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Budismo

O Budismo foi fundado no nordeste da Índia por Siddhartha Gautama, conhecido


como Buda, o Desperto.

Siddhartha Gautama nasceu em Kapilavastu, num lugar chamado Lumbini, cerca de


563 A.C. (segundo alguns investigadores), perto da atual fronteira Índia-Nepal. Filho de
Suddhodhana, da família dos Shakyas, governante do reino de Kosala, a lenda conta
que ao nascer lhe foi vaticinado o futuro de um grande sábio ou de um grande
imperador.

O jovem foi educado com todos os cuidados e rodeado de todas as riquezas, até ser
confrontado com as realidades da vida através de quatro “mensageiros” – um doente,
um velho, um cadáver e um monge errante. Ao vê-los, surgiu-lhe a mesma pergunta
com que todos nos confrontamos: face ao ciclo da vida e da morte, onde encontrar a
liberdade e a felicidade?

Com vinte e nove anos, o príncipe abandonou a vida do palácio e a família para
procurar respostas para esta pergunta universal. Durante 6 anos praticou diversas
técnicas de meditação com mestres reconhecidos, até que, ao igualá-los, descobria
que ainda não tinha resposta para a questão da libertação do sofrimento. Enveredou
por uma via de ascetismo extremo que também não o aproximou da libertação. Ao
ouvir o diálogo de um professor de música e do seu aluno, percebeu que a via não
estava nos extremos do prazer e do ascetismo. Recordou então uma experiência que
tinha tido quando mais novo, de dhyana (meditação) que lhe pareceu mais próxima da
realidade, e decidiu sentar-se debaixo de uma árvore, conhecida como árvore Bodhi
(árvore da iluminação, na realidade uma variedade de figueira) em BodhGaya, com a
firme resolução de não se levantar do seu lugar enquanto não tivesse a experiência,
ele mesmo, da verdade mais profunda e libertadora. Então, segundo contam os textos
tradicionais, no momento em que a estrela da manhã surgiu no céu, a sua mente abriu
para a incondicionada e imortal liberdade que está para além da vida e da morte.
Nesse momento de libertação, ele tornou-se o Buda, o Desperto, que acordou do
estado de ignorância em que todos estamos imersos como num sonho.

O Buda não ensinou o “Budismo”, um conceito aliás bastante recente. Ensinou o


Dharma (Dhamma em pali), uma palavra sânscrita que significa “a verdade”, “a via das
coisas”, “as leis naturais da mente e do coração”. Ensinou a verdade da insatisfação e
das suas causas, o fim da insatisfação e o seu caminho. Os seus ensinamentos eram
sempre dirigidos a pessoas específicas e ajustados ao temperamento e capacidades
dos ouvintes. Por isso, encontramos nos ensinamentos do Buda uma grande
quantidade de meios hábeis que podemos usar no nosso caminho espiritual.

Pouco após a Iluminação, o Buda proferiu o seu primeiro discurso, definindo a


estrutura básica sobre a qual se iriam basear todos os ensinamentos seguintes. Essa
estrutura básica são as Quatro Nobres Verdades, quatro princípios fundamentais da
natureza (Dharma) que emergiram da avaliação que o Buda fez da condição humana.
Essas verdades não são afirmações de fé. São na verdade categorias nas quais
podemos enquadrar a nossa experiência de forma a criar condições para a Iluminação:

1. Existe dukkha: sofrimento, insatisfação, descontentamento;


2. Existe a causa ou origem de dukkha: a causa dessa insatisfação é o desejo/aversão,
com raiz por sua vez na ignorância;
3. Existe a cessação de dukkha: o abandono desse desejo;
4. Existe o caminho que leva à cessação de dukkha: o Nobre Caminho Óctuplo –
entendimento correto, pensamento correto, linguagem correta, acção correta, modo
de vida correto, esforço correto, atenção plena correta e concentração correta.

