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Psicologia Social

Ideologia, alienação e consumo


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Nesta webaula, estudaremos os conceitos de ideologia, alienação e consumo, conceitos muito caros ao trabalho
do psicólogo social juntamente à comunidade.

Ideologia
Ideologia, em si, signi ca um conjunto de ideias. Todos os grupos têm ideologia ou ideologias, no plural, porém, na
psicologia social crítica, usamos o conceito de ideologia num sentido mais preciso e especí co, que é o sentido
apresentado por Karl Marx.

Para Marx, ideologia tem um sentido negativo; seria um conjunto de ideias com o propósito de falsear a
realidade, ocultar opressões e desfavores. Os interesses de uma classe social dominante passam, pela
ideologia, a ser identi cados como interesses coletivos. Um exemplo disso é a redução de direitos e a
proposta de um estado mínimo.

Há mecanismos ideológicos que levam as classes pobres a concordarem com um estado mínimo, porém, os mais
necessitados precisam recorrer às políticas públicas de saúde, educação, assistência social e habitação para terem
qualidade de vida e seus direitos assegurados. 

Logo, para eles, o estado precisa ser forte, mas mecanismos de ideologia os fazem defender o contrário de sua
necessidade e interesse.

Ainda sobre a ideologia, tanto no sentido amplo quanto no sentido estrito marxista, esse conceito diz respeito a
atributos valorativos, ou seja, é a ideologia que absorvemos do social que nos aponta os valores das coisas, o que
é certo e o que é errado, o bom e o mau, etc. 

Cabe ressaltar que a ideologia, portanto, constitui quem somos e é construída no processo de socialização. Em
outras palavras, eu me aproprio das ideologias desde a socialização primária, no seio de minha família, passando
pelas instituições e pelas experiências intersubjetivas da vida cotidiana.

Consumismo
Após tratarmos do conceito de ideologia, convém falarmos de consumismo, outro conceito bastante caro a uma
psicologia social que se propõe crítica. Vivemos em uma sociedade capitalista que se baseia no consumo. É
preciso vender, por isso é preciso convencer as pessoas de que é preciso comprar, e comprar muito. Propagandas
de TV sempre mostram pessoas felizes ao usarem produtos novos; a felicidade é atrelada ao poder de compra, e o
lugar na sociedade é dado pela roupa que se usa, o carro que se tem e os lugares que frequenta. 

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Fonte: Shutterstock.

O valor do sujeito, nessa lógica, é dado pelo seu poder de consumo. Excluídos da sociedade são aqueles que não
podem consumir. Pensar a felicidade e a realização humana a partir do consumo é um exemplo de ideologia
(falseamento da realidade). Precisamos de insumos para viver, mas a nossa felicidade não está proporcionalmente
ligada à quantidade de consumo. Nessa ideologia, as relações humanas, os afetos, tudo é secundário ante o
consumo.

Alienação e consumo
Um terceiro conceito, bastante ligado ao que já tratamos, é o conceito de alienação. Alienado é quem vive alheio
às suas reais condições de existência. As ideologias vividas sem re exão produzem alienação, que, em si, é o
oposto de consciência. Precisamos levar as pessoas à consciência pela re exão crítica, e esse é um grande papel
da psicologia social. Assim, a superação da alienação se dá pela consciência.

A consciência, portanto, é a forma de superação da alienação. Deixemos claro que não estamos usando o
termo consciência como um locus psíquico, tal qual na psicanálise. Consciência, aqui, não é um processo
psicossocial complexo que envolve re exão crítica acerca de dados de realidade e ideologias em circulação. 

Atuar na consciência, portanto, é foco de trabalho para o psicólogo social:

Promoção de espaços de re exão sobre ideologia.


Desvelamento dos mecanismos ideológicos (entre eles o consumismo).
Consciência por meio da re exão.

Alienação produz inércia e sofrimento


SOCIEDADE → IDEOLOGIA (naturalização do social) → ALIENAÇÃO → DESPERSONALIZAÇÃO e ADOECIMENTO.

Nesse esquema, a sociedade capitalista de consumo, com ideologias, impele-nos ao consumismo, tomado como
natural. Sem re exão crítica, não tomamos consciência de que o consumismo é intencionalmente implantado em
nossa sociedade, portanto não é natural. A ideologia produz alienação, distancia-nos da re exão crítica e então
adoecemos e camos inertes.

Possíveis formas de superação dessa lógica:

Debate das ideologias.


