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“[Advaita Vedanta] a mais impressionante metafísica que a mente humana pode

conceber”. Alfred North Whitehead (filósofo)

“[Os Upanishads são] o produto da mais elevada sabedoria humana.”


Arthur Schopenhauer (filósofo)

“Não existe metafísica superior àquela de Shankara”. Karl Jaspers (filosófo)

Em sua tentativa de entender o propósito da vida e o sentido da sua própria existência, o homem criou um
grande número de religiões e de concepções filosóficas que tentam explicar questões relacionadas a natureza da
alma (jivatman), do mundo (jagat) e de Deus (Brahman). A natureza desses três princípios e a relação entre eles varia
em cada religião e é essa diversidade que determina, em grande parte, as diferenças entre as religiões.

A concepção de que as almas tiveram origem em Deus é comum na maioria das religiões, mas a maioria
delas diferem quanto ao grau de identidade da alma com Deus. A maioria das religiões concebem que as almas e
Deus possuem uma identidade existencial diferente. Essa concepção é denominada de dualista (dvaita), pois em
última instância ela sustenta algum grau de distinção entre a alma (Atman) e Deus (Brahman).

Apesar da concepção dualista da realidade ser a mais aceita, pois é de mais fácil entendimento, existe uma
concepção absolutamente não dual da realidade que é defendida pela advaita vedanta. A concepção não dual da
advaita vedanta se fundamenta nos ensinamentos contidos no tríplice cânone constituído pelo Brahma Sutras ou
Vedanta Sutras, de autoria do rishi Badarayana; o Bhagavad Gita (A Canção do Senhor) que faz parte do épico
Mahabharata (A Grande Índia), do rishi Vyasa e os Upanishads. Existem aproximadamente 280 Upanishads, sendo
que os mais relevantes para o conhecimento da concepção não dual da realidade são os seguintes: Aitareya
Upanishad, Isha Upanishad, Brihadaranyaka Upanishad, Taittiriya Upanishad, Katha Upanishad, Svetasvatara
Upanishad, Chandogya Upanishad, Kena Upanishad, Mundaka Upanishad, Prasna Upanishad e o Mandukya
Upanishad.

Devido as diferentes interpretações desses três tratados surgiram diferentes escolas denominadas de
vedanta, ou seja, escolas que defendem que suas concepções constituem a verdade última (-anta) dos Vedas (ved-
). Essas concepções vão desde da concepção absolutamente dual, proposta por Sri Madhva até o não dualismo
absoluto de Sri Sankaracharya (advaita vedanta).

A palavra advaita significa um-sem-segundo e vedanta significa parte final dos Vedas, pois os tratados que
contém os ensinamentos, denominados de Upanishads, foram anexados ao final (-anta) dos Vedas (ved-). O não
dualismo da advaita vedanta é denominado de não qualificado, para enfatizar que não é uma concepção onde todos
fazem parte do uno. A advaita vedanta defende a concepção da perfeita identidade entre a alma (Atman) e Deus
(Brahman) em seu aspecto impessoal e sem atributos (nirguna).

A concepção da natureza não dual da realidade não é uma concepção criada ou fundada por alguém
específico, ela é fruto da experiência comum de diferentes sábios (rishis) que ao longo dos séculos transmitiram esse
conhecimento aos seus discípulos. Esses ensinamentos eram transmitidos de boca para ouvido durante gerações e
só começaram a ser passados para a forma escrita por volta de 900 a.C. a 700 a.C. De acordo com o tratado Kaivalya
Upanishad 22, esse conhecimento teve origem divina: “Eu (Brahman) sou o revelador da Vedanta.”

Existe uma longa tradição de mestres da advaita mencionado por outros mestres mais recentes, mas o
primeiro a deixar um registro comprovando a sua existência foi o rishi Gaudapada (500 d.C.). O rishi Gaudapada foi
autor do tratado Gaudapadiya Karikas ou Mandukya Karikas, que é um comentário em verso sobre o Mandukya
Upanishad, nele o rishi Gaudapada sustenta de forma clara a filosofia da advaita e apresenta a primeira sistematização
de um método de conhecimento não dual da realidade. O rishi Gaudapada manteve a transmissão do ensinamento
da advaita de guru para discípulo (guru parampara) e foi o mestre de Govinda Bhagavatpada que por sua vez foi
guru de Sri Sankaracharya. Nessa sucessão de gurus coube a Sri Sankaracharya fundamentar a interpretação não
dual da vedanta e consolidar a escola de advaita vedanta. Sri Sankaracharya conseguiu refutar os argumento de
todas as outras escolas de vedanta e fez comentários sobre os principais Upanishads, Brahma Sutras e sobre o
Bhagavad Gita.

Sri Sankaracharya revela que o verdadeiro ensinamento da vedanta é que a realidade última é uma realidade
não dual, denominada de Brahman. A palavra Brahman vem do prefixo sânscrito brih que significa crescer, expandir,
iluminar, emanar e tem o sentido de grandeza infinita. Brahman pode ser considerado como Deus em um aspecto
impessoal e sem atributos (nirguna-brahman).

Os Upanishads afirmam que: “Não existe nada que não seja Brahman.” (Chand. Upanishad III.14.1, Mund.
Upanishad II.2.11 e Atma Bo 63) e “Não existe nada além Dele [Brahman].” Brih Upanishad IV.3.230.

Sri Sankaracharya ou Sankara resume toda advaita na seguinte frase:

“Apenas Brahman é real, esse mundo é irreal, o jiva (a alma) é idêntico a Brahman”.
A afirmação de Sankara, de que o mundo é irreal, pode levar a um entendimento errado se o significado das
expressões real e irreal não for compreendido dentro do contexto da advaita vedanta. A expressão real e irreal não
se refere a existência ou não existência de algo, mas ao grau de realidade. O rishi Gaudapada, no tratado Gaudapada
Karika 2.6, define real como: “Aquilo que existe no começo, no fim e igualmente no presente.” De acordo com Sri
Sankaracharya, algo é real “quando não muda a natureza que lhe é atribuída.” TU Bhasya

O Bhagavad Gita afirma que não existe a não existência para o real. Portanto, real é aquilo que é sempre
existente (eterno), em nenhum momento e em nenhum estado ou lugar pode ter sua existência negada. A advaita
afirma que apesar de vermos o mundo, isso não significa que ele é absolutamente real, apesar de ser existente, o
mundo não possui existência independente de Brahman, é Brahman que confere existência ao mundo, portanto, a
existência do mundo é relativa. A realidade do mundo é percebida no estado desperto e negado durante o estado de
sonho e de sono profundo, portanto a realidade do estado desperto não é uma realidade continuamente existente.