O Caminho Óctuplo oferece um guia prático para o desenvolvimento de qualidades e


habilidades benéficas que devem ser cultivadas se o praticante desejar alcançar o
objetivo final, o Nirvana. Na prática, o Buda ensinou o Nobre Caminho Óctuplo aos
seus discípulos de acordo com um sistema de treino gradual, iniciando com o
desenvolvimento de sila ou virtude (linguagem correta, ação correta e modo de vida
correto, resumidos nos cinco preceitos), seguido pelo desenvolvimento de samadhi ou
concentração (esforço correto, atenção plena correta e concentração correta),
culminando com o pleno desenvolvimento de prana ou sabedoria (entendimento
correto e pensamento correto). A prática de dana (generosidade) é um poderoso
auxiliar ao longo do caminho, pois reforça as qualidades naturais de abertura e
desprendimento, por oposição aos hábitos condicionados enraizados na confusão, no
medo e no desejo egocêntrico.

O progresso ao longo do caminho não segue uma trajetória linear simples. Em vez
disso, o desenvolvimento de cada aspecto do Nobre Caminho Óctuplo encoraja o
refinamento e fortalecimento dos outros aspetos.

Algumas vezes o Budismo é criticado como uma religião ou filosofia negativa ou


pessimista. Apesar de tudo (esse é o argumento utilizado) a vida não é somente
miséria e desapontamento: ela oferece muitos tipos de alegria e felicidade. Por que é
que então no Budismo só se fala de insatisfação e sofrimento?

O Buda baseou os seus ensinamentos numa franca avaliação da nossa situação como
seres humanos: existe insatisfação e sofrimento no mundo. O sofrimento faz parte de
toda a existência condicionada. Ninguém pode contestar esse fato. Porém, como um
médico que prescreve o remédio para uma enfermidade, o Buda oferece a esperança
(a Terceira Nobre Verdade) e a cura (a Quarta). Os ensinamentos do Buda portanto
permitem ter um alto grau de otimismo num mundo complexo, confuso e difícil.

O Buda alegava que a Iluminação que ele redescobriu está acessível a qualquer um que
esteja disposto a fazer o esforço e comprometer-se a seguir o Nobre Caminho Óctuplo
até o fim. Cabe a cada um de nós colocar essa afirmação à prova.

Livro de consulta
O Ensinamento de Buda, Walpola

Vídeo Recomendado
Cultivando Sua mente e Seu Coração
https://www.youtube.com/watch?v=qGKApwERdHw&t=641s
Budismo Desmistificado

Por Matthieu Ricard, 2-abril-2018

“O Budismo é frequentemente descrito como sendo uma filosofia, uma religião ou


uma forma de viver, entre outras coisas. Mas quais são os pontos-chave que definem o
Budismo, de acordo com o próprio Buda, e com os mestres qualificados cujos
comentários iluminam os seus ensinamentos?

1. O principal objetivo do Budismo é aliviar o sofrimento em todas as suas formas.


2. Para atingir este fim, é essencial identificar as causas do sofrimento em diferentes
níveis. Todas estas causas têm a sua base na ignorância. Esta ignorância resulta em
estados mentais aflitivos, que afectam as nossas palavras e acções. Alguns destes
estados mentais aflitivos incluem a aversão, o desejo, a falta de discernimento, o
orgulho e a inveja.
3. Nós podemos aliviar estes estados mentais aflitivos com a utilização de antídotos.
Por exemplo, o altruísmo contraria a aversão, a ausência de apego neutraliza o desejo,
e um entendimento das leis de causa e efeito remedia a falta de discernimento.
4. Contudo, estes antídotos não são eficazes para erradicar a causa primária do
sofrimento, que é definida como o não-reconhecimento da verdadeira natureza última
dos fenómenos.
5. O único remédio para esta ignorância fundamental é o entendimento da “verdade
absoluta” ou “verdade última”. O que é a verdade última? É o entendimento de que,
apesar de os fenómenos aparecerem, eles são vazios de uma existência inerente. Eles
aparecem, mas não existem. Desta forma, o Budismo evita cair nos dois extremos
errados do niilismo e do materialismo.
6. O Buda ensinou quer ao nível da verdade relativa, quer ao nível da verdade
absoluta. O objectivo dos seus ensinamentos sobre a verdade relativa é o de,
gradualmente, nos trazer à experiência directa da verdade última. Esta experiência
transcende conceitos e palavras, e é o único meio de erradicar as causas da ignorância
e do sofrimento.

Este último ponto foi elucidado durante um conjunto de ensinamentos dado em Abril
de 2017, no Nepal, por Dzongsar Khyentse Rinpoche, sobre o Sutra do Coração, ou a
Essência do Conhecimento Transcendente *. Ele chamou a atenção para a distinção
fundamental que existe entre os ensinamentos que pertencem ao nível relativo (a
verdade convencional), que são conhecidos por serem ‘expeditos’, e os ensinamentos
que pertencem à verdade última.

