Você está na página 1de 8

FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ

UNIVERSIDADE DE FORTALEZA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO E GESTÃO – CCG
CURSO DE AUDIOVISUAL E NOVAS MÍDIAS
DISCIPLINA: TEORIA DO AUDIOVISUAL II

A SUBVERSÃO CRONOTÓPICA NO FILME ROMEU + JULIETA

Nadia Tiemi Horibe


1212381-7

Raiane Claudia Feitosa Ferreira


121238-4

NOVEMBRO / 2014
FORTALEZA, CE

Nadia Tiemi Horibe


Raiane Claudia Feitosa Ferreira

A SUBVERSÃO CRONOTÓPICA NO FILME ROMEU + JULIETA

Trabalho apresentado à disciplina Teoria do


audiovisual II, ministrada pelo professor Nílbio
Thé, para obtenção parcial de nota no curso de
Audiovisual e Novas Mídias, da Universidade de
Fortaleza – UNIFOR.
NOVEMBRO / 2014
FORTALEZA, CE
1. ADAPTAÇÃO E ESTÉTICA

Adaptação é o termo dado para a alteração (transformação) de uma obra já


existente. Ocorre quando um autor baseia-se em uma obra original e cria outra obra,
tendo a liberdade criativa para romper com a estrutura da original.

O filme Romeu + Julieta (1996), dirigido por Baz Luhrmann, em que Leonardo
DiCaprio interpreta Romeu Montéquio e Claire Danes, Julieta Capuleto, é uma

adaptação da peça “Romeu e Julieta” de William Shakespeare, escrita entre

1591 e 1595. A maioria das obras deste grande dramaturgo inglês carregam temas
universais que são compreendidos em qualquer época, e não é a toa que a história
de dois adolescentes que vivem um amor impossível e que cujas mortes acabam
unindo suas famílias inspire grandes obras cinematográficas.

O filme de Baz Luhrmann, inspirado na peça, é diferente das outras


adaptações. Apesar de a história ser a mesma, com os processos semelhantes, o
diretor fez escolhas diferentes relacionadas à escolha da estética: o tempo, o
espaço, o ritmo, a trilha sonora etc. O maior desafio não é contar uma história que
todos já conhecem, e sim contar essa história de maneira inovadora, atraente ao
público, mas mantendo a essência da obra original. Com isso, Luhrmann opta por
fazer uma adaptação pós-moderna, usando como cenário uma “suposta” Verona
litorânea com característica suburbana em que há a predominância da religião
católica, onde prevalece a violência e a sociedade de consumo, mas mantendo os
diálogos originais da obra literária.

O filme inicia com um aparelho de TV entrando em sintonia dentro de um fundo


preto. Aparece uma âncora de jornal recitando o prólogo, depois, a tela do parelho
de TV prevalece e domina a tela maior fazendo o espectador “mergulhar” na história.
Logo em seguida a cidade é apresentada em imagens que dão a sensação de
vertigem, surge entre elas a imagem de um grande Cristo com as os braços abertos,
e entre ele as torres das duas famílias rivais, que estão separadas por um ato
ambíguo de separar e abençoar. Com esse início, Luhrmann revela a estética do
filme preparando o espectador e chamando a atenção para suas diferenças.

Ao trazer o filme para uma época atual, todas as ações e reações precisam ser
justificadas à época, e reconhecidas nela, então Luhrmann traz elementos que estão
meramente presentes na modernidade dos anos 90. Ele veste os personagens com
as roupas que caracterizam suas personalidades e os grupos onde estão inseridos
(os Montéquio com roupas “gangster-punk” e morando na praia, já os Capuleto com
roupas elegantes e morando na cidade). Mostra uma cidade sempre em movimento
caótico, com propagandas de bebidas, com o uso drogas, com festas, com luzes etc.

