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NIETZSCHE, A GENEALOGIA

E A HISTÓRIA
MICHEL FOUCAULT
Como surgiu o livro “Microfísica do poder”
Não se trata de uma obra organizada pelo
próprio Michel Foucault, mas sim uma reunião
de textos produzidos por ele - parte da fase que
chamamos de genealógica - e organizados por
Roberto Machado, pernambucano, professor de
filosofia da PUC-RJ e amigo pessoal de
Foucault.

Nesse livro, estão reunidos textos em que


Foucault teoriza a respeito de diferentes
temáticas ligadas a essa fase de sua trajetória,
tais como poder, prisões, sexualidade, a relação
com a história, as instituições e os intelectuais,
havendo aí diálogo com amigos e parceiros de
pensamento, tais como Gilles Deleuze.
A transição metodológica de Foucault:
da arqueologia para a genealogia
Nas suas primeiras obras, tais como História da loucura,
Foucault se volta para o campo dos saberes e como eles
se institucionalizam, um exercício de perceber o que e o
onde eles se estabelecem, aí residindo o método de uma
arqueologia do saber.

Ao analisar os saberes e perceber suas inter-relações


discursivas, a arqueologia respondia como os saberes
apareciam a se transformavam.

Pode-se, então, dizer que a análise que em seguida é


proposta - a chamada genealogia - parte desse como e
se direciona para o porquê.
A quem esse texto é
endereçado
Embora as críticas de Foucault tratem, na maior parte do
tempo, do que chama de “história tradicional”, encontram-se,
principalmente, críticas aos historiadores da segunda
geração dos Annales, os estruturalistas, em grande parte
aqueles que os acusavam de ser um “cavaleiro bárbaro” ao se
aventurar pela história.

Data dessa mesma época a resposta A poeira e a nuvem, que


Foucault endereçaria ao historiador da saúde Jacques
Léonard, o qual o havia acusado, em texto intitulado Le
historien et le philosophe (“O historiador e o filósofo”), de ser
um “intruso” na área de História, flanando
irresponsavelmente por ela sem seguir uma metodologia
aprovada pelos historiadores.
Nietzsche e a genealogia
Etimologicamente, a palavra “genealogia” é associada ao
estudo das árvores familiares e dos nomes de família.

Friedrich Nietzsche atribui outro sentido a esse termo. A


genealogia seria, para ele, uma expressão que utilizaria para
se contrapor à noção de história, que, na Alemanha de sua
época, estava associada ao historicismo e à busca de uma
“verdade científica”, distanciando-se, para ele, da vida.

É baseado nisso que Nietzsche propõe uma Genealogia da


moral, baseada na ideia de que ele quer estudar valores,
sentimentos, e não algo pautado na materialidade das coisas
científicas.
A genealogia e a história
Foucault toma o conceito nietzschiano de genealogia para
pensar uma história que sirva à vida. Assim como Nietzsche
julgava os historicisitas do século XIX alheios a isso,
Foucault entendia os historiadores de seu tempo - sobretudo
os estruturalistas - desvinculados à vida. Ironicamente,
desvinculados até mesmo de um dos principais alertas de
Marc Bloch (apesar de não citá-lo): o de fugir do “ídolo das
origens”.

“A genealogia não se opõe à história como a visão altiva e


profunda do filósofo ao olhar de toupeira do cientista; ela se
opõe, ao contrário, ao desdobramento meta-histórico as
significações ideais e das indefinida teleologias. Ela se opõe
à pesquisa da ‘origem’.” (grifos meus)
A genealogia e a história
Pensando a etimologia da palavra alemã Ursprung,
utilizada por Nietzsche como uma palavra pejorativa,
depreciativa, que significaria “origem miraculosa” ou
“fundamento originário”, Foucault recorre a Para uma
genealogia da moral e a Humano demasiadamente humano
para explicar a fuga de Nietzsche dessa busca obsessiva
dos historiadores para a “origem das coisas”.

