Você está na página 1de 5

Eletiva temática: A clínica psicanalítica nas situações sociais críticas

Prof. Jorge Broide

10/08

“Trazer a vida no seu máximo limite”

Bibliografia: A guerra não tem rosto de mulher- ler introdução do livro (entrevistou mulheres
que lutavam contra os nazistas. Vai atrás dessas mulheres (18, 19, 20 anos) e descobre que
ninguém havia escutado o que elas viveram de fato na guerra. Muitas delas eram snipers,
contando como foi sua experiência na guerra: beleza e sofrimento. Interessante tentar se ver,
se pensar, nessa situação: são mulheres da nossa idade. Poderia ser a história das nossas
mulheres. O ser humano é maior que a guerra); É isto um homem? (menino químico na Italía,
judeu, resolve participar da resistência e é preso logo no começo e é mandado para Áustria.
Ele consegue relatar toda experiência que vivenciou.); Novos caminhos da terapia psicanalítica
(texto escrito por Freud logo que acaba a 1ªGm. Freud questiona qual o lugar da Psicanálise
nisso. A partir disso historiaremos o papel da psicanálise em situações sociais críticas.); ver café
filosófica com o Broide;

Que escuta clínica fazemos nessas situações? Como trabalhamos na transferência, no


território, por que fazemos com a metodologia da ancoragem? Como propomos um
diagnóstico? Como escutamos o ronco, a pulsação, a vida da cidade?

Ver: grupo/coletivo ponte jornalistas

17/08/18

Por que lemos esses dois livros? Estamos falando de situações sociais críticas. Como
fica o sujeito humano nestas situações? Há uma questão do apagamento do sujeito e da
invisibilidade e da luta do sujeito em restaurar sua dignidade, em restaurar sua condição de
sujeito, ou seja, uma luta contra o apagamento. A miséria material faz com que o sujeito
também desapareça, pois ela também traz a miséria psíquica. Quando pensamos a base
econômica, pensamos em uma base que possibilite o sujeito SER e não desapareCER. Aonde
está o sujeito de direito e de desejo nestas situações? Este é o nosso objetivo: trazer esse
sujeito despersonalizado, apagado, silenciado, mesmo que seja só uma vez, a se sentir
novamente um sujeito. Esta experiência de sujeito é muito importante. O fato de ter a
experiência de ser sujeito ao menos uma vez na vida, faz da morte algo menor. Nós temos um
dever, um compromisso, de escutar os sonhos destes que são todos os dias tirados da
condição de sujeito.

Para a prox aula ler: caminhos da terapia psicanalítica 1919


24/08

Isso que estamos falando hoje aqui têm uma história, só que negada. O texto que
lemos hoje se dá em um contexto de fim da 1ª GM. Viena nesta época era a capital do império
Austro-húngaro, aonde todas aquelas pessoas viviam na borda, mudavam- se para Viena. A
própria família do Freud fez este movimento, assim como a família de muitos outros
importantes autores. Grandes intelectuais, músicos, pintores, escritores que provinham da
borda do Império, alocaram- se em Viena. Há outra história que cruza esta: movimento de
emancipação política dos judeus, que agora poderiam ter terras, educação, o que implica na
participação dos mesmos na vida política. Tínhamos ao mesmo tempo a ascensão do nazismo
na Alemanha, assim como essa ascensão intelectual de Viena (Freud, Trostky, etc). Quando
Freud escreveu esse texto, temos quase como uma chamada aos analistas, para que trabalhem
nas clínicas populares, nas escolas, nos lugares de maior vulnerabilidade social. Dentre esses
psicanalistas, tinham psicanalistas socialistas, social- democratas, que foram trabalhar no
social a partir dessa convocatória que Freud faz.

14/09/18

Discussão em grupo:

- descrição do vídeo: transferência, território (A PSICANÁLISE IR PARA A RUA), como a


psicanálise escuta e como busca atuar. Com relação a resultados, muito poucos conseguem
sair da situação de rua, recuperando esse sujeito que se perde, que é posto num processo de
invisibilização

- como se "desveste" para entrar nesta situação? Ou se "veste"

- como estabelecer a confiança não negando a nossa origem e ao mesmo tempo não
colocando o outro numa posição de inferioridade

- qual é o limite da psicanálise neste território?

