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Para que serve a Sociologia?1

Sergio Faoro Tieppo

Etimologicamente, o substantivo Sociologia surge da junção da palavra latina


socius que significa companheiro, sócio e da palavra grega logía que significa estudo,
tratado.
Assim, a Sociologia estuda a sociedade, pois onde há dois sócios, tem-se uma
sociedade. A Sociologia é constituída de teorias que buscam analisar as relações sociais
que se estabelecem na sociedade. Essa análise é feita a partir de uma construção teórica
que organiza a sociedade dentro de categorias. É uma construção a partir do real, mas
sempre conceitual. A questão fundamental é perceber quais são as categorias que
possibilitam interpretar a sociedade. A Sociologia é a ciência social que se dedica ao
estudo das relações sociais que se estabelecem no viver e no usufruir a cultura (língua,
ideais, ciência e tecnologia, hábitos, atitudes, conhecimento, etc.) e a Natureza de forma
coletiva. As diferentes teorias que compõem a ciência Sociologia utilizam categorias
explicativas diferentes e fazem generalizações igualmente diferentes sobre como se
organizou, como se organiza e como deve se organizar a sociedade.
Segundo Guareschi (1999), lei é “a descoberta de relações (semelhanças e
contrastes) mais ou menos constantes entre os fatos.” (p. 14).
Para Guareschi (1999), “teoria é um conjunto de leis que procuram explicar a
realidade, os fatos concretos, singulares. Quando existem algumas generalizações, ou
leis, sobre determinada realidade, [...] há uma teoria.” (p. 15).
E ciência é “um conjunto de teorias [...] que tentam explicar a realidade [...].
Quando há um determinado número de teorias sobre determinado assunto (física,
química, psicologia, sociologia), diz-se que há uma ciência sobre tal assunto. Nenhuma
lei explica todos os fenômenos ou o fenômeno todo. Todas as leis e teorias são parciais.

1
Adaptado de:TIEPPO, S. F.; CARBONARA, V . Fundamentos da educação: sociologia e filosofia. 2. ed.
Caxias do Sul: Editora da Universidade de Caxias do Sul, 2005. v. 1. 240p
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Diz-se, então, que uma lei é científica, ou uma teoria é tanto mais científica, quanto
mais fatos, ou quanto mais do fato, ela explicar.” (p. 16).
Cada um dos teóricos da Sociologia aplica um método (para conhecer e explicar
a sociedade) e define o objeto de estudo (os elementos que possibilitam conhecer e
explicar a sociedade) da Sociologia. Segundo Martins (1988), "a sociologia constitui um
projeto intelectual tenso e contraditório. Para alguns ela representa uma poderosa arma a
serviço dos interesses dominantes, para outros ela é a expressão teórica dos movimentos
revolucionários.” (p. 7).
É um projeto tenso e contraditório porque não existe consenso na Sociologia. As
formas de ver a sociedade, o ser humano e a Educação são diferentes, antagônicas
muitas vezes. Quando muito, podemos falar em correntes teóricas do pensamento
sociológico. Guareschi (1999) fala em duas grandes teorias: a positivista-funcionalista e
a histórico-crítica. Cada uma delas é formada por diversos teóricos, ainda que possamos
ver como representantes máximos dessas duas teorias Emile Durkheim e Karl Marx,
respectivamente.

A Teoria Positivista-Funcionalista

Émile Durkheim – 1858-1917


Nasceu em Epinal, na Alsácia, descendente de uma família de rabinos. Iniciou seus
estudos filosóficos na Escola Normal Superior de Paris, indo depois para a Alemanha.
Lecionou Sociologia em Bordéus, primeira cátedra dessa ciência criada na França.
Transferiu-se em 1902 para Sorbonne, para onde levou inúmeros cientistas, entre eles
seu sobrinho Marcel Mauss, reunido-os num grupo que ficou conhecido como Escola
Sociológica Francesa. Suas principais obras foram: Da divisão do trabalho social; As
regras do método sociológico; O suicídio; Formas elementares da vida religiosa;
Educação e Sociologia; Sociologia e Filosofia e Lições de Sociologia (obra póstuma).
COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna,
1997. p.59

