sua própria compreensão para chegar a conhecer a Deus. Pode
aurir da experiência de outrem. Como já sugerimos, aqueles que lhe são mais
íntimos e que tornam claro em suas vidas, tanto quanto em seus ensinos, que,
para eles, Deus está na verdade, mais perto do que o ar que respiram, ou do que,
mesmo, as mãos dos pés, poderão pelo testemunho de suas vidas, concorrer
para que seus filhos conheçam mais plenamente a Deus. O registro bíblico nos
fornece um relato vívido e movimentado da obra de Deus, bem como da maneira
pela qual Deus se revelara aos homens do passado. A história da Igreja Cristã,
por sua vez, também dá testemunho; na majestosa poesia e na liturgia, nos

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sacramentos e cerimônias da religião, se encontram as expressões da fé
daqueles milhões de homens e mulheres de todas as raças e nações para os
quais o amor de Deus tem sido a experiência mais real da existência. Todas estas
fontes nos são acessíveis, a nós e a nossos filhos.

JESUS, A REVELAÇÃO DE DEUS


Sobretudo em Jesus Cristo, nossos filhos podem chegar à compreensão
de Deus. Jesus nos mostrou o Pai. Pelo fato de podermos dizer às crianças que
Deus é como Jesus, é que se nos torna possível aconselhá-los a que resistam à
tentação de prestarem culto a falsos deuses. Nele temos a manifestação do
amor de Deus, e o propósito de Deus para com seus filhos. Em virtude de termos
nos Evangelhos aqueles registros específicos de como Jesus se comportara em
face das pessoas, é-nos possível levar nossos filhos ao conhecimento, não em
termos vagos, mas nos seus verdadeiros pormenores, de como Deus cuida dos
seus filhos. Em virtude de termos os ensinos de Jesus, torna-se fácil a tarefa de
auxiliar nossos filhos a compreenderem como é que Deus espera que eles vivam,
bem como o quanto Deus espera de retidão e de obediência a Sua vontade por
parte deles.
Mas em virtude de Jesus ter vivido sobre a terra num período definido da
história e num país definido e sob determinadas condições e costumes, tem por
vezes certa confusão quando alguns pais e professores têm procurado
interpretar Jesus, as crianças, como sendo a Revelação de Deus. As crianças
discrepam, em seu pensamento, sobre Deus como operando sob as mesmas
limitações a que Jesus se submetera durante sua vida terrena. Devemos
procurar fugir desse engano. Jesus, que vivera entre os homens, revelara-lhes
Deus em suas relações com os homens — como alguém que os amava e os
atraía para si mesmo na conformidade da correspondência do amor e da
obediência; como juiz justo que requeria a retidão entre os homens e mantinha
a lei moral. Mas Jesus não exibira poderes de Criador nem de Preservador do
universo. Embora Jesus tenha vivido sob as limitações próprias dos homens,
Deus é onipotente; embora Jesus tenha vivido sob as limitações de tempo e
espaço, Deus é onipotente.

A INICIATIVA DE DEUS
Em todo nosso ensino, estamos na persuasão de que Deus não está
esperando que seus filhos o busquem. Ele toma a iniciativa; está continuamente
se esforçando por se fazer conhecido. Exatamente como Ele se faz conhecido
às personalidades humanas, não podemos dizer, Ele opera de muitas maneiras.
Por vezes, o conhecimento de Deus surge gradualmente à medida que a vida se
desenvolve. A algumas pessoas Deus se revela primordialmente em admirável
esplendor através da beleza da terra. Para outros Ele se torna conhecido através
da meditação silenciosa, enquanto a significação da experiência se torna
evidente. A alguns, Deus fala nos momentos de comunhão mística, no encontro
do espírito com o Espírito. Para outros Deus parece mais real no culto coletivo;

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para alguns na convivência humana harmoniosa. Mas em todas estas
experiências, Deus é que é o elemento ativo, Ele toma sempre a iniciativa.
Alguns teólogos modernos estão insistindo, com efeito, não apenas na
iniciativa de Deus, mas também na absoluta transcendência de Deus. Consoante
este ponto de vista, Deus não se faz — não se pode fazer conhecido através da
natureza, nem através das experiências dos homens, visto que Deus é
inteiramente “outro” que não a natureza e o homem. Em vez disto, Deus “vence
as dificuldades” da natureza e da experiência. Diz Emil Brunner:
“O misterioso Deus, o qual o mundo nem conhece nem mostra, o qual eu não
conheço e o qual o homem interior não revela... tem de afirmar-se a si mesmo contra o
mundo como um ser que é um não-mundo, não-eu; que revela seu verdadeiro nome, os
segredos de sua vontade desconhecida que é oposta ao mundo, contrária à nossa
experiência e, sobretudo, aos pensamentos e intenções de nosso próprio coração.”2

Posto que tenhamos insistido neste ponto de vista diferente da atividade


de Deus em fazer-se conhecido a seus filhos, este ponto de vista sugere a
necessidade de alguma correção. Estaríamos orientando mal as nossas
crianças se as ensinássemos a limitarem sua expectativa de um encontro com
Deus exclusivamente em Sua revelação na natureza, nas experiências da vida
que elas mesmas tenham, nas experiências de outrem, e até mesmo no que
podemos compreender da experiência terrestre de Jesus. Deus “vence as
dificuldades” dentro do mundo por processos que nos são inescrutáveis; Ele
oculta dos sábios e revela aos loucos os seus caminhos”, Ele vence as
dificuldades relativas às limitações das experiências humanas anteriores e
torna-se num súbito despertamento de intuição. Ele vence as dificuldades da
natureza e se faz conhecido a despeito da desarmonia e da destruição. “A
natureza... está em progresso no sentido de ser colocada de acordo com o que
‘deve ser’ — em progresso no sentido de ser ‘reconciliada’ — em vez de estar já
exemplificando perfeitamente a vontade de Deus.” 3
A ordem atual do mundo não é Deus. Os homens — todos os homens —
estão muitíssimos aquém de sua sublime vocação. Nem na natureza, nem nas
relações humanas, podemos esperar que nossos filhos venham a ver a Deus
revelado na sua plenitude. Não obstante, na natureza e nas relações humanas
temos evidências da natureza e dos propósitos de Deus. Posto que estejam
muito aquém do que devem ser, não são, contudo, inteiramente outra coisa,
absolutamente fora de Deus. Em vez disto, podemos admitir com certeza, estas
coisas nos dão o reflexo imperfeito dos grandiosos e boníssimos propósitos de
Deus, agora apenas palidamente revelados, entretanto, em processo para se
tornarem compreendidos.

2 Emil Brunner, Theology of Crisis, Scribner, 1929, p. 31.


3 Calhoun, God and the common Life, p. 247.

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Na literatura da religião há inumeráveis relatos concernentes à revelação
que Deus faz de si ao homem. Não é tarefa para nenhum professor, tentar uma
limitação, nem mesmo uma descrição da maneira ou da ocasião quando Deus
há de revelar-se à criança. Compete ao professor levar a criança a esperar que
Deus se faça conhecido, e a ser sensível a nossa revelação que Deus fará de si
mesmo, quando quer que ocorra.

A NECESSIDADE DO ENSINO DIRETO


A compreensão e as ideias que alguém tem de Deus, portanto, estão
baseadas na experiência do “encontro com Deus” na vida do próprio indivíduo,
na natureza, nas relações humanas, na história e em Jesus Cristo. Mas as
crianças necessitam também da elucidação da experiência e de sugestões e
explicações definidas no que respeita aos pensamentos de Deus e seus
propósitos.
“Sentimentos” vagos e imprecisos a respeito de Deus podem tornar-se
dispersos ou conduzir a atitudes malsãs. As crianças maiores precisam de ajuda
para expressarem sua fé e, por este meio, esclarecê-la e fortalecê-la. Através da
orientação sábia quando têm perplexidades e perguntam frequentemente,
através da companhia, no culto, com outros, através da expressão em voz alta
de seus anseios e aspirações na oração, através do ensino cuidadoso e
específico a respeito de Deus, as crianças maiores podem ser levadas a
enriquecer e interpretar a experiência que têm de Deus.
Será cabível também a correção sistemática sempre que o professor
observe que a criança está conservando consigo certa concepção de Deus que
esteja em desarmonia com o ponto de vista cristão de Deus e de seus
propósitos. Uma criança que se sinta aterrorizada admitindo que Deus há de
fulminá-la com um raio por causa de algum malfeito seu, precisa ser
imediatamente informada de que Deus não é assim. Mais frequentemente,
porém, os falsos conceitos infantis podem ser mais eficazmente tratados
indiretamente por meio de pensamentos sugestivos ou de experiências
planejadas no sentido de uma orientação melhor.
Os pensamentos corretos a respeito de Deus serão muito úteis, também,
quando as crianças procuram compreender como Deus lhes fala. Devem, então,
aprender a distinguir a voz de Deus e a voz da ambição egoísta, entre a
orientação de Deus e os impulsos naturais para fortalecerem a si mesmas, entre
a “Vivificação do Espírito” e os excitamentos histéricos. As crianças têm livre
acesso a Deus: não precisam de se aproximar dEle por meio de intermediários
humanos. Entretanto, os pais e os professores podem prestar às crianças
inestimável serviço, levando-as a interpretar as próprias experiências, bem como
sugerindo-lhes os meios para que possam ouvir a Deus falar.

17
A IMPORTÂNCIA DA FÉ PESSOAL DO PROFESSOR
Isto nos faz pensar na importância dos conceitos mais acertados a
respeito de Deus por parte dos adultos. Os pais e professores de crianças
necessitam de uma teologia sã! Muitas tristezas que afligem grande número de
crianças e adolescentes, resultam não tanto de não terem compreendido o que
se lhes tenha dito a respeito de Deus, mais precisamente, do fato de terem
compreendido que as afirmações dos adultos repousam em uma teologia
inconsistente. Muitos pais e professores simplesmente se limitaram a aceitar o
que se lhes ensinara a respeito de Deus e, sem qualquer esforço crítico,
transmitiram-no às crianças sem que chegassem a ter experiência real ou
compreensão dos fatos. Em tais casos, não estão estes pais ou professores
comunicando propriamente uma fé viva, senão meramente, transmitindo um
credo ou um conjunto de “conselhos para a conduta”, ou de “coisas que não
devem ser praticadas”, ou de “doutrinas que outros me ensinaram”.
Não se trata, nestes casos, de um procedimento necessariamente
hipócrita. Os professores não ministrarão às crianças, alguma coisa que eles
mesmos tenham rejeitado. Não chegaram a rejeitá-lo. Também não chegaram,
sequer, a adotá-lo. Eles passivamente receberam algumas noções sem
transformá-las em parte integrante dos próprios princípios, dos propósitos e da
vida. Parece muito verdadeiro o que o Dr. E. Stanley Jones já disse, afirmando
que muitos cristãos tanto se sentiriam chocados ouvindo dúvidas a respeito de
seus credos, como se os verificassem postos em prática.
O resultado desta atitude passiva — mesmo que seja devota — para com
os ensinos e práticas religiosos têm sido muito graves nas vidas de muitas
crianças perspicazes. Na escola, aprendem eles a pensar, investigar, procurar o
porquê, experimentar. Tentam, então, trazer esta atitude inquiridora para o campo
dos ensinos religiosos e aí verificam que seus pais, professores e até mesmo
pastores se revelam chocados ao ouvirem a questão suscitada ou
desprevenidos para o trato de tais questões. Este comportamento por parte dos
que devem orientar as crianças fá-las a princípio confusas, levando-as a uma
espécie de ceticismo encoberto, para em seguida precipitá-las na indiferença
para com os ensinos religiosos.
Tais crianças não se satisfazem, meramente, recorrendo às citações dos
credos, livros de oração, nem mesmo com as citações bíblicas. Querem é pensar
por si mesmos nas questões que surgiram em suas mentes. Querem investigar
as novas ideias. Querem penetrar sob a beleza da fraseologia até encontrarem a
significação que porventura encerrem, em termos daqui e agora, tanto quanto,
em termos de eternidade. Depois disto poderão receber, de bom grado, os
credos, os livros de oração, e a leitura da Bíblia para o enriquecimento e a
correção do pensamento deles.
Os pais e os professores devem, portanto, estar preparados para darem a
razão da fé que têm. E têm de ensinar a teologia, se quiserem ensinar às

18
crianças. Devem capacitar-se para um encontro simpático com as mentes
inquiridoras, bem como, munirem-se de experiência e conhecimento e
informações úteis com as quais possam guiar essas mentes no sentido das
conclusões positivas.
Exige-se, para tanto, que conheçam a Bíblia e como usá-la no ensino das
crianças. Frequentemente ocorre que, certas histórias do Velho Testamento, por
exemplo, acarretam às crianças um certo conceito errôneo de Deus, e, trazendo
consigo o prestígio de uma história bíblica torna-se excepcionalmente difícil de
correção. Histórias que apresentem a Deus como vingativo, cruel, caprichoso;
como ordenando a matança de homens e de animais depois de uma vitória sobre
um exército inimigo; como enviando ursos para devorarem crianças que
ousaram escarnecer de um profeta — tais histórias criam muitos entraves ao
desenvolvimento religioso das crianças e não devem ser narradas. Chegará o
tempo próprio no desenvolvimento da criança quando esta terá um certo lastro
histórico necessário para auxiliá-la na compreensão daquelas concepções
primitivas de Deus; mas, enquanto criança, tão somente aquelas histórias do
Velho Testamento que a leve a esclarecer seu pensamento a respeito de Deus,
pondo-o em harmonia com os ensinos e a revelação de Jesus, é que devem ser
selecionadas.
Em nenhuma outra literatura a consciência de Deus é tão vividamente
retratada como na Bíblia. Para os Hebreus antigos, era Deus o fato real e mais
importante da existência. Em Deus eles viviam, moviam-se e tinham sua
existência. Investigar as Escrituras visando intuição e inspiração, e ensinar às
crianças que assim procedam, é um dos requisitos mais eficazes em nosso
anelo de conhecer a Deus e compreender seus propósitos para com os homens.
Reconsiderando, a necessidade do ensino da teologia impõe certo
escrúpulo quanto ao material usado no culto, especialmente relativo aos
cânticos e às orações, a fim de que se esteja seguro da lídima interpretação
cristã de Deus e de seus propósitos. Com muita frequência, são usados certos
cânticos que encerram uma ideia positivamente pagã de Deus e que dão
expressão a aspirações que estão muitíssimos aquém das aspirações de Jesus.
Todos estes materiais, definitivamente dificultam a compreensão que as
crianças devem ter dos propósitos Divinos.
Quando dizemos que os pais e os professores devem ter uma teologia sã
e que devem ensinar essa teologia às crianças, não queremos significar com isto
que haja um conceito absolutamente correto e inteiramente adequado a respeito
de Deus, o qual deva ser autoritariamente ministrado às crianças. Não é provável
que duas pessoas tenham exatamente o mesmo conceito de Deus, visto que
nunca acontece que duas pessoas tenham as mesmas necessidades e
experiências. O catecismo doutrinal composto de perguntas e respostas a
respeito de Deus não é geralmente admitido como sendo o melhor meio pelo
qual as crianças estabeleçam contato e venham a conhecer a Deus. Parece claro,
porém, que todos os que consideram a religião como parte importante da vida,
19
devem aprender a cultuar a Deus com a mente, tanto quanto com o coração.
Deve saber em quem tem crido.
Os resultados de nossa interpretação da experiência e de nosso ensino
direto a respeito de Deus deve ser aferido, não na capacidade da criança de dar
respostas acertadas às perguntas relativas a Deus, mas em seu crescente
desejo e disposição de corresponder a Deus e de viver como filha de Deus.
Nossos filhos devem compreender que não é provável que qualquer ser humano
chegue a conhecer plenamente a Deus, e seus propósitos. Entretanto, também
não é provável que algum ser humano chegue a desenvolver-se no conhecimento
de Deus antes que comece a tentar viver na conformidade dos propósitos de
Deus para com os homens. Contraria a tudo quanto conhecemos dos métodos
Divinos, no trato com os homens, admitir que Deus outorgue um conhecimento
crescente de si mesmo aos homens que não se preocupam absolutamente com
esse conhecimento, na medida em que já lhes tenha sido comunicado. Ao
contrário disto, à medida em que o indivíduo viva de acordo com a luz que já
tenha, luz mais intensa lhe será dada. À medida que o indivíduo se dispõe a viver
em comunhão com Deus e fazer sua Vontade, é que lhe advirá maior apreciação
para com os propósitos e para com os métodos Divinos.
Os capítulos seguintes consistirão numa tentativa para interpretar mais
pormenorizadamente o ponto de vista que aqui temos esboçado.

20
III

O AMOR DE DEUS
Muito cedo a criancinha aprende a associar a palavra “amor” com o
cuidado, a proteção e a provisão para com as necessidades físicas. Informaram-
lhe de que sua mãe a ama, e é para sua mãe que ela olha buscando atenção,
quando se acha incomodada; alimento, quando tem fome; cuidado, quando
sente dores. Dizem-lhe que seu pai a ama, e é para seu pai que ela se volta
quando busca segurança contra as privações e proteção contra os perigos.
Assim que, ouvindo referências do amor de Deus, a criança o associa
imediatamente com o cuidado material, o conforto físico, as atenções pessoais
e a proteção.

O AMOR QUE SE REVELA NA PROVISÃO ÀS


NECESSIDADES FÍSICAS
É provável que isto seja inevitável. Possivelmente, também, seja isto um
excelente expediente para o ensino das crianças. Tem-se de começar, em
teologia, como em tudo mais, e o ponto inicial corriqueiro para a teologia pode
ser, muito bem, a experiência do amor expresso na provisão às necessidades
diárias. Assim sendo, podemos chamar a atenção da criança para a provisão, no
mundo natural, dos frutos, dos vegetais e dos cereais destinados à alimentação;
para a provisão do dia e da noite, destinados ao trabalho, à recreação e ao
repouso; para a provisão da família para a criação das crianças; para a provisão
da beleza, que proporciona alegria e felicidade a todos os homens. Podemos
levar nossos filhinhos a se aperceberem progressivamente dessas evidências do
amor de Deus, e através dessas evidências, concorrer para que reconheçam que
Deus planejou um mundo belo, frutífero e muito bom para que seus filhos,
encontrassem nele motivo de deleite.
Começando, deste modo, em termos inteiramente terrenos, como será
que podemos levar a criancinha, de maneira que cresça no sentido da estatura,
e no sentido da compreensão do amor de Deus? Talvez uma das mais sérias
dificuldades, neste ponto de nosso ensino, consista em nossa relutância no
consentir que as crianças cresçam! Temos desejado abrigá-las em face da vida
tal como esta se apresenta. Consequentemente, não nos temos predisposto a
considerar com elas como opera o amor de Deus no mundo quando os
interesses de um indivíduo ou de uma nação colidem com o interesse de outros,
ou quando as benignidades da natureza se transformam em elementos de
destruição, ou quando a acumulação de poder e propriedades, em vez de
proteção das pessoas, vem a ser considerada como a marca da grandeza
humana. Assim, a criança continua a pensar como criança em sua teologia,
enquanto se torna logo homem no conhecimento da ciência, da mecânica e da
história. Muito depois de já ter deixado de parte suas coisas de criança, continua
ainda a pensar no amor de Deus em termos de cuidado pessoal, proteção e bem-
21
estar apenas. Posteriormente, eis que ele se defronta com a vida como ela é, em
sua realidade. É um desastre; as perplexidades o sufocam; as desilusões o
esmagam. Diante de tudo isso, aquilo que lhe tenha sido dado aprender do amor
de Deus, lhe parece como uma zombaria.

O AMOR DE DEUS E O PECADO DO HOMEM


Será que o amor de Deus para com um indivíduo ou uma nação pode ser
verificado pelo conforto, pela prosperidade e pela proteção contra os males?
Será que os sofrimentos e os desastres são evidências de que o amor de Deus
fora retirado por causa da deslealdade ou do pecado do homem?
Os sábios do Velho Testamento ensinaram a existência de uma conexão
muito íntima entre os favores Divinos e a prosperidade. Este ensino estava
baseado no pensamento de que Israel mantinha as relações de um concerto com
Jeová: Israel devia obedecer às leis de Jeová e Jeová haveria de protegê-lo e
recompensá-lo. Esta doutrina se torna muito explícita nos Provérbios. As
recompensas franqueadas ao justo podem ser resumidas numa lista muito curta,
de acordo com os desejos vigentes daquele povo: a vida, a saúde, a honra, a paz,
uma família numerosa, e a vingança contra os inimigos. Também, consoante o
pensamento dos sábios da antiguidade, Deus dava expressão à sua justa ira
sempre que o homem lhe deixava de obedecer. Esta punição do mal é tão
explícita e certa, como o são as recompensas pela virtude: na morte, na dor, na
pobreza, na vergonha, na destruição da árvore genealógica, nas odiosidades e
nas lutas. 1
Os grandes profetas elevaram-se acima desta interpretação e ensinaram
que o amor de Deus transbordava das barreiras legalistas — que, relegando os
deméritos humanos, o amor de Deus não abandonaria o homem e haveria de
acompanhá-lo, mesmo nas suas degradações e pecados, com Divino empenho
redentor. “Com amor eterno te amei”; “Eu curarei as vossas rebeliões”; “Eu sararei
a sua perversão, eu voluntariamente os amarei”.
No pensamento de Jesus, há reconhecimento para com os que são leais
aos propósitos de Deus — reconhecimento que encontra expressão em termos
de participação no reino de Deus. Entretanto a insistência de seus ensinos é
quanto ao amor de Deus, o qual é concedido, não porque o homem o mereça,
mas sim, por ser próprio da natureza de Deus o amor para com os seus filhos.
Trata-se de um amor desprendido, solícito. Não quer isto dizer que eles possam
transgredir, impunemente, as leis morais de Deus. O filho pródigo pecara e
sofrera. Mas seu pecado não fizera desvanecer-se o amor de seu pai: o amor do
pai projetara-se no encontro de seu filho enquanto este ainda estava bem
distante. Não era um amor medido, cauteloso, que aguardasse até ter a certeza

1
Paul S. Minear, And Great Shall Be Your Reward, Oxford, 1941, p. 4.

22
de que o pecador estaria penitente, que ele não mais haveria de pecar; era um
amor generoso, ilimitado, alegre, que nunca teve vacilações, estivera sempre
pronto, estava ansiosamente na expectativa da volta de seu filho e que o
recebera de volta sem vislumbre de reservas.
Alguns ensinos cristãos têm sido permeados da ideia de que Deus não
ama aqueles que se recusam a submeter-se a seus propósitos. Num exame
superficial, que seja, verificar-se-á o descrédito de tal ideia. Não obstante a ideia
tem persistido. A analogia humana revela sua falsidade: por acaso, os pais
desprezam aquele filho que se abstém de cooperar nos planos para a felicidade
e o bem-estar da família? Deixam eles de amar os filhos que pecam contra eles?
Os casos nos quais isto ocorre são tão raros que se tornam dignos de nota. Até
mesmo quando seus malefícios acarretam desgraças públicas, e são causas de
imensuráveis angústias para o espírito, muitos filhos podem ainda confiar no
amor inextinguível e anelante de seus pais. Jesus ensinara, de modo muito
explícito, que os homens deveriam amar aqueles que não amam, os intratáveis,
os indivíduos que abusam. Em quão maior medida não amaria Deus aos que
estão transviados! Não obstante o fato de que Deus se opõe intransigentemente
ao mal, é afirmação cardial da fé cristã, que Deus ama e busca o pecador. “Deus
prova do seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda
pecadores”, diz o apóstolo Paulo. Que nenhum professor cristão leve sobre si a
culpa de dizer a uma criança: “Se você fizer isto Deus não o amará mais!”
Nenhuma afirmação poderia ser mais inverossímil.

O AMOR EXPERIMENTADO NA COMUNHÃO COM DEUS


Sendo que o amor de Deus atinge ao pecador tanto quanto ao santo, não
poderá o filho mais leal à vontade do Pai, esperar maior medida de suas
solicitudes e de sua bondade? A vida de Jesus torna abundantemente claro que
estes tais favores especiais não podem ser esperados, que o amor de Deus não
se expressa através de tais recompensas. Jesus se devotara integralmente à
vontade de Deus. Não obstante, Ele não tinha onde reclinar sua cabeça; fora
vilipendiado e rejeitado dos homens; sofrera como pouquíssimos homens já
sofreram; morrera morte de criminoso. Em sua vida e em sua morte, Jesus
repudiara a doutrina de que o amor de Deus houvesse de assegurar a seus filhos
a prosperidade, benefícios especiais, isenções excepcionais dos males da vida.
Em vez disso, Jesus interpretara o amor de Deus em termos de
comunhão. “Não estou só porque o Pai está comigo.” Para Jesus, a comunhão
era a verdadeira medida do amor de Deus. Visto que Deus estava com Ele, Ele
podia suportar as agruras, sofrer os tormentos, assistir ao esboroamento de
todos os seus sonhos e receber, sem desespero, a deserção de seus amigos.
Com efeito, a despeito de todas estas experiências, sua mensagem é,
essencialmente, uma mensagem de alegria. Através de longos dias no deserto,
durante noites nas montanhas, nas horas exaustivas de seu julgamento, como
também nos momentos passados na feliz camaradagem humana, e na fruição

23
da beleza da floração dos prados, Jesus experimentara sempre a comunhão com
Deus. Sua confiança em Deus e no amor de Deus, mesmo quando as evidências
externas lhe pudessem parecer bem remotas, tinham procedência em sua
experiência de Deus. Ele conhecia a Deus. E porque Ele o conhecia, sabia que o
amor de Deus era real, permanente e ativo, operando no sentido da bondade e da
alegria, embora lhe rodeassem o sofrimento e o mal.
É este alto conceito do amor de Deus que desejamos que nossos filhos
desenvolvam, no qual desejamos que encontrem a felicidade mais permanente.
Poderemos esperar que se elevem daquele pensamento rudimentar referente ao
conceito do amor de Deus revelado em termos de conforto e benefícios físicos
para o conceito da comunhão com Deus, amparando-os e dando significação e
propósito às próprias lutas por alcançar a estatura plena de filhos de Deus? A fé
Cristã nos assevera que podemos. Entretanto, havemos de nos decepcionar na
expectativa, se deixarmos de levar nossos filhos, mesmo enquanto são crianças,
a encararem a vida tal como é e a experimentarem o amor de Deus mesmo no
meio das condições e situações em que Ele é ignorado.
Com efeito, em sua plenitude, esta concepção do amor de Deus é o que
se pode chamar uma concepção amadurecida. Sua significação há de ser
crescente, na medida em que se deparem as variadas situações da existência,
com suas incompreensões e frustrações e desolações, bem como, em seus
momentos de gloriosa satisfação e felicidade. Não podemos esperar que os
meninos e meninas se elevem rapidamente da ideia de Deus como o Grande
Provedor para a ideia de Deus como o Grande Companheiro, e é certo que
erraremos se os fizermos precipitados nessa direção.
E, não obstante, maior será nosso engano se deixarmos de reconhecer
que o senso de companhia é muito real na criança e que esta é a experiência
sobre a qual podemos edificar toda nossa confiança. As crianças da Inglaterra,
na época das grandes excursões aéreas do inimigo, mostraram claramente que
temos relegado a significação dessa experiência. Os documentos da época
mostram que as crianças podem resistir muito mais sofrivelmente as privações
físicas, e os perigos, do que podem suportar o sentimento da separação
daqueles que os amam, e que eles podem resistir sob assombrosas e
inumeráveis dificuldades, contanto que estejam em contato íntimo com seus
pais.
Phyllis Botome, em seu livro “London Pride” (O Orgulho de Londres) dá-
nos um quadro vivo desta situação. O livro consiste em uma narrativa das lutas
e do heroísmo de uma das famílias das docas de Londres, durante aqueles dias
da mais destrutiva guerra aérea. A família era pobre, uma família destituída de
privilégios, poderíamos dizer, antes da guerra. Então, até o pouco que a família
possuía, estava na iminência de ser tomado. Pobre como era, a família tinha
possuído uma residência. Então, dormia num dos abrigos coletivos. Ben, um
meninozinho de sete anos, é a figura central da narrativa. O autor descreve seus
sentimentos desta maneira:
24
“Sua família assumira uma importância surpreendentemente grande para ele;
...de alguma forma, toda a família parecia intimamente unida por causa do lar
ameaçado... Quando seu pai não estava ali, ele ouvia mais nitidamente o troar das
descargas; e quando ocorrera o arrasamento próximo, seguindo-se do assombroso
silêncio do desastre, Ben prendera sua respiração até que seu tórax se ressentira tanto
que ele não queria mais ouvir o ruído estrepitoso que, poucos instantes depois lhe
denunciava que uma casa se estava incendiando — possivelmente a da família. Mas se
seu pai ali estivesse, ele se aconchegaria prontamente ao seu pai, reconhecendo que,
se as pulsações silenciosas daquele coração contra o qual ele se inclinava não
arrefeceram, nada havia para lamentar demasiadamente.” 2

Parece muito claro que, por esta evidência, revelada atualmente, mesmo
as crianças bem pequeninas, estão muito mais apercebidas do sentimento de
companheirismo, do que antes pensávamos, e que nós podemos começar muito
cedo a interpretar o amor de Deus nestes termos. Além disto, cumpre que não
limitemos demasiado às bases, nas relações humanas, deste sentimento de
companheirismo. Repetindo, a experiência das crianças de Londres lança luz
profusa sobre este problema. Não era somente pelas carícias, pela ternura e pela
bondade que aquele sentimento de que se pertence a alguém era desenvolvido.
Muitas das crianças da evacuação sofriam as surras dos pais grosseiros, os
aperreações dos irmãos mais velhos e os ralhos de suas mães exaustas! Sob
tudo aquilo, elas sentiam pertencer a alguém e este sentimento lhes era mais
precioso do que qualquer espécie de conforto. Algumas crianças que, de um
ponto de vista aparente, denotavam muito pouco nas vidas delas para constituir-
se em base para a compreensão e avaliação do companheirismo, verificou-se
depois que são dotadas de um sentimento muitíssimo real do de que pertencem
a outrem. Tais fatos nos sugerem que a concepção do amor de Deus como
encontrando sua expressão, primariamente, através da comunhão, pode ser
mais significativa às crianças do que na dependência de suas manifestações em
termos de cuidados e segurança física.

AJUDANDO AS CRIANÇAS A DEMONSTRAREM


AMOR DE UMA PARA COM AS OUTRAS
Torna-se, também, cada vez mais evidente que os pais excessivamente
indulgentes, como também os professores, que insistem em proteger as
crianças em face da vida tal qual ela é, encarando-a em cheio, podem estar a
erigir barreiras reais na marcha para a compreensão do amor de Deus por parte
de seus filhos. Prendendo a atenção de seus filhos exclusivamente nas próprias
necessidades, mantendo-os sempre nos extremos de sua generosidade,
bondade, e desprendimento para com eles, tais pais e professores estão

2
Littje, Brown, & co. 1941.

25
privando as crianças da oportunidade de experimentar aquele aspecto do amor
consistente no dar; isto limita a capacidade das crianças de virem a compreender
o amor criador exuberante de Deus.
Entre os profetas Hebreus, foi Oséias quem experimentara por si mesmo
o sofrimento de amor e, contudo, reclamava este sublime sentimento de uma
mulher que lhe tinha sido infiel, porque quem ama não se conforma com a recusa
— foi Oséias quem com maior clareza interpretara o amor permanentemente
sofredor de Deus por um povo transviado. Jesus, que amara aos homens como
ninguém os tem amado, distingue-se como o intérprete supremo do amor de
Deus para com os homens. Através dos tempos, os homens e as mulheres que
têm mais contribuído para que outros compreendam o amor de Deus, têm sido
justamente os que amaram desprendidamente, sem reservas, e isto a despeito
do fato de que, muito frequentemente, esse amor lhes resultara em sofrimentos.
Paulo, Francisco de Assis, Florence Nightingale, e milhares de discípulos
desconhecidos, contribuíram assim para a difusão ampla do amor de Deus.
Parece-nos claro que, se quisermos que nossos filhos se desenvolvam no
conhecimento do amor de Deus, temos de levá-los ao desenvolvimento na
experiência de um amor desprendido. Logo que comecem a distinguir entre o
“eu” e o “eles”, as crianças podem ter a franquia de oportunidades nas quais
planejem em favor de outrem. A princípio, muito pouco se pode esperar da
experiência. As criancinhas necessitam como que de se aperceberem de si
próprias, sendo naturalmente egocêntricas. Entretanto, ouvindo referências a
outras pessoas, ao que outras pessoas apreciam, ao que as agradam
gradualmente se vai tornando a criancinha apercebida quanto às outras pessoas,
as quais estão relacionadas pelo dar, tanto quanto pelo receber.
Esforçando-nos no sentido de que estas relações incipientes, baseadas
no dar, sejam felizes e satisfatórias, contribuímos para que aumentem as
probabilidades do respectivo robustecimento.
A medida em que a criança cresce, surgem ocasiões em que terá ela de
fazer a escolha entre o agradar-se a si mesma ou agradar a outrem. Os pais
devotados não devem sempre preferir que as crianças atentem para seus
próprios interesses em tais ocasiões. Além disto, a preferência no sentido de que
outrem seja favorecido, deve revestir-se de merecimentos próprios: sem
qualquer recompensa artificial de que dependa.
Esta experiência crescente do amor do ponto de vista do dar, quase
sempre pode resultar no surgimento de situações nas quais se vem a sofrer por
causa de outrem. Às vezes, o objeto desse amor, está penando ou sendo
atribulado. Às vezes, trata-se de um infeliz, fracassado. Às vezes, até chega a
trair o amor, ou ridicularizá-lo, ou mostrar-se inteiramente indigno de confiança.
Levar as crianças a encararem tais experiências, bem como submeterem-se a
elas com uma profunda compreensão da significação do amor, é a oportunidade
singular para que os pais e os professores façam sua contribuição mais

26
permanente para a constituição da personalidade da criança. No curso dessa
experiência crescente do amor, a criança deve gradualmente chegar a saber que
o amor que Deus tem para com ela não se traduz plenamente na segurança e no
conforto que se lhe faculta. Poderá ser que jamais chegue a compreender as
razões por que há tanto desastre, tanta luta e tanto sofrimento. Mas também
jamais chegará a persuadir-se de que tais coisas obumbrem o amor de Deus.

O AMOR DE DEUS EM FACE DO SOFRIMENTO


Há uma excepcional medida de sofrimento no mundo que podemos dizer,
sem qualquer sombra de dúvida, que é contrária à vontade de Deus. O sofrimento
acarretado sobre os homens e as mulheres pela ganância, pela insensibilidade
total ante os direitos dos outros, pela ambição egoísta; a fome, o desamparo e a
orfandade das criancinhas causadas pelas injustiças sociais, pelos preconceitos
raciais, ou pelos esbanjamentos econômicos; o alastramento de epidemias
facilmente interditáveis e até mesmo elimináveis, sempre que se façam
disponíveis os recursos da ciência — os sofrimentos que resultam de causas
semelhantes a estas sabemos serem, definitivamente, contrários ao amor e aos
propósitos Divinos.
O sofrimento que resulta da violação evidente das leis da saúde, e os
acidentes que têm causa direta na inobservância das leis da prudência, mesmo
quando tais ocorrências acarretem o sofrimento de vítimas inocentes, podem,
não obstante, ser encarados como não envolvendo dificuldades insuperáveis nas
implicações da fé, na bondade e no amor de Deus. Em todas essas situações as
crianças podem ser levadas a compreender que o egoísmo, a ignorância, a
desídia etc., estão operando contrariamente aos bons propósitos de Deus e que,
em virtude do grau de liberdade que fora facultado à humanidade, tais
adversidades não podem ser extirpadas violentamente do quadro geral das
coisas.
Entretanto, o que podemos dizer das inundações, das tempestades, da
fome e das secas? As crianças estão apercebidas quanto aos terríveis
resultados destes fenômenos e fazem perguntas a propósito. Neste particular
temos de confessar as limitações de nosso conhecimento a nossos filhos. Os
dados de que dispomos ainda nos são precários para que falemos
capacitadamente das causas ou de nosso governo sobre os desastrosos
fenômenos naturais. Entretanto, há apenas alguns anos atrás, nada sabíamos a
respeito da geração e das aplicações da corrente elétrica. Sem dúvida alguma,
os primitivos exploradores achavam que as quedas de água e as cataratas eram
só males implacáveis, embargadores do progresso, causando-lhes danos e
morosidade. Agora nós sabemos como transformar essas forças em luz para
nossas casas ou em energia que movimenta as máquinas de nossas indústrias.
Há poucos anos passados, nada sabíamos das ondas sonoras. Agora temos o
rádio. Ao passo que novas descobertas das antiquíssimas leis do universo se
vão acumulando com tanta rapidez, como poderemos dizer se certas forças

27
naturais que em nossa ignorância atual se nos parecem más, não serão, com a
ampliação de nossos conhecimentos, utilizadas como fontes de beleza e de
alegria?
A vista das dificuldades antepostas pela natureza e dos desastres, será
razoável que convidemos nossos filhos a se unirem conosco na afirmação da fé,
no sentido de que, além de nossos conhecimentos vigentes, há um propósito
benigno a que estas forças, quando suficientemente entendidas, destinam-se a
servir? Cremos que se nos permite que façamos esse convite à fé se é que
associamos com esse convite uma determinação reverente de aprender mais da
natureza do universo a fim de que possamos descobrir esse propósito benigno
e cooperemos na respectiva consecução.
Mas pode ser que nos perguntem: Por que não há outra provisão de
corrente elétrica, feita pelo Criador onisciente e boníssimo, que não essa que
implica em dificuldades para o gênero humano? Mesmo que essas forças
naturais que atualmente acarretam desastres, venham algum dia a ser
transformadas para o bem, por que será que o mundo teria sido criado de modo
que necessariamente haja sofrimento antes que os homens aprendam a manejar
aquelas forças? Tais perguntas não podem ser ignoradas. E não obstante, temos
de insistir, repetidamente, na confissão das limitações de nosso conhecimento
— limitações do conhecimento do que se requer para que os homens e as
mulheres alcancem seu mais alto desenvolvimento, dirijam-se para seus mais
nobres destinos e efetivem todas as suas possibilidades latentes.
Até as criancinhas sabem que quando todas as coisas que querem lhes é
facultada sem esforços da parte delas, tais coisas não lhes proporcionam
alegria. O brinquedo que acham mais agradável é justamente aquele que requer
seus esforços, pelo trabalho por descobrir, pela mobilização da capacidade
criativa, pela tensão dos músculos até o cansaço. Parece claro da história da
raça que os maiores de entre os homens têm sido aqueles que venceram como
resultado de lutas ingentes. Não será, então razoável que sugiramos as crianças
que suscitem tais perguntas que provavelmente o homem necessitasse de
envidar esses esforços estrênuos por descobrir e subjugar as forças naturais a
fim de que se viesse a tornar pessoa capaz de fruir, apreciar, bem como aspirar
por empreendimentos mais grandiosos?
Já a criancinha entende que certas coisas devem ser renunciadas por
causa de outras de valor maior. Ela passa hoje sem um cone de sorvete para que
amanhã ela possa ter os recursos acumulados com os quais possa comprar uma
bola. Ela já sabe abster-se de outra fatia de torta, a fim de que possa sentir-se
bem no dia seguinte. Ela já entende, embora talvez muito vagamente, que seus
pais não lhe sugerem que renuncie o cone de sorvete de hoje e a fatia de torta,
porque não amem, mas, e precisamente, porque querem que ela venha a ter algo
melhor.