Dzongsar Khyentse Rinpoche explicou que quando o Buda ensinou a generosidade,


disciplina, paciência, diligência, meditação analítica e por aí fora, apesar de estas
práticas serem virtudes importantes e benéficas, elas caem na categoria de meios
hábeis que trarão o praticante na direcção de um entendimento da verdade última.

Nessa base, todos os aspetos culturais e religiosos do Budismo – os rituais, cerimónias,


música e danças sagradas, mosteiros e por aí fora – caem na categoria da verdade
convencional. É por isso que o 14.º Dalai Lama encoraja sempre as pessoas que vêm
estudar com ele a ouvirem os textos fundamentais, em vez de adotarem os aspetos
culturais do Budismo.
O estudo destes textos dissipa os estereótipos incorretos sobre o Budismo que são
frequentemente exagerados, incluindo que o Budismo leva ao niilismo, ao
individualismo, à indiferença face aos outros, à falta de envolvimento no mundo e por
aí fora.

A um nível prático, para alguém que inicia a viagem no caminho até ao despertar,
todas estas actividades virtuosas feitas com o corpo e a fala são essenciais. Contudo, o
seu único objectivo é permitir à nossa mente gradualmente transformar-se desde a
perplexidade até ao conhecimento, da mesma forma que nós damos líquidos a uma
criança pequena, antes de a alimentarmos com alimentos sólidos. Assim sendo, o
Budismo oferece um caminho até ao despertar – acompanhado por uma intenção
deliberada de libertar todos os seres do seu sofrimento – levando a um conhecimento
transcendente. O Buda expressou isto mesmo, quando ele atingiu o seu despertar: “Eu
encontrei um Dharma que é como um néctar, pacífico, profundo, luminoso, livre de
conceitos e não-construído.” Deste ponto de vista, o Budismo dificilmente encaixa nos
critérios habituais que definem uma religião.
Existem um sem número de textos filosóficos e tratados que oferecem explicações
detalhadas nos poucos pontos mencionados acima, mas em inglês, é possível consultar
por exemplo, “Wisdom: Two Buddhist Commentaries” **, que oferece dois
comentários sobre o nono capítulo do texto de Shantideva “The Way of the
Bodhisattva”, um trabalho dedicado ao conhecimento transcendente.”

Notas:

* Os ensinamentos de Dzongsar Khyentse Rinpoche mencionados acima estão


livremente disponíveis no Youtube, neste link:
https://www.youtube.com/watch?v=qllOX8pYcNk&t=870s

** ‘Wisdom: Two Buddhist Commentaries’ são dois comentários ao capítulo nono do


texto de Shantideva “The Way of the Bodhisattva”, por Khenchen Kunzang Pelden e
Minyak Kunzang Sönam, Padmakara Translation Group, Editions Padmakara, 1999.
Escola Theravada

A escola Theravada, do pali “anciãos, antigos” e vada “palavra, doutrina”, ou seja, “a


palavra ou doutrina dos antigos”, é considerada a escola budista mais antiga e
ortodoxa, guiando-se pelo cânone Pali (Tipitaka), estabelecido nos primeiros três
concílios depois da morte do Buda.

Esta escola começou por se estabelecer no Sri Lanka e daí expandiu-se para a Birmânia
(Myanmar), Tailândia, Laos, Camboja e mesmo para o Vietname, Malaia e Indonésia,
embora estes países tenham igualmente recebido a influência de outras escolas
budistas.

A prática do Theravada fundamenta-se no desenvolvimento de cinco qualidades


mentais essenciais: fé, a energia, a vigilância, a concentração e a sabedoria, através da
meditação e do estudo.

A prática principal de meditação centra-se no sutra Satipatthana (Os Fundamentos da


Atenção Plena), um método de prática de atenção plena apresentado pelo Buda como
a essência do caminho por ele indicado. Cada centro ou mosteiro Theravada utiliza
igualmente outros métodos de meditação. A participação em retiros e as entrevistas
individuais com um professor são uma prática comum e essencial.

