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A verdade e as formas

Jurídicas
Prof. José Pascoal Mantovani
Michel Foucault 15 de Outubro de 1926 – 25
de junho de 1984
• O francês Michel Foucault é tido como um dos grandes filósofos do
século XX. Sua trajetória é marcada pelos elementos mais variados,
de um lado, a densidade e profundidade típica de sua produção
filosófica, que não poucas vezes passou como produção hermética, e,
por outro lado, sua militância política e social a qual revelou a síntese
de sua produção teórica. Foucault é, portanto, um pensador que
conseguiu articular teoria e prática efetivamente. Esse minicurso tem
como objetivo
Biografia
Licenciatura em filosofia (1948) e psicologia (1949).
Período voltado a fenomenologia e a história (Hegel).
1950 – entra no partido Comunista da França
Tese de Doutorado “História da Loucura” (1961)
Doença mental e psicologia (1962)
1963 – O nascimento das Clínicas
1965 – Viagem para o Brasil –
1966 – As palavras e as coisas
1966 – Parte para Túnis como professor de filosofia
1968 – Retorna a França para dirigir o Departamento de filosofia da Universidade de Vincennes.
1969 – Arqueologia do Saber; A função do autor
É convidado a dar conferência na Inglaterra, mas nega.
Biografia
De 1970 a 1976 os cursos no College de France vão contribuir para o que se
conhece como sociedade disciplinar.
1970 – Nomeado professor do Collège de France – Substitui Jean Hypolite
1971 – Ordem do discurso e Criação dos GIP’s – Grupo de informações sobre as
Prisões. Ano marcado por mortes devido racismo, preconceito.
1971 - Dia 11 de novembro Foucault aluga, por sua conta, uma sala para
proporcionar um meeting sobre as prisões. Milhares de pessoas se acotovelam para
ver um filme rodado nas prisões de Sociedad e de San Quentin. As famílias dos
prisioneiros civis e de antigos prisioneiros falam pela primeira vez em público.
27 de novembro primeiro encontro formal entre Foucault e Sartre – um encontro
para discutir sobre um racismo politicamente organizado.
Convidado pela tv holandesa para um debate com Noam Chomsky sobre a natureza
humana.
Biografia
• 1972 - Pessoas ligadas ao GIPs fazem rapto (sequestro) de um funcionário da direção da
Renault, o clima de sequestro e repreensão cresce na França.
• O tema do poder passa a ser o centro da discussão (Foucault, Deleuze, outros).
• Um ano em que a moralidade assume papel importante no discurso político, de modo que
Foucault e Deleuze critica veementemente essa questão.
• Fim da GIP

• 1973 - Lançamento de uma obra sobre as GIPs que trata do suicídio de detentos.
• Obra Las meninas de Picasso
• Vinda a PUC Rio – a verdade e as formas jurídicas
• É chamado a depor devido ao conteúdo de uma das revistas dos GIPs que trata sobre a
legalização do aborto.
• Publicação “isso não é um cachimbo
Biografia
1974 – Ciclo de conferências no Rio de Janeiro.
Revista Recherches é processada por declarações homofóbicas, Foucault e Deleuze são chamados
para depor “quando é que a homossexualidade receberá os mesmos direitos de expressão e de
exercício que a sexualidade dita normal?”
1975 – Visita a USP
Vigiar e Punir (visita e saída compulsória em terras brasileira). Crítica ao texto Vigiar e Punir:
Publicação de vigiar e punir. O texto recebe crítica:
conhecíamos seu engajamento, sua ação no GIP. Esperávamos, de certa forma, um livro militante. Eu
diria que nos decepcionamos (...) a militância desse livro não esta, de modo algum ali onde
pensávamos encontrá-la. 0 desvio histórico encontra aqui, sem dúvida, sua função critica." Segue-se
um certo silêncio dos historiadores. A esquerda, presa ao lugar central dado ao Estado pela análise
marxista, se põe discreta quanto a noção de micropoderes: ela lhe reprova uma visão niilista, na qual
não ha lugar nem para a Resistencia, nem para a liberdade. Ela denuncia o inevitável do controle
social, a inanidade das ideias de reinserção e da contribuição das ciências humanas, uma crítica ainda
mais radical do que a da ação reformadora das Luzes, na história da loucura.
A obra alcançou rapidamente uma circulação internacional.
Biografia
1976 – A vontade de Saber
Dedica parte de sua produção teórica sobre o tema da política
Vinda a faculdade de filosofia da bahia

