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O LIVRO TIBETANO DOS MORTOS.

O Livro Tibetano dos Mortos, hoje bastante conhecido no Ocidente, constitui apenas
parte de um ciclo completo de ensinamentos oferecidos pelo notável mestre
Padmasambhava, considerado pelos tibetanos como o segundo Buda que levou o
budismo para o Tibete e a região do Himalaia.

O verdadeiro título do chamado Livro Tibetano dos Mortos é: A grande libertação por
meio da audição no bardo.

A palavra tibetana bardo significa a transição, ou hiato, entre duas realidades.


Padmasambhava expressou todo o espectro da vida e da morte no contexto de seis
bardos: três de vida e três de morte. Cada bardo possui um conjunto de ensinamentos e
de práticas de meditação a ele relacionados. Nesses hiatos, está particularmente presente
a possibilidade da natureza da mente ser revelada.

As experiências de bardo estão acontecendo conosco o tempo todo. O objetivo dos


ensinamentos do budismo tibetano é mostrar como fazer uso dessas oportunidades para
despertar o que são continuamente apresentados, tanto durante a vida como na morte.

Os três bardos da vida são:

1 - A consciência ordinária, desde o momento em que nascemos até quando morremos -


A vida presente;

2 - O sono e o estado onírico;

3 - O estado meditativo, ou estado superior de consciência.

Os três bardos da morte são:

1 - O momento da morte, que é o tempo que transcorre entre o início do processo de


morrer e sua culminação na morte;

2 - Dharmata - A essência das coisas tais como elas são, quando a natureza da
consciência se manifesta sob forma de visões;

3 - O vir-a-ser, desde o momento em que a consciência abandona o corpo até o


nascimento seguinte.

Segundo o budismo, a mente tem dois aspectos: A mente ordinária, trata o sentido do
eu, como gostaríamos que continuasse, pois ela é a única indicação que temos de nossa
existência.

A consciência fundamental está além da mente ordinária, é a nossa verdadeira natureza,


e sobrevive a morte do corpo e da mente ordinária. O ensinamento e prática budista
tenta mostrar nossa verdadeira natureza, que fica além do nascimento e da morte.
Quando reconhecemos a natureza dessa clareza da mente, ao morrermos podemos
deixar esta vida de maneira mais confiante que, na realidade, nada perdemos. Muito
pelo contrário, ganhamos:

Para a compreensão da reencarnação, a questão central é o princípio do carma. Assim, o


futuro está em nossas próprias mãos e em nossas próprias ações.

Se quiserdes conhecer vossa vida passada, olhai para vossa condição presente; se
quiserdes conhecer vossa vida futura, olhai para vossas ações presentes”(Buda). A
palavra karma significa ação, cada uma de nossas ações é dotada de poder e está grávida
de suas conseqüências.

O carma afeta nossas mentes, o que, por sua vez, afeta nossas ações e nossa vida.

A única maneira de por fim a esse ciclo é interrompê-lo. No ponto exato em que o
cortamos está o começo e o fim. Nesse momento começa a cessar a nossa confusão.

O primeiro passo para interromper o ciclo do Samsara é tornar-se mais atento e sereno.
A atenção é desenvolvida disciplinando a mente na meditação. O estado desperto da
atenção esclarece a percepção e elimina o obscurecimento.

A aceitação emocional da morte por meio da contemplação e da meditação, assim como


o aprendizado de fazer uso das crises, conturbações e mudanças na vida, é outro
elemento importante no treinamento budista e na preparação para a morte.

As mudanças, ou pequenas mortes que ocorrem com tanta freqüência em nossas vidas,
constituem um elo vivo com a morte real, incitando-nos a abrir mão, a desistir. Podemos
com treinamento, perceber a verdadeira natureza de nossa mente e na transição e
incerteza da mudança está a oportunidade para despertar.

Nosso objetivo supremo, ao longo de muitas vidas, é descobrir nossa mente


fundamental. Ela se revela lentamente; quando é realizada por completo, tem-se a
iluminação.

