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The Ballad of Buster Scruggs (A Balada de Buster Scruggs, em tradução livre) é

um filme estadunidense, escrito e dirigido pelos irmãos Joel e Ethan Coen e produzido e
distribuído pela Netflix. Lançada em 2018, a película aborda o processo histórico da
corrida para o oeste norte-americano, indo além, porém, de diversos clichês trazidos por
filmes que remetem a essa temporalidade, fugindo das narrativas clássicas, de mocinhos
e bandidos, vilas, xerifes e bolas de feno. Para isso, os diretores dividiram o longa-
metragem em seis contos, retirados de um livro escrito e lançado pelos Coen no mesmo
dia do filme, que abordam a vida de diversos personagens intrínsecos ao panorama de
conquista do ocidente norte-americano.

Os contos trazem figuras como Buster Scruggs, personagem que dá nome ao


filme e protagonista da primeira narrativa, um típico personagem de faroeste, que passa
a vida cavalgando, cantando e participando de duelos, sendo a representação clássica do
processo histórico em questão, além de garimpeiros, viajantes, ladrões e inúmeros
outros personagens responsáveis por representar os atores sociais que construíram a
sociedade do período.

Dessa forma, é importante ressaltar que, por ser dividido em seis partes e não
possuir, de fato, personagens principais, o filme é capaz de tratar os diversos membros
da sociedade em questão com certa igualdade, apresentando as diversas formas de vida
existentes naquele momento sem se deter em protagonistas que omitiriam a realidade
dos outros personagens e possibilitando o olhar para a temporalidade abordada sob
diversas perspectivas sociais, econômicas e culturais. Assim, é possível relacionar o
enfoque do filme com a teoria de Fredrik Jackson Turner, importante pesquisador dos
temas de fronteira e da corrida para o oeste norte-americano, uma vez que, assim como
o autor, os irmãos Coen buscam ressaltar o protagonismo de pessoas comuns nesse
processo histórico ímpar para os Estados Unidos.

Visto isso, pode-se perceber, através do filme, diversos aspectos


socioeconômicos e culturais que permeavam as dinâmicas sociais do processo histórico
em evidência, indo além do que é sugerido pela maior parte dos filmes que tratam do
tema. Com foco no segundo conto, Near Algodones, por exemplo, que aborda um
assalto a banco, com o assaltante preso e enforcado, pode-se perceber algumas minucias
do sistema financeiro e das formas de aplicação das leis na época. Em Meal Ticket,
paralelamente, a história de dois homens que apresentavam peças monológicas em
diversas cidades, em performances comparáveis à arte circense, permite-se ,a quem
assiste, perceber algumas formas de expressão cultural da época e a realidade daqueles
que viviam através da arte e do entretenimento. O garimpo, casamentos, viagens e
negócios são alguns outros dos diversos temas abordados na obra que, com uma análise
crítica, pode possibilitar uma maior compreensão do processo de expansão territorial
dos Estados Unidos.

Paralelamente, é importante ressaltar que, sem uma apreciação crítica da obra, é


impossível tratá-la como forma de aprendizado, uma vez que o filme é extremamente
negligente no tratamento dos setores da sociedade que não compreendem os homens
brancos que fizeram parte dessa temporalidade. Mulheres são raramente trazidas para a
história - , com raras exceções nas quais executam funções de amparo aos personagens
masculinos -, até o quarto conto, no qual Alice Longabaugh e seu irmão viajam pelas
pradarias do Oregon em caravana. Ademais, a população nativa, que foi preponderante
nesse processo histórico e habitava grande parte das regiões trazidas pelo filme, chega à
tela com grande distanciamento e exoticidade, tendo participação curtíssima no longa.

O tratamento da população indígena, simultaneamente, traz uma outra


percepção, comum a Brasil e Estados Unidos, como tentativa de apagar a memória e o
protagonismo desses povos em seus territórios: a teoria de vazio demográfico. Essa
teoria é claramente perceptível na fotografia do filme que, em geral, traz os personagens
principais se deslocando por vastos territórios onde, parafraseando a frase de abertura
do conto All Gold Canyon, “naquela terra não se viu o homem, nem sinal das obras do
homem”. A perspectiva de que os territórios colonizados são vazios, sem população
expressiva, foi usada para legitimar diversas formas de opressão à população indígena e
de destruição da natureza ao longo dos séculos em diversas partes das américas e, no
filme, é possível perceber a perpetuação dessa ótica.

Por fim, é importante ressaltar que, em todos os contos e ao longo de todo o


filme, a violência e a morte são tratadas com enorme naturalidade, o que possibilita a
percepção da brutalidade e da crueldade que o processo histórico em questão
proporcionava para os indivíduos que nele se incluíamimbuíam, mas, paralelamente,
traz forte apelo emocional e impacta perturbadoramente alguns espectadores, limitando
as possibilidades de uso do filme enquanto meio educativo.

Dessa forma, pode-se perceber que o filme é capaz de trazer novas concepções
para alunos acerca do processo de conquista do oeste norte-americano e, através de
debates ou discussões promovidas pelo docente, as próprias imperfeições da película
podem ser usadas para questionar a sociedade da época e da atualidade, estimulando o
senso crítico dos estudantes para produtos extremamente presentes em seu cotidiano,
como filmes e séries. Simultaneamente, por ser dividida em seis histórias sem conexão
direta, a película possibilita ao professor a exibição de apenas algumas de suas partes,
demandando menos tempo para a apresentação do filme sem perder a essência da
história ou do conteúdo em questão.

Assim, é possível observar que o filme The Ballad of Buster Scruggs pode
representar uma boa possibilidade didática para a apresentação de conteúdos ligados à
conquista do oeste norte-americano em alternativa a aulas tradicionais, sendo possível
perceber os diversos atores sociais que presenciaram e protagonizaram um dos mitos
fundadores da história dos Estados Unidos.

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