O estudo centra-se no conhecimento do Cânone e respectivos Comentários, assim


como a leitura de textos de mestres antigos e contemporâneos.
Para além da meditação (bhavana e metta-bhavana) e da participação em palestras
sobre o Dhamma (desana) a prática Theravada inclui ainda a recitação de textos
sagrados (puja).

Em Portugal esta forma de Budismo está representada pelo Mosteiro Sumedhara, da


tradição Tailandesa do Budismo da Floresta.
Budismo Tibetano

O Vajrayana, do sânscrito “veículo de diamante”, conhecido igualmente como budismo


tântrico, tem as suas raízes históricas na Índia e a partir do século oito d.C. expandiu-se
para a China, o Japão, o Tibete, o Nepal, o Butão e Mongólia.

Embora as várias escolas do Vajrayana tenham desenvolvido formas muito próprias, o


percurso de um praticante passa por etapas que todas partilham: as práticas
preliminares (sngon ‘gro), as práticas externas (com contemplações sobre a natureza
do mundo samsárico), as práticas internas (que incluem a tomada de refúgio e a
prática de guru yoga) e a prática principal (dngos gzhi), com três fases: geração,
perfeição e grande perfeição (esta última é nomeada de forma diferente consoante a
escola).

Uma das particularidades do Vajrayana é o uso de visualizações, recitação de mantras


e mudras. Outra característica comum a todas as escolas Vajrayana, é a importância da
ligação com um mestre (guru). Na prática do guru yoga, o mestre deve ser visualizado
enquanto ser absolutamente perfeito. À imagem do guru, todos os seres são
igualmente contemplados como essencialmente puros e imaculados. Os métodos, para
serem usados com eficácia, devem ser antecedidos por uma iniciação, que autoriza o
indivíduo a praticá-los. É comum que um praticante receba várias iniciações, podendo
assim praticar métodos diferentes. Práticas complementares incluem ainda as
oferendas, a oferenda do mandala e prosternações. Um dia num Centro ou Mosteiro
Vajrayana começa com as oferendas e a prática de oração no templo e de sadhanas
pessoais. Incentiva-se o estudo de textos sagrados e sobretudo a transmissão oral de
ensinamentos.
No Budismo Tibetano, há quatro escolas principais: a escola Nyingma (a escola antiga),
e as escolas Kagyu, Sakya e Gelug, que utilizam textos de traduções mais recentes que
a primeira.

O fundador da escola Nyingma foi o mestre indiano Padmasambhava. Uma das


características desta escola é a transmissão de ensinamentos através de “tesouros”
(terma).

A escola de transmissão oral Kagyu tem origem nos ensinamentos do yogi indiano
Tilopa. O principal ensinamento desta escola é o Mahamudra (Grande Selo, ou Grande
Marca), ou a percepção directa da claridade da mente.

A escola Sakya, fundada pelo lama tibetano Khön Könchog Gyelpo, é considerada a
escola mais esotérica do Budismo Tibetano.

A Escola dos Virtuosos, a escola Gelug foi fundada pelo monge tibetano Tsongkhapa
Losang Dragpa e perdurou como uma escola monástica. Esta escola está na origem na
linhagem do Dalai Lama.

Em Portugal há várias escolas e grupos que representam o Budismo Tibetano. No


Centro Budista do Porto, a Associação Bodhicharya Portugal promove ensinamentos,
retiros e outras atividades sob a responsabilidade espiritual de Ringu Tulku:

http://bodhicharyaportugal.org/
Budismo Zen

O termo japonês Zen (em chinês Ch’an) é a forma abreviada de Zenna, derivado do
chinês Ch’an-na, que por sua vez vem de Dhyana — “meditação” em sânscrito.

O Zen define-se geralmente em quatro aspetos:

— uma transmissão especial de mente a mente ou de coração a coração (os japoneses


dizem ishin-denshin), fora do ensinamento ortodoxo
— a não-dependência de escrituras sagradas
— o apontar diretamente ao coração-mente humano
— a realização da própria natureza, tornar-se buda

Segundo a história tradicional, esta transmissão ishin-denshin, deu-se durante um dos


ensinamentos de Buda Shakyamuni, em que o Buda, com um sorriso, mostrou uma flor
de lótus dourada, e não disse nada. Ninguém se pronunciou, excepto Mahakashyapa,
que respondeu com outro sorriso.

