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Cartografias da Subjetividade Contemporânea


Apresentação Oral em GT
Autor(es): Joana Dar'k Costa (UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAIBA), Maria Janilce Oliveira Magalhães
Resumo: O mundo contemporâneo vive em seus aspectos econômico-político e sócio-cultural, momentos de
transformações importantes que desnorteiam os sujeitos em uma explosão de referenciais. A cultura respaldada na
globalização e nos avanços tecnológicos pulverizou o sujeito moderno engessado num ideal racional abrindo espaço
para a criação de novas formas de existência. No trabalho, na família, nas igrejas, nas universidades, nas escolas, nos
espaços coletivos vão se fabricando subjetividades, devires, fluxos que se atravessam, propagam-se em diferentes
direções. Nesse processo, os nossos comportamentos, percepções, sentimentos e desejos vão sendo produzidos e
configurando a nossa forma de viver, pois, o processo de produção do homem é inseparável do processo de produção
do mundo. O presente trabalho tem como objetivo analisar as perspectivas teóricas que discutem os processos de
subjetivações na sociedade contemporânea. A noção de subjetividade que colocamos em discussão deriva de uma
linhagem teórico-metodológica que afirma uma ruptura com as concepções que relacionam a subjetividade a uma
essência, uma interioridade uma unidade fechada em si mesmo. Esse modo de pensar a subjetividade aprisiona o
pensamento em um pressuposto binário do tipo interior/exterior, natureza/cultura, sujeito/objeto, consciência/mundo. Ao
invés de se pensar um sujeito de contornos limitados e fechado em si, autores como Félix Guattari (2008); Suely Rolnilk
(2006) e Michel Foucault (1994) dentre outros, definem a subjetividade como um sistema aberto, constituído de
múltiplas e diferentes forças, componentes de subjetivação, que se ligam e religam de forma rizomática, produzindo
formas de ser e de se perceber no mundo. A subjetividade é entendida como um processo de constituição de territórios
existenciais instituídos a partir do entrecruzamento de determinações: econômicas, políticas, sociais, culturais, éticas,
tecnológicas de mídias e outras. O meio sócio-cultural e econômico instiga-nos a procurara uma unidade, uma
identidade sólida que possa assegurar o nosso equilíbrio. As nossas vivências, no entanto, possibilitam pensar que
estamos permanentemente em construção, a estabilidade subjetiva é ilusória. Nessa perspectiva, a subjetividade se
autoconstitui por fluxos de agenciamentos coletivos de enunciação com os quais ela está incessantemente se
conectando e reconectando. Para a Ronilk, essa visão atribui à subjetividade uma mutabilidade que abre espaço à
invenção, ao novo e a novos desdobramentos. Desprende-a de composições subjetivas cristalizadas, serializadas,
padronizadas, provocando uma infinidade de movimentos, deslocamentos, fluxos que se plugam podendo produzir
novos movimentos de afirmação e expansão da vida, proporcionando novas sensações e formas de perceber o mundo.

Texto completo: CARTOGRAFIAS DA SUBJETIVIDADE CONTEMPORÂNEA.

Autores: Joana Dar’k Costa – Professora da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB


Maria Janilce Oliveira Magalhães – Médica do PSF - Secretaria de Saúde do Município de João Pessoa