A primeira corrente ou grande teoria para Guareschi (1999) é a


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chamada de positivismo porque ela supõe, implica, ou pressupõe, que


a realidade é o que está aí, isto é, a realidade é o que está colocado,
posto na nossa frente. A realidade se resume, pois, no que nós vemos,
apalpamos, no que existe aí. É muito importante pensar bem sobre
isso, e ver se não é isso, justamente, o que nós achamos que é a
realidade. Pergunte a você mesmo, nessas alturas, o que é realidade
para você? E você vai ver que talvez a resposta vai ser mais ou menos
parecida com essa definição. (p. 24).
Um outro nome que se dá a essa teoria é de teoria funcionalista. Esse
nome já acrescenta alguma coisa à teoria anterior, mas não a modifica
fundamentalmente. O positivismo diz que a realidade é o que está aí, e
o funcionalismo acrescenta que a realidade, e, principalmente, a
sociedade, é o que está aí também, mas o que está aí está estruturado
duma forma especial: tudo o que está aí forma um sistema organizado,
em que tudo tem sua função [...]. Na prática, pois, tudo o que existe
tem sua função. Não há nada que não tenha sua função. Se existe,
deve ter uma função. E essa função é para alguma coisa, isto é,
dirigida para o todo, que no caso pode ser o sistema social, ou
qualquer sociedade ou organização. Aqueles que seguem essa teoria
enxergam o mundo todo organizadinho. Não há nada sobrando. E eles
costumam dizer que a sociedade é como se fosse um organismo [...]
ou como se fosse um corpo vivo [...]. Eles transpõem para os grupos
humanos a maneira de ser do mundo material. (p. 24-25).

Guareschi (1999) nos lembra que para essa teoria o equilíbrio, a ordem e a
harmonia são objetivos a atingir. A função das instituições sociais é manter a ordem, o
equilíbrio e a harmonia da sociedade. Essa teoria bane o conflito. Para o positivismo-
funcionalismo o conflito é uma disfunção: devemos evitá-lo. A única função do conflito
é nos trazer a falta, nos lembrar da importância da harmonia, do equilíbrio e da ordem.
A mudança, para os adeptos dessa teoria, não é bem-vinda. Para eles a sociedade
atingiu seu ápice na sociedade capitalista. Para haver mudanças só se mudar tudo, só se
surgir uma nova sociedade com outros valores, com outra organização, com outra
estrutura.
Já que Durkheim é o principal teórico dessa teoria e é um autor clássico da
Sociologia, vamos ver como ele vê a sociedade, o ser humano e a Educação.
Primeiro temos que entender, como ele, que o objeto de estudo da Sociologia
são os fatos sociais que se caracterizam por ser coercitivos (se impõem ao indivíduo),
generalizados (se aplicam a todos os indivíduos de uma dada sociedade) e exteriores
(eles estão fora do indivíduo). Os fatos sociais pré-existem a nós. Quando nascemos, já
os encontramos postos na sociedade. Eles são externos a nós, nos obrigam assim como
obrigam a todos a observá-los. Podemos dizer que eles compõem a consciência coletiva
da sociedade.
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Por exemplo: quando nascemos, a língua falada no nosso país já existe, as pessoas já
falam o português, se quisermos fazer parte da sociedade teremos que falar a mesma
língua, em muitas situações, na escola por exemplo, aprendemos como falar
corretamente, ou seja, as pessoas em muitas situações são incluídas ou excluídas se
dominam bem ou não a língua falada e escrita do país.

Quando nascemos, só temos a consciência individual, egoísta; não


percebemos o Outro, o mundo, e nós somos uma coisa só. É graças à consciência
coletiva (os fatos sociais) que somos arrancados do egoísmo. É a consciência coletiva
que constrói em nós, principalmente por meio da Educação, a consciência social; ela
nos faz ver o Outro. Assim, para Durkheim o ser humano é composto de duas
consciências: a individual e a social.
A consciência social é formada no que Durkheim chama de
efervescência criadora, momento histórico da criação de ideais religiosos, morais,
intelectuais. Segundo Durkheim (1975),
estes ideais, produto da vida em grupo, não podem constituir, nem
sobretudo subsistir, sem penetrarem nas consciências individuais e
sem aí se organizarem de modo duradouro. Estas grandes concepções
religiosas, morais, intelectuais que as sociedade extraem do seu seio
durante os períodos de efervescência criadora, os indivíduos levam-
nas consigo uma vez que o grupo se dissolveu e que a comunhão
social se realizou. Sem dúvida, depois de terminado o período de
efervescência, e quando cada qual, retomando a sua existência
privada, se afasta da fonte de onde lhe vieram este calor e esta vida,
ela não se mantém no mesmo grau de intensidade. No entanto, ela não
se extingue visto que a ação do grupo não acaba por completo, mas
vem perpetuamente dar a estes grandes ideais um pouco de força que
lhes pode atenuar as paixões egoístas e as preocupações pessoais do
dia-a-dia: é para isto que servem as festas públicas, as cerimônias, os
diversos ritos. (p. 301).

