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Me sinto burra(o)

lendo Guattari
(Social II, 2021_1)

Paulo Freire, num livro-diálogo com Donaldo Macedo (1990, pg.138):Que conselho final você daria aos leitores?
Freire: Não posso dar nenhum conselho específico, mas eis aqui algumas sugestões fraternais. Em primeiro lugar,
comece a reler este livro. Essa segunda leitura deve ser mais crítica do que a primeira. Esta sugestão vale não só para
este livro, como para toda leitura que você fizer.
Quer em relação a uma gota de chuva (uma gota que ia cair, mas que congelou, gerando um lindo sincelo), a um pássaro
que canta, a um ônibus que corre, a uma pessoa violenta na rua, a uma frase no jornal, a um discurso político, ao “fora”
de um namorado, ao que quer que seja, devemos adotar uma posição crítica, a da pessoa que questiona, que duvida, que
investiga e que quer iluminar a vida mesma que vivemos.
O que sugiro é aprender o sentido de nossa alienação diária, para superá-la, a alienação de nossa rotina, da repetição
burocrática das coisas, de fazer a mesma coisa todo dia às dez horas, por exemplo, porque “tem que ser feito”, sem
nunca questionarmos por quê. Devemos tomar a vida em nossas próprias mãos e começar a exercer controle. Devemos
procurar enfrentar o tempo e escapar a seu domínio.
Em seus escritos, bell hooks (2017, p. 255) nos ensina: “Para além do pensamento crítico, é igualmente
importante que entremos na sala de aula “inteiras”, não como “espíritos desencarnados”.
Google imagens buscando por excesso de informações
(13/08/21)

Produção de Subjetividade,
modos de subjetivação
e sujeito
Sujeito, subjetividade e modos de subjetivação
na contemporaneidade

Sonia Regina Vargas Mansano


Universidade Estadual de Londrina

2009
“VIII Encontro Científico da Pós-Graduação em
Sociedade
1975
Psicologia: Modos de subjetivação no
Disciplinar contemporâneo”,
UNESP – Assis - 2009

Sociedade
de
Controle

1979
1972
1972
Subjetividade

Modos de Subjetivação

 a vida pode ser pensada em sua potência de variação;


Sujeito
 a “(. . .) subjetividade não é passível de totalização ou de centralização no indivíduo”
(Guattari & Rolnik, 1996, p. 31);

 a subjetividade não implica uma posse, mas uma produção incessante que acontece a
partir dos encontros que vivemos com o outro. Nesse caso, o outro pode ser
compreendido como o outro social, mas também como a natureza, os acontecimentos,
as invenções, enfim, aquilo que produz efeitos nos corpos e nas maneiras de viver.

 a “subjetividade é essencialmente fabricada e modelada no registro do social” (Guattari &


Rolnik, 1996, p. 31);
Produção de Subjetividade
Quais os efeitos
X desses dois
A concepção de “Natureza Humana” discursos/práticas?
tradição filosófica que atribuiu ao sujeito uma essência”

 os processos de subjetivação contam com a participação:


o Por exemplo, na
concepção de
 das instituições, homem e mulher?

 da linguagem, o E na definição das


 da tecnologia, raças humanas?

 da ciência, o E na definição do
 da mídia, que é normal?

 do trabalho,
 do capital,
 da informação,

 são permanentemente reinventados na circulação da vida social


Produção de Subjetividade e o
CMI - Capitalismo Mundial
Integrado
Félix Guattari e Sueli Rolnik

• Guattari enfatiza: “Tudo o que é do domínio da surpresa e


da angústia, mas também do desejo, da vontade de amar e
de criar deve se encaixar de algum jeito nos registros de
referências dominantes” (idem, p.43).

• (Do que gostamos? Que coisas nos afetam mais? O que


consideramos bonito, bondoso, agradável?)

• O que chamo de processos de singularização é algo que


frustra esses mecanismos de interiorização dos valores
capitalísticos, algo que pode conduzir à afirmação de
valores num registro particular, independentemente das
escalas de valor que nos cercam e espreitam por todos os
lados. (Guattari & Rolnik, 1996, p. 47).
A matéria prima que compõe as subjetividades
são variáveis e historicamente localizadas
X
A concepção Universal e Abstrata
da Natureza Humana

Portanto, quando recorremos em nossos


estudos à noção de subjetividade, tal qual pensada por
Guattari, estamos referidos a uma matéria-prima viva e
mutante a partir da qual é possível experimentar e
inventar maneiras diferentes de perceber o mundo e de
nele agir. O encontro com esses componentes
possibilita fazer conexões díspares e inesperadas,
precipitando movimentos que insistem em suas
misturas e desvios.
Michel Foucault, o francês,
interlocutor para questionar o
Eu Hegemônico (Sueli Carneiro)

A CONSTRUÇÃO DO OUTRO COMO NÃO-SER COMO FUNDAMENTO DO SER


Tese de Doutorado de Aparecida Sueli Carneiro (2005)

INTRODUÇÃO: Falarei do lugar da escrava. Do lugar dos excluídos da res(pública).