1978 Recebe uma crítica sobre “o silêncio dos intelectuais” – ano em que ele trabalha no segundo volume da história da
sexualidade
É atropelado por um carro
A crise do Irã levanta o interesse de Foucault, que se dispõe a pesquisar sobre o Irã e uma série sobre este país. Inicia uma
trajetória de jornalista.

1979
Tema da confissão
Publicação – nascimento da biopolítica que traz o tema da governamentalidade liberal
Se propõe a pesquisa sobre o suicídio coletivo do pastor Jones na Guiana, seita que havia cogitado se instalar na URSS
Biografia
• 1980 - Morte de Roland Barthes – acidente de carro
• 1981 – Texto - Subjetividade e verdade, 30 de setembro final da pena de morte na França.
• Convida Fernando Henrique Cardoso para o Collège de France
• 1982 – Hermenêutica do Sujeito
• participa com John Searle, Umberto Eco, Sebeok... do Third International Sui'nlner Institute fior Semiotic and
Structural Studies da Universidade de Toronto (31 maio-26 junho). Onde redige um seminário sobre "Dire vral
sur sol-meme". Examina as regras da confissão na perspectiva de uma transformação espiritual.

• 1983 – O governo de si e dos outros


• Encontro de Foucault e Habermas
• 1984 – O uso dos prazeres e O cuidado de si (História da Sexualidade)

