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Dayane Fernandes Ferreira Batista


Eraldo Carlos Batista
(Orgs.)

EXPERIÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA
EDUCAÇÃO BÁSICA

1ª Edição

Belém-PA

2020
4

https://doi.org/10.46898/rfb.9786599175329

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP).

E96

Experiências pedagógicas na educação básica [recurso digital] / Dayane


Fernandes Ferreira Batista, Eraldo Carlos Batista (Organizadores). -- 1.
ed. -- Belém: RFB Editora, 2020.
2.174 kB; PDF: il.
Bibliografia.
Modo de acesso: www.rfbeditora.com.

ISBN: 978-65-991753-2-9
DOI: 10.46898/rfb.9786599175329

1. Educação. 2. Pesquisa. 3. Estudo.


I. Título.

CDD 796.07
CAPÍTULO 6

ATENÇÃO SOB UM OUTRO OLHAR

Cecília de Campos França


Jair Pereira da Cruz

DOI: 10.46898/rfb.9786599175329.6
EXPERIÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

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INTRODUÇÃO

Os olhos veem apenas aquilo que a mente está preparada para compreender.

(Henri Bergson)

I niciamos com alguns dados recolhidos acerca da situação e entendimento so-


bre a atenção em matérias de jornal, revistas e artigos científicos. Em matéria
publicada na Revista Veja de 2012 intitulada “Número de crianças diagnosticadas com
TDAH aumentou 66% em dez anos nos EUA” e, com dados disponibilizados pela
Organização Mundial de Saúde, 4% da população mundial é diagnosticada com esse
transtorno. No Brasil, também segundo a OMS existem dois milhões de pessoas com
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.

Em estudo realizado no Instituto D’OR de Pesquisa e Ensino temos um percen-


tual de 5% das crianças e, na maior parte dos casos o transtorno se mantém na fase
adulta. Temos um número e um aumento preocupante deste transtorno e que merece
cuidados. O TDAH é considerado doença conforme podemos verificar na citação abai-
xo:
O transtorno foi descrito pela primeira vez em crianças, na literatura médica, em
1902, por um pediatra inglês. Trata-se de uma doença que conhecemos há um sécu-
lo, mas até hoje há dificuldade em seu diagnóstico e tratamento (FOLHA VITÓRIA,
s/d.).

Muito interessante é o posicionamento de Oliver Sacks, neurologista inglês que


descreve e analisa os seus pacientes em seu livro intitulado “Um Antropólogo em
Marte”, cada qual com uma condição bem distinta. Diz ele:
[...] na realidade, por vezes, sou levado a pensar se não seria necessário redefinir os
conceitos de saúde/doença para vê-los em termos da capacidade do organismo de
criar uma nova organização e ordem, adequada à sua disposição especial, e modifi-
cada segundo suas necessidades, mais do que em termos de uma 'norma' rigidamen-
te definida" (SACKS,1995, p.5).

Minayo (1996) comenta sobre esse posicionamento de Sacks em relação a redefi-


nição de conceitos como saúde/doença:
[...] o mundo do senso comum, mas também da medicina moderna tende a confiná-
-los num texto sobre patologia. O que se torna comovente no livro de Sacks é a sua
capacidade de colocar nossos preconceitos de ponta-cabeça, primeiro, valorizando
o diferente; segundo, invertendo a relação de estranheza; e, em terceiro lugar, lan-
çando novo olhar sobre o complexo e polissêmico mundo da saúde e da doença
(MINAYO,1996, p. 160).

Oliver Sacks em sua obra “Um Antropólogo em Marte” trouxe a história de um


pintor que aos 65 anos, após um acidente de carro, perdeu a visão das cores o que lhe
trouxe problemas. No relato Sacks disse que o homem inicialmente não distinguia le-
tras e cores. E depois de um tempo sua visão ficou muito nítida, como de uma águia,

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mas não recuperou a visão das cores. Esta perda influenciou em seu estilo artístico
que mudou radicalmente, trabalhando agora com branco, preto e cinza somente. Teve
problemas para se alimentar, pois os alimentos se apresentavam a ele sem vida. Sua
relação conjugal também ficou prejudicada, pois passou a ver sua esposa acinzenta-
da, sem vida como uma imagem triste. O mundo que conhecia desapareceu. Precisou
reaprender o mundo que passou a se apresentar em seu cotidiano. Neste processo de
aprendizagem houve uma reconstrução e ressignificação de si mesmo.

