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ISSN 1646-6977
Documento produzido em 08.05.2016

O SETTING TERAPÊUTICO
E A TERAPIA CENTRADA NA PESSOA:
O ACOLHIMENTO E A TRANSFORMAÇÃO DO SUJEITO

2016

Johnny Everton Pinheiro de Borba


Graduando do 9º semestre de psicologia pela CESUCA – Complexo de Ensino Superior de Cachoeirinha.
Rio Grande do Sul, (Brasil).

E-mail de contato:
johnny.epb@hotmail.com

RESUMO

O presente trabalho é um estudo sobre o processo de acolhimento de crianças em e a forma


de ajudarmos em seu crescimento organísmico. Para muitas jovens, estar acolhida pode ser
interpretado como punição ao ficarem longe de suas famílias, amigos e sua comunidade. Para
outros é a uma oportunidade de ficarem afastados de um ambiente desfavorável ao seu
desenvolvimento, sendo o abrigo uma nova chance de reaprender a conduzir suas vidas,
promovendo autonomia, confiança e mudanças no sujeito. Sobre este assunto o setting terapêutico
deixa o tradicional e ganha novos formatos dependendo da necessidade real de cada individuo.

Palavras-chave: criança acolhida, setting terapêutico, terapia centrada na pessoa.

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INTRODUÇÃO

Durante o processo de adaptação das crianças no acolhimento, a comunicação com a equipe


técnica e com os educadores ajuda a compreender esta nova fase de suas vidas quando uma criança
foi exposta a vulnerabilidade e ao risco para seu desenvolvimento. O acolhimento é uma das
principais diretrizes éticas, estéticas e políticas da Política Nacional de Humanização do Sistema
Único de Saúde (SUS) no Brasil (Garuzi et al. , 2014). Existe, contudo a necessidade de uma
reabilitação da criança e a reestruturação da família, sendo que a cada seis meses a criança receberá
uma avaliação denominada como Plano Individual de Atendimento (Rossetti et al. 2012), com
uma permanência máxima de dois anos acolhida . Mas nem sempre isso acontece, e jovens
acolhidos podem acabar por um tempo muito maior dentro destas instituições.

Mesmo em casos de crianças acolhidas pela primeira vez ou quem já passou por este processo
antes, existe um sentimento de culpa e punição por alguma atitude realizada que favoreceu a
retirada de sua família de origem. Em uma pesquisa realizada em 670 instituições de acolhimento
e abrigos em 2003, através do Levantamento Nacional dos Abrigos para Crianças e Adolescentes,
conduzidos tecnicamente pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), observou-se
o desconhecimento por parte do governo federal sobre as condições dos acolhidos (Rossetti et al.
2012). Em outro estudo realizado por Lacerda em 2008, através do banco de dados de Solon
(2006), com o uso de narrativas de algumas crianças que relataram de forma negativa a passagem
de criança no abrigo, mas que este período faz parte de sua historia de vida (Lacerda & Guimarães,
2011 citado por Rossetti et al).

O acolhimento pode ser interpretado pelo usuário como um período de sofrimento


caracterizado pela separação de sua família original. Para muitos jovens, o movimento
disfuncional de cuidado e zelo promovem vulnerabilidade e risco ao desenvolvimento. Para outros
este movimento pode não acarretar grandes dificuldades de crescimento pessoal, não significando,
todavia, um crescimento funcional saudável, pois manter um jovem em risco social deixa marcas
que pode ser permanentes. Assim neste processo de mudança e atualização do sujeito, uma escuta
que considere cada fase desta criança algo único, pode transformar o sujeito em um ser verdadeiro
com seus sentimentos refletindo em sua vida.

O SETTING TERAPÊUTUCO: UMA VISÃO HUMANISTA

O uso do setting terapêutico consolidou-se com a psicanalise demostrando ser uma forma
prática e que garantia um enfoque maior do sujeito. É uma resposta e uma consequência natural

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ao que Freud havia compreendido sobre a relação peculiar do analista com seu analisando,
caracterizada pelos fenômenos transferenciais (Migliavacca, 2008).

Com o tempo, mudanças na sociedade e na forma de compreensão de técnicas terapêuticas


trouxeram novos rumos para psicologia. O uso do setting começou a ser estudado como um fator
ambiental que de acordo com as experiências do individuo, poderiam favorecer a alterações
intrapsíquicas, sendo também um agente que garantiria o vínculo terapêutico( Marque Gomes,
2006). Segundo Migliavacca (2008), a técnica do setting terapêutico pode ser entendida como:

O setting contempla arranjos práticos para a realização do


trabalho, mas é também um conceito psicológico que inclui
uma visão do que acontece dentro dele – da moldura – de
modo diferente do que acontece fora... O esclarecimento
necessário dos arranjos práticos é um dos pilares da moldura
dentro da qual se desenhará em infinitas direções, o encontro
de duas mentes, a do profissional e a de seu paciente, em
busca de realização (Migliavacca ,2008).

