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25 a 27 de junho de 2013
Universidade Federal de Uberlândia
Rachel vira o carro de uma vez e entra em uma rua estreita e escura,
apesar de ser dia, com inúmeros mendigos, muita fumaça, roupas
velhas estendidas em cordas, papéis cobrindo o chão, papelão sendo
utilizado como colchão, sacos cheios de lixo. Ela então diz para
Bruce:
- Você se importa com justiça? Olhe além de sua própria dor. A
cidade está apodrecendo. Falam da depressão como se fosse passado.
As coisas estão piores que nunca. Falcone inunda nossas ruas com
crimes e drogas, criando novos Chills todos os dias. Falcone pode não
ter matado seus pais, Buce, mas está destruindo tudo aquilo por que
lutaram. Se quiser agradecer a ele, vá em frente. Sabemos onde está.
Mas será intocável enquanto mantiver os maus ricos e os bons
apavorados. Os bons como seus pais, que combatem a injustiça,
morrem. Que chance tem Gotham se os bons não fizerem nada?
(NOLAN, 2005, 26min30seg).
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Mestrando em História Social pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes.
Anais do I Seminário de História e Cultura: Historiografia e Teoria da História
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Christopher Nolan é um britânico nascido em 30 de julho de 1970 formado em literatura britânica que
possui dupla nacionalidade, sendo também cidadão americano. Desde os 7 anos já fazia filmes utilizando
uma câmera Super-8 de seu pai e bonecos. Seus filmes são marcados por conflitos psicológicos e grandes
reviravoltas no enredo.
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Os filmes populares têm uma vida que vai além da exibição nas salas
de projeção ou de suas reexibições na televisão. Astros e estrelas,
gêneros e os principais filmes tornam-se parte de nossa cultura
pessoal, de nossa identidade. O cinema é uma prática social para
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que figuras como Justin Biber e Neymar, que têm seus cortes de cabelo imitados, fãs
que acabam utilizando algo porque um deles usou ou falou que é bom?
Essas são questões que só podem ser resolvidas lançando mão de fontes novas
que, por vezes, podem assustar aos historiadores que estão tão acostumados a
trabalharem com documentação cheirando a mofo e reconstituição da vida de pessoas
que, talvez, nem tenham mais seus ossos em nosso meio.
Tendo em mente o proposto por Johnni Langer, que diz que é "(...) necessário
perceber o filme enquanto testemunho/documento, integrando-o ao contexto social em
que a obra surge: autor, produção, público, regime político, etc" (LANGER, 2004,
edição eletrônica), conseguimos extrair importantes informações da sociedade ocidental
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do início do século XXI. Não queremos, em hipótese alguma, dizer que as questões
abordadas na película sejam homogêneas para todas as sociedades do mundo ocidental.
Mas, são ao menos de conhecimento e relevância na história do início do novo milênio.
Sendo assim, analisemos o diálogo acima transcrito: A primeira frase que nos
chama a atenção é proferida por Ra's al Ghul ao nos dizer que irá "(...)assistir à
destruição de Gotham pelo medo" (NOLAN, 2005, 1h45min02seg). Essa referência nos
remete ao terrorismo que assola o mundo ocidental desde os atentados do dia 11 de
setembro de 2001.
Cristopher Nolan é conhecido por empregar em seus filmes um alto teor
psicológico. Com esse seu traço característico e trabalhando com um herói sombrio
como é Batman, não é de se espantar o uso do medo e do terrorismo no enredo, uma vez
que busca-se uma atmosfera realista para que o público tenha um maior envolvimento
com a trama, se identifique com a produção e gere maior lucro para os produtores.
Ra's al Ghul continua o diálogo dizendo que os homens não devem viver em
meio ao crime e ao desespero, passando a citar eventos da história da humanidade,
como a destruição de Roma, a peste negra e o incêndio de Londres, fazendo esses
eventos isolados da história se tornarem frutos das ações da Liga das Sombras que agere
para salvar a humanidade. Com isso, voltamos à afirmação de Tom Gunning ao afirmar
que o cinema busca fornecer um "(...) padrão de representação realista (...)"
(GUNNING, 1996, p. 25). Cruzando fatos de nossa história com o enredo fictício, a
produção do filme tem a intenção de aproximar da realidade a história criada, passando
a ideia de que tudo o que se passa ali é real ou pelo menos mais real do que pensamos
ser.