Perceber algo não é critério de realidade, por exemplo nós percebemos a água na miragem, mas a água da
miragem não é real. Para algo ser absolutamente real é necessário que ele satisfaça o critério de continuidade, ou
seja, que não deixe de existir em momento nenhum. Aquilo que é absolutamente real, afirma à todo momento a sua
existência, ou seja, a sua existência brilha por luz própria. O mundo precisa de Brahman para existir mas Brahman
não depende de nada para sua existência.

Um exemplo clássico utilizado na advaita vedanta é o do barro e dos objetos feitos de barro. A realidade
básica é o barro, os objetos (pote, xícara, prato etc.) são apenas nomes e formas, portanto possuem uma existência
como barro e também como objeto de barro, no entanto, a existência como objeto é uma existência relativa quando
comparado com o barro, pois o barro existia antes de ser moldado e continua a existir mesmo depois de ser
desmanchado. Em nenhum momento o barro deixou de ser barro, não se transformou em algo diferente do barro. Na
realidade apenas o barro existe, portanto ele é real e as formas que assume não possuem o mesmo grau de realidade.
Os nomes e formas que surgem constituem uma realidade percebida sob um outro referencial que não o referencial
do barro. Portanto, nomes e formas são reais quando vistas como sendo apenas Brahman, mas são falsos quando
vistos como tendo uma realidade própria, independente de Brahman.

Assim, a afirmação de Sri Shankaracharya de que Brahman (Deus) é real e o mundo é irreal passa a ser
entendida de forma correta, ou seja, Brahman (Deus) é real porque é eterno, imutável e não está sujeito ao nascimento
e a morte, mas o mundo não é real pelo critério dessa definição, portanto ele é irreal quando comparado com o grau
de realidade de Brahman. Não devemos confundir as expressões real e irreal e as expressões: existente e não
existente. O mundo é existente, mas não é real. Brahman é existente e real.

Brahman (Nirguna Brahman)


A advaita vedanta defende o ponto de vista de que a realidade última é uma realidade não dual (advitya),
portanto única e absoluta (ekam satyam). Essa realidade absoluta é denominada de Brahman. Os tratados Shiva
Jnana Mrita Upanishad e Brahmarahasya-Upanishad descrevem Brahman como sendo uno sem segundo (ekam eva
advitiyam), iluminado (svayam jyoti), eterno (nityam), sem começo (anadi), sem fim (ananta), imutável (nirvikara),
imortal (amritam), sem medo (abhayam) e sem pecados (niranjana). Sem qualidades (nirguna), sem forma (nirakara),
sem características especiais (nirvisesha), não divisível (akhanda), sem limites (nirupahika), independente
(svantantra), sem apegos [vínculos ou relação] (asanga) sempre livre (nitya mukta), sempre pleno (paripurna) e puro
(suddha).
Essa descrição de Brahman não permite que Brahman possa ser conhecido como se conhece um objeto. Os
Upanishads são enfáticos ao afirmarem que Brahman está além da descrição objetiva, pois você só pode descrever
com palavras algo que possui atributos ou características ou comparando com outra coisa, mas Brahman não possui
atributos nem características e nem pode ser comparado com nada, pois sendo a realidade não dual não existe algo
idêntico a Ele.
Não é possível para a mente, inserida em uma realidade presa a ideia de tempo e espaço, conceber algo
como sendo eterno e infinito. Por isso, qualquer concepção ou descrição de Brahman, como isso ou aquilo, impede o
verdadeiro conhecimento de Brahman. A qualquer tentativa de descrever o que é Brahman, os Upanishads respondem
neti neti (não é isso não é isso).

“Incapaz de alcançar Brahman as palavras retornam com a mente.”


Taittiriya Upanishad II.9.1

“Ele [Brahman] não pode ser obtido pela fala [linguagem], nem pela mente [cognição], nem
pelos olhos [sentidos].” Katha Upanishad 2.3.12

“Aquilo que não é compreendido pela mente, mas pelo qual a mente compreende, saiba que
apenas esse é Brahman.” Kena Upanishad 1.6

“Ele não é conhecido pelo olho, nem pela fala, nem pelos outros sentidos.” Mundaka 1.4.8

“Aquele que pensa que o conhece não o conhece”. Kena Upanishad 1.4

“De onde as palavras recuam. Taittiriya Upanishad II.4.5

“Além do conhecido e também do desconhecido”. Kena Upanishad 1.3

“Não nasce nem morre.” Bhagavad Gita 2.20

“Aquilo que não pode ser visto pelo olho, mas pelo qual os olhos são capazes de ver, saiba
que isso é Brahman.” Kena Upanishad 6

A realidade absoluta (Brahman) é imutável e eterna, pois transcende o tempo, ela é infinita, pois transcende o
espaço. Em síntese, a realidade não dual transcende nome, forma, tempo, espaço e causa. Portanto, não pode ser
conhecida por meio dos sentidos, uma vez que ela não pode ser objeto de percepção, pois está além da possibilidade
da relação cognitiva de sujeito e objeto, sendo ela mesma o próprio substrato do qual surge a consciência cognitiva.
Não pode também ser concebido pela mente, pois Brahman transcende a mente. Sendo assim Brahman poderia ser
erroneamente identificado como um vazio. Para evitar isso, os Upanishads afirmam que a natureza de Brahman é:
Existência (sat), para negar a não existência, consciência (chit), para negar a inconsciência, felicidade (ananda), para
negar qualquer sofrimento e infinitude (anantam), para negar qualquer limitação.
“Brahman é realidade, consciência e infinitude.” Taittiriya Upanishad 2.1.1

“Brahman é a suprema felicidade.” Brih. Upanishad 4.3.32

Brahman não é percebido pelos sentidos, pois transcende todas as dualidades, inclusive a dualidade
percebedor e objeto percebido. Não percebemos Brahman, pois qualquer coisa conhecida implica um conhecedor,
portanto o conhecedor último não pode ser conhecido de forma objetiva, pois não existe outro para conhecê-lo. Por
isso, os tratados de advaita enfatizam que:

Apenas aquele que abandonou a ideia de que ele conhece Brahman é realmente conhecedor
do Atman (Ser) e mais ninguém. Upadesha Sahasri XII.13

A grande dificuldade de sustentar uma realidade não dual é como justificar a manifestação do mundo. De
forma lógica isso não é possível e apesar de sustentar que a realidade é não dual (advaita) nós percebemos uma
realidade dual (dvaita). Temos consciência de sermos o percebedor de um mundo diferente de nós. Então, como pode
uma realidade não dual, absoluta, infinita, eterna e plena em si mesma, se apresentar como o mundo de dualidade
sujeito-objeto? A advaita vedanta afirma que a realidade não dual não pode de fato se tornar dual, portanto a realidade
dual é apenas uma realidade aparente, que não afeta a não dualidade. É apenas a mente que confere à essa realidade
aparente o status de uma realidade com existência real.