Kastrup (2007) também tece comentários analíticos sobre o caso relatado por Sa-
cks (1995) em que demonstra a complexidade e a composição variada de gestos ou
ações de atenção:
Os exemplos mostram que o campo do perceber envolve um conjunto de experiên-
cias complexas, que vai além da dimensão funcional e utilitária. As experiências per-
ceptivas não utilitárias, muitas vezes, mobilizam uma atenção de qualidade especial
que, conforme veremos está envolvida nos processos de invenção de mundo e de si.
É preciso sublinhar, entretanto, que não estamos nos referindo apenas a situações
excepcionais de invenção, mas a de diferentes experiências que se dão no âmbito da
vida cotidiana transpondo, em certos momentos, sua dimensão meramente pragmá-
tica (KASTRUP,2007, p.72).

A autora trata de duas questões relativas à atenção – o “redirecionamento e a mu-


dança de qualidade. A mudança da qualidade de atenção refere-se ao movimento de
fazer com que a atenção passe de uma ação de busca para uma abertura ao encontro,
que corresponde ao gesto de deixar-vir” (KASTRUP, 2007, p.73).

No caso exposto acima houve o redirecionamento da visão de um mundo com


cores, para um mundo sem cores, em um processo contínuo e ininterrupto que inicial-
mente causa estranhamento e o convoca a compreender esse novo olhar. O seu univer-
so emocional fica conturbado por essa mudança involuntária e, entra em ação outros
processos antes da ressignificação do mundo. No entanto, isso não se dá de maneira
mecânica, automatizada, mas requer reflexões em relação às experiências cotidianas.
O comportamento automatizado não implica em atenção nem em pensamento. Nestas
modalidades comportamentais estão a utilidade que têm na vida cotidiana, que é ba-
sicamente a liberação da atenção e do pensamento para outros assuntos que demanda
preocupação do sujeito. Agora a percepção e a visão disponíveis trazem características
singulares e estranhas a ele, se comparadas com o tempo antes do acidente.

A mudança da qualidade de atenção de utilitária para não utilitária implica mu-


dança de postura do sujeito que agora se coloca aberto, em contato e receptivo. Ber-
gson denomina esta reversão “movimento de transformação da atenção funcional na
atenção suplementar. Adverte ainda que habitualmente predomina a atenção funcio-
nal, mas existem episódios que concorrem para a dita conversão”. Veremos em deta-
lhes mais adiante como isso se dá (KASTRUP, 2007, p.73 e 80).

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Cada um de nós tem uma condição singular de ser em cada momento da vida.
Poder ser acolhido e respeitado nestas condições oferece oportunidades valiosas tanto
para aprender como para ser no mundo consigo mesmo e com os outros. Este posicio-
namento cabe também para as mais variadas condições de ser crianças, jovens, adultos
e idosos em diversos contextos da sociedade.

Algumas perguntas norteadoras que nos serviram de suporte foram: O que se


define por atenção? Atenção em quê? O que se define por desatenção? Desatenção
para quê?

2 O QUE É ATENÇÃO?

Atenção pode ser entendida como a concentração dos sentidos ao que se passa a
volta. No dicionário online de Português encontramos como explicação para distração:
“Falta de atenção em relação ao mundo exterior; desatenção. [...] irreflexão, inadver-
tência. O que se faz por entretenimento, passatempo, divertimento; diversão. Estado
de quem está completamente voltado para si mesmo”.

Estas definições nos remetem a importância dada para a atenção focalizada no


mundo exterior. Da mesma maneira vimos aparecer o entretenimento, passatempo e
diversão como um dos significados de distração. E por fim, diz-se distraído de toda
pessoa que se volta para si mesmo. Ora, muito emblemáticas estas ideias. Ainda mais
quando pensamos no mundo em que vivemos que dá uma valoração extremada para
coisas do mundo exterior, em detrimento do mundo interior. As ações que visam ob-
jetos, produtos, atividades que possam dar lucro, são infinitamente mais valorizadas
do que as que se voltam para dentro do indivíduo em busca de aprimoramento. A
irreflexão e a inadvertência também são pareadas com o que se denomina “distração”
do que está fora do sujeito.

No dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano (1995) encontramos a seguinte


definição para distração: “Condição em que a atenção é distanciada das ideias ou das
ocupações dominantes e voltada para outras coisas” (1995, p.291). Já Kant, usando de
bom senso,
” notava que é fraqueza, mais do que força do espírito, não poder separar-se de
alguma coisa a que se deu grande atenção durante muito tempo: fraqueza que, se
habitual e voltada para o mesmo objeto, pode degenerar em loucura. Portanto, a
Distração, como divertimento do espírito, é condição da saúde mental. Por outro
lado, a distração constante confere ao homem a aparência de sonhador e o torna
inútil à sociedade (ABBAGNANO, 1995, p.291).

Na sociedade capitalista, há muita pressão para as pessoas trabalharem cada vez


mais, em nome da “produtividade” que não pode parar. Depois de mais idosas, as
pessoas são descartadas do mercado de trabalho, pois para essa lógica, não mais con-

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tribuem para os lucros pretendidos. Com o objetivo de ampliação das jornadas de


trabalho, entendem a “distração” como inutilidade social. A captura da atenção das
pessoas, neste contexto neoliberal, tem por objetivo fazer com que as pessoas colo-
quem sua atenção e se mobilizem com todos os sentidos em coisas e ideias que sejam
promissoras para a manutenção do sistema.

No entanto, mais do que em outras sociedades que funcionam com outras lógi-
cas, esta sociedade do capital volta-se a direcionar as atenções para alvos que possam
aumentar o consumo e a produção desejada e, muitas atividades, pessoas, ideias ficam
completamente desqualificadas e consideradas inúteis. Haja vista o que estamos pre-
senciando na sociedade brasileira atual, a retirada de História, Filosofia e Sociologia
dos currículos do ensino médio, sob a alegação de que não são importantes para o
mercado de trabalho. Isso representa um crime, segundo nossa avaliação. Com estas
disciplinas aumenta-se a possibilidade de construir consciência crítica da sociedade e
sua dinâmica.

Muitos sujeitos sociais devido a sua sobrecarga e extensa jornada de trabalho,


não conseguem tempo e disposição para se envolverem com outras coisas, como artes
por exemplo e, adoecem psicologicamente, fisicamente, ficam imersos em depressão,
síndromes diversas como a do pânico, ou enlouquecem, ou ainda cometem suicídio.
As telenovelas funcionam como uma substituta, muito precária e ruim, da boa arte.
Funciona para reafirmar valores, posturas, sonhos, vestimenta e todo símbolo de status
social, a fim de homogeneizar as pessoas e controlá-las. Esta captura das atenções dos
sujeitos sociais, via de regra, acontece para impor coisas absolutamente sem impor-
tância, como veremos, mais adiante na discussão que trouxemos de Noam Chomsky.

É importante dizer também que na sociedade do capital, as coisas perdem a origi-


nalidade, a singularidade, pois são convertidas em produção de massa tendo em vista
a vendagem de ampla dimensão. Isso acontece com os objetos de arte. Um quadro
de Matisse, por exemplo, encontrará tantas réplicas que o efeito nas pessoas é de um
objeto sem qualquer originalidade, já que poderá ser encontrado em muitos lugares
distintos. Todo e qualquer objeto cultural tende a virar produto vendável e replicável.

Pessoas que se mostram “desatentas” para certas atividades estão concentradas


em algum outro estímulo e, isso deve ser considerado. A atitude do professor é de-
cisiva para compreender e aproveitar essas informações no processo pedagógico, e
buscar identificar o que desperta interesse para ver a possibilidade de incluir o objeto
no processo de aprendizagem. É preciso compreender a atenção como um processo
heterogêneo e complexo que envolve outros elementos. Partindo da hipótese que se
a atenção estiver colocada em determinado objeto presente no contexto, é importante

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criar estratégia de organização de espaço, com brincadeiras dinâmicas e troca de expe-


riências (KASTRUP, 2007). Caso seja o estímulo alguma preocupação ou curiosidade
em relação a algo que não está posto concretamente no contexto de sala de aula, explo-
rar esta informação é promissor para o processo pedagógico.

Kastrup (2007) traz para discussão Vermersch (2002):


A atenção e consciência são um mesmo objeto, encarado de dois pontos de vista
diferentes. Escolher o ponto de vista da atenção significa apreender a consciência
em suas propriedades funcionais e em suas transformações dinâmicas. O estudo da
atenção revela, não o aspecto de intencionalidade da consciência, mas sua dimensão
de variação e modulação. A ideia central é que a modulação modifica a estrutura
intencional da consciência (2002, p.27).