• Morte em 25 de junho de 1984


Sobre os tópicos/fases/períodos
foucaultianos
Para Foucault, o homem nasce, primeiramente, para a arqueologia,
tornando-se sujeito de um saber. Em seguida, não de forma linear,
nasce o homem para o poder, por meio da genealogia. Por fim, o
homem nasce para a ética, por meio da relação consigo mesmo.
(CASTRO, 2016, p. 309).
• Arké
• Gênesis
• Éthos
Referências de Foucault
• A trajetória acadêmica de Michel Foucault é marcada por teóricos
significativos, por exemplo: Nietzsche, Freud, Marx, George
Canguilherm, Jean Hyppolite; Ludwing Biswanger, Raymond Roussel,
Georg Hegel, Edmund Husserl, Jacques Lacan, Martin Heidegger,
Maurice Merleau-Ponty, Louis Althusser, além de Giles Deleuze,
Jean-Paul Sartre.
Alguns conceitos bases:
Arqueologia
• O livro As palavras e as coisas têm como intuito “uma arqueologia das
ciências humanas”. Pode destacar que o texto Arqueologia do Saber
trata dos métodos que foram abordados no texto As palavras e as
coisas.
• A arqueologia não se ocupa dos conhecimentos descritos segundo
seu progresso em direção a uma objetividade, que encontraria sua
expressão no presente da ciência, mas da episteme, em que os
conhecimentos são abordados sem se referir ao seu valor racional ou
à sua objetividade. A arqueologia é uma história das condições
históricas de possibilidade do saber. Essas dependeriam da
“experiência desnuda da ordem e de seus modos de ser” (MC).
Arquivo
Em Foucault o termo arquivo não faz referência, como na linguagem
corrente, nem ao conjunto de documentos que uma cultura guarda
como memória e testemunho de seu passado, nem à instituição
encarregada de conservá-lo. “arquivo é, antes de tudo, a lei do que
pode ser dito, o sistema que rege o surgimento dos enunciados como
acontecimentos singulares. (AS). O arquivo é, em outras palavras, o
sistema das condições históricas de possibilidade dos enunciados.
Disciplina
Em Foucault, encontramos principalmente dois usos do termo “disciplina”. Um na
ordem do saber (forma discursiva de controle da produção de novos discursos) e
outro na do poder (o conjunto de técnicas em virtude das quais os sistemas de
poder têm por objetivo e resultado a singularização dos indivíduos). Mas é
necessário enfatizar que não são dois conceitos sem relação. Ainda que a questão
da disciplina – desde o ponto de vista do poder isto é, dessa forma de exercício do
poder que tem por objeto os corpos e por objetivo sua normalização – tenha sido a
que principalmente ocupou os especialistas e interessou aos leitores, não se pode
deixar de lado o uso discursivo do conceito de disciplina. Esse uso resulta
particularmente interessante para iluminar o modo como Foucault concebe as
relações entre saber e o poder. A disciplina como técnica política não foi inventada
no século XVIII mas sim elaborada a partir do momento em que o exercício
monárquico do poder se tornou demasiado custoso e pouco eficaz. A história da
disciplina se estende ao início do cristianismo e à Antiguidade; os monastérios são
um exemplo disso.
Poder disciplinar
• O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se
apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”; ou sem
dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele
não amarra as forças para reduzi-las; procura liga-las para
multiplica-las e utilizá-las num todo. [...] A disciplina fabrica
indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os
indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de
seu exercício. (1999, p. 164).
Ponto de transição/permanência
• O Texto Ordem dos discursos inaugurou um novo topos temático e
problematizar de Foucault, é um texto de amalgamas e expansão de
horizontes temáticos.
• Nota-se
Citação da História da Loucura: “nossa sociedade não quer
reconhecer-se no doente que ela persegue ou que encerra; no
instante mesmo em que ela diagnostica a doença, exclui o doente”
(FOUCAULT, 1975, p. 51).
Agora a Ordem dos discursos
• Problema suscitado em ordem do discurso por Foucault:
O desejo diz: ‘eu não queria ter de entrar nesta ordem arriscada do
discurso; não queria ter de me haver com o que tem de categórico e
decisivo; gostaria que fosse ao meu redor como uma transparência calma,
profunda, indefinidamente aberta, em que os outros respondessem à
minha expectativa, e de onde as verdades se elevassem, uma a uma; eu
não teria senão de me deixar levar, nela e por ela, como um destroço feliz’.
E a instituição responde: ‘você não tem que temer começar, estamos todos
aí para lhe mostrar que o discurso está na ordem das leis; que há muito
tempo se cuida de sua aparição; que lhe foi preparado um lugar que o
honra, mas o desarma; e que, se lhe ocorre ter algum poder, é de nós, só
de nó, que ele se advém’ (1996, p. 7).
Hipótese Foucaultiana na Ordem do discurso:
• suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo
tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo
número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes
e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada
e temível materialidade”. (1996, p. 8-9)
o poder e o discurso (a ordem do discurso)
• Os procedimentos de exclusão ou interdição, são tipificados em ao
menos três categorias: o Tabu do objeto, o ritual da circunstância, e o
direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala. Na perspectiva
foucaultiana o discurso não recebe a interdição porque ele é a
efetivação da interdição, em outras palavras “o discurso não é
simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de
dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual nós
queremos apoderar”. (FOUCAULT, 1996, p. 10).
O panóptico
• O exercício da disciplina supõe um
dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar:
um aparelho onde as técnicas que
permitem ver induzam a efeitos de poder, e
onde, em troca, os meios de coerção
tornem claramente visíveis aqueles sobre
quem se aplicam. [...] Esses observatórios
têm um modelo quase ideal: o
acampamento militar. É a cidade apressada
e artificial, que se constrói e remodela
quase à vontade; é o ápice de um poder
que deve ter ainda mais intensidade, mas
também descrição, por se exercer sobre
homens de armas. (1999, p. 165). [Vigiar e
punir]
Verdade
A vontade de verdade é institucionalizada estabelecendo os devidos
parâmetros para os discursos. Lembrando que Foucault compreende por
verdade “o conjunto dos procedimentos que permitem pronunciar, a cada
instante e a cada um, enunciados que serão considerados como verdadeiros.
Não há absolutamente, uma instância suprema” (CASTRO, 2016, p. 421). Por
este caminho, vale a compreensão de duas possibilidades de verdade:
Foucault distingue entre duas histórias da verdade: por um lado, uma
história interna da verdade, de uma verdade que se corrige a partir dos seus
próprios princípios de regulação; por outro, uma história externa da verdade.
A primeira é a que se leva a cabo na história das ciências; a segunda, a que
parte das regras de jogo que, em uma sociedade, fazem nascer determinadas
formas de subjetividade, determinados domínios de objetos, determinados
tipos de saber. (CASTRO, 2016, p, 421).
SOBRE O LIVRO
O livro é organizado em 5 conferências e uma mesa
redonda
• Conferência 1 – Nietzsche
• Conferência 2 – Oidípous Týrannos
• Conferência 3 – Idade Média e Direito
• Conferência 4 – Panoptismo
• Conferência 5 - Sociedade disciplinar

