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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
TÓPICOS ESPECIAIS EM HISTÓRIA DO CINEMA
PROF. DR. LUIS EDUARDO PINA LIMA

ERONDINA EMANOELA ANDRADE DE SANTANA

CINEMA MUDO: O SILÊNCIO QUE ECOA NA ETERNIDADE DO CINEMA

SÃO CRISTÓVÃO – SE
2023
1. Introdução
Compreender a experiência estética vivida durante a disciplina Tópicos Especiais em
História do Cinema envolve uma jornada de descobertas significativas. Dentre elas, o Cinema
Mudo e todo seu universo particular. É a respeito disso que discorreremos nesse trabalho.
Antes de nos aprofundarmos nas discussões, é necessário entender essa rica fase da
história do cinema. Nessa vertente, os filmes eram produzidos sem a presença de diálogos
sonoros, principalmente pelas limitações tecnológicas que implicavam nisso. Áudio e imagem
precisavam ser capturados separadamente e isso dificultava a junção, pois nem sempre se
conseguia chegar à perfeita sincronia.
O Cinema Mudo tinha um caráter universal. As produções eram exibidas por diversos
cantos do Globo. Dessa forma, era muito mais vantajoso que não houvesse diálogos na língua
original. Contudo, mesmo na ausência de som, os filmes conseguiam oferecer uma experiência
estética completa. Recursos como expressividade, trilha sonora e elementos visuais, tais como
cenários, jogos de luz, sombras e movimentos da câmera, cumpriam muito bem o papel de
transmitir exatamente a atmosfera pensada para o filme.
Mesmo diante de tanta grandiosidade histórica, ainda hoje há resistência quando se trata
da experiência estética dessa fase cinematográfica. O cinema sem som é frequentemente
julgado como fraco e sem relevância. Principalmente, quando é posto lado a lado ao cinema
sonoro. No entanto, a realidade é bem diferente. Assim como o Cinema Sonoro, o Cinema Mudo
carrega consigo as particularidades que o fazem ser o que é. É preciso entender isso antes de
adentrar nesse universo: "Se alguém quiser conhecer e amar o cinema mudo, precisa ter bem
claro que sua linguagem é diferente da usada pelo cinema sonoro." (COSTA, 1987)
Tendo em vista a resistência inicial à transição do cinema mudo para o sonoro, este
ensaio se propõe a analisar o impacto duradouro do Cinema Mudo na história do cinema e a
destacar como diretores de destaque, como Charles Chaplin, enfrentaram essa mudança. Além
disso, investigaremos como o Cinema Mudo moldou a narrativa, a estética e a linguagem
cinematográfica, influenciando obras contemporâneas, como O Artista. Para ilustrar essa
análise, exploraremos o cinema de horror e comédia dessa era.