Desta forma, ao trabalhar junto à pessoa para que ela foque sua atenção em algo
previsto, se está modificando, modulando sua consciência. Isso significa que há trans-
formações em sua dinâmica e, portanto, modifica-se a consciência em sua estrutura de
funcionamento do sujeito social. As telenovelas, as propagandas, as mídias em geral
têm o poder de criar necessidades que antes não existiam e controlar comportamentos,
já que vão interferir na intencionalidade de ação das pessoas.

As mídias, as propagandas e telenovelas se utilizam com frequência de mensa-


gens subliminares, a fim de induzir um determinado comportamento como a compra
de um produto. Borine (2007) relata um experimento realizado em laboratório com
trinta e cinco homens e mulheres na proporção de 50% para cada sexo, sem doenças
neuropsiquiátricas. A idade dos sujeitos variou entre 23 a 49 anos, sem abuso de álcool
ou drogas e sem tratamento com fármacos. O local escolhido para realização da pes-
quisa experimental foi o Laboratório de Eletroencefalograma de alta resolução, perten-
cente ao departamento de Neuropsicologia da Universidade de São Paulo. O objetivo
era revisão de duas linhas de pesquisa, em que a primeira seria estudar os efeitos de
estimulação subliminar “priming” e, a segunda o desencadeamento por reações emo-
cionais por estímulos controlados. A pesquisa com as duas linhas combinadas tinha
o objetivo de estudar a consciência com o pré-preparo afetivo que foi realizado com
estímulos aversivos subliminares e supraliminares sobre a cognição analisando o de-
sempenho em tarefas de atenção. Os participantes disseram no início da pesquisa que
estavam bem. Quando questionados após as tarefas disseram não estar bem. Borine
(2007) expõe que:
Alguns sujeitos reportaram-se a mal humor diretamente devido as imagens, consi-
deradas pela maioria “ruins e pesadas”. Quando questionados em relação a haver
percebido algo além dos estímulos neutros, na tarefa dos estímulos subliminares a
grande maioria dos sujeitos respondem dizendo que não viram nada, apenas bri-
lhos, pedaços de figuras, ou algumas cores. Porém, apenas na proporção de 3% do
que foi de fato apresentado. A grande maioria dos indivíduos disse que não gostou
da tarefa de base, na proposição de 60%, considerando que o alvo era apresentado
muito rapidamente (17ms). A maioria dos sujeitos considerou ter mais dificuldades
com a tarefa de base e na tarefa supraliminar. Finalmente um achado interessante,

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apesar de estatisticamente não significamente, foi a diferença de acertos entre os


sexos. As mulheres foram mais prejudicadas no desempenho (e mais afetadas, por
seus relatos) (BORINE, 2007, p.76).

O conceito de “priming” diz respeito a “pré-ativação ou preparo com estímulos


subliminares e supraliminares”, conforme podemos verificar na definição dada por
Borine (2007) a seguir:
A pré-ativação subliminar vem sendo definida por uma quantidade de informação
dividida pelo tempo de exposição. É o termo utilizado quando um sujeito é prepa-
rado com uma breve exposição preliminar de um estímulo (que pode ser imagem,
som, símbolos ou objetos) antes de medir seu desempenho em um teste tarefa.
[...] A pré-ativação subliminar é utilizada em tarefas onde a memória para a infor-
mação prévia não é requerida e é comprovadamente um fenômeno não consciente
(BORINE, 2007, p.70).

No final do século XX foram feitos os primeiros estudos sobre percepção subli-


minar. Os pesquisadores apresentavam às pessoas voluntárias fichas com figuras geo-
métricas ou letras que não era possível aos sujeitos ver o que lá continha. Quando
eram questionados sobre o que tinha nas fichas eles respondiam que não conseguiam
ver nada somente borrões. Em seguida os pesquisadores davam um questionário de
múltipla escolha e solicitavam aos sujeitos que buscassem reconhecer as figuras que
tinham sido mostradas. Notaram que o nível de acerto era maior do que o obtido ao
acaso, a conclusão dos pesquisadores foi de que “as pessoas haviam sido afetadas pe-
las imagens” (MERIKLE, 1992 apud BORINE, 2007, p.70).

Beversdorf (2007) publicou um estudo em que mostrava evidências de que “a


tensão emocional afeta a cognição, sobretudo a capacidade de resolução de problemas,
como associação de palavras (apud BORINE, 2007, p.71).

