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SUBJETIVIDADE, CULTURA E

COMPLEXIDADE
PARTE I
Conteudista
Me. ANA CRISTINA ALVES LIMA

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Subjetividade e filosofia nas ciências humanas

Fonte: http://www.drvisao.com.br/

A questão da subjetividade pode ser considerada objeto de estudo primordial e


um dos temas centrais em Psicologia. Vista como algo relativo ao sujeito, no âmbito
da Filosofia, ela centraliza os aspectos subjetivos para um único indivíduo como algo
universal. Buscando organizar a questão de uma forma sistemática e empírica, a
Psicologia busca elucidar os aspectos subjetivos baseando-se no contexto social no
qual eles são engendrados coletivamente.
Segundo González Rey (2005) a subjetividade pode ser conceituada como o
sistema de produção e organização de sentidos subjetivos que o indivíduo utiliza
para o registro, de múltiplas formas, ao longo do desenvolvimento sócio-cultural. Por
ser um sistema dinâmico, o indivíduo organiza um sistema de configuração que
caracterizará sua personalidade, baseando-se na tensão entre os sentidos que
apareceram no percurso de suas ações (GONZÁLEZ REY, 2005).
As representações de sentido podem ser modificadas ao longo da vida, uma
vez que novos sentidos irão aparecer, provenientes da sua história, bem como dos
contextos atuais da vida do sujeito. Esses novos sentidos podem contradizer as
representações já existentes. Os registros simbólicos das vivências do sujeito são
associados às emoções e é a partir dessa associação que é possível organizar um
sistema psíquico ao qual chamamos sentido subjetivo (GONZÁLEZ REY, 2005). A

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emoção como estrutura da consciência pode atuar como forma de apreender o
mundo, de forma relacional, como a consciência de alguma coisa, e de forma
geral do próprio mundo.
Segundo May (2000, p 62) a concepção de “subjetividade” faz parte do
processo de construção das ciências humanas e, mais especificamente, da
ciência psicologia. A dimensão subjetiva, à luz da psicologia, entende a pessoa
como um sujeito singular, único, que constrói ao longo de sua vida uma história
com memórias boas e ruins, qualidades e defeitos, tristezas e fracassos, bem
como sonhos realizados de uma forma única:
O ser humano, ser de desejo e de pulsão, como define a
psicanálise, é dotado de uma vida interior, fruto de sua história
pessoal e social [...] e a consideração da subjetividade em
nossas reflexões e aprendizados, ao oferecer possibilidades de
tornar inteligível a experiência humana e entender as sutilezas
e riquezas das ações, reações, interações e relações das
pessoas. (DAVEL; VERGARA, 2008, p. 50)

Porém essa subjetividade é construída ao longo da vida do indivíduo, que


pertence a um grupo familiar, que, por sua vez, desenvolve suas atividades em
uma cidade e se relaciona com outros grupos diferentes. Todo esse contexto
não pode ser desconsiderado ao se analisar a subjetividade de um sujeito.
Segundo Crochík:
O entendimento de que a subjetividade não é somente
fruto das circunstâncias sociais atuais, embora estas sejam
fundamentais, mas também de um projeto histórico implícito no
desenvolvimento de nossa civilização, leva a que os problemas
relacionados ao seu estudo devam ter uma dupla perspectiva:
a da noção histórica de indivíduo, presente na literatura e na
filosofia, e o da possibilidade da realização desse projeto nos
dias de hoje. (CROCHIK, 1998, p.69)

A subjetividade pode ser definida como algo particular, interno, que se


opõe ao mundo externo, mas ao mesmo tempo em que só pode surgir deste.
Levando-se em consideração toda a particularidade do sujeito, temos que

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lembrar que somos diferentes e únicos, o que torna o estudo da subjetividade
difícil sem falar em complexidade.