Podemos dizer que a última grande efervescência aconteceu nas duas grandes
revoluções do século XVIII: a Revolução Industrial e a Revolução Francesa. Muitos dos
nossos ideais religiosos, morais e intelectuais têm sua origem nessas duas revoluções: o
materialismo; a razão; o pensamento científico como fonte do conhecimento; a
liberdade; a igualdade; a fraternidade; o indivíduo com direitos e deveres; o capital; o
salário; o lucro; as empresas; a competição; etc.
Para Durkheim as transformações, introduzidas pelas duas revoluções,
transformaram a sociedade, fizeram surgir um novo tipo de solidariedade. Para ele
existem dois tipos de solidariedade: a mecânica e a orgânica. Cada uma delas é regida
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por duas forças: uma que leva à dependência e a outra que leva à independência do ser
humano. Na solidariedade mecânica, a dependência se dá pela visão de mundo, pela
forma como se conhece e se explica o mundo. A independência se dá na sobrevivência,
o ser humano não depende do Outro para encontrar sua sobrevivência física.
A Revolução Industrial e a Revolução Francesa vão inverter essa relação. O ser
humano torna-se independente em relação à visão de mundo; muitas formas de
conhecer e explicar o mundo vão se desenvolver, ainda que exista um certo respeito à
forma científica de conhecer e explicar o mundo. O ser humano é livre para aceitar ou
não esta ou aquela forma de conhecer e explicar o mundo. Isso não é um problema para
a sociedade. Desde que o ser humano respeite as leis, somos livres para acreditar no que
bem-entendermos, mas em compensação somos dependentes no que se refere à
sobrevivência. A divisão do trabalho intensificada com a industrialização tornou-nos
dependentes uns dos outros para obtermos nossa sobrevivência física. A autoprodução
ficou quase impossível na atualidade. Todos dependemos de todos. Praticamente todos
dependem da produção de produtos e de serviços feitos pelos outros. Nesse sentido, a
solidariedade orgânica é mais evoluída, pois a dependência física gera uma
solidariedade mais sólida do que a dependência psíquica da solidariedade mecânica.
Durkheim (1967) é um pensador conservador porque ele acredita que a função
da Educação é reproduzir a sociedade. Como vive numa sociedade capitalista, onde
impera a solidariedade orgânica, ele vai defender que o papel da Educação é o de
reproduzir essa sociedade instituída. Para ele a Educação é
a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se
encontrem ainda preparadas para a vida social: tem por objeto suscitar
e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais
e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo
meio especial a que a criança, particularmente, se destine. (p. 41).

As gerações adultas sabem. As gerações jovens não sabem. A Educação


tradicional fundamenta-se nessa concepção durkheiminiana de Educação. O professor é
a autoridade máxima que domina os conteúdos e os transmite a seus alunos e, ao final
do ano, aplica uma avaliação para verificar o quanto dos conteúdos transmitidos foram
absorvidos pelos seus alunos. Paulo Freire chamou essa concepção de Educação
bancária: o professor deposita o conhecimento na cabeça do aluno como se ele fosse
um banco.
Se essa Educação for eficiente perceberemos porque Durkheim é um pensador
conservador. Se a Educação é eficiente na sua função de transmissora de
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conhecimentos, habilidades e atitudes de geração para geração - a sociedade não muda.