O diretor transforma as famílias em donas de corporações que disputam o


poder e o controle da cidade. A violência está sempre presente no meio, como se
ela se justificasse. As espadas e os cavalos que foram substituídos por armas de
fogo e veículos, como na cena do posto de gasolina, em que mostra a rivalidade
entre os grupos retratados como gangues; e também a cena da morte dos amantes,
em que Romeu toma o veneno e Julieta, em vez de um punhal, usa a arma de
Romeu para encerrar sua vida.

Outra característica que é importante ressaltar: os efeitos que o meio moderno


(a cidade, a violência, os meios de comunicação em massa etc.) causa nos
personagens em questão e como eles agem, tomam decisões e vivem neste novo
mundo. Sendo assim, o diretor faz outra construção aos personagens originais. No
filme, Romeu não é o menino sensível que acredita no amor, como na peça. Ele se
mostra, desde o início, um rapaz cansado dos problemas de sua família, da cidade,
que procura algo novo, fora de sua realidade, e que acredita no destino. Julieta
também não está satisfeita com sua vida, ela parece sempre estar em um mundo
imaginário como fuga da realidade. Na peça, o amor é visto como sobrenatural e
sem explicação, já no filme o amor é a fuga do mundo caótico.

Luhrmann mantem a estética do filme sempre presente com uma montagem


rítmica e irônica, reforçando ao espectador a ideia dita no início do longa-metragem,
em que revela que tudo é uma encenação. Na montagem também é perceptível a
pós-modernidade, pois ele utiliza das características do videoclipe, dos meios de
comunicação de massa e da música pop. Esta serve como elemento dramático e
rítmico, aproximando o público à história e envolvendo-o para uma nova experiência.
E assim o filme termina da mesma forma com começou, a âncora anuncia no
programa de televisão o fim da história que o expectador acabou de presenciar.

2. A SUBVERSÃO CRONOTÓPICA

Antes de falar sobre a subversão cronotópica, é preciso entender o que seria


cronotopo. O termo “cronotopo” é utilizado por Michael Bakhtin para tratar da relação
espaço-tempo na literatura. Este tempo tem como fundamento e base a teoria da
relatividade de Einstein, na qual se entende o tempo como quarta dimensão do
espaço, em que estes elementos são independentes.

Na literatura, é no espaço que se instala e é reconhecido o tempo, e este


tempo traz consigo a concepção de homem, cada nova temporalidade corresponde
a uma característica de homem, e este homem está relacionado ao espaço em que
vive, ou seja, o tempo transforma o indivíduo que transforma o espaço. Sendo
assim, o cronotopo permite a materialização do tempo (época) através do espaço,
sendo possível identificá-lo pelo espaço da narrativa. Estes estão destinados às
características de um gênero, a história está inserida em um tempo e em um espaço
da ficção.

Enquanto na literatura o espaço se torna movimento do tempo, da trama e da


história, em um espaço léxico e virtual, no cinema o cronotopo é absolutamente
literal. Ele se desenvolve concretamente na tela e está ligado à ideia de gênero, pois
a maioria dos filmes feitos mostram um mundo de continuidade e causalidade
lógicas, e que qualquer modificação nesta estética é importante para a percepção da
trilha sonora, dos planos e do ritmo, que podem modificar a impressão do espaço.
Com isso, o teórico Andrei Turovskya aplica o conceito de cronotopo ao cinema em
uma ideia de “Tempo impresso”. Já para Vivian Sobchack, o cronotopo é a base
concreta e literal de que a narrativa e de que os personagens reagem à
temporalização da ação humana, e não somente a um mero pano de fundo do
espaço-tempo para acontecimentos narrativos.

Muitos filmes aplicam estratégias narrativas para fugir das regras de realismo,
linearidade e continuidade, subvertendo-as, ocorre, assim, a subversão cronotópica.
Os filmes que aderem à subversão do cronotopo apresentam elementos que
sugerem falta de temporalidade, propondo uma nova postura do espectador,
querendo que o público supere a não aceitação de inverossimilhança narrativa na
história. Cria-se assim, um novo arco de significados sobre o tempo e o espaço.