28
Nós não compreendemos ainda plenamente o lugar das lutas e do
sofrimento na vida humana. Como já dissemos, algumas caisas de sofrimento
entre os homens, sabemos que são contrários aos propósitos de Deus. Mas não
estamos em condições de dizer se há um papel indispensável que algum
sofrimento desempenhe no desenvolvimento da personalidade humana. Não
podemos relegar o fato de que muitas das maiores personalidades do mundo,
com efeito, as maiores, têm sido as que têm experimentado grau excessivo de
sofrimento. Nem podemos também ignorar a evidência de que muitas pessoas
têm saído do sofrimento, mais retemperados e mais generosos. Será importante,
então, que, ao levarmos as crianças a um conhecimento consistente do amor de
Deus, encaremos com elas o fato do sofrimento, e concorramos para que
alcancem a convicção de que o sofrimento não provém de que Deus esteja
zangado com as pessoas. O sofrimento não separa os homens da companhia
de Deus.
Talvez isto pareça uma interpretação sombria do amor de Deus para as
crianças. Certamente que não devemos consentir em que as experiências de
frustrações e sofrimentos e desilusões dos adultos se projetem sobre as
criancinhas. “Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte não temeria
mal algum porque tu estás comigo”, — não será o meio normal para que a
criancinha se aproxime do conhecimento do amor de Deus. Entretanto, entre as
próprias experiências da criança já se encontrará algo de sofrimento. O mimoso
gatinho morrerá a despeito dos cuidados extremos; certas flores que teriam sido
plantadas e tratadas com alegria e regularidade, murcharam e feneceram por
causa de algum relâmpago ou por causa da seca; um filhote de passarinho saíra
de seu ninho e encontra-se esmagado no chão. Estas experiências não são
ignoradas na existência da criança.
Assim, embora a existência do sofrimento deva ser encarada, devemos
ter presente na memória o fato de que, para seu crescimento espiritual, como
para seu bem-estar físico, a criancinha deve ser conservada à luz do sol e não
nas sombras. É nossa responsabilidade como membros maduros da
comunidade, providenciar as medidas efetivas para a segurança e a felicidade
delas, tanto quanto o possamos providenciar através de nossos mais renhidos
esforços. As belezas da terra, as alegrias do amor humano, as satisfações de um
corpo bem nutrido e de uma inteligência vivaz — tais são as experiências que
devemos exibir-lhes, de modo que as crianças sintam aí o amor e os bons
propósitos de Deus para com todos os seus filhos. O que há de mais maravilhoso
no mundo não é que nele haja algo de fealdade e de sofrimentos, senão que nele
encontremos tanta beleza, bondade e alegria.
“Será que o universo é amigável?”, é a pergunta importante que os homens
têm feito através dos tempos. Será que as lutas, os sofrimentos, as aspirações
do homem se conjugam no sentido das suas melhores finalidades? Ou será que
o universo é friamente indiferente para com o homem, à semelhança de uma
grande máquina rotativa que se conserva indiferente ante as vidas rastejantes

29
que vai esmagando em seu caminho? A fé cristã afirma que no centro do grande
universo está Deus, o qual é amor. Em virtude do cuidado Divino, e em virtude de
ser o universo amigável, o sofrimento pode ser heroicamente suportado como
circunstância subalterna — quase sempre incompreendida — do insondável
propósito de um Deus de amor.
Ser capaz de sentir que Deus é amor, levar as crianças a associar a alegria,
a beleza e as provisões físicas com o cuidado de Deus, e, ao mesmo tempo, ser
capaz de encarar com elas o fato de que o sofrimento, as lutas e as privações
têm também de ser compreendidas no amar de Deus, significa ter alcançado a
fé e a coragem dignas dos verdadeiros professores cristãos.

30
IV

A GRANDEZA DE DEUS
O mundo natural, desde os tempos dos mais primitivos registros, tem
suscitado terror e estupefação, medo e culto no coração do homem. Um poder
que o homem não pode subjugar, elementos nutritivos sem os quais o homem
não pode subsistir, a vida que o homem não pode criar, tudo isto o fazia
reconhecer que dependia e estava à mercê dos fenômenos que tinha sob sua
observação. Assim que, de um ou de outro modo, todas as tribos humanas
desenvolveram algumas concepções acerca da Grande Causa e alguns
expedientes visando o contato com esse poder que os homens experimentavam,
mas não podiam dirigir. Algumas dessas concepções são grosseiras, e até
revoltantes, ao homem moderno. Outras são pueris ou inocentes. Outras, ainda,
são nobres.
Os Hebreus antigos nos legaram, numa literatura inspirada, o registro da
compreensão progressiva que tiveram da fonte original do ser e do poder, Jeová,
o grande Deus, sobre todos os deuses. Nessa literatura, há evidências de seus
temores e incompreensões, bem como de seus costumes primitivos. Não
obstante, sobre este lastro, a robustez e a sublimidade da fé manifestada pelos
Hebreus em Jeová, têm sido tão penetrante que homens de todas as raças e
nações têm encontrado na literatura do Velho Testamento uma fonte de
confiança na realidade de Deus e de intuição quanto à sua Natureza e propósitos.
Uma das contribuições permanentes dos Hebreus para o
desenvolvimento religioso do gênero humano, consiste na convicção que
manifestaram relativamente à grandeza de Jeová. “Senhor Deus meu, Tu és
magnificentíssimo” — era a afirmação constante. “Grande é o Senhor e mui digno
de louvor; e a sua grandeza é inescrutável”; “Pois tu, Senhor és o Altíssimo em
toda a terra; muito mais elevado que todos os deuses.” ...o eterno Deus, o Senhor,
o Criador dos fins da terra, nem se cansa nem se fadiga?”; “Tu dominas
sobretudo e na tua mão há força e poder”.

A GRANDEZA COMO PODER


Nada seria capaz de resistir a esse poder e o povo que tinha a Jeová como
seu Deus dispunha de uma tremenda vantagem sobre todos os povos que não o
conheciam. A história empolgante de Elias, o profeta de Jeová, desafiando os
profetas de Baal para uma demonstração de poder perante todo o povo,
simboliza o pensamento ingente de que o poder de Jeová contrasta com o de
qualquer outro deus. Disse Elias: “Invocai o nome de vosso deus, e eu invocarei
o nome do Senhor; e há de ser que o deus que responder por fogo, esse será
Deus”.
Jeová era poderoso na batalha, e seu povo nunca seria derrotado quando
obediente a seus preceitos. Meia dúzia de soldados com cântaros, buzinas e
31
tochas, os quais reconheciam a Jeová como Deus, podiam pôr em fuga um
exército de midianitas. Um rapazinho, pastor de ovelhas, com uma funda e uma
pedra, e que saíra “em nome de Jeová dos exércitos, o Deus dos exércitos de
Israel”, era mais poderoso do que um gigante inteiramente vestido de armadura,
que servia aos deuses filisteus. A confiança no poder de Jeová era a fonte da
coragem e da esperança, mesmo em face de desigualdades chocantes.

A CRIAÇÃO DA BELEZA
Embora os Hebreus atribuíssem tanto a Jeová a magnitude e o poder
sobre todos os inimigos, muito cedo, também, mostraram-se singularmente
sensíveis a esta grandeza de Deus revelada na beleza, na majestade, na
recorrência das estações e na provisão para as necessidades do homem. Os
céus marchetados de estrelas, o esplendor inextinguível do sol, o tempo da
sementeira e da ceifa, o dia e a noite, as montanhas em volta de Jerusalém e os
vales bem regados, convidava-os à admiração e ao enleio e tiveram expressão
nos seus Salmos de louvor:
Senhor, meu Deus, Tu és magnificentíssimo;
Estás vestido de glória e de majestade;
Ele cobre-se de luz como de um vestido;
Estende os céus como cortina;
Põe nas águas os vigamentos de suas câmaras;
Faz das nuvens o seu carro;
Anda sobre as asas do vento...
Lançou os fundamentos da terra,
Para que não vacile em tempo algum...
A terra farta-se do fruto das suas obras...
Ó Senhor, quão variadas são as tuas obras!
Todas as coisas fizeste com sabedoria.
A contemplação do mundo suscitara as ideias quanto à criação e levara a
essa nobre expressão do poder e da obra de Deus que encontramos no primeiro
capítulo do Gênesis: “No princípio criou Deus os céus e a terra”.

A MAJESTADE E A SANTIDADE DE DEUS


Na literatura do Velho Testamento, Jeová é exaltado e pleno de glória. Os
homens não se podiam aproximar levianamente de Deus, senão com profunda
reverência diante dele. Na visão de Isaías, este vira o Senhor “assentado sobre
um alto e sublime trono; e seu séquito enchia o Templo”. Os serafins estavam em
torno dele exclamando: “Santo, Santo, Santo, é Jeová dos Exércitos: toda a terra
está cheia de sua glória”. Isaías ficara aturdido pela visão da majestade e da
santidade de Deus. “Ai de mim!” disse ele, “que vou perecendo, pois eu sou um
homem de lábios impuros e habito no meio de um povo de impuros lábios; e os
meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos”.

32
O poder de Jeová era de eternidade em eternidade; elevava-se como o céu
e era mais profundo do que o “Sheol”; e gradualmente, os Hebreus entenderam
que esse poder se estendia às extremidades da terra e projetava-se sobre todos
os homens — “quando Jeová contempla todos os habitantes da terra”.
Esta concepção da grandeza de Deus teve profunda influência na vida e
na história dos Hebreus e, através deles, na história do mundo. Em face desta
concepção, não podiam subsistir os deuses amantes do prazer, os quais
participavam dos impulsos e dos pecados dos que lhes prestavam culto, nem os
deuses possíveis de serem subornados pela lisonja ou forçados a fazerem a
vontade caprichosa dos homens, os quais perderam, então, seu poder. “Eu sou
Deus e não homem”, assim proclamava o profeta; e na aceitação desta
mensagem como a pedra angular de sua fé os Hebreus legaram ao gênero
humano as bases de uma religião sublime.
Ao mesmo passo, esta ênfase na santidade e na transcendência de Deus
pendera para o desenvolvimento de um elemento preponderante de temor no
culto, concomitantemente, o estabelecimento de cerimônias rígidas visando o
contato com Deus. Através dos grandes profetas, e especialmente, através da
vida e dos ensinos de Jesus, verifica-se uma modificação no sentido de capacitar
os homens e as mulheres humildes a aproximarem-se de Deus como Pai, sem
as regras elaboradas e sem o ritual. O tremor do homem chegara assim a
permear-se da confiança na solicitude de Deus para com seus filhos, deste
modo, tornando-se menos absorvente. Esta tendência no sentido da ênfase
sobre o caráter acessível de Deus tem sido exagerada a ponto de, por seu turno,
estar necessitando de modificação.

O ENSINO DA GRANDEZA DE DEUS


Parece-nos claro que a educação religiosa dos dias atuais, na maioria das
igrejas, pressupõe o livre acesso a Deus, o empenho de Deus em receber
prazerosamente a seus filhos em sua comunhão, e a convicção de que Deus
depende da cooperação de seus filhos para a consecução de seus propósitos no
mundo. E tudo isto, assim o admitimos, é pressuposição sadia. Entretanto, há
também evidência de que se tem feito pequeníssima ênfase na santidade, na
grandeza e na transcendência de Deus, ao passo que se tem feito excessiva
ênfase na suficiência própria do homem. Quando um grupo de jovens se arvora,
com gravidade, a hastear uma bandeira contendo estas palavras: “Coragem
Deus, aqui estamos!”, não resta mais nenhuma dúvida de que cumpre
reconsiderar nossa ênfase. E quando nos vem das muitas conferências com pais
e professores de crianças as ilustrações de orações nas quais se torna bem
nítida a pressuposição de que Deus deve ajustar seus propósitos cósmicos para
atender as conveniências, ou vir ao encontro das aspirações — ou mesmo pôr de
lado as consequências de nossas negligências — de alguns de seus filhos,
transparece de logo a necessidade em que nos encontramos de reexaminar
nosso ensino.

33
Em nossa preocupação de fazer com que nossos filhos se sintam, como
em casa, no mundo em que se encontram, sentindo-se amparados no
pensamento da comunhão com Deus, temos chegado a interpretar a grandeza
de Deus quase que exclusivamente nos termos de seus planos em criar um
mundo de beleza para seus filhos e um mundo frutífero visando a natureza dos
indivíduos. Aquela ênfase candente no poder, na autoridade, na majestade e na
santidade de Deus, tão proeminente na literatura dos Hebreus antigos, temos
negligenciado. E esta negligência tem comprometido seriamente a utilidade de
nossos ensinos. A crença em Deus, o Pai Onipotente, tem sido transmitida as
crianças naquelas palavras do credo; mas se insiste muito pouco nisto, no
programa total. O “Pai Onipotente, Criador do Céu e da terra”, não pode tornar-se
em objeto de culto negligente, nem de afeições casuais.
Não é necessário que nos cinjamos à interpretação hebraica quanto aos
métodos de expressão do poder de Deus; não nos será necessário repetir a
experiência de Elias no Monte Carmelo. Se, porém, em nossa rejeição dessas
limitações daquela concepção primitiva quanto à grandeza de Deus, nós
rejeitamos também a verdade eterna de que Deus é, deveras, muito grandioso,
de que Deus é o poder supremo do universo, limitaremos seriamente a
compreensão de Deus por parte de nossos filhos.
Provavelmente, as primeiras tentativas para a compreensão da grandeza
de Deus devem ser através do mundo natural. Para as criancinhas, o bulbo feinho
que depois vai tornar-se numa bela flor, a sementinha que vem a se desenvolver
no vegetal nutritivo, as estrelas e o firmamento noturno, o arco-íris nas nuvens,
tudo convida ao embevecimento e ao enleio; e tais sentimentos devem ser
cultivados. A perfeição das coisas pequeninas, os movimentos delicados das
asas de uma borboleta, as cores variegadas das tenras florezinhas silvestres, a
estrutura das folhas — essas coisas também criam oportunidades excelentes
para que afeiçoemos a reação das crianças ante a grandeza de Deus.
As crianças mais crescidas necessitam de contato mais acentuado com
os aspectos mais imponentes e grandiosos do poder criador de Deus. Os
movimentos largos dos planetas, a elevação impressionante dos picos das
montanhas, o mar encapelado, o rugido das cataratas que se despejam das
penhas abruptas através das idades, a força indômita das tempestades — todas
essas coisas como que falam do poder do Criador, poder que é ilimitado,
incompreensível à mente do homem, — poder ante o qual, o homem treme,
compreendendo sua insignificância, impotência e ignorância.
Precisamos interpretar a soberania transcendente de Deus para nossos
filhos. Deus é. O que quer que o homem faça, ou deixe de fazer, Deus é o mesmo
ontem, hoje e eternamente. Estar ante a presença de Deus é uma tremenda
experiência. Não é algo que deva ser considerado de somenos importância. É o
professor Van Dusen quem chama nossa atenção para este fato:

34
“Se existe um Deus, este não poderá ser um entre outros mais ou menos
interessantes fatores no universo. Longe disso, deve constituir-se no fato primacial e
supremamente significativo — em relação ao qual, todos os demais devem ser
orientados e revestir-se de significação. É tão somente quando assim pensamos que,
definitivamente, estamos pensando a respeito de Deus. Pela mesma razão, se a religião
consistir na relação do homem com esta realidade primacial e única, então a religião há
de ser uma questão de interesse central e inconfundivelmente único. Se pensarmos da
religião como uma preocupação inteiramente casual, e, se, de fato, lhe atribuímos uma
importância acidental na existência, então não será com a RELIGIÃO propriamente que
nos preocupamos, mas, precisamente, com alguma imitação desprezível e destituída de
consequências.” 1

“Aquietai-vos e sabei que Eu sou Deus”, é um conselho que bem se pode


aplicar ao caráter do ensino religioso dos dias atuais. As crianças, com muita
frequência, têm sido levadas a concepções falsas a respeito da vida e do
universo, pela desidiosa atitude para com Deus e para com a religião por parte
dos mais idosos que as rodeiam, bem como, pela interpretação de Deus
exclusivamente em termos de ideais humanos. Conduzimo-nos no pressuposto
de que nossos caminhos são os caminhos de Deus, e de que os nossos
pensamentos são os pensamentos de Deus. Não obstante, está já bastante claro
que, quem quer que procure interpretar a Deus no sentido de “identificá-lo” com
os nossos próprios movimentos sociais, conquanto sejam estes os mais
promissores, encontrar-se-á, como já o disse Karl Barth, profundamente
embaraçado. Levarmos nossos filhos a reconhecerem que Deus é “grandioso,
acima de nossa compreensão”, é uma parte tão importante de nossa
responsabilidade como o é que lhes ensinemos que Deus está perto de cada um
deles. Levá-los a reconhecer e temer diante do poder soberano de Deus é tão
importante como levá-los à compreensão de que lhes é permitido chegar à
presença de Deus com a confiança com a qual o filho se aproxima de seu pai.

A REAÇÃO DO HOMEM DIANTE DO PODER DE DEUS


Entretanto, Deus não é meramente poder. Há sabedoria, propósito, e
graça, tanto quanto poder nos atos de Deus. As crianças devem receber o ensino
de que, visto que Deus é Deus e não homem, há, no mundo, muita coisa que não
lhes é dado compreender. Ao mesmo tempo, porém, não assiste ao homem, tão
somente, estar aterrorizado ante a presença do poder de Deus. Longe disso,
Jesus ensina que a soberania de Deus está já em ação, o poder de Deus estando
a operar entre os homens, através dos homens e em favor dos homens. Cumpre
que o homem confie nesse poder, receba-o e transforme-o na base de suas
próprias ações. Assim, podemos ensinar a nossos filhos que, o grande e
poderoso Deus não transita por este mundo palmilhando caminhos

1
H.P. Van Dusen, God in These Times Scribner, 1935 P.P. 68-69.

35
absolutamente inescrutáveis, mas que eles podem, através de esforços
persistentes, conhecer e praticar em suas vidas a vontade de Deus, desta
maneira, fazendo-os cooperadores de Deus.
Ao verem eles essas extensões vastíssimas de desertos destituídos de
fertilidade, permitisse-lhes que aspirem por fazerem-nas florescer como a
roseira. Ao confrangerem-se diante das desolações causadas pelas epidemias,
permitisse-lhes que se predisponham a investigar as respectivas causas a fim
de estancá-las. Ao sentirem-se cercados pelas guerras e pelos conflitos de
grupos contra grupos, de nação contra nação, de raça contra raça, permitisse-
lhes que se consagrem à prática da boa vontade e à fraternidade. Assim estarão
eles se apossando do poder de Deus, submetendo-se à realização da vontade
Divina.

36
V

A JUSTIÇA DE DEUS
Manuseando-se o Velho Testamento, mesmo de modo perfuntório, fica-se
surpreendido com a verificação de sua atualidade! Uma nação se engrandece,
pretende que pode conquistar a terra e sofre desastre; uma nação pequenina
procura evitar sua destruição por meio de uma aliança com outra poderosa e
prostra-se decepcionada. Certo período de prosperidade gera o amor da riqueza,
como fim em si mesma; da dissipação, sem freios, dos próprios bens; da
ambição desmedida; da presunção orgulhosa; da opressão cruel dos pobres; e,
por isso, é seguido pela depressão, pela revolução e pela catástrofe nacional. Um
povo se esquece de Deus, erige ídolos segundo seus próprios desígnios, não se
interessa pelas coisas de Deus, senão somente com as coisas dos homens,
desdenha dos profetas que pretendem reconduzi-los a Deus, gasta seus
recursos no que não lhes poderia satisfazer, e, por isso, eis que é levado em
cativeiro para uma terra estranha, sofrendo sob dura opressão e crueldade.

O JULGAMENTO DO MAL
Através de uma concatenação rápida da história, registrada em poucas
páginas de narrativa e comentário, os livros do Velho Testamento, sintetizando
os relatos a respeito de homens e nações, séculos após séculos, expõe-nos de
modo empolgante e numa perspectiva bem vasta no tempo, a justiça Divina, bem
como seu julgamento do mal. É verdade que, em algumas passagens,
encontramos retratada uma aparentemente caprichosa ira de Deus1 e sua feroz
denúncia contra seu povo.2 Entretanto, o quadro em seu conjunto é o de uma
justiça vindicada em vez de o de uma ira aplicada. Na mensagem dos grandes
profetas “Assim diz o Senhor”, muito frequentemente servia como introdução
para a proclamação de um desastre, mas este desastre era oriundo do pecado
do homem. “Era um apanágio exclusivo de Jeová o ser Ele identificado com o
princípio moral do universo e o ser este princípio considerado como soberano.”3
Essa concepção tornara-se clara nas palavras de Amós:
“Assim diz o Senhor: por três transgressões de Israel, e por quatro não retirarei o
castigo, porque vendem o justo por dinheiro e o necessitado por um par de sapatos.
Suspirando pelo pó da terra sobre a cabeça dos pobres, eles pervertem o caminho dos
mansos.”

1 E. g. I Sam. 6.19; II Sam. 6.6-7.


2 E. g. Isa. 10.5; Jer. 30.23.
3 A. C. Knudscm, The Religious Teachine of the Old. Testament, Abingdon-Cokesbury,
1918, p. 155.

37
“Aborrecem na porta ao que os repreende, e abominam o que fala sinceramente.
Portanto, visto que pisais o pobre, e deles exigis um tributo de trigo, edificareis casas de
pedras lavradas, mas nelas não habitareis; vinhas desejáveis plantareis, mas não
bebereis do seu vinho. Porque sei que são muitas as vossas transgressões, e enormes
os vossos pecados; afligis o justo, tomais resgate e rejeitais o necessitado na porta.”

“Buscai o bem e não o mal para que vivais; e assim o Senhor, o Deus dos
Exércitos, estará convosco.”

A luz da história da vida humana sobre a terra, é de estarrecer que o


homem não tenha ainda aprendido esta verdade tão claramente revelada pelos
grandes profetas do Velho Testamento: O homem não pode rejeitar a lei de Deus,
o ser humano não se pode pôr a si mesmo em oposição contra a ordem moral
eterna do universo, sem que isto lhe resulte em desastre. Há os que,
considerando os desastres e os sofrimentos vigentes atualmente sobre a terra,
estão a perguntar: “Como pode ser isto se há um Deus?” Entretanto, como já
dissera certo pregador: Em vez de inquirir: “Como pode ser assim, visto que há
um Deus”, os homens devem confessar:
“Justamente porque há um Deus que opera no universo ocorre que nos
sobrevêm desastres como decorrência de nossas transgressões morais.”

A REALIDADE DA LEI MORAL


Isto não significa que Deus esteja buscando a vingança, pelo fato de o
homem persistir em recusar obediência a sua soberania, nem de que Deus esteja
calculando as punições e os sofrimentos adequados a cada pecado, cada
homem e cada nação, em conformidade com algum vasto sistema de
escrituração. Não significa que Deus nos envie a guerra ou que esteja planejando
o sofrimento para cada caso de transgressão. Longe disso, essas dificuldades
são o resultado inevitável da violação da lei moral do universo. O mal está neste
mundo, o terrível mal. É necessário que o juízo incida sobre o mal, a fim de que a
estrutura moral do universo seja preservada. E a estrutura moral do universo tem
de ser preservada, se admitimos que o homem deve ter a oportunidade de ser
homem e não simplesmente um animal ou um autômato. Seria concebível a
existência de um mundo destituído de lei moral; entretanto, num mundo assim
criado, o homem, com sua capacidade distintiva de livre arbítrio, não poderia
existir. Sem a lei moral, o homem não poderia absolutamente ser dotado do livre
arbítrio, visto como não poderia existir critério para a escolha, nenhum privilégio
de avaliar a experiência como superior a outra, porque não haveria qualquer base
para a verificação do valor. “Ai daqueles que ao mal chamam bem e ao bem, mal”
é uma declaração sóbria dos fatos — fatos estes que estendem suas raízes na
natureza do universo e não um enunciado arbitrário.
A fim de que possa desfrutar o privilégio da liberdade, o homem não pode
ser constrangido a escolher forçosamente o bem. Há que ser-lhe franqueada a
oportunidade efetiva da escolha do mal. E, escolhendo o mal, o homem precipita
uma tal sucessão de acontecimentos e situações que há de ter consequências

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bem amplas, não somente sobre ele próprio, mas também sobre outros cujas
vidas lhe estejam relacionadas, direta ou indiretamente. Neste mundo regido por
uma lei moral, quando a ganância, a luta pelo prestígio, a busca do poder, têm
preponderado tanto; quando os profetas que alertam as nações no sentido da
justiça de Deus permanecem desatendidos, tanto agora, nestes nossos dias,
como nos dias da antiguidade, desde que o homem se fizera homem, ocorre, o
desastre. Deus não se permite ab-rogar a ordem moral do universo, a não ser que
se negue a si mesmo.
Esta é uma verdade sóbria, a qual devemos ensinar a nossos filhos.

QUANDO O MAL PARECE TRIUNFAR


Que haveremos de dizer a nossos filhos quando estes nos perguntarem
por que os maus prosperam enquanto os justos sofrem? É este um problema
velho como o homem. Com nossa visão estreita, não nos é dado ver o começo
nem o fim da operação da lei moral. O Dr. Horton sugere que, através da história,
há um escabroso processo de ação e reação, “no qual os orgulhosos e cruéis se
tornam vitoriosos, e depois, deparam com a Nêmesis, por excederem-se a si
mesmos; e um silencioso processo, misterioso, de assimilação, no qual os
homens de Deus encontram seu caminho, vencendo obstáculos aterradores,
apenas pela força de suas almas”.4
Não se nos permite que digamos a nossos filhos que a justiça, sempre,
haja de ser vitoriosa. Podemos, entretanto, convidá-los a participarem daquela
fé do Salmista:
“Não te indignes por causa dos malfeitores, nem tenhas inveja dos que obram a
iniquidade... Confia no Senhor e faze o bem... Entrega o teu caminho ao Senhor...
Descansa no Senhor e espera nEle... Aparta-te do mal e faze o bem... Porque o Senhor
ama o juízo, e não desampara os santos.”

Em muitas situações específicas da história, as forças do mal parecem,


com efeito, que triunfaram, enquanto a justiça fora subvertida. Naquele dia da
Crucificação de Jesus, as trevas que desceram sobre a face da terra foram mais
do que trevas físicas. Transparecera aos homens que o próprio Deus teria
falhado. Entretanto, depois daquelas ocorrências, verificaram-se a ressurreição
e o Pentecostes.

O TRIUNFO FINAL DA JUSTIÇA DE DEUS


Concitando o povo de seus dias ao reconhecimento da justiça de Deus, os
grandes profetas insistiam em esclarecer que Deus havia de triunfar, que sua
vontade haveria de prevalecer, que, finalmente, a justiça haveria de ser

4
W. M. Horton, Realistic Theology, Harper, 1934, p. 112.

39
estabelecida na terra. Compreendendo, como o compreenderam, a realidade do
pecado do homem e da recusa deste de obedecer a Deus, vieram os profetas a
convir com a ideia de que o governo Divino devia ser protelado. Por causa das
próprias rebeliões, os homens o haviam retardado, visto que Deus lhes facultara
a liberdade para que se rebelassem; nenhum homem, ou nação, ou coligação de
nações poderia obstar ao triunfo final definitivo da vontade Divina na terra.
A vista da extensão do pecado do homem, alguns dos grandes profetas
não poderiam perceber como, mesmo Deus, poderia conseguir a aceitação de
seus propósitos, sem que primeiro erradicasse o mal por meio de alguma
catástrofe medonha. Sendo assim, eles profetizaram que “uma condenação
mais terrível do que qualquer outra conhecida no passado, estava para desabar
sobre Israel. A guerra, o cativeiro, o fogo, os terremotos, os eclipses, a fome, a
pestilência — tudo era usado como símbolo de catástrofe iminente... O Israel da
história, com sua idolatria, sua injustiça, sua imoralidade, sua impureza de
coração, haveria de ser exterminada... Tão somente a justiça e a lealdade da
alma teriam lugar no novo Israel que devia suceder ao Israel do passado”. 5
Que poderemos ensinar a nossos filhos a respeito do triunfo de Deus no
mundo? Certamente que a situação presente do mundo não é aquela que Deus
lhe traçara. Têm sido postos em chocante relevo os fatos concernentes à
injustiça, à crueldade, à repressão; a fome, o frio, a nudez; a ambição desmedida,
a ganância, a sede de poder entre os filhos dos homens. Ter-se-ia Deus furtado
inteiramente do mundo? Deverá, agora, o Deus justo de toda a terra elevar-se em
seu poder e visitar com a destruição a todos os homens e nações por causa de
suas maldades? Não pode mais haver dúvidas de que a história atual do mundo
tem fornecido novos alentos para o ponto de vista de que o Reino de Deus deva
ser estabelecido por meio de uma intervenção catastrófica de Deus, a qual
deverá consistir na destruição da velha ordem do mundo e em sua substituição
pelos novos céus e pela nova terra.
Também não pode mais haver dúvidas de que a história atual tem
demolido o entusiasmo pelo ponto de vista mantido durante os anos recentes,
em muitas igrejas, e muito geralmente inculcado às crianças e à juventude, ponto
de vista, esse, que descreve o Reino de Deus em termos de um estabelecimento
gradual, mas largamente, baseados nos próprios esforços dos homens, do bem-
estar econômico e social humano. Em presença da destruição de tanto do que
tem sido denominado de progresso humano — progresso no sentido da ajuda
mútua e da cooperação, no sentido da eliminação da fome e das epidemias e da
guerra e da pobreza — os homens vêm perdendo a confiança que depositaram
nas próprias credenciais para o estabelecimento do Reino de Deus. O
desabamento das mais grandiosas conquistas do homem se tem verificado na

5
Knudson, The Religious Teaching of the Old Testament, pp. 167-168.

40
mais terrível devastação que já ocorrera na face do planeta, sendo que essa
devastação é oriunda das próprias mãos dos homens. Será então, o homem,
incapaz de tornar-se um cooperador responsável no Reino de Deus? Será o
estabelecimento do Reino consistente numa consumação, na qual o homem não
tome parte, um ato de Deus pulverizando os moldes da história?
Em face da confusão contemporânea, é bom que voltemos aos ensinos
de Jesus, condicionando os nossos próprios ensinos ao critério dos de Jesus, a
fim de que não venhamos a cair no erro e ensinar doutrinas falsas a nossos
filhos. Dean Weigle em seu livro: “Jesus and the Educational Method” (Jesus e o
Método Educacional) sugere que é à luz dos ensinos de Jesus a respeito de Deus
que devemos considerar suas ideias a respeito do advento do reino de Deus, bem
como do triunfo de sua justiça. Partindo deste ponto de vista, ele admite três
sentidos, relacionados, mas distintos, nos quais Jesus usa a frase: “Reino de
Deus”; referindo-se ao governo atual de Deus no universo; referindo-se à vontade
soberana de Deus efetivando-se nas vidas dos crentes; e referindo-se à
consumação final da vontade de Deus na terra. 6
A realeza de Deus não está na dependência das reações do homem. “Deus
é Rei; os homens não o elegem”. 7 Seu reino é um reino perene, e seu domínio é
de geração em geração, no sentido de que a soberania de Deus é eterna. Não é
que comece de modo desprezível e se desenvolva à medida em que os homens
o apoiem.
Não obstante, a realeza de Deus não é meramente uma realidade fria. Ela
está já em atividade ajudando os homens. Visto que Jesus tornara claro em seu
ensino que Deus não está fora do mundo, à distância deste, observando-o e
julgando-o, mas, não tendo qualquer participação com o mundo. Deus está no
mundo procurando salvar os homens, todos os homens de todas as raças e
nações, para que estes se voltem de seu mau caminho. Deus é o juiz justo, mas
a justiça de Deus inclui mais do que o julgamento dos homens e das nações.
Inclui a busca por seus filhos. O julgamento de Deus não visa, primariamente, a
punição. Visa, primacialmente, a redenção. Através dos resultados terríveis do
pecado, que se verificam nas catástrofes, Deus convida os homens à comunhão
com Ele através de uma justiça correspondente.
Ser favorável para com Deus, “escolher a Deus em vez de escolher a
Satanás, ou a Mamem, ou ao próprio eu, como soberano da vida, e corresponder-
lhe com a fé, a confiança e a obediência” — eis o que compete ao homem. “A
medida em que os homens assim aquiescem e buscam cumprir a vontade de
Deus, a relação visada no Reino se torna efetiva na terra. Trata-se de uma relação

6
L. A. Weigle, Jesus and the Educational Method, Abingdon-Cokesbury, 1939, p. 78.
7
Ibid, p. 78.

41
pessoal entre Deus e o ser humano como indivíduos e como comunidades ou
povo”. 8 De acordo com este sentido do estabelecimento do Reino de Deus,
consistente em que se torne efetiva a vontade de Deus nas vidas das pessoas e
das nações, concebe-se que o homem possa elevar-se à estatura de sua filiação,
tornando-se um responsável cooperador com Deus, fazendo sua contribuição
para a realização dos propósitos Divinos.
Parece claro que Jesus tenha participado do ponto de vista dos judeus
contemporâneos, de que a consumação do Reino de Deus sobre a terra deveria
verificar-se logo. Entretanto, Ele pensava desta consumação como ética e
universal e não como arbitrária e nacionalista. Era convicção de Jesus, que a
consumação do governo de Deus sobre a terra, dar-se-ia em harmonia com o
caráter e os propósitos de Deus. Este é o alvo para o qual se dirige a história
humana. Por esta convicção, Jesus ensinara seus discípulos a orarem: “Venha o
teu Reino, seja feita a tua vontade, na terra como é feita no céu”. E é por esta
convicção que devemos ensinar nossos filhos a orarem, nos dias de hoje, não
com a presunção de que os homens hajam de construir este Reino por si
mesmos, mas reconhecendo-o como a resposta favorável dos homens ao amor
e à bondade, à justiça e à graça, à soberania e à realeza de Deus.

8
Ibid., p. 79.

42
VI

A COMPREENSÃO DE JESUS PELAS CRIANÇAS


Entre as muitas histórias contadas às criancinhas nas famílias cristãs,
estão as histórias a respeito de Jesus. Muitas crianças chegam a pensar de
Jesus como um amigo que nos ama e digno de ser amado, bem antes que
cheguem a pensar a respeito de sua natureza e de sua missão. Não obstante,
exatamente porque os pais são tão ávidos por levar os filhos a conhecerem e
amarem a Jesus, é que muitas vezes lhes falam dele de maneira a suscitar
questões e problemas os quais a criança não está preparada para considerar.
Como será que devemos introduzir as crianças até Jesus? Como será que
poderemos ajudá-las a que o conheçam realmente? Como será que devemos
interpretar a vida e a obra de Jesus de modo acessível às crianças? Como será
que haveremos de lançar as bases seguras para uma crescente apercepção de
Jesus como o Filho de Deus e para o reconhecimento d'Ele como Salvador?
Entre os mais conceituados e devotados professores de criancinhas há
diferenças de opiniões neste ponto. Há os que admitem ser melhor que
narremos histórias de Jesus que o focalizem como um homem bom e generoso,
exatamente como devemos contar-lhes histórias de outros personagens, sem
qualquer preocupação de o colocarmos à parte como exclusivo. Admitiriam,
assim, a inclusão de histórias de outros homens bons como Sócrates, Paulo, São
Francisco, João Huss, William Penn etc., juntamente com as histórias referentes
a Jesus, sem diferenciações. No outro extremo há os que preferem que as
narrativas a respeito de Jesus sejam aureoladas, já nas experiências primeiras
da criança, daquelas qualidades de singularidade luminosa, simbolizada pelo
halo que vemos em todos os seus quadros. São de parecer que se deve insistir
naquelas narrativas do nascimento maravilhoso de Jesus, dos mistérios e dos
milagres em sua vida, em vez daquelas outras narrativas que salientam as
evidências de sua humanidade.
Nesta divergência se refletem questões reais, questões que encerram
uma importância básica no que concerne ao desenvolvimento religioso das
crianças. Parece-nos claro, porém, que não se faz necessária a oposição
irreconciliável destes dois pontos de vista, de modo tão extremado como se tem
feito.

INTRODUZINDO A CRIANCINHA A JESUS


Tudo quanto Jesus Cristo significa e é para os homens, a criança não
poderá aprender. Não podemos começar com a tentativa de explicar as
doutrinas a respeito da pessoa de Cristo, da maneira pela qual Ele é o Filho de
Deus. Em vez disso, devemos começar pelos rudimentos, naquele ponto em que
a vida de Jesus seja mais compreendida, prontamente. Podemos começar pelas
histórias muito simples de Jesus, segundo a narrativa dos Evangelhos,
43
referentes à sua generosidade, à maneira como Ele socorria as pessoas, ou
como demonstrava seu amor para com outros, especialmente, como
demonstrava seu amor para com as criancinhas. Essas histórias, podemos
contá-las repetidamente, visto que as crianças gostam dessa repetição de
histórias familiares a elas, e nós desejamos que tais histórias sejam bem
conhecidas.
O que devemos envidar por fornecer às criancinhas é uma oportunidade
para formarem uma representação mental bem nítida de Jesus, em seu
ministério de comiseração e de amor. Em seguida, podemos dizer-lhes: “Jesus
nos ama. Deus nos ama como Jesus nos ama. Jesus nos mostrará como Deus
é”.
A proporção em que a criança vá crescendo, podemos selecionar algumas
histórias e sentenças que demonstrem que Jesus conhecera o caminho da vida
que há de concorrer para que os homens sejam verdadeiramente felizes.
Podemos selecionar, então, aquelas histórias que revelem seu respeito para com
a personalidade, consideração para com o valor do indivíduo, em si, mesmo
quando se trate de indivíduo destituído de importância social, ou seja doente, ou
um degradado. Ao contarmos às crianças essas histórias devemos dizer-lhes:
“Jesus ama todas as pessoas. Jesus sabe o que é que pode tornar as pessoas
felizes. Ele nos mostra os planos de Deus para com os seus filhos, a fim de que
todos vivam juntamente felizes”.
Cumpre que não caiamos no erro de criar, por essa nossa seleção, uma
representação mental de Jesus, a que falte a robustez e a coragem. Uma seleção
de material da vida de Jesus destinada a crianças mais desenvolvidas há de
incluir as narrativas que exibam a Jesus enfrentando destemidamente os
poderosos inimigos; mantendo-se firme num alto nível de sagacidade e de
intuição diante dos dilemas sofísticos de hábeis advogados; denunciando o mal
sem hesitação, ou qualquer preocupação relativa à sua segurança pessoal;
exigindo a retidão por padrões muito superiores aos dos líderes religiosos
profissionais contemporâneos, arrostando-se torturas físicas sem qualquer
atitude de fraqueza.
Jesus deve ser, então, apresentado como forte, acessível, amável, de
maneira que as criancinhas se sintam em casa com Ele e de maneira que as
crianças mais crescidas se sintam atraídas para Ele, admirando-o e sendo-lhe
devotadas. Entretanto, Jesus deve ser apresentado de tal forma que as crianças,
já de muito cedo cheguem a perceber, de um modo que lhes seja ainda algo
incompreensível, que Jesus é exclusivo entre todos os outros homens
porventura bravos e bons, que têm existido. Esta maneira de sentir deve apoiar-
se na interpretação do caráter e da personalidade de Jesus, e não nos milagres
e nas cerimônias que se elaboraram devido a sua pessoa. Estas coisas são de
muito pequena significação para as criancinhas; a qualidade da pessoa que era
Jesus é o que é de real significação para elas.