Assim, para um indivíduo, mais importante que uma prova científica da sobrevivência
após a morte é a questão do que realmente significa para ele a sobrevivência.

Se compreendermos efetivamente a continuidade e o significado da vida, assim como os


efeitos de nossas ações, levarem uma vida justa terá um propósito. Quando realmente
prestamos atenção em nossas ações, o futuro está em nossas mãos, de modo que a
melhor maneira de ajudar a nós mesmos a nos preparar para a hora da morte é começar
a dar atenção ao que fazemos agora.

A prática mais enfatizada na tradição budista é a do abrir mão dos apegos, dos
condicionamentos e dos hábitos que constituem o nível enevoado da mente.

O budismo ensina que, quando morremos, tudo que acumulamos na memória durante
esta vida desaparece por completo e que, quando renascemos, desenvolvemos uma nova
memória. Entretanto, o carma fica registrado como caráter ou disposição fundamental
de uma pessoa, afetando todo o seu ser.

O momento da morte é aquele o qual podemos romper a concha da mente comum e


obter a libertação. Se falharmos é porque não conseguimos abrir mão, agarramo-nos aos
nossos hábitos. Nosso futuro nascimento é então determinado por nossas antigas
maneiras de ser, se nos rendemos determinamos um nascimento melhor.

O budismo tibetano ensina que, no momento da morte, o importante é poder se agarrar


ao aspecto da mente que sobrevive, e abrir mão daquele que está morrendo.

Conhecer a natureza da mente nos proporciona a coragem, na morte, de deixar partir


todos os aspectos menores de nós mesmos.

O Livro Tibetano dos Mortos descreve oportunidades de libertação nos três bardos da
morte, que é destinado a ser lido para uma pessoa agonizante que tenha se dedicado às
práticas e esteja habituada a essa tradição.

Ao penetrar no bardo do momento da morte, quando os sinais indicam morte inevitável,


a pessoa deverá juntar todas as suas forças e focalizar sua atenção na essência da prática
espiritual. É essencial que o indivíduo não se distraia nem se perturbe. Este é o
momento de perdoar e esclarecer assuntos inacabados e abandonar apegos.

Se vamos ajudar uma pessoa que em vida não teve nenhuma experiência espiritual que a
apoiasse, nossa confiança e força espirituais poderão trazer à tona sua essência
espiritual. O amor pode ajudar as pessoas a aceitar a morte.

O processo inverso da concepção e formação de uma nova criança. Tem-se início à


dissolução simultânea dos componentes psicológicos ou agregados do ego: forma,
sentimento, percepção, intelecto e consciência. Cada um dos estágios dessa dissolução é
caracterizado por sinais internos, físicos, externos e identificáveis. Assim, o elemento
terra se dissolve na água, a água se dissolve no fogo e o fogo no ar. Quando o ar se
dissolve, ao respirar, a pessoa exala o ar e dificilmente consegue aspirá-lo. Finalmente
cessa a exalação. Nesse momento, o ar interior (força vital), se dissolve dentro do “canal
central” quando a essência do pai desce, produzindo uma visão de brancura e a essência
da mãe sobe, produzindo uma visão semelhante ao vermelho sol poente. Quando essas
essências se encontram no coração e se fundem, a consciência desfalece num espaço
vazio e escuro. A mente morre apenas por um instante e, ao acordar, a pessoa
experimenta a pura luminosidade da natureza da mente, o nível mais sutil de
consciência.

As pessoas cujas energias estão cerradas devido ao carma, as que não tenham feito
práticas espirituais podem permanecer bastante tempo nesse estado de escuridão depois
de desfalecer.