Dirijo-me a ti Eu hegemônico, falando do lugar do “paradigma do Outro”, consciente de


que é nele que estou inscrita e que “graças” a ele em relação a mim expectativas se criaram, que
mesmo tentando negá-las, elas podem se realizar posto que me encontro condicionada por uma
“unidade histórica e pedagogicamente anterior” da qual eu seria uma aplicação.

Para esse árduo trabalho para o qual te convido precisamos de ajuda. Então, convoquei
Michel Foucault, sim, o francês. Sei que ele é um sujeito da tua confiança e goza também de minha
simpatia. É um mediador razoavelmente confiável para as nossas possíveis contendas. Por ser um
elemento de fronteira, ele conversa bem com todo mundo, seja um ser-aí, ou coisas-ente.
https://negrasoulblog.files.wordpress.com/2016/04/a-construc3a7c3a3o-do-outro-como-nc3a3o-ser-como-fundamento-do-ser-sueli-carneiro-tese1.pdf
Modos de Subjetivação
Michel Foucault - “O Sujeito e Poder”

“Meu objetivo
foi criar uma história dos diferentes modos pelos quais, em
nossa cultura, os seres humanos tornam-se sujeitos”
(Foucault, in: Rabinow & Dreyfus, 1995, p. 231).

 os gregos e suas práticas de “cuidado de si”;


 a descrição e análise da sociedade disciplinar;
 a emergência histórica do Estado e de suas intervenções biopolíticas
sobre o corpo do indivíduo e da população.
doutrina fundada por Zenão de Cício (335-264 a.C.), e desenvolvida por
várias gerações de filósofos, que se caracteriza por uma ética em que a
Estoicismo imperturbabilidade, a extirpação das paixões e a aceitação resignada do
destino são as marcas fundamentais do homem sábio, o único apto a
experimentar a verdadeira felicidade [O estoicismo exerceu profunda
influência na ética cristã.].

• Na Antiguidade, esta elaboração do si e sua consequente austeridade não é imposta ao indivíduo pela lei
civil ou pela obrigação religiosa; trata-se, ao contrário, de uma escolha feita pelo indivíduo para a sua
própria existência. Era uma questão de fazer da vida um objeto para uma espécie de saber, uma técnica,
uma arte. (Foucault, in: Rabinow & Dreyfus, 1995, p. 270). (Quem eram os indivíduos na Grécia?)

• Além de uma dimensão ética do cuidar de si a necessidade de tomar uma posição política diante da
própria existência, uma posição que favorecia também a construção de uma estética.

• Na obra História da Sexualidade III – O Cuidado de Si para os gregos: (...) uma arte da existência que gravita
em torno da questão de si mesmo, de sua própria dependência e independência, de sua forma universal e
do vínculo que se pode e deve estabelecer com os outros, dos procedimentos pelos quais se exerce seu
controle sobre si próprio e da maneira pela qual se pode estabelecer a plena soberania sobre si. (Foucault,
1985, p. 234)
Como os Modos de Subjetivação são transformados? (Foucault)

 Na atualidade temos um discurso distinto, marcado pela obrigatoriedade do cuidado de si - “Você é

obrigado a fazer isso porque é um ser humano”.

 o estoicismo passa a utilizar o cuidado de si como uma espécie de combate às fraquezas do “eu”, as

quais se tornam fortemente associadas ao prazer e ao mal.

 Segundo Foucault, o próprio estoicismo acabou fornecendo condições para que fossem dados os

primeiros passos em direção ao ascetismo cristão, baseado nos julgamentos morais, nas penitências e

nas purificações. Esse fato, por sua vez, abriu caminho para a produção de um modo de subjetivação

distinto (Foucault, 2004). ascese, isto é, a disciplina e o autocontrole estritos do corpo e do espírito,
um caminho imprescindível em direção a Deus, à verdade ou à virtude.

 compreender a problemática da produção do sujeito nos dias atuais, Foucault comenta as lutas políticas

que se fazem necessárias em nosso tempo: São lutas (. . .) contra as formas de dominação (étnica, social

e religiosa); contra as formas de exploração que separam os indivíduos daquilo que eles produzem; ou

contra aquilo que liga o indivíduo a si mesmo e o submete, deste modo, aos outros (lutas contra a

sujeição, contra as formas de subjetivação e submissão). (Foucault, in: Dreyfus & Rabinow, 1995, p. 235)
Resistir hoje se torna uma ação política quando, por exemplo,
recusamos o individualismo já tão naturalizado em nosso cotidiano
e insistimos nos encontros, fazendo circular as invenções
microssociais de novas formas de vida que não se revertem em
regras universais obrigatórias.