Desde então, essa transmissão de “mente a mente” passou por vinte e oito gerações
de patriarcas, até que o indiano Bodhidharma, para alguns, mais mítico do que real,
levou essa tradição à China e fundou a escola de Dhyana. Surgiram posteriormente
vários tipos de escolas Zen na China, Coreia, Japão e Vietname.
As escolas Zen mais conhecidas no Ocidente são a escola Soto e a escola Rinzai. Ambas
se centram na prática da meditação sentada (zazen), embora a escola Rinzai dê
também grande importância à prática dos koans. Os koans consistem na sua maior
parte em frases ou histórias enigmáticas, paradoxais ou mesmo absurdas que o
estudante deve “resolver” mas cuja solução não se atinge pelo raciocínio. Os koans
transcendem a lógica e os conceitos e visam romper os nossos condicionamentos. Uma
vez que não podem ser solucionados pela lógica discursiva, os koans clarificam o
praticante sobre as limitações do pensamento. Os koans são utilizados como um tema
de meditação, incessantemente colocados pelos praticantes durante as sessões de
meditação e, sempre que possível, ao longo do dia.

Ainda que avesso às definições, o Zen pode ser visto como uma prática de
transformação dos processos mentais pela atenção dada ao presente. Nesse sentido as
escolas Zen acentuam a integração da prática no dia-a-dia, aproximando-se neste
sentido da escola Theravada. No Zen, utiliza-se ainda a meditação em andamento e a
recitação de sutras como práticas complementares. Os retiros (sesshin), as entrevistas
pessoais com o professor (dokusan) e as palestras sobre o Dharma (teisho) e o trabalho
enquanto prática meditativa (samu) têm um papel igualmente importante no Zen.

Em resumo, a prática num Centro ou Mosteiro Zen geralmente consiste de recitações


de textos sagrados (em particular o Sutra do Coração e outros textos ou sutras), da
prática da meditação sentada e em andamento (zazen e kinhin) e de palestras sobre o
Dharma (teisho), para além de samu.

Diz-se que o Zen é a essência do Budismo. Um mestre Zen japonês disse: “O Zen nasceu
e cresceu na Índia, floresceu na China e deu fruto no Japão.” Mas não é assim tão
simples. O Zen é a prática que nasceu da experiência do Buda Shakyamuni, o qual
despertou para a realidade última da vida (o não-eu). Como tal, o Zen não pertence a
nenhuma seita religiosa em particular. Podemos até encontrá-lo no Cristianismo, no
Hinduísmo, nas cartas de S. Paulo, por exemplo, ou nas biografias de Ramakrishna. Por
favor, não tirem nenhuma conclusão por eu ser um monge budista; em vez disso,
descubram e realizem a raiz da vossa prática Zen através deste encontro quotidiano
Aqui-Agora. (Mestre Zen Hôgen Yamahata, Folhas Caem, um Novo Rebento)

Em Portugal há vários grupos ligados ao Budismo Zen. No Centro Budista do Porto,


temos atividades pela Associação Zen Flor Silvestre (Escola Soto).

https://sanghazenpt.org/
Budismo Ocidental

As formas de budismo precisam mudar para que a essência do budismo possa


permanecer inalterada. Esta essência consiste em princípios vivos, que não suportam
nenhuma formulação específica.
Thich Nhat Hanh

A expressão “Budismo Ocidental” não corresponde evidentemente a nenhuma escola


budista, mas sim a formas vivas de estar e de pensar, movimentos, grupos e percursos
que decorrem do encontro do Budismo com o Ocidente, pois, como já muitos
afirmaram, esta é realmente uma época fascinante, em que pela primeira vez “todas
as escolas existentes de budismo coexistem juntas, bem de perto, esbarrando umas
nas outras, num só lugar e numa só época” (Lama Surya Das). O budismo sempre se
transformou pela interacção com as culturas em que se integrou; ao mesmo tempo,
essas culturas transformaram-se ao interagir com o Budismo… “O Dharma sempre
retém a sua essência, ao mesmo tempo em que se reinventa, para permanecer
aplicável, acessível e relevante.” (Lama Surya Das, O Despertar do Buda Interior)

Para os ocidentais, trata-se de uma posição muito pragmática, de responder a uma


pergunta muito simples: “O que funciona?” – O que funciona para libertar a mente
do sofrimento? O que funciona para desenvolver um coração compassivo? O que
funciona para despertar?