44
ENSINANDO A VIDA DE JESUS
Começando assim com as narrativas da vida de Jesus, podemos levar as
criancinhas a lançarem fundamentos sólidos para a compreensão de Jesus e
para que elas, possam corresponder-lhes. Quando chegarem aos sete ou oito
anos de idade, as crianças devem estar em condições de receber uma narrativa
simples e cronológica da vida de Jesus, de modo que possam começar a vê-la
em sua inteireza. E devemos envidar todos os esforços para que nos
asseguremos durante os anos que vão seguir, de que cheguem realmente a
conhecer a história de Jesus exatamente como Ele vivera entre os homens.
Grande parte da confusão no que se refere à natureza e à missão de Jesus, que
se desenvolve posteriormente, é devida à falta de conhecimento básico do
registro de sua vida.
Sem tal conhecimento, sem essa apreciação de Jesus como uma pessoa
entre outras pessoas — uma pessoa que realmente vivera na história, que
participara das necessidades humanas, bem como das alegrias e dos
sofrimentos de outras pessoas — não podemos esperar que nossos filhos
tenham receptividade para as interpretações de Jesus.
Entretanto, a narrativa desses fatos, não fornece aos nossos filhos os
elementos conducentes à compreensão plena da significação de Jesus para as
próprias vidas deles e para o mundo. Sendo assim, à medida em que vão
crescendo, devemos orientá-los na cogitação da natureza e da missão de Jesus.
Que lhes deverá significar, ao dizermos aos nossos filhos que Jesus nos fizera a
revelação de Deus, e que Jesus é o Filho de Deus encarnado?

A EXCLUSIVIDADE DE JESUS
Tenhamos o cuidado de não isolar a Jesus das demais revelações Divinas,
como se não tivesse com elas qualquer relação. O escritor aos Hebreus afirma:
“Havendo Deus antigamente falado muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais,
pelos profetas, a nós falou-nos, nestes últimos dias, pelo Filho”. Deste modo,
assinala que há continuidade entre a revelação de Deus no Velho Testamento e
a revelação de Deus em Jesus. Mas, enquanto, falando aos homens através dos
profetas, Deus estava limitado pela natureza dos profetas pelos quais falava,
falando aos homens através de Jesus, expressava-se por alguém cuja filiação
com Deus fora perfeita.
É claro que, para os escritores do Novo Testamento, Jesus era muitíssimo
diferente dos grandes profetas, ou de qualquer dos Rabis e mestres
contemporâneos. Aqueles escritores registram, com evidente simpatia, a
maneira como Jesus punha de lado a lei judaica: “Ouvistes que foi dito aos
antigos... Eu, porém, vos digo”. Isto significa que aceitavam a palavra de Jesus
como superior à palavra da lei estabelecida. Jesus podia criticá-la; podia dizer
que aquela lei destinava-se a ser suplantada por uma lei superior. Além disto, de
45
Jesus disseram: “Ele os ensinava como quem tem autoridade e não como os
escribas” colocando-o em posição destacada dos demais que ensinavam. Desta
forma, reconheciam-no como um profeta superior aos profetas, como mestre
superior aos mestres, como alguém que podia falar com autoridade, da parte de
Deus. Como o refere o Professor Moffatt: “Ele ensinava e agia como pessoa
comissionada para levar os homens a se decidirem ao lado de Deus, o Rei e Pai,
ao qual Ele representava e isto queria dizer que a decisão a favor ou contra sua
pessoa, determinava quanto ao destino humano”. 1 Ele mesmo o dissera com
grande convicção: “O céu e a terra hão de passar, mas as minhas palavras não
passarão”. A lei, o templo, as cerimônias religiosas, poderiam passar; mas sua
revelação da vontade de Deus seria permanente.
Jesus, porém, fizera mais do que ensinar com autoridade. “Ele e seus
ensinos estavam identificados.” Não somente Ele ensinava em nome de Deus;
efetivamente, em sua vida, Ele fora a “Palavra de Deus” manifestada aos homens.
Através de Jesus, Deus estava, efetivamente, operando entre os homens,
manifestando-lhes sua justiça, seu amor perene, seu poder redentor. Foi esta
“visão de Deus em Jesus Cristo” que fornecera o impulso de vida e de esperança
característicos nos cristãos primitivos, em cujos escritos vieram a constituir o
Novo Testamento. A fé que esta visão inspira é aquela pela qual um número
incontável de homens humildes de todas as raças tem vivido, e é a fé que
devemos almejar que nossos filhos assimilem para si mesmos.

OS MILAGRES EM SEU CONTEXTO


Se for essa nossa conduta na interpretação da natureza de Jesus a
nossos filhos, não será provável que sejam suscitados quaisquer problemas
complexos concernentes às narrativas do nascimento virginal e dos milagres.
Em primeiro lugar, as narrativas de maravilhas, só muito raramente, suscitam
inquirições no pensamento infantil. Mas, o que é ainda mais importante, a vida
de Jesus — sua graça, sua preocupação constante pelos homens, seu perdão
para com os inimigos — sua vida considerada em si mesma, é, para aqueles que
nela refletirem profundamente, mais inspiradora de nossa admiração do que os
incidentes aos quais costumamos chamar de milagres.
É interessante que contemos aos nossos filhos as histórias muito lindas
relacionadas com o nascimento de Jesus, visando a satisfação que tais histórias
proporcionam, — não para provarmos às crianças que Jesus era o Filho de Deus.
Ao contá-las, devemos criar, tanto para nós mesmos como para nossos filhos, a
oportunidade de uma pausa para admiração prazerosa enquanto ouvimos do
cântico dos anjos e da visão da estrela. Entretanto, é na simplicidade do
ambiente terreno a que se submetera o infante Jesus, que devemos demorar-
nos, visto que desejamos que nossos filhos amem essa criancinha.

46
1
James Moffatt, Jesus Christ the Same, Abingdon-Cokesbury, 1940, p. 95.

Poucas serão as crianças que suscitarão perguntas relacionadas com a


maneira pela qual a vida de Jesus começara. Também serão poucos os pais que
desejarão suscitar essas questões com seus filhos. Se as crianças suscitarem-
nas, devemos tentar respondê-las com simplicidade de acordo com o melhor
conhecimento que tenhamos e com nossa fé mais sincera. Deus é o autor da
vida e não há sombra de dúvida de que há áreas do poder criador de Deus que
transcendem inteiramente a nossa compreensão. Para a maioria dos Cristãos,
porém, as evidências quanto à exclusividade da natureza de Jesus em sua vida
e em sua obra são muito mais imperativas e persuasivas para a fé, do que a
maneira pela qual Jesus tenha entrado na existência. Não nos convém, por
conseguinte, que pretendamos introduzir as crianças nesses problemas que
ultrapassam a compreensão delas. Em vez disso, devemos encorajá-las a
participarem de nossa admiração na consideração de que o Deus de toda a terra
preferira enviar uma criancinha para ser criada por uma família humilde e para
tornar-se num amigo e ajudador de todos os homens, como o melhor meio de
mostrar aos homens como é que Deus é. Ele poderia ter enviado um rei com
esplendor condigno; poderia ter enviado um exército de anjos. Entretanto,
enviara, em vez de qualquer outra coisa, uma criancinha que havia de morar no
lar de um carpinteiro de aldeia.
Concernente aos milagres relatados como parte da vida terrena de Jesus,
lembremo-nos de que os milagres são ocorrências que os homens não
entendem. Possivelmente, à medida em que cresçamos na compreensão de
Jesus, cresçamos também na compreensão de seus atos. Enquanto crescemos,
porém, na compreensão de Jesus, deve ser o próprio Jesus, seus propósitos, sua
missão, toda sua personalidade, que se deve tornar cada vez mais importante
para nós. Seus feitos não se constituíram uma série de exibições isoladas e
espetaculares. Antes, eram parte de um sistema de vida que reflete, em todas as
suas partes, seu plano fundamental. Os homens estavam sofrendo; Ele os
aliviava. Os homens tinham fome; Ele os alimentava. Os homens estavam
desalentados; Ele os confortava. Os homens tinham sede de Deus; Ele lhes
revelara o Pai.
Exatamente como Ele ministrava àqueles que dele necessitavam, nós não
sabemos. E isto não nos deve perturbar. Repitamos, dizendo francamente que a
vida de Jesus não requer o apoio dos milagres para que se prove que era uma
vida extraordinária, dotada de apanágios exclusivos. Alguém que procure
penetrar no espírito de Jesus, admirar-se-á muitíssimo mais refletindo em sua
súplica naquela ocasião quando pendia da Cruz: “Pai, perdoa-lhes porque não
sabem o que fazem”, do que o poderá encontrar no relato da multiplicação do
alimento para suprir a toda uma grande multidão, usando a matalotagem
destinada à merenda de um rapazinho.

47
Sendo assim, devemos contar as histórias dos feitos de Jesus, com
simplicidade e reverência, sem insistirmos demasiado, e, também sem
menosprezarmos o fato de que algumas coisas que Ele operara, permanecem
acima de nossa cooperação, mas cumpre que sempre relacionamos o que Ele
fizera com o propósito a que servia. Se nossos filhos nos fizerem perguntas
acerca de como Ele curava os enfermos, devemos ouvi-los com tranquilidade, e
responder-lhes com o melhor de nossos conhecimentos. Entretanto, devemos
responder-lhes com humildade, não dogmaticamente, preservando à criança o
direito de formular as próprias ideias, depois que lhe tivermos comunicado as
nossas. O que importa não é que a criança se satisfaça no admitir que a
ocorrência verídica dos milagres seja provável, nem que a criança ache mais
satisfatório crer que é a ignorância humana que envolve tais acontecimentos os
quais hão de algum dia ser acessíveis à compreensão. O que importa é a
resposta que a criança venha a manifestar ante a personalidade integral de
Jesus.

JESUS COMO O GRANDE EXEMPLO


Essa resposta deverá, esperamos, incluir o desejo de viver de acordo com
o exemplo de Jesus. Não quer isto dizer que a vida de alguém deve se conformar
aos detalhes de sua vida. Ele vivera sob condições sociais, geográficas e
econômicas muito diferentes das atuais. Não se sugere que devamos copiar
seus trajes, sua alimentação, ou seu modo de viajar. Em lugar disso, sugere-se
que o sigamos, que lhe sejamos leais, que edifiquemos nossas vidas na
convicção de que sua interpretação da vida e das relações humanas era a
interpretação ternamente correta e boa. Admitirmos que Jesus possa, em
matéria de conduta e atitude humanas, constituir-se em verdadeiro padrão para
os homens, não poderá colidir absolutamente, com o ponto de vista de que Jesus
seja também o nosso Senhor e Salvador.
O escritor de Hebreus, como assinala o Professor Moffatt, depois de
retratar o sacrifício único de Jesus pelos pecados, e sua posição suprema no
céu, também o apresenta como o modelo para os homens. O escritor concita os
homens a olharem para Jesus como “Autor e consumador da fé” se quiserem ser
fiéis à carreira de heroísmo proposta para suas vidas. Jesus legara um “exemplo
vivo de fidelidade humana para com Deus ao arrostar e triunfar sobre tais
provações como o vilipêndio e o sofrimento”. 2
A vontade de Deus para com a vida humana encontra-se revelada na vida
de Jesus. Sua maneira de viver entre seus contemporâneos não como alguém
que atente para o que agrada a si mesmo, mas como alguém que atentava
primeiramente para os interesses dos outros; seu critério de valor, que insistia,
não no prestigio, ou no poder e na riqueza, mas na despretensão generosa e na
lealdade Inflexível para com a justiça; o propósito primacial de sua vida,
consistente, na consecução de suas próprias ambições, mas na realização da

48
2
Jesus Christ the Same, p. 100.

vontade Divina — em todas estas experiências, Jesus nos mostrara os altos


propósitos relativamente ao homem, os quais residem no coração de Deus.
Visto que há no registro da vida de Jesus muitos incidentes que nos
informam de modo direto e impressivo da maneira como Jesus vivera, podemos
dar a nossos filhos uma orientação cabal quanto a conduta, tanto para eles como
para todos os homens. Deve haver, com efeito, uma tal interpretação que leve em
conta as condições atuais da vida da criança. Jesus não vivera na atmosfera de
uma civilização industrializada e mecanizada como é o caso de nossos filhos.
Algumas das situações que estes terão de enfrentar, não se encontram
retratadas nos Evangelhos. Entretanto, nossos filhos podem encontrar nos
Evangelhos os métodos para que se relacionem com outras pessoas e os
métodos para as relações com Deus e com seus propósitos que são básicos
para aquelas outras situações particulares.
Quando Jesus se encontrava em face de problemas pessoais, os mais
tremendos, ia a um lugar de silêncio e orava — não orava apenas por alguns
poucos minutos apressados, senão, em certas ocasiões, através de toda a noite.
Os problemas que nós, como os nossos filhos, enfrentamos, não são idênticos
àqueles que lhe eram peculiares. Não obstante, também os nossos problemas
são muito importantes. Será que imitamos a Jesus nessas ocasiões? Quando “o
reino da terra” fora oferecido a Jesus, a fim de que Ele traísse a vontade de Deus,
eis que Ele voltara suas costas à tentação. Será que o imitamos quando se nos
oferece a oportunidade de nós conseguirmos vantagens pessoais em troca de
que sejamos desleais ao que nós mesmos reconhecemos como sendo o
“melhor”?
Quando Jesus procurava descansar, em casa de um amigo, depois de um
dia estafante e trabalhoso, os doentes, os desamparados e os infelizes foram
trazidos até sua presença; e Jesus os servira até muito depois de um dia normal
de trabalho. Será que o imitamos, no que se refere a nossas atenções para com
os doentes, os desamparados e os infelizes em nossa comunidade, mesmo
quando para tanto, sacrifiquemos nosso conforto e nossas conveniências?
Quando Jesus estava, certa vez, rodeado de uma grande multidão de pessoas
que ouviam suas palavras, e lhe trouxeram algumas criancinhas, Ele se voltara
da grande multidão para as criancinhas e demonstrara-lhes sua amizade plena
de amor. Será que o imitamos nessa prontidão por nos dedicarmos a essa feliz
e desprendida amizade para com os “destituídos de importância” que nos
rodeiam, mesmo quando isto signifique nossa renúncia de algumas
oportunidades sociais “importantes”?
Quando Jesus vira a corrupção e a ganância proliferando nos
compartimentos do Templo, Ele denunciara os ofensores de maneira severa,

49
embora estivesse apercebido de que tal gesto o colocaria em situação de
conflito cruciante com os líderes poderosos da comunidade. Será que o
imitamos, corajosamente nos colocando ao lado da justiça e da honestidade na
comunidade em que vivemos? Quando Jesus estava exausto e torvelinho das
multidões e diante dos acontecimentos desoladores, procurava o refrigério e o
alento na comunhão com Deus. Será que o imitamos ao nos sentirmos
necessitados de refrigério depois de situações que nos exijam trabalho insano e
diante das frustrações?
Sim, podemos ensinar a nossos filhos que na vida de Jesus eles
encontrarão patente a conduta que lhes cumpre seguir com a certeza de que
será a conduta que lhe resultará em felicidade, por fazer suas vidas úteis e ricas
de inspiração para os seus semelhantes. Nos é dado que os levemos a perceber
como, nas situações quotidianas mais variadas e em suas vidas de relações, eles
poderão ser verdadeiros seguidores de Jesus.
Mas deve haver uma precaução: a menos que haja uma apreciação
crescente da personalidade indivisível de Jesus, não será provável que haja,
também, o desejo, nem a capacidade por parte das crianças para que o imitem
nas situações específicas. Narrar histórias isoladas, da vida de Jesus, visando
inculcar uma certa moral, não é meio útil de interpretá-lo aos meninos e meninas
como o grande exemplo que estes devam ter. Temos de insistir em que é
importante que as crianças tenham um conhecimento completo da vida de
Jesus, de maneira que lhe possam corresponder, na sua qualidade de pessoa,
antes de tudo. Depois disso, eles hão de se sentir desejosos por conhecerem
mais pormenorizadamente o que exatamente Jesus ensinara acerca da boa
conduta para a vida e sentir-se-ão impelidos a viver, por si mesmos, segundo esta
conduta.

A CRUSIFICAÇÃO
Com toda a sua bondade e beleza, a vida de Jesus findara na mais
ignominiosa morte possível de ser infligida a um indivíduo naqueles dias. Fora
condenado a ser executado, publicamente, pela crucificação. Como poderemos
interpretar esse fato de modo suasório as crianças?
Efetivamente, não devemos falar às criancinhas da crucificação de Jesus.
As criancinhas devem conhecer a vida, antes que venham a conhecer sua morte.
Entretanto, depois que vão para a escola, já não o podemos impedir que
conheçam, mesmo que o quiséssemos; sendo assim, cumpre que estejamos
preparados para dar-lhes a interpretação adequada.
O fundamento para essa interpretação deve residir no fato de que as
pessoas sofrem por serem boas, tanto quanto por serem más. Como já o
sugerimos, é provável que a criança tenha tido a experiência do sofrimento por
causa de suas convicções, se essas convicções se demonstraram em
desarmonia com os costumes estabelecidos na comunidade. Uma criança que

50
insista em agir com sentimento de igualdade relativamente a uma outra criança
de uma raça vilipendiada, poderá ver-se a si mesma excluída dos esportes ou
clubes. Deste modo, o pensamento de que os bons sofrem em virtude de sua
bondade, num mundo que longe está de ser bom, chegará a ser compreendido,
logo que a criança entre em contato com essas situações.
Se nossa apresentação da vida de Jesus o tem evidenciado em sua luta
titânica de resistência ao mal, em face dos governadores de sua nação, de sua
igreja que insistiam numa concepção estreita e maldosa concernente a Deus e
às relações humanas, as crianças já anteveem que Jesus não tinha diante de si
uma vida fácil. Jesus estava solapando o prestígio dos sábios pois estava a
preterir seus ensinos; ameaçava a ordem estabelecida da igreja, pois insistia em
dizer que a honestidade e a bondade eram mais importantes do que a
observância das cerimônias vigentes; ameaçava os proventos dos líderes de
influência, pois que insistia na necessidade de modificação dos costumes que
contribuíam para o maior empobrecimento dos pobres e o desmedido
enriquecimento dos ricos. Jesus estava em conflito com todas essas forças
poderosas, pela mesma razão que Ele era bom. Sendo assim, tais forças
procuravam desfazer-se de Jesus.
Entretanto, Jesus era mais do que um reformador social; era o revelador
da vontade de Deus para com o homem. Ele sabia que era o enviado de Deus
para proclamar sua vontade aos homens. Foi a razão por que Jesus falara com
autoridade em nome de Deus. E este fato, o fato de ser Jesus ousado ao falar
em nome de Deus, fizera com que sua vida e sua obra fossem especialmente
inquietadoras aos homens seus contemporâneos. Estes não desejavam ouvir da
vontade de Deus assim proclamada. Não queriam reconhecer seus pecados.
Não quiseram, também, reconhecer a Jesus como enviado de Deus para salvar
os homens de seus pecados, conquistando-os para uma vida de lealdade a Deus.
Jesus sabia que sua missão o estava levando à morte. Ele poderia ter se
eximido da cruz se consentisse em comprometer-se. Mas, para Ele, fazer a
vontade de Deus era o supremo bem, portanto, não voltar atrás.
“Jesus não escolhera deliberadamente sua própria morte. Ele a aceitara como
uma exigência Divina, como uma parte de sua missão. Ele fora enviado ao mundo a fim
de estabelecer o Reino de Deus, este ambiente ideal de justiça e de bem-estar para os
homens; e, no sacrificar sua própria vida em vista deste ideal, Ele revelara de modo
supremo, tanto seu amor para com o gênero humano, como sua santidade pessoal. E
não somente Ele revelara sua própria justiça e amor, mas também revelara a justiça e o
amor de Deus. Pois que Deus estava em Cristo reconciliando o mundo consigo mesmo.
O que Cristo fizera, em seu ato supremo de auto sacrifício, isto o fizera o mesmo Deus.
Fora assim, desta maneira, que o amor e a justiça de Deus foram proclamados pela
morte de Cristo. O acontecimento, em si mesmo, era como um espelho do coração
Divino.” 3

À medida que forem crescendo, as crianças chegarão a refletir sobre a


formulação, pela igreja, das doutrinas concernentes à morte de Jesus. Mas,

51
3
A.C. Knudson, The Doctrine of Redemption, Abingdon-Cokesbury, 1933, p. 377.
enquanto forem crianças, a interpretação simples e mais direta deve constituir-
se nas bases sólidas requeridas para uma compreensão mais inclusiva.
Não é necessário dizer que nunca devemos saturar as crianças com as
descrições minuciosas do processo da crucificação. Em vez disso, devemos
levá-los a compreender por que Jesus fora capaz de portar-se com bravura e
com inabalável confiança na bondade de Deus ante o vilipêndio e o sofrimento.
Cumpre, também, que sejamos muito cuidadosos para não terminarmos
a história com a crucificação. Efetivamente, não fora aquele o fim.

VIVO PARA SEMPRE


Como poderemos levar nossos filhos a considerar a Jesus, não apenas
como certa pessoa que, há muitos anos, vivera na Palestina, mas como alguém
que “vive para sempre”? Em que sentido nos será possível interpretar para
nossos filhos a concepção de que Jesus, não somente lhes revelara a retidão,
mas os está persuadindo atualmente a praticá-la? As criancinhas, quase sempre,
não necessitam de nenhuma “interpretação” que os capacite a sentirem que
alguém, a quem amem, lhes está próximo. Muito frequentemente, elas se
ocupam em conversação com a vovozinha bem distante, bem como com seus
companheiros imaginários, tudo de modo muito realista. Há muitas narrativas de
observações por parte de mães, que mostram como seus filhinhos mantêm
conversação com Jesus naquela mesma base. Entretanto estamos pensando
em algo diferente desse tipo de experiência.
A pessoa pode tornar-se profundamente apercebida da companhia de
alguém que esteja, fisicamente, ausente. Não no sentido da credulidade
verificável no recreio das crianças com seus companheiros imaginários, nem no
sentido de um sonho muito nítido, mas no sentido da comunhão espiritual
efetiva. Se desejarmos insistir em demasia nisto, podemos, entretanto, referi-la
e sugerir que, entre os que realmente se amam, há quase sempre um sentimento
de proximidade que prevalece mesmo quando estão muito afastados no espaço.
Quando sua mamãe não está presente, por exemplo, a criança que a ama e nela
confia sente, não obstante, que ela está bem presente, fazendo-a lembrada de
que deve ser boa. Podemos sentir que Jesus continua amando todas as crianças
de hoje, exatamente como Ele amava as crianças ao vê-las brincarem nas praças
de Cafarnaum. E continua a assisti-las, como naquela época. Quando as crianças
pensam em Jesus e no que Ele fez e no que ensinou, sentem-se bem próximas a
Ele e são-lhe gratas por seu amor.
Não há qualquer dúvida a deduzir-se do relato Evangélico quanto ao fato
de que os discípulos estivessem inconfundivelmente apercebidos da pessoa de
Jesus, depois de sua morte. Estavam todos convictos de que Jesus triunfara
sobre a morte e estava “vivo para sempre”. Depois daqueles terríveis dias da

52
prisão, do julgamento e da crucificação do Senhor, apoderara-se dos discípulos
um grande temor e um sentimento de derrota. Chegaram a esconder-se dos
demais homens. A esperança deles como que morrera; a vida já não tinha
significação para eles; não podiam vislumbrar o futuro. Em seguida, ouviram que
Jesus não estava morto, mas vivia. Transformaram-se, então, admiravelmente.
Corajosamente, começaram a proclamar uma mensagem que enchia de pasmo
os seus ouvintes. Falavam com tal ousadia, tal intuição e tal convicção que
mesmo os juízes, seus adversários ficaram estarrecidos e não se atreveram a
cerceá-los.
Para aqueles primeiros discípulos, a crença na ressurreição não era
simples doutrina; era a vida propriamente. Era o que fazia toda a diferença entre
o desespero e a confiança, entre o fracasso e o triunfo. Se narrarmos a história
da vida de Jesus a nossos filhós e pararmos com a cruz, não teremos contado
toda a história. Visto que, é uma verdade atestada pela experiência de homens e
de mulheres através de centenas de anos e em todas as nações, que a vida de
Jesus tem prosseguido, encorajando, os desesperados, fortalecendo os fracos,
alegrando os tristes, acompanhando os solitários, confortando os que sofrem e
trazendo firmeza aos que enfrentam a tentação.
Seremos igualmente imprudentes, entretanto, se na história de Jesus
insistirmos na Ressurreição, negligenciando as fases mais simples da sua vida.
Trata-se de uma história empolgante, e emocionante; mas, narrada sem certo
lastro conveniente de familiaridade com a vida de Jesus, poderá facilmente
tornar-se, não uma fonte de alegria e satisfação, mas uma fonte de confusão e
receios. É, a vida que antecede a Ressurreição que lhe confere o poder. Desligada
da vida de Jesus, ou narrada na base de um conhecimento vago de sua vida e
obra, reduz-se a uma história de algo encantado, narrada como parte de sua vida
de justiça e amor e serviço, mostrar-se-á como o glorioso clímax de um todo.
Visto que uma vida como a sua não podia encerrar-se ao ser o seu corpo
quebrado pelos pecadores. Sua vida tinha traduzido os valores permanentes, o
amor imortal. Sendo assim, podemos ensinar a nossos filhos que Jesus vive
ainda hoje. Não por causa de algum acontecimento isolado e espetacular, mas
porque havia em sua vida esta qualidade, este espírito, que participa da própria
natureza da eternidade.

“VÓS TAMBÉM VIVEREIS”


“Pois eu vivo e vós vivereis também.” Visto que Jesus experimentara a
vida humana e soerguera a ponto de que pudesse realizar a plenitude de suas
possibilidades, e visto que ele demonstrara aos homens como poderiam
conquistar os fins a que Deus os destinara, Jesus lhes abrira, amplamente, as
portas da vida eterna.
As crianças frequentemente fazem perguntas a respeito da vida futura e
essas perguntas exigem muita reflexão. É tão somente à luz dos ensinos e da
vida de Jesus que lhes poderemos responder com segurança. Quando os

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Saduceus se aproximaram dele com semelhantes perguntas a respeito da vida
futura, Jesus lhes respondera com os termos do caráter de Deus. Sua certeza
quanto à vida eterna tinha suas raízes na fé que Ele tinha em Deus. Como já ficou
assinalado, Jesus não nos deixara nenhuma base para uma tal interpretação do
amor de Deus que consistisse em prosperidade material ou isenção de lutas.
Especificamente, para si mesmo, Ele renunciara a qualquer expectativa de
privilégios especiais. Sua concepção de Deus não se prendia a preocupações de
ordem material. É assim que não vemos suas ideias concernentes à vida eterna
coincidirem com qualquer ideia de recompensas materiais. Jesus não nos
deixara nenhum panorama do céu, nenhum catálogo de suas belezas e conforto.
Tão pouco Jesus falara da vida futura como se esta fosse inteiramente
destituída de relação com a presente. Ao longo de seus ensinos, ele se referira à
realeza de Deus como eterna. Esta é verdadeira no presente como no futuro, na
terra como no céu. O alvo que Ele põe diante do homem é a consecução da
plenitude da vida, consistente no ato de seu ingresso no Reino já no presente,
não somente, em sua contemplação como algo remoto, no futuro. De que haja o
futuro, Ele tem certeza. Entretanto, há também, o presente que se relaciona com
aquele futuro. Na vida futura, as preocupações individuais temporárias serão
consideradas segundo perspectivas mais amplas. Será a vida, não preza nas
limitações da carne, mas livre e transfigurada; a vida, não limitada pelo tempo e
pelo espaço, mas eterna e ilimitada. A morte marca a transição da vida dentro
do Reino, não o fim de uma vida e o começo de outra diferentes entre si.
A concepção de Jesus relativamente à vida eterna, portanto, se reflete em
sua concepção da vida presente em obediência à vontade de Deus e na
consciência do amor de Deus. Jesus ensinara com muita clareza que, o cuidado
de Deus inclui as preocupações relativas às necessidades materiais de seus
filhos. Na opinião de muitas pessoas, a luta pelo pão destinado à própria
conservação e a de seus queridos, constitui-se numa amarga realidade. A todas
essas pessoas, bem como também a nós, que nunca experimentamos tão
cruciantes privações, Jesus diz: “Vosso Pai sabe que necessitais de todas estas
coisas”. Parece claramente ser o pensamento de Jesus que, todos os homens
que confiarem suas vidas a Deus, podem confiadamente aguardar, pois, no futuro
herdarão a “vida” — não a vida ameaçada pela luta sem tréguas pelo próprio
sustento, mas a vida plena e abundantemente nutrida nos propósitos e nos dons
de Deus.
Jesus ensinara, também, que, aqueles que procuram no mundo presente,
fazer a vontade de Deus, hão de libertar-se das violências, da tentação e da
ansiedade. Ele ensinara que todos os esforços daqueles que confiam seus
problemas a Deus se orientam no sentido da realização de atos úteis, sem
desperdícios de energias em lamentações, aborrecimentos e ressentimentos.
Ele ensinara que o sofrimento deve tornar-se criador e não fútil. Segundo o
pensamento de Jesus, essa libertação das tensões, dos esforços
desnecessários, do sofrimento por causa de motivos fúteis, que, apenas

54
parcialmente, se poderá verificar na vida presente, deverá verificar-se em toda a
sua plenitude na vida futura. Em paz e serenidade, as pessoas se capacitarão
para uma integral e feliz dedicação à participação nos grandiosos propósitos de
Deus.
Ainda, Jesus acenara àqueles que procuram filiação no Reino de Deus,
com a expectativa de que seus sentimentos de comunhão de uns com os outros
será ampliado, o vezo da competição será erradicado, e em lugar da rivalidade,
verificar-se-á uma experiência de fraternidade mais inclusiva e mais profunda. O
ódio e a suspeita hão de arrefecer visto que os pensamentos dos homens não
estarão centralizados nos interesses, no poder e no prestígio próprios, mas no
bem-estar da família de Deus. Os liames que ligam as vidas humanas entre si, no
amor e no serviço prazeroso, serão, deste modo, multiplicados e robustecidos.
Este alargamento e enriquecimento das afinidades dos indivíduos entre si,
cujo início se verifica na vida presente, prolongar-se-á até à perfeição na vida por
vir. Na vida futura serão desfeitas todas as barreiras que separam os homens
mutuamente, — as barreiras entre família e família, entre raça e raça, entre nação
e nação, entre classe e classe, entre épocas que passaram e épocas que hão de
vir — tudo isto se desfará. Na mais completa compreensão e simpatia, as almas
nobres de todas as idades, nações, raças, se tornarão capazes de dedicar-se
alegremente às atividades da mútua cooperação, participando do propósito
comum que visa a realização da vontade de Deus.
Finalmente, aos que confiam em Deus, Jesus prometera a companhia do
Pai. Para Jesus, este era o supremo bem da existência, em vista do qual, todos
os demais bem poderiam perder-se. Entretanto, as criaturas presas à terra,
condicionadas às limitações da carne, não podem estabelecer plena comunhão
com Deus; não podem apreender perfeitamente a realeza de Deus, nem a
paternidade de Deus. De acordo com o pensamento de Jesus, a vida terrena é
apenas o início da vida celestial, a qual há de seguir-se, quando os homens
poderão contemplar a vida de mais perto, como Deus a contempla; quando as
coisas não serão mais vistas na perspectiva exígua de nossas experiências
centralizadas no sentido da individualidade; mas serão vistas “à luz da
eternidade”. Naquela gloriosa vida do futuro, os homens hão de conhecer a Deus,
hão de compreender os seus propósitos, hão de experimentar plenamente a
comunhão com Ele. “E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti só, como único
Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a quem enviaste.”
Será esta expectativa da vida no lar celestial de natureza egoísta,
denunciando certa procura de recompensas? Efetivamente, a concentração dos
ideais nas bênçãos futuras com o alheamento das oportunidades e das
obrigações presentes, é perigosa. Mas, conforme temos observado, não há, no
pensamento de Jesus, tal distinção entre a vida presente e a vida futura no Reino
de Deus. Tão somente os que vivem plenamente a vida presente que lhes está
destinada, poderão estar preparados para fruir a vida futura que é muito mais
ampla. Tal pensamento, referente à vida futura, longe de tornar o indivíduo alheio,
55
contribui enormemente para a participação do indivíduo nas tarefas atuais do
mundo, enquanto, ao mesmo tempo, liberta-o de que se torne um escravo do
presente.
Será que podemos comunicar este pensamento relativo à vida eterna aos
nossos filhos? Em vez de tentar uma descrição do céu, ser-nos-á melhor,
comunicar-lhes nossa expectativa de que a vida futura há de proporcionar-nos a
convivência com todas as almas nobres de todas as idades? Em vez de
concentrar a atenção na libertação do esforço, convirá mais que os levemos ao
antegozo da libertação da tensão causada pelas invejas e pelos maus
temperamentos, e pelo egoísmo, de modo que lhes seja possível sempre existir
segundo o melhor “eu” de cada um deles? Em vez de falar-lhes de conforto
material, será que poderemos levá-los a considerar as alegrias que decorrerão
de nosso conhecimento de qual seja a solução para os problemas mais
embaraçosos da existência, as alegrias da compreensão real? Em vez de
suscitar-lhes a esperança do poder e do prestígio, será que podemos orientá-los
para a apreciação da bem-aventurança da comunhão com Deus, comunhão não
mais exposta às descontinuações dos deslises e do pecado?
Falharmos na orientação que devemos proporcionar às crianças, quanto
aos conceitos referentes à vida futura, significa falharmos em nossos esforços
como seus professores. Tentar chegar além dessa orientação significa tentar
fazer mais do que cumpre ao professor fazer. Exatamente como o céu é, nenhum
individuo nesta vida poderá saber. Jesus, entretanto, nos revelara que Deus é
amor. A Deus, Jesus confiara a sua vida com inteira confiança. E não poderemos
segui-lo nessa atitude?

56
VII

AS CRIANÇAS E A SALVAÇÃO
Não faz muitos anos, houve muita esperança de que a guerra, a pobreza,
a fome e a doença seriam extirpadas da face da terra pelos esforços do homem,
e que, através de suas invenções e de seu progresso econômico e social, os
males que têm prostrado a raça teriam de ser, finalmente, represados. Acalentou-
se, também, a esperança de que os indivíduos, através de métodos
especializados de educação, poderiam chegar a reprimir seus desajustamentos,
os quais são as causas de que tais indivíduos sejam grosseiros, cruéis e
egoístas, e se pudesse tornar em pessoas cooperadoras, úteis e felizes. Quer
dizer, houve muita esperança de que o homem, confiando em sua própria força,
pudesse elevar-se a altiplanos cada vez mais nobres de conquistas sociais e
individuais.
Esta confiança no homem é nobre e útil. A doutrina oposta da depravação
e incapacidade totais do homem, oferece quase nada de incentivo para os altos
empreendimentos. Se é que o homem deve realizar grandes progressos no
sentido de seus ideais, cumpre que ele tenha a confiança de que está dotado da
capacidade necessária a seu desenvolvimento e de que seus esforços são
importantes. Cumpre que tenha o senso de sua responsabilidade em tornar-se
um indivíduo nobre como é de seu dever e em realizar tudo quanto possa visando
o incremento social. Além disto, o homem deve trabalhar incansavelmente por
aprender tudo quanto lhe seja possível acerca dos meios pelos quais possa
ajudar outras personalidades humanas; pelo conhecimento de seus corpos, as
dietas e os exercícios deverão ser prescritos a fim de fazê-los robustos; pelo
conhecimento de suas mentes e emoções, os planos devem ser traçados a fim
de que se evitem as dificuldades e sejam conservados sadios; pelo
conhecimento de suas aspirações, a fim de que se lhe proporcione a orientação
visando a consecução benéfica.

A NECESSIDADE QUE O HOMEM TEM DE DEUS


Não obstante, embora o homem necessite de ter essa confiança em sua
capacidade para o desenvolvimento e para fazer sua contribuição para o bem-
estar da família humana, seu sentimento de autossuficiência tem conduzido a
consequências muito graves. Seus esforços, baseados nas próprias faculdades,
por salvar-se e salvar a sociedade, têm falhado. Tais esforços lhe têm
demonstrado a necessidade premente em que se encontra da sabedoria, da
intuição e da bondade que pairam bem acima de seus próprios poderes.
“Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo dessa morte?” —
Aquele grito de Paulo encontra ainda eco nos corações de todas as pessoas que
pensam, as quais tenham lutado em vão por conseguir, para si e para outros, a
libertação das más tendências, bem como uma saída convincente ante as
consequências das próprias derrotas. Depois de muito refletir, chegam à
57
convicção de que o amor de Deus é o único terreno sólido para apoio de nossa
confiança relativamente à salvação individual e à salvação da sociedade, da qual
tais pessoas são partes responsáveis.
Esta verificação da dependência em que nos encontramos de Deus tem,
entre certos grupos, acarretado um recuo àquele ponto de vista concernente ao
homem e a Deus que afirma ser o homem “nada” e ser Deus “tudo em todos”. “A
salvação é do Senhor” tem sido interpretado como significando que o homem,
simplesmente, pode esperar pelo bom prazer de Deus. O pecado do homem
poderá ser removido, mas a iniciativa está inteiramente nas mãos de Deus; e, se
é que a sociedade destina-se a ser salva, devê-lo-á ser exclusivamente mediante
a ação direta de Deus, à qual o homem poderá assistir como espectador, mas
nunca como participante.
Qual deverá ser nossa atitude diante do problema do pecado e da
salvação, ao ensinar aos nossos filhos? Como poderemos levar nossos filhos a
serem, deveras, “filhos de Deus”?