No filme Romeu + Julieta, Luhrmann foge totalmente da realidade verossímil do


tempo (época) em que se passa a trama, instalando no espaço uma atemporalidade
que faz parte da estética do filme, tornando-se aceitável e compreensível, criando
um novo significado ao tempo, ao espaço, e a história de Romeu e Julieta.

A primeira desconstrução do tempo e que é bem perceptível é a escolha de


manter as falas originais da peça com o mesmo inglês arcaico escrito por
Shakespeare. Essa característica trás o espectador para o drama original da peça,
como se a essência da história ainda permanecesse viva. O único momento que
Luhrmann foge da característica original e modifica a essência é justamente na parte
mais conhecida do drama, a hora da morte dos amantes. No original, Romeu morre
antes de Julieta acordar, já no filme ela acorda antes do veneno fazer efeito no corpo
de Romeu, permitindo uma última troca de palavras e olhares. Com isso ele prefere
retirar a fala de Julieta na hora de seu suicídio, chamando mais atenção do
espectador para a ação do personagem. Outro ponto interessante é no encontro nos
dois grupos rivais no posto de gasolina, em que cada um possui armas com o
brasão de sua família, e o “duelo” começa com uma mordida no polegar.

No filme, os cenários também estão repletos de elementos que fogem de uma


época específica, como a grande estátua de Cristo entre as torres da família, na
Alameda do Sicómoros (parte litorânea onde Romeu passa a maior parte do tempo),
a igreja e a grande mansão dos Capuleto. Uma cena que explora esse tempo e
espaço indefinido é a da festa à fantasia. O local remete a grandes palácios reais,
com uma grande escada, grandes quadros, estátuas, lustres, fontes, e outros
elementos elisabetanos. Nesta cena o diretor leva o espectador a um espaço
fantástico, nele não há tempo definido, ou seja, neste espaço, tempo não está se
materializa. E é interessante que é neste local e momento que os adolescentes se
encontram e se apaixonam a primeira vista, sendo assim, essa história pode
acontecer em qualquer época, espaço e tempo.

A montagem também carrega essa característica reforçando a estética e a


proposta do filme. Ela possui um ritmo próprio que independe do tempo real,
fazendo o uso da câmera lenta em determinadas cenas e em outras utiliza da
aceleração.

Com isso, pode-se enxergar nesse filme a subversão cronotópica, ele quebra
com a ideia de cronotopo, subvertendo-o em um tempo indefinido cheio de
elementos atemporais e características pertencentes a obra original e a
modernidade. Luhrmann prefere usar esses artifícios atemporais e estéticos para
criar uma nova experiência audiovisual da tragédia de Romeu e Julieta, que já é
bastante conhecida e reconhecida mundialmente.
3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN, Mikhail. Formas de tempo e de cronotopo no romance. In: Questões de


literatura e de estética. Trad. de Aurora Fornoni Bernardini et al. São Paulo: Hucitec,
1988

MARGON, Cristina; VIEIRA JR, Erly. Romeo + Juliet + Pós-modernismo. In:


INTERCOM – Comunicação Audiovisual do XII Congresso de Ciências da
Comunicação na Região Sudeste; 2013, Bauru. Anais eletrônicos. São Paulo.
Disponível em:<
http://portalintercom.org.br/anais/sudeste2013/resumos/R38-0475-1.pdf>. Acesso
em 14 nov.2014.

SILVA, Marisa Corrêa. O Kitsch em Romeu e Julieta: Luhrmann e Shakespeare.


Revista Jiop, Maringá, n. 1, p. 60-68, 2010. Disponível em:
<http://www.dle.uem.br/revista_jiop_1/artigos/correa.pdf>. Acesso em 16 nov. 2014.

STAM, Robert. Introdução à teoria do cinema. Tradução de Fernando Mascarello.


Campinas: Papirus, 2003 – (Coleção Campo Imagético).

Você também pode gostar