“Por que Nietzsche genealogista recusa, pelo menos em


certas ocasiões, a pesquisa da origem (Ursprung)? Porque,
primeiramente, a pesquisa nesse sentido, se esforça para
recolher nela a essência exata das coisas, sua mais pura
possibilidade, sua identidade cuidadosamente recolhida
em si mesma, sua forma imóvel anterior a tudo que é
externo, acidental, sucessivo [...]”
A genealogia e a história
Ao contrário do que propõem os historiadores que critica,
Foucault afirma que a história pode ensinar a “rir das
solenidades da origem”.

“Fazer a genealogia dos valores, da moral, do ascetismo,


do conhecimento não será, portanto, partir em busca de
sua ‘origem’, negligenciando como inacessíveis todos os
episódios da história; será, ao contrário, se demorar nas
meticulosidades e nos acasos dos começos; prestar uma
atenção escrupulosa à sua derrisória maldade; esperar vê-
ls surgir, máscaras enfim retiradas, com o rosto do outro
[...]”
A genealogia e a história
A preferência de Foucault, ao analisar os processos históricos, é pela ideia de
emergência (Entestehung), ou seja, o “ponto de surgimento” de algo.

Mas no que a emergência se diferencia da origem?

Quando entendemos que algo “emerge”, estamos dizendo que aquilo não “brota
do nada”, bem como que não existiu desde sempre com aquela intenção.
Portanto, falar de emergência é, ao mesmo tempo, mostrar que as coisas são
históricas, ou seja, não existem desde sempre, e ao mesmo tempo que são frutos
de experiências que veem do passado, portanto, não “surgem do nada”.
A crítica a um “sentido”
para a história
Assim como, em seu tempo, Friedrich Nietzsche fez
uma crítica ao “excesso de história”, Foucault
também aponta que existiria uma certa hipocrisia
na busca dos historiadores por um sentido de
universalidade.

A ideia de que fazemos história por uma


“necessidade que se impõe a nós”, que fazemos
história para “entregá-la ao povo” seria, nesse
sentido, uma demagogia. Foucault defende que a
história sempre é feita a partir do sentido atribuído
pelo próprio historiador, à sua vontade, aos seus
desejos, aos seus anseios pessoais.
A crítica a um “sentido”
para a história
Foucault exemplifica tal processo genealógico ao
discutir o modo com o qual os historiador analisam
a Europa do século XIX e atribuem sentido àquilo
que, à época, era pouco observado pelos
contemporâneos.

“[...] As grandes épocas não tinham tais curiosidades


nem tais respeitos; elas não reconheciam
predecessores; o classicismo ignorava Shakespeare.
[...]”

O mesmo pode atribuir-se ao Brasil. Figuras como


Tiradentes, por exemplo, só receberam o sentido
histórico que possuem hoje com a emergência da
República.
Como reconhecer o método genealógico
de Foucault em pesquisas em História?
Em A invenção do Nordeste e outras artes,
Durval Muniz aplica a genealogia ao
perceber que o Nordeste não existe desde
sempre, mas foi inventado
historicamente. Nesse livro, o autor não
vai buscar a “origem” do Nordeste (o que
remeteria a uma naturalização do espaço)
e sim a chamada “dispersão constitutiva
dos começos”, mostrando como discursos
e práticas elaboraram esse espaço no
mapa e como esses discursos foram
utilizados como lugar de saber e poder.
Como reconhecer o método genealógico
de Foucault em pesquisas em História?
Edwar Castelo Branco, em Todos os dias de
Paupéria, toma Torquato Neto como
personagem para fazer uma genealogia da
Tropicália, mostrando como o discurso de
“origem” do movimento, centrado em
Caetano Veloso e Gilberto Gil e reforçado
pela historiografia anteriormente
produzida, é solapado pela perspectiva de
que, ao invés de um movimento organizado
e planejado, a Tropicália foi configurada
numa dispersão constitutiva de
acontecimentos.
Como reconhecer o método genealógico
de Foucault em pesquisas em História?
Visionários de um Brasil profundo, de
Fábio Leonardo Brito, é um exemplo de
genealogia aos moldes foucaultianos, uma
vez que demonstra como a cultura
brasileira é construída historicamente a
partir de determinados lugares de poder,
que a deram estatuto de prestígio e
verdade, a exemplo da luso-tropicologia de
Gilberto Freyre, do movimento armorial de
Ariano Suassuna ou da sociologia paulista
de Caio Prado Júnior.

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