No nosso exemplo do barro e dos objetos de barro, os objetos não constituem uma realidade independente
do barro. Ver o os objetos de barro sem perceber a sua essência (barro) é uma ilusão (maya).

Os Upanishads afirmam que o mundo surge de Brahman e que o fato do mundo parecer ter uma existência
aparentemente independente de Brahman é uma Maya (uma ilusão semelhante a uma mágica). A expressão Maya
passa a ser usada como “o poder de Brahman” que manifesta uma realidade aparente (vikshepa) e ao mesmo tempo
vela (avarana) a realidade do mundo, que é Brahman. O “reflexo de Brahman” em Maya manifesta a causa inteligência,
denominada de Ishvara, a qual assume o papel de controlador interno de Maya, que é a causa material do mundo.

A concepção de Maya representa um problema por atribuir uma dualidade a Brahman. Para evitar esse
problema, a advaita afirma que Maya tem uma natureza existencial indefinida, ou seja, não é real nem irreal e nem
ambas as coisas. Maya é anirvachaniya, algo contraditório, incompreensível e que nunca pode ser explicado
(entendido pela mente), pois semelhante a escuridão que não nos permite ver ou analisar a natureza da escuridão,
mas quando acendemos a luz a escuridão desaparece e não pode mais ser analisada.

Um dos exemplos clássicos que a advaita vedanta utiliza para explicar a ilusão do mundo fenomenal é o de
uma corda que é confundida como uma cobra (rajju-sarpa). Ao entardecer um homem vê uma corda enrolada e
percebe a corda como sendo uma cobra, então, começa a ter uma atitude de medo, como se a corda fosse realmente
uma cobra, ou seja, a ideia ilusória da cobra se superpõe a realidade da corda e sobre essa ilusão é projetado o medo
e outras ideias a respeito da mesma. Essa ilusão não se desfaz por análise da cobra, pois a corda nunca se
transformou em uma cobra, mas pelo conhecimento de que a cobra é na verdade uma corda. Do mesmo modo, a
realidade absoluta não se transformou na realidade relativa, a percepção da realidade relativa é meramente uma
sobreposição ilusória à realidade absoluta. A mente supõe que a corda é uma cobra do mesmo modo é supõe que
que o mundo constitui uma realidade independente de Brahman.

Por meio desse exemplo é possível entendermos onde as doutrinas dualistas falham ao tentar sustentar que
existe uma relação entre a realidade absoluta e a realidade relativa. Isso seria o mesmo que tentar afirmar que existe
uma relação entre a corda e a cobra; o que seria um absurdo. Até mesmo falar da existência da cobra é absurdo, pois
ela nunca existiu. Somente do ponto de vista de quem está sob o efeito da ilusão (Maya) é que se pode conjecturar a
existência de duas realidade, uma realidade fenomenal e uma realidade absoluta, mas quem não está mais sob o
efeito dessa ilusão vê apenas Brahman.
“Iludido por Maya, ele não vê, apesar de olhar, não ouve, apesar de escutar e não conhece
a verdade, apesar de ler sobre ela.” Kulanarva Tantra

“Difícil, ó príncipe, é sobrepujar o meu poder de Maya.” Bhagavad-Gita VII-14

“Essa Maya não é separada de mim.” Devi Gita

“Maya depende de Brahman para a sua existência.” Atma Bodha

“Maya é indescritível.” Rudra Gita

Para o iniciante existe a questão da Criação do mundo e consequentemente a questão do Criador. E para os
iniciantes, os Upanishads fornecem várias explicações sobre a criação e apresentam a noção de um Criador,
denominado de Ishvara, que surge pelo poder de Maya como um reflexo de Brahman. Para eles é apresentada a
concepção de Deus sem atributos (Nirguna Brahman) e de Deus com atributos (Saguna Brahman). O problema é que
a ideia de criação leva à ideia de criador e a ideia de um criador leva consequentemente ao questionamento do motivo
da criação e a explicações ilógicas sobre a criação.

A manifestação do mundo não é um sonho de Deus, não é um desejo de Deus, nem é algo para o desfrute
de Deus, pois Deus sendo pleno em si mesmo não necessita de nada. Não é uma manifestação fora de Deus nem
dentro de Deus, pois Brahman não possui nem interior nem exterior. Não é uma parte de Deus, pois Brahman não
possui partes. Não é fruto do tempo, pois tempo e espaço só existem na realidade empírica, só surgem com o mundo.
Como Brahman não se modifica, Ele não se transforma no mundo, logo a criação é apenas uma aparente
transformação de Brahman. Assim como o barro não se modifica para manifestar as formas (pote etc.) Brahman não
se modifica para manifestar o mundo.

“Aqueles que estão apegados [a ideia] de criação estão em total escuridão.”


Isha Upanishad 12

“Os ignorantes [ ], desconhecendo Minha natureza pensam que Eu existia Imanifesto e


sem forma e agora me tornei manifesto com forma. Eles desconhecem a Minha verdadeira
natureza Imperecível Bhagavad-Gita VII.24

Sankara sustenta que o mundo surge de Brahman, pois só Brahman existe. O mundo é ilusório, ou seja, não
é real e nem irreal. Esse conhecimento é suficiente para o aspirante mais avançado, no entanto o aspirante iniciante
questiona como o mundo surgiu, então a explicação sobre o processo de criação (manifestação) por meio de Maya,
Ishvara, elementos (tanmatras, mahabhutas) etc. ou outro processo ajuda o iniciante a entender que o mundo tem
origem em Brahman. A existência de diferentes explicações nos Upanishads sobre a criação demonstra que são
explicações temporárias voltada para os iniciantes na senda da advaita.

Para o aspirante mais avançado, o conhecimento da realidade é algo não dual, não existindo uma segunda
coisa diferente dela, portanto não pode surgir nada diferente Dele mesmo, portanto qualquer coisa que parece existir
como diferente de Brahman só pode ser uma realidade aparente. Tudo é apenas Brahman.

Em uma realidade não dual, o efeito não pode ser diferente da causa, ou seja, não pode constituir uma
realidade com existência independente da causa.