2. Desenvolvimento
2.1. O Cinema Mudo e sua importância

O Cinema Mudo, uma era cinematográfica que se estendeu aproximadamente das


décadas de 1890 a 1920, desempenhou um papel crucial no desenvolvimento da linguagem
cinematográfica. Engana-se quem pensa que o Cinema Mudo foi a fase mais pobre da
história do cinema. É o total oposto. O Cinema Mudo, com todas as suas características
distintas, marca o início da riqueza da sétima arte. Parafraseando Tynianov (1971), a riqueza
do cinema mudo está justamente em sua pobreza.
Nessa era, os filmes eram totalmente desprovidos de som e contavam com diversos
recursos para a construção da atmosfera e para passar toda a emoção desejada para o filme.
É importante destacar o que foi o Expressionismo Alemão e a influência que ele
exerceu sobre o cinema mundial. Este foi um movimento artístico e cultural que surgiu na
Alemanha, entre o final da Primeira Guerra Mundial e a década de 1930, e que moldou
diversas manifestações artísticas em todo o mundo, sobretudo o cinema. Entre seus
elementos, está o investimento em cenários ousados, distorcidos e incomuns, que refletiam
o psicológico de seus personagens. Um outro elemento marcante era a presença de
personagens angustiados, à beira da loucura em decorrência do pós-guerra.
Surge, então, em meio a essa vanguarda, O Gabinete do Dr. Caligari, dirigido por
Robert Wiene. Sendo parte do Expressionismo Alemão, o filme carrega consigo uma
verdadeira experiência horripilante e fantástica. Seu conteúdo leva o espectador a
contemplar o horror através de suas cenas visualmente perturbadoras. A escolha de cenários
distorcidos e destoantes da realidade, cria uma sensação onírica, angustiante e irreal: “Ao
evitar as formas realistas, reforçando as curvas abruptas e a pouca profundidade, esse
cenário provocava sentimentos de inquietação e desconforto adequados à história que estava
sendo contada.” (CÁNEPA, 2006, p. 67)
Além disso, a história é contada do ponto de vista do protagonista, de forma
exagerada e distorcida, o que nos leva a questionar a veracidade dos eventos narrados.
Cabe ainda mencionar o uso da maquiagem como aliada na construção da identidade
dos personagens. O próprio Dr. Caligari tem uma caracterização pesada e forte, o que lhe
confere uma aparência maligna. O sonâmbulo, Cesare, tem sombras escuras ao redor dos
olhos, o que reafirma seu aspecto de alguém que tem problemas com o sono.
Após a grande fama e aceitação do Gabinete do Dr. Caligari, que lançou uma nova
forma de fazer cinema, advinda do horror da guerra que ainda ecoava na sociedade alemã,
Nosferatu (1922), adaptação não autorizada da obra Drácula, de Bram Stoker, vem agregar
positivamente no Expressionismo Alemão e no Cinema Mudo. Max Schreck deu vida ao
vampiro Nosferatu de forma gigantesca e brilhante, transformando o personagem em uma
figura totalmente assustadora: “O monstro mais importante do cinema de Weimar foi, sem
dúvida, o repugnante conde Orlock, interpretado pelo ator Max Schreck, em Nosferatu.”
(CÁNEPA, 2006, p.76)
A iluminação e o uso de sombras foram fatores que contribuíram fortemente para a
constituição da atmosfera desse filme e de tantos outros da época. Essa técnica consistia em
evidenciar a expressão dos atores por meio do contraste dramático. Outra utilização
interessante das luzes era usá-las de modo a apresentar uma simbologia. Uma luz muito
forte poderia indicar algo divino, como a esperança. Por outro lado, sombras intensas
poderiam indicar mistério ou perigo. Isso reafirma que a fala não era o produto principal na
construção da história.
Além disso, a música, frequentemente usada para despertar emoção, era executada
ao vivo no momento da exibição do filme. Assim, era possível sentir verdadeiramente o que
cada cena transmitia.
Dessa forma, fica claro que o Expressionismo Alemão foi uma riquíssima parte da
história do Cinema Mudo. Suas influências permitiram que o cinema se firmasse e
começasse a evoluir até se transformar no que é hoje. Essas influências ainda podem ser
percebidas na contemporaneidade.

2.2. Charlie Chaplin: o gênio do Cinema Mudo

A comédia também desempenhou um papel crucial no Cinema Mudo, oferecendo ao


público uma dose saudável de humor e entretenimento. Nesse contexto, figuras notáveis como
Charlie Chaplin e outros diretores deixaram uma marca indelével, explorando a comédia física
e o humor para cativar as audiências da época.
Filmes como Homem-mosca (1923), dirigido por Fred C. Newmeyer e Sam Taylor, e A
General (1926), de Clyde Bruckman e Buster Keaton, são verdadeiras preciosidades do Cinema
Mudo na esfera da comédia. Eles demonstraram como a comédia física, repleta de situações
inusitadas e acrobacias incríveis, era uma parte essencial dessa fase, cativando e divertindo o
público com suas proezas cômicas.
Charlie Chaplin, frequentemente chamado "o gênio do cinema mudo", foi uma das
figuras mais proeminentes na esfera da comédia muda. Ele não apenas atuava, mas também
escrevia, produzia e dirigia suas próprias obras, o que lhe conferia total controle sobre sua arte.
Esse controle criativo permitiu a Chaplin criar um delicioso equilíbrio entre comédia e drama,
adicionando uma dose generosa de crítica social às suas obras.
Chaplin foi capaz de utilizar sua genialidade para abordar questões sociais complexas
de forma cômica, destacando-se por seu poder de comunicação única. Em Tempos Modernos
(1936), ele denunciou as condições desumanas de trabalho, o desemprego em massa e a
automatização das indústrias de uma maneira que cativava o público. Utilizando seu
carismático personagem "O Vagabundo", Chaplin representou os trabalhadores explorados e
alienados da época, fazendo o público rir das situações absurdas em que se encontravam. Ao
fazer isso, ele despertou a empatia do público e destacou as injustiças sociais.
Em O Grande Ditador (1940), Chaplin realizou uma sátira brilhante do nazifascismo,
desafiando a tirania com uma mensagem de paz e humanidade. Ele usou seu personagem
Adenoid Hynkel para satirizar o autoritarismo e o nacionalismo extremista, fazendo com que o
público refletisse sobre os horrores da guerra e da ganância. No famoso discurso final do filme,
Chaplin apelou emocionalmente para a liberdade e a unidade, deixando uma mensagem
duradoura sobre a importância de valores humanitários em um mundo turbulento.
Através de suas atuações e histórias envolventes, Chaplin conseguiu chamar a atenção
do público para questões sociais prementes, combinando comédia e crítica social de maneira
magistral. Isso lhe permitiu abordar assuntos sérios de uma forma que era acessível e impactante
para as audiências da época, contribuindo significativamente para o diálogo social e político.