Se as gerações adultas conseguem suscitar e desenvolver os estados físicos, intelectuais
e morais de gerações adultas em gerações jovens, a sociedade não muda, simplesmente
se reproduz nos seus acertos e nos seus erros. Os jovens, os filhos, reproduzem o mundo
dos pais.
Assim, a visão de sociedade, de ser humano e de Educação de Durkheim é
aquela de uma sociedade capitalista (onde impera a solidariedade orgânica) que se
reproduz por meio da Educação, formando um ser humano adaptado à sociedade
existente e que é levado a aceitá-la como ela é.
O único espaço de mudança é o acontecimento de uma nova efervescência que
mude a sociedade toda e estabeleça novos ideais religiosos, morais e intelectuais. Ele
tem uma visão positiva da sociedade capitalista.

A Teoria Histórico-Crítica

Karl Marx – 1818-1883


Nasceu na cidade de Treves, na Alemanha. Em 1836, matriculou-se na Universidade de
Berlim, doutorando-se em Filosofia em Iena. Foi redator de uma gazeta liberal em
Colônia. Mudou-se em 1842 para Paris, onde conheceu Friedrich Engels, seu
companheiro de idéias e publicações por toda a vida. Expulso da França em 1845, foi
para Bruxelas, onde participou da recém-fundada Liga dos Comunistas. Em 1848
escreveu com Engels O manifesto do Partido Comunista, obra fundadora do marxismo
enquanto movimento político e social a favor do proletariado. Com o malogro das
revoluções sociais de 1848, Marx mudou-se para Londres, onde se dedicou a um
grandioso estudo crítico da economia política. Marx foi um dos fundadores da
Associação Internacional dos Operários ou Primeira Internacional. Morreu em 1883,
após intensa vida política e intelectual. Suas principais obras foram: A ideologia alemã;
Miséria da Filosofia; Para a crítica da economia política; A luta de classes em França;
O capital. COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. São Paulo:
Moderna, 1997. p. 83.
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A segunda corrente teórica da Sociologia, a histórico-crítica, se caracteriza por


ser o contrário da positivista-funcionalista. Como mostra Guareschi (1999), para essa
teoria tudo é histórico, tudo nasce, se transforma e morre na História. Para esse autor
um dos melhores nomes é o de teoria histórica [...]. Quando se fala em
história, ou histórico, a primeira coisa que vem à mente da gente é de
algo que passa, de algo transitório. História é o que tem a ver com
antes, durante e depois. (p. 28). Um outro nome muito bom para essa
teoria é o de teoria crítica. Crítica vem do grego krinein que significa
(julgar). (p. 30). Pois bem, possui uma visão crítica aquela pessoa que
de antemão, isto é, antes mesmo de ver, ouvir ou ler qualquer coisa,
tem essa convicção íntima e profunda de que tudo o que é histórico
possui ao menos dois lados; que nada é absoluto, total; que é preciso
ver os dois lados da coisa: a versão da polícia e a do bandido [...]. A
visão crítica é como se fosse um hábito, um costume, algo que sempre
se deve fazer, em qualquer circunstância e em qualquer momento. (p.
31).

Nisso tudo está implícita a idéia de mudança. O mundo não é estanque, ele
muda, e a crítica é um grande instrumento de mudança. Karl Marx é o grande teórico
dessa teoria. Ele é outro dos autores clássicos da Sociologia.
O conceito-chave para Marx compreender e explicar a sociedade é o de modo-
de-produção, pois todas as sociedades têm que produzir bens e serviços que as
sociedades necessitam para seu desenvolvimento histórico. Uma sociedade que não
produz aquilo de que os seres humanos que a compõem necessitam, não se reproduz,
desaparece. Assim, o modo-de-produção é para onde se volta o olhar de Marx para
compreender, explicar e para elaborar sua teoria sobre a sociedade. Como diz Marx
(1991) em Para a Crítica da Economia Política,
o resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de
fio condutor aos meus estudos, pode ser formulado em poucas
palavras: na produção social da própria vida, os homens contraem
relações determinadas, necessárias e independentes da sua vontade,
relações de produção estas que correspondem a uma etapa
determinada de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais.
A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica
da sociedade, base real sobre a qual se levanta uma superestrutura
jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas
de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o
processo em geral da vida social, política e espiritual. Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é
o seu ser social que determina sua consciência. Em uma certa etapa de
seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade
entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o
que nada mais é do que a sua expressão jurídica, com as relações de
propriedade dentro das quais aquelas até então se tinham movido. (p.
29-30).
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Quando nascemos, já encontramos uma sociedade constituída, uma ordem que