INTRODUÇÃO

A noção de subjetividade que colocamos em discussão deriva de uma linhagem teórico-metodológica que afirma uma
ruptura com as concepções que relacionam a subjetividade a uma essência, uma interioridade uma unidade fechada
em si mesmo. Partimos de uma compreensão da subjetividade como um processo de constituição de territórios
existenciais instituídos a partir do entrecruzamento de determinações: econômicas, políticas, sociais, culturais, éticas,
tecnológicas de mídias e outras.
Gilles Deleuze, Félix Guattari e Michel Foucault, em suas construções teóricas, enfatizaram a parte não humana nos
modos de subjetivação. Para eles, a subjetividade não é produzida apenas no seio da faculdade da alma, das relações
interpessoais ou nos complexos intra-familiares (GUATTARI, 2006). A subjetividade é fabricada a partir das grandes
máquinas sociais, midiáticas, lingüísticas dentre outras. Postula-se, portanto, que “O sujeito não é um dado, nem um
ponto de partida, uma essência, uma entidade estável com identidade fixa, mas resultado de um processo no qual
emergem, indivíduo, psíquico e meio.” (ESCÓSSIA, 1999, p.56).
Foucault reconhecendo a escala histórica de constituição do sujeito, fala-nos de dispositivos de poder que agenciam
regimes de verdades capazes de produzir, sujeitos serializados e normatizados. Nesse aspecto, poderíamos, dizer que
homens e mulheres têm suas subjetividades contidas em papéis definidores compondo seus territórios existenciais. As
formas de representar ou de constituir-se, dependem dos dispositivos agenciados por determinados contextos
econômicos, sociais, éticos, tecnológicos, religiosos e culturais.
No presente artigo, buscaremos analisar as perspectivas teóricas que discutem os processos de subjetivações na
sociedade contemporânea. Iniciaremos o texto, fazendo uma discussão sobre o conceito de produção de
subjetividades. Em seguida, abordaremos acerca dos processos de subjetivação no mundo capitalista a partir de uma
formulação guattariana e, prosseguiremos a reflexão dando gradativamente os passos necessários para a
compreensão do processo de singularização da subjetividade. Processo que possibilita movimentos, fluxos e devires da
subjetividade que divergindo visceralmente das dos padrões dominantes podem abrir caminhos para a construção de
outras possibilidades de existência.

1. A Composição dos Territórios Existenciais

A compreensão da subjetividade não se insere na definição de universo pessoal, individual, psíquico de cada um, em
contraponto com a objetividade - que abrange o mundo externo, o público e o racional - numa dicotomia entre individual
e coletivo, que delimita territórios cujas fronteiras não apresentam ponto de conexão ou interligação.
Na formulação Guattariana (2008), a subjetividade é entendida como resultante de um entrecruzamento de
determinações: econômicas, políticas, sociais, culturais, éticas, tecnológicas de mídias e outras. Nesses termos,
Guattari & Rolnik (2008) consideram que a subjetividade é produzida por instâncias individuais, coletivas e
institucionais; produção esta que não se manifesta sob a determinação de uma instância dominante ou de relações
hierarquizadas, mas sim numa transversalidade de diversos fatores subjetivadores que a atravessam, como
instituições, objetos técnicos, saberes e outros. É, portanto, partindo dessa visão, que Guattari (2008, p.19) esboça uma
definição para a subjetividade: “O conjunto de condições que torna possível que instâncias individuais e/ou coletivas
estejam em posição de emergir como território existencial auto-referencial, em adjacência ou em relação de delimitação
com uma alteridade ela mesma subjetiva” (1992, p.19).
Deste modo, a concepção de subjetividade como um processo resultante dos diversos dispositivos sócio-econômico-
cultural, nega a existência de um eu centrado defendendo a tese de que somos uma multiplicidade. Para Guattari
(1990, p.7)

a subjetividade, engendrada como ‘resíduo’ no processo de produção do mundo, é um produto cultural complexo.
Desvelar ‘o conjunto de condições’ que possibilitam a emergência de ‘instâncias individuais e/ou coletivas’, como
‘territórios existencial auto-referencial’ na sua relação com o mundo, é um dos maiores e mais potentes desafios da
atualidade.