No momento da morte, todos os condicionamentos se desfazem, e a consciência penetra


no bardo do dharmata, onde a verdadeira natureza da realidade se apresenta com toda
sua nudez. Ele tem acesso à luz. Quando o indivíduo deixa de reconhecer essa primeira
visão de luminosidade, ela se dissolve e desaparece. Então, à medida que a mente
começa a se libertar de suas projeções e bloqueios, a energia pura é libertada e explode
em visões coloridas, sonoras e luminosas, descritas na tradição do Livro Tibetano dos
Mortos como as quarenta e duas divindades pacíficas e as cinqüenta e oito divindades
irritadas.

A consciência experimenta todos os diversos aspectos da mente. Tudo depende de


conseguirmos ou não reconhecer essas visões como projeções da nossa própria mente.
Se pudermos nos refugiar na brilhante luz da sabedoria que desponta quando essas
energias são liberadas, teremos outra oportunidade de nos libertar.

Para a maioria dos ocidentais, as visões detalhadas no Livro Tibetano dos Mortos
podem parecer estranhas e exóticas. Sendo constituídas dos mesmos elementos e
componentes psicológicos, todos, de uma forma ou de outra experimentam visões e
todos as experimentarão sob forma que lhes sejam mais familiares, de acordo com seu
condicionamento cultural. Entretanto, o importante é a maneira da pessoa relacionar-se
com elas e não a forma que elas possam assumir.

Quando uma pessoa não consegue obter a libertação por não reconhecer esses
fenômenos como suas próprias projeções, as visões se dissolvem. Então, a consciência
abandona o corpo e prossegue sua jornada para dentro do bardo do vir-a-ser.

A consciência do morto passa por várias experiências no bardo do vir-a-ser. Por


exemplo, repete todas as experiências que teve durante a vida; sofre visões de todos os
tipos; e tem visões precognitivas onde deverá renascer. O corpo mental é muito leve e
lúcido, a consciência é nove vezes mais clara que durante a vida terrena, pode
movimentar-se livremente quase para todo lugar e, para viajar, basta-lhe pensar.

Quando o morto não tem consciência que morreu, tenta conversar com a família,
ficando imensamente aflito por não receber nenhuma resposta. Finalmente, ao ver seus
parentes chorando, removendo objetos que lhe pertenciam, não colocando seu lugar à
mesa, compreende que morreu. Verifica também que pode ver e conversar com os
inúmeros viajantes que vai encontrando no mundo do bardo.

Por ser a consciência tão extremamente leve e móvel na experiência do bardo, qualquer
pensamento que surja, seja ele bom ou mau, é bastante poderoso, de modo que o livro
tibetano dos mortos incita a consciência do morto a se precaver contra pensamentos
impuros, tais como sentimentos agressivos, medo e apego aos seus antigos bens.

A assistência e ajuda proveniente dos vivos é especialmente eficaz durante os primeiros


vinte e um dias depois da morte, porque tem relação com a vida que acaba de ser vivida.

Sobre a concepção budista do que sobrevive à morte biológica é a compreensão da


natureza da consciência, ou mente, uma compreensão considerada como a meta
suprema da vida e preparação essencial para uma morte livre de desgostos no momento
final.
O grande iogue tibetano Milarepa sintetizou os ensinamentos budistas nesta frase: “Não
me envergonhar de mim mesmo quando eu morrer”.

Como será a sobrevivência da consciência depois da morte é algo que dependerá de


nossa condição ao exato momento da morte. Para cuidar do futuro, precisamos estar
atentos ao presente, à consciência que temos agora. Devemos cultivar uma percepção e
uma compreensão mais profunda de nós mesmos nesta vida, podemos então optar por
uma abordagem mais responsável e mais positiva da vida e com isso estimulando a paz
e a harmonia pelas quais todos nós ansiamos. O LIVRO TIBETANO DOS MORTOS

Baseado no texto intitulado “O que sobrevive? - Os ensinamentos do budismo tibetano”


do Lama e mestre de meditação Sogyal Rinpoche.

Baseado no texto intitulado “O que sobrevive? - Os ensinamentos do budismo tibetano”


do Lama e mestre de meditação Sogyal Rinpoche.

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