O MUNDO
A expressão real e irreal é utilizada na advaita vedanta em sentido absoluto, ou seja, real é aquilo que existe
sempre e irreal é algo que não existe de forma nenhuma, portanto Sankara sustenta que o mundo não é real e nem
irreal, pois algo que não existe não pode ser percebido. O mundo possui uma realidade relativa, mas não uma
realidade absoluta, o que implica que ele não é eterno.

O mundo tem sua existência sobreposta a Brahman, assim sendo tudo que vemos tem sua existência-
consciência em Brahman. O mundo não pode ser diferente de Brahman, pois só existe uma existência. Se o mundo
fosse diferente de Brahman, ele iria constituir uma outra realidade. O mundo não é uma nova realidade porque não é
uma transformação real da causa, é apenas nome e forma. Como a onda não é uma realidade diferente do mar,
separado do mesmo, a onda é apenas um outro nome e forma para a água do mar.
A natureza do mundo como uma realidade sempre existente é negada no estado de sonho, por exemplo,
quando estamos sonhando a realidade percebida no estado desperto deixa de ser percebida, portanto não é uma
realidade continuamente existente. Dessa forma, o mundo apesar de ser real não se enquadra dentro da concepção
da advaita vedanta como sendo algo absolutamente real.

Perceber algo que não existe é uma ilusão (mithya), mas perceber algo como sendo diferente daquilo que ele
realmente é, também é uma ilusão (mithya). É nesse sentido de utilização de uma percepção errônea que a palavra
mithya (ilusão) é utilizada e não no sentido de perceber algo como não existente. O mundo que percebemos na
realidade é Brahman, mas nós percebemos o mundo como algo diferente de Brahman. Esse mundo percebido como
diferente de Brahman é ilusório (mithya).

A advaita vedanta admite inicialmente a existência de dois níveis de realidade ou do Ser (satta): a realidade
empírica (vyavaharika satta) e a realidade absoluta ou transcendente (paramarthika satta). A realidade absoluta
(paramarthika satta) é a realidade não dual (Brahman), que é única e absolutamente real, porque não pode ser nunca
negada em qualquer tempo.

A concepção desses dois níveis de realidade é uma concepção aceita apenas para facilitar a transmissão do
conhecimento da realidade não dual. Desse modo, o aprendiz passa a conceber a existência de outra realidade,
apesar de não ter experiência direta da mesma. A existência de duas realidades, uma absoluta e outra relativa, só faz
sentido do ponto de vista de uma realidade relativa (dual). Do ponto de vista da realidade não-dual não existe outra
realidade que pode ser considerada como sendo relativa. A existência do relativo só existe em uma realidade dual,
nela a existência do relativo pressupõe a existência do absoluto e vice-versa, mas na realidade não dual essa
dualidade (relativo e absoluto), ou qualquer outra dualidade, não existe. De acordo com o Bhagavad Gita V.19
“Brahman transcende todas as condições de dualidade, habitando na suprema unidade - quem O conhece
repousa em Brahman.”

Para entender melhor essa diferença entre a realidade absoluta e a realidade empírica, a advaita vedanta
utiliza a comparação entre a realidade subjetiva ou ilusória (pratibhasika satta) do sonho com a realidade empírica
(vyavaharika satta). A realidade que se apresenta no sonho, apesar de parecer real durante o sonho, tem sua realidade
negada quando despertamos, no entanto, durante o sonho a realidade experimentada não é questionada. Do mesmo
modo, o mundo experimentado no estado desperto tem a sua realidade negada pelo conhecimento da realidade não
dual (paramarthika). Essa comparação com o estado de sonho não significa que o mundo seja considerado ilusório
como um sonho, mas é utilizada para mostrar como uma realidade experimentada como real pode ter a sua realidade
negada por outra realidade.

É como a miragem da água no deserto, mesmo sabendo que é uma miragem continuamos a ver a miragem,
mas aquele que sabe que é uma miragem não corre em direção a mesma. No entanto, aquele que não sabe corre em
direção a mesma e a miragem vai se manifestado cada vez mais longe e ele se perde no deserto. De modo semelhante
buscamos a felicidade no mundo tentando satisfazer os anseios de prazer, posse e poder mas qualquer conquista
não produz esse estado de felicidade e saímos em busca de novas metas, novos objetivos, novos desejos etc. sempre
acreditando que vamos realizar um estado de satisfação, felicidade e paz. Todas nossas conquistas produzem uma
satisfação temporária e continuamos a buscar até que chega a velhice, a doença e a morte sem encontrarmos o que
buscamos.

Quando falamos de mundo exterior é preciso ficar claro que você não vê nada externo a você, todas as
impressões sensórias são manifestadas na consciência. Nada do que você percebe é percebido fora da consciência,
o mundo todo que você percebe é constituído de consciência. Essa projeção externa do mundo é o que constitui a
realidade relativa (Maya), ou seja, a existência de uma realidade aparentemente independente da consciência no qual
ela se manifesta. A advaita vedanta não está afirmando que o mundo é uma criação individual, apenas que o mundo
é visto externamente, quando na verdade ele é percebido dentro da consciência, portanto o mundo é constituído
apenas de nomes e formas. Assim como os diversos objetos de barro, com diversas formas e nomes são em última
instância apenas barro, o mundo de nomes e formas é em última instância são apenas consciência (Brahman).

“Aquilo que está além [de nome e forma] é Brahman, a alma suprema que é imortal.”
Chandogya Upanishad 8.14.1

“O mundo continuará a parecer real enquanto o Brahman [não dual], que é a base de tudo,
não for conhecido.” Atma Bodha 7

“A realidade por de trás de tudo isso é Brahman, que é pura consciência.” Aitereya
Upanishad

“Essa dualidade é uma mera Maya, um show de mágica, verdadeiramente existe apenas a
advaita. Quando a realidade é conhecida não existe qualquer dualidade.” Gaudapada Karika
1-17,18”

O Ser Supremo é percebido como contendo muitas formas por causa de Maya”.
Brih. Upanishad 2.5.