Mensagem subliminar é aquela apresentada abaixo dos limites de percepção


do ser humano. Por isso não são conscientes, mas que podem influenciar opiniões,
comportamentos, sentimentos e atitudes. E assim sendo, mesmo que busquemos es-
tas mensagens não as encontraremos em nossa memória. Um exemplo que pode ser
dado é o experimento feito em Nova Jersey em 1950, quando colocaram de forma in-
termitente quadrinhos bem distanciados uns dos outros do logotipo da Coca-Cola e
de pipoca, misturados na fita magnética do filme projetado. E o resultado era de que
quando acabava o filme as pessoas iam comprar o refrigerante acompanhado de Coca-
-Cola o que aumentou as vendas desses produtos significativamente.

Mensagem supraliminar seria aquela que até podemos ver e/ou ouvir, mas que
não ocupa lugar central em nossa percepção e em nossa consciência, mas que também
influenciam opiniões, comportamentos, sentimentos e atitudes. Um exemplo seria a
música que toca bem baixinho em uma loja e pode influenciar na escolha de certos
produtos, como pesquisa feita em uma loja de bebidas alcoólicas, que aumentou sig-

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nificativamente a venda de uma de suas bebidas. Em 1999 a Disney foi multada e teve
que retirar milhões de fitas do filme Bernardo e Bianca dos cinemas por ter inserido em
uma das cenas, lá no fundo, a imagem de uma mulher nua. Nesta ocasião ela admitiu
ter feito isso e cumpriu com a determinação judicial.

Existem três tipos de mensagens: mensagens aceleradas; mensagens silenciosas


e discurso invertido. As mensagens aceleradas são imagens projetadas tão rapidamen-
te em milissegundos que não atinge o patamar da percepção. As mensagens silencio-
sas são sons de baixo volume inseridos em um áudio mais alto, como uma música. O
discurso invertido diz respeito à uma mensagem inserida de traz para frente em um
áudio em que a faixa original de tonalidade mais alta encobre, disfarça o som que há
atrás dessa.

2.2 Atenção como Invenção

Estudos psicológicos sobre a atenção feitos por Camus (1996) identificam algu-
mas características e propriedades deste processo que estão estreitamente ligados a
outros, tais como: “cognitivos, percepção, memória e o pensamento”. A “sua função é
delinear os demais, podendo atenuá-los, inibi-los ou amplificá-los”. A atenção é assim
compreendida, “como o fundo de flutuação da cognição, sendo também uma ação
cognitiva” (VERMERSCH 2002a; 2002b apud KASTRUP, 2007, p.71).

Kastrup (2007, p.71) faz referência a estudos contemporâneos de Vermesch (2002);


Camus (1996), Mialet (1999) e Kastrup (2002 e 2007). em que os resultados obtidos evi-
denciam que “a atenção não é um processo binário – atenção-desatenção - como mui-
tos pensam e muitas pesquisas trazem, mas o que se vê é a necessidade de considerá-la
como um processo heterogêneo, com funcionamento complexo e composto por muitas
variedades de gestos atencionais”.

No processo de reconstrução do sistema cognitivo das pessoas, existem duas


questões a serem apontadas: o redirecionamento e a qualidade. A atenção voltada à
vida prática mobiliza uma ação funcional “recognitiva e atos de focalização e atos
de prestar atenção. Trata-se aí de uma atenção submetida a uma finalidade”. Para a
mudança de qualidade Bergson diz que “envolve uma atenção suplementar, que não
possui caráter funcional e utilitário, no qual prevalece uma atitude de abertura, con-
tato e receptividade”. Esse tipo de “reversão da atenção não é imediato, mas requer
um tempo de espera em que se enfrenta um vazio, algumas vezes difícil de sustentar”.
Bergson trata também da reversão que tem por característica a “ausência de interes-
se, que, por sua vez, define a atenção à vida prática, que é seletiva e envolvida com
a ação”. Bergson afirma ainda que “a atenção suplementar inverte o fluxo cognitivo
habitual e promove o alargamento da percepção, possibilitando uma apreensão direta

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do objeto”. [...]. As experiências perceptivas não utilitárias mobilizam, com frequência,


uma atenção de qualidade especial que está envolvida nos processos de invenção de
mundo e de si mesmo (apud KASTRUP, 2007, p.73).