PORQUE PECAM OS HOMENS


É claro que não devemos insistir em demasia excitando em nossos filhos
“um senso de pecado” vago e depressivo. Há nas criancinhas, como em todas as
personalidades humanas, capacidades propícias à bondade e capacidades
propícias ao mal; tendências para a cooperação, a afeição e para o desejo de
servir a outrem; e tendências para o egoísmo, para o aproveitamento das
situações que lhe resultem vantajosas, e para o descaso para com as
necessidades e interesses de outrem. Não devemos ser sentimentalistas em
relação a nossos filhos; devemos reconhecê-los, como a nós próprios, como
pessoas, no íntimo das quais subsistem conflitos entre o bem e o mal, e devemos
apercebermo-nos de que não há nenhuma simplicidade e facilidade conducente
à resolução de tal conflito. Devemos tentar que nossos filhos cheguem a
reconhecer, em si mesmos, aquelas atitudes, aqueles pensamentos e aqueles
atos específicos, em suas relações com Deus, com outras pessoas e para com
as mais altas manifestações do próprio “eu”, os quais ficam muito aquém do que
eles são capazes; e devemos levá-los a reconhecerem que são responsáveis
diante de Deus por tais falhas.
Devemos reconhecer e levar nossos filhos a reconhecerem que o pecado
é um resultado, por um lado, do arbítrio facultado ao homem para a escolha e a
avaliação por si mesmo; e, por outro lado, é o resultado das dificuldades com que
contamos de fazermos nossas escolhas em harmonia com as exigências da
vontade Divina tal como a lei moral a expressa. Como já foi dito, se é que o
homem é dotado do livre arbítrio, forçosamente lhe há de ser assegurada a
faculdade de escolha do mal. A possibilidade do pecado fica assim cabalmente
compreendida. Não é tão fácil. porém, compreender-se a atualidade do pecado
como sendo universal entre os homens. Por que será que os homens não evitam
o pecado?

58
Esclareçamos, em primeiro lugar, que a vontade de Deus nos faz
elevadíssimas exigências. Visto que se trata da vontade de Deus, é a expressão
da mais perfeita bondade. Trazerem-se todas as tendências e impulsos dos
quais o ser humano é dotado, até esse alto nível, é necessária e enormemente
difícil.
“Em vista do fato de que começamos a vida no plano normal, de que há dentro
de nós inúmeros impulsos e desejos que se chocam, de que o senso moral se desperta
e desenvolve-se muito vagarosamente, bem como, de que a tarefa da transformação do
natural no espiritual é das que requerem para sua perfeita consecução, uma vigilância
constante através de toda a vida, não é estranho, nem está fora de harmonia com a
liberdade humana, que todos os homens assim tivessem pecado. Com efeito, o que
seria excepcionalmente estranho, seria que alguém vivesse, por algum tempo, no mundo
sem pecar. As forças psicológicas e sociais que militam contra a obediência à lei moral
são tão numerosas e insistentes que as concessões para com elas se parecem
inevitáveis nas diversas ocasiões.” 1

Ainda mais, o homem vive no ambiente de uma sociedade na qual, tudo


ao seu redor, se torna ocasião para tropeços. Há os incentivos para os interesses
próprios, as recompensas franqueadas às conquistas, mesmo que acarretem
injustiças para com outros, e os padrões para o êxito, com a inteira ignorância da
vontade Divina. Os costumes da vida do grupo, os hábitos e as instituições
dentro da comunidade, quase sempre estão de tal modo embebidos do mal que
os indivíduos, quase inevitavelmente, se sentem envolvidos por esse mal, só pelo
fato de ser uma parte da comunidade.
Se nos for perguntado: “Por que Deus, que é tão bom, teria tornado as
condições para a consecução da perfeição moral tão difíceis?” Muitas respostas
poderão surgir. Ninguém poderá vangloriar-se de ter a resposta final. É,
entretanto, significativo que, os que mais estrenuamente têm pelejado a boa
peleja, raramente se queixam das dificuldades da luta.

AS CRIANÇAS E O EVANGELHO 2
Ensinando as crianças, a tendência tem sido no sentido de orientar-lhes o
pensamento para a bondade em seu aspecto positivo, em vez de concentrá-lo
nas falhas que impedem a respectiva obtenção. Temos de concordar que
devemos insistir devidamente na bondade, em nosso programa destinado às
crianças. Entretanto, há também cabimento para, na medida em que as crianças
aprendam a escolher, por si mesmas, levá-las a reconhecerem a realidade do mal
e as consequências que lhe são inevitáveis. Não devemos esperar demasiado
das crianças, mas também, não devemos esperar delas excessivamente pouco.

1
Knudson, The Doctrine of Redemption. p. 265.
2
Nesta secção, a autora fizera uso do panfleto: “A Evangelização das Crianças” que ela
mesma prepara para o Concilio Internacional de Educação Religiosa.

59
Nos limites da própria experiência, elas podem verificar como o descaso
para com as necessidades e os direitos alheios, resulta em sofrimentos e
tristezas; como o egoísmo acarreta a falta de simpatia e de companheirismo
para com os que nos associam; como a falha no realizar o melhor que o indivíduo
possa fazer, resulta na intranquilidade intima do próprio individuo; como a
desatenção para com os propósitos Divinos, na medida em que os chegarmos a
compreender, resulta num sentimento de separação de Deus. As crianças podem
verificar os resultados dos pecados sociais dentro de uma comunidade que priva
grande parte de seus concidadãos das oportunidades da saúde, e da felicidade,
na doença, na miséria e na imundície. Ao se tornarem mais crescidas, poderão
começar a compreender as terríveis consequências do pecado entre os homens
e as nações nas catástrofes que se alastram por todo o mundo.
As crianças estão apercebidas da tendência para o pecado, nas suas
próprias vidas. Sabem o que queria dizer o apóstolo Paulo, quando exclamara:
“O bem que quero fazer, não faço; mas o mal que não quero fazer, este faço.” Eles
fazem muitas perguntas: “Por que será que eu esqueço tanto quando desejo
proceder bem?” “Por que será que eu perco o equilíbrio quando eu gostaria de
ser afável?” Como poderemos levar as crianças a compreenderem o plano Divino
para a salvação, delas mesmas e de todos os homens? Como nós podemos nos
tornar os evangelizadores de nossos filhos?
O Dr. Visser’t Hooft sugere que o evangelismo consiste num “confronto”
dos homens com o Evangelho. Como será viável esse confronto das crianças
com o Evangelho? Como já fora assinalado, a aproximação da criança com Deus,
se efetua, quase sempre, mediante sua convivência humana. Ao confrontá-la
com o Evangelho, podemos começar confrontando-a com outras pessoas que
creiam no Evangelho. A criança cuja vida doméstica seja verdadeiramente cristã,
terá o maior auxílio possível. Em tal ambiente doméstico o Evangelho se torna
manifesto na experiência diária. Os pais podem levar seus filhos a considerarem
que eles procuram a iluminação, e conforto e o perdão de Deus e o recebem.
Podem levá-los a reconhecerem que, embora “o pecado que tão de perto nos
rodeia” seja uma realidade, o amor de Deus torna possível aos homens
triunfarem sobre o pecado.
Na convivência da Igreja Cristã, também, as crianças podem ser
confrontadas com o Evangelho. Neste ambiente, as crianças se associam com
pessoas que agem na persuasão de que a graça Divina pode capacitar os
homens a que se ergam a altitudes não sonhadas anteriormente, no sentido do
desprendimento mais generoso, da preferência pelos interesses dos outros e da
assistência aos fracos. E além desta convivência com os que vivem no presente,
há, também, a proximidade das almas nobres de todas as épocas, as quais
creram no amor redentor de Deus. Proporcionando a oportunidade para que as
crianças se tornem familiarizadas com as vidas, as aspirações e as convicções
dos homens e mulheres do passado e do presente, para os quais Deus tem sido
a suprema realidade, a fonte de iluminação e de sabedoria, de conforto e de

60
bravura, podemos levar as crianças a enriquecerem a própria experiência e a
arrojarem-se a uma vida ainda mais nobre e de fé.
É, primacialmente, na vida de Jesus que podemos confrontar nossos
filhos com o Evangelho. As boas novas que Jesus trouxera, as boas novas do
amor de Deus, da dignidade do homem como criatura e filho de Deus, asseguram
aos homens de que podem depender deste amor solicito de Deus, o qual redimirá
os homens de seus pecados. Em sua missão de “buscar e salvar o que se havia
perdido”, Jesus nos revelara que não seria necessária qualquer mudança na
natureza e nos propósitos de Deus para que o homem fosse salvo; Deus sempre
fora, sempre é e sempre será o Pai perdoador, com grande desejo da volta de seu
filho daquele país longínquo que é o egocentrismo; o pastor cheio de ternura, a
procurar, nos lugares mais escabrosos da terra, por suas ovelhas que se
transviaram.
O amor Divino não vacila, mesmo quando o homem renega a seu Deus.
Jesus assim orara na Cruz: “Pai perdoa”, revelando a grandeza do amor de Deus
para com seus filhos, não obstante serem estes tão pecadores. Na cruz temos,
a um só tempo, a perfeita revelação do amor de Deus e o exemplo perfeito da
devoção do homem para com a vontade de Deus.
“Jesus estava persuadido de que por meio dele Deus estava efetuando uma ação
poderosa para a salvação dos homens. Isto não significa que estivesse Ele a extorquir
esta salvação das mãos de Deus... Era uma iniciativa de Deus, uma operação de Deus.
Sua parte consistia em obedecer, ser usado por Deus, fazer a vontade do Pai, revelando,
assim, essa vontade aos homens e levando-os, também, a receberem-na e aceitarem-
na.” 3

Assim, temos de confrontar nossos filhos com o Evangelho, devemos


confrontá-los com Jesus Cristo, o qual, em sua vida e em sua morte, tornara o
Evangelho conhecido aos homens. Ao passo que se tornarem, deste modo,
apercebidos do amor de Deus e da nobreza de uma vida que corresponda, sem
reservas, a esse amor, também vão se tornando apercebidos dos próprios
pecados e deslizes. Ao passo que se tornem, crescentemente, apercebidos das
boas novas do Evangelho que Jesus Cristo trouxera, também crescentemente se
vão tomando apercebidos da necessidade em que se encontram da salvação, a
qual, tão somente pela aceitação, para si mesmos, deste Evangelho, se tornará
possível. É a luz do sol que revela a poeira dos recantos de um apartamento sem
uso; do mesmo modo, é a luz do Evangelho que revela aos homens quão aquém
têm permanecido de sua alta vocação como filhos de Deus.
Muito frequentemente, insiste-se apenas no aspecto negativo da
salvação; a salvação do pecado. Deve, também, consistir no seu aspecto positivo
a salvação para uma vida útil e feliz. “Eu vim para que tenham a vida e a tenham
com abundância!”, disse Jesus. Na libertação dos pecados que o embaraçam,

3
Weigle, Jesus and the Educational Method, p. 100.

61
os quais tão facilmente o enleiam, e na alegria positiva da vida, a qual sabe ser
boa, o homem encontra sua felicidade, a qual, de outro modo, ele em vão tem
procurado. Certo erudito moderno traduz do seguinte modo estas palavras: “Eu
vim para que tenham vida e vivam-na plenamente!”
Esta interpretação da salvação é a que devemos ministrar a nossos filhos.
É a que traz uma visão nova e positiva e, à luz desta salvação, a vida adquire
outra melhor significação. Por ela, tem-se a libertação das preocupações e das
tribulações resultantes da luta pela posição e pelo êxito, visto que, quando se
entrega a vida a Deus, tais preocupações se tornam destituídas de importância.
Criam-se as oportunidades para a ampliação da melhor convivência com os
semelhantes, pois que as barreiras se desfazem quando se reconhece a todos
os homens como irmãos. Pode-se ter a vida e pode-se vivê-la plenamente!

A RESPOSTA AO EVANGELHO
Mas, visto que o homem é homem e não um autômato, ele é que tem de
aceitar a salvação que se lhe oferece. Deus é poderoso para salvar os homens
de seus pecados; acompanha-os com amor solícito e redentor; entretanto,
enquanto o homem se mantém insensível a este amor, sua salvação vai sendo
protelada. As crianças podem, muito cedo, ser levadas à compreensão de que
há muitas coisas que aqueles que as amam não podem fazer por elas. Em que
pese o muito que os pais e os mestres desejem fazer por auxiliarem as crianças,
sempre estão na dependência das próprias crianças. Os pais não poderão fazer
com que os filhos se tornem robustos, a menos que estes aceitem o alimento
nutritivo que lhes é proporcionado. Não poderão fazer com que tenham um
recreio feliz com seus colegas, a menos que as próprias crianças aceitem as
condições pertinentes para um bom recreio. Os pais mais devotados e os mais
hábeis mestres não poderão dar uma boa educação às crianças, a menos que
estas estimem as oportunidades para o aprendizado.
Assim que, na proporção do crescimento deles, os meninos poderão
chegar a entender que Deus não os obrigará a que lhe entreguem os seus
caminhos. Deus os assiste, e eles poderão utilizar-se dessa assistência na
medida em que a desejem. A parte da criança é, portanto, reconhecer sua
necessidade de Deus, aceitar a assistência de Deus, e responder ao amor Divino
com o amor, a confiança e a dedicação correspondentes à sua vontade.

A PARTE DO PROFESSOR
Terá o professor, ou o pastor, ou qualquer dos pais uma parte importante
no evangelismo das crianças? É certo que nenhum professor poderá “salvar”
uma criança! Esta é uma obra Divina. Dean Weigle sugere uma analogia com o
trabalho do médico.

62
“Nenhum médico jamais curara um doente. Tudo quanto o médico poderá fazer
é preparar o caminho para que as forças naturais funcionem devidamente. Poderá
remover as obstruções e os fatores que perturbam, purificar as infecções, ligar as
feridas, condicionar os ossos fraturados, extirpar os tecidos malignos, preceituar um
certo regime de alimentação, ar, exercícios, e repouso que resultarão no robustecimento
dos órgãos necessitados — mas é a natureza que realiza a cura. Como o crescimento, a
cura vem de Deus. Assim, também, nenhum professor jamais criara a iluminação, ou a
vontade, ou o caráter; nenhum evangelista jamais salvara uma alma.” 4

O pai, ou professor, ou pastor que se dispuser a ser um cooperador com


Deus na criação das crianças, terá de arear com enorme soma de
responsabilidade, removendo os tropeços que impeçam as crianças na
aproximação com Deus, desfazendo as dificuldades que impregnam o ambiente
no qual a criança viva, comunicando suas próprias experiências às crianças, bem
como sua melhor intuição do que sejam os propósitos de Deus, e contribuindo
para que a criança compreenda a linguagem pela qual Deus lhe fala.
Em tudo isto não queremos dizer que os professores falem diretamente
às crianças do “plano da salvação”. Tal frase transcende à compreensão delas.
Também os escorços, os diagramas e os “passos” as crianças não podem seguir.
Além disso, deve-se ter em mente que a nenhum professor é dado que presuma
ter informado à criança a respeito de como exatamente Deus há de salvá-la. Nós
não o sabemos. Por vezes se parece como se uma pessoa se despertasse
subitamente e pensasse consigo mesma: “Que teria acontecido? Sinto-me,
agora, livre do homem velho com seus maus hábitos e pensamentos e seus
desejos egoístas! Agora eu posso fazer as coisas boas que antes eu desejava.”
Outras vezes, as pessoas parecem aprender, pouco a pouco, ano após ano, à
medida de seu desenvolvimento em outros aspectos. Não nos é dado expor um
modelo correspondente à ação Divina, nem à resposta das crianças para com
Deus.
Foi Jesus quem disse: “Se não vos converterdes e não vos fizerdes como
crianças, de maneira alguma entrareis no Reino do Céu.” Os adultos que se
julgam autossuficientes e orgulhosos acham muito difícil a entrega de seu
caminho ao Senhor e sua inteira confiança nele. É que já forjaram seus próprios
padrões, seus próprios planos, bem como, têm estabelecido, sua orientação e
seus objetivos. Têm, portanto, de fazer alto, dar uma meia-volta. E é somente
quando reconhecem com o mesmo espírito da criança, sua dependência de Deus
e lhe confiam a orientação de suas vidas, que poderão ser salvos.
As crianças, porém, são crianças! Não têm de se tornar como crianças. O
sentimento de dependência, a espontaneidade no reconhecimento da
necessidade em que se encontram de orientação, é algo vivido nas crianças. Não
traçaram uma orientação própria, da qual se tenham de voltar. Por que, então,
não darmos mais atenção ao problema de levarmos nossos filhos, enquanto são

4
Jesus and the Educational Method, p. 120.

63
crianças, ao reconhecimento de sua dependência de Deus, e pedirmos a
assistência Divina para o estabelecimento da verdadeira orientação para as
vidas deles, a fim de que estejam preparados para seguir essa orientação
alegremente e com inteireza de coração?

SEGUINDO A LEI DO CRESCIMENTO


Tais avanços, o professor há de fazer levando muito em conta as
experiências e capacidades das crianças. Há de procurar compreender as
crianças, a maneira como aprendem, a maneira como reagem diante das várias
situações. Há de recorrer-se do que melhor haja disponível no campo da
psicologia e da educação da criança. Há de reconhecer que os maus obreiros
neste campo, como em todos os demais, impedem o progresso no sentido de
um objetivo e que, neste campo, tal fato é muito mais grave, visto que são muito
mais inestimáveis os valores em foco. Não há de presumir que a boa intenção
seja o suficiente. Há de estudar para mostrar-se aprovado diante de Deus, como
obreiro que não tem de que se envergonhar.
Através da convivência com os cristãos de seu lar, de sua igreja e de sua
comunidade; através da convivência com as grandes almas de todas as épocas,
cujas experiências encontram-se registradas na Bíblia e na grande literatura
religiosa; acima de tudo, através da convivência com o próprio Deus que se
manifestara em Jesus Cristo, as crianças poderão ser confrontados com o
Evangelho. Mas, temos de sempre lembrar que as crianças não “aprendem”
alguma coisa para em seguida “aplicá-la”. Aprendem-na, precipuamente,
experimentando-a.
Os professores e os pastores hão de compreender que não devem esperar
das crianças a compreensão e a devoção coerente que podem esperar dos
adultos. Tratando com crianças, deve-se manter a expectativa de que a lei Divina
relativa ao crescimento, há de aplicar-se neste reino como em todos os outros.
Mas, conquanto sejam crianças, poderão saber que suas vidas estão escondidas
em Deus. Com a ajuda de seus amigos mais amadurecidos do lar, e da igreja as
crianças poderão desenvolver-se na compreensão da significação da salvação e
no reconhecimento da vontade de Deus para as suas vidas; progressivamente,
poderão compreender o que tal salvação lhes oferece e o que lhes exige.

A SIGNIFICAÇÃO DA DECISÃO
Chegará a oportunidade quando os pais e os professores e os pastores
hão de levar as crianças a fixarem suas experiências, suas aspirações, seu senso
de arrependimento, sua apreensão do Evangelho e darem expressão mais
definida ao propósito que tenham de viver na luz deste Evangelho. Chegará a
oportunidade quando deverá haver uma explicação mais definida da fé cristã por
parte dos pais, professores e pastores, e uma decisão definida diante dessa fé
por parte das crianças. Deve tornar-lhes aguda a necessidade de que façam uma
escolha efetiva para a direção de suas vidas; devem ser levados a aperceberem-

64
se do “desafio de Deus”, da necessidade de que eles façam uma decisão entre a
vontade de Deus e a vontade deles próprios. Nessa escolha reside a
oportunidade gloriosa que eles têm de realizarem suas possibilidades como
filhos de Deus. Quando a escolha estiver feita, quando eles optarem para que o
Espírito de Cristo assuma a direção de suas vidas, aí, então, eles saberão que
têm ocupado o lugar que lhes competia como filhos que participam dos
propósitos de seu pai, como membros cooperados responsáveis da família de
Deus.
A idade exata na qual essa decisão deva ser esperada, e a forma que deva
assumir, dependerá das experiências da criança, das influências domésticas, dos
costumes característicos de sua denominação e da atitude dos professores e
dos pastores das igrejas locais respectivas. Se deve haver uma expressão
pública dessa decisão diante da congregação, ou se deve permanecer como
experiência íntima e pessoal; se deve estar relacionada com o recebimento dos
votos como membro confesso da igreja, ou se deve ser considerada como uma
experiência distinta — tais questões devem ser consideradas pela criança
juntamente com seus pais e professores. Não é provável que, na vida de uma
pessoa, haja uma decisão última, no sentido de que não se haverá mais de exigir
qualquer outro ato posterior de dedicação. Grande número de cristãos tem
experimentado que há, ao longo da existência, oportunidades repetidas de
arrependimento e de decisão, quando surgem novos problemas e se adquirem
novas intuições. Entretanto, deve haver, como é frequente, uma experiência que
estabelece a orientação de todos os propósitos da vida do indivíduo. É, pois de
primacial importância que todas as crianças estejam definitivamente
apercebidas das ocasiões de decisão consciente de suas vidas no sentido da
vontade de Deus, segundo o nível de suas próprias experiências.
Os professores, os pais e os pastores das crianças têm a oportunidade de
cooperar com Deus na interpretação do plano Divino para a salvação e no levá-
los a aceitar esses planos para as suas vidas. Podem levá-los a compreender o
Evangelho que Jesus trouxera ao mundo, as boas novas de que Deus ama os
homens, de que Ele quer levar todas as crianças a sobrepujar as tendências
egocêntricas que conduzem ao sofrimento e à infelicidade, as ambições de
ascendência pessoal que resultam em frustrações e desastres, e de que Deus
quer levá-las a serem livres para que vivam uma vida de gonzo na comunhão com
o Eterno. Podem levá-los a fazerem a escolha de devotarem-se à vontade de
Deus e não aos caprichos da própria vontade, e aceitarem a salvação que Deus,
livremente, lhes outorga.

65
VIII

APRENDENDO A FAZER A VONTADE DE DEUS


“Por que me chamais, Senhor, Senhor, e não fazeis o que vos digo?” Isto
fora inquirido já há muito tempo, daqueles que desejavam fruir os privilégios da
convivência com o Senhor, entretanto estavam relutantes relativamente à
assimilação daquela conduta que o Senhor preconizava. É a mesma pergunta
que se deve fazer hodiernamente.
Como deveremos respondê-la para nós mesmos e ensinar aos nossos
filhos para que a respondam? Está claro que inúmeros homens e mulheres e
crianças os quais já estão persuadidos pelo amor de Deus a que se arrependam
de seus pecados e aceitem o plano de salvação que Deus oferece, têm, não
obstante, falhado, miseravelmente, ao verificarem o conteúdo dos propósitos
que externam de viverem uma vida de devoção à vontade de Deus.
Será isto porque tenhamo-nos enganado esperando demasiado de nós
mesmos? Será porque temos presumido que o homem é capaz de compreender
os propósitos de Deus e deles participar, quando, na realidade, a absoluta
transcendência de Deus torna tal experiência impossível? Estaremos, assim,
obrigados a aceitar o ponto de vista advogado por alguns pensadores recentes,
de que Deus não espera nenhuma justiça correspondente da parte do homem?
De que Deus “vence os obstáculos” da vida humana quando e como lhe apraz,
sem qualquer consideração para com a natureza, a história, ou a compreensão
humana? Daqueles que sustentam esse ponto de vista, será, com efeito,
irracional que esperemos qualquer senso de responsabilidade no aprenderem a
reconhecer e a fazer a vontade de Deus, quer em suas próprias vidas, quer na
vida da sociedade. O Cristão, porém, têm fundamentos sólidos na certeza de que
o homem é capaz de uma bondade efetiva, e de uma vida útil a Deus.
Tendo reconhecido, com profunda humildade, sua dependência de Deus,
e tendo aceitado com alegria e gratidão o plano salvador que Deus lhe oferecera
livremente, o homem passa a ter o privilégio e a responsabilidade de operar, por
sua vez, a sua própria salvação, como referira Paulo aos Filipenses. Como as
obras, sem a fé, se tornam uma questão de rotina destituída de significação, da
mesma maneira, a fé, sem as obras, é morta. A salvação não é um estado do Ser.
Ela representa uma atividade de Deus visando a consecução de seus propósitos.
Ela se orienta no sentido da aquisição da bondade individual por parte dos
homens e no sentido da justiça social na comunidade. Ela requer do homem que
cesse de praticar o mau e aprenda a praticar o bem, que abandone seus maus
caminhos e seus pensamentos injustos, para que prossiga no alvo de sua
soberana vocação.

66
“Por que me chamais, Senhor, Senhor, e não fazeis o que vos digo?” Trata-
se de uma pergunta suasória e exige uma resposta cabal dos homens,
presentemente.

QUE SIGNIFICA SER BOM?


Como devemos fazer para levarmos nossos filhos a responderem esta
pergunta? Todos os pais e mestres desejam que as crianças se tornem boas.
Que será que significa “ser bom”? Como é que se aprende a discernir o que seja
bom?
Há situações, na vida das criancinhas, nas quais estas têm de obedecer
prontamente e sem discussões, mas, sendo que em certas dessas situações,
nem está envolvida a “bondade”, nem a “maldade”. É o caso das situações que
envolvem a segurança física. Por exemplo, nada há de “mal” em que se risquem
fósforos. Mas, as criancinhas, estando a sós, não podem riscar fósforos, porque
ainda não sabem como controlar o fogo. Em tais casos, exigem-se regras
inflexíveis e estas regras devem ser obedecidas. Poderão ser objeto de
explicações, mas a criancinha deve estar ciente de que lhes é necessário
obedecer, compreendam o porquê dessa obediência ou não o compreendam. A
lista de tais regras, na vida de qualquer criança, devem ser tão parcimoniosa
quanto possível, o quanto seja consistente com o indispensável para a
segurança física, e, qualquer violação deve seguir-se prontamente de punição.
Estes fatos se colocam numa categoria própria, e deve-se tomar
precaução para que não venham a confundir-se com os valores éticos e
espirituais.
Ainda mais, os professores e os pais necessitam sempre estar de
sobreaviso para que não transformem suas próprias conveniências e critério em
padrões de “bondade” e de “maldade” para as crianças. As crianças devem
aprender a considerarem seus pais e mestres, exatamente como os pais e
mestres devem considerar as crianças, isto é, como pessoas. Além disto, se seus
pais e professores conquistaram o direito à confiança e ao respeito, as crianças
devem ser persuadidas a demonstrarem para com eles a confiança e o respeito.
Mas, não chega a ser uma perversidade que a criança cante, porque a mamãe
não a quer cantando em dado momento; nem chega a ser perversidade, também,
que a criança suje sua roupinha, quando sua mãe a queria bem-vestida prevendo
a chegada de certa visita. A atitude de certos pais e outras pessoas adultas, por
vezes, leva as crianças a afeiçoarem padrões de conduta, os quais arrolam tais
procedimentos como muito graves enquanto deixam inconsiderados os fatos
realmente importantes.
Que será, então, que significa viver de conformidade com o Evangelho?
Os “pecados da carne” certamente estão condenados nas implicações
desta pergunta: “Por que me chamais, Senhor, Senhor, e não fazeis o que eu vos
digo?” A mentira, a glutonaria, a impureza, o furto todas estas transgressões

67
chocantes das exigências de uma existência decente são reprovadas.
Entretanto, nenhuma lista de pecados que devam ser evitados, e de virtudes que
devam ser copiadas, poderá esgotar a significação da salvação na vida pessoal
do homem. As boas novas do Evangelho não consistem em que tenha sido
promulgado para os homens um novo código para a conduta, ou um novo
conjunto de leis. Os Hebreus antigos e os filósofos Gregos tinham leis e códigos
éticos, mas estes não eram suficientes. Os homens, ou se tornavam escravos da
letra daqueles preceitos, ou se sentiam oprimidos pela incapacidade de viverem
na conformidade daquelas altas exigências da lei. O Evangelho de Jesus Cristo
é diferente. Este Evangelho concitará os homens a uma vida com Deus, a uma
conduta diária provada, não pela rigidez da lei, mas pelas exigências do amor
permeando todas as relações.
Aquela velha lei, “olho por olho, dente por dente”, descrevia,
especificamente, o que o homem tinha de fazer, retribuindo a injúria. Nada mais
e nada menos. De acordo com o Evangelho, porém, o homem tem de fazer bem
aos que o injuriam. E isto porque é o que se conforma com os métodos Divinos
para com os homens.
Para aquele que já entregara o seu caminho ao Senhor, não é um preceito
que se constitui o fator determinante de sua vida, mas sim, “a mente de Cristo”,
isto é, os propósitos de Deus, como os encontramos manifestados em Jesus. E,
a “mente de Cristo” implica em muito mais do que o fato de nos refrearmos dos
pecados da carne. A “mente de Cristo” nos proporciona uma nova perspectiva,
um novo critério de valores, novas preferências e novos desejos. A “mente de
Cristo” vence os pecados espirituais do orgulho e do egocentrismo. Leva-nos a
sermos mais do que, meramente, decentes e respeitáveis em nossa vida
pessoal. Cria uma preocupação genuína para com o bem-estar e a felicidade dos
que nos rodeiam, ou o verdadeiro respeito para com a personalidade alheia.
“Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um
considere os outros superiores a si mesmo. Não atente cada um para o que é
propriamente seu, mas, cada qual, também, para o que é dos outros.”
Todas as pessoas que pensam hão de reconhecer que não é fácil aos
homens condicionarem a própria maneira de ver sua conduta individual, à
maneira de ver Divina. Como já fora dito, não é possível ao homem conhecer toda
a vontade de Deus. O homem, quase sempre vê como através de um vidro pouco
transparente, obscuro. Há de sempre expor-se aos enganos, enquanto perdurar
sua peregrinação terrena. Não obstante, é convicção cristã, confirmada pelas
almas humildes e inspiradas, bem como pelos santos de todas as idades, que o
homem pode exceder-se; que, quando o homem procura por Deus, encontra
amparo e orientação, iluminação e sabedoria com as quais poderá enfrentar as
circunstâncias da existência, à medida em que estas se lhe deparam; que, visto
ter entregado sua vida a Deus, é possível ao homem viver uma vida de crescente
harmonia com a vontade de Deus. O homem chegará, assim, até além das
exigências da lei, visto que o amor não está sujeito à lei. Seus padrões para o

68
êxito não se alicerçam nas injunções humanas, mas nos termos dos propósitos
de Deus. Sua preocupação não será, “Terei aplauso nisto?”, mas sim, de outra
forma, “Será que isto resultará em benefício para os outros?”
A despeito de todas as dificuldades, portanto, os pais e os professores
têm de cessar de fazer o mal e aprender a fazer o bem. E assim, também, devem
ensinar às crianças. As crianças precisam aprender a reprimir os maus
pensamentos, refrear as palavras torpes, evitar a conduta egoísta. Precisam
aprender a considerar com seriedade estas coisas e a aceitar a responsabilidade
do aprendizado de uma vida que transcenda destas coisas. Devem aprender a
cultivar os bons pensamentos, as palavras amáveis, a conduta generosa. E isto,
não em termos de regras inflexíveis, mas em termos de um desejo sincero de
colocar-se a si mesmo em lugar de outrem e conhecer o que realmente seja a
conduta generosa e amável nas várias situações.
Por vezes acontece que certos indivíduos peçam a ajuda de Deus para
vencerem os maus hábitos quando, realmente, eles acariciam esses maus
hábitos e desejam sua continuidade; por vezes pedem que Deus os ajude para
que aprendam a reprimir as explosões temperamentais, quando, realmente, se
sentem orgulhosos pela reputação que têm de serem de “temperamento
explosivo” e desejam mantê-lo; por vezes pedem que Deus os ajude para que
pensem nos outros, quando, realmente, desejam continuar como são,
preocupados apenas consigo mesmos; por vezes oram, “seja feita a tua
vontade”, quando o que querem é a realização da vontade própria. Nossos filhos
precisam verificar, por si mesmos, quão horripilantes são o egoísmo, a crueldade,
a ganância, e como tais sentimentos trazem a infelicidade e o sofrimento sobre
os homens, as mulheres e as crianças; precisam verificar quão belos são a
bondade, e o amor como trazem a alegria e a felicidade a todas as pessoas em
toda parte. Só, então, poderão arrepender-se verdadeiramente de seus pecados
e desejar viver todos os seus dias de acordo com os bons propósitos de Deus,
os quais Jesus nos revelara.

AS CRIANÇAS E A JUSTIÇA SOCIAL


As crianças precisam ser instruídas, também, a fim de que assumam a
plena responsabilidade que tiverem relativamente às injustiças sociais e a plena
responsabilidade no sentido de debelar essas injustiças.
Há muita coisa na estrutura da maioria das comunidades, muita coisa na
estrutura de nosso pais que os cidadãos podem se orgulhar com justiça, e pelo
que devem se sentir profundamente agradecidos. Nutrir o verdadeiro amor para
com a pátria — o orgulho e a satisfação a que ela faz jus e a devoção mais
desprendida para com ela — é um dever que pesa sobre todos os que orientam
as crianças. O alto patriotismo, porém, requer dos cidadãos de uma democracia,
a capacidade de criticar todas aquelas práticas que fiquem aquém do que, no
nosso entender, seja o melhor; e a religião cristã exige que os homens e as
nações, igualmente, reconheçam os reclamos da justiça. É nossa obrigação

69
preparar as crianças para trabalharem, em nome de Deus, no sentido da correção
das práticas de sua comunidade, as quais sejam danosas aos indivíduos, todos
os quais seus irmãos, visto que são filhos do mesmo Pai. É nossa obrigação,
levá-los a fazerem “da justiça uma linha e da retidão um prumo” à medida em que
comecem a avaliar aquelas práticas sociais, econômicas, raciais e internacionais
as quais de acordo com a experiência que já tenham, pareça razoável que eles
considerem.
Estes problemas não são tão remotos da experiência das crianças como
à primeira vista nos possa parecer. Já a criancinha verifica a infelicidade que
tenha sua causa na má vontade quanto à preocupação com outrem; tem
conhecimento de desmoronamentos de certos planos por causa da recusa de
alguém em fazer a sua parte, cooperar, participar. Quando, na experiência da
criancinha, surgirem situações que ilustrem esta verdade de que o egoísmo, a
ganância e a injustiça causam decepções e infelicidades, não devemos trepidar
em dar-lhes a interpretação cabível.
À medida que as crianças cresçam podemos levá-las a compreenderem
que a desatenção para com os direitos dos outros, seja nos brinquedos, seja no
uso dos livros populares da biblioteca pública, seja pelo desvio de alguma coisa
que pertença a certa família, conduz sempre a situações desagradáveis e à
quebra das melhores relações entre os implicados. Visto que Deus é um Deus
justo e tem estabelecido leis morais para o universo, a carência de equanimidade,
a injustiça e o egoísmo geram as perturbações da família humana, sejam tais
sentimentos verificáveis no pátio de um colégio de aldeia, ou o sejam nas
conferências econômicas internacionais. Sendo assim, o homem deve se
colocar intransigentemente contratais práticas onde quer que estas se
verifiquem.

ENVIDANDO ESFORÇOS POR


UMA COMUNIDADE MELHOR
Não é fácil inculcar estas responsabilidades nas crianças. Em primeiro
lugar, há um desejo muito natural nos pais e nos professores de alhear as
crianças das fealdades das relações humanas. Desejaríamos que elas nunca
precisassem saber da face negra de nossa vida comunal, nacional ou
internacional. Temos, em tempos idos, tentado o estabelecimento de certo
acordo no planejamento dos “Empreendimentos Caridosos”, em forma de cestas
de Gratidão, brinquedos de Natal, álbuns Missionários e outros projetos de boa
vontade, através dos quais criávamos oportunidade de tratarmos com os
problemas do sofrimento de uma certa distância que nos deixasse à salvo, por
assim dizer. Dentro da situação atual, nós podemos considerar estes planos
como denotando uma espécie de nostalgia do tempo que já passara. Sabemos
que estas atividades tão simples e agradáveis, embora possam ajudar um pouco,
não são expedientes adequados que façam jus às responsabilidades dos

70
indivíduos em sua qualidade de filhos de Deus, preocupados com os negócios
do Pai Celestial.
Entretanto, conquanto nos seja vedado blindar nossos filhos
relativamente ao mundo no qual eles vivem, nos é lícito influenciar as atitudes
deles para com o mundo bem como suas reações diante do mundo. É claro que
não devemos confrontar nossos filhos com as espantosas condições diante das
quais lhes seja impossível a realização de qualquer coisa por modificá-las. Tal
procedimento nem seria de sã psicologia, nem de sã religião. Há, entretanto,
condições más que as crianças poderão contribuir para que sejam minoradas.
Por exemplo, as crianças de quatro ou cinco anos de idade, já não são
demasiado novas para tornarem-se apercebidas do fato de que a fome é uma
realidade na vida. Frequentemente, elas têm animaizinhos domésticos que
tenham de ser regularmente alimentados, ou há recém-nascidos na família cuja
alimentação é um acontecimento que concentra o interesse das crianças mais
crescidas. Se o alimento não for proporcionado nos momentos devidos, a fome
se expressa por protestos vocais! Quando, depois, veem pessoas fora de seus
lares, ou ouvem falar de pessoas famintas, ou veem gravuras neste sentido, as
crianças poderão ter a base para a atitude cristã que admite que todas as
pessoas deviam ser alimentadas de maneira que pudessem tornar-se robustas
e que é uma responsabilidade daqueles que dispõem de alimento envidarem
para que outros não tenham carência do alimento de que necessitam.
Ao crescerem, a interpretação de suas experiências deverá ser no sentido
de que se apercebam ainda mais da realidade da fome e do que esta acarreta
sobre os indivíduos. Então, chegaremos logo à questão do que nos será possível
fazer diante do fato. Meramente tomando o alimento e oferecendo-o a algumas
pessoas às quais casualmente conheçamos não será o que melhor convenha,
embora isto já possa ser um bom começo. Devemos levar nossos filhos a
compreenderem muito cedo que não é necessário que alguém esteja passando
fome, visto que Deus proporcionará os meios para que todos os seus filhos se
alimentem devidamente. Entretanto, Deus aguarda que aprendamos a usar
sabiamente os recursos. Nossas crianças devem, portanto, ser levadas a
investigarem as causas da fome, considerarem essas causas à luz dos
propósitos Divinos, e descobrirem alguns meios pelos quais sejam estancadas
as causas da fome.
Efetivamente, as crianças de seis, de nove, e de doze anos ainda não
estarão em condições de realizar grandes pesquisas sobre as causas da fome,
muito menos de formular um programa de ação independente na luta contra a
fome. Mas poderão ter contatos com as organizações que tenham os recursos
necessários e tais contados podem ser estabelecidos no nível dos próprios
interesses e da compreensão das crianças.
A “mente de Cristo” revela, também, o opróbrio das discriminações
sociais, da exploração econômica dos grupos indefesos e de outras práticas que

71
recebam o consentimento dos costumes sociais de uma dada comunidade. As
crianças podem ser instruídas quanto à falta de jardins da infância, de hospitais
e de escolas de certos agrupamentos de sua comunidade e podem ser levadas
a desejarem fazer alguma coisa visando a modificação desse estado de coisas.
As igrejas cristãs poderão proporcionar, através de programas sadios e de
longo alcance visando a ação social, uma como ponte de contacto com todos
esses problemas da comunidade e a oportunidade para a ação correspondente
no nível possível às crianças.
Ainda mais, as criancinhas que amam e fruem as experiências de suas
igrejas, de logo poderão compreender que as crianças que não tenham a
oportunidade de frequentar as igrejas estão privadas de alguma coisa que se
lhes devia tornar disponível. As crianças maiores, que já tiverem experimentado
a significação do amor de Deus na vida humana, hão de desejar, com muito
anseio, a participação em um plano destinado a tornar o Evangelho conhecido
de outras crianças. Quando encetada neste espírito, a atividade missionária se
torna uma expressão vital do senso de responsabilidade em divulgar o
conhecimento do amor de Deus.