2.3. A resistência de Chaplin à Transição Para o Som

A transição para o cinema mudo, na década de 1920, foi uma mudança significativa para
a indústria cinematográfica. E, como em toda revolução, houve resistência a essa nova maneira
de fazer arte. Os motivos foram diversos, desde os altos custos, que envolviam o investimento
em equipamentos, à perda de estrelas do Cinema Mudo que não tinham uma boa voz para atuar
nos filmes; e, até mesmo, o fim da universalidade do cinema.
Chaplin é um dos exemplos de resistência. A chegada do som trouxe muitos desafios ao
cineasta. A resistência do produtor se deu em razão do apego ao seu personagem “O
vagabundo”, pois, para ele, a adição de voz removeria a sua essência. Dentre muitos outros
motivos, destaca-se também o medo de perder a audiência global. Chaplin era conhecido
mundialmente e limitar sua obra a um único idioma o faria perder o prestígio. Por fim, outro
motivo que levou o cineasta a resistir foi o fato de ter a expressão visual como detalhe preferido
na busca pela transmissão de emoções. Com o som, esse aspecto era minimizado. Um filme que
mostra muito bem a resistência de Charles Chaplin é O circo (1928) que, embora lançado no
auge da era sonora, ainda era predominantemente mudo.

2.4. O Impacto de "O Artista" na Compreensão da Transição

O Artista (2011), dirigido por Michel Hazanavicius, não apenas homenageia a era do
Cinema Mudo, mas também nos proporciona uma perspectiva única sobre a transição para o
cinema sonoro. O filme retrata de forma brilhante o impacto do som na vida dos artistas e na
indústria cinematográfica como um todo. Através de seus personagens, somos levados a
compreender a resistência à mudança e os desafios enfrentados por atores e diretores que viram
seus métodos de trabalho transformados.
O personagem de George Valentin, interpretado por Jean Dujardin, personifica a
nostalgia pela era do Cinema Mudo, onde sua expressão facial e gestos falavam mais alto do
que palavras. No entanto, à medida que o cinema sonoro surge, Valentin se vê confrontado com
a necessidade de se adaptar a essa nova realidade, uma transição que espelha a experiência de
muitos artistas da época.
Peppy Miller, por sua vez, interpretada por Bérénice Bejo, encarna a ascensão dos
novos talentos do cinema sonoro. Sua jornada exemplifica a empolgação e a adaptação bem-
sucedida ao novo meio, simbolizando a próxima geração de artistas.
Ao longo do filme, Hazanavicius nos mostra as lutas e os triunfos desses personagens
em meio a uma indústria em transformação. A relutância de Valentin em aceitar a mudança, seu
declínio na indústria e posterior redescoberta de sua voz representam um retrato comovente da
passagem de uma era para outra.
Através da brilhante cinematografia em preto e branco e da trilha sonora, O Artista nos
convida a refletir sobre como as transformações tecnológicas moldam não apenas o mundo do
entretenimento, mas também a nossa própria compreensão da transição, da evolução e da
resistência à mudança. Hazanavicius nos entrega uma obra-prima que não apenas homenageia
o passado, mas também nos instiga a contemplar o futuro, reconhecendo que, por vezes, a
verdadeira genialidade artística reside na capacidade de se adaptar a novos desafios e
horizontes.

3. Conclusão

O Cinema Mudo foi uma época de ouro na história do cinema, marcada por inovação,
criatividade e experimentação. Artistas como Charlie Chaplin e obras como Nosferatu e O
Gabinete do Dr. Caligari continuam a cativar e inspirar o público, enquanto filmes como O
Artista nos ajudam a compreender a transição para o cinema sonoro. O legado do Cinema Mudo
perdura, lembrando-nos da importância da expressão visual e da capacidade da sétima arte de
atravessar fronteiras culturais. À medida que exploramos esse período fascinante, somos
levados a uma apreciação mais profunda da história do cinema e de seu poder duradouro.
4. Discussão

Nesta seção, vamos aprofundar nossa compreensão do Cinema Mudo, da transição para
o som e das influências culturais e estilísticas. Também destacaremos as conexões entre os
tópicos abordados e sua relevância contínua.