• Mesa redonda: Deleuze, psicanálise e genealogias


Conf. 1
• Inquérito (p. 21)
• Exame p. 22

• “Em Nietzsche, parece-me, encontramos efetivamente m tipo de


discurso em que se faz a análise histórica da própria formação do
sujeito, a análise histórica do nascimento de um certo tipo de saber,
sem nunca admitir a preexistência de um sujeito de conhecimento.
(p. 22)

• O contexto em que Nietzsche estava inserido do neokantismo.


O Objetivo
Conf. 2 Oidípous Týrannos
• Édipo não seria, pois, uma verdade de natureza, mas um instrumento de
limitação e coação que os psicanalistas, a partir de Freud, utilizam para
conter o desejo de fazê-lo entrar em uma estrutura familiar definida por
nossa sociedade em determinado momento. Em outras palavras, Édipo,
segundo Deleuze e Guattari, não é o conteúdo secreto de nosso
inconsciente, mas a forma de coação que a psicanálise tenta importo na
cura a nosso desejo e a nosso inconsciente. Édipo é um instrumento de
poder, é uma certa maneira do poder médico e psicanalítico de exercer
sobre o desejo e o inconsciente. (p. 37-38)

• Édipo é dunamis dinasteia


• Pretendo mostrar como a tragédia de
• Gostaria de mostrar [...] de que Édipo, a que se pode ler em Sófocles [...]
maneira relações políticas se é representativa e, de certa maneira,
estabeleceram e se investiram instauradora de um determinado tipo de
relação entre poder e saber, entre poder
profundamente na nossa político e conhecimento, de que nossa
cultura dando lugar a uma série civilização ainda não se libertou.
de fenômenos que não podem Parece-me, que há realmente um
ser explicados a não ser que os complexo de Édipo na nossa civilização.
relacionamentos não às Mas ele não diz respeito ao nosso
inconsciente e ao nosso desejo, nem às
estruturas econômicas, às relações entre desejo e inconsciente. Se
relações econômicas de existe complexo de Édito, ele se dá ao
produção, mas as relações nível individual, mas coletivo; não a
políticas que investem toda a propósito de desejo e inconsciente, mas
de poder e de saber [...]. (p. 38-39)
trama de nossa existência. (p.
38).
• A tragédia de Édipo é fundamentalmente o primeiro testemunho que
temos das práticas judiciárias gregas [...]. a tragédia Édipo é,
portanto, a história de uma pesquisa da verdade; é um procedimento
de pesquisa da verdade que obedece exatamente às práticas
judiciárias gregas dessa época.

• Ilíada/Homero – a questão das divindades como prova “eis uma


verdade singular de produzir a verdade, de estabelecer a verdade
jurídica: não se passa pela testemunha, mas por uma espécie de jogo,
de prova, de desafio lançado por um adversário ao outro”. (p. 40).
• A tensão entre Creonte (irmão de Jocasta) e Édipo. Em toda a peça aparenta um certo
jogo “Édipo, ao saber que a peste de Tebas era devida à maldição dos deuses em
consequência de conspurcação e assassinato, responde dizendo que se compromete a
exilar a pessoa que tiver cometido este crime, sem saber, naturalmente, que ele mesmo o
cometera.” (p. 41)

• A consulta a Apolo e Tiresias (o cego que vê) – tanto o deus como o profeta falam do
passado a partir do futuro, sem mencionar o presente. Há um jogo enigmático.