Para uma compreensão do processo terapêutico de um individuo que está em acolhimento,


com todas suas angustias e ansiedades para voltar para casa, o local de acolhimento pode se
transformar em um pesadelo diante de outra realidade enfrentada pela criança acolhida: a retirada
de sua família original. Por este fato, muitos acontecimentos dentro da instituição como brigas
frequentes, fugas, transgressões, roubos, isolamento social, incapacidade de compreender o outro,
são manifestações de um ambiente que esta criança conviveu e que moldaram sua percepção de
autoconceito até aquele momento. Desta maneira podemos fazer a seguinte pergunta: Como
compreender o outro se não houve um ambiente que olhasse o sujeito como indivíduo? Segundo
Rogers (2001 citado por Vieira e Pinheiro, 2013), define que o cliente busca tornar-se o que ele
realmente é, e que este processo promove sofrimento, pois move-se do que ele não é , não tentando
desta forma ser mais do que é , mas usando seus mecanismos de defesa para isso. Neste ciclo
viciante de não compressão do outro e insatisfação do eu, caracterizam o processo de acolhimento
como algo não compreendido e concretizado pelo jovem. Manifestações de abandono e risco deixa
a criança em uma espécie de casulo, não permitindo a entrada de novas experiências que possam
ajudar em seu crescimento organísmico.

Para Rogers (1961) o processo de experienciação e crescimento do indivíduo só acontecerão


quando este indivíduo se tornar mais aberto a sua experiência, sendo desta forma o oposto da
defesa, tornando-se mais acessivel e consciente de seus próprios sentimentos e atitudes. Assim o
sujeito trona-se responsável pelo movimento que se produz de forma harmônica , sendo sua
vontade um simples resultado de equilíbrio harmonioso com o organismo.

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Assim quando nos deparamos com a realidade de crianças acolhidas, seu pré-conceito sobre
si e sobre os outros seria transforado em uma leitura atualizada destes conceitos pré-concebidos e
empaticamente favoráveis a construção de novas tendências significativas e importantes para o
crescimento do sujeito.
“Ele vê que nem todas as árvores são verdes, nem todos os
homens são pais rígidos, nem todas as mulheres são
rejeitadoras, nem todas as experiências de fracasso provam
que ele não é bom, e assim por diante... Como seria de esperar,
essa capacidade crescente de ser aberto à experiência o toma
muito mais realista ao lidar com nossas pessoas novas, novas
situações, novo problemas. Significa que suas crenças não são
rígidas, que ele pode tolerar a ambiguidade” (Rogers, 1961).

Podemos supor que o setting terapêutico dependerá das condições em que o terapeuta
construa vínculo com seu cliente, independente do local em que isso aconteça, seja em um setting
terapêutico tradicional ou em um bando de praça ou mesmo em um encontro casual e inesperado,
mas que para o cliente naquele momento é importante para busca de fortalecimento, crescimento
pessoal e automotivação.
Jovens acolhidos necessitam de uma comunicação empática que garanta seu
desenvolvimento, pois promove a interiorização de novos conceitos e um relacionamento
intrapessoal, desta maneira conforme Rogers (1983, citado por Miranda e Freire, 2012):
“constato... que ouvir traz consequências. Quando
efetivamente ouço uma pessoa e os significados que lhe são
importantes naquele momento, ouvindo não suas palavras,
mas ela mesma, e quando lhe demonstro que ouvi seus
significados pessoais e íntimos, muitas coisas acontecem”
(Rogers, 1983).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando compreendemos o sujeito de forma integral e não parcialmente com suas


preocupações e defesas deixamos um espaço em branco que será preenchido com o crescimento
do outro, e isso ajudará a novos caminhos e possibilidades de transformação organísmica. Segundo
Amatuzzi (2009, citado por Frota, 2012) diz que o fenômeno subjetivo é antes um fenômeno
intersubjetivo por não se tratar de uma realidade objetiva, mas de um mundo de realizações onde
esta natureza objetiva se mostra como fenômeno primeiramente e que pode ser depois elaborado

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no pensamento. Nesta condição positiva de forma incondicional formamos um ambiente que


promova aceitação do sujeito sendo todas manifestações deste sujeito/criança aceito calorosamente
pelo terapeuta (Tambara & Freire, 2010). Esta mudança de seu autoconceito propicia novos
horizontes antes não explorados devido suas primeiras experiências de vida, o não
reconhecimento, ameaça ou perca do amor de seus pares.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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cenário brasileiro contemporãneo: reflexões preliminares. Revista da Abordagem Gestáltica, 18(2), 168-
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Garuzi, Miriane, Achitti, Maria Cecília de Oliveira, Sato, Cintia Ayame, Rocha, Suelen Alves,
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caminho se volta, 3ª edição, 2010.

Rogers, Carl R., Tornar-se pessoa. (1961). 5ª edição. São Paulo. Martins Fontes. 1997.

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Rossetti-Ferreira, Maria Clotilde, Almeida, Ivy Gonçalves de, Costa, Nina Rosa do Amaral,
Guimarães, Lilian de Almeida, Mariano, Fernanda Neísa, Teixeira, Sueli Cristina de Pauli, &
Serrano, Solange Aparecida. (2012). Acolhimento de crianças e adolescentes em situações de abandono,
violência e rupturas. Psicologia: Reflexão e Crítica, 25(2), 390-399.https://dx.doi.org/10.1590/S0102-
79722012000200021.

Vieira, Emanuel Meireles, & Pinheiro, Francisco Pablo Huascar Aragão. (2013). Person
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(Campinas), 30(2), 231-238.https://dx.doi.org/10.1590/S0103-166X2013000200009.

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