ENVIDANDO ESFORÇOS
POR UM MUNDO MELHOR
Poucas serão as crianças, de idade escolar, nos dias de hoje, que estejam
desapercebidas desta devastação que vai pela terra. Tentarmos protegê-los
contra este conhecimento, significaria isolá-los nos lugares mais remotos dos
desertos ocidentais ou das florestas setentrionais sem qualquer meio de
comunicação e de transporte. Não poderão viver entre seus semelhantes e
permanecerem desapercebidos do estado trágico do homem neste planeta.
Podemos nós, seus pais e professores, que cremos em Deus, o Pai Onipotente,
o amorável e justo Deus do universo, levá-los a extraírem dessa terrível
experiência do gênero humano a verdade primacial de que o homem e as nações
só poderão alcançar seu verdadeiro destino em harmonia com os propósitos
eternos de Deus? As crianças maiores precisam de iluminar as experiências
próprias nas experiências da raça. Necessitam contemplar, à luz de situações
mais amplas, as situações que eles têm diante de seus olhos. Devemos levá-los,
à medida em que se desenvolvam no conhecimento da geografia e da história, a
desenvolverem-se, também, na compreensão das obrigações que têm de
cooperar nos justos propósitos de Deus para a humanidade.
Com uma espécie de nostalgia espiritual, olhamos retrospectivamente
para os dias quando nos reportávamos ao tempo quando “a guerra não mais
haverá” com inteira confiança de que haveríamos de presenciar a chegada de tal
tempo. Num como despertamento abrupto, descobrimos que nossas
esperanças de paz para nosso próprio tempo eram irreais. Em nossa desilusão,
deveremos evitar a repetição de nosso desapontamento tão trágico, deslocando-
nos para a posição de que o ideal de um mundo sem guerras seja uma simples

72
miragem no curso da história e que seja loucura que ensinemos a nossos filhos
que esperem e se esforcem por um mundo de paz e de fraternidade? Ou
deveremos considerar criticamente aquelas nossas esperanças, para vermos se,
por acaso, a dificuldade não residirá tanto nos nossos sonhos, mas na nossa
incompreensão das condições mediante as quais os sonhos seriam realizáveis?
Nós, que somos pais e professores das crianças, devemos refazer nossas
ideias. Nosso sentimento de frustração na situação atual, nossos temores,
nossas indecisões lhes estão sendo comunicados. Não é este um problema que
possamos procrastinar. Neste entretempo, as crianças estão afeiçoando as suas
vidas.
Devemos encarar desassombradamente o mundo tal qual se apresenta
na atualidade, com os nossos olhos bem abertos para os seus problemas, e, não
obstante, orientar de tal maneira os nossos filhos que pessoalmente eles
possam experimentar a significação do amor num ambiente de ódios e
desenvolver uma profunda devoção à vontade Divina, a qual os conduzirá pelo
caminho da existência através do qual uma paz mundial justa e duradoura
poderá advir-nos.
Neste período quando o poderio militar está sendo acirrado como nunca
o fora, quando o assunto dominante das mesas redondas, das convenções
partidárias, dos comícios, se refere às bombas, às fortalezas voadoras, aos
destroieres e aos canhões não é fácil levar as crianças a cogitarem caminhos
para a paz. Entretanto, seja qual for o nosso ponto de vista concernente à
necessidade desta absorção temporária pela guerra, nestes tempos quando a
agressão irrompe pondo o mundo em chamas, não deve haver confusão na
expressão de nossas convicções relativamente à vontade de Deus de que seus
filhos vivam em união, nem qualquer recuo em nossa inteira devoção em fazer
com que a vontade Divina prevaleça.
Em nosso olhar retrospectivo para os anos que decorreram entre as duas
Grandes Guerras, parece-nos claro que aquela nossa ideia de paz era negativa. A
paz consistia na ausência da guerra. Era um estado de coisas em que, pelo
menos superficialmente, as relações entre as nações não fossem perturbadas.
Agora sabemos que a paz real nunca poderá ser negativa, mas sim positiva. É a
boa vontade em operação, a cooperação em alta escala. Também temos
aprendido que a paz custa alguma coisa. A nação mais forte deve assistir as
mais fracas e não só beneficiar-se a si mesma; as fontes de riqueza devem ser
distribuídas na base das respectivas necessidades e não tomadas pelas nações
que para tanto disponham de força. Estas bases para a paz estão em franca
harmonia com a vontade de Deus como os cristãos a conhecem e devem ser
interpretadas para as crianças.
Houve um tempo quando entendíamos que cantando os cânticos das
crianças de outras terras, brincando com os mesmos brinquedos, ouvindo as
narrativas de seus amores, informando-se de seus dias festivos e

73
comemorativos, criaríamos em nossas crianças uma disposição afável de
camaradagem com aquelas crianças de terras longínquas os prepararíamos
para cooperarem com pessoas de outras nações nas mutuamente úteis relações
internacionais. Agora, sabemos que temos de enfrentar muito maiores
obstáculos à amizade do que aquelas diferenças do idioma, dos costumes e da
música.
Defrontamo-nos com o problema de levar nossos filhos a amarem os
homens de todas as nações a despeito dos interesses econômicos que colidem
e do choque das ambições nacionais. E mais, devemos levá-los a amarem os
homens das outras nações, a despeito dos comunicados que referem as mais
incríveis brutalidades, a despeito da crueldade e da opressão numa escala nunca
conhecida. Devemos encarar os fatos e não nos desviarmos deles. E temos de
encarar todos os fatos. Ao crescerem, será, que poderemos levar nossas
crianças a considerarem com sobriedade as responsabilidades de nosso próprio
país na desordem internacional? Poderemos levá-los à consideração de que os
pecados individuais e sociais de nosso próprio povo têm contribuído como
fatores para a catástrofe mundial? Será que os podemos conduzir a um
sentimento sincero de arrependimento, mesmo nestes nossos dias?
Vamos lembrar outra vez: “A paz custa alguma coisa.” Não poderá haver
paz no mundo até que haja pessoas que tenham aprendido através da
experiência, o caminho da paz como sendo o caminho da realização da vontade
de Deus, o caminho da verdadeira fraternidade, o caminho de um amor
desprendido, o caminho em que se levam as cargas uns dos outros, o caminho
da preferência pelos outros. Assim sendo, para que nos inteiremos do caminho
da paz, impõe-se que, em qualquer situação em que se faça sentir a nossa
influência, não nos poderemos poupar os esforços e os sacrifícios que
conduzam a este caminho da vida.
Em nossos lares e nas nossas igrejas, temos de insistir por criarmos uma
convivência que reflita o amor genuíno. Em nossas comunidades, devemos
averiguar sem fadigas os fatos relativos às necessidades das crianças e dos
adultos. Ao inteirarmo-nos dos fatos, devemos considerá-los sob o aspecto de
nossa filiação com Deus, refletindo no que nos seja dado fazer diante de tais
circunstâncias, não nos importamos o que nos venha a custar em matéria de
conforto, ou de prestígio social, ou de dispêndios financeiros. Pois que, seria
racional que admitíssemos que as nações chegariam a praticar os métodos
pelos quais elas conjuntamente evitariam os conflitos de ordem econômica,
racial social e ideológica que fomentam a guerra, sem que os grupos menores
dentro de várias comunidades possam encontrar a solução de tais problemas
nas respectivas esferas? Seria razoável admitir-se que as nações chegassem a
negociar, sem guerra, com aqueles seus membros malfeitores, impopulares e
beligerantes da família das nações, a menos que os cristãos, dentro das
respectivas comunidades, esforcem-se construtivamente por encontrarem a
solução do problema de levarem os que sejam delinquentes a reingressarem na

74
convivência da comunidade como membros operosos? Se realmente desejamos
instruir os nossos filhos, para que façam sua contribuição para a paz mundial,
havemos, então, de trabalhar por isto, começando com o problema que nos
esteja mais à mão o qual esteja causando atritos, injustiças e sofrimentos a
muitos indivíduos, e fazendo alguma coisa visando a resolução de tal problema
em consonância com a vontade Divina revelada em Jesus Cristo.
Dirigindo-nos, especificamente, àquelas situações nas quais possamos
efetivamente introduzir elementos de transformação, suavizando os
sofrimentos, participando das angústias alheias, resolvendo os conflitos e
removendo as injustiças, havemos de experimentar em nós mesmos, bem como,
levar nossos filhos a experimentarem um verdadeiro sentimento de paz, essa
espécie de paz a que Jesus se referia ao dizer: “A minha paz vos dou.” Não se
referira Ele a qualquer conforto, ou comodidade, ou isenção das agruras da
existência. Ele se referira, ao contrário disso, à paz interior que provém da
decisão com inteireza de coração, pela vontade de Deus, esta devoção integral
das capacidades do indivíduo, no sentido da realização dos ternos propósitos de
Deus, tanto na vida do próprio individuo como na vida da sociedade, não
importando o que tal atitude venha a significar em sofrimentos, desolação e
perseguições. Aquelas pessoas nas quais resida esta paz são, na tragédia
vigente do mundo, a única esperança de salvação para o mundo. É possível que,
vagarosamente, mas com segurança, a influência daquelas pessoas se vá
espraiando, e uma paz efetiva, não superficial, haja de surgir finalmente no
mundo. Essa paz não será apoiada na força, como fora o caso da paz do Império
Romano. Não será apoiada nas injunções econômicas, como o fora a precária
paz de período entre as duas guerras mundiais recentes. Será, ao contrário de
tudo isto, uma paz duradoura, visto que radicada na justiça e no amor de Deus e
no correspondente amor e justiça prevalecentes entre seus filhos de todas as
nações.

COM DEUS E COM A MINORIA


Conduzirmos nossos filhos pelo caminho da integral dedicação à vontade
Divina, em suas vidas pessoais e nas suas relações humanas, não será coisa
fácil, nem para os que os conduzam, nem para as próprias crianças. Não é
provável que esse seja o caminho da popularidade. Exigirá disposições no
sentido do desprendimento relativamente às ambições mais geralmente
aprovadas, às ambições por conquistar-se êxito financeiro, ou um lugar eminente
na vida da comunidade. É provável que este caminho os envolva em conflitos
com a maioria da comunidade em que viverem. Nós, que amamos as crianças,
trememos ao termos de colocá-los em posição assim tão plena de riscos. Por
causa desse fato, provavelmente, mais do que por causa de qualquer outro,
verifica-se a relutância no encarar-se em cheio as exigências práticas, na vida
diária, de um discipulado integral para com Jesus Cristo.

75
Muitas pessoas que em sua maturidade compreendem claramente que
Jesus é o verdadeiro e sentem grande anelo por segui-lo sem reservas, veem-se
embaraçados pelo pensamento do que tal conduta, em suas vidas, exigira de
seus filhos. É que desejam que seus filhos “tenham todas as coisas”,
significando isto, primariamente, que tenham uma posição invejável no meio em
que viverem. Entretanto, será esta a atitude mais racional? Não indicará isto que
relutamos em confiarmos nossos filhos ao amor de Deus, que entendemos
serem nossos próprios caminhos mais propícios ao futuro de nossos filhos do
que o caminho de Deus poderá outorgar-lhes?
Deve-se dizer, francamente, que este caminho da dedicação à vontade
Divina não será, absolutamente confortável e cômodo. Jamais o fora através da
história. Os que elegem, para sua conduta, é que preferem ficar com Deus e com
a minoria. Sempre fora assim. Este fora o caminho que levara Jesus à cruz. É o
que tem levado grande número de seus seguidores mais devotados ao
sofrimento e aos desastres pessoais. E, não obstante, quando considerarmos
este caminho da dedicação integral à vontade de Deus, verificando-o pelo critério
da história, torna-se claro ser este o único caminho pelo qual os homens, tanto
quanto as nações poderão ser salvos, o único caminho portador da alegria
duradoura e da verdadeira felicidade para o homem, individualmente
considerado, ou para as comunidades. Razão tinha Santo Agostinho ao dizer: “Tu
não criaste para ti mesmo, ó Deus; e nossas almas estarão intranquilas até
quando repousarem em ti”. O testemunho é claro. Os homens que têm legado,
na história e na literatura, o registro do que seja a vida feliz, a vida bem-
aventurada, têm sido os homens “bons”.
Devemos salientar o fato de que não estamos educando as crianças para
uma vida de conforto medíocre de conformidade fácil com os costumes aceitos
e os padrões vigentes. Nós os estamos educando para a vida com Deus.
Esforçamo-nos por levá-los a ocupar o lugar que lhes compete como verdadeiros
filhos do Pai Celestial — “Filhos de Deus... no meio de uma geração má e
perversa.”

76
IX

AS CRIANÇAS ABANDONADAS
Não há muitos relatos, nos Evangelhos, concernentes aos contatos
diretos de Jesus com as criancinhas. Em todos os incidentes registrados, porém,
há indícios claros de que Jesus era especialmente, afável e gracioso para com
elas, como pessoas, e que Ele considerava as crianças como candidatos
sensíveis e ansiosos pelo discipulado. Há, também, indícios claros de que Jesus
se sentia indignado com aqueles que insistiam em prejudicar o desenvolvimento
das criancinhas.

“NÃO OS IMPEÇAIS”
Quando seus próprios discípulos revelaram tanta incompreensão de seu
espírito, a ponto de pensarem que ele estivesse tão ocupado que não lhe seria
possível preocupar-se com as crianças e repreendiam as mães que as traziam
para receberem sua bênção, “Jesus indignou-se e disse-lhes: Deixai vir os
meninos a mim e não os impeçais”. Outra vez, chamando uma criancinha para
junto de si, disse: “Qualquer que em meu nome receber um menino tal como este,
a mim me recebe. Mas qualquer que escandalizar um destes pequeninos, que
creem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma mó de
azenha e se submergisse na profundeza do mar”.
Estas são palavras tão fortes, quase, como qualquer das mais fortes de
que há registro nos ensinos de Jesus. Ele se sentia profundamente ofendido ante
o desdém, ou interferências diretas tendentes a afastar as criancinhas da
convivência no Reino de Deus o qual ele cria estar destinado nos propósitos de
Deus. Efetivamente, Ele dissera de modo muito explícito: “Não é vontade de
vosso Pai, que está no céu, que nenhum destes pequeninos se perca”.
Nos capítulos anteriores, detivemo-nos considerando, principalmente, o
procedimento conveniente para com as crianças que já estão dentro, na
convivência da Igreja Cristã e cujos pais se preocupam com o bem-estar
espiritual delas. Entretanto há milhões de outras crianças — crianças que estão
sendo desfavorecidas pelas condições sob as quais são forçadas viver, — em
cujo caminho há as “pedras de tropeço” aí postas pelas circunstâncias, ou por
adultos descuidados ou maus. Algumas das situações gerais que prejudicam as
crianças já têm sido mencionadas. Parece-nos, porém, necessário que delas nos
ocupemos de maneira mais pormenorizada. Quais serão algumas das situações
responsáveis no “impedimento” para que milhões de crianças respondam ao
convite de Jesus? Em que medida poderão os atuais membros da comunidade
cristã na terra estar responsáveis por estas situações?

77
AS CONDIÇÕES QUE SÃO DANOSAS PARA AS CRIANÇAS
Encontra-se disponível um resumo muito compreensivo e recente,
referente às condições das crianças nos Estados Unidos, segundo as
informações da Conferência da Casa Branca sobre as Crianças numa
Democracia (White House Conference on Children in a Democracy) na qual
participaram cooperadores de todos os setores preocupados com o bem-estar
da criança. Nenhum grupo em nosso país, deve revelar maior interesse por essas
observações do que a Igreja Cristã. 1
Que dizem aqueles dados? Primeiramente, que a maior porcentagem das
crianças dos Estados Unidos reside em regiões e pertencem a famílias que têm
os mais ínfimos salários. O resultado é que boas escolas, cuidados médicos
adequados, habitação decente, facilidades recreativas, igrejas — tudo isto que é
essencial na vida da criança — é menos encontrado justamente onde é
necessário para o maior número de crianças. Há uma estreita relação entre a
carência de tais facilidades e o desenvolvimento deficiente das crianças.
Relativamente à saúde, torna-se muito clara esta observação. Por
exemplo, a porcentagem de tuberculosos varia, grandemente entre comunidades
separadas apenas por poucas milhas. Nas comunidades que proporcionam
condições razoáveis de existência é um terço ou a metade da porcentagem
verificável nas áreas congestionadas e de habitações pobres.
Mais chocantemente denunciador é o fato de que a média da mortalidade
entre recém-nascidos e crianças menores de quinze anos cresce
assustadoramente de localidade para localidade, à proporção que se vai
deslocando das comunidades privilegiadas para as destituídas de privilégios. No
caso de alguma epidemia infantil, uma criança que resida nas vizinhanças de
uma cidade qualquer terá exatamente a metade da possibilidade de reaver sua
saúde que terá outra criança de outro setor da mesma cidade. Na linguagem fria
dos algarismos, as crianças das famílias que recebam menos do que oitocentos
dólares anuais têm dez por cento de possibilidades de reaver sua saúde em
casos de epidemias, enquanto que as crianças da mesma comunidade que
pertençam a famílias cujos salários se elevem a dois mil e quinhentos dólares
por ano, têm noventa por cento daquelas possibilidades, — esta diferença se
deve ao fato de que, no primeiro caso, os recursos da ciência não são
disponíveis, enquanto o são no segundo caso. No caso da mortalidade infantil,
algumas autoridades médicas competentes dizem que a metade dos cento e
vinte mil recém-nascidos que anualmente morrem nos Estados Unidos,
poderiam escapar à morte se os cuidados médicos lhes fossem disponíveis. 2

1
Pode-se adquirir o Sumário das observações dessa Conferência no “Children's Bureau”,
Washington, D. C.
2
Do “Report of the Technical Committee on Medical Care”, Washington, D. C.

78
O relatório da Conferência da Casa Branca insiste longamente no fato de
ser a família a unidade social fundamental, a que mais provavelmente
prepondera no desenvolvimento da personalidade da criança, e demora-se na
importância da conservação da estabilidade da família como o serviço mais
relevante que se poderá prestar às crianças. Entretanto, há milhares de crianças
que não contam com uma vida familiar estabilizada devido a causas econômicas
e sociais que se poderiam remediar se atacadas por pessoas de inteligência e
boa vontade. Em outros casos, as inseguranças são causadas pelo
esfacelamento dos lares. O incremento do divórcio, nos Estados Unidos acarreta
um gravíssimo problema para as comunidades cristãs e lança sobre as crianças
um fardo que supera demasiado as suas forças. Mesmo quando não haja a
rutura definitiva da família, quase sempre perduram a desarmonia e a falta de
compreensão e simpatia, o que causa às crianças sérios embaraços e
infelicidades.
Outro problema que se tem agitado é o das crianças das camadas
inferiores. O relatório referido mostra que, na América, aquelas crianças vivem
sob condições especiais de humilhação. Aquela arrojada declaração adotada no
fim da “Children Charter” de 1930, “Para todas as crianças, sem acepção de raça,
de cor ou de credo, onde quer que residam sob a proteção da Bandeira
Americana”, 3 não tem representado o sentimento da maioria de nosso país
durante os anos que se seguiram a sua adoção. Os, aproximadamente, treze
milhões de crianças de nosso país que são outros que não as crianças nativas
brancas de pais nativos não têm participado igualmente dos privilégios
franqueados pelos recursos do município, do estado ou da nação.
Muitas crianças nestas camadas inferiores são segregadas
educacionalmente e as escolas assim segregadas, na sua maioria, são
muitíssimos deficientes, em vista das que são proporcionadas às camadas
superiores. Semelhantemente, não são disponíveis as facilidades recreativas.
Pior que tudo ainda, prevalece certo complexo de inferioridade de natureza
emocional proveniente do conhecimento da discriminação não é para
surpreender que se tenha estabelecido uma estreita relação entre todas estas
condições, com as quais nos estamos preocupando, e a delinquência infantil. Os
desajustamentos familiares, a desídia da comunidade para com a recreação
sadia, as péssimas condições de habitação, a provisão inadequada para os
cuidados com a saúde, a má existência da comunidade, a discriminação — todas
estas condições estão contribuindo para a proliferação da delinquência juvenil.
Em sua mensagem recente, J. Edgar Hoover disse: “Pessoas que são pouco mais
do que crianças cometeram treze por cento dos assassínios entre nós; vinte e
oito por cento dos furtos; quarenta e um por cento dos assaltos; e cinquenta e
um por cento dos roubos de automóveis. A meu ver, trata-se de problema
muitíssimo grave”.

3
Do “Report of the White House conference on Child Health and Protection”, Department
of the Interior, Washington, D. C., 1930.

79
A SALVAÇÃO E A VIDA ATUAL DA CRIANÇA
Para todos os que ostentam o nome de Jesus Cristo, tal fato deve
constituir mais do que um problema muitíssimo grave. Deve constituir causa
para um sincero arrependimento. “Qualquer que escandalizar um destes
pequeninos!” Deixai vir as criancinhas, “e não os impeçais”. Com seus corpos
emperrados ou doridos, com suas mentes repletas de escabrosidades e
confusão; com seus espíritos oprimidos pela falta de generosidade, pelo
abandono, pela reclusão e pelas iníquas discriminações — quão difícil lhes é
ouvir a voz de Deus! Quão difícil lhes é encontrar o caminho pelo qual Deus quer
que eles andem!
Há milhões de crianças em nosso país, desesperadamente necessitadas
da ajuda eficaz dos cristãos para a transformação das condições que
constituem empecilhos grosseiros na marcha de seu melhor desenvolvimento.
Além de nosso próprio país estão outros tantos milhões, engolfados nas
calamidades de uma guerra para a qual nenhuma responsabilidade lhes cabe,
aterrorizados pelas crueldades, brutalidades e destruições numa escala jamais
conhecia na história humana. Quais as probabilidades que lhes sobrarão para
sentirem os influxos do amor e da justiça de Deus com o correspondente amor
e justiça? Como poderão conhecer o Evangelho?
Não há nenhuma dúvida de que aqui defrontamo-nos com um dos
problemas mais profundamente chocantes no plano da salvação. Não é
necessário que haja nenhuma dúvida referente ao amor de Jesus — seu amor
solícito, anelante e sofredor. Não é necessário que haja nenhuma dúvida quanto
à eficiência do Evangelho de Cristo para corresponder às necessidades de todos
os homens, mulheres e crianças de toda parte. Mas, como poderão ser
removidas as pedras de tropeço de tal forma que as crianças cheguem a
compreender e aceitar o plano da salvação? Como poderão ser vencidas as
condições que lhes têm sido empecilhos? Por motivos que lhe são
absolutamente alheios, estes milhões de filhos de Deus têm estado privados de
ouvirem do amor Divino e da experiência do conforto e do alento que este amor
proporciona aos filhos de Deus. Parece-nos claro que Jesus não estivera
desapercebido daqueles que vivem sob tais condições. E Ele lançara sobre os
ombros de seus seguidores a responsabilidade de cuidarem dos tais.
Jesus dissera que tinha vindo buscar e salvar os que se haviam perdido.
E certamente que seus seguidores nada mais poderão fazer do que levarem
avante a sua obra. Muito frequentemente, porém, aqueles que devem concorrer
para que os homens sejam salvos, agem muito superficialmente, na
pressuposição de que a alma humana seja inteiramente independente de suas
circunstâncias terrenas. Admitem, como o Dr. Ernest F. Tittle já assinalara, que
Deus se preocupa profundamente com a alma humana, mas não tanto com as
condições nas quais a alma vive; visto que se presume que as condições sociais
de qualquer espécie não poderão promover, nem obstar a salvação da alma.

80
Admitem que a salvação tem a ver, exclusivamente, com a vida futura; que Deus
esteja preocupado apenas em livrar os homens das canseiras da existência
terrena e em prepará-los para a entrada naquele mundo invisível dos espíritos
onde seu Reino está e para sempre há de estar... Deus não se preocupa
grandemente com as condições exteriores em que se realiza a peregrinação
humana, com a vigência da liberdade ou da escravidão, da justiça ou da injustiça,
da paz ou da guerra. Sob quaisquer condições, não será a sua graça suficiente
para libertar a alma confiante de seus inimigos terrenos e para assegurar para
ela alguma prelibação venturosa das bênçãos eternas?
E assim tais pessoas empreendem “explicar o plano da salvação” às
crianças desamparadas sem se preocuparem com as trágicas necessidades em
que se encontram, da amizade, da compreensão humana e da libertação da
horrenda insegurança.
Este ponto de vista relativo à salvação é defendido por muitas pessoas
devotas atualmente. As pessoas que se acham confortavelmente instaladas,
muito frequentemente se apegam a esta ideia da salvação como uma evasiva
para que se eximam de modificar sua situação, visto que isto lhes acarretaria
incômodos. Dizem que nada é difícil para Deus, que Ele pode e há de salvar os
pobres e os que estão em situação de vilipêndio, se e quando lhe convier, que a
condição deles presentemente, nada tem a ver com o assunto. Poderão, em boa
consciência, participar, ou contribuir para os esforços pela salvação das almas
sem se imiscuírem com os fatores econômicos e sociais nas vidas daqueles aos
quais procuram salvar.
Outros, por outro lado, os próprios pobres e destituídos de privilégios,
aderem a este ponto de vista porque se têm tornado inteiramente desiludidos
desta existência e têm abdicado de toda esperança de justiça, ou equanimidade.
Têm, assim, voltadas todas as esperanças para a vida futura, quando haverão de
viver na “Terra de Beulá”, quando não mais lutarão contra a fome, visto que hão
de festejar “o maná suprido com abundância”, quando haverão de ouvir bem ao
“longe o fragor da peleja”, mas sentiram-se seguros no pensamento de que coisa
alguma os há de atribular, visto que estarão a salvo “no porto seguro do amor
Divino”.
Devemos, então, separar as necessidades que as crianças têm de saúde,
amizade e compreensão humanas da necessidade que têm da salvação e tentar
a salvação de suas almas, conquanto ignorando-lhes os corpos? Procuremos a
orientação de Jesus.

4
Christians in an Unchristian Society, Association Press, 1939, pp. 4-5.

81
A PREOCUPAÇÃO QUE JESUS TINHA PELA VIDA HUMANA
Ao chegar a Nazaré, entretanto na Sinagoga, Jesus lera esta passagem de
Isaías:
“O Espírito do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres;
enviou-me para proclamar liberdade aos cativos, e dar vista aos cegos; a pôr em
liberdade os oprimidos.”

Ainda mais, na passagem descritiva referente ao julgamento dos homens


diante de Deus, Ele descreve a separação dos bem-aventurados na base destas
experiências: “Porque tive fome e destes-me de comer; tive sede e destes-me de
beber; era estrangeiro e hospedastes-me; estava nu e vestistes-me; adoeci e
visitastes-me; estive na prisão e fostes ver-me”.
Em sua vida e em seu ministério, Jesus não relegara como coisas
irrelevantes a fome e a doença, a desolação e o desespero, por parte dos
homens. Ele não passara de largo ao ver os homens feridos e desamparados.
Não se comportara impassível diante do conforto dos ricos e das necessidades
amargas dos pobres.
O registro bíblico é claro. Nós cremos que Jesus revelara Deus aos
homens; e Jesus dispendera muitas horas fatigantes, ministrando às
necessidades físicas dos homens. O Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo
não é demasiadamente grande, a ponto de deixar de ser bom, de cuidar de seus
filhos, de esforçar-se supremamente pôr a ajudá-los — e isto em todas as fases
da vida, onde quer resida a sua necessidade. E Deus espera que cooperemos
com Ele.

O QUE ESTÁ SENDO EXIGIDO


Na situação ante a qual nos encontramos, não podemos corresponder a
nossas responsabilidades só por nos sentirmos apiedados, nem mesmo só por
enviarmos algum cheque. Também não podemos obviar a situação mediante
nossa denúncia contra os hábitos da comunidade, ou contra as pessoas, ou
contra as instituições. Insurgindo-nos, ou conclamando contra o mal, podemos
extravasar nossos recalques, mas não chegaremos a aliviar as vítimas do mal.
Podemos corresponder às responsabilidades que nos pesam, exclusivamente,
aprendendo a ser bons cooperadores, sabedores de como transformar as
condições vigentes, na conformidade com a vontade de Deus, a qual temos
conhecido em Jesus Cristo. Impõe-se que haja, da parte dos Cristãos devotos e
inteligentes, uma cooperação cordial com as agências sociais que trabalham
pelo bem-estar e pela saúde da criança. Em muitas comunidades, estas agências
realizam seu mister por entre os óbices da indiferença que as entravam a cada
passo. Sobre os cidadãos cristãos está a obrigação de conhecerem o que estão
planejando estas organizações, avaliarem seu trabalho e apoiarem
integralmente a todos os esforços construtivos na comunidade que visem o
estabelecimento de condições melhores para crianças.

82
Os cidadãos cristãos devem interessar-se afincadamente no sentido de
que os réus adolescentes sejam tratados de acordo com os métodos que
contribuam para salvá-los, não para condená-los. Neste setor não valem só boas
intenções. Alguns de entre os malfeitores adolescentes são casos realmente
seríssimos; como que estão a medirem-se com a sociedade. Cumpre que lhes
dediquemos uma atenção especializada e habilidosa se é que os desejamos
como candidatos à boa cidadania. A boa vontade só não será suficiente; a boa
vontade deve alicerçar-se nos préstimos da técnica. Entretanto, os serviços
técnicos devem, por sua vez, alicerçar-se na boa vontade. A menos que os
delinquentes ainda adolescentes tenham o sentimento da camaradagem, algum
sentimento de que eles pertencem a alguém, algum indício que lhes seja claro
de que outros se interessam por eles, não será provável que as habilidades
técnicas lhes bastem. No trato das enfermidades físicas, os médicos nos
informam de que, são propriamente os doentes que desejam readquirir a saúde
— os que estão convictos de que vale a pena lutar contra a enfermidade — que
convalescem rápida e seguramente. No que diz respeito às perturbações sociais
e emocionais graves, é ainda mais importante que o paciente seja persuadido de
que vale a pena preponderar sobre as atitudes e os hábitos que o tenha
conduzido ao conflito com a sociedade. Ele precisa sentir que há uma
camaradagem caridosa predisposta a apoiá-lo; que lhe seja paciente, capaz de
amá-lo até mesmo a despeito de sua insensibilidade, e desajustamento no novo
ambiente em que porventura ele se encontre. Exclusivamente desta maneira,
poderá, tal delinquente, ter esperança e firmar-se na confiança e conseguir o
êxito na tarefa ingente de tornar-se um bom cidadão.

A RESPONSABILIDADE DA IGREJA
Estará a comunidade da Igreja Cristã mostrando-se interessada por
aquelas crianças que se encontram mais necessitadas? Teoricamente, sim;
praticamente, apenas em medida muitíssimo restrita. De uma maneira geral, os
membros das igrejas cristãs não se sentem responsáveis pelas condições que
estão causando dificuldades às crianças. Não correspondem cordialmente aos
sermões ou às campanhas que visam mobilizar o interesse ativo de todos. Não
se dispõem a encarar seriamente as condições que estão motivando a
infelicidade das crianças necessitadas, bem como a estudar denodadamente a
fim de compreenderem-nas, sabendo qual seja o meio próprio para o trato com
as tais. Não cogitam de participarem nas campanhas que visam proporcionar os
parques para as áreas superpovoadas, impor a adoção de medidas repressivas
contra a existência de centros residenciais desprovidos de condições de
salubridade e eliminar as discriminações prejudiciais às camadas mais
inferiores referentes às facilidades sanitárias e educacionais que se encontram
ao dispor das crianças nas várias comunidades.
Qual a responsabilidade das igrejas locais para com as crianças alheias
às respectivas igrejas? Sentem-se responsáveis para com as crianças da
comunidade, no sentido de tentar atraí-las para as igrejas? Será que as igrejas

83
DESEJAM que todas as crianças compareçam? Numa conferência, recente um
dos nossos cooperadores disse, referindo-se a alguns destes assuntos: “Eu bem
sei por que as crianças de minha comunidade não frequentam as igrejas. Nós
não as queremos. Esta é a pura verdade concernente a este problema. Estas
crianças ‘de fora’, quase sempre são portadoras de maneiras impolidas; não
sabem como devem se comportar na igreja; são, religiosamente, analfabetas; se
viessem a nossa igreja, perturbariam a realização amena de nossos programas”.
Em quantas igrejas locais não prevalecem atitudes assim!? Em quantas
igrejas locais está ardendo o desejo de procurar e salvar as crianças da
comunidade, de tal modo que não se tenham por demasiados os maiores
esforços para o estudo, o trabalho e as contrariedades — visto que, na verdade,
tal tarefa envolve tudo isto?
Nós, os que proclamamos nossa filiação com Deus, não podemos
acomodar-nos a uma situação que relega à miséria e à frustração, milhões de
criancinhas. Não podemos contentar-nos com um apelo formal para que as
crianças se arrependam de seus pecados e aceitem a salvação prometida por
Deus, só para um futuro distante. Sabemos, pela revelação de Deus que temos
em Jesus Cristo, que não é a vontade de Deus que prossigam indefinidamente
as más condições; sabemos que Deus envida por extirpá-las. Sabemos que Deus
depende de nós como seus cooperadores. Não podemos assistir às condições
vigentes e nada fazermos por modificá-las — “a menos que”, conforme já o
dissera o Dr. Tittle, “sejamos capazes de desertarmos e trairmos a Deus”.

84
X

A BÍBLIA E AS CRIANÇAS
De que modo a Bíblia vem a ser o Livro “peculiar”? Por que será que
admitimos ser muito melhor instruir nossos filhos no conhecimento da Bíblia do
que familiarizá-los com as demais literaturas antigas ou com a história da
antiguidade?
Efetivamente, a resposta clara é esta: “É que a Bíblia é a palavra de Deus”.
Esta resposta é verdadeira. Poderá, não obstante, ser ambígua. Que queremos
dizer com essa resposta? Não será apenas uma frase que ouvimos? Não será
como um “Shiboleth”? Ou, pelo contrário, ela será a expressão de uma convicção
inabalável, radicada na experiência pessoal?

A BÍBLIA COMO A PALAVRA DE DEUS


A Bíblia é a palavra de Deus para aqueles que, por meio dela, persuadem-
se de que Deus lhes fala. É a palavra de Deus para aqueles que, entregando-se à
sua leitura diligentemente e meditando nos seus ensinos, penetram nas
experiências que ela retrata, relativamente às grandes almas que lutaram,
triunfaram e receberam uma iluminação crescente a respeito dos propósitos
Divinos. É a palavra de Deus para aqueles que nela vislumbram a significação da
existência, haurindo, assim, a força e a coragem para os reencontros desta
existência.
O que insistimos em dizer é que, o texto da Bíblia, como o temos às nossas
mãos, pode ser ou pode não ser a palavra de Deus aos homens. A Bíblia não será
a palavra de Deus aos homens, enquanto permanecer como livro fechado na
banqueta da sala de espera, ou na biblioteca da Escola Dominical. Não será a
palavra de Deus aos homens, enquanto continuar sendo lida perfunctoriamente,
com ou sem relação com o contexto, com o objetivo de forjar argumentos. Não
é a palavra de Deus quando usada como uma espécie de “mágica” como, por
exemplo, quando alguém entende de achar a resposta para um dado problema,
abrindo suas páginas ao acaso e tendo como “resposta” o primeiro verso no qual
incidirem seus olhos.
Isto é, tanto quanto compreendemos, de alguma forma, a maneira pela
qual Deus fala a seus filhos — compreensão que derivamos de nossas próprias
experiências, das experiências das grandes almas que viveram através de toda
a antiguidade, e, principalmente, das experiências de Jesus— tanto quanto
compreendemos por todos esses meios, a maneira pela qual Deus fala, podemos
asseverar que, não é para se esperar que a palavra de Deus alcance a seus filhos,
segundo os métodos acima referidos. Pelo contrário, a experiência da raça
parece indicar-nos que Deus fala a seus filhos quando estes ouvem sua
orientação, quando se defrontam com problemas ou decisões superiores a suas
faculdades, quando estão apercebidos da necessidade que têm de Deus, quando
85
reconhecem os pecados que os incapacitam para ouvir a Deus, quando se
prontificam a dar ouvidos a sua palavra, quando seus corações exultam de
alegria e gratidão as quais anelem por expressarem. Estudando a Bíblia assim,
neste espírito, podemos esperar confiantemente que ela há de tornar-se em
nossas próprias experiências pessoais, como tem sido na experiência de
muitíssimos outros, a palavra de Deus.
Os homens podem não deparar com a resposta direta, plenamente
exposta, dos problemas específicos da existência, diante dos quais se
encontrem. Em vez disto, o desfile das almas sequiosas do passado, já verificara
que, a cada ano que se passa no estudo da Bíblia, obtêm-se, mais e mais claras,
as respostas pertinentes às questões e problemas grandiosos que se agigantam
diante dos seres humanos. Tais almas verificaram que lhes brotavam
paulatinamente as convicções relativamente à direção a ser tomada nas várias
conjunturas específicas da existência, relativamente aos padrões pelos quais o
indivíduo se capacita para discernir entre os valores maiores ou menores. Sim,
Deus fala aos homens por intermédio da Bíblia quando os próprios homens se
encontram preparados para a compreensão da linguagem pela qual Deus se
expressa.
Desejamos, portanto, que nossos filhos conheçam a Bíblia porque, de
maneira que lhe é peculiar, este grande livro pode tornar-se para eles, em toda a
plenitude da verdade, a palavra de Deus.