4.1. A Importância do Expressionismo Alemão e do Horror no Cinema Mudo

Como exposto anteriormente, é notável a presença do Expressionismo Alemão, que


moldou significativamente a estética e a forma de narrativa na fase do Cinema Mudo. Em O
Gabinete do Dr. Caligari, vimos que os cenários distorcidos e uma história angustiante foram
peças fundamentais para construir uma narrativa visualmente impactante. Em Nosferatu,
percebemos o quanto o exemplo dessa escola se perpetuou.

4.2. O Gênio da Comédia Muda: Charlie Chaplin

Esta parte da discussão nos permitiu entender a genialidade de Chaplin na comédia do


Cinema Mudo. Fomos levados a perceber que, apesar de se tratar de humor, o conteúdo de seu
trabalho era socialmente relevante. Reafirmando o compromisso do cineasta com a arte e a
sociedade. Esse aspecto continua a influenciar as produções do mesmo gênero até hoje. Nos
levando a perceber que nunca se trata apenas da comédia.

4.3. A Resistência à Transição para o Som e a Permanência da Linguagem Visual

A resistência à transição para o Cinema Sonoro demonstra o medo que os grandes


cineastas tinham de perder a universalidade e expressão visual que eram elementos
determinantes do Cinema Mudo. A resistência de Chaplin também lança luz sobre a importância
da expressão visual no cinema e como o som alterou essa dinâmica.

4.4. O Artista como uma Reflexão Sobre a Transição

O artista é um filme da contemporaneidade que nos leva por um caminho de


entendimento a respeito das complexidades que envolveram a transição do cinema mudo para
o sonoro. Considerado um tributo à fase muda do cinema, não anula a importância de nenhuma
das fases. Pelo contrário, George Valentin e Peppy Miller são a síntese dos dois lados dessa
mudança. Enquanto ele representa a nostalgia, ela se apresenta como a adaptação e o
entusiasmo pelo novo.
Em última análise, a discussão revela que o Cinema Mudo não é um capítulo encerrado
na história do cinema, mas um período que apresentou muita criatividade e inovação no campo
da sétima arte e continua a influenciar as gerações. O Cinema Sonoro não apagou a importância
do cinema mudo; ao contrário, nos fez perceber o quanto a evolução é presente e inevitável.

Referências bibliográficas

1. CÁNEPA, L. L. Expressionismo alemão. In: MACARELLO, Fernando (org.).


História do cinema mundial. 1ª ed. Campinas/SP: Papirus Editora, 2006. cap. 2, p.
55-89.
2. COSTA, Antonio. Compreender o cinema. 3.ed. São Paulo: Editora Globo, 2003

Filmografia
1. A GENERAL (The general). Direção: Clyde Bruckman. Produção de: Buster Keaton,
Joseph Schenck e David Shepard. Estados Unidos: United Artists, 1926.
2. HOMEM-MOSCA (Safety Last!). Direção: Fred C. Newmeyer e Sam Taylor.
Produção de: Hal Roach. Estados Unidos: Pathé Exchange, 1923.
3. NOSFERATU (Nosferatu, eine Symphonie des Grauens). Direção: F.W. Murnau.
Produção de Prana Film, Alemanha, 1922.
4. O ARTISTA (The Artist). Direção: Michel Hazanavicius. Produção de: Thomas
Langmann. França, Warner Bros; France The Weinstein Company.
5. O CIRCO (The Circus. Direção: Charlie Chaplin. Produção de: Charlie Chaplin
Productions. Estados Unidos, 1928.
6. O GABINETE DO DR. CALIGARI (Das Cabinet des Dr. Caligari). Direção: Robert
Wiene. Produção de Decla-Bioscop. Alemanha, 1920.
7. O GRANDE DITADOR (The Great Dictator). Direção: Charlie Chaplin. Produção
de: Charlie Chaplin Productions. Estados Unidos: United Artists, 1940.
8. TEMPOS MODERNOS (Modern Times). Direção: Charlie Chaplin. Produção de:
Charlie Chaplin Productions. Estados Unidos: United Artists, 1936.

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