Para Rolnik (1997, p.1), A subjetividade se configura num devir: “é continuamente constituída a partir de ligações e
religações que suas ramificações fazem e refazem com elementos intra e extra psíquicos, individuais e pré-individuais,
humanos e não humanos, orgânicos e não orgânicos”
As palavras movimentos, transformações, deslocamentos e oscilações fazem parte desse novo modo de pensar o ser
humano. Para Machado (1999, p. 01):

nós somos atravessados por toda uma complexa teia de aspectos desejantes, políticos, econômicos, científicos,
tecnológicos, familiares, culturais, afetivos, televisivos... Entretanto, cada um de nós tem uma história de vida que é
singular e que não é interior. É como se inúmeras peças de um jogo se embaralhassem de formas variadas e com
intensidades distintas, fazendo com que afirmássemos essa composição como sendo nosso eu ou nossa
individualidade. Mas em cada momento histórico as peças se modificam, algumas se introduzem, algumas se mantêm
e outras vão sendo esquecidas. Experimentamos a composição de algumas delas ao longo de nossa vida e muitas
vezes, querendo ou não, elas se embaralham e assumem outras formas.

A noção de subjetividade trabalhada por esta autora vem questionar a presença de uma interioridade separada da
exterioridade, tais como corpo e alma, individuo e sociedade. Por mais que estes pólos concebam uma relação entre si,
há sempre uma força que pressupõe a determinação de um pólo sobre o outro.
De acordo com Suely Rolnik (1997), não há sujeito que viva isolado como um em si, e não há nada que não co-exista
com o outro, ou seja, não há sujeito que não sofra um processo de diferenciação, pois algo em nós, sabe sem saber
que para o nosso próprio bem, temos que estar reinventando a todo momento modos de existência, dos quais nós
mesmos somos reinventados.
A temática da subjetividade também esteve presente no decorrer da obra desenvolvida por Michel Foucault. De acordo
com Veiga Neto (2005) as pesquisas de Foucault giraram em torno daquilo que ele mesmo denominou: “os três modos
de subjetivação que transformaram os seres humanos em sujeitos” (FOUCAULT, 1995, p.231): a objetivação de um
sujeito no campo dos saberes, a objetivação de um sujeito nas práticas do poder que divide e classifica e a
subjetivação de um individuo que trabalha e pensa sobre si mesmo. Dito de outro modo, para Foucault (1995) os seres
humanos tornam-se sujeitos “pelos modos de investigação, pelas práticas divisórias e pelos modos de transformação
que os outros aplicam e que nós aplicamos sobre nós mesmos” (VEIGA NETO, 2005, p. 1336).
Desse modo, a subjetividade para Foucault é definida como uma relação que o sujeito estabelece consigo mesmo, a
partir de uma série de procedimentos que são propostos e prescritos ao individuo, em todas as civilizações, para fixar
sua identidade, mantê-la ou mudá-la em função de um certo número de fins (EIZIRIK, 1997). Podemos compreender,
portanto, que para Foucault a subjetividade é constituída historicamente. O sujeito não existe como uma forma
determinada, o sujeito não é uma substância. O sujeito é formado pelas práticas que o constituem. Conforme sinaliza
Eizirik,

é no espaço em que se desenrola a vida que vamos exercitando nossa experiência com os outros e conosco mesmos,
aí vamos constituindo nossa subjetividade. Espaços de poderes – poder de língua, poder de sedução, poder de
conhecimento, poder da razão, poder dos conceitos. (2005, p. 85).

Continuando a autora ressalta que a subjetividade contemporânea se engendra nas malhas das diferenças e da
simultaneidade, da velocidade, da liquidez, atravessando o tempo e o espaço, num movimento incessante e polimorfo.