Certamente a Psicanálise não dá conta de tudo nas situações sociais crítica. Até mesmo
Freud fala (“A 25ª das novas lições introdutórias em psicanálise”) que a Psicanálise não é um
visão de mundo; a filosofia o é. Quando psicanalistas fazem a leitura de mundo a partir da
psicanálise, isso já é uma distorção de mundo muito conservadora, porque vai psicologizando
as relações sociais e as relações de produção. Não dá para entender o sujeito sem entender
economia, geografia, história, filosofia. É um compromisso com uma leitura materialista
histórico-dialético e a psicanálise, alternando os focos. Se eu não entender o que está posto no
relatório, eu não consigo entender o que está no leite da mãe – visão integrada , por exemplo.
A psicanálise em si não se basta, é preciso um trabalho interdisciplinar. Essa possibilidade de
juntar os saberes é fundamental; o nosso é um saber, que tem um papel como os outros. Indo
para o território eu contribuo com um saber e quanto mais saberes mais forte. Todos esses
trabalhos são dispositivos¹ (Foucault), precisando juntar o máximo possível de saberes. No
nosso campo é fundamental a literatura, a cultura, jornais – tudo que for de informação e
formação. Na rua não se tem controle das variáveis; para se ter algum preciso observar muito
bem como e por onde estou entrando. Outro jeito de entrar é fazer um estudo do território:
chama- se as lideranças do território, antes de ir mapeia- se tudo. O pulo do gato é como
escutar a cidade, como se utiliza uma metodologia psicanalítica de pesquisa e como a partir daí
se propõe políticas públicas.

É preciso fazer o enquadre quando chegamos num lugar: dizer donde venho, por quem
estou falando, conhecer a equipe. É preciso um enquadre suficientemente rígido para que,
dentro dele. Estamos entrando na casa de alguém, na intimidade de alguém, precisamos de
prudência e de respeito para adentrar nestes territórios. A clínica não muda em nenhuma
dessas situações: a escuta, o cuidado, a postura; a clínica é a mesma, tão rigorosa quanto.

As instituições estão montadas para não escutar o sujeito, porque escuta- lo é muito
difícil e ninguém sabe o que fazer. O fluxo de trabalho se organiza neste sentido, para afastar o
contato e a escuta com o sujeito. Quando vamos trabalhar com um sujeito, temos também
que estudar a instituição. Temos que atuar na instituição, nos fluxos, e não apenas nos
sujeitos. Queremos estabelecer outras relações: com o território, com as instituições, com os
sujeitos.

¹ dispositivo em “Foucault conceitos essenciais” de Judith Ravel:

O termo "dispositivos" aparece em Foucault nos anos 70 e designa inicialmente os


operadores materiais do poder, isto é, as técnicas, as estratégias e as formas de
assujeitamento utilizadas pelo poder. A partir do momento em que a análise foucaultiana se
concentra na questão do poder, o filósofo insiste sobre a importância de se ocupar não "do
edifício jurídico da soberania, dos aparelhos do Estado, das ideologias que o acompanham",
mas dos mecanismo de dominação: é essa escolha metodológica que engendra a utilização da
noção de "dispositivos". Eles são, por definição, de natureza heterogênea: trata-se tanto de
discursos quanto de práticas, de instituição quanto de táticas moventes: é assim que Foucault
chega a falar, segundo o caso, de "dispositivos de poder", de "dispositivos de saber", de
"dispositivos disciplinares", de "dispositivos de sexualidade" etc.

O aparecimento do termo "dispositivo" no vocabulário conceitual de Foucault está


provavelmente ligado à sua utilização por Deleuze e Guattari no Anti-Édipo (1972): é, pelo
menos, o que deixa entender o prefácio que Foucault escreveu em 1977 para a edição
americano do livro, visto que ele aí observa "as noções em aparência abstratas de
multiplicidades, de fluxos, de dispositivos e de ramificações". Posteriormente, o termo
receberá uma acepção cada vez mais ampla (mesmo que, no começo, Foucault somente utilize
a expressão "dispositivo de poder") e cada vez mais precisa, até ser objeto de uma reflexão
completa após A vontade de saber (1976), em que a expressão "dispositivo de sexualidade é
central: um dispositivo é "um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos,
instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas
administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma:
o dito e o não-dito [...]. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos".
O problema é, então, para Foucault, o de interrogar tanto a natureza dos diferentes
dispositivos que ele encontra quanto sua função estratégica.

Na verdade, a noção de dispositivo substitui pouco a pouco aquele de episteme,


empregada por Foucault, de um modo absolutamente particular, em As palavras e as coisas e
até o final dos anos 60. Com efeito, a episteme é um dispositivo especificamente discursivo,
enquanto o "dispositivo", no sentido que Foucault explorará dez anos mais tarde, contém
igualmente instituições e práticas, isto é, "todo o social não-discursivo".