Cultura e subjetividade social


Nascemos já inseridos em uma cultura e ao longo do tempo vamos
“apreendendo” todas as regras e normas para a convivência em sociedade.
São nossos pais os primeiros responsáveis pela “transmissão” dos valores
conhecidos por eles e vivenciados na prática. Os comportamentos e condutas
passam pelo crivo da ética e moral e assim prevalecem por gerações.
Muitas mudanças aconteceram no cenário político e social desde o final
do século XX e, com o avanço científico e tecnológico, algumas transformações
significativas no cotidiano aconteceram, como, por exemplo, a diminuição de
tempo para a realização de algumas atividades do dia a dia, e a substituição do
homem por máquinas cada vez mais eficazes.
A sociedade, influenciada por mudanças profundas de cada tempo,
procura uma definição de espaço e um perfil de singularidade. No século XIX, a
busca por uma racionalidade foi marca de um tempo de tentativa de
explicações sobre a rede dos atos humanos. Hoje em dia essa racionalidade
está em crise: a razão, que era fundamental para os estudiosos passa a ser
questionada.
No século XX as ciências, tanto sociais quanto físicas e naturais,
começaram uma tentativa de investigar a subjetividade, bem como relacioná-la
como objeto de ciência e eixo articulador, sendo entendida como a questão do
sujeito vista de perspectivas sociais, culturais e, sobretudo, coletiva. O
indivíduo passa a ser visto como um sujeito social e não mais como um
indivíduo com determinadas características pessoais. O sujeito é fruto de uma
cultura e, principalmente, de um momento histórico – social. A subjetividade,
então, vai ao encontro a uma noção de sujeito oriundo, hoje, de uma sociedade
abrangente, competitiva e, como diz Morin, (1996), complexa. A subjetividade
diz respeito às inter-relações sociais que o indivíduo mantém com os outros
sujeitos.
Segundo Bonin, o indivíduo histórico-social, que é também um ser
biológico, vai se constituir por uma rede de inter-relações extensa e em
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movimento, desenvolvendo-se como eu ou pessoa através dessas relações. O
sujeito se manifesta nos diferentes espaços sociais, em casa, na escola e em
tantos outros espaços sociais. A partir do momento em que se pode conceber
que essas inter-relações existem, a escola pode ser vista como um espaço
para o cultivo das relações interpessoais. Hoje em dia, com o advento da
internet, a rede mundial de computadores também é considerada fonte de
pesquisa e espaço social.

Fonte: http://www.analogartistdigitalworld.com/

Retomando o que dito no início desse tópico, a família é um importante


conjunto para que o indivíduo possa praticar e desenvolver suas relações
interpessoais, mas a escola também pode auxiliar as experiências particulares
de grupos e indivíduos, aceitando a coexistência e a postura de códigos e de
mundos. É preciso entender o conceito de subjetividade para garantir ao
sujeito uma construção própria, com as marcas de um tempo complexo pela
sua própria estrutura social (GRINSPUN, 2001).
Todas as mudanças na estrutura familiar estão sendo assimiladas e as
consequências poderemos prever para alguns anos. A figura acima é cenário
dos dias de hoje. Se antigamente a família se reunia em volta da mesa na hora
do almoço ou do jantar para “conversarem” sobre como tinha sido o dia, hoje,
muitas vezes estão juntos e ao mesmo tempo cada um na sua. Ao mesmo
tempo que a internet aproxima ela separa as pessoas do que está acontecendo
no aqui e agora. Podem estar no mesmo lugar físico, mas em locais virtuais
diferentes.
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É preciso pensar que todos os recursos tecnológicos, atualmente
disponíveis na sociedade, também tem sua responsabilidade e precisam ter
regras bem definidas de uso, o que não isenta a responsabilidade da família,
que precisa pensar, refletir e escolher, dentre o que existe, o melhor, mas
também não isenta o próprio indivíduo que fizer uso ser capaz de, estando
aberto às inovações tecnológicas, poder ter um pensamento crítico para avaliar
o que lhe seria útil e construtivo.
A instituição família está se tornando obsoleta e ganhando o formato de
novos arranjos familiares. O que resiste é pouco. Os pais vivem em busca do
sustento e a educação dos filhos é terceirizada para uma baby sitter. Educados
pela TV, os filhos são treinados para o consumo sem critérios ou reflexão. No
século passado, o público foi separado do privado, ganhando domínios
diferentes. A tecnologia torna essa separação permeável, privatizando
assuntos públicos e tornando públicos os assuntos particulares através das
redes sociais.
A família, enquanto instituição enfrenta uma crise pelo esgotamento de
sua função social. Terceirizaram-se várias atividades e relações que antes
eram próprias do ambiente familiar, ficando, hoje, a cassa, somente um lugar
que as pessoas se encontram após o final de um dia de trabalho, dedicando-se
ao culto do trabalho e do consumo. no entanto, a sua influência no
desenvolvimento das crianças e adolescentes ainda é muito importante.

A noção do sujeito e a construção da subjetividade

Fonte: http://acaocomunicativa.pro.br/
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Os novos paradigmas da ciência, inclusive da Psicologia, possibilitam
novas respostas a perguntas bem antigas. Segundo Morin (2002), a noção do
eu é ao mesmo tempo evidente e misteriosa, uma vez que qualquer um diz
“eu”. Em todas as línguas existe essa primeira pessoa do singular, porém há
uma segunda evidência reflexiva revelada por Descartes:
Não posso duvidar que duvido; logo, eu penso. Se penso,
logo, eu sou, isto é, eu existo na primeira pessoa como sujeito.
Então o mistério: o que é este “eu” e este “sou”, que não é
simplesmente “é”. (MORIN, 2002, P.117)

A noção do sujeito perpassa o ser biológico e defronta-se com o


entendimento da formação desse sujeito em diferentes segmentos da
sociedade. Entender o que faz o sujeito ser diferente do outro e como as
relações se manifestam na sociedade, bem como entender a distinção entre
fatores internos e externos do sujeito hoje em dia fazem parte do entendimento
de sua subjetividade. Pensar na maneira que a subjetividade se constrói,
garantindo a singularidade do sujeito, é ainda um assunto importante a ser
discutido por pesquisadores, educadores.