1.1 Processos de Subjetivações no Mundo Capitalista

Investigando a temática da subjetividade no mundo atual, Guattari (2008) considerou inúmeras linhas do processo de
globalização contemporâneo sob as semióticas do capital. O Capitalismo Mundial Integrado - CMI, como ele o
representa - que vai tomando conta de todas as áreas do planeta, configura-se não apenas pela integração
internacional dos capitais e a constituição de mega-mercados, mas especialmente pela modelização da subjetividade
dos indivíduos.
Nessa perspectiva, à luz de um enfoque multidisciplinar integrando o campo da filosofia, sociologia, psicanálise e
antropologia, Guattari (1986, 1992) postula que o que caracteriza fundamentalmente o capitalismo, nas suas diversas
formas de existência, é um determinado modo de produção de subjetividades. Nesse sentido, a subjetividade no mundo
atual permanece massivamente controlada pelos dispositivos de poder e de saber, que colocam as inovações técnicas,
científicas e artísticas a serviço das figuras mais retrógradas da sociedade.
Na concepção desse autor, a produção de subjetividade constitui matéria-prima de toda e qualquer produção. Para ele,
as forças sociais que administram o capitalismo, na atualidade, entendem que a produção de subjetividade talvez seja
mais importante que qualquer outro tipo de produção, visto produzirem esquemas dominantes de percepção do mundo.
Esse processo de subjetivação capitalístico efetiva-se, na medida em que o projeto social dominante se apropria e
controla os meios de vida, se estabelecendo, se rotinizando, se sedimentando e, assim, definindo modos de ser, como
a organização do trabalho e a do não-trabalho, as tecnologias, o noticiário, a alimentação, o cuidado com a saúde e o
corpo, os lazeres, a reprodução humana e animal, as relações afetivas, os desejos. Assim, em casa, nos trabalhos, nas
igrejas, nos sindicatos, nos movimentos em geral, nos espaços coletivos vão se fabricando subjetividades, modelando-
as, remodelando-as, serializando-as. Nas palavras do autor:

O que caracteriza os modos de produção capitalísticos é que eles não funcionam unicamente no registro dos valores de
troca, valores que são de ordem do capital, das semióticas monetárias ou dos modos de financiamento. Eles funcionam
também através de um modo de controle da subjetivação que eu chamaria de “cultura da equivalência” ou de sistemas
de equivalência na esfera da cultura (GUATTARI, 2008, p.16).

Desse modo, Guattari e Rolnik (2008) apontam a cultura de massa como elemento fundamental da “produção de
subjetividade capitalística”. Para os autores, a cultura de massa, principal elemento articulador mantenedor deste
modelo de organização econômica, produz indivíduos padronizados, normalizados, articulados uns com os outros a
partir de determinados princípios hierárquicos, de determinados sistemas de valores e de submissão. Essa
subjetividade capitalística é serializada a partir de uma imagem, de um consenso, que se consolidam em leis, valores,
costumes e hábitos que se reproduzem no cotidiano esquadrinhando os indivíduos em todas as instâncias sociais. Indo
mais além, os referidos autores acrescentam que a ordem capitalística define e produz, de forma clara e imperativa, os
modos como se devem processar, até mesmo no nível do inconsciente, as relações humanas. Ela estabelece como se
trabalha, como devem ser as relações afetivas, como se ama, como se fala, como se comporta, como se pensa.
Em síntese: essa poderosa e fantástica máquina arquiteta o modo como o homem se relaciona com o mundo e consigo
mesmo, reduzindo os indivíduos a meras engrenagens, fantoches manipulados pelo valor dos seus atos; valor
sintonizado com o mercado capitalista e seus equivalentes gerais.
Investigando o processo de produção de subjetividades no capitalismo, Guattari aponta dois movimentos que
caracterizam tal produção: primeiro, o movimento de uma desterritorialização; e, em seguida, o de uma
reterritorialização. No movimento de desterritorialização, como assinala Rolnik (1985, p.29),

o homem transforma-se em pacote de energia, força de trabalho comercializável, o que implica o desmanchar de um
código e de um território: percepções, sensibilidades, atitudes, gêneros de ação, maneiras de se mover, modos de vida,
formas de sociabilidade – enfim tudo aquilo que faz a consistência, a textura de um processo existencial.