As pessoas expostas a um processo de ensino/aprendizagem podem estar sendo


convocados a redirecionar sua atenção para outros focos, ainda não experimentados,
portanto, novos em sua experiência. Isso implica também uma mudança de qualidade
em suas relações com o mundo e, tal como, o exemplo citado anteriormente, precisará
de tempo para perceber a nova situação e lidar consigo mesmas e, com o mundo que
se fez outro (KASTRUP, 2007, p.72-73).

A atenção pode ser compreendida como um processo de focalização e concen-


tração em determinado objeto que resultará em atividade de conhecer e de apreender.
Aprender é resultado de um processo em que haja acesso à atividades realizadas pelo
sujeito que tem uma demanda constante. Vale lembrar que o que conhecemos é sem-
pre uma pequena parcela do que poderá ser encontrado. A invenção é a construção de
um enunciado, tendo por referência algo já existente que atribui ao objeto algo que ele
ainda não tem KASTRUP, 2007).

Na ciência o objeto de pesquisa não está dado, é construção, que acontece a partir
de um olhar específico do pesquisador que identifica algo que lhe chama a atenção,
que o inquieta, que o mobiliza à reflexão e à busca de um significado, um sentido que
possa desvelar uma verdade, ou melhor, parte dela.

Interessante notar que para Bergson intuição e inteligência são diferentes, mas
complementares. Nas grandes invenções que tivemos na história da humanidade, o
que vimos de modo geral era um novo olhar para o que, de certa forma era conhecido,
assim como, abertura para o novo, o desconhecido. O não dar atenção para algo é des-
considerá-lo como algo de importância. A focalização e concentração em um objeto se
dá por conta de que algo neste objeto inquieta, provoca e me mobiliza para o desvela-
mento de seus mistérios e características, abrindo novas possibilidades.

De acordo com, Crary 1999:


O contexto atual passou a demandar dos sujeitos a capacidade de “prestar atenção”,
ou seja, de suprimir do seu campo perceptivo tudo aquilo que possa, de alguma for-
ma, comprometer sua produtividade. Nisso resultou a necessidade de impor uma
disciplina para a atenção, o que se tornou possível quando ela passou a ser localiza-
da no corpo dos indivíduos, permitindo sua vigilância externa e sua manipulação
(apud DE-NARDIN; SORDI, 2007, p.02).

Muitas e muitas vezes nas mídias o que vemos são estratégias que concorrem para
captar nossa atenção e, via de regra, com a finalidade manipulativa. Noam Chomsky

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no documentário “Requiem for the American Dream” sistematizou dez dessas estratégias
comumente utilizadas. Vejamos algumas delas a seguir:

Estratégia da Distração: tem por objetivo distrair a população desviando sua


atenção para assuntos sem importância e, salvaguardando os de importância vital que
são decididos pelas elites. Ocorre uma inundação de informações sem qualquer im-
portância. Enquanto o povo discute algo insignificante, que não influi em absoluta-
mente nada, a elite política e econômica toma decisões e retira direitos e condições de
existência para a maioria das pessoas sem que haja contestação ou resistência. É uma
forma de controle social.

Criar Problemas e depois Oferecer Soluções: Cria-se uma crise e junto a essa
oferecem “soluções” que na verdade incide em mais empobrecimento da população.
E o que é retirado da população acumula-se ao que já são demasiadamente ricos. O
capital é ganancioso e nunca estará satisfeito. Quanto mais riqueza mais poder. Exem-
plo: A argumentação do Déficit da Previdência, ainda que falacioso, foi a justificativa
utilizada para retirar direitos fundamentais da população brasileira.

Estratégia da Gradualidade: é a conhecida fórmula de Problema – Reação – So-


lução. Fabrica-se uma situação para criar reação no povo, para que eles possam exigir
medidas contra aquela situação forjada. E aproveita-se a oportunidade para implantar
as medidas que já estavam planejadas a tempos, mas sem qualquer condição de serem
propostas, haja vista que ocasionariam perdas e danos irreparáveis às condições de
vida da população. Um bom exemplo é provocar um ataque sangrento na sociedade
e, a população assustada pedir medidas contra o terrorismo. Assim o governo pode
construir uma legislação de segurança e políticas de cerceamento de liberdade.

