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O filme: uma contra-análise da

sociedade?
Marc Ferro
 Nome da terceira geração da Escola dos Annales (fase entre
1968 e 1989), direcionada para a chamada “Nova História”
e para a amplitude das fontes e objetos de pesquisa.

 O capítulo em destaque é parte da coleção organizada por


Jacques Le Goff e Pierre Nora, no volume Novas
abordagens.

 Dedicou sua trajetória acadêmica à relação entre cinema e


história, bem como aos estudos sobre Primeira Guerra
Mundial e Revolução Francesa.
Os historiadores e o cinema

 No contexto em que o texto é escrito, o cinema não era considerado uma fonte histórica, de
forma que o autor questiona por que esse documento não faz parte do universo mental do
historiador.

 O cinema ainda não era nascido quando a História se constituiu como campo do
conhecimento.

 A tendência dos historiadores de transformar “monumentos em documentos” e, em


seguida, a de transformar “documentos em monumentos” talvez explique parte da
resistência dos historiadores ao cinema enquanto documento.
Os historiadores e o cinema

 Não é incomum, até hoje, que muitos historiadores categorizem os documentos, definindo
fontes que seriam mais importantes ou confiáveis e fontes com as quais deveriam ter “mais
cuidado” (ou seja, um eufemismo para alertar aquelas com as quais têm mais preconceito).

 “A história é sempre contemporânea”, pois o olhar dos historiadores está sempre no


presente.

 Para as pessoas que se achavam “cultas”, no início do século XX, o cinematógrafo era
visto como uma “máquina de idiotização”, que entretinha os iletrados.
Os historiadores e o cinema

 O tempo passou, as pessoas “cultas” passaram a ir ao cinema, mas os historiadores se


mantinham resistentes.

 Para muitos historiadores, o filme seria meramente um acontecimento, uma anedota, uma
ficção, da qual a direita tem medo e a esquerda desconfia.

 No entanto, ao contrário desse preconceito, as imagens não são meramente ilustrativas.


Enfrentar as imagens como documentos históricos ajuda a furar o cerco dos historiadores,
tão presos à tradição escrita.
O visível e o não-visível

 Marc Ferro observa o filme não como uma obra de arte, mas como um produto cujas
significações não são apenas cinematográficas, mas também histórico-sociais.

 Nesse sentido, não seria suficiente uma compreensão do filme pelo filme, mas sim do
filme e de sua relação com o mundo no qual ele se insere.

 O filme não tem como objetivo comunicar diretamente a realidade, como na verdade, nada
tem.
Um filme “sem objetivos ideológicos”: Po
Zaconu (Dura Lex) (1925)
 Para analisar um filme que se pretende não como uma representação clara do real, mas sim
como um exemplo de método de montagem cinematográfica, o autor escolhe Po Zaconu
(Pela Lei, em uma livre tradução para o português), de Lev Kushelov.

 Por que escolher um filme de Kushelov e não de outros diretores russos, como Eisenstein e
Podovkin?

 Por que eles se preocupavam em mostrar o nascimento da União Soviética, eram filmes
claramente ideológicos (a exemplo de O Encouraçado Potemkin, de Eisentein).
Um filme “sem objetivos ideológicos”: Po
Zaconu (Dura Lex) (1925)
 O objetivo de Kuleshov era “fazer um filme que fosse uma obra de arte, com uma
montagem exemplar”.

 Storyline: Um grupo de garimpeiros encontra uma jazida de ouro, cuja exploração dura
todo o inverno. Um deles (um irlandês), no entanto, tomado pela cobiça, mata dois
companheiros para tornar-se o único dono da mina. Um casal de mineradores o prende
para impedi-lo de seguir nesse intento, e, no processo em que decidem julgá-lo na forma
da lei, ficam à beira da loucura.
Um filme “sem objetivos ideológicos”: Po
Zaconu (Dura Lex) (1925)
 A pergunta que podemos fazer é: ainda que Kuleshov tentasse fazer um filme não-
ideológico, isso é possível?

 Po Zaconu foi recebido sem entusiasmo da crítica soviética, pois, ao contrário dos demais,
não era uma propaganda revolucionária.

 No entanto, há alguns elementos curiosos no filme que mostram que, ainda que não fosse
sua intenção, essas questões atravessam toda a sua obra.
Um filme “sem objetivos ideológicos”: Po
Zaconu (Dura Lex) (1925)
 O protagonista do filme é um personagem que tem uma posição de inferioridade com
relação aos seus companheiros, que têm uma origem social mais elevada.

 A princípio, ele não tem uma obsessão pelo ouro, como os demais possuem.

 No entanto, ao afrontar toda e qualquer lei, ele terminava não afetando apenas o modelo de
justiça burguesa, mas também o modelo de justiça soviética, o que terminou causando
incômodo entre os próprios soviéticos.
Um filme “sem objetivos ideológicos”: Po
Zaconu (Dura Lex) (1925)
 Em geral, o cinema soviético optava por um caminho mais “claro”: uma batalha entre os
burgueses (amorais, apegados aos bens materiais) e os russos (honestos, ordenados,
partidários da equidade).

 Havia, em muitos filmes, notadamente os cinejornais, o interesse de mostrar a participação


do povo comum nas manifestações, não apenas de operários e soldados.

 Desse modo, podemos compreender que os filmes, sejam eles quais forem, sempre vão
além do próprio conteúdo. Mesmo os que não aparentam ter interesse de dar ênfase a
certas visões de mundo, sempre terminam o fazendo.

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