Desvelamento dos mecanismos ideológicos.
Desnaturalização dos fenômenos sociais.
Análise crítica da realidade.

Conhecimento, linguagem e comunicação


Comunicação é basicamente a troca de informações entre dois ou mais interlocutores que fazem uso de uma
linguagem mutuamente inteligível. Perceba que, para que ocorra a comunicação, é preciso que esses requisitos
sejam preenchidos:

Deve haver troca de informações. 

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Essa troca de informações deve pressupor duas ou mais pessoas em interação.

Essa interação na qual se dá a troca de informações precisa ser num código linguístico que todos os
envolvidos compartilhem.

Perceba, portanto, que, ao falarmos em comunicação, estamos automaticamente falando em linguagem. Uma
linguagem é o conjunto de signos socialmente compartilhados, cuja utilização permite a comunicação. 

Pelo que estudamos até aqui, chegamos a duas conclusões:

A comunicação, que se dá principalmente por meio da língua falada e escrita, permite-nos trocar
informações, compartilhar sentidos e signi cados. 

Quando nos apropriamos de uma língua, apropriamo-nos dos signi cados sociais atribuídos à realidade
objetiva.

Vygotsky (1896-1934)
Vygotsky foi um grande psicólogo bielorrusso cuja obra é de grande in uência para a psicologia social crítica na
medida em que edi cou seu arcabouço teórico sob o solo do materialismo histórico-dialético. Para esse autor, o
desenvolvimento da fala, da palavra com signi cado, leva a criança a um salto desenvolvimental. O
desenvolvimento se dá pela apropriação das ferramentas da cultura.

Vygotsky

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Fonte: Wikipédia.

Palavra
A palavra é uma categoria que une social e subjetividade, pois expressa tanto o coletivo quanto o individual.

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Ainda sob o solo dos trabalhos teóricos de Vygotsky, podemos dizer que a palavra é tanto um signo social quanto
a expressão de um pensamento. Enquanto signo social, ela carrega um signi cado que é compartilhado
socialmente. Vamos ver um exemplo com a palavra “casa”.

A palavra casa, enquanto signo social, signi ca moradia. Já enquanto expressão do pensamento carrega um
sentido, que é diferente de signi cado, pois carrega a dimensão afetiva do sujeito. Ainda que a palavra casa
signi que moradia, para diferentes sujeitos pode ter o sentido de aconchego, de privacidade; se pensarmos
em quem sofre violência doméstica, essa palavra pode signi car sofrimento.

Bakhtin (1895-1975)
Para Bakhtin, o sujeito se apropria das mais diversas formas de linguagem em seu cotidiano. Essa linguagem é
in uenciada por diversos fatores sociais e ideológicos, sendo fonte da constituição do pensamento humano, ou
seja, a linguagem nos constitui.

Bakhtin

Fonte: Wikipédia.
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Identidade
Para iniciarmos nossa conversa sobre o conceito de identidade, vamos nos valer do lósofo e sociólogo Zygmunt
Bauman, um dos mais importantes pensadores da virada do século XX para o XXI. Para esse pensador, identidade
é o “eu” postulado, ou seja, é quem eu digo que sou ou quem eu defendo ser ante a coletividade cada vez mais
complexa, pois vivemos no que Bauman denominou “comunidade de ideias”, que é uma forma de sociedade,
como a nossa, em que diversas e antagônicas ideias convivem. 

Há quem diga que Deus está na natureza, há quem diga que Deus está nos templos, há quem diga que Ele não
existe. Todos e nenhum deles estão certos. Não há garantias e certezas, e eu preciso defender quem eu sou ante a
diversidade de ideias contraditórias. É importante frisar que se trata de um conceito psicossocial, ou seja, refere-
se sempre ao sujeito na sua relação com a coletividade.

Zygmunt Bauman

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Fonte: Wikipédia.

Para Antonio da Costa Ciampa, identidade é um conceito dinâmico que diz respeito à con guração das
personagens exercidas pelo sujeito, em que personagens são o exercício dos papéis socialmente disponíveis. Por
exemplo, pai é um papel socialmente disponível. 

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É importante deixar claro que estamos falando de um conceito dinâmico, ou seja, a identidade está sempre
em movimento, de modo que a minha con guração identitária de hoje não necessariamente será a mesma
nos próximos anos. Ela envolve tensão, ou seja, a identidade está sob um terreno con ituoso. Não é simples
eu ser quem eu sou ou quem eu defendo ser, pois trata-se de uma relação dialética, envolvendo processos
biográ cos, ou seja, a história de vida do sujeito e sua autopostulação, bem como processos institucionais: a
sociedade nos diz quem somos. Em última instância, identidade é uma negociação entre sujeito e instituições
(sociedade), e essa negociação é tensa.