“Tudo isso [mundo] é guiado pela consciência e tem por base a consciência, este universo
tem a consciência como seu guia e a consciência é seu substrato; essa consciência é
Brahman”. Aitareya Upanishad V.3

“Apenas a consciência existe, este mundo não é nada mais do que consciência, você é
consciência, eu sou consciência, os mundos são consciência”. Yoga-Vasistha

“Não existe nada além Dele (Brahman)”. Brihadaranyaka-Upanishad IV.3.23

“É um sem segundo”. Chandogya Upanishad 6.2.1

“Não existe nada que anteceda Brahman e nada que lhe suceda, não há nada exterior a Ele
e nem nada interior a Ele”. Brih. Upanishad 2.5.19

“A natureza de Brahman é existência, consciência e, enquanto a natureza do mundo é nome


e forma.” Panchadasi XIII-62

“Ela (Maya) pode ser destruída pela percepção do puro Brahman, um-sem-segundo. Assim
como a ideia errônea da cobra é removida pela discriminação da corda.”
Viveka Chudamani 110

Maya possui dois aspectos ou “poderes”: projetar (vikshepa) e velar (avarana), o que é destruído pelo
conhecimento da realidade não dual é a capacidade de maya velar e não a capacidade dela projetar. Por meio do
conhecimento não dual deixamos de nos iludir de que o mundo constitui uma realidade diferente de Brahman. No
exemplo do espelho a imagem vista deixa de ser percebida como independente do espelho.

“Tudo isso [mundo] é verdadeiramente Brahman”. Chandogya Upanishad 3.14.1

“Todo este universo é apenas Brahman”. Mundaka Upanishad II.2.11


ATMAN

Como podemos conhecer Brahman, algo que não pode ser percebido pelos sentidos, descrito pelas palavras
e nem concebido pela mente?

Os Upanishads nos dão a resposta afirmando que Aquilo (Brahman) é você (o seu Self). Apesar de não
podermos conceber Brahman, os Upanishads afirmam que o nosso verdadeiro Eu ou Self (a nossa consciência-
existência) é idêntica a Brahman.

“O Atman é Brahman.” Mandukya-Upanishad

“Este Atman é verdadeiramente Brahman.” Brihadaranyaka-Upanishad 4.4.5

“Que o homem contemple Ele [Brahman] como o Atman.” Brihadaranyaka-Upanishad I.4.7

Mas o que é o Self? Sendo idêntico a Brahman, ele possui a mesma natureza de Brahman. É absolutamente
real, ou seja, nunca deixa de existir, portanto essa nossa consciência de existência é imutável, eterna e nunca pode
ter sua existência negada em qualquer tempo, lugar ou estado. A nossa consciência-existência (Self) não precisa ser
provada, pois ela é auto evidente. Todos têm consciência de existir e não é necessário nada para provar essa
existência. Apesar da existência do Self ser auto evidente, no entanto, a verdadeira natureza do Self não é evidente,
pois ela é associada erroneamente ao corpo (avidya).

De acordo com a advaita-vedanta, a consciência absoluta (Atman) só pode ser reconhecida por ela mesma,
não pode existir uma outra consciência que a reconheça, pois isso quebraria o seu não dualismo absoluto. O Atman
não é, e nem pode ser, um objeto do conhecimento, já que o Atman é a própria Consciência-Existência que dá
consciência à mente e percepção aos sentidos. Nós não podemos nos separar do nosso Eu para observá-lo como
observamos um objeto. Apesar de não podermos conhecer o nosso Eu como objeto de percepção, podemos realizá-
lo, aplicando um método de auto investigação discriminativa (atma-vichara) que será descrito mais adiante.

No Subala Upanishad VII, o Atman é descrito da seguinte forma:

No seu interior em uma gruta secreta reside o não criado e eterno Uno,
cujo corpo é a terra que se move na terra, mas que a terra não conhece;
cujo corpo são as águas que se movem nas águas, mas que as águas não conhecem;
cujo corpo é a luz e o fogo que se move na luz e no fogo, mas que a luz e o fogo não conhecem;
cujo corpo são os ventos e o ar, que se movimenta no ventos e no ar, mas que os ventos e o ar não
conhecem;
cujo corpo é o espaço que se movimenta no espaço, mas que o espaço não conhece;
cujo corpo é a mente que se movimenta na mente, mas que a mente não conhece;
cujo corpo é inteligência [buddhi] que se movimenta no intelecto, mas que o intelecto não conhece;
cujo corpo é o eu, que se movimenta no ego, mas que o ego não conhece;
cujo corpo é a consciência [citta], que se movimenta pela consciência mental, mas que a consciência
não conhece;
cujo corpo é o não manifestado [avyakta-prakrtti], que se movimenta no não manifestado, mas que
o não manifestado não conhece;
cujo corpo é o som imperecível [akshara], que se move no akshara, mas que o akshara não conhece;
cujo corpo é a morte, que se move na morte, mas que a morte não conhece. Esse é o atman, o seu
Eu mais interno e também o Eu de todos os seres.

O Atman sendo apenas um sinônimo para Brahman, não sofre mudança, pois o Atman é pleno e sem partes,
portanto não precisa evoluir ou se aperfeiçoar. Não existe nenhuma prática capaz de tornar o homem aquilo que ele
já é. A única coisa que o homem precisa fazer é remover a ideia de diferença entre ele e Deus. O Ser não pode ser
realizado por meio de um processo de vir a ser, pois a verdade é que você já é esse ser que você quer se tornar.
Avidya (o não conhecimento da sua verdadeira natureza) é a única coisa que precisa ser removida.

“Tens apenas que eliminar o que erroneamente foi atribuído a Brahman [Self] por avidya.”
Bhagavad Gita 18.50

O Atman não é algo que se separa de Brahman e depois se une novamente a Brahman, pois se isso fosse
possível poderia ser separado novamente, além de ir contra a definição de não dualidade.

“Uns veem o Atman como maravilhoso, alguns falam dele como algo maravilhoso e outros
ouvem falar dele como algo maravilhoso, mas apesar de verem, falarem e ouvirem quase
ninguém o compreende.” Bhagavad Gita II.29

“Existe um único ser auto luminoso escondido em todas as criaturas, permeando tudo, o
Self mais interno de todos os seres, a testemunha, o princípio da consciência, não dual e
sem atributos.” Svetesvatara Upanishad 6-11

“É indivisível, no entanto, parece [aos sentidos] como se estivesse dividido entre todos os
seres.” Bhagavad Gita XIII.16

“O Um e único Supremo Ser. Ele aparece como um e como muitos, como o reflexo da lua
na água [em vários recipientes].” Brahma Bindu Upanishad 12

“Saiba que o teu Atman está em todos os seres e que todos os seres estão em teu Atman”
Ashtavakra Gita XV.6

“O Atman é o mesmo em todos.” Uttara Gita II.40

“Não há outra testemunha além Dele. Nenhum conhecedor a não ser Ele.”
Brihadaranyaka-Upanishad III. 7.23

“Como não existe outra consciência para conhecer a existência, segue logicamente que a
existência deve ser ela mesma - a Consciência. Então, nós somos essa mesma
consciência.” Upadesha-Saram 23

