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Os três Foucault?

ou a sempre difícil
sistematização
Alfredo Veiga-Neto
Alfredo Veiga-Neto
Voltado para o campo da filosofia da educação, é
professor da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul.

Sua obra é dedicada aos estudos da filosofia da


diferença e à obra de autores como Foucault, Deleuze
e Jorge Larrosa, sendo o tradutor do clássico de
Larrosa, Pedagogia profana: danças, piruetas e
mascaradas.

O texto é retirado do livro Foucault & a educação,


parte de uma coleção da editora Autêntica, onde
vários autores da filosofia e das ciências sociais são
aproximados do campo educacional, a exemplo de
Deleuze, Rousseau, Marx, Sartre, etc.
Situando Foucault
“Todo o meu devir filosófico foi determinado pela
minha leitura de Heidegger. Mas reconheço que foi
Nietzsche que venceu.”
Michel Foucault

Foi Foucault aquele que melhor nos mostrou como as práticas e os saberes vêm
funcionando, nos últimos quatro séculos, para fabricar a Modernidade e o assim
chamado sujeito moderno.

A partir da obra de Foucault, é preciso explorar a transgressão, ultrapassar os


limites que o mundo social impõe a si mesmo e a todos nós, olhar com mais
atenção as relações entre o poder e o saber.
Michel Foucault: estruturalista ou pós-
estruturalista?
Para Gilles Deleuze, com Foucault estamos diante de um “neo-kantismo”, com a
diferença de que, para Foucault, o que importa não é a universalidade do sujeito,
mas suas particularidades.

A primeira base intelectual de Foucault foi o estruturalismo de Louis Althusser,


o que marca em grande medida sua primeira fase, da qual falaremos mais
adiante. Por conta disso, muitos o consideram um autor estruturalista.

No entanto, ao longo de sua trajetória, Foucault modifica seu pensamento e traz


consigo outros autores, tais como Blanchot, Klosowski, Bataille e,
principalmente, Nietzsche, que influencia sua reflexão sobre a história, sendo,
portanto, considerado um pós-estruturalista.
Michel Foucault: estruturalista ou pós-
estruturalista?
“Eu não vejo quem possa ser mais antiestruturalista do que
eu.
Deixem-me proclamar, de uma vez para sempre, que não
sou um estruturalista.
Não sou, de modo algum, um estruturalista, já que os
estruturalistas, dos anos 50 e 60, tinham essencialmente
como alvo definir um método que fosse, senão
universalmente válido, ao menos geralmente válido para
toda uma série de objetos diferentes: a linguagem, os
discursos literários, os relatos míticos, a iconografia, a
arquitetura... Esse não é, absolutamente, o meu problema.
Eu acuso explicitamente de mentir, e de mentir
desavergonhadamente, pessoas como Piaget que dizem
que eu sou um estruturalista. Piaget não pode tê-lo dito
senão por engano ou por estupidez: eu deixo a ele a
escolha.”
Alguns cuidados para se
analisar a crítica foucaultiana

O fato de Foucault ser um crítico da Modernidade, do


pensamento moderno, não quer dizer que ele dê as
costas a esse pensamento, a tudo que a Modernidade
e o Iluminismo construíram.

A crítica foucaultiana à racionalidade não vai


“contra” a razão e sim colocar em xeque a ideia de
que a racionalidade ocidental é histórica, é filha de
um tempo.

Portanto, a crítica foucaultiana é arqueológica (ou


seja, busca “escavar” a Modernidade e encontrar suas
raízes) e genealógica (buscando entender como essa
racionalidade se ramifica).
A sistematização do pensamento de
Foucault
“Atenção aos sistemáticos. Há uma comédia dos
sistemáticos: querendo preencher o seu sistema e
arredondar o horizonte que o envolvem tentam, à
força, pôr em cena os seus pontos fracos no mesmo
estilo que os pontos fortes - querem apresentar-se
como naturezas acabadas, de uma força monolítica.”
Michel Foucault

Já foram feitas várias tentativas de sistematizar e periodizar a obra de Michel


Foucault, mas todas têm as suas próprias inconsistências.