organiza os elementos (estrutura) da sociedade: o trabalho, os meios de produção, a
ciência e a tecnologia, e a organização da produção já estão instituídos. Existem
mantendo uma determinada relação independente da nossa vontade. Isso significa que
minha inserção social é condicionada pelo meu ser social. Nascemos numa família que
já está inserida no modo-de-produção da sociedade. Segundo Marx, duas são as formas
de inserção: com o trabalho, ou com os meios de produção. A minha consciência está
condicionada à classe que faço parte.
Vejamos melhor isso tudo. Na teoria marxista, o modo-de-produção é
constituído pela superestrutura que é o domínio das idéias (ideologia, política, escola,
etc.) e pela infra-estrutura domínio da economia, onde a produção de bens e serviços
efetivamente acontece. A consciência dos seres humanos é condicionada pelas relações
de produção que se estabelecem na infra-estrutura. Essa é constituída pelas relações de
produção e pelas forças produtivas. Estas representam o trabalho, os meios de produção,
a ciência e a tecnologia e a organização da produção. As relações de produção podem
ser técnicas ou sociais. As técnicas são as relações que se estabelecem entre os
elementos das forças produtivas do ponto de vista técnico, e as sociais são as relações
que se estabelecem entre os elementos das forças produtivas do ponto de vista da
propriedade. Essas relações separam os trabalhadores, que só possuem a propriedade da
sua força de trabalho, e os capitalistas que detêm o controle dos meios de produção e
definem os rumos da ciência e da tecnologia, assim como da organização da produção.
As relações de produção sociais, na sociedade capitalista, separam na sociedade os
trabalhadores dos capitalistas. É essa separação que move a transformação da sociedade,
pois se estabelece uma contradição básica, onde os que não têm lutam contra os que têm
para construir uma sociedade mais justa.
Segundo a teoria marxista, a igualdade e a liberdade da sociedade capitalista são
uma mera formalidade, pois elas dependem da quantidade de dinheiro/capital que o
indivíduo possui. Quanto mais dinheiro se tem, mais livre se é. A igualdade das pessoas
é condicionada pela quantidade de dinheiro que possuem. Damos valor ao dinheiro
porque é ele que nos dá liberdade. É por isso que Marx diz, no prefácio do Capital,
a forma do valor, a qual tem no dinheiro sua figura acabada, é muito
vazia e simples. Apesar disso, tem o espírito humano, há mais de dois
mil anos, tentado em vão devassá-la, embora conseguisse analisar,
pelo menos com aproximação, formas muito mais complexas e ricas
de conteúdo. Por quê? Porque é mais fácil estudar o organismo, como
um todo, do que suas células. [...] A célula econômica da sociedade
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burguesa é a forma-mercadoria, que reveste o produto do trabalho, ou


a forma de valor assumida pela mercadoria. (p. 4).

A célula básica do capitalismo é o dinheiro, é ele que perpassa a maioria das


nossas relações na sociedade capitalista. A transformação dessa sociedade, para Marx,
passa pela socialização dos meios de produção (fábricas, máquinas, ferramentas, etc.),
pois com isso o produto do trabalho passa a ser apropriado socialmente e não
individualmente como se dá na sociedade capitalista.
A grande questão que fundamenta a visão de Marx está associada à
produtividade das forças produtivas. Desde que o capitalismo surgiu, a produtividade
não pára de crescer. A expectativa de Marx é que com o crescimento, a produtividade
possa ser distribuída para todos de forma igual e não como tem sido, onde o capital é o
grande beneficiário dos ganhos de produtividade.
Assim, para Marx, a sociedade é constituída de um modo-de-produção onde o
ser humano é explorado por outro ser humano, e a superação da exploração surge à
medida que o ser humano toma consciência da sua situação de classe explorada e luta
organizadamente para transformar essa realidade, estabelecendo uma ordem mais justa
até a socialização dos meios de produção o que faz cessar a exploração.
Como mostra Gramsci, a Educação tem um papel fundamental na
conscientização dos seres humanos acerca das injustiças sociais presentes na sociedade
capitalista. A Educação é um dos meios para se construir uma visão de mundo da classe
subalterna, uma sociedade mais igualitária.
Como você pode perceber, são duas correntes teóricas antagônicas. A
positivista-funcionalista está preocupada em organizar e manter a sociedade, e a
histórico-crítica, em criticar e mudar a sociedade. Uma acredita que a sociedade
capitalista é a melhor sociedade; a outra busca construir uma sociedade mais justa e
nega que isso seja possível na sociedade capitalista.