Para Deleuze o dispositivo é tudo aquilo que faz ver e faz falar. Agamben diz que o
sujeito só é sujeito no dispositivo (só somos alunos por conta da universidade). Segundo ele,
existem os dispositivos sagrados: manter a coisa como está e o dispositivo profano: aquele que
subverte o sentido dado. O homem contemporâneo é aquele que tem coragem de olhar para o
escuro de seu tempo. Outra questão importante é Badiou quem traz: a função da filosofia não
é ficar falando de tudo e qualquer coisa em qualquer lugar, tal como a do psicanalista. Sua
função é fazer ligação entre lógicas que não dialogam entre si. Quando vamos montar um
dispositivo, vamos montar dispositivos dentro de lógicas que não dialogam entre si. Para isso,
é importante que se constitua um espaço vazio, o espaço aonde o sujeito vai falar. O vazio é a
essência do lugar, aonde dialogarão essas lógicas que não dialogam entre si. Mas e quando se
constitui esse espaço vazio, o que resta ao homem? A coragem de pular nesse vazio. Nós
teremos que segurar esse vazio, sem tapá-lo. É assim que começa a escuta a partir das
ancoragens. O conceito de ancoragem significa: o que amarra esse sujeito à vida? Iremos
escutar isso na transferência, na pulsão, na repetição. Quando se descobre as ancoragens,
muda-se complemente: não é mais a família meu “norteador”, mas as ancoragens que me
guiarão no território.

Quando vamos para o território, fazemos uma escuta territorial: como a vida pulsa?
Como as pessoas se relacionam?

Para a aula do dia pesquisa participativa com população de rua de SP (CASS)

05/10/18

Discussão sobre o Projeto “Pode Pá Uma Nova Abordagem na Aplicação de


Medidas Socioeducativas em Meio Aberto”, realizado pela empresa SUR Soluções Sociais, do
Prof. Jorge Broide e sua mulher Emília Estivalet Broide.

Estamos num contexto perigoso, com o discurso de Jair Bolsonaro já posto e


empoderando o trabalho policial. Há um estado de pânico social sendo gerado, nas questões
do costume, política.

A proposta de trabalho para a equipe era de alterar todo o fluxo de trabalho das
medidas socioeducativas, totalmente burocratizado. Os técnicos vão se submetendo ao juiz e o
juiz não tem a menor ideia do que é esse “mundo”. Começou-se pela capacitação (2x por
semanas) da equipe (montou-se uma equipe própria pra esse trabalho), antes de eles
começarem a fazer qualquer coisa: entender a ancoragem, entender a mudança do fluxo, o
que é constituir um laço com o adolescente, entender o que é escuta, grupo, território, rede.
Se escolherem 24 adolescentes (de mais de 100) para implementar um projeto piloto, que
uma parte da equipe trabalhasse intensamente com eles, continuando uma parte da equipe e
dos adolescentes continuando com o trabalho já feito, incorporando gradualmente o restante
no novo fluxo (metodologia – vê-se qual a situação e a partir daí decide-se o que vai fazer). É
necessário pensar em articular o trabalho em REDE QUENTE (íntima, de amizade, de ajuda
mutua)
O conceito de ancoragem foi sendo desenvolvido pelo prof e sua mulher através do
trabalho em situações sociais críticas, foi-se percebendo muitas vezes o “por que ainda essa
pessoa está viva?” Fomos percebendo o que o liga a vida. A clínica feita fora do consultório, ao
invés de escutar papai e mamãe, escuta os fios que ligam as pessoas a vida. Isso vem na
transferência, na escuta: o que é importante para você? Nessa pergunta, uma parte é cs e
outra ics – escuta da transferência. A partir de um cachorro, por exemplo, conta-se toda uma
história: o porque o cachorro ser tão importante para ele, como aquele único que o acolhe. A
escuta muda de direção: começo a escutar quem é esse sujeito e o que é aquilo que o sustenta
para estar ali. Como iremos abrir espaço para que o sujeito possa vir? A ancoragem é a bússola
do território, aquilo que vai dar o mapa por onde vou entrar no território, importantíssimo
para saber o que fazer no território.

É preciso, para os profissionais inseridos nestas situações, é preciso ter coragem de


criar e criar co-responsabilidade e co-autonomia também. Cria- se a partir da escuta do outro,
não a partir “da sua cabeça”.

Você também pode gostar