A maior parte dos especialistas costuma falar em três fases ou etapas,


conhecidas pelas denominações de arqueologia, genealogia e ética, seguindo
o critério cronológico e metodológico.
A sistematização do
pensamento de Foucault
À primeira fase, chamada arqueológica, corresponde a
fase em que Foucault se volta para fazer o que
chamaria de “arqueologia do saber”, ainda um pouco
marcado pelo estruturalismo althusseriano, escavando
os saberes sobre a loucura, a medicina e as ciências
humanas.

As obras contempladas por essa fase vão de História


da loucura na Idade Clássica (1961), passando por O
nascimento da clínica (1963), As palavras e as coisas
(1966), indo até Arqueologia do saber (1969).
A sistematização do
pensamento de Foucault
À segunda fase - genealógica - corresponde o
momento em que Foucault começa a ser
profundamente influenciado pela “genealogia da moral”
de Nietzsche e investe em uma “genealogia do poder”,
voltando-se para temas como os discursos, as prisões e
os dispositivos que normatizam a sexualidade,
observando como essas instituições buscavam criar
corpos dóceis.
As obras dessa fase contemplam a aula inaugural no
Collège de France, A ordem do discurso (1970), e
passam por Vigiar e punir (1975) e por A vontade de
saber (1976), primeiro volume de História da
sexualidade.
A sistematização do
pensamento de Foucault
Na terceira e última fase, chamada de fase da ética,
que antecede sua morte, Foucault se desloca das
instituições e se volta para o sujeito, passando a
perceber as resistências, os desejos, as políticas da
amizade e o cuidado de si. Sai também da Modernidade
e se desloca para os povos gregos, romanos e os
primeiros cristãos.

Pertencem a essa fase os volumes seguintes de


História da sexualidade: as duas publicadas por
Foucault ainda em vida, O uso dos prazeres (1984) e O
cuidado de si (1984), e a obra póstuma, As confissões
da carne (2017).
A sistematização do pensamento de
Foucault
Como Deleuze sugeriu, a cada fase pode-se fazer corresponder uma das
perguntas fundamentais que nortearam Foucault: “que posso saber?”, “que
posso fazer?” e “quem sou eu?”.

A cada fase, corresponde um problema principal colocado pelo filósofo e uma


correlata metodologia.

No entanto, surge um problema: na terceira fase, a da ética, não existe método


novo. Nela, Foucault utiliza-se um pouco da arqueologia e muito da genealogia,
o que faz-se acreditar que o método da terceira fase seria arqueogenealógico.
Quanto mais se adentra na obra de Michel Foucault,
mais difícil fica de aceitar-se a periodização
A sistematização do convencional.
pensamento de Foucault
A partir dessa perspectiva, o filósofo espanhol
Miguel Morey propõe uma outra periodização da
obra de Michel Foucault, que não partiria da
cronologia ou de um suposto método, mas sim do
que ele chamaria de ontologia do presente.

A ontologia é o campo da filosofia que estuda o


“ser”. Como o sujeito é a questão central da obra de
Foucault, as perguntas a serem respondidas
partiriam dessa perspectiva.
A sistematização do pensamento de
Foucault
A classificação da obra de Foucault segundo Miguel Morey (1991)

ser-saber ser-poder ser-consigo

como nos tornamos o que somos, como sujeitos...

de conhecimento de ação constituídos pela moral

História da loucura História da loucura História da loucura


Nascimento da clínica
Vigiar e punir História da sexualidade
As palavras e as coisas
A ordem do discurso
Arqueologia do saber
A sistematização do
pensamento de Foucault
É importante lembrar que a sistematização da obra
de Foucault se dá muito mais pelos seus leitores do
que por ele próprio, visto que o próprio Foucault
sempre lia o que definia sua obra a partir do que ele
estava fazendo naquele momento.

Não se pode pensar Foucault a partir da ideia de um


método definido, uma vez que ele sempre se
metamorfoseava e pensava questões diferentes. Sua
reflexão sobre qualquer tema - inclusive sobre a
história - nos interessa a partir do modo como ele
faz uma análise disruptiva desse saber, propondo
para ele novas bases.

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