Mas se é assim, para que serve a Sociologia?


Em primeiro lugar, temos que ter claro que a escolha de uma ou de outra teoria
não se dá no plano racional. Como diz Maturana (2002), são as emoções que estão na
base de nossas escolhas racionais. Optar por uma ou por outra das teorias é uma questão
de preferência pessoal. Segundo Guareschi (1999), a teoria positivista-funcionalista
interessa às pessoas que estão por cima, ou seja, quem está numa situação privilegiada
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na sociedade capitalista vai defender essa teoria. A teoria histórico-crítica é defendida


pelas pessoas que não estão contentes com a sociedade capitalista, que querem construir
uma sociedade mais justa, mais igualitária.
Em segundo lugar, a opção por uma ou por outra das teorias está determinada
pela crença na possibilidade de resolver os problemas (miséria, fome, desemprego,
violência, desigualdades sociais, etc.) ou não na organização da sociedade na forma
capitalista. Quem defende a teoria positivista-funcionalista acredita que sim, pois à
medida que a sociedade cresce, os excluídos vão sendo chamados a participar do
desenvolvimento resolvendo assim os problemas de miséria, fome, desemprego,
violência, desigualdades sociais, etc. Quem defende a teoria histórico-crítica diz que
não é possível resolver esses problemas dentro da organização capitalista da sociedade.
A desigualdade social, por exemplo, faz parte da essência do capitalismo uma vez que
ele está estruturado na competição pelos frutos do trabalho.
O que você acha? É possível tornar a sociedade capitalista mais justa, menos
desigual como dizem os adeptos da teoria positivista-funcionalista ou é impossível
como defendem os teóricos da teoria histórico-crítica? Reflita sobre isso tudo. Lembre-
se de que iniciamos perguntando: Para que serve a Sociologia? Sei que, a rigor, essa
pergunta ainda não foi inteiramente respondida, mas já vimos que a Sociologia é
composta de teorias, e que a escolha de uma delas está relacionada às nossas
preferências pessoais e que, em síntese, uma preocupação básica da Sociologia é
construir uma sociedade mais justa. Para alguns isso é possível dentro da sociedade
capitalista, para outros não.
Você pode chegar à conclusão de que é possível tornar a nossa sociedade mais
justa, mais igualitária, dentro da ordem capitalista, e que a Educação é o grande
instrumento para realizar essa tarefa. Ou pode ter chego a conclusão que a única forma é
mudando a ordem capitalista: só fazendo revolução podemos construir uma sociedade
onde o ter não seja mais importante que o ser. São muitas as formas com as quais se
pode responder a essas questões. Mas o que não podemos negar, pois os dados
estatísticos não nos deixam errar é que vivemos numa sociedade desigual. Uma
sociedade que reparte os recursos (bens e serviços) de uma forma muito injusta. A única
resposta que não é possível: é a que nega a desigualdade social.
O documento “Agenda 21 brasileira: bases para discussão” elaborado pela
Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional
(CPDS), comissão criada por decreto presidencial em 26/2/1997 pelo então Presidente
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do Brasil Fernando Henrique Cardoso, mostra como está a partição da riqueza no