LEVANDO AS CRIANÇAS A CONHECEREM A BÍBLIA


Como nos será possível a nós, pais e professores de crianças, orientar
estas crianças no conhecimento da Bíblia? Tempo houve, quando nos
satisfaríamos com a resposta de que, cumpre que verifiquemos se eles
comhecem as histórias bíblicas, se decoram os versículos a isto destinados, e
se, à medida de seu crescimento, os conduzimos a selecionar as passagens para
as leituras diárias. Nas circunstâncias muito mais graves do tempo presente,
quando tão profundamente nos apercebemos da necessidade que temos da
assistência Divina para a compreensão do mundo em que vivemos e dos
propósitos de Deus, estamos inteirados de que tais requisitos não bastam.
Mesmo antes de ouvir as histórias bíblicas e muito antes de ouvir qualquer
discussão a respeito da natureza e dos ensinos da Bíblia, a criancinha poderá
começar a aperceber-se da significação peculiar deste livro. Poderia observar
como seus pais o leem silenciosamente ou em voz alta, de um para o outro ou
para os filhos mais crescidos. Poderá aperceber-se de que este livro tem uma
significação toda especial, e é de um valor inigualável para seus pais. Ao ir pela
primeira vez à Escola Dominical, a criancinha poderá ouvir sua professora referir-
se a este livro, ou ver que ela o manuseia como um livro especialmente precioso
e amado. Poderá ouvir os versos mais simples e belos lidos naquele livro. E,
assim, antes de se lhe ter ministrado qualquer ensino definido a respeito da

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Bíblia, a criança poderá ter adquirido uma certa atitude de expectativa para com
ela.
Neste ponto, quando já estivermos em condições de começar nossas
tentativas mais sistematizadas com o propósito de estabelecermos mais efetivo
contato de nossos filhos com a natureza e a mensagem da Bíblia, podemos
adotar qualquer dos diferentes caminhos que nos conduzam ao que almejamos.
Estes diferentes caminhos se podem muito bem agrupar em dois
principais. Podemos começar com todo o conteúdo bíblico e perguntar: Que nos
diz a Bíblia? Ou podemos começar pelas necessidades e experiências das
crianças e perguntar: Qual a orientação que se encontra na Bíblia para essas
necessidades e experiências? Estes modos de procedermos não se excluem.

ESTUDANDO O CONTEÚDO DA BÍBLIA


A maioria dos pais e dos professores desejam que as crianças sob sua
orientação conheçam o conteúdo da Bíblia. Concorda-se, geralmente, em que a
Bíblia é o tesouro da maior literatura religiosa do mundo, e que ela preserva,
como nenhuma outra literatura o faz, a herança religiosa da raça. É, portanto, de
grande importância que todas as pessoas, nas circunstâncias hodiernas,
conheçam os grandes ensinos e os grandes caracteres encontrados na Bíblia. É
importante porque, tão somente à luz do passado, nós podemos interpretar o
presente. É importante porque a Bíblia proporciona as bases para certa unidade
de compreensão entre pessoas que nutrem sistemas de fé nitidamente
diferentes.
Há, porém, vários pontos de vista para o ensino dessa literatura. Alguns
professores insistem numa apreciação de porções selecionadas da Bíblia como
literatura e como registro da experiência de um povo, não buscando,
primariamente, encontrar nela a orientação para experiências atuais específicas,
mas buscando, primariamente, o que ela significava para as pessoas, através de
cujas experiências nós a temos. Assim, tais professores não se preocupariam,
por exemplo, em encontrar na vida de Abraão, algum incidente específico que
pudesse ser usado com propósitos de ordem moral nos dias que correm, tal
como o relato de sua partilha com Ló. Em vez disto, prefeririam narrar toda a
história, nos seus traços gerais, conduzindo as crianças a verem Abraão no seu
próprio ambiente, com suas limitações e suas falhas, e compreenderem algo de
suas próprias lutas e do despontar de sua intuição, bem como, o que Deus
significava para ele.
Um tal procedimento que desde seu início ponha de parte qualquer
intenção de “indicar uma moral” há de permitir aos professores e às crianças que
mais plenamente fruam da Bíblia, enlevem-se em suas histórias relativas a
acontecimentos extraordinários, sintam as emoções que se podem derivar
daquelas excepcionais aventuras, embeveçam-se com o ritmo majestoso dos

87
Salmos. As crianças precisam de mais oportunidades para que assim fruam da
Bíblia.
Este ponto de vista se nos apresenta como o que tornaria viável o ensino
da Bíblia nas Escolas Públicas. Este ensino deve ser absolutamente destituído
de sectarismo. Visaria familiarizar as crianças com o conteúdo da Bíblia.
Entretanto, o ensino da Bíblia como literatura é, com efeito, deficiente, se
a desejamos converter em palavra de Deus para as crianças. A maioria dos
professores e dos pais está persuadida de que adicionado ao fato de tratar-se
de uma grandiosa literatura, as narrativas, a história, a poesia e a profecia da
Bíblia são de transcendente significação religiosa, a qual, se sabiamente
ministrada às crianças, há de revelar-lhes a vontade de Deus. Este ponto de vista,
requer o desenvolvimento de um plano graduado para o estudo da Bíblia, de
modo que seu conteúdo possa tornar-se inteiramente conhecido e sua
mensagem venha a tornar-se relacionada com a vida presente das pessoas em
formação.
Há ainda outro ponto de vista, muito diferente, relativo ao ensino do
conteúdo da Bíblia. É o que afirma que cada palavra seja a palavra de Deus e,
portanto, indispensável à vida espiritual do homem. Os que defendem este ponto
de vista interessam-se porque a criança se familiariza com o conteúdo de todos
os livros da Bíblia, e admitem ser sua responsabilidade primarem porque a
criança os estude, a todos, capítulo por capítulo, à medida de seu crescimento
desde a infância até à juventude. É que interpretam as palavras: “Escondi a tua
palavra no meu coração para eu não pecar contra ti”, como significando que, se
grande porção de material bíblico for decorado, as crianças hão de encontrar
nesse material um como refúgio seguro contra a tentação. Estão persuadidos de
que, ensinando, assim, às crianças o conteúdo da Bíblia, lhes estão ensinando a
religião Cristã.
Este ponto de vista acarreta certo sentimento de segurança e a
oportunidade de repousar na autoridade. E, com efeito, se for levado a sério
através de certo número de anos, as crianças familiarizar-se-ão com o conteúdo
da Bíblia. Mas, terá a Bíblia sido assimilada em sua experiência, de tal maneira
que se torne definitivamente para a criança a palavra de Deus? Simplesmente
pelo conhecimento do conteúdo da Bíblia não se terá fixado o meio adequado
pelo qual se ouve a voz de Deus.

ENSINANDO A BÍBLIA RELACIONANDO-A


DIRETAMENTE COM A EXPERIÊNCIA
O processo que tem seu centro na experiência, pelo qual visamos que a
Bíblia seja estudada, começa, não com um certo conjunto de material, mas com
as vidas das pessoas de nosso conhecimento. Propõe-se a levar as pessoas a
conhecerem e levarem avante, em suas vidas diárias, os propósitos de Deus para
com suas vidas e para com as vidas de outros, levando-os, primeiro, a

88
compreenderem a própria situação, as experiências e as relações e, em seguida,
procurarem na Bíblia a orientação para que enfrentem a situação, as
experiências e as relações. A Bíblia é o livro principal como fonte de educação
religiosa porque a Bíblia interpreta a vontade Divina como nenhum outro livro o
faz. Mas, neste caso, a Bíblia passa a ser usada em relação às experiências das
pessoas em formação, e não é ensinada em sua sequência histórica, ou por
secções que se sucedem.
Assim, não se começa a ensinar a história do Bom Samaritano como
conteúdo bíblico. Em lugar disto, verifica-se se as crianças de sete ou oito anos
de idade, digamos, estão necessitando de ajuda para que promovam maior
intercâmbio de relações com pessoas de outras raças em sua comunidade.
Procura-se, então, na Bíblia, o melhor material, acessível à compreensão das
crianças de sete ou oito anos de idade, visando com esse material, levá-las a
reconhecerem e a desejarem uma modificação daquela atitude apática e
refratária. Seleciona-se a história do Bom Samaritano para o referido propósito.
Ou, percebe-se que algumas crianças, intermediárias, necessitam de um
sentimento mais profundo da presença de Deus no mundo e de seu cuidado e
preocupação com seus filhos. Considera-se, então, o material bíblico que
corresponda a essa necessidade, e seleciona-se o Salmo 121, na expectativa de
que, à medida em que as crianças ouçam aqueles cânticos Hebreus, nos quais
se evidencia a confiança que depositavam no amor e na bondade de Deus, as
crianças de hoje hão de penetrar aquela experiência e sentir sua própria fé, no
cuidado Divino, robustecida.
Este é o ponto de vista que tem sido, em maior ou menor extensão, usado
em nossas lições graduadas recentes. Não é que nos divorciemos do ensino do
conteúdo da Bíblia. Todos esses cursos têm sua unidade em conteúdo bíblico
específico, assim: “A vida de Jesus”, “Os Heróis de Israel”. Mas também têm sua
unidade em: “Aprendendo a Convivência Feliz”, “Viver o Melhor Possível”, “A
Compreensão do Mundo em que Vivemos”, “Sendo um Bom Vizinho”. Todas
estas unidades, usam material bíblico, mas são selecionados das diferentes
partes e convergindo para as experiências e as relações das pessoas em
formação. Este plano torna mais útil às crianças e de modo imediato, a ajuda
que a Bíblia proporciona relativamente aos problemas específicos com os quais
se defrontem. Facilita, por assim dizer, o “estabelecimento de conexões” entre a
Bíblia e as necessidades diárias da pessoa em formação. E, assim, torna-se
provável o reconhecimento, pelas crianças, da Bíblia como fonte de orientação e
de amparo, bem como, a verificação de que, por meio dela, Deus lhes fala.
Visto, porém, que o material é selecionado das várias partes da Bíblia,
convergindo para as experiências das pessoas, é possível que a criança adquira
uma ideia fragmentária da Bíblia. Por exemplo, fazemos convergir para as
experiências da criança, no aprendizado de como viver feliz juntamente com
outros, material assim: “A partilha de Abraão com Ló”, “Lídia, uma Ajudadora”,
“Rebeca e o Viajante Cansado”, “O Quarto de Eliseu no Eirado”, “O Bom

89
Samaritano”, “Isaque e os Poços”. Todas estas histórias são unificadas na
experiência da criança. Mas não são relacionadas nos respectivos contextos na
Bíblia, não sendo, portanto, plenamente interpretadas. Esta limitação deve ser
corrigida em estudos posteriores de porções correlatas da Bíblia.

A MUDANÇA DE ATITUDE EM FACE DA BÍIBLIA


Temos tentado uma descrição das várias atitudes visando o ensino da
Bíblia, as quais atitudes são verificáveis entre grande número de professores
cristãos. Quase todas essas atitudes têm algo que admitimos como de certo
valor e algo que admitimos como sendo uma limitação.
Tem havido, parece-nos claro, uma acentuada mudança de atitude da
generalidade dos homens no que se refere ao estudo da Bíblia nos anos
recentes. Logo a seguir à Reforma, o Estudo da Bíblia era considerado como
fonte primacial para a compreensão de Deus e de seus propósitos. Era questão
de tremenda importância, portanto, que todos conhecessem a Bíblia. Era
ensinada diligentemente às criancinhas, aos adolescentes, e era lida e meditada
pelos adultos. Não estava exposta a discussões; era aceita.
Com o desenvolvimento da erudição que suscitara certas questões
relativas à autoria de alguns livros da Bíblia, à autenticidade de alguns textos e
porções da Bíblia e à dependência de traduções, a confiança dos homens
comuns na absoluta autoridade da Bíblia fora abalada. Também com os
progressos científicos e do interesse nos próprios poderes do homem para
compreender o universo e usá-lo, seu sentimento de grande necessidade do
conforto e da iluminação que antes auferia da Bíblia, diminuíra.
Gradualmente, por conseguinte, verificara-se menor insistência na
necessidade de ensinar-se o conteúdo da Bíblia às crianças. Nunca houve tempo
nas igrejas cristãs, quando a Bíblia ficasse ignorada, mas, muitos outros
materiais chegaram a emparelhar-se com a Bíblia, ao mesmo passo que se
verificara menos preocupação para com o caráter central de sua mensagem. Em
muitas igrejas chegara-se até a considerá-la como apenas uma entre outras
fontes que estimulam a intuição e a inspiração religiosas — fonte sempre das
mais importantes, entretanto, não acima de comparação com alguns outros
materiais. Certas passagens significativas foram selecionadas para o ensino das
crianças, sendo as tais cuidadosamente ensinadas; não se considerava mais,
porém, como de absoluta importância, que as crianças adquirissem
familiaridade com o conteúdo da Bíblia como um todo.
Atualmente, parece haver uma tendência no sentido da restauração do
conteúdo da Bíblia em seu lugar de primacial importância na educação religiosa.
Deve-se isto, em parte, ao sentimento de temor e de horrenda insegurança ante
a situação vigente, dentro da qual vive o homem. Os homens anseiam por
alguma autoridade, alguma coisa tangível a que se possam apegar em busca de
segurança e conforto. Assim é que se estão voltando para o “Livro Eloquente”

90
dos séculos, na sua qualidade de palavra de Deus que fala aos homens. Mas é
devido, também, em parte, a um novo sentimento de humildade por parte do
homem. O homem está reconhecendo suas próprias limitações; está à procura
de maior iluminação do que a que tem em si mesmo.
Devemos aproveitar-nos das crescentes oportunidades de levarmos as
crianças a apreciarem e usarem a Bíblia com propósito sincero de nela
encontrarem os recursos que contribuam efetivamente para a transformação de
suas vidas. Devemos resistir a qualquer tentativa por torná-la num subterfugie
ante a necessidade de esforço mental, de trabalho, por um lado, e qualquer
tentativa de torná-la num ponto de apoio para o surgimento de doutrinas
mirabolantes, por outro lado. Isto significa que devemos reconhecer, antes de
tudo, a necessidade de estudarmos. por nós mesmos, a Bíblia. Devemos
conhecer seu conteúdo e procurar compreender sua mensagem.

PARA A COMPREENSÃO DA BÍBLIA


Se admitirmos que a Bíblia nos fala em nossos dias, é forçoso que
reconheçamos que o texto que usamos não é o original, mas sim uma tradução.
Temos de usar, portanto, muitas traduções para conseguirmos compreender, em
português, significação das frases nas línguas antigas. Há várias traduções
recentes que lançam muita luz na significação de certas passagens, pelo uso da
forma moderna da língua portuguesa, mais do que a usada na tradução de King
James, que foi feita há mais de trezentos anos passados. Os que se apegam à
tradução de King James, por causa da sua beleza e sublimidade de expressão
devem, desejando obter maior compreensão do que a Bíblia diz, usar alguma
outra versão recente, para efeito de esclarecimento.
Em seguida, temos de reconhecer que os escritores através dos quais
Deus falara tinham certas limitações humanas. Viveram sob condições sociais
peculiares e em período específico da história. Para que suas mensagens
tivessem qualquer significação para seus contemporâneos era imprescindível
que eles usassem formas para o pensamento, bem como pressupusessem o
lastro social conhecidos de seus ouvintes. Entretanto, as formas do pensamento
e a estrutura social dos homens e mulheres da Palestina e do Império Romano
antigos, já não são as nossas formas de pensamentos, nem nossa estrutura
social. Em consequência disto, encontramos dificuldades em algumas daquelas
expressões. No Velho Testamento, a pluralidade de casamentos e as formas
despóticas de governo parecem terem sido fatos aceitos sem discussão.
Certamente que não devemos presumir que, pelo fato de serem fatos sobre os
quais não se discutia entre os antigos Hebreus e por causa das referências
bíblicas a respeito deles, sejam tais costumes uma parte dos planos de Deus
para com seus filhos.
Não foi senão muitos séculos mais tarde que o homem descobrira a
esfericidade da terra; assim sendo, para os escritores bíblicos era muito razoável
a referência aos quatros cantos da terra. Não significa isto que devamos bater-

91
nos pela existência de quatro cantos na terra, nem que assim ensinemos a
nossos filhos. E assim por diante. Toda interpretação de tal espécie exerce
interferência prejudicial às disposições para ouvirmos a voz de Deus, quando Ele
nos fala através da Bíblia. Em vez disto, aceitemos os fatos da narrativa e
ensinemos deste modo às crianças.
Ainda mais, temos de reconhecer que a Bíblia nos fala a respeito de
pessoas muito boas e de pessoas muito más e de pessoas mais ou menos. E o
fato de que uma pessoa apareça num relato bíblico como um líder não é critério
para a considerarmos boa. Grande parte de confusão tem surgido
desnecessariamente, da tentativa com que alguns professores modernos
intentam transformar certos personagens muito terrenos do Velho Testamento
em santos cristãos.
Também é forçoso que reconheçamos que algumas partes da Bíblia são
de maior valor religioso do que outras. Não podemos, por exemplo, esperar de
Abraão o mesmo nível elevado de compreensão de Deus e de seus propósitos
que podemos esperar de um Oséias; nem podemos admitir como igualmente
importantes as minuciosas leis levíticas e as exortações de Isaías; nem
podemos depositar a mesma confiança nos padrões éticos de Davi que as que
podemos depositar nos padrões de Amós. Além do mais, devemos sempre
cotejar o Velho Testamento pelo Novo Testamento, reconhecendo que a
revelação que temos de Deus em Jesus Cristo é a mais plena.
Há algumas porções do Velho Testamento que não devemos tentar
ensinar as crianças. Tais são as porções que tratam das maneiras e dos
costumes, os quais foram superados e refletem um conceito de Deus que Jesus,
nitidamente, deixou de lado. Por exemplo, súplica de Sansão: “Senhor Jeová,
peço-te que te lembres de mim, e esforça-me agora só esta vez, ó Deus, para que
de uma vez me vingue dos Filisteus, pelos meus dois olhos”. Está em contraste
chocante com a súplica de Jesus: “Pai, perdoa, porque eles não sabem o que
fazem”. A menos que nossa preocupação seja, justamente, estabelecer o
contraste, não convém que insistamos na história de Sansão.
Há algumas partes, mesmo do Novo Testamento, que são muito difíceis
para que o leigo de nossos dias compreenda. São de significação obscura
porque as formas do pensamento já não nos são familiares. Isto é
principalmente verdadeiro relativamente a algumas Epístolas e ao Apocalipse.
Frequentemente, podemos recorrer a elementos disponíveis como as lições
periódicas, ou, especialmente, a alguns livros que usamos em nossos estudos
bíblicos. Frequentemente, porém, verificamos que não estamos lucrando muito
com alguma porção da Bíblia. Não seria uma amostra de sabedoria nossa,
reconhecermos que, nós mesmos, temos certas limitações como aqueles
caracteres do Velho Testamento as tinham? Como frequentemente lhes ocorria
deixarem de entender o que Deus lhes falava, também nós podemos admitir
nossa incapacidade para a compreensão plena e imediata da mensagem Divina
aos homens. E, contudo, não devemos acabrunhar-nos por isto! Devemos aceitar
92
a realidade de nossas limitações, não por resignação, mas por humildade,
sabendo que nossa cegueira atual não é permanente e que, gradualmente
chegaremos a compreender, mais e mais, da altura, e de profundidade das
verdades espirituais da Bíblia. Enquanto isto, devemos nutrir nossas almas
daquelas porções que possamos compreender ordenando nossas vidas na
conformidade de seus ensinos, e entusiasmando nossos filhos para que
participem dessa nossa apreciação.

AS CRIANÇAS E A BÍIBLIA
As várias lições preparadas pelas denominações para uso nas igrejas
reconhecem as circunstâncias que temos assinalado e fazem algo por obviá-las.
Tais lições não sugerem que as crianças sejam introduzidos a toda a Bíblia. Elas
tomam em consideração as limitações das crianças e, também, o fato de que
algumas passagens são de maior valor religioso para os caracteres em
formação do que outras passagens. Por causa do tempo limitado destinado à
Escola Dominical, aquelas lições se esforçam por selecionar para o uso das
crianças, as passagens que, tanto quanto a experiência dos cristãos através dos
anos lança alguma luz sobre os problemas, parecem ser as passagens que
proporcionam o melhor veículo para a compreensão da mensagem da Bíblia.
Essas passagens consistem, em sua maior parte, das narrativas e dos
trechos poéticos, aliados ao uso parcimonioso das máximas dos sábios antigos
e de citações de Jesus e de Paulo. Isto é, os sumários bíblicos das experiências
efetivas dos homens; como se sentiram eles em face de Deus e em face de seus
semelhantes, como teria o pensamento da presença de Deus contribuído para
que eles enfrentassem as injunções da existência, seus sucessos ou insucessos
na convivência com os amigos e os inimigos — tais narrativas destituídas de
obscuridades têm muita probabilidade de levar as crianças a perceberem que a
Bíblia é um livro que elas podem compreender, amar e apreciar. Sínteses de
normas de conduta, tais como: “Não vos esqueçais de mostrar amor para com
os estrangeiros”; “Amai vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam”;
“Como quereis que os homens vos façam, fazei-lhes vós também”; “Honroso é
para o homem o desviar-se de questões, mas o tolo se entremete nelas” — estas
sínteses destinam-se a serem usadas no intuito de se levar as crianças a derivar
das mesmas algumas conclusões definidas, “pondo alguns lugares aprazíveis”,
por assim dizer, no programa pessoal do viver diário delas.
Além disto, selecionando o material para uso das crianças, devemos
reconhecer que muitas passagens se prestam a uma interpretação parcial, —
passagens que devemos aguardar até mais tarde para darmos uma
interpretação mais cabal. Por exemplo, é improvável que o Salmo 23 seja
prontamente compreendido como um Salmo que traduz o amor de Deus para
com os homens, antes que as crianças tenham alguma noção de figuras de
linguagem, isto é, cerca do tempo quando já estejam frequentando o ginásio.
Entretanto, as criancinhas já poderão amar este Salmo como belíssimo poema

93
que revela o cuidado do pastor para com suas ovelhas, e nesta forma poderá o
Salmo ser usado com ilustrações pictóricas pertinentes. Com a tentativa de
forçar-lhe a interpretação mais completa, com toda a probabilidade a criança
apenas ficaria confusa e teria a impressão de que o Salmo lhe é estranho
inteiramente. Ao passo que, deixando-o como um poema de certo pastor
cuidadoso de suas ovelhas, a criança terá uma disposição melhor e de maior
apreciação para com o Salmo e formará um lastro para sua compreensão que a
tornará capacitada para a verificação de sua significação religiosa rica e
profunda quando mais tarde a criança chegar a penetrar em toda sua
significação.
Relativamente a algumas narrativas, não devemos contar toda a história.
Entretanto, devemos ser sempre muito escrupulosos e citar a história de modo
absolutamente verdadeiro, até onde a contarmos. Quer dizer, embora possamos
selecionar um único incidente de uma longa narrativa, as secções que
selecionarmos devem ser tais que possam enquadrar-se posteriormente, sem
contorções, no todo da respectiva narrativa. Por exemplo, não devemos contar
— como o fez um certo curso — a história da saída de Jacó de seu lar, como
tendo sido uma ocasião de preparações alegres da família, tendo em vista uma
excursão por parte de um de seus membros, com os cumprimentos mais
efusivos e os votos de felicidades!
Mas não devemos circunscrever a essa seleção de incidentes das vidas
dos grandes líderes e mestres. Quando a criança tiver seus sete ou oito anos de
idade, estará preparada para algumas biografias mais simples de grandes
personalidades, uma série de narrativas correlatas, selecionadas de modo tal
que possa dar uma certa impressão total da personalidade. Estes primeiros
estudos biográficos devem ser bem acessíveis, tendo em vista principalmente,
as atividades das respectivas pessoas, mais do que seus pensamentos, mas
devem ser ditadas pela observação da familiaridade definida que a criança já
tenha com os fatos. Provavelmente, Jesus será o primeiro a ser estudado nessas
biografias, seguindo-se, logo, Moisés, Davi, josé, Paulo etc.
Na medida em que as crianças forem crescendo, e começarem a
compreender alguma coisa da história, devemos proporcionar-lhes a
oportunidade de um estudo das linhas mais amplas da história das nações como
referidas na Bíblia. O propósito desta visão panorâmica da história bíblica não
deve ser o de ensinar os nomes dos reis de Israel e de Judá, por sua ordem, nem
o de traçar um esboço dos acontecimentos principais ocorridos durante o
reinado de cada um deles. Em vez disto, o propósito deve ser, efetivamente,
religioso, — o propósito de levar as crianças a verificarem o justo juízo de Deus
na história. Não temos ainda, em grande medida, proporcionado o auxílio
necessário, neste sentido em nosso programa de educação religiosa. O estudo
deve mostrar como as nações pecavam, como sofriam por causa de seus
pecados, como, em meio a tudo aquilo, Deus as amava e as perdoava, mas
jamais ab-rogara a lei moral do universo, visando eximi-los das consequências

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de seus pecados. Nossas crianças precisam verificar, sem ambiguidades e
obscuridade, a operação desta lei moral. Os livros históricos do Velho
Testamento favorecem essa oportunidade como nenhum outro material o
poderia fazer. Tal síntese histórica, também, mostra o desenvolvimento da
compreensão do homem a respeito de Deus e de seus propósitos.
Com efeito, este tipo de estudo requer muito maior esforço no sentido do
preparo por parte do professor do que no caso da simples preparação, semana
após semana, de uma lição baseada em uma passagem curta. Mas é,
absolutamente necessário, se desejamos, realmente, levar as crianças a ouvirem
a voz de Deus a falar-lhes ao longo da Bíblia.
Durante esses anos, também, deverá estar em ordem um estudo mais
completo da vida de Jesus, orientado no sentido da compreensão de sua missão
e no sentido de uma experiência pessoal de decisão em favor do discipulado.
Nos anos ginasiais, deverá estar em ordem um ensino mais acurado dos
sublimes ensinos proféticos, dos ensinos de Jesus e dos ensinos de Paulo. Este
material, por sua forma, tanto quanto, pelo seu conteúdo, torna-se difícil à
apreciação das crianças mais novas. É que já se torna necessária certa dose de
experiência da vida para que se revista de significação. Nas descrições do que
Jesus realizara, e do que seus seguidores realizaram, efetivamente já devemos
ter introduzido as crianças em matéria pertinente ao que Jesus ensinara acerca
da boa conduta, a conduta do homem diante de Deus. Entretanto, nestes anos
posteriores, devemos considerar diretamente os próprios ensinos tentando levar
os atuais mocinhos a uma compreensão real das exigências que estes ensinos
impõem às pessoas, bem como, as indizíveis alegrias que proporcionam.
Permeando estes estudos, da Bíblia, devem ser estabelecidos pontos de
referência que contribuam para que as crianças conheçam alguma coisa acerca
da Bíblia como coleção de livros, como isto chegara a acontecer, como os vários
livros vieram a enfeixar-se num só, como se fizeram as traduções, e assim por
diante. Ao chegar a criança à posição de ler pessoalmente a Bíblia,
provavelmente pela altura do quarto ou quinto grau, devemos ministrar-lhe a
primeira dessas unidades de referência, cujo propósito deverá ser o de
familiarizar a criança com a estrutura física da Bíblia, a fim de que lhe seja
possível o encontro de passagens. Poucos anos mais tarde, devemos ministrar-
lhe uma segunda unidade a respeito de como a Bíblia veio a existir e a respeito
de sua tradução para as línguas através do mundo. E, nos anos do ginásio,
devemos ministrar-lhe um estudo pormenorizado a respeito da formação do
cânon, bem como, a respeito da influência da Bíblia sobre as rações.

O PROPÓSITO DO ENSINO DA BÍBLIA ÀS CRIANÇAS


Estaremos, assim, advogando o ponto de vista do conhecimento do
conteúdo da Bíblia? Sim, num certo sentido. Mas não, no sentido de que
consideremos o conhecimento do conteúdo da Bíblia como em si mesmo e de

95
si mesmo. Como dissemos a princípio, a Bíblia pode ser e pode não ser a palavra
de Deus, para as pessoas hoje em dia. E, simplesmente, pelo conhecimento de
seu conteúdo não se tem a garantia de que ela seja a palavra de Deus para
qualquer pessoa. Por outro lado, deve ser suficientemente clara que, se o
indivíduo não tem nenhuma noção do que ela diz, não há possibilidade de que a
Bíblia lhe seja a palavra de Deus. Assim é que estamos insistindo em que
levemos as crianças, a estudarem a Bíblia de tal modo que compreendam o que
ela diz. Isto pressupõe que todas as pessoas envolvidas no estudo — os que
orientam como professores tanto quanto os alunos — reconheçam a Bíblia como
livro de suficiente importância para justificar o estudo trabalhoso exigido para
sua compreensão.
Não é provável que as crianças assumam esta atitude somente por serem
informados de que a Bíblia é muito importante, e que eles a devem estudar. Não
eles desenvolverão esta atitude, exclusivamente através da própria experiência.
Se, desde o tempo de sua tenra infância, tiverem fruído da convivência das
pessoas que realmente fazem uso da Bíblia, e que nela encontra conforto,
coragem e iluminação, se os primeiros contados dessas crianças com a Bíblia,
através das histórias e dos poemas e dos versículos, lhes tiverem proporcionado
a experiência da verificação de que a Bíblia é interessante — de que ela seja um
bom livro, em realidade, tanto quanto em palavras — então, as crianças a
desejarão conhecer mais, para compreenderem mais completamente os seus
ensinos. Assim é que devemos, desde o começo, reconhecer que a Bíblia só
poderá tornar-se a palavra de Deus aos homens se entrar e fazer parte das
experiências dos homens. Devemos usar a Bíblia para que ela lance luz sobre a
experiência atual, para que ela forneça a significação das provações e das
alegrias do presente. Permanecendo como simples registro do trato de Deus
com os homens daquelas terras bíblicas do passado, pode ser interessante, mas
não há de contribuir para a transformação das vidas. Tão somente na medida
em que ela penetre na existência atual é que a Bíblia pode operar a modificação
da vida.
Devemos, então, começar com a vida e buscar na Bíblia a orientação para
a vida. Mas, cumpre que reconheçamos que deve haver oportunidade para que
os indivíduos elevem seus olhos para as montanhas tanto quanto para que
encontrem a luz para os seus caminhos. Deve-se conhecer algo da experiência
de outros que seja mais profunda do que a própria experiência individual. Sendo
assim que não devemos limitar nosso uso da Bíblia àquelas passagens que
proporcionem ajuda imediata para certa experiência presente. Devemos criar
oportunidades para que as crianças, na medida em que cresçam em sabedoria
e em estatura, explorem mais plenamente o registro bíblico. E, se tal exploração
for empreendida em companhia de pessoas mais experimentadas, as quais, em
seu estudo, procurem o auxílio de outros livros, das conferências e de estudos
pessoais, podemos esperar confiantemente que as crianças hão de sentir-se
ricamente recompensadas. Não pelo fato de que alguém lhes tenha dito, não

96
porque esteja assim escrito no credo de sua igreja, mas, pela própria experiência,
chegarão a certificar-se de que a Bíblia é a palavra de Deus.

97
XI

A IGREJA E AS CRIANÇAS
Entre as famílias cristãs, as criancinhas são, muito cedo, introduzidas na
igreja. O grupo das criancinhas na igreja está entre as primeiríssimas relações,
“fora do ambiente doméstico”, que tais crianças estabelecem. Igualmente,
muitas famílias, que não mostram nenhuma preocupação por serem cristãs,
desejam que suas crianças frequentem a igreja. Sendo a experiência destas, ali,
feliz, sentindo-se em ambiente aprazível, onde as pessoas sejam bondosas e
solícitas pelas criancinhas e onde já há outras crianças, é provável que aquelas
crianças tenham alegria em frequentar a igreja. Com efeito, um berçário e uma
classe de jardim da infância deverão estar definitivamente mal orientados para
que as criancinhas se mostrem relutantes em frequentá-los.
Quando vão crescendo, e adquirindo experiências mais amplas, com
outras instituições, as crianças, provavelmente, começarão a fazer
comparações. Por vezes não acham o programa da igreja tão interessante como
acham as atividades dos clubes; e, se alguma partida de baseball, ou alguma
natação, ou alguma patinação estiver planejada para o domingo, eles suscitam
dificuldades concernentes à frequência à igreja. Os pais interrogam-se: “Que
será, realmente, importante fazer? Será que devemos insistir para que as
crianças frequentem à igreja?” A resposta dependerá, em parte, do que aconteça
quando a criança está na igreja e dependerá, também, do ponto de vista dos pais
concernente à significação da igreja e do que esta deva ser.
Em sua reunião em Madrasta, na índia, em dezembro de 1938, o Concilio
Missionário Internacional confessara os pecados da igreja, como um todo, nas
seguintes palavras:
“Na presença de............... desastres e empecilhos, verificamos o
julgamento da justiça Divina sobre nossa sociedade; mas, verificamos o seu
julgamento, também, sobre nossas igrejas — tão comprometidas com o mundo
que não se atrevem a falar a palavra de Deus na sua inteireza da verdade
intemerata, tão divididas que não podem proclamar esta palavra com seu pleno
poder, tão manchadas pelas mesquinharias e pelo mundanismo que a face de
Cristo já não poderá ser discernida nelas, nem seu poder se poderá difundir
através delas para sua obra de redenção.”

A SIGNIFICAÇÃO DA IGREJA
A despeito de todas estas dificuldades e destas sérias limitações, ainda
assim, merecerá a igreja nossa lealdade? Será que ela oferece aos homens, as
mulheres e às crianças alguma coisa que nenhuma outra instituição ofereça nem
possa oferecer? Será a igreja essencial?

98
A Conferência de Madrasta, depois de fazer a confissão referida,
enunciara esta asserção confiante: “Não obstante, com toda humildade e
arrependimento, estamos constrangidos a dizer ao mundo necessitado e iludido
que a Igreja Cristã, debaixo de Deus, é ainda a sua maior esperança.”
Historicamente, a influência da igreja tem sido assim descrita:
A Igreja Primitiva consistia na convivência informal, sem edifícios, nem
cerimônias, mas efetivada na profunda fidelidade a Jesus Cristo. As pessoas que
se congregavam em seu nome, a despeito das perseguições, constituíam-se em
“células vivas dentro do organismo que perecia, daquele império, daquela cultura
e daquela civilização a perecerem”.
A Igreja dos anos que precederam a queda de Roma, era “uma instituição
dotada de suficiente vitalidade e tenacidade para sobreviver à catastrófica
desintegração de toda uma civilização”.
A Igreja da Idade Média, era o “centro de toda a vida, a guardiã da cultura,
da educação, da filantropia, da medicina, da justiça e da fé”.
A Igreja da Reforma recuperara ainda “a realidade espiritual e a liberdade
das garras aduncas da degenerescência, desta vez representada pela mão
fúnebre de uma hierarquia eclesiástica corrupta — proclamando novamente um
ideal para as almas”.
A Igreja do século dezenove foi a “mais fértil e frutífera dessa longa
sequência, fonte original da mais notável sucessão de cruzadas em prol da
libertação do gênero humano na história — em prol da abolição do comércio de
escravos, em prol da reforma dos presídios, em prol da melhoria das condições
de trabalho, em prol da temperança e em prol da paz”.
E, a Igreja atual é a “única comunidade intacta que subsiste entre todos os
povos, num mundo torturado pelos conflitos e ameaçado de morte”. 1
Tais predicados são os mais notáveis que poderiam ser ambicionados por
qualquer instituição da história, e impõem respeito. Mas, não é só isto que a
Igreja reclama como realizações suas. A Igreja é mais do que a melhor das
instituições entre os homens. É mais do que uma instituição que tem tido
influência irrefragável sobre os homens e sobre o curso da história. A Igreja é
única. É o “corpo de Cristo”, o canal no mundo hodierno, através do qual, os
propósitos de Deus são mantidos em contacto permanente com os homens,
desafiando-os, inspirando-os, encorajando-os. É “a casa de Deus, a família na
qual a Paternidade de Deus e a fraternidade humana destinam-se a realizar-se
nos filhos de sua adoção”.

1
H. p. Van Dusen, Reality and Religion, Association press, 1939, pp. 65-66.

99
“Oxalá Deus que a Igreja seja a Igreja!” “Dizem as conclusões da grande
conferência de Oxford sobre a Vida e o Trabalho Cristãos”. “Oxalá seja a Igreja
uma instituição única, a que proclama a palavra de Deus, a que desafia as vidas
contemporâneas em nome de Deus, a que não jura fidelidade a nenhum governo
senão exclusivamente ao governo de Deus. Oxalá seja a Igreja a habitação de
Deus — uma comunidade de Cristãos onde Deus possa estar e tornar manifestos
seu Reino, poder e glória. Oxalá seja a Igreja a habitação de Deus e não outra
qualquer instituição portadora de ideias sociais”. 2

O CARÁTER EXCLUSIVO DA IGREJA


Estas são altas reivindicações e altas exigências. Sendo justificadas,
então, é que a Igreja detém um lugar único, e a participação na vida da Igreja é
de real importância.
Serão justificadas, ou será que a Igreja de nossos dias, como dizem alguns
de nós, é meramente uma das muitas instituições humanas, onde se reúnem
pessoas de idêntico lastro social, visando uma experiência social e a
participação em cerimônias mais ou menos belas e significativas de natureza
religiosa? É importante que cheguemos a uma convicção clara sobre este magno
assunto referente à significação da Igreja. Não temos direito de educar nossos
filhos dentro de uma instituição, quando esta instituição já se tornara impotente
e está fadada a perecer; não temos direito de solicitar-lhes a fidelidade para uma
instituição que já não se faz merecedora dessa fidelidade. Por outro lado, se a
Igreja é digna da lealdade deles, acima de qualquer outra instituição, se a Igreja
tem um papel único e importante na redenção dos homens, então nós estamos
sob a obrigação de interpretá-la aos nossos filhos, de maneira muitíssimo mais
convincente do que o que se verifica em nossos esforços atuais.
Através da convivência na igreja, as pessoas dispõem do apoio de outros
que comungam de seus propósitos, de suas alegrias, e dores, de suas aspirações
e sentimento de frustração. Têm ainda mais. Têm na comunidade dos que creem
em Cristo, a experiência de Cristo. O Dr. C. C. Morrison interpreta a vocação de
Paulo, na estrada de Damasco, como uma experiência de Cristo através da
experiência com a comunidade cristã. Paulo tinha perseguido a comunidade
cristã. Então, tivera seu encontro com Cristo — não, diz o Dr. Morrison, um Cristo
ausente, mas “o Cristo que vivia no corpo de sua Igreja, que se identificava,
respondendo à resposta de Saulo, como sendo Aquele a quem Saulo perseguia”3.
Perseguindo os membros da comunidade cristã, Paulo estava
perseguindo a Cristo, visto que, Cristo estava na comunidade cristã; era o seu
corpo.