A construção da subjetividade

Fonte: http://brasilinformepopular.blogspot.com.br/

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O sujeito é fruto de uma cultura, portanto, o meio em que vive contribui
para a formação da subjetividade, essa que não se caracteriza apenas pela
afetividade como um traço único na constituição do sujeito. É importante
entender que o eu está contido no nós e que ambos trazem a noção de
subjetividade. A Psicologia nos possibilita entender e analisar o eu e o nós,
mas deve, também, fornecer meios para compreender a rede de relações em
que a subjetividade se forma. É importante entender o processo de tecer junto
de e a maneira que o sujeito transita e age, bem como identificar a noção do
sujeito dentro-de-si.
A ação educativa deve comprometer-se com a construção da
subjetividade e, para que essa ação atinja a finalidade a que se propõe, deve
estar fundamentada em determinados princípios, onde por certo a Psicologia
terá, além de um lugar de destaque, um papel preponderante no processo da
construção pretendida. Segundo Grinspun (2001, p. 10), esses princípios são:
1. princípio da noção de sujeito-sujeito esse que se
forma com as suas possibilidades, mas com as possibilidades
oferecidas no processo de interação dialética com o mundo;
2. princípio da qualificação- o sujeito precisa adjetivar
suas características pessoais e sociais em termos do
conhecimento, da afetividade e da própria corporeidade que ele
possui;
3. princípio da vivência- o sujeito precisa, além de
qualificar suas ações, ter um espaço para vivenciar e
experimentar a sua ação e participação no meio em que vive.
Não basta conhecer a relação sujeito-objeto, mas ter a
possibilidade de vivenciar esta relação de formas
diferenciadas.

A importância de entender a construção da subjetividade se configura no


entendimento das representações que o sujeito tem dos objetos e das
situações as quais vivência e com as quais se relaciona. O sujeito
contemporâneo utiliza-se de suas características, seus pensamentos e
conhecimento, bem como da criatividade para que seu desenvolvimento seja
pleno num mundo de incertezas e mudanças constantes. Para Morin ( 1996), a
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subjetividade vai sendo construída a partir da complexidade existente na
sociedade, até chegar a uma complexidade cerebral. Ela comporta níveis
diferenciados que se integram no todo, sendo que a subjetividade vai sendo
construída também através de valores, da linguagem e do que podemos
entender por liberdade. Afirma Morin (1996, p 53):
Muitas vezes se acreditou encontrar o fundamento do
conceito de sujeito nesses níveis humanos, que só podem
aparecer porque há um nível prévio, biológico, do conceito de
sujeito. E cometemos o erro de reduzir a subjetividade, seja à
afetividade, à contigência, seja à consciência.

Ainda sobre subjetividade, Gatti (1998, p 110) afirma que:


As subjetividades organizam-se nas redes das
representações e referentes, com a construção de perspectivas
que criam suposições, pressupostos, projetos, portanto
desejos, motivações, expectativas. O Olhar é, pois, sobre a
transformação e a transmutação que se processa nas pessoas,
crianças, jovens, adultos, idosos, pelas interações de caráter
educativo, como também pelos auto-educativos.

Winnicott (1994, p.3) afirma que o sujeito se constrói na interação entre


objetividade e subjetividade, e ainda “que a realidade interna e a realidade
externa se compõem na experiência de viver”. Por isso não se pode
desconsiderar os fatores sociais no entendimento do real, das interpretações
que o sujeito realiza na tentativa de melhores condições para construir sua
subjetividade.

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REFERÊNCIAS

CROCHIK, José Leon. Os desafios atuais do estudo da subjetividade na


Psicologia. Psicol. USP, 1998, vol. 9, n. 2, p 69 – 85. ISSN 0103 – 6564.

DAVEL, Eduardo; VERGARA, Sylvia (org.). Gestão com pessoas e


subjetividade. São Paulo: Atlas, 2008.

MORIN, Edgar. Meus Demônios. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1997.

____. Complexidade e Transdisciplinaridade: a reforma da universidade e


do ensino fundamental. Natal, EDUFRN, 1999.

GONZÁLEZ REY, Fernando (org.). O valor heurístico da subjetividade na


investigação psicológica. In: GONZÁLEZ REY, Fernando. Subjetividade,
complexidade e pesquisa em Psicologia. S

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