Você está na página 1de 2

Araújo, Joel Zito. A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira.

São Paulo: Editora


SENAC São Paulo, 2000. ISBN 85-7359-138-2. 323pp.

“No fim da infância, um menino, fruto de um casamento inter-racial, fez uma opção
secreta, tão secreta que ele mesmo só descobriu muitos anos mais tarde.” Este é um trecho da
dedicatória do livro do cineasta e doutor em Ciências da Comunicação, Joel Zito Araújo. Esta
dedicatória na “porta de entrada”, nos informa que o livro não é uma mera coletânea de dados
friamente analisados. A opção a que o autor se refere – a sua própria – dará o tom do seu
discurso. O livro – que virou documentário homônimo e conquistou o prêmio de melhor
documentário brasileiro no 6º Festival Internacional de Documentários intitulado É Tudo
Verdade em 2001— nos apresenta um universo marcado pela crueldade e descaso político-
social por que passa a população negra brasileira. E o fato de o autor ser também um
representante desse contingente não-representado e/ou mal-representado pela indústria cultural
brasileira não passa desapercebido. Logo de início nos damos conta de que estamos sendo
guiados por um insider através das questões que assaltam essa população. Contudo, não se trata
de um texto passional ou inconseqüente. A Negação do Brasil é o resultado da pesquisa de Joel
Zito sobre os estereótipos do negro na telenovela brasileira, principalmente os mais recorrentes,
tendo como foco temático a análise das representações e a presença do segmento afro-
descendente na indústria cultural brasileira. São dados incontestáveis com embasamento
teórico e histórico na medida necessária à compreensão da temática abordada. A questão não é
simples, os aspectos envolvidos são vários, o que implica a necessidade de uma introdução
histórico-social que justifique a afirmação, feita no livro, de que os agentes envolvidos neste
processo são passíveis de serem responsabilizados, também, pelas distorções que prejudicaram,
e prejudicam ainda, os processos de afirmação da auto-estima da população brasileira de
origem africana. Esta acusação/afirmação, comprovada ao longo do livro com todos os dados
possíveis – como a utilização das imagens, fotos, mais significativas que foram ao ar nos
últimos 34 anos, de 1963 a 1997 – com muita felicidade consegue escapar de uma abordagem
maniqueísta, que em nada contribuiria para tão importante estudo. Joel Zito não perde a menor
oportunidade de nos alertar para os fatos que de novos não têm nada, e que apenas não fazem,
ou não faziam, parte das agendas dos que têm poder de decisão na indústria cultural brasileira.
Uma estratégia interessante utilizada pelo autor é a utilização de dois títulos para um mesmo
capítulo, o segundo funcionando como um subtítulo do título principal, que muito nos informa
sobre as questões analisadas. Por exemplo: Capítulo 1: “Televisão e Racismo”; subtítulo: “Ou
1
como a telenovela compreendeu que a estética sueca é de fato o melhor modelo para o Brasil”.
Temos no subtítulo quase que um resumo do capítulo.
O momento é de releitura, reinterpretação, de muitos aspectos da vida brasileira onde a
presença do negro é inconteste. Joel Zito Araújo nos mostra que essa presença quase nunca é
apresentada de forma positiva, fato com o qual a sociedade brasileira já teria se acostumado e
que portanto não consegue mais enxergar como algo que deva ser discutido e transformado. O
livro nos mostra, a partir de dados históricos, a origem dessa problemática. Desde a política de
branqueamento dos primórdios da formação do que viria a ser o “povo brasileiro” até a política,
segundo o autor, de euro-norte-americanização da imagem brasileira. Mas este processo tem
limites, como vemos no capítulo 2, “Televisão e Identidade Negra”, cujo subtítulo é: “Ou como
a televisão confirmou que nem tudo que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”.
A telenovela é o principal veículo de análise, mas não o único. O estudo aborda também,
ainda que brevemente, programações de diferentes formatos, alguns programas de auditório,
comédias, pastelões, comerciais e produtos afins. Independente do formato analisado, fica
muito clara a intricada relação, entre vida real e ficção, que permeia o universo dos atores
negros, que ao persistirem na carreira vivem trajetórias muito parecidas com as de seus
personagens. A partir do panorama político-social traçado por Joel Zito para justificar esta
perversa dinâmica, ele nos informa que a mesma se configura como resultado natural da relação
que os interlocutores deste cenário político-social representam na tela e, principalmente, fora
dela.
Um dos grandes méritos do livro é não apresentar um último capítulo para esta história
que ainda está sendo contada. Mais que isso: o autor vislumbra novos ventos, novas posturas,
novas demandas por parte da população afro-descendente, ainda que estejamos muito distantes
de um final feliz.

Kátia Costa Santos

Você também pode gostar