2
E. F. Tittle, Let the Church be the Church, em Theology and the Modern Life, W. C. p.
271.
3
What is Christianity? Willett., Clark, 1940, p. 154.

100
O caráter exclusivo da igreja não é devido a poderes mágicos que lhe
tenham sido conferidos, nem é devido à perfeição de seus membros. A igreja
pode recusar-se de ser a igreja, e por vezes assim tem acontecido. Quando isto
acontece, não permanece como corpo de Cristo, mas como associação de
pessoas para propósitos vários. Algumas vezes, a igreja se tem levantado contra
os direitos do homem em prol dos privilégios excepcionais de uma minoria;
quase tem chegado a esquecer-se de Deus em seu entusiasmo pelas boas obras;
por vezes se tem resolvido em veículo, simplesmente, para que as cerimônias
religiosas sejam transmitidas de geração em geração. Mas, Deus vela pela igreja
pecadora, como vela pelas pessoas pecadoras, e não a abandona. “Eu sararei as
suas transgressões” já fora dito com relação a Israel, a comunidade religiosa. A
igreja tem sobrevivido, igualmente, à perseguição, ao grande poder e à riqueza
porque tem consigo o germe da vida; a fé em Deus.
Paulo sabia que os membros das igrejas que ele fundara não eram
perfeitos, por isto ele os chamava sempre ao arrependimento e à reforma.
Entretanto, a despeito disto, ele compreendia que a comunidade cristã era a
única esperança na interpretação da mente de Cristo, no testemunho da
realidade do poder de Deus e na corporificação da vontade Divina diante dos
homens. A igreja hodierna, também, é constituída de pessoas, seres humanos,
que pecam e se arrependem, falham e fazem novas tentativas. A despeito, disto,
porém, é a instituição que concita os homens a que se voltem para Deus. É,
portanto, nossa responsabilidade, como mestres das crianças, exaltarmos a
igreja e ao mesmo tempo, envidarmos para que a igreja, que agora existe, se
eleve até a igreja que ela deve ser.
É provável que a igreja que deve ser não seja uma igreja popular. Não
obstante, ela não se há de segregar do mundo; estará no mundo, empenhada em
trazer os homens para Deus. Ela levará avante a obra iniciada por Jesus. Da
mesma forma como a obra iniciada por Jesus estava em conflito com o
pensamento popular, tanto no terreno da religião como no da moral, assim
também, a igreja, em nossos dias, deverá, provavelmente, ostentar as marcas de
seu sofrimento por estar em desarmonia com o mundo.
Deveria, então, a igreja restringir-se a uma plêiade de pessoas que se
dedicassem integralmente à vontade de Deus tal como encontramos esta
vontade revelada em Jesus Cristo? Deveria ela impor aos seus membros as mais
altas exigências, na expectativa de que, tão somente, uma minoria insignificante
da comunidade as acolheria? Tem-se sugerido, em mais de um setor, que a igreja
se tornaria muito mais vigorosa, se fosse bem menor, contanto que mais
devotada a sua missão.
“No fim do dia, verificar-se-á que as igrejas se enganaram encorajando os
indivíduos a permanecerem com sua filiação nominal, quando já relegaram
displicentemente, a religião a uma situação de inteiro descaso... satisfazendo-se
com fragmentos de atenção de indivíduos de certa importância, relativamente
aos quais as igrejas conseguiram êxito em suas pretensões. A apostasia das
101
igrejas consiste em que elas aquiescessem com a atitude comum e se
acomodassem a esta aceitação. O poder da religião dentro da sociedade está na
inteira devoção daqueles muitos ou poucos, que conhecem em seus próprios
espíritos o que seja a RELIGIAO.” 4
Certamente que não pode haver dúvidas de que a igreja na América, em
nossos dias, é constituída de pessoas para as quais a religião é algo de primacial
importância e, também, de pessoas para as quais, a religião, quando muito, tem
uma importância marginal. Os cristãos de Corinto, provavelmente a mais
corrupta cidade dos tempos antigos, reconheceram que, em aceitarem a mente
de Cristo como deles propriamente, colocavam-se, à parte, no mundo em torno
deles, pelo menos naquilo que se relacionasse com os valores vigentes. É neste
ponto, que a igreja moderna parece estar ficando muito aquém. Ela tem se
conformado com o mundo em vez de dizer a seus membros: “Transformai-vos,
pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa,
agradável e perfeita vontade de Deus.” Não parece que a igreja esteja na
expectativa de que seus membros sejam “diferentes”!
As igrejas protestantes não têm, como a Igreja Católica Romana, qualquer
voz que lhes seja como a voz autorizada e infalível de Deus. Entretanto muitos
desvios, ousamos sugerir, não são devidos à falibilidade humana na
interpretação da vontade de Deus, mas à falta de preocupação pelo
conhecimento daquela vontade. Se as igrejas não estão exercendo a influência
que deviam estar exercendo nos negócios dos homens e das nações dos dias
presentes, é pelo fato de que não têm, a tempo e fora de tempo, conclamado os
homens a buscarem primeiro a vontade de Deus.

A IGREJA LOCAL EM SUAS RELAÇÕES


A igreja, tal qual nossos filhos inicialmente conhecem, é uma igreja local,
um agrupamento de pessoas, que se reúnem num edifício determinado da
comunidade respectiva. Além disto, esta igreja local é uma das partes de um
grupo maior de igrejas locais, que é uma denominação. E as denominações
estão relacionadas, de maneira mais ou menos estreita, por várias organizações
Inter denominacionais, tais como o Concilio Federal das Igrejas, o Concilio
Internacional de Educação Religiosa e certas organizações missionárias.
Finalmente, estão, na sua maioria, relacionadas numa organização internacional,
o Concílio Mundial de Igrejas.
Como nos será possível interpretar essa estrutura complexa as crianças
sem que lhes causemos, por um lado, uma confusão desesperada, e, por outro
lado, uma perda de confiança na Igreja Cristã como corpo de Cristo? Ela se
mostra tão cheia de divisões! Como poderá esta igreja defrontar-se com o
mundo, com aquele desafio: “Assim diz o Senhor?” Como já assinalamos, as

4
Van Dusen, God in these Times, pp. 69-70.

102
igrejas são constituídas de seres humanos que têm limitações. Estes, ainda não
estão possuídos de irrestrita consagração à vontade de Deus, em perfeita
consonância com a mente de Cristo. O ideal proposto à Igreja de Cristo não se
verifica ainda realizado nas igrejas. Encontram-se em processo para se tornarem
o que devem ser. Sendo assim, não devemos iludir-nos com a persuasão de que
já sejam perfeitas. Além disto, devemos considerar que, visto que os indivíduos
são diferentes, alguns preferem certo sistema de culto, ou certo tipo de edifícios,
ou certas formas de organização, enquanto outros indivíduos preferem outros.
Entretanto, todas as igrejas participam da Igreja Universal.
As crianças que se destinam a ser, realmente, membros efetivos da Igreja
de Cristo no mundo, não podem acalentar falsos conceitos religiosos. É
necessário que haja, para as crianças da América, a devida oportunidade para o
estabelecimento de relações cordiais com pessoas cuja fé religiosa seja
diferente das suas próprias convicções e a oportunidade para a discussão
dessas diferenças. Discussões dessa espécie, se bem conduzidas, hão de
desvendar entre os grupos religiosos que se têm parecido tão distanciados, uma
área surpreendente de concordância sobre os assuntos evidentemente
essenciais da paternidade de Deus, da fraternidade humana, e da prática da
conduta na vida que as diferentes crenças impõem aos homens, mulheres, e
crianças da atualidade.
Obteremos êxito, ou falharemos nesses nossos esforços, dependendo
grandemente do grau em que, na comunidade considerada, onde viva a criança,
sua própria igreja e as demais igrejas cooperem mutuamente, e com mútuo
respeito, na solução das necessidades circunstantes. Visto que, a experiência da
criança em sua própria igreja local, constituir-se-á em prelúdio para a sua
experiência com a Igreja Universal.

RELACIONANDO AS CRIANÇAS COM A IGREJA


Como, então, deveremos relacionar as crianças com a igreja? Que
deveremos esperar dela com respeito às crianças?
Em muitas igrejas há alguma cerimônia de dedicação dos recém-
nascidos. Com efeito, tal cerimônia não tem significação para o próprio recém-
nascido. Entretanto, poderá ter significação para os pais. É simbólica do
reconhecimento dos pais de que a Igreja de Cristo é uma instituição peculiar que
poderá, de maneira toda especial, contribuir para “todas as coisas que pertencem
ao espírito”, medrarem e desenvolverem-se na criança e “todas as afecções
pecaminosas” morrerem. É simbólica do desejo dos pais, bem como, de seus
propósitos por criarem seus filhinhos dentro da convivência da igreja.
Os pais que nutrem tais desejos e propósitos e tal expectativa contribuem
para que seus filhos adquiram atitude favorável para com a igreja, mesmo antes
que estes seus filhos tenham as experiências de primeira mão com a mesma
igreja. Tendo, os pais, preocupações com a igreja, os filhos se mostrarão

103
inclinados a preocuparem-se também com ela. Dando, os pais, evidências de que
encontram experiências satisfatórias de convivência e de culto coletivo, as
crianças, por sua vez, se mostrarão inclinadas à receptividade destas
experiências satisfatórias. Dando, os pais, seu tempo, suas preocupações e seu
dinheiro para a manutenção do programa da igreja, as crianças, como
consequência, hão de estar inclinadas a considerarem a participação na vida e
no trabalho da igreja como uma fase normal de uma vida feliz. Entretanto, se a
igreja for ignorada pela família durante os primeiros anos da criança, há de
permanecer, para esta, uma instituição alheia e estranha.
Quando a criança começa a frequentar as sessões que lhe são planejadas
pela igreja, a influência dos pais se torna mais específica. Se os pais assistirem
regularmente e expressarem sua apreciação quanto aos trabalhos, será provável
que a criança crie simpatias para com o programa da igreja e deseje participar
de seus trabalhos. A frequência à igreja e ao trabalho da igreja constituem-se em
preocupações de toda a família. Por outro lado, se os pais forem
despreocupados pela frequência, e dados a críticas inamistosas, de vez em
quando, é provável que a criança venha a se tornar ainda mais despreocupada e
sarcástica.
É, também, importante, durante esses primeiros anos de participação na
vida da igreja, que os pais e os obreiros levem as crianças a persuadirem-se, de
que são, realmente, membros desta família que é a igreja. As pessoas
responsáveis pelas crianças, como o são, de modo peculiar, não devem ser
tímidas em seus esforços por acentuarem, constantemente, na presença dos
membros adultos da igreja, as necessidades e os privilégios das crianças.
Devem criar oportunidades para que as crianças compareçam, sob as mais
favoráveis circunstâncias, diante dos oficiais da igreja, diante das líderes das
organizações de senhoras, e diante dos jovens que se estejam projetando nos
trabalhos ativos da igreja. Especialmente, devem criar frequentes oportunidades
para que as crianças estejam com o pastor, e para que se tornem familiarizadas
com o pastor como um amigo. Tudo deverão fazer incansavelmente, como
elementos responsáveis entre os adultos, visando que a igreja cada vez mais se
torne uma boa igreja, digna de ser o lar espiritual das criancinhas.
Além disto, os obreiros da igreja poderão levar a coletividade dela como
um todo a reconhecer os direitos das crianças de participarem nas decisões da
família em que se resolve a igreja, no que se refere aos planos, aos programas e
às despesas, na medida em que as crianças já entendam estas coisas. As
crianças já crescidinhas poderão preparar-se melhor para a plena participação
como membros responsáveis e ativos da igreja, através dessa experiência atual
de participação.
Deve, com efeito, ser planejado para as crianças, de cada nível de idade, o
melhor programa possível, e devem-se lhes proporcionar os melhores
professores e o melhor equipamento possível. Algumas sugestões para esse
programa, esse equipamento e esses melhores professores para a educação das
104
crianças são encontradas em vários livros excelentes, bem como em alguns
panfletos e periódicos, de modo que, não vão, aqui, consideradas.

A INFLUÊNCIA DA CONVIVÊNCIA NA IGREJA LOCAL


Circundando e apoiando esse programa específico para as crianças, está
na comunidade de toda a igreja que é qual família. Aqueles que estão mais
estreitamente relacionados com o programa da igreja destinado às crianças,
vamos admitir, por agora, que tenham o treino adequado e sejam capazes de
arcar com as exigências decorrentes de suas relações pessoais com as
crianças. Restará outra coisa mais a ser feita, a fim de que, a situação se torne a
mais excelente para que se verifique o desenvolvimento religioso? Antes de
respondermos a esta pergunta, temos de enunciar uma outra: Serão aquelas as
únicas pessoas nesta família, em que a igreja se resolve, as quais exercerão
influência sobre as crianças?
Há o pastor. Este é o líder da igreja e se for digno da posição que ostenta,
exercerá maior influência do que qualquer outra pessoa na determinação da
qualidade de vida da comunidade cristã. Qual é sua atitude para com as
crianças? Considerará ele a orientação das crianças como uma de suas maiores
responsabilidades e uma de suas mais esplêndidas oportunidades? Ou será que
pensa do trabalho com as crianças, comparado com a preparação do Ágape para
a mesa de ecônomos, como coisa de somenos?
Certo menino de dez anos, que sempre frequentara a Escola Dominical,
desde o berço, e que era ativo no trabalho do departamento dos intermediários
perguntara a seu líder numa manhã de domingo: “Quem é aquele homem ali,
aquele que está conversando com a senhorita Orr?” O líder olhara e vira o pastor
da igreja! Não se tratava de um pastor novo daquela congregação, mas tratava-
se de um ministro que estava ali por mais de um ano. E, não obstante, ali estava
um menino de dez anos, membro entusiasta da Escola Dominical, que,
aparentemente, nem chegara, a ter visto o pastor antes!
Certamente, algo muitíssimo importante faltara à experiência das
crianças naquela grande e belamente equipada igreja. Entretanto, não parece ser
essa uma situação isolada entre as grandes igrejas das cidades. Efetivamente, o
ministro de tal igreja é pessoa muito atarefada. Não estamos admitindo que esse
ministro esteja na liderança agressiva do trabalho das crianças. As evidências
são de que nem pelo treino, nem por inclinação, seja ele a melhor pessoa na
igreja que se preste para tal serviço. Ele é, porém, o pastor das crianças dos
departamentos primários e intermediário, tão realmente, como é o pastor do
presidente da mesa dos ecônomos, ou da presidente da Sociedade Missionária
das Senhoras. Como tal, ele é necessariamente, um fator vital no programa total
de educação religiosa na igreja.
Provavelmente, a necessidade mais importante seja que as crianças se
apercebam de que o pastor é um amigo. Com exceção das igrejas muito grandes,

105
os respectivos pastores podem conhecer, realmente, as crianças se julgarem
importante este conhecimento.
Alguns garotos estavam jogando bola, num terreno baldio, certa tarde,
quando um senhor parara ali para apreciá-los. Durante um intervalo do jogo, um
dos garotos perguntara: “Quem é aquele que está ali?” Ah! aquele é o Dr. Rivers!
Joe exclamara e apressara-se em sua direção. Os dois prosearam um pouco e,
depois, Joe voltara para o jogo. Quem é o Dr. Rivers? Inquirira Bob. Ele é o
ministro de minha igreja e um amigo meu, respondera, orgulhoso, Joe. Será que
este fato, o fato de que o ministro é “um amigo meu” contribui para a influência
da igreja de Joe em sua vida?
Se o ministro visitar frequentemente a sala das crianças, vindo muitas
vezes, bem cedo, a fim de participar das atividades informais que são muito do
agrado dos mais pontuais entre as crianças, poderá, com muita facilidade,
estabelecer essas relações de amizade. Poderá ajudar a determinar onde o jarro
de flores ficará melhor, ou se a nova gravura que fora oferecida aos
intermediários ficará mais bonita numa moldura bronzeada ou azul. Poderá
ajudar uma garota a encontrar uma boa gravura, de uma lâmpada oriental, num
dos livros de seu gabinete; poderá colocar a estrela no ponto mais alto da árvore
de Natal que as crianças estão a ornamentar, na sala dos principiantes, em
virtude de ser ele o mais “alto”.
O ministro poderá assistir ao culto de um ou outro dos grupos de crianças,
não necessariamente, como seu dirigente, mas como simples participante. Em
caso de convite especial, poderá reunir-se com certo grupo, através de uma
sessão cuja finalidade seja considerar alguma questão relacionada com o
sofrimento, ou com a morte, casos em que o dirigente se sinta incapacitado para
tratar. Quando os grupos de crianças estiverem empenhados em alguma
empreitada interessante, o ministro poderá manter-se informado do progresso
da empreitada e comentar o fato com os demais membros dessa família que é
a igreja. Quando estiver dirigindo a congregação nas reuniões de oração, o
ministro poderá fazer menção do trabalho que as crianças estão fazendo. Assim,
mostrará o ministro, seu interesse para com as crianças de sua igreja.
Os componentes da mesa administrativa da igreja, aqueles que detêm as
responsabilidades concernentes aos negócios, estarão, também, contribuindo
favoravelmente, ou prejudicando a influência da igreja na vida de suas crianças
e isto pelo fato de que tenham pouco contato com as crianças. A maneira pela
qual são conduzidos os negócios da igreja, a prontidão com que são pagas as
suas contas, a liberalidade representada no salário pago ao pastor e ao zelador,
a responsabilidade com que encaram a conservação em ordem das
propriedades da igreja, na administração desses negócios, os oficiais da igreja
ensinarão às crianças.
A generosidade da igreja em proporcionar a suas crianças o melhor
possível em matéria de salas e equipamentos, o interesse afetuoso de todos os

106
adultos nas atividades das crianças, bem como a preocupação que revelam pelo
bem-estar das vidas em formação de entre seus membros — estas evidências
da solicitude e do cuidado da igreja para com suas crianças, atrairão estas
crianças para o seu seio, pelo amor e pela gratidão. A qualidade imediata dessa
provisão, não será o que realmente interessa. Algumas igrejas prodigalizam
muitos equipamentos, mas revelam pouca solicitude para com as crianças. Se
for o caso em que a igreja faça o máximo que permitirem as suas possibilidades,
as crianças muito se rejubilarão nisto, embora seja coisa extremamente
modesta.
A maneira de proceder da igreja referente à diferença de opiniões entre
seus membros, ouvindo de ambos os lados, conduzindo as pessoas desavindas
à compreensão do ponto de vista contrário, num espírito respeitoso, envidando
para que seja encontrada a solução melhor para os implicados e que possa ser
apoiada por todos, em tal maneira de proceder relativamente aos problemas das
relações humanas, as crianças aprenderão o que significa não atentar somente
para o que é propriamente seu, mas também para os interesses dos outros.
A influência da igreja além do círculo propriamente de seus membros, na
comunidade, os esforços corajosos e inteligentes que ela envida em favor
daqueles elementos da comunidade que estejam fora do círculo dos cidadãos
responsáveis, e que sejam infelizes, desolados, necessitados de assistência
física ou de que alguém se interesse por suas causas diante dos tribunais, ou
diante da comissão de desapropriações da administração da cidade, tais
atividades dentro da igreja estimulam as crianças a desejarem tomar parte na
extensão da influência da igreja sobre todos os homens.
Assim, a igreja poderá se tornar como o lar espiritual para as crianças. Ela
poderá vir a ser para as crianças uma evidência da vontade Divina em operação
entre os homens.

ASSUMINDO OS COMPROMISSOS COMO MEMBROS DA IGREJA


Em que ponto de seu desenvolvimento deverão as crianças serem
convidadas a assumirem os votos como membros, propriamente dito, da igreja?
Efetivamente, não se pode dar resposta cabal a esta pergunta. Em grande parte,
a resposta está na dependência do ponto de vista e dos costumes da igreja local
respectiva, à qual as crianças estejam relacionadas. Em muitas igrejas, hoje em
dia, as crianças são consideradas como já estando dentro da igreja, como
membros da família em que a igreja se resolve, desde o momento quando, pela
primeira vez, são trazidas ao contacto com a igreja. Se são batizadas, ou
dedicadas de qualquer outra maneira, na infância, ou são inscritas no rol do
departamento do berço, passam a ser, desde este instante, participantes da vida
da igreja, e a igreja toma sobre si uma porção das responsabilidades na criação
delas. Quando começam a assistir às sessões da igreja, especialmente
planejadas para elas, estão participando da vida da igreja. Quando se deslocam
de um para outro grupo, dentro da igreja, a cerimônia de promoção deve

107
proporcionar ensejo para a interpretação, acessível ao nível mental da criança,
da significação do discipulado a Jesus Cristo e da filiação dentro da igreja cristã,
bem como, para que a criança faça sua própria decisão pessoal de conformidade
com o nível próprio de sua compreensão.
Desde a idade de seis e sete anos, as crianças se regozijam por
encontrarem-se no âmbito de trabalho de sua própria igreja e de terem aí alguma
participação. Quando passam para o departamento intermediário de sua igreja,
estarão, muito provavelmente em condições de apreciarem uma narrativa bem
simples do começo e do desenvolvimento da igreja cristã. Durante este período,
também não será mau que surjam as primeiras considerações quanto à natureza
da igreja, sua unidade na diversidade, de como ela difere de outras instituições,
e qual o lugar que lhe cabe no mundo atual, embora deva deixar-se reservada
para a fase pré-ginasial ou ginasial a consideração mais pormenorizada e mais
completa destes assuntos.
Juntamente com a apreciação do caráter exclusivo e da dignidade da
igreja deve estar, como já sugerimos, o franco reconhecimento por parte dos pais
e dos professores, de que a igreja não é perfeita, de que ela tem suas fraquezas
e de que ela não está realizando tudo quando lhe seria possível realizar no mundo
de hoje. Se este reconhecimento coincidir com uma experiência relativamente
longa de convivência satisfatória na igreja, as crianças hão de considerá-la como
útil e estimulante e não como deprimente. Perceberão que a igreja tem uma
grande tarefa a realizar, que ela requer compreensão mais clara quanto a seu
papel peculiar, mais dedicação à vontade de Deus, mais desprendido serviço
para com os homens e mais decisiva disposição de vencer o mal. Perceberão
que a igreja necessita deles e de tudo quanto eles tenham para lhe oferecerem
de inteligência, de devoção e de coragem; perceberão que, por sua vez, eles
necessitam da igreja.
Tal preparo por vários anos há de contribuir para que a criança venha a
desejar assumir os compromissos como membro propriamente dito da igreja.
Entretanto, a criança precisará, também, de algum preparo especial para a
cerimônia mais próxima. Usualmente, este preparo estará na dependência do
pastor, trabalhando em conexão muito estreita com os obreiros que lidam com
as crianças de sua igreja e com os pais. O pastor há de mostrar-se desejoso de
conversar com as crianças refletidamente sobre a igreja, a fim de satisfazer-se
propriamente na verificação de que os candidatos estão preparados para
assumir os votos como membros da igreja e para lhes interpretar, nos devidos
pormenores, o ritual da igreja.
Antes da oportunidade em que ocorrerá a tomada de compromissos,
deve-se ter muito cuidado para que os adultos da congregação estejam
preparados para considerarem tal oportunidade como de real importância, como
uma cerimônia de alegria tanto quanto de obrigações. Por exemplo, no ritual da
igreja, o ministro diz aos pais:

108
“Que este vos seja um dia de especial alegria e gratidão, pelo fato de que, estes
que são vossa carne e vosso sangue, já entraram, também, neste parentesco mais santo
e espiritual convosco em Jesus Cristo.” 5

Semelhantemente, a igreja considerada como uma família é também


solicitada a alegrar-se:
“Irmãos da família dos que creem, elevemos nossos corações em ações de
graças ao Todo-Poderoso Deus, que pelo Espírito Santo tem inclinado estas crianças no
sentido de desejarem e pedirem para se tornarem membros da igreja. Tendo chegado
aos anos de discernimento, e agora, por sua espontânea vontade, comparecendo diante
desta congregação para tomarem sobre si mesmas os compromissos e entrarem nos
privilégios e nos deveres da igreja, invoquemos, com um só pensamento e coração, com
toda seriedade, em favor delas as bênçãos do Pai, do Filho e do Espírito Santo.” 6

Nunca será demasiada a ênfase para que a cerimônia de recepção das


crianças, como membros propriamente ditos da igreja, seja conduzida com a
maior dignidade. A pressa por parte do ministro oficiante, a inquietação ou a
desatenção por parte da congregação susceptibilizarão as crianças que se
sentirão profundamente ofendidos com o fato. Em vez disto, que o ministro
demonstre todas as evidências de que tem profunda consciência da importância
da ocasião e que os membros da igreja se alegrem verdadeiramente no fato.

A COMUNIDADE CRISTÃ MUNDIAL


As relações da criança com a igreja são, antes de tudo, relações para com
uma igreja local, uma sociedade dentro de sua comunidade. A vida dentro desta
sociedade local, e o ritual de recepção nela com mais plena responsabilidade,
devem contribuir para o esclarecimento da criança (reforçando esta verdade
entre todos os demais membros) do fato de que esta igreja local não é um grupo
isolado, mas uma parte da comunidade mundial dos cristãos, o corpo de Cristo,
através do qual a mente de Cristo se torna conhecida por todo o mundo. Como
membros desta comunidade mundial, as crianças têm privilégios e
responsabilidades muito acima das inerentes à participação delas na vida e no
trabalho da própria congregação local. Têm os privilégios decorrentes do fato de
serem membros de uma comunidade mundial que transcende as barreiras de
raça, classe, ou nação; mesmo relativamente às nações em guerra. E têm as
responsabilidades que as levarão a exercer, através desta comunidade mundial,
uma vital influência em prol da reconciliação entre as nações, em prol da
salvação, em prol de uma atividade criadora de áreas crescentes de cooperação,
de serviço mútuo e de apreciação, cujos esforços hão de contribuir para o
estabelecimento efetivo da unidade mundial.
O conceito de unidade mundial não é novo. Na história antiga, residem as
raízes da ideia de uma comunidade mundial que teria o seu centro na capital de

5
Do “The Ritual of the Methodist Church”.
6
Ibid.

109
algum povo e sua fonte de poder e influência nos dotes superiores da religião da
nação, na sua cidadania e nos seus costumes e maneiras. Para os patriotas do
Israel antigo, Jerusalém destinava-se a tornar-se o centro do mundo:
“Levanta em redor os teus olhos e vê: Todos estes já se ajuntaram e veem a ti...
A abundância do mar se tornará a ti... As tuas portas estarão abertas de contínuo... para
que tragam a ti as riquezas das nações e, conduzidos com elas, os seus reis. Porque a
nação e o reino que te não servirem, perecerão.”

Este sonho de unidade mundial sob a hegemonia de alguma nação tem


sido sempre mantido entre os homens e, ocasionalmente, quase realizado, como
no caso do Império Romano. Em tempos modernos tem havido impérios que se
estenderam sobre a face da terra, reunindo homens de muitas raças sob um
grande sistema de governo, radicado numa grande capital. Entretanto, a história
tem demonstrado sempre e sempre, que este plano de unidade mundial é estulto
por sua própria natureza.
Os grandes profetas de Israel espiritualizaram o conceito, elevando Israel
deste plano de um mero poder extraordinário ao plano de uma nação santa, cuja
missão consistia em trazer a paz, a salvação e o conhecimento de Jeová sobre
a terra, de modo que Israel, a comunidade religiosa, em vez de Israel, a nação, é
que se deveria tornar o fator da unidade mundial. Embora se tratasse, ainda, de
uma unidade mundial sob o povo escolhido, conforme os costumes e crenças
dos Israelitas, este conceito da unidade pela lealdade para com o Deus único
punha o gênero humano numa nova direção.
Não foi senão depois de muitas gerações que o pensamento dos profetas
encontrara seu desenvolvimento naquela excepcional declaração de Paulo:
“Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem
fêmea. Porque todos vós sois um em Cristo Jesus”. Muitas outras gerações se
passaram enquanto os homens continuaram a aprender vagarosamente a
significação da verdadeira unidade mundial em Jesus Cristo. Mesmo em nossos
dias, é apenas uma reduzida minoria dos que ostentam o nome de Cristo que se
considera como membro desta sociedade que transcende todos os limites de
raças, classes e nações. Não obstante, esta sociedade é a Igreja Cristã, o corpo
de Cristo. Ela proclama a Deus como Pai; ela compreende todos os homens
como irmãos; ela se propõe a realizar a vontade de Deus e reconhece que a
salvação mundial só se verificará quando os homens se aperceberem do
egoísmo que os possui, e aceitarem a salvação de seus pecados que lhes é
oferecida no Evangelho de Jesus Cristo.
Uma sociedade assim deve ser mais do que um sonho dos profetas. Deve
tornar-se efetiva entre os homens hodiernos. Seu crescimento poderá ser
vagaroso, mas é crescimento. Exatamente nas vésperas da catástrofe da
segunda Guerra Mundial, houve quatro reuniões de cristãos de todas as nações:
As de Oxford e de Edinburgh em 1937, a de Madrasta em 1938 e a de Amsterdam
em 1939. Naquelas reuniões se fizera explícita a unidade dos cristãos à volta do

110
mundo. A despeito de diferenças notáveis de costumes, línguas e governos
nacionais, a despeito de todas as nuanças de opiniões em doutrinas e
organização eclesiástica verificaram que são UM na fé que têm em Deus, na
fraternidade humana, na possibilidade de salvação do pecado e no sentimento
da dependência em que estão de Deus.
A comunidade cristã, começando como minoria dentro de cada nação,
mas pregando e vivendo sua fé, há de crescer como o grão de mostarda e há de
tornar-se a esperança das nações para a redenção mundial.
Se a experiência da criança em sua própria igreja local e sua aceitação
dos compromissos como membro da igreja foram plenos de júbilo e de uma
crescente apreciação da natureza e da missão da igreja no mundo hodierno, a
criança está em condições de compreender também, que ela não é somente uma
parte da igreja local, mas também uma parte da sociedade dos que creem, a qual
transcende as raças, as classes e as nações; o corpo de Cristo. A criança
compreenderá que a igreja exige maior lealdade do que quaisquer outras
instituições porque é, a um tempo, o canal através do qual Deus faz conhecida a
sua vontade para com os homens e uma coletividade de pessoas que se auxiliam
e apoiam mutuamente na decisão que fazem em prol da vontade de Deus.
Glorificar a Deus e assistir os homens; proclamar o Reino de Deus na terra
e conquistar os homens para a respectiva lealdade; distinguir-se do mundo pelos
seus padrões de valor e, não obstante, permear o mundo como instrumento de
Deus no serviço e na salvação de todos os homens; eis a missão da igreja da
qual concitamos nossos filhos a participarem.

111
XII

CULTUANDO A DEUS
Que o Deus do universo, cuja grandeza é imensurável, o Santíssimo, o Juiz
Justo de toda a terra, se preocupa com os homens individualmente e procura
estar até mesmo com os mais ínfimos de entre os homens — é uma das mais
peremptórias afirmações da fé cristã. Saber que o Deus que criara os céus e a
terra, que “pesou os montes e os outeiros em balanças” se preocupa com os
homens, um por um, deve parecer aos homens de hoje, em dia, tão maravilhoso
como o parecera ao salmista na antiguidade.
Como haveremos de concorrer para que nossos filhos se tornem mais e
mais apercebidos de Deus, estabeleçam a comunhão com Deus, compreendam
a linguagem pela qual Deus lhes fala e correspondam-se com Deus? Algumas
sugestões visando nosso comportamento diante de tais problemas foi a matéria
de nossas preocupações nos capítulos que precederam. Parece-nos, porém,
agora, conveniente que focalizemos nossos pensamentos nos problemas
específicos relacionados diretamente com o culto da criança.

O RECONHECIMENTO DA REALIDADE E DA GRANDEZA DE DEUS


Para os homens normais, a presença de Deus acarreta sempre um
profundo sentimento de tremor e de humildade. Sente-se que é forçoso
reconhecer que Deus é DEUS. “Ó Senhor, meu Deus, tu és grandiosíssimo.” As
experiências registradas na literatura religiosa mostram que as mais nobres
almas de todas as épocas que se sentiram na presença de Deus, têm isto em
comum; reconhecem a própria insignificância e a grandeza de Deus.
As criancinhas, ao se sentirem maravilhadas diante de algum portento da
natureza, podem ser levadas ao reconhecimento de Deus. Não será necessário
que isto seja por meio de palavras formais, nem mesmo que seja necessário o
uso de qualquer palavra. Poderá, e, provavelmente, há de ser, uma resposta
inarticulável ao mistério que elas presenciam. No decorrer de outras
experiências, a percepção de Deus deve tornar-se mais aprofundada pelo
incremento das oportunidades que explicam estas palavras: “Estai quietos e
sabei que eu sou Deus”. Em momentos assim, de apreensão de Deus, cessam
as preocupações do indivíduo relativamente às próprias necessidades; prevalece
a indizível persuasão da realidade e da majestade de Deus. A resposta, em face
de tal experiência, como quer que chegue a ser expressa, há de refletir a mesma
reverência dos escritores do Velho Testamento: “Santo, Santo, Santo é o Senhor
dos Exércitos; toda a terra está cheia de sua glória;” “Que é o homem, para que
te lembres dele?”
Parece ser o testemunho dos santos, através dos séculos, que, a menos
que se esteja apercebido de Deus, a menos que se reconheça a Deus como
DEUS, há pouquíssima probabilidade de que se verifique esta experiência que
112
chamamos de culto. Visto que o culto pressupõe uma relação entre Deus e o
homem, baseada, no que concerne ao homem, no reconhecimento da grandeza
de Deus.
Entretanto, isto não é tudo. O homem não poderá apenas temer, com
reverência, na presença de Deus. No culto há uma comunicação. Deus penetra
na experiência do homem, revelando seu interesse, não só pelo homem,
genericamente considerado, mas pelos homens individualmente considerados.
As visões dos grandes místicos são exemplos frisantes dessa experiência de
comunicação. Mas, mesmo os grandes místicos atribuem menor importância
aos fenômenos visuais e auditivos, considerando-os como simples acessórios.
O aspecto central da experiência consiste na convicção da presença de Deus.
Parece haver pouca base para a dúvida de que o indivíduo se poderá
desenvolver, tornando-se mais sensível às comunicações Divinas. Há
testemunho abundante confirmando o fato de que “a prática da presença de
Deus” poderá incrementar a apercepção que se tem de Deus e poderá
desenvolver a capacidade para a compreensão da linguagem pela qual Deus fala
aos homens.

A COMPREENSÃO DA LINGUAGEM PELA QUAL DEUS FALA


Como poderemos levar nossos filhos a desenvolverem sua sensibilidade
da presença de Deus, sua capacidade de compreensão da linguagem pela qual
Deus nos fala? O Professor Calhoun faz as seguintes sugestões:
“Pode-se esperar, da decifração paciente das leis naturais e da vida humana,
descobrir aqueles pormenores discerníveis da vontade de Deus, revelados através dos
acontecimentos atuais. Para tal interpretação, a agudeza do cientista, a visão do poeta,
o vigor do homem de ação e a constância paciente do povo simples devem contribuir.
Com esta finalidade, lemos as Escrituras, e os jornais, observamos as estrelas, o
mercado e as esquinas das ruas com a sabedoria de que dispomos. E, à medida em que
observamos, a atmosfera poderá clarear-se e nossos corações se poderão acelerar, e
nós prosseguimos avante, tateantes ainda, mas de bom ânimo.” 1

Isto quer dizer, que, nós temos probabilidade de chegar a entender a


linguagem pela qual Deus nos fala, não primariamente através de alguma
experiência desconcertante, mas, primariamente, nas atividades da vida comum,
verificadas à luz de toda a sabedoria e experiência humanas disponíveis.
Entretanto, deve haver a oportunidade para que Deus fale. No meio das
atividades da vida, devem ocorrer pausas a fim de que aquelas atividades
possam ser vistas em perspectiva. “Estamos em contacto demasiado com o
mundo;” é necessário que nos afastemos dele por um instante, a fim de que
possamos avaliá-lo. Em tais momentos de reflexão silenciosa, quando os

1
God and the Common Life, p. 243.

113
pensamentos se voltam, não para a tarefa imediata a ser feita, mas para Deus e
para os seus propósitos a nosso respeito, há probabilidade de que nos ocorra
uma nova intuição sobre determinado problema, o pensamento de uma nova
tentativa relativamente a certa pessoa que se mostra indiferente; a apreensão de
algo a fazermos no sentido de obviarmos uma situação difícil; a verificação dos
remanescentes de atitudes egoístas e de conduta refratária à cooperação, os
quais devamos corrigir.
Se, orientando-nos segundo nossa melhor intuição, segundo a
compreensão mais clara que nos tenha ocorrido, voltarmos para as nossas
atividades e fazermos uso desta intuição e desta compreensão, podemos
assegurar-nos de que esta nossa intuição e esta nossa compreensão hão de
crescer. Mas, se delas não usarmos, e prosseguirmos em nossos próprios
caminhos sem qualquer cogitação para com tal compreensão e para com tal
intuição, então não podemos esperar que nossa capacidade de compreender a
voz de Deus, quando ele nos fala, haja de crescer. É de primacial importância que
levemos nossos filhos a compreenderem esta verdade. “Nenhuma visita
angélica, nenhuma luz dos céus” provavelmente lhes ocorrerá; não obstante
Deus fala! Nas oportunidades mais comezinhas do dia, as quais lhe sejam
proporcionadas, Ele fala, e, tão somente na medida em que nossos corações
estiverem em consonância com o diapasão do Espírito de Deus, poderemos
crescer na compreensão de sua linguagem.