Já na reterritorializaçao, movimento essencial para a funcionalidade do sistema, há uma homogeneização das


subjetividades, nas palavras de Rolnik (1985, p.29):

Do mesmo modo como o capital funciona como o equivalente geral, a partir do qual a força de trabalho adquire seu
sentido, também a produção de subjetividades se organizará a partir de equivalentes gerais que virão sobrecodificar
uma multiplicidade de processos de existências heterogêneos, pois, para que os pacotes de força de trabalho sejam
intercambiáveis, é preciso haver essa homogeneização, e isso em escala cada vez mais internacional.

Segundo Guattari (2008), nesse processo de produção da subjetividade capitalística, o critério fundamental deixa de ser
o da vida, na medida em que se adota o critério da máxima rentabilidade de energia vital enquanto possibilidade de
extração da mais valia e, portanto, de multiplicação do capital. Seguindo essa visão, Rolnik (1985, p.31) ressalta que o
principal efeito desse processo subjetivador é que ele deixa de ter o centro de gravidade no processo de existência
coletiva, isto é, a subjetividade é vivenciada como se emanasse do indivíduo (uma suposta interioridade do mesmo)
potencialmente igual a todos os outros. “Na verdade, aquilo que parece ser um “dentro”, centrado no indivíduo, nada
mais é do que transcendência de uma sobrecodificação através da qual se opera a produção serializada de uma
subjetividade desencarnada”.

1.2 A invenção de novos modos de viver: a ousadia de singularizar

De acordo com Rolnik (1985) o movimento de desterritorialização não se circunscreve apenas à reterritorialização como
movimento de produção de subjetividade capitalística propriamente dita. Para ela, esse movimento também pode ser
mediador da possibilidade de criação social, ou seja:

desmantela-se a perspectiva segundo a qual cada um tem um lugar fixo e inteiro, onde está centrada sua subjetividade,
segundo a qual cada um constitui uma totalidade, dotada de identidade, mesmo que mutável (...) Abre-se uma
possibilidade de criação dos modos de sentir e de viver a partir da consciência do próprio processo de existência, a
partir da perspectiva da expansão da vida nesse processo; abre-se, em suma, uma possibilidade de retomar a vida
como critério e como finalidade, afirmada positivamente em cada campo da atividade humana – e aí teríamos o que
Deleuze e Guattari chamam de processos de singularização ou autonomização (ROLNIK, 1985, p.31).

Explicando de forma mais elaborada esses processos de singularização, Guattari (1986) ressalta que a tentativa de
controle social via modelização de subjetividades em escala planetária se choca com fatores de resistências que batem
de frente contra esse processo geral de serialização, na medida em que se constroem modos de subjetividade originais
e singulares. Em outras palavras, trata-se do desenvolvimento de modos de subjetivação singulares que se contrapõe
às subjetividades dominantes, rompendo com o autoritarismo dos saberes oficiais, englobantes e totalizantes. Nessas
produções de subjetividades não hegemônicas, rompe-se com o território fechado do instituído, da neutralidade e dos
regimes de verdade pré-estabelecidos, fechados e hierarquizados (Coimbra, 1995).
De acordo com Guattari, a singularização da subjetividade se realiza, na medida em que é possível o desenvolvimento
de possibilidades de resistência e de recusa a todos os canais e caminhos que conduzem à serialização, à
hierarquização pré-estabelecida e à manipulação teleguiada. Recusar, para construir novos modos de sensibilidade,
novas modalidades de relação com o outro, com o meio, novas formas de criatividade. Assim sendo, estará se
desenvolvendo e se produzindo uma subjetividade singular que se liberta da malha asfixiante da ordem capitalística.
Lembram ainda Guattari & Rolnik (2008) que a criação dessas novas modalidades de subjetivação implica em
mudanças das mentalidades e a promoção de um novo modo de viver em sociedade, que passaria por uma revolução
molecular, na qual subjetividade se re-singularizasse e se pudesse criar uma forma de democracia política e
econômica, na qual se respeitassem as diferenças culturais e individuais, e o indivíduo tivesse um lugar definido de
forma singular. Cabe ressaltar que, para os autores, o plano molecular é um dos processos singulares, que
transformam irreversivelmente as relações dos indivíduos e das coletividades no mundo material e no mundo dos
signos. Já o plano molar está relacionado às lutas contra a exploração, expressa na crítica à organização do trabalho e
à sua libertação.
Nesta perspectiva, a revolução molecular abrange todos os níveis, quais sejam: infrapessoais (presentes na esfera do
onírico, da criatividade); pessoais (nas relações de autodomínio) e interpessoais (a invenção de novas formas de
sociabilidade na vida doméstica, amorosa, profissional e outros).
A revolução molecular, segundo Moreira Neto (2001, p. 119), “vislumbra e rascunha inúmeras possibilidades de ruptura
e de reapropriação que o desenvolvimento da subjetividade capitalística traz e imprime em todos os níveis das relações
sociais”. Como esclarecem Guattari e Rolnik (2008), o importante é o desencadeamento e vivências de práticas
políticas que, subvertendo as subjetividades, possibilitem o agenciamento de singularidades desejantes que se
contraponham a subjetividade dominante e produzam estratégias que a revelem, ao invés de denunciá-la.
A partir da noção de revolução molecular, Guattari & Rolnik (2008, p.45) abrem nova perspectiva de análise sobre o
conceito de luta, superando os limites que situam esse conceito somente como um embate político e econômico. Para
eles,