Na sequência do diálogo, Bruce diz a Ra's al Ghul: "Gotham ainda pode ser
salva. Dê-me mais tempo. Há pessoas boas aqui" (NOLAN, 2005, 1h45min02seg).
Temos uma alusão à história bíblica de Sodoma e Gomorra, na qual Abraão intercede a
Deus que não as destrua, mas Deus pede que encontre 10 justos na cidade para a deixá-
la intacta. Não encontrando, Deus destrói as cidades para que a humanidade tenha uma
purificação e tome o caminho correto.
Após essa analogia a Sodoma e Gomorra, temos Ra's al Ghul afirmando a Bruce
que ele [Bruce] "Deveria estar do meu lado agora, salvando o mundo" (NOLAN, 2005,
1h45min02seg). Tanto Bruce como Ra's al Ghul se colocam na posição de salvadores,
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de heróis. Esse é um novo modelo que vem sendo desenvolvido nas estruturas
narrativas recentemente. Bem e mau já não são separados e caracterizados de forma
estereotipada. Temos cada vez mais personagens e histórias em que vilões se tornam
heróis e vice-versa.
No segundo filme da trilogia O Cavaleiro das Trevas, temos um personagem
que ilustra bem essa mistura de bem e mau em uma pessoa: Havey Dent, novo promotor
de Gotham City, incorruptível, justo, o cavaleiro branco de Gotham e substituto do
cavaleiro das trevas. No entanto, ao perder o amor de sua vida, transforma-se no vilão
Duas-Caras e passa a manifestar uma maldade cheia de ódio, fúria e vingança.
Assim como é conhecido na filosofia oriental, as pessoas têm capacidades para
fazerem o bem e o mau. Temos as energias Yin e Yang que lutam em nosso interior.
Hora fazemos coisas boas, hora fazemos coisas ruins. No diálogo de Ra's al Ghul com
Bruce, ambos se veem na posição de salvadores. Cada um a sua maneira, acredita
veementemente que está fazendo o certo. Bruce, com um senso de moral que valoriza a
vida de cada um, por pior que a pessoa seja e corra o risco dela tirar a vida de outros. Já
Ra's, acredita que a vida de um vale menos que a vida de milhares.
Não vemos um embate semelhante na "guerra invisível" que se desenrola entre
Estados Unidos e Terrorismo? Ambos não acreditam estar fazendo o certo? Um protege
seu território, estilo de vida e economia enquanto que outro protege seu cultura, religião
e culpa o próximo pelos problemas de grande parte do mundo.
Para a definição do certo e do errado temos uma questão de poder. No filme,
somos "manipulados" para vermos as atitudes Ra's al Ghul como feitos de vilania. Sua
missão purificadora não passa de um ato de terrorismo que causará mortes em massa de
pessoas más e inocentes. Em nossa história real, quem detém os meios de comunicação
passa para a população, para a massa, a visão que deseja criando os heróis e vilões de
nosso mundo. Como dizia Napoleão, a história é escrita pelos vencedores. Por mais que
busquemos escrever hoje a história dos derrotados e minorias, a grande massa ainda
comprará o discurso veiculado pelos vencedores detentores dos meios de divulgação de
sua história.
Segundo o líder da Liga das Sobras, as armas utilizadas por eles para destruir as
"cidades perdidas", evoluíram com o tempo. Eles tentaram destruir Gotham através da
economia. Mais uma frase pequena e simples que revela muito de nossa história
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membros envolvidos com o processo de criação de toda a trama, pois, como nos diz
Langer,
Batman Begins, mesmo sendo uma narrativa audiovisual ficcional, nos fornece
informações que permitem remontar importantes elementos históricos do momentos de
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sua produção e veiculação nas salas de cinema, levando consigo informações que, ao
serem interpretadas, comporão o escopo de conversas, imaginário e formação identitária
dos espectadores para o bem e/ou para o mau.
Referências
NOLAN, Cristopher Nolan. Batman Begins. Estados Unidos: Warner Bros, 2005. Vídeo
DVD.
TURNER, Graeme. Cinema como prática Social. São Paulo: Summus, 1997.