A COMUNHÃO COM DEUS COMO DECORRÊNCIA


DA PRÁTICA DE SUA VONTADE
Ainda mais, se cremos que Deus está operando neste nosso mundo,
importa que o encontremos no mundo e nos alinhemos no sentido de seus
propósitos. Nos esforços por promover os desígnios Divinos, o homem se há de
aperceber do verdadeiro sentimento de comunhão com Deus. Com efeito, já os
grandes profetas disseram que, tão somente através da cooperação com os
propósitos de Deus, é que se pode verificar a comunhão com Ele. Não através
das cerimônias, dos sacrifícios, nem mesmo através das orações, diziam eles,
mas sim através da honestidade, da justiça, da misericórdia e do serviço aos
necessitados é que se tornaria verificável a comunhão com Deus.
“Aborreço, desprezo as vossas festas, e as vossas assembleias solenes não me
dão nenhum prazer... Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos... Corra, porém, o juízo
como as águas e a justiça como o ribeiro impetuoso.”

“As vossas luas novas e as vossas solenidades aborrecem a minha alma; já me


são pesadas; já estou cansado de as sofrer. Pelo que, quando estendeis as vossas
mãos, escondo de vós os meus olhos; sim, quando multiplicais as vossas orações, não
as ouço... Lavai-vos e purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus
olhos; cessai de fazer o mal; aprendei a fazer o bem; praticai o que é reto; ajudai o
oprimido; fazei justiça ao órfão; tratai da causa das viúvas.”

114
Nestas palavras candentes, os profetas da justiça Divina concitaram os
filhos de Deus a desfazerem-se dos sinais, dos símbolos e das palavras no culto,
e a aproximarem-se de Deus, diretamente, fazendo sua vontade; a cessação do
mal, a prática da misericórdia e a propagação da bondade. A importância que
esta interpretação assume, hoje em dia, para os nossos filhos, já tivemos ocasião
de assinalar. Tal interpretação impõe reexame acurado de todo nosso ensino,
bem como, das cerimônias, do culto que planejamos e do material de que
fazemos uso. É uma verdade que as observâncias religiosas, por vezes se têm
transformado “num ópio” embotando os sentimentos para a prática das
injustiças, ao em vez de proporcionarem os elementos nutritivos que resultam
no desenvolvimento da iluminação e da coragem. Em igrejas atuais, tanto quanto
entre os Israelitas da antiguidade, as formas religiosas, muitas vezes, têm
usurpado o lugar da realidade religiosa.
Nossa persuasão deve ser, por conseguinte, a de que, exclusivamente, na
medida em que os homens reconheçam a realidade de Deus, atendam a sua voz.
Envidem porque sejam efetivados os propósitos Divinos em todas as suas
relações humanas é que hão de verificar este sentimento vital e absorvente da
comunhão com Deus. Entretanto, também é do nosso conhecimento que o
indivíduo não reconhece primeiro a realidade de Deus, para em seguida ouvi-lo
falar, para, ainda em seguida, fazer sua vontade, amando e servindo os seus
semelhantes, para, finalmente, em seguida, ter comunhão com Deus. Estas
experiências não se sucedem em semelhante sequência. De fato, elas não se
sucedem em nenhuma sequência. Em vez disto, cada uma contribui para o
desenvolvimento das demais e torna-se mais robustecida nesta mutualidade. O
sentimento que o indivíduo adquire relativamente à realidade de Deus robustece-
se pela participação na vida de outrem, ao mesmo passo que as experiências de
comunhão com Deus incrementam os desejos do indivíduo a servir aos
semelhantes. O indivíduo não poderá, simplesmente, desejar ter o senso da
realidade de Deus, ou da comunhão com Ele, e certificar-se de que, só por causa
desse seu desejo, tal experiência se verifique. Mas o indivíduo poderá fazer
aquelas coisas que, em seu modo de entender sejam da vontade de Deus e pode
colocar-se naquela situação, na qual lhe pareça razoável esperar que os
propósitos Divinos se tornem realizáveis.
Alguns incidentes belíssimos na literatura retratam o encontro com Deus,
não por meio de tentativas românticas por encontrar o Santo Cálice, nas terras
longínquas, mas sim nos atos comezinhos de bondade humana, bem próximos
de nós; não nas peregrinações a Jerusalém, mas sim no serviço em favor do
povo humilde ao longo de nosso caminho; não na conservação da chama
sagrada, em lâmpadas alabastrinas sobre o altar, mas sim pelo uso de seu calor
para confortarmos as crianças expostas ao desamparo. Muitos homens e
mulheres cujas vidas não chegaram a ser perpetuadas na literatura. têm
testificado da verdade contida nesta asserção; não se acha a Deus pelo esforço
concentrado em buscá-lo, mas sim, agindo-se, sempre, na persuasão de que Ele
está próximo. Podemos fazer os nossos filhos lembrados das palavras de Jesus:
115
“Quando o fizeste a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizeste” e
estimulá-los com a convicção de que, conduzindo-se assim, eles terão mais
probabilidade de experimentar o senso da realidade de Deus.

A ORAÇÃO E O SENSO DA REALIDADE DE DEUS


Torna-se necessário, também, a expressão específica do senso que se
tem da realidade de Deus e de sua comunhão com os homens. A própria
tentativa de dar expressão aos pensamentos que se têm de Deus, aos desejos
que se têm de fazer a sua vontade, contribuem para o esclarecimento da maneira
de ver do indivíduo. Certos sentimentos relativos a Deus, por vezes, deixa de
resultar em experiência mais satisfatória, justamente porque o indivíduo os deixa
em um estado algo difuso e nebuloso, em vez de tentar coordená-los. Quando as
aspirações são externadas tornam-se mais nítidas e mais viáveis; o indivíduo
poderá verificar onde esteja a necessidade para uma ação imediata na base da
intuição de que já disponha.
O modo mais usual de expressão do anseio que se tem de Deus é por
meio da oração. Já as crianças muito pequeninas conversam sobre as coisas
em geral com seus pais, e, sendo-lhes sugerido, virão a conversas, da maneira
informal, sobre as coisas, com Deus.
Entre as primeiras orações das criancinhas devem estar as expressões de
gozo pelas belezas da terra e pela satisfação das necessidades normais. Tais
expressões não deverão moldar-se em fraseologia perfeitamente pertinente às
orações, mas, possivelmente, serão extravasamentos de louvor: “Eu te amo,
Mundo!” Uma garotinha assim exultava, estendendo seus bracinhos em direção
ao sol resplendente, à brisa e às árvores. Na proporção do seu crescimento, os
pais e os professores poderão orientar as crianças para que tenham experiências
e expressões conscientes de reconhecimento e de ações de graças. Também
poderão contribuir para que as crianças encontrem satisfação em suplicarem a
Deus que as ajude, a fim de que pensem nos outros, preocupando-se pela
felicidade destes. E, quando as coisas não se passam muito de acordo, poderão
dirigir-lhes o pensamento para Deus, implorando sua assistência para que sejam
encontrados melhores métodos de brinquedo, ou de cooperação com outras
crianças. Deste modo, Deus se há de tornar mais e mais real para a criancinha.
Com a ampliação de suas experiências, coincidirá o crescimento da
influência da oração. Os pais e os professores, devem levar as crianças a
voltarem as atenções para aquelas fases da experiência, nas quais ocorra uma
necessidade especial da assistência Divina. Pelo perdão, quando se tem levado
mais em conta o bem-estar próprio do que o bem-estar do próximo; por
iluminação a fim de que se possa discernir entre o bem e o mal dentro de uma
civilização tão complexa; pela força, para que façamos o melhor que seja de
nosso conhecimento em todas as situações, por todos estes problemas,
sabemos que Deus quer que nós oremos, e, sabemos que Deus nos há de
assistir.

116
A ORAÇÃO VISANDO FINS EGOCÊNTRICOS
Infelizmente, parece-nos que permanece, mesmo entre adultos, certas
concepções e práticas na oração, inteiramente estranhas e anticristãs, de modo
que, em vez de ser um canal para a comunhão entre Deus e o homem, a oração
se torna, efetivamente, uma pedra de tropeço no caminho da apreensão que se
poderia ter dos propósitos de Deus. Estranho como pareça, há grande evidência
de que inúmeras pessoas, hoje em dia, que adotam o ponto de vista de que a
oração seja o veículo para que se obtenha o que se deseja. Falam muito
piedosamente de sua “fé nas orações” quando o que realmente querem
significar, é que se propõem a usarem a oração como alavanca para remover
todos os obstáculos que se levantem entre eles e as coisas ou posições que
desejam. Trata-se de uma espécie de mágica, a qual usam para compelirem as
forças do universo a fazerem segundo o mandado deles. Até parece que pensam
que, se orarem longamente e com voz suficientemente alta, ser-lhes-á possível
assaltarem as portas celestiais, por assim dizer, e apossarem-se do poder de
Deus de modo a que este poder favoreça a seus próprios propósitos.
Jesus repudiara tais conceitos concernentes à oração. De acordo com a
narrativa da tentação, Ele se recusara intransigentemente a fazer solicitações de
Deus. Sugestões como as de que Ele se apropriasse do poder de Deus para
satisfação de suas necessidades físicas, para que Ele mobilizasse uma legião
de anjos, a fim de patentear o favor de Deus, para que Ele tomasse sobre si a
autoridade sobre as nações e as pessoas; estas sugestões Ele desdenhara, com
a declaração desassombrada: “Para traz de mim, Satanás”. Parece-nos clara que,
muitas das orações que se fazem em certos grupos cristãos, harmonizam-se
muitíssimo mais com aquelas sugestões que Jesus repudiara como sendo
insinuações satânicas, de que com os propósitos Divinos revelados em Jesus
Cristo. São as orações egocêntricas, verdadeiras exigências presunçosas. E, as
orações feitas nesse espírito, acarretam efeitos destrutivos sobre as pessoas
que oram.
Nenhum ser humano poderá arvorar-se ao direito de dizer a outrem o que
seja e o que não seja objeto “próprio” para a oração. Deus nos conhece a todos;
Ele conhece todos os nossos pensamentos, nossos desejos e nossas
aspirações. Dizer que não se deve orar por um dado objeto, é uma estultícia,
porque, se o indivíduo o deseja ardentemente, já, em certo sentido, é uma oração.
Não devemos, por conseguinte, orientar as orações de nossos filhos segundo as
regras da conveniência. Enquanto a criança insiste em orar pelos coelhinhos,
pelo futebol, pela casinha da boneca, ou pelas vantagens pessoais, ou pelo
reconhecimento de outrem, temos de convir em que seus pensamentos
concernentes a Deus ainda são bem limitados. E, quando as orações
ultrapassam esses limites e descambam para os pedidos de vingança, para os
desejos de punição dos que se mostram infensos a suas causas, ou seu grupo
particular de pessoas, temos de convir em que essa criança está orando a um
deus falso, e não ao Deus manifestado aos homens mediante Jesus Cristo; e

117
devemos envidar porque essa criança esclareça seus pensamentos
concernentes a Deus.
Geralmente, torna-se mais satisfatória uma aproximação do problema por
meio de sugestões positivas, em vez de fazermos reprovações negativas. Em vez
de dizermos: “Não é bom pedir a Deus por um coelhinho”, provavelmente surtirá
melhor resultado se lhe dissermos: “Será que devemos conversar com Deus
sobre todos os seus planos para o nosso benefício?” E, em seguida, se lhe
proporcionarmos a devida orientação, pela forma de oraçõezinhas simples de
gratidão por alguma experiência feliz ou de reconhecimento do que Deus deseja
de seus filhos diante das situações atuais e imediatas, no sentido de
contribuirmos para a felicidade de outrem, o pensamento da criança se orientará
melhor. Auxiliando a criança a exprimir sua oração, podemos orientar os próprios
pensamentos envolvidos na sua oração. Podemos orar com a criança. Podemos
conversar com ela a respeito do que ela deseja dizer a Deus e, então, lhe formular
a oração em sua expressão verbal.
Ocorrerão ocasiões, efetivamente, quando se tornará imprescindível que
lhe ministremos uma interpretação direta. Quando a criança pergunta: “Será que
Deus faz tudo que eu peço que Ele faça?” Devemos estabelecer com ela uma
conversação refletida, na qual levemos a criança a compreender que Deus nem
sempre faz o que lhe pedimos porque, frequentemente, lhe pedimos que faça
certas coisas que nem são as melhores para nós mesmos, nem contribuem para
benefício dos outros. Muitas são as ilustrações da experiência atual das quais
os pais e professores poderão fazer uso para tornarem suficientemente claro à
criancinha, que, exatamente como os papais que a amam não lhe darão certa
coisa que ela deseja, porque essa coisa lhes resultaria perniciosa, também Deus,
que é sábio e misericordioso, não deixa de ser bom e sábio para permitir que um
de seus filhos tenha algo cujo desejo seja proveniente de seus caprichos
impensados.
É muito importante que isto se torne claro às criancinhas, enquanto são
criancinhas, de modo que a interpretação se acentue com o aprofundamento da
experiência. Na vida de quase todas as pessoas ocorrem situações, nas quais
se lhes parece como se devessem fazer exigências a Deus, como se as pessoas
não pudessem suportar os encargos que lhes estão adiante. Até mesmo com
Jesus ocorrera tal experiência, e ele chegara a exclamar: “Deus meu, Deus meu,
por que me desamparaste?” Entretanto, se tal experiência for precedida de um
lastro de aprendizado da confiança em Deus, certamente será devidamente
esclarecida. “Pai, em tuas mãos, entrego o meu espírito”. É o que se há de seguir
àquele primeiro grito de desalento. Mas, se tal experiência for precedida de um
lastro de noções vagas da oração, segundo as quais, a oração seja um
expediente para que o indivíduo se torne imunizado contra o sofrimento, através
do recurso ao amor de Deus, então será um verdadeiro desastre para a fé.
Pensando em Jesus, as crianças poderão reconhecer que Deus se
preocupa profundamente com suas aspirações, que Ele sabe de seus
118
sofrimentos e está com eles em suas dores; que Ele quer que todos lhe tragam
seus problemas e tristezas. Na comunhão com Deus eles poderão encontrar o
conforto e o alento mesmo quando o cálice “não possa passar”.

A ORAÇÃO EM FAVOR DAS GRANDES CAUSAS


Há muitas pessoas, porém, que oram, não visando o alívio, o conforto, o
êxito, ou favores pessoais, mas sim, por alguma causa que seja, ao mesmo
tempo, boa e grandiosa. No melhor possível da capacidade do indivíduo
compreender, a referida causa representa, efetivamente, a vontade de Deus; caso
triunfe, concorrerá para a promoção dos propósitos Divinos; caso seja derrotada,
refletirá retrocesso nos esforços por incrementar os propósitos Divinos.
Certamente, em favor de causas assim — consistentes num plano para a paz
mundial, num programa de reforma social, que vise o alívio para milhões de
crianças sofredoras — certamente, em favor de causas assim se deve orar com
mais plena persuasão de que essa oração será respondida. Não obstante, é
frequente que tais orações pareçam que são feitas em vão.
Certa ocasião, quando alguns discípulos fizeram um pedido a Jesus, este
lhes respondera: “Vós não sabeis o que pedis”. Nesta resposta podemos
vislumbrar a satisfação para muitas de nossas perplexidades relativamente a
orações que julgamos não respondidas. Geralmente nós oramos tendo em vista
o que se nos parece bom. Mas, os limites de nosso conhecimento são tão
exíguos! Nós, atualmente, achamos graça naquelas superstições das tribos
atrasadas. A fé que aqueles infelizes têm nos amuletos nos parece patética. E,
não obstante, quando comparamos a extensão de nossos próprios
conhecimentos com a extensão dos conhecimentos de alguma personalidade
eminente que conheçamos, ou cujas obras tenhamos lido, estarrecemo-nos
diante de nossa pavorosa ignorância. Há inúmeros setores dos quais nada,
absolutamente, sabemos. Os grandes astrônomos que nos falam,
confiantemente, das leis que presidem os movimentos dos planetas e dos
sistemas solares, os físicos que nos falam da atividade incessante dos elétrons,
os geólogos que discutem a rigidez e a fluidez da terra; na presença desses
homens verificamos nitidamente, os limites exíguos de nossos conhecimentos.
Entretanto, esses mesmos homens reconhecem que, no próprio campo da sua
especialização, ficam indevassadas muitas éreas, a respeito das quais nada
podem avançar absolutamente. E assim é que começamos a entrever as vastas
regiões que ultrapassam infinitamente os limites do conhecimento humano.
Como, então, entregues a tão grande ignorância dos propósitos
grandiosos e universais de Deus vamos ter a pretensão de que nossa
interpretação do bem prevaleça? Como nos seria possível saber se tal não
interferiria prejudicando o surgimento de um bem maior? Tão somente se,
nossos conhecimentos fossem infinitos e nossos propósitos fossem
absolutamente destituídos dos matizes de nosso eu, poderíamos orar com a
confiança de que, aquilo que pedimos seja exatamente o que é justo. Mas, quais

119
haveriam de ser nossas petições em tais circunstâncias? Sabedoria, e bondade
perfeitas; só o próprio Deus. Se estivermos dispostos a deixarmos nossas
solicitudes nas mãos de Deus, confiando em sua sabedoria e em seu amor,
então, estejamos certos de que nossas orações sempre são respondidas; não
no sentido de que os resultados que prevemos necessariamente ocorram, mas
no sentido de que os resultados realmente bons hão de verificar-se.
Vamos então admitir que orar seja, no final das contas, uma futilidade?
Que nenhum préstimo haja na tentativa de formularmos nossos melhores
pensamentos visando a solução para os erros que devem ser desfeitos e a
consecução de algum bem que almejemos? De modo algum.
Visto que, quando só um homem ora sinceramente em favor da paz
mundial, a paz se torna mais próxima do que antes que ele orasse. A oração é
criadora; o homem que ora sinceramente pelo triunfo de alguma nobre causa é
ele mesmo, um homem transformado. Ele está mais bem preparado para
trabalhar em prol da paz; tem novas intuições, coragem renovada, novas
decisões. Assim que, embora o fim colimado não esteja ainda à vista, o
progresso é um fato.
Mais ou menos do mesmo modo a conversação com um amigo prudente
e digno de confiança, a adoração é algo bom em si mesmo, porque proporciona
a oportunidade para reconsiderar, à luz da consciência da presença de Deus, as
atividades e os planos do indivíduo que, assim, poderá vê-los através de
perspectiva mais verdadeira.
Deus pode fazer, através dos indivíduos que oram, aquilo que lhe não é
possível fazer através dos que não oram, visto que o homem que ora chega a
compreender de modo crescente os planos de Deus, bem como robustece seu
ânimo para o empreendimento das árduas e impopulares tarefas necessárias
para que tais planos sejam efetivados sobre a terra. É assim que os homens
devem orar, não para persuadirem a um Deus relutante, para que Este faça algo
que não esteja com disposições para fazer, mas sim, para tornar possível a Deus
usá-los na realização do bem que tem planejado. Oram com fé, confiando de
modo implícito, na sabedoria e no amor de Deus. Tais homens constituem
diferenciações conducentes ao progresso da causa do bem sobre a terra. Pois
que o homem que ora realmente com fé, que, deveras, procura conhecer a
vontade de Deus para que se disponha a realizá-la, parte de sua oração para
também com fé trabalhar. A intuição que deriva da oração capacita-o para o
trabalho mais efetivo, mais confiante, e o trabalho, por sua vez, expõe à luz dos
problemas acerca dos quais o indivíduo tem orado, fazendo-o voltar à oração
com as novas necessidades e as esperanças renovadas. Deste modo, o homem
aprende a conhecer a Deus e a ter comunhão com Ele.
Nossos filhos poderão, portanto, ser encorajados a orarem pelas grandes
causas persuadindo-se de que as orações que fizerem terão consequências.

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A ORAÇÃO EM FAVOR DE OUTREM
Também nossos filhos podem ser estimulados a orarem em favor de
outrem, com segurança plena de que suas orações acarretam consequências.
Quando alguém está triste, ou acabrunhado, ou cometera algum pecado, as
orações daqueles que o amam estabelecem uma situação nova. As influências
do amor e da solicitude são forças positivas e reais. Transformam a direção das
vidas dos indivíduos. Quando este amor e solicitude pelo próximo é dedicado a
Deus, passa a ser usado por Ele de modo que não nos será necessário
compreendermos para que o aceitemos. Neste sentido, as evidências são claras
e inumeráveis.
Quando alguém está doente, as orações dos que o amam não modificarão
os intentos de Deus; elas não fazem com que Deus se recorde de alguma coisa
de que se tenha esquecido; mas, em vez disto, as orações facultam recursos
para a cura que não estavam disponíveis antes das orações. Tais recursos se
tornam um fator efetivo no restabelecimento da saúde. E, caso já não seja
possível o restabelecimento da saúde, aqueles recursos se prestarão para o
conforto e o alento do doente.
Também estas orações em favor de outrem modificam a pessoa que ora.
Esta pessoa está desejosa de ser usada por Deus na assistência aquele por
quem está orando. Adquire, então, mais intuição das necessidades do doente e
das possibilidades pelas quais fazer face a tais necessidades. Tal pessoa será,
na verdade, como um canal, através do qual, os recursos Divinos fazem sentir
nas vidas daqueles que o rodeiam.
Talvez seja cabível uma advertência a fim de que não contribuamos para
o desenvolvimento de um autoconsciente senso de uma missão em nossos
filhos que teria consequências prejudiciais, tanto para si mesmos, como para
outros. Uma persuasão humilde e sincera de que se está sendo usado por Deus
em determinada missão, é coisa sadia e profundamente cristã. Qualquer atitude,
porém, que saiba, à orgulho espiritual, a exibições preconceituosas de intuição
especial, terá muito mais probabilidade de ser evidência de artimanhas satânicas
do que de manifestações do Espírito de Deus.
Pela experiência da oração com adultos compreensivos e capazes de
comunicar simpatia, as crianças poderão, gradualmente, progredir até mais além
daquele ponto no qual entendem ser a oração, primariamente, “um pedido a
Deus”, até o ponto em que pensem da oração primariamente no espírito de
Cristo, como sendo o esforço por conhecer a vontade de Deus e por encontrar,
através da oração, a verdadeira comunhão com Deus. Não convém que
esperemos sejam os nossos filhos precoces nisto, como em nenhuma esfera do
desenvolvimento mental deles. Mas podemos esperar que eles cresçam.

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O USO DO MATERIAL DESTINADO AO CULTO
A muitas almas sequiosas parece ser necessário algo mais do que o
estímulo à oração. O culto que prestam parece infrutífero, glacial, destituído de
significação. As pessoas assim, os recursos da literatura religiosa, a expressão
da fé e das aspirações daquelas grandes almas para as quais Deus fora
muitíssimo real, têm, frequentemente, sido o auxílio poderoso, fazendo com que
a fé pálida que possuem adquira mais crepitante chama; o cântico das palavras
de um glorioso hino de louvor tem contribuído para o estímulo de seus espíritos
morosos; a participação de uma nobre liturgia, oriunda da dedicação de vidas
consagradas tem soerguido o zelo, o que lhes estava enfraquecido, até o nível
dos altos esforços.
Há material assim propício para o uso com as crianças. Há material
preparado para as crianças de várias idades, o qual poderá contribuir para o
esclarecimento de que as crianças necessitam no culto. Assim como Jesus
fornecera aos seus discípulos uma sugestiva forma de oração, a fim de levá-los
a compreenderem a significação da oração, também nós podemos ajudar neste
sentido aos nossos filhos, não tanto pela discussão de que seja o culto com eles,
mas pela participação com eles da experiência decorrente do uso da linguagem
do culto transmitida por pessoas cuja intuição e cuja fé excederam às nossas.
Efetivamente, o mero “repetir de palavras”, não importando a beleza que
encerrem, bem como, a riqueza de que se impregnem pela associação com os
santos de todas as épocas, não é o culto que devemos prestar a Deus. A criança
deve tornar-se capacitada para penetrar no espírito das palavras e assimilá-las.
Não lhe será imprescindível que compreenda cada palavra, ou nuanças de cada
frase. Mas o sentido geral e o propósito da oração ou liturgia, a criança há de
entender para que seja, realmente, sua linguagem própria de culto. Alguma
conversação relativa a estas coisas removerão as possíveis dificuldades para a
sua compreensão e concorrerão para que as atenções das crianças se voltem
especificamente para os pensamentos e as aspirações que estejam sendo
proferidas.
Infelizmente, uma grande parte de cânticos religiosos nos nossos tempos,
tem consistido em música horrorosamente ruim, de péssima literatura e de má
teologia. Deve-se tomar o maior cuidado com as palavras dos cânticos usados
no culto, visto serem tais palavras de muita influência na orientação dos
pensamentos da criança relativamente a Deus e as relações sociais. Entretanto,
há excelentes coletâneas de cânticos para o uso no culto com as crianças,
cânticos nos quais temos palavras que expressam de modo condigno nossas
aspirações em forma literária bela e significativa e dotados de música adequada
às vozes infantis. Através destes cânticos, as crianças podem encontrar a
expressão satisfatória de seus sentimentos no culto.
A grande poesia pela qual se expresse a fé em Deus e na condição do
homem como filho de Deus poderá proporcionar as fontes de estímulo e de

122
conforto da devoção cristã. E na Bíblia encontramos a maior riqueza de material
que reflete as experiências de homens e de mulheres através dos séculos, para
os quais Deus estava muito perto e muito real. O uso deste material como
linguagem para o culto requer, com efeito, que selecionemos aquelas porções
que razoavelmente possam estimular as aspirações da criança e dar-lhes a
expressão mais significativa. Algumas seleções, eivadas de figuras de
linguagem que as crianças não podem entender, resultam confusas em vez de
úteis. Por exemplo, devemos evitar passagens assim:
“O Senhor é o meu rochedo, e o meu lugar forte e o meu libertador. Deus é o meu
rochedo, nele confiarei; o meu escudo e a força da minha salvação, o meu retiro e o meu
refúgio.”

Embora isto represente uma esplêndida iteração de figuras próprias para


a expressão da confiança em Deus, é, entretanto, confuso para as crianças.
Por outro lado, as crianças poderão amar e sempre encontrar satisfação
neste poema simples de júbilo pelo amor e pelo cuidado de Deus:
“Celebrai com júbilo ao Senhor, todos os moradores da terra. Servi ao Senhor
com alegria; e apresentai-vos a Ele com cântico. Sabei que o Senhor é Deus; foi Ele e
não nós que nos fez povo seu e ovelhas do seu pasto. Entrai pelas portas dEle com
louvor; Louvai-O e bendizei o seu nome. Porque o Senhor é bom e eterna a sua
misericórdia; e a sua verdade estende-se de geração em geração.”

Alguma coisa deste material devemos levar nossos filhos a memorizá-los.


Não terá importância muito grande o fato da criança se tornar capaz de recitar
as palavras. Mas se as crianças usarem este material com frequência e chegar
a associá-lo com as próprias experiências, então este material se irá revestindo
mais e mais de significação. E, porque assim chegam a conhecê-lo, as crianças
poderão usá-lo, livremente, tanto no culto doméstico como na Igreja.

USANDO A LITERATURA DA IGREJA


As igrejas litúrgicas insistem na significação do material de culto que tem
sido comprovado na experiência da raça, bem como nos sacramentos e
cerimônias que tem adquirido para si mesmos ricas associações e significação.
Estão persuadidas de que as crianças devem, logo cedo, ser introduzidos a este
material. Admitem o fato inegável de que essas expressões e cerimônias nos
têm vindo de grandes almas através dos tempos, o que lhes confere valor acima
de qualquer outro material para as crianças da atualidade, que, usando-o, os que
presentemente prestam o culto podem participar das experiências que lhe deram
origem.
Outras pessoas estão persuadidas de que o pensamento da unidade da
comunidade cristã, em todas as nações, é enriquecido pelo uso desse material
comum e que, portanto, as crianças devem conhecê-lo enquanto são crianças.

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O fato de se ouvir, deste modo, das aspirações e das afirmações de fé na
igreja, tal qual estão os fatos registrados na literatura, nos símbolos e nos
sacramentos, contribui para que os caracteres em formação, de todas as épocas,
se apercebam de que eles também podem ter as mesmas aspirações. Nossos
filhos precisam de material que os leve a elevarem seus olhos para as
montanhas, tanto quanto de material que traga luz para os seus caminhos. Fixar
uma visão da vida espiritual, no momento superior ao nível mental em que se
encontram, porém, belo e estimulante, é tão útil e necessário quanto a orientação
para a vida diária das crianças.
Todos estes valores são reais e devem ser conservados. Deve-se lembrar
sempre, porém, de que ensinar a uma criança uma oração, ou um hino, ou uma
liturgia, ou introduzi-la a um símbolo ou sacramento, antes que haja em sua
própria experiência uma base real para a apreciação da respectiva significação,
poderá facilmente, prejudicá-la em vez de ajudá-la. Se a criança se envolve com
uma linguagem confusa e simbólica, não é provável que ela encontre nessa
linguagem e nesses símbolos a ajuda para o esclarecimento e enriquecimento
de seus pensamentos concernentes a Deus e para suas experiências com Deus.
Nosso propósito, por conseguinte, deve ser o de considerar, por um lado, as
experiências e disposição das crianças e, por outro lado, as grandes e belas
expressões de fé na igreja. Até onde esse material se possa fazer útil e
significativo às crianças, deveremos usá-lo com profunda gratidão e apreciação.

O CULTO COLETIVO
Para muitas pessoas, o sentimento da realidade de Deus e de comunhão
com Ele se torna mais efetivo através do culto coletivo. Com efeito, há
estudiosos do assunto que são de opinião de que é quando os indivíduos se
sentem uma parte de uma coletividade, responsável e sensível diante de outros
que têm probabilidade de fruir da experiência com Deus. A união entre as
personalidades humanas é, acima de qualquer dúvida, um poderoso incentivo
para o culto de Deus. Nós “somos membros uns dos outros” como o Novo
Testamento nos declara. Tornamo-nos pessoas exclusivamente pela associação
com outras pessoas e a consciência de que somos pessoas entre outras
pessoas incrementa tanto a capacidade como o desejo de comunhão com esta
grande “outra Personalidade” no universo.
No lar e na igreja as crianças necessitam desta experiência do culto
coletivo. Quando a vida do lar, caracterizado pela dedicação sincera pôr parte de
cada membro à felicidade e ao bem-estar dos demais, apoia-se no
congraçamento da família, no culto a Deus, então, a criança tem uma fonte de
segurança e de intuição na significação da existência que dificilmente poderá ser
devidamente avaliada. Ao participar de um culto coletivo que seja cristão em seu
espírito e em seus propósitos, a criança apreende mais da significação do culto
do que jamais poderia apreender através do ensino direto. Em tal situação, a vida
com Deus é mais do que uma frase; é real.

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Na igreja as crianças necessitam desta experiencia do culto juntamente
com outros de sua mesma idade. Por meio de material cuidadosamente
selecionado, os líderes dos grupos poderão levar as crianças em cada nível de
desenvolvimento, a uma concepção mais nobre de Deus e a um sentimento vital
de comunhão com Deus. Cantando juntos, e orando juntos, trabalhando juntos e
brincando juntos no departamento de crianças da igreja são oportunidades
dadas para que as criancinhas comecem a compreender que são uma parte da
grande família de Deus. Em um grupo assim, com um líder competente, as
crianças terão o ensejo de aprender o que significa viver uns com os outros e ter
preferências pelos outros, quando se vive, não com a própria família onde se tem
um “lugar” especial, mas com a coletividade de seus semelhantes, todos os
quais estão persuadidos de que têm lugares especiais! Aprendem que há muitas
pessoas diferentes na família de Deus, cada uma das quais é importante aos
olhos Divinos e tem acesso para falar com Deus.
A medida em que a criança vai crescendo e apreende mais dos grandes
hinos da igreja, chega a apreciar porções mais longas da Bíblia, responde à
liturgia e participa dos sacramentos, começa a verificar que o poder do culto
coletivo tem reais consequências em sua maneira de ver as coisas e em sua
conduta. Em seu próprio grupo, na igreja, o material deve ser escolhido
meticulosamente, de maneira que coadune com sua própria linguagem de culto
e o trabalho não se fará pesado nem longo. Assim, a criança experimenta o valor
do culto coletivo de conformidade com seu próprio nível mental. Estará, deste
modo, robustecendo sua própria fé no apoio que recebe da fé que há naqueles
que a cercam. E estará lançando sólidos fundamentos para uma fé crescente
enquanto se prepara para a participação do culto coletivo de sua congregação.

A PARTICIPAÇÃO NO CULTO COLETIVO DA IGREJA


Exatamente, em que idade a criança deverá ser convidada a participar do
culto de toda a congregação? Isto dependerá do próprio desenvolvimento da
criança, dos costumes da denominação de que a igreja faça parte, e da ênfase
particular que nisto façam seus pais, professores e o ministro. Tempo houve
quando todas as crianças de mais de dois ou três anos de idade eram levadas
para os trabalhos da igreja, por vezes, os recém-nascidos, também. Atualmente
todos concordam em que as criancinhas que acham impossível sentar-se
confortavelmente nos bancos da igreja, ou participar dos trabalhos, não somente
deixam de haurir ajuda espiritual, como distraem a atenção dos adultos que lhes
ficam próximos. Sendo assim, concorda-se em que é melhor deixar as
criancinhas em casa, ou no berçário da igreja, quando haja. Mas quando as
crianças começam a frequentar a escola, alguns pais e ministros admitem que
devem assistir aos trabalhos da congregação, sendo que muitos outros pais e
ministros admitem que as crianças na idade de nove a onze anos e daí para mais,
é que devem assistir.

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Uma pergunta inicial se deve fazer antes de inquirir a respeito de qual seja
a idade quando a criança deva assistir ao trabalho da igreja. é a seguinte: Que é
que se admite no culto da congregação que não seja proporcionado nas demais
partes do programa da igreja que visam o grupo dessa idade? O caminho difícil
e longo que se tem percorrido para assegurar-se um programa graduado para as
crianças nos tem conduzido a este ponto em que temos quase uma vida
separada na igreja para cada uma das idades. Visto que este programa graduado
é necessário, alguns líderes de crianças têm hesitado em dar um passo que deixe
transparecer que o programa é desnecessário. Sabem que os cânticos dos
principiantes e os hinos dos adultos são coisas tão diferentes como as histórias
que fazem as crianças dormir são diferentes dos livros de Thomas Hardy, e que
isto há de ser assim, se é que queremos ter a linguagem apropriada para o culto
em cada grupo. Sabem que as crianças de nove a onze anos, necessitam de
pensar nos problemas derivados das relações sociais, à parte dos adultos, que
já os têm solucionados por si mesmos. Sabem que os jovens necessitam de
oportunidade para considerar a ética da ordem econômica hodierna pelo critério
dos princípios de Jesus, desembaraçados, por um lado, da presença das
criancinhas que têm extremamente poucos elementos de experiência com que
tomarem parte em tais discussões, e, por outro lado, da presença dos mais
amadurecidos, cujas experiências já cristalizaram seus pensamentos. Deve,
portanto, ser preservado o programa graduado nas igrejas.
Entretanto, há necessidades, interesses e experiências em que as
crianças comungam com os adultos; e deve haver oportunidade para o confronto
destas necessidades comuns através de um trabalho também comum de culto.
Os membros da família da igreja vivem no mesmo mundo. E todos os membros
da família da igreja são filhos de um Pai comum do qual todos dependem.
Além disto, tanto os adultos como as crianças necessitam de sentir a
comunhão de uns com os outros no culto. Para as crianças, contemplar toda a
congregação cultuando juntamente, os homens de negócio e os trabalhadores
humildes, “a mocidade pujante e a longevidade grisalha” será uma experiência
de alto valor religioso. Para os adultos, contemplar o entusiasmo jubiloso das
crianças, aperceber-se da comunhão do povo de Deus, de idade para idade, fixar
uma visão fugidia ainda daquilo que há de ser quando uma “raça, mais
extraordinária do que qualquer das que o mundo tem visto, surgirá”, é enriquecer
o conteúdo do culto deles próprios.
E assim, como complemento do programa total da igreja destinado às
crianças deve haver oportunidade para um trabalho comum de culto para todos
os membros da família da igreja, planejado com todos os participantes em
mente. Apressamo-nos a dizer que não temos em vista uma pregação especial,
ou um trabalho para crianças intercalado no trabalho dos adultos. Em vez disto,
pensamos num trabalho de culto no qual todos os membros da igreja possam
participar juntamente. É claro que isto há de exigir um planejamento meticuloso
da parte do ministro, do coro e do líder das crianças a fim de fazer com que tal

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trabalho seja propício a que todos, adultos e crianças, possam igualmente
participar. Certos ajustamentos poderão ser feitos no sistema usual do trabalho
da igreja. O problema consiste nisto: Vale a pena? A convicção que se vai
acentuando entre os membros das igrejas é a de que estas oportunidades nas
quais toda a família da igreja juntamente preste seu culto, quer isto seja uma
parte regular do programa da igreja, quer seja um trabalho extraprograma,
compensam o esforço exigido em seu planejamento. Compensam esse esforço
por causa da contribuição que resulta da experiência para as próprias
experiências religiosas das crianças e porque desse modo são levados a uma
apreciação crescente da igreja, como igreja, e a uma compreensão que se vai
aprofundando relativamente à significação da comunidade mundial dos cristãos
sobre a terra.

EM ESPÍRITO E EM VERDADE
O culto pode resultar numa fuga da vida, uma tentativa para escapar-se à
necessidade de encarar e tratar com os problemas da existência. Por vezes, pode
resultar, como Amós e Isaías já o assinalaram há muitos séculos, numa
substituição da verdadeira religião. Entretanto, um culto assim não será o culto
do Deus de nosso Senhor Jesus Cristo. Um culto assim não será culto cristão.
Visto que o culto cristão exige que nos aproximemos de Deus no Espírito de
Jesus, dirigindo-lhe nossas orações, apresentando-lhe nossos dons e
oferecendo-lhe nosso louvor em nome de Jesus. Neste nome não podemos pedir
isenção das lutas e do sofrimento; neste nome não podemos alhear-nos das
altas exigências características de nossa filiação com Deus no meio de uma
geração má e perversa; neste nome não podemos admitir que cerimônias ainda
que muito belas substituam a consagração desprendida à prática da vontade de
Deus.
Em nome de Jesus nós podemos nos aproximar de Deus com a confiança
mais inabalável de que Deus vem ao nosso encontro, solícito, amparando-nos e
assistindo-nos. Em nome de Jesus podemos suplicar pelo triunfo da justiça,
sabedores de que a justiça há de triunfar. Em nome de Jesus podemos oferecer
nossas vidas a Deus com a certeza mais plena de que, então, encontraremos
uma vida repleta de gozo, de paz e de confiança. E, assim, podemos levar nossos
filhos a cultuarem a Deus em Espírito e em Verdade.

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Este livro foi composto e impresso nas oficinas da IMPRENSA METODISTA, à
Estrada do Vergueiro, 1301 em São Bernardo do Campo, Est. de S. Paulo

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