• A peça é marcada por uma retórica religiosa e política. “Ela consiste na famosa técnica do
sýmbolon. Um instrumento de poder, de exercício de poder que permite a alguém que
detém um segredo ou um poder quebrar em duas partes um objeto qualquer, de
cerâmica etc., guardar uma das partes e confiar a outra parte a alguém que deve levar a
mensagem ou atestar sua autenticidade. (p. 45).
• A história de Édipo, tal como é representada na tragédia de Sófocles,
obedece a este sýmbolon: não uma forma retórica, mas religiosa, política,
quase mágica de exercício do poder. P. 45 as partes vão se juntando e
unificando a verdade

• Há uma correspondência entre os pastores e os deuses. Eles dizem a


mesma coisa, eles veem a mesma coisa, mas não na mesma linguagem
nem com os mesmos olhos. Em toda a tragédia vemos esta mesma verdade
que se apresenta e se formula de duas maneiras diferentes, com outras
palavras, em outro discurso, com outro olhar. Mas esses olhares se
correspondem um ao outro. Os pastores respondem exatamente aos
deuses e podemos dizer até que os pastores os simbolizam. O que dizem os
pastores é, no fundo, mas de outra forma, o que os deuses já haviam dito.
(p. 46-47)
• Temos ai um dos traços mais fundamentais da tragédia de Édipo: a
comunicação entre os pastores e os deuses, entre a lembrança dos homens
e as profecias divinas. Esta correspondência define a tragédia e estabelece
um mundo simbólico em que a lembrança e o discurso dos homens são
como uma imagem empírica da grande profecia dos deuses. (p. 47).