Representação social
O conceito de representação social postulado por Moscovici (1925-2014) nos ajuda a explicar e classi car
acontecimentos e fenômenos sociais e grupais, bem como entender o que estaria por trás de comportamentos
tanto coletivos quanto individuais:

Ideias, valores e explicações comuns a um grupo.


Guia de convívio e interação grupais.

Subjetividade
Subjetividade é um conceito bastante complexo. Para entendê-lo, podemos começar pensando na própria
palavra. Subjetividade é aquilo que é subjetivo, ou seja, o oposto de objetivo. Um dado objetivo é demonstrável a
todos, o subjetivo não é passível de ser objeto. 

Subjetividade também diz respeito ao que é próprio do sujeito, ao que é sui generis, expressão latina que quer
dizer “algo não generalizável”, próprio da subjetividade; é um conceito que diz respeito à forma singular de dar
sentido ao mundo, signi car as experiências e apropriar-se do contexto social. Duas pessoas vivem a mesma
experiência de forma diferente porque são sujeitos diferentes. Aliás, não vivem a mesma experiência, pois a
subjetividade é parte da própria experiência.

Há quem diga que Deus está na natureza, há quem diga que Deus está nos templos, há quem diga que Ele não
existe. Todos e nenhum deles estão certos. Não há garantias e certezas, e eu preciso defender quem eu sou ante a
diversidade de ideias contraditórias. É importante frisar que se trata de um conceito psicossocial, ou seja, refere-
se sempre ao sujeito na sua relação com a coletividade.

Situação-problema
Um psicólogo foi recém-contratado para atuar em uma ONG nanciada por um conglomerado de empresas da
iniciativa privada. 

A ONG oferece serviço de contraturno escolar para adolescentes cuja renda familiar está abaixo da linha da
pobreza. Esses adolescentes foram identi cados como público-alvo para as atividades ilícitas de trá co de SPAs
(substâncias psicoativas).

As estratégias da ONG foram:

Reuniões diárias (segunda a sexta) em contraturno escolar.


O cinas, cursos pro ssionalizantes e serviços de convivência e fortalecimento de vínculos.
Alimentação no local.

A equipe da ONG diagnosticou que adolescentes migravam para o trá co de drogas para obter dinheiro fácil, e
muitos desistiam de frequentar os serviços da ONG.

A solução pensada pela ONG foi oferecer uma bolsa nanceira para cada adolescente participante, mas
condicionada a uma presença mínima mensal no serviço. As empresas mantenedoras da instituição concordaram
com a oferta. Porém, muitos adolescentes usavam o dinheiro da bolsa para nanciar smartphones de alto custo.
Outros, ainda, somavam a bolsa de estudos a atividades de trá co para car com as duas rendas.

A atual situação da instituição foi apresentada ao psicólogo, que foi convidado a apresentar sugestões que
pudessem promover a melhoria desse quadro apresentado.

Resolução da situação-problema 

Olhando para a sociedade capitalista, nota-se um apelo para o consumo. O valor do sujeito é dado pelo seu
poder de compra. Adolescentes em alta vulnerabilidade socioeconômica e extrema pobreza também são
afetados pela ideologia do consumismo (ideologia da ostentação). Como não têm poder de compra advindo /
dos pais, buscam gerar renda para nanciar seu consumo, sendo o trá co de drogas o maior atalho.

Sugestões do psicólogo
Embora não discordasse da bolsa dada pela instituição, entendia que ela não bastava. Propôs que a ideologia
capitalista do consumismo fosse discutida nos grupos, visando à consciência. Outros valores, que não apenas
o valor do capital nanceiro, deveriam ser reconhecidos, como valores afetivos, valores axiológicos, religiosos
e existenciais, etc., além do projeto de vida.

Resultados
Com o trabalho socioeducativo feito a longo prazo, muitos adolescentes perceberam que o trá co de SPAs
não os promovia, mas, sim, que estavam sendo explorados pelos donos do “negócio”. Ainda que existam
desistências do serviço em função da preferência pelo trá co, esse número diminuiu.

Esperamos que você tenha compreendido os principais conceitos apresentados nesta webaula. 

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