“A consciência do Eu é o puro Ser, a eterna existência.” Bhikshu Gita 3

“Eu vejo sem olhos, escuto sem ouvido. Assumindo várias formas, eu conheço tudo. Não
existe ninguém que me conheça. Eu sou sempre a pura consciência.”
Kaivalya Upanishad 21

“O Self é auto iluminado, pois não requer que outra coisa lhe revele.” Brih Upanishad 4.3.6

“Você não pode conhecer aquilo que faz com que o próprio conhecimento seja possível.”
Brihadaranyaka-Upanishad 3.4.2

“Não existe outro para conhecê-lo [Atman] além dele mesmo.” Tripura-Rahasya

“Verdadeiramente nada existe exceto o Atman”. Viveka-Chudamani 389

“Nenhum tratado é necessário para conhecer o Atman”. Advaita Bodha Deepika 11.84
“Não sabendo que a verdade está dentro de si, o iludido se deixa confundir procurando-a
nos tratados”. Kulanarva Tantra 1.96

“Quem nesta vida for capaz de compreendê-lo antes da morte do corpo, obterá a liberação;
se for incapaz de compreendê-Lo, terá que assumir um outro corpo nesse mundo”. Katha
Upanishad II.6.4

“Tu és o Uno que é provado em todos os Vedantas”. Devi Gita

“Um sem segundo, escondido em todos os seres”. Svetesvatara Upanishad 6.11


“Aquele que Me conhece como o seu próprio Self se libertará da ideia que ele é o corpo”.
Bhagavad Gita 4.9

“Deve conhecê-Lo como ‘ele é meu Self’”. Kaushitak Upanishad 3.8

“O Atman não nasce nem morre; não se originou de nada, nem nada se originou dele. Não
nascido, eterno, não se degenera, antigo como é, não é morto ainda que o corpo seja
morto”. Katha Upanishad 1.2.18

“Ele não é algo desconhecido nem permanece desconhecido em nenhum momento. Me


diga, como o mais hábil dos mestres pode guiar alguém até algo que permanece sempre
desconhecido?” Tripura Rahasya

“Apesar do Atman ser uma realidade sempre presente, devido à falta de conhecimento da
verdadeira natureza (avidya) do homem Ele não é percebido. Com a destruição de avidya, o
Atman é revelado”. Atma Bodha 44

“Este Atman, profundamente oculto em todos os seres, não brilha para todos, mas para os
sábios, puros de coração, que tem a mente concentrada, Ele revela a si mesmo”.
Katha Upanishad I.3.12

“Não existe para ele [o Atman] absolutismo nem não-absolutismo, não é vazio nem o não-
vazio, porque é a realidade não-dual”. Dasashloki

“Esse Self é certamente imperecível e indestrutível”. Brih Upanishad 4.5.14

“Saiba que o Self individual não é outro que o Meu Self”. Bhagavad Gita

“Ele [Brahman] é o Self interno de todos os seres”. Mundaka Upanishad 2.1.4

“Você é o supremo e infinito Brahman escondido no coração de todas as criaturas”.


Svetesvatara Upanishad .3.7

“Esse Brahman está escondido em todos os seres.” Chandogya Upanishad 7.25.1

“Eu existo em todos os seres, mas eles não existem em mim.” Bhagavad Gita

“Você não pode ver o vedor da visão... escutar o ouvinte da audição... pensar o pensador
do pensar... compreender o compreendedor da compreensão. Ele é o seu Self que está em
tudo”. BU 3.4.2

“Como o conhecedor pode ser conhecido?” Brih. Upanishad 4.5.15


“Você não pode conhecer o conhecedor do conhecimento”. Brih. Upanishad 3.4.2

“O Atman não pode ser conhecido, não porque ele não exista, mas porque ele não pode ser
objeto da experiência”. Panchadasi III.13

“O Atman não é objetificável por qualquer meio do conhecimento”. Brih. Upanishad 4.4.20

“Não há outra testemunha além Dele. Nenhum conhecedor a não ser Ele”.
Brihadaranyaka-Upanishad III. 7.23.

“O ignorante pensa que o Self pode ser conhecido pelo intelecto, mas o iluminado sabe que
ele está além da dualidade de conhecedor e conhecido”. Kena Upanishad 2.3

“O universo tangível é na verdade o Atman. Nada que exista pode ser outra coisa que não
seja o Atman.” Atma-Bodha 48

“Tudo isto é o Atman, e apenas o Atman.” Brihadaranyaka-Upanishad

“Tudo isso [mundo] é o Self." Chandogya U. VII.25.2

AVIDYA E O JIVATMAN

O não conhecimento da nossa verdadeira natureza é denominado de avidya, portanto avidya é a causa do
aprisionamento ao corpo, por meio da identificação de que o nosso Self é o corpo. Sendo avidya o não conhecimento
da natureza do seu Self, a liberação não é resultado da aquisição de algo novo, mas a remoção da ilusão (avidya).
Assim como a remoção da ideia da cobra revela a corda.

De acordo com o Viveka Chudamani é por causa de avidya que: Firma-se um vínculo entre o Atman e aquilo
que não é o Atman. Segundo o Panchadasi VII.103, essa identificação do nosso eu com o corpo é reforçada ao longo
de várias vidas em função de: [...] pensarmos a todo momento que o corpo é o Atman e que o mundo é real, por isso,
tomamos o anAtman (não-Self) como sendo o Atman (Self). Dessa sobreposição mútua é que surge o eu pessoal ou
ego (jivAtman), que por meio da mente (pensamentos) e das ações fortalece cada vez mais a identificação com o
corpo (dehatma-vasana).

É uma crença natural das pessoas que o Atman não é diferente do corpo. Isso ocorre por
causa de avidya. Upadesha Sahashari 11.16

Na sobreposição primária o Self é percebido como o não Self (o corpo) e o não Self (o corpo) é visto como o
Self. Na sobreposição secundária, o Self se refere ao meu, no qual o homem atribui a si as alegrias e tristezas em
relação aos objetos e pessoas que considera como sendo seu, por exemplo: o sofrimento de um filho faz com que
você sofra em função de apego ao filho.

Avidya não é o não conhecimento do Self, mas um não conhecimento da natureza do Self que resulta em
uma identificação errônea com o corpo, fazendo com que o corpo seja considerado o nosso verdadeiro Self.

Devido a sobreposição mutua as características, condições, estados e atributos do corpo parecem ser do Eu
(Self). Sobrepomos ao Self condições do corpo (gordo, magro, saudável, doente, bonito, feio etc.). Sobrepomos ao
Self atributos da mente (inteligente, criativo, de boa memória etc.). Sobrepomos ao Self estados emocionais (alegre,
triste, deprimido etc.).