• [...] gostaria de mostrar que Édipo, dentro desse mecanismo do sýmbolon,


de metades que se comunicam, jogo de respostas entre os pastores e os
deuses, não é aquele que não sabia, mas, ao contrário, é aquele que sabia
demais. Aquele que unia seu saber e seu poder de uma certa maneira
condenável e que a história de Édipo devia expulsar definitivamente da
história. (p. 47)
Em Édipo o seu problema é o poder.
• “[...] é interessado em manter sua própria realiza que Édipo quer
buscar a solução do problema. E quando começa a se sentir
ameaçado pelas respostas que surgem em sua volta, quando o
oráculo o designa e o adivinho diz de maneira mais clara ainda que é
ele o culpado, sem responder em termos de inocência, Édipo diz a
Tiresias: “tu queres meu poder; tu armaste um complô contra mim,
para me privar de meu poder. Ele não se assusta com a ideia de que
poderia ter matado o pai ou o rei. O que o assusta é perder o próprio
poder. (p. 48-49)
O que está em questão é a queda do poder
de Édipo (p. 49).
• E quando, no fim da peça, a verdade vai ser descoberta, quando o escravo
de Corinto diz a Édipo: ‘não te inquietes, não és o filho de Políbio”, Édipo
naõ pensará que não sendo filho de Políbio, poderá ser filho de outro e
talvez de Laio. Ele diz: ‘disse isso para me envergonhar, para fazer o povo
acreditar que eu sou filho de um escravo; mas mesmo que eu seja filho de
um escravo, isto não me impedirá de exercer o poder; eu sou um rei como
os outros. Aubda aqui é do poder que se trta. E como chefe de justiça,
como soberano, que Édipo, nesse momento, convocará a última
testemunha: o escravo Citerão. É como soberano que ele, ameançando-o
de tortura, lhe arrancará a verdade. E quando a verdade é arrancada,
quando se sabe quem era Édipo e o que fez – assassinato do pai, incesto
com a mãe – que diz o povo de Tebas? “Nós te chamávamos nosso rei”.
Isto significando que o povo de Tebas, ao mesmo tempo em que reconhece
em Édipo quem foi seu rei, pelo uso do imperfeito – chamávamos – o
declara agora destituído da realiza. (p. 49)
Édipo caracteriza bem um personagem do
século V: o tirano.
[...] Édipo é aquele que não dá importância às leis e que as substitui por suas
vontades e suas ordens (p. 52).
Este personagem do tirano não é só caracterizado pelo poder como também
por um certo tipo de saber. o tirano grego não era simplesmente o que
tomava o poder. Era aquele que tomava o poder porque detinha ou fazia
fazer o fato de deter um certo saber, superior em eficácia o fazia valer o fato
de deter um certo saber, superior em eficácia ao dos outros. Este é
precisamente o caso de Édipo. Édipo é aquele que conseguiu resolver por
seu pensamento, por seu saber, o famoso caso da esfinge. E assim como
Sólon, pôde dar, efetivamente, a Atenas leis justas, assim como Sólon, pôde
reerguer a cidade porque era sóphos, assim também Édipo pôde resolver o
enigma da esfinge porque era sophós. (p. 52)
• Diante da possibilidade de perder o poder, Édipo confronta os demais
saberes e reafirmar o seu saber que foi libertador. Questiona Tiresias. A
queda do tirano pelo testemunho de um escravo.
• “o saber de Édipo é esta espécie de saber de experiência. É ao mesmo
tempo saber solitário, de conhecimento, do homem que, sozinho, sem se
apoiar no que se diz, sem ouvir ninguém, quer ver com seus próprios olhos.
Saber autocrático do tirano que, por si só, pode e é capaz de governar a
cidade. A metáfora que governa, do que pilota, é frequentemente utilizada
por Édipo para designar o que ele faz. Édipo é o piloto, aquele que na proa
do navio abre os olhos para ver. E é precisamente, porque abre os olhos
sobre o que está acontecendo que encontra o acidente, o inesperado, o
destino, a týche. Porque foi este homem do olhar autocrático, aberto sobre
as coisas, Édipo caiu na armadilha. (p. 53).
Édipo representa um tipo de saber-e-poder,
poder-e-saber.
• Édipo, sem querer, consegue estabelecer a união entre a profecia de deus
e a memória dos homens. O saber edipiano, o excesso de poder, o excesso
de saber foram tais que ele se tornou inútil; o círculo se fechou sobre ele,
ou melhor, os dois fragmentos da téssera se ajustaram e Édipo em seu
poder solitário, se tornou inútil. Nos dois fragmentos ajustados a imagem
de Édipo se tornou monstruosa. Édipo podia demais por seu poder tirânico,
sabia demais em seu saber solitário. Neste excesso, ele era ainda o esposa
de sua mãe e irmão de seus filhos. Édipo é o homem do excesso, homem
que tem tudo demais, em seus poder, em seu saber, em sua família, em
sua sexualidade. Édipo, homem duplo, que sobrava em reação à
transparência simbólica do que sabiam os pastores e haviam dito os
deuses. (p. 54)
A tragédia de Édipo está bem próxima, portanto,
do que será, alguns anos depois, a filosofia
platônica. (p. 54)
• A partir desse momento o homem do poder será o homem da
ignorância. Finalmente, o que aconteceu a Édipo foi que, por saber
demais, nada sabia. A partir desse momento, Édipo vai funcionar
como o homem do poder, cego, que não sabia e não sabia porque
poderia demais. (p. 56)
• Assim, enquanto o poder é taxado de ignorância inconsciência,
esquecimento, obscuridade, haverá por um lado o adivinho e o
filósofo em comunicação com a verdade, verdades externas, dos
deuses ou do espírito e, por outro lado, o povo que sem anda deter
do poder, possui em si a lembrança ou pode ainda dar testemunha da
verdade. Assim, para além de um poder que se tornou
monumentalmente cego como Édipo, há os pastores que se lembram
e os adivinhos que dizem a verdade. (p. 56)
• O ocidente vai ser dominado pelo grande mito de que a verdade
nunca pertence ao poder político, de que o poder político é cego, de
que o verdadeiro saber é o que se possui quando se está em contato
com os deuses ou nos recordamos das coisas quando olhamos o
grande sol eterno ou abrimos os olhos para o que se passou. Com
Platão, se inicia um grande mito ocidental: o que há de antinomia
entre saber e poder. Se há o saber, é preciso que ele renuncie ao
poder. Onde se encontra saber e ciência em sua verdade pura, não
pode mais haver poder político. (p. 56).
Obrigado.

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