O que vimos nestas estratégias desenhadas por Chomsky é a manutenção de um


tipo de prática política ideológica no sentido de manter a atenção das pessoas desvia-
das do que realmente importa e, com um fluxo tão intenso de informações que as dei-
xem desestimuladas a buscar o que de fato acontece. Resumindo: a atenção é captada
para a aparência, para a superfície do fenômeno sem que se tenha muitas possibilida-
des de alçar uma busca para o que motivou as medidas e a real situação do país.

Nas três estratégias citadas o que se desenha é uma cooptação da atenção utili-
tarista e, a criação de obstáculos que inviabilizem a reversão dessa atenção utilitária
para de qualidade. Pois se fosse facilitada esta reversão as pessoas deveriam ter acesso
a outras informações que fizessem o contraponto com o que é fortemente veiculado na
mídia, tivessem acesso a espaços de diálogo e debate criando o que podemos chamar
de um equilíbrio entre as informações e tempo para que estas fossem discutidas e pen-
sadas de forma reflexiva. E assim sendo, ocorreria um alargamento e uma expansão
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da percepção e da consciência crítica. No entanto, ao encerrar a população com uma


atenção funcional, o que resulta deste processo é um empobrecimento cognitivo, refle-
xivo, idiotizado, “pessoas em condição de sonambulismo”, para usar uma expressão
de Hanna Arendt

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atenção é uma dimensão pela qual atuamos e ativamos uma quantidade limita-
da de informações, em relação à quantidade de informações disponíveis e que passam
pelos nossos sentidos, ativando nossas memórias armazenadas e de outros processos
cognitivos. O elemento psicológico da atenção, sob comportamentos mecanizados, au-
tomatizados no cotidiano, nos libera para o uso de nossos recursos mentais para ques-
tões alheias ao que estamos fazendo no momento. “Atenção é um processo complexo,
que inclui modulações da cognição e da própria intencionalidade” (KASTRUP, 2007,
p.70).

Para Vygotsky apud Oliveira (2003, p.23):


A atenção faz parte das funções psicológicas superiores, tipicamente humanas. O
funcionamento da atenção baseia-se inicialmente em mecanismos neurológicos.
Inatos e involuntários. A atenção vai gradualmente sendo submetida a processos
de controle voluntário, em grande parte fundamentado pela mediação simbólica. A
atenção responde a estímulos externos e cada espécie animal tem um.

Portanto, a atenção é um método de selecionar e se concentrar, num certo pe-


ríodo, entre as diferentes possibilidades. A atenção exerce muitas funções, além de
simplesmente no campo perceptivo desconhecer os estímulos conhecidos e sintonizar
os novos. Ela abre portas para se descobrir algo original, sensações desconhecidas até
então, e assim, possibilitando novas construções cognitivas e outros modos de estar no
mundo e com si mesmo.

Os estudos de atenção são valiosos para diversas áreas de atuação e, por isso
deve estar sempre como uma temática de importância para pesquisa. A área de Psico-
logia cognitiva, as atividades docentes dentre outras se beneficiam destas pesquisas e
de suas conclusões para pensar caminhos mais promissores para seus desempenhos.

A concentração depende diretamente do funcionamento adequado e integrado


de diversas áreas cerebrais. O cérebro está constantemente sujeito a um ataque de in-
formações, no entanto é importante que os professores sigam algumas condutas para
facilitar o bom desempenho nas crianças com TDAH como: criar uma rotina para to-
dos os afazeres do dia a dia. A afetividade também exerce um papel fundamental em
todas as relações, além de influenciar decisivamente, o sentimento, a memória, a au-
toestima, o estímulo, a vontade e as ações, um componente primordial da constituição
do ser humano.

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Buscar compreender o que cada comportamento lhe diz acerca de como a pessoa
está é fundamental para fazer uma leitura de possibilidades e limites relacionais. Os
comportamentos são informações valiosas para compreendê-la em seus sentimentos,
suas dificuldades, suas inquietações, preocupações e medos. As pessoas em ação, nas
relações intersubjetivas, revelam-se como um texto, em que algumas coisas são ditas,
outras subentendidas e outras silenciadas. Perceber e conhecer as variáveis que inter-
vém nas relações com a diversidade de pessoas com as quais nos relacionamos seria
fundamental, no entanto, acessamos algumas delas somente, o que já nos confere pos-
sibilidades originais.

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EXPERIÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

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Capítulo 6
ATENÇÃO SOB UM OUTRO OLHAR
92

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