a luta não mais se restringe ao plano da economia política, mas abrange também o da economia subjetiva. Os
afrontamentos sociais não são mais apenas de ordem econômica. Eles se dão também entre as diferentes maneiras
pelas quais os indivíduos e grupos entendem viver sua existência.

Os autores reforçam que a luta atinge a subjetividade capitalística, uma vez que esta se choca com diversos fatores de
resistência que desencadeiam processos de reapropriação da subjetividade e que se instalam em inúmeras zonas do
planeta. Eles consideram que os movimentos sociais que emergem a partir dos anos 60, destacando-se o movimento
feminista, o movimento ecológico, o movimento pacifista, não trazem mais como característica principal o embate (de
ordem política e econômica) entre classes sociais antagônicas no campo da produção e reprodução dos bens
materiais.
Complementando essa idéia, Moreira Neto (2001) ressalta que, na década de 90, movimentos como os dos índios de
Chiapas, no México, e dos trabalhadores sem terra – MST, no Brasil, são exemplos de movimentos que não situaram
sua luta apenas na esfera político-econômica, mas buscaram também construir novos modos de vida, novas relações
de gênero, novas formas de relacionamento com o meio ambiente, ou seja, novas formas de subjetividades. Para essa
autora, a inovação desses movimentos é que eles trazem para o debate questões e temas que escapam do território da
luta de classes e envolve instâncias situadas nos campos das subjetividades.
Conforme assinalam Guattari & Rolnik (2008, 49-50), o processo de singularização da subjetividade, ou sua
reapropriação, somente se realiza, quando os indivíduos envolvidos nesse processo “criam seus próprios modos de
referência, suas próprias cartografias, devem inventar sua práxis de modo a fazer brechas no sistema de subjetividade
dominante”. Nas palavras de Deleuze e Guattari (1995, p. 30), “é preciso singularizar: acreditar no mundo significa
principalmente suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-
tempos, mesmo de superfícies ou volumes reduzidos”
Dessa forma, como sinaliza Rolnik (1997) a subjetividade se autoconstitui e auto-reconstitui por fluxos de
agenciamentos coletivos de enunciação com os quais ela está incessantemente se conectando e reconectando. Para a
autora, essa visão atribui à subjetividade uma mutabilidade que abre espaço à invenção, ao novo e a novos
desdobramentos. Desprende-a de estruturas subjetivas cristalizadas, serializadas, padronizadas, provocando uma
infinidade de movimentos, deslocamentos, fluxos que se conectam, reconectam, plugando outras possibilidades de ser
outros “modos de andar a vida”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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