• Seguindo a investigação sobre os modos de subjetivação, cabe


perguntar:
 quais modos de vida precisam ser abandonados e quais outros pedem
passagem em nossos dias?
 Qual a potência que temos para produzir outros modos de existir e colocá-
los em circulação no social?
 É perceptível o quanto os estudos de Foucault convocam para uma análise
do presente e das nossas possibilidades de transformação.
 Para isso, ele resgata a dimensão histórica que atravessa os modos de
subjetivação, descartando, assim, qualquer pretensão de universalidade.
O QUE SE DESTACA, O QUE NOS INTERESSA EM CADA OBRA. COMO DEFINIMOS AS NOSSAS
ESCOLHAS TEÓRICO-PRÁTICAS

O Conceito de Dispositivo para Foucault:


“Através deste termo tento demarcar, em primeiro lugar, um
conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos,
instituições, organizações arquitetônicas, decisões
regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados
científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em
suma, o dito e o nãodito são os elementos do dispositivo. O
dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes
elementos.” (Foucault, 1979/Microfísica do Poder, p. 244)
Dispositivo da Racialidade
Sueli Carneiro (2005)
Se o sexo será o demarcador de uma verdade sobre o sujeito, como Foucault
demonstra na História da Sexualidade, que definirá a sua normalidade ou
anormalidade, em nosso entendimento a raça será outro demarcador para a
apreensão dessa verdade do sujeito; por meio dela se evidencia o valor de cada
agrupamento humano na sua diversidade étnica/racial, a medida de sua
humanidade, a normalidade de cada qual (Carneiro, 2005, p. 51).

Partimos do pressuposto de que a racialidade vem se constituindo, no contexto da


modernidade ocidental, num dispositivo tal como essa noção é concebida por
Foucault. Nesse sentido a racialidade é aqui compreendida como uma noção
produtora de um campo ontológico, um campo epistemológico e um campo de
poder conformando, portanto, saberes, poderes e modos de subjetivação cuja
articulação institui um dispositivo de poder (Carneiro, 2005, p. 56).
“E, olhando bem, isso é
tão-só uma outra
maneira de dizer: o
sujeito se constitui no
dado”. (Deleuze, 2001, p.
118

o o sujeito não está dado (na Natureza Humana, por exemplo), mas se constitui nos dados
da experiência, no contato com os acontecimentos

o Dependendo dos efeitos produzidos pelos encontros, o sujeito é praticamente “forçado”


a questionar e a produzir sentidos àquela experiência que emergiu ao acaso e que, sem
consulta, desorganizou um modo de viver até então conhecido. Obviamente, o contato
com esse tipo de dado e de acontecimento gera uma série de estranhamentos,
incômodos e angústias. A vida se desenrola nesse campo complexo do qual fluem
ininterruptamente os dados e os acontecimentos. Os enfrentamentos aí emergentes não
conhecem parada.
O Fora
• O lado de fora diz respeito à força: se a força está sempre em relação com outras forças, as
forças remetem necessariamente a um lado de fora irredutível, que não tem mais sequer
forma, feito de distâncias indecomponíveis através das quais uma força age sobre a outra
ou recebe a ação da outra (Deleuze, 1988, p. 93).

• Por isso mesmo, o sujeito não pode ser concebido como uma entidade pronta, mas ele se
constitui à medida que é capaz de entrar em contato com essas forças e com as diferenças
que elas encarnam, sofrer suas ações e, em alguma medida, atribuir-lhes um sentido
singularizado. Nesse movimento, parte delas passa a compor o homem, dando uma forma
(provisória) para o “lado de dentro”. Quais são essas forças que compõem o homem?
Salienta Foucault: “(. . .) força de imaginar, de recordar, de conceber, de querer” (Deleuze,
1988, p. 132). Cabe assinalar que a potência de ação dessas forças também é variável.
Assim, diante de uma dada experiência vivida, elas podem ou não se manifestar.

• Fita de Möbius
O sujeito, nessa
Ele é construído à medida que
perspectiva de análise,
experiencia a ação das forças que
só pode ser analisado a
circulam no fora, e que, por
partir de uma
diferentes enfrentamentos,
processualidade, de um
afetam o seu corpo e passam, em
vir a ser que não se
parte, a circular também do lado
estabiliza de maneira
de dentro
definitiva

Dessa maneira, ele


pode ser sentido e
percebido como
uma existência
particular e
histórica, à medida
que desenha
territórios
subjetivos que são
Sob essa ótica, a investidos
produção do sujeito desejantemente.
envolve um
movimento que não
Entretanto, esses territórios nada mais
conhece sossego, pois
são do que composições provisórias de
ele não está dado de
forças.
uma vez por todas.
remete a uma aventura que é
Deleuze e a Produção recorrentemente colocada nessa
constituição de si e nas variações
do Sujeito produzidas pelos encontros
intensivos com o outro.

Pensar a noção de sujeito remete a um campo complexo de


problematizações:

Afinal, que posso vir a ser no encontro com


os dados de cada experiência que me advém?
Com quais outras forças posso me compor e o
que pode devir desse movimento?

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