Incluimos nesta designação correntes como as de Um Dharma, de Joseph Goldstein,


que visam experienciar o ponto essencial comum a todos os ensinamentos, o budismo
agnóstico de Martine e Stephen Batchelor, que considera o budismo uma cultura de
despertar em permanente evolução e não um sistema religioso baseado em dogmas e
crenças, o Zen ocidental de Éric Rommeluère, que mais uma vez procura a essência do
zen e não a cultura de onde foi importado, ou ainda as pontes construídas pelo diálogo
interreligioso, por exemplo, de cristãos que são ao mesmo tempo professores Zen.
Incluimos ainda todos aqueles que se questionam, que procuram integrar os aspetos
essenciais da prática budista, como a investigação, a compaixão e a sabedoria na vida
do dia-a-dia, mas sem filiação religiosa.

O que é importante? O passado passou, o futuro é o importante. Nós somos os


criadores. O futuro está em nossas mãos. Mesmo se falharmos, será sem
arrependimentos. Temos que fazer o esforço… de cooperar com as pessoas, em vez de
querer convertê-las. Sempre motivados pela altruísta bodhicitta, vocês ocidentais
devem ser criativos ao adaptar a essência milenar do Dharma para a vossa cultura, a
vossa época e as vossas circunstâncias. (S.S. Dalai Lama).
Porquê as diferentes escolas?

As diferentes escolas budistas podem ser encaradas como a expressão da variedade de


meios que o Buda encontrou para chegar aos seres. Diz-se que o Buda deu 84 000
ensinamentos, outros tantos meios de ajudar os seres a encontrar o seu caminho.
Meios hábeis (upaya) é uma expressão muito frequente na literatura budista e refere-
se a métodos e práticas particulares usados para ajudar os praticantes a libertarem-se
da ignorância. Estes diferentes métodos correspondem aos diferentes
temperamentos, backgrounds e capacidades de todos nós. Como diz Joseph Goldstein,
“Alguns podem achar a linguagem da vacuidade estéril como um deserto. Outros
podem encontrar aí o coração da libertação. Outros ainda podem achar que o caminho
da devoção os liberta do Ego, enquanto para outros a devoção pode funcionar como
uma nuvem de auto-ilusão.”
Muitas pessoas sentem-se naturalmente atraídas por uma determinada forma e
cultura e procuram familiarizar-se com essa tradição a partir desse gosto pessoal.
Outras lêem um livro, ouvem um professor, e parece que algo se encaixa, que faz
sentido. A partir daí interessam-se pela escola seguida pelo professor ou pelo autor do
livro.

Cada um de nós precisa de honestidade e introspeção e eventualmente de alguma


orientação para encontrar o seu “meio hábil”. No Ocidente, em que é possível o acesso
a várias escolas e tradições, é aconselhável usar de discernimento nesse entrar em
contato. Como aconselha Ricardo Sasaki, temos de “aprender a aprender”:
“Acostumados a sempre receber as coisas prontas (quanto mais pronto e rápido para
consumo, melhor), por vezes confiamos excessivamente no professor, na escola, ou
mesmo no livro, para nos prover de imediato com aquilo que almejamos. O professor
passa a ser visto como aquele que pode apontar a ‘natureza da própria mente’ do
aluno, a escola (templo ou mosteiro) como o ambiente único de aprendizado correto,
e os livros como aqueles que nos darão todas as respostas que precisamos conhecer.
Ao mesmo tempo, negligenciamos nosso próprio papel nesse tão valoroso processo
que é o aprendizado sobre nós mesmos. O que é aquilo que trazemos para essa
relação educacional? Estamos atentos ao nosso dever e somos ativos no processo, ou
nos comportamos no caminho como apressados consumidores de comida congelada
(com seus microondas serviçais prontos para nos servir) sem termos trabalho algum? É
possível aprender muito observando a nós mesmos e como reagimos aos desafios que
a vida nos oferece. Todas as coisas se tornam nossos professores então, e mesmo
nossos professores formais se tornam melhores professores, pelo simples fato de que
passamos a utilizar a inteligência e a reflexão sábia como formas de nos relacionar com
tudo ao nosso redor.”

Textos e adaptação da responsabilidade do Centro Budista do Porto.

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