mundo:
Acelera-se o debate sobre as conseqüências da chamada globalização.
De acordo com os últimos Relatórios do Desenvolvimento Humano
(1998 e 1999), publicados pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento - PNUD, o panorama é preocupante. Os países já
industrializados, onde se encontram 19% da população mundial,
respondem por 86% do produto mundial e do consumo, 82% das
exportações de bens e serviços, 71% do comércio mundial, 68% dos
investimentos estrangeiros diretos, 74% das linhas telefônicas, 58% de
toda a energia produzida, 93,3% dos usuários da Internet. Enquanto
isso, os 20% das populações mais pobres do planeta têm 1% do
produto mundial, 1% das exportações, 1% do investimento direto,
1,5% das linhas telefônicas. Simultaneamente, acelera-se a
concentração do conhecimento, exatamente no momento em que se
proclama o advento da civilização do conhecimento. Já em 1993, 10
países respondiam por 84% dos gastos em pesquisa e
desenvolvimento e controlavam 95% das patentes registradas nos
Estados Unidos em duas décadas, assim como 80% das patentes
concedidas nos países ditos em desenvolvimento. Ao mesmo tempo
em que isso acontece, acentua-se o processo de concentração de renda
no mundo. As três pessoas mais ricas do planeta, juntas, detêm ativos
superiores ao produto bruto dos 48 países mais pobres, onde vivem
600 milhões de pessoas. Pouco mais de 200 pessoas, detentoras de
ativos superiores a US$1 bilhão, juntas, têm mais que a renda anual de
45% dos habitantes do planeta, cerca de 2,7 milhões de pessoas. Essas
pessoas aumentaram seus ativos em 150% no espaço de apenas quatro
anos. (Agenda 21 brasileira: bases para discussão/ Washington
Novaes (Coord.). Brasília MMA/PNUD 2000 p. 14) Você pode
encontrar esse documento e outros sobre a Agenda 21 no seguinte
endereço: http://www.mma.gov.br/port/se/agen21/publicac.html

Veja se é possível viver num mundo com tanta desigualdade, onde 200 pessoas
têm mais riqueza do que ganham 2,7 bilhões pessoas em um ano. Frente a esses dados,
como negar a má distribuição da renda existente na sociedade capitalista?
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Se olharmos a distribuição de renda no Brasil, pela classe de rendimento,


segundo o IBGE em 2010, veremos que 46,3 % das pessoas com mais de 10 anos
ganham até dois salários mínimos. Enquanto 1,21 % das pessoas com mais de 10 anos
ganham mais de 20 salários mínimos.

Tabela 1384 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, por classes de rendimento nominal
mensal - Universo
Ano = 2010
Classes de Variável
Brasil e
rendimento nominal Pessoas de 10 anos ou Pessoas de 10 anos ou
Município
mensal mais de idade (Pessoas) mais de idade (Percentual)
Total 161.990.266 100,00
Até 1/2 salário
10.255.788 6,33
mínimo
Mais de 1/2 a 1 salário
34.229.023 21,13
mínimo
Mais de 1 a 2 salários
30.588.598 18,88
mínimos
Mais de 2 a 5 salários
18.315.778 11,31
Brasil mínimos
Mais de 5 a 10
5.825.033 3,60
salários mínimos
Mais de 10 a 20
1.958.773 1,21
salários mínimos
Mais de 20 salários
727.936 0,45
mínimos
Sem rendimento 60.089.337 37,09
Sem declaração - -
Fonte: IBGE - Censo Demográfico – 2010.

Os dados não deixam dúvida sobre a injusta distribuição da riqueza na sociedade


brasileira. A questão por eles colocada deve nos levar a pensar como superar isso?
Como construir uma sociedade mais justa? A Sociologia é a ciência que busca construir
teorias que possam nos auxiliar nessa construção. Acredito que já podemos responder à
questão que deu início a este Estudo: A Sociologia deve servir para construirmos uma
sociedade mais justa. A missão mais importante da Sociologia é dizer como a sociedade
deve desenvolver-se, como devemos nos desenvolver, com que meios, com que
organização, com que objetivo. Como vocês podem notar, é uma missão hercúlea, que,
na verdade, depende de todos nós. As respostas não estão dadas. Cabe a cada um de nós
encontrar o caminho. Certamente o trabalho de todos nós é de fundamental importância
na construção dessa sociedade mais justa, mas, para isso, você deve saber:
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• em primeiro lugar, em que sociedade está inserida (o), pois nela


atuará profissionalmente;
• em segundo lugar, que sociedade e que ser humano você quer
ajudar a construir.
O conhecimento advindo dessas duas questões nos dá a direção que devemos
seguir no nosso trabalho. O primeiro passo é tomar consciência da realidade onde se
está inserido. Os outros passos são conseqüência de quem caminha em busca de um
mundo melhor para nós e para nossos filhos.

Bibliografia

COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna,


1997.

DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. 7. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967.

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GUARESCHI, Pedrinho. Sociologia crítica. 46. ed. Porto Alegre: Mundo Jovem, 1999.

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(Coleção Os Pensadores).
MARX, Karl. O Capital. crítica da Economia Política. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1971. v. 1.
MATURANA, Humberto. Emoções e Linguagem na Educação e na política. Belo
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