O aprisionamento ou identificação errônea significa apenas a ignorância da verdadeira natureza do Ser e


ela deixa de existir no momento em que a verdadeira natureza do Ser é conhecida em sua plenitude. (Yoga Vasistha)
Vidya [conhecimento do Self] é a única coisa capaz de destruir avidya [a identificação errônea com o não Self]. Devi
Gita

Qual a diferença entre a sua consciência-existência (seu Atman) e a consciência-existência de outra pessoa
(Atman de outra pessoa)? As pessoas possuem corpos diferentes, vitalidade diferente, desejos diferentes, memórias
diferentes, habilidades mentais e inteligência diferentes etc., mas a consciência de existência não pode ser
diferenciada entre as pessoas. De modo análogo, o Atman é como o espaço dentro dos jarros e os jivas são como
jarros. As características do jarro não afetam o espaço. Quando o jarro existe, se fala do espaço do jarro (por força
de expressão), mas ele nunca deixou de ser o mesmo espaço total. Quando o jarro se quebra, se diz por força de
expressão, que o espaço do jarro retornou ou se uniu ao espaço total, mas na realidade nunca deixou de ser o espaço
total. Do mesmo modo que o espaço do jarro não é uma modificação, parte ou limitação do espaço total o Atman não
é uma parte de Brahman. O Atman é Brahman. O Atman em todos os jivas não são diferente entre si. Assim como o
sol ou a lua refletido em diversos vasilhames com água, Brahman é “refletido” em todos os jivas (seres).

Esse senso de individualidade é de fato uma separatividade que gera um senso de incompletude. O homem
apesar de, em realidade, ser Brahman, o todo, infinito, pleno em si mesmo, eterno etc. começa a buscar no mundo a
felicidade e paz que na realidade é inerente a sua verdadeira natureza. O mundo não pode dar aquilo que ele mesmo
não possui, tudo no mundo é inconstante, impermanente e limitado, portanto toda a felicidade, paz etc que
encontramos no mundo também será inconstante, impermanente e limitada.

Práticas espirituais

Raro é aquele que, ansiando pela imortalidade, fecha os seus olhos ao que está fora e
deslumbra o Self. Katha Upanishad

Todas as práticas espirituais que visam purificar a consciência do homem contribuem para a realização
espiritual, mas essa contribuição é indireta, pois na concepção da advaita vedanta a essência espiritual do homem é
idêntica a Deus, o homem e Deus não são entidades diferentes, mas uma única entidade, só existe uma única
entidade. Portanto, na advaita a prática não tem por objetivo se conectar com um Ser diferente do nosso próprio Ser,
a prática consiste em eliminar a ideia de diferença existente entre o Ser do homem (atman) e o Ser absoluto
(Brahman).

As práticas espirituais não podem levar o homem à realização do Atman, pois o Atman já é realizado. A
realização do Atman não é a obtenção de algo que não existia antes (aprapta-pratavyam) e passa a existir, mas a
percepção daquilo que sempre existiu (prapta-praptavyam), ou seja, a tomada de consciência de algo que sempre
esteve presente e que não era percebido anteriormente.

A realização do Atman não é produzida como resultado de um método. O Atman não precisa de nenhuma
prática para tornar-se aquilo que ele já é. Obter algo que você ainda não possui requer esforço, mas se você já possui,
então não é necessário nenhum esforço. Por exemplo: para matar uma cobra real uma ação é necessária, mas para
matar uma cobra imaginada nenhuma ação é necessária, basta a luz (conhecimento) para revelar que a cobra na
verdade é apenas uma corda.

O que você tem feito para reprimir os pensamentos com a mente introvertida é um bom
começo, tido em alta estima pelos valorosos e considerado o melhor método. Sem a
meditação ninguém, em lugar nenhum obteve sucesso. No entanto, ela não produz a
autorrealização, porque o Atman está sempre realizado Tripura Rahasya

Ações levam a purificação da mente, não a percepção da realidade. A realização da verdade


surge pela discriminação e não por 10 milhões de ações. Viveka Chudamani

Procure conhecer Aquilo pelo qual os seres nascem. Aquilo pelo qual eles vivem. Aquilo
para o qual eles novamente retornam. Aquilo é Brahman. Taittiriya Upanishad
“Renunciando a todas as sadhanas (práticas) prescritas nos Vedas aprenda a contemplar
de forma estável o Self em seu interior como sendo o infinito Self em tudo.” Rama Gita 55

A descoberta do Ser só ocorre pela análise discriminativa e nunca por qualquer número de
ações [caridade, trabalho altruístico etc.] Viveka Chudamani 11

As ações (práticas) servem para purificar a mente e não para obter a percepção da
realidade. Vedanta Sara Sangraha 109

Liberação
Na concepção não dualista a prática espiritual consiste unicamente em tomar consciência de que o homem
é o Atman, o Ser eterno, incriado e idêntico a Brahman. A essência do homem é idêntica à essência de Deus. Portanto,
não cabe na concepção não dualista a ideia de evolução ou aperfeiçoamento espiritual gradual para chegar àquilo
que, em essência, o homem já é, mas que não percebe devido às impurezas que obstruem a percepção desse
conhecimento.

De fato não pode haver a realização de algo que já está realizado, não podemos obter aquilo que já
possuímos. No entanto, existem dois tipos de realização, a primeira é realização é obter algo que ainda não possuímos
e isso requer alguma forma de atividade (karma). A outra de realização é obter algo que você já possui, mas não se
lembra ou não percebe que já possui, nesse caso não é necessária nenhuma ação para obtermos o que você já
possuímos, basta apenas o conhecimento de que já possuímos aquilo. O exemplo clássico da advaita vedanta é a
pessoa que está procurando desesperadamente o seu colar e se aflige por ter perdido o colar, até que alguém fala
para a pessoa que o colar que ela está procurando está em volta do seu pescoço. Imediatamente a ideia de que o
colar precisa ser buscado desaparece e é substituído pelo conhecimento de que o colar nunca esteve desaparecido.

“Liberação não é em um céu, ela é obtida aqui.” Brihadaranyaka. Upanishad 4.4.7

“A liberação não pode ser algo exterior ao Atman, algo para ser colhido, adquirido ou
assimilado.” Tripura Rahasya

Para a advaita vedanta, a liberação (moksha) não é algo que se adquire, pois tudo que é adquirido pode ser
perdido. O Atman, sendo idêntico a Brahman, é sempre existente (sat) e infinito (anantam), portanto não é algo que
pode ser adquirido ou perdido. Logo, o conhecimento capaz de produzir a realização do Ser não é um conhecimento
de algo diferente do conhecedor. Para a liberação basta a visão correta, não é necessário nenhum esforço para
realizar aquilo que já somos, a liberação é auto-evidente, basta remover a sobreposição do não Self no Self.

A expressão obter a liberação é apenas uma força de expressão, já que o Self em si está sempre liberado, o
Self nunca esteve aprisionado. O Self não é algo a ser realizado, obtido ou alcançado. A Liberação não é um
acontecimento que depende do tempo, pois ela é o conhecimento pleno daquilo que nós somos e esse conhecimento
pode ser obtido a qualquer momento, bastando para isso eliminarmos a tendência da consciência de se identificar
com o corpo. Então, a questão é como eliminar essa tendência, como remover a identificação errada, portanto a
realização daquilo que você é não depende de nenhuma ação, e sim de conhecimento.

Ações podem produzir algo (utpatti), alcançar algo (prapti), modificar ou transformar algo (vikara) e purificar
algo (samskara), porém a liberação não está em nenhuma dessas categorias, já que nenhuma ação pode produzir
algo que é sempre existente, trazer ou levar algo que é onipresente, transformar algo que é imutável ou purificar algo
que já é puro.

O conhecimento do Self é imediato, não depende da relação sujeito e objeto. Todas as outras formas de
conhecimento são dependentes da existência de um sujeito conhecedor que é diferente do objeto conhecido, portanto
não faz sentido buscar o conhecimento do Self, como se esse conhecimento resultasse de alguma percepção externa
ou interna ou fosse obtido por alguma experiência emocional mística ou intuitiva. Experiências só podem produzir o
conhecimento de algo novo, mas não podem produzir o conhecimento daquilo que é sempre existente, daquilo que
você já é.

“O Atman não age, portanto, afirmar que ele está preso ou liberto, é verdade apenas em
sentido figurado.” Dakshinamurti Stotra VII-21

“O aprisionamento existe somente quando existe a ignorância da verdadeira natureza do


Ser e ela deixa de existir no momento em que a verdadeira natureza do Ser é conhecida em
sua plenitude”. Yoga Vasistha

A liberação é algo que não pode ser obtida, mas por força de expressão é comum dizer que a liberação é
obtida quando Avidya é eliminada. Liberação significa apenas a remoção de Avidya por meio do conhecimento correto
sobre a nossa verdadeira natureza (Self). Esse conhecimento é denominado de vidya.

“O conhecimento que se obtém pela realização da verdadeira natureza do real, destrói


imediatamente avidya [a falta de conhecimento da nossa verdadeira natureza].”
Atma-Bodha 46

“Quando a ignorância é destruída por meio do autoconhecimento, no mesmo instante, você


se liberta dos grilhões da transmigração”. Vedanta-Sara-Sangraha

“Somente conhecendo-O [Brahman] consegue-se ultrapassar a morte, não existe nenhum


caminho para a Meta Suprema.” Svetesvatara 3.8

“Aquele que conhece Brahman se torna imortal.” Brih Upanishad 4.4.14

“No momento que o sol da autorrealização espiritual surge no céu da consciência pura, ele
consome o dia do conhecimento e a noite da ignorância”. Sanat Sujata

“O ser liberado sabe que esse corpo transitório não pode sujeitá-lo a prazer ou sofrimento
ou outros atributos inerentes à personalidade, incluindo morte ou nascimento.” Sanat
Sujata

“Aquele que conhece o supremo Brahman transcende o sofrimento”. Mundaka Upanishad

“A morte existe para quem está identificado com o corpo, se você não está identificado com
o corpo, então está liberado da morte”. Kena Upanishad 2.4

“Aquele que reside firme em Brahman vence a mortalidade.” Chandogya Upanishad 2.23

“Aquele que conhece Brahman se torna imortal.” Brih Upanishad 4.4.14

“A ilusão e o sofrimento desaparecem”. Isha Upanishad 7

“O fogo do conhecimento [de Brahman] transforma todos os karmas em cinzas”.


Bhagavad Gita 37

“Sempre que o aspirante se estabelece no Uno imutável, ele alcança o estado além do medo.
Quando o aspirante cria a menor diferença neste UM, ele é acometido pelo medo.” TaiU 2.7

“Ao realizá-Lo, ele transcende o medo”. Taittiriya Upanishad 2.91


“Ó Rei, não se pode por meio de atos, por mais bem realizados que eles sejam, alcançar a
verdade [Brahman]. O homem que é destituído desse conhecimento [advaita] não realiza a
verdade, mesmo que faça rituais e sacrifícios.” Sanat Sujata

“A liberação não vem por meio de japa [recitação de mantras], homa [oferendas] ou cem
jejuns; o homem torna-se liberado pelo conhecimento de que ele mesmo é Brahman
[Deus].” Maha Nirvana Tantra XIV-115

“Liberação é saber quem você realmente é e ser quem você realmente é, liberação não
significa ter que fazer algo [ações] ou tornar-se algo”. Sankara

“A liberação não pode ser algo exterior ao Ser (Atman), algo para ser colhido, adquirido ou
assimilado”. Tripura Rahasya

“Liberação não é ir para outro plano ou mundo.” Brihadaranyaka Up. 9 - Shankara Bhasya
4.4.7)

“Liberação é a remoção de avidya.” Brih Upanishad 4.4.6

“A mente é a única responsável pelo aprisionamento ou liberação do homem”.


Amrit Bindu Upanishad 2.4

“O conhecimento [do Atman] é o único meio direto para a liberação”. Atma Bodha

“O estado que denominamos de realização é simplesmente perceber o Ser, não é conhecer


ou tornar-se qualquer outra coisa”. Sri Bhagavan Ramana Maharishi

“A ação, por mais pura que seja só leva à mundo perecíveis. Mas por meio do conhecimento
se alcança Brahman, eterno, não existe outro caminho para a verdadeira liberação.”
Sanat Sujata

“De acordo com todas as escolas de filosofia, pode-se ir peregrinar até onde o rio Ganges
encontra o oceano, observar votos ou distribuir doações em caridade. Mas se estiver
faltando a experiência pessoal direta da verdade (jnana), ele [o homem] não obtém a
liberação, mesmo em mil vidas”. Bhaja Govidam 17

“A liberação só pode ser obtida através do conhecimento da realidade e não de outro


modo”. Panchadasi

“A liberação não pode ser obtida sem o conhecimento